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MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição.

São Paulo: Boitempo,


2011. 1104 p.
&
MÉSZÁROS, I. Para além do Leviatã: Crítica do Estado. São Paulo: Boitempo, 2021. 464 p.

SUMÁRIO
A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E SUA INFLUÊNCIA NO TRABALHO
DOCENTE E NA EDUCAÇÃO...............................................................................................1
CARÁTER (AUTO)DESTRUTIVO DO PROCESSO DE AUTORREPRODUÇÃO DO
CAPITAL...................................................................................................................................4

A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E SUA INFLUÊNCIA NO


TRABALHO DOCENTE E NA EDUCAÇÃO

[…] Isaac Deutscher escreveu:


A base tecnológica da sociedade moderna, sua estrutura e seus conflitos têm
caráter internacional ou mesmo universal; tendem a soluções internacionais
ou universais. E há perigos sem precedentes pondo em risco nossa existência
biológica. […] O impasse ideológico atual e o status quo social dificilmente
poderiam servir de base para a solução dos problemas de nossa época, ou
sequer para a sobrevivência da humanidade. […] A humanidade necessita de
unidade para sua simples sobrevivência; onde poderá encontrá-la se não no
socialismo? (MÉSZÁROS, 2011, p. 983).
[…]
Simultaneamente, algumas das instituições mais fundamentais da sociedade
são atingidas por uma crise nunca antes sequer imaginadas. […]
(MÉSZÁROS, 2011, p. 994).
[…]
O ponto a ser enfatizado é que a crise que temos de enfrentar é uma crise
estrutural profunda e que se aprofunda cada vez mais, exigindo a adoção de
corretivos estruturais de grande alcance para encontrar uma solução
sustentável. É preciso salientar também que a crise estrutural de nosso tempo
não se originou em 2007, com o “estouro da bolha imobiliária nos Estados
Unidos”, mas pelo menos quatro décadas antes. Falei disso nesses termos já
em 1967, bem antes do estouro de maio de 1968 na França, e voltei a
escrever em 1971, no prefácio à terceira edição de A teoria da alienação em
Marx […]
Nesse ponto, é necessário aclarar as diferenças relevantes entre tipos ou
modalidades de crise. […] Pois é óbvio que a maneira de lidar com uma
crise estrutural fundamental não pode ser conceituada nos termos das crises
periódicas ou conjunturais. A diferença crucial entre os dois tipos
nitidamente contrastantes de crise é que as periódicas ou conjunturais se
desdobram e são mais ou menos resolvidas com êxito dentro do quadro de
referência estabelecido, ao passo que a crise fundamental afeta integralmente
o próprio quadro de referência. (MÉSZÁROS, 2021, p. 124).
[…] uma crise periódica ou conjuntural pode ser dramaticamente severa –
como ocorreu com a “grande crise econômica mundial de 1929-1933” –,
mas também pode ser solucionada dentro dos parâmetros do sistema dado. E,
1
do mesmo modo, mas no sentido oposto, o caráter “não explosivo” de uma
crise estrutural prolongada, […] pode levar a [se pensar de forma] […]
equivocada [que a] […] ausência [de convulsões econômicas] fosse uma
evidência nítida da estabilidade indefinida do “capitalismo organizado” e da
“integração da classe trabalhadora”. […]
A novidade histórica da crise atual se torna manifesta em quatro aspectos
principais:
1. Seu caráter é universal, em vez de estar restrito a uma esfera particular
(por exemplo, a financeira ou a comercial, ou afetando este ou aquele ramo
particular da produção […]
2. Seu alcance é verdadeiramente global (no sentido literal e mais
ameaçador do termo), em vez de restrito a um conjunto particular de países
[…]
3. Sua escala de tempo é extensa, contínua – se preferir: permanente –, em
vez de limitada e cíclica, como foram todas as crises anteriores do capital;
4. Em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e
dramáticos do passado, seu modo de se desdobrar pode ser chamado de
progressivo, desde que acrescentemos a ressalva de que não se pode excluir
nem sequer as convulsões mais veementes ou violentas no que concerne ao
futuro (MÉSZÁROS, 2021, p. 125).
A crise estrutural da educação tem estado em evidência há já um número de
anos nada desprezível. E aprofunda-se a cada dia, ainda que esta
intensificação não assuma a forma de confrontações espetaculares.
(MÉSZÁROS, 2011, p. 995).
[…]
Dado o papel vital desempenhado pelo Estado na manutenção, com todos os
meios ao seu alcance, do sistema de produção capitalista – numa época de já
enorme, embora ainda em expansão, concentração de capital –, são de tal
modo grandes os interesses em jogo que as formas tradicionais de controle
indireto (econômico) das decisões são obrigadas a ceder lugar a um controle
direto dos “postos de comando” da política pelos porta-vozes do capital
monopolista. […]
Portanto, a política – que nada é se não for a aplicação consciente de
medidas estratégicas capazes de afetar profundamente o desenvolvimento
social como um todo – é transformada em mero instrumento de grosseira
manipulação completamente desprovido de qualquer plano global e de uma
finalidade própria. […]
Consequentemente, a crise que enfrentamos não se reduz simplesmente a
uma crise política, mas trata-se da crise estrutural geral das instituições
capitalistas de controle social na sua totalidade. Aqui cabe assinalar que as
instituições do capitalismo são inerentemente violentas e agressivas: elas são
edificadas sobre a premissa fundamental que prescreve a “guerra, se falham
os métodos “normais” de expansão”. (Ademais, a destruição periódica – por
quaisquer meios, incluindo os mais violentos – do capital excedente é uma
necessidade inerente ao funcionamento “normal” desse sistema: a condição
vital para sua recuperação das crises e depressões.) A cega “lei natural” do
mecanismo de mercado traz consigo o inelutável resultado de que os graves
problemas sociais necessariamente associados à produção e à concentração
do capital jamais são solucionados, mas apenas adiados e de fato
transferidos ao plano militar, dado que o adiamento não pode se dar
indefinidamente. (MÉSZÁROS, 2011, p. 1001).
[…]
Contudo, o sistema capitalista de nossa época foi privado da sanção máxima

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de que dispunha: a guerra total contra seus inimigos reais ou potenciais. Já
não é possível exportar a violência interna na escala maciça requerida. […]
Pela primeira vez na história, o capitalismo confronta-se globalmente com
seus próprios problemas, que não podem ser “adiados” por muito mais
tempo nem, tampouco, transferidos para o plano militar a fim de serem
“exportados” como guerra generalizada. (MÉSZÁROS, 2011, p. 1002).
[…]
O capital, quando alcança um ponto de saturação em seu próprio espaço e
não consegue simultaneamente encontrar canais para nova expansão, na
forma de imperialismo e neocolonialismo, não tem alternativa a não ser
deixar que sua própria força de trabalho local sofra as graves consequências
da deterioração da taxa de lucro. De fato as classes trabalhadoras de algumas
das mais desenvolvidas sociedades “pós-industriais” estão experimentando
uma amostra da real perniciosidade do capital “liberal”. […]
Expõe-se, assim, a natureza real das relações capitalistas de produção: a
implacável dominação pelo capital evidenciando-se cada vez mais como um
fenômeno global. (MÉSZÁROS, 2011, p. 1006).
[…]
De forma irônica, mas de modo algum surpreendente, essa mudança de
direção do desenvolvimento histórico regressivo do sistema do capital como
tal trouxe consigo algumas consequências amargamente negativas para a
organização internacional do trabalho.
De fato, essa nova articulação do sistema do capital nas últimas três décadas
do século XIX, com sua fase imperialista monopolista inseparável de sua
ascendência global plenamente expandida, inaugurou uma nova modalidade
de dinamismo expansionista (sumamente antagonístico e, em última análise,
insustentável) para formidável benefício de um punhado de países
imperialistas privilegiados […] Esse tipo de desenvolvimento imperialista
monopolista inevitavelmente proporcionou um grande impulso à
possibilidade de expansão e acumulação militarista de capital, não
importando o preço a ser pago no devido tempo pela destrutividade cada vez
maior do novo dinamismo expansionista. De fato, o dinamismo monopolista
com suporte militar teve de assumir a forma de precisamente duas guerras
globais devastadoras, bem como a implícita aniquilação total da humanidade
em uma potencial Terceira Guerra Mundial, somando-se à perigosa
destruição em curso da natureza que se tornou evidente na segunda metade
do século XX.
Em nosso tempo, estamos experimentando a crise estrutural cada vez mais
profunda do sistema do capital. Sua destrutividade é visível em toda parte e
não mostra sinais de diminuição. Pensando no futuro, é crucial o
entendimento de como conceituamos a natureza da crise, visando a uma
solução para ela. (MÉSZÁROS, 2021, p. 134).
[…]
[…] é completamente impossível compreender os múltiplos e agudos
problemas do trabalho, nacionalmente diferenciado e socialmente
estratificado, sem que se tenha sempre presente o quadro analítico
apropriado: a saber, o irreconciliável antagonismo entre o capital social total
e a totalidade do trabalho.
Esse antagonismo fundamental, desnecessário dizer, é inevitavelmente
modificado em função: (MÉSZÁROS, 2011, p. 1007).
a) de circunstâncias socioeconômicas locais;
b) da posição relativa de cada país na estrutura global da produção do
capital;

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c) da maturidade relativa do desenvolvimento sócio-histórico global. […] A
realidade objetiva de diferentes taxas de exploração – tanto no interior de
dado país como no sistema mundial do capital monopolista – é tão
inquestionável como o são as diferenças objetivas nas taxas de lucros em
qualquer período em particular (MÉSZÁROS, 2011, p. 1007).
[…]
O denominador comum de todas essas tentativas falhas [tentativas de
reforma do capitalismo dentro do quadro de referência estrutural da ordem
sociometabólica estabelecida] – a despeito de algumas diferenças
importantes entre elas – é que todas buscaram alcançar seus objetivos dentro
do quadro de referência estrutural da ordem sociometabólica estabelecida.
No entanto, como nos ensina a dolorosa experiência histórica, nosso
problema não é simplesmente “a derrubada do capitalismo”. Pois até na
medida (MÉSZÁROS, 2021, p. 135) em que esse objetivo pode ser
alcançado, está fadado a ser apenas uma conquista muito instável, pois tudo
que pode ser derrubado também pode ser restaurado. A questão real – e
muito mais difícil – é a necessidade de mudança estrutural radical.
O significado tangível dessa mudança estrutural é a completa erradicação
do próprio capital do processo sociometabólico. Em outras palavras, a
erradicação do capital do processo metabólico da reprodução societal.
[…]
Esse é o sentido central da obra da vida de Marx. (MÉSZÁROS, 2021, p.
136).

CARÁTER (AUTO)DESTRUTIVO DO PROCESSO DE


AUTORREPRODUÇÃO DO CAPITAL

[…] Na verdade, estamos diante de uma crise sem precedentes do controle


social em escala mundial e não diante de sua solução. […]
A consciência dos limites do capital tem estado ausente em todas as formas
de racionalização de suas necessidades reificadas, e não apenas nas versões
mais recentes de ideologia capitalista. Paradoxalmente, contudo, o capital é
agora compelido a tomar conhecimento de alguns destes limites, ainda que,
evidentemente, de uma forma necessariamente alienada. Pelo menos agora
os limites absolutos da existência humana – tanto no plano militar como no
ecológico – têm de ser avaliados […] Diante dos riscos de uma aniquilação
nuclear, por um lado e, por outro, de uma destruição irreversível do meio
ambiente, tornou-se imperativo criar alternativas práticas e soluções cujo
fracasso acaba sendo inevitável em virtude dos próprios limites do capital, os
quais agora colidem com os limites da própria existência humana.
Seria desnecessário dizer que os limites do capital vêm acompanhados por
uma concepção que procura extrair lucro até mesmo destas questões vitais
para a existência humana. […] (MÉSZÁROS, 2011, p. 993).
O capitalismo e a racionalidade do planejamento social abrangente são
radicalmente incompatíveis. Atualmente, contudo, presenciamos a
emergência de uma contradição fundamental, com gravíssimas implicações
para o futuro do capitalismo: pela primeira vez na história humana, a
dominação e a expansão sem obstáculos das estruturas e mecanismos
capitalistas, inerentemente irracionais, de controle social estão encontrando
sérias resistências, na forma de pressões resultantes dos imperativos
elementares da simples sobrevivência. (MÉSZÁROS, 2011, p. 994).
[…]

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Igualmente relevante é o novo padrão de desemprego que vem se
delineando. Isto porque nas décadas recentes o desemprego, nos países
capitalistas altamente desenvolvidos, limitava-se em grande parte “aos
bolsões de subdesenvolvimento”; e as milhões de pessoas afetadas por ele
costumavam ser otimisticamente ignoradas […] como representando os
“custos inevitáveis da modernização” sem que houvesse muita preocupação
[…] pelas repercussões socioeconômicas da própria tendência.
Na medida em que a transformação predominante se dava na substituição do
trabalho não qualificado pelo qualificado, envolvendo grandes dispêndios de
capital para o desenvolvimento industrial, o assunto podia ser ignorado com
relativa segurança, dada a atmosfera de euforia provocada pela “expansão”.
Em tais circunstâncias, a miséria necessariamente associada a todos os tipos
de desemprego […] podia ser capitalisticamente justificada em nome de um
brilhante futuro de consumo para todos. […] Isoladas, como um fenômeno
social da “Grande Sociedade” afluente, elas deveriam responsabilizar
exclusivamente a sua própria “inutilidade” (falta de qualificação
profissional, “preguiça” etc.) pelos seus apuros e resignar-se a consumir os
restos do farto banquete neocapitalista […]
No entanto, foi sistematicamente ignorado o fato de que a tendência da “mo-
dernização” capitalista e o deslocamento de uma grande quantidade de
trabalho não qualificado, em favor de uma quantidade bem menor de
trabalho qualificado, implicavam em última análise a reversão da própria
tendência: ou seja, o colapso da “modernização” articulado a um
desemprego maciço. […] Esta é a razão pela qual os apologistas das relações
capitalistas de produção tiveram que teorizar sobre o “crescimento”, o
“desenvolvimento” e a “modernização” enquanto tais, em vez de investigar
os modestos limites do crescimento e do desenvolvimento capitalistas.
(MÉSZÁROS, 2011, p. 1004).
[…]
Como resultado dessa tendência, [hoje] o problema não mais se restringe à
difícil situação dos trabalhadores não qualificados, mas atinge também um
grande número de trabalhadores altamente qualificados, que agora disputam,
somando-se ao estoque anterior de desempregados, os escassos – e cada vez
mais raros – empregos disponíveis. […]
Portanto, não estamos mais diante dos subprodutos “normais” e
voluntariamente aceitos do “crescimento e do desenvolvimento”, mas de seu
movimento em direção a um colapso; nem tampouco diante de problemas
periféricos dos “bolsões de subdesenvolvimento”, mas diante de uma
contradição fundamental do modo de produção capitalista como um todo,
que transforma até mesmo as últimas conquistas do “desenvolvimento”, da
“racionalização” e da “modernização” em fardos paralisantes de
subdesenvolvimento crônico. E o mais importante de tudo é que quem sofre
todas as consequências dessa situação não é mais a multidão socialmente
impotente, apática e fragmentada das pessoas “desprivilegiadas”, mas todas
as categorias de trabalhadores qualificados e não qualificados: ou seja,
obviamente, a totalidade da força de trabalho da sociedade. (MÉSZÁROS,
2011, p. 1005).
[…]
[…] uma das mais importantes necessidades substantivas, sem a qual
nenhuma sociedade – passada, presente ou futura – poderia sobreviver, é a
necessidade de trabalho. […] A falha necessária (MÉSZÁROS, 2021, p. 130)
em resolver esse problema estrutural fundamental, que afeta todas as
categorias de trabalho não só no “terceiro mundo”, mas até nos países mais
privilegiados do “capitalismo avançado”, com sua taxa de desemprego
5
perigosamente crescente, constitui um dos limites absolutos do sistema do
capital em sua totalidade. Outro problema grave que sublinha a inviabilidade
histórica presente e futura do capital é a mudança calamitosa de rumo para
os setores parasitários da economia – como uma especulação aventureira
produtora de crises que aflige (como uma questão de necessidade objetiva,
muitas vezes apresentada de maneira equivocada como falha pessoal
irrelevante para o sistema) o setor financeiro e a fraudulência
institucionalizada/legalmente suportada intimamente associada a ela – em
contraste com os ramos produtivos da vida socieconômica requerida para a
satisfação da necessidade humana genuína. […] A tudo isso devemos
acrescentar os fardos econômicos maciçamente perdulários impostos à
sociedade de modo autoritário pelo Estado e pelo complexo industrial/militar
– tendo a indústria de armas permanente e as guerras correspondentes como
parte integrante do perverso “crescimento econômico” do “capitalismo
avançado organizado”. E, para mencionar apenas mais uma das implicações
catastróficas do desenvolvimento sistêmico “avançado” do capital, devemos
ter em mente a usurpação ecológica global proibitiva do nosso modo de
reprodução sociometabólica que não se sustenta mais em nosso mundo
planetário finito, com sua exploração predatória dos recursos materiais não
renováveis e a destruição cada vez mais perigosa da natureza 1.
(MÉSZÁROS, 2021, p. 131).
[…]
A “consciência do caráter intolerável do sistema” só pode ser construída
sobre essa fundamentação objetiva – que inclui o sofrimento causado pela
falha do capital “avançado” em satisfazer de fato a necessidade elementar de
alimento não só nas “zonas marginais”, mas em incontáveis lugares, como
fica claramente evidenciado pelos tumultos por alimentos em muitos países
[…]
Em sua fase ascendente, o sistema do capital afirmou com êxito suas
realizações produtivas sobre a base de seu dinamismo expansionista interno
– ainda sem o imperativo do impulso monopolista/imperialista de dominação
mundial militarmente assegurada, próprio dos países mais avançados em
termos capitalistas. Contudo, dada a circunstância historicamente irreversível
de ingressar na fase produtivamente descendente, o sistema do capital se
tornou inseparável da necessidade cada vez mais intensificada de extensão
militarista/monopolista e distensão do seu quadro de referência estrutural.
No plano produtivo interno, isso levou, no devido tempo, ao estabelecimento

1
A gravidade desse problema não pode mais ser ignorada. Para entender sua magnitude, basta citar uma
passagem de um livro excelente que oferece um relato abrangente do processo de destruição planetária em curso
como resultado da ultrapassagem de alguns limiares e limites proibitivos postos em relevo pela ciência
ecológica: “Esses limiares já foram ultrapassados em alguns casos e em outros casos logo serão ultrapassados se
o negócio seguir seu rumo costumeiro. Ademais, isso pode ser atribuído em todo e qualquer caso a uma causa
primária: o padrão corrente de desenvolvimento socieconômico global, isto é, o modo capitalista de produção e
suas tendências expansionistas. […] Tudo isso sugere que o uso do termo ‘antropoceno’ para descrever uma
nova época geológica que toma o lugar do holoceno é tanto uma descrição de um novo fardo que recai sobre a
humanidade quanto o reconhecimento de uma imensa crise – um potencial evento terminal na evolução
geológica que poderia destruir o mundo como o conhecemos. Em contrapartida, tem havido uma grande
aceleração do impacto humano sobre o sistema planetário desde a Revolução Industrial e particularmente desde
1945 – ao ponto que os ciclos biogeoquímicos, a atmosfera, o oceano e o sistema Terra como um todo já não
podem mais ser vistos como amplamente impermeáveis à economia humana. […] Diz a ciência que limites
planetários e pontos de inflexão que levam à degradação irreversível das condições de vida na Terra logo
poderão ser atingidos com a continuação dos atuais negócios como de costume. O antropoceno pode ser a
cintilação mais breve no tempo geológico, que logo se apaga”. John Bellamy Foster, Brett Clark e Richard York,
The Ecological Rift: Capitalism’s War on the Earth (Nova York, Monthly Review Press, 2010), p. 18-9.
6
e à operação criminosamente perdulária de uma “indústria de armas
permanente” e às guerras necessariamente associadas a ela.
De fato, bem antes da irrupção da Primeira Guerra Mundial, Rosa
Luxemburgo identificou claramente a natureza desse desenvolvimento
monopolista/imperialista fatídico no plano destrutivamente produtivo ao
escrever o seguinte, em A acumulação do capital, sobre o papel da produção
militarista maciça: (MÉSZÁROS, 2021, p. 133).
Em última análise, o próprio capital controla esse movimento automático e
rítmico da produção militarista por meio da legislação e de uma imprensa
cuja função é moldar a assim chamada “opinião pública”. É por isso que, de
início, essa província particular da acumulação capitalista parece ser capaz
de expansão infinita2.
[…]
Outra contradição básica do sistema capitalista de controle é que este não
pode separar “avanço” de destruição, nem “progresso” de desperdício –
ainda que as (MÉSZÁROS, 2011, p. 1009). resultantes sejam catastróficas.
Quanto mais o sistema destrava os poderes da produtividade, mais ele libera
os poderes de destruição; e quanto mais dilata o volume da produção tanto
mais tem de sepultar tudo sob montanhas de lixo asfixiante. O conceito de
economia é radicalmente incompatível com a “economia” da produção do
capital […]
Ironicamente, porém, mais uma vez, o sistema entra em colapso no momento
de seu supremo poder; pois sua máxima ampliação inevitavelmente gera a
necessidade vital de limites e controle consciente, com os quais a produção
do capital é estruturalmente incompatível. Por isso o estabelecimento do
novo modo de controle social é inseparável da realização dos princípios de
uma economia socialista, centrada numa significativa economia da atividade
produtiva, pedra angular de uma rica realização humana numa sociedade
emancipada das instituições de controle alienadas e reificadas.
[…] Por isso não há qualquer esperança de sucessos parciais isolados, mas
somente de sucessos globais – por mais paradoxal que isto possa soar. […]
Por isso Marx falou da necessidade vital de mudar, “de cima a baixo”, as
condições de existência como um todo, sem o que todos os esforços
direcionados à emancipação socialista da humanidade estão destinados ao
fracasso. (MÉSZÁROS, 2011, p. 1010).

2
Rosa Luxemburgo, The Accumulation of Capital (Londres, Routledge, 1963), p. 466.
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