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SALMO I

Senhor! Senhor! Por que consentes em ser negado pelos ateus? Por que, Senhor, não te
mostras a nós sem véus, sem engano? Por que, Senhor, nos deixas em dúvida, dúvida da morte? Por
que você se esconde? Por que você acendeu em nosso peito o desejo de conhecê-lo, o desejo de que
você exista, de velar você assim de nossos olhos? Onde estás, meu Senhor; você existe? Você é a
criação da minha dor, ou eu sou sua? Por que, Senhor, nos deixa vagar sem rumo procurando nosso
objeto? Por que você fez a vida? O que tudo isso significa, que sentido têm os seres?
Como dos eternos restos de lágrimas, você não acordou do mar de angústia, da herança de
dores e tormentos? Senhor, por que você não existe? Onde você está se escondendo? Nós te
procuramos e tu foges, nós te chamamos e tu te calas, nós te amamos e tu, Senhor, não queres dizer:
olha para mim, meus filhos! Um sinal. Senhor, apenas um, aquele que destruirá todos os ateus da terra;
aquele que dá sentido a esta vida sombria que arrastamos.
O que há além Senhor da nossa vida? Se você, Senhor, existe, diga por que e para quê,
diga o que você quer dizer! Diga por que tudo! Não poderia ter sido nada, nem você, nem o mundo?
Diga o porquê do porquê. Deus do silêncio! Tudo está no ar, não tem fundamento e tudo é vaidade das
vaidades.
«Pegue o dia!», diz-nos com conhecimento mundano aquele romano que buscou a virtude
além dos extremos, a mediocridade dourada e segue vivendo... que vida? "Pegue o dia!" e esse dia
nos pega, e assim escravos do tempo nos rendemos.
Tu, Senhor, nos fizeste para que te fizéssemos, ou nós te fizemos para que tu nos fizesses?
Onde está o chão sólido, onde? Onde está a rocha da vida, onde? Onde está o absoluto? O absoluto, o
solto, o desenfreado, não deve atrapalhar nossos corações ou cabeças! Mas... isso existe? Onde
encontrarei paz? onde eu descanso.
Fantasma do meu peito dolorido; projeção do meu espírito muito além das últimas estrelas;
meu eu infinito; substanciação do desejo eterno; sonho de luto; Pai, Filho da alma; oh Tu, a quem
negamos afirmando e negando afirmamos, dize-nos se és! Eu quero ver-te, Senhor, e depois morrer,
morrer completamente; mas ver-te, Senhor, ver a tua face, saber que tu és! sei que você vive! Olhe para
mim com seus olhos, olhos que queimam; olhe para mim e deixe-me ver você! Que ele te veja, Senhor,
e morra depois! Se existe um Deus de homens, o que nos importa a vida após a morte, irmãos?
Morrer para que Ele viva, para que Ele seja! Mas, Senhor, "eu sou!" 
Apenas diga-nos, diga-nos "eu sou" para que possamos morrer em paz, não em terrível
solidão, mas em seus braços! Mas diga-nos que é, tire-nos da dúvida que mata a alma! Do Sinai rasga
as trevas e ilumina nossos rostos como iluminaste o rosto de Moisés; Desce, Senhor, ao nosso
tabernáculo, quebra a nuvem, espalha a tua glória por todo o mundo e afoga-nos nela; Que morramos,
Senhor, para ver o teu rosto, para te ter visto!
«Quem vê Deus, morre» dizem que tu disseste, Deus do silêncio; deixe-nos morrer para vê-
lo e depois faça conosco o que quiser!
Olha, Senhor, que a aurora está prestes a romper e estou cansado de lutar contigo como o
fez Jacó!
Diga seu nome! seu nome, que é sua essência! Me conforte, me diga o que você é! Dá-me,
Senhor, o teu espírito divino, para que finalmente te veja! O espírito examina tudo, até mesmo de Deus,
o profundo. Você só conhece a si mesmo, Você só sabe que você é. Diga "eu sou!" quem pode ficar de
boca cheia se não só você? Diga-nos "eu sou!" Senhor, deixai-nos ouvir-vos, sem véu de mistério, sem
enigma algum!
Razão do Universo, onde você mora? por que sofremos? por que nascemos? Já de tanto te
procurar perdemos o caminho da vida, aquele que conduz a Ti se é, oh meu Deus, que vives. Vagamos
sem sorte, sem paz e sem direção, perdidos num nó de escuridão, com os pés destruídos, o sangue
escorrendo, o peito desmaiando, e nele o coração pedindo a morte. ]
Vai, eu não aguento mais, não vou daqui, não vou continuar aqui, vou ficar aqui, não
aguento mais, oh Deus sem nome! Eu não estou mais procurando por você. Não consigo mais me
mexer, estou exausto; Aqui, Senhor, te espero, aqui te espero, deitado na soleira da porta trancada com
a tua chave.
Eu te chamei, gritei, chorei aflito, te dei mil vozes; chamei e não abriste, não abriste à minha
agonia; aqui, Senhor, fico, sentado na soleira como um mendigo esperando esmola; te espero aqui.
Você abrirá a porta para mim quando eu morrer, a porta da morte, e então verei a verdade plenamente,
saberei se é você ou dormirei em seu túmulo.

Miguel Unamuno

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