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As estrelas na sala de aula:

uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar


Jorge Ernesto Horvath

As estrelas na sala de aula:


uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

2019
Copyright © 2019 Editora Livraria da Física
1ª Edição

Direção editorial: José Roberto Marinho

Capa: Fabrício Ribeiro


Imagem da capa: Vincent van Gogh, Noite estrelada sobre o Ródano (1888)
Projeto gráfico e diagramação: Fabrício Ribeiro

Edição revisada segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Horvath, Jorge Ernesto


As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da astronomia estelar /
Jorge Ernesto Horvath. -- São Paulo: Editora Livraria da Física,2019.

Bibliografia.
ISBN 978-85-7861-632-8

1. Astronomia 2. Astronomia - História 3. Estrelas 4. Estrelas - Estrutura 5. Estrelas -


Evolução I. Título.

19-30386 CDD-523.8

Índices para catálogo sistemático:


1. Estrelas: Astronomia 523.8

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida
sejam quais forem os meios empregados sem a permissão da Editora.
Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107
da Lei Nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998

Editora Livraria da Física


www.livrariadafisica.com.br
Otro para las tres ovejas...
Agradecimentos

A
Educação é para este autor um longo caminho, no qual as mãos
de Paulo Bretones, Luiz Carlos Jafelice, Lys Figueredo, Marcelo
Porto Allen e Nelson Vani Leister serviram de guia inestimá-
vel. Agradeço também a minhas alunas Mônica Bandecchi e Karina
Brasil pela presença e esforços que ajudaram a elaborar e definir
vários tópicos deste texto. Os inúmeros colegas dedicados partici-
pantes nos SNEAs e atividades similares serviram de inspiração
e exemplo, muito em especial meu querido amigo e mentor Juan
Bernardino Marques Barrio que nos deixou no zenit da sua vida.
Sumário

Por que ensinar a Astronomia das estrelas?................................. 11

Capítulo 1. As estrelas na história da Humanidade..................... 13


As estrelas na Astronomia chinesa, mesopotâmica, indiana,
americana e grega. A Astronomia estelar depois de Galileu e
Newton

Capítulo 2. A natureza e propriedades da luz.............................. 25


Evolução histórica das ideias a respeito da luz. Fluxos,
luminosidades e magnitudes. O fóton e a radiação do corpo negro.
A luz e os espectros. A natureza quântica da matéria e seu papel
nos espectros observados: o modelo de Bohr

Capítulo 3. A descrição da Estrutura Estelar................................ 47


Fatos básicos e observações: o diagrama H-R. A descrição física
da estrutura estelar. A geração de energia nas estrelas. Transporte
de energia no interior estelar. O sistema de equações: como
“funcionam”as estrelas

Capítulo 4. A Evolução Estelar até os estágios finais................... 83


Estrutura e evolução: teoria e observações. A Seqüência Principal
e as relações básicas entre os parâmetros das estrelas como
conseqüência das condições de equilíbrio. Os extremos das
massas das estrelas: as “mais” e as “menos”. Depois da Seqüência
Principal: os estágios avançados

Capítulo 5. Supernovas................................................................ 121


Supernovas no Mundo Antigo.As supernovas históricas.
Supernovas de colapsos gravitacionais (tipo II, Ib e Ic). Supernovas
termonucleares (tipo Ia)
Capítulo 6. Os cadáveres da galáxia: anãs brancas, estrelas de
nêutrons e buracos negros........................................................... 143
A formação dos objetos compactos. Anãs brancas. Estrelas de
nêutrons e pulsares. Buracos Negros

Capítulo 7. A formação das estrelas............................................ 183


O quê sabemos da formação das estrelas? Colapso das GMCs:
gravitação vs. turbulência. Os estágios da formação estelar. A
Função Inicial de Massas

Capítulo 8. Sistemas estelares...................................................... 201


O quê são os sistemas estelares? Sistemas múltiplos. Associações
estelares. Aglomerados abertos. Aglomerados globulares

Capítulo 9. Estrelas variáveis....................................................... 211


Variáveis na história da Astronomia. Classificação geral das
estrelas variáveis.Variáveis pulsantes. Variáveis eruptivas

Capítulo 10. As estrelas e a Tabela Periódica:


núcleos no Cosmos....................................................................... 221
As estrelas e a Tabela Periódica. Além do pico de ferro

Capítulo 11. As estrelas na Educação.......................................... 231


O estado-da-arte do Ensino das estrelas e o conhecimento prévio.
Observando e analisando um campo estelar. Um espectrógrafo útil
e barato. Orion e o diagrama HR. Considerações finais

Apêndice 1. Reações nucleares: o cálculo da taxa de geração de


energia........................................................................................... 245
Apêndice 2. KEPLER, GAIA e a procura de planetas................ 249
Apêndice 3. Uma seqüência didática.......................................... 253
Apêndice 4. Quem é quem no Diagrama HR............................... 255

Sobre o autor................................................................................. 259


Referências Gerais........................................................................ 261
Por que ensinar a Astronomia das estrelas?

O
século 21 está sendo denominado “o século da Biologia”,
mas poderia também ser chamado do “século da Astrofísica”.
Os avanços no estudo do Cosmos e seus componentes têm
sido muito grandes, e o futuro promete ainda mais. No entanto, a
Educação científica no Ensino Médio está parada em algum lugar
do final do século 19, omitindo quase toda a Mecânica Quântica,
Relatividade e todos seus desdobramentos dos programas de estudo.
A Astrofísica Estelar é uma disciplina onde este problema se sente
com força: existem assim várias razões para abordar as estrelas na
sala de aula: talvez a primeira seja a “novidade” que trazem e o inte-
resse espontâneo dos alunos pelo céu e o Cosmos. Mas também por-
que as estrelas integram transversalmente conteúdos separados nos
programas na Física, Química, Matemática e História, servindo de
“panela” interdisciplinar de amplo alcance. Finalmente, nas estre-
las estão presentes algumas das questões que ocupam a Humanidade
por muitos séculos, importantes para o devenir da nossa própria
História e seu futuro. Esta monografia tem a missão de auxiliar os
professores que queiram contrariar esta corrente, expondo os conte-
údos e sugerindo atividades e discussões a respeito. A flexibilidade
para montar e inserir estes no currículo escolar corre por conta de
cada um, embora haveria material para, pelo menos, um ano inteiro.
Boa leitura e melhor aplicação.
J.E.H., Guarujá, Julho de 2019
CAPÍTULO 1

As estrelas na história da Humanidade

As estrelas na Astronomia chinesa, mesopotâmica,


indiana, americana e grega

É
possível afirmar sem temor a errar que a curiosidade dos seres
humanos pelos céus é muito antiga e precede à civilização
mesma. A partir do estabelecimento da agricultura, há uns 10 000
anos, os povos que deixaram a vida nômade precisaram desenvolver
conhecimento organizado das estações do ano e outros fenômenos
celestes para semear, cultivar e coletar. Dos fragmentos históricos
que nos chegaram, se deduz que havia uma relação muito próxima
entre a vida destes povos e os céus.
No período Neolítico, o assentamento que a Agricultura pro-
moveu levou também ao desenvolvimento das grandes civilizações
do Mundo Antigo. Existe evidência de que no Mundo Antigo a
Astronomia e a Astrologia eram completamente simbióticas. A prá-
tica das duas era, em geral, exercida por uma classe de sacerdotes-
-mágicos muito próxima aos reis e imperadores, a exemplo do que
aconteceu na Suméria e Egito. Mas este viés que hoje chamaríamos
de “místico” na cosmovisão antiga não impediu o desenvolvimento
de observações e idéias objetivas avançadas a respeito dos céus,
estes últimos necessários para interpretar sua influência na própria
Terra. Sem nenhuma pretensão de completeza, vamos enumerar
algumas das visões mais interessantes dos povos antigos a respeito
das estrelas que aqui nos ocupam.
A astronomia chinesa é a única que apresenta mais de 5000
anos de observações e desenvolvimentos continuados, por exem-
plo, o mais antigo registro de um eclipse solar conhecido, no ano
14 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

2137 a.C. Seus métodos de localização (utilizados para produzir as


cartas celestes) eram muito similares aos modernos, utilizando coor-
denadas que só vieram a ser desenvolvidas 1500 anos mais tarde
no Ocidente. Os astrônomos Gan De e Shi Shen são os primeiros
autores de cartas de posições de estrelas da Humanidade, no século
4 a.C., conhecido como Manual das Estrelas dos Mestres Gan e
Shi (甘石星經), do qual nenhuma cópia completa sobreviveu até
hoje. Além destas cartas (Fig. 1.1), os astrônomos chineses registra-
ram ainda a variabilidade dos céus, observando o aparecimento de
“guest stars” (supernovas, por exemplo, a de 1054 a.C. que originou
a nebulosa do Caranguejo e o pulsar que nela reside), e aperfeiçoa-
ram as cartas estelares (como as da Fig. 1) que permaneceram sendo
as melhores do mundo até a Europa do Renascimento. Não parece
ter havido qualquer interesse especial na natureza das estrelas, mas
tão somente nas suas posições e movimentos, apesar do terem reco-
nhecido os aumentos enormes de brilho em alguns eventos, os quais
deveriam tê-los levado a questionar o tipo de fenômeno acontecido
(Needham e Ronan, 1986).

Fig. 1.1. Carta estelar chinesa na região do Pólo Norte da dinastia Tang, datada em
705-710 A.D. Três diferentes cores foram usadas para as constelações. Ao total, as
cartas completas contém umas 1300 estrelas e contém material do catálogo de Gan
e Shi somado a observações posteriores.
Capítulo 1 15

A Astronomia na Mesopotâmia começa na época da civili-


zação suméria, uns 2000 anos a.C., e os sucessores dos Sumérios
(Babilônios, Assírios e Caldeus) receberam e aperfeiçoaram cartas
estelares de qualidade já por volta do século 12 a.C., escritas em
tabuas de argila em caracteres cuneiformes. Como exemplo, o catá-
logo denominado Três estrelas cada dividia o céu em três setores e
associava três estrelas para cada mês. Um detalhe interessante é que
os Babilônios identificaram as Plêiades como um “grupo estelar”,
não como uma estrela única. Por volta do século 4 a.C. este con-
junto de conhecimentos tinha passado ao mundo grego e povos do
Mediterrâneo pelo trabalho de Eudoxo de Cnidus e outros filósofos
(Thompson, 2019). Assim, os astrônomos gregos, beneficiaram-se
bastante com a aquisição de conhecimentos acumulados por mais de
um milênio, por exemplo, existe um relato no qual Tales de Mileto
conseguiu predizer um eclipse utilizando observações do século
precedente devidas aos babilônios. Pela sua importância para nós,
nos ocuparemos da Astronomia estelar grega separadamente.
Independentemente de todas as outras escolas astronômicas,
a Astronomia indiana chegou ao conhecimento de alguns fatos
importantes a respeito das estrelas, precedendo por vários séculos
aos astrônomos europeus. É particularmente importante a contribui-
ção do matemático e astrônomo Aryabhata “o Velho” (século 5 d.C.,
http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/Biographies/Aryabhata_I.
html), autor de um modelo heliocêntrico e de estimativas acuradas
do diâmetro de Terra. Ainda antes de Aryabatha, os indianos tam-
bém identificaram as estrelas como sóis, ou seja, declararam que o
Sol e as estrelas eram da mesma natureza, tal como diz este antigo
verso escrito em sânscrito

“Sarva Dishanaam, Suryaha, Suryaha, Suryaha.”

e que pode ser traduzido como “à noite há sóis em todas as dire-


ções”, e ainda teorizaram no século 7 d.C. a respeito da natureza da
força gravitacional. Esta idéia do Sol = estrela próxima já tinha sido
expressada por Anaxágoras 1 milênio antes, mas com a ressalva de
16 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

identificar ambos como pedras ou metais incandescentes, enquanto


os indianos não expressaram qualquer idéia concreta a respeito. De
qualquer forma, a natureza idêntica do Sol e as estrelas ia demorar
até começos do século 19 para ser comprovada experimentalmente
pela ciência moderna, como veremos depois.
As várias culturas meso-americanas e sul-americanas desenvol-
veram um conhecimento astronômico importante para seus rituais
religiosos, o funcionamento da sua agricultura e a organização social
em geral. Geralmente reconhece-se que os Maias foram os que atin-
giram o maior grau de desenvolvimento astronômico, conheciam o
movimento de Vênus e de Marte (incluindo o chamado movimento
retrógrado deste último) e desenvolveram um calendário muito
acurado. É notável que os Maias conseguiram estes feitos graças
ao conceito do zero na sua Matemática, e assim conseguiram cal-
cular com precisão vários fenômenos celestes como, por exemplo,
os eclipses solares. As estrelas formavam parte do universo Maia e
dos Teotihuacanos (que estavam em contato documentado com os
Maias) como reflexos simbólicos do real. Os Astecas do vale cen-
tral também possuíam uma Astronomia significativa, tendo criado
um calendário próprio de 18 meses e dividido o mundo em ciclos
ligados a seus mitos. Os Incas no entanto desenvolveram o con-
ceito de Waqa, objetos intangíveis com representação no céu, onde
identificavam constelações com lhamas e outros animais e objetos
conhecidos (Rojas Gamarra e Vasconcellos, 2019). A principal cons-
telação dos Incas tinha também as Pléiades como membro, com a
particularidade que enxergavam as regiões escuras do céu como
parte integrante das figuras. Finalmente, existem estudos vários
a respeito da etnoastronomia brasileira (vide trabalhos na Revista
Latino-Americana de Educação em Astronomia (RELEA) http://
www.relea.ufscar.br/index.php/relea e o trabalho de Afonso (2009)
nas Referências), relacionados à constelações Tupi, Guarani e outras
etnias.
Finalmente vamos nos referir ao surgimento da civilização
grega e sua Astronomia, onde aparece uma mudança qualitativa
fundamental na relação da Astronomia e as outras ciências com a
Capítulo 1 17

religião: pela primeira vez na História aparece na Grécia uns 5 sécu-


los a.C. a idéia revolucionária de poder compreender o mundo atra-
vés da observação e do raciocínio humanos, aparte de quaisquer
forças sobrenaturais e deuses. Outra diferença de postura radical-
mente diferente é que os gregos estudavam os fenômenos naturais
sem qualquer razão utilitária, ou seja, pelo puro prazer e necessi-
dade de aprender. Houve então uma dissociação entre a religião e a
filosofia com ressonâncias muito fortes até o presente e que marcou
todo o desenvolvimento científico ocidental.
Como parte deste processo racionalista, aparecem na Grécia
antiga várias tentativas de compreender as estrelas. Entre estas
podemos enumerar o trabalho de Anaximandro (discípulo de Tales
de Mileto, Fig. 1.2), considerado o primeiro cosmólogo da histó-
ria. Anaximandro imaginou as estrelas como “buracos” na abóboda
celeste, através dos quais podia-se ver o fogo central. O Sol e a Lua
eram para Anaximandro da mesma natureza (Guthrie, 2000 ; http://
solar-center.stanford.edu/FAQ/Qsunasstar.html). Imediatamente
logo na linha temporal (por volta de 450 a.C.), o pensamento de
Anaxágoras chegou à conclusão que as estrelas eram pedaços de
pedra ou metal incandescente, alimentados pelo atrito com o éter
circundante (Cleve, 1973). Para explicar a persistência das estre-
las, ainda postulou que a matéria que as constitui é resistente à
combustão.
18 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 1.2. Um mosaico romano do século III d.C. com a figura de Anaximandro,
conservado em Johannisstrasse, Alemanha.

No século seguinte, a escola atomística de Leucipo e Demócrito


elaborou pela primeira vez uma teoria da matéria na qual os átomos
se movimentavam no vácuo, muito próxima em vários aspectos à
moderna teoria atômica. Os atomistas escreveram que a Via Láctea
era um conjunto de estrelas pequenas e incandescentes, muitíssimo
mais próximas do que hoje medimos. O trabalho de Hiparco, o maior
astrônomo da Antigüidade clássica, incluiu o estudo e catalogação
de milhares de estrelas, classificadas pela magnitude por ele defi-
nida, por volta de 150 anos antes da Era Cristã.
Platão, o fundador da Academia, e seus discípulos interes-
sados em vários aspectos das ciências desde 387 a.C., e que fun-
cionou por mais de 800 anos, serviram como o elo entre as idéias
pré-socráticas dos físicos pré-socráticos, o período clássico grego e a
posterior escola de Alexandria herdeira dessas tradições. De Platão
sobreviveram várias obras completas e registros das suas doutrinas
foram conservados. Platão contrapõe um mundo de idéias perfeitas
(arquétipos platônicos), ao das coisas visíveis (fenômenos), que são
meras cópias imperfeitas daquelas. Na sua obra o Timeu, se ocu-
pou da natureza do Universo e o movimento dos astros, revelando o
espírito na procura de regularidade e ordem, mas sem se preocupar
Capítulo 1 19

especialmente pela natureza das estrelas. O legado de Platão ao pen-


samento humano em geral, e às ciências em particular, é profundo e
marcante, reaparecendo até hoje de várias maneiras no pensamento
científico (Russell, 2001).
A obra de Aristóteles no século 3 a.C. pode ser considerada a
mais abrangente e influente do Mundo Antigo, em muito poten-
ciada pela posterior incorporação dela à doutrina da Igreja por Santo
Tomás de Aquino um milênio após sua morte. Aristóteles via na
observação da Natureza um método viável para a busca da verdade.
As contribuições de Aristóteles são múltiplas e muito significativas,
a exemplo das suas idéias a respeito da constituição da matéria, à
qual ele adicionou mais um quinto elemento além dos quatro (cha-
mado éter ou quintessência), e que constituiria a matéria primordial
que formaria os corpos celestes, perfeitos e imutáveis. Notamos que
esta postura trouxe efeitos profundos para o problema da constitui-
ção e natureza das estrelas: Aristóteles, com sua postulação do éter,
afastou a possibilidade de tratar as estrelas com as mesmas ferra-
mentas que o resto dos objetos físicos. Assim, por quase um milênio
a discussão das estrelas passou ao plano estritamente filosófico-
-religioso sem possibilidade de ser tratada fisicamente. Como exem-
plo desta dissociação, as estrelas foram consideradas no contexto
religioso pelo influente pensador cristão Orígenes no século 3 d.C.,
quem chegou à conclusão que estavam relacionadas às almas dos
mortos na teologia (Scott, 1994). Precisaram decorrer vários séculos
até que a questão das estrelas como objetos físicos voltasse a tona.
A Astronomia grega conseguiu assim um grande número de
feitos que seriam retomados e ampliados pela Astronomia árabe
depois do declínio do Helenismo, para finalmente serem entregues
de volta ao Ocidente, através do contato entre as duas civilizações
até o século 15.

A Astronomia estelar depois de Galileu e Newton


Já começado o século 17 e no meio da efervescência
Renascentista, coube ao pensador e monge Giordano Bruno revisitar
20 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

a questão das estrelas, com a conclusão que estas eram outros sóis,
acrescentada por ele da presença de planetas e seres vivos no seu
entorno. Esta pluralidade trouxe sérios problemas para Bruno, final-
mente executado em Roma pela Igreja no ano 1600 (Fig. 1.3) sob
acusação de heresia.

Fig. 1.3. Estátua dedicada a Giordano Bruno, localizada no Campo dei Fiori, Roma

A construção inicial da ideia que hoje temos das estrelas teve


como protagonistas a dois gigantes da ciência: Galileu e Newton.
Galileu foi o primeiro astrônomo a ultrapassar o estágio da obser-
vação visual simples e utilizar uma luneta que o deixou em condi-
ções de observar vários fenômenos astronômicos. A descoberta dos
satélites de Júpiter convenceu a Galileu da inexistência de esferas
de cristal no Cosmos, já que deduziu (corretamente) que o sumiço
dos mesmos em certos momentos se devia a ocultação pelo próprio
planeta. Assim, os satélites estavam em órbitas em torno do planeta,
e nenhuma esfera de cristal precisava ser “furada” para este movi-
mento acontecer.
Quando Galileu apontou o telescópio para as estrelas, pode
constatar a presença de inúmeras estrelas fracas, nunca antes vistas
pelo homem. Esta foi a primeira vez que os sentidos humanos foram
“estendidos” pela tecnologia para avanço da Astronomia. Uma nova
perspectiva das estrelas e da Via Láctea começou com o telescópio
galileano. Como exemplo, o aglomerado das Plêiades foi observado
por Galileu e desenhado como aparece na Fig. 1.4. A presença de
Capítulo 1 21

estrelas fracas que ele viu pela primeira vez foi tão numerosa que
não se deu ao luxo de gastar muito tempo nelas, já que havia outros
assuntos vários de importância a serem abordados.

Fig. 1.4. Desenho das Plêiades feito por Galileu, publicado na obra Sidereus
Nuncius (“O Mensageiro das Estrelas”) de 1610 baseado nas observações próprias
com a luneta que ele adaptou para a Astronomia.

Galileu também observou que, embora mais numerosas, as


estrelas sempre continuavam a aparecer como pontos, e deduziu
(corretamente também) que estavam longe demais para serem resol-
vidas. Esta pode ser considerada a primeira comprovação real, ainda
qualitativa, das distâncias estelares.
Isaac Newton por volta de 1690, anos depois da primeira edição
dos Principia, foi levado a estudar o problema das estrelas, em boa
medida pelos questionamentos do religioso R. Bentley, com quem
manteve uma correspondência intensiva (Hoskin, 1977). Bentley
observou que a atração gravitacional do conjunto de estrelas pode-
ria “puxar” o sistema solar, mas movimentos deste tipo não eram
observados. Newton desenvolveu progressivamente uma ideia da
distribuição espacial das estrelas que impedia esta perturbação, a
qual resultava excessivamente regular e pouco realista. Mas a ausên-
cia de paralaxe estelar (deslocamento das posições das estrelas con-
forme a Terra se situa em pontos opostos da sua órbita) o convenceu
da realidade das enormes distâncias que Galileu havia postulado.
22 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Newton também expressou a possível diferença intrínseca entre


estrelas de magnitudes idênticas, e abriu assim o caminho para os
estudos da estrutura estelar que começaram no fim do século XIX e
que formariam um corpus muito sólido ao longo do século XX.
O trabalho de F. Bessel, que já tinha medido e catalogado mais
de 50 000 estrelas em um trabalho intensivo, da medida da paralaxe
da estrela 61 Cyg (Fig. 1.5) foi o primeiro que confirmou quantita-
tivamente essas distâncias astronômicas. A determinação de Bessel
foi de 0.314 segundos de arco, o que se traduz em uma distância a
61 Cyg de 10,4 anos-luz (ou . Compreende-se que a medida desse
pequeno valor foi possível 200 anos depois da inferência de Galileu,
e formou parte de uma nova era na Astronomia.

Fig. 1.5. O conceito e medida da paralaxe estelar. Em duas datas separadas por
seis meses (Janeiro e Julho na figura), a Terra está em duas posições separadas por
umas duas unidades astronômicas. Algumas estrelas parecem se deslocar respeito
das outras, que estão muito mais longe (“imóveis”), por efeito da linha de visada.
O deslocamento angular (marcado com a em amarelo) permite medir a distância D
até a estrela que se “mexeu”. Se o ângulo é medido em segundos de arco, D = 1/a
da a distância em parsecs (1 pc = 3,26 anos – luz). De fato, a definição de parsec é
a distância cujo paralaxe resulta exatamente de 1 segundo de arco.

Depois desta breve revisão, devemos apontar que o fato mais


marcante que herdamos da Grécia antiga é nem mais nem menos
Capítulo 1 23

que a própria formulação da Ciência como a procura de causas e


efeitos racionalmente ligados, sem a intervenção de entes sobrena-
turais. O caminho da compreensão das estrelas foi longo e difícil, e
hoje estamos em condições de nos apoiarmos em esse conjunto de
observações e ideias de cientistas brilhantes e esforçados para apre-
sentar o assunto. Vamos tratar nas páginas seguintes uma abordagem
didática ao problema da natureza e características das estrelas, com
subsídios para sua discussão em sala de aula.

O mais importante
As estrelas balizaram a Humanidade por muitos séculos,
mas a visão que prevaleceu a respeito da sua natureza e carac-
terísticas era bastante diferente para cada cultura. As distâncias
estelares e a natureza exata das estrelas começou a ficar clara
no Ocidente a partir do Renascimento, mas somente quando F.
Bessel mediu a paralaxe de uma estrela estas distâncias foram
confirmadas. A composição estelar deveu esperar ainda pelos
estudos dos espectros obtidos com a dispersão da luz que
Newton começou, técnica importante que será objeto de estudo
nos Capítulos seguintes.
CAPÍTULO 2

A natureza e propriedades da luz

Evolução histórica das ideias a respeito da luz

O
fato que a maior parte do nosso conhecimento a respeito do
Universo, e das estrelas em particular, tenha sido obtido através
das observações ópticas (acrescentadas depois de instrumentos
que estenderam o rango para o infravermelho e ultravioleta, e poste-
riormente para todas as faixas do espectro...) merece uma discussão
que envolva e fundamente o quê conhecemos da luz e como isso foi
obtido.
No Mundo Antigo havia um consenso geral, como expressado,
por exemplo, na obra de Lucrecio (55 a.C.) De Rerum Natura (Fig.
2.1) em considerar a luz como de propagação instantânea (veloci-
dade infinita), feita de pequenas partículas (corpúsculos) e origi-
nada no olho do observador até chegar no objeto observado. Esta
concepção se manteve com poucas variantes até o século XII no
Ocidente, quando o pensador e filósofo árabe Averróis escreve uma
longa crítica aos trabalhos de Aristóteles onde contesta várias destas
características da luz. Abre-se assim uma via para o entendimento
da luz da forma “moderna”, a qual demorará séculos para chegar a
sua forma atual.
26 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 2.1. Busto do filósofo Lucrécio (esquerda), autor do poema De Rerum Natura
(Da Natureza das Coisas) no séulo I a.C. (direita).

A obra Opticks de Issac Newton publicada em 1704 é o resumo


mais importante destes novos desenvolvimentos posteriores ao
século XII. Newton descreve e pondera os experimentos que levou
a cabo e interpreta vários fenômenos importantes (particularmente
a difração da luz) em termos da natureza corpuscular que defende.
A difusão do Opticks acaba virtualmente com as idéias aristotélicas
mais antigas a respeito das cores e outros assuntos. Ainda é impor-
tante apontar que o trabalho do dinamarquês Ole Roemer tinha
convencido o próprio Newton da velocidade finita da luz, obtida
através da observação dos eclipses do satélite de Júpiter Io. Mas no
século XVIII e começos do século XIX haveriam ainda contribuições
de importância ao problema da natureza da luz: o primeiro devido a
T. Young, quem demonstrou a interferência da luz efetuando o cha-
mado experimento das duas fendas. Este fenômeno apontava dire-
tamente para um caráter ondulatório da luz, e resultava bem difícil
de explicar com a teoria Newtoniana. O outro foi o trabalho de A.
Fresnel na França, decisivo para interpretar a luz como uma onda
(no sentido das idéias de C. Huygens um século antes dele), e em
oposição à teoria corpuscular Newtoniana.
A grande síntese da teoria eletromagnética foi construída no
século 19 pelos trabalhos de vários autores, mas com a contri-
buição fundamental de M. Faraday e J.C. Maxwell. As equações
Capítulo 2 27

diferenciais clássicas obtidas por Maxwell (e reinterpretadas depois


por Heavside, Lorentz e outros, para se “desfazer” do éter lumífero,
substrato invisível para a propagação da luz no qual Maxwell acre-
ditou até sua morte...) contém, em princípio, a descrição de todos os
fenômenos eletromagnéticos clássicos conhecidos. Mas uns 50 anos
depois os trabalhos de Kirchoff, Rayleigh, Jeans e outros a respeito
da emissão e absorção da luz leveram ao beco (aparentemente) sem
saída que P. Erhenfest chamou da catástrofe do ultravioleta, e que
motivou uma verdadeira revolução na Física, onde este problema
da natureza da luz ressurgiu com força e deu origem ao conceito do
fóton ou quantum da luz. Estes desenvolvimentos importantes serão
discutidos neste Capítulo.

Fluxos, luminosidades e magnitudes


Como preparo para estudar as estrelas, enormes “lâmpadas” cós-
micas que brilham em distâncias extremas, como pensava Galileu,
vamos começar por lidar com um problema mais familiar e fácil de
visualizar: as lâmpadas domésticas. Sabemos que a medida da ener-
gia recebida delas é chamada de fluxo, a energia por unidade de área
e de tempo a uma distância D da lâmpada. Se não soubermos nem
a potência da lâmpada nem a distância, somente poderemos medir
o fluxo (em Joule m–2 s–1 no SI). Mais ainda, o fluxo é uma medida
relativa, já que duas lâmpadas bem diferentes podem produzir o
mesmo fluxo onde está o observador (Fig. 2.2).
28 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 2.2. O astrônomo (esquerda) mede o mesmo fluxo luminoso de uma lâmpada
de L1 = 25W a D1 = 2m de distância que de uma segunda lâmpada de a de distância.
Sem informação independente da distância D, não terá como saber a potência
da lâmpada. Isto é conseqüência do chamado Teorema de Gauss, que resulta em
.

A moral da história é que, ou sabemos a priori a potência da


lâmpada, ou precisamos averiguar a distância até ela. A contagem
de fótons em todos os comprimentos de onda se denomina lumino-
sidade (potência luminosa no jargão dos astrônomos) bolométrica,
e em cada uma das faixas de comprimento de onda leva o índice de
sua cor (R de red, B de blue, etc.) na fotometria mais elementar, à
qual nos referiremos mais adiante.
Para quantificar o brilho estelar, o astrônomo grego Hiparco no
século III a.C. definiu uma hierarquia de brilhos em termos de uma
quantidade que chamou de magnitude. Um século depois, Ptolomeu
difundiu esta escala de brilho na sua obra O Almagesto. A escala
grega se baseia em que as estrelas mais brilhantes do céu visíveis
a olho nu são definidas como de primeira magnitude, e as menos
brilhantes, quase invisíveis ao olho, de magnitude 6 (também por
pura definição). Séculos mais tarde formalizou-se esta classificação
matematicamente, definindo que para cada 5 magnitudes exista um
Capítulo 2 29

fator 100 de diferença no brilho das estrelas. Isto é, uma estrela de


magnitude 1 e uma de magnitude 6 diferem em 100 no brilho obser-
vado. Como esta definição se refere somente às observações , sem
afirmar nada a respeito da natureza estelar nem da distância estelar
(a mesma estrela muito mais longe brilharámenos e mostrará uma
magnitude diferente), denomina-se magnitude aparente. A forma
matemática da magnitude aparente para uma estrela com um certo
brilho (caracterizado pelo fluxo F da Fig. 2.2), respeito de um valor
de fluxo de referência com subíndice “0”, F0, é

. (2.1)

O fluxo de referência F0 deve ser escolhido para referir a mag-


nitude aparente a uma estrela (u outro objeto) padrão em um dado
comprimento de onda. Aqui utilizaremos implicitamente a luz visí-
vel, denominada com “V” na notação astronômica, e deveríamos
escrever “FV0”. Note-se que quanto mais fraca for a estrela, maior
resultará sua magnitude. Isto é conseqüência do sinal (-) na eq. (2.1),
e do fato que o log10 de um número < 1 é negativo. A expressão dá,
por exemplo, uma ideia real do que acontece com estrelas de um
fluxo dado em distâncias cada vez maiores: a magnitude aparente
aumenta, mas somente segundo o logaritmo do fluxo, ou seja, mais
ou menos suavemente (vide Fig. 2.3). O coeficiente 2,5 foi introdu-
zido para que a eq.(2.1) pareça o máximo possível com a definição
original de Hiparco (Schulman e Cox, 1997).
30 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig.2.3. O logaritmo do fluxo da luz estelar F, função que cresce suavemente conforme
F aumenta. Hiparco e seus seguidores adotaram implicitamente esta forma ao definir
o intervalo (escala) de 5 magnitudes visíveis, expressada matematicamente na eq.
(2.1) com posterioridade. Esta definição continua sendo utilizada até hoje. Note-se
que quando o fluxo F resulta menor que aquele da referência F0, a função é negativa
e a magnitude aparente m cresce numericamente, correndo assintoticamente junto
ao eixo vertical.

Poderíamos agora tentar um exercício preliminar, antes de pro-


por uma atividade mais realista (isto será feito no Capítulo 11): o de
supor que todas as estrelas têm o mesmo brilho intrínseco que o Sol,
e assim que as diferenças em magnitudes são devidas integralmente
à distância até elas. Chamaremos a esta hipótese de semelhança
(Horvath, 2013). A utilização imediata da hipótese de semelhança
diz que o fluxo que aparece dentro dos logaritmos na eq. (2.1) pode
ser traduzido em distância imediatamente, já que se todas as estrelas
forem iguais, brilharão mais ou menos se estiverem mais perto ou
mais longe, de tal forma que o fluxo diminui proporcionalmente ao
quadrado da distância à fonte F = C/D2 (os alunos deveriam iden-
tificar imediatamente o Teorema de Gauss nesta afirmação...), che-
gando assim a
2
. (2.2)
Capítulo 2 31

Da definição da magnitude deduzimos que duas estrelas com


magnitudes diferentes m1 e m2 (onde a primeira é suposta mais fraca
que a segunda), têm uma diferença de brilho de

(2.3)

(o valor exato da base não é 2,5, mas 2,512 da definição


formal de uma amplitude = 100 entre a 1era e a 6ta magnitude, mas
utilizaremos o valor arredondado para 2,5 aqui). Portanto, se medir-
mos a magnitude de uma estrela fraca e a compararmos com a solar,
teremos como dizer a distância dela respeito da distância Terra-Sol.
O Sol está tão próximo astronomicamente falando, e é tão brilhante,
que sua magnitude aparente resulta ser −26,7, valor enorme e nega-
tivo (de novo, devido ao sinal negativo na eq. (2.1)) . Por outro lado a
distância média ao Sol foi estimada por vários métodos e resulta de
1,5 × 1011m, 150 milhões de quilômetros. Seria possível referenciar
tudo a outra estrela que não o Sol, bastante próxima para conhecer
a distância com precisão, já que quando foi feita a hipótese de que
todas são iguais (semelhança), e o resultado seria equivalente. Por
exemplo, a magnitude aparente da estrela Alfa do Centauro, a ter-
ceira mais brilhante do céu, é de −0,27. Sua distância estimada é D =
4,37 anos – luz (baseada na medida da paralaxe estelar), a qual ser-
viria perfeitamente para este propósito. É claro que a tal “hipótese
de semelhança” não é acurada, somente serve para motivar o exer-
cício de cálculo que familiariza e da caráter concreto ao conceito.
De fato, as estrelas emitem quantidades enormemente diferentes
de energia (Capítulo 3), e esta característica é importante para criar
modelos matemáticos da sua estrutura. Na Astronomia, existe uma
medida padrão da emissão intrínseca, a chamada magnitude abso-
luta M, que consiste em “trazer” imaginariamente qualquer estrela
para uma distância-padrão de 10 pc. A relação com a magnitude
aparente é obtida de inserir essa distância na eq.(2.2) e rearranjar

M = m – 5log10 Dpc – 5 (2.4)


32 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

onde Dpc é a distância medida em parsec e os coeficientes decorrem


da definição.

Tabela 2.1. Definição numérica do sistema de Johnson-Cousins

Freqüência central Fluxo da Magnitude 0


Banda Largura (μm)
(μm) (ergs–1cm–2µm–1)

U 0.3500 0.0700 3.98 × 10–5

B 0.4380 0.0985 6.95 × 10–5

V 0.5465 0.8700 3.63 × 10–5

R 0.6470 0.1515 2.25 × 10–5

I 0.7865 0.1090 1.19 × 10–5

Quando os astrônomos medem o fluxo estelar por faixas de


comprimento de onda (chamadas de bandas) costumam colocar
um subíndice que indica esta faixa, definidas de forma padrão para
poder comparar diversas observações depois (Fig. 2.4 e Tabela 2.1),
esta é a origem da notação mV, mU etc. que aparece na literatura.

Fig. 2.4. O sistema de filtros de Johnson-Cousins. A definição das bandas,


representadas pelas bandas de cores, permite comparação padronizada de fluxos
e magnitudes obtidos por diversas observações que utilizem o padrão. Os valores
exatos do começo e o fim de cada banda estão na Tabela 2.1.

Em posse das ferramentas que quantificam a emissão este-


lar para cada cor, estamos em condições de discutir esta emissão
como um todo, fato que precisa começar pelas idéias do século 19 a
Capítulo 2 33

respeito da emissão, os esforços para entendê-la e o desfecho: nada


menos que a descoberta e caracterização da natureza quântica da
luz.

O fóton e a radiação do corpo negro


No fim do século 19, com a Termodinâmica quase totalmente
pronta, os físicos voltaram-se para compreender as relações da maté-
ria e a radiação. O problema considerado entãoé a chamada radia-
ção do corpo negro, ou seja, o estudo da luz emitida por um corpo
qualquer esquentado a uma temperatura T. Os físicos da época esta-
vam interessados na distribuição da energia e na dependência do
fluxo radiado com a temperatura, já que os experimentos mostravam
que a composiçãodo mesmo resultava irrelevante (corpos de dife-
rentes composições radiavam igual se mantidos à mesma tempera-
tura T, fato incorporado nas Leis de Kirchoff, vide abaixo). Com a
idéia de calcular estas quantidades, consideraram a densidade de
energia de um corpo radiante, ∈(ω) como função da freqüência ω da
luz radiada (correspondente às ondas de Huygens-Fresnel-Faraday-
Maxwell). Isto os levou à análise do problema clássico das freqüên-
cias das ondas dentro de uma cavidade que contém o corpo radiante,
indicando que a energia deveria atingir a eqüipartição, ou seja, que
depois de um tempo breve cada freqüência (denominada modo na
Física) possuiria uma energia (onde kB é a constante de
Boltzmann e T a temperatura do corpo emissor). Multiplicando esta
energia pela densidade de modos entre ω e ω + dω chegavam a

(2.5)

o que mostrava que a energia emitida teria que crescer sem limites
para freqüências altas, o qual e físicamente impossível porque a
quantidade de energia radiada não pode ser infinita. Esta inconsis-
tência (ou “catástrofe” nas palavras de P. Ehrenfest) apontava para
algum erro sério nas hipóteses básicas, o qual precisava ser identifi-
cado e corrigido (Eisberg e Resnick, 1979).
34 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

É interessante apontar que a ideia decisiva para encontrar


uma solução física já tinha sido expressada por Max Planck. Com
uma motivação muito diferente, Planck tinha considerado (mais
como um recurso de cálculo que como uma realidade) que a absor-
ção e emissão de radiação aconteceriam de forma discreta, em
“pacotes”sujeitos à seguinte relação entre energia e freqüência

E = hν (2.6)

que foi chamada por Planck “elemento de energia”, levando de ime-


diato à hipótese quântica, ou seja, o abandono das expressões con-
tínuas em favor de “pacotes” discretos, vistos pelo próprio Planck
como um artifício matemático de cálculo. Os “pacotes” emitidos e
absorvidos são, na visão do Planck, um múltiplo inteiro do ele-
mento de energia da eq.(2.6), En = nhν. O cálculo mais elemen-
tar, embora contém alguns pontos fracos, procede assim: como é
bem conhecido, a expressão clássica para a energia média em
equilíbrio é por grau de liberdade, ou modo. A hipótese
de quantização no gás, En = nhν permite agora recalcular a ener-
gia média começando pela probabilidade de que um modo tenha
uma energia nhν,, dada pelo fator (que deve ser
normalizada dividindo por para garantir que a probabi-
lidade total seja 1). A energia média é agora

(2.7)

fazendo , a eq.(2.7) leva a

. (2.8)
Capítulo 2 35

O passo essencial é que as séries do numerador e denominador


pode agora ser somadas, já que sabemos que

(2.9)

(2.10)

e a energia média por modo ou grau de liberdade é

(2.11)

e que leva a no limite (Rayleigh-Jeans), e à den-


sidade de energia

(2.12)

que não diverge para grandes ν. Embora a demonstração é válida,


contém alguns pontos obscuros, e um ano mais tarde, em 1901,
Max Planck procedeu a recalcular esta a densidade de energia
total utilizando a fórmula estatística da entropia de Boltzmann,
, distribuindo a energia entre N osciladores
idênticos e integrando para obter u, com o objetivo de responder
aos críticos. O resultado final para a densidade de energia foi idên-
tico, e ficou muito bem fundamentado

(2.13)

isto é, muito diferente da problemática expressão “clássica” anterior,


, que é divergente para grandes freqüências. Fisicamente a
hipótese dos quanta indica que, para uma temperatura qualquer,
o sistema emitirá um número substancial de quanta de baixa fre-
qüência, mas a emissão de um de alta freqüência (ultravioleta) é
36 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

muito menos provável. Assim, espera-se um máximo da densidade


de energia quando os quanta sejam da ordem de (o argumento
da exponencial no denominador), e assim é como se comporta a
expressão achada (2.13)).
A solução para a “catástrofe” estava assim implícita na hipótese
discreta de Planck, antes mesmo de ser efetivamente calculada. Mas
Planck nunca se convenceu da existência factual dos “pacotes” ou
quanta de luz, e continuou pensando que fossem um artifício de cál-
culo até o momento da sua morte. Coube a Einstein em 1905 elevar a
hipótese discreta de Planck à categoria de objeto físico real, ou seja,
ir além do mero truque matemático (Pais, 2005). Einstein pode ser
considerado o “pai” da Teoria Quântica (embora seu desgosto pos-
terior pela interpretação probabilística que Bohr, Born e outros foi
público e notório...) dando origem ao quantum de luz, ou fóton, que
obedece a quantização da sua energia segundo a eq. (2.6). A apli-
cação de Einstein desta ideia a outro problema relevante, o efeito
fotoelétrico, confirmou a relevância desta abordagem, e garantiu a
Einstein o Prêmio Nobel de Física de 1921.
Achar a distribuição de energia da eq.(2.13), primeiro empirica-
mente, e depois de forma rigorosa e fundamentada, permitiu não só
contornar a “catástrofe” do ultravioleta, mas também compreender
as chamadas Leis de Kirchoff e os fatos fundamentais da radiação de
“corpo negro”. Muitas vezes este nome leva a confusão, já que assim
se denomina a um absorvedor/emissor ideal, o qual não é “negro”
em absoluto. Antes, os corpos quentes a temperatura T têm cores
que refletem esta última, propriedade que servirá depois para carac-
terizar as estrelas, como veremos a seguir.
O “corpo negro” ideal cuja distribuição de energia segue a
eq.(2.13) pode ser apreciado, para vários valores da temperatura
desde 300 K até 107 K na Fig. 2.5. O máximo em corres-
ponde ao ponto onde , deslocando-se para a direita con-
forme a temperatura aumenta. Matematicamente isto decorre do
argumento da exponencial no denominador da eq.(2.13), e fisica-
mente indica que as freqüências mais abundantes na distribuição
Capítulo 2 37

são as dos fótons que têm energias próximas da mais caracterís-


tica, a do corpo emissor, onde o processo de emissão acontece
facilmente. Finalmente a emissão de radiação ficou “sob controle”,
pronta para ser aplicada às estrelas imediatamente.

Fig. 2.5. Vários corpos negros de diferentes temperaturas indicadas (de 300 K da
inferior até 107 K na superior). Note-se o deslocamento do máximo da emissão com
a temperatura crescente.

Se colocarmos a expressão (2.13) em função do comprimento


de onda λ, em vez da freqüência ν, a curva de Planck adota a forma
mais familiar da Fig.2.6.
38 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 2.6. A distribuição espectral de Planck para várias temperaturas (indicadas


em ordem crescente de abaixo até cima) em função de λ. O locus dos máximos
das curvas (ou seja, o comprimento onde a intensidade e o número de partículas
são maiores) está indicado com a linha lilás e satisfaz a expressão de Wien da
eq.(2.14). O Sol tem uma temperatura efetiva praticamente igual à da curva mais
alta, com pico na região amarela do espectro. Mostramos ainda o comportamento
da expressão de Rayleigh e Jeans com linha tracejada.

Como propriedade importante da distribuição de Planck, é fácil


conferir da eq.(2.13) que se aumentarmos a temperatura T, o máximo
da curva se desloca segundo (Lei de Wien) (para isto basta diferen-
ciar a (2.13) respeito de λ, igualar a 0 e resolver para achar λmax)

(2.14)

ou em unidades físicas, medindo T em graus Kelvin

(2.15)

Então se soubermos onde está o máximo, teremos determi-


nado a chamada temperatura de cor de um corpo negro. O corpo é
observado visualmente dessa cor se o máximo está dentro da faixa
que vê o olho humano. Como quanto maior for T, mais fótons são
Capítulo 2 39

emitidos em torno de , e faz sentido pensar que a cor real


do objeto que emite como corpo negro será aquela onde a maior
parte dos fótons é emitida. A última propriedade que gostaríamos
de destacar é que a soma de todos os fótons multiplicados pela sua
energia , deve dar como resultado o fluxo total emitido.
Esta soma, uma integral por se tratar de uma função contínua, pode
ser calculada diretamente e o resultado é , ou seja, a Lei de
Stefan-Boltzmann empiricamente obtida emerge naturalmente da
distribuição de Planck. A pequena diferença entre a eq.(2.13) e as
medidas reais é mostrada para o caso do Sol na Fig.2.7 (Maciel,
1999; Horvath, 2011)

Fig. 2.7. O espectro real (curva irregular) do Sol e o modelo de um corpo negro ideal
com T = 5800 K (linha suave). As diferenças decorrem de processos de absorção,
mas são pequenas e podem ser ignoradas.

A luz e os espectros
Novidades de grande importância para a Astronomia já
tinham acontecido nos começos do século 19, quando Wollaston
e Fraunhöfer analisaram a luz do Sol utilizando a decomposição
espectral de Newton, utilizando grades de dispersão da luz mais
modernas. Observaram que as faixas de cores estavam atravessadas
por numerosas linhas, ou seja, locais definidos onde faltava fluxo
40 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

(Fig. 2.8) (este fenômeno não tem explicação na teoria eletromag-


nética sem considerar também a matéria...). Assim, o espectro solar
apontava para algum processo que retirava luz em faixas estreitas e
bem definidas.

Fig. 2.8. O espectro solar e algumas das linhas mais notórias indicadas pelas flechas.

Muitos anos depois, e certos que a existência de linhas escondia


algo muito fundamental a respeito da natureza da luz e da matéria.
G. Kirchoff e R. Bunsen executaram inúmeros experimentos para
entender os padrões gerais, tanto com fontes quentes (lâmpadas e
gases), gases frios iluminados e outros casos. Kirchoff observou pela
primeira vez que as linhas brilhantes de uma lâmpada de sódio,
embora eram muito diferentes das linhas escuras detectadas do Sol,
estavam exatamente nas mesmas posições. Não demoraram em se
convencer que a posição das linhas era uma assinatura de cada ele-
mento químico, única e determinada pela microfísica, até então des-
conhecida. Ao conferir a diferença entre os espectros observados
no caso da fonte direta, gás quente e fonte direta+gás frio (Fig. 2.9),
Kirchoff enxergou uma conexão que venho a ser o embrião das téc-
nicas espectroscópicas modernas para estudar as estrelas.
Capítulo 2 41

Fig. 2.9. Três casos estudados por Bunsen e Kirchoff, e que levaram à formulação
das Leis de Kirchoff da radiação, o resultado é bem diferente para cada configuração
da fonte, com e sem absorvedor.

Um corpo negro quente está sujeito às chamadas Leis de Kirchoff


da espectroscopia, obtidas empiricamente por elea partir das obser-
vações da luz dispersada (ou espectro) que emana do mesmo,e que
são enunciadas assim:
• Um corpo opaco quente, independentemente do seu estado físico
(gás, líquido, sólido), emite um espectro contínuo de radiação
(imagem superior da Fig.2.9)
• Um gás quente e transparente produz um espectro de emissão,
com o aparecimento de linhas brilhantes (imagem do meio da
Fig.2.9) . O número e a posição dessas linhas serão determina-
dos pelos elementos químicos presentes no gás.
• Se um espectro contínuo passar por um gás à temperatura mais
baixa, o gás frio causa a presença de  linhas escuras, ou seja,
será formado um espectro de absorção. Nesse caso, o número e
a posição das linhas no espectro de absorção também dependem
dos elementos químicos presentes no gás (imagem inferior da
Fig.2.9).

A distância destes desenvolvimentos e a sua utilização como


ferramenta de diagnóstico e estudo das estrelas (começando pelo
Sol) resultou pequena e abriu uma janela muito profícua para a
Astronomia estelar, fato que nos ocupará nos Capítulos 3 e 4. A
42 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

importância destes assuntos não deve ser subestimada: nos começos


do século 20 o filósofo positivista e fundador da moderna Sociologia
A. Comte quis colocar um limite absoluto ao conhecimento do
Universo com as seguintes palavras a respeito do Sol, as estrelas e
os planetas:
“Poderemos determinas as suas formas, as suas distâncias, os
seus tamanhos e os seus movimentos, mas nunca seremos capazes
de conhecer a sua composição química.”
Isto houvesse sido trágico se verdadeiro, mas G. Kirchoff conse-
guiu identificar as linhas do sódio no Sol, e logo a seguir um número
importante de outros elementos e suas abundâncias relativas. Para
alegria dos astrônomos, a afirmação de Comte é falsa e as estrelas
revelam sua natureza através da luz (Hearnshaw, 2010).

A natureza quântica da matéria e seu papel nos


espectros observados: o modelo de Bohr
Na virada do século XX e depois da descoberta do núcleo atô-
mico por E. Rutherford, havia um enorme interesse pela modelagem
do átomo e suas propriedades, em especial, pela compreensão de
algumas características da emissão da luz cuja observação empírica
precisava de modelagem. O trabalho do físico N. Bohr foi o primeiro
que incorporou as ideais quânticas de Planck e foi além do qua-
dro do átomo como um “pequeno sistema planetário”. Apesar de
que o modelo de Bohr tem várias deficiências e foi completamente
ultrapassado pelo tratamento da Mecânica Quântica posterior-
mente desenvolvida, ainda contém elementos fundamentais para o
problema das linhas espectrais, e resulta muito simples de tratar.
Assim, apresentaremos os fatos e relações fundamentais de olho nos
espectros estelares.
O modelo de Bohr é chamado de semi-clássico, já que utiliza um
quadro clássico com elementos novos da física quântica de forma
heterogênea. A motivação principal do Bohr foi a de explicar por
que os átomos eram estáveis, se os elétrons estavam sujeitos a uma
aceleração constante deveriam radiar energia e decair. Bohr e seus
Capítulo 2 43

contemporâneos também conheciam a fórmula empírica de Rydberg


para as energias das linhas de emissão do hidrogênio , da forma

(2.16)

onde é a constante de Rydberg deter-


minada para o hidrogênio. Embora fosse uma boa descrição dos
comprimentos de onda observados, não havia nenhuma teoria
por trás da eq.(2.16), ninguém sabia por quê 1, 2 precisavam ser
números inteiros, nem como aparecia a tal “constante de Rydberg”
RH na fórmula.
O modelo de Bohr postula que as órbitas eletrônicas “em
torno” (note-se a terminologia clássica, como se o elétron fosse
uma bolinha...hoje totalmente ultrapassada) do núcleo não podem
ter qualquer valor (como na Física clássica). Antes existem esta-
dos estacionários das mesmas órbitas onde o elétron não radia. Um
segundo postulado (da quantização) diz que o momento angular do
elétron deve ser um múltiplo da constante de Planck (Eisberg e
Resnick, 1979)

(2.17)

onde . Bohr introduz assim o chamado número quântico


principal, cujo menor valor é n = 1, e o raio associado a ele é o
menor possível para uma órbita. Com este esquema é possível obter
este raio de Bohr . Finalmente, Bohr postula que os
elétrons ganham ou perdem energia “pulando” entre órbitas esta-
cionárias, e em cada pulo estes absorvem ou emitem radiação ele-
tromagnética (em 1913 Bohr não estava convencido da existência do
fóton, e tratou a radiação com a teoria do Maxwell !!!, apesar de que
a absorção e emissão eram para ele em pacotes discretos, tal como
acreditava o próprio Planck).
A importância do modelo de Bohr no contexto do desenvolvi-
mento da Física é muito grande. Além de justificar a estabilidade dos
átomos, percebeu-se logo a seguir que os espectros do hidrogênio
44 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

eram explicados também. A quantização do momento angular leva


de imediato a calcular os níveis de energia das órbitas da seguinte
forma: supondo que os estados do momento angular L estão igual-
mente espaçados, , as energias cumprem que ,o
qual leva de imediato (usando o postulado da quantização e colo-
cando as constantes) a

(2.18)

Daqui se segue que a diferença de energias entre duas órbi-


tas é , e o modelo consegui relacionar a constante de
Rydberg com as constantes físicas, , com ke a denomi-
nada constante de Coulomb. Assim, em posse de uma justificativa
física para a fórmula de Rydberg, foi possível identificar as linhas
da chamada série de Lyman (onde n1 = 1 é o estado final do elétron
que estava originalmente em n2 = 2,3, ...), a série de Balmer (n1 = 2
e o estado inicial do elétron mais energético) e a série de Paschen
(n1 = 3 e o estado inicial do elétron mais energético). Multiplicando
ainda a eq.(2.18) por Z2 estas predições podem ser estendidas para
átomos hidrogenóideos com sucesso, embora o cálculo preciso
somente é possível utilizando os métodos da Mecânica Quântica
que demorariam mais de uma década em serem desenvolvidos. A
Fig. 2.10 mostra um esquema do átomo de Bohr e um exemplo de
transição com emissão de um fóton na região do vermelho.
Com este quadro básico das linhas de emissão e absorção, pode-
remos examinar os espectros estelares com subsídios no Capítulo 3,
quando nos ocuparemos de obter informação das estrelas por meio
destes.
Capítulo 2 45

Fig. 2.10. O átomo de Bohr e as linhas espectroscópicas. As três primeiras órbitas


quantizadas dos elétrons são mostradas, junto com a transição 3 → 2 do elétron
(em vermelho), correspondente à primeira linha da série de Balmer, com a emissão
de um fóton λ = 656 nm (na região vermelha do espectro). Na passagem de luz,
acontece o inverso: fótons com essa freqüência são promovidos até o nível superior
n = 3 desde o n = 2 (entre outras transições) e a luz emergirá com falta de fótons
nesse comprimento, formando uma linha de absorção (escura).
46 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

O mais importante
Embora hoje existam instrumentos e técnicas que detectam
“luz” não visível, e até partículas que nada têm a ver com elas
(neutrinos, etc.), a Astronomia se desenvolveu até o século 20
pela observação da luz das estrelas. Começando com Hiparco
o brilho estelar foi classificado, primeiro a “olho nu”, e depois
mais formalmente para comparar as magnitudes em várias cores
(bandas). Faltava ainda uma compreensão da natureza da emis-
são estelar, a qual resultou esclarecida assim que o conceito
de “pacote” discreto de luz (o fóton) foi postulado. O fracasso
da Física Clássica em explicar a chamada radiação de corpo
negro (do qual as estrelas são um exemplo fundamental) levou
ao desenvolvimento por Planck e outros da primeira forma
quântica para a emissão, a chamada distribuição de Planck. O
máximo desta indica precisamente onde escoa a maior parte dos
fótons, o qual explica como é que uma estrela emitindo segundo
a distribuição de Planck revela sua temperatura. A descoberta
das linhas de absorção nos começos do século 19 revelou que
estas são uma espécie de “digital” dos elementos que existem na
atmosfera da estrela, conclusão que foi possível de compreender
e quantificar quando Bohr desenvolveu o modelo do átomo que
leva seu nome. Farta informação viaja nos pouquíssimos fótons
que coletamos das estrelas, este último o passo principal para
compreendê-las e analisá-las.
CAPÍTULO 3

A descrição da Estrutura Estelar

Fatos básicos e observações: o diagrama H-R

C
omo vimos no Capítulo 2, a identificação de linhas nos espec-
tros no Sol por Wollaston e Fraunhöfer promoveu o estudo dos
gases em laboratório, e culminou na formulação das Leis de
Kirchoff que são importantes para entender a natureza deste fenô-
meno. Depois de achada a distribuição do corpo negro, e de conferir
que o Sol é com boa aproximação um exemplo, há uma forma inte-
ressante de visualizar estas linhas: podemos agora graficar a inten-
sidade luminosa I vs. o comprimento de onda λ (Fig. 3.1). A forma
geral do espectro, não fosse pela “falta” de fluxo observada por
Wollaston e Fraunhöfer, corresponderia com boa exatidão à expres-
são da eq.(2.13), com T a temperatura da superfície do Sol. Mas
esta absorção de fluxo produz essas quedas na intensidade (dips)
que evidenciam a falta de fótons respeito do chamado contínuo, ou
curva ideal do corpo negro, predita pela eq.(2.13).
48 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 3.1. O gráfico da intensidade vs. comprimento de onda, mostrando os “dips”


(quedas) que indicam a falta de fluxo em certos comprimentos de onda observados
como linhas escuras. Se estes não estivessem, a intensidade teria a forma contínua
de Planck eq.(2.13).

Com o desenvolvimento dos telescópios, já no fim do século


XIX havia dados de espectros de umas 10 000 estrelas. Liderados
por Edward Pickering, e contando com a participação fundamental
de Willamina Fleming, Henrietta Swan Leavitt e outras mulheres
pioneiras, o grupo do Observatório de Harvard se dedicou a classi-
ficar e compreender a emissão dos espectros, inventando essencial-
mente a classificação espectral que hoje utilizamos. Confirmada a
presença de muitos elementos químicos conhecidos (C, O, Ca, etc.),
a classificação propõe tipos espectrais que são ordenados do mais
quente ao mais frio pela presença de linhas. Utilizando o modelo de
Bohr como marco teórico, resulta que a excitação das linhas depende
diretamente da temperatura, e assim o tipo espectral indica a faixa
de temperaturas estelares na região da fotosfera. As linhas mostram
também qual é a composição da fotosfera da estrela, região mais
externa onde estas se formam.
Capítulo 3 49

Fig. 3.2. Os espectros reais correspondentes aos tipos espectrais (esquerda). O


tipo e subtipo são indicados para cada um, enquanto a coluna da direita mostra a
denominação do protótipo de estrela onde este tipo é observado.

Esta classificação requer da identificação explícita das linhas


que aparecem nos espectros da Fig.3.2. com as transições de ele-
mentos químicos. Conforme a temperatura da fotosfera diminui, as
linhas presentes vão mudando de acordo com a Tabela 3.1.

Tabela 3.1. Linhas nos espectros dos diferentes tipos estelares

O >30000 K He+,O++,N++,Si++, He, H

B 10000-30000 K He, H, O+, C+, N+, Si+

A 7500-10000 K H(intensa),Ca+, Mg+,Fe+

F 6000-7500 K H(mais fraca),Ca+,metais ionizados

G 5200-6000 K H(mais fraca), Ca+, metais ionizados e neutros

K 3700-5200 K Ca+(intensa), metais neutros, H(fraca)

M < 3700 K Átomos neutros, TiO

Uma representação das intensidades relativas das linhas da


Tabela 3.1, como função do tipo espectral estelar, pode ser apreciada
na Fig. 3.3. Este esquema pretende representar o sumiço e apareci-
mento das linhas de absorção conforme muda a temperatura, a qual
diminui de esquerda para direita como no diagrama HR. Basta olhar
50 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

na direção da vertical para um tipo dado para estimar a intensidade


das linhas que aparecem no espectro.

Fig. 3.3. Intensidade relativa das linhas como função do tipo espectral para diferentes
estrelas. Como exemplo, o tipo espectral G correspondente ao Sol apresentará as
linhas do hidrogênio como as mais intensas, com contribuições menos intensas de
metais neutros e ionizados respectivamente.

Muitas vezes elementos muito incomuns são detectados nos


espectros estelares, a exemplo de bário, estrôncio e outros. Isto não
quer dizer que a estrela os tem como parte constituinte importante,
mas que podem resultar de uma contaminação do ISM onde a estrela
nasceu, se este estava enriquecido por material ejetado anterior-
mente, por exemplo, de uma supernova. Veremos que a fotosfera das
estrelas do tipo solar está no topo de uma camada convectiva que
transporta esses elementos e outros desde o interior. Assim, vemos
às vezes nitrogênio, carbono 13 e outras espécies que são produtos
da nucleossíntese e que estão presentes porque o transporte convec-
tivo de energia e matéria os traz desde o interior.
Devemos ainda notar que, embora de grande utilidade para
classificar as estrelas, os tipos espectrais ainda não dizem nada a
respeito das propriedades físicas (ex., o raio estelar), já que as linhas
são sensíveis à temperatura somente. Assim, uma estrela gigante e
uma anã da mesma temperatura serão classificadas no mesmo tipo
Capítulo 3 51

espectral, e somente com informação adicional conseguiremos saber


qual é cada caso.
A composição interna, porém, não pode ser diretamente deter-
minada porque os fótons interagem com a matéria e a informação
esmaece no regime “opaco” (ou seja, quando afirmado que um fóton
levou ~100 000 para sair do Sol, estamos dizendo que ele colidiu
muitíssimo, e por esta razão qualquer assinatura de absorção da
matéria foi apagada ao longo do caminho). As formas de estudar a
estrutura estelar global são mais indiretas, tal como ficará claro no
Capítulo 4.
Passamos agora a tratar do problema de estimar os parâme-
tros físicos das estrelas, de olho na construção de modelos para sua
estrutura que deverão explicá-los. Uma das primeiras quantidades a
determinar é quanta energia está escoando de uma estrela por inter-
valo de freqüência, coisa que é feita com relativa facilidade agora que
sabemos do espectro de corpo negro e da Lei de Stefan-Boltzmann.
Na prática, basta com observar as estrelas utilizando filtros que dei-
xem passar os fótons na faixa escolhida, e contar seu número em
cada determinação. A energia total que sai da estrela é calculada
com facilidade com o auxílio da relação E = hν (Einstein) e a intensi-
dade em cada filtro, somando todo. Espera-se que para estrelas “nor-
mais” a existência de uma faixa onde o número de fótons atinge um
máximo, já que o espectro estelar tem aproximadamente a forma de
um corpo negro. A Fig. 2.7 mostrou o caso do Sol, e todas as estrelas
“normais” são similares (os problemas começam quando o máximo
está fora da faixa visível, como no caso das anãs brancas...)
Vemos assim que as cores reais das estrelas (Fig. 3.4) corres-
pondem aos máximos da distribuição de Planck, já que os fótons
desse comprimento de onda são os mais numerosos, insistindo em
que a estrela emita como um corpo negro. Conforme a temperatura
for aumentando o λmax se desloca para valores menores do compri-
mento de onda, como indica a Lei de Wein. Quanto menores forem
os máximos λmax (ou maiores as freqüências νmax), mais alta será a
temperatura. Isto pode ser entendido pensando que o gás e os fótons
estão em equilíbrio entre eles e assim suas energias por partícula
52 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

são similares . Daqui que e o máximo λmax vai para


valores menores quando a T aumenta. Os astrônomos dizem que os
fótons são mais “duros” (energéticos) para distribuições onde a tem-
peratura efetiva é maior.

Fig. 3.4. Um campo estelar mostrando as estrelas em cores reais, as que veria
um olho humano enxergando pelo ocular. Vemos uma variedade de cores, agora
possíveis de serem associados com as temperaturas efetivas

As estrelas observadas apresentam cores que varrem todo o


espectro visível, do vermelho até azul, correspondendo a tempera-
turas entre ∼3800 K e ∼10 000 K aproximadamente. Mas também
existem anãs que têm seu máximo no infravermelho e estrelas super-
quentes onde o máximo está além do azul.
Como agora temos uma idéia real de como estão distribuídos os
fótons, podemos aproveitar o aprendido anteriormente para aplicar
às estrelas: já notamos antes que o fluxo total que emerge de um
corpo negro (ou seja, a energia emitida por unidade de tempo e área)
tem uma forma muito simples: resulta proporcional à temperatura
da superfície emissora elevada à quarta potência com uma constante
de proporcionalidade universal σ, e independe completamente da
composição do corpo, ou seja
Capítulo 3 53

(3.1)

Assim, basta determinar a temperatura da emissão estelar (cha-


mada na Astronomia temperatura efetiva), achando o máximo da
emissão, para calcular o fluxo total emergente. Porém, já vimos que
o fluxo sozinho não é suficiente, já que estrelas muito diferentes
localizadas em distâncias muito diferentes podem contribuir com
o mesmo fluxo (isto foi mostrado na Fig. 2.2 para o caso de uma
lâmpada). Assim, uma estimativa da distância à estrela é imprescin-
dível para converter o fluxo (relativo) em luminosidade (absoluta)
multiplicando pela área de emissão, com a ideia que a emissão é
isotrópica (analogamente ao caso da lâmpada da Fig. 2.2), ou seja

(3.2)

Temos assim o cenário básico que permitiu a E. Hertzsprung e


H.N. Russell construírem o diagrama que leva seus nomes (HR), e que
serve para classificar as estrelas. No eixo horizontal, o HR mostra a
temperatura da emissão (temperatura efetiva), que diz em que região
existe o máximo mencionado λmax. E no eixo vertical, a luminosi-
dade da eq.(3.2) (chamada de potência nos cursos de Física), uma
medida da energia total emitida por unidade de tempo que contém
informação estrutural da estrela (o raio R), mas cuja determinação
independente é possível medindo o fluxo e estimando a distância
(esta última por métodos variados, os quais contém erros diversos).
Assim, o diagrama HR da Fig. 3.5. pode ser construído para todas as
estrelas que emitam como corpos negros (Horvath, 2011).
54 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 3.5. O diagrama de Hertzsprung-Russell das estrelas de campo com os dados


da missão Hipparcos. Além da temperatura e luminosidade, existem outras
versõesdo diagrama HR que usam outras variáveis comuns na Astronomia, tais
como magnitude absoluta e classe espectral (equivalentes às primeiras). Por razões
históricas, os astrônomos colocam a escala de temperaturas crescendo na direção
da origem (ou seja, o eixo horizontal está “de ponta cabeça”). O fato que há regiões
que contém estrelas e outras vazias deve ser explicado pela teoria da Evolução
Estelar que estudaremos a seguir.

Um olhar simples ao diagrama HR evidencia um fato muito


notório: existem regiões povoadas e regiões vazias. A grande maio-
ria das estrelas medidas (mais de 90%) se localiza em uma faixa dia-
gonal que vai do canto superior esquerdo ao inferior direito, e outro
grupo está acima à direita desta faixa. Existe sem dúvida alguma
razão importante para esta distribuição das estrelas no diagrama HR,
não pode ser casualidade.
Sem formular ainda nenhuma descrição detalhada da estrutura
estelar, podemos obter mais informação com a seguinte observa-
ção: se fizermos uma linha horizontal (luminosidade constante) na
Capítulo 3 55

metade superior do diagrama, deduzimos que existem estrelas com


temperaturas muito diferentes que tem a mesma luminosidade. Mas
usando a expressão geral, eq.(3.2), vemos que isto só é possível se os
raios R forem também muito diferentes (é a única forma de manter o
produto constante...). Justifica-se assim a denominação de
gigantes e supergigantes (dependendo do valor da luminosidade)
utilizada na Astronomia. Será necessária uma explicação teórica
para entender por quê os raios estelares são tão diferentes assim.
De forma similar, uma linha vertical ( ) mostra que
existem estrelas com luminosidades muito diferentes com a mesma
temperatura efetiva. De novo, isto só é possível se o raio R for muito
maior para as estrelas mais luminosas ao longo dessa linha (Fig.3.6).
Há uma grande quantidade de informação no diagrama HR e muito
trabalho teórico a ser desenvolvido para atingir uma descrição física
que explique como e por quê está povoado dessa forma.

Fig. 3.6. O diagrama HR com a indicação das linhas em vermelho de temperatura


constante (vertical) e luminosidade constante (horizontal). Vide texto.

Outro olhar para a questão do raio estelar decorre de observar


que, quando colocarmos as unidades físicas, a eq.(3.2) tem a forma
56 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Watts (3.3)

onde o raio é medido em m e a temperatura em K para o SI de unida-


des. Desta forma, se pensada como uma função , onde a vari-
ável dependente é , e a variável independente , teremos
uma família de retas de inclinação paralela .
Escalonando para o raio do Sol , mostramos
na Fig. 3.7 as retas para e (lembrando, de
novo, que as temperaturas à direita são as mais baixas...). As estre-
las que caem acima destas retas devem ter os raios indicados, sinal
inequívoco da existência de “gigantes” e “anãs” que devem ser
exploradas.

Fig. 3.7. Duas linhas de no diagrama HR. A azul superior corresponde


a e a verde inferior a . Note-se que há estrelas com raios
correspondentes aos dois casos e ainda maiores e menores (“gigantes” e “anãs”).

Para continuar a discussão, podemos afirmar que quando obser-


vamos o céu noturno estamos em presença de uma espécie de “foto
Capítulo 3 57

instantânea” da população estelar, tal como poderíamos obter de


uma população humana qualquer em um lugar muito cheio, por
exemplo, em um parque público. Termos exemplos nesta última
de vários “estágios evolutivos” humanos (bebês, jovens, adultos,
idosos) e assim nossa tarefa no estudo das estrelas seria análoga
ao estudo da biologia humana que pretende entender o processo
de envelhecimento. Esta afirmação decorre do fato que os gregos,
por exemplo Hiparco (século II a.C.), viram e catalogaram essen-
cialmente as mesmas estrelas observadas no céu nos dias de hoje.
As estrelas não sofreram mudanças significativas em mais de 2000
anos, o que mostra que são altamente estáveis. Existem num estado
de equilíbrio muito estável que as faz durar, na verdade, muito mais
que milênios.
É claro destes fatos que o diagrama HR é a ferramenta funda-
mental a ser utilizada para classificar e motivar o estudo das estre-
las. É preciso, porém, tomar muito cuidado para repassar aos alunos
o potencial e os fundamentos do mesmo sem que as complicações
obscureçam os conceitos. Por exemplo, diagramas que apresentam
a terminologia escrita superposta («gigantes», «subgigantes” etc.)
devem ser evitados, porque sobrecarregam de informação à percep-
ção básica, além de conter problemas semânticos de importância
(por exemplo, os astrônomos sabem muito bem que uma “supergi-
gante” e uma “gigante” são duas estrelas muito diferentes, a primeira
de grande massa e a outra do tipo solar que “inchou”, mas os termos
induzem a pensar em uma mera diferença de escala enquanto trata-
-se também de estágios diferentes da evolução de cada uma). Como
as representações do diagrama HR respeitam quase sempre a con-
venção histórica de ter o eixo horizontal “invertido”, é bom enfati-
zar bastante este fato, além de esclarecer a terminologia “vermelho”
e “azul” com o auxílio de Stefan-Boltzmann no próprio diagrama.
Estes e outros cuidados são necessários para que o diagrama HR
atinja o status cognitivo similar à Tabela Periódica ou a árvore filo-
genética da Biologia, já que não resulta tão intuitivo.
Uma vez atingido este objetivo de apresentar e discutir o dia-
grama HR, é importante apontar que a teoria da Estrutura e Evolução
58 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

estelar foi desenvolvida com base nas leis da Física para explicar e
racionalizar estas observações, como veremos logo a seguir.

A descrição física da estrutura estelar


O exercício apresentado no Capítulo 2 a respeito do modelos
das estrelas como bolinhas de gude tem importantes conseqüên-
cias para nosso tratamento da estrutura em geral. Vimos que nessa
escala, a estrela Alfa do Centauro teria que ser colocada a uns 500
km de distância para respeitar o escalonamento, e todas as outras
estrelas mais longe ainda. Isto quer dizer que o quociente do raio
solar à distância interestelar Dint é

(3.4)

O qual nos diz que i) podemos ignorar a influência gravitacio-


nal das outras estrelas quando nos concentrarmos em uma particular
(em contraste com o que Newton acreditava...) e ii) as estrelas quase
nunca colidem entre si. Isto mostra que são as condições iniciais
o que importam para a estrutura e evolução, e não as influências
externas (raras vezes, como no centro dos aglomerados globulares
do Capítulo 8, isto deixa de ser verdade).
As observações acima a respeito do equilíbrio e sua (muito)
longa duração para sustentar a estrela por muitos milhões de anos
leva à questão do tipo de equilíbrio do qual estamos falando. Se
considerarmos, por exemplo, o caso de uma pessoa na superfície da
Terra, o equilíbrio mecânico do sistema é garantido pela condição
. Mas ao tratarmos com um fluido auto-gravitante,
o equilíbrio de forças mecânico é denominado equilíbrio hidrostá-
tico. Livre de quaisquer outras forças é bem conhecido que o fluido
adotará a forma esférica (para minimizar a energia livre). Assim, a
equação de equilíbrio hidrostático pode ser obtida considerando
conchas concêntricas de espessura dr onde existe uma diferença de
pressão entre a base e o topo (Maciel, 1999). Por
Capítulo 3 59

outro lado, a concha esta sujeita à força gravitacional que a “puxa”


na direção do centro da estrela (Fig. 3.8).

Fig. 3.8. As forças que atuamnuma concha esférica de espessura infinitesimal dr.

A força produzida pela diferença de pressão entre o topo e a


base da camada é

(3.5)

E a força gravitacional resulta

(3.6)

onde a aceleração local da gravitação aumenta para fora com acú-


mulo de camadas, e deve ser calculada utilizando a densidade ρ do
fluido. A condição de igualdade das forças leva imediatamente a

(3.7)

Esta é a equação de equilíbrio hidrostático (mecânico) que deve


ser satisfeita pela estrela. Se formos descrever coloquialmente a
eq.(3.7) diríamos que a diferença de pressões deve ser igual ao peso
da camada dividido a área, a exemplo do barômetro de Torricelli.
Como as regiões mais internas precisam suportar o peso de um
número maior de camadas, a pressão precisa crescer para o centro.
Portanto, a densidade e temperatura também crescem na direção do
60 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

centro estelar. A eq.(3.7) e uma descrição matemática que permite


encontrar como exatamente acontece isto, achando a função solução
.
Agora de forma similar, podemos expressar a chamada con-
tinuidade da massa. Entre um raio e + há uma massa
, ou seja

(3.8)

O conjunto (3.7) e (3.8) seria suficiente para a descrição se


as estrelas não produzissem energia, nem a transportassem para
fora, mas isto não é o que acontece em geral. As estrelas radiando
como corpos negros por muitos milhões de anos precisam de uma
fonte de energia, e esta energia é a que esta ligada à pressão que
evita o colapso. Isto pode ser entendido assim: suponhamos por
um momento que não há nenhuma fonte de energia no interior da
estrela. Como é de esperar que a temperatura seja maior no centro
que no envelope, embora não haveria colapso, a estrela sofreria uma
contração. Portanto, a energia que escapa produziria um aumento
da temperatura devido a esta contração. Isto levaria a um escape
ainda maior de energia. Esta realimentação seria catastrófica, acele-
rando-se. Deduzimos assim que geração de energia para repor a que
escapa e estabilizar a estrela é imprescindível.

A geração de energia nas estrelas


A primeira tentativa “moderna” para explicar a origem da fonte
de energia nas estrelas, assim que o problema da catástrofe que aca-
bamos de descrever anteriormente foi reconhecido, veio dos maio-
res nomes da Física clássica no fim do século 19. Lord Kelvin e seus
colegas acreditavam que o Sol e as estrelas estavam de contraindo
(e assim liberando energia, já que um objeto auto-gravitante tem
menos energia interna quanto mais ligado for). Esta hipótese leva a
uma predição específica para a idade do Sol, já que a energia gravi-
tacional total disponível é
Capítulo 3 61

(3.9)

utilizando como estimativa da idade o quociente da energia acima


pela luminosidade solar (observada) temos que

(3.10)

Todo parecia encaixar razoavelmente bem até que E. Rutherford


propôs datar as rochas terrestres com um método que ele próprio
inventou: o de medir abundâncias de elementos radioativos de longa
vida média, e calcular com estas quanto tempo havia demorado essa
razão para chegar a seu valor atual desde o quociente “natural” ini-
cial. Esta nucleocosmocronologia deu resultados surpreendentes:
valores de centenas de milhões de anos ou mais, muito maiores que
a estimativa da eq.(3.10) eram obtidos. Evidentemente, se o método
de Rutherford era correto, as rochas não poderiam ser mais velhas
que o próprio Sistema Solar e a idade do Sol devia estar errada.
No contexto histórico este tipo de discrepância já tinha ante-
cedentes ilustres, principalmente com a descoberta dos fósseis
em 1811 por Mary Anning, então com 12 anos de idade (Fig. 3.9).
Embora o paleontólogo G. Cuvier já tinha introduzido a ideia de
extinção, faltavam quase 50 anos para a publicação do trabalho de
C. Darwin a respeito da Evolução.
62 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 3.9. Desenho do primeiro ictiossauro (“peixe-lagartija”) achado por Mary


Anning na costa sudeste da Inglaterra, feito pela mão da própria autora.

Ter encontrado um “monstro” levava a considerar o tempo no


qual estas espécies eram comuns nos mares, mas para isto deviam ser
consideradas escalas temporais da existência da Terra muito longas.
Poucos anos depois Charles Lyell formulou o uniformitarianismo
geológico: o postulado diz que as mesmas forças que modelaram a
Terra estão ativas o tempo todo, e assim o tempo que levou chegar ao
estado atual (com a crosta terrestre cheia de montanhas, etc.) é muito
longo. Além disso, uma cronologia assim também estava em conflito
com a Bíblia. De fato a solução que a Igreja deu para a existência
dos fósseis foi que eram criaturas eliminadas no Dilúvio Universal.
Embora Lord Kelvin não subscrevia esta última opinião, sua esti-
mativa da eq.(3.10) estava em conflito com o uniformitarianismo de
Lyell, e também com a cronologia das rochas de Rutherford.
Depois de vários anos de estudo e muita discussão, em 1919 H.
Shapley expressou um fato importante declarando que a cronologia
de Rutherford tinha sido confirmada e aperfeiçoada, e que como
conseqüência a fonte de energia do Sol não poderia ser a contração
proposta por Lord Kelvin e seus colegas. Somente um ano depois do
Shapley, uma ousada hipótese de A. Eddington pretendeu dar uma
Capítulo 3 63

solução ao problema: o próprio Rutherford havia medido com preci-


são a diferença de massas entre um núcleo de hélio e 4 prótons
isolados. Esta diferença de massa precisava ser emitida para formar
o hélio, e como Eddington já possuía o esquema relativista onde
a massa “esconde” uma grande quantidade de energia, o famoso
para cada núcleo pro-
duzido, sugeriu que o Sol libera energia convertendo hidrogênio em
hélio.
Antes de discutir a viabilidade da proposta de Eddington, con-
vém revisitar a própria questão da energia de ligação com o exemplo
de duas partículas pontuais clássicas. Se supormos que duas partí-
culas de massas e se atraem com a força gravitacional de
Newton, elas podem formar um estado ligado com massa total

(3.11)

ou seja, o processo de ligar as partículas que estavam livres resultou


em uma massa total M menor que a inicial, já que todas as ener-
gias de ligação são negativas. Portanto, este excesso de massa × c2
precisou ser expulso do sistema em alguma forma de energia, con-
tribuindo para aumentar a energia total do ambiente, e com ela a
pressão exercida pelo gás.
A eq.(3.11) ilustra um fato genérico que, no caso das estrelas,
pode-se realizar pela ação das forças nucleares e não pela gravi-
tação. Para ver isto podemos recorrer a um diagrama baseado no
conhecimento acumulado dos núcleos, colocando no eixo vertical
o defeito de energia dividido pelo número de núcleons do
núcleo A, e no eixo horizontal o próprio A no gráfico esquemático
apresentado na Fig. 3.10.
64 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 3.10. A energia de ligação por núcleon como função do número de


massa A. O caminho da fusão nuclear está indicado com a flecha descendente à
esquerda, se ganha energia fusionando núcleos leves (o mecanismo utilizado pelas
estrelas). A fissão de elementos muito pesados, no entanto, também entrega energia
porque os fragmentos são mais ligados que o núcleo original, este é o processo que
leva às bombasde fissão. Os dois regimes estão separados pelo ferro, com a maior
energia de ligação por núcleon conhecida (Horvath et al., 2006).

Sendo que o hidrogênio é de longe o elemento mais abundante


no Cosmo, e o mais fácil de fusionar (a repulsão devida à carga é a
menor possível), veremos o quê acontece com dois prótons indi-
viduais em colisão. Como feito na Mecânica Clássica, é conve-
niente descrever o problema das duas partículas com um potencial
Coulombiano repulsivo desde o referencial de centro de massa,
transformando o problema de dois corpos em um problema de um
corpo (efetivo) de massa reduzida em um potencial cen-
tral fixo (no caso de dois prótons se tem , mas a expressão é
válida para duas partículas quaisquer). No nosso caso, o potencial
Coulombiano é decorrente da carga elétrica, mas na região mais pró-
xima as forças nucleares (atrativas) produzem o “poço” que permite
a fusão desde que a aproximação o permita (Fig. 3.11).
Capítulo 3 65

Fig. 3.11. O potencial central efetivo no problema da fusão. A colisão de dois prótons
é tratada como o de uma partícula de massa que se aproxima da direita (grandes r)
nesse potencial fixo. A região repulsiva decorrente da interação Coulombiana está
em cor cinza, onde as forças nucleares dominam e efetivarão a fusão.

No problema clássico, somente as partículas com energia maior


que o topo da barreira poderiam cair na região do poço nuclear atra-
tivo. Mas no Sol a energia cinética média do gás no inte-
rior do Sol não é suficiente para isso (esta foi a objeção dos físicos
nucleares de 1920 à proposta de Eddington). Mas a resposta para
este paradoxo estava na formulação da Física Quântica uma década
mais tarde! Quando é considerado o comportamento quântico dos
prótons, existe um processo totalmente inesperado que permite as
fusões atravessando a barreira de potencial com energias bem meno-
res, é o chamado efeito túnel. Uma analogia útil para o efeito túnel
pode ser apreciada na Fig. 3.12: duas pessoas precisam passar para
o outro lado de um morro. O “clássico” escala até ter energia maior
que a necessária e descer do outro lado. O “quântico”, no entanto,
recorre a uma escavadeira e aparece do outro lado sem jamais ter
tido energia para atingir o topo. Na Mecânica Quântica isto é possí-
vel porque o objeto está descrito por uma onda de probabilidade ,
cujo valor esmaece, mas não zera, na região “proibida” pela Física
clássica. Seria equivalente a ver um fantasma atravessando uma
66 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

parede (o qual, de passagem, provaria que o fantasma é um objeto


quântico...).

Fig. 3.12. O escalador clássico e o quântico. O primeiro (em vermelho) ganha


energia usando as pernas para atravessar a barreira “por cima”, já que não tem
outra saída. O quântico (em branco) atravessa a região diretamente com uma
probabilidade pequena, mas finita, como se houvesse escavado um túnel. Esta ideia
é a que permite a um próton “atravessar” a barreira da Fig. 3.11 com energias muito
abaixo do pico máximo, única possibilidade na Mecânica Clássica.

Esta probabilidade não nula da partícula passar até a região


atrativa do potencial depende das cargas (é menor quanto mais car-
regadas sejam as partículas) e da velocidade de aproximação , mas
cálculos são complexos e fora do escopo deste texto. Como apresen-
tado no Apêndice 1, existe uma energia “ideal” para que os prótons
fusionem: para energias muito altas, quase nenhum próton povoa
a distribuição, e para energias muito baixas, a “barreira” fica mais
larga e o fator do efeito túnel impede a passagem da Fig. 3.11. Esta
energia “ideal” é importante para ser comparada com a faixa real
dentro das estrelas, e assim saber da efetividade da fusão para sus-
tentar a estrutura.
Quando finalmente computada a taxa de geração de energia,
e tanto para a fusão do hidrogênio quanto para outras reações com
núcleos mais pesados que serão relevantes nos estágios avançados,
a forma geral obtida é
Capítulo 3 67

(3.12)

onde ∈ é a energia liberada por grama de material por unidade de


tempo. O importante então é conhecer o coeficiente cte e os expoen-
tes e para efeitos práticos.
O ciclo completo de reações de dois corpos que no final produz
a chamada “fusão do hidrogênio em hélio” é complexo e contém
vários elementos fundamentais que são geralmente ignorados sem
mais. Nos livros básicos a forma exata da transformação do hidrogê-
nio em hélio quase nunca é discutida. Apresenta-se geralmente um
esquema do tipo do mostrado na Fig. 3.13.

Fig. 3.13. A fusão do hidrogênio em hélio tal como apresentada na maioria dos textos
básicos. Este quadro supersimplificado esconde boa parte dos fatos importantes da
fusão, embora seja verdadeiro em termos do estado inicial-estado final.

O primeiro fato é que os dois primeiros prótons que fusionam


não podem fazê-lo tão simplesmente. Dois prótons não têm um
estado ligado (ou seja, não existe o “dipróton”). Dos dados do labo-
ratório sabemos que um próton e um nêutron têm sim um estado
ligado (o dêuteron, ou núcleo de deutério escrito como , ou seja,
um próton e um nêutron). Desta forma, a reação à esquerda da Fig.
com os quatro prótons nem poderia começar, a menos que um dos
prótons que colidem se transforme em um nêutron no momento da
colisão. Este processo está governado pelas interações fracas e pode
ser escrito como (onde o pósitron e o neu-
trino escapam da zona da reação). É extremamente raro que tenha
68 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

lugar quando necessário, e a maior parte das vezes o dipróton for-


mado , que não é ligado, se desfaz novamente em dois prótons
livres. Somente em um sistema como uma estrela, onde existe um
gigantesco número de colisões pode um mínimo delas produzir a
fusão inicial (Fig. 3.14).

Fig. 3.14. A forma mais comum da fusão no Sol e muitas estrelas, uma seqüência
denominada ciclo PPI. Note-se que somente o segundo estágio da fusão é “fusão
de hidrogênio em hélio”. O primeiro e decisivo estágio que liga dois prótons
(esquerda) precisa de decaimentos e provoca que, de todas as colisões, 1 em 1028
aproximadamente seja bem-sucedida para continuar o ciclo.

Se formos considerar a probabilidade de que justamente durante


o tempo da colisão (mais precisamente, enquanto o próton está na
região atrativa) um dos prótons decaia em nêutron, isto aconteceria
1 vez em 7 × 109anos. Assim, nas 2 × 1017 colisões que acontecem a
cada segundo, uma produz um núcleo de deutério, todas as outras
voltam a deixar dois prótons como estavam antes da colisão. Como
corolário desta discussão vemos um fato muito importante que
encontra justificativa: as estrelas vivem bilhões de anos fusionando
hidrogênio, mas isto seria impossível se dois prótons tivessem um
estado ligado. O hipotético “dipróton” ligado faria com que as estre-
las explodissem em ∼ segundos, já que as interações fortes (nuclea-
res) teriam o único papel importante na fusão, “grudando” prótons
Capítulo 3 69

sem necessidade de decaimentos . A necessidade do decaimento


para produzir o deuteron mostra que são as interações fracas as que
determinam a vida das estrelas, e que não é casual que a probabili-
dade mencionada 7 × 109anos seja da ordem do tempo de residên-
cia na Seqüência Principal: como quase nenhuma colisão produz a
fusão inicial, o processo completo vai sendo regulado pela vagarosa
liberação da energia, em vez da situação explosiva que poderia ter
acontecido. A Humanidade é “filha” do decaimento inverso, sem
ele não haveria Evolução Estelar (porque não haveria estrelas, explo-
dindo assim que formadas), nem elementos pesados, nem Biologia
para usufruir destes e produzir finalmente organismos vivos e estu-
dantes e professores que se preocupem por estas questões (Horvath,
2011).

Fig. 3.15. O ciclo PPII, que também começa com a produção do deuteron (parte
superior), mas onde a produção de seguido do decaimento em permite
finalizar com dois núcleos de . Esta forma acontece das vezes. A
contribuição do PPIII é muito pequena e não se mostra.

Uma vez superada essa primeira fusão que precisa do decai-


mento exato, o caminho posterior é mais fácil: o dêuteron formado
captura de imediato um próton adicional e produz , reação que
é seguida 86% das vezes pela captura de outro próton que gera o
70 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

final. Esta seqüência se conhece como o ciclo PPI, (Fig.3.14) .


Há outras duas possibilidades com o mesmo desfecho da conversão
de quatro prótons em um núcleo de hélio, hoje bem compreendidas,
mas que precisam da produção de , a dominante é mostrada na
Fig. 3.15 , mas existe outro caminho similar com muito baixa ocor-
rência, o PPIII (não mostrado).
Finalmente é importante dizer que há outra forma completa-
mente diferente de fusionar hidrogênio em hélio: precisa da pre-
sença de elementos mais pesados como carbono e oxigênio e se
denomina ciclo CNO. O ciclo CNO não destrói o C, 0 etc., ese deno-
mina catalítico porque estes entram nas reações e retornam intoca-
dos ao meio. Um dos ramos (existem outros de menor importância)
do ciclo CNO se mostra na Fig. 3.16 (Clayton, 1984).

Fig. 3.16. O ramo mais importante do ciclo catalítico CNO. Uma série de capturas e
decaimentos encima de carbono, nitrogênio e oxigênio culminam com a produção
de a partir de quatro prótons “consumidos” (os que entram na seqüência). O
carbono é “restituído” no último estágio que retorna ao “começo”.

O ciclo CNO se caracteriza pela sua enorme dependência com a


temperatura: enquanto o ciclo PP é fracamente dependente daquela,
o ciclo CNO resulta muito mais dependente. Os cálculos indicam
Capítulo 3 71

um expoente para o CNO, na forma adotada na eq.(3.12)


para a taxa de liberação de energia . Conforme considerar-
mos estrelas de massas maiores, cujas temperaturas centrais são
cada vez maiores, é inevitável que o CNO supere em importância a
soma do PP. As estrelas além desta massa limite que tenham o CNO
como principal mecanismo de fusão do hidrogênio gastarão a ener-
gia muito mais rapidamente e assim viverão menos na Seqüência
Principal. A relação dos ciclos CNO e PP se mostra na Fig. 3.17: a
massa para a qual o primeiro passa a dominar é um pouco supe-
rior a . Assim, temos uma razão física para considerar dois
ramos qualitativamente diferentes na Seqüência Principal: a supe-
rior e a inferior à qual pertence o Sol. Já
vimos que há um sinal de “quebra” da Seqüência Principal, visível
um pouco acima da posição do Sol na Fig. 3.5, e as diferenças decor-
rentes na evolução das estrelas de ambos os ramos será discutida a
seguir.

Fig. 3.17. A comparação da geração de energia entre o ciclo PP (verde) e o CNO


(vermelho). Para o Sol e as estrelas de baixa massa, o primeiro é dominante, mas
para estrelas que tenham , o CNO resulta dominante já que a temperatura
central em elas atinge o valor limiar de uns . A possibilidade de fusionar
carbono (triplo α) aparece somente para efeitos de comparação, em temperaturas
muito maiores.

O último passo é retomar a descrição física para escrevermos, de


maneira análoga ao que fizemos nas eqs. (3.7) e (3.8), uma equação
72 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

que relacione a luminosidade dL produzida na camada concêntrica


de espessura dr da Fig.3.8 com a taxa de liberação de energia ∈.
Escrevemos de imediato que

(3.13)

e como os diferenciais de massa e raio estão relacionados por


,

(3.14)

a qual precisa agora ser resolvida, em geral, junto às (3.7) e (3.8) pela
presença das variáveis no segundo membro. Mas ainda nos falta
saber como vai se distribuir esta energia gerada na estrela...

Transporte de energia no interior estelar


A última consideração a respeito da liberação de energia no
interior estelar é que esta energia seguramente vai se distribuir desde
o ponto inicial para estabelecer o perfil estacionário de temperatura.
Assim, a exemplo das outras quantidades, a distribuição espacial da
temperatura deve ser construída a partir de uma quarta equação que
contenha o gradiente .
É bem conhecida a afirmação que, no interior do Sol e das
estrelas, um fóton produzido pelas reações nucleares demora
até atingir a superfície e ser radiado (ou seja, ir para
a praia equivale a se apropriar de fótons produzidos originalmente
no Pleistoceno...) Esta afirmação, essencialmente correta, advêm da
hipótese que a mobilidade da energia depende das colisões quase
imediatas de qualquer fóton com a matéria no interior, limitando o
transporte de energia. Este fluxo de radiação, saindo da estrela desde
o interior, neste regime difusivo, deve depender desse gradiente de
temperatura, tal como acontece em geral (isto é outra forma mais
sofisticada de dizer: “o calor passa das regiões mais quentes para as
mais frias”, ou seja, segue o gradiente ). Note-se de passagem que
isto mostra que as estrelas não estão em equilíbrio termodinâmico,
Capítulo 3 73

já que se estivessem não radiariam para o espaço. Porém, em peque-


nas escalas, existe um equilíbrio local entre a radiação e a matéria,
que define a distribuição que procuramos “ditada” pela gravi-
tação e os outros ingredientes no interior. O equilíbrio termodinâ-
mico global (o enfatizado no colégio nas aulas de Física) precisa da
mesma temperatura em todo ponto, coisa que contradiz a existência
da radiação estelar que escapa ao espaço.
Consideremos (mais uma vez...) a concha de espessura dr da
Fig.3.8. A diferença do fluxo de radiação que entra pela base e a que
sai pelo topo é

(3.15)

onde temos linearizado a expressão da lei de Stefan-Boltzmann,


supondo que a diferença de temperaturas é pequena. Essa diferença
na camada pode ser escrita como , ou seja, proporcional ao
gradiente de temperatura onde temos introduzido o livre caminho
médio dos fótons como uma quantidade que contém os processos
de interação destes com a matéria, como corresponde a um processo
de difusão. Substituindo, o fluxo de fótons resulta proporcional à
diferença de temperaturas

(3.16)

Agora este livre caminho médio pode ser substituído em favor


de um coeficiente (a ser calculado) que leve em conta o produto
dessas interações e da densidade. Intuitivamente , já que
aumentar a densidade ou aumentar o valor de dificulta a passagem
dos fótons, diminuindo o livre caminho médio. Como o fluxo F está
relacionado (por definição) com a luminosidade dentro da camada
como (não confundir com a luminosidade do digrama HR,
esta L é a energia por unidade de tempo que transita na camada
no interior, a luminosidade da estrela será ). Igualando a
(3.16) com esta última expressão para o fluxo, substituindo e resol-
vendo para o gradiente , chegamos de imediato a (Clayton, 1984;
Horvath, 2011)
74 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

(3.17)

Da mesma forma que se calcula “por fora” a taxa de reações


nucleares , deve-se fazer o mesmo para a opacidade , consti-
tuída por vários processos físicos que são mais ou menos relevantes
para cada faixa de densidades e temperaturas. Ainda escrever “ ”,
onde a barra indica a média em freqüência, é reflexo do fato que
a opacidade é diferente para cada faixa de freqüência. Sem fazer
algum tipo de média, deveríamos escrever uma equação diferen-
cial para cada faixa (multiplicando os problemas...), em vez de uma
única representando o comportamento do conjunto inteiro de fótons
que estão distribuídos segundo a expressão de Planck eq.(2.13) para
cada temperatura.
Desde o ponto de vista de um fóton que tenta atravessar a estrela,
existem quatro processos básicos que contribuem à opacidade (ou
probabilidade de sofrer absorção ou espalhamento): o processo cha-
mado ligado-ligado (ou fotoabsorção, onde o nome resulta dos esta-
dos inicial e final do elétron-alvo), o ligado-livre (ou fotoionização),
o livre-livre (ou bremsstrhalung inverso) e o efeito Compton, todos
eles mostrados esquematicamente na Fig. 3.18.

Fig. 3.18. Os quatro processos básicos que contribuem para a opacidade. Note-se que
todos eles são, no fundo, “obstáculos” para o fóton inicial que é obrigado a trocar
energia e momento com um elétron, seja este ligado (casos a) e b)) ou livre. Nos três
primeiros o fóton inicial some, já que são processos de absorção. No Compton, o
fóton é espalhado e troca de direção com mudança da sua energia inicial, mas não
some do mapa como nos casos anteriores.
Capítulo 3 75

O cálculo das opacidades é bem complicado e está fora do


escopo deste texto. São necessárias várias das ferramentas da
Mecânica Quântica. Porém, as médias em freqüência para as três
primeiras podem ser expressadas da forma , a chamada
forma de Kramers (apontamos que os coeficientes resultam nume-
ricamente muito diferentes). Já o espalhamento Compton é um
processo que, ao menos no limite de baixas energias (geralmente o
aplicável às estrelas) independe da freqüência, e resulta assim em
um valor constante (vide Horvath,
2011) para um tratamento mais completo).
Neste ponto gostaríamos de mostrar a analogia que existe entre
a passagem de fótons pelas camadas estelares e a passagem de cor-
rentes num circuito (Fig.3.19).

Fig. 3.19. Um circuito com várias resistências em paralelo como análogo à passagem
dos fótons pelas camadas concêntricas da estrela.

Podemos pensar que o análogo à tensão V é de fato a diferença


de temperaturas entre a base e o topo. Assim, a “resistência” (opa-
cidade) para a os fótons se comporta como a resistência equivalente
de uma série de resistores em paralelo. Como corolário, a soma “cor-
reta” para as opacidades segue a forma obtida para aqueles, e resulta

(3.18)

Finalmente, a forma de fazer a média em freqüência, indicada


com a barra acima do , é um problema estudado a fundo no século
20 quando S. Rosseland provou-se que a melhor representação,
76 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

fisicamente falando, resultava de “pesar” cada opacidade com as


derivadas das distribuições eq.(2.13), em expressões do tipo

para depois normalizar (integral no denominador). Cada uma das


frações da eq.(3.18) é sujeita a este procedimento, e depois combina-
das segundo a soma mostrada. Na prática, cada camada estelar tem
quase sempre a dominância de um dos processos, e assim a ora
resulta da forma de Kramers , ou resulta dominada pelo
efeito Compton caso a temperatura seja muito alta
, dependendo da densidade. Isto é o desfecho do longo processo de
cômputo das opacidades, em geral algo relativamente simples que
tem um monte de conceitos e trabalho por trás, para fornecer o que
precisa a eq.(3.17).
A equação (3.17) é a última do sistema de equações a ser resol-
vido, e funciona desde que em toda a estrela o transporte de energia
proceda em modo difusivo discutido antes, com os fótons colidindo
com a matéria levados pelo (pequeno) valor do gradiente de tempe-
ratura que nos permitiu chegar à expressão linearizada (3.15). Mas
em geral o transporte pode mudar para outro modo se o gradiente
ultrapassar um valor crítico. Esta transição é bem conhecida do dia-
-a-dia quando colocarmos água para ferver: bem antes disto aconte-
cer, a panela começa a mostrar movimentos de circulação do fluido
em larga escala (Fig. 3.20), já que assim resulta muito mais eficiente
para transportar o calor. Esta analogia é bastante estreita com o caso
estelar, e ilustra o estabelecimento da convecção (estacionária).
Se continuarmos a esquentar, esta convecção regular dará passo a
movimentos turbulentos onde acontecem turbilhões de várias esca-
las de comprimento, que são ainda mais eficientes para transportar
a energia (e mais difíceis de descrever matematicamente...).
Capítulo 3 77

Fig. 3.20. Os três modos de transporte do calor: a condução (asa da panela),


transferência direta, acontece rara vez nas estrelas normais. A radiação pelos fótons,
tanto no interior estelar quanto longe da estrela, é o mecanismo que descreve a
eq.(3.17). Finalmente, colocar a panela no fogo é similar a esquentar a base de uma
camada estelar, e o gradiente de temperatura irá crescendo até que, se superar o
chamado gradiente adiabático , a convecção do fluido dispara. Esta convecção
estacionária (regular) deixará passagem ao regime turbulento se continuarmos a
aumentar o gradiente, tal como uma panela com a água fervendo..

A demonstração da existência de um valor limiar do gradiente


que coloca o fluido em convecção é um problema convencional
na Mecânica dos Fluidos, e somente iremos a mencionar o resul-
tado. Esse valor é chamado de gradiente adiabático, e vale 2/5 para
um gás monoatômico. Em outras palavras, não é possível que o gra-
diente cresça indefinidamente, quando o valor adiabático é atin-
gido, a convecção toma conta. Isto quer dizer que, a partir desse
ponto não será possível utilizar a eq.(3.17) tal como está: o segundo
membro deve ser substituído por uma expressão válida para o fluxo
da convecção. Uma possibilidade crua e simples é que o gradiente
fique fixo no seu valor adiabático, afinal, é para isso que a convecção
é eficiente e aplana o gradiente. Assim, a eq. (3.17) é substituída por

(3.19)

onde o membro da direita é a própria definição do gradiente adia-


bático . Um modelo mais complexo, muito utilizado em
Astrofísica é a chamada teoria do comprimento de mistura (ou
78 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

mixing length na literatura), onde a hipótese que a convecção trans-


porta o calor por meio de uma bolha convectiva “típica” leva a uma
expressão não-linear no fluxo, e por último os modelos que pre-
tendem calcular o fluxo convectivo utilizando uma distribuição de
bolhas que são ainda mais complicados. Não entraremos nos deta-
lhes desta modelagem aqui (Horvath, 2011). O importante é lembrar
que o critério para garantir o transporte radiativo deve
ser monitorado camada a camada na construção do modelo estelar,
e quando não é satisfeito, deve-se substituir a eq.(3.17) pela (3.19) u
outra semelhante para descrever a região convectiva.

O sistema de equações: como “funcionam”as estrelas


O sistema de equações (3.7), (3.8), (3.14) e (3.17) (ou 3.19) com
as condições de contorno estelares

(3.20)

são o conjunto que permite calcular os modelos estelares que apre-


sentaremos a seguir, e depois comparar suas características com as
observações de estrelas reais. Um modelo estelar é a solução do con-
junto que consiste em quatro funções e para a
qual deve-se especificar um vínculo (a chamada equação de
estado) e “importar” de cálculos independentes as funções constitu-
tivas e , dependentes da temperatura e a densidade. Se bem vista,
a última condição parece um pouco estranha, já que esperaríamos
, ou seja, que a temperaturana superfície bata com a
temperatura efetiva observada, mas isto complica muito os cálculos
numéricos e a última das (3.20) é preferida para depois corrigir a pos-
teriori quando o modelo for resolvido, calculando assim a tal .
Tratando-se de um problema matemático, é importante conhe-
cer as características gerais das soluções. Acontece que as soluções
Capítulo 3 79

“bem comportadas” são únicas e estáveis matematicamente. Existe


na Evolução Estelar o denominado Teorema de Russell-Vogt (embora
trata-se propriamente de uma conjectura, já que jamais foi demons-
trado...): para uma dada massa e composição, a solução do sistema
de equações de estrutura é única. É claro que um astrofísico não ia
esperar outra coisa, já que essas soluções são para ele/a a represen-
tação fiel de uma estrela. Mas se o problema houvesse sido matema-
ticamente mal formulado poderia ter levado a soluções fisicamente
inaceitáveis (para horror dos matemáticos...).
Estamos em condições agora de discutir e entender o pro-
blema da estabilidade estelar levantado no Capítulo, ou seja,
a razão pela qual as estrelas têm vidas tão longas. Consideremos
as equações (3.7) e (3.8) que são descrevem equilíbrio mecânico
(hidrostático+conservação da massa). Multiplicando ambos os
membros da eq.(3.7) pelo volume e integrando na massa mem-
bro a membro

(3.21)

(lembrando que o ). O membro da direita é reconhecido


de imediato como a energia gravitacional da estrela .
O membro da esquerda pode ainda ser integrado por partes

(3.22)

aqui o primeiro termo da direita é nulo, já que na superfície S a


pressão se anula, e no centro é o volume V que resulta nulo. Assim,
temos que . Transformando a integral do volume
para a massa, usando que , o resultado geral é

(3.23)

mas no caso específico da estrelas, do gás ideal,


, e podemos identificar a energia interna por unidade de massa como
a energia cinética média por partícula ( ) dividida pela massa
( onde é o peso molecular médio). Desta forma, e
80 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

obtemos o chamado teorema do Virial para um fluido/gás ideal, que


será utilizado várias vezes em este texto

(3.24)

com a energia interna total da estrela.


Esta relação virial eq.(3.24) contém as bases físicas para expli-
car o “funcionamento” de uma estrela de forma simples. Como a
íbrio hidrostático)
energia total da estrela é (em equilíbrio ,
a relação virial nos diz de imediato que . Assim, a
estrela é ligada, e reparte a sua energia segundo a (3.24) como resul-
tado do intercâmbio microscópico desta energia pelas partículas.
Mais ainda, se diferenciarmos respeito do tempo ,
com , a luminosidade ou perda de energia radiativa por uni-
dade de tempo. Isto quer dizer que quando perde energia, a estrela
se contrai, e como , então , mostrando que a contração
faz o gás esquentar. Não é nada usual inferir que um objeto que
perde energia esquenta, dai o importante papel da gravitação para o
equilíbrio das estrelas, que leva à afirmação na literatura de que as
estrelas têm um calor específico negativo.
Cabe apontar que, embora nós começamos a derivação do teo-
rema do Virial com a equação de equilíbrio hidrostático (3.7), na ver-
dade esta partilha precede o estabelecimento de tal equilíbrio. Ou
seja, um sistema em equilíbrio hidrostático sempre satisfaz a relação
Virial (3.24), mas a recíproca não é verdadeira: um sistema pode
estar “virializado” (ou seja, partilhar a energia segundo a (3.24)) sem
estar em ainda em equilíbrio hidrostático (as proto-estrelas em for-
mação são um bom exemplo disto). Naturalmente, a energia total
deve ser também conservada. Veremos mais adiante a importância
da manutenção da relação Virial e da conservação da energia simul-
taneamente para a evolução das estrelas.
Capítulo 3 81

O mais importante
As quantidades básicas que precisamos saber das estrelas
estão “escritas” na luz que emitem, a qual nos da uma ideia
real das temperaturas, raios, composição (da atmosfera) e mas-
sas (acuradas no caso de binárias). Com estes dados precisamos
um esquema matemático que as “construa” como bonecos para
testar se todo confere. A estrutura das estrelas é descrita por
quatro equações diferencias que relacionam os “gradientes” ,
, e com a pressão, temperatura etc. e que, quando resolvi-
das simultaneamente, fornecem o “boneco” almejado (chamado
de modelo pelos astrônomos). É muito importante destacar que
estas equações de estrutura são construídas com a mesma Física
que se aplica nos laboratórios, adaptada para as condições este-
lares mas sem elementos «mágicos». Os bonecos/modelos têm a
obrigação de explicar como «funcionam» as estrelas e também
sua evolução no tempo, tema que será abordado no Capítulo
seguinte. Não haveria Estrutura Estelar sem os desenvolvimen-
tos da Física do século 20, e neste sentido a Astrofísica Estelar é
sua herdeira e seu banco de testes.
CAPÍTULO 4

A Evolução Estelar até os estágios finais

Estrutura e evolução: teoria e observações

E
m posse agora de um esquema construido para descrever mate-
maticamente as estrelas, e de um conjunto de observações a
serem explicadas e sistematizadas utilizando aquele, vamos ver
a seguir como a realimentação de teoria e observação leva a um qua-
dro consistente e harmonioso das estrelas, legado dos esforços de
várias gerações de cientistas que vemos hoje em todo seu esplendor.
Começamos por expressar de novo um fato, esperado intuitiva-
mente, e confirmado pelos modelos numéricos: a existência de uma
mudança no mecanismo mais importante de fusão (do ciclo PP para
o CNO) em torno de ʘ causa diferenças (vísiveis) no diagrama HR
e que estão ligadas a estrutura interna. Quando o CNO é o principal
mecanismo de fusão do hidrogênio, sua depedência extrema com a
temperatura causa um perfil de temperatura muito empinado, con-
dição que leva os caroços a superar o gradiente máximo (adiabático)
e provocar a covecção no interior. Nas estrelas onde domina o PP a
região do caroço não é tão extrema, mas a caminho da superfície o
envelope também fica convectivo, e sua extensão convectiva cresce
para dentro conforme a massa da estrela considerada diminui. Por
volta de ʘ, o caroço radiativo some e toda a estrela é convec-
tiva. Assim, na Seqüência Principal inferior as estrelas são con-
vectivas fora e radiativas dentro, enquanto na Seqüência Principal
superior acontece o contrário! A situação é mostrada na Fig. 4.1
84 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 4.1. Três massas estelares representativas, mostrando graficamente as zonas


radiativa e convectiva (o nome “caroço” é muitas vezes reservado à região onde
acontecem as reações nucleares). Nas grandes massas o ciclo CNO provoca um
perfil de temperatura tão abrupto que a convecção toma conta do interior. No Sol, a
convecção acontece fora porque é na parte mais externa que o perfil de temperatura
cumpre . Finalmente, se a massa é muito baixa, o ponto onde o critério
de instabilidade convectiva acontece está quase no centro e toda a estrela está em
convecção.

É difícil observacionalmente conferir esta expectativa, a menos


do caso particular do Sol. O Sol está tão próximo que é possível
observar diretamente a convecção que chega até a fotosfera (Fig.
4.2). A convecção é a causa da chamada granulação solar, mostrada
na Fig. 4.2. Pelas distâncias envolvidas, só recentemente houve con-
firmação da granulação (convecção) em outros casos em estrelas
próximas.
Capítulo 4 85

Fig. 4.2. A granulação solar em torno de uma mancha solar (de tamanho similar à
Terra...), observada pelo grupo do Institute for Solar Physics, Suécia (https://www.
isf.astro.su.se/). Os “grãos” da figura são as células convectivas do processo.

Para vermos melhor a questão da estrutura tal como descrita


pelas soluções do sistema de equações (3.7), (3.8), (3.14) e (3.17),
presentamos nas Figs. 4.3 os gráficos do cálculo correspondentes ao
nosso Sol. As quatro funções mostradas são e
(esta última proporcional a através da equação de estado do
gás ideal T). Algumas características importantes podem ser
conferidas: da primeira figura vemos que a luminosidade atinge um
valor ~ constante a partir de ʘ. Isto marca claramente até
onde existem as reações nucleares, ou seja, no Sol o “caroço” central
que produz energia está no % interior, posteriormente quase
não há fusão. Também vemos da segunda figura que a casca mais
exterior que começa em ʘ praticamente não acrescenta
mais massa, ou seja, que a concentração de massa é grande, longe de
ser uniforme (vide abaixo). Na terceira figura vemos a temperatura
caindo até que por volta de ʘ se mantém constante. Isto é
devido a que em esse raio o envelope fica convectivo, e a convecção
uniformiza a temperatura, a qual varia muito pouco até os K
da superfície. Na última figura podemos conferir um fato algo sur-
preendente: a densidade no centro é , mas cai muito
rapidamente e a densidade média resulta menor que a da Terra em
um fator ~4 – 5.
86 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 4.3. As quatro funções solução do problema da estrutura estelar para o caso do
Sol, ou seja, impondo composição solar e massa (vide texto).
Capítulo 4 87

Com o Sol como caso paradigmático, podemos passar a exami-


nar outras questões genéricas que decorrem da teoria, por enquanto
na Seqüência Principal. O que vamos mostrar é que podemos enten-
der, baseados nas equações de estrutura, e sem cálculos tão detalha-
dos, as observações mais importantes tais como a relação ,o
tempo de vida estelar e a existência de massas máximas e mínimas.
entre outras coisas. Isto ilustra o alcance do esquema teórico estabe-
lecido e fundamenta todo o estudo das estrelas.

A Seqüência Principal e as relações básicas entre os parâmetros


das estrelas como conseqüência das condições de equilíbrio
Já vimos que os modelos estelares esfericamente simétricos
(desprovidos de toda complicação “real” como rotação e campo
magnético) são a base utilizada para entender a estrutura e evolu-
ção das estrelas. Estes modelos resultam da solução simultânea do
sistema de quatro equações diferenciais que relacionam os chama-
dos “gradientes” , , e ponto a ponto no interior estelar
com as variáveis temperatura T, densidade etc. e outras quantida-
des constitutivas, tais como a opacidade média e outras. O estado
de equilíbrio mecânico (hidrostático) do gás auto-gravitante é a
eq.(3.8); onde no numerador é a massa encerrada
no raio . A solução da equação de equilíbrio hidrostático em ter-
mos da função pressão diz que cada camada estelar está sujeita
ao balanço de forças de pressão e a gravitação ,
onde é uma quantidade com dimensões de pressão
que pode ser definida a partir do campo gravitacional utilizando
a definição mais geral de pressão. Embora é algo puramente
formal (e por isso a colocamos entre aspas), mas resulta muito geral
e consistente com o efeito físico da força gravitacional por unidade
de área (Maciel, 1999).
O procedimento rigoroso para obter os modelos estelares con-
siste em integrar o sistema das eqs.(3.7), (3.8), (3.14) e (3.17). Mas
com o intuito de ganhar na compreensão física das soluções, nos
textos de ensino superior (por exemplo, Maciel 1999) a discussão
88 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

começa geralmente com a ordem de grandeza e dependência com o


raio da função pressão . Da forma mais simplificada isto se con-
segue convertendo as equações diferenciais em equações de dife-
renças finitas. Este procedimento pode (e deve) ser trasladado à sala
de aula do Ensino Médio, já que dispensa os conceitos do cálculo, e
ilustra plenamente características importantes da estrutura estelar.
O procedimento para substituir diferenciais por incrementos lança
mão de utilizar as máximas diferenças possíveis (por exemplo,
é o incremento entre o raio no centro (0) e a superfície
da estrela (R) etc.). Assim, a eq.(3.7) é simplificada para

, (4.1)

lembrando que a pressão na superfície estelar é nula por definição,


enquanto toda a massa M está incluída quando chegarmos à super-
fície. Impondo a hipótese adicional , obtemos a
estimativa usual que mostra a pressão central . Agora pode-
mos aplicar o mesmo procedimento aproximado na equação da con-
servação da massa

, (4.2)

para obter

, (4.3)

que difere em um fator 1/3 da expressão exata por não termos feito
realmente uma integração da eq.(3.7). De fato em todas estas expres-
sões há diferenças de fatores numéricos tais como etc. igno-
rados em favor de uma simplificação que resulta em uma melhor
visualização da relação entre a física do problema e sua descrição
matemática, coisa que consideramos da maior importância para alu-
nos do Ensino Médio e que facilita muito a tarefa do professor.
A eq.(4.1) permite uma compreensão importante de um dos
fatos básicos da estrutura estelar: é evidente que se considerar-
mos , então o raio estelar deve crescer com a massa como
Capítulo 4 89

. Mas a densidade constante é uma hipótese muito forte, já


que vimos que a densidade deveria cair substancialmente desde o
centro, até atingir um zero na superfície (por definição desta última)
onde a estrela acaba. Uma queda deste tipo modelada, por exem-
plo, como levaria, substituindo na eq.(4.1) a obter
. Esta diferença entre estes dois comportamentos pode ser confe-
rida nas estrelas reais, já que existem várias estrelas da Seqüência
Principal com raios e massas bem medidos. Listamos na Tabela 4.1
estes parâmetros observados, e a Fig. 4.4 mostra a comparação com
uma queda . A queda na densidade ajusta muito
bem até massas bastante altas (existe uma “quebra” da relação para
ʘ, produto do fato que por volta desse valor as estrelas
ficam totalmente convectivas, por isso temos considerado na Tabela
4.1 somente estrelas abaixo desse valor limiar). Vemos que a hipótese
de levaria a uma dependência do tipo , uma curva
muito mais empinada, em desacordo com os dados. Concluímos que
existe evidência que aponta para uma queda importante na den-
sidade estelar desde o centro até a superfície, do tipo já mostrado
numericamente nos modelos para o Sol (Fig. 4.3).
90 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Tabela 4.1. As estrelas com massas e raios medidos e calculadas com a


eq.(4.4). Existem algumas incertezas nas medidas individuais que não afetam
substancialmente a conclusão , em queda desde o centro até a superfície
estelar .

Temperatura Lumino-
Tipo Massa Raio Temperatura
Efetiva sidade Nome
Espectral ( ) ( ) média ( )
( ) ( )
B0 15,5 6,4 5,3 30 28800 φ1 Orionis
B1 13 6 4,8 30 26000 β Lyræ Aa1
B2 8,3 3,7 4,9 24 3900 1 Scorpii
π Andromedae
B5 6,5 3,8 3,4 12 1136
A
a Coronæ
A0 3,2 2,5 2,8 9,7 74
Borealis A
A5 2,1 1,7 2,7 8 8,7 β Pictoris
F0 1,7 1,3 2,9 6,7 4 γ Virginis
F5 1,3 1,2 2,4 6,4 2,5 η Arietis
G2 1 1 2,2 5,8 1 Sol
G5 0,93 0,93 2,1 5,6 0,8 a Mensae
70 Ophiuchi
K0 0,78 0,85 2 5,3 0,13
A
K5 0,69 0,74 2 4.5 0,16 61 Cygni A
M0 0,47 0,63 1,7 3,5 0,09 Gliese 185

Podemos explorar relações adicionais utilizando, de novo, o


equilíbrio Virial, que indica como a matéria estabelece
a partilha entre a energia interna U e a gravitacional . Como dis-
cutido em Horvath (2011), as estrelas devem satisfazer esta condição
sempre,, em particular na Seqüência Principal. Escrevemos explici-
tamente os dois termos da relação Virial: o primeiro (para
uma esfera o fator de proporcionalidade é 3/5, mas pode ser igno-
rado em este tipo de estimativa), e que decorre de multiplicar
a energia térmica de uma partícula (onde é a média espacial
da temperatura no interior estelar) pela quantidade de partículas ,
com a massa de um próton. O equilíbrio Virial nos diz então que

, (4.4)
Capítulo 4 91

assim, podemos inferir imediatamente a temperatura média inte-


rior de qualquer estrela conhecendo sua massa e raio usando a
eq.(4.4). Por exemplo, para o Sol a expressão eq. (4.4) mostra que
. Como a energia de um fóton que consegue ionizar
hidrogênio é de , é claro que o interior solar deve ser total-
mente ionizado, não composto de gás neutro. Note-se ainda que a
relação Virial (3.24) prescinde totalmente do conhecimento deta-
lhado do interior (distribuição da densidade, transporte de energia
etc.), ou seja, para esta estimativa da nem é necessário supor que a
densidade cai substancialmente na direção da superfície como obti-
vemos anteriormente. É pertinente observamos que, devido a que
a deve ser necessariamente menor que a temperatura central Tc,
aquela é um limite inferior para esta última. Como as reações nucle-
ares que sustentam a estrutura dependem crucialmente de Tc, pode-
remos também inferir informação a respeito da geração de energia
com os dados das massas e raios somente.

Fig. 4.4. Comparação entre os dados me massas e raios da Tabela 1 (pontos) e uma
expressão que decorre de supor uma queda na densidade do tipo
(linha cheia). Isto mostra que o que é suposto a respeito do interior (a queda na
densidade, com certa forma matemática) produz uma das relações observadas, a
qual comprova indiretamente a modelagem.
92 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Uma outra característica observada das estrelas é a chamada


relação massa-luminosidade. A chamada luminosidade estelar L,
ou energia emitida por unidade de tempo (ou seja, potência radiada)
é diretamente medida conhecendo o fluxo F e a distância D à estrela,
e esta última pode ser obtida independentemente por vários méto-
dos diferentes. Sem saber nada das distâncias, todo o que podemos
medir das estrelas é o fluxo de energia F (supondo que ele é car-
regado na sua totalidade pela luz que detectamos). Nos cursos do
Ensino Médio é abordada a relação entre estas duas quantidades,
vinculadas simplesmente por

, (4.5)

para uma estrela que emite de forma isotrópica. Podemos obter


uma estimativa simples do fluxo utilizando uma abordagem intui-
tiva do interior da estrela. Embora o correto seria resolver a equa-
ção que determina a temperatura como função da coordenada radial
(eq.3.17), o que podemos dizer de imediato e sem fazer nenhuma
conta, é que o fluxo de energia precisa ser proporcional à diferença
de temperaturas. Este fato é enfatizado no Ensino Médio, afirmando
que “o calor passa das regiões quentes para as frias cada vez que há
uma diferença ”. Mas esse “calor”, representado pelos fótons no
interior estelar, precisa escoar com os fótons colidindo com a maté-
ria (Capítulo ) ou ser levados com o gás pela convecção. No primeiro
caso, podemos definir um coeficiente que representa esta interação
fótons-matéria, cujo valor, mais alto ou mais baixo, dificulta ou faci-
lita a passagem dos fótons, tal como uma torneira mais ou menos
aberta deixa passar mais ou menos (fluxo) d’água. Na Astronomia,
este coeficiente se chama a opacidade . Vimos no Capítulo 2, nas
discussões da catástrofe de Rayleigh e Jeans a respeito da distribui-
ção da energia de um corpo negro, que o fluxo de energia dos fótons
(radiação) é proporcional à quarta potência da temperatura ( ).
Portanto, e de forma totalmente fenomenológica, (mas que pode ser
rigorosamente fundamentada), podemos escrever que o fluxo de
Capítulo 4 93

radiação entre o topo e a base de uma camada esférica deve ter a


forma []

, (4.6)

onde termos ainda introduzido a densidade no denominador do


primeiro fator, já que se a densidade da matéria atravessada se
incrementa, o fluxo deve diminuir e vice-versa. Com as mesmas
aproximações anteriores , e utilizando que e
(da eq. Virial (3.24)), temos que a luminosidade total que a
estrela apresenta na superfície, ou seja resulta

. (4.7)

sempre que a opacidade seja considerada constante. Notemos que


a eq.(4.7) não utiliza nenhuma informação detalhada do interior
estelar, somente o teorema do Virial e uma definição de luminosi-
dade. Como o raio R se cancela, também não é necessária a relação
massa-raio nem qualquer outro dado (ou seja, vale para uma queda
na densidade mas não serve para “testar” ela como acontece com a
relação da Fig.4.4). A Fig. 4.5 mostra o acordo bem razoável
entre uma estimativa básica da luminosidade eq.(4.7) como função
da massa para as mesmas estrelas da Tabela 4.1, com exceção das
duas de massas mais altas (não mostradas). Isto último é devido à
violação de algumas das hipóteses mais básicas para as massas mais
altas, a exemplo do que aconteceu na derivação da relação
anterior. Na verdade, como o coeficiente de opacidade não é real-
mente constante, mas depende da temperatura, o expoente efetivo
da relação da Fig. 4.5 está mais próximo de “4” (este é apro-
ximadamente o expoente real da curva preta) que do “3” da teo-
ria mais simples na eq.(4.7). Porém, é importante enfatizar que este
quadro mais simples já é suficiente para ter uma idéia acurada das
razões pelas quais as estrelas apresentam as características medidas,
no caso que a luminosidade cresce muito rapidamente para massas
grandes como , com boa aproximação. Temos obtido uma
94 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

justificativa para as relações L-M observadas que está baseada dire-


tamente na Física do interior estelar, não uma mera afirmação empí-
rica que aparece em muitos livros.

Fig. 4.5. A relação entre a luminosidade e a massa em estrelas de da


Tabela 4.1. A curva resulta, na verdade, um pouco mais empinada que ,
expressão simplificada devida à hipótese de opacidade constante e outras razões.

Finalmente, podemos agora apresentar de forma clara o pro-


blema da duração da vida das estrelas. Já vimos que mais de 90%
das estrelas observadas no céu estão na Seqüência Principal, e assim
é claro que este estágio deve ser muito longo (em particular, o Sol
está há uns 4.5 bilhões de anos nessa fase). Mas a fração de estrelas
que já saíram dela ficaram consumindo o seu hidrogênio um tempo
muito variável (Maciel, 1999; Horvath, 2011). De novo, sem resolver
equações diferenciais nem nada, podemos chegar à estimativa mais
simples e totalmente geral que consiste em dividir o “combustível”
disponível (a massa da estrela, suposta toda de hidrogênio) pela taxa
de consumo do hidrogênio, já que a fusão deste é a responsável pela
luminosidade L, ou

. (4.8)
Capítulo 4 95

Note-se que supomos aqui que todo o hidrogênio disponível


pode sofrer fusão (o qual está longe de ser verdade, já que as con-
dições físicas da fusão provocam a impossibilidade de continuar
indefinidamente a fusão no caroço estelar, como demonstrado no
trabalho do Mário Schemberg e S. Chandrasekhar). De momento,
podemos ignorar esta complicação.
Segundo a eq.(4.8), a taxa de consumo de combustível L no
denominador é o fator mais importante da duração da vida estelar
na Seqüência Principal. Mas já vimos na eq.(4.7) que esta lumino-
sidade depende da massa M, sendo as estrelas mais massivas são
muito mais luminosas. Embora estas últimas possuam muito “com-
bustível”, o gastam muito mais rapidamente. Utilizando que
da eq.(4.7), vemos que

(4.9)

Pelas mesmas razões apontadas antes, a expressão exata é um


pouco mais pronunciada nas massas baixas ( ) e um pouco
menos nas massas altas ( ), de tal forma que é
uma espécie de média nas massas. Esta expressão justifica que as
estrelas das massas maiores residem na Seqüência Principal por
tempos muito menores que o Sol, da ordem de de milhões
de anos ou menos, e são algumas das que observamos fora da faixa
mais povoada no Diagrama HR. Por outro lado, as mais leves ainda
permanecerão na Seqüência Principal por de anos, já que
seu consumo de “combustível” é muito vagaroso. Isto pode ser com-
parado à situação de dois carros, um econômico (1.0) e outro de cor-
ridas. O carro econômico está pensado para “viver” (andar) muito, e
assim o dispêndio de combustível precisa ser vagaroso. Um automó-
vel de corrida, por sua vez, precisa chegar primeiro, e para isso seu
combustível é gasto muito rapidamente, de tal forma que precisa ser
reabastecido para não “morrer”. A analogia com as estrelas é plena-
mente justificada (Bandecchi, Bretones e Horvath, 2019).
96 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Os extremos das massas das estrelas: as “mais” e as “menos”


Como qualquer outra estrutura no Universo, as estrelas devem
ter massas mínimas e máximas determinadas pela Física fundamen-
tal. Em outras palavras, a existência de estrelas depende da relação
entre elementos físicos básicos, e como tal, a faixa permitida pode
ser determinada achando estes fatores. Vamos mostrar como este
tipo de raciocínio é aplicado para determinar a massa mínima e a
máxima que uma estrela pode ter (Bandecchi, Horvath e Bretones,
2019). Note-se como este tipo de exposição reforça a unidade das
Ciências, colocando as questões fundamentais em contexto e dando
respostas quantitativas, coisa da maior importância para repassar
aos estudantes.
Consideremos o problema da existência de uma massa máxima,
começando mais uma vez as soluções da equação de equilíbrio
hidrostático em termos da função pressão . Sabemos que nos
diz que cada camada estelar está sujeita ao balanço de forças de
pressão e a gravitação , onde tínhamos defi-
nido a partir do campo gravitacional como algo pura-
mente formal e auxiliar, mas consistente com o efeito físico da força
gravitacional por unidade de área.
Agora bem, já discutimos que no problema do equilíbrio estelar
existe uma segunda relação de grande importância, que indica como
a matéria estabelece a partilha entre a energia interna U e a gravi-
tacional , no chamado equilíbrio Virial, que já escrevemos antes
como .
Como as estrelas precisam manter o equilíbrio hidrostático e o
equilíbrio Virial simultaneamente, podemos calcular todos os ter-
mos e ver, sem precisar integrar nenhum sistema, como podemos
justificar a existência de um limite superior à massa estelar somente
com estes conceitos. Para uma esfera homogênea, a energia gravita-
cional em termos do volume V é

(4.10)
Capítulo 4 97

E assim podemos calcular de imediato, usando que

(4.11)

onde .
O membro à esquerda da relação , que contém
as propriedades da matéria e a radiação , pode ser escrito
como a soma dos termos de gás e radiação, ambos funções conhe-
cidas de e T, ou seja e . Ao termos a soma
de dois termos bem diferentes, não é óbvio qual é a forma da rela-
ção entre a pressão e a densidade chamada de equação de estado.
Porém, a equação de estado é enormemente simplificada para um
caso especial muito relevante: quando a componente da radiação
é pequena e o transporte de energia no interior estelar é totalmente
convectivo.
Este último problema foi considerado pela primeira vez por
Lord Kelvin, quem considerou estrela em equilíbrio convectivo
adiabático. Nesta situação, onde bolhas de gás sobem e descem
radialmente sem trocar calor com o ambiente até que estão no topo
(ou seja, em toda a trajetória não há troca nenhuma, por hipótese,
esta ocorre somente antes da bolha virar). É um exercício comum
na Termodinâmica elementar encontrar a descrição de uma traje-
tória adiabática nessas condições para um gás ideal, o resultado
é , com e . Lord Kelvin raciocinou que,
como o equilíbrio térmico se mantém ponto a ponto, a pressão e a
densidade devem satisfazer sempre a mesma relação no interior (na
Astronomia é dito que tem a mesma forma funcional de uma relação
politrópica de índice 3/2). Como a hipótese inicial diz a componente
dominante da pressão no interior estelar é a do gás ideal, temos que

(4.12)

Agora bem, para o interior estelar transportar a energia total-


mente por convecção, o gás deve cumprir que gradiente de
98 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

temperatura supere um valor limite , o gradiente adiabático


do Capítulo 3

(4.13)

então o transporte de energia passa a ser dominado pela convecção


do gás e não mais pelos fótons se difundindo no envelope da estrela
para fora.
Para um dado valor constante do expoente, podemos agora inte-
grar de imediato a eq.(4.13) para obter a relação pressão-temperatura
neste processo convectivo, a qual resulta da forma

(4.14)

Utilizando as eqs.(4.13) e (4.14), vemos que

(4.15)

com K uma constante independente dos detalhes. Assim, quando a


estrela inteira é suposta em convecção, e como para um gás mono-
atômico totalmente ionizado o expoente ,o
é um número puro e as trajetórias adiabáticas do gás satisfazem
.
Os cálculos numéricos detalhados mostram que as estrelas
de são quase totalmente convectivas (Kepler e Saraiva,
2003; Horvath, 2011). Este valor está ainda bem abaixo da massa
máxima esperada, e portanto, para todas as estrelas de grande massa
observadas a soma ainda é dominada pelo termo
do gás, mas com uma crescente contribuição da radiação conforme
aumenta a massa considerada. Comparando com a eq.(4.15), a
potência de tem assim um expoente diferente (maior) que a .
Como a inclinação da é maior, sempre existe um ponto onde
, ou seja, uma solução da equação do equilí-
brio hidrostático que representa uma estrela (Fig. 4.6).
Capítulo 4 99

O problema da existência de uma massa estelar máxima está


enrustido em estas ideias. Não há observações confirmadas que
indiquem massas maiores que . Sugerimos assim
que a Física básica do equilíbrio contém razões de peso para que a
estrutura estelar acabe em torno desse valor.

Fig. 4.6. O equilíbrio hidrostático estelar precisa da intersecção das pressões


e . Na região onde as curvas ficam paralelas não pode haver nenhum modelo
estelar.

Mostramos na Fig. 4.6 que o ponto de intersecção das linhas


cheia e pontilhada corresponde a existência
de uma estrela de massa fixa dada. Quando considerarmos massas
cada vez maiores, a curva sólida começa a ter uma contribuição
crescente da componente de radiação, e fica assim cada vez mais
paralela à . Em outras palavras, vemos que quando
a componente da radiação rapidamente ganha importância, e final-
mente . Mas como a estrela precisa satisfazer sem-
pre a relação Virial eq.(3.24), podemos escrever explicitamente que

(4.16)
100 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Na aproximação (suficientemente exata para estes pro-


pósitos), vemos que o quociente na estrela se mantém cons-
tante e, portanto, implica também que . Ou
seja, quando a massa estelar é grande o suficiente, a curva da pres-
são total começa a ser dominada pela pressão de radiação, e sua
inclinação muda para ficar cada vez mais paralela à a medida
que aumentarmos a massa estelar. As soluções (estrelas) deixam de
existir para alguma massa antes que o paralelismo completo acon-
teça, de fato próxima de (onde a é dominada
pela ) como conseqüência direta da manutenção estrita da rela-
ção Virial.
Podemos agora confrontar esta idéia com as observações diretas
(Fig. 4.7). Três estrelas com as maiores massas já determinadas são
mostradas neste diagrama HR. O “recorde” atual pertence à estrela
R136a1, com massa estimada de (pensava-se inicialmente
que esse sistema triplo era uma única estrela com , mas
hoje estamos seguros da sua natureza múltipla). Os dois casos tam-
bém mostrados são AG Car com massa e WR102ka cuja
estimativa é de . Existem outras candidatas detectadas,
mas devido à existência de ventos que levam gás da estrela e outros
fatores que complicam a análise, qualquer valor de massa acima de
é tido muitas vezes como suspeito. Porém, o importante
aqui é que estas estrelas que têm luminosidades ~ milhões de vezes
maiores que a do Sol são consistentes com as ideias teóricas descri-
tas anteriormente.
Capítulo 4 101

Fig. 4.7. Algumas das estrelas mais massivas conhecidas no diagrama HR. A
Seqüência Principal de idade zero com os valores das massas iniciais calculados
teoricamente se mostram na linha preta quase vertical à esquerda. O progenitor da
supernova 1987A cuja massa inicial é estimada em é também indicado.

A análise apresentada prediz massas da ordem das maiores


observadas, embora repetimos que é possível que a massa máxima
real seja até um pouco menor do que corresponde àquela onde a
radiação domina absolutamente. Agora, o mais importante deste
exercício é mostrar que a estrutura estelar existe como decorrên-
cia do equilíbrio Virial, fato que raramente vem à tona. Podemos
dizer que o Teorema do Virial como expressão da partilha da energia
adquire aqui um caráter concreto que beneficia em muito a compre-
ensão do seu significado. O argumento físico simples apresentado
mostra por quê há estrelas, e que alguma massa máxima para elas
deve existir. Sugerimos que isto constitui um assunto importante
para ser discutido em sala de aula onde este recurso didático pode
ser aplicado. O fato de que a pressão da radiação cumpre um papel
desestabilizador da estrutura estelar é fundamental: em um número
102 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

expressivo de casos os estudantes e seus professores acreditam que


a radiação tem um papel importante na Estrutura Estelar, quando
na verdade acontece exatamente o contrário, somente quando esta
última não é importante é que as estrelas podem existir. Achamos
muito necessário insistir em este ponto e esclarecê-lo totalmente nas
aulas.
Passemos agora a considerar a questão da massa mínima com a
qual um corpo auto-gravitante pode ser chamado de “estrela”. Temos
em nosso favor a identificação da produção de energia, no caso a
fusão do hidrogênio, como o critério de separação entre estrela “real”
e “frustrada” (anã marrom). Para densidades
esperadas no centro de uma proto-estrela que está se formando, a
eq.(3.24) decorrente do equilíbrio Virial pode ser utilizada de novo,
mas devemos lembrar de introduzir os dois termos da pressão da
estrela, o dos elétrons e o dos íons (clássicos). De fato “acender”
a estrela (isto é, começar a fusão do hidrogênio no centro) pode
chegar a ser impedido pelos elétrons se estes ficarem degenerados.
Podemos escrever a pressão total como

(4.17)

Agora se usarmos a condição de equilíbrio hidrostático


e substituímos em (4.17), temos que

(4.18)

da forma , que tem um máximo quando .


Este máximo, se quisermos que o hidrogênio comece a fusionar,
deve ser pelo menos igual à temperatura de ignição , estimada
em . Igualando e resolvendo para a massa, temos que

(4.19)

O valor mais refinado ( ) que aparece na literatura é pro-


duto de um cálculo exato, mas o que mostramos aqui é a importância
Capítulo 4 103

de justificar com argumentos físicos simples a existência da tal


massa mínima, a qual emerge de uma estimativa que decorre das
condições de equilíbrio (Virial e hidrostático) e da temperatura de
ignição. Massa menores não serão suficientes para começar a fusão
porque os elétrons entrarão em degenerescência e sua pressão deterá
a compactação do caroço central, formando anãs marrons, e não
estrelas de baixa massa.
Ao presente, o recorde de mínima massa é o determinado para
a estrela denominada AB Doradus C, ou . Este valor é 93
vezes a massa do planeta Júpiter e mostra que o Sistema Solar esteve
longe, mas não muito longe, de ter um “segundo Sol” brilhando no
firmamento dos planetas que o integram.

Depois da Seqüência Principal: os estágios avançados


As estrelas não mudam muito sua posição no diagrama HR na
Seqüência Principal, a principal mudança é que o centro vai se enri-
quecendo de hélio e esvaziando de hidrogênio. Mas, até quando
uma estrela pode permanecer fusionando hidrogênio na SP? A res-
posta parece evidente, mas precisa de cuidados. Como vimos que as
estrelas de alta massa tem um caroço convectivo que homogeneíza a
composição, simplesmente a fusão acaba quando não há mais hidro-
gênio . Mas nas estrelas de baixa massa, existe uma diferenciação
das zonas, e o caroço está mudando a composição para conter cada
vez mais hélio e menos hidrogênio. A presença no caroço de quan-
tidades cada vez maiores de hélio inerte, que não produz energia,
resulta no longo prazo uma situação insustentável: a pressão produ-
zida pela fusão no caroço precisa suportar a sim próprio e também
ao envelope que está acima. Mas esta pressão é constituída
de dois termos com sinais diferentes, segundo

(4.20)

o primeiro é devido à agitação térmica do gás, e o segundo é a


energia por unidade de volume para manter o caroço ligado. Esta
104 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

pressão tem um máximo como função da massa total do caroço .


Quando este máximo é atingido, pela adição constante de hélio, o
equilíbrio hidrostático não é mais possível, e a estrela deve procu-
rar um novo equilíbrio estacionário porque deixou de ser possível
suportar o envelope que está encima.

Fig. 4.8. A configuração caroço-envelope em uma estrela de baixa massa. A pressão


na interfase deve ser a mesma para as duas componentes, mas os cálculos
indicam que atinge um máximo e não pode se manter em equilíbrio com a pressão
exercida pelo envelope que esta acima. Isto acontece quando uma fração pequena
do total do hidrogênio original foi consumida pela fusão.

Numericamente, o caroço não pode mais suportar o envelope


quando , onde é a massa total da estrela. Isto equi-
vale ao momento onde do total do hidrogênio original da
estrela foi consumido, aproximadamente (Horvath, 2011). Existe
muitíssimo hidrogênio ainda na estrela de baixa massa quando a
fusão pára, em contraste com o caso da alta massa. Este valor do
é conhecido como limite de Schenberg-Chandrasekhar (não
tem nada a ver com o limite de Chandrasekhar que se refere a outra
coisa... vide Capítulo 6) e mostra que a razão para a saída da SP das
estrelas de baixa massa é estrutural: ou seja a impossibilidade de
permanecer em equilíbrio hidrostático, e não se deve à exaustão do
hidrogênio da estrela. Mais do 80% do hidrogênio original ainda
está presente em ela (embora todo fora do caroço central...) (Ostlie
e Carroll, 1995). Este resultado da colaboração do cientista brasi-
leiro Mário Schenberg com o indiano S. Chandrasekhar é de grande
Capítulo 4 105

importância no contexto da Evolução Estelar, e pode ser creditada à


Universidade de São Paulo em 1942 pouco depois de ter sido criada.
Devido ao grande conteúdo de energia (térmica) no interior da
estrela, não haverá colapso quando atingido o limite de Schenberg-
Chandrasekhar. Antes se fala de um reajuste quase-hidrostático, isto
é, sem colapso, na escala de tempo de Kelvin-Helmholtz. A estrela
está à procura de um novo equilíbrio estável. O caroço é agora inerte
(sem reações de fusão), embora o PP ou CNO não param, se des-
locam para fora e passam a acontecer em uma concha esférica em
torno deste caroço inerte. Neste ponto é afirmado na literatura que
envelope se expande muito, enquanto o caroço se contrai e esquenta.
É importante entender a razão física para este comportamento, que
resulta no deslocamento da estrela no diagrama HR.
Vamos recorrer (de novo...) à relação Virial (3.24) e ao fato que a
energia total deve ser conservada. Para tempos suficientemente lon-
gos, a relação Virial diz que (onde os 〈〉 indicam a
média espacial na estrela composta pelo conjunto caroço+envelope).
Por outro lado a conservação da energia total requer

(4.21)

desprezando as perdas de energia e a geração na concha, que se


cancelam e são pequenas. A única forma de manter as duas coisas
constantes, e , é conservar
e constantes separadamente. Escrevendo explicitamente
que , podemos diferenciar esta
última para obter a variação do raio estelar total com o raio do
caroço ,

(4.22)

ou seja

(4.23)
106 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Esta última diz que se o raio do caroço diminui, o raio estelar


deve aumentar, e muito, já que o fator de amplificação .
O crescimento do raio estelar (envelope) quando o caroço se contrai
está assim ancorado na física básica da conservação da energia e o
teorema Virial (Horvath, 2011). A Fig. 4.9 mostra o inchaço do raio
a caminho do Ramo das Gigantes.

Fig. 4.9. Comparação aproximada do tamanho do Sol (esquerda) e uma gigante


vermelha da mesma massa , quantificando visualmente a expansão do
envelope estelar indicada matematicamente pela eq.(4.23). Inchaços de 100 vezes o
raio inicial ou mais são comuns e observados.

Como mudança da luminosidade é pequena, mas o raio cresce,


a estrela se desloca para temperaturas efetivas menores, já que se
(a temperatura efetiva T precisa baixar para com-
pensar a constância do produto). O inchaço continua até que a
superfície está tão fria quanto para permitir a formação do íon ,
tecnicamente um anion com dois elétrons e um próton. A opacidade
produzida pelo íon é muito grande, e assim “pára” o fluxo de
radiação que vem do interior. A estrela aumenta a luminosidade L
subindo pelo Ramo das Gigantes (Fig. 4.10, trajetória em vermelho).
Capítulo 4 107

Fig. 4.10. Esquema da trajetória de uma estrela como o Sol no diagrama HR. As
razões físicas para o trecho horizontal e a posterior subida quase vertical são
discutidas no texto.

Esta trajetória leva a estrela até o chamado topo do Ramo das


Gigantes, onde seu raio é de umas 100-200 vezes o raio que tinha na
Seqüência Principal, e a sua luminosidade umas 1000 vezes maior.
É neste ponto o caroço da estrela de baixa massa, que continuou
contraindo e esquentando entra, em geral, na condição de degene-
rescência eletrônica: não é mais um gás ordinário, a pressão que
domina é a dos elétrons que cumprem o Princípio de Pauli. Vamos
apresentar o gás degenerado já que é um conceito muito importante
para a evolução das estrelas (até depois do fim da sua evolução, vide
abaixo).
Estamos acostumados a pensar que um gás (clássico) tem uma
pressão que aumenta com a temperatura, já que a agitação térmica
é a responsável pela pressão. Porém, se considerarmos a matéria
para densidades crescentes, haverá um momento onde os elétrons
só poderão ocupar estados de energia no máximo de dois por cada
“cubinho” do espaço das fases nas variáveis posição ( ) e momento
( ), o qual atinge um volume da ordem da constante de Planck ao
cubo, . Este conceito de estados de energia é crucial:
108 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

não existe na Física clássica, e reflete a natureza quântica da maté-


ria. Já vimos estados de energia quantizados (discretos) no modelo
de Bohr. A Fig. 4.11 mostra uma analogia utilizando uma sala de
conferências. Cada “estado” é representado por uma cadeira, a qual
pode estar vazia ou ocupada. “Preencher” os estados de energia
equivale a sentar todo o público na sala. Esta é a situação quando a
densidade força os elétrons nos estados acessíveis, eles os ocupam
e pelo Princípio de Pauli se repelem, não têm para onde ir (outros
estados para ocupar).

Fig. 4.11. Esquerda: a sala com estados vazios (cadeiras livres). Direita: todos os
estados estão ocupados e os “elétrons” não podem mudar.

O gás muda assim de regime, não é mais regido pela Física


clássica e entra no regime degenerado (quântico). O Princípio de
Incerteza, que determina as dimensões do espaço das fases, e o
Capítulo 4 109

Princípio de Pauli, que diz que não pode haver mais de dois elétrons
ocupando um dos cubinhos (e desde que tenham espínes opostos)
são os que determinam uma nova fonte de pressão, que aumenta
conforme quisermos “apertá-los” ainda mais. Assim, a agitação tér-
mica deixa de ser importante, mas não porque a temperatura seja
baixa (ela é muito grande quando medida em ), mas porque a
degenerescência fornece uma pressão que cresce muito mais rapida-
mente e a domina (Fig. 4.12)

Fig. 4.12. A pressão nos regimes clássico e quântico. Para certa densidade
(linha pontilhada), o gás clássico não mais é a fonte dominante da pressão, a
degenerescência dos elétrons produz uma pressão independente da temperatura
que sobe muito rapidamente e permite a existência de anãs brancas.

Vamos ver mais adiante que resulta possível calcular a pres-


são de forma simples nesse novo regime degenerado, usando que a
pressão é a derivada da energia por partícula respeito do volume (ou
seja, descreve como reage a matéria se a comprimirmos). Os resulta-
dos, para o caso de elétrons, são

(não relativísticos) (4.24)

(ultra-relativísticos) (4.25)
110 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

onde é o número de partículas (elétrons) por unidade de


volume. Como a a constante de Planck aparece nos dois casos, esta
pressão de degenerescência é puramente quântica.
Agora, retomando a discussão anterior, o fato mais importante
é que a pressão de um gás degenerado das eqs. (4.24) e (4.25) não
depende da temperatura. As estrelas atingem no topo do Ramo das
Gigantes a temperatura onde a ignição do hélio é possível (acima de
) no caroço, mas este não “reage”: a fusão do hélio libera ener-
gia, mas esta não aumenta a pressão (!), já que não mais depende
da temperatura. Este processo de fusão se descontrola, já que sem
aumento de pressão a estrela não pode se expandir para fazer descer
a temperatura, como descrito no Capítulo 3. Este fenômeno leva ao
denominado o flash de hélio, que libera uma luminosidade interna
gigantesca, mas como esta liberação está soterrada e é muito rápida,
não deve produzir conseqüências observáveis pronunciadas (há
candidatas a estrelas que possam estar sofrendo o flash, localizadas
no topo do Ramo das Gigantes, mas este nunca foi observado).
Com a ocorrência do flash, a estrela libera tanta energia inter-
namente que finalmente provoca que o gás saia da condição de
degenerescência. A pressão volta a ser dominada pela temperatura
e a estrela finalmente se expande, controlando a taxa das reações
nucleares do hélio conhecidas como ciclo triplo α, já mostrado à
direita na Fig. 3.17. Este ciclo que fusiona hélio também é com-
plexo: nem poderia acontecer se fosse necessário que os três hélios
se encontrassem simultaneamente, já que isto é quase impossível.
Da mesma forma que a reação de dois prótons com decaimento no
PP, acontece uma reação inicial , mas esse núcleo de
é instável, já que não há elementos estáveis na Tabela Periódica
em e (!). Assim, esse núcleo de berílio decai logo (para
um instante qualquer, há ~1 berílio para cada bilhão de hélios...),
embora viva muito mais que numa colisão simples. Desta forma,
tem tempo para capturar um terceiro hélio segundo ,
não fosse porque esta reação está proibida pela conservação das
quantidades fundamentais, neste caso a chamada paridade nuclear.
Capítulo 4 111

F. Hoyle quem raciocinou que devia existir um núcleo de carbono


excitado que servisse de “porto” para chegada, para logo decair no
carbono “ordinário”, já que se nada isto não acontecesse não have-
ria carbono (nem seres humanos feitos a partir dele...) no Universo.
Esse carbono excitado foi achado nos laboratórios logo a seguir, e
costuma-se escrever

(4.26)

como uma taquigrafia para algo muito mais complicado (Clayton,


1984). Os cálculos da energia liberada segundo a expressão
, indicam e (!!!). Assim, a
dependência com a temperatura é muito mais extrema, de tal forma
que a exaustão do hélio existente acontece muito mais rapidamente
que no caso do hidrogênio. Pela expansão apontada, a estrela “desce”
do Ramo das Gigantes e se estabelece no chamado Ramo Horizontal
se a metalicidade é baixa (ou Red Clump, para metalicidades altas).
O caroço agora produz carbono a partir do hélio de forma estacioná-
ria, enquanto na concha esférica circundante a fusão de hidrogênio
em hélio ainda continua (Fig. 4.13). Poderíamos dizer que o Ramo
Horizontal é a “Seqüência Principal” do hélio (Horvath, 2011).
112 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 4.13. Trajetórias de uma estrela de na subida e descida do Ramo das Gigantes,
para se estabelecer na “Seqüência Principal” do hélio como indicado. A saída
posterior do RH ou RC responde à mesma razão física discutida anteriormente para
o caso da Seqüência Principal.

Da mesma forma que o caroço da estrela tinha atingido o limite


de Schenberg-Chandrasekhar para sair da SP, existe um segundo
“limite de Schenberg-Chandrasekhar” análogo para o caroço inerte
rico em carbono, e pela mesma física já descrita, a estrela deve parar
as reações triplo para ascender agora ao chamado Ramo Assintótico
das Gigantes (AGB em inglês). Mas agora a concha concêntrica
(embora esta não seja degenerada...) começa a pulsar nos chamados
pulsos térmicos, que acabam expulsando o envelope e produzindo
essas imagens belíssimas que vemos nas nebulosas planetárias (por
exemplo, na Fig. 4.14), e deixando para trás o caroço enriquecido
em carbono e também algo de oxigênio (a captura pelo carbono é
inevitável e mais importante quanto maior for a massa).
Capítulo 4 113

Fig. 4.14. Uma das inúmeras nebulosas planetárias (IC 418) produzidas pelos pulsos
térmicos das estrelas do tipo solar. Imagem do Hubble Space Telescope. Note-se o
caroço (composto de brilhando como um ponto no centro), o qual deve se
converter em uma verdadeira anã branca quando finalmente esfriar.

É esse caroço, inicialmente muito quente, o que esfriará ao


longo de vários Ganos para se tornar uma anã branca, a qual será
estudada em um Capítulo próximo.
As estrelas de alta massa, no entanto, estão definidas como
aquelas que superam as . O limite entre os dois grupos (baixa
e alta massa) não é arbitrário: está dado pela massa onde o carbono
não consegue ser fusionado, já que a temperatura na região central
não chega a atingir o valor da ignição deste elemento .
Tanto para fusionar o carbono quanto para os outros processos ainda
mais avançados, será necessário que a taxa de reações supere a taxa
de emissão de neutrinos do caroço, partículas que escoam o calor
muito eficientemente. O caroço rico em carbono suportado pelos
elétrons é degenerado, e para densidades , e desde
que a massa da estrela seja suficiente, finalmente fusiona segundo

(4.27)

onde o magnésio em estado excitado decai de muitos


modos diferentes (lembrando o caso do carbono excitado proposto
114 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

por Hoyle), os quais somados resultam em uma taxa de reações


. Por esta dependência extrema, o ciclo de fusão do carbono
dura substancialmente menos que o triplo anterior. Quando esgo-
tado o segue um mecanismo de geração de energia que não é exata-
mente uma fusão, mas um re-arranjo de “cacos” que é denominado
fotodesintegração do , onde os núcleos do neônio são quebrados
por fótons segundo e as partículas captura-
das logo em reações do tipo . Se olharmos o
estado inicial e final, escreve-se de forma efetiva

(4.28)

e as aspas lembram que não se trata realmente da fusão de dois neô-


nios, mas de fragmentos que compõem algo como um neônio “que-
brado”. Ainda para densidades e ,
e o oxigênio que pode fusionar, com uma reação inicial

(4.29)

onde também o núcleo de fósforo excitado decai segundo uma


grande quantidade de estados finais, cuja taxa de reações integrada é
. E finalmente, a fusão do oxigênio é seguida por outra reação
de fotodesintegração (e a última...) que acontece com e que é
escrita como

(4.30)

e, de novo, os correspondem a um conjunto de “cacos” com


esse número de massa, mas que está longe de constituir um verda-
deiro núcleo de silício. Da mesma forma entendemos que o
é uma forma de escrever uma série de elementos desse número de
massa, que quando produzidos capturam e decaem rapidamente
para formar uma distribuição que se conhece como elementos do
“pico” do ferro. O que acontece depois será objeto do estudo poste-
rior, no estágio de colapso e explosão (Horvath, 2011).
Capítulo 4 115

O resultado de toda esta seqüência de reações tem como desfe-


cho a chamada estrutura de cebola (Fig. 4.15). É importante destacar
de novo que os tempos nos quais a estrela é sustentada por cada
um dos ciclos ficam progressivamente mais curtos devido ao vigo-
roso dispêndio da energia. Estes tempos se mostram na Tabela 4.2
para uma estrela de . Para cada estágio de sobrevida da estrela
que lança mão do reservatório que ainda possui, com vida cada vez
mais curta, e que culmina com eventos de supernova descritos no
Capítulo a seguir.

Fig. 4.15. A estrutura de cebola de uma estrela massiva quando já acendeu todos os
ciclos possíveis para se manter, e que desenvolve um caroço de (elementos em
torno de no seu interior.
116 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Tabela 4.2. Os diferentes ciclos de queima termonuclear, junto com os principais


produtos, temperaturas de ignição e tempos de vida para uma estrela de .
Note-se a aceleração em cada estágio (estes tempos são praticamente os mesmos
que apresentamos no Capítulo 5 para o progenitor da SN1987A).
Produto Produtos Temperatura Duração do
Combustível
Principal Secundários ( ) Ciclo (anos)
H He 14
N 0.02 2 × 107
He C, O 18
O, 22Ne 0.2 106
C Ne, Mg Na 0.8 103
Ne O, Mg Al, P 1,5 3
O Si, S Cl, Ar, K, Ca 2,0 0,8
Ti, V, Cr, Ni,
Si Fe 3,5 < 1 semana
Mn, Co

Em soma, as estrelas de alta massa têm duas diferenças impor-


tantes com suas parentes menores: não possuem uma diferenciação
caroço-envelope, e atingem temperaturas suficientes para continuar
as fusões exotérmicas até o pico do ferro. Seguem assim trajetórias
bastante diferentes das de baixa massa no diagrama HR, sem passar
pelo Ramo das Gigantes nem sofrer flash nenhum. Quando esgota o
hélio se deslocam para a direita do diagrama HR, e o “inchaço” e a
grande massa e luminosidade as mostram na região das supergigan-
tes. Alguns fatos adicionais não discutidos aqui, tais como a exis-
tência de perdas de massa substanciais, provocam o deslocamento
posterior de volta para a esquerda do diagrama HR quando o car-
bono é fusionado, e explosões de estrelas amarelas ou azuis em vez
das supergigantes vermelhas da faixa mais baixa de até umas
(Fig. 4.16). Veremos depois como em alguns casos bem estudados (a
SN 1987A, por exemplo) existe evidência para este comportamento.
Capítulo 4 117

Fig. 4.16. Trajetórias no diagrama HR para estrelas de diferentes massas e


composição solar. Note-se que, devido ao caroço convectivo o limite de Schenberg-
Chandrasekhar é irrelevante, não há subida ao Ramo das Gigantes nem flash de
hélio. A perda de massa é substancial e produz um retorno para o azul das estrelas
das massas maiores ( e além), até o momento do colapso e explosão (Capítulo
5), indicados com estrelinhas em cada um dos casos

Como subsídio para nosso conhecimento das estrelas após a


Seqüência Principal, pela primeira vez na história a interferometria
óptica foi utilizada para observar com alta resolução espacial um
alvo estelar, Betelgeuse, uma supergigante vermelha próxima (em
Orion) que varia entre 300 e 400 (Betelgeuse é uma variável, dis-
cutida no Capítulo 9). A única estrela na qual enxergávamos mais
que um “ponto” era, até esse momento, o Sol. Os resultados obtidos
(Fig.4.17) foram surpreendentes: as oscilações que já se conheciam
de Betelgeuse fazem com que exista uma deformação considerável,
e a estrela não é esfericamente simétrica. Assim, ao menos neste
caso, todo nosso esquema da Estrutura Estelar foi por água abaixo,
se olharmos o assunto de forma muito estrita. Não sabemos como é
que esta assimetria se origina, mas pode ser apreciada na Fig. 4.17.
118 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 4.17. Betelgeuse na imagem interferométrica da ESA. Além da assimetria


mencionada, uma “mancha quente” muito maior que a Terra aparece com clareza,
sem que nenhum mecanismo para sua existência tenha sido identificado. Como
Betelgeuse apenas rota, e seu campo magnético é pequeno, as razões desta
deformação não são em absoluto claras.
Capítulo 4 119

O mais importante
Aplicamos aqui o esquema matemático do Capítulo ante-
rior para obtermos soluções que refletem os interiores estelares
(Sol e outros casos), mas também a Evolução Estelar das estrelas
divididas em dois grandes grupos: as do tipo solar e as de grande
massa. Vimos que a estrutura é diferente para cada caso porque
existe o domínio de um u outro modo das reações nucleares, e
que a Evolução posterior é também diferente (incluído o desfe-
cho/morte da estrela). Mostramos que as equações de estrutura
explicam as relações observadas entre L,M etc. sem ter precisado
integrar o sistema, somente com o auxílio da relação Virial do
reparto da energia. A existência de uma massa máxima e uma
mínima são também decorrência dos ingredientes físicos. Todo
isto é importante e reforça que as nossas ideias a respeito estão
basicamente corretas, não há nada terrivelmente desconhecido
ou misterioso nas estrelas. Finalmente vimos que somos capa-
zes de entender e predizer o quê acontece quando as estrelas
saem da Seqüência Principal rumo a outros setores do diagrama
HR, procurando novos estados de equilíbrio mas já “condena-
das” a terminar suas vidas, ora como nebulosa planetária+anã
branca, ou explodindo para formar uma estrela de nêutrons ou
um buraco negro. Estes “cadáveres” serão estudados no Capítulo
6 logo a seguir.
CAPÍTULO 5

Supernovas

Supernovas no Mundo Antigo. As supernovas históricas

O
s astrônomos chineses detêm o mérito de ter sido os primeiros
que registraram uma supernova (ou “guest star”) no ano 185
A.D. No Ocidente, o registro visual das primeiras supernovas é
muito posterior, no fim da Alta Idade Média com o registro esporá-
dico da supernova do 1006 A.D.. É muito possível que, embora as
supernovas estivessem visíveis, o dogma aristotélico da imutabili-
dade dos céus conspirasse contra seu registro, já que “não poderiam
estar aí”. Alguns relatos muito elípticos de religiososforam inter-
pretados, por exemplo, como registros observacionais da supernova
do ano 393 A.D. Já a supernova do 1054 A.D. (que deu origem à
Nebulosa do Caranguejo) sim foi registrada tanto no Oriente quanto
no Ocidente. Durante o Renascimento a atitude dos astrônomos
tinha mudado muito: tanto Tycho (1572 A.D.) quanto Kepler (1604
A.D.) observaram e estudaram as supernovas que hoje levam seus
nomes e pavimentaram o caminho dos estudos modernos (Clark e
Stephenson, 1977).
122 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 5.1. Esquerda: imagem (mosaico) da supernova de Kepler no ano 1604 A.D. em
raios X (Chandra), visível (Hubble) e infravermelho (Spitzer) mostrando diferentes
elementos químicos sintetizados no remanescente em cores falsas. O tipo de evento
que deu origem ao remanescente é ainda disputado. Direita: as anotações originais
do Tycho Brahe registrando a evolução do brilho observado da supernova em 1572
A.D que leva hoje seu nome.

Três séculos depois de Tycho e Kepler, os astrônomos W. Baade


e F. Zwicky, em um artigo de 1934 (Baade e Zwicky, 1934) mostra-
ram que existiam diferenças muito grandes entre as energias das cha-
madas “novas” e a classe que denominaram “super-novas” (nome
Capítulo 5 123

original que eles propuseram), os dois grupos eram até então confun-
didos. Baade e Zwicky reconheceram estar lidando com explosões e
fizeram a primeira proposta de classificação observacional, baseada
na presencia ou ausência das linhas de hidrogênio. Segundo eles, a
ausência de hidrogênio no espectro apontava para uma estrela evo-
luída, possivelmente da chamada população II (velha), e a presença
de hidrogênio indicava a explosão de uma estrela de população I
(jovem). Porém, a energia envolvida nas duas era enorme e muito
similar ( ) em ambos os casos. Esta energia
é igual à radiada pelo Sol acesso por 100 bilhões de anos. A dife-
rença dos dois tipos segundo o critério de Baade e Zwicky, e a visão
“moderna” dos progenitores pode ser vista na Fig. 5.2.

Fig. 5.2. Esquerda: os espectros dos eventos de colapso (parte inferior) e as


supernovas termonucleares (parte superior). Note-se que a Tipo II é a única que
mostra as linhas e do hidrogênio, ausentes nos outros tipos. Direita: a
estrutura dos progenitores tal como é entendida hoje. A perda dos envelopes nas
fases de pré-supernova e a binariedade seriam as causas para as estrelas massivas
produzirem supernovas do “tipo I”, mas que na verdade correspondem também a
colapsos gravitacionais. Os eventos de captura eletrônica não aparecem em esta
figura.
124 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Dos estudos realizados ao longo do século 20 sabemos hoje que


as taxas de explosão de cada tipo de supernova são diferentes para
cada tipo de galáxia (por exemplo, as SNII são raramente observa-
das em galáxias elípticas, o qual resulta compreensível porque estas
galáxias não apresentam formação estelar substancial e contém pou-
cas estrelas jovens). A taxa obtida para a soma de todos os tipos é
de . Como a última supernova observada foi a de
Kepler (1604) há mais de 400 anos,a Via Láctea esta “atrasada”, e
já deveríamos ter detectado outros eventos. As taxas relativas para
cada tipo parecem ser algo como 20% tipo Ia, 70% tipo II e 10%
tipo Ib/c (Li et al., 2011). Na Tabela apresentamos as supernovas
históricas na nossa galáxia.
Um fato interessante a ser ponderado é que com a disponibi-
lidade de instrumentos no espaço foi possível nestes últimos anos
detectar alguns remanescentes muito jovens cujas supernovas não
foram observadas ao momento da explosão. Este é o caso, por exem-
plo, do denominado G1.9+0.3 (Fig. 5.3) onde a observação da expan-
são do gás permite inferir, extrapolando para tempos anteriores, uns
120 anos para sua idade (Carlton et al., 2011). Não houve nenhum
aviso de detecção por volta do 1900, o qual é compreensível porque
esse remanescente está em uma região muito escurecida ela poeira
na direção do centro da nossa galáxia. Vemos que a taxa estimada
pode estar correta e ainda assim, boa parte das supernovas ter sido
“invisível” no momento que aconteceram.
Capítulo 5 125

Fig. 5.3. O remanescente de supernova G1.9+0.3, o mais jovem conhecido, com


idade estimada em 120 anos mas que explodiu na parte mais escura da galáxia,
cheia de poeira e gás que impossibilitaram sua observação há mais de um século.

Tabela 5.1.As supernovas históricas observadas no último milênio, ordenadas


cronologicamente
Distância
Nome Ano longitude latitude Tipo
à Terra (kpc)
Lupus (SN1006) 1006 2.2 327.57 14.57 Ia
Caranguejo 1054 2.0 184.55 -5.79 II (?)
3C58 (SN1181) 1181 2.6 130.73 3.07 II
Tycho 1572 2.4 120.09 1.42 Ia
Kepler 1604 4.2 4.53 6.82 ? (disputado)
Cas A (sem registro
1680 2.9 111.73 -2.13 Ib
histórico)

A classificação de Baade e Zwicky iniciou a procura pelos mode-


los físicos para as explosões. Que tipo de estrelas estavam envol-
vidas? como exatamente explodiam? Houve que esperar 3 décadas
para que estas perguntas começassem a encontrar respostas. A teoria
por trás das explosões tipo Ia e tipo II (veremos que as Ib e Ic são,
na verdade, variantes das tipo II...) é muito complexa, e para piorar,
não resulta suficiente observar supernovas em galáxias longínquas
para confirmá-las, a maior parte das predições precisaria de dados
126 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

de eventos muito mais próximos, ausentes por vários séculos na Via


Láctea tal como indicamos. A única supernova “histórica”recente,
muito bem observadanos dias de hoje, aconteceu numa galáxia pró-
xima (SN1987A na Nuvem Maior de Magalhães), mas foi suficiente
para trazer à realidade a maior parte das predições dos modelos
decolapso que descreveremos a seguir.

Supernovas de colapsos gravitacionais (tipo II, Ib e Ic)


A evidência coletada da presença de hidrogênio nas superno-
vas “tipo II”, indicativa de uma população jovem, e a associação de
alguns eventos com os braços espirais das galáxias levaram a pensar
no fim das estrelas de alta massa como possíveis progenitores dos
eventos. Entender como é que isto acontece precisou do desenvol-
vimento da Teoria da Evolução estelar, a qual mostrou que cama-
das sucessivas de elementos cada vez mais pesados fusionavam,
tal como mostrado na Fig. 4.15. Coube perguntar então como é que
poderia explodir a estrela. Esta descrição do colapso gravitacional
precisou incluir fenômenos físicos que nem eram conhecidos na
primeira metade do século 20, e ainda hoje não pode ser conside-
rada completa. Existe, sim, um consenso a respeito dos sucessos em
seqüência genericamente falando, tal como descreveremos a seguir.
O foco da física do colapso está no comportamento do caroço
de (onde as aspas servem para lembrar que uma variedade de
nuclídeos com número de massa próximo de 56 está sendo consi-
derada) no centro da Fig.4.15. Tal como vimos anteriormente (Fig.
3.10), a energia de ligação dos núcleos é máxima perto deste valor.
Assim, a produção do caroço de deve encerrar as possíveis rea-
ções de fusão, já que é impossível obter energia fusionando .O
crescimento do caroço enquanto a sua massa também tem um limite
absoluto: o fato que a fonte de pressão deste são os elétrons dege-
nerados nas condições reais, indica que poderá crescer até atingir a
massa de Chandrasekhar correspondente, algo em torno de
(embora há uma faixa em torno deste valor, decorrente de correções
devidas relatividade e temperatura). Perto deste máximo da massa do
Capítulo 5 127

caroço, a densidade e temperatura centrais são


e . A estabilidade do caroço acaba quando
a densidade aumenta tanto que os elétrons são capturados pelos
núcleos de em reações do tipo

(5.1)

como os elétrons são os que sustentam a pressão, se são absorvidos,


esta última diminui. O segundo efeito é que a pressão também dimi-
nui porque há energia sendo utilizada para quebrar os núcleos de
(fotodesintegração) segundo reações do tipo

(5.2)

Como conseqüência destes dois processos, o caroço não mais se


sustenta e entra em colapso, assim a densidade aumenta e acelera as
capturas em um processo irreversível (Bethe, 1994).
Ao longo deste colapso, quando a densidade atinge valo-
res vezes maiores que o inicial (isto acontece uma fração
de segundo depois de começar...), acontece dentro do caroço em
colapso um fenômeno único no Universo contemporâneo: até aí
os neutrinos conseguiam escapar desimpedidos, levando embora
energia da região central, mas mesmo tendo uma seção de choque
muito pequena, da ordem de , o aumento da densidade faz
com que agora estes fiquem retidos no caroço em colapso (ou seja,
passam do regime de escape livre para o regime difusivo, note-se
que a manjadíssima afirmação que atravessam anos-luz de chumbo
se refere à densidade do chumbo , enquanto aqui esta-
mos considerando uma densidade de 100 bilhões de vezes maior...).
Assim, não há mais energia escoando para fora do caroço e temos
um processo que prossegue de forma adiabática.
O caroço em colapso pode ser dividido em uma região externa
e uma interna, na interna existe uma comunicação entre o fluído, e
na externa este está em uma espécie de queda livre acima da região
interna. Quando a densidade da região interna atinge a chamada
densidade de saturação nuclear , a estrutura
128 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

dos núcleos se dissolve, dando passagem a uma “sopa” de núcleons


que é muito dura. Em analogia com a Fig. 5.4, a região interna faz
ricochetear a matéria que continua caindo acima dela (Fig. 5.4), pro-
duzindo uma descontinuidade na densidade e na velocidade (agora
revertida)que é chamada de onda de choque (Horvath, 2011).

Fig. 5.4. Esquerda: uma analogia quotidiana para visualizar o efeito do enrijecimento
súbito da “sopa” de matéria na região interior; o material que cai reverte sua
velocidade pela rigidez encontrada, e forma uma onda de choque na borda da
região interna, representada aqui pela água que volta e molha o operador. Direita:
a onda de choque real calculada para um modelo de cujo caroço tem ;
o choque começa com velocidade positiva (curva superior) e avança em direção à
superfície, mas perde intensidade rapidamente e se inverte depois de
(curvas inferiores com velocidade negativa).

Todos os grupos de trabalho coincidem hoje com esta seqüên-


cia de eventos, mas o desfecho mais óbvio e esperado (ou seja, que
o choque consiga ejetar o envelope sendo a causa da explosão) não
é o que realmente acontece. Como mostrado na Fig. 5.4 (direita), o
choque perde intensidade enquanto se propaga para fora, principal-
mente porque no caminho a matéria em queda ainda esta composta
por núcleos (o caroço externo não é mais denso que ), e dissociar
estes custa ao choque muita energia. Temos aí uma situação parado-
xal: a energia inicial do choque é mais do que suficiente para explo-
dir a estrela, masela é desperdiçada em quebrar os núcleos da região
exterior que vai atravessando, parando a uns do centro.
Capítulo 5 129

Há pelo menos 30 anos que ficou demonstradaa inviabilidade


do choque como mecanismo para a explosão. Assim, deu-se mais
atenção para o destino do caroço, agora mais apropriadamente cha-
mado deproto-estrela de nêutrons. Se nada mais acontecer, está em
sério risco de colapsar a buraco negro porque a gravitação não para
nunca de “puxar”. Assim, a evolução posterior depende da ener-
gia que foi liberada pela compactação, residente em um “mar” de
neutrinos, produzidos com muito maiseficiência que fótons em
essas condições de temperatura de de graus. Um total
de está retida no caroço, e os neutrinos
estão escoando com dificuldade devido ás interações com a matéria.
O raio R do caroço é agora é ,e a situação lembra quando
discutimos os fótons escoando do interior solar, salvando as dis-
tâncias, mas enxergando a exatidão desta analogia. Os neutrinos se
difundem para fora da proto-estrela de nêutrons com uma escala de
tempo difusiva de , até atingir a neutrinosfera (definida ana-
logamente à fotosfera, mas para os neutrinos) como se fossem os
fótons do Sol. Assim, na hipótese mais simples, a proto-NS emite
como um corpo negro, mas de neutrinos, com uma luminosidade

(5.3)

situação ilustrada na Fig. 5.5. O fator 7/4 é a diferença com o “corpo


negro” ordinário, já que os neutrinos não são fótons.
130 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 5.5. A neutrinosfera na proto-NS. Os neutrinos são emitidos desde esta com a
luminosidade da eq.(5.3), e depois alguns deles interagem com a matéria do choque
“parado” à direita da figura.

Embora a densidade do material entre a neutrinosfera e o cho-


que parado seja muito mais baixa ( , desta forma a
região intermédia é às vezes chamada de quase-vácuo devido a este
contraste...), a taxa de capturas pela ação dos processos

(5.4)

(5.5)

criam condições para ele voltar a se expandir. Este mecanismo é


conhecido como neutrino revival, e deveria ser a causa da expan-
são na base do envelope com a explosão como desfecho final. Não
estamos falando que os neutrinos transferem momento ao choque
parado, mas que eles permitem uma expansão que é conhecida na
Astronomia como vento (Burrows, 1990). Por esta razão as superno-
vas de colapso poderiam ser chamadas com propriedade de bombas
de neutrinos. Há um enorme debate entre os pesquisadores para ava-
liar quantitativamente os efeitos da Relatividade Geral, incertezas
na microfísica, e outros fatores e determinar se isto é o fim da his-
tória das explosões, ou se novos ingredientes físicos (por exemplo,
Capítulo 5 131

a liberação dos quarks no caroço, Benvenuto e Horvath, 1989) são


requeridos.
Pelo estudo dos espectros e outras observações é hoje consenso
que os tipos Ib e Ic são também colapsos de estrelas de grande massa
que perderam as camadas de hidrogênio e hélio antes da explosão,
respectivamente, mas que o mecanismo básico da explosão é exata-
mente o mesmo, só muda o envelope mais externo. Em outras pala-
vras, a velha classificação “I” e “II” é correta mas leva a confusão,
somente as Tipo Ia são, na visão moderna, eventos muito diferentes
sem relação com o colapso de uma estrela de grande massa, como
veremos depois.
No ano de 1987 o mundo da Astronomia foi sacudido pela
explosão da supernova mais próxima visível nos últimos 400 anos.
O evento recebeu o nome de SN1987A, e foi localizada na galá-
xia anã próxima chamada Nuvem Maior de Magalhães. Trabalho
de arquivo permitiu identificar a estrela progenitora em imagens
previas, e estabelecer que tinha umas . A reconstru-
ção completa da história evolutiva, utilizando o sistema de equa-
ções (3.7), (3.8), (3.14) e (3.17) indica que o progenitor viveu uns
na Seqüência Principal, saiu dela há uns ,
virando logo a seguir uma supergigante vermelha com raio vezes
a órbita da Terra, exauriu o hélio e depois acendeu o carbono há uns
(quando o homem começava a Agricultura) para final-
mente queimar neônio desde o ano 1971 até 1983, oxigênio desde
1983 até Fevereiro de 1987, fusionou silício por uns 10 dias em
1987, para finalmente explodir o dia 23 de Fevereiro. Todos estes
períodos são sujeitos a incertezas pequenas, mas o básico acredita-
-se correto. O evento permitiu iniciar a observação dos neutrinos,
diretamente detectados por pelo menos dois detectores-tanque sub-
terrâneos como uma nova disciplina, pela primeira vez uma obser-
vação que não tinha a ver com fótons. A história da estrela Sk -69
202 é mostrada na Fig. 5.6.
132 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 5.6. A trajetóriada estrela progenitora da SN1987A (chamada de Sanduleak


-69 202 no catálogo), indicando os estágios de fusão e outros dados de interesse na
cronologia.

Una última questão importante é que existem, no extremo infe-


rior de massa das estrelas que colapsam, algumas que não desen-
volvem um caroço de “ ”. A razão é que na faixa de
as reações nucleares não seguem além do em con-
dições de degenerescência porque a temperatura nunca é sufi-
ciente para a ignição. Assim, quando estes chegam a sua “massa
de Chandrasekhar” correspondente, capturam elétrons e desabam
com uma massa praticamente idêntica de , o qual resulta
na formação de estrelas de nêutrons com uma massa baixa e fixa
( ), que resulta de descontar um da energia de liga-
ção radiada em neutrinos da massa original de . Como o
número de estrelas existente em essa faixa de massa é grande (Fig.
7.11), espera-se a presença delas nas amostras. Tem sido sugerido
que a explosão que deu origem ao pulsar do Caranguejo em 1054
A.D. foi deste tipo, com luminosidade baixa e a produção do pulsar
Capítulo 5 133

homônimo. O “pico” na distribuição das massas das estrelas de nêu-


trons em (Valentim, Rangel e Horvath, 2011) está agora
bem estabelecido observacionalmente (Fig. 6.19) e proporciona um
suporte importante para estas ideias.

Supernovas termonucleares (tipo Ia)


Temos expressado antes que nos estudos pioneiros de Baade
e Zwicky na década de 1930 todas as “super-novas” pertenciam
à mesma classe, embora existisse a diferença entre “Tipo I” (sem
hidrogênio) e “Tipo II” (com hidrogênio). Acabamos de ver que o
modelo físico, confirmado pela explosão da SN1987A e outras evi-
dências, para o Tipo II é o de colapso e posterior explosão de uma
estrela de grande massa. Os tipos Ib e Ic pertencem, apesar de não
terem hidrogênio, a esta classe de eventos, onde houve perda parcial
do envelope antes da explosão. Falta saber quê tipo de progenitor
evoluído (População II) poderia liberar subitamente uma quanti-
dade enorme de energia (os observados) e qual processo
permitiria esta liberação para explicar as Tipo Ia.
A análise dos eventos e suas possíveis fontes de energia levou
a conclusão que a fusão descontrolada de carbono em uma anã
branca era o mecanismo mais viável que satisfaz as condições pro-
curadas. Existem dois cenários astrofísicos para levar carbono a
fusionar: a anã branca pode acender o carbono pelo efeito da acres-
ção de uma companheira “normal”, ou também pode acontecer em
sistemas binários, quando duas anãs brancas finalmente fusionam
e a matéria se comprime e esquenta (daí o nome termo-nuclear). O
primeiro cenário é chamado de single-degenerate (só a anã branca
é feita de matéria degenerada, a companheira é normal) e o segundo
double-degenerate (as duas são anãs brancas). A Fig. mostra estes
dois cenários (Hoeflich, 2017).
134 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 5.7. Os dois possíveis cenários que permitiriam a ignição do carbono de uma
anã branca. À esquerda, o single-degenerate, onde a anã branca acreta matéria de
uma companheira pós-MS normal, e à direita, o double-degenerate, onde duas anãs
brancas acabam se fusionando depois de um tempo longo onde a órbita decai.

Por várias décadas, somente o cenário single-degenerate era


considerado, e embora os estudos realizados da ignição do carbono
ainda apresentam incertezas várias, é claro que a anã branca não
poderá atingir estas condições de ignição a menos que esteja perto
do limite de Chandrasekhar. A temperatura de ignição para densi-
dades (apropriadas para o centro em essas condições)
é de . Faltou determinar de quê forma acontece a com-
bustão nas supernovas tipo Ia. Existem duas formas diferentes de
combustão em geral: as lentas e as detonações. Fisicamente, eles são
bastante diferentes. As lentas são as mais ordinárias às quais esta-
mos acostumados acontecem quando o calor liberado se difunde e
Capítulo 5 135

ajuda a queimar o combustível adiante (como acontece botando fogo


a uma folha de papel). Em contraste, as detonações são mediadas
por um choque que “atropela” as partículas e estas fusionam atrás
dele. Como estes choques são sempre supersônicos no meio que vai
ser “atropelado”, este não pode expandir antes de ser atingido, e a
combustão resulta sempre total produzindo elementos como níquel
e ferro (Horvath, 2011).
Por outro lado, as observações das SNIa mostram curvas de luz
compatíveis com a produção (síntese) de de níquel, mas
também de (ou seja, elementos de massa
intermediária que são “cinzas parcialmente queimadas”, tal como
acontece com as brasas que não acenderam totalmente depois do
churrasco...). Estes elementos intermediários faz pensar que deve
haver ao menos um estágio da queima que seja no modo lento. A
frente se propagando pode “avisar” (já que é subsônico), a matéria
expande pelas ondas que viajam à frente, e uma combustão parcial é
possível. Mas, por outro lado, existe a necessidade de ter abundante
níquel, facilmente produzido pelas detonações. Assim existe a ideia
que, nos cenários single-degenerate as combustões podem ter um
início como deflagração, para logo “pular” ao ramo das detonações
quando agem várias as instabilidades do fluido (estas instabilidades
podem ser vistas em qualquer filme onde os protagonistas explodem
gasolina ou algo similar)
136 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 5.8. Realidade vs. simulações. Esquerda: cena de um filme de ação onde um
tanque de gasolina explode (enquanto os protagonistas escapam ilesos...). Direita:
simulações de uma explosão de carbono feitas por S. Blinikov e seu grupo,
mostrando as instabilidades fragmentam a frente original em domínios de vários
tamanhos, a exemplo da explosão da esquerda. Isto pode levar a transformação da
combustão em uma detonação muito antes de transcorrer 1s desde a ignição do
carbono em uma anã branca, que responde a mesma descrição matemática utilizada
na combustão da gasolina.

Qualquer que seja a forma da combustão, existe hoje farta evi-


dência para afirmar que as supernovas Ia liberam muita mais energia
que a necessária para desligar a anã branca: não foram observados
remanescentesestelares em nenhuma explosão.
Com a formação de níquel, ferro e outros produtos a partir
do carbono original, foi possível identificar um estágio depois do
máximo do brilho, onde o decaimento temporal deste coincide com
a meia-vida do ( ). Isto quer dizer que o gás em
expansão está recebendo a energia do decaimento do níquel em
cobalto, e esta energia está retida “empurrando” a expansão. Isto é
seguido de outro estágio onde o decaimento ( )
é claramente visível. É por isto que insistimos na necessidade da
produção abundante de como requisito anteriormente. A Fig.
5.9 mostra estes estágios em um evento real.
Capítulo 5 137

Fig. 5.9. A curva de luz típica de uma SNIa, mostrando a queda depois do máximo
segundo duas inclinações bem diferentes, associadas ao decaimento de níquel em
cobalto e de cobalto em ferro. Sem estas fontes de energia, o decaimento seria muito
rápido e incompatível com as observações.

Houve recentemente uma série de tentativas recentes em deter-


minar se as supernovas correspondem ao cenário single-degenerate
ou ao double-degenerate. Observando as regiões das supernovas Ia
históricas bem identificadas (por exemplo, SN1006 e Tycho, Tabela
5.1) procurou-se, próximo do centro da explosão, alguma estrela,
suspeita de ser aquela que transferia massa, varrida parcialmente
pela passagem do choque. No remanescente de Tycho só revelou
uma candidata, mas possivelmente seja uma estrela do halo, cuja
posição projetada coincide por acaso, mas que reside muito longe
do remanescente. Na análise do remanescente de Kepler nenhuma
candidata foi encontrada. Assim temos que não há evidência direta
do single-degenerate, e que essas explosões devem ter sido produ-
zidas por uma fusão de duas anãs brancas. No entanto, a análise de
um terceiro remanescente, 3C 397, de uns 2000 anos de antiguidade
pelo satélite Suzaku mostrou que este remanescente deve ter sido
produzido pela explosão de uma anã branca única pela observa-
çãoda quantidade de níquel, magnésio, ferro e cromo e a compara-
ção dos modelos, que são bastante diferentes nos dois casos. Talvez
138 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

os dois cenários possam produzir SNIa, e ainda que a maior parte


delas se deveria às binárias WD-WD.
O fato das supernovas atingirem magnitudes absolutas enor-
mes (valores negativos) indica que podem excelentes “réguas” na
medida de distâncias muito grandes, já que são vistas até escalas
cosmológicas. Para isto, deve-se achar um procedimento para mos-
trar que são “velas padrão”, para depois aplicar um raciocínio simi-
lar ao do Capítulo 2. Com um grande telescópio que consiga detectar
uma magnitude visual é possível ver uma supernova até uma
distância correspondente a , ou seja, a luz foi emitida quando o
Universo tinha 1/4 da sua escala atual. O recorde pertence à detec-
ção de uma supernova que explodiu quando o Universo tinha menos
de 4 bilhões de anos de idade.
Se coletarmos as curvas de luz das supernovas Ia, identifica-
das pelos espectros como tais, existe uma variedade que parece
indiscutível A Fig. 5.10 mostra as diferenças das curvas de luz de
várias supernovas, mas aplicando as correções à duração e lumino-
sidade observadas decorrentes de que elas estão no espaço-tempo
em expansão, vemos que convergem para uma forma universal (Fig.
5.10, direita), e (os astrofísicos falam de calibração, devida a Hamuy
e Phillips). Assim, é consenso que todas as diferenças se devem
à Cosmologia. Se observarmos supernovas mais distantes ainda,
podemos saber como são intrinsecamente (por meio da aplicação da
calibração) e com ela testar o modelo cosmológico. As supernovas
viraram assim “velas-padrão” para a Cosmologia.
Capítulo 5 139

Fig. 5.10. As curvas de luz de várias SNIa para diferentes redshifts (esquerda), e a
forma obtida depois de aplicadas as correções cosmológicas (direita).

Em 1998 dois times independentes (o Supernova Cosmology


Project e o High-Z Supernova Search Team) aplicaram estes proce-
dimentos a uma amostra de supernovas e anunciaram que os dados
favoreciam um modelo onde o Universo está se acelerando. O racio-
cínio é: os dados das supernovas “calibrados” com a correção do
modelo cosmológico “padrão” utilizado até então (sem aceleração)
mostram que as supernovas são mais fracas sistematicamente para
distâncias maiores. Assim, a solução mais simples é pensar que o
Universo se expandiu mais rapidamente e arrastou as supernovas
para distâncias maioresdo esperado com o modelo padrão. Se o
modelo do Universo não incluir esta expansão extra, as supernovas
não podem ser colocadas em concordância com ele (Fig. 5.11).
140 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 5.11. As supernovas Ia no chamado “diagrama de Hubble”. A evidência


estatística para um agrupamento dos dados na direção do modelo de Universo
plano com aceleração, modelada por uma “energia escura” é forte. Os casos com
expansão desacelerada (rosa) são fortemente desfavorecidos.

Notemos que até aqui ninguém entrou no mérito da causa da


aceleração, o qual é um problema separado. Somente dizemos que
a expectativa das magnitudes das SNIa segundo os modelos desa-
celerados não bate com o observado. Os anúncios feito pelos times
de pesquisa com as medidas anunciadas há 20 anos são ainda mais
firmes quando uma amostra muito maior e melhor estudada está
disponível. O nosso Universo não só se expande, o faz cada vez mais
rapidamente.
Com esta última discussão, devemos reconhecer um fato bas-
tante perturbador: se os dois cenários podem produzir eventos, e
ainda por cima as binárias WD-WD são a maioria, por quê as curvas
de luz iam ser idênticas? Seria de esperar uma dispersão substancial
entre elas, visível na calibração da direita da Fig. 5.10, não a unifor-
midade obtida depois de aplicada a correção pela Cosmologia? Esta
pergunta ainda não achou uma resposta convincente.
Capítulo 5 141

O mais importante
Existem duas classes bem diferentes de supernovas, e a
energia das explosões são similares, mas provem de mecanis-
mos diferentes. Nos começos do século 20 isto não era claro, e
os nomes originais da classificação podem levar a confusão, mas
hoje as coisas são bem mais claras. As supernovas de colapso
extraem energia em última instância da gravitação, colapsando
e ricocheteando o envelope acima do caroço “duro”, e possivel-
mente auxiliadas para explodir pela emissão de neutrinos. As
supernovas termonucleares (tipo Ia) são uma versão “maxi” do
flash de hélio, consumindo toda a anã branca e nunca deixando
remanescente compacto. Pela sua uniformidade das curvas de
luz e seu brilho extremo, foram utilizadas para estudar a expan-
são do próprio Universo (é como se lâmpadas acessas iguais
fossem arrastadas por uma corrente -o fluxo de Hubble-) e reve-
laram que o Universo recente se acelerou. Todos estes tópicos
estão muito ativos na consideração dos astrofísicos de hoje.
CAPÍTULO 6

Os cadáveres da galáxia: anãs brancas,


estrelas de nêutrons e buracos negros

A formação dos objetos compactos

A
teoria da Evolução Estelar discutida no Capítulo 4 deu subsí-
dios para o problema que agora nos ocupa: os remanescentes
compactos. Discutimos a evolução das estrelas de massa inter-
mediária (tipo solar) e a transição para as estrelas chamadas “de
alta massa”, as quais procedem a explodir depois de uma rápida
evolução final. É importante notar que a existência dos dois tipos
separados pela massa de deve ser também complementada
com uma avaliação do número relativo de estrelas que chegam a
produzir os objetos compactos respectivos (anãs brancas e estrelas
de nêutrons/buracos negros). A Fig. 6.1 mostra a chamada função
inicial de massas (IMF em inglês), ou seja o número de estrelas por
unidade de massa como função da massa, determinada em estudos
vários do entorno local na Via Láctea, aglomerados estelares e outros
sistemas onde é possível uma contagem de um grande número de
estrelas em um conjunto mais ou menos homogêneo (vide Capítulos
7 e 8 a seguir).
144 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 6.1. A função inicial de massas de Salpeter. As linhas verticais tracejadas


mostram as massas mais relevantes para a Evolução, em escala logarítmica. Em
particular, a linha vertical em é a que divide os progenitores das
anãs brancas das estrelas de nêutrons/buracos negros. O expoente mostra a queda
abrupta no número para massas crescentes.

A queda observada do número de estrelas com a massa cres-


cente mostra que o número das estrelas que produzem anão bran-
cas é pelo menos 100 vezes maior que aquelas que explodem como
supernovas. Mais do 95% das estrelas visíveis devem formar anãs
brancas no fim da sua evolução. Existem pelo menos 1 bilhão de
anãs brancas “remanescentes” para serem estudadas por nós.
Por outro lado, a fração relativa de estrelas de nêutrons e bura-
cos negros é muito mais incerta. O número total de estrelas que
devem terminar explodindo é bem conhecido, mas o problema é que
ninguém sabe se há um valor mínimo a partir do qual a produção de
buracos negros é inevitável, já que a física das explosões não oferece
ainda uma resposta clara. Existiu ainda uma expectativa de que os
buracos negros se formariam em explosões de progenitores acima
de umas , (Woosley, Heger e Weaver, 2002) mas o fato é que
nas binárias de raios X conhecidas (vide abaixo) não há evidência
nenhuma para buracos negros de mais de . A produção de
buracos negros “muito leves” (entre e ) nunca foi obser-
vada, o que pode se dever a um impedimento determinado pelo
mecanismo da explosão. No caso dos eventos que formam estrelas
Capítulo 6 145

de nêutrons, também há dúvidas. Ninguém duvida que as explo-


sões Tipo II formam estrelas de nêutrons, mas também o colapso de
uma anã branca induzido pela acresção é tido como viável, apesar
de que não há prova nenhuma da sua efetividade. Todo isto difi-
culta muito uma avaliação acurada das populações, embora normal-
mente encontremos como indicativo do número de estrelas
de nêutrons na galáxia (pulsares e outras) e algo como 1 milhão
para os buracos negros produzidos pela Evolução Estelar (Shapiro e
Teukolsky, 1983).

Anãs brancas
Friederich Bessel em 1844 foi o pioneiro na determinação cui-
dadosa das órbitas de Sirius e Procyon, constatando que existiam
desvios periódicos sistemáticos, por ele atribuídos à existência
de “companheiras escuras” invisíveis ao telescópio. Nas décadas
seguintes, algumas destas candidatas foram finalmente detectadas,
até com magnitudes bastante elevadas. Uma delas, denominada 40
Eridiani B foi estudada e, para surpresa geral, Russell, Pickering e
Fleming encontraram em 1910 que esta estrela era do tipo espec-
tral A (ou seja, com temperatura efetiva entre 7500-10000 K, muito
“branca”). Ou seja, essa estrela de brilho muito fraco estava, para-
doxalmente, extremamente quente (Holberg, 2009), e resultava um
mistério.
A conclusão mais lógica é que essas estrelas eram muito peque-
nas em tamanho (já que se a luminosidade é , e a tempera-
tura é alta, somente o raio pode diminuir o valor de L). Mas para isto
deveriam ser muito densas, com densidades estimadas de milhares
de vezes a da água. Em 1927 A.S. Eddington expressou este estra-
nhamento com seu estilo humorístico inconfundível:
“...a mensagem da companheira de Sirius quando decodificada
diz: “Estou composta por matéria 3000 vezes mais densa que qual-
quer outra que você possa encontrar. Uma tonelada do meu material
seria um pequeno caroço que caberia em uma caixa de fósforos.”
Que resposta poderíamos dar para essa mensagem? A resposta da
146 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

maioria de nós em 1914 foi: “Cala a boca. Não fala mais besteiras”.”
(tradução do autor)
Eddington implicitamente diz em este parágrafo que existia
a necessidade de idéias novas para entender o comportamento da
matéria a essas densidades. A hipótese de gás clássico ideal não
é nem um pouco razoável aí. O trabalho de R.H. Fowler em 1926
foi pioneiro para o problema da estrutura de Sirius B (Fig. 6.2) e
outras anãs brancas, nome sugerido pela temperatura e raio pre-
sentes. O trabalho de Fowler foi a primeira aplicação astrofísica da
Mecânica Quântica formulada dois anos antes (1924). Estes estudos
iniciais tiveram assim uma perspectiva revolucionária dos labora-
tórios “naturais” da matéria densa que resultam uma das melhores
realizações físicas dessa nova abordagem. Veremos a seguir o ponto
central desta descrição: como é que a matéria densa obtém a pressão
para sustentar a estrela em contra da gravitação no regime de alta
densidade.

Fig. 6.2. Imagens contemporâneas do sistema Sirius A e B (a anã branca, circulada


em amarelo) na faixa óptica

Como expressado por Eddington, a inferência de valores muito


altos para a densidade (absurdos para um gás ideal) forçou a consi-
deração do comportamento da matéria neste regime novo. Veremos
agora como é possível obter e justificar uma equação de estado válida
para esse regime a partir de considerações elementares.
Capítulo 6 147

Como os primeiros que devem mostrar mudanças profundas


são os elétrons, consideremos N elétrons limitados a se mover em
um volume V. O espaço físico acessível para cada um deles é (em
uma dimensão) da ordem de . A hipótese dos elétrons
estarem no regime quântico equivale a dizer que existe um mínimo
irredutível para o produto da dispersão da posição e do momento,
dado pelo Princípio de Incerteza,

(6.1)

levando em conta o espaço físico acessível obtido antes, e a rela-


ção (6.1), o momento típico será

. (6.2)

o qual permite calcular a energia cinética média de um elétron,


a qual resulta

. (6.3)

Por tanto, a energia interna U do conjunto de elétrons é


simplesmente

. (6.4)

Agora bem, de forma totalmente geral, a Termodinâmica nos per-


mite encontrar a pressão (variável de estado do gás) diferenciando a
energia interna U respeito do volume (a entropia constante), já que
a energia interna é um dos potenciais termodinâmicos do sistema
(Wreszinksi, 2003). Isto quer dizer que a pressão é ligada à “reação”
do sistema quando é “apertado”. Matematicamente .
Temos de imediato, efetuando a derivada

(6.5)

a qual pode ser escrita como (já que por defi-


nição) como antecipamos no Capítulo 4. Um fato importante a ser
148 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

notado é que no denominador aparece a constante de Planck ao qua-


drado , e assim fica evidente que esta pressão de degenerescên-
cia não existiria sem a Mecânica Quântica. Isto é o conteúdo básico
do trabalho de Fowler de 1926. Repetindo os passos para elétrons
ultra-relativísticos, onde , teríamos obtido .
Estas duas formas são os limites de alta e baixa densidade do gás de
elétrons degenerado (nome histórico que deve ser lido como sinô-
nimo de “não clássico”) e são a base do cálculo de estrutura das
anãs brancas (vide eqs. (4.25) e (4.26)). Note-se ainda que os íons
que neutralizam a matéria continuam “clássicos” em densidades
muito altas, mas como são muito pesados não contribuem à pressão,
embora contenham quase a totalidade da massa.
De acordo com a Evolução Estelar discutida anteriormente, a
matéria degenerada que constitui a anã branca já não produz ener-
gia por meio de reações nucleares. Desta forma, a estrutura este-
lar decorre simplesmente de integrar simultaneamente as equações
de continuidade da massa (3.8) e do equilíbrio hidrostático (3.7).
Supõe-se que a temperatura interior é constante porque os elétrons
degenerados têm uma condutividade muito alta (a menos das cama-
das mais externas onde a degenerescência acaba e o gás volta a ser
“normal”, e a temperatura tem uma queda até atingir o valor da
superfície que emite como corpo negro). Em este aspecto, as anãs
brancas são mais simples que uma estrela normal, esta última com
complicações devidas à geração e ao transporte de energia.
Como em qualquer sistema de duas equações de primeira
ordem, podemos combinar a ea para obter uma equação de
segunda ordem equivalente. Esta única equação diferencial é

. (6.6)

Vemos que, a exemplo do que vimos no caso da estrutura este-


lar “comum”, aqui também é necessária uma relação entre P e (a
equação de estado), tal como as obtidas acima para o gás degenerado,
caso contrário há duas variáveis dependentes e não encontraremos
solução alguma. Para efeitos de um tratamento geral, costuma-se
Capítulo 6 149

definir uma forma politrópica , caso geral que compreende


os limites e relevantes para nosso caso.

Fig. 6.3. Estrutura estelar “normal” e degenerada: o Sol, se tivesse que ser suportado
pela pressão dos elétrons degenerados, teria o tamanho da direita, conservando sua
massa. A menos da perda do envelope, isto é o que vai acontecer no futuro onde
pelo menos a metade da massa do Sol formará uma anã branca.

Inserindo estas relações pode-se integrar a equação dife-


rencial (6.6) e achar as soluções. Não vamos entrar em este problema
aqui, mas somente mostrar os resultados finais. Para as anãs brancas
de baixa densidade (elétrons não relativísticos) o raio e a massa são

(6.7)

(6.8)

e para o caso de anãs brancas de alta densidade

(6.9)

(6.10)

onde é o peso molecular médio da matéria, e a fração


de elétrons por núcleon (próton+nêutro, Shapiro e Teukolsky, 1987).
150 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Por exemplo, para uma composição de carbono temos 6 elétrons e


12 núcleons (6 prótons e 6 nêutrons), de tal forma que (ignorando
várias complicações) . A predição dos modelos (devidos a S.
Chandrasekhar), cujos limites correspondem às equações de estado
desta seção, se mostra na Fig. 6.4, junto com um conjunto de anãs
brancas com massas e raios bem determinados.

Fig. 6.4. As seqüências estelares obtidas com a integração da eq.(6.6) (chamada de


Lane-Emden na literatura). Cada ponto nas curvas corresponde a uma anã branca.
A seqüência de modelos estelares de massa baixas mostra (eq.6.8) na
parte superior da figura. Em algum ponto intermediário ( ) se faz
necessário passar para a descrição no limite ultra-relativístico, que resulta cada
vez mais acurado até atingir o valor onde M não mais depende de R (eq. 6.10).
Não há modelos estáveis a partir desse valor, o chamado limite de Chandrasekhar,
o que quer dizer que essa massa é a máxima que deve ser observada (o recorde
atual é de , compatível com estas idéias) A curva inferior laranja mostra
o mesmo cálculo para uma composição de ferro, coisa que é impossível desde o
ponto de vista da Evolução Estelar, mas que serve para comparação. Como fato
interessante temos que a massa de Sirius B é praticamente a do Sol, desta forma,
estamos observando um “Sol” empacotado tal como o mostrado à direita da Fig.6.3.

Um fato interessante dos modelos apresentados para as anãs


brancas (presente nas eqs.(6.7) a (6.10)) é que os raios aumentam
conforme a massa considerada se reduz, contrariamente às estrelas
Capítulo 6 151

“normais”. O caráter quântico da matéria e que provoca este com-


portamento, evidente na relação (6.8). Além disso, no limite de alta
densidade há um máximo da massa para as estrelas desta seqüência,
e para esta massa máxima o raio é o mínimo possível (já que a massa
máxima corresponde à máxima densidade, eq. 6.10). As anãs bran-
cas mais massivas têm raios comparáveis ao raio terrestre, e “empa-
cotam” quase uma massa solar e meia. Não resulta estranho que a
emissão de fótons ( ) seja fraca, como observado.
Como comentário final temos que, pelas relações (6.9) e (6.10), se
a massa da estrela tende ao valor máximo
conhecido como limite de Chandrasekhar (Horvath, 2011).
Interpretamos que esse valor é a massa máxima que pode ter uma
estrela suportada pela pressão dos elétrons degenerados. Este resul-
tado da existência de um máximo (bastante surpreendente) não foi
aceito sem dificuldades pelos pesquisadores no começo do século
20 (em particular por A.S. Eddington, uma autoridade indiscutí-
vel), mas hoje está muito bem estabelecido e constitui um dos pila-
res da astrofísica contemporânea. O limite resulta de um balanço
entre a energia cinética dos elétrons (determinada pelo Princípio
de Incerteza, não pela agitação térmica ) e a energia potencial
gravitacional. Minimizando esta energia total pode-se mostrar que
existe um número máximo de partículas que pode ser supor-
tado com a condição de degenerescência

(6.11)

e com ele, uma massa associada (máxima)

(6.12)

ou seja, chega-se ao valor de Chandrasekhar, somente dependente


de constantes fundamentais, minimizando a energia, e este resul-
tado bate com o obtido pela consideração da estrutura estelar eq.
(6.6). A demonstração deste fato, devida a L. Landau, pode ser con-
sultada em Horvath (2011).
152 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

O fato das anãs brancas Sirius B, 40 Eridiani B e outras terem


sido detectadas já nos começos do século 20 é outra prova da sua
abundância na galáxia. Existem muitas outras, boa parte delas isola-
das, e algumas com magnitudes nas bandas ópticas, acessíveis
à observação com qualquer telescópio amador. Não é nada difícil
encontrar e observar anãs brancas.
Porém, o estudo sistemático de anãs brancas precisa de amos-
tras extensas e o mais completas possíveis. Os melhores sítios para
isto são os aglomerados globulares, onde a idade das estrelas é
aproximadamente igual, e as mais massivas já evoluíram para for-
mar anãs brancas. Estes são laboratórios especialmente adequados
(Kepler et al., 2017).
A Fig. 6.5 mostra o estudo de caso do aglomerado NGC 6397,
onde as cores e luminosidades são utilizadas para identificar as anãs
brancas nascidas dos progenitores do tipo solar que já completaram
sua evolução. Com amostras deste tipo é possível estudar as anãs
brancas e problemas conexos, por exemplo, a determinação da pró-
pria idade do aglomerado através da amostra das anãs brancas.

Fig. 6.5. As anãs brancas pertencentes ao aglomerado globular NGC 6397. Com
imagens de alta qualidade a identificação é bastante simples (as candidatas são os
pontinhos nos círculos, ampliados abaixo) e pode-se estender o estudo obtendo
espectros complementares.
Capítulo 6 153

É claro que estes observáveis (cores, espectros) precisam ainda


de um tratamento detalhado das atmosferas das anãs brancas, região
mais externa onde os elétrons voltam a ser um gás “normal”, mas
que constitui uma fração insignificante da massa total. A Fig. 6.6
mostra um esquema de uma anã branca com atmosferas de ,
casos mais comuns aos quais agregou-se recentemente a detecção de
(Kepler et al. 2016)

Fig. 6.6. Um esquema da estrutura completa de uma anã branca. O tratamento


apresentado acima é válido para a maior parte da massa (região verde), mas não para
a atmosfera, que quase não contribui para esta mas que é onde a degenerescência dos
elétrons acaba e existe uma transição para um gás clássico. Além da composição mais
comum (H/He) veremos que ha outras composições relevantes observacionalmente.

A observação das anãs brancas tem o potencial de revelar, por


exemplo, o raio. Se estiver em uma binária a massa também é cal-
culada por meio da Terceira Lei de Kepler, e assim é que os pontos
da Fig. 6.4 foram colocados. Para medir o raio observamos ,o
fluxo luminoso, estimamos a distância ao aglomerado D, e usamos
a equação básica que permite, em princípio, obter o
raio estelar segundo

. (6.13)

Vemos da eq.(6.13) que, além da distância D, é necessário deter-


minar a temperatura efetiva . Em esta tarefa existem complicações
várias, tal como mostrado na Fig. 6.7. Os espectros de muitas anãs
brancas apresentam linhas de absorção pronunciadas que distorcem
154 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

o espectro respeito do ideal, e assim dificultam o cálculo do valor


de . Vemos aqui outra vantagem do estudo dos aglomerados: a
distância D é a mesma para todos os objetos.

Fig. 6.7. Um espectro de uma anã branca (preto) mostrando múltiplas linhas (esta
absorção se denomina blanketing no jargão astronômico) que resultam em uma
incerteza na determinação da temperatura efetiva . A curva azul é uma estrela
de comparação.

A classificação das anãs brancas utilizando seus espectros


leva a grupos análogos aos tipos espectrais “normais”, mas é muito
complexa e não compreendida na totalidade. Existem complicados
mecanismos evolutivos que resultam na transformação de alguns
tipos em outros, mas este assunto extrapola o alcance deste texto.
Com a ideia que todas as estrelas que na Seqüência Principal
têm até produzem anãs brancas, é importante avaliar sua dis-
tribuição de massas. Espera-se que a composição interna fique mais
“pesada” e que a massa aumente para anãs brancas que descendem
de progenitoras mais massivas. As de maior massa deveriam estar
compostas de oxigênio, com frações de neônio e magnésio quando
a massa seja próxima da massa de Chandrasekhar. Espera-se que as
mais abundantes seja compostas de carbono e um pouco de oxigê-
nio, e as muito leves de hélio. Estas últimas só podem ser produzidas
Capítulo 6 155

por sistemas binários, em outras condições o hélio fusionaria em


carbono. A distribuição de massas obtida por Kepler et al. (2007) se
mostra na Fig. (6.8). O máximo absoluto está em torno de
, mas existem outras máximos secundários. No extremo direito do
histograma está uma anã branca de , próxima ao limite de
Chandrasekhar. O objetivo último é o de identificar as anãs brancas
de cada máximo com a faixa de massas das estrelas-mães de forma
unívoca.

Fig. 6.8. A distribuição de massas obtida por Kepler et al. (2007). Vários máximos
possivelmente associados com cada canal de formação estão presentes.

Como último ponto destacamos que, quando o interior das anãs


brancas fica frio o suficiente (após ~bilhões de anos de formada),
o carbono deve cristalizar, formando um diamante gigante ou ao
menos um sólido muito exótico jamais visto na Terra. Qual é a evi-
dência desta cristalização? Ela vem dos estudos das oscilações das
anãs brancas que permitem, indiretamente, explorar seu interior (tal
como é feito com o interior da Terra usando a sismologia terrestre).
As oscilações de brilho da anã branca BPM 37093 9 com amplitude
de 4 milimagnitudes...) foram utilizadas, depois de uma compara-
ção com os cálculos teóricos, para mostrar que pelo menos 50% do
156 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

seu interior está cristalizado (Kanaan et al., 2005). Esta cristaliza-


ção é um fenômeno extremo que acontece em um dos lugares mais
escondidos do Universo.

Estrelas de nêutrons e pulsares


O precursor das estrelas de nêutrons foi o físico russo L. Landau
quem, em 1931, escreveu um trabalho que não saiu publicado até
depois da descoberta do nêutron, mas que de fato a precede (!). Este
trabalho se chamou “On the theory of stars”, e nele Landau especula
a respeito da possibilidade que a gravitação comprima a matéria e
forme assim estrelas que parecem uma espécie de núcleo atômico
gigante. É notável que nesse trabalho, publicado em 1932, meses
depois que Chadwick anunciasse a descoberta do nêutron, Landau
já discute o equilíbrio sustentado pelos nêutrons e estima a massa
máxima desses objetos compactos. Somente dois anos depois, outro
trabalho inspiradíssimo devido a W. Baade e F. Zwicky (1934), asso-
ciou pela primeira vez as supernovas com o lugar de nascimento das
estrelas de nêutrons, indicando um processo específico para a com-
pressão que Landau postulava teoricamente como imprescindível.
Baade e Zwicky escreveram que:
“...com todas as reservas avançamos a visão que as supernovas
representam a transição das estrelas ordinárias para estrelas de nêu-
trons, as quais no estado final estão constituídas de nêutrons empa-
cotados de forma compacta.” (tradução do autor)
Um segundo trabalho de Landau (1938) refinou e ampliou sua
visão do assunto, mostrando que 1) as densidades destas estrelas
devem superar às do núcleo atômico e 2) que, para o caso de um gás
de nêutrons degenerado livre, a massa máxima chegaria até
. As estrelas de nêutrons não só constituem um exemplo extraordi-
nário do papel da Mecânica Quântica na Astrofísica contemporâ-
nea, agora no regime de alta densidade (e pouco antes de produzir
buracos negros...), mas também precisam dos conceitos das forças
nucleares, agora para objetos macroscópicos. Ainda mais, contra-
riamente às anãs brancas que podem ser descritas com a gravitação
Capítulo 6 157

de Newton (vide eq. 3.7), as estrelas de nêutrons são tão densas que
a Relatividade Geral deve ser empregada. As equações de estrutura
relativística foram obtidas por Tolman, Oppenheimer e Volkoff (ou
TOV, 1939). A equação de equilíbrio hidrostático (3.7), na versão
que inclui as correções da Relatividade Geral é

(6.14)

Quando comparada com a eq.(3.7) vemos que os termos em


amarelo corrigem a gravitação de Newton, e de fato a TOV eq. (6.14)
se reduz à versão Newtoniana desde que estes termos da pressão
(que não contribui para a o campo gravitacional em aquela, mas
que o faz na RG) sejam descartados, e observemos que na aproxima-
ção não-relativística . A equação da conservação da massa
tem a mesma forma na RG que na gravitação Newtoniana.
Naturalmente a (6.14) é bem mais difícil de resolver que a (3.7), já
que esses termos adicionais dificultam muito a matemática, além de
também precisarmos uma equação de estado . Contudo, exis-
tem alguns modelos simples que respeitam todo o que é “desejável”
para uma solução fisicamente relevante, e que podem ser resolvidos
(por exemplo, leva a uma solução exata).
A obtenção da equação de estado, necessária para integrar a
eq.(6.14), no regime acima da densidade de saturação
é muito complicada, e de fato não há acordo nenhum ainda a res-
peito entre os especialistas. Em uma primeira aproximação, pode-se
postular (da mesma forma que Landau o fez), um gás de nêutrons
degenerado livre, mas já sabemos que a massa máxima será muito
baixa. No regime de alta densidade, é claro que a degenerescência
corresponde agora aos próprios nêutrons, já que quase todos os elé-
trons foram capturados pelos prótons e a matéria está fortemente
neutronizada. Independentemente da forma exata da equação de
estado, somente utilizando os valores indicativos de raios e massas
podemos visualizar como são densas as estrelas de nêutrons, além
da nossa imaginação, com a analogia da Fig. 6.9.
158 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 6.9. Um exemplo concreto da densidade das estrelas de nêutrons. A bola de


futebol da esquerda, se feita da mesma matéria de nêutrons, teria o peso igual a 5
vezes o de todos os 7 bilhões de seres humanos que habitam a Terra.

Incluindo forças entre nêutrons e outros efeitos vários é pos-


sível obter um conjunto de equações de estado , para depois
comparar com os dados existentes e limitar os valores incertos.
Algumas destas equações de estado se mostram na Fig.6.10.

Fig. 6.10. As diferenças entre equações de estado calculadas no regime ultra-denso.


As curva cheias e tracejadas correspondem a diversas suposições e métodos de
cálculo. Os dados experimentais (colisões de íons pesados nos laboratórios e
medidas astrofísicas das estrelas de nêutrons) restringem a equação de estado à
região verde. A densidade de saturação se indica com a banda vertical cinza.
Capítulo 6 159

Obtendo soluções da TOV eq.(6.14) com alguma das equações


de estado da Fig. 6.10 podemos calcular seqüências estelares que
mostram, qualitativamente, o mesmo comportamento que obser-
vamos para as seqüências de anãs brancas: as estrelas de menor
massa são as de maior raio, e também existe uma massa máxima
para qualquer equação de estado, mas há aqui uma ressalva. No
regime de alta densidade, com a estrutura descrita pela (6.14), há
outra característica muito mais importante que a própria degene-
rescência: a presença da pressão na equação de TOV produz uma
instabilidade relativística quando a massa da estrela considerada
cresce, e as seqüências teóricas acabam. Assim, existe também uma
massa limite, mas que não está em absoluto relacionada à massa
de Chandrasekhar. Esta massa máxima deve ser denominada massa
de TOV (em muitos lugares existem afirmações erradas a respeito
disto...). E resulta possível ver que há uma diferença muito grande
entre esses dois conceitos: para densidades acima da saturação
nuclear , os nêutrons estão tão próximos que
as interações nucleares não podem ser ignoradas. Assim, a matéria
de nêutrons na maior parte da estrela resulta muito mais “dura” (isto
é, exerce mais pressão para a mesma densidade de energia) que o gás
livre de nêutrons, e são assim as interações entre núcleons as que
determinam o valor da massa de TOV mencionada. Veremos que
este último valor precisa atingir pelo menos para ser compa-
tível com algumas massas observadas. Assim, a questão da equação
de estado passa a ser a principal, e precisamos discutir o estado da
matéria de forma realista, indo além do simples gás de nêutrons que
produz uma massa máxima que não é suficiente para explicar algu-
mas das massas observadas. Não há nenhuma estrela estável entre
as anãs brancas e as estrelas de nêutrons, que poderiam ser descritas
como «anãs brancas colapsadas» (Fig.6.11).
160 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 6.11. A relação massa-raio das anãs brancas e estrelas de nêutrons na mesma
escala. Quando considerada a massa de Chandrasekhar precisamos entender que
desde o ponto de vista da microfísica são os elétrons capturados que “neutronizam”
a matéria, a qual não volta a produzir pressão apreciável até estar em densidades
, e há assim um “deserto” em este plano M-R entre as seqüências de anãs
brancas e as de estrelas de nêutrons. As linhas vermelhas horizontais correspondem
às três massas limite (Chandrasekhar, TOV e Rhoades-Ruffini) definidas no texto.

Em 1974 J. Rhoades e R. Ruffini encontraram como calcular um


limite superior absoluto para a massa máxima de qualquer estrela de
nêutrons, independentemente da equação de estado. Para isto con-
sideraram que a maior massa possível a ser suportada pela matéria
densa deve acontecer quando esta é o mais “dura” possível, ou seja,
quando a velocidade do som no fluído de nêutrons é igual à da luz
c. Utilizando que a estrutura tem solução exata quando utilizada a
aproximação de densidade constante obtiveram o chamado limite
de Rhoades-Ruffini

(6.15)

Este valor pode assim ser considerado um limite absoluto,


desde que não há como introduzir nenhum ingrediente físico que
faça a equação de estado violar a causalidade. Veremos que os mode-
los realísticos de estrelas de nêutrons efetivamente mantém a massa
máxima da seqüência abaixo deste valor.
Capítulo 6 161

A descrição teórica da matéria superdensa tem ainda muito


caminho a percorrer. É possível que nas maiores densidades a
composição não seja a que sugere a Física Nuclear convencional.
Existem fortes evidências, tanto teóricas quanto experimentais, de
uma transição de fase onde os núcleons liberam seus constituin-
tes fundamentais, quarks e glúons, em condições de temperatura
e pressão extremas. Este estado já foi detectado nos experimentos
RHIC e LHC de colisões de íons pesados, mas a região do domínio
da astrofísica é diferente e dificilmente conseguirá ser explorada em
laboratórios. Não sabemos até que ponto os quarks são necessários
para explicar os interiores das estrelas de nêutrons (Weber, 1999).
Os modelos mais realistas das estrelas de nêutrons precisam ir
muito além da simplicidade do fluído de nêutrons, da mesma forma
que já vimos para o caso das regiões mais externas das anãs brancas.
Nas camadas mais externas, onde o campo magnético está ancorado,
a superfície emite fótons “duros” agora diretamente observados
(raios X). Assim, fala-se de uma crosta que compreende a matéria
abaixo da densidade de saturação , e que contém assim núcleos
dispostos em um arranjo sólido, mas também nêutrons livres que
transitam sem viscosidade pelo arranjo, um conjunto muito exótico
e difícil de estudar . Um corte que representa um modelo típico se
mostra na Fig. 6.12.

Fig. 6.12. Perfil de um modelo de estrela de nêutrons. À esquerda, as densidades de


cada interfase, e à direita, o raio (em km) desde o centro para o qual cada camada
da lugar à seguinte. A divisão entre crosta externa e interna é o usual, mas não é
importante para nossa discussão.
162 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Finalmente, todos os modelos apresentam uma “atmosfera”


desde até uns , acima da crosta, que é com-
posta por elétrons não relativísticos e núcleos, e cuja espessura não
ultrapassa pela enorme força gravitacional que a comprime
(compare-se com os da espessura da atmosfera terrestre...).
Esta característica é importante já que virtualmente todos os obser-
váveis (incluídos os espectros) têm lugar em esta superfície, onde
os fortes campos magnéticos (também observados) podem afetar o
estado fundamental e produzir núcleos muito deformados e influir
em aqueles.
Com a equação TOV (6.14), os modelos estelares são constru-
ídos integrando (em geral, numericamente, devido à dificuldade),
as equações de estrutura para cada equação de estado supranuclear
escolhida, mudando esta para cada faixa de densidades conforme os
pontos de densidade de transição (indicados na Fig. 6.12) são atin-
gidos, e isto produz seqüências de modelos como as representadas
na Fig. 6.13. Como já apontamos, os modelos são mais compactos
quanto maior for a sua massa, e aqueles que tenham massas que
superem o limite causal devem ser excluídos (ou seja, as seqüências
não podem entrar na faixa vermelha diagonal). Isto acontece por-
que próximo da massa limite a velocidade do som na matéria pode
exceder a velocidade da luz, e assim o cálculo resulta inconsistente.
Conforme a equação de estado é mais “dura” ou “mole” (ou
seja, produzem mais ou menos pressão para uma dada densidade de
energia), as massas dos modelos de massa máxima resultam maiores
ou menores, respectivamente, enquanto os raios respectivos seguem
a tendência inversa. Assim pode-se construir o tipo de diagrama
como apresentado aqui.
Capítulo 6 163

Fig. 6.13. O diagrama massa-raio para as estrelas de nêutrons. A linhas pontilhada


horizontais superior indica a maior massa medida, até . As equações
de estado mais “duras” estão à direita, onde as massas máximas são maiores e os
raios grandes. O contrário acontece com as equações de estado “moles”, mais à
esquerda. As que não possam chegar ao valor de ~ devem ser descartadas. A
região amarela é o produto de vários trabalhos de análise, e indica onde “deveria”
passar a seqüência real.

Para comparar os modelos e as massas reais, deve-se obter estas


últimas das estrelas de nêutrons observadas. O método mais utili-
zado tem sido a aplicação da terceira lei de Kepler em binárias que
contém ao menos uma NS. As observações fornecem diretamente a
chamada função de massas

. (6.16)

já que o período da binária e a projeção da velocidade orbital de


na linha de visada podem ser medidos (Horvath e Valentim,
2017). O problema fica restrito a conhecer o ângulo de inclinação
do plano da órbita da binária, o qual nem sempre é fácil. Um caso
favorável é a observação de eclipses, com o qual é possível uma boa
determinação das massas individuais e . Os melhores resulta-
dos até hoje correspondem a sistemas onde as duas estrelas são de
nêutrons, mas existem outros nos quais a companheira é uma
anã branca, uma estrela evoluída ou até da Seqüência Principal (Fig.
6.14).
164 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 6.14. Massas de estrelas de nêutrons determinadas em sistemas binários (do


site http://xtreme.as.arizona.edu/NeutronStars/). As melhores determinações são
as que correspondem a sistemas de duas estrelas de nêutrons, com mais de um
exemplo de “pulsar binário”. Note-se que a distribuição não é consistente com
uma massa única de como aparece nos livros anteriores do ano 2000.
Há sistemas onde a estrela de nêutrons deve ter sofrido acresção de
(pulsares reciclados) e a distribuição resulta pelo menos bimodal, com uma escala
em torno de e outra em , à qual pertencem os maiores valores
medidos ( Valentim, Rangel e Horvath, 2011). Ninguém sabe qual é o valor máximo
que pode ter a massa destes objetos.

Existem outras formas de extrair das observações massa e


raios: a observação dos espectros, com medida da temperatura efe-
tiva, somada a uma avaliação da distância, permite por exemplo
calcular o raio. Mas ainda que os espectros parecem realmente de
corpo negro, com temperaturas associadas de , os raios
Capítulo 6 165

assim obtidos são muito pequenos ( ). A causa parece ser


que a temperatura obtida não é realmente a temperatura de toda a
estrela, mas somente de uma “mancha” quente (por exemplo, calo-
tas polares) e que por esta razão não se deve afirmar nada a respeito
da estrutura esférica, embora houve trabalhos que argumentaram
em favor de uma estrela de quarks, com raio muito menor que os
“canônicos”. Outras técnicas várias para tentar obter simul-
taneamente raio e massa estão em andamento, mas sem resultados
definitivos.
A irrupção das estrelas de nêutrons na Astrofísica do ponto
de vista das observações só aconteceu em 1967, no Observatório
Mullard da Universidade de Cambridge (Hewish et al., 1968) detec-
taram pulsos de radio periódicos de uma fonte cósmica. Embora pri-
meiramente se considerasse uma anã branca pulsando como modelo
mais viável, os pulsos foram posteriormente associados por T. Gold
e F. Pacini (1968) a uma estrela de nêutrons em rotação, modelo do
tipo “farol” que prontamente ganhou adeptos por ter relação direta
com a velha proposta de Baade e Zwicky (1934) a respeito dos rema-
nescentes compactos das supernovas. A detecção direta das pul-
sações do pulsar do Caranguejo foi anunciada pouco depois, com
um período muito curto, insustentável para a pulsação de uma anã
branca.
Os pulsos foram atribuídos à passagem de um feixe de emissão
pela linha de visada do observador, e resulta assim diretamente
da rotação da estrela, mas também precisam de campo magnético
para acontecer. É possível dizer que o pulsar é um grande dipolo em
rotação, que vai freando pela radiação que emite. Como a fonte de
energia disponível é a própria rotação, as perdas devem ser iguais à
variação da energia de rotação, levando à equação de movimento de
um “pião” estelar magnetizado

(6.17)

Do lado esquerdo está a variação da energia rotacional, e do


lado direito as perdas pela emissão de um dipolo rotante em vácuo.
166 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Pesquisas posteriores alertaram ainda para o fato que o campo elé-


trico induzido por este dipolo rotante ser tão gigantesco que um
vácuo não é possível em torno da estrela de nêutrons: elétrons e
prótons são arrancados da superfície pelo campo elétrico induzido,
e formam uma região em torno ao pulsar onde a dinâmica das partí-
culas é dominada totalmente pelo campo magnético, e recebe assim
o nome de magnetosfera.
Embora parece solúvel, este problema clássico do dipolo rotante
e as correntes induzidas nunca pôde ser resolvido integralmente,
mesmo que existam soluções aproximadas. Não é possível calcular
como se produz o pulso de primeiros princípios. Em particular, não
podemos calcular nem a estrutura detalhada do campo magnético,
nem o fluxo de partículas (escapam elétrons e outros, além da radia-
ção do pulso) pelas linhas abertas da magnetosfera, na forma de um
vento relativístico, mas este é visível claramente em raios X (Fig.
6.15).

Fig.6.15. Esquerda: imagem em raios X do pulsar do Caranguejo, casualmente


orientado de forma similar ao desenho da esquerda no plano do céu. O brilho
difuso observado é produto da colisão das partículas que escapam e colidem fora,
a milhares de km do pulsar. Direita: esquema de um pulsar mostrando a co-rotação
das partículas com o objeto até chamado o cilindro de luz (linha indicada com a
flecha) e a emissão na direção do observador.
Capítulo 6 167

Supondo que somente a emissão do dipolo é a que contribui


para frear a rotação, e que o campo magnético não muda ao longo
da vida da estrela, podemos integrar no tempo a eq.(6.17) com o
resultado geral

(6.18)

onde é a velocidade de rotação inicial do pulsar e é o chamado


braking index, que mede a frenagem do objeto conforme a radiação
dipolar escoa. Se o pulsar nasceu rodando muito mais rapidamente
que hoje, o termo entre parêntese é ~1 e podemos definir a idade
característica como a escala de tempo típica para conseguir
diminuir a rotação. Um dipolo “puro” leva diretamente ao valor
, mas é possível formalizar a definição do como uma
quantidade observável diretamente, se medidas a velocidade de
rotação e suas duas primeiras derivadas (Shapiro e Teukolsky, 1987).
Desta forma, medindo os valores para 6 pulsares onde foi possível
determinar as 3 quantidades (especialmente a minúscula segunda
derivada de algo que quase nem muda...) ficou claro que diferem
do valor esperado, em alguns casos substancialmente (todos os índi-
ces resultam ). Esta diferença indica que a perda de energia não é
puramente da radiação de dipolo, e que o fluxo de partículas (vento)
e outros fatores devem ser incluídos.
A equação de movimento (6.17) é amplamente utilizada para
obter uma estimativa do campo magnético B em função dos obser-
váveis e (apesar dos problemas apontados...), que resulta, depois
de inverter e escalonar

(6.19)

diretamente da (6.17), com a hipótese adicional que . Com


a eq.(6.19) e a idade característica podemos calcular as traje-
tórias no tempo dos pulsares no diagrama , com eixos logarít-
micos para abranger toda a faixa , o qual é o diagrama
mais próximo ao “HR” que pode ser construído para os pulsares.
168 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

As trajetórias são linhas retas para cada . Por outra


parte, a questão do valor constante do campo vem sendo discutida
há décadas, já que deveria haver um decaimento pela dissipação
na crosta, mas nada disso foi verificado e o decaimento do campo é
hoje desacreditado: o B parece se manter por vários .
Os pulsares são detectados também nas bandas de alta energia.
Enquanto a emissão de rádio pulsada e as emissões na banda óptica,
X e precisam ser coerentes, e resultam assim proporcionais a den-
sidade de partículas emissoras, a emissão de corpo negro da superfí-
cie se denomina incoerente. Existem vários mecanismos que podem
explicar as emissões coerentes, mas a presença de radiação térmica
da superfície incoerente (resíduo do conteúdo do nascimento),
leva informação sobre os processos de esfriamento e, portanto, do
estado do interior. Não se deve confundir então a emissão pulsada
com a emissão estacionária do tipo corpo negro, que é originada na
superfície.
Capítulo 6 169

Fig. 6.16. O diagrama para pulsares e objetos similares. As linhas


diagonais de unem objetos com o mesmo valor do campo. Os
pulsares ordinários se agrupam na “mancha” central. Outras estrelas de nêutrons
que aparecem em este diagrama fundamental, são os magnetares no canto superior
direito (AXP-SGR) e os pulsares de milissegundo (reciclados) no canto inferior
esquerdo. Aqueles pulsares associados com um remanescente de supernova estão
marcados com estrelas (imagem devida a V. Kaspi, Mc Gill U., Canadá)

A estimativa do campo magnético eq.(6.19) permitiu ainda


identificar um dos “outros” tipos de estrelas de nêutrons que apon-
tamos na Fig. 6.16, o grupo chamado de magnetars, alguns objetos
cuja emissão em raios X (ou seja, que não podem obter a
energia para a emissão observada da sua energia rotacional, a qual
resulta insuficiente), com períodos longos e valores das deri-
vadas bem acima daquelas dos pulsares ordinários ( ).
Utilizando a eq.(6.19) vemos que seus campos magnéticos devem ser
, a razão do seu nome. Esta classe de fontes também é
observada em raios , muitas vezes na forma de surtos e intensa ati-
vidade (Fig. 6.17). A idéia do modelo do magnetar é que a dissipação
170 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

súbita da energia magnética é a responsável pelos surtos observados


em alguns casos. O modelo se estendeu ao grupo chamado de Soft-
Gamma Repeaters e Anomalous X-Ray Pulsars (SGR-AXP), conside-
rados manifestações diferentes de magnetares em diversos estados
evolutivos (Woods e Thompson, 2006).

Fig. 6.17. O surto de fótons do magnetar SGR 1806-20 do 27 de dezembro de


2004, observado pela missão INTEGRAL. A energia em raios gama é equivalente
a toda a emissão solar em 1 milhão de anos (!), liberada em fótons “duros” em
segundos. No canto superior, uma imagem artística do evento, com o campo
magnético se contorcendo. Imagina ser um astronauta no espaço próximo à fonte no
momento do surto... (imagem devida a A.von Kienlin, MPE, Alemanha)

Observamos na Fig. 6.16 a associação de pulsares e remanes-


centes de supernovas, confirmada hoje em dos SNR
conhecidos na Via Láctea. É claro que a maior parte dos remanes-
centes não deveria ter nenhum pulsar associado, já que não só as
supernovas tipo Ia não produzem pulsares, e também deve haver
casos onde o produto pode ser um buraco negro estelar (Capítulo
5). Mas outro fator de importância é que os pulsares nascem (em
média) com elevado movimento próprio decorrente do processo, e
atingem velocidades . Observa-se que, muitas vezes
os pulsares “furam” a borda do remanescente natal em expansão e
escapam (Fig. 6.18). Por último, é possível que o feixe de emissão
Capítulo 6 171

aponte para longe da Terra (em dos casos), além de que


a própria identificação dos SNR fica quase impossível depois de
quando se dilui no Meio Interestelar. Enquanto aos mag-
netares, existem propostas de associação com remanescentes, mas
os problemas para confirmá-las são muito grandes.
O último grupo diferenciado no diagrama da Fig. 6.16 é o cha-
mado pulsares de ms, classe que inclui o objeto com a rotação mais
rápida conhecida hoje, PSR J1748-2446ad no aglomerado Terzan 5,
com (ou freqüência de 716 Hz). Este objeto é mais um
representante de uma classe detectada há mais de 20 anos, e que
contém um número importante de pulsares em aglomerados globu-
lares (vide Fig. 6.19 abaixo).

Fig. 6.18. O remanescente SNR 5.4-1.2, que leva o apelido “o Pato”. O pulsar
PSR B1757-24 nasceu em essa explosão, mas seu elevado movimento próprio fez
com que depois de alguns milhares de anos esteja “escapando” do mesmo. Num
futuro, não haveria como associar os dois, e sito é relevante para o número total de
associações conhecidas.

Como os aglomerados não tem sofrido um numero expres-


sivo de supernovas de colapso, procurou-se um canal alternativo
de formação pela acresção de matéria encima de uma anã branca
(o chamado Accretion Induced Collapse, onde a captura eletrô-
nica deve ser mais rápida que a ignição do carbono, Capítulo).
Mas o mais importante dos pulsares de ms é que se acredita que
seus períodos ultracurtos são possivelmente devidos à reciclagem
172 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

(Bisnovatyi-Kogan e Komberg, 1974), ou seja, ao processo no qual


a acresção da companheira “normal” transfere momento angular e
assim acelera a rotação. As condições para a existência destes sis-
temas são bem favoráveis em aglomerados, e assim a maior parte
dos pulsares detectados neles são da classe de ms, embora possam
existir alguns com a rotação original.

Fig. 6.19. O aglomerado globular 47 Tuc em raios X, mostrando mais de 300 fontes
que incluem binárias, pulsares de ms e outros (imagem do arquivo do Observatório
Chandra).

Existem ainda no “zoológico” das estrelas de nêutrons outras


bestas fascinantes: uma classe inteiramente nova de estrelas compac-
tas é a da chamada Rotating Radio Transient Sources (ou RRATS),
que emitem pulsos de rádio esporádicos em fase, separados por
várias horas e podem até constituir a população majoritária de estre-
las de nêutrons do disco, dadas suas idades características e dificul-
dades de detecção, sendo quase totalmente “silenciosas” a menos
dos momentos em que emitem o pulso. E finalmente mencionamos
os sistemas binários relativísticos onde a estrela de nêutrons esta
“varrendo” uma companheira, reduzida agora à massa de Júpiter e
que pode sumir totalmente em breve (Fig. 6.20 , Benvenuto, De Vito
e Horvath (2012)). As estrelas de nêutrons serão um tópico de pes-
quisa de fronteira pelas próximas décadas.
Capítulo 6 173

Fig. 6.20. Um dos sistemas relativísticos onde o pulsar está evaporando sua
companheira, chamados de viúvas negras na literatura. À esquerda, o desenho
original (1988), à direita, as observações do Chandra e o HST, mostrando como os
autores tinham acertado. A matéria voando para o espaço por conta do vento (da
mesma forma que um cometa) é claramente visível. O pulsar está muito próximo
da estrela (ponto brilhante) e não pode ser visto nesta imagem, já que o período
é de ~horas (duração do “ano” no sistema). Se a imagem parece com um cometa
é porque o fenômeno é igual (o vento do Sol varre matéria do cometa e forma a
“cauda”), só que em energias altíssimas.

Buracos Negros
Dois ilustres cientistas no fim do século 18 foram os primeiros a
cogitar a ideia de buraco negro. O religioso inglês J. Michell e o fran-
cês Pierre-Simon, Marquês de Laplace (Fig. 6.21) discutiram a possi-
bilidade de estrelas escuras baseados nos conceitos newtonianos de
velocidade de escape de corpúsculos de luz desde uma superfície
estelar. Estes argumentos se fundamentaram na ideia newtoniana
da natureza corpuscular da luz, já que a luz não fosse composta de
partículas com massa, não haveria como a gravitação de Newton
atraí-la. Mas apesar desta característica enviesada, o raciocínio de
Michell e Laplace foi o que abriu a porta para o estudo moderno dos
buracos negros e merece atenção (Horvath e Custódio, 2013).
A condição crítica com a qual uma partícula pode escapar
desde a superfície de um corpo de massa M e raio R é, aplicando a
conservação da energia
174 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

. (6.20)

Ao fazermos , aplicável à luz em esta abordagem corpuscu-


lar, concluímos que se o raio atingir o valor crítico o campo
gravitacional não permitira o escape. Assim, o objeto compacto que
atingir esta condição será “escuro”, ou invisível aos observadores
externos (isto fará as delícias dos alunos se levado à sala de aula, já
que é muito mais interessante que o caso de uma pedra jogada para
cima...)

Fig. 6.21. Os pioneiros da idéia do buraco negro. À esquerda, Pierre Simon, o


Marquês de Laplace. À direita, o Rev. John Michell, membro da Royal Geological
Society inglesa.

Passaram-se mais dois séculos desde a ideia de Michell e


Laplace até a formulação da Teoria Geral da Relatividade por A.
Einstein. Para encontrar uma solução que mostrasse como a coisa
funciona, deve-se resolver as chamadas equações de Einstein. Mas
estas são bem complexas, muito mais que as de Newton que estão
por trás da eq.(6.20), e o próprio Einstein não confiava em encon-
trar soluções analíticas. Mas coube a Karl Schwarzschild, astrofísico
alemão alistado no exército voluntariamente na Primeira Guerra
Mundial descobrir uma solução exata que leva seu nome, enquanto
combatia no front Russo (é um bom exemplo para quando os alunos
Capítulo 6 175

reclamam de ter que fazer a lição de casa e outras coisas assim...).


Nas soluções de Schwarzschild existe uma superfície imaginária,
chamada de horizonte de eventos, a partir da qual o exterior não
pode receber nenhum sinal do interior. O exterior e o interior ao
horizonte ficam desconectados causalmente. Isto é conseqüência da
forte curvatura (conceito de Einstein, ausente na Física Newtoniana)
induzida pela concentração da massa. No centro da solução existe
uma singularidade pontual, onde não é possível descrever nada já
que as equações da Física colapsam, mas esta singularidade apa-
rece coberta pelo horizonte. Seguiram a esta solução básica, os tra-
balhos de Roy Kerr (com momento angular), e Newman (com carga
elétrica), além de outras mais recentes e complexas. Um esquema
bidimensional da estrutura de um buraco negro de Schwarzschild
se mostra na Fig. 6.22.

Fig. 6.22. Esquerda: Karl Schwarzschild na Universidade de Göttingen, depois da


Primeira Guerra Mundial. Direita: um diagrama em duas dimensões de um buraco
negro. A singularidade está “recoberta” pelo horizonte, o qual separa o “interior”
do resto do Universo.

Com a idéia física da compactação da matéria como causa da


formação de um buraco negro podemos dizer que quando a maté-
ria é forçada a ocupar um raio igual ao valor crítico
(que por um acaso é exatamente o valor do chamado raio de
Schwarzschild obtido rigorosamente na Relatividade Geral, daí o
176 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

subíndice), pode-se mostrar que haverá a formação de um horizonte.


Já vimos na eq.(6.14) que o parêntese no denominador é ,e
enquanto nas estrelas de nêutrons tínhamos que , os bura-
cos negros com fazem com que este fator seja zero, e a des-
crição de TOV deixa de ter sentido porque toda a expressão diverge.
Fisicamente podemos pensar que as estrelas de nêutrons são muito
“empacotadas”, mas a pressão da matéria resiste à gravitação, os
buracos negros simplesmente chegam ao máximo “empacotamento”
e toda a matéria some atrás do horizonte, para se concentrar na sin-
gularidade central. Assim, não precisaremos impor nenhuma equa-
ção de estado como antes, já que os buracos negros resultam
“pura gravitação”.
Embora a matéria não mais está presente no buraco negro, já
que colapsou dentro do seu raio de Schwarzschild, sempre resulta
possível definir uma densidade formal , a qual com-
binada com a definição implica que a densidade efetiva
, que diminui com a massa do buraco negro. Assim, um
mini-buraco negro de massa (se formado) seria muito mais
denso que uma estrela de nêutrons, enquanto um de milhões de
massa solares teria uma densidade baixíssima, menor à da água.
Vemos que não é somente a densidade que importa, antes devemos
ver se a matéria formou ou não um horizonte de eventos e ficou
“desconectada”, verdadeira essência do buraco negro.
Com esse começo “matemático”, na primeira metade do século
20 as pesquisas a respeito dos buracos negros tinham um caráter
bem diferente das atuais. Discutiam-se aspectos matemáticos e for-
mais das soluções, teorias alternativas, experimentos imaginários
e outros, sem jamais eram considerar aspectos da observação dos
buracos negros. Nem mesmo a moderna idéia da produção de bura-
cos negros em colapsos de estrelas de grande massa existia, menos
ainda o conceito de buraco negro supermassivo tinha sido formu-
lado ou vinculado a qualquer observação.
A descoberta dos quasares nos anos de 1960, objetos a distân-
cias cosmológicas que parecem estrelas porque emitem quantida-
des enormes de energia, foi o fato que alavancou o estudo empírico
Capítulo 6 177

dos buracos negros, já que a fonte de energia apontava para um


mecanismo altamente eficiente de emissão. Os buracos negros de
massas gigantescas acretando matéria começaram a ser seriamente
considerados. O físico John Archibald Wheeler protagonizou um
importante contribuição lingüística/publicitária quando no ano
de 1967 chamou às soluções com horizonte de eventos de black
hole (embora houvesse antecedentes para este nome), em vez do
nome russo “estrelas congeladas”. Como resultado desta mudança
de nome houve um enorme interesse do público em estes objetos,
além do fato que o estudo dos quasares os trouxe para o domínio da
realidade, sem que por isso deixassem de ser interessantes para a
matemática. Os buracos negros entraram no “mundo físico” por esta
combinação (Trimble, 2017).
Passamos agora a descrever um pouco mais de perto os bura-
cos negros remanescentes da Evolução Estelar, dos quais temos uma
grande quantidade de informação. Como resíduos das estrelas de
grande massa, esperava-se que fossem produzidos por aquelas que
tinham umas ou mais na Seqüência Principal. Embora este
valor inferior é incerto, acredita-se que, acima de um valor limiar,
o caroço de ferro e a dinâmica da explosão decorrente não poderão
sustentar uma estrela de nêutrons e o resultado será um buraco negro
de massa estelar. Do ponto de vista observacional, a própria natu-
reza dos buracos negros sugere que somente haverá possibilidades
de observá-los com sucesso quando membros de sistemas binários,
nos quais a matéria de uma companheira normal é “puxada” para o
buraco. Mas, em geral, estes sistemas binários podem ou não estar
em estados de acresção, dependendo da evolução da companheira e
da órbita. Para aqueles sistemas nos quais é possível determinar uma
massa para o objeto compacto escuro, o limite de Rhoades-Ruffini
eq. (6.15) fornece um teste bem confiável para sabermos se aquele
é uma estrela de nêutrons ou um buraco negro. A Fig. 6.23 mostra
um diagrama de um conjunto de binárias onde esta determinação foi
possível. Os objetos listados são os candidatos a buraco negro, já que
ultrapassam com folga o valor de Rhoades-Ruffini (explicitamente
178 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

indicado) e ficam assim identificados como buracos negros porque


não poderiam ser estrelas de nêutrons de maneira alguma.

Fig. 6.23. Esquerda: candidatos a buraco negro em sistemas binários (compilada


por J. Orosz). Algumas das estrelas de nêutrons estão à esquerda da linha vermelha,
a qual indica o limite de Rhoades-Ruffini. Todos os sistemas à direita têm massas
inferidas superiores a esse limite, daí sua identificação como buracos negros.
Note-se a ausência de candidatos de baixa massa, e o valor máximo de para
os objetos galácticos. Direita: reconstrução de alguns dos sistemas que contém
buracos negros, aqueles à direita da linha vermelha na figura da esquerda.

Um dos exemplos notórios da identificação dos sistemas biná-


rios da Fig. 6.23 é a binária de raios X chamada Cygnus X-1 (pri-
meira na parte superior da Fig. 6.24). Descoberta na primeira etapa
da astrofísica de raios X, em 1964, o objeto “invisível” orbita cada
5,6 dias a companheira, uma estrela supergigante azul de
(Fig. 6.24, direita). O sistema está localizado a uns , e embora
não mostra eclipses, os times de pesquisa conseguiram a determi-
nação da inclinação na eq. (6.16), e com ela a massa do objeto
escuro primário que resulta de . Assim, muito acima do
valor de Rhoades-Ruffini, este resulta identificado tentativamente
como um buraco negro.
Capítulo 6 179

Fig. 6.24. A binária e Cyg X-1. Acima, esquerda: o campo que contém a binária.
Acima, direita: imagem óptica da companheira supergigante azul (flecha amarela).
Abaixo: imagem pictórica da binária, onde o buraco negro acreta matéria da estrela
visível.

Existem outras formas de determinar a presença de buracos


negros em sistemas binários que vão além da Terceira Lei de Kepler,
mas resultam menos confiáveis. A observação dos buracos negros
sofre de alguns problemas fundamentais, que têm sido discutidos
insistentemente na literatura. O primeiro é que, por definição, o
horizonte de eventos não pode ser observado. Observa-se a matéria
caindo no disco de acresção e também os períodos orbitais, por isto
as conclusões a respeito da natureza dos candidatos é indireta. Uma
pergunta ainda mais fundamental é se realmente a natureza produz
corpos que são preditos por soluções matemáticas. Nem toda solu-
ção matemática precisa ser uma solução física, e disto temos vários
exemplos nas Ciências. O grupo de cientistas que não acredita que
os buracos negros estejam presentes é minoritário, mas tem levan-
tado uma discussão importante oferecendo alternativas para estes
objetos “invisíveis”, apesar que estas resultam mais “exóticas” que
os próprios buracos negros.
Para finalizar vamos apresentar uma classe de fontes que con-
tém buracos negros estelares descobertas em 1994 por L.F. Rodríguez
180 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

(UNAM, México) e F. Mirabel (IAFE, Argentina) e que trouxe uma


perspectiva completamente diferente dos buracos negros mais pró-
ximos. Mirabel e Rodríguez observaram Cyg X-1, um objeto que
mostrou a presença de jatos relativísticos e lóbulos de rádio simi-
lares aos observados nos AGNs (Fig. 6.25, esquerda), mas em uma
escala muito menor, como se fosse uma cópia-miniatura. Logo a
seguir, os mesmos pesquisadores conseguiram mostrar que existe
uma segunda fonte (GRS 1915) apresenta o chamado movimento
superluminal (Fig. 6.25, direita) do jato, no qual as estruturas deste
parecem se afastar com velocidades por um efeito de projeção.
Desta forma, ficou demonstrado que os jatos emergentes eram relati-
vísticos e que, em linhas gerais, os objetos de massas estelares (GRS
1915 contém um buraco negro de massa estimada em ) se
comportavam em boa medida como seus “primos” gigantescos os
AGNs, onde estes fenômenos já tinham sido observados. Deram para
estes sistemas o nome de microquasares, com o qual se conhecem
até hoje.

Fig. 6.25. Esquerda: a imagem de Cyg X-1 com os jatos e lóbulos de rádio próximo
do centro da nossa galáxia. Direita: o movimento superluminal dos jatos do GRS
1915. O intervalo entre a primeira e a última imagem é de menos de 1 mês, e a
distância aparente percorrida pelo material é de umas 8000 UA.

A Fig. 6.26 mostra o paralelo entre um quasar e de um microqua-


sar. Enquanto no caso dos AGNs a acresção é “fóssil”, do meio cir-
cundante, os microquasares são alimentados por uma companheira
Capítulo 6 181

normal doadora. Devido à diferença de escalas espaciais e tempo-


rais, podemos ver fenômenos em tempos curtos que de outra forma
seriam muito mais lentos ou distantes, por exemplo, a expansão
superluminal análoga à da Fig. 6.25 leva muitos anos no caso de um
AGN, mas somente ~semanas para um microquasar. Existem assim
sistemas muito próximos que se comportam como aqueles muito
distantes, e como isso a possibilidade de aprendermos mais a res-
peito dos objetos centrais que são identificados com buracos negros
de massa estelar.

Fig. 6.26. O quasar e o microquasar. Á esquerda, uma comparação identificando


os principais elementos de cada sistema. À direita, uma analogia biológica que
enfatiza a identidade da estrutura e os processos, mas em tamanhos bem diferentes.
182 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

O mais importante
As estrelas deixam “cadáveres» estelares quando sua evolu-
ção acaba. Os cadáveres mais comuns são as anãs brancas, estrelas
inertes com uma massa compostas por carbono e oxigênio
tipicamente. Por serem suportadas pela pressão de degeneres-
cência, que não tem análogo clássico, estão sujeitas a um máximo
da massa (massa de Chandrasekhar). As estrelas de nêutrons, no
entanto, provem de progenitores estelares de massas maiores, e
são bastante análogas a um núcleo atômico de dimensões .
A massa das estrelas de nêutrons também tem um máximo, mas
não esta relacionado com a pressão dos elétrons e sim com as
interações entre núcleons em , a cha-
mada densidade nuclear. Os buracos negros de massa estelar
também são produzidos pelo fim de estrelas de grande massa,
não estão “compostos” de nenhuma matéria (toda a matéria
colapsou e não mais pode ser estudada, já que se encontra atrás
do horizonte), e todo o assunto da “linhagem” destes dois tipos
de objetos precisa ainda de esclarecimento.
Os astrônomos observam e estudam os 3 tipos de objetos
todos os dias, e aprendem como funcionam e que processos
acontecem em eles e suas vizinhanças, quase todos impossíveis
de observar em um laboratório. Esta é uma zona onde a Física e
a Astronomia se misturam com intensidade.
CAPÍTULO 7

A formação das estrelas

O quê sabemos da formação das estrelas?

P
odemos agora genuinamente colocar a pergunta seguinte: se as
estrelas têm um ciclo de “vital”, uma evolução, e acabam suas
vidas como objetos compactos e nebulosas planetárias/superno-
vas (dependendo da massa), como é que nascem? como é a seqüên-
cia de processos físicos que acaba na formação de uma nova estrela
“bebê”? onde acontece todo isto, e como sabemos que funciona?
A formação estelar será objeto da nossa discussão, complementar
a todo o panorama que foi desenvolvido nos Capítulos anteriores
onde estudamos as estrelas já formadas.
A “matéria prima” das estrelas é evidentemente o gás. Nem
sempre há muito gás disponível nas galáxias, o conteúdo de gás
atual na Via Láctea é de em massa. As galáxias elípticas, por
sua vez, perderam o gás e não podem formar estrelas. Todavia, em
certas galáxias jovens a taxa de formação estelar é muito maior que
na Via Láctea (denominam-se galáxias starburst). Acredita-se que a
própria Via Láctea passou por surtos deste tipo no passado, mas hoje
a formação de estrelas é moderada. Praticamente todo o gás reside
no Meio Interestelar (ISM), e aí devemos nos concentrar para enten-
der a formação estelar (Fig. 7.1).
184 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 7.1. A galáxia de Andrômeda, em muitos aspectos irmã da Via Láctea, mostra
a ocorrência de regiões onde a formação estelar é substancial. Por outro lado, as
galáxias elípticas quase nem tem estrelas se formando, e isto se deve à ausência de
gás.

Um inventário preliminar das componentes do ISM mostra pelo


menos duas componentes: uma “morna” com gás e
outra “fria”, onde o gás tem uma temperatura de . Muitas
vezes é adicionada uma componente “quente” com gás a ,
material varrido pelos choques de supernova e outros efeitos, e que
pode ser a maior massa de gás livre, embora não participe direta-
mente na formação estelar (vide abaixo). Como dato interessante
sabemos que o Sol reside hoje em uma região rarefeita e quente,
com e e comprimento máximo de uns
. Esta Bolha Local (http://cse.ssl.berkeley.edu/chips_
epo/bubble.pdf) foi escavada por várias explosões de supernova
próximas, há uns . Assim, o ambiente no qual o Sol está
não é para nada “típico” no ISM, pertence antes à fase “quente”
mencionada (Fig. 7.2).
Capítulo 7 185

Fig. 7.2. Esquerda: simulação computacional mostrando as duas fases do ISM


distribuídas espacialmente. Direita: reconstrução tridimensional da Bolha Local,
mostrando a direção de algumas estrelas conhecidas. Pelos próximos
pelo menos estaremos transitando dentro dela, a qual por sua vez está saindo da
região da associação de Escorpião-Centauro. Se a vida na Terra floresceu foi graças
ao campo magnético do Sol e o vento solar que nos protegeu do bombardeio dos
raios cósmicos que atravessam a bolha quente e do próprio gás desta.

Voltando à questão da formação estelar, observa-se dentro da


fase “fria” complexos de gás contendo uma enorme variedade de
moléculas, incluindo umas orgânicas tais como ácido acé-
tico, cetonas e açucares. As moléculas se formam e mantém por-
que a temperatura não é suficiente para dissociá-las, e as colisões
são raríssimas no meio rarefeito. Alguns destes complexos com
, com tamanhos , temperaturas
186 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

e densidades , se denominam Nuvens


Moleculares Gigantes (ou GMC). Em estes ambientes existem quase
todas as estrelas jovens observadas, e existe um consenso a respeito
das GMC serem o “berço” estelar excludente (http://astronomy.
swin.edu.au/cosmos/M/Molecular+Cloud) .
Como as GMC têm uma densidade típica de e
dimensões de , enquanto uma estrela tem uma den-
sidade para uma dimensão (raio estelar) de uns
, vemos que durante a formação na GMC a densidade pre-
cisou aumentar 22 ordens de grandeza. Mas a questão do momento
angular é também muito relevante: uma GMC tem uma velocidade
angular típica devida à rotação diferencial, por causa do seu longo
comprimento, de , muito pequeno. Mas se fosse con-
servado o momento angular, as estrelas teriam períodos de rotação
, que jamais são observados. Assim, o momento angular pre-
cisa ser transportado para fora durante o colapso. Precisamos saber
como as próprias GMCs se mantém sem colapsar, e como se formam
as estrelas nos seus interiores.

Colapso das GMCs: gravitação vs. turbulência


Até ~1980 o paradigma das GMC era que estavam sustenta-
das pela pressão magnética (Berkeley, 2019). A pressão magnética
resiste à gravitação adensando as linhas do campo B (lem-
bremos que M. Faraday imaginava as linhas de campo como bandas
elásticas...). Igualando a energia potencial e a magnética, obtemos
uma massa característica

. (7.1)

Somente massas maiores que este valor poderiam colapsar ven-


cendo o efeito do campo magnético. As massas menores não pode-
riam fazê-lo.
Evidentemente, esta estimativa simples cria um problema
sério. Se somente massa de podem colapsar, como é que
Capítulo 7 187

vão se formar estrelas de ? Houve bastante estudo a respeito


das condições nas quais a nuvem em colapso poderia fragmentar, e
como poderia continuar o colapso promovendo a difusão do mate-
rial neutro no campo magnético, mas todo ficou muito complicado
e bastante inverossímil. O argumento mais forte contra este cenário
consiste em observar que, no material em colapso, o campo magné-
tico esta congelado (atrelado à matéria) e assim o fluxo magnético
aumenta a medida que o colapso procede. Isto que dizer
que a nuvem ganha suporte, não o perde, quando o colapso avança,
e que o cenário é inviável. Por último os campos obtidos das obser-
vações das nuvens reais nem são tão intensos, indicando que deve-
riam ter colapsado há tempo, mas não o fizeram.
A descoberta do agente que da suporte à nuvem sem impedir o
processo do colapso não demorou muito: evidências várias mostra-
ram que o comportamento do gás está longe de ser simples, e que
devia ser considerado turbulento. A turbulência é um regime do gás
bem conhecido, mas difícil de descrever de primeiros princípios
matematicamente. Consiste na ocorrência de flutuações na veloci-
dade do gás em todas as escalas de comprimento, mais intensas
quanto maior for o comprimento considerado, e que vai transferindo
a energia das maiores escalas para as menores. Esta transferência se
denomina cascata turbulenta, e resulta familiar e observada em um
conjunto de sistemas (por exemplo, ondas no mar). A Fig. 7.3 mos-
tra o desenho de Leonardo Da Vinci da turbulência atmosférica no
meio de uma tormenta, o qual acredita-se bastante semelhante à do
interior das nuvens em colapso.
188 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 7.3. Leonardo Da Vinci capturou a turbulência de uma tormenta na Itália,


desenhando os turbilhões (flutuações) em diversas escalas de comprimento. Um
panorama similar é aplicável às nuvens proto-estelares em colapso dentro das GMC.

Para quantificar o colapso de uma nuvem, começamos por


observar que precisa satisfazer , ou seja, violar a rela-
ção Virial. Já vimos que em equilíbrio , mas durante o
colapso a nuvem não está em equilíbrio Virial, e a desigualdade diz
que estará ganhando energia potencial (que é negativa) se desfa-
zendo de parte da energia interna UU.. Escrevendo as expressões dos
dois termos temos que e (usando
a definição da velocidade do som no gás). Resolvendo agora para a
massa M temos

(7.2)

que é a chamada massa de Jeans, escalonada para valores esperados


na GMC. Somente massas maiores que a podem colapsar, já que
a gravitação “vence” a pressão em elas, mas estas massas são agora
muito mais razoáveis que aquelas que resultavam da consideração
do campo magnético, eq.(7.1).
Capítulo 7 189

O efeito da turbulência no colapso pode ser agora avaliado.


Em presença das flutuações (turbilhões) da velocidade do gás ,a
velocidade do som efetiva é

(7.3)

a qual, substituída na massa de Jeans no lugar da velocidade do


som do gás sem turbulência mostra que

. (7.4)

A cascata turbulenta que mencionamos, que transfere energia


desde o maior comprimento para os menores, joga assim um papel
importante: nas grandes escalas e esta componente
aumenta a pressão (é a denominada pressão turbulenta) e impede
que a nuvem colapse globalmente, explicando a sustentação reque-
rida. Mas nas pequenas escalas, o que promove o colapso
da massa de Jeans, permitindo a formação de associações estelares
de ou mais (a turbulência é certamente supersônica no gás),
e estrelas individuais depois da fragmentação desta última quando a
massa de Jeans decresce com o tempo. Observacionalmente, a maio-
ria das estrelas nasce em associações de vários tamanhos, desde um
número pequeno até ~dezenas ou mais (Capítulo 8), em este aspecto
o Sol pode ser considerado “excepcional”.
A Tabela 7.1 lista alguns dos agentes candidatos para fonte da
turbulência. Os processos listados contribuem à formação da GMC
(externos) e à sua manutenção (internos). A importância relativa
deles encontra-se sempre sob estudo.

Tabela 7.1. Agentes externos e internos que geram turbulência


Processo (externo) Processo (interno)
Formação dos braços espirais Ventos estelares
Supernovas Radiação ionizante estelar
Instabilidades (várias) Fluxos proto-estelares
190 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Com a ideia de termos identificado como começa o colapso da


nuvem, vamos agora passar revista aos estágios sucessivos desde o
começo do colapso até a formação da estrela, ou seja, até o começo
das reações nucleares no caroço central que colocam a proto-estrela
na Seqüência Principal.

Os estágios da formação estelar


Quando finalmente o colapso começa, as moléculas e os elé-
trons participam de um processo muito importante de troca de
energia por meio de colisões. Com o nome “colisões” não devemos
entender somente os choques diretos (que são raríssimos), mas troca
de energia através das interações eletromagnéticas onde partículas
carregadas se “enxergam” desde bastante longe. Isto é fundamen-
tal para garantir que o colapso possa avançar, já que o momento
angular deve também ser transferido. O resultado é uma tendência à
eqüipartição da energia: todas as componentes acabam com energias
similares e as componentes interna U e gravitacional da energia
satisfazem a partir de algum momento a relação Virial .
É bastante difícil saber quando é que uma nuvem entra no equilíbrio
Virial. Os primeiros estágios não devem conseguir ainda distribuir
assim a energia, mas certamente haverá equilíbrio Virial bem antes
da nuvem formar efetivamente uma estrela.
O primeiro estágio do colapso reconhecível e observável é o da
presença de condensações na GMC. Estas condensações contém uns
caroços mais densos no seu interior. Este é o estágio mais primordial
da região que ficou instável e contém uma massa que formará
estrelas. O esquema geral deste estágio está na Fig. 7.4.
Capítulo 7 191

Fig. 7.4. Uma GMC mostrando algumas aglomerações com caroços no interior, no
começo do processo de colapso gravitacional induzido pela turbulência.

Estas condensações nos interiores das GMCs podem ser detecta-


das com certa facilidade utilizando ondas sub-milimétricas e teles-
cópios com detectores no infravermelho longínqua. A razão é que a
transparência do material no óptico é baixa, as regiões estão cheias
de poeira cósmica e somente nos maiores comprimentos de onda é
que estas inomogeneidades ficam evidentes (Fig. 7.5).

Fig. 7.5. As condensações em GMCs, detectadas no infravermelho em RCW79


(esquerda) e ondas sub-milimétricas (direita). Os caroços são claramente visíveis
nas imagens. A imagem da esquerda cobre uma aglomeração de umas 2000 A.U,
umas 40 vezes a distância do Sol até o cinturão de Kuiper. As linhas tracejadas
correspondem à orientação e intensidade do campo magnético que esta congelado
na matéria e viaja junto com ela, tal como esperado.
192 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Do ponto de vista das observações, estas regiões estão quase


sempre dentro de umas estruturas opacas, ricas em poeira, desco-
bertas pelo astrônomo Bart Bok na década de 1940. Bok descreveu
estes glóbulos (que hoje levam seu nome) como os “equivalentes
estelares dos caçulos dos insetos”, hipótese que provou-se correta.
Existem na literatura muitas imagens dos glóbulos de Bok, como a
da Fig. 7.6.

Fig. 7.6. Glóbulos de Bok na região de formação estelar IC 2944. Algumas proto-
estrelas podem ser vistas apesar da forte extinção pela poeira. (Image do arquivo
do HST)

As proto-estrelas continuam se condensando até que o envelope


da condensação acaba caindo acima do caroço. Acresção adicional
do ambiente deve ocorrer, mas não se conhece a sua magnitude.
O momento angular residual promove a formação de um disco de
acresção magnetizado (lembremos da amplificação do campo mag-
nético antes mencionada), o qual será responsável pela definição da
massa da estrela e a formação do seu sistema planetário. A proto-
-estrela segue no diagrama HR o chamado caminho de Hayashi,
uma trajetória quase-vertical com onde a) se estabelece o
Capítulo 7 193

equilíbrio Virial e b) a estrutura é totalmente convectiva (Horvath,


2011). Como o tamanho original da proto-estrela é muito grande,
assim que o gás fica opaco, a luminosidade atinge o valor

(7.5)

mas onde a energia é obtida da contração gravitacional, já que não


há ainda reações nucleares. A “baixada” a decorre do fato
que a proto-estrela já radia o máximo que pode, qualquer aumento
na temperatura faz aumentar a opacidade (já que a matéria está na
parte «ascendente» da curva da opacidade porque a matéria está
parcialmente ionizada) e a expansão do raio que resulta volta a colo-
car o objeto na mesma . Ao longo desta descida, a temperatura
interior é suficiente para fusionar o deutério original existente, na
reação

(7.6)

(este processo é freqüentemente mencionado em conexão com o


Big Bang, onde é dito que o deutério é criado, e somente destruído
nos interiores estelares...). Esta “Seqüência Principal” do deutério
aumenta muito pouco a energia no interior.
194 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 7.7. Evolução das estrelas antes de entrar na Seqüência Principal de Idade Zero
(ZAMS). A “zona de exclusão” de Hayashi está marcada na cor verde, as estrelas
não podem entrar nela porque são totalmente convectivas e radiam o máximo. As
trajetórias verticais de Hayashi param no mínimo da luminosidade, quando viram
à esquerda pela presença de um caroço radiativo (caminho de Henyey) finalmente,
entram na ZAMS quando a fusão do hidrogênio começa (linha vermelha diagonal).

A descida pelo caminho de Hayashi se detém quando no centro


o caroço fica radiativo, e as trajetórias viram à esquerda, pela mesma
razão que vimos na saída da Seqüência Principal, mas na ordem
reversa. Assim, esse caminho de Henyey é quase horizontal, com
até a proto-estrela chegar na Seqüência Principal de Idade
Zero (ZAMS em inglês), onde as reações nucleares do hidrogênio
começam no caroço. A Fig. 7.7mostra os caminhos de Hayashi,
Henyey,e a ZAMS calculada para várias massas.
Todo este esquema, porém, foi questionado porque nunca foram
observadas proto-estrelas de luminosidades enormes muito acima
da ZAMS, tal como devia acontecer no topo do caminho de Hayashi.
As observações diretas dos glóbulos de Bok também discordaram
Capítulo 7 195

com a teoria, mostrando que os tamanhos eram menores e a lumino-


sidade também. Assim, a proposta de Palla e Stahler (1999) foi bas-
tante direta: postularam que as proto-estrelas somente ficam opacas
quando seu raio , na chamada linha de nascimento.Esta
linha é o envoltório superior da região onde as estrelas ficam opa-
cas, e acima delas nada seria observado. Dependendo da massa, o
caminho de Hayashi encurta muito, ou até some depois de ,
deixando somente o caminho de Henyey para entrarem na ZAMS.
Um teste com a região de formação de Orion, bem estudada e pró-
xima da Terra, pode ser apreciado na Fig. 7.8. Vemos que as proto-
-estrelas observadas delimitam a linha de nascimento, nunca estão
muito por cima desta, e que suas massas podem ser inferidas pela
comparação com as trajetórias evolutivas calculadas com a proposta
de Palla e Stahler.

Fig. 7.8. A linha de nascimento de Palla e Stalher superposta a um diagrama HR para


705 proto-estrelas na nuvem de Orion. O acordo entre a proposta e as observações é
muito bom e reforça a inexistência de uma “longa” descida no caminho de Hayashi,
o qual some para .
196 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Além desta discussão, existe farta evidência observacional em


favor da emergência de fluxos (jatos e ventos) no estágio proto-este-
lar, seguramente ligados à formação de discos de acresção. O pro-
tótipo disto são os chamados objetos Herbig-Haro, onde os jatos e
discos são muito bem observados da fonte central. A denominação
original Herbig-Haro se refere às condensações no final dos jatos,
mas a fonte central é quem os produz, onde está a estrela em forma-
ção. A Fig. 7.9 mostra um dos melhores exemplos deste fenômeno,
para alguns determinante para truncar a acresção e definir a massa
final da estrela.

Fig. 7.9. Esquerda: o objeto HH 30 o disco de acresção está “de perfil” (ocupa a
região no meio da imagem lenticular inferior, que é formada pela luz espalhada
pelo material do disco) e é muito opaco, nem deixa enxergar a proto-estrela. Os
jatos proto-estelares são perpendiculares, o jato “superior” é claramente visível.
Note-se que o jato atinge pelo menos 1000 U.A. Direita: uma imagem do Hubble
do objeto HH 111, o extremo superior mostra o HH original, produzido pela
energização devida ao jato.

Uma última consideração importante, ligada às proto-estrelas,


é a identificação das chamadas estrelas T Tauri, pré-Seqüência
Principal nomeadas assim pela primeira desta classe identificada.
As T Tauri ainda não começaram a fusão do hidrogênio, e mostram
Capítulo 7 197

claros sinais da emissão infravermelha associada ao disco, já pre-


sente nos objetos Herbig-Haro. A classificação das T Tauri se baseia
fortemente em este excesso infravermelho, e como o disco deve
se dissipar em uns (isto é o que deve ter acontecido no
Sistema Solar...), a ausência progressiva do infravermelho leva a
considerar uma sucessão de T Tauri evoluídas, em uma hierarquia
de idades. Esta classe completa a seqüência de objetos proto-estela-
res identificados e estudados. Um disco protoplanetário detectado
antes da dissipação total, no ato de formar planetas, pode ser apre-
ciado na Fig. 7.10.
Uma das questões que ainda não fica totalmente clara é a da
duração do processo de formação. Existe uma diferença impor-
tante entre a proposta do colapso induzido puramente pela insta-
bilidade gravitacional (favorecida até ~1980) e a turbulência como
agente principal: a primeira leva a uma formação “lenta” que dura
uns , enquanto a segunda sugere um tempo ao menos
10 vezes mais curto, já que a dissipação da turbulência não dura
mais de . Esta é uma questão importante a ser totalmente
esclarecida para confirmar qual é o agente físico mais relevante no
problema.

Fig. 7.10. Disco protoplanetário detectado pelo arranjo ALMA em torno do AS 209.
A banda escura mais externa é atribuída a um planeta muito maior que Saturno que
varre a poeira e deixa esta trilha. A banda mais interna pode se dever a um planeta
menor u oura causa dinâmica ainda não estabelecida
198 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

A Função Inicial de Massas


O desfecho do processo de formação estelar, com todos seus
meandros, deve produzir a distribuição de massas observada das
estrelas. A contagem direta de estrelas mostra a raridade das mais
massivas, de fato há de estrelas como o Sol para cada
uma das “Três Marias” em Orion. Matematicamente é definida a
chamada Função Inicial de Massas (IMF em inglês),já apresentada
no Capítulo, com o número de estrelas formadas no intervalo de
massas . O número de estrelas é geralmente expressado
como sendo proporcional a , e desde o trabalho pioneiro
de E. Salpeter (1955), onde o valor do expoente apropriado na faixa
intermediária é de . é determinado com a contagem de um
grande número de estrelas, e que existe uma “virada” (expoente
menor) para massas menores. É claro que, conforme considerarmos
massa maiores, o número de estrelas será menor até o valor máximo
discutido no Capítulo. A função de massas observada, junto com
vários refinamentos à proposta de Salpeter, pode ser vista na Fig.
7.11.
Capítulo 7 199

Fig. 7.11. A IMF observada (pontos pretos) vs. as várias expressões propostas
por Salpeter (preto) e desenvolvimentos posteriores (demais curvas). O ponto do
máximo e o limite superior são duas características investigadas com intensidade.
Já a inclinação não é disputada, e esta em acordo com as observações como pode
ser conferido.

Hoje é possível contar estrelas individualmente em aglome-


rados longínquos, até em outras galáxias próximas. Isto é impor-
tante porque a IMF parece ser muito robusta, embora dependa da
metalicidade. É consenso que, se as estrelas se formam em regiões
mais enriquecidas em “metais” Z (lembramos que no jargão da
Astronomia, qualquer coisa além do hélio é um “metal”...), a IMF
contém estrelas de menor massa, ou seja, o expoente é maior. A IMF
reflete no fundo a eficiência para converter gás em estrelas, com-
provadamente baixa. As causas físicas do expoente determinado, o
papel da turbulência, a massa de Jeans e outros fatores precisam ser
totalmente esclarecidos.
200 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

O mais importante
Entendemos o básico do processo da formação das estrelas,
onde se produz (nas nuvens moleculares) e quais são suas eta-
pas. Existe evidência abundante de todos os estágios formativos
desde as condensações até a entrada na Seqüência Principal, e
seguramente haverá avanços importantes na questão dos discos
protoplanetários e outras relacionadas pelo enorme interesse que
despertam e a disponibilidade de instrumentos de última gera-
ção. Dos agentes físicos que participam da formação, a turbulên-
cia do gás parece ser determinante, mas é muito complexa e não
há ainda uma compreensão abrangente dela, embora o padrão
geral é bastante entendido. A função inicial de massas (IMF) das
estrelas mostra um decréscimo muito rápido para massas gran-
des, e assim as estrelas “leves” como o Sol são absolutamente
majoritárias na população estelar (Fig.7.11).
Capítulo 8 201

CAPÍTULO 8

Sistemas estelares

O quê são os sistemas estelares?

A
s estrelas isoladas como o Sol são uma exceção antes que uma
regra, tal como observamos no Capítulo. E por isso que vamos
aqui apresentar brevemente o tipo de sistemas estelares comu-
mente encontrados, a residência da maior parte das estrelas na galá-
xia. O nome pretende incluir os vários tipos existentes
Normalmente são reconhecidos quatro tipos de sistemas estela-
res diferentes (Ostlie e Carroll, 2006):
a) Os sistemas múltiplos, desde duas até 8-10 estrelas ligadas gra-
vitacionalmente em órbita entre sim.
b) As associações, de até 10 000 estrelas, que não necessariamente
estão ligadas pela gravitação
c) Os aglomerados abertos, muitas vezes similares às associações,
mas comprovadamente ligados pela gravitação
d) Os aglomerados globulares, de estrelas ou mais, estruturas
esferoidais bem parecidos com uma galáxia anã.

No que segue vamos apontar as características e problemas


básicos de cada tipo na ordem que os temos colocado. Este (e outros)
temas do nosso trabalho dão origem a uma vasta literatura espe-
cializada e será necessário, caso seja de interesse, uma consulta às
referências fornecidas. Mas o material a seguir será suficiente para
uma abordagem em sala de aula a respeito.
202 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Sistemas múltiplos
A formação de estrelas em sistemas múltiplos como “regra”
poderia ter sido antecipada da consideração da eq.(7.2) para a massa
de Jeans: se as estrelas mais assíduas são do tipo solar ou anãs mais
“leves”, isto quer dizer que a massa de dificilmente ficará
“inteira”. Dependendo dos detalhes da formação, boa parte dessa
massa fragmentará e formará sistemas gravitacionalmente ligados,
ou seja, sistemas múltiplos ou associações/aglomerados.
Os exemplos de sistemas múltiplos são muitos, e incluem desde
sistemas onde todas as estrelas estão ainda na Seqüência Principal,
outros onde ao menos uma componente completou sua evolução (a
exemplo de Sirius A e B do Capítulo 4), e até outros onde a evolu-
ção do sistema levou a suas componentes a interagir (ou seja, trocar
matéria), tal como as binárias de raios X. Nos restringindo aos primei-
ros, podemos dizer que estes são um banco de testes excelente para a
teoria da Evolução Estelar. Nos sistemas múltiplos é muitas possível
obter as massas utilizando a Terceira Lei de Kepler, além das e
luminosidades L. Um caso bem estudado se mostra na Fig. 8.1.

Fig. 8.1. A estrela Polaris, imagem completa do sistema triplo, mas que aparece
visualmente como uma estrela única. O estudo das órbitas somado às luminosidades
e temperaturas permite resolver totalmente o sistema com erros pequenos. A estrela
Polaris A é uma Cefeida de , as duas companheiras estão na Seqüência
Principal com (Polaris Ab) e (Polaris B).
Capítulo 8 203

Sistemas de até 9 estrelas têm sido identificados, com órbitas


bem complexas e perturbações permanentes entre os membros. Os
sistemas múltiplos bem medidos permitem também estudar a pre-
sença de planetas em torno, desde super-Terras até super-Júpiters
dependendo do grau de exatidão que possa ser atingido para detec-
tar variações nas órbitas. Vemos também que não existe uma demar-
cação rígida entre um sistema múltiplo de vários membros e um
aglomerado pequeno, que descreveremos mais abaixo.

Associações estelares
A ligação gravitacional tem sido utilizada como critério para
diferenciar uma associação estelar (desligada) de um aglomerado
(ligado). Não somente isto é muitas vezes difícil de discriminar se as
distâncias são grandes, mas existem astrônomos que apontam casos
onde uma associação é simplesmente um aglomerado que foi pertur-
bado e está se dispersando. As associações podem ser muito nume-
rosas em membros (até 10 000 às vezes) e compreendem alguns casos
notáveis, por exemplo a associação de estrelas OB jovens denomi-
nada Cyg OB2, com idade de poucos Manos e onde estrelas muito
massivas ainda estão na Seqüência Principal (de fato, esta é a princi-
pal razão para afirmar que é muito jovem, a presença de estrelas de
grande massa na Seqüência Principal). A Fig. é uma imagem óptica
de Cyg OB2, com o censo de membros ainda incompleto.
204 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 8.2. A associação estelar CygOB2 na banda óptica. Cyg OB2 é o local onde se
encontram algumas estrelas de grande massa, de até , a uma distância de da Terra.

O problema de determinar se um grupo de estrelas é uma


associação ou um verdadeiro cluster é antigo e pode ser abordado
assim (Gieles e Portegies Zwart, 2010). Observacionalmente pode-se
determinar o raio da região que contém metade do brilho do con-
junto observado, chamado de . Contando diretamente a massa
total, determina-se a quantidade chamada de tempo de travessia no
conjunto

(8.1)

expressão válida se existe equilíbrio Virial. No caso mais geral,


pode ser definido como , onde é a dispersão de velocida-
des das estrelas observada.
A utilidade desta quantidade aparece quando combinada
com a idade do conjunto, idade esta que depende dos conceitos da
Evolução Estelar que já tratamos. Especificamente, podemos calcu-
lar a idade da saída da Seqüência Principal para cada massa estelar
(o qual requer a metalicidade média observada como ingrediente).
Capítulo 8 205

Assim, o diagrama HR construído pode ser comparado com as obser-


vações e quando determinada a massa limite entre as estrelas que
estão e as que já saíram da Seqüência Principal, podemos calcular
a idade do conjunto (associação ou aglomerado). Um exemplo para
um aglomerado bem estudado é mostrado mais abaixo.
Retornando então à questão da diferença, existe evidência
que mostra que o valor do quociente chamado idade dinâmica
separa as associações dos aglomerados. Se , não
houve tempo para o sistema interagir e se equilibrar, e temos uma
associação. Se , por outro lado, o sistema é velho o suficiente
quanto para estar em equilíbrio e bem misturado, e ainda ligado pela
gravitação, caso dos aglomerados do próximo ponto.

Aglomerados abertos
Os aglomerados abertos são grupos muito importantes para
entender tanto a formação estelar quanto a própria formação da galá-
xia. Trata-se de “tijolos” básicos, muito comuns e com um número
de membros muito variável, desde até . Com o crité-
rio que explicamos no ponto anterior, um aglomerado aberto mos-
trará a idade dinâmica , e terá uma energia de ligação finita.
Suas idades reais são muito variáveis: existem aglomerados jovens
com idade e outros muito mais velhos, de
ou mais. De fato, nos mais jovens ainda é possível observar poeira
que envolve as estrelas membros, tal é o caso do Westerlund 1 da
Fig. 8.3.
Devemos notar que o primeiro astrônomo que observou e refle-
tiu a respeito dos aglomerados foi Galileu em 1609, como já vimos
no Capítulo 1. Galileu determinou umas 40 estrelas para o aglome-
rado de Praesepe, e um número maior para as Pléiades da Fig. 1.4 .
Temos assim uns 400 anos de estudo destes sistemas estelares.
206 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 8.3. O aglomerado jovem Westerlund 1 observado em ondas submilimétricas


pelo ALMA, no Chile. Algumas estrelas jovens de grande massa ainda podem ser
vistas no meio da poeira da sua região de formação.

Fig. 8.4. O aglomerado aberto M39 em Cygnus. Esquerda: uma imagem do


aglomerado obtida com a composição (mosaico) de 33 campos pelo observatório
KittPeak (Arizona). Direita: o diagrama HR do aglomerado, mostrando que estrelas
membros com já saíram da Seqüência Principal rumo ao Ramo das
Gigantes, e algumas já foram, voltaram e atingiram o Ramo Horizontal. Comparando
com a seqüência de modelos, é possível determinar a massa correspondente ao
topo da Seqüência Principal observada e com isto determinar a idade (supondo
que todas nasceram ao mesmo tempo), o resultado é de uns para M39.
Capítulo 8 207

Aglomerados globulares
Os aglomerados globulares são sistemas de aspecto espetacu-
lar, dos quais mais de 150 são conhecidos na Via Láctea. O estudo
do diagrama HR das estrelas membros dos aglomerados globulares
revela que, geralmente falando, são conjuntos muito velhos, com
, e mais propriamente associados com a formação
das galáxias. O mais antigo aglomerado datado tem uma idade de
e serve como limite inferior absoluto à idade do
Universo, que não pode ser mais jovem que ele. O número de aglo-
merados globulares para cada galáxia, porém, parece ser bem vari-
ável: a galáxia próxima M87 possui uns 13 000 aglomerados, ~100
vezes mais que a Via Láctea, sem que ninguém seja capaz de dizer
muito bem o por quê e como.
Além desta idade “avançada”, os aglomerados globulares (des-
cobertos em 1665 pelo alemão A. Ihle, mas confirmados somente
em 1764 por C. Messier pela observação de estrelas individuais den-
tro de M4) apresentam uma distribuição espacial bem diferente dos
aglomerados abertos e associações, estes claramente vinculadas ao
disco galáctico: os aglomerados globulares estão espalhados pelo
halo da galáxia, em distâncias de vários kpc, sendo uma das suas
componentes principais. O astrônomo H. Shapley foi o primeiro que
percebeu que a amostra dos aglomerados disponível nos começos
do século XX estava assim distribuída, e que isso apontava para um
centro da galáxia a uns do Sol. Os aglomerados globulares
“desentronizaram” o Sol do centro da Via Láctea para colocá-lo na
atual posição, em um dos braços espirais (Fig.8.5).
208 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 8.5. A distribuição espacial dos aglomerados globulares achada por Shapley
(Lépine, 2008). O centro desta distribuição não coincide com a posição do Sol
(em amarelo), mas está na posição da cruz vermelha. Shapley utilizou as estrelas
variáveis RR Lyrae para calcular as distâncias e não levou em conta a extinção da
luz pela poeira, o qual provocou um erro de um fator ~2 na distância aceita hoje.

Já vimos que os aglomerados globulares galácticos contém um


número grande (e bastante inesperado) de remanescentes compactos,
produto da evolução já completada das estrelas membros (Fig.6.24).
É esperado que os objetos compactos mais massivos migrem para
o centro, e que alguns buracos negros de existam em
eles. Além de serem “intercambiados” pelas galáxias em interação,
os aglomerados globulares mostram sinais de não serem de uma
população única (embora a maior parte de seus membros pertença
à chamada População II, velha e pobre em metais), mas antes estão
constituídos de várias populações estelares diversas, o qual reflete a
história evolutiva destes objetos muito velhos. A formação, história
e retorno ao equilíbrio dos aglomerados depois de colisões e outros
eventos são objeto de pesquisas correntes.
Capítulo 8 209

Fig. 8.6. O aglomerado globular jovem NGC 1866 na Nuvem Maior de Magalhães
com > 100 000 estrelas de várias idades (populações) na faixa óptica.

O mais importante
Quase todas as estrelas existentes residem em sistemas
estelares, que compreendem tanto sistemas múltiplos quanto
associações e aglomerados. Cada um destes sistemas contém
informação de grande valor a respeito da Evolução Estelar,
impressa nos seus membros, e até da formação da galáxia inteira,
como no caso dos aglomerados globulares.
CAPÍTULO 9

Estrelas variáveis

Variáveis na história da Astronomia

N
o Capítulo 7 observamos que os sistemas múltiplos são pos-
sivelmente mais numerosos que as estrelas isoladas. A detec-
ção de sistemas binários (os mais comuns entre os múltiplos) é
muito antiga, mas W. Herschel foi o primeiro que assim os denomi-
nou em 1802. Pelo histórico de observação com pequenos telescó-
pios, fala-se de binárias visuais para a classe de estrelas próximas,
ligadas pela gravitação, onde podemos detectar variações atribuídas
à essa órbita. Mas conforme avançaram os estudos astronômicos,
ficou possível determinar a natureza binária de algumas estrelas, até
mesmo sem detectar a companheira. Para isso, foi suficiente obter
espectros de boa resolução da estrela e identificar deslocamentos
periódicos da posição de alguma linha, revelando assim a presença
de outro membro no sistema. Estes sistemas binários se denominam
espectroscópicos, e muitas vezes as companheiras são detectadas
diretamente depois de uma busca dedicada.
A origem física deste “bamboleio” periódico das linhas deve-
-se aque uma fonte em movimento com velocidade emite luz que
resulta mais vermelha do que aquela emitida em repouso ( positiva,
fonte afastando-se), ou mais azul ( negativa, fonte aproximando-se):
é o chamado efeito Doppler, estudado pelo físico austríaco Christian
Doppler (1803-1853). O deslocamento das linhas resulta, no
limite de baixas velocidades , simplesmente proporcional ao
quociente , ou . Esse deslocamento no comprimento de
onda é, na maior parte dos casos reais, bastante notório e fácil de
medir. Assim, aplicado às binárias,uma companheira “escura” em
212 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

órbita produz para o espectro um deslocamento observável pelo


próprio efeito da órbita, que acontece quando a estrela que produz
o espectro “vai” e “volta” (não há nenhum deslocamento quando
ela se movimenta perpendicularmente à linha da visada). Portanto,
podemos detectar uma companheira binária sem que precisemos
vê-la diretamente (Fig.9.1, Ostlie e Carroll, 2006). É claro que, às
vezes, a segunda estrela também é visível, e podemos ter conjuntos
de linhas indo e vindo em direções contrárias, originadas em ambas
as estrelas. Esta técnica, aprimorada para medir deslocamentos
muito pequenos, permite estudar também a presença de planetas
em torno a estrelas-alvo (vide Apêndice 4). Estes casos ilustram a
enorme utilidade dos espectros em geral.
Um caso particular do anterior acontece quando o plano da
órbita (que segue as Leis de Kepler da mesma forma que os planetas)
da binária é visto quase “de perfil” desde a Terra. As estrelas passam
assim na frente da linha de visada, e não é incomum que uma delas
eclipse à outra, chamadas assim binárias eclipsantes. Como uma
boa fração das estrelas é parte de um sistema binário (ou múltiplo),
os eclipses são relativamente comuns.

Fig. 9.1. Uma binária espectroscópica. Supondo que o espectro obtido (à esquerda)
corresponde à estrela menor (marrom), a variação temporal periódica observada
devida ao efeito Doppler revela o movimento em torno da estrela maior (amarela),
a qual pode ou não ser diretamente observada (por exemplo, poderia ser um buraco
negro).
Capítulo 9 213

Classificação geral das estrelas variáveis


De forma mais genérica, podemos dividir as estrelas variáveis
em extrínsecas e intrínsecas (https://www.assa.org.au/resources/
variable-stars/classifying-variable-stars/). Na primeira classe, além
das eclipsantes já mencionadas, temos a variabilidade devida à rota-
ção (por exemplo, estrelas que possuem “manchas” quentes que
aparecem e somem com o período da rotação). A classe das intrín-
secas é muito mais ampla e interessante: as variações se devem a
eventos ou processos físicos mais complexos que as órbitas/rotação,
e que precisam ser examinados caso a caso. Um listado de variáveis
intrínsecas pode ser visto na Fig. 9.2.

Fig.9.2. As duas classes de variáveis intrínsecas: pulsantes e eruptivas. O texto


descreve os ingredientes físicos desta variabilidade para cada tipo listado.

Variáveis pulsantes
A classe de variáveis pulsantes apresenta variações periódicas
no seu brilho, produzidas por mecanismo(s) que provocam a pulsa-
ção estelar. As pulsações são um fenômeno da fotosfera, superficial,
e não envolvem necessariamente todo o interior da estrela. Um dos
mecanismos de pulsação proposto por Eddington opera nas chama-
das Cefeidas e outras variáveis, mas ainda existem lacunas impor-
tantes na Física da pulsação para alguns tipos. Aprofundaremos a
variabilidade da classe das Cefeidas e outras associadas mais adiante.
214 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 9.3. Posição de algumas variáveis conhecidas no diagrama HR. A chamadafaixa


de instabilidade (entre as linhas tracejadas) onde se encontram as Cefeidas, as
W Virginis e as RR Lyra se mostra na parte superior, devidas ao mecanismo de
Eddington. À direita no Ramo das Gigantes existem instabilidades que produzem
as variáveis Mira e as semirregulares (possivelmente ligadas a variações de
temperatura que induzem as variações da luminosidade). Mas perto da posição do
Sol também existem variáveis, assim como em outras regiões do diagrama não são
mostradas na figura, e que dependem de uma Física diferente (Horvath, 2011).

Estudos extensivos das variáveis permitiram não só descobrir


um número significativo delas (por exemplo, mais de 6000 Cefeidas
são conhecidas na Nuvem Maior de Magalhães), mas também ver
onde estão localizadas no diagrama HR, e identificar faixas de ins-
tabilidade onde estas pulsações acontecem (Fig. 9.3). O mecanismo
de Eddington, responsável pela variabilidade, postula que existem
próximas da fotosfera zonas com ionização parcial, que permite a
seguinte seqüência temporal: na fase de expansão do envelope o
gás esfria, diminuindo o grau de ionização. Assim, a transparên-
cia aumenta (isto somente acontece se há ionização parcial, se a
ionização é total é ao contrário, porque parte da energia é utilizada
para ionizar o gás), facilitando o escoamento da radiação. Com o
escape de energia, o envelope se contrai de novo, esquentando o
Capítulo 9 215

gás e aumentando o grau de ionização. Isto faz com que os fótons


fiquem retidos, esquentando o gás ainda mais, e provocando um
novo ciclo de expansão. A magnitude da estrela reflete esta seqüên-
cia temporal, e resulta em uma curva de luz como a da Fig. 9.4.
Esta instabilidade pulsacional é experimentada por estrelas super-
gigantes de , ou seja as Cefeidas são um estágio de
estrelas massivas a caminho da região vermelha ou retornando dela,
o caso do progenitor da SN1987A (Fig.5.6) deve ter passado pelo
estágio de Cefeida.

Fig. 9.4. Esquerda: um esquema da expansão-contração levando à variação de


várias magnitudes em uma Cefeida. Direita: três Cefeidas clássicas descobertas
por Matsunaga et al. (2011) no bojo da nossa galáxia, marcadas com círculos e
individualizadas nas imagens pequenas.
216 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

As Cefeidas figuram historicamente entre as variáveis mais


importantes da Astronomia. Foram identificadas pela primeira vez
em 1784 pelo trabalho de E. Pigott e J. Goodricke, mas somente nos
começos do século 20 foi possível determinar a relação existente
entre período e luminosidade (Leavitt e Pickering, 1912). Desta
forma, medir o período e a magnitude aparente permite calcular
a distância (Capítulo 2). As Cefeidas podem assim ser utilizadas
como indicadores de distância. E. Hubble em 1929 detectou uma
Cefeida em Andrômeda e calculou a distância até ela, a qual embora
errada em um fator ~2 (a “Cefeida” de Hubble era na verdade uma W
Virginis, vide Fig. 9.5), mostrou que Andrômeda não pertencia à Via
Láctea, e que a denominação “nebulosa” incluía na verdade galáxias
inteiras que estavam distantes, além de nebulosas “verdadeiras” de
gás, pertencentes à nossa galáxia.
As chamadas Cefeidas Tipo II (RR Lyrae, BL Herculis e W
Virginis) compartilham o mecanismo de Eddington, mas sua estru-
tura é diferente, o qual resulta em outra relação período-lumino-
sidade. Por exemplo, acredita-se que as W Virginis são estrelas de
massa com que fusionam hélio em uma
concha concêntrica ao núcleo de carbono (ou seja, não são massivas
como as Cefeidas). As RR Lyrae também são “leves” e estão no Ramo
Horizontal (ou seja, fusionando hélio no centro), com luminosida-
des ainda menores.
Capítulo 9 217

Fig. 9.5. Esquerda: a relação de Leavitt-Pickering (1912) o eixo vertical é a magnitude


aparente e o horizontal o logaritmo do período (em dias), a amostra de Cefeidas
pertence inteiramente à Nuvem Menor de Magalhães. Direita: um diagrama período-
magnitude completo que contém as Cefeidas “clássicas” (chamadas de Tipo I) e
outras variáveis similares à Cefeidas (RR Lyrae, BL Herculis e W Virginis, todas elas
denominadas com o nome das primeiras do tipo descobertas). Além das “duas”
seqüências nas Cefeidas clássicas (devidas a dois modos diferentes de pulsação),
nas primeiras décadas do século 20 as W Virginis também foram identificadas como
“Cefeidas”, fato que levou a uma relação pior determinada, e com ela a uma
determinação errada da constante de Hubble. Pior houvesse sido se as “Cefeidas
anômalas” (cruzes verdes) tivessem sido descobertas, já que iam aumentar ainda
mais a confusão.

Além das variáveis semi-regulares (por exemplo, Betelgeuse em


Orion), as variáveis tipo Mira, com períodos entre 80 dias e vários
218 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

anos, são muito interessantes porque estão localizadas na região das


AGB do diagrama HR, ou seja, são estrelas do tipo do Sol em estágio
terminal. Assim, as Miras estão sofrendo as pulsações que levarão à
expulsão do envelope e à formação de uma nebulosa planetária com
o tempo. A estrela que deu nome à classe, a Mira original apresenta
3,5 magnitudes de amplitude (o seu raio vai até uns no
máximo do brilho), e esta ejeção de matéria do envelope aparece
claramente visível nas imagens do UV.

Variáveis eruptivas
Podemos agora passar para a classe das variáveis eruptivas. Pela
sua importância para a Evolução Estelar e a Cosmologia, as superno-
vas ocuparam todo o Capítulo e não precisamos nos referir a elas de
novo. O tipo seguinte, as novas, são na hierarquia histórica as mais
importantes, e como vimos no Capítulo não foi até Baade e Zwicky
reconhecerem que alguma “novas” tinham energias gigantescas que
a classe de “super-novas” foi criada. Porém, fisicamente trata-se
de coisas completamente diferentes. Uma nova é essencialmente
um surto/erupção produzido na superfície de uma anã branca que
acreta matéria de uma companheira. As novas chamadas clássicas
são deste tipo, enquanto existem as novas recorrentes com interva-
los muito variáveis, às vezes de décadas. Isto é associado ao tempo
que precisa o hidrogênio para se acumular na superfície e fusionar
pela compressão e a alta temperatura, que depende das condições de
acresção. Finalmente as novas anãs, de luminosidade muito menor,
estão associadas a mudanças (instabilidades) no disco que fornece o
hidrogênio. Todas as três classes envolvem anãs brancas, nenhuma
destrói a anã branca e são conhecidas pelo nome genérico de variá-
veis cataclísmicas, o nome mais utilizado hoje para todas as novas.
As variáveis simbióticas, por sua vez, também envolvem uma
anã branca mas o estado do sistema é diferente: a companheira está
muito próxima e transferindo massa de tal maneira que quando
acontece a ignição do hidrogênio o surto precisa se abrir caminho
pelo gás em queda. Os eventos são assim muito lentos, e demoram
Capítulo 9 219

muitos anos até o brilho do sistema voltar ao anterior. Finalmente


as enigmáticas variáveis tipo R Corona Borealis parecem ser estre-
las com composição de hélio, e encontram-se no estágio de
supergigante, embora sua massa estimada é . Não é claro
como se formam, uma ideia é que são produto da fusão de duas anãs
brancas e a outra que um “flash” final ejeta todo o envelope na fase
AGB de uma estrela única. O comportamento do brilho é de longo
prazo e seria importante completar a busca de parentes para enten-
der mais a seu respeito (Chinarova, 2006).

O mais importante
As estrelas variáveis são um excelente laboratório para
estudar Evolução Estelar, já que todas elas pertencem a estágios
avançados, e boa parte destas interage com uma companheira
«normal» (isto é, gasosa) na classe das variáveis intrínsecas. As
variáveis devidas aos eclipses e a rotação (extrínsecas) foram
historicamente notadas e estudadas, embora algumas variáveis
eruptivas (por exemplo, as supernovas) as precedem. O meca-
nismo pulsacional das Cefeidas, W Virginis e outras é o chamado
mecanismo de Eddington, e envolve somente a fotosfera este-
lar. Existem nesta área muitos “cabos soltos” ainda a respeito de
outros objetos variáveis.
CAPÍTULO 10

As estrelas e a Tabela Periódica: núcleos no Cosmos

As estrelas e a Tabela Periódica

E
stamos finalmente em condições de discutirmos um assunto
de grande importância, mas que rara vez é abordado no ensino
nos colégios, ou até mesmo no ensino superior. É a questão da
origem dos elementos químicos da Tabela Periódica. Nas aulas de
Química a existência de todos os elementos é dada como conhecida,
sem jamais levantar a questão da sua origem, como se isso fosse
automaticamente executado na Natureza e nem precisássemos saber
como. Mas como já vimos que as estrelas são grandes “fornos” que
produzem elementos mais pesados a partir dos mais leves, temos
agora elementos para esboçar uma resposta geral.
A formulação do Big Bang, e sua consistência com as observa-
ções no que diz aos elementos “primordiais” deslocou a questão dos
elementos químicos para o estudo das estrelas: quando o Universo
ficou frio o suficiente quanto para que os prótons e nêutrons pri-
mordiais formassem núcleos, esta “montagem” (fusão) de núcleos a
partir dos núcleons isolados aconteceu enquanto a expansão o per-
mitiu. Rapidamente a densidade de prótons e nêutrons ficou baixa o
suficiente quanto para interromper a nucleossíntese primordial (Fig.
10.1), ajudada por um fato importante: a inexistência de núcleos
estáveis com A = 5 e A = 8. Quando a nucleossíntese encontrou
estes “gargalos”, a seqüência de fusões ficaram truncadas com uma
produção muito pequena de (da ordem de do hidrogê-
nio, no primeiro gargalo) e praticamente zero de (segundo gar-
galo). Quase toda a nucleossíntese primordial é hidrogênio e hélio,
e nada além do lítio, porque a expansão o impediu (note-se que se
222 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

a expansão houvesse acontecido muitíssimo mais lentamente, todo


o Universo seria hoje ferro e não estaríamos aqui para discutir ciên-
cia..., Horvath et al. 2006).
A discussão da Evolução Estelar dos Capítulos precedentes
tocou várias vezes na questão das reações nucleares e seu papel na
estrutura estelar. Nestes processos, encontramos produtos de fusão
variados, indo em A até o “pico do ferro”. Em outras palavras, toda
a Tabela Periódica entre o lítio e o ferro decorre “naturalmente” da
Evolução Estelar. Vamos ver agora como e que esses elementos prin-
cipais da fusão dão origem a toda a variedade existente, e acima de
todo como são produzidos os elementos além do , que permane-
cem sem explicação.

Fig. 10.1. Um esquema muito básico da nucleossíntese do Big Bang. As fusões vão
acontecendo enquanto o Universo se expande rapidamente e dilui a densidade de
prótons e nêutrons. O “gargalo” em A = 5, onde não há núcleo estável, dificulta
muito a produção de lítio, já que para esse momento a diluição é importante. O
pouquíssimo lítio produzido não consegue “pular” para o berílio pela mesma
razão, e como resultado, somente elementos com A < 8 resultam deste processo
primordial. Este será o material disponível para as primeiras gerações de estrelas, a
serem formadas muitos bilhões de anos depois (Horvath et al., 2006).

Convém primeiro dar uma olhada detalhada no que temos


que explicar. A Fig. 10.2 mostra a chamada Tabela Periódica do
Astrônomo. Em esta Tabela, ao contrário da Tabela Periódica da
Química, há informação a respeito das abundâncias (frações) de cada
elemento no Universo. Embora há processos que “quebram” núcleos
em outros, podemos pensar que o tamanho dos quadradinhos reflete
Capítulo 10 223

a produção do elemento na Natureza, especificamente nas estrelas


para A > 8.

Fig. 10.2. A Tabela Periódica do Astrônomo (devida a B. Mc Call). O tamanho dos


quadradinhos é proporcional à abundância do elemento no ISM. Elementos “muito
abundantes” e essenciais para a vida são ordens de grandeza menos abundantes
que o hidrogênio e hélio, mais de 99% em massa no Universo.

Vemos na Fig. 10.2 que a maior parte dos elementos com abun-
dância significativa no Universo têm A < 56, o qual reflete o fato
que são produzidos copiosamente nas estrelas. Uma outra forma de
enxergar esta questão dos elementos mais abundantes está na Fig.
10.3, onde é mostrada a abundância de todos os elementos da Tabela
Periódica que encontramos na vizinhança solar. Embora muito
pouco abundantes, todos os elementos com A > 56 devem ainda
ser explicados, já que a nucleossíntese estelar discutida não avança
além do ferro.
224 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 10.3. Abundâncias solares medidas em relação ao . Note-se que há 12


ordens de grandeza de diferença entre o hidrogênio e o urânio na escala logarítmica
(Clayton, 1984).

Comecemos por passar revista ao que já sabíamos que as estrelas


produzem ao longo da sua evolução. Embora nos referimos habitu-
almente aos produtos principais (por exemplo, o “triplo- ” produz
carbono) existem em cada ciclo processos menos importantes que
levam ao aparecimento de elementos importantes, até para a vida
(por exemplo, o nitrogênio). Esta contagem está na Tabela 4.2 na
coluna “produtos secundários”, os quais explicam basicamente as
abundâncias para A < 56 se somarmos as quantidades para cada
massa estelar e levarmos em conta a função de massas IMF, além
do fim das estrelas que ejeta os envelopes e permite que os elemen-
tos voltam ao ISM. Em resumo, a Evolução Estelar permite explicar
os elementos aquém do ferro: eles são formados no interior estelar
e expulsos quando as estrelas morrem, nas fases de AGB ou pelas
explosões de supernovas tipo Ib, Ic e II.

Além do pico de ferro


A partir de esses elementos gerados pelos ciclos nucleares, o
avanço para A > 56 é possível pela captura de nêutrons livres no
interior, a qual é relativamente fácil porque os nêutrons não sentem
Capítulo 10 225

a barreira Coulombiana. Estas capturas podem ainda acontecer


de duas formas diferentes: lentamente, com tempo de captura de
correspondente às densidades baixas e temperatu-
ras do interior estelar evoluído. A reação de captura de um nêutron
pode ser escrita como

(8.1)

se o núcleo “filho” é instável, decairá antes de capturar


um segundo próton, produzindo . E se resulta está-
vel, servirá como base para capturar um outro nêutron, chegando
a . O mais importante é que o decaimento é muito mais
rápido que tempo entre capturas se a densidade é baixa. Os
núcleos “filhos” vão ficando cada vez mais pesados, e pela lenti-
dão este processo leva o nome de s (slow-lento). Com o processo
s o caminho dos núcleos se detém nos pontos de camada fechada
em nêutrons. O processo s opera por tempos muito longos nos inte-
riores estelares, e um dos sítios onde é muito favorável processar
núcleos desta forma é o envelope de estrelas no AGB, onde os flashes
sucessivos da concha de hélio processam e reprocessam os núcleos,
dando origem a uma distribuição de tempos de exposição que
melhora o acordo com as observações. O processo s produz alguns
nuclídeos com exclusividade (por exemplo, o , somente pro-
duzido pelo processo s). Outros muitos podem ser produzidos tanto
pelo processo s ou, como veremos a seguir, quanto pelo processo r.
Assim, as medidas de abundâncias estelares costumam focar uns
e outros para separar a importância relativa de cada contribuição.
Isto é particularmente verdadeiro nos “picos” de nêutrons ,
e , este último chamado de “terceiro pico” e que
apresenta dificuldades para sua geração e para explicar o urânio, e
os transurânicos.
Existe, porém, um modo rápido de captura, mas que só pode
acontecer nas condições mais extremas. Quando a abundância de
nêutrons é gigantesca , tal como acontece durante
as explosões de SN, a captura de nêutrons demora ~1 ms, e um
226 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

isótopo recém formado está em condições de capturar


outro nêutron para chegar a antes de conseguir decair.
Podemos dizer que os núcleos se “engasgam” de nêutrons porque
as capturas sucessivas são muito rápidas, daí o nome de processo
r (rápido). Tanto o processo s quanto o r podem produzir núcleos
muito pesados, mas não necessariamente os mesmos. Os máximos
calculados para cada um dos processos, correspondentes às cama-
das fechadas mencionadas (análogas à camadas fechadas dos elé-
trons na Química, mas referidas aos núcleons dentro dos núcleos)
estão na Fig. 10.4 (Horvath, 2011).

Fig. 10.4. Máximos das abundâncias produzidos pelo processo s (vermelho) e r


(azul). Como apontamos, estes máximos não coincidem. Elementos próximos
devem sua existência a processos diferentes, que acontecem em locais diferentes.
Por exemplo, o é de produção exclusiva do processo s, mas o irídio 77
têm isótopos somente produzidos pelo processo r. Outros elementos podem ser
produzidos nos dois processos.

Para esclarecer um pouco mais como acontecem o processo s e


o processo r. Mostramos na Fig. 10.5 um detalhe dos caminhos na
Tabela de isótopos para os dois casos, e os caminhos seguidos na
Tabela de Isótopos.
Capítulo 10 227

Fig. 10.5. Esquerda: as capturas de nêutrons em ambientes de baixa densidade


(linhas horizontais de esquerda a direita) são seguidas de decaimentos (linhas
diagonais ascendentes) e fazem crescer o A em escalas de tempo muito longas
(processo s, caminho zig-zag). As capturas sucessivas sem decaimentos aumentam
o N levando os núcleos bem para a direita no processo r, fora do vale de estabilidade
até lugares como os indicados, enquanto alguns decaem depois (flechas ascendentes
da direita para a esquerda). Direita: o caminho do processo s (flecha vermelha) e do
processo r ( em vermelho, fora do vale da estabilidade)
228 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Restam agora duas questões de importância: a primeira é onde


existem as condições para formar núcleos pelo processo s e pelo
processo r. A segunda é, até que ponto, se produzidos, esses núcleos
voltam ao ISM.
Já apontamos que os envelopes das estrelas no AGB são um sítio
importante para os elementos do processo s. Isto decorre dos pulsos
nos envelopes que reprocessam núcleos mais leves, e podem atingir
até o “terceiro pico” da Fig. 10.4. No que respeita ao processo r, por
mais de 40 anos houve esforços para calcular os resultados nas explo-
sões de supernovas Ib, Ic e II, na fase após a explosão. A polêmica
continua em boa medida, mas um evento importante em Astrofísica
mudou completamente o jogo: no dia 17 de Agosto de 2017 o obser-
vatório LIGO detectou um pulso de ondas gravitacionais produzido
pela fusão de duas estrelas de nêutrons (Kasen, 2018). Observações
por uns 70 instrumentos avisados detectaram o evento e puderam
constatar que no de material ejetado há sinais da síntese de
lantanídeos e actinídeos, por exemplo, umas de platino e
nuclídeos do “terceiro pico”. Assim, fica claro agora que se as super-
novas de colapso não conseguem produzir elementos r muito pesa-
dos, as fusões de estrelas de nêutrons sim o fazem, embora tenham
uma taxa de ocorrência baixa é suficiente para fornecer
abundâncias pequenas de ouro, platino e outros.

Fig. 10.6 A Tabela Periódica com a indicação dos eventos que contribuem para a
abundância de cada elemento conforme determinado em 2019 (Johnson, 2019).
Capítulo 10 229

A estes dois processos devemos acrescentar as contribuições da


chamada nucleossíntese explosiva, onde a passagem de um choque
esquenta os núcleos e provoca reações de fusão, com produção prin-
cipal de elementos do grupo do ferro; e as supernovas termonucle-
ares, com contribuição de elementos desde o silício até o zircônio
principalmente. Na Fig. 8.6 mostramos uma Tabela Periódica onde
as origens de cada elemento, às vezes de mais de um evento/pro-
cesso aparecem explicitamente.
Por último, não serviria de nada formar elementos sem que
estes consigam retornar ao ISM. A Fig. 10.7 repete o que sabemos da
Evolução de estrelas em relação a este assunto. Os ventos no estágio
AGB são os responsáveis do retorno na chamada “massas interme-
diárias”, enquanto as supernovas de colapso retornam o material
das massas que na Seqüência Principal tinham . As fusões
de estrelas de nêutrons são um evento muito peculiar, que conse-
gue reinjetar material que estava «soterrado» formando núcleos pelo
processo r. Vemos como esse material processado enriquece o ISM
que, por sua vez, forma estrelas novas, desta vez com mais “metais”
que as anteriores, no ciclo mais fundamental da Evolução Estelar.

Fig. 10.7. O ciclo do gás no ISM, enriquecido pelas contribuições de estrelas que
retornam boa parte do que um dia esteve no interior para as nuvens de gás (Capítulo
7), para todo recomeçar (Horvath, 2008).
230 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

O mais importante
As estrelas são as únicas responsáveis pela existência dos
elementos da Tabela Periódica com A > 8. Os elementos até o
ferro (A = 56) são produzidos pelos ciclos nucleares conhecidos.
Todo o que há depois disso se produz pela captura de nêutrons
acima de núcleos «sementes” mais leves. Existem dois processos
principais, o s (lento) e o r (rápido), os dois capturam nêutrons,
mas enquanto o primeiro deixa tempo para o núcleo “filho”
decair se for o caso, no segundo várias capturas sucessivas deslo-
cam o núcleo para a direita do vale da estabilidade, e posteriores
decaimentos povoam o Universo com nuclídeos difíceis de pro-
duzir de outra forma. A fusão de estrelas de nêutrons resulta ser
um local chave para os elementos mais pesados, como o chumbo
e o ouro. As supernovas de colapso são o outro local importante
para a síntese dos elementos pelo processo r. O processo s, no
entanto, opera tanto no estágio de AGB quanto nas explosões
termonucleares. Os núcleos assim produzidos retornam quase
sempre ao ISM, onde novas estrelas os incorporarão quando a
formação estelar opere de novo.
CAPÍTULO 11

As estrelas na Educação

O estado-da-arte do Ensino das estrelas e o conhecimento prévio

D
epois de expor nos Capítulos anteriores os fundamentos e
conceitos que integram a Astrofísica Estelar, é bastante claro
que, embora embasada em conhecimento do Mundo Antigo e
trabalho profícuo de cientistas de vários séculos posteriores, esta-
mos lidando com uma disciplina “filha” legítima da Física do
século 20. Com efeito, um exame elementar dos conteúdos desses
Capítulos mostrará a impossibilidade de descrever e entender a
Estrutura e Evolução Estelar sem a Mecânica Quântica, a Mecânica
Estatística, a Relatividade, a Física Nuclear e as disciplinas “deca-
nas” que as precedem, a Mecânica de Fluidos, a Termodinâmica e o
Eletromagnetismo. Desta forma, a discussão das estrelas está afetada
dos mesmos problemas que estas últimas enquanto a seu papel na
Educação atual: há um século de atraso inexplicável nos conteúdos
da Física que não conseguimos superar. Continuamos denominando
“Física Moderna” aos desenvolvimentos de Planck, Bohr, Einstein,
Boltzmann e outros. Como conseqüência, as estrelas, verdadeiras
“panelas” onde toda esta Física se mostra no seu esplendor, perma-
necem ausentes na Escola. Os (poucos) conteúdos de “Astronomia”
ministrados continuam sendo aqueles referidos essencialmente à
Astronomia “natural”, isto é, onde a constatação empírica dos senti-
dos permite colocá-la como “Ciência natural” (eclipses, movimento
da Lua, etc.).
Embora as estrelas ainda têm uma componente desta natureza
empírica, enquanto sistemas observáveis a olho nu (ou no máximo,
com binóculos), a Astrofísica Estelar representa um ponto de ruptura
232 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

epistemológica e metodológica com a Astronomia “natural”. Com


isto queremos dizer que grande parte do corpo de conhecimentos
que apresentamos, e em especial o esquema formal físico-matemá-
tico que fundamenta e explica as observações, advêm de um longo
e especializadíssimo trabalho dos cientistas (começado por Galileu)
que requereu o desenvolvimento de instrumentação cada vez mais
sofisticada, cada vez mais afastada dos estudantes e do público em
geral. Isto fica muito evidente quando examinado, por exemplo, o
conjunto de dados e conceitos desenvolvidos para os objetos com-
pactos no Capítulo 6. Afirmamos assim que há uma delegação de
competência do público para os cientistas, na direção contrária à
que almejava o próprio Galileu. Isto é absolutamente inevitável, mas
afasta cada vez mais a Astrofísica Estelar do dia-a-dia, convertendo-
-a em uma disciplina hermética. Este texto e outras tantas iniciativas
devem ser vistos como esforços para evitar uma desconexão ainda
maior, sem que isto represente em absoluto uma minimização das
dificuldades enormes na tarefa: o estado-da-arte em esta e outras
disciplinas contemporâneas avança muito rapidamente, mas a ten-
tativa vale a pena.
Se o leitor chegou a ler até aqui, compreenderá o por que da
ausência de uma abordagem “astronômica” ao assunto, que passaria
pela Astrometria, as constelações e outros temas: na visão do autor
todos estes tópicos, embora relevantes para um quadro geral, na ver-
dade desviam a atenção a ser dispensada à constituição, natureza e
vida das estrelas, e devem ser considerados em boa medida subsidi-
ários. Ensinar Astrofísica Estelar vai muito além de enunciar meros
fatos a respeito das estrelas, mostrar figuras mitológicas no céu e
coisa do gênero: consiste na verdade em identificar os elementos e
processos físicos que determinam a estrutura e a evolução desses
enormes reatores nucleares que permitem nossa existência. Todas
as abordagens “lúdicas” para isto sofrem do problema que param
na “casca” do assunto, enquanto o caminho apontado aqui é longo
e difícil, mas levará a um prêmio maiúsculo quando completado:
é aí quando o fascínio “lúdico” realmente acontece, na epifania do
aluno na compreensão de fatos e razões que se encaixam de forma
Capítulo 11 233

quase mágica e dão sentido a todo o conjunto. É isso que, na nossa


opinião, o professor precisa perseguir, evitando a tentação de tocar
os assuntos sem realmente dar respostas para a lógica profunda da
sua ocorrência.
Não é de estranhar que, dado este panorama, a existência de
material didático apropriado e análise educativa deste disciplina
seja muito escasso, tanto no Brasil quanto no exterior. Como refe-
rências relevantes direcionadas à escola, podemos citar o estudo de
Leite e Hosoume (2007), onde foram analisados os conhecimentos
dos professores de ciências, alguns relacionados com as estrelas, e
que constatou um quadro bastante preocupante na formação dos
mesmos. O trabalho de Iachel (2011), por sua vez, analisou o conhe-
cimento prévio dos alunos a respeito das estrelas, conferindo que
muitos fatos básicos (por exemplo, a existência de um tempo de vida
das estrelas) são quase totalmente ignorados. Ao que parece, coexis-
tem para estes temas ideias totalmente pré-científicas e equivocadas
junto com uma mistura explosiva de meias-verdades, e o pior de
todo é que esta situação parece continuar ainda depois da educa-
ção formal de muitos professores. Como subsídio para esta discus-
são, podemos apontar também o trabalho de Bandecchi (2018), que
começou por recolher as ideias dos alunos a respeito das estrelas
(vide também Iachel, 2011) aplicando um questionário simples que
aponta nesta direção (Tabela 11.1) .
234 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Tabela 11.1. O questionário inicial para localizar as concepções dos alunos

Questões Iniciais

1. Desenhe uma estrela real

2. Coloque um nome para ela

3. Do que é feita essa estrela?

4. Ela é quente ou fria?

5. Qual é a cor da estrela?

6. Quantos anos (qual idade) ela tem?

7. Qual o tamanho da estrela (comparado, por exemplo, ao tamanho da Terra)?

8. Ela emite alguma coisa que você conseguiria sentir, mesmo estando distante
dela?

9. Você pode observar essa estrela por muitos anos sem perceber qualquer
mudança. Como você acha que ela se mantém dessa forma?

10. Ela sempre foi assim, ou era diferente quando se formou?

11. Ela vai ficar assim para sempre? Se não, o que vai acontecer com ela depois?

A intenção desta série de perguntas é a de vasculhar o grau


de percepção dos estudantes antes de serem expostos a qualquer
aula, e inclui uma mistura de ideias a respeito da forma, composi-
ção, idade (finitude da vida da estrela), e mudanças esperadas. Uma
sugestão simples e substanciosa é a de aplicar o questionário antes
e depois do final de todas as aulas, e ainda (se possível) no ano
seguinte, desde que os alunos permaneçam disponíveis. Este último
acompanhamento quase nunca é feito, mas revelará até que ponto
os conceitos trabalhados foram efetivamente incorporados no longo
prazo, além da necessidade imediata para aprovação ou conjuntura
semelhante.
Capítulo 11 235

Observando e analisando um campo estelar


O trabalho a ser desenvolvido deve ter um pé na observação
empírica e outro no desenvolvimento das ideias e conceitos. Poucas
experiências são neste sentido mais ricas que colocar os alunos
para por as mãos na massa, aproveitando o enorme potencial da
Astronomia para desafiá-los. Para fixar as ideias básicas da fotome-
tria e por os alunos para trabalhar podemos propor uma atividade de
campo: pedimos aos alunos observar o céu e detectar a estrela mais
fraca que lhes seja possível enxergar. Isto é todo um desafio para eles
e constitui em si próprio um programa altamente interessante. Leve
a turma para um lugar bastante escuro e peça para eles localizarem
e desenharem as Três Marias ou o Cruzeiro do Sul e seu entorno no
papel. A seguir comparem-se as desenhos com as imagens dispo-
níveis na Internet (os alunos observarão logo que estão “de ponta
cabeça”) e aproveite para insistir na esfericidade da Terra, a qual
provoca essa “inversão” entre observadores no hemisfério Norte e
o Sul (Fig. 11.1). Seria impossível com qualquer modelo de “Terra
plana” esta diferença entre o hemisfério norte e o sul. De fato, as
fases da Lua também estão “invertidas” pela mesma razão.

Fig. 11.1. Os astrônomos no hemisfério Norte e Sul vem desde seus próprios
sistemas de referência as Três Marias e o resto do céu invertido (embora o Cruzeiro
do Sul não é mesmo visível no Norte). Note-se que somente uma Terra esférica
explica satisfatoriamente este fato.
236 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Depois disto, peça para localizarem a estrela mais fraca próxima


destas, no limite do que possam ver. Como o olho humano enxerga
ate magnitude +6 aproximadamente, a identificação deles deve
ser uma estrela entre magnitude ≥ +5. Supondo que esse valor um
pouco mais elevado é o atingido, peça para eles calcularem quanto
mais distante que o Sol ou que Alfa do Centauro está a estrela, que
supuseram idêntica pela hipótese de semelhança do Capítulo 2.
Usando a eq. (2.2), o resultado é +6 − (−0,27) = 6, 27, de tal forma
que, usando Alfa do Centauro como comparação, esta última parece
vezes mais brilhante. Agora, se aceitarmos 4,37 anos-
-luz como a distância até Alfa do Centauro, poderemos utilizar a eq.
(2.2) para calcular D até a estrela fraca, e definir uma esfera de raio
igual a esta distância que diz até onde poderemos observar estre-
las, enquanto as mais longínquas que este limite não serão visíveis
ao olho humano. Esta esfera terá um raio de uns 90 anos-luz (mais
tarde, ao questionar a hipótese de semelhança, que não é acurada,
poderemos trabalhar com as diferenças intrínsecas entre as estrelas,
mas por ora as coisas podem ficar assim). Já temos um excelente
ponto de partida para discutir as distâncias estelares, em particular
para entender por quê os astrônomos teimam em usar o ano-luz e o
parsec (= 3,26 anos-luz) para medir distâncias: estas são inimaginá-
veis para a escala humana e precisam de unidades adequadas. Para
completar a atividade, sugerimos escalonar o Sol do tamanho de
uma bolinha de gude, e pedir para colocar, em escala, uma segunda
bolinha de gude que represente Alfa do Centauro. Uma regra de
três simples (digamos, para um raio de a distância é de uns
500 km!). Lembrando que a estrela fraca é, por hipótese, da mesma
classe que o Sol, peça para imaginarem um lugar para os alunos
depositarem uma terceira bolinha de gude que represente outra
estrela conhecida, calculando sua distância ao “Sol” e escalonando
o resultado como antes. E lembre sempre que podem existir estrelas
ainda mais fracas, já que somente ficaram limitados pela capaci-
dade do olho. Peça para trazerem binóculos e observarem a mesma
estrela. Possivelmente “descobrirão” outras mais fracas ainda próxi-
mas dela, umas duas magnitudes maior pelo menos (+7 é um bom
Capítulo 11 237

chute...). Repita a operação e façam uma discussão a respeito. Terão


dado um grande e interessante passo para os alunos relacionarem
uma escala cósmica com seus equivalentes terrestres (bolinhas de
gude), os últimos bem conhecidos e apreendidos em termos da
escala humana (Horvath, 2013).

Um espectrógrafo útil e barato


O Capítulo 2 enfatizou o progresso para a Física e Astrofísica
Estelar da descoberta e posterior modelagem dos espectros estelares,
verdadeiras assinaturas digitais dos elementos nas atmosferas das
estrelas. Esta decomposição da luz é apresentada em muitos livros
didáticos, mas sua importância é grande e resulta interessante fazê-
-la o mais concreta possível para os alunos. A sorte é que possível
observar os espectros da luz construindo um espectrômetro com ele-
mentos simples e baratos, disponíveis em qualquer lugar (Horvath,
2008). Precisaremos simplesmente de um CD e um tubo ou caixa
de papelão. Como a dispersão da luz depende da distância entre a
entrada (fenda) e o dispersor, convém que o comprimento seja de
pelo menos 50 cm, um comprimento menor não separará as linhas
o suficiente. O CD deve ser inserido por meio de um corte lateral da
caixa ou tubo (Fig. 11.2) , formando um ângulo de 60 o com a base,
como indicado, e fixado com fita colante. Na cara que vai receber a
luz (por exemplo, uma capa de plástico do tubo), precisamos fazer
uma fenda F de menos de 0,5 mm (quanto menor, melhor, desde que
passe luz suficiente) na capa do tubo ou frente da caixa. A luz refle-
tida no CD será observada por um buraco maior na parte inferior do
tubo ou caixa. A ideia central é que quando apontarmos o espectrô-
metro para uma fonte luminosa, tal como o Sol ou uma lâmpada,
os sulcos do CD dispersarão a luz tal como o faz uma rede utilizada
pelos astrônomos profissionais, e permitirá enxergar várias linhas
interessantes .
238 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 11.2. Esquerda: a capa do tubo (em negro) com a fenda estreita, coberta com
fita para não deixar passar luz extra. O CD deve estar inserido com um ângulo de
60O com a horizontal, e uma pequena janela aberta para observar (em esta imagem
a janela de esta na parte inferior). Direita: a janela de observação, única
abertura sem vedação no aparelho.

Observando o Sol bastante acima do horizonte (cuidado com


não observar diretamente !) poderemos ver, além do arco-íris contí-
nuo várias das chamadas linhas de Franhöufer, por exemplo, a cha-
mada linha H a do hidrogênio na região vermelha (656 nm), Hβ do
hidrogênio na região azul (486 nm) e ferro na região do violeta (431
nm). Estas linhas são bandas escuras, o que indica absorção pelo
gás que retirou fótons, como explicado no texto do Capítulo 2. Com
o Sol observado bem baixo, perto da linha do horizonte, poderemos
ainda observar outras linhas e bandas produzidas pelo material da
atmosfera da Terra, já que neste caso a luz solar atravessa uma grande
massa de ar dela que absorve fótons. Por exemplo, na mesma região
do vermelho a molécula de oxigênio O2 introduz linhas (Fig. 11.3),
e existe uma banda de absorção (na verdade, uma série de linhas
muito juntas...) correspondente ao vapor da água, entre o amarelo e
o verde do espectro (não representada na Fig. 11.3).
Capítulo 11 239

Fig. 11.3. Esquema das linhas potencialmente observáveis do Sol e outras fontes,
como o dubleto do sódio visível no amarelo, obtido jogando sal de cozinha acima
de uma chama.

Outras fontes luminosas também podem ser observadas e estu-


dadas, por exemplo, uma lâmpada fluorescente, composta por mer-
cúrio, nos mostrará linhas muito brilhantes (emissão) na região
verde do espectro (546 nm) e o contínuo que queremos para nos
iluminar. Um laser de bolso é essencialmente monocromático, já
que seu espectro consiste numa estreita faixa de cor, correspondente
à cor que vemos emergir do aparelho. Finalmente, uma lâmpada
comum incandescente é um exemplo quase perfeito de corpo negro,
com espectro contínuo sem nenhuma linha, e máximo da emissão
na região amarela. Existem alguns textos de Física que tratam este
tema e sugerem a utilização do espectrógrafo, mas a ênfase não está
na Astronomia que tratamos aqui.

Orion e o diagrama HR
Ainda com a intenção de motivar os alunos com atividades con-
cretas mas ricas em conteúdo, com o auxílio de binóculos pode-
remos observar com certo detalhe grupos interessantes de estrelas,
por exemplo, o conjunto de Orion (o Caçador mitológico da Grécia,
Bretones 2003). Orion é uma dos poucas regiões onde uma boa parte
das estrelas encontram-se também fisicamente associadas, embora
outra fração significativa pertença ao conjunto (constelação) somente
pelo efeito da projeção. Num lugar escuro podem-se ver a olho nu
240 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

8 estrelas com magnitude visual , e obviamente a quanti-


dade visível aumenta em muito com o auxílio de um telescópio que
enxerga estrelas mais fracas (https://eldoradoastronomy.weebly.
com/.../orion_h-r_diagram.doc). Orion é um verdadeiro catálogo de
estrelas de vários tipos, incluídas variáveis e duplas, além de outros
objetos muito conhecidos pelos amadores e profissionais.
A primeira coisa é localizar corretamente Orion, visível no
Hemisfério Sul de Janeiro a Novembro, que aparece antes da meia-
-noite até o mês de Junho. Popularmente, uma parte de Orion (o cha-
mado cinturão) é conhecida no Sul como as Três Marias, facilmente
reconhecíveis no céu do verão. As “Três Marias” são conhecidas dos
astrônomos pelos seus nomes árabes Mintaka, Alnilam e Alnitak,
e são 3 estrelas gigantes azuis jovens de aproximadamente
cada.

Fig. 11.4. O campo inteiro da constelação de Orion, tal como visto desde o hemisfério
sul (a maior parte das imagens de sítios em português e espanhol está errada, de
ponta cabeça, porque corresponde aos observatórios do norte...). Várias das estrelas
principais e a Grande Nebulosa de Orion estão indicadas.

Duas outras estrelas muito brilhantes podem também ser


observadas em Orion, perto das Três Marias: a supergigante ver-
melha Betelgeuse, com massa de pelo menos e que varia
Capítulo 11 241

(semi-regular, Capítulo 9) de magnitude 0,4 até 1,4 por causa de


variações do raio (o raio oscila entre dois valores de até ~800 vezes o
raio do Sol). A outra estrela interessante é a gigante azul Rigel, com
magnitude medida de 0,08, o que a coloca entre as 6 mais brilhan-
tes do céu, com massa estimada de pelo menos . Finalmente,
a chamada Grande Nebulosa de Orion é visível na posição indi-
cada na figura e constitui um dos mais interessantes objetos visíveis
no céu de boa qualidade de observação com binóculos ou peque-
nos telescópios. Próxima dela e de Alnitak encontra-se a célebre
Nebulosa da Cabeça do Cavalo, um notável exemplo de poeira que
obscurece o gás brilhante de fundo e que resulta às vezes visível
com binóculos de boa qualidade.

Fig. 11.5. Área ampliada de Orion, mostrando a GNO (à direita) e a Nebulosa da


Cabeça de Cavalo, indicada com a flecha amarela.

Com o auxílio de dados publicamente disponíveis podemos


tentar uma atividade ainda mais ambiciosa: a de construir o dia-
grama HR para as estrelas de Orion pela nossa conta. A Tabela con-
tém toda a informação necessária para isto. Convém lembrar que,
242 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

embora a luminosidade é a variáveis mais comum no eixo vertical


do diagrama HR, a magnitude absoluta é igualmente válida. A
conversão de para passa por utilizar a distância estimada na
última coluna e a eq.(2.4) do Capítulo 2.

Tabela 11.1. Observações das estrelas em Orion


Nome de Distância
Nome histórico Classe espectral
catálogo (anos-luz)
βOri Rigel 0,12 -8,1 B8 I ~850
αOri Betelgeuse 0,5 -7,2 M2 I 650
γOri Bellatrix 1,64 -3,9 B2 III 300
εOri Alnilam 1,70 -7,0 B0 I 1300
ζOri Alnitak 2,05 -6,2 O9 I 800
χOri Saiph 2,06 -7,0 B0 I 724
δOri Mintaka 2,23 -5,8 O9 II 900
ιOri Nair al Saif 2,77 -5,6 O9 III 2300
π3 Ori Hassaleh 3,19 +3,9 F6 V 490
λOri Meissa 3,54 -5,8 O8 III 1000
Obs. em vários casos o que aparece como uma estrela única é um sistema múltiplo
próximo, por exemplo, Ori é uma estrela múltipla na região da GNO que forma um
quadrilátero conhecido como Trapezium com suas componentes mais brilhantes.
Não temos especificado aqui cada um destes casos.

A recomendação para a construção do diagrama HR de Orion é


a de utilizar para o eixo horizontal a típica da classe espectral
determinada para cada estrela, que consta na penúltima coluna (a
busca das temperaturas supõe uma busca simples para os alunos).
Finalmente, com o intuito de conectar a atividade com a Evolução
Estelar do Capítulo 4, sugerimos que respondam as perguntas
seguintes:
a) Qual é a estrela mais evoluída da amostra?
b) Qual viverá mais (e por quê)?
c) Qual viverá menos (e por quê)?
d) Como terminarão suas vidas?
Capítulo 11 243

Considerações finais
Temos percorrido a maior parte da discussão de conteúdos da
Astrofísica Estelar com a intenção de mostrar a visão contemporâ-
nea da disciplina, seus fundamentos, sucessos e rumos. Existe uma
enorme quantidade (na verdade, um excesso) de conteúdos para
serem eventualmente trabalhados na sala de aula. Porém, é prefe-
rível que cada professor encontre seu próprio caminho, já que o
espaço que pode ser dedicado a estes assuntos varia muito de escola
para escola, na ausência de qualquer obrigatoriedade nos progra-
mas de estudo. Nossa sugestão é tentar desfazer o vale-tudo pessoal
que cada aluno têm a respeito das estrelas (Fig. 11.6) e desenhar
uma seqüência didática própria, fortemente vinculada aos temas
de Física, Matemática, Geografia, História e outras disciplinas, para
inserir ao menos um mínimo que garanta uma visão mais acurada
das estrelas, e mais especificamente, do seu papel como sistemas-
-síntese do século 20 onde todo está em ação simultaneamente. Não
é nada fácil, mas creio com firmeza que no final terá valido a pena.
244 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 11.6. Uma visão artística das estrelas segundo o artista holandês M. Escher. A
Arte não tem compromisso com a realidade, pode voar livremente, e nisso radica sua
beleza. A Ciência não deixa de ser bela precisamente pela razão contrária: porque
lida com objetos reais e tenta descobrir e entender como eles funcionam. Os alunos
podem ter ideias tão estranhas quanto as da Figura, mas o conhecimento científico
da Astrofísica Estelar pode provocar uma revolução no seu entendimento, a tarefa
suprema pretendida pela Educação.
APÊNDICE 1

Reações nucleares: o cálculo da


taxa de geração de energia

S
endo que o hidrogênio é de longe o elemento mais abundante no
Cosmos, e o mais fácil de fusionar (a repulsão devida à carga é
a menor possível), veremos o quê acontece com o primeiro está-
gio imaginável, dois prótons individuais em colisão. Como feito na
Mecânica clássica, é conveniente descrever o problema das duas par-
tículas com um potencial Coulombiano repulsivo desde o referencial
de centro de massa, transformando o problema de dois corpos em
um problema de um corpo (efetivo) de massa reduzida
em um potencial central fixo (no caso de dois prótons se tem
, mas a expressão é válida para duas partículas quaisquer).
No nosso caso, no potencial Coulombiano, o efeito túnel mencio-
nado no Capítulo 3 faz com que esta probabilidade P não nula, da
partícula passar até a região atrativa do potencial, dependa das
cargas (é menor quanto mais carregadas sejam as partículas) e da
velocidade de aproximação , masos cálculos são complexos e fora
do escopo deste texto. Utilizando a maquinaria quântica o resultado
final é

(1)

onde são as cargas das partículas ( carga do próton +1 no


caso do hidrogênio), e é a velocidade relativa no sistema centro
de massa.
Como precisamos avaliar quantas fusões acontecem por uni-
dade de tempo para um conjunto gigantesco de prótons, podemos
definir uma área efetiva, ou seção de choque como o número de
reações por partícula/número de partículas incidentes por unidade
246 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

de área e por unidade de tempo, onde acontecem as reações de fusão


estudadas. Se consideramos as colisões completamente aleatórias, a
taxa de eventos de fusão será de

(2)

Quando as partículas “1” e as “2” são as mesmas (como no


caso dos dois prótons) obtemos um fator típico destes processos,
estudados pela teoria cinética elementar. Existe um número enorme
de colisões que acontecem entre partículas que estão distribuídas
segundo a função de Maxwell-Boltzmann do gás. Para levar
em conta todas devemos achar a quantidade de colisões que acon-
tece por intervalo de velocidade entre e e depois somar
(integrar) em todas as velocidades. Como a seção de choque tam-
bém pode depender da velocidade, a generalização procurada é algo
como (Clayton, 1984)

(3)

Onde a distribuição clássica é

(4)

e o reflete a isotropia desta distribuição de Maxwell-


Boltzmann nas velocidades (ou seja, há independência da direção
da colisão, já que só depende de ).
Precisamos então levar em conta a probabilidade de que a par-
tícula efetiva de massa consiga atravessar a barreira Coulombiana,
segundo descrito pela (1). Isto é simplesmente multiplicar o inte-
grando da eq.(3) pela probabilidade (2) antes da integral ser feita
(note-se que este fator do efeito túnel não está na (3)). Mas é mais
conveniente que seja a energia, e não a velocidade, a variável inde-
pendente. Para trocar esta variável, começamos por observar que a
seção de choque deve ter dimensões de área (por definição). Com
as quantidades relevantes ao domínio microfísico, a única possibi-
lidade é que seja do tipo , onde é o comprimento de
Apêndice 1 247

onda de Broglie do próton, o qual resulta para os prótons não


relativísticos. Separando em a exponencial (probabilidade de
efeito túnel) e o fator (que mede a extensão da área efetiva), é
costume introduzir o chamado fator astrofísico para “escon-
der” nele todo o que não coube nos dois primeiros fatores, mas com
a ideia que seja quase-constante com a energia. Assim, temos que

(5)

onde . Com a inserção do fator astrofísico


a taxa fica da forma

(6)

Vemos que taxa de reações resulta de um integrando que tem


dois fatores somados no argumento da exponencial, mas com com-
portamentos opostos: se a energia aumenta o fator exponencial
fica mais importante, e diz que o efeito túnel faz que seja mais fácil
“cair no poço”. Mas simultaneamente o número de partículas com
essas energias maiores decresce pela primeira exponencial .
Se considerada uma energia menor acontece o inverso: há muitas
partículas, mas atravessar a barreira é muito difícil pela supressão
devida à segunda exponencial. Existe assim um compromisso entre
estes dois fatores que diz que a taxa (6) somente será substancial-
mente diferente de zero perto de certa energia, onde nenhum dos
fatores é muito pequeno, e que otimiza o valor da integral. Para ener-
gias menores ou maiores desse valor a taxa é virtualmente zero pelo
raciocínio apontado. Este valor é chamado de pico de Gamow (Fig.
1). Quando avaliada esta energia “ótima” resulta muito maior que
aquela onde a maior parte das partículas reside . Sem entrar
nos complicados detalhes da integração, é importante é possível mos-
trar resultado sempre pode ser levado à forma ,
onde é a energia liberada por grama de material por unidade de
tempo. Esta é a forma que aparece nos livros de texto e que resulta
útil para entender o papel das reações de fusão nas estrelas (Ostlie e
248 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Carroll, 2006). Esta discussão pode ser rapidamente adaptada para


qualquer reação de fusão que comece com duas partículas, as quais
sempre podem ser escritas como . Assim, passando
revista a todo o processo do cálculo, o mais importante é ter claro o
valor final de , seu pré-fator e os expoentes e , deixando
o trabalho pesado para os físicos nucleares, mas compreendendo
melhor o que realmente há por trás desse valor final.

Fig. 1. A taxa de geração de energia r como função da energia. A distribuição cai


rapidamente porque na “cauda” quase não existem partículas, enquanto o fator de
túnel sobe rapidamente com a energia. O produto do integrando é mostrado com
linhas tracejadas, e denominado pico de Gamow.
Apêndice 2 249

APÊNDICE 2

KEPLER, GAIA e a procura de planetas

A
questão dos sistemas planetários em torno às estrelas traz poten-
cialmente enormes implicações (astro)biológicas. É consenso
geral que um planeta do tipo Terra em órbita nem muito pró-
xima nem muito distante de uma estrela pode ser o lugar ideal para
procurar vida, já que o único caso que conhecemos (nós próprios)
dependeu destas características, mais precisamente, da existência
de água líquida.
Desta forma a procura de exoplanetas cobrou força e hoje esta-
mos em uma situação muitíssimo mais avançada que em 1995, data
da primeira confirmação da presença do exoplaneta 51 Pegasi b (Fig.
1), em torno de uma estrela da Seqüência Principal (uns anos antes
A. Wolszczan e D. Frail tinham encontrado dois planetas em torno
do pulsar PSR 1257+12, mas dificilmente seriam candidatos a abri-
gar vida...). Esta técnica de detecção, chamada da velocidade radial,
já foi descrita no Capítulo 9. É evidente que a sensibilidade do espec-
trômetro limita a massa dos planetas capazes de serem descobertos,
quanto mais sensível, mais leve poderá ser a massa detectada por-
que produz velocidades de poucos . Houve assim um grande
interesse em melhorar os instrumentos para conseguir detectar pla-
netas tipo Terra desde grandes telescópios existentes e planejados.
250 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 1. Esquerda: a curva de luz da estrela 51 Pegasi mostrando a periodicidade


associada com a presença do planeta, analogamente à descrição das variáveis
espectroscópicas da Fig. 9.1 mas com uma massa bem menor referente a uma
velocidade de . Direita: visualização de algumas órbitas para sistemas que
contém planetas, colocando sua massa e o raio da órbita comparada com as do
Sistema Solar (parte superior).

Uma segunda técnica (fotométrica) que pode ser utilizada para


detectar planetas é o método do trânsito. A fração de sistemas pla-
netários que tenham órbitas nas quais o planeta eclipse a estrela
produzirá uma diminuição temporária do brilho desta enquanto o
trânsito durar. É claro que esta diminuição será menor quanto menor
Apêndice 2 251

for o planeta, e dependerá também do raio da órbita e da distância


até nós. O efeito típico (curva de luz) é mostrado na Fig. 2.

Fig. 2. O trânsito de um planeta produz uma descida temporária na magnitude da


estrela, a estimativa para distâncias de e planetas do tipo da Terra são algo
como . O fotômetro deve ser assim muito preciso para
detectar esses eventos.

Com esta perspectiva foi que em 2009 foi lançada a missão


KEPLER da NASA, levando um telescópio de quase de diâme-
tro que monitorou quase 150 000 estrelas da Seqüência Principal
por 10 anos, e observou uma quantidade de casos de variabilidade,
dos quais alguns milhares resultaram devidos aos trânsitos e que
permitiram detectar um número elevado de exoplanetas. Hoje o
número total de planetas detectados com os dois métodos (veloci-
dade radial e trânsito) passa de 4000. Existem dados para começar
estudos estatísticos relevantes em essa base (Fig. 3). KEPLER deixou
de funcionar em 2018 (Winn e Fabrycky, 2015)
252 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig. 3. O número de exoplanetas detectados pelos métodos descritos como função


do tempo.

Enquanto isso, e com o propósito de explorar a galáxia a fundo


através da população estelar, a missão GAIA da ESA (Agência
Espacial Européia) foi lançada em 2013 e começou a tomar dados
pouco depois. A ambição científica da missão é muito grande, pre-
tende nada menos que medir posições e distâncias de de
estrelas, calibrar as magnitudes e medir com exatidão de de
arco a posição das estrelas com magnitude , determinando
depois paralaxe e movimento próprio com grande precisão. É pre-
cisamente em esta capacidade astrométrica excepcional que GAIA
poderá acrescentar dados para a população de exoplanetas: além
de poder medir trânsitos com facilidade, a astrometria permitira
detectar mudanças na posição não devidas ao movimento próprio
nem a paralaxe, devidas aos planetas no sistema. Espera-se detectar
com esta técnica astrométrica uns 20 000 exoplanetas em distâncias
de até (Perryman et al., 2014), além de confirmar e desco-
brir novos pela técnica do trânsito já descrita. Em soma, a “caça”
aos novos mundos está em andamento com grande intensidade, e
oferecerá um panorama muito completo deles ao longo da próxima
década.
APÊNDICE 3

Uma seqüência didática

A
proposta de Bandecchi (2018) para a montagem de quatro aulas
expositivas, com abundante material gráfico, que visam uma
exposição “mínima” do tema está na Tabela seguinte

Aula Tema Percepções e Conhecimentos demonstrados


Entender o que são galáxias e suas ordens de
• Galáxias/distâncias
grandeza
• Céu estrelado
Compreender o contexto histórico e cultural
• Constelações
das constelações
1 • Magnitude
Assimilar os conceitos de magnitude e fluxo e
• Fluxo
qual sua relação com cor e temperatura
• Cor e temperatura
Entender o que é radiação e qual sua relação
• Radiação
com as estrelas e o estudo da Astronomia
Entender a formação das estrelas e o início do
seu ciclo evolutivo, desde a nuvem molecular
• Gravidade e pressão até o Teorema do Virial
• Nuvem molecular Entender a relação entre gravidade e pressão
2
• Teorema do Virial e como tais fatores interferem na evolução
• Diagrama HR estelar
Compreender o Diagrama HR e como ele se
relaciona com a evolução estelar
Aprender a formação dos elementos químicos
através da fusão nuclear e como isso resulta
• Fusão Nuclear na produção de energia
• Produção de energia Entender o que é Equilíbrio Hidrostático e
3
• Equilíbrio Hidrostático qual sua importância para a evolução das
• Gigante Vermelha estrelas
Compreender o estágio final da evolução
estelar e o conceito de Gigante Vermelha
Entender os fatores que levam a formação
de uma Nebulosa Planetária e quais suas
características
• Nebulosa Planetária
Compreender o conceito de Anã Branca
• Anã Branca
Diferenciar o fim de estrelas muito e pouco
4 • Explosão de Supernova
massivas
• Buraco Negro/Estrela de
Entender o conceito de Explosão de
Nêutrons.
Supernova
Compreender e diferenciar um Buraco Negro
e uma Estrela de Nêutrons
254 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

A construção concreta da seqüência depende muito do nível do


curso onde será aplicada, e outros fatores vários. Assim, nos limita-
remos a apontar alguns assuntos especialmente importantes para o
sucesso da aplicação, mas sem pretensão de completeza.

Aula 1.
Além da apresentação “panorâmica” que relaciona as galáxias
como conjuntos de estrelas, é importante apresentar uma ideia quan-
titativa da escala de distâncias. As distâncias interestelares foram
exemplificadas na eq.(3.4). Uma atividade interessante a seguir é a
de escalonar estas distâncias para obter, com a estimativa inicial de
eq.(3.4), o tamanho da Via Láctea escalonada. Assim que feito isto,
as distâncias intergalácticas podem ser apresentadas tal como em
Horvath (2008), utilizando pires u outros objetos como “modelos”
de galáxias.
É bastante claro no texto que, segundo nossa visão, as conste-
lações estelares têm um valor muito mais cultural que científico.
Nem por isso o assunto deve deixar de ser mencionado. As conste-
lações correspondem quase sempre a efeitos de projeção na abóboda
celeste, e por isso seu caráter fictício fica evidente, mas isto não
resolve ainda a questão da visualização integral, em 3 dimensões.
Recomendamos o trabalho de Garcia e Corrêa (2014) para uma dis-
cussão do caso do Cruzeiro do Sul, disponível em (https://www.
sab-astro.org.br/wp-content/uploads/2017/03/SNEA2014_TCP65.
pdf). Esta atividade ilustrará a questão e também deve ser suficiente
para encerrar a discussão.
As ferramentas básicas para a medida de fluxos, cálculo de mag-
nitudes e demais já foram discutidas no Capítulo 3. Naturalmente
há espaço para alguma atividade prática, além da aula expositiva,
desde que existam condições dos alunos participarem à noite em
um programa de observação. O básico do assunto pode ser consul-
tado na página http://rea-brasil.org/variaveis/pmf8.htm .
A radiação não é, em geral, discutida nos cursos da escola. É por
isso que deve-se dar uma atenção bastante especial a este assunto
Apêndice 3 255

básico, apresentado no Capítulo 2. Enfatizar e exemplificar a relação


entre a cor do corpo negro e a temperatura associada requer possi-
velmente outros exemplos concretos e uma certa dose de repetência,
já que não está normalmente na bagagem dos alunos. Note-se que
a relação entre cor e temperatura é muito fundamental para cons-
truir o diagrama HR, mas está longe de ser óbvia para os alunos.
Recomendamos insistir em este conceito tanto quanto seja neces-
sário, já que nunca será excessivo. O fato de ter nos espectros um
diagnóstico preciso da composição da estrela, pelo menos da sua
fotosfera (mas não do interior, somente conhecido de forma indireta,
através dos modelos de estrutura que a requerem) é muito impor-
tante e aponta a uma questão bem geral na Astronomia: a de desfazer
a ideia de que todo o que for dito de objetos distantes é conjetural
e incerto. É preciso trazer as estrelas para o domínio científico em
este sentido, já que boa parte dos alunos pode ter esta concepção de
«vale tudo». Passar esta ideia vai além do tema pontual, e será uma
grande contribuição à construção do pensamento lógico do aluno
em geral.

Aula 2.
O “miolo” conceitual da Aula 2 é sem dúvida o papel da gravi-
tação na formação e permanência no tempo das estrelas, ou seja, a
resistência da matéria contra a gravitação que representa a pressão.
O primeiro ponto a trabalhar é a própria ideia da auto-gravitação da
esfera que chamamos “estrela”. É notório que os alunos têm sérias
dificuldades com a gravitação, já que sempre é pensada como algo
externo ao corpo sendo “puxado” e nunca como resultado da agre-
gação da matéria até o ponto onde a própria gravitação o torna esfé-
rico. A forma de introduzir a gravitação na escola é a responsável
de criar esta imagem muito parcial. Sugerimos começar por discutir
que a gravitação atua sempre entre dois partículas, incluindo dois
“elementos de fluido” quaisquer no interior da estrela. O objetivo
aqui é o de chegar ao estabelecimento do equilíbrio de forças, na
sua versão do fluido. E notar que na ausência de uma força que se
256 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

oponha à gravitação não haveria estrela nenhuma, já que a falta de


balanço a faria colapsar.
A situação anterior à formação da estrela, onde nuvens frias
se contraem tal como discutido no Capítulo 7, deve começar pela
partilha da energia entre as partículas, a qual leva à expressão
do Teorema do Virial. A demonstração deste último está além do
escopo da escola, mas não seu conceito. Pode-se simplesmente colo-
car a equipartição da energia como ideia central (de fato, o fator “2”
extra na expressão do Teorema do Virial não faz grande diferença e
resulta difícil de justificar...) e utilizar como válida. O importante é
passar a ideia que esta equipartição é uma conseqüência inevitável
da Física conhecida e que governa tanto a formação estelar quanto
uma série de aspectos da sua evolução posterior (tal como visto no
Capítulo 4). Os cuidados a serem adotados com o diagrama HR já
foram apontados no Capítulo 3 e não serão repetidos aqui.

Aula 3.
A apresentação do equilíbrio hidrostático é mais complicada
do que aparenta a primeira vista. É de muita utilidade para começar
trazer à discussão o Princípio de Arquimedes, já que essencialmente
este reflete a situação encontrada na estrela para cada camada con-
cêntrica (Fig. 1). Já vimos no Capítulo 3 que o barômetro de Torricelli
é muito relevante para discutir o equilíbrio, sendo construído com
base no Princípio de Arquimedes.
Apêndice 3 257

Fig. 1. Um cubinho submergido no fluido pode afundar (esquerda), flutuar (direita)


ou se manter boiando dependendo da relação da força de empuxo e a gravitação .
O terceiro caso reflete o equilíbrio das forças, uma vez discutido pode-se substituir
o cubinho por um “elemento de fluido” idêntico ao fluido.

Também a exposição das reações nucleares apresenta muita


dificuldade, de fato sua menção traz para os alunos um conjunto
complexo de ideias, preconceitos e até emoções que dificultam a
abordagem. Acreditamos ser de importância colocar para os alu-
nos que as reações nucleares são (junto com a gravitação), o motor
fundamental do Universo, já que sem elas não haveria estrelas. Os
esforços para desmistificar as reações nucleares terão conseqüências
além das aulas, permitindo uma compreensão racional de questões
que pairam a sociedade modera (fontes de energia, por exemplo).
As estrelas sem produção de energia desabariam logo, de tal forma
que sua permanência por ~ bilhões de anos resulta um ponto impor-
tante que valoriza o papel das reações nucleares. Quando finalizada
esta discussão, pode-se voltar para o “cubinho” e a natureza da no
caso estelar, tal como apresentado no Capítulo 3. Estudos aprofun-
dados (A. Colantonio et al., Physical Review Education Research, 14
(2008)) sugerem que os alunos apresentam concepções alternativas
para esta “sustentação” da estrela, invocando em muitos casos “for-
ças centrífugas”. É possível sondar até que ponto isto paira nos alu-
nos, e propor uma atividade para desfazer a confusão: as manchas
solares reaparecem no Sol depois de 1 mês aproximadamente (o Sol
rota mais rapidamente no equador que nos pólos, mas esta compli-
cação não é aqui relevante). Com essa velocidade angular peça que
258 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

os alunos calculem a “força centrifuga” sobre um elemento, diga-


mos, na metade do raio solar e a comparem com a “puxada gravita-
cional”. A diferença de várias ordens de grandeza deve convencer a
turma da ineficácia da rotação para sustentar a estrutura.
Finalmente, o equilíbrio hidrostático pode ser utilizado para
fundamentar a saída da estrela da Seqüência Principal, tal como
discutido no Capítulo 4. Embora este conceito é muito elaborado,
ao menos é importante ligar a impossibilidade de manter este equi-
líbrio com a migração da estrela para fora da SP, até a região das
Gigantes vermelhas. O elo entre o Sol e sua futura evolução será
assim esclarecido. O uso das imagens para quantificar esta evolução
é muito importante para ilustrar este conceito.

Aula 4.
Os estágios finais resultam muito atrativos para os alunos. Há
uma profusão de informação fragmentária a respeito das estrelas de
nêutrons e buracos negros, esta aula deve contribuir para “ordenar”
todo este quadro. A própria ideia de finitude (ciclo) da vida estelar é
muito importante como princípio organizador da problemática este-
lar. Também traz como conseqüência o chamado enriquecimento
químico do meio interestelar, produto da ejeção de elementos mais
pesados pelas supernovas, nebulosas planetárias e ventos estelares.
Sugerimos enfatizar estes aspectos antes que o caráter “exótico”
dos remanescentes compactos, desfazendo a ideia de incompreen-
sibilidade passada muitas vezes na mídia a respeito. Por outro lado,
mostrar que esses regimes extremos mudam o estado da matéria e
exigem explorar fisicamente estados bem afastados dos produzi-
dos em laboratórios é importante, já que levara a considerar como a
Natureza opera em aqueles remanescentes.
APÊNDICE 4

Quem é quem no Diagrama HR

M
uitas vezes a classificação das estrelas no diagrama HR sofre
de problemas de ambigüidade e falta de clareza para ser apre-
sentada aos alunos. A nomenclatura astronômica é bastante
obscura às vezes, e contribui para esta confusão. Apresentamos a
seguir um diagrama HR que contém chamadas para esclarecer o
estado evolutivo dos grupos de estrelas que nele aparecem, junto
com o básico dos processos que assim as colocam nele. A funda-
mentação completa pode ser encontrada nos Capítulos 3 e 4.
260 As estrelas na sala de aula: uma abordagem para o ensino da Astronomia estelar

Fig.1. O diagrama HR mostrando os grupos de estrelas que o povoam. O Sol está


localizado com o ponto amarelo. Para uma caracterização de cada grupo indicado
com os números vide texto.

Na Fig. 1 vemos a extrema inomogeneidade da distribuição


das estrelas observadas quando colocadas no diagrama HR. Mais de
90% das estrelas caem na faixa chamada Seqüência Principal, onde
as estrelas fusionam hidrogênio em hélio (note-se todo o que aconte-
ceu na Ciência até formularmos esta última afirmação...). Os demais
grupos são:
Apêndice 4 261

1. As subgigantes, que já saíram da SP por terem atingido o limite


de Schenberg-Chandrasekhar. E que estão a caminho do Ramo das
Gigantes “inchando” como descrito no Capítulo 4.

2. As Gigantes, onde ainda não há fusão do hélio no centro, mas o


hidrogênio continua sendo consumido em uma camada concêntrica.
Temos aqui tanto estrelas que estão “ascendendo” quanto outras que
já chegaram ao topo e “descendem” depois de ter sofrido o flash de
hélio, todas elas do tipo solar.

3. Ramo Horizontal, onde as estrelas que “voltaram” do flash de


hélio conseguiram se estabelecer para fusionar hélio em carbono por
centenas de milhões de anos (razão pela qual este grupo é muito
povoado e se destaca claramente).

4. Supergigantes, estrelas que começaram com massas de ou


mais na SP (à esquerda), tal como estão hoje as Três Marias, e que
esgotaram o hidrogênio e às vezes o hélio também. Note-se que nunca
“ascenderam” a Ramo das Gigantes algum, já que este último é ocu-
pado somente por estrelas que desenvolvem uma separação caroço-
-envelope, enquanto as de grande massa têm um caroço convectivo
e nunca sofrem esta diferenciação. Como discutido no Capítulo 4,
em algum momento explodirão como supernovas (colapso).

5. Quebra da inclinação da SP devida ao domínio do ciclo CNO, tal


como discutido no Capítulo 3. Isto acontece para estrelas de
aproximadamente.

6. Outra quebra da inclinação, desta vez devida a estrutura total-


mente convectiva das estrelas com (a grande maioria do
total, vide Capítulo 7).
Sobre o autor

Jorge Ernesto Horvath, Professor Livre-Docente no IAG-USP é autor


de 120 artigos em revistas internacionais a respeito de Astrofísica
Relativística, Altas Energias e Cosmologia, além de vários livros
no Brasil e no exterior para os diferentes níveis de educação.
Pesquisador Nível I do CNPq. Orientador de Teses de Doutorado nes-
tas áreas desde 1996. Doutorado em 1989 na Universidad Nacional
de La Plata (Argentina), foi pesquisador visitante na University of
Arizona, Tucson (1998-1999). Arbitro de várias revistas interna-
cionais tais como Physical Review Letters, Astroparticle Physics e
Classical and Quantum Gravity, no Brasil é fundador e Co-Editor
da Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia (RELEA)
desde 2003. Atualmente coordena um projeto para o desenvolvi-
mento da Astrobiologia no Brasil.
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