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DOI: 10.1590/0101-31572015v35n04a02
Pedro Rossi**
resumo: Esse artigo trata da política cambial no Brasil a partir de um enfoque centrado
na institucionalidade do mercado de câmbio brasileiro. O objetivo é avaliar como essa
institucionalidade condiciona as políticas de câmbio no Brasil e, em particular, como a
especulação opera nessa institucionalidade. Defende-se a ideia de que o mercado de câmbio
brasileiro é particularmente permeável à especulação financeira e, por isso, uma política
cambial mais adequada ao desenvolvimento econômico depende da regulação do mercado
de câmbio e, em particular, do mercado de derivativos.
Palavras chave: câmbio; política cambial; derivativos; controles de capital.
abstract: This paper aims to address the exchange rate policy in Brazil from an approach
centered in the Brazilian foreign exchange market’s institutional framework. The purpose is
to evaluate how this institutionality affects the exchange rate policies and, in particular, how
financial speculation operates in this institutional framework. It argues that the Brazilian
foreign exchange market is particularly susceptible to financial speculation and therefore
the regulation of foreign exchange market and, in particular, the derivatives market, is
recommended to allow a more appropriate exchange rate policy for economic development.
Keywords: exchange rate; exhange rate policy; derivatives; capital controls.
JEL Classification: F310; G130; O240.
Introdução
Motivos
Reais Financeiros
Politica cambial
Administração
2. Doença holandesa 4. Carry trade
do patamar
1
“A doença holandesa ou maldição dos recursos naturais pode ser definida como a sobreapreciacão
crônica da taxa de câmbio de um país causada por rendas ricardianas que o país obtém ao explorar
recursos abundantes e baratos, cuja produção comercial é compatível com uma taxa de câmbio de
equilíbrio corrente claramente mais apreciada do que a taxa de câmbio de equilíbrio industrial.” (Bresser-
-Pereira e Gala, 2010, p. 671)
2
“Most firms that actively trade foreign exchange use chartist models — not necessarily exclusively,
though some seem to do that, but they are certainly among the tools routinely employed” (Willianson,
2008, 10).
3
Alguns autores consideram uma definição mais ampla de carry trade na qual a operação prescinde de
uma alavancagem do agente e da aplicação em ativos que rendem juros: “Indeed, a useful, still broader
definition of the carry trade would cover any investment strategy that involved shifting out of low-
interest-rate assets and into anything else — emerging market debt, equities, real estate, commodities,
and the like” (Frankel, 2008, p. 38).
4
É interessante notar que, no auge da fuga para liquidez da crise de 2008, a moeda japonesa foi a única
que se apreciou em relação ao dólar americano. Para McCauley e McGuire (2009) e Kohler (2010) a
explicação está no seu papel como moeda funding do carry trade.
2.2
15000
2.1
US$ milhões
5000
2
1.9
-5000
1.8
-15000
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-25000
1.6
Posição vendida em dólar futuro
-35000 1.5
F
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0
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N
N
5
As empresas não financeiras e as pessoas físicas têm participação muito pequena nesse mercado.
6
Essa metodologia para análise da taxa de câmbio foi aplicada por Klitgaard e Weir (2004) para o
mercado futuro de câmbio de Chicago.
7
Pode-se pensar em um fator que provoque um aumento da necessidade de hedge e ao mesmo tempo
uma apreciação cambial como, por exemplo, uma entrada maciça de investidores estrangeiros no
mercado à vista, por exemplo, para adquirir imóveis brasileiros. Entretanto, o sentido da correlação
seria o oposto ao apresentado neste trabalho: a apreciação cambial estaria associada ao aumento de
posições compradas em dólar futuro, e não vendidas como de fato ocorre.
Uma vez discutidos os motivos para a uma política cambial ativa e a especu-
lação no mercado futuro brasileiro, a etapa seguinte consiste em entender a imple-
mentação e os efeitos das políticas cambiais. Esse entendimento passa primeira-
mente pelo reconhecimento das especificidades do mercado de câmbio brasileiro e
pela caracterização de sua institucionalidade. As características de funcionamento
do mercado de câmbio condicionam a eficácia dos instrumentos de política cambial
que não são eficazes ou ineficazes por natureza, mas dependem do conjunto da
operação do mercado. Ou seja, uma política concebida e aplicada de forma isolada
tendo em vista apenas uma parte do mercado de câmbio pode estar fadada a ser
neutralizada, dada a complexidade do mercado cambial no Brasil. Nesse sentido,
a política cambial deve ser pensada de forma integrada, considerando toda a insti-
tucionalidade do mercado de câmbio brasileiro.
8
Sobre a descrição da operacionalidade do mercado de câmbio brasileiro ver Rossi (2012), Carneiro e
Rossi (2012), Prates (2009) e Souza e Hoff (2006) para o conjunto do mercado, Garcia e Urban (2004)
para o mercado interbancário, Dodd e Griffith-Jones (2007) e Farhi (2010) para o mercado de
derivativos no Brasil.
2.3
2.2
Intervenções
2.1
Mercado
1.9
Primário
1.8
Regulação
1.7 dos fluxos
1.6
1.5
Fluxos de Fluxos
13
3
2
3
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-1
-1
l-1
-1
comércio financeiros
n-
ar
ay
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Ju
Ja
Se
M
Taxa de câmbio
Fluxo cambial
3
12
12
-1
n-
p-
ay
Ja
Se
es do Banco Central Há dois outros elementos importantes no mercado de câmbio brasileiro que
devem ser considerados para uma análise completa da política cambial: o mercado
de derivativos e o mercado interbancário de câmbio.
9
O saldo do fluxo cambial desse período foi de US$ 261 bilhões enquanto a acumulação líquida de
reservas decorrente das intervenções foi de US$ 256 bilhões.
10
O ano de 2013 foge do padrão observado. Nesse ano, há uma clara mudança de estratégia do banco
central em priorizar as intervenções com swaps cambiais.
Especulação
Arbitragem Hedge
Revista de Economia Política 35 (4), 2015 • pp. 708-727 717
Mercado
de
Figura 5: O fluxo cambial mensal e as intervenções do Banco Central
20,000
15,000
10,000
5,000
US$ milhões
-5,000
-10,000
-15,000
1
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Ja
Se
Se
Se
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M
M
Saldo fluxo cambial Intervenções do Banco Central
11
Dados da BM&F e do Banco Central do Brasil. Para o mercado à vista somaram-se os contratos
Bancos de
Me
compra e venda de câmbio comercial e financeiro e o giro no mercado
Mercadointerbancário medido pelo
Primário Deriv
volume da clearing da BM&F. Para o mercado interbancário não há registro das US$ negociações
à vista quefuturo
US$
ocorrem no mercado de balcão, mas sabe-se que a grande maioria dos negócios ocorrem na BM&F.
Regulação
dos fluxos
12
Rossi (2012) explora esse aspecto com base em entrevistas junto a agentes financeiros.
Mercado
Interbancário
Fluxos de Fluxos
comércio
718 Brazilian Journal of Political Economy 35financeiros
(4), 2015 • pp. 708-727
Fluxo cambial
Empréstimo Re
via linha
Taxa de câmbio
Fluxo cambial
Mercado primário
Mercado interbancário
Mercado futuro
3
12
12
p-
ay
Ja
Se
do Banco Central
Bancos
Mercado
Mercado 13 de
rimário Em 20/09/2013,
US$ à vista US$ futuro
190 instituições estavam autorizadas a operar no mercado de câmbio.
Derivativos
US$ futuro
14
Para os estrangeiros, a operação na BM&F depende da abertura de uma “conta 2689” para
constituição de margens de garantia para as operações. Esse nome faz alusão à resolução do Banco
Mercado
Central 2689, de janeiro de 2000, que permite aplicações dos estrangeiros nos mercados de derivativos,
Interbancário
Fluxos
financeiros
ações e renda fixa sem restrições quanto ao tipo de operação e sem limite de posição.
15
xo cambial
“Os participantes do mercado interbancário de câmbio passaram a privilegiar o mercado de
Empréstimo Regulação
derivativos para realizar
via linha do suas operações indexadas à taxa de câmbio, deixando o mercado interbancário
mercado
apenas parainterbancária
suprir suas necessidades em moeda estrangeira, para liquidar operações do mercado
interbancário
Banco
primário”
Offshore
(Garcia e Urban, 2004, p. 12).
-35000 1.5
Fluxos de Fluxos
13
0
3
0
3
10
10
11
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12
12
13
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l-1
-1
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-1
-1
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-1
l-1
-1
l-1
comércio financeiros
n-
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n-
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Ju
Ja
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Ja
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M
M
M
N
N
N
Bancos Estrangeiros e investidores institucionais Taxa de câmbio
Fluxo cambial
arbitragem. O preço do dólar futuro, por exemplo, não é o preço esperado do Mercado interbancário
Mercado futuro
-5,000
do dólar à vista devido ao diferencial entre os juros brasileiros e os juros externos18.
-10,000 O termômetro para arbitragem entre o mercado futuro e à vista é o cupom
-15,000
cambial. Essa variável pode ser definida como a taxa de juros em dólar no merca-
do brasileiro19. O cupom cambial aumenta quando o preço do dólar futuro se
1
7
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08
10
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06
08
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-0
-0
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n-
n-
n-
p-
p-
p-
p-
ay
ay
ay
ay
Ja
Ja
Ja
Ja
Se
Se
Se
Se
M
M
ção por detrás disso está no fato de que quando há um excesso de oferta de dólar
no mercado futuro o hedge cambial fica mais barato e assim as aplicações em dólar
onshore, com cobertura cambial, ficam mais bem remuneradas20.
Especulação
Arbitragem Hedge
Mercado
Mercado de
Primário
US$ à vista US$ futuro Derivativos
US$ futuro
Bancos
16
A operação de arbitragem é caracterizada
Mercado por duas operações de simultâneas, uma no mercado à vista
Mercado
Primário
e outra a termo, onde a motivação é de explorar
US$ à vista
distorções
US$ futuro
deDerivativos
preço entreUS$
asfuturo
cotações nos dois mercados
Regulação
e obter ganhos sem risco.
dos fluxos
17 Mercado
A análise de Keynes (1924)
Fluxos de
foi pioneira ao Interbancário
tratar esse aspecto.
Fluxos
comércio financeiros
18
A relação entre o taxa de câmbio futura e a taxa de câmbio à vista é dada pela paridade coberta
Fluxo cambial
conforme a equação ef = es (1+id) / (1+i*), que tem como variáveis
Empréstimo
via linha
a taxa de câmbio spot (es), a taxa de
Regulação
do mercado
câmbio no mercado futuro (ef) e as taxas de juros internacional e doméstica i* e id.
interbancária interbancário
Banco
19 Offshore
O cupom cambial é usualmente definido como a diferença entre a taxa de juros interna e a expectativa
de depreciação da taxa de câmbio do país. Essa definição é enganosa pois só se verifica se for válida a
paridade descoberta de juros. Em outras palavras, se for aceito que o diferencial de juros entre aplicações
em reais e em dólar traz embutido uma expectativa dos agentes quanto à depreciação da moeda
brasileira. Nesse caso, a cotação do dólar futuro seria um bom previsor da cotação do real no futuro.
Contudo, é extensa a literatura econômica que mostra que essa paridade não se verifica. A violação da
paridade descoberta de juros foi batizada de forward premium puzzle. Sobre a literatura que trata desse
assunto, ver Sarno e Taylor (2006).
20
Sobre os aspectos técnicos da formação do cupom cambial, ver Rossi (2012).
21
Com isso, o agente fica comprado em dólar futuro e vendido em dólar à vista, o que equivale a estar
“aplicado” em cupom cambial.
22
O fator gerador de IOF é o contrato de câmbio, o que constitui um empecilho técnico para a aplicação
do imposto nas operações de linha.
23
Os ajustes referem-se a alguma operação de câmbio desfeita, ou seja, contratada, mas não liquidada.
Regulação das
apostas com
derivativos
Intervenções Swaps
Especulação
Hedge
Bancos
Mercado
Mercado de
Primário Derivativos
US$ à vista US$ futuro US$ futuro
Regulação
dos fluxos
Mercado
Interbancário
Fluxos de Fluxos
comércio financeiros
Fluxo cambial
Empréstimo Regulação
via linha do mercado
interbancária interbancário
Banco
Offshore
24
Circular 3.520.
25
Sobre os aspectos técnicos dessa mudança, ver Rossi (2012).
26
Decreto 7.536.
27
Nota-se que o conceito de mercado offshore empregado não se define pelo parâmetro geográfico. Os
residentes no país que operam no exterior devem obedecer às prescrições da jurisdição brasileira. No
caso de uma operação de NDF (Non Deliverable Forward) no exterior, entre um residente e um não
residente, essa deve ser registrada em um órgão competente, e a rigor consiste em uma operação onshore.
28
Esses dados podem ser consultados na pesquisa “Triennial Central Bank Survey of foreign exchange
and derivatives market activity” do BIS.
29
A exemplo de Carneiro (2008), consideramos como inconversibilidade o não desempenho das funções
da moeda no âmbito internacional. Na prática, estamos nos referindo à inexistência do uso da moeda
brasileira como meio de pagamento que liquida contratos offshore.
Considerações finais
Esse artigo avaliou que a formação da taxa de câmbio no Brasil não depende
apenas do fluxo cambial, mas trata-se também de um problema de estoque de di-
visas no mercado interbancário e de apostas no mercado futuro. Destacou-se que
o mercado de câmbio brasileiro tem como especificidade uma assimetria de liquidez
e de regulação entre os mercados futuro e à vista que o torna extremamente per-
meável à especulação financeira. De forma recorrente, o protagonismo do mercado
futuro condiciona a volatilidade e as tendências cambiais. Períodos de especulação
unidirecional e arbitragem ininterrupta submetem a formação da taxa de câmbio
brasileiro à formação de expectativas dos agentes financeiros.
Essa dinâmica especulativa constitui um desafio para a elaboração e imple-
mentação de políticas cambiais. Os instrumentos usuais de atuação no mercado de
câmbio, como as intervenções e os swaps, apesar de importantes, não são suficien-
tes para mitigar a volatilidade e as tendências de preços gerados pelo setor finan-
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