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y-—- COLECAO POLEMICAS DO NOSSO TEMPO __ CONVERSAS COM QUEM GOSTA DE ENSINAR Rube Alves DEMOCRACTA, VIOLENCIA E DIREITOS HUMANOS. ‘Too Benedito de Azevedo Marques © SABER E 0 PODER NA UNIVERSIDADE, | ‘Antonio Muntz de Rezende A IMPORTANCIA DO ATO DE LER ‘Paulo Free ESCOLA E DEMOCRACIA Dermeval Saviant DESENVOLVIMENTO B EDUCAGAO NA AMERICA LATINA Saviani, Rama, Lamarra, Aguarzondo e Weinberg IDEOLOGIA No LIVRO pIDATICO Ana Leia Goulart de Faria LICOES DO PRINCIPE £ OUTRAS LIGOES Neldson Rodrigues ESTORIAS DE QUEM GOSTA DE ENSINAR Rubem Alves ENSINO PUBLICO E ALGUMAS FaLAS. SOBRE UNIVERSIDADE. Dermeval Saviani CRISE E PODER Rueardo Antunes ENSINO NOTURNO Célia Pezzolo de Carvalho EDUCAGAO, ECONOMIA E ESTADO ‘Martin Carnoy DIREITO F DEMOCRACIA Joao Benedito de Azevedo Marques DIALETICA DO AMOR PATERNO ‘Moacir Gadott) EDUCACAO E TRANSICAO DEMOCRATICA Varios attores REFLEXOES SOBRE ALFARETIZACAO Enulia Ferreiro SSR < E DEMOCRACIA « Teorias da Educacdo * Curvatura da vara df * Onze teses sobre educagdo e politica ay COLECAO POLEMICAS DO NOSSO TEMPO. . a. . lvitline +9 Cougs Dermeval Saviani MY 4 i COLECAO polémicas do nosso tempo ESCOLA E DEMOCRACIA * teorias de educagdo * curvatura da vara * onze teses sobre educagao e politica 14° EDICAO | eZ Eprrora — Se asabligEEE © rsuetbe: Baivoral “9 Joeqvim Severine, Casemiro dos Reis Fitho, Detmeval Svioni, Galberta 8, de Martisho Janmuzzi, Joel Martins, Mauricio siberg, Moncir Gadott, Miguel de'La Puente, Milton de '¢ Walter B. Garcia. fo Edicoral: Tose Garcia Filho Capa. “Teconimo de Oliveira Revistas Vilgon F. Ramos Snersiste Eiltorlal: Antonio de Paulo Silva Composiedo: Linotipadora Tustiniano Nenhoma parte desin_obta pode set reproduride ou duplicada ‘ei = autorizagio expreata do autor e dos editores. ‘Copyright @ do antor Dietos para esta od ‘CORTE? EDITORA / AUTORES ASSOCIADOS Rup Bastia, 387 — Tel: (O11) 8640111 Setembro de 1986 cine AK AUO. SUMARIO APRESENTACIO . AS TEORIAS DA EDUCAGKO E © PROBLEMA DA MARGI- NALIDADE 60 6ecceeeceseeeeeeeee @ © problema . As teorias nfo-criticas |... ‘© As teories critico-reprodutivistas.. © Para uma teoria critica da educagdo © Post-scriptum . eeevenet ESCOLA B DEMOCRACTA I — A TEORIA DA CURVATURA DA VARA 7 : © © homem livre... © A mudanca de interesses te @ A falsa crenca da escola nove |... © Ensino no 6 pesquisa... © A escola nova néo 6 democritica . | © Escola nova: a hegemonia da classe dominante ESCOLA E DEMOCRACIA IT — PARA ALEM DA TRORIA DA CURVATURA DA VARA, © Pedagogia nova ¢ pedagogia da existéncia .... © Para além das pedagogias da esséncia ¢ da existéncia : © Para além dos métodos novos e tradicionais © Pora além da rela¢o autoritéria ow democrat na sala de aula... : © Conclusio: a contribuigaio do professor Onze TESeS soDRE eDUCACKO B POLITICA BIBLIOGRAFIA GERAL ‘can Cotetoreydoma Pubic ‘Camere Beaese de Liv, SP ote Eno « comocamis letae do edict, cuore ‘jy tons aches adeayis e poltea / Denes Sever. Finke acon Autoren Avscitaon, 306, Teale nis do mms fs 1, pudenminago oueagbe) 2 ElucagSa “Pench 4 Petaia 8 Pollen edoeagoo Te Ta » * Indie pore ctilogs ratemtn: 2, Buco: Tete 970107. « 16) 2 Elven « domscos 2701800017) 7018 084 4 faaraeae opie 379 07 878201 (13) { Eaeng 670 7-18) 5 Podagone 37 © 18) 8 Polar nist nr etason 3797 $7201 183 238 2. ins YW. 18 constos 0 2, rao, APRESENTACAO Fste pequeno livro foi organizado da seguinte maneira: © primeiro texto reproduz 0 artigo “As teorias da educe- efo eo problema da marginalidade na América Latina” publicado otiginalmente em Cadernos de Pesquisa, n.° 42, agosto/82, da Fundaco Carlos Chagas. Os textos seguintes, Escola © Democracia (1) @ Escola Democracia (I) reproduzem, respectivamente, os artigos “Escola ¢ democracia ou a ‘teoria da curvatura da vara’ ”, ANDE, 1981 ¢ “Escola e democracia: para além da ‘teo- ria da curvatura da vara”, ANDE, 1982 0 tiltimo texto, Onze teses sobre Edueagio e Politica, foi escrito especialmente para integrar a presente publicacéo. Seu objetivo € encaminhar, de modo explicito, a discussio das relacdes entre educacio € politica jé que af reside a questo central que attavessa de ponta a ponta o contetido deste ivto, Dada a estreita conexio entre os artigos acima menciona- dos, tem havido uma tendéncia a estudé-los conjunta- mente © que, entretanto, tem sido obstado pelas dificul dades em enconteéclos disponiveis nas livrarias. A decisio de reuni-los numa mesma publicagio atende, assim, & solicitacao de diversos leitores no sentido de contornar aquclas dificuldades. Esperamos que este livro, a exemplo dos artigos que Ihe deram oigem, continue a auxiliar ptofessores ¢ alunos na 5 sesce de uma compreensio mais sistemética e critica das nves tearias da educacao. Finalmente, aproveitannios a opottunidade para agradecer a Cadernos de Pesquisa, Revista de estudos ¢ pesquisas em Educagio da Fundacio Carlos Chagas ¢ ANDE, Revista a Associagio Nacional de Educagdo pela anuéncia & incluso dos artigos na presente obra. ‘Sio Paulo, setembro de 1983. ‘DERMEVAL SAVIANI AS TEORIAS DA EDUCACAO E O PROBLEMA DA MARGINALIDADE O PROBLEMA’ De acordo com estimativas relativas a 1970, “cerca de 50% dos alunos das escolas primérias desettavam em condigées de semianalfabetismo ou de analfabetismo po- tencial na maioria dos paises da América Latina”. Isto sem se levar em conta o contingente de criangas em idade escolar que sequer tém acesso & escola ¢ que, portanto, 44 se encontram @ priori marginalizadas dela, © simples dado acima indicado tanca de imediato em nossos rostos a realidade da marginalidade relativamente ao fenémeno da escolarizacéo. Como interpreter esse ‘ado? Como explicé-lo? Como as teorias da educagio se posicionam diante dessa situacdo? Grosso modo, potlemos dizer que, no que diz respeito & questo da marginalidade, as teotias educacionais podem ser classificadas em dois: grupos. Num primeito grupo, temos aquelas teotias que entendem ser @ educagéo um’ instrumento de equalizacéo social, portanto, de superacdo da marginalidade, ‘Num segundo grupo, esto as teorias que entendem ser a educagio um instramento de diseriminacao social, logo, um fator de marginalizacio. 1, Tedesco, 1981, p, 67. sbe-se Facilmente que ambos os grupos explicam § gueseio la marginalidade @ partir de determinada ma- vseza de entender as relagdes entre educacio ¢ sociedade, Assim, para 0 primeito grupo 'a sociedade & concebida © essencialmente harmoniosa, tendendo & integragao embros. A. marginalidade é, pois, um fenémeno ‘ental que afete individtialmente a um ‘nimero maior ou menor de seus membros 0 que, no entanto, constitul wm desvio, uma distoreo que no s6 pode como deve ¥ corrigida. A educaclo emerge ai, como um instrimen- fo de correcto dessas distorcoes. Constitul, pois, uma forca homogeneizadora que tem por fungdo reforcar os lagos sociais, promover a coesto ¢ garantir a integragio de todos os individuos no corpo social. Sua fungio eoinc! de, pois, no limite, com a superagio do fendmeno. da marginalidade. Enguanto esta ainda existe, devem se inten- siticar os esforgos educativos; quando for superada, cum- pre manter os servigos echicativos num nivel pelo menos suficiente para impedir 0 reaparecimento do problema da marginalidade. Coma se vé, no que respeita as relacdes entre educagao € sociedade, concebe-se a educagéo com uma ampla margem de aitonomia em face da sociedade. Tanto que the cabe um papel decisivo na conformagao da Sociedade evitando sua desagregacio e, mais do que 130, garantindo a construcdo de uma sociedade igualitaria Ja o segundo grupa de teorias concebe a sociedade como Sendo essencialmente marcada pela divisio entre grupos ou classes antag6nicos que se relacionam & base da forga, 4 qual se manifesta fundamentolmente nas condicdes de produgao da vide material. Nesse quadro, a marginatidade € entendida como um fendmeno inerente A propria. estra- tura da sociedad. Isto porque 0 grupo ou classe que etm maior forca se converte em dominante se apro- priando dos resultados da produga0 social. tendendo, em consegiléncia, a relegar os demais @ condigio de margi- nalizados, Nesse contexto, a educacio é entendida como inteiramente dependente da estrutura social geradora de ‘marginalidade, cumprindo af a fungio de reforgar a domi- i 8 ae | ‘eedo © legitimar a marginalizagao, Nesse sentido, a edu- cacao, longe de ser um instramento de superacio da mar~ sinalidade, se converte num fator de marginalizacéo. jd gue sua forma especitica de reproducit a marginalidade social € @ produgdo da matginalidade cultural e, especifi- camente, escolar. ‘Tomando como critétio de criticidade a percepcto dos condicionantes objetivos, denominarei as teorias do. pri reico grupo de “teotias ndo-criticas” jd que encaram a edueagio como auténoma e buscam compreendé-la a partir dela mesma, Inversamente, aquelas do segundo grupo s80 criticas uma vez que se eipenham em compreender a educagio remetendo-a sempre a seus condicionantes obje- Uivos, isto é, aos determinantes sociais, vale dizer, & struc ‘ara sGcio-econémiea que condiciona a forma de mani. festagao do fenémeno educativo. Como, porém, entendem ve a fungio. bisica da educacio € a reproducho da wiedade, setdo por mim denominadas de “teorias cr -reprodutivistas”. AS TEORIAS NAO-CRITICAS ‘A PEDAGOGIA TRADICIONAL A constituigio dos chamados “sistemas nacionais de ensi- no” date do inicios do. século passado. Sua organizacto vou-se no principio de que a educacio & diteito de 's ¢ dever do Estado, © direito de todos & sducacto '1 do tipo de sociedade correspondente aos inte ses da mova classe que se consolidara no poder: @ aeguesia. Tratava-se, pois, de construit uma sociedade critica, de consolidar a democracie burguesa, Para 1 sitdiagfio de opressdo, prépria do “Antigo Regi © ascender a.um tipo de sociedade fundada no 9 social celebrado.“livremente” entre os indivi: era necessétio vencer a barreira da ignorfincia, 86 serispossivel transformar os stiditos em cidaddos, cm individuos fivtes porque esclarecidos, itustra- Como realizar essa tarefa? Através do ensino. A. escola € etigida, pois, no grande instrumento para conver: er os stitos em cidadios, “redimindo os homens de sea duplo pecado_histérico: & lgnorfneia, miséria moral e a opressio, mbséria. poli Nesse quadro, a causa da marginalidade € identifienda com & ignorancia. ¥ marginalizado’ da nova sociedade quem néo € esclarecido, A escola surge como um antidote & ignordncia, logo, um instrumento para equacionar 0 roblema da marginalidade. Seu papel ¢ difundir a instru- fo, transmitir os conhecimentos acumulados pela huma- nidade e sistematizados logicamente. © mestre-escola seré © artifice dessa grande obra. A escola se organiza, pois, como uma agéncia entrada no professor, o qual transmaite, segundo uma gradagio légica, 0 acervo cultural aos alu: nos. A estes cabe assimilar os combegimentos que lhes so transmitidos A teotia pedagégica acima indicada correspondia determi- nada maneita de organizar a escola. Como as iniciativas cabiam ao professor, 0 essencial era contar com um pro- fessor razoavelmente bem preparado. Assim, as escolas eran organizadas na forma de classes, cada uma contando com um professor que expuntia as Tigées que os alunos seguiam atentamente ¢ aplicava os exercicios gue os alu- nos deveriam realizar disciplinadamente. smo dos primeiros tempos suscitade pelo tipo acima desctito de forma simplificada, sucedeu progtessivamente uma crescente decepgfo. A referida es- cola, além de nfo conseguir realizar sew desiderato de universalizacéo (nem todos nela ingressavam e mesinio os que ingressavam nem sempre eram bem sucedidos) ainde 2 Zanoti, 1972, p. 22-28 bene teve de eurvar-se ante 0 fato de que nom todos os bem sucedidos se ajustavam ao tipo de sociedade que se queria consolidar, Comegaram, entio, a se avolumar as ctfticas essa teoria da educacto e a essa escola que passa a ser chamada de escola tradicional. A PEDAGOGIA NOVA As criticas & pedagogia tradicional formuladas a partir do inal do séeulo passado foram, aos poucos, dando origem uma outra teoria da educagao, Esta teotia mantinha a erga no poder da escola ¢ em sua funcio de equalizacio social, Portanto, a8 esperancas de que se pudesse corrigit distoreao expressa no fendmeno da marginalidade, atra- dia escola, ficaram de pé. Sea escola no vinha cum: 0 essa fungfo, tal fato se devia a que o tipo de escola nplantado — a escola tradicional — se revelara inade- vado. Toma corpo, entéo, um amplo movimento de re- na cuja expresso mais tipica ficou conhecida sob 0 ne de “escolanovismo”. Tal movimento tem como nto de partida a escola tradicional j4 implantada se- Giretrizes consubstanciadas na teoria da educa- icou conhecida. como pedagogia tcadicional. A ogia nova comega, pois, por efetuar a critica da a ttadicional, esbocando uma nova maneira de ar a educaeao e ensaiando implanté-ta, primeiro, ‘Vé-se, pois, que reforgamento da violéncia material se «dé pela sua conversio ao plano simbélico onde se produz e reproduz 0 reconhecimento da dominacio e de sua legitimidade pelo desconhecimento (dissimulagio) de seu cariter de violtncia explicita, Assim, a violencia material (dominacdo econdmica) exercida pelos grupos ou classes dominantes sobre 08 grupos ou classes dominados corres- ponde a violéncia simbdlica (dominagio cultural) A violencia simbélica se manifesta de miltiplas. formes: a formacio da opinido pablica através dos meios de comu- nicagio ‘de massa, jomals etc; a pregacio religicsa; a atividade artistiea e literéria; a propaganda ¢ a moda; a educacéo familiar etc, No entanto, na obra em questéo, © objetivo de Bourdiew e Passcron é a agio pedagégica ‘institucionalizada, isto 6, 0 sistema escolar. Daf, 0 subti- tulo da obra: “elementos para uma teoria do sistema de ensino”. Para isso, partindo, como jf disse, da te eral da violéncia simbética, buscam explicitar a agio 5, Bourdieu-Pasteron, 1975, p. 19. 22 pedagégica (AP) como imposicdo arbiteéria da cultura ‘ambém arbitréria) dos grupos ot classes dominantes aos srupos ou classes dominados. Essa imposicao, para se xercer, implica necessariamente a autoridade pedagégica AUP}, isto é um “poder arbittéric de imposisio que, s6 pelo fato de ser descombecido como ta, se enconiea objetivamente rec0- necida como antoridade legtima”.6 A referida agio pedagégica (AP) que se exerce através Go autoridade pedagdgica (AuP) se realiza através do Trabalho Pedagégico (TP) entendido “como trabalho de inculeagdo que deve durar o bastante pare produzit uma formacto durivel; isto 6, am habitus como produto da inteioriaagio dos prineipios de um arbitrario cultural capax de perpetuar-se ap6s a cessacio fia ago pedegégien (AP) © por isto de perpetiar nas Préticas os prinefpios do. arbitrétio inteiorizado".t a a compresnsiio do sistema de ensino ¢ de funda- nental importincia a distingdo entre trabalho pedagégico (TP) primério (educagao familiar) e trabalho pedagégico secundétio, cuja forma institucionalizada & 0 trabalho escolar (TE). Como os autores indicam no “escolio” da xoposigao 1 “veservou-se 2 seu momento Wégico (oroposigoes de arau 4) a expecificagio. das formas ¢ dos efeitos de uma ‘Aco Pedagigiea (AP) que se exerce no quadto de. una insituipfo escolar; & somente na uktima proposigéo (4.3.) gue se encontra caracterizada expressameste 3 AP esco- Jar que veproduz a caltura dominante, coniribuindo desse iodo para reproduzit a estraniva das relapses de forsa, numa focmaglo social onde 9 sisiema de ensino domi hrante tende assegirar-se do monopétio da violencia simbalica Testi 6, Thidem, Proposigo 2.1, p. 27 7. Thiden, Proposigao 3, p. 44 & Thidom, p. 20-21, 23 ‘A proposicio 4.3 sintetiza, pois, de modo exaustivo, 0 Conjunto da teoria do sistema de ensino enquanto violén- cia simbélica. Vale a pena, entdo, apesar de sua extensio, ttranscrevé-la integralmente: “Numa formaglo social determinada, 9 SE dominante pode constiuir 0 TP dominante como TE semn que os ‘que 0 exetcem como os que a ele se submetem costem de desconhecer sua dependéncia relativa 8 rolagien de forga constitutivas da formagéo social em que cle. se ‘exetee, porque ele ptodz e reprosiur, pelos melos 9i6- prios da instituisio, as condicdes nevessirias a0. exer- sfclo de sua fungao interna de inenleagéo, que sio a0 ‘mesmo tempo as condigoes suticientat da vealizagio. de sua fungio externa de reprodugéo de culture Iegtima ¢ slo sua contribuigio correlativa a reprodusio das relagGes Se forga; e poraus, <6 pelo falo de que existe © sub- file como insttuicko, ele implica as condigaes instita- sionals do desconhecimento da. violéncia simbélica que ‘exeree, isto, porque of meine inetiticionals dos quis fispe cnquanto institmicfo relativamente aul6aoma, detentora do monopélio do exercicio legitimo da vio- lencia simbéticn, est40 predispostos a servir também, 20 4 aparéncia da’ neutralidade, os grupos ow classes dos uals ele reproduz o arbitrério cultural (dependéocia vela independéncio)," © Portanto, a teoria ndo deixa margom a dividas. A fungdo dia educicko 6 a de reproducio das desigualdades socias. Pela reproducio cultural, ela conitibui especificamente para a reprodugio social. Como interpretar, nese quadro, 0 fenémeno da margina- lidade? De acordo com essa teoria, marginalizados so os grupos ou classes dominacos. Marginalizados socialmente porque nfo possem forga material (capital econémico) mar- ginalizados cufturalmente porque no possuem forga sim- bolica (capital cultural). E 2 educagio, longe de ser um 9, Thidem, p. 75, 24 « de superacio da marginalidade, constitui um elemen: ‘eforeador da. mesma, Fis @ fungao logicamente necesséria da educagio. Nao . oulra alternativa, Toda tentativa de utilid-la ‘© instrumento de superagdo da marginalidade nfo é pas uma ilusio. E a forma através da qual cla dissi- a, © por isso cumpre eficazmente, a sua funeao de ‘einalizagio, Todos os esforgos, ainda que oriundos srupos on classes dominados, reverie sempre no re- cogamento dos interesses. dominantes. “B pela mediagio deste efeito de dominagio da. AP dominante que as diferentes AP que se exercem n03 dife- vomtes grupos ou classes colaboram objetivamente € indi votamente na dominagéo das classes dominantes (incilea so pelas AP dominadas de conhecimentos on de mane! fas, dos quais a AP dominante define o valor sobre 0 mieteado econdimico ott simbélieo),” 16 Fis porque, Snyders resumin sua critica a essa teoria na Seauinte frase: “Bourdicu-Passeron ou a luta de classes capossivel". 2 TEORIA DA ESCOLA ENQUANTO APARELIO TEOLGGIco De Estapo (ATE) Ao analisar a reprodugio das condighes de produgio que implica a reprodugéo das forgas produtivas ¢ das relagdes ie prodagio existentes, Althusser Tevado a distinguir no Estado, os Aparethos Repressivos de Estado (0 Go- verno, a Administtacdo, 0 Exército, a Policta, os Tribt- fais, as Pris6es ete.) © os Aparelhos Ideoldgicos de Esta- cio (ATE) que ele enumera, provisoriamente, da seguinte forma: 10, Thidem, p. 22, 1 Snyders, 1977. p. 287. 28 0 AIE religion (0 sistoma das diferentes igee- ins), © AIE escolar (0 sistema das diferentes escolas ‘piiblicas e partculares), 0 ATE famitiar, —~ 0 ATE js ~ 0 AIE politico (0 sistema politico de que faz2m atte 8 diferentes partidos), 0 AE sindieal, — 0 AIE da informagio (imprensa, rédio-elevisio ete), = © AIR calturel (Letras, Belas Artes, desportos le). 8 ‘A distingdo entre ambos assenta no fato de que 0 Apa- relho Repressivo de Estado funciona massivamente pela violéncia'e secundatiamente pela ideologia enquanto que, inversamente, os Aparelhos Ideol6gicos de Estado funcio- nam massivamente pela ideologia e secundariamente pela repressio.!® © conesito “Aparelho Ideolégico de Estado ” deriva da ‘ese segundo a qual “a ideologia tem uma existéncia ma- terial”. Isto significa dizer que a ideologia existe sempre radicada em préticas materiais reguladas por rituais mate- tiais definidos por instituigées materiais.** Em suma, a ideologia se materializa em aparelhos: os aparelhos ideolégicos de Estado. ‘A partir desses instrumentos conceituais, Althusser avanca fa tese segundo a qual 12, Althusser, 8/4, p. 43-44, 1B. Thidem, p. 4647, 14, Thideon, p. 88-89, ose ‘© Aparelbo Tdeolégico de Estado que foi colocado em posigio dominante nas formaytes. capitalitas. maduras. apoe Uma violenta Tuta de classes politica © ideoldgica contra 0 antigo Aparelho Ideolégico de Estado dominan- (e, € 0 Aparelho Idealdelco Bsoolar™15 mo AYE dominante, vale dizer que a escola constitui sastrumentto mais acabado de reprodugao das relacoes produe&o de tipo capitalista, Para isso ela toma a si as criangas de todas as classes sociais e Thes ineulca urante anos @ fio de audiéncia obrigatéria “saberes pré- os” envolvidos na ideologia dominante.!* a grande parte (operdrios © camponeses) cumpre a aridade basica e é introduzida no provesso produtivo. 310s avangam no processo de escolatizacdo mas aca- bam por interrompé-lo passando a integrar os quadros dios, os “pequeno-burgueses de toda a espécie™? Lima pequena parte, enfim, atinge 0 vértice da piramide colat, Estes ¥ao ocupar 08 postos préprios dos “agentes exploragio” (no sistema prodittivo), dos “agentes da resséo” (nos Aparelhos Repressivos de Estado) © dos profissionais da ideologia” (nos Aparelhos Ideolégicos Estado). 1m todos 0s cas0s, trata-se de reproduzir as relagoes de sploragio capitalista, Nas palavras de Althusser: "6 através da aprendizagem de alguns saberes priticos (savoir faire) envolvidos nia inculcagio massiva da ideo: Jogia da classe dominante, que séo em grande parte reproduzidas as relapdes de producto de uma formagio sociel capitalist, isto &, ax relagios de explorados com exploradores e de exploradores com explorados™. 19 15, Tbidom, p. 60, 16. Tbidem, p64 17, Thidem, p65. 18, Thider, p. 65. 19, Thidom, p. 66. 27 Nese contexto, como se coloca o problema da margina- lidade? © fendmeno da marginalizacio se inscreve no proprio seio das relacdes de producdo capitalista que se funda na expropriagio dos trabalhadores pelos. capita- listas, Marginalizado €, pois, a classe trabalhadora, O ATE, escolar, em lugar de’ instromento de equalizagio social constitu; um mecanismo construido pela burguesia. para gatantic © perpetuar seus intetesses. Se as teorias do pri- meiro grupo (pot isso elas bem merecem ser chamadas de no-ctiticas) deseonhecem essas determinagies obje- tivas ¢ imaginam que a escola possa cumprir 0 papel de correcio da marginalidade, isso se deve simplesmente ao fato de que aquelas teoriss sio ideolégicas, isto 6, dissi- mulam, para reprodazé-las, as condigées de marginalidade em que vivem as camadas trabathadoras. No entanto, diferentemente de Bourdieu-Passeron, Althus- ser no nega a Tuta de classes. Ao contrério, chega mesmo f afirmar que “os AIE podem ser nfo s6 0 alvo mas tambéar 0 locat ds Iota do classes © por vems do formas renhidas da Ita de classes”.20 Entretanto, quando descreve 0 funcionamento do ATE escolar, a luta de classes fica praticamente diluida, tal ‘© peso que adquire af a dominacio burguesa. Eu ditia, enffo, que a huta de classes resulta nesse caso herdica, ‘mas ingléria, j4 que sem nenhtima chance de éxito. O arigrafo um tanto longo que me permito transcrever, fundamenta essa conclusio: “Pogo desculpa aos professores que, em condigSes t rivels, tentam voltar contra ideo! ma ¢ contra as priticas em que este os encerra, as armas ‘que podem encontrar na histéria e no saber que ‘ensi- naam’. Em certa medida #io herdis. Mas sf0 raros, € quan tos {@ maioria) nio t8m sequer um vislumbre de davida 20, (biden, p. 49. 4geanto ao ‘trabalho? que 9 sistema (que of ultrapasss € sage) 09 obrign e fazer, pior, dedicom-se inleiramente ¢ em toda @ conseitacta & realizago desse trabalho (ox smosos métodes novos!). Tem tio poucas dividas, que contribuer, até polo seu devotamento a manter ea li- rentar a fopresentaclo ideoldgica da Bscola que a torna hoe Go ‘natura’, indispensdvel itil © até benfazsja aos nosses contemporineos, quanto a Tereja era ‘natura’, cnulispensdvel © generosa para os. nossos antepassados de ba séoaloa.” 2. ‘TORIA DA ESCOLA DUALISTA ssa teoria foi elaborada por C, Baudelot ¢ R, Establet posta no livo L’école capitaliste en France (1971) 19 de “teotia da escola dualista”” porque os autores empenham em mostrar que a escola, em que pese a peréneia unitéria e unificadora, é uma escola dividida em sas (e@ nfo mais do que duas) grandes redes, as quais respondem 2 divisio da sociedade capitalista om duas asses fondamentais: a burguesia ¢ 0 proletariado, Ds autores procedem de modo didético, enunciando preli- ninarmente as teses bésicas que sucessivamento passam a emonstrar. Assim, na primeira parte, apés dissipar_as ‘uses da unidade da escola” formulam seis proposigdes ‘undamentais que passario a demonsirar ao longo da bra: tama rede de escolarizagio que chamaremos rede secundéria-tuperior (rede SS.). 2; Existe uma rede de escolarizago que chomareimos rode priméria-profissonal (rede PLP.) 3. Nig existe terceira rede. 44, Estas duas redes_constituem, pelas relagdes que as definem, © aparetho escolar “capitalista. Este xpare- tho 6 um aparelho ideotépieo do Fstado capitalist. 21. Thidem, p. 67-68 29 5. Enguanto tal, este aparetho eoneidul, pela parte que The cabe, « teproduale as relagdies de prodigio ca- pitalistas, quer dizer em definitiva ¢ divisdo da socie dade em ‘classes, em proveito da classe dominante, 6. Ba divisio da. sociedade em classes antagonistas ‘que explien em itima instincia. nfo tomente a ‘existOncia das duas redes, mas ainda (0 que as defi- re como tals) os mecaniimos de seu funciomsmento, suas causas © seus efeitos” 22 Através de minuciosa andlise estatistica os autores. se empenham em demonstrar, na segunda parte, as trés pri- ‘meiras proposigdes, isto é, a existéncle de apenas duas xedes de escolarizagao: as redes PP ¢ SS. A quarta propo- sigdo € objeto das terceira e quarta partes; na terceira arte se procura por em evidéncia que “6 a mesma ieologia dominante que & imposta a todos ‘6s alunos sob formas necessariamente incompativels:” 2 na quarta parte se demonstra que a divisio em duas redes atravessa o aparelho escolar em seu conjunto, por- tanto, desde a cscola priméria, contrariamente as aparéa- ias de unidade da escola priméria. Mais do que isso, afir- mam os autores que “6 na escola priméria que 0 exsencial de tudo 0 que cconcerne ao aparetho escolar capitalista se realiza” 3 Finalmente, a quinta parte ¢ dedicada & demonstragio das duas tiltimas proposigdes evidenciando, entiio, que “o aparelho escolar, com suas das redes opottes, con: tribui par reproduzir as relagSes sosiais de producto capitalista™25 22. Buudelot-Establet, 1971, p. 42. 23. tbidem, p47 24, Bhidem, p, 47. 25. Thier, p. 47 4 rever que, nesta teoria, € retomado 0 conceito vser (Aparctho Ideolégico de Estado”) definin- < © aparetho escolar como “unidade contraditéria de es de escolatizagio” wuanto aparelho ideolégico, a escola cumpre duas fun- < basicas: conttibui para a formacao da forca de tra- ‘0 ¢ para a inculeacdo da ideologia burguesa, Cumpre slar, porém, que no se trata de duas fungdes sepa- s. Pelo mecanismo das préticas escolares, a formagio ‘orga de trabalho se dé no préprio processo de inculca- ideol6gica. Mais do que isso: todas as préticas esco- ainda que contenham elementos que implicam um objetivo (@ ndo poderia deixar de conter, id que isso a escola no contribtiria para a reproducao das ages de produgo) sfo priticas de inculeacto ideoté- ca. A escola 6, pois, um aparelho ideol6gico, isto 6 0 specto ideolégi¢o 6 dominante e comanda o fnciona- to do apatelho escolar em seu conjunto. Conseqiien- ate, a funcko precipua da escola € a inculeagio da urguesa. Isto é feito de duas formas concomi- es: em primeiro lugar, a inculeaco explfcita de ideo- burgnesa; em segundo lugar, o recaleamento, a igo eo distarce da ideologia proletéria. s0, pois, a especificidade dessa teoria. Ela admite a siéncia da ideologia do protetariado. Considera, porém, « ‘al ideotogia tem origem e existéncia fora da escola, has massas opertirias e em. suas organizagbes. A cols! & um aparelho ideol6gico da burguesia o a servigo seus interesses. O parégrafo abaixo transcrito é extre- mente esclarecedor a respeito: ‘A contradigho principal existe brotalmente ora da escola sob a forma de uma Tata que opde a burgnesia 50 proletariade: cla ge trava nas telagdes de producto, i fo relagdes de exploragio. Como aparctho ideolé- 26, Thidem, p. 281 31 sico de Estado; @ escola ¢ um instrumento da Inte de classes ideolGgicw do Estado burguts, onde 0 Estado burgués persegue objetivos exteriores & escola (ela no & endo um Insirumento. destinado esses fine). A lata ideoldgica conitazida pelo Estado burgés na escola vien A ideologia proletaria gue existe fora da escola nas massis ‘operiras © suas ofganizactes, A ideologia proletéria nfo esti presente em pessoa ua escoln, mas apenas soh s forma de alguns de sens efeitos que se apresentam como resistencias: entretanto, inchusive por meio destas res (@acias, € ela prdpria que & visada no. horizonte pelos préticas de inculcacio ideolésica burgess ¢ pequend- sburpuess.” =F No quadro da “teoria da escola dualista” 0 papel da escola nao €, entio, o de simplesmente reforcar ¢ legi- timar a marginalidade que 6 produzida socialmente, Con- siderando-se que 0 proletariado dispde de uma forca autSnoma e forja na prética da luta de classes suas pro- prias organizagdes e sua propria ideologia, a escola tem por missio impedir 0 desenvolvimento da idcologia do proletatiado ¢ a hita revoluciondria. Pera isso ela € orga nizada pela burguesia coma um aparelho separdo da produgio. Conseqiientemente, nao cabe dizer que a esco- la qualifica diferentemente 0 trabalho intelectual © teabalho manual, Cabe, isto sim, dizer que ela qualifica © trabalho intelectual © desqualitica o trabalho. manual, sujeitando 0 proletatiado & idcologia burguesa sob um disfarce pequeno-burgués. Assim, pode-se coneluir que a escola € a0 mesmo tempo um fator de marginalizagtio relativamente 2 cultura burguesa assim como em relagio 4 cultura proletétia. Em face da cultura burguesa, pelo, fato de inculcar 2 massa de operirios que tem acesso & rede PP. apenas 03 subprodutos da prépria cultura bur- guesa, Em relacio a cultura proletaria, pelo fato de recal- é-la, forgando 0s operétios a representarem sua condigio has categorias da ideologia burguesa Conseqilentemente, 2 escola, longe de ser um instrumento de equalizacéo 27, idem, p. 280 (erifos no original.) 32 ai é duplamente um fator de marginalizagao: converte © sabalhadores em marginsis, nfo apenas por referencia | calsura burguesa, mas também em télagio a0. proprio swimento proletério, buscando arrancar do scio! desse sovimento (colocar & margem dele) todos aqueles que sam no sistema de ensino. ese, pois, ooncluit que, se Baudelot © Establet se nham em compreender a escola no quadro da tata sses, eles no a encaram, porém, como palco e alvo ta de classes. Com efeito, entendem que a escola, ant0 aparetha ideol6gico, € um instrumento da bur- gesia na lata ideolbgica contra o proletariado. A pos- iade de que a escola se constitua num instramento «© Juta do proletariado fiea deseattada, Uma vez que a Seologia proletétia adquire sua forma acabada no. seio se massas e otganizagses operdtias, nfo se cogita de zac a escola como meio de-elaborar e difundir a refe- Ideologia, Se 0 protetariado se revela capaz de elabo- independentemente da escola, sua propria ideologia “e um modo tio consistente quanto 0 faz a burguesia ‘© auxilio da escola, entio, por referencia ao apare- escolar, a lta de classes revela-se initil, Eis porque primetro caso, sacrifica-se a Histéria na idéia em cuja, sononia se pretende anular as contradigbes do real. No ‘0 caso, a Hist6ria € sacrificada na reificagio da aiura social em que as contradigées ficam aprisiona- oblema permaneee, pois, em aberto. E pode ser slocado nos sepuintes termios: & possivel encarar a escola como uma tealidade historica, isto 6, suscetivel de sv sansformada intencionslmente pela agio humana? cmos de escorregar para uma posigao idkalista ¢ vi cvarista, Retenhamos da concepgio eritico-reprodutiv » importante edo que nos trouxe: a escola & deter vada socialmente: & sociedade em que vivemos, funda- = no modo de producdo capitatista, € dividida em cla => com ineresses opostos; portanto, a excola sofre a sterminagio do conffito de interesses que caracteriza soviedade, Considerando-se que a classe dominante niio interesse nia transtormagio hisiérica da escola (ela empenhada na preservacio de seu dominio, portan- apenas acionara mecanismios de adaptagio que evitem ® ‘wansformagio) segue-se que uma teoria critica (que vo seja teprodutivista) s6 poder set formulada do pon- > de vista dos interesses dominados. O nosso problema le, entfo, ser enanciado da seguinte maneira: & possi | articular a escola com os intoresses dominados?: Da pectiva do tema deste artigo a questio recebe a suinte formulagio: & possivel uma teoria da educagio ‘ue capte criticamente a escola como um. instramento capaz de contribuir pata a supetacéo do problema da arginalidade? (Limito-me aqui a afitmar a possibilidade vessa teoria, J que escapa aos objetivos desse artigo, 0 sesenvolvimento da mesma). Unie teotia do tipo acima enuncindo se impée a tarefa superar tanto 0 poder ilusério (que caracteriza as corias nao-eritieas) como a impoténcia (decorrente das seorias erftico-reprodutivistas) colocando nas _maos dos 38 educadores una arma de tuta capaz de permitirthes 0 exercicio de um poder real, ainda que limitado. No entanto, o caminho € repleto de armadilhas, j4 que fos mecanismos de adaptacio acionados. petiodicamente partir dos interesses dominanies podem ser confun- didos com os anseios da classe dominada, Para evitar esse risco & necessério avancar no sentido. de captar a ratureza especifica da educagao o que nos levaré & co preensio das complexes mediagdes pelas quais se di sua insergdo contraditéria na sociedade capitalista. & nes- sa direcio que comeca a se desenvolver um promissor esforgo de elaboracio teérica. Do ponto de vista prético, trata-se de retomar vigoro- samente a hita contri a seletividade, a discriminagio ‘© rebaixamento do ensino das camadas populares, Lutat contra a marginalidade stravés da escola significa enga- jar-se no esforgo para garantir aos trabalhadores um onsi- no da melhor qualidade possivel nas condigoes histéricas atuais. O papel de uma teoria critica da educacto € dar substiticia coneteta a essa bandeira de luta de modo a evitar que els seja apropriada © articulada com os interes- ses dominantes, POST-SCRIPTUM Os Ieitores certamente terio estranhado que, a0. longo de um texto versando sobte as teorias da educacio ¢ 0 problema da marginalidade, fio aparece uma palavra sequer sobre a “teoria da edueagéo compensatétia”. Tal esiranheza parece procedente jf que, se hé alguma pro- posta educativa intimamente ligada & questio da mar- Hinalidade, esta 6 a chamada educagso compensatéria. Com efeito, nfo € exatamente a sittacéo de marginali- dade vivida_pelas assim chamadas “criancas carentes” que constitui a razio de ser da educacto compensatéria? Néo € a educacio compensatéria a estratégia acionada para superar 0 problema da marginalidade na medica em 36 se prope nivelar as pré-condigdes de aprendizagem cls via da compensagtio das desvantagens das criancas carentes? tanto, devo dizer que nio considero a educacio mpensatéria uma teoria educacional seja no sentide uma interpretagzo do fenémeno oducativo que acar- sta determinada proposta pedagégica (como ocorre com < teorias nao-eriticas), seja no sentido de explicitar os jecanismos que regem & orgenizacio © funcionamento « educacio explicando, em consealéncia, as suas fun- sees (como no caso. das teorias eritico-teprodutivistas) ja, ainda, no sentido de um esforco para equacionar, via da compreensio te6rica, a questio pritica da ontribuiledo especitica da educagdio no processo de trans- ormagiio estrutural da sociedade (como seré 0 caso de na teoria critica da educagao) \ mea ver, a educagio compensatéria configura uma csposta_nfo-erftica as dificuldades educscionais. postas evidéncia pelas teorias ctitico-roprodutivistas. Assim, ma Yer que se acumulavam as evidencias de que 0 scasso escolar, incidindo predominantemente sobre os 10s. s6cio-economicamente. desfavorecidos, se devia 2 atores extemmos ao fumeionamento da escola, tratava-se, nic, de agit sobre esses fatores. Educagio compensa sa significa, pois, o seguinte: a fungio bésicn da edu- acio continua sendo interpretada em termos da equali- sto social, Entretanto, pata que 2 escola cuthpra. sua nso equalizadora € necessério compensar as. deficién- s cuja persisténcia acaba sistematicamente por noutra- cor a oficécia da acto pedagégica, Vé-se, pots, que nfic se formula uma nova interptetactio da acio pedagégica a contintia sendo entendida em termos da pedago; sicional, da pedagogia nova ou da pedagogia tecnicista evearadas de forma isolada ou de forma combinada, » carter de compensagéo de. deficigncias prévias a0 reesso de escolarizagiio not permite compreender 37 | estreita ligacto entre educacio compensatéria e& pré-es- cola. Dai porque a educagio compensatérin compreende uum conjunto de programas destinados a compensar def. ciencias de diferentes ordens: de saéde © nuttigio, fa- miliares, cmotivas, cognitivas, motoras, linglisticas’ ete Tis programas acabam colocando sob a responsabilidade da educacdo uma série de problemas que nio sio especi- ficamente educacionais, que significa, na verdade, a persisténcia da crenca ingénua no poder redentor da edu- cago em telagdo a sociedads. Assim, se a educagio se revelou incapaz de redimir a humanidade através da agdo pedagégica no se trata de reconhecer seus limites mas de alargé-los: atribui-se entéo A educagao um conjunto de papéis que no limite abarcam as diferentes modalidades de politica social. A conseqiiéncia é a pulveriancfo de esforgos ¢ de recursos com resultados praticamente nulos do ponto de vista: propriamente educacional Essas constatagdes me levaram A conclusio de que a pré- pria expresso. “educacio compensatéria” coloca 0 pro- Dblema em termos invertidos, isto 6 © termo que apa- rece como substantivo deveria ser 0 adjetivo © vice-versa Portanto, se se quer compensar as caréncias que caracte- rizam a situagao de marginalidade das criancas das cama- das populates, € preciso considerar que ha diferentes modalidades de compensacéo: compensac&o alimentar, compensacto sanitéria, compensacio afetiva, compensa. ‘cdo familiar etc, Neste quadro, constatada ‘2 existéncia de deficigneias especificemente educacionais, caberia se falar nfo em educacto compensatdria (atribuindo-se a edueacdo a responsabilidade de compensar todo tipo de deficiéneia) mas em compensag3o educacional. E aqui fica, finalmente, evidenciada a ndo-antonomia teérica da “educacio compensatéria”, uma vex que a exigéncia de tratamento diferenciado, de respeito as diferengas indi- viduais © aos diferentes ritmos de aprendizagem bem como a énfase na diversificacio metodolégica e téenica, no sentido de suprir as caréncias dos educandos, slo 38 cocupagées proprias do tipo de teoria denominada nes- 2 texto de “‘pedagogia nova”. contexto da América Latina, a tendéncia atualmente curso (freatientemente teforcada pelo patrocinio de nismos intemacionais) de difusfio da educagio com- ensat6ria com a conseqiiente valorizagao da pré-escola ctendida como mecanismo de solugdo do problema do rocasso escolar das eriancas das camadas trabalhadoras ensino de primeiro grav deve, pois, ser submetida a ‘a, Com efeito, tal tendéncia acaba por se confi uma nova forma de contornar o. problema em de atacé-lo de frente. Exemplo elogiiente desse vio 6 0 caso da cidade de Sio Paulo onde, apds dez s de merenda escolar, os inidices de fracasso escolar sagem da primeira pata a segunda série do pri- ro gran, em Tugar de dimimuir, aumentoram em 6%. Compre, pois, no tergiversar. Nao se trata de negar a ortincia. dos diferentes programas de acdo compen- storia. Consideré-los, porém, como programas educati- s implica um afastamento ainda maior, em lugar da proximagio que so faz necesséria em dirego 4. com- censio da natureza especifica do fendmeno educative 39 ESCOLA E DEMOCRACIA I A teoria da curvatura da vara Abordagem Politica do Funcionamento Interno da Escola de 12 grew, Patece-me a primeira vista, que poderiamos faz6-lo de duas maneitas: abordarmos a questio da orge- nizaglo da escola de 1.° grau, © ai entéo colocarfamos énfase nas atividades-meio, focalizando 0 papel do. dire- tor, suas relagdes com os técnicos intermedisrios, orien tadores, supervisores, assim por diante, chegando em se- guida 20 professor © aos altinos, Neste caso 0 enfoque estaria_nas atividades-meios, ou seja, na organizacio. A outea forma de abordar seria enfatizar as atividacdes-fins, © nesse sentido examinar mais propriamente como se de- senvolve © ensino, que finalidades ele busea atingir, que procedimentos cle adota para atingir suas finalidades, em ‘que medida existe coeténcla entre finalidades e proce- dimentos, Bem, ¢ melhor me preocupar com as. ativic dades-fins © deixar A margem a questo da organiza- ‘¢i0 da escola de 1.0 grau, Enfatizarel justamente a pro- bblemética do ensino aue se desenvolve no interior da escola de 1.° gtau, pensando que funcies politicas esse ensino desempenha. J4 que a abordagem € politica, vou logo me colocar no cotagio do politico, Nesse sentido, farei uma exposicio centrada em trés teses. Enunciare! para vooes as ts teses, gute vou apenas comentar rai Gamente; em seguida, extrairei delas algumas conseaien- clas para a educagio. brasileira e complementarei. com um aptndice. Para reticar o suspense sobre a forma da minhe exposigao, eu ja antecipo quais: sfio as. teses ¢ também qual 6 0 apéndice. Vejum bem, totias elas sho 40 politicas; no entanto, a primeira, por ser mais geral, » consideto uma tese filosdfica-histériea. Poderfamos Ja da seguinte maneira: ‘do eariter revolucionério da pedagogia da easéneis © ‘Jo cardter reasionério 38 pedagogio da exiténcia’. ma segunda tese, quo se articula com essa, € uma tese © ev chamatia pedagégico-metodoldgica, © a enuncio m ‘o caréter ciemtfico do método tradicional ¢ do cardter preudo-cientfieo dos mStodos novos”. \Veiam, entao, que et estou me colocando diretamente coragio do politico, Estow enunciendo teses; isso significa posigdes, & posicdes polémicas, Dessas duas te- << eu retiro uma terceira, que, portanto, opera como conclustio das duas primeiras, As duas. primeicas ancionam como premissas para extrair uma terceita tese conclusiva, Essa € uma tese especificamente politica, de oliica educacional. Eu a enoncio da seguinte manei "de como, quando inais é falov em democracia no into- vot da escola, monos democritica foi a escola; e do com, quando’ menos se falou em democracia, mais a scolaesteve articuleda com a construgso de uma ordem demoeratia”, em, essa terveira tese eu derivo das duas primeiras. Bm soguida examinaremos as conseqiiéncias disso na: educa- brasileira, © por ‘iltinio farei referéncia a um apen- dice, esse apéndice farei uma pequena consideragio sobre a “‘teoria da curvatura da vara”. Eu néo sei se a coria da curvatura da vara é conhecida, Ela foi entin- ciada por Lénin ao ser ctiticado por assumir posigdes extcomistas radicais. Lénin responde o seguinte: “quando a vara esté torta, ela fica curva. de um fado @ 8 voo8 quiser endireitf-ta, nfo basta colocé-ia na posi correto. B preciso curvé-la para 0 lide oposto”. ‘Com essa teoria da curvatura da vara, completarei este cexto, 4 A impossibilidade de desenvolver todas as tesesacima ‘colocades, faz com que ew apenas as enuncie para, em seguida, tirar algamas conseqiiéncias ¢, a partir delas provocar um debate, ¢ mais do que isso, deixé-las para serem exploratlas mais profundamente em outros. traba- thos. Entre parénteses, eu acrescentatia apenas que essas teses derivam de uma reflexdo relativamente amadurecida, gue Yenho desenvolvendo hé algam tempo. Alguma coisa jd tenho até exposto em alguns textos ou palestras. Quanto a primeira tese, “a0 cardter evolucionéio da catiter reaciondtio da pedago: dagogia da ess2ncia o do da exsténcia”, © que eu quero dizer com isso é, basicamente, o seguint ‘nds estamos hoje, no ambito da. politica educacional ¢ ‘no Ambito do interior da escola, na verdade aos digla- diando com duas posigdes antitéticas © que, via de repra, convencionalmente so traduzidas em termos do novo edo velho, da pedagogia nova ¢ da pedagogia tradicional. Essa pedagogia tradicional ¢ uma pedagogia que se fan- da numa. concepeio filoséfica essencialista, ao passo que fa pedagogia nova. se funda numa concepgio filoséfica que privilegia a enisténcia: sobre a esséncia. O que isso significa do ponto de vista histérico-filosético? O HOMEM LIVRE ‘Se ns voltarmos a antigilidade grega, vamos verificar que, ein verdade, a filosofia da esséncia nfo. implicava maiores problemas 14, ¢ a pedagogia que decorria dessa filosofia, por sua vez, no implicava problemas politicos muito sérios, na medida em que o homem, o ser humano, eta identificado com © homem livre; 0 escravo no era set humano, conseqilentemente a esséncia humana 6 era realizada nos homens livres. Ent, © problema do esera- vismo, sobre 0 qual se assentava a produgio da socie- dade grega, ficava deseartado @ nem era um problema do ponto de vista filosético-pedagégico, 42 sonic a Idade Média, essa concepgtio essencialista xe- ma inovacao, que diz respeito justamente & arti- io da esséncia numana com a criagio divina;. por- ao serem criados os homens segundo uma esséncia cierminada, também j@ seus destinos eram definidos mente; conseqlientemente, a diferenciagao da socie- © entre senhores ¢ servos j estava marcada pela pré- © concepgao que se tinha da esséncia humana, Entiio, csséncia humana justificava as diferencas. 2, coisa diversa vem @ ocotrer na época moderna, com svptura do modo de producio feudal ¢ a gestacio do soda de prodveio capitalista, Nés vamos (er, justamente que a burguesia, classe em ascensio, vai se manifesta smo uma classe revolucionatia, e, enquanto classe revo- cionétia, vai advogat a filosofia da esséncia como um porte pata a defesa da igualdade dos homens como um «lo e € justamente 2 partir das que cla aciona as eriticas nobreza.¢ a0 clero, Em outros termos: a dominacfo da obrera ¢ do clero era uma dominagio nao-natural, nio- cacial, mas, social € acidental, portanto, histériea, jam que toda postura. revohicionéria ¢ uma postura cssencialmente histdriea, é uma postura que se coloca na recho do desenvolvimento da hist6ria, Ora, naquele mo- niento, a burguesia se colocava justamente na ditecio do seavolvimento da histéria © seus intetesses coincidiam oan of interestes do novo, com os interesses da transfor- macho; ¢ € nesse sentido que a filosofia da esséncia, que vai ter depois como conseqiiéncia a pedagogia da esséncia, vai fever uma dofesa intransigente da jgualdade essencial os homens. Sobre essa base da igualdade dos homens, de codos os homens, 6 que se funda entio a liberdade, © & sobre, justamente, a liberdade, que se vai postular a refor~ ma da sociedade. Lembrem-se, de passagem, de Rousseau, © que defendia Rousseau? Que tudo é bom enquanto sai «io autor das coises. Tudo degenera quando passa as mios {dos homens. Em outtos fermos, 2 natureza é jusia, é boa, © no Ambito natural a igualdade esti preservada. As desigualdades (vejam 0 “Discurso sobre @ origem da desi- 43. eae rete k mee ba gualdade entre ox homens”) sao geradas pela sociedade. Ora, esse raciocinio nao significa outra coisa sendo colocar diante da nobreza e do cleto a idéia de que as diferencas, 8 privilégios de que eles usufrufam, ndo eram naturals ¢ ‘muito menos divinos, mas eram sociais. E enquanto dife- rengas sociais, configuravam injusticas enquanto injustiga, infio poderiam continua existindo, Logo, aquela sociedade fundada em senhores e servos ‘nfo poderia persistir, Ele feria que ser substitulda por ume sociedade igualitéria B nesse sentido, entéo, que a burguesia vai reformar a, sociedade, substituindo uma sociedacle com base num suposto direito natural por uma sociedade contratual, Vejam entio como & que se tece todo 0 raciocfnio. Os homens sfo essencialmente tivres; essa liberdade se funda na igualdade natural, ou methor, essencial dos homens, ¢ se eles sao livres, entio podem dispor de sua liberdade, © na relagio com 0s outros homens, mediante contrato, fazer ou nao concessoes. B sobre essa base da sociedade contratual que as relagdes de producio vo se alterar: do trabalhador servo, virtoulado a terra, para o trabalhador nto mais vineulado a terra, mas livre para vender a sua forea de trabalho, e ele a vende mediante conirato, Entio, quem possui a propriedade € livre pata aceitar ou no a Oferta de méo-de-obra, e vice-verse, quem possui a forca de trabatho é livre de vendé-ia ou nao, de vende-la a este ‘on aguele, de vender, entio, a quem quiser. Esse € 0 fun- damento jurfdico da sociedade burguesa, Fundamento, como veremos, formalista, de uma igualdade formal. No fenianto, € sobre essa base de igualdade que vai se estrutu- rat a pedagogia da essincia e, assim que a burguesia se toma a classe dominante, ela vai, em meados do século passado, estruturar os sistemas nacionais de ensino ¢ vai advogar a escolarizacdo para todos. Escolarizar todos os: homens era condico de converter os servos em cidadios, era condicio de que esses cidadios participassem do pro- eess0 politico, ¢, participando do processo politico, eles ‘onsolidariam a ordem cemocrética, democracia bueguesa, € Gbvio, mas o papel politico da escola estava af muito 44 ». A escola era proposta como condicio para a conso- Jo da ordem democritica, A MUDANGA DE INTERESSES cone que @ histéria vai evoluindo, ¢ a participacio polt- 2 das massas entra om contradiclo com os interestes prépria burguesia, Na medida em que a burguesia, de sse em ascensio, portanto, de classe revolucionarie, se nsforma em classe consolidada no poder, af os interesses a nao eattinbam mais em direcdo a transformacio da ciecade: a0 contrério, os interesses dela coincidem com perpetuagao da sociedade. E nesse sentido que ela ja 20 esté twais na linka do desenvolvimento historico, mas cst contra a histéria. A hist6ria é contra os interesses da burguesia.. Entao, pata 2 burguesia se defender desses nteresses, ela n&o tem outra safda sendo negar a hist6ria, assando a reagir contra o movimento da histéria, B nesse momento que a escola tradicional, a pedagogia da esséncia, ji nfo vai servir ¢ a burguesia vai propor pedagogia da cxisténcia. Ora, vejam voes: 0 que é « pedagogia da cxisténcia, sondo diferememente da pedagogia da esséiicia, que € uma pedagogia que se fundave no igualitarismo, uma pedagogia da legitimagao das desigualdades? Com dase neste tipo de pedagosia, considera-se que os homens nao so. essencialmente iguais; os homens so essencial- mente diferentes, e nds temos que respeitar as diferengas eee 08 homens. Entiio, hi aqueles que tém mais capaci- dade & aqueles que tém menos capacidade; ba aqueles que aprendem mais devagar: hé aqueles que se interessam por iss0 © 08 que Se interessam por aquilo, s, em sintese, 0 que ev quis dizer com a minha primeira tes8, tese filos6fico-hist6rica, “do. eariter revotuciondrio da pedagosia da esséncia, & do carter reacionscio da. pedagogia da existincia” Com efeito, 9 pedagogia da existéncia vai ter esse eardter scaciondrio, isto & vai contrapor-se ao movimento de fh bertagdo da humanidade em seu conjunto, vai legitimar as 45 desigualdades, legitimar dominagao, legitimar os privilégios. Nesse contexto, legitimar a sujeigt ‘ode pré-eientifico, como am método dogmaitico como & pedagogia dix método medieval. Basta nds nos lembrarmos, por esséncia nao deixa de ter um papel revoluciondrio, pois... lo, de Kilpatrick, Educagéo para uma civilizagao em a0 defender a igualdade essencial entre nua sendo uma bandeira que caminha na direcéo da elim’. nacio daqueles privilégios que impedem a realizagao areela considerdvel dos homens. Entretanto, neste ms : ° © mento, nao € a burguesia gue assume o papel revolucion’ io, como assumira no inicio dos tempos modernos. Ness. Iomento, a classe revolucionéria & outra: no. & mais < aquela classe que a burguesi:. ‘burguesia, é exatamente explora, A FALSA CRENGA DA ESCOLA NOVS A segunda tese eu enunciei da seguinte forma: “do cardter ciemtitico do método tradicional, € do carter ‘preudocientifico dos métodos novos". ‘Vejam que no fundo as minhas teses estio indo contra « fendéncia corrente, contta a tendéncia dominant. F. por que isso? Porque, vejam bem, ‘como veremos agora na segunda, o que em verdad a bo: guetia faz, a0 defender a posi Seus intetesses, & contrapé-la ao momento anterior. Assim Ro caso da pedagogia da existéncia e da esséncia, a bur. fuesia constrdi os argumentos que defendem a pedagogis da existéncia contra essa titima como algo tipicamente medieval. Nesse sentido, ela deina de assumir a pedagogia da esséncia como uma construsio dela. prépria. Veremos agora, em relacio. ao: método, como essa questi se coloca de modo também bastante claro, Eu vou especificar um pouco mais a. Guestio do método, porque diz respeito justamente ao modo como a gente trabatha no interior da prépria escoln no interior da sala de aula. E agui nés poderiamos nos Jombrar, j4 diretamente, do movimento da Escola Nova, _ que pintou justamente 0 método tradicional como um 46 03 homens, conti tanto na primeira tese, 4 pedagogia da esséncia, pintando ltt rica, onde cle vai caracterizar a civilizacto que foi se edo com base no surgimento da cigncia moderna do Renascimento como sendo a civilizegio em acs, Nesse sentido, os métodos tradicionais 580 re- «es para a Tdade Média, ¢, portanto, para um cardter “-cvatifico, e mesmo anticientifico, ou seja, dogmético, enianto, essa erenga que a Escola Nova. propaga crenga totalmente falsa. Com efeito, o chamado adicional nfo € pré-cientffico © muito menos ime- sse ensino tradicional que ainda predomina hoje as se conslituit: apés a revolugto industrial © se otc! nos chamados sistemas ‘nacionais de ensino, io amplas redes oficiais, criadas a partir de éculo passado, no momento em que, consoli- ® poder bargués, aciona-se a escola redentora da sade, universal, gratuita e obrigatéria como um, to de consolidacdo da ordem democritica, 2 estou querendo enfatizar com isto € que esse mé- Jicional foi constituido apés a revotucao industrial, mente, portanto, a0 argumento que os escolano- nente levantam de que & revolucdo industrial 3 a sociedade, deterininow uma sociedade no tica, em mudanca continua, que essa revoluctio gue tem sen fundamento na ciéncia, nao teve ccrapartida na educagéo, que continuou sendo pré- 2. seguindo lemas medievais. Daf a razio do mé- ‘oclamar-se cientifico, proclamar-se um instru- « introduedo da eiéncia na atividade educativa e, wesegiiéncia, colocar a educacio a altura do século, va da época, No entanto, esse ensino dito tradicional -craturow através de um método pedagégico, que € 0 expositivo, que todos conhecem, todos passaram “+ so, © nmuitos estdo passando ainda, cuja matriz tedrica jou sce idontificada nos cinco passos formais de Hetbart Yooes passos, que so © passo da preparacio, 0 passo da 4 apresentagio, da comparacto ¢ assimilacao, da general zagio e, por titimo, da aplicagio, correspondem a0 esque ma do método cientifico indutivo, tal como fora formulads por Bacon, método que podemos esquematizar em tré: momentos fundamentais: a observacdo, a generalizacéo ¢ 4 confirmagio. Trata-se, portanto, daquele mesmo métodc formulado no interior do movimento filos6fico do. em rismo, que foi a base do desenvolvimento dla ciéncia mo- derna. Eu acho que esse ponto precisa ser explicitado um pouco melhor No ensino herbartiano, o paso da preparagao_ significa ‘basicamente a tecordacio: da liglo anterior, logo, do. #6 conhecido; através do passo da apresentacao, & colocado iante do’ aluno um novo conhecimento que the cabe sssimilar; a assimilagdo, portanto o terctiro passo, ocorre Por comparaciio, daf por que ew o denominei assimilagio- -comparagio —. a assimilaga6 ocorre por comparagio do novo com 0 velho; o novo € assimilado, pois, a partir do velho, Esses trés passos vorrespondem, no método cionti- fico indutivo, a0 momento da observaco. Trata-se de identificar ¢ destacar 0 diferente entre os elementos jé conhecidos, O passo seguinte, o da generalizacio, significa que, se 0 aluno jé assimilou'o novo conhecimento, ele capa de identificar todos os fenémenos correspondentes a0 conhecimento adquitido, Ora, no método indutivo, 0 momento da genetalizacio néo é outra coisa sentio a subfuncio, sob uma let extraida dos elementos observa- dos, pertencentes a determinada classe de fendmenos, de todos os elementos (observados ou no), que integram a ‘mesma classe de fendmenos. O passo da’aplicacio, que é ‘© quinto passo do método -herbartiano, coincide, via de ‘ogra, com as “ligdes para casa”. Fazendo os exercicios, 0 aluno vai demonstrar se ele aprenden, se assimilon ow nfo © conhecimento, Trata-se de verificar através de exemplor novos, nfo manipulados ainda pelo aluno, se ele efetiva- mente assimilon 0 que foi ensinado, Corresponde, pois, ‘ao momento da confirmagio, no caso do método cienti- fico, uma vez que, se 0 altno aplicon cortetamente os 4a mentos adquiridos, se ele acertou os exercicios, a aco esté confirmada. Pode-se afirmar que 20 ens rrespondeu uma aprendizagem, Por isso, a prepara- 4a ligao seguinte comega com a recapitulagdo da ante- 9 que € feito normalmente mediante a corregio da casa, Eis, pois, a estrutura do método tradicional; seguinte comeca-se corrigindo os exercicios, por- ssa correcio & passo da preparacio. Se os alunos um corretamente os exeteicios, eles assimilaram 0 co- ccimento anterior, entéio eu posso passat para 0 novo. cles no fizeram corretaimente, entio eu preciso dat ovos exerefcios, & preciso que @ aprendizagem se prolon- um poueo mais, que o ensino atente para as razdes essa demota, de tal modo que, finalmente, aquele conhe- mento anterior seja de -fato assimiado, o que seré& ‘ondigio para so passar para um novo conhecimento. Cabe aqui perguntar: por que o movimento da Escola Nova tendeu a classificar como pré-cientifico, & até mesmo no antieientifico, dogmético, 0 méiodo aqui citado? Acredito que demonstrei a sua cfentificidade, Mas vamos “sentar agora responder a essa pergunta. A Escola Nova sieve tet suas razdes. ENSINO NAO £ PESQUISA Ne verdade, 0 que o movimento da Escola Nova fez foi entar articular 0 ensino com 0 processo de desenvolvi- mento da eiéncia, a0 passo que 0 chamedo método tradi- onal 6 articulava com 0 produto ds ciéncia, Em ontros srmos, a Escola Nova buscou considerar 0 ensino como provesso de pesquisa; daf porque ela se assenta no ssuposto de que of assumtos de gue trata’ ensitto sio as, isto & so assuntos desconheckdos ndo apenas ono, como também: pelo professor. Nesse sentido, 0 seria 0 desenvolvimento de ma espécie de pro- pesquisa, quer dizet uiha atividade — vathos aos 49 cinco passos do ensino novo que s¢ contrapdem simetrica- mente. a0$ passos do ensino teadicional: entfo, 0 entine seria uma atividade (1.° passo) que, suscitando determi- nado problema (2.° passo), provocaria o levantamento dos dados, (3.° passo) 2 partir dos quais seriam formu- Tadas as hipéteses (4.° passo) explicativas do problema em questéo, empreendendo altinos © professores, conjun- tamente, a expetimentacio (5.° asso), que petmiir confirmar ou tejeitar as hip6teses formuladas, Vé-se, pois, que 0 ensino novo basicamente se funda nessa estrutura: ele comeca por uma atividade; na medida em que a atividade no pode prosseguir por algum obstéculo, | alguma dificuldade, algun problema que surgiu, & preciso resolver esse problema. Como se vai resolver esse proble- ma? Entio, todos, alunos e professores, saem a cata de dados, dados dos mais diferentes tipos, dados documentais, através dos textos, ou dados de campo. Esses dads, tuma ‘vez levantados, permitirio acionar uma ou mais hipdteses explicativas do problema, Formulada a hipétese, & preciso passar & experimentacio, & preciso testar essa hipdtese. So esses os cinco passos do método novo. Diferentemente disso, o ensino tradicional so propunha a transmitit os conhecimentos obtidos pela ciéncia, portanto, jé compen: diados, sistematizados ¢ incorporados ao acervo cultural da humanidade, Bis porque esse tipo de ensino, 0 ensino, tradicional, se centta no professor, nos contetidos © no, aspecto légico, isto é, se centra no professor, 0 adulto, que’ domina os conteiidos togicamente estruturados, otganiza- dos, enquanto que os métodos novos se centram no alamo (nas criangas), nos procedimentos ¢ no aspecto psicolé- ico, isto 6, se centra nas motivagies ¢ interesses da ctiat- a em desenvolver os procedimentos que a conduzam & posse dos conhecimentos capazes de responder As suas vides © indagagdes, Em suma, aqui, nos métodos novos, se privilegiam os processos de obtencdo dos conhecimen- tos, enquanto que lé, nos métodos tradicionais, se privile- giam 0s métodos de transmissdo dos conhecimentos jé obtidos, 50 Sern, acho qite, isto posto, um © outro método, uma e < pedagogia, esto indicadas também as razdes de ificidade de uma ¢ de outra, Mas, que conseqiiéncias tem? Vejam que com essa maneira de interpretar a educacio, Escola Nova acabou por dissolver a diferenca entre squisa e ensino, sem se dat conta de que, assim fazendo, 29 mesmo fempo que 0 ensino cre empobrecido, se invia- Diizava também # pesquise. O ensino niio € um processo pesquisa, Querer transformé-lo num processo de pes- isa 6 artificializé-lo, Daf 0 men prefixo pseudo ao cienti- fico dos métodos novos. Eu von tentar explicat um pou- inho ainda isso. Por que € que 0 ensino era empobre- sudo @ ao mesmo tempo se inviabilizava a pesquisa? ‘Vejam bem que, se a pesquisa é incursio no desconheci- © por isso ela nao pode estar atrelada a esquemas cidamente légicos © preconcebidos, também é verdade que: primeiro, 0 desconhecido s6 se define por con- onto com 0 comhecido, isto é se ndo se domina o jé conhecido, nfo € possfvel detectar o ainda nfo conhecido, fs fim de incorporé-lo, mediante a pesquisa, a0. dominio jf conhecido. Ai me parece que esté uma das grandes quezas dos métodos novos, Sem 0 dominio do. conke- cido, nfo € possivel incursionar no desconhecido. & ai que também a grande forea do ensino tradicional: a in- curso no desconhecido se fazia sempre através do conhie- eido, ¢ isso & um negécio muito simples; qualquer aprendi pesquisador passou por isso, ou estd passando, © qual- pesquisador sabe muito bem que ninguém chega a pesquisador, e ser cientista, se ele néo domina os co- checimentos jé existentes na area em que ele se propoe @ + investigador, a ser cientista, Em segundo lugar, 0 des- onhecido nao pode ser definido em termos individuals, sas em termos socials, isto 6, trata-se daquilo que 2 s0- edade ¢, no limite, a humanidade em sew conjunto conhece. $6 assim seria possivel encontrat-se wm crité- > aceitvel para distinguir as pesquisa relevantes das 51 eS gut nfo o si, isto 6 para se distingnir a pesquisa days pseudopesquisa, da pesquisa de “mentirinha”, da pesquisa =: dle brineadeira, que, em boa parte, me parece, constitu,» ‘© manancial dos processos novos de ensino, Em sume, $6. assim ser possivel encetar investigacdes que efetivamente ys contribuam para o enriquecimento cultural da humanidade, ®». » s9ui Creio que esté demonstrada a minha segunda tese, isto é, > » basicamente segundo o método tradicional, e, que isso, no 86 continuaram a ser educados, a 2 dos métodos novos, como também jamais reivindi- iais procedimentos. Os pais das criancas pobres tém_ onsciéneia mivito clara de que a aprendizagem impli- icdo de contetidos mais ricos, tém uma conscién- vito clara de que a aquisigio desses conteiidos nto se © caréter_cientifico do_método tradicional © 0 caréter i sem esforgo, nfo se di de modo espontineo; conse- peeudocientifico dos métodos novos. A ESCOLA NOVA NAO £ DEMOGRATIGA oe encontrar esta teagdo. nos pais Destas duas teses, eu vou, entéo, extrair a terceira, “gue € aquela conclusio segundo a gual quando mais se {alow em democracia no interfor da escola, menos demo- critica foi a escola; 2 quando menot ee falow em de- ‘mocracia, mais a escola estevs articulada com a constri- ‘| omemente, tém wma consciéncia muito clara de que para oe sprender € preciso disciplina e, em fungio disso, eles jegem mesmo dos professores. disciptina. ® comum a : criancas das .es trabalhadoras: se © mien filho néo quer aprender, m que fazer com que ele queira, Eo papel do cessor € de garantit que o conkecimento seja adquirido, nes mesmo contra a vontade da crianga, que espon- nie ndo tem condigdes de enveredar para a realiza~ esforgos mlecessérios 4 aquisigio dos contetidos ‘gio de uma ordem democtatica”, | es sioos e sein 08 quais ela no ter vex, nfo terd chance de carticipar da sociedade. Parece-me que, como diziam os escolésticos, “conclusio atet”, isto & essa tese € evidente depois do que foi expliv eitado em relagdo as duas primeirns, porque, obviamente, ‘ns sabemos que, em relacdo & pedagogia nova, tum ele ‘mento que esta muito presente nela 6 a proclamacio demo~ critica, @ proclamagio da democracia. Aids, inclusive, proprio tratamento diferencial, portanto, 0 abandono ‘da ‘busca de igualdade ¢ justificado em nome da democracia © € nesse sentido também que se inteoduzem no interior d escola procedimentos ditos democriticos. E hoje nés sabe- ‘mos, com certa tranqiilidade, j6, a quem serviu essa demo-, feracia € quem se beneficiow dela, quem vivenciot esses, - procedimentos democriticos ¢ essa vivéncia democrética no interior das escoles novas. Nio fol o povo, nfo foram os operdtios, nao foi o proletariado. Essas experiéncias f- 9x caram restritas a pequenos grupos, © nesse sentido elas se. ccavam essa autoridade para fazer com que 0s. altinos constituiram, via de regra, em privilégios para os j@ privile- .-zndessem a um nivel elevado de assimilagdo da cultura sitdos, legitimando as diferencas. Agora, os homens do, ~umanidade. ovo (o povio, como se costuma dizer) continuaram a ser 52 : 53 eee esse sentido que digo que quando mais se falou em racia no interior da escola, menos democrética ela © quando menos se falou em democracia, mais cla ve articulada com a construgéo de uma ordem demo- sea, Ora, na explicacto da minha primeira tese, eu « indicado que a burguesia, a0 formular « pedagogia ‘ncia, a0 criar os sistemas nacionais de ensino, co- ma escolarizacso como uma das condigies para a lidagio da ordem democrética, Conseqiientemente, a cia. montagem do aparelho escolar estava af a servic ticipago democrética, embora no interior da escola ‘lasse muito em democracia, embora no interior cola nés tivéssemos aqueles professores que asst- nio abdicavam, no abriam mao da sua autoridade, ESCOLA NOVA: A HEGEMONIA DA CLASSE DOMINANTE Passemios, enfim, &s conseqiiéncias para a situagéo educa- cional brasileira, ‘Vou tomar dois momentos para ilustrat: 0 primeiro mo- mento seria af em torno da década de 30 ¢ 0 segundo setia a década de 70, mais exatamente uma referencia & reforma do ensino institufda pela Lei n.° 5.692, para verk ficar como é que ela se enquadra nesse esquema mais amplo de compreensio e como ¢ que ¢la interferiu no interior da escola do ponto de vista politico, determinando gue, interiormente, as escolas cumprissem certas fungies politicas. Em relaggo ao momento de 30, evo tomo justamente porque o movimento da Escola Nova toma forga no Brasil exatamente a partic dai, A Associagio Brasileira de Edu- cago, ABE, foi fundada em 1924 0, num certo sentido, aglutinow os educadores novos, 05 pionelros da. educacio nova, que véo depois langar seu manifesto, em 1932, € vo travar em seguida uma polémica com os catdlicos, em tomo do capitulo de edueacdo, da Constituicio de 34. ‘Esse momento, 1924, com a criagao da ABE, 1927, com a I Conferéncia Nacional de Edueagio, 1932, com o lan- ‘gamento do manifesto dos pioneiros, € marco da ascendén- Gia escolanovista no Brasil, movimento este que atingiu ‘0 seu auge por volta de 1960, quando, em seguida, entra fem refluxo, em fungfo de uma nova tendéncia da pol educacional, que a gente poderia chamar de “os meios de ‘comiiniengao de massa” e “as tecnologias de ensino”. Eu no vou poder entrar nesse detalhc. J& tratei disso. om algumas palestras que esto publicadas no livro Educacao: do senso comum a consciéncia filosdtica. © que eu queria destacar em relagéo 20 momento 1930 6, basicamente, 0 seguinte: 0 contraste entre 0 “entusiasmo, pela educagio” e o “otimismo pedagégico”. J. Nagle ana- lisa isso com razoavel detalhe na sua tese de livre-docéncia 54 que versou sobre @ década de 20, © foi publicada sob 0 ‘ulo Edweacdo e sociedade na 1° Repiiblica, Ali, Nagle fax referfncia a duas categorias, uma que ele chama “o cntusiasmo pela educacéo”, que foi uma marca caracteris- «a do inicio do século © também da década ds 20 que, > entanto, entra em refluxo no final dessa década, ce- endo Tugar Aquilo que ele chara “otimismo pedagégico” uma earacteristica do escolanovismo, Ora, 0 impor © do ponto de vista politico a salientar aqui é que sa fase do entusiasmo pela educagio se pensava a sscola como instrumento de participacio politica, isto é, = pensava a escola como uma fund explicitamente poli- rica; a primeira década desse século, a segunda, a década © 10, a tereeira, a década de 20. foram muito ticas em ovimentos populares. que reivindicavam uma patticipa- 19 maiot nia sociedade, e faziom teivindicagdes: também ponto de vista escolar. Nés sabemos que a década de foi uma década de grande tensio, de grande apitacio, de crise de hegemonia das oligarquias até entio dominan- tes, Bassa crise de hegemonia foi de certo modo agucada pela organizacto dos ttabalhadores; varias greves operdrias acgiram nesse petfodo e virios movimentos organizacio- ais também se deram, Com 0 escolanaviso, o que ocor- ren foi que a preocupacto politica em relaclo 2 escola refi, De uma pteocupacdo em articular a escola como, lum instrument de patticipacdo politica, de participacto democrética, passou-se pata 0 plano técnico-pedagsico. Daf essa expresso de Jorge Nagle “otimismo pedagdgico”. Pessou-se do “entusiasmo pela educacio”, quando sp acre- itava que a educagtio poderia ser um instrumento de participacio das massas no processo politico, para o “oti- mismo pedagégico”, em que se acredita que as coisas vo bem ¢ se resolvem nesse plano interno das técnicas peda- aégicas. Num outro texto, fago referéncia A Escola Nova como desempenhando a fungao de tecompor os mecanis- nos de hegemonia da classe dominante, Com efeito, se na fase do “entusiasmo pela educagio” 0 lema era “Escola para todos”, essa era a bandeira de tuta, agora a Escola Nova vom transfetir a preocupacdo dos objetivos ¢ dos 55 ncaa > el nsec conteridos para os métodos e da quantidade para a quali- dade. Cra, voots nfo sabem o que existe de significado por dotrés dessa metamorfose! Em verdade, 0 significado politico, basicamente, € o seguinte: € que quan- do a burguesia acenava com a escola para todos (6 por ‘sso que era instramento de hegemonia), ela estava mum periodo capez de expressat os seus interesses abarcando também os interesses das demais classes. Nesse sentido, advogar escola para todos correspondia ao interesse da burguesia, porque era importante uma ordem democrdtica consolidada ¢ correspondia também ao interesse do opera riado, do protetariado, porque para eles era importante participar do processo politico, patticipar das decistes. corre que, na medida em que eles comecam a participar, fas contradigdes de interesses que estavam submersas sob aquele objetivo comum vem & tona © fazem submergit 0 comurn; 0 que sobressai, agora, & a contradicfo de inte- esses, Ou soja, 0 proletarindo, 0 operatiado, as camadas dominadas, na medida em que participavam das eleigées, iio votavam bens, segundo a perspective das camadas dominantes quer dizer, nfo escoltiam ox melhores; a bur- guesia acteditava que 0 povo instruido irin escolher os ‘melhores governantes. Mas © povo instruido néo estava eseothendo os melhores, Observe-se que no escolhiam os melbores do ponto de vista dominante. Ocorre que os me- Ihores do ponto de vista dominante, ndo eram os methores do ponto de vista dominado. Na verdade, 0 povo escoihia ‘os menos piores, porque é claro que os melhores eles no podiam escother, uma vez que o esquema partidério néo permitia que seus representantes auténticos se candidatas- sem. Entio ele tinka que escother, entre as facodes em uta no préprio campo burgués, as" opedes menos piores; 56 que as menos piores, do ponto de vista dos interesses dos dotninados, eram as piores do ponto de vista domi- ante. “Ora, entio essa escola nio est funcionando bem”, foi 0 raciocfnio das elites. das camadas dominantes; © se essa escola no esté funcionando bem, & preciso reformar a escola, Nao basta a quantidade, no adianta dar escola 56 sca todo mundo desse jeito, E surgiu a Escola Nova, que 10u possivel, ao. mesmo tempo, 0 aprimoramento do sino destinado as elites © o rebsiximento do nivel de sesino destinado 8s camadas populares. E nesse sentido «© a hegemonia pode ser recomposta, Sobre isso, haveria sas interessantissimas para a gente discutir em relagho que esti ocorrende no Brasil, hoje: a contradicao da politica educational atual, ¢m que a proposta de base, sfetente a0 ensino fundamental, 6, a meu modo de ver, populista, ¢ a proposta de céipula, em relagio A pos-pras Suagio, € olitsta. Em suma, o momento de 30, no Brasil, através da ascen- sto do escolanovismo, corresponden a um refluxo ¢ até a um desaparecimento daqueles movimentos populares que acvogavam tima escola mais adequada aos seus interesses, E por que isso? A partir de 30, ser progressista passou a significar ser escolanovista. E aqucles movimentos sociais, de origem, por exermplo, anarquista, socialista, marxista, que conclamavam 0 povo a se organizar e reivindicar a criagdo de escolas para os trabalhadores, perderam a vez, © todos os progressistas em educacio tenderam a endossar © credo escolanovista. Bem, en podetia me estender, puxat 0 fio da historia, de 30 até agora, mas vamos fazer um sorte, € vou tomar a reforma de 1971 como uma outta rndicagfo prética dessa tese que enuncici © que fez a Lei n° 5.6922 Tomemos, por exemplo, o prinefpio de flexibilidade, que é a chave da lei, que é grande descoberta dessa lei, a sua grande inovagio. Bla 6 ‘20 flexivel que pode até nio ser implantada. E mais sin. ‘8: € tio flexivel que pode até ser revogada sem ser evogeda; © eu néo estou inventando, ni. Peguem o ever n° 45/72, da_profissionalizacio, em confronto som o Parecer n.°°76/75, também da profissionalizacdo, > primeico parecer regulamentou o artigo 5.° da Lei; o vegundo revogou 0 primtiro e, com ele, revogou também 2 artigo 5.° da Lei; 86 que, mediante o principio da flexibi. de, ele nfo revogou, ele reinterpreiou, Reinterpretou, © artigo 5.° permanece nela 37 hl

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