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E-book
Vol. 1
Conteúdo extraído do livro:
Direitos reservados à
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Alameda Barros, 735 CEP 01232-001 São Paulo SP Brasil
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“Rabino”, ela começou com um suspiro, “eu preciso falar com você.” Todo
o modo de ela se comportar denotava dor, e eu a convidei para se sentar; então
ela descarregou sua história.
Não importa o quão cruel a vida possa parecer, as pessoas ainda sabem
de alguma maneira que Deus tem poder ilimitado – caso contrário Ele não
seria Deus. Ele está no controle do mundo. “Então, por quê?” – as pessoas se
questionam legitimamente. Por que o mundo parece tão terrível? Se Deus é
bom, por que a vida é tão ruim?
Não, as respostas não são simples. Nada tão desconcertante assim pode
ser solucionado com uma explicação superficial. De fato, há muitas respostas,
não apenas uma, e muitas podem se aplicar a diferentes situações. As variáveis
são infinitas; a combinação de possibilidades é quase ilimitada.
Todavia, eu acredito que o que você vai ler fará sentido para qualquer
coração receptivo. Este livro emergiu de uma série de conferências que foram
excepcionalmente bem recebidas. Em uma delas, um homem resumiu seus
sentimentos ao dizer: “O que você fez por mim foi mais do que me fazer
entender minhas dificuldades com maior clareza; você também me deu um
remédio poderoso para minha alma.”
Com toda honestidade, falar deste assunto não foi fácil. Certamente
posso dizer que este foi o mais difícil de todos os temas com o qual eu já lidei
em minhas conferências. Então, quando me sentei para escrever sobre isto,
tive que fazer uma extensa reflexão de alma antes de enfrentar a tarefa. Eu
percebo que, felizmente, fui poupado de maiores tragédias durante a minha
vida. Embora eu tenha tido que lidar com as mortes do meu pai e da minha
mãe, ambos faleceram com idades relativamente avançadas. O resto da minha
família, minha esposa e filhos, são felizes e saudáveis. Algumas pessoas
poderiam dizer: “Você não vivenciou sofrimento de fato. Você realmente não
sabe o que é isso.”
CAPÍTULO 1
O DILEMA DE JÓ
É por isso que o livro de Jó não é de fato a história de uma figura trágica
do passado. O livro de Jó trata de homens e mulheres do século 21 que tentam
compreender as circunstâncias injustas de suas vidas ao mesmo tempo que
lutam para se segurar em suas convicções. Acima de tudo, o livro de Jó lida com
um dilema que, cedo ou tarde, cada um de nós tem que resolver em nossas
vidas. Este dilema é a aparente contradição entre três suposições básicas:
* Deus é justo. Ele julga a todos nós com correção e imparcialidade. Ele
recompensa os bons e pune os maus.
* Jó é um homem bom.
Agora, visto que tudo vai bem para Jó – ele é saudável e rico –, podemos
acreditar simultaneamente nessas três afirmações sem dificuldade. Mas quando
o sofrimento de Jó começa, quando ele perde suas posses, sua família e sua
saúde, passamos a ter um problema: não podemos mais compreender o sentido
das três proposições simultaneamente; agora podemos afirmar quaisquer duas
delas somente se negarmos a terceira.
DEUS É JUSTO?
Para muitos, a conclusão mais lógica é que Deus não é justo. Ele é caprichoso,
talvez até mesmo mau. De fato, esta era a visão de mundo que prevalecia nos
tempos antigos, quando os povos adoravam deuses como Chacmool, o deus maia
da fertilidade, ou o deus Nergal, da Mesopotâmia, precursor do nosso Satã. Para
esses deuses eram sacrificados escravos, virgens e, até mesmo, seus filhos –
tudo o que fosse necessário para apaziguar os deuses.
Para alguns, questionar a justiça de Deus assume uma forma um pouco
diferente: embora Deus seja bom, Ele deve ter um oponente que não o é, e
que muitas vezes prevalece. Esta visão conduz inevitavelmente ao dualismo, à
convicção de que há dois deuses – um deus da bondade e outro do mal.
Será mesmo que Deus o abençoara em todas as coisas? Ele não o colocara
em meio a dez testes difíceis, dos quais o mais desafiador fora o pedido para
sacrificar o seu próprio filho? Será que Abrahão não teve que vagar por todo
o Crescente Fértil, suportar a fome e defender os membros da sua família de
agressores? Ele não acabara de enterrar sua amada esposa Sara, justamente
nos versículos que precedem esta declaração de que fora abençoado “em tudo”?
Mas há outros momentos em que Ele Se apresenta para nós como um rígido
juiz, determinando a sentença de acordo com a Sua lei e nos punindo por nossas
infrações. Então o Seu nome é Elohim, disciplinador rígido e legislador implacável
do universo. É por isso que, com toda razão, quando estamos angustiados e
fazemos nossas preces, nós as endereçamos a Adonai, e não a Elohim.
DEUS É TODO-PODEROSO?
Sigamos, então, para a segunda suposição; talvez seja esta que esteja
errada. Talvez Deus não seja Todo-Poderoso. Em Quando Coisas Ruins Acontecem
às Pessoas Boas, Harold Kushner assume esta posição. Ele discute que preferiria
“diminuir” Deus ao dizer que Ele é impotente para evitar que coisas ruins
aconteçam em vez de pensar mal de Deus por Ele causar sofrimento. Este seria,
então, o menor dos males. Inundações, incêndios e furacões não são “atos de
Deus”, como as companhias de seguros costumam chamá-los, mas eventos
fortuitos. Deus está chorando conosco porque Ele é incapaz de aliviar a nossa
dor. Não há nada que Ele possa fazer! O mundo como Ele criou funciona por
si mesmo. A natureza é fortuita e cega. Bactérias e vírus não fazem qualquer
escolha moral sobre quem eles infectarão. Os cromossomos se transformam ao
acaso, levando ao nascimento de uma criança deformada. Máquinas falham e
aviões caem sem motivo nem razão. Deus foi a “Primeira Causa”; mas, após
a Criação, Ele não opta mais – ou nem mesmo tem capacidade para interferir.
Por meio dessa dupla expressão, o primeiro dos Dez Mandamentos nos
ensina, na realidade, uma ideia absolutamente importante sobre o modo pelo
qual Deus está envolvido no mundo. Há aqueles que poderiam estar dispostos
a admitir que Deus tem um papel na história, mas consideram impossível
acreditar que a Sua preocupação se estende além das nações, a fim de incluir
cada indivíduo. Na opinião deles, Deus está disposto a se ocupar das “grandes
tarefas”, como o destino de um povo inteiro, mas certamente não com o que
acontece a cada família em particular. Teologicamente, eles não têm problema
em aceitar Deus como Aquele que levaria todos os judeus para fora da “terra
do Egito”; o que eles têm dificuldade em acreditar é que Deus estivesse tão
envolvido em detalhes a ponto de se preocupar também com cada “casa dos
escravos”. Terra, sim; mas casa, não. O Êxodo demonstrou que Deus não
apenas salvou o povo judeu, mas também cada judeu e judia. É por isso que,
depois de deixarem o Egito juntos, como uma nação, os judeus receberam a
ordem para marcar os batentes das portas de suas casas. Foi dito a eles para
sacrificar um cordeiro – um deus egípcio – a fim de provar a rejeição deles pela
idolatria. Eles tiveram que levar o sangue daquele cordeiro e espalhá-lo nos
batentes das suas portas a fim de reconhecer publicamente o seu compromisso
e a sua confiança em Deus. Se eles fizessem isso, Deus prometera que cuidaria
de cada moradia e faria com que o anjo da morte “passasse por cima” das casas
daqueles que escolhessem se identificar com Ele.
Sim, Deus conhecia cada endereço, cada residente. Naquela imensa
demonstração do Seu poder para mudar a história, Ele também demonstrou a
forma mais íntima de Sua preocupação. Deus não apenas interveio para salvar
um povo, mas para salvar 600.000 indivíduos – todos, e cada um deles, um
precioso microcosmo do mundo inteiro e um filho amado do Seu Criador.
Para comemorar esse fato incrível, até hoje em dia os judeus celebram
a festa de Pêssach (a Páscoa judaica). Em um jantar denominado de Sêder
(“Ordem”), a história da libertação dos israelitas é lida e revivida. O que os pais
tentam ensinar aos seus filhos é que, para todo evento da vida, seja grande ou
pequeno, há uma razão, porque o “princípio da ordem Divina” governa tudo o
que acontece.
JÓ É BOM?
Como você pode ver, resta apenas uma suposição para explicar o enigma
da aflição de Jó: afinal de contas, ele devia ser uma pessoa ruim. Você deve se
lembrar que os amigos de Jó também chegaram a essa mesma conclusão. É o
mesmo tipo de lógica que, notadamente, encontrou eco depois do Holocausto
por aqueles que assinam embaixo do que eu denomino “revisionismo teológico
do Holocausto”. Francamente, essa é uma abordagem considerada, por mim,
até mais perigosa e desprezível do que a visão que afirma que o Holocausto não
aconteceu. Esta última é facilmente refutável; a primeira condena aqueles que
não tiveram qualquer oportunidade para responder por si mesmos.
CAPÍTULO 2
REPREENSÃO E CULPA
Ao colocarmos a questão “se uma pessoa sofre, isso significa que ela
merece sofrer?”, nós obtemos imediatamente duas respostas aparentemente
contraditórias.
Mas se você é aquele indivíduo que está sofrendo, você tem a obrigação
de se perguntar: O que eu posso ter feito para merecer isto? O que eu poderia
ter feito para evitar isto? É possível que o meu sofrimento seja um castigo de
Deus? Ou é possível que o meu sofrimento seja talvez uma mensagem, um
alerta diante do qual eu tenha que reagir?
Dito de maneira simples, o Talmud nos ensina a reagir ao sofrimento
de duas maneiras diferentes, dependendo se estamos olhando para os outros
ou para nós mesmos. A resposta adequada para o sofrimento dos outros é
a compaixão; somos proibidos de condenar. A reação correta para o nosso
próprio sofrimento é a introspecção; talvez Deus esteja simplesmente usando
um método doloroso para nos transmitir uma importante verdade.
ALTO E CLARO
Darei alguns exemplos muito simples de mensagens inconfundíveis de
Deus que envolvem pessoas que conheço.
Mais uma vez, a correlação era muito exata para ser simplesmente
aleatória. Como você pode ver, há momentos em que Deus deseja que
reconheçamos claramente que Ele está intervindo em nossas vidas. Para isso,
Ele utiliza o que eu chamaria de “a precisão da impossibilidade estatística”.
Aquilo que é muito forçado para ser coincidência não deve ser outra coisa senão
a intervenção Divina. Como diz esta profunda observação, “a coincidência é
simplesmente o modo que Deus escolheu para permanecer anônimo”.
Minha esposa e eu quisemos então saber o que havia para se fazer por
algumas horas de um sábado à noite em Varsóvia. O gerente do hotel nos disse
que havia um cassino nas redondezas e que essa era a única atividade que
estava à nossa disposição.
RESUMO
Vejamos como estamos longe de responder à pergunta “Por que as
pessoas boas sofrem?”:
Às vezes Deus nos envia uma mensagem dolorosa para o nosso próprio
bem, de forma que possamos viver nossas vidas de um modo melhor. Se você
encosta numa chama, o que acontece? Você sente uma dolorosa sensação de
queimado e afasta a sua mão antes que algum dano sério ocorra. Sofrer pode
ser esse tipo de mensagem. Mas você deve confiar que, se isto é assim, haverá
uma pista na mensagem. Você será capaz de perceber alguma ligação entre o
que lhe aconteceu e algo que fez de errado e que lhe faz sentir-se muito mal.
Por exemplo, se há alguns anos você enganou um cliente ou sócio nos negócios
e amanhã alguma pessoa lhe enganar, você terá uma correlação clara. Essa é
uma pista.
Notas
1. Jó 1:1 – 2. Jó 1:21 – 3. Jó 4:7 – 4. Jó 38–40 – 5. Baba Batra 15a – 6. Gênesis 24:1 – 7. Baba
Metsia 58b – 8. Berachot 5a.
Não perca!
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CAPÍTULO 3
O PRINCÍPIO DA MAIOR
PRIORIDADE
“No princípio, ao criar Deus os céus e a terra, a terra era sem forma e
vazia, e havia escuridão sobre a face do abismo, e o espírito de Deus
pairava sobre a face das águas.”9
Estas são as sentenças de abertura da Bíblia que seguem adiante para nos
contar o dramático relato de como nós viemos à existência. Deve-se destacar
que, desde o início, nós recebemos uma pista muito importante de como Deus
irá relacionar a Sua Criação à nossa dor e sofrimento. A pista está numa palavra
hebraica incomum: merachéfet, que significa “pairava” e que só aparece duas
vezes em toda a Bíblia – aqui e no próprio fim do Pentateuco, no livro de
Deuteronômio.10 Ali, ao descrever aos israelitas o relacionamento de Deus com
Seu povo, Moisés compara Deus a uma águia que paira sobre seus filhotes.
Há uma velha piada que ilustra muito bem esse extremo da super
proteção: uma mulher salta de uma limusine diante de uma sofisticada loja de
departamentos, enquanto o motorista desce para carregar o seu filho de 10 anos
no colo. Um homem que passa na rua faz o seguinte comentário: “Puxa, que
tragédia, o garoto não pode andar.” A mãe escuta e responde, muito nervosa:
“O que você quer dizer com ‘não pode andar’? Ele pode, sim, mas não precisa!”
Pois esta foi a decisão adotada por Deus logo no início da Criação. Ele
permite que nós caiamos a fim de que possamos aprender a andar. Ele paira
sobre nós, protege-nos e não nos sufoca. Ele está ali, dirigindo, guiando,
auxiliando, mas não controlando.
Amar alguém significa permitir que aquela pessoa seja ela mesma. O
nome para esse aspecto do amor de Deus – a dádiva que Ele concedeu ao ser
humano para que possamos ser nós mesmos – é livre-arbítrio.
A primeira coisa que ele fez foi comer da árvore proibida, cujo preço foi
a mortalidade; esta, por sua vez, levou à dor e ao sofrimento.
Será que Deus desejava que o ser humano permanecesse no Jardim do
Éden e desfrutasse da felicidade reinante ali? A resposta é sim. Ele afirmou
claramente aos primeiros seres humanos o que aconteceria se eles comessem
da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, mas eles optaram por exercitar
o seu livre-arbítrio e cruzar uma passagem que trouxe consigo algumas
consequências muito graves.
Agora, se uma pessoa opta por assassinar outro ser humano, ela pode
ser bem-sucedida; todavia, é bem possível e provável que Deus não deseje que
a vítima morra: isto tem um peso muito importante para entendermos por que
coisas ruins acontecem às pessoas boas, como veremos logo.
A JUSTIÇA DE DEUS
No capítulo de abertura deste livro, nós nos recusamos a rejeitar a
posição de que Deus é justo e Todo-Poderoso. Então agora devemos perguntar:
Se Deus opta por limitar o Seu poder para que o ser humano possa exercitar o
seu livre-arbítrio, então como a justiça atua?
Você pode dizer que tudo isso é muito bonito, mas, se o rabino não
mereceu esse sofrimento e Deus está chateado e triste por isso ter acontecido,
será que Ele não tem alguma obrigação de fazer com que a justiça seja feita?
Ou Ele pode simplesmente ignorar o que aconteceu?
Do meu ponto de vista, todos nós temos uma espécie de conta bancária
com Deus. De vez em quando devem ser feitas algumas retiradas. Algumas
vezes não queremos fazê-las, mas elas são feitas e, então, Deus passa a dever
a nós.
Você pode dizer para Deus: “Eu teria preferido não estar naquele acidente
de carro. Eu não precisava desta perna quebrada bem agora, para impedir o
bom trabalho que estou fazendo.”
E Deus poderia responder: “Você está certo; você não precisa disso, nem
merece. Eu não queria que isso lhe acontecesse. Mas uma vez que aconteceu,
serei justo com você; farei as pazes contigo o mais rapidamente possível.
Para começar, farei com que entenda algo a respeito das demais pessoas que
talvez você jamais tenha entendido até este momento. Irei lhe ensinar novas
perspectivas a respeito da vida em decorrência desse acidente de carro, de
modo que, no final, você diga que o que lhe aconteceu foi uma bênção.”
Receber telefonemas de solidariedade e preocupação, ver de uma hora
para outra pessoas simples fazerem coisas extraordinárias por você, ganhar
consciência da bondade dos indivíduos, tudo isso vale alguma coisa. Não estou
dizendo que elas justificam coisa alguma, mas Deus é justo – quando Ele lhe
deve, Ele lhe paga. A retribuição virá integralmente, e você pode contar com isso!
EXCEÇÕES À REGRA
Deus decidiu que devemos ter livre-arbítrio. Mas vamos supor que, por
meio do exercício do livre-arbítrio de uma única pessoa, todos nós deixemos
de existir. Um homem enlouquecido aperta o botão que pode detonar um
holocausto nuclear e destruir o planeta. Deus iria interferir?
Eu tenho certeza de que sim. Deus não teria outra escolha, porque Ele Se
comprometeu, de forma irrevogável, com a nossa sobrevivência.
Esta é uma das lições mais importantes do livro bíblico de Ester. Deus
prometeu a Abrahão e a Moisés13 que o povo judeu seria uma “nação eterna” e
jamais seria destruído. No entanto, durante a época do Império Persa surgiu um
ministro muito poderoso, Hamán, que odiava os judeus e decidira destruí-los.
Além disso, parecia que, além do seu livre-arbítrio, ele também tinha os meios
para ser bem-sucedido nessa tarefa.
De modo semelhante, Hitler foi outro agente livre que pretendia destruir
todos os judeus. Seu plano quase foi bem-sucedido. Ele assassinou seis
milhões, mas fracassou em levar a cabo a sua “Solução Final”. Não faltam
relatos de resgates milagrosos durante a guerra, e Yaffa Eliach recolheu quase
uma centena deles em seu livro Hassidic Tales of the Holocaust (Relatos Chassídicos
do Holocausto). Estes foram os beneficiários da intervenção Divina, necessária
para que Deus evitasse a negação da Sua promessa para os Patriarcas.
“Eu imaginei que me apoiava sobre os casacos do meu pai, do meu avô
e do meu bisavô, de abençoadas memórias”, respondeu o rabino. E então ele
perguntou ao rapaz: “Conte-me, meu amigo, como você alcançou o outro lado
da cova?”
EM RESUMO
No início deste livro decidimos que a afirmação de que Deus é Todo-
Poderoso é verdadeira. Deus dirige o mundo. E não nos desviamos dessa
posição neste capítulo. Se um tijolo cai do alto de uma construção e mata
um pedestre; se um terremoto destrói um edifício e pessoas são mortas; se
ocorre algum acidente, devemos assumir que foi o desejo de Deus que fez
essas coisas ocorrerem.
Mas Ele também decidiu, logo no início da Criação, que iria “pairar”
sobre os seres humanos. Ele nos levaria a sermos nós mesmos. Sempre que a
liberdade de escolha de um ser humano está envolvida, Deus, necessariamente,
adota a política de não Se intrometer.
Para aqueles que acreditam que Deus é impotente, a reza é uma ilusão.
Por que rezar quando, afinal de contas, Deus não pode mudar as coisas?
Mas para aqueles de nós que acreditamos em um Deus Todo-Poderoso, a
reza oferece uma fonte de esperança. Milagres são possíveis, e pode-se rezar
por um milagre. Ainda que esteja envolvido o livre-arbítrio de um indivíduo,
situação em que Deus normalmente não interfere, Ele pode fazer um milagre
quando este for absolutamente necessário – e você tem permissão para rezar
uma prece dizendo que está em uma situação absolutamente necessária. Se
você já sofreu alguma perda, pode lembrar Deus de que Ele tem uma dívida
a ser paga. Ele pode quitá-la com você. Eu não sei exatamente como, mas
Ele fará alguma coisa; Deus lhe deve isso. Reze para Ele lhe ajudar. Não O
condene. Reze para Ele lhe auxiliar na situação em que você se encontra.
Como você pode ver até agora, há muitas razões pelas quais coisas
ruins acontecem às pessoas boas. Cada situação é única e complexa. Estamos
examinando um aspecto por vez – expondo pacientemente pequenos pedaços
deste grande mosaico – mas ainda precisamos apreciar o quadro como um todo...
CAPÍTULO 4
A RESPOSTA DE DEUS
Acabamos de ver que muito do que nos incomoda a respeito dos caminhos
de Deus deve ser, na verdade, creditado às ações do ser humano. Mas o que
fazer quando o mal parece vir diretamente de Deus?
O que pensar quando o médico lhe informa que o seu filho tem um câncer
incurável? Ninguém machucou o seu filho. Esse mal parece vir Daquele que,
supostamente, só faz o bem. Se uma pessoa má feriu o seu filho, você talvez
seja incapaz de perdoá-lo, mas no mínimo saberá onde colocar a culpa – na
maldade humana. Mas se Deus fere o seu filho, isto é difícil demais de suportar.
“E disse (Moisés a Deus): Mostra-me, rogo, a Tua glória. E disse (Deus): ‘Eu farei
passar todo o Meu bem diante de ti, e chamarei em Nome do Eterno diante de
ti; e farei misericórdia quando Eu quiser fazer misericórdia e Me compadecerei
quando Eu quiser Me compadecer.’ E disse: ‘Não poderás ver Meu rosto, pois
não poderá ver-Me o homem e viver.’ E o Eterno disse: ‘Eis aqui um lugar junto a
Mim, e te porás de pé sobre o penhasco. E será, quando passar a Minha glória,
que te porei na fenda do penhasco e te protegerei à Minha maneira, até que Eu
tenha passado. E depois retirarei a Minha glória, e verás Minhas costas, e o Meu
rosto não será visto.’” 15
A maioria das pessoas que leem isso literalmente assume que Moisés
deseja conhecer a aparência de Deus; em resposta, Ele não mostra o Seu
rosto, mas permite que Moisés dê uma olhada na parte de trás dos Seus
poderosos ombros.
O Talmud16 nos conta que Moisés não estava pedindo para “ver” Deus;
ele era mais inteligente do que isso. Moisés sabia que Deus não tinha corpo
nem forma que contivesse matéria; portanto, não podia ser visto com olhos
humanos. Em vez disso, Moisés estava pedindo para “ver” a “glória” de Deus,
a fim de poder compreender o plano Divino. Na verdade, Moisés está dizendo
a Deus: “Deus, eu Te amo, honro e respeito de todas as formas. Mas há coisas
sobre Ti que eu não entendo. Quando vejo uma criança com paralisia infantil,
um bebê com leucemia, um menininho sofrendo com tanta dor, e eu sei que
ele morrerá em breve, não entendo o que Tu estás fazendo. E eu adoraria
compreender plenamente os Teus caminhos, de modo que eu pudesse Te dar
toda honra que Tu mereces.”
É este o momento que Moisés escolhe para fazer o seu pedido, como se
dissesse: “Se isso é verdade, então me explique como a Tua glória está refletida
no sofrimento das crianças e na alegria dos maldosos? Tu podes me conceder
a dádiva de entender o sentido destas coisas?”
Então olhemos muito cuidadosamente, ponto por ponto, para o que Deus
está nos dizendo.
O QUADRO INTEIRO
“Eu farei passar todo o Meu bem diante de ti, e chamarei em Nome do Eterno
diante de ti.”
O Talmud ensina17 que no mundo vindouro tudo irá virar de cabeça para
baixo. Ali, aqueles que estão por baixo estarão por cima e vice-versa. A questão
é que, em geral, nossos julgamentos a respeito de quem é um santo e de quem
é um pecador estão longe da verdade. A maneira pela qual o universo terreno
oferece honras é literalmente caótica. Somente na vida vindoura poderemos ver
quem é verdadeiramente merecedor.
“Eu sou muito grato”, respondeu o sábio com voz firme, na qual podia
ser detectado mais do que um certo orgulho, “porque ao longo de todos os
meus dias eu servi ao meu Criador, estudando muito a Torá e rezando de
coração puro.”
De um lado foi colocada toda a Torá que ele estudara e todas as orações
que rezara, enquanto do outro foram colocados os sorrisos irônicos diários
exibidos quando ele encontrava o seu vizinho. Na comparação, o peso dos
sorrisos levou a escala da balança para a marca de “culpado”.
Assim que o caso do sábio foi encerrado, o trabalhador pobre foi levado
diante do tribunal celestial. “O que você fez com a sua vida?”, perguntou a voz
vinda do alto.
“Eu trabalhei duro por toda a minha vida a fim de suprir as necessidades da
minha esposa e dos meus filhos. Não tive tempo para rezar com a congregação
no horário apropriado, tampouco tive tempo livre para estudar mais a Torá,
porque havia bocas famintas para alimentar em casa”, respondeu o trabalhador,
com vergonha e pesar.
Isso foi feito pelo famoso talmudista e filósofo do século 12, Moisés
Maimônides, no Mishnê Torá.18 Nessa sua obra-prima legal, ele conclui que, aos
olhos de Deus, as boas ações e os erros são julgados qualitativamente, e não
quantitativamente.
“E o Eterno disse: ‘Não poderás ver Meu rosto, pois não poderá ver-Me o homem
e viver.’” Afinal de contas, o que isso quer dizer?
Moisés quer “ver” Deus, compreender os Seus caminhos. Mas Deus lhe
diz: “Enquanto você estiver vivo, jamais poderá Me ‘ver’ plenamente.” O quadro
inteiro é invisível à nossa limitada perspectiva terrena.
Imagine-se com o seu nariz quase encostando numa pintura impressionista.
Em um lugar você vê manchas do mais empolgante azul-celeste; em outro
canto há uma grande mancha preta; em outro, uma mancha branca. Somente
se você der uma dúzia de passos para trás é que verá o que a pintura descreve
– trata-se do quadro “Lírios”, de Van Gogh.
Por que foi dito a Moisés para se colocar sobre um penhasco (rocha)?
Porque a palavra em hebraico para rocha, tsur, vem da mesma raiz do verbo
formar, confeccionar ou moldar. A rocha faz alusão ao propósito humano sobre
a Terra: assim como Deus é um criador, o homem também o é. Na realidade,
o ser humano é parceiro de Deus na Criação, no aperfeiçoamento do mundo.
A fim de dar ao homem uma oportunidade para exercer sua função, Deus
propositadamente deixou o mundo por terminar; este foi criado incompleto.
É este o significado de Deus descansar ao final do sexto dia. Com certeza Ele
não estava cansado. “Deus descansou” significa que Ele parou no meio da
obra. Por quê? Para que o ser humano tivesse a oportunidade de participar do
aperfeiçoamento do mundo. Deus permite o surgimento de doenças para que
o ser humano exerça o seu papel de inventar curas. Deus permite que exista
a fome para que o homem invente novas tecnologias agrícolas. Deus permite
que haja seca para que o homem participe, levando o mundo a um patamar
mais próximo do ideal, por meio da invenção de novos métodos de irrigação, da
construção de represas e de projetos de dessalinização.
Mas pergunte a Marilyn Monroe. Ela tinha muito dinheiro, era lindíssima
e sua fama lhe trouxe um poder incrível. No entanto, todas essas coisas só lhe
trouxeram miséria e, no final, ela cometeu suicídio.
Por isso não tenha tanta certeza do que é bom e do que é ruim; você não
conhece a história por inteiro. Em geral, você está vendo só uma parte, e pode
levar anos antes que todo o quadro seja conhecido.
“Eu voltei para lhe contar o final daquela história”, ele me disse. E
compartilhou comigo o que lhe havia acontecido desde aquela época. Sua vida
havia sido preenchida de bênçãos: ele se casou, tinha uma bela esposa e filhos, e
estava muito feliz. Durante esse tempo, a garota que, segundo ele, acabara com a
sua vida, tornou-se uma alcoólatra e, por fim, casou-se e se divorciou três vezes.
No final das contas, ainda que mais tarde, ele percebeu que, graças
ao “trágico” rompimento daquela relação afetiva, ele pôde vivenciar coisas
muito melhores.
O Zôhar destaca que Deus nos dá uma pista disso no nome que Ele
escolheu para o primeiro ser humano – Adão. Em hebraico, Adão (Adam) é
escrito com as mesmas consoantes da palavra meód (muito) – mem, alef, dálet
–, mas em uma ordem diferente: alef, dálet, mem. Mais adiante, o Zôhar diz
que Adam é um acrônimo, uma sigla para três pilares da história humana.
Alef, a primeira letra do alfabeto hebraico, representa o início da história da
humanidade, com Adam. Dálet, a letra inicial do nome do Rei David, representa
o auge da história judaica. Mem é a letra inicial de Mashíach (Messias), que
levará o mundo ao seu tão esperado estado de plenitude.
Deus responde: “Ei, espere aí. Eu questiono duas das tuas premissas.”
“Quais premissas?”
“Em primeiro lugar, não seja tão apressado em chamar algumas pessoas
de boas e outras de ruins, porque você não tem certeza disso. Em segundo
lugar, você está convicto das suas definições? Você tem certeza de que sabe do
que está falando? Você não é otimista; e não é otimista porque não pode ver a
Minha face. Você só poderá vê-la em retrospecto, quando uma coisa tida como
terrível irá se transformar na melhor coisa que poderia acontecer. Às vezes
levará anos para você perceber isso. Algumas vezes você jamais perceberá,
pelo menos não nos seus dias na Terra.”
É fácil dizer: “Certo, ele perdeu o seu emprego, mas encontrará outro do
qual gostará muito mais – portanto, perder o emprego não foi assim tão ruim.”
Mas quando acompanhamos uma pessoa morrendo lentamente de câncer,
sofrendo a cada respiração, não é fácil – de fato, é quase impossível – dizer:
“Isto também é para o bem.”
Uma esposa me diz: “Meu marido ficou doente, permaneceu doente pelo
resto dos seus dias, e então morreu. O que há de bom nisso? Não me diga para
esperar pelo fim da história; eu já sei o fim da história: ele morreu.”
No entanto, Deus nos diz: “O homem não pode Me ver e viver.” Não
podemos ter acesso a todo o quadro antes da hora da morte. A morte é o portal
para o além – e essa mesma descrição nos recorda que há algo mais após a
nossa passagem pela Terra. Deus parece estar dizendo que o que ainda não
está claro durante a nossa existência finita será passível de compreensão assim
que formos abençoados com a perspectiva Divina da eternidade.
Notas
9. Gênesis 1:1-2 – 10. Deuteronômio 32:11 – 11 Êxodo 21:12-13 – 12. Conforme citado por Rashi;
Macot 10b – 13. Gênesis 17:7 e Levítico 26:44-45 – 14. Ester 4:14 – 15. Êxodo 33:18-23 – 16.
Berachot 7a – 17. Pessachim 50a – 18. Hilchot Teshuvá, capítulo 3, lei 2 – 19. Berachot 60b.
Não perca!
PARTE 2
POR QUE MORREMOS?
CAPÍTULO 5
O PREÇO DO PARAÍSO
Morte. Esta palavra tornou-se conhecida por causar medo nos corações
dos seres humanos.
Mas sabemos que isso é impossível. Assim como Josué sentenciou sobre
o seu leito de morte, a morte é “o caminho de toda a terra”. Desde o momento
do nascimento nós nos aproximamos cada vez mais da morte. De fato, o mesmo
Deus que é o Autor da vida é Aquele que decreta o destino universal da morte.
Os judeus rezam pela vida. Nós agradecemos a Deus por nos dar a vida.
Começamos cada dia com uma oração que expressa nossa gratidão ao Todo-
Poderoso por “devolver nossas almas” de modo que possamos continuar a
desfrutar da Terra. E então, cedo ou tarde, Deus leva cada um de nós deste
mundo. Se a vida é boa, por que Deus criou a morte? E se a morte é ideal, por
que sofrer com a vida?
A fim de solucionar esse paradoxo, nós nos voltaremos mais uma vez
para a sabedoria do Talmud.
Mas. neste caso, a decisão final parece ter sido estabelecida de antemão.
O Talmud – em contradição com suas regras gerais de argumentação – faz uma
tentativa ousada de estabelecer a resposta a essa questão logo no início. Começa
com uma declaração dramática em resposta à questão posta pela realidade da
morte. Por que pessoas boas morrem? O Talmud diz: “Elas não morrem.”
Esta é uma declaração muito forte. Rav Ami está dizendo explicitamente
que a morte é resultado do pecado. As pessoas morrem somente porque elas
não são dignas da vida. Ele parece sugerir que qualquer um que morre deve ter
cometido algum crime terrível, punível com a morte.
O PREÇO DO PECADO
Para que essa declaração faça sentido, devemos levar em conta o primeiro
pecado e a primeira sentença de morte da história. Como isso aconteceu?
Perceba que, no relato, Deus diz: “De toda árvore do jardim podes comer.”
Ele diz claramente: “toda”. É somente da Árvore do Conhecimento que Adão
e Eva não podem comer. Essa passagem nos conta, indiretamente, algo muito
interessante. Se inicialmente os seres humanos tinham permissão para comer
de todas as árvores, inclusive da Árvore da Vida, então isso deve significar que
Deus pretendia originalmente que eles vivessem para sempre. Somente quando
eles pecaram foi que houve consequências, entre as quais o decreto de que a
Árvore da Vida estaria agora fora das fronteiras do Jardim do Éden.
A história nos conta que, se Adão e Eva não tivessem pecado, nem eles
nem o mundo teriam conhecido a morte. Graças às suas transgressões, todos
nós nos tornamos mortais.
A única explicação para a morte das gerações futuras, de acordo com Rav
Ami, é que cada um de nós, de um modo ou de outro, repete o pecado de Adão
ao desobedecer aos mandamentos de Deus.
O ENIGMA DA VIDA
Mas espere um instante: ainda está faltando alguma coisa. Acabamos
de concluir que as pessoas boas morrem porque este mundo ruim não é
suficientemente bom para elas – os bons merecem um Jardim do Éden e, uma
vez que este mundo não é o paraíso, eles não deveriam estar aqui. Mas se
isto for mesmo verdade, então não deveríamos estar perguntando por que as
pessoas boas morrem, mas, sim, por que elas vivem? Se elas não pertencem à
Terra, por que, afinal, elas estão aqui?
Então é assim que o quadro inteiro faz sentido. Você vem para a Terra
com uma alma pura. Sua missão é fazer tudo o que estiver ao seu alcance para
manter essa pureza. Desse modo você terá orgulho de saber que conquistou o
seu lugar no Céu.
Um homem muito rico, que fora miserável ao longo de toda a sua vida e
nunca fizera qualquer caridade, morre e chega ao mundo vindouro.
A resposta vem em seguida: “Eu lamento muito, mas aqui no Céu não
aceitamos cheques, apenas recibos.”
Naturalmente, a questão é que, após a morte, não há mais nada que você
possa fazer. As suas oportunidades de fazer boas ações estão todas vencidas. E
é por isso que o Rebe estava chorando no seu leito de morte.
A vida é boa – inclusive para uma pessoa perfeita que não necessita estar
aqui – porque ela nos permite merecer a nossa recompensa, o nosso lugar no
paraíso.
CAPÍTULO 6
O ENIGMA DA MORTE
Sim, algumas pessoas morrem por causa dos seus pecados, como
vimos no capítulo 5. Mas – e eu enfatizarei isso ao máximo – esta não é,
de forma alguma, a razão exclusiva para a morte. Devemos nos lembrar do
simples silogismo de que “A pode causar B” é completamente diferente de “b
sempre é causado por a”. Então, o fato de todas as pessoas que cometem
crimes terríveis serem punidas com a morte, segundo nos conta a Bíblia, não
significa que todas as pessoas que morrem cometeram transgressões e estão
sendo punidas por isso.
Então, embora a primeira morte não devesse ter ocorrido, ela ocorreu.
Todavia, Deus é justo; por isso, sabemos que Ele deve igualar a contagem e, de
algum modo, promover indenizações.
Mas eis que surge uma questão: como? Como Deus pode indenizar Abel?
Afinal de contas, Abel está morto.
Está claro que este não pode ser o final da história. Antes de tentarmos
imaginar a sua conclusão, devemos entender o seu início. Então examinemos
todos os elementos, um a um.
Eu conheço uma pessoa cujo pai foi assaltado e assassinado. Ele era
um homem piedoso, respeitado, o exemplo de um santo homem. Rezar era a
sua paixão; a caridade, o seu prazer; os atos de bondade, o seu dia-a-dia; e
o estudo dos textos bíblicos consumia muitas das horas em que permanecia
acordado. Contudo, outro ser humano, que agiu de forma desumana, levou a
sua vida. Mais uma vez alguém repetiu o crime de Caim, e um Deus justo agora
é responsável por corrigir esse erro terrível. Como Ele fará isso?
Deus deve punir Caim e indenizar Abel. A conclusão dessa história, que
descreve como Deus age nessas circunstâncias, ensina-nos bastante a respeito
do conceito Divino de justiça e misericórdia.
Por que uma sentença em duas fases? Porque Caim cometeu um crime
em duas fases. Este foi, é claro, o assassinato do seu irmão. Mas também foi
uma recusa em assumir a responsabilidade por suas ações. Quando Caim disse
a Deus: “Sou eu o guardião do meu irmão?”, ele se “divorciou” do seu irmão,
como se Abel nada tivesse a ver com ele, como se fosse separado dele.
A Cabalá ensina que todo aquele cuja vida foi tomada de um modo que
não estava de acordo com o plano de Deus, qualquer um que deveria ter tido
uma vida mais longa mas não teve, ainda tem direito aos seus anos de vida
decretados Divinamente. Assim, o que acontece a Abel? Ele renasce; ele obtém
uma nova chance.
Isso teve que acontecer porque Abel não estava preparado para ser Abel.
Por isso ele teve que receber outra oportunidade para cumprir a sua missão no
mundo e, assim, conquistar o seu lugar no paraíso.
O que discutimos até agora foi um tipo de morte – a morte nas mãos de
outra pessoa. E talvez, em nossa indagação para entender como Deus pode ser
bom, justo e Todo-Poderoso e ainda assim permitir que pessoas boas morram,
este seja o cenário mais simples para se solucionar a questão. Deus não é o
responsável pelo que houve, mas Ele irá corrigir o erro. Mas, e se Deus for o
responsável – como no caso em que uma pessoa morre prematuramente de
causas naturais ou quando uma criança morre de alguma enfermidade? E então?
MISSÃO CUMPRIDA
O Talmud nos conta a seguinte história:28 um estudante estava
caminhando ao lado do seu rabino, e ele estava muito triste. Triste com Deus.
Parece que um colega seu, um estudante de Torá brilhante, que mal passara
dos 20 anos, ficou muito doente e morreu. Então, o estudante diz ao rabino:
“Eu não posso entender isso. Ele era um bom homem. Não me diga que ele
morreu prematuramente porque cometeu algum pecado grave. Eu não acredito
que ele tenha feito isso. Então, por que Deus o levou com essa idade?”
Eu não posso ajudar, mas posso refletir acerca dos judeus que morreram
em 1939 na Europa Oriental. Não há dúvida de que os seus entes queridos
lamentaram e tentaram imaginar por que esta ou aquela pessoa morreu antes
do seu tempo. Somente ao olharmos em retrospecto é que podemos entender
que os falecidos foram poupados de ver a aniquilação de suas famílias e
comunidades. E talvez eles tenham sido poupados de uma forma diferente de
morte, uma morte horrível, sem um pingo de dignidade.
Não importa como entendamos isso, Enoque morreu muito mais jovem
do que seus contemporâneos. A Bíblia nos conta: “E Enoque andou com Deus
e desapareceu, porque Deus o tomou.”30 Perguntam os Sábios: O que isso
significa? “Desapareceu” parece implicar uma partida repentina e inesperada.
E por que nos dizer “porque Deus o tomou”? Não é esta a definição de morte
para qualquer um, e não apenas para ele? Deus toma a todos nós quando Ele
decreta a nossa morte!
O FIM DO SOFRIMENTO
Em quais outras instâncias a morte pode ser vista como uma bênção?
Quando esta encerra uma enfermidade prolongada, acompanhada por um
sofrimento terrível. Um pouco mais adiante daremos diversas explicações para o
sofrimento e veremos como um Deus bom, justo e Todo-Poderoso pode permitir
que pessoas boas sofram. Mas por ora consideraremos aquelas situações –
com as quais todos nós estamos familiarizados – em que uma família respira
aliviada quando uma pessoa idosa, vítima de câncer, finalmente encontra alívio
na morte.
MORTE E NASCIMENTO
O Midrash nos oferece um outro ponto de vista do que seria a vida sem
a morte. Vejamos:
Após um funeral judaico, pede-se aos enlutados para que comam um ovo
cozido, símbolo da vida, mas que também serve para recordar o ciclo da vida.
Alguns morrem e alguns nascem, e para que possa haver nascimentos, nós
precisamos ter mortes.
Esta pode ser uma razão suficiente para aceitarmos a morte. Um nível
mais elevado de compreensão nos permite ir ainda mais longe. Em certo sentido,
a morte também pode servir como um momento de celebração.
A CELEBRAÇÃO DA MORTE
Em outro Midrash,32 ouvimos falar de um filósofo que estava diante da
orla marítima quando um novo navio estava partindo. Todos estavam muito
excitados e felizes com a cerimônia de partida. À distância, outro navio se
aproximava, voltando de uma longa e perigosa viagem. O filósofo disse: “Que
gente tola. Vocês não estão fazendo o oposto do que deveriam estar fazendo?
Aqui todos vocês estão excitados e felizes com esse novo navio, e não sabem
o que acontecerá com ele; vocês não têm ideia do que ele vai ter que passar.
Há outro navio que enfrentou as tempestades do mar. Ele está retornando
carregado de tesouros; é um navio que já se mostrou bem-sucedido. É para ele
que vocês deveriam voltar a sua atenção; era o seu retorno que vocês deveriam
estar celebrando.”
A morte é uma viagem para outro destino. Conhecer mais sobre o que
nos espera é remover o medo do desconhecido. No próximo capítulo iremos
compartilhar a notável sabedoria do judaísmo sobre o que nos acontece depois
que morremos.
CAPÍTULO 7
A VIDA APÓS A MORTE
Nenhuma discussão sobre a morte pode ousar ignorar uma das principais
convicções judaicas que, hoje em dia, surpreendentemente, vem ganhando
novos adeptos em virtude dos atuais avanços da medicina.
Nos últimos anos temos visto uma enxurrada de filmes populares baseados
no tema de as almas sobreviverem após a morte: Para Além do Horizonte (What
Dreams May Come), com Robin Williams; Ghost,com Whoopi Goldberg; Voltar
a Morrer (Dead Again), com Kenneth Branagh e Emma Thompson; e, é claro,
o imensamente bem-sucedido O Sexto Sentido, com Bruce Willis. E quem não
se lembra da cena final de um dos filmes de maior bilheteria em todos os
tempos, Titanic, quando a heroína, agonizante, é cumprimentada do outro lado
por pessoas que morreram antes dela?
As últimas décadas têm visto a cultura popular abraçar uma ideia que, no
passado, só encontrou aceitação nos círculos místicos e paranormais. Ninguém
jamais poderia sonhar que livros como Conversando com os Espíritos (Editora
Sextante) e Em Busca da Espiritualidade (idem), escritos na década de 1990,
alcançariam o topo da lista de mais vendidos do The New York Times, ou que o
livro de Brian Weiss, Muitas Vidas, Muitos Mestres (idem), escrito na década de
1970, se tornaria um best-seller internacional traduzido para mais de 30 línguas.
O que tem levado a essa obsessão contemporânea por uma ideia que
antigamente estava reservada ao campo da religião? O que incitou o mundo
secular a se tornar repentinamente tão receptivo ao conceito de uma alma
imortal? Com quase toda certeza, a resposta repousa em uma incrível inovação
médica dos anos 1970 que passou a ter um papel significativo nas vidas de
milhares de pessoas.
Com qual parte dos seus cérebros inativos elas se lembraram, e como
possivelmente puderam ver e ouvir? Seus corpos físicos não eram mais capazes
de executar essas tarefas. Não surpreende que quase todos os que passaram
por uma experiência de quase-morte – independente de que antes fossem
religiosos ou céticos radicais, agnósticos ou ateus – tenham alcançado uma
crença inabalável em uma alma não-física que sobrevive à morte do corpo.
Mais adiante ele tenta contar aos outros, mas tem dificuldades em
fazê-lo. Em primeiro lugar, não consegue encontrar palavras humanas
adequadas para descrever estes episódios sobrenaturais. Ele também
imagina que os outros irão zombar dele; então deixa de falar sobre isso
com outras pessoas. Além disso, a experiência afeta profundamente
a sua vida, especialmente seus pontos de vista sobre a morte e seu
relacionamento com a vida.
Ele descreveu o caso de uma paciente de 9 anos de idade, Kate, que foi
ressuscitada depois de se afogar. Ao retornar à vida, ela descreveu detalhes
físicos do que ocorrera no hospital enquanto estava inconsciente. Ela contou
como um guia a levou por um túnel onde ela conheceu o seu avô falecido. Foi
quando um ser de luz apareceu e lhe perguntou se ela queria voltar para a sua
mãe; ela respondeu afirmativamente, e a próxima coisa de que ela se deu conta
foi que acordou na sua cama de hospital.
Kate acrescentou convictamente que, durante a sua EQM, ela viajou fora
do corpo para a casa dela. Lá viu o seu irmão brincando com um boneco G. I.
Joe em um jipe e sua irmã brincando com uma boneca Barbie. Ela descreveu as
roupas que seus pais estavam usando, onde o seu pai estava sentado na sala
de estar e o que a sua mãe estava cozinhando. Cada uma das suas observações
foi confirmada.
O que acredita tem certeza de que outra vida os espera depois que eles
forem expelidos do seu lar atual. Ele fala com segurança: “Eu não posso acreditar
que Deus nos colocou aqui durante nove meses, cuidou de nós, alimentou-nos,
permitiu que crescêssemos e nos desenvolvêssemos sem qualquer propósito.
Deve haver algum plano maior que ainda desconhecemos. Nossa presença aqui
pode ter sido apenas uma preparação para uma vida mais gloriosa a seguir. É
impossível pensar que tudo o que podemos esperar daqui em diante seja um
total esquecimento.”
O irmão que acredita tenta novamente defender a sua crença. Ele sugere
que, uma vez fora do útero, eles poderão inclusive se mover mais livremente. Ele
fala sobre a possibilidade de outros modos de se obter comida. Ele compartilha o
seu sonho de um tipo de independência que vai além da imaginação deles, mas
infelizmente não tem como expressar isso em palavras. Na falta de qualquer
contato com a vida tal como esta é vivida na Terra, ele é brecado quando seu
irmão põe abaixo suas visões como impossíveis e lhe pede para defendê-las
com exemplos concretos.
Eu acredito que morri e fui para o céu, mas não era minha hora, e
por isso fui enviado de volta. Não há palavras para fazer justiça ao que
me aconteceu. Foi até 100 vezes mais excitante do que aguardar pelo
Natal quando você é uma criancinha, mais divertido do que dirigir o carro
mais veloz ou ter a melhor relação sexual.
Estas são as palavras de Joe, um homem inglês que teve uma experiência
de quase-morte. Embora sua conclusão soe quase suicida, na verdade não deve
ser vista assim. Juntamente com aqueles que compartilharam a sua experiência,
ele percebeu que a decisão Divina de o enviar de volta significou que ele tinha a
obrigação de cumprir uma missão ainda inacabada. Contudo, o que ele escolheu
expressar foi a certeza da sua convicção recém-descoberta, de que o que lhe
aguardava no fim dos seus dias deveria ser aguardado ansiosamente, em vez
de temivelmente esperado.
20. Shabat 55a. – 21. Ezequiel 18:20. – 22. Salmos 89:33. – 23. Números 20:12. – 24.
Outras pessoas inocentes também morreram, mas pelas mãos de outras; todavia, somente estes
quatro morreram pelas mãos de Deus, ainda que fossem inteiramente inocentes de pecado. – 25.
Ezequiel 18:20. – 26. Números 35:9. – 27. Ética dos Pais 1:12. – 28. Talmud de Jerusalém, Berachot
2:8. – 29. Baba Batra 16b; Midrash Rabá 63:12. – 30. Gênesis 5:24. – 31. Ketubot 77b. – 32. Midrash
Não perca!
CAPÍTULO 8
QUANDO MORRE UMA CRIANÇA
Mas quem somos nós para pensar que uma pessoa visivelmente não
completou a sua missão, quando há aqueles que deixam esta Terra antes que
consigam, possivelmente, alcançar alguma coisa? Quando morrem pessoas
jovens, com toda a certeza não se pode dizer que elas cumpriram seus propósitos
na vida. Se elas morreram em virtude de um ato violento de terceiros, pudemos
explicar que um Deus Todo-Poderoso optou por não interferir no livre-arbítrio do
agente criminoso. Mas como lidar com a morte de uma criancinha, vítima de uma
doença incurável ou de causa desconhecida? O que temos a dizer sobre isso?
“Alguns anos atrás, alguém muito importante me deu duas joias preciosas
para cuidar. Agora ele veio pedi-las de volta. Eu devo devolvê-las ou não?”
“Como você pode perguntar uma coisa dessa? É claro que, se tiver algo
que é de outra pessoa, você deve lhe devolver!”
Ela então o levou pela mão e o conduziu para o quarto onde os corpos
dos meninos estavam deitados. A mulher removeu as mortalhas, e ele viu os
seus filhos mortos. Imediatamente, começou a chorar. Mas ela lhe disse:
“Meu querido marido, você não disse que nós deveríamos devolver a
propriedade ao seu dono? O bom Deus deu, e o bom Deus levou.”
O Talmud nos lembra de que nossos filhos não são de nossa propriedade.
Eles são criações e presentes de Deus. Às vezes, Ele os pede de volta quando
nós ainda gostaríamos de mantê-los conosco.
Como ela foi capaz de fazer isso? Porque entendeu que o mesmo Deus
que agora levou essas vidas havia sido magnânimo em conceder um presente
assim tão precioso anteriormente. Quando Deus deu, todos reconheceram
a Sua bondade; agora que Ele levou, será que posso condenar Aquele que
anteriormente se mostrou tão desejoso de me mostrar o que é bom? Não. Este
é um ato incompreensível para mim, mas vem das mãos de Alguém que jamais
me fará mal.
Quando um bebê morre, não se pode dizer que este sofreu muito. Sua
vida efêmera foi tão breve que ele praticamente não teve ciência da sua vida
ou da sua morte. Nosso problema não tem a ver com a sua dor, mas com o seu
propósito. O que foi que a sua alma veio supostamente cumprir sobre a Terra?
A resposta mais notável pode ser que a missão da criança na Terra foi
cumprida por sua vida e morte imediatas. Sua missão pode ter sido ser o veículo
para – e eu lamento não ter um modo melhor de dizer isso – um reembolso
da dívida dos seus pais com Deus. É claro que Deus não precisa disso; é o
reembolso de uma dívida necessária para auxiliar os pais a crescerem intelectual,
emocional e espiritualmente. Esta pode parecer uma pílula dura de engolir, mas
é para crescer que nós estamos aqui, e quando o crescimento está emperrado,
Deus interfere para empurrar a pessoa para frente. Uma mensagem trágica e
traumática pode bem ser o toque de despertar que as pessoas precisam para
fazê-las reconsiderar seus valores e o seu modo de encarar a vida.
O Midrash34 nos oferece a seguinte parábola: um homem estava devendo
muito ao rei e não tinha meios de lhe reembolsar o dinheiro. O rei enviava
constantemente um mensageiro para cobrar a dívida, mas toda vez o homem
implorava por mais tempo. Finalmente, o rei fez algo estranho: ele fez com
que a mesma soma devida fosse lançada através da janela da casa do homem,
que se regozijou com o inesperado tesouro. Pouco depois, o mensageiro do
rei chegou a fim de, mais uma vez, cobrar a dívida. O homem então teve que
se separar da sua fortuna recém-encontrada a fim de, finalmente, pagar a sua
conta com o rei.
Eis uma história enigmática. O rei fora muito generoso com o homem, mas
este não podia pagar o que devia. Por isso o rei, em sua grande magnificência,
lhe deu um presente anônimo a fim de lhe permitir honrar o pagamento da
sua dívida!
O único propósito era que o devedor pagasse a sua conta, pois, enquanto
ela ficasse em aberto, a relação ficaria obstruída. Deus não deseja levar a criança
de uma pessoa embora como uma espécie de oferenda ou apaziguamento; Ele
não precisa de nada disso. Pelo contrário, a intenção Divina é proporcionar aos
pais a oportunidade de rever o seu ponto de referência da realidade. É como se
Deus estivesse dizendo:
“Este mundo não é seu; é Meu. Tudo aquilo que você percebe como
seu veio de Mim, inclusive você. Eu tomei de volta a criança que lhe dei
porque o seu filho é nada mais do que uma extensão de você mesmo.
Eu não preciso levá-lo, tampouco sinto prazer com o seu sofrimento
após tê-lo levado. Em vez disso, só desejo zerar a sua conta, cuja dívida
criou um distanciamento cada vez maior na nossa relação. Agora Eu
levei de volta o que era Meu, e você pagou a sua dívida por meio da sua
angústia. Eu só espero que você utilize a experiência para elevar a sua
perspectiva espiritual.”
Eles nos contam que Judá, que vendera o seu irmão José como escravo,
expiou a dor que causou ao seu pai do seguinte modo: Judá mentiu ao seu pai
ao afirmar que animais selvagens mataram José, o filho mais amado de Jacob.
O pesar do ancião não teve limites.
Ao ver a angústia de Jacob, Deus disse a Judá: “Você não teve nenhum
filho até agora; não entende o tormento de perder um filho. Eu lhe faço este
juramento: você se casará com uma mulher e enterrará o seu filho, e então
você saberá. Então compreenderá a intensa dor que causou ao seu pai.”
As tragédias podem ter significado não apenas para aqueles que sofrem
diretamente as suas consequências. Elas também podem fazer parte de um
plano maior, a fim de inspirar e educar um círculo muito maior de testemunhas.
Se você perdeu algo, você não se torna muito mais cuidadoso com
aquilo que tem? Se uma mulher sofre um acidente e então dá à luz uma
criança saudável, ela não agradece o presente recebido? Se uma mãe teve
uma criança que morreu, ela não será ainda mais amorosa com os outros filhos
que terá no futuro?
Ainda que possamos não gostar de ouvir que há um propósito educativo
em uma tragédia tão terrível, a vida prova constantemente que as coisas são
assim. A perda ou a quase-perda nos ajudam a pôr em perspectiva o que temos
e o que avaliamos como importante.
Será que eu poderia ter aprendido estas coisas por conta própria de
um modo menos traumático? Algumas pessoas conseguem, e eu imagino que
também seria capaz, mas não fui. Não estou mais amargo, pelo contrário;
estou mais seguro de que Deus se importa, porque Ele criou um intervalo em
minha vida para se assegurar de que eu aprenderia lições sem as quais eu não
poderia viver. 36
PECADOS DOS PAIS?
A Cabalá diz que um bebê que morre teve que retornar por um curto
período de tempo para completar alguma tarefa mínima. Os pais cumpriram o
mandamento de “frutificar e multiplicar” e tiveram a oportunidade de expressar
um elevado nível de amor. E o bebê, ainda que sem realizar um ato consciente,
pode ter proporcionado a terceiros uma chance ao lhes dar a oportunidade
de demonstrar amor. Isso pode ter sido tudo o que era necessário para ele
completar o seu último ciclo de expiação. Mais do que isso: assim que morreu,
pode ter recebido créditos da parte de Deus pelas obras meritórias que seus
pais fizeram em seu nome.
Mas será que esta também é a razão pela qual crianças pequenas sofrem?
Aqui chegamos, finalmente, ao segmento mais difícil da nossa avaliação – as
razões para o sofrimento aparentemente sem motivo. É isso o que veremos no
próximo capítulo.
CAPÍTULO 9
AS DÁDIVAS DO ENVELHECIMENTO,
DA DOR E DA DOENÇA
E, finalmente, peça que as pessoas lhe contém o que elas veem de bom
a respeito de uma doença terminal e elas provavelmente lhe dirão o que muitos
afirmam pedir em suas orações: “Quando for a minha hora de partir, por favor
não permita que ela se prolongue; por favor, me deixe morrer calmamente
durante o meu sono, assim eu posso ser poupado da ansiedade e do medo de
saber que a morte está próxima.”
Mas, de acordo com a tradição judaica, cada uma dessas três veio ao
mundo como a resposta de Deus para uma prece humana. Três pessoas muito
importantes, os três Patriarcas, consideraram crucial envelhecer, sofrer e ter
consciência da iminência da morte, e Deus simplesmente não lhes pôde rejeitar
isso. Longe de serem três maldições, envelhecer foi a bênção de Deus para
Abrahão; sofrer foi o presente concedido a Isaac; e uma doença terminal foi a
resposta positiva de Deus ao apelo de Jacob.
Como isso pode ser possível? E qual é a fonte bíblica para um comentário
aparentemente tão absurdo? Para apreciar o que os rabinos disseram, você
precisa conhecer um princípio da análise da Torá.
O Talmud nos chama a atenção para esse fato e então nos oferece um
intrigante Midrash.39 Este relata que cada um dos três Patriarcas – Abrahão, Isaac
e Jacob – pediu um favor para Deus. Em cada um dos casos, Deus atendeu ao
pedido e concedeu um “presente”.
Será que isto está correto? Os três piores castigos para a humanidade
são, na realidade, três presentes? E eles vieram ao mundo porque os sábios
Patriarcas – os mais sábios dos homens, conforme nos ensinaram – pediram?
Nós devemos estar perdendo alguma coisa quando pensamos na velhice, no
sofrimento e na doença como maldições em vez de bênçãos.
O PRESENTE DO SOFRIMENTO
O Midrash continua: alguns anos depois, Isaac foi o primeiro a pedir o
sofrimento para Deus. Antes de Isaac, os únicos exemplos bíblicos de sofrimento
ocorrem por meio de punições.
A esse pedido, Deus responde: “Você pediu uma coisa boa. E esta
começará por você.”
Então pela primeira vez aparece uma aflição – neste caso, a cegueira. E é
por isso que está escrito: “E foi quando envelheceu Isaac e se lhe escureceram
os olhos para ver.”41
O Midrash então nos conta que, alguns anos depois, Jacob pediu a doença.
Ele disse a Deus: “Mestre do Universo, as pessoas estão morrendo sem serem
advertidas disso antes. A respiração delas lhes é retirada, e elas se vão em um
instante. Elas espirram, e então estão mortas” (você já quis saber por que, em
qualquer idioma e cultura, nós desejamos “saúde” a uma pessoa que espirra?).
“Quando as pessoas morrem de repente, elas não têm a chance de resolver
suas questões pessoais, reconciliar-se com aqueles com os quais agiu mal,
pedir perdão a Deus e aos amigos. Eu quero saber então quando irei morrer
– dois ou três dias antes do meu tempo. Por favor, Deus, dá-me o presente de
uma doença terminal antes que eu seja ceifado pelo anjo da morte.”
A esse pedido, Deus também responde: “Você pediu uma coisa boa. E
esta começará por você.”
Está claro que Jacob queria isso porque havia um benefício. Qual é o
benefício? Qual é o presente? Em uma palavra, o presente é a consciência –
saber o que realmente irá acontecer.
Eu iria ainda mais longe e diria que, quanto mais próxima está a morte,
maior é a consciência de quem está morrendo de que esta é iminente.
Qual é o papel dessa consciência? Por que isso parece ser uma premonição
Divinamente implantada? Em primeiro lugar, ela permite que você “se prepare
para encontrar o seu Criador”. Como você se prepara? É claro que você não
precisa arrumar suas malas, mas esta é uma oportunidade de descarregá-
las, se você quiser. Os Sábios nos ensinam que o arrependimento adequado
e sincero pode desfazer toda uma vida de transgressões, ou seja, existe a
oportunidade de compensar pecados contra Deus e contra outras pessoas que
só elas poderiam perdoar aqui na Terra. Há tempo, nesses últimos momentos
antes da morte, para retificar muitas coisas que poderiam ter passado sem
correção caso a pessoa tivesse morrido de repente. Portanto, a consciência
exerce um benefício significativo para uma pessoa à beira da morte; além disso,
há também benefícios significativos para os que permanecem vivos.
Mas a verdade é que ele está fazendo isso pelo próprio bem deles, em
benefício do interesse deles. Ele só está mostrando as falhas de caráter deles,
de modo que eles compreendam melhor as suas deficiências. Ele diz a cada um:
“Este é o seu desafio na Terra, e é nisto que você precisa trabalhar.”
Por que ele não fez isso antes? – poderia se perguntar. É possível que ele
não estivesse pronto para dizer isso até então, mas também pode haver um
significado mais profundo aqui: talvez os seus filhos não estivessem prontos
para ouvir.
Por diversas vezes as pessoas me dizem: “Meu pai disse isso para mim no
último dia dele...”, ou “Minha mãe me pediu que fizesse isto e isto...” Será que
existe alguém que não faria algo que um pai lhe pedisse para fazer no derradeiro
fim da sua vida? Esses pedidos carregam um tremendo peso e validade.
33. Midrash Mishlê 31. – 34. Midrash Ialcut Shimoni, Êxodo, número 398. – 35. Winkler,
Guershon. The Soul of the Matter (A Alma da Matéria). Brooklyn, NY, Judaica Press, 1982. – 36.
Braverman, Rabino Nachum. Jewish Journal, 14/02/1995. – 37. Deuteronômio 24:16; Jeremias
31:29; Ezequiel 18:2; 2 Crônicas 25:4. – 38. Baba Metsia 87a, San’hedrin 107a. – 39. Midrash Rabá
65:9. – 40. Gênesis 24:1. – 41. Gênesis 27:1. – 42. Gênesis 48:1. – 43. Taanit 21a, Guitin 14b.
Não perca!
PARTE 3
POR QUE SOFREMOS?
CAPÍTULO 10
COMPREENDENDO O SENTIDO DO
SOFRIMENTO
Eis uma verdade amarga: nós só morremos uma vez, mas podemos
sofrer indefinidamente.
Por isso, em nossa busca por respostas, não devemos reconhecer somente
uma possibilidade, mas, em vez disso, um conjunto de possibilidades. Entre estas
haverá algumas soluções que seremos capazes de compreender imediatamente.
Outras, porém, serão mais complexas, compostas de subcamadas de significados
profundos; também estas teremos que compreender plenamente.
O PRINCÍPIO DA REPREENSÃO
Naturalmente, os filhos que ouvem seus pais dizerem “Eu estou fazendo
isto para o seu próprio bem” tendem a não acreditar nisso. Quando você é
jovem e carente de sabedoria, tende a pensar que deveriam lhe permitir fazer
tudo o que você quer fazer – estar fora de casa depois da meia-noite; ir a uma
festa regada a bebida alcoólica – mas seus pais dizem: “Não, para o seu próprio
bem você ficará em seu quarto e fará a sua lição de casa.”
Você discute e faz cara feia, chora, fica nervoso, bate à porta. Mas
quando os outros jovens se envolvem em um acidente automobilístico porque
estavam bebendo, ou quando todo aquele dever de casa resultou em uma
admissão para a Universidade de Yale, bem, finalmente você percebe como
tudo isso lhe beneficiou.
Na época em que seus pais lhe corrigiam, você não gostava porque lhe
faltava maturidade para observar o quadro como um todo. Aquilo então lhe
parecia arbitrário e cruel, do mesmo modo como lhe parece agora a atitude de
Deus lhe corrigir!
Nós podemos traduzir essa ideia, essa sábia imagem, para o nosso
relacionamento com Deus. Digamos que Deus é o pai e nós somos a criança de
3 anos. Nós reagimos a uma dolorosa experiência em nossas vidas dizendo a
Deus, nosso pai: “Isso não faz sentido. Por que você está fazendo isso comigo?”
Ele responde: “Veja, vou tentar lhe explicar isso, mas você provavelmente não
entenderá devido à sua idade. Mas algum dia, quando crescer um pouco, você
entenderá que isso foi para o seu próprio bem.”
Uma pessoa que não se interessa por Deus achará que Ele também não
se interessa por ela. Deus deixa só, mas, embora isso em princípio possa soar
bem, no fim termina com uma sensação muito ruim. Um adolescente considera
bom não ser supervisionado por seus pais. Ele pode faltar às aulas na escola
a qualquer hora, ficar acordado à noite inteira, experimentar drogas, álcool ou
algo pior. Não parece algo muito bom àquele adolescente quando ele termina
sendo um desempregado, um alcoólatra ou um prisioneiro. Alguns podem ter
se machucado um pouco quando receberam uma orientação amorosa ou uma
medida corretiva de um pai, mas será que, no final das contas, isso não valeu
a pena?
Que diferença entre o que os filhos dizem que querem e o que eles sabem,
lá no fundo, de que precisam. Pais que nunca disciplinaram um filho, na verdade,
não se preocupam muito se este se mete em encrencas – e filhos sensíveis
percebem isso. Nós também precisamos ser suficientemente inteligentes para
captar essa mesma verdade quando esta vier do nosso Pai no Céu.
Ann Landers ficou famosa por dizer: “Você deveria estar feliz por ter um
pai que lhe castiga, porque isso mostra que ele se preocupa contigo.” Salomão,
no livro de Provérbios,45 diz: “O que poupa seu filho de castigos o odeia.”
Uma jovem mulher que conheço chegou por si mesma a esta conclusão
após uma experiência em que ela teve que administrar um tratamento médico
ao seu gato de estimação. Nas palavras dela: “O gato adquirira um abscesso
na sua bochecha que precisou ser drenado por um veterinário. Então, a fim
de impedir que a infecção se espalhasse, o veterinário me disse para reabrir a
ferida uma vez por dia durante vários dias e lavar com uma solução antibiótica
todo pus que pudesse ter se formado por cima. O procedimento era muito
doloroso para o gato. Naturalmente, ele lutava em meus braços para escapar
do tratamento. Eu me sentia muito mal, porque essa pobre criatura dificilmente
podia entender como os antibióticos funcionam e que isto era bom para ele,
pois evitaria uma calamidade muito maior. E eu de repente me dei conta de
que é assim que ocorre entre Deus e nós. Nós somos incapazes de entender o
‘remédio’ de Deus, que pode causar dor ao ser administrado, muito mais do que
nesse gato. Nós somos tão ignorantes quanto ele e, mesmo que isso nos fosse
explicado, nós não entenderíamos. A única coisa que podemos fazer é confiar
em Deus de que isso é bom para nós.”
O que foi ensinado aos judeus em Mará? Primeiro, a realidade da vida: não
é só porque você acredita em Deus que você nunca sofrerá dificuldades. Como
se diz, a vida não é um prato de cerejas. E esta foi uma lição particularmente
apropriada, pois veio imediatamente após o incrível milagre da divisão do Mar
Vermelho. Só porque eles foram os beneficiários de uma bênção sobrenatural
não significava que, dali em diante, suas vidas teriam sempre um final de conto
de fadas. Problemas são o preço que pagamos pelo direito de viver na Terra.
Mas há uma mensagem ainda mais importante que nos foi dada por Deus
no local das águas amargas: há um segredo para transformar a amargura da
vida; há uma maneira de transformar águas amargas em água doce. Por incrível
que pareça, trata-se de usar a própria amargura para transformar o ruim em bom!
Sem dúvida, uma das maiores realizações da medicina foi a invenção das
vacinas. Por volta de 1796, os médicos ficaram naturalmente intimidados quando
Edward Jenner propôs pela primeira vez injetar uma pequena quantia de uma
cultura de vírus – que causava varíola no gado – em um homem saudável, a fim
de imunizá-lo contra a varíola. Introduzir no corpo de um paciente saudável a
mesma doença que estamos tentando eliminar? A ideia parecia absurda. Usar
o amargo para curar? Quem já ouviu falar de um absurdo assim? Os críticos de
Jenner o ridicularizaram. Mas é claro que aquela mesma proposta já havia sido
feita antes; ela partira de ninguém menos do que o próprio Deus. O amargo foi
introduzido na água e a tornou doce. A varíola introduzida no corpo produziu os
poderosos anticorpos que, no final das contas, derrotariam a doença. O conceito
de vacinação funcionou; nascia um campo inteiramente novo da medicina. E
deve ser por isso que Deus, ao final da história de Mará, refere-se a Si Mesmo
como um médico. Afinal de contas, Ele acabara de demonstrar o que levaria
alguns milhares de anos mais para um grande médico descobrir.
“Não diga que está ruim,” preveniu o Chafêts Chayim. “Diga que está
amargo.”
“Não, meu filho, de jeito algum”, respondeu o grande rabino. “Ruim está
longe de ser o mesmo que amargo. Um remédio pode ser amargo, mas jamais
é ruim!”
O sabor amargo é uma sensação temporária. Óleo de rícino é amargo.
Remédio é amargo, mas não dizemos que este é ruim porque reconhecemos
que algo pode ser momentaneamente amargo, mas ter efeitos benéficos
duradouros.
Grant concluiu que, “quando as pessoas lutam pelo que querem, elas se
tornam mais fortes e melhores; mas se as coisas vêm fácil, elas ficam fracas e
algo nelas parece morrer”.
Todos nós já vimos crianças crescerem e se tornarem adultos atenciosos e
independentes porque tiveram que lutar por tudo o que conquistaram. Aqueles
que não nasceram servidos por uma colher de prata na boca conseguiram
alcançar o que crianças privilegiadas jamais poderiam realizar. Conta-se que
o ator judeu americano Kirk Douglas afirmou: “Meus filhos nunca tiveram a
minha vantagem de terem nascido em uma pobreza miserável.” A adversidade
nos faz mais fortes, e isto tem uma dimensão pedagógica: ela nos deixa melhor
preparados e nos torna pessoas melhores.
Iniciamos este livro com uma discussão sobre o livro de Jó. Examinamos
se poderia existir lógica na equação de que Deus é bom, justo e Todo-
Poderoso enquanto, ao mesmo tempo, coisas ruins acontecem às pessoas
boas. Tentamos demonstrar como é possível responder a essa pergunta
afirmativamente.
Mas esta discussão não estaria completa sem o exame de outra famosa
história bíblica que levanta questões semelhantes à sua maneira – a história
de Abrahão e a exigência de Deus para que ele sacrificasse o seu filho Isaac.
No entanto, Deus lhe aplica uma escolha terrível: sacrificar o seu filho ou
desobedecer a seu Deus.
Hoje olhamos para a sua história e dizemos: “Bom, no final tudo acabou
bem.” Mas você pode se imaginar no lugar de Abrahão, sem ter como saber
como será o desfecho final? Você pode imaginá-lo no topo da montanha,
sentindo que a obediência a Deus se traduz em estar disposto a matar o próprio
filho, o qual este mesmo Deus lhe prometera na sua velhice que seria o pai das
futuras gerações?
Nós chamamos isto de teste. Mas quem precisa de testes assim? Por que
ele precisa ser testado? Do que se trata tudo isso?
Será que Deus estava tentando ver o que Abrahão faria? Certamente Ele,
que é Onisciente, tinha uma ótima ideia do que estava por vir; então por que
colocou Abrahão no meio desse horror?
O PRINCÍPIO DA REALIZAÇÃO
Nachmânides argumenta que o ser humano tem liberdade de escolha;
cabe a ele fazer algo ou se abster de fazê-lo. Deus sabe qual será a decisão do
indivíduo quando este se confrontar com uma escolha difícil, mas isso não significa
que podemos deixar de participar do processo de decisão. O conhecimento de
Deus não cria a realidade; apenas a prevê. Para que o indivíduo alcance grandeza
espiritual, não basta para Deus saber que o homem poderia, teoricamente,
passar em um teste. Até que uma demonstração de fé seja executada de fato,
esta permanece sendo somente algo potencial. Deus não nos julga pelo que
poderíamos nos tornar; Ele nos dá a oportunidade de pôr em prática nossas
características de caráter e de demonstrar pleno comprometimento. Portanto,
Deus não pode nos recompensar por nossas intenções, mas por nossas ações.
É por isso que Ele costuma nos submeter a testes, do mesmo modo como os
professores fazem com seus alunos. Uma boa professora pode prever como
seus alunos se sairão com um grande grau de precisão. Ela sabe quais deles
se aplicarão, estudarão o material e irão se sair bem, e quais não. Então, por
que ela aplica os testes? Para que os estudantes sejam motivados a estudar e
alcançar um nível maior de conhecimento, a fim de realizar tudo aquilo que são
capazes de se tornar.
Abrahão tinha uma tremenda força espiritual. Não havia dúvida de que ele
era capaz de tamanha abnegação. Deus conhecia a sua grandeza; ao submetê-
lo ao teste, Deus lhe permitiu que ele provasse isto de maneira convincente.
Alguns dias depois ela soube que seu filho adulto havia sido diagnosticado
com leucemia. Ele finalmente morreu, e ela mergulhou em uma depressão
terrível, após o que passou a reavaliar a si mesma, a sua fé e a sua relação
com Deus. Desse horroroso período de aflição ela emergiu mais forte, mais
autenticamente religiosa e, como ela própria afirma, uma pessoa melhor.
É claro que ela não deveria ter desafiado Deus, mas, uma vez que abriu
a porta para uma realidade à qual ela acreditava que nunca poderia superar, de
alguma forma tornou-se necessário que o teste de fato acontecesse.
Por sua própria dureza, experiências desse tipo nos permitem pôr em
prática capacidades que, caso contrário, seriam conhecidas somente por Deus,
mas não por nós.
Ele precisava demonstrar que pretendia levar adiante aquele ato ilógico
porque acreditava em Deus. Abrahão não poderia ter sido quem ele foi se não
tivesse consentido com isso.
Dizer que Deus sabia de antemão que Abrahão passaria no teste não
prova nada. Sim, Deus sabia que, uma vez que Abrahão encarasse o desafio de
pôr em prática o seu potencial, ele passaria. Mas seria falso dizer que, já que
Deus sabia de antemão do desfecho, Ele não deveria ter submetido Abrahão ao
teste. A menos que Abrahão realmente passasse no teste, ele não poderia ter
realizado o melhor de si.
O Midrash está nos ensinando que as pessoas boas são mais capazes
de suportar todo o rigor dos testes de Deus do que as más, porque para estas
o resultado do teste já é conhecido; para elas um teste é desnecessário. As
pessoas corretas, contudo, têm a chance de se elevar diante da ocasião e
atingir o seu potencial.
Ela foi submetida a muitos testes em sua vida, mas aprendeu a falar,
foi para Radcliffe, graduou-se com honra e se tornou uma famosa escritora
e conferencista. Os seus testes foram degraus em direção a um nível mais
elevado de existência, e ela descobriu a sua sabedoria para escrever: “O caráter
não pode ser desenvolvido com facilidade e quietude. Somente por meio da
experiência dos testes e do sofrimento é que a alma pode ser fortalecida; a
ambição, inspirada; e o sucesso, alcançado.”
O nome dela é Zoe Koplowitz. Ela tinha 46 anos e sofria de uma doença
degenerativa – esclerose múltipla; ela já sofria dessa enfermidade há mais de
20 anos. Zoe caminhava apoiada sobre duas muletas, em um passo lento e
doloroso de cada vez. Ela caminhou durante 27 horas e 34 minutos e completou
a maratona. Zoe chegou em último lugar, mas chegou. Ela cruzou a linha final
arrastando a sua perna esquerda.
“Quando você nasce, Deus lhe dá uma televisão programada com uma
centena de canais. 99 deles exibem programas maravilhosos; em um deles só
tem estática. Todas as pessoas, sem exceção, têm esse canal com estática; a
única diferença é o tipo de estática que você recebeu nesse canal. E você tem
uma escolha: você pode se sentar diante desse canal pelo resto da sua vida e
ficar olhando para a estática, ou você pode se levantar e mudar de canal. O meu
compromisso na vida é mudar o canal sempre que possível.”
O PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO
Ouçamos agora o que um outro importante filósofo e teólogo judeu tem
a nos dizer a respeito do teste de Abrahão. Maimônides faz uma leitura um
pouco diferente do teste do sacrifício de Isaac. Não que ele discorde totalmente
da análise de Nachmânides; ele apenas dá à história – e a esse ponto – uma
outra ênfase.
Deus queria que Abrahão passasse por esse teste tremendamente difícil de
modo que essa história permanecesse como prova do poder da fé. E quem sabe
se isso não ajudou inúmeros descendentes de Abrahão a sobreviver aos seus
próprios testes de fé quando, durante as Cruzadas, pogroms ou no Holocausto,
os judeus foram confrontados com o sacrifício dos seus próprios filhos.
Por que lhe é ensinada essa demonstração? Para que você, também,
possa ser um recipiente assim. Preste muita atenção e veja do que os seres
humanos são capazes. A fé pode tornar um recipiente de barro tão resistente
quanto um de ferro.
A vida para a sua geração de imigrantes não era fácil, mas ele superou
todas as dificuldades. Fez sacrifícios, sofreu, contudo nunca perdeu a sua fé em
Deus. Eu sempre imagino se teria sido capaz de suportar o que ele suportou.
Até hoje, uma de minhas memórias mais vívidas de meu pai é quando eu
o visitava durante a época da sua última doença. Ele me pedia para que eu me
abaixasse para mais perto dele, para que ele pudesse me sussurrar algo. Meu
pai sabia que logo estaria deixando este mundo, e foi isso o que ele escolheu
para me deixar marcado: “Meu querido Benjamin, eu preciso lhe dizer que não
entendo por que Deus me considerou merecedor para me abençoar tanto ao
longo dos dias da minha vida.”
Eu ainda sou incapaz de compreender a profundidade da piedade que
lhe permitiu refletir sobre o seu passado – um passado preenchido de tanta
dor – e percebê-lo apenas sob a perspectiva de uma grande bondade do Todo-
Poderoso. Será que ele esqueceu todo o sofrimento? A sua mente o enganara
no fim da vida? Eu penso que não. De forma alguma. Era a sua natureza
religiosa que sempre enfatizara o bem além do mal e que, até o dia de hoje, eu
tento muito imitar.
Por quê? Aquela foi a sua escolha. Eles exercitaram o seu livre-arbítrio
para fracassar no teste. Mas isso não significa que eles não deveriam ter
passado. Deus sabia que eles eram capazes; mas eles decidiram não o fazer. E,
na maior parte das vezes, essas pessoas ficam chateadas com Deus por seus
próprios fracassos.
Não perca!
CAPÍTULO 12
O FATOR DE EQUILÍBRIO
Essa história nos leva a outra resposta de por que as pessoas sofrem. Eu
chamo isso de “princípio da humildade”.
O PRINCÍPIO DA HUMILDADE
Rabi Tarfon lhe diz: “Tu és mais precioso do que a chuva, porque esta
é só para este mundo, mas tu, Rabi Eliezer, és para este mundo e o próximo.”
Com essa frase poética, ele parece dizer de fato a Rabi Eliezer: “Não se
preocupe. É possível que Deus não possa te levar, porque, assim como a terra
seca necessita das chuvas, as pessoas que precisam dos teus ensinamentos
não podem ficar sem ti. Por isso Deus não te fará morrer mais do que Ele
interromperá a chuva, que é essencial à vida.” Ou ele poderia estar dizendo
a Rabi Eliezer: “Não se preocupe, porque teus ensinamentos viverão além de
ti, pois tu és como as chuvas que, posteriormente, fazem com que os frutos
cresçam.”
Então Rabi Yehoshua afirma: “Tu és mais valioso para Israel do que o
sol. O sol é somente para este mundo, enquanto tu és para este mundo e para
o próximo.”
Rabi Yehoshua parece ter encontrado outra frase poética para ecoar as
palavras de Rabi Tarfon.
Então Rabi Elazar ben Azaria diz: “Tu és para nós mais importante do que
um pai e uma mãe. Os pais são para este mundo; eles trazem um filho para cá,
mas tu és para este mundo e para o próximo.”
Mas então vem a declaração final do mestre, Rabi Akiva. Ele simplesmente
diz: “Sofrer é precioso.”
Por outro lado, Rabi Akiva não apenas aceitou o que estava acontecendo,
como elevou a situação para outro patamar, ao encontrar um aspecto positivo
para isto. O sofrimento é valioso, precioso.
Com isso, Rabi Eliezer se reanima. Ele pede para se sentar a fim de
ouvir melhor, e pergunta: “Akiva, como você sabe disso? Onde, na Bíblia, você
encontra uma afirmação assim?”
E Rabi Akiva50 cita a história de Menashê como sua fonte. Ele conclui que
aprendemos dessa narrativa como o sofrimento pode ser precioso. O sofrimento
é uma experiência educacional. Ele entra em cena quando um indivíduo não
aprende uma determinada lição, pois as coisas vão muito bem. Quando se está
no topo do mundo e fechado para ouvir a Deus, o sofrimento traz uma mensagem
de humildade, exatamente porque é uma experiência constrangedora.
Contudo, o Talmud não sugere, nem eu, que Rabi Eliezer precisava
aprender sobre humildade. Tudo o que ele precisava ouvir era que havia uma
mensagem no sofrimento e que ele deveria perguntar a Deus que mensagem
era essa. Rabi Akiva estava simplesmente apresentando um conceito:
O PRINCÍPIO DA EXPIAÇÃO
Passemos agora para outra ideia fascinante oferecida pelos Sábios.
A fim de compreendermos este princípio, examinaremos uma outra história
do Talmud.52
Rabi Abáhu está cuidando do seu pai, que sofre o desgaste da velhice,
possivelmente consequência de um ataque cardíaco. O pai de Rabi Abáhu
pede-lhe um copo de água, e, como um filho obediente, ele parte prontamente
para buscar. Mas, quando retorna com a água, encontra seu pai adormecido.
Então, parado diante deste, ele tem dúvidas sobre o que fazer. Seu pai poderia
se levantar a qualquer momento e querer a água; Abáhu não queria que ele
tivesse que lhe pedir novamente. Enquanto permanece ali, sem saber se deve
esperar ou partir, sua mente repentinamente foca numa passagem do livro de
Salmos. Ele pensa sobre o seu significado e descobre um novo sentido em suas
palavras. Rabi Abáhu nunca compreendera a verdadeira ideia do Salmo 79 até
aquele momento, mas agora via a conexão entre o sofrimento do seu pai e uma
parte obscura da passagem.
E então lhe veio à mente que o compositor, Assáf, viu algo de positivo
a respeito da destruição do Templo, há muito considerado a pior tragédia que
já recaiu sobre o povo judeu. Mas como isso poderia ser algo positivo? Bem,
pensou Rabi Abáhu, como Deus estava irado com as transgressões do Seu
povo, Ele optou por destruir um edifício de pedra e madeira quando Ele bem
que poderia, facilmente, ter destruído, em vez disso, a nação israelita. Isso
deu tanto consolo a Assáf que ele nomeou a sua composição de “canção” e
não de “lamentação”.
Assim que essa reflexão reluziu em sua mente, Rabi Abáhu relacionou-a
a uma passagem do livro de Lamentações53 que fala do pesar do povo judeu por
causa da destruição do Templo: “O Eterno fez passar a Sua fúria; Ele derramou
a Sua ardente ira; e Ele acendeu fogo em Tsión que consumiu a Sua fundação.”
Contudo, não nos esqueçamos de que Rabi Abáhu estava fazendo essas
reflexões enquanto permanecia com um copo de água diante do seu velho pai.
Ele observava as consequências de um ataque cardíaco no rosto do seu pai; ele
estudava o modo como o sofrimento minara um ser humano outrora vibrante.
Rabi Abáhu pensava: Por que isso aconteceu? Como pode ser? E então
percebeu que também isso é uma forma de expiação. Pode ser que, assim como
um templo de pedra e madeira fora arrasado, do mesmo modo um corpo mortal
de carne e osso fora afligido. No entanto, o ser humano ainda permanece vivo;
ele foi poupado. Poderia ter sido pior.
Há um famoso ditado iídiche que diz: “Oy, zol zein a capúre!“ (Que isto seja
por expiação!). Pode ser que estivesse reservado algo pior, mas felizmente essa
coisa ainda mais terrível não aconteceu.
Tenho visto pessoas passando por ciclos como este. Tudo sai errado e
parece que eles estão vivendo em uma área de desastres. Então de repente
ocorre uma reviravolta e as coisas passam a dar certo novamente. Então se
imagina: pode ser que aquilo tenha sido uma expiação, que agora está completa.
Esta é a essência do princípio da expiação. Uma vez que você tem que
pagar suas dívidas de um modo ou de outro, então talvez alguns dos modos
pelos quais você as paga – e que podem parecer aparentemente muito cruéis
– podem ser encarados como algo que serve ao propósito da compensação por
erros cometidos.
Por isso, quando uma pessoa perde o seu emprego ou fica doente – só
Deus sabe por quê –, isto pode estar compensando alguma falha. Nós, em
geral, perdemos de vista o que ainda temos quando sofremos uma perda ou
vivenciamos um “ato de Deus” aparentemente terrível. E talvez a razão pela
qual ainda tenhamos permissão, pelas escalas Divinas da justiça, de manter
nossas bênçãos é que pagamos por elas com a moeda do sofrimento.
CAPÍTULO 13
NÃO É DESTE MUNDO
As respostas que iremos levar em conta neste capítulo têm uma coisa
interessante em comum. Para a compreensão delas, é necessária a crença em –
ou pelo menos um reconhecimento de – outra dimensão, um universo espiritual
que existe, mesmo que sejamos incapazes de visualizá-lo, paralelamente ao
universo que conhecemos: o assim denominado Olam Habá, o próximo mundo
ou o mundo vindouro.
Novamente o nosso amigo Rabi Eliezer está doente, mas desta vez são
seus alunos que vêm visitar. Ele lhes diz: “Há uma ira feroz no mundo.” E eles
se derramam em lágrimas. Mas justamente nesse momento o legendário Rabi
Akiva entra e começa a sorrir.
“É por essa mesma razão que eu me regozijo. Eu pensava que ele havia
recebido todas as suas recompensas neste mundo, nada deixando para o
próximo. Mas agora que eu o vejo com dor, alegro-me em saber que a sua
recompensa lhe foi acumulada para o mundo vindouro.”
Então Rabi Eliezer pergunta: “Akiva, eu não entendo por que isso está
acontecendo comigo. O que será que eu fiz de errado?”
E Rabi Akiva responde: “Você mesmo nos ensinou que não há um único
homem sobre a Terra que só faz o bem e não comete pecados.”
Mas Rabi Akiva mostra que isso não pode ser verdade: “Você, Rabi Eliezer,
não pode ser completamente bom, assim como o resto do mundo não pode ser
completamente ruim. A realidade do mundo é mais profunda.”
Na verdade, é por isso que Rabi Akiva diz: “Eu costumava ficar preocupado
com você, meu mestre. Eu via que tudo lhe ia bem. Nada de ruim jamais lhe
aconteceu. Então eu temia que todo o mal iria lhe acontecer ali (no mundo
vindouro). Mas, agora que eu vejo você receber uma dose de sofrimento, eu
digo: graças a Deus.”
O que é mais importante é que Deus sabe quem é quem. Ele olha dentro
da alma de cada ser humano, e Ele sabe quem saberá valorizar cada tipo de
recompensa. Deus não apenas reembolsa atos de bondade e castiga atos de
transgressão; Ele escolhe até mesmo o local para a recompensa ou castigo,
conforme os nossos próprios desejos espirituais.
Há uma lei na Bíblia56 que diz que você deve pagar o salário ao trabalhador
imediatamente após ele completar a sua tarefa.
Há apenas uma exceção: se ele não quiser ser pago imediatamente por
entender que, se adiar o pagamento, a sua recompensa será maior. Do mesmo
modo, Deus também paga de acordo com o desejo dos Seus “trabalhadores”; o
entendimento da pessoa determina o método de pagamento da parte de Deus.
O homem mau – por ver apenas o que está diante dele – prefere receber a sua
recompensa aqui e agora, e é isso o que Deus faz por ele. O homem íntegro
prefere não a receber aqui, e Deus também o atende.
Isso explica, de acordo com Maimônides, por que as pessoas boas às vezes
são prósperas e têm dinheiro: é porque Deus percebe que elas administram
corretamente o seu patrimônio. A riqueza destas não é tanto a sua recompensa,
mas, sim, algo colocado sob seus cuidados para salvaguarda e redistribuição.
Mas Maimônides também nos dá outra razão para explicar aquilo que
nós agora (notavelmente) consideramos um problema: o sucesso dos íntegros.
Ele mostra que os Dez Mandamentos foram entregues em duas tábuas de
pedra porque representam duas categorias de lei: a primeira contém leis que
governam o relacionamento entre o homem e Deus; a segunda resume leis que
governam o relacionamento entre o homem e seu semelhante. Maimônides
considera muito interessante o fato de o sistema de recompensa e punição de
Deus diferir desse modo.
Mas Sara também é parceira de Deus em algumas das suas boas obras.
Ela ajuda Deus a fazer essas coisas que Ele deseja que aconteçam neste mundo.
Por causa disso, Deus a ajuda a continuar concedendo a ela saúde e os meios
para seguir adiante. Naturalmente, mais tarde, no mundo vindouro, ela pode
esperar uma recompensa muito mais agradável e farta.
O PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO
Sigamos agora para o segundo princípio deste capítulo. Este tem sua
fonte na história do Jardim de Éden. Ali, o primeiro homem e a primeira mulher
viviam uma vida confortável, tranquila e... bem... era simplesmente o paraíso.
Mas como crianças que têm tudo e, por isso, não gostam de nada, Adão e Eva
não percebiam tudo de bom que tinham. Assim, com o seu livre-arbítrio, eles
fizeram uma escolha consciente de desobedecer a Deus e foram forçados a
deixar o Jardim de Éden. Essa saída veio acompanhada de um modo de vida
árduo: “Com o suor do teu rosto comerás pão”,59 Deus falou para Adão; “Com
dor darás à luz filhos”,60 Deus disse a Eva.
Agora todo o objetivo da vida na Terra transformou-se em descobrir
um meio de retornar ao lugar do qual eles foram expulsos. É como se Deus
tivesse dito: “Certo, a primeira vez vocês tiveram isso com facilidade, mas não
souberam apreciar; agora vocês terão que conquistar isso.”
Ao expor essa ideia, o Talmud 61 nos oferece esta notável declaração: “Há
três coisas que só podem ser adquiridas por meio de sofrimento: a compreensão
da Torá, a Terra de Israel e o mundo vindouro.”
Agora, que tipo de história é esta? Por que lhe seriam ensinados todos os
segredos da vida, somente para lhe fazer esquecê-los?
Do seu modo singular, o Talmud destaca que nada lhe é dado; para tudo
é necessário lutar. Mas isso não significa, afinal de contas, que um combate
assim tão duro será à toa. Quando você luta para alcançar algo, você não
precisa aprender isso a partir do zero; basta relembrá-lo. Contudo, você precisa
lutar por si mesmo a fim de valorizar o que você conquistou. Assim como o
Moisés de antigamente, você precisa esculpir nas tábuas, por assim dizer, por
meio do seu próprio esforço. Então tudo o que aprender você guardará como a
obra das suas próprias mãos, o produto do seu próprio trabalho.
No Jardim do Éden tudo crescia por si mesmo. Era tudo, como diz a
expressão, “sem suor”. Mas sem suor jamais poderia haver um jardineiro capaz
de dizer: “Eu cultivei isso sozinho. Este é o meu tomate!”
E isso funciona para tudo o que adquirimos por meio de trabalho duro.
Você não pode apreciar nada de fato se não trabalhou para isso nem adquiriu
algo por meio de seu próprio esforço. Só então você poderá dizer: “Isto é meu.
Esta é a minha ideia. A minha terra. O meu lugar no mundo vindouro.”
Então é por isso que toda a história humana, desde Adão e Eva, ocorreu
fora do Jardim do Éden. Somente quando não estávamos mais no paraíso é
que nos tornamos capazes de construir um – e apreciá-lo quando finalmente
o adquirirmos.
CAPÍTULO 14
A PUNIÇÃO DE MOISÉS
Nas palavras da Bíblia, Moisés foi o maior de todos os profetas que já
existiu em todos os tempos. A Torá encerra com um testemunho à sua estatura:
E apesar disso...
Moisés suplica a Deus, que só cede o suficiente para lhe permitir ver a
Terra Prometida de longe.
Por que Deus trataria Moisés com tanta severidade? Como Deus poderia
negar ao maior líder do povo judeu o direito de completar a sua missão?
Será que isso pode ter sido motivo para um castigo tão severo? Afinal
de contas, ele bateu numa rocha, não em um ser humano; não feriu ninguém.
Qual foi o grande problema?
A resposta dos rabinos é muito instrutiva: pode não ter sido um grande
problema em termos do pecado, mas foi um grande problema no que diz
respeito ao pecador.
Como dele se espera mais e melhor, suas ações são julgadas por um
padrão diferente.
Isto nos conduz a outro conceito pelo qual podemos compreender melhor
alguns casos de sofrimento humano. Eu chamo isso de “princípio de quem
somos nós”.
O INEXPLICÁVEL
Agora que nós cobrimos toda uma coleção de reflexões a respeito dos
motivos pelos quais as pessoas sofrem, devemos examinar ainda mais uma
declaração talmúdica que parece contrariar tudo o que consideramos. Esta é
encontrada na Ética dos Pais.65 Lemos aqui a seguinte declaração em nome de
Rabi Ianai: “Não está em nossas mãos compreender por que os maus ficam à
vontade ou por que os bons sofrem.”
Esta é, de fato, uma declaração enigmática. Será que Rabi Ianai ignora
todas as explicações encontradas no Talmud que lidam com essa mesma
dificuldade? Ele considera erradas todas aquelas reflexões? Será que ele está
dizendo que não há como solucionar o problema?
Não.
Mas Rabi Ianai não queria dizer de si mesmo que era totalmente íntegro;
ele sabia que não era perfeito. Pela mesma razão, ele tampouco faria um
julgamento desse tipo a respeito das outras pessoas.
No fim das contas, Rabi Ianai nos adverte que este é um tema que
devemos abordar com uma certa dose de humildade intelectual e espiritual.
Nós não poderemos solucionar todos os enigmas. Quando Jó foi incapaz
de compreender por que aquelas coisas terríveis lhe haviam ocorrido, Deus
finalmente lhe falou: “Está além de ti entender os Meus modos.”
Se você já tentou alguma vez explicar uma complicada lei da física para
uma criança a quem falta a capacidade racional necessária para captar conceitos
básicos, você então pode imaginar a situação em que Deus Se encontra: Ele
simplesmente não pode explicar a Teoria da Relatividade de Einstein para
crianças do jardim de infância.
Se nós temos tanta dificuldade para esclarecer ideias difíceis para crianças,
maior ainda é a impossibilidade de Deus de elucidar conceitos complexos para
nós, dada a distância entre as compreensões humana e Divina, próxima à
medida do infinito.
Isso também consta da inteligente advertência de Rabi Ianai: “Não está
em nossas mãos.” Afinal de contas, nós ainda somos apenas seres humanos.
Nossos julgamentos são falíveis.
Bem, então você perguntará: “Se é assim, por que nos incomodamos
em discutir todas as demais respostas? Para que interessa encontrar razões
quando o que nos resta ainda é a fé? Se concordarmos com Rabi Ianai de que
a enormidade do problema está além de nós, por que todos os demais rabinos
não jogam a toalha e desistem da sua busca pelo sentido de tudo isso?”
Não, eu tenho certeza de que Rabi Ianai era um apoiador de cada uma
das ideias que nós apresentamos tão diligentemente nos capítulos anteriores,
com o objetivo de analisar, sondar e buscar modos para pelo menos começar
a entender as ações de Deus e nos mover da fé cega – uma fé que pode
tropeçar a qualquer momento, pois carece da luz de qualquer razão – para
uma fé racional, arraigada na conclusão de um questionamento intelectual.
A fé racional concorda que nós não temos todas as respostas; ela reconhece
basicamente que nós não nos envergonhamos de perguntar. A fé racional não
toma simplesmente a sua decisão apesar do mal deste mundo; ela opta por
Deus porque as razões para a crença em Deus, baseada na Sua bondade,
excedem de longe as razões de rejeitá-Lo em decorrência das coisas que não
entendemos.
Rabi Ianai merece um lugar em nossos estudos – mas só no fim, depois
de abrir os nossos olhos aos diversos modos pelos quais fomos capazes de
perceber que pode haver respostas – ou pelo menos respostas parciais – para
os problemas que tanto nos deixam perplexos. Sim, as perguntas permanecem.
Para elas, confiaremos na fé para obtermos as respostas. Mas a nossa fé – na
verdade a fé que Rabi Ianai nos pede que mantenhamos – é a fé de uma
criança que só compreende vagamente para onde está indo, mas que tem
certeza absoluta de que o seu Pai a ama, mesmo quando Ele solta a sua mão
por um instante.
Com isso em mente, nós iremos agora abordar o mais difícil de todos os
enigmas do mal em toda a história. Como podemos manter a nossa fé após
o Holocausto?
Notas
49. San’hedrin 101a. – 50. Rabi Akiva cita primeiro uma passagem de 2 Reis, capítulo 21, e
depois faz um comentário a respeito. – 51. Meguilá 14a. – 52. Kidushin 31b. – 53. Lamentações 4:11.
– 54. San’hedrin 101a. – 55. Deuteronômio 7:10. – 56. Deuteronômio 4:15. – 57. Deuteronômio
11:13-15. – 58. Shabat 127a. – 59. Gênesis 3:19. – 60. Gênesis 3:16. – 61. Berachot 5a. – 62. Isaías
11:6: “O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará ao lado do cabrito; o bezerro, o
filhote do leão e o animal adulto andarão juntos, e uma criança os conduzirá.” – 63. Nidá 16b. – 64.
Não perca!
CAPÍTULO 15
A FÉ APÓS O HOLOCAUSTO
Esta é uma questão da qual tenho medo, mas que não posso evitar. Não
são apenas as plateias que ouvem as minhas conferências que perguntam isto;
eu duvido que se tenha passado um dia em que eu também não me perguntei
o mesmo.
Perdi boa parte da minha família durante aquela época terrível, quando
Deus parecia estar ausente. Meus pais felizmente fugiram para a segurança da
América, junto com meu irmão, minha irmã e eu. Mas 6 milhões não tiveram a
mesma sorte. Eles eram velhos e jovens, homens e mulheres, crianças de colo.
Eu conheço pessoalmente o sentido de sentir-se “culpado por sobreviver”. Por
que eu – e não eles? Por que eu estava entre os afortunados sobreviventes, e
por que eles pereceram? Não posso acreditar que sou mais merecedor do que
eles. Eu li as suas histórias; sei que entre as vítimas havia piedosos, devotos,
religiosos e sábios. Lamentei quando li sobre os seus destinos. E gostaria de
saber: Por que Deus também não lamentou? E se Ele o fez, como Ele pôde ter deixado
de interromper a carnificina e de vingar o sangue dos Seus filhos?
Anne Frank comoveu os corações do mundo; mas ela era somente uma.
Multiplique isso por 6 milhões, e sua mente terá vertigens. Nós provavelmente
somos incapazes de compreender. Some ao número de 6 milhões aqueles aos
quais chamamos de “sobreviventes”, mas que jamais sobreviverão aos seus
pesadelos diários e às suas lembranças constantes do inferno. Mais do que
terem sobrevivido, eles seguiram vivendo para sempre assustados pelo mal que
vai muito além da imaginação humana.
Eu não quero me estender sobre o tema, mas penso que a visão que
prevalece entre os historiadores no mundo inteiro é que, dentro do amplo
espectro de experiências do mal ao longo de toda a história, o Holocausto
permanece algo separado, à parte, distinto e único. Não há nada como isso
em termos de outros genocídios ou massacres do passado, nem mesmo em
comparação com sofrimentos judaicos tais como a Inquisição na Espanha ou
os pogroms na Rússia. O Holocausto foi a contribuição singular do homem
“civilizado” do século 20.
Esta era a oração de luto por aqueles que não estavam saindo dali – pelos
maridos, mães, pais, pelas crianças, por aqueles que haviam sido assassinados,
pelo judaísmo alemão, pelo judaísmo húngaro, pelo judaísmo polonês, uma
oração por 6 milhões de mortos.
Então Wiesel fez uma longa pausa. Formou-se um silêncio mortal na sala.
Finalmente, ele disse: “Na minha opinião, Deus não mereceu aquele Cadish.” E
encerrou o assunto.
Esta foi uma acusação grave e pública. E apesar disso, Wiesel ainda estuda
o Talmud, ainda coloca tefilin. Ele não perdeu a sua fé. E esta é provavelmente
a parte mais notável da história – tanto para Wiesel como para o povo judeu.
Não importa quão severamente podemos enxergar a conduta de Deus, nós não
estamos dispostos a cortar a nossa relação com Ele.
Em seu best-seller A Noite, Wiesel relembra que esta é a lição que Moshe,
o Bedel, lhe ensinou quando ele era um jovem na cidade de Sighet: “O homem
cresce diante de Deus pelas perguntas que faz a Ele. Este é o verdadeiro diálogo.
O homem questiona Deus, e Deus responde; mas nós não entendemos as Suas
respostas. Nós não podemos entendê-las porque elas vêm das profundidades
da alma e ficam ali até a morte.”
Para eles não há como proceder. Nós nos encontramos com o silêncio de
Deus dentro de nós mesmos. E é em silêncio que suportamos a nossa dor –
continuamos a rezar.
Primeiro, o mestre deles, Rabi Shimon bar Yochai, lhes diz: “Deixe-me
ouvir o que vocês têm a dizer.”
Mas o rabino não aceita nada disso. Ele diz: “Se eles realmente tivessem
cometido esse crime, então deveriam ter morrido.” Contudo – ele enfatiza –, o
resultado foi bem diferente; eles não morreram. Além disso, para contestar essa
teoria, o decreto de morte foi emitido contra todos os judeus, e não apenas
contra os pecadores que cometeram o que vocês usam como justificativa para
o potencial genocídio.
Mas nós não ousamos evitá-lo. Como eu já deixei claro, para os teólogos,
ou para qualquer um que luta para manter a fé em um Deus zeloso, o Holocausto
representa o derradeiro desafio. Como diz Frederick Buechner:
1. Que Israel não “subiria como um muro” (conquistar Israel por meio de
uma força maciça);
É interessante notar que exista ainda uma terceira explicação que usa a
ideia de pecado e punição como modelo. Os sábios que apoiam essa linha de
pensamento não veem o pecado como relacionado ao Sionismo; em vez disso,
relacionam-no com o crescimento progressivo da assimilação. Eles apontam para
o fato de que a Alemanha pós-Iluminismo era um ímã para os judeus deixarem
a sua tradição religiosa e iniciar um processo de alienação e de negação do
judaísmo. Assim, os proponentes dessa visão dizem que Deus reagiu de acordo
com o princípio de medida por medida. Como os judeus abandonaram Deus,
Ele os abandonou. No mesmo lugar onde os judeus juraram ser “mais alemães
que os alemães” e proclamaram ser “não judeus, mas alemães de fé mosaica”,
Deus permaneceu em silêncio quando os alemães se voltaram contra os judeus.
Embora esse argumento siga o mesmo modelo pecado/punição, é
formulado de maneira diferente dos outros. De acordo com essa abordagem,
o Holocausto como plano para um fim da sobrevivência judaica cumpriu
simplesmente a mesma meta a que os judeus alemães aspiravam para
si mesmos. Se o Holocausto não tivesse provocado a aniquilação física dos
judeus, eles iriam, em todo caso, sofrer a aniquilação espiritual. Os judeus
teriam desaparecido de todo modo por meio da assimilação, ou seja, por suas
próprias mãos. Deus “nocauteou-os”, como se diz, para garantir que morreriam
como judeus em vez de viverem como não-judeus assimilados.
Eu não posso aceitar esse argumento, pois sugere que Deus não é Todo-
Poderoso. Sugere que as coisas podem fugir ao Seu controle. O argumento
não passa no teste crucial que esboçamos no início deste livro, que não
permite a aceitação das ideias essenciais que definem a nossa fé: que Deus
é justo e onipotente.
Este é mais um motivo pelo qual eu não posso assinar embaixo do modelo
de pecado/punição. Este é, na sua essência, um modelo que transfere a culpa
dos perpetradores para as pessoas que pereceram. Transforma os vilões em
agentes de Deus. Justifica o injustificável. Eu concordo que essa abordagem
é obscena. Contudo, Rubinstein erra ao assumir que esse modelo é o único
caminho pelo qual a teologia judaica explica as catástrofes. Na verdade, há
outras alternativas.
É óbvio que Deus não queria Abel morto, mas, se tivesse interferido
para salvar Abel, Ele teria privado Caim do seu livre-arbítrio. Isto, conforme já
explicamos, não foi uma opção, porque Deus valoriza mais o livre-arbítrio do
homem do que os Seus próprios desejos. É isso o que possibilita a Caim ser
bem-sucedido e ao mal se tornar realidade.
De acordo com esse modelo, os nazistas eram Caim.
Nesse ponto de vista, o Holocausto não é uma questão que deva ser
endereçada a Deus. Esta é uma acusação que deveria ser direcionada ao homem.
Culpar Deus é adotar a mesma postura adotada por Caim quando seu
crime foi descoberto. Caim perguntou: “Por acaso sou eu o guardião do meu
irmão?” (Gênesis 4:9). À primeira vista, as palavras parecem absurdas. Caim
simplesmente matou. Certamente ele considerou que Deus também estava
consciente disso. Como ele ousa perguntar se está obrigado a ser o guardião
do seu irmão? Ainda que estivesse isento dessa tarefa, ele não tinha o direito
de assassinar seu irmão!
Eis o que Caim realmente quis dizer quando falou “Por acaso sou eu o
guardião do meu irmão?”:
Então era isso o que Caim estava dizendo a Deus. “Tu me criaste como eu
sou – um ser humano com uma inclinação para o mal. Eu agi de acordo. E Tu,
o Guardião de todas as criaturas, me permitiste matar. Eu não sou o guardião
do meu irmão; Tu és!”
No Holocausto não houve anjo algum. Não houve uma ordem de Deus
para parar. Em vez disso, a espada erguida desceu, e o sangue de 6 milhões
fluiu para a Terra.
Será que isto pode servir como uma fonte de consolo? Isto basta para
nos dar uma medida de consolação para as nossas dolorosas perdas? Enquanto
para muitos a ideia de “dores do parto para o nascimento do Messias” falha
em oferecer uma razão aceitável, nós devemos notar que durante o próprio
Holocausto havia rabinos que tranquilizaram seus discípulos enquanto estes
marchavam em direção à morte, dizendo-lhes para que pensassem no sofrimento
deles como os sacrifícios que acelerariam a chegada do Redentor.
Você poderia dizer que esta é uma conduta evasiva. Como pode haver
algum consolo nessa não-resposta? Ou você pode olhar para isto desde uma
perspectiva mais elevada e aceitar como resposta por meio de uma submissão a
uma inteligência superior que dirige o mundo de uma maneira que não podemos
compreender.
CAPÍTULO 16
UM ENCONTRO COM UM MÍSTICO
Por que ele confiou em mim eu ainda não sei. Ele é um homem
completamente imune às tentações da fama e da riqueza. Ele compartilhou
comigo um “segredo” místico sob duas condições: que eu não o revelasse
publicamente até que ele me informasse o momento adequado; e que eu nunca
– jamais! – divulgasse a sua identidade e perturbasse o seu propósito vitalício
de anonimato.
Eu não tinha qualquer ideia do que ele queria dizer. Sentenças? A qual
segredo ele possivelmente estava se referindo? “Deixe-me lhe mostrar uma
coisa”, ele me falou. E então ele me confiou uma reflexão que havia recebido
dos seus mestres que literalmente me deixou sem fôlego.
Era impressionante! E parecia bom demais para ser verdade. Talvez fosse
apenas uma notável coincidência, um desses acidentes que são mais divertidos
do que instrutivos. Mas com certeza era algo intrigante: o versículo que fala do
retorno à terra após séculos de exílio é, de fato, a sentença bíblica cujo número
é o mesmo do ano no qual esse evento improvável ocorreu!
“Por que você não tenta?”, ele respondeu com um sorriso. E assim eu
contei os versículos para trás, tomando nota do número, bem como do ano
correspondente. O capítulo anterior – capítulo 29 – era aquele cujas sentenças
correspondiam aos anos do Holocausto, desde meados dos anos 1930 até o fim
da Segunda Guerra Mundial em 5705/1945.
Quando tudo está dito e feito, Deus é mais sábio do que nós. Ele entende
mais do que nós. Nas profundas palavras do sábio do século 11, Bachya ibn
Pacuda: “Se nós pudéssemos entender Deus, nós seríamos Deus.” Às vezes
podemos captar alguns dos Seus modos. Ao buscarmos razões e explicações,
podemos ocasionalmente compreender algumas verdades que iluminam o
modo misericordioso como Deus guia nossas vidas. Nestes momentos nós
somos subjugados pela Sua grandeza. E nestes momentos de confusão, quando
somos incapazes de compreender como Deus possivelmente pode parecer
tão imune ao nosso sofrimento, nós nos certificamos de que o amor de Deus
por nós é a constante que nunca, jamais, mudará. A resposta bíblica para o
Holocausto deve ser nossa resposta às nossas angústias cotidianas: “As coisas
ocultas pertencem ao Eterno, nosso Deus.”
Ter perguntas não faz de você uma pessoa não-religiosa. Duvidar não é
o mesmo que negar. É permitido, sim, às pessoas perguntarem, serem céticas
– até mesmo questionarem o próprio Deus. E isso não as faz menos piedosas,
mas exatamente o contrário: isto afirma ainda mais a sua fé.
Mas elas estão erradas. E Henry David Thoreau tinha razão quando
disse sucintamente: “A fé mantém muitas dúvidas na sua conta. Se eu não
pudesse duvidar, eu não acreditaria.” Se você acha que a observação dele não
é verdadeira, tudo o que você tem a fazer é ler a Bíblia. Alguns dos maiores
homens compreenderam intuitivamente que, se Deus dotou o ser humano
de razão, então, esta dádiva Divina seguramente não pode ser pecadora.
Questionar Deus não é um crime; é justamente uma expressão poderosa da
nossa consciência de que, ao termos sido criados à imagem de Deus, temos a
obrigação de nos esforçarmos para compreender o nosso Criador.
E como Deus responde a essa crítica? Por mais incrível que pareça, Deus
cede! Tudo bem, Ele diz, “se houver 50 justos dentro da cidade, perdoarei ao
lugar todo, por causa deles”. Mas Abrahão ainda não está satisfeito: “Talvez
faltem, dos 50 justos, cinco; ainda destruirás todos eles simplesmente pela
falta de cinco?” Deus também aceita isso. Mas a discussão ainda não terminara:
“E se só houver 40? Ou 30? Ou 20, ou 10?” Deus também aceita esse pedido.
Ele não levará o Seu plano a cabo se existirem pelo menos 10 pessoas justas.
Abrahão vence!
Mas Moisés também entendeu que até mesmo uma grande amizade com
o Todo-Poderoso não o impedia de fazer críticas quando necessário. Depois que
os judeus pecaram com o bezerro de ouro, Deus falou para Moisés o quanto
Ele estava irado: “Eis que é um povo insubordinável”, Ele disse, “e [Eu] os
consumirei” (Êxodo 32:9-10). Mas Moisés teve coragem de dizer a Deus que ele
não concordava. Moisés fez perguntas; todas elas começavam com “por quê”:
“Por que, Eterno, se acenderá o Teu furor contra Teu povo, que tiraste da terra
do Egito com grande força e com mão forte? Por que hão de falar os egípcios,
dizendo: ‘Para mal os tirou, para matá-los nos montes e para os consumir de
sobre a superfície da terra’?” (Êxodo 32:11-12). Em uma linguagem simples,
Moisés dizia praticamente o seguinte: “Deus, Tu estás certo de que realmente
sabes o que estás fazendo?”
Ousado, não? Você pensaria que isto poderia ser contado como um
pecado para Moisés. Você poderia esperar que Deus respondesse com ira
por tanta impertinência humana. Em vez disso, a Bíblia conclui essa história
contando-nos que “o Eterno arrependeu-Se do mal que falou em fazer a Seu
povo” (Êxodo 32:14). Mais uma vez, o homem vence Deus. O Eterno permite
que um ser humano seja vitorioso. E em vez de irar-Se com o Seu servo, nós
podemos quase imaginar Deus sorrindo. Moisés, exatamente como Abrahão
antes dele, percebeu que questionar Deus não é um ato de chutspá (audácia)
teológica. Trata-se nada menos do que uma afirmação de dignidade humana,
uma demonstração válida e louvável de coragem espiritual até mesmo na
presença do Todo-Poderoso.
Moisés amava tanto Deus que não podia aguentar ficar calado quando
a reputação de Deus como misericordioso parecia ameaçada. Afinal de contas,
perguntas nem sempre equivalem a críticas. Às vezes, elas são somente outra
maneira de pedir esclarecimentos. A frase “Por que você está fazendo isso?” não
precisa ser entendida como uma condenação. Os amigos têm direito de reagir,
de ficarem confusos e de expressarem suas dúvidas. E isso é verdade, como
essa história deixa claro, até mesmo quando um dos amigos é o próprio Deus.
Nós percebemos que Jó é qualquer ser humano. Ele é a vítima que sofre
injustamente e não pode acreditar que Deus permita o seu sofrimento. Nós
nos lembramos dos amigos de Jó que tentaram convencê-lo de que ele estava
sofrendo porque devia ter feito algo que justificasse isso. Mas Jó sabia que
isso não era verdade. Não havia como ele pudesse aceitar que o seu horrendo
sofrimento era uma punição por crimes que ele certamente não cometera.
Esta é a mensagem do livro de Jó, dirigida a todo aquele que sofre. Abra
o seu coração para Deus. Jogue para Ele a sua aflição, a sua raiva, a sua dúvida,
a sua amargura, o seu sentimento de traição e a sua decepção. Deus é grande o
bastante para suportar tudo isso e ainda mais. A única coisa que você não pode
fazer a Deus, o único crime para o qual você será considerado um pecador, não
é questioná-Lo, mas ignorá-Lo.
E é isso que o poeta Alfred Lord Tennyson compreendeu tão bem quando
escreveu: “Existe mais fé na dúvida honesta, acredite-me, do que em metade
das religiões.”
É esta a garantia que podemos levar das vidas dos gigantes espirituais
que nos precederam. Quando nos sentimos abandonados por Deus, nós não
devemos considerar blasfêmia repetir as palavras do Rei David no seu livro
de Salmos:
“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Por que deixaste tão
distante minha salvação e ignoraste meu gemido angustiado? De dia clamo e à
noite não silencio, e Tu não me escutas.” 77
E é por isso que estou certo de que Deus não pensará nada menos de
nós se nos juntarmos à companhia de questionadores que incluem Abrahão e
Moisés, Jó e o Rei David. Quem sabe? Pode ser que lidar honestamente com as
nossas dúvidas nos permita fortalecer a nossa fé.
É por isso que jamais devemos ter medo de perguntar. Sintamo-nos sempre
próximos o suficiente de Deus para questionar. Mas encontremos também força
nessas respostas que nos marcam com suas verdades. E vivamos nossas vidas
com a garantia confiante de que o mesmo Deus que é a fonte de todas as nossas
bênçãos também nos permitirá superar nossos sofrimentos e tristezas.
Notas
66. Berkovits, Eliezer. God, Man & History (Deus, o Homem e a História). Middle Village, NY,
Jonathan David Pub., 1979. – 67. Meguilá 12a. – 68. Kuntres Dibrot Kodesh 216-217. – 69. Ketubot
11a. – 70. Heschel, Abraham Joshua, and Susannah Heschel (Ed.). Moral Grandeur and Spiritual
Audacity: Essays (Grandiosidade Moral e Audácia Espiritual: Ensaios). New York, NY, Noonday Press,
1997. – 71. Midrash Hagadol, Bereshit 4:9. – 72. San’hedrin 98b. – 73. San’hedrin 96b, 97a. – 74. Jó
38-40. – 75. Deuteronômio 29:28. – 76. Deuteronômio 29:28. – 77. Salmos 22:2-3
SOBRE O AUTOR
Blech é rabino emérito da Young Israel of Oceanside, Nova York, onde serviu
por 37 anos. Décima geração de uma família de rabinos, ele já formou milhares
de relações entre professor e estudante com seu estilo caloroso e cuidadoso.
Blech é conhecido por sua capacidade de apresentar ideias complexas de
maneira simples e envolvente. Foi presidente do National Council of Young
Israel Rabbis (Conselho Nacional de Rabinos da ‘Young Israel’), bem como da
International League for the Repatriation of Russian Jewry (Liga Internacional pela
Repatriação dos Judeus Russos), e também diretor do New York Board of Rabbis
(Diretoria de Rabinos de Nova York) e do Rabbinical Council of America (Conselho
Rabínico da América).