Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
HENRIQUE, BELTRÃO E MIRANDA. Caminhos e Ausências Do Patrimônio em Belém
HENRIQUE, BELTRÃO E MIRANDA. Caminhos e Ausências Do Patrimônio em Belém
HENRIQUE, BELTRÃO E MIRANDA. Caminhos e Ausências Do Patrimônio em Belém
no patrimô
da saúd
Belém, P
309
Miranda, C. S. et al
Resumo
Esse artigo apresenta os resultados de inventário realizado sobre a tra-
jetória histórica das instituições de saúde na cidade de Belém, levando
em conta sua arquitetura e as mudanças de função que sofreram ao lon-
go do tempo. Essas mudanças estão impressas nas próprias edificações
e na memória da população belemense, bem como nos apagamentos
decorrentes das demolições de edifícios da saúde. A documentação re-
sultante inclui documentos institucionais, fotografias antigas e atuais,
desenhos arquitetônicos e entrevistas, os quais configuram um acervo
inexplorado para a compreensão do cuidado com a saúde no Norte do
Brasil. A recomposição das trajetórias de implantação e deslocamento
das instituições estudadas contribui para a compreensão do processo
de expansão urbana, com ocupação de áreas alagadas (decorrente da
implantação dos hospícios) e áreas de terra firme, vetor de expansão
priorizado pelas políticas higienistas.
Palavras-chave: Patrimônio da saúde, memória, Belém.
Abstract
This article presents the results of an inventory on the historical trajec-
tory of health institutions in the city of Belem, taking into account its
architecture and the role changes that have suffered over time. These
changes are imprinted both on the buildings and the memories of the
Belem population, as well as in the absences resulted from the demoli-
tions. The resulting documentation includes institutional documents, old
and current photographs, architectural drawings and interviews, which
constitute a collection untapped for understanding health care in northern
Brazil. The reconstruction of the trajectories of deployment and move-
ment of the institutions studied contributes to the understanding of the
process of urban expansion, with occupancy of wetlands (due to the im-
plementation of hospices) and land areas, as prioritized by hygienists policies.
Key-words: Health heritage, memory, Belém.
Résumé
Cet article présente les résultats de l'inventaire qui s'est tenue sur la trajectoire
historique des institutions de la santé dans la ville de Belém, compte tenu
de son architecture et les changements qui ont souffert au fil du temps. Ces
changements sont imprimés dans leurs propres bâtiments et à la mémoire de
la population de Belém, ainsi que les destructions résultant de la démolition
des bâtiments de la santé. La documentation qui en résulte comprend les
documents institutionnels, vieilles et modernes photos, dessins architecturales
et interviews, qui constituent une collection inexploitée pour la compréhen-
sion des soins de santé dans le nord du Brésil. La recomposition des trajec-
toires de déploiement et de décalage des établissements étudiés contribue à la
compréhension du processus d'étalement urbain, avec l'occupation des terres
humides (résultant du déploiement des hospices) et les zones arides, vecteur
expansioniste priorisée par la politique hygiéniste.
Mots-clé: Patrimoine e la santé, memoire, Belém
Figura 1 – Mapa com delimitação dosnúcleos da saúde. Fonte: Laura Costa, 2011.
Quadro 1
Relação das Instituições de saúde selecionadas para pesquisa
Quadro 2
Instituições quanto à localização nos Núcleos
Núcleo Pioneiro Núcleo Santa Casa Núcleo de Expansão
Hospital Real Fundação Santa Casa de Hospício dos Lázaros
Misericórdia do Pará
Hospital do Bom Jesus dos Hospital Dom Luis I da Hospital Universitário Barros
Pobres Enfermos Beneficente Portuguesa Barreto
Hospital Naval de Belém Instituto de Ciências da Hospital Ophir Loyola
Saúde da UFPA
Hospital da Ordem Terceira Núcleo de Medicina Tropical Instituto Evandro Chagas
Instituto Nacional de Se- Hospital do Exército Hospital de Clínicas Gaspar
guridade Social INSS Vianna
Fundação Centro de Hemato- Pronto Socorro Municipal Hospital Psiquiátrico
logia e Hemoterapia do Pará Juliano Moreira
Centro de Saúde I Clínica dos Acidentados Hospital da Aeronáutica
Maternidade do Povo
Hospital Nossa Senhora
de Guadalupe
Figura 2 – Projeto de Landi para o Hospital Real. Fonte: Amazônia Felsínea (1999: 213).
Ao lado dessa edificação, no local onde mento vivo da primeira instituição hospi-
atualmente existe um chafariz, funcio- talar em alvenaria no Estado (Beltrão
nava o Hospital do Bom Jesus dos Po- et al 2011).
bres Enfermos, cuja construção, em
Baena (2004) relata que o prédio apre-
1785, só foi possível graças às doações
sentava três janelas entre duas portas
pedidas por Frei Caetano Brandão para
no primeiro pavimento, cinco janelas
acolher os pobres enfermos da cidade,
de sacada e balcões de ferro no se-
além de ter sido o local onde foram fei-
gundo e duas de peitoril no terceiro. A
tos os primeiros atendimentos a doentes
planta apresentava dois quadrados liga-
mentais no Pará. Inaugurado em 1787,
dos por um paralelogramo. Dentre os
construído e administrado pela Confra-
ambientes, destacavam-se a enfermaria,
ria da Caridade, foi incorporado aos
também chamada de “casa grande”,
bens da Santa Casa de Misericórdia em
que possuía uma coxia com altar de
1807, mas suas atividades encerraram-se
retábulo dourado, onde aconteciam as
em 1900. Em 1957, foi desapropriado
missas (Figura 3).
e entregue ao Ministério de Guerra,
que o utilizava como Estabelecimento Ainda no núcleo pioneiro, seguindo
de Subsistência.Tombado pela então pela Rua Dr. Assis, passando pelo Ar-
Diretoria do Patrimônio Histórico e senal de Marinha, encontra-se o Hos-
Artístico Nacional em 1964, foi demo- pital Naval, no limite entre os bair-
lido em 1978, e com ele se foi o docu- ros Jurunas e Cidade Velha (Beltrão
Figura 4 – Acesso principal Hospital Naval de Belém. Foto: Carla Albuquerque (2010).
tado do Pará (SEAD), imóvel este cedido azul, nas marcações. No primeiro pavi-
pelo Estado. Posteriormente, o Governo mento funcionam o bloco cirúrgico,
do Estado, na gestão de Aurélio do a central de material e esterilização
Carmo doou, em 1965, o terreno onde (CME), posto de enfermagem, repou-
foi edificada a sede da Maternidade so médico, e 23 leitos disponibilizados
na Travessa Ferreira Cantão. O novo para enfermarias e apartamentos. No
endereço permitiu a construção de segundo pavimento estão instalados 16
edificação com padrões de qualidade apartamentos, uma suíte master com-
para atendimento hospitalar conforme as posta por amplo quarto, sala de estar
exigências da época (Beltrão et al 2011). com monitor capaz de repetir as cenas
do parto ou qualquer outro vídeo que
Edificada no alinhamento do terreno,
o paciente desejar e um banheiro; a
em quatro pavimentos com estrutura
UTI neo-natal, berçário e o isolamento
em concreto armado, alvenaria de ti-
totalizam 20 leitos. O terceiro pavi-
jolo e vãos em esquadrias de alumínio
mento, em construção, está projetado
e vidro, em alguns casos há a utilização
para receber 16 apartamentos (Figura 8).
de vidro temperado transparente liso.
A fachada possui acabamento em re- Próximo dali está o Centro de Saúde
vestimento cerâmico dimensões 10 x nº 1, vinculado à Secretaria de Estado
10 cm, nas cores bege e azul, sendo o de Saúde Pública do Pará (SESPA). O
bege usado nos panos de parede e o Centro I, localizado na Travessa Presi-
Figura 13 – Entrada principal do Hospital Geral do Exército. Foto: Laura Costa (2009).
arco pleno e ogival, demonstrando a Santa Casa. Obra dos irmãos Hum-
assimilação de influências ecléticas. As berto Maradei Pereira e João Alberto
pilastras apresentam-se na extensão da Maradei Cardoso, que se iniciaram
fachada como elemento de marcação e na Medicina através da ortopedia, a
identificação do rigor das proporções. pequena clínica encontrava-se na Rua
A cobertura original em telha de barro 13 de Maio, no Comércio. O empreen-
composta por três águas em cada pa- dimento decorreu da necessidade de
vilhão foi totalmente substituída pela atendimento à traumatologia e orto-
telha do tipo fibrocimento (Figura 14) pedia, especialidades não supridas de
(Beltrão et al 2011). forma satisfatória pelo Pronto Socorro
Municipal e que até hoje são as espe-
A edificação apresenta conservação boa,
cialidades da instituição, cuja maioria
porém percebe-se descuido com questões
dos atendimentos (em torno de 80%)
referentes ao lixo e à poluição do ambien-
provém do SUS. A Clínica dos Aci-
te; ainda que as sucessivas ocupações dos
dentados, também conhecida como
afastamentos laterais e de fundos tenham
Clínica de Cirurgia Ortopédica Ltda,
prejudicado significativamente a ideia de
localiza-se no bairro de Nazaré na Ave-
modelo higienista.
nida Nazaré.
A Clínica dos Acidentados encerra o
Com o crescimento da demanda de aten-
trajeto que compreende o Núcleo da
dimento de pessoas politraumatizadas,
acesso ao hospital pode ser feito pela Chagas”. Dois anos depois, o Serviço
Avenida Magalhães Barata, entrada Especial de Saúde Pública (SESP) o in-
principal, e também pela Travessa 14 corpora como seu laboratório central e
de Abril (Figura 16). órgão de pesquisa.
Com a aquisição de terrenos que serviri- Em 22 de maio de 1970, o IEC foi
am para ampliação das instalações hos- transferido do âmbito da FSESP para
pitalares, o HOL incorporou a edifica- a Fundação Oswaldo Cruz (FIO-
ção que abrigava a Residência Oficial do CRUZ), voltando a ser reintegrado
Vice-Governador do Estado, imóvel que à FSESP cinco anos depois, ficando
foi preservado integralmente e aproveitado subordinado diretamente à Presidência
como Departamento de Ensino e Pes- até 1990, como organismo de pesqui-
quisa da Instituição. sas biomédicas. Em 1991, integrou a
Fundação Nacional de Saúde, criada
Seguindo pelo endereço do HOL em
pela fusão da FSESP e da Superin-
direção à saída de Belém, pela Avenida
tendência de Campanhas de Saúde
Almirante Barroso, encontra-se o pri-
Pública (SUCAM). Apenas em 9 de
meiro prédio onde funcionou o Instituto
junho de 2003 passou a integrar
Evandro Chagas, fundado em 1934. A
a estrutura da Secretaria de Vigilância
característica da edificação principal re-
em Saúde (SVS), como unidade ges-
flete o uso como residência antes da ocu-
tora independente, na qual se encon-
pação institucional, assim como outras
tra atualmente.
construções ao longo da antiga Estrada
de Ferro Belém-Bragança. Sua arquitetura caracteriza-se por ser
bastante singular, com influência das
O Instituto Evandro Chagas, localiza-
residências germânicas, cobertura
do no bairro do Marco, se originou a
achatada em suas extremidades e or-
partir de 1934, com a descoberta de 41
namentação peculiar. A escadaria que
casos de leishmaniose visceral em lo-
dá acesso à entrada principal é robusta,
calidades no interior do país. Isto acar-
ligeiramente curva em suas extremidades
retou a vinda do então diretor do Insti-
e arrematada por pinhas laterais, fazen-
tuto Oswaldo Cruz, Evandro Chagas,
do jus ao estilo do prédio. O interior
ao Pará, o qual pôde realizar seu pro-
é todo em madeira de lei, e o prédio
jeto de fundar o Instituto de Pesquisa
principal possui porão habitável –
Experimental do Norte (IPEN), em 11
onde anteriormente funcionavam vári-
de novembro de 1936, com o objetivo
os serviços do IEC –, e dois pavimen-
de estudar o calazar e outras doenças
tos. A fachada do hospital tem simetria
regionais – malária, leishmaniose tegu-
e ritmo equilibrado pela sequência de
mentar, bouba, filariose e as vermino-
janelas e, acima, a cobertura de inclina-
ses intestinais (Deane 1986).
ção singular remete aos frontões trian-
Em 1940, com o falecimento de Evan- gulares clássicos (Figura 17).
dro Chagas, o Instituto passa a receber
Apesar de não ter sido tombado, o Insti-
a denominação de “Instituto Evandro
tuto procura preservar o patrimônio,
por meio de reparos frequentes, valori- Apesar dos reparos e manutenção constante
zando as características arquitetônicas do hospital, o então governador Au-
originais. Todavia, nota-se que a construção gusto Montenegro (1901-1909) ob-
já recebeu alterações, como a construção servou “condições tais que, longe
de banheiros nos dois pisos e de um de favorecer a cura, apresentavam o
prédio acoplado aos fundos, com aces- triste desfecho, pela intercorrência de
so feito por escada lateral. mortos diversos”, bem como a falta de
equipamentos adequados para tratar os
O Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira,
pacientes, tendo se tornado o hospí-
também chamado Hospício dos Alie-
cio um “depósito de loucos” (Meira
nados, localizava-se no bairro do Marco,
1984:8). O governo anterior, de Paes de
em frente ao monumento do Marco da
Carvalho (1897-1901), tinha intenção de
Légua, na Avenida Almirante Barroso.
transferir as instalações para outro lo-
O terreno adquirido para construir o
cal, mas Montenegro preferiu investir
hospital, por sua localização, atendia às
na melhoria do prédio. Demoliu a casa
exigências da política higienista da época.
de banhos que causava infiltrações e era
Entretanto, a construção apresentou falhas
foco de polinevrite e construiu outras
construtivas, tornando necessários alguns
duas com modernos aparelhos hidroterá-
reparos emergenciais antes de sua inau-
picos trazidos da Europa.
guração, marcada pela chegada de sete
“loucos” do Hospício dos Lázaros. Apesar dos óbices impostos pela estru-
Figura 18 – Hospital Juliano Moreira. Fonte: Ricci & Valentim (2009: 26).
Recebido em 30/05/2013.
Aprovado em 31/07/2013.