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ANOTAÇÕES ACERCA DA DINÂMICA DOS CICLOS ECONÔMICOS E CRISES

CAPITALISTAS NOS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO 21

JOSÉ ANTÔNIO MARTINS .

Introdução

Para analisar os fundamentos produtivos dos ciclos econômicos e das crises


capitalistas, este texto se inicia (parte 1 – Dinâmica da exploração e crise) enfatizando a
importância de fatores endógenos, em particular a produtividade da força de trabalho, e
de fatores estratégicos, destacando-se a indústria de “bens duráveis” dos Estados
Unidos, como elementos determinantes na evolução do mercado mundial e das crises
econômicas capitalistas. Em seguida (parte 2 – Crise permanente ou crise periódica em
permanência?) confronta hipóteses explicativas principais para esse fenômeno: a teoria
dos ciclos periódicos de superprodução de capital, de um lado, e a teoria da
“financeirização”, crise permanente ou ciclos longos de outro. O objetivo destas duas
partes iniciais é avançar em uma clara definição da natureza da crise econômica
especificamente capitalista que servirá como elemento balizador da análise concreta das
crises globais que estão a explodir neste início do século 21.

Após a caracterização mais propriamente teórica da crise e dos elementos endógenos e


reguladores da crise capitalista, procura-se na parte final do texto (parte 3 - O
movimento real das crises econômicas) refletir sobre um levantamento empírico e
factual guiado pelas considerações avançadas nas duas primeiras partes. Com dados que
se manifestam concretamente na indústria dos EUA, tomada como a indústria
reguladora da produção global, procura-se finalmente enfatizar a viabilidade
operacional da teoria econômica para um trabalho de prospecção e cenários de curto
prazo das ondulações cíclicas da acumulação e crise do capital.

1
1. Dinâmica da exploração e crise

Uma forte crise econômica serve para desencadear coisas surpreendentes. Uma delas é
obrigar os economistas a analisar os movimentos do mercado com mais profundidade.
Parece que prosperidade econômica sempre se confunde com superficialidade do
pensamento econômico. Quando tudo vai bem para o capital qualquer opinião pessoal
pode ocupar impunemente o lugar de uma análise econômica objetiva. Mas, quando as
circunstâncias começam a mudar, como nos dois últimos períodos de crise periódica de
superprodução de capital (2001 e 2008) e surgem os primeiros sinais de que a saúde da
maior economia do planeta está se complicando perigosamente, os mesmos analistas
que faziam aquelas análises superficiais nos períodos de prosperidade capitalista
mostram-se totalmente incapacitados para diagnosticar as causas e, consequentemente,
o remédio para a doença.
É o que se passa (de novo) no início de 2009: nem as desesperadas reduções da
taxa básica de juros dos bancos centrais das principais economias do mundo nem os
improvisados (e até pouco tempo inimagináveis) megapacotes de resgate e de
estatização do seu falimentar sistema bancário parecem suficientes para desviar a
economia global da rota de mais uma crise catastrófica. Onde estariam as tão confiáveis
“redes protetoras” desenvolvidas pelos governos e bancos centrais depois da experiência
da Grande Depressão?1
É com essa enorme desorientação (e uma preocupação maior ainda) que os
capitalistas de todo o mundo e seus mais proeminentes economistas preparavam-se, na
última semana de Janeiro de 2009, para mais uma reunião anual em Davos, Suíça, para
discutir os rumos do seu abalado sistema de mercado. O principal jornal de negócios do
mundo retrata bem o estado de espírito:

Poucos meses antes da explosão da crise de 2008, o lendário Paul Samuelson – o mais famoso
1

economista vivo – declarava sua fé inabalável nestas “redes protetoras”: “A razão de ser dos BCs
é, acima de tudo, seu dever de que sirvam responsavelmente como ‘emprestadores de último
recurso’. Não estou aqui discorrendo sobre antiquadas bobagens acadêmicas. Em lugar
disso, o motivo para que possamos confiar em que não haverá desastre financeiro completo
para o mundo ou os Estados Unidos é que os bancos centrais e os Tesouros governamentais
modernos têm os poderes e o conhecimento necessários para limitar futuros danos. O que
ainda não podemos saber com certeza é a extensão do trabalho de limpeza que eles terão de
executar” ( Samuelson, 2007)

2
“Nos 38 anos em que líderes políticos e empresariais têm peregrinado à estação de esqui
de Davos, Suíça, para dialogar sobre a economia mundial, o cenário nunca esteve tão
tenebroso nem o capitalismo global tão inseguro. “Todo mundo está sofrendo, este é o
começo de um período de grandes improvisações. Não existe mais um referencial de
boas práticas ao qual se recorrer”, diz Victor Halberstadt, professor de economia da
Universidade Leiden, da Holanda, e veterano participante do evento. “Por que somos
surpreendidos o tempo todo, praticamente toda semana (por más notícias financeiras)?
Será que entendemos assim tão pouco sobre a economia? Temo que a resposta possa ser
'sim', e é por isso que os políticos estão indo a Davos “2
O professor Halberstadt pelo menos tem a coragem de reconhecer sua
insegurança teórica frente aos movimentos reais da economia. A sinceridade, embora
desafortunada, ainda é uma virtude. No auge da crise do ciclo anterior (2001), também
era muito comum essa mesma desolação entre os economistas. No espocar de mais um
período de crise não bastava mais só olhar para o Sr Alan Greenspan, na época o
oráculo do mercado, e confiar nas suas medidas de política monetária e nos seus
discursos sobre inflação, crescimento do PIB e outras variáveis do processo3. Então, se
nem a taxa de juros nem os índices de inflação, nem os índices de Wall Street, já não
eram mais referências seguras, para onde os homens do mercado deveriam olhar para
acompanhar a situação da economia? Era isso que preocupava o desolado economista
Ned Rilei da corretora State Street Advisors “Não existe um tema certo para o momento
e há uma falta de informação fundamental por parte das empresas, portanto o mercado
está buscando algo que seja tangível e fundamental”.4
Se o Sr Rilei (e o mesmo vale para o sincero professor Halberstadt) tivesse lido
uma matéria especial da mais tradicional revista de notícias econômicas do mundo, uma
semana antes, ele poderia encontrar uma inteligente resposta à sua ansiosa busca por
algo, talvez não tão tangível, mas certamente muito fundamental para entender a
realidade da economia:

2
The Wall Street Journal ( 2009).

3
Uma boa descrição pelo próprio Alan Greenspan daqueles acontecimentos ocorridos entre 2000 e
2002, pode ser lida em seu recente livro “A Era da Turbulência – aventuras em um novo mundo”, Ed.
Campus, 2007.
4
Bloomberg News, 22 fevereiro 2001.

3
“Ao analisar as perspectivas futuras de uma economia, qual o critério mais importante?
Será o aumento do PIB? A inflação? O excedente orçamentário? O nível do mercado
acionário? Muito mais relevante é o aumento da produtividade. Esse fator, crucial por si
só, afeta todos os elementos acima e muitos outros também... Assim, saber até que
ponto as empresas conseguirão manter os ganhos acelerados de produtividade é muito
mais importante do que tentar adivinhar qual será a próxima redução nas taxas de
juros... Estatísticas recém divulgadas mostram que o aumento da produtividade do
trabalho caiu para uma média anual de 2,4% no quarto trimestre do ano passado. Isso
implica um aumento dos custos da mão de obra por unidade, que estão crescendo agora
a uma taxa anual superior a 4%, em relação a zero, seis meses atrás. Essa elevação vai
prejudicar os lucros e pode ainda limitar a margem de manobra do Fed na hora de
reduzir as taxas de juros”5

Esta é uma análise econômica inteligente. Mas altamente ameaçadora para o


pensamento econômico conservador: os autores da matéria tiveram que adentrar um
terreno ideologicamente censurado pela Economia Política convencional, quer dizer, o
laboratório secreto da produção do valor e da mais valia (lucro) 6. Nesta incursão aos
fundamentos da economia, o custo unitário do trabalho (CUT) ou “custo de mão de
obra por unidade” assume o centro desta análise objetiva da dinâmica econômica, na
medida em que sua recente elevação “vai prejudicar os lucros” e, consequentemente,
determinar todas as manifestações mais superficiais da crise, como “limitar a margem
de manobra do Fed na hora de reduzir as taxas de juros” e tantos outros desdobramentos
mais populares da crise do capital – desemprego, desabastecimento, redução do
consumo, etc. Em momentos de crise, pelo puro instinto de sobrevivência dos
capitalistas, é preciso que as ideologias econômicas (como “produtividade do capital”,
“produtividade multifatorial” e outras extravagâncias) sejam temporariamente
abandonadas. Talvez seja por isso que nestes momentos os economistas que não

5
The Economist (2001)
6
A Economia Política convencional de Halberstadt, Rilei, Greenspan, etc. devido a um vazio teórico de
não levar em conta a lei do valor-trabalho e o duplo caráter do trabalho contido na mercadoria não é
capaz de entrar neste terreno da produção do capital. Fazem uma indigesta mistura de coisas produtivas
(força de trabalho) e improdutivas (capital fixo, tecnologia, administração, etc.) quando ensaiam se
aproximar da produção do valor das mercadorias. Ficam assim impossibilitados de definir o que é
produtividade e, portanto, de considerar a possibilidade da produtividade do trabalho (tão cara a Smith
e Ricardo) como o centro das crises, como estas mais recentes de 2001 e 2008.

4
conseguem atender a essa exigência ficam tão desorientados e incapacitados para uma
análise objetiva da situação.
A despeito de algumas confusões teóricas e práticas que a veneranda revista
ainda comete no restante da sua interessante matéria, tem-se aqui um exemplo do que
foi falado mais acima, daquele tipo de milagre que ocorre em época de crise, em que os
economistas são obrigados a analisar os movimentos do mercado com mais seriedade.
Seriedade na análise e violência na ação. Quando a necessidade desloca a
atenção dos capitalistas para as profundezas abstratas do inferno da produção, que eles
monopolizam e comandam como a coisa mais natural do mundo, revela-se como as leis
da produção do valor e da mais valia estão na origem e, consequentemente, nas
vicissitudes dos lucros das empresas. Revela-se que o limite do capital encontra-se na
evolução cíclica da produtividade da força de trabalho, quer dizer, nos necessários e
sempre crescentes níveis de exploração da força de trabalho. Repetindo, o instinto de
sobrevivência fala mais alto. Ou, como diz acima a The Economist, “saber até que
ponto as empresas conseguirão manter os ganhos acelerados de produtividade é muito
mais importante do que tentar adivinhar qual será a próxima redução nas taxas de
juros”.
Quando a violência do ciclo anterior não é mais suficiente, conserta-se a situação
com violência maior. Essa é a regra do jogo de qualquer sociedade dividida em classes
sociais. A diferença, no atual regime capitalista de produção, é que essa regra aparece
como uma emanação da natureza, a mesma coisa que a natureza do mercado, uma
natureza envelopada em custos unitários da mão-de-obra, em despesas dos capitalistas.
Como é descrito por outra importante revista de negócios:

“Embora a tendência de longo prazo da produtividade continue favorável, há um


problema cíclico de curto prazo que começa a despontar. O Departamento do Trabalho
informou que a produtividade no quarto trimestre cresceu a uma vigorosa taxa anual de
2,4% em relação ao terceiro trimestre. Entretanto, o ritmo da produtividade nos quatro
trimestres despencou de 5,4% para 3,4%, enquanto a remuneração da mão de obra
mudava de patamar, de 4,9% ao ano para 5,7%. Consequentemente, no segundo
semestre de 2000, os custos unitários de mão de obra cresceram em dois trimestres a
uma velocidade que não se via desde 1993, reduzindo drasticamente as margens de
lucros. No segundo semestre, esses mesmos custos subiram a uma taxa anual de 3,7%,
enquanto os preços aumentavam apenas 1,6%. É por isso que os lucros do quarto

5
trimestre, revelados na pesquisa do “Business Week”, diminuíram 11% em relação ao
ano anterior, enquanto as receitas subiam 17%. Há riscos, portanto, para as expectativas
dos investidores, e cresce a pressão sobre as empresas para que cortem as folhas de
pagamento”. 7

A produção de mercadorias não pode mais continuar crescendo exponencialmente


porque a produção de capital depende de uma taxa superior da exploração da força de
trabalho. Portanto, o próximo passo nesta situação econômica só pode ser, naturalmente,
uma violenta ação política dos capitalistas que garanta uma nova e mais elevada taxa de
exploração – quer dizer, uma evolução em nível mais elevado da capacidade produtiva
da força de trabalho na produção de valor e de maisvalia no decorrer de uma jornada de
trabalho - e, finalmente, uma recuperação natural da margem de lucro. Sem essa
elevação, a turbinada máquina de lucro se desmancharia no ar e chegaria ao fim a festa
de lucros em Wall Street e em todas as bolsas de valores do mundo. Só há uma forma
para que isso seja evitado: “cortem as folhas de pagamento”, ordenam os capitalistas.
De acordo com a descrição deles mesmos, é assim que funciona a naturalidade
capitalista.
Produtividade, produto, horas trabalhadas, salários, custo unitário do trabalho.
Na medida em que essas criaturas se relacionam no processo de produção capitalista,
elas estabelecem não apenas um processo de valorização e de acumulação - a par de um
rápido desenvolvimento das potências produtivas sociais – mas estabelecem também o
que se denomina relações de produção na crítica da economia política de Marx. No
caso, relações de produção especificamente capitalistas, que se escondem sob o nome
de custos de produção, e aparecem totalmente de ponta-cabeça como “gastos do
capital”, como formas mistificadas de despesas do capital para se produzir uma
determinada mercadoria, um valor de uso, um produto.
Mas se essas relações de produção são a própria condição histórica de existência
da produção de capital, aparecendo mesmo como o próprio capital que se auto-valoriza,
de um lado, de outro elas se tornam cada vez mais estreitas no decorrer de um ciclo
econômico. A superprodução de capital – que caminha pari passu com o enorme
desenvolvimento da potência produtiva social, quantificada no desenvolvimento do
ciclo nas enormes taxas de produtividade da força de trabalho – entra então em choque

7
(Business Week, 2002)

6
com o processo simultâneo de estreitamento das relações capitalistas de produção em
que ela se assenta.
Em um determinado ponto do ciclo econômico essas relações de produção
revertem-se abruptamente e se colocam como um obstáculo absoluto à continuidade do
processo de produção. Abre-se então, necessariamente, um período de crise e de
destruição de capital.
Como elemento orgânico da produção propriamente dita, a evolução da
produtividade industrial indica o grau de exploração da força de trabalho empregada,
ou, mais profundamente, a taxa de mais-valia extraída da classe operária industrial. A
evolução da produtividade da força de trabalho é determinante na prospecção do ciclo
econômico, pois nenhum período de expansão e acumulação do capital poderia existir
sem uma contínua elevação da produtividade (ou taxa de exploração) e uma
correspondente redução do custo unitário do trabalho. Verifica-se empiricamente, como
será feito mais à frente neste texto, que o aumento da produção de capital por hora
trabalhada e a correspondente desvalorização do trabalho, quer dizer, a redução do custo
unitário do trabalho, é a própria indicação da superprodução de capital. Assim, como
ocorre com a lei da gravidade na física, a ocorrência de um enfraquecimento persistente
desses mecanismos de exploração capitalista indica milimetricamente a proximidade da
reversão cíclica e a entrada em novo período de crise, esse desenlace inevitável de todo
ciclo econômico. É exatamente a verificação concreta dessa dinâmica capitalista que se
pretende realizar neste trabalho. Mas antes são necessárias algumas palavras sobre
posições alternativas que fazem boa quantidade de economistas, sociólogos,
historiadores, etc. acerca das crises e da periodicidade dos ciclos econômicos.

2 – Crise permanente ou crise periódica em permanência?

Muita gente acredita que a economia capitalista vive em uma crise mais ou menos
permanente. Os mais conhecidos defensores desta visão são os partidários da teoria dos
“ciclos longos”, “financeirização” e outras posições mais ou menos marxistas acerca da
realidade capitalista.8 Resumidamente, para a maioria dos partidários da financeirização
e do ciclo longo a economia capitalista mundial se encontraria, desde o inicio dos anos

8
Dentre os economistas, destacam-se Anwar Shaikh (1994); François Chesnais (1996), Ernest Mandel
(1978) e toda escola “regulacionista” francesa. Dentre os sociólogos e historiadores: Eric Hobsbawn
(2002), Robert Brenner (2003), I. Mészaros (2002), etc. com destaque para a escola da longe durée de F.
Braudel (1985), Immanuel Wallerstein (2004) e Giovanni Arrighi (1996).

7
1970, aproximadamente, em uma espécie de “curva longa depressiva”, uma “fase B de
um ciclo de Kondratieff”. Enfim, em uma forma ou outra de crise permanente. A razão
mais propriamente econômica apontada seria o advento de uma “hegemonia do capital
financeiro”, uma “ultrafinanceirização” que teria abafado os investimentos, a produção
e a produtividade da indústria capitalista mundial. (Chesnais, 1996). O capital fictício
teria amputado uma perna do capital produtivo de maisvalia. O sistema capitalista seria
então portador de uma deficiência estrutural que o levaria automaticamente a um
“período de crise terminal” Na sua análise dos anos 1980, o historiador Robert Brenner
(2003) destaca corretamente uma “reviravolta do setor manufatureiro dos Estados
Unidos” e “um momento crítico para a economia mundial como um todo”, além de
“uma virada histórica nas tendências da competitividade ou, por sua vez, da ascensão
paralela na taxa de lucro do setor de manufaturados”.
Infelizmente, o autor não conseguiu deduzir todas as ricas conseqüências (como
as destacadas no parágrafo anterior) das abundantes verificações empíricas que ele
realiza acerca desta “virada histórica” que estava a ocorrer na indústria de
manufaturados dos Estados Unidos e da economia mundial. O problema talvez seja a
sua insistência em se manter de maneira extremamente rígida na tese de um “longo
declínio” que teria perdurado desde 1970 na economia dos Estados Unidos e, por
extensão, na economia mundial:

“Para uma avaliação das perspectivas futuras da economia atual dos Estados
Unidos, o ponto de partida precisa ser o próprio longo declínio. Nunca é demais
enfatizar que a revitalização da economia americana, em torno de 1993, ocorreu contra
o pano de fundo de uma estagnação econômica dos Estados Unidos e em escala mundial
que perdurava há pelo menos duas décadas, desde o inicio de 1970” (Brenner, 2003).

É como dizer que a acumulação do capital industrial estivesse estagnada desde o


começo dos anos 1970. O mundo material, tal como existe no dia-a-dia das pessoas,
teria ficado relativamente parado em termos de desenvolvimento das forças produtivas
do trabalho, etc. Neste “longo período” acumulou-se preponderantemente capital
financeiro, que é assimilado diretamente ao capital fictício, especulativo, meramente
rentista. Por último, mas não menos importante, teria desaparecido para sempre as
tradicionais crises periódicas de superprodução de capital:

8
“É preciso admitir que enquanto a relação atual entre os interesses dominantes e o
Estado capitalista prevalecer e impuser com sucesso suas demandas à sociedade não
haverá grandes tempestades a intervalos razoavelmente distantes, mas precipitações de
freqüência e intensidade crescentes por todos os lugares. De resto, os picos das
históricas e bem conhecidas crises periódicas do capital podem ser - em princípio -
completamente substituídos por um padrão linear de movimento. Seria, contudo, um
grande erro interpretar a ausência de flutuações extremas ou de tempestades de súbita
irrupção como evidência de um desenvolvimento saudável e sustentado, em vez da
representação de um contínuo depressivo, que exibe as características de uma crise
cumulativa, endêmica, mais ou menos permanente e crônica, com a perspectiva última
de uma crise estrutural cada vez mais profunda e acentuada”. (Mészaros, 2002).

“Um padrão linear de movimento”. Até que ponto esse tipo de raciocínio poderia
ajudar na investigação da dinâmica concreta da economia mundial? De todo modo, se
essas idéias pudessem ser confirmadas na vida real, estaria totalmente sepultada a teoria
das crises e dos ciclos econômicos de Marx e Engels, para quem “não existe crise
permanente do capital, o que existe são crises periódicas em permanência” (Marx,
1968). Mas será que se pode abraçar sem maiores reflexões essa decretação da morte
das crises periódicas de superprodução de capital? Há controvérsias. Por isso é tão
importante que essas mesmas idéias controversas sejam expostas com clareza e
criteriosamente confrontadas aos movimentos reais do dia a dia do capital.
Os ciclos econômicos são periódicos e não totalmente aleatórios. No século 19,
tal como Marx expõe no “Manifesto Comunista”, os ciclos alternavam-se a cada dez
anos, aproximadamente. (Marx, 1968). Neste início de século 21 pode-se verificar que
esses períodos encurtaram e ocorrem a cada cinco ou seis anos. E, dentro destes
períodos, as suas diferentes fases – retomada, expansão, aceleração máxima,
desaceleração e crise – obedecem a certas condições concretas particulares a cada ciclo
e, principalmente, a um tempo razoavelmente regular. A não ser no caso muito raro de
uma depressão global, quando o tempo desaparece, a última fase (de crise) de um
determinado ciclo também tem hora para começar e para terminar.
São condições endógenas do processo de reprodução do capital que fazem com
que a fase de crise de um determinado ciclo econômico não possa ficar se prolongando
por um tempo muito longo para ser superada, não mais que vinte e cinco a trinta meses,
de acordo com o histórico dos ciclos pós 1945. (Martins, 1999). Quando ocorre a

9
superação, é iniciada a primeira fase (retomada) de um novo ciclo. Mas isso não é nada
automático. Pode ser que não aconteça. Existe então a possibilidade de que esta fase de
crise do ciclo desemboque em uma depressão global. Neste caso, sem data precisa para
terminar. Esta seria, pouco tempo depois da globalização da depressão, a condição para
uma catastrófica desorganização do Estado capitalista, protecionismos, guerras
imperialistas e a abertura de um período de possibilidades de revoluções anticapitalistas.
A depressão econômica global é, portanto, uma rara ruptura do mercado
mundial que interrompe aquela sucessão mais ou menos regular das diferentes fases de
um ciclo periódico. Resumindo: se os ciclos econômicos (ou de negócios) possuem um
elevado grau de racionalidade, quer dizer, não acontecem aleatoriamente, eles não
obedecem também a nenhum automatismo natural, repetindo monotonamente e
eternamente suas diferentes fases.
O problema que se detecta nesta saudável contraposição de idéias é que, ao se
adotar de forma muito rígida a posição de uma suposta crise permanente (ou estrutural)
da produção capitalista, corre-se o risco de se fechar também todas as portas para uma
observação criteriosa dos impactos de dinâmicos ciclos periódicos de expansão e
contração da indústria mundial, cujas diferentes fases se acoplam organicamente às
profundas transformações tecnológicas, populacionais, etc. ocorridas na totalidade do
mercado mundial nos últimos trinta ou trinta e cinco anos.
Corre-se o risco de se deixar de lado a discussão econômica aprofundada para a
verificação criteriosa, por exemplo, de mudanças reais (reestruturações verdadeiramente
dramáticas) do mercado mundial e suas correspondentes superestruturas geopolíticas.
Outro problema a ser esclarecido: quem fala em crise permanente, fala necessariamente
em depressão industrial permanente. É difícil vislumbrar um meio termo a essa
equação. A não ser que se imagine a hipótese absurda de produção de capital sem
capital. Isso corresponde à hipótese de quem trabalha com a idéia da “financeirização”,
para quem o capital financeiro (formulado como D-D’ dinheiro produzindo dinheiro)
encontra-se totalmente autonomizado, não precisando mais passar pela produção de
capital industrial para se acumular indefinidamente. Assim imaginado, a uma suposta
crise permanente do capital industrial corresponderia uma acumulação ilimitada de
capital fictício.
Entretanto, como confirmar a hipótese de crise permanente do capital com a
realidade capitalista se, no longo prazo se verifica, como se verá na próxima etapa deste
texto, que a produção de valor e de mais-valia (lucro) continuou crescendo mais do que

10
nunca? Um problema puxa outro: se realmente não tivesse ocorrido uma produção
crescente de capital industrial, a própria exploração da classe operária também teria
diminuído bastante (quase desaparecido) no tempo. Esta hipótese de diminuição da
exploração da classe operária também parece necessária para se afirmar a abolição da
crise periódica de superprodução de capital de Marx, na medida em que a causa
fundamental desta última é exatamente o crescimento desmesurado da taxa de
produtividade da força de trabalho, quer dizer, da taxa de mais-valia ou de exploração
da classe operária mundial.
É por isso, repita-se, que é muito importante verificar a realidade e os fatos
efetivamente ocorridos para esclarecer a discussão teórica. De todo modo, como se
procura demonstrar neste trabalho, a possibilidade de condições mais propicias para
esse esclarecimento aparecerão no momento da eclosão de uma verdadeira crise
econômica geral, catastrófica, como parece apontar em perspectiva as crises de 2001 e
2008.

11
3 – O movimento real das crises econômicas.

3.1 Produção e superprodução.

Na evolução real das ondulações cíclicas não faltam movimentos da economia que
confirmam ou não essa ou aquela vertente teórica. A tendência de longo prazo da
indústria capitalista mundial, por exemplo, que é bem ilustrada pelos dados divulgados
no recente estudo do United States Department of Labor - “International Comparisons
of Manufacturing Productivity and Unit Labor Cost Trends, 2007” (setembro de 2008)

Tabela 1 - INDÚSTRIA MUNDIAL.


Produto, Produtividade e Emprego nas três principais economias – 1979-2007.
Variações (%) médias anuais

1979- 1979-1990 1990-1995 1995-2000 2000-2007 2005-2006 2006-2007


País 2007

ESTADOS UNIDOS

Produto 2.8 2.2 3.6 5.4 1.4 2.9 2.3

Produtividade 3.9 2.8 3.7 5.6 4.6 2.2 4.1

Emprego -1.2 -0.8 -0.5 0.0 -3.0 -0.6 -1.7

JAPÃO
2.7 4.7 0.4 1.2 2.3 4.3 2.8
Produto
Produtividade 3.6 3.8 3.3 3.4 3.8 1.9 2.8

Emprego -0.6 1.0 -1.6 -2.0 -1.6 1.5 0.3

ALEMANHA
Produto 1.3 1.2 -1.0 2.2 2.5 5.8 6.3

Produtividade 3.0 2.1 2.9 3.7 3.8 7.1 5.0

Emprego -1.2 -0.1 -4.2 -0.8 -1.0 -0.9 1.3

Fonte: United States Department of Labor (26/09/08)

Em primeiro lugar, verifica-se nos últimos trinta anos (1979-2007) gigantesca


taxa de crescimento anual médio do produto industrial dos EUA (2.8%). Saliente-se
que se trata aqui do produto de uma indústria nacional que nos últimos anos superou a

12
barreira dos três trilhões de dólares anuais de puro valor e mais-valia. É por isso que se
falar de uma taxa de crescimento anual de quase 3% para essa indústria de ponta do
sistema é bem mais significativo que falar, por exemplo, dos mesmos 3% para a
indústria brasileira, a 12ª do mundo, mas que não produz mais do que duzentos e trinta
bilhões de dólares por ano. Produção quinze vezes menor que a dos EUA. Na verdade, a
indústria brasileira não passou de uma taxa de crescimento médio anual de 2% no
mesmo período analisado na tabela acima. Até a taxa média de crescimento foi menor
que a dos EUA.
A indústria japonesa, a segunda maior do mundo, também cresceu a uma taxa
gigantesca (2.7%), ligeiramente abaixo da economia de ponta do sistema. Reflete, junto
com o desempenho da indústria desta última, a emergência da Era do Pacífico, que era
prevista por Marx, destronando a Área do Atlântico como centro geoeconômico
mundial. O eixo da economia mundial se deslocou em definitivo para a área do Pacífico,
que une as Américas à Ásia e Oceania. Muita gente confundiu esse movimento,
primeiro imaginando que o Japão ascenderia à posição de primeira potencia mundial,
ocupando o lugar dos EUA. Essa ilusão japonesa – descartada pelos acontecimentos
econômicos reais ainda no início dos anos 1990 – foi logo substituída pela ilusão
chinesa. Esta última ilusão era ainda muito popular até 2008, mas na esteira dos efeitos
catastróficos anunciados pela crise atual na área asiática terá uma existência bem mais
curta que a ilusão japonesa.
A massacrante evolução da indústria dos EUA consolida sua anterior liderança
da Era do Atlântico no novo quadro geoeconômico mundial da Era do Pacífico. Como
se verifica pelos números da Tabela 1 esse deslocamento geoeconômico refletiu-se
negativamente no desempenho da tradicional e poderosa indústria alemã, a terceira do
mundo, que ficou para trás das duas outras potências industriais, nos últimos trinta anos
de globalização acelerada, com uma taxa de crescimento médio de apenas 1.3%.
A lei do desenvolvimento desigual e combinado da totalidade do sistema
capitalista também funciona nas relações entre as potências e blocos dominantes. Todas
as demais potências européias seguiram esse padrão mais modesto da Alemanha, a
economia reguladora da área. Esse retrocesso relativo das velhas potências européias,
berço do regime capitalista de produção, exprime as dificuldades dos seus capitalistas

13
concorrerem com os EUA e, simultaneamente, projeta sombrias perspectivas de crise
econômica e social nas velhas potências da União Européia9.
Os números da Tabela 1 exprimem também, de forma indireta, que a queda da
taxa de lucro, expressão maior da crise econômica capitalista, é efetivamente uma
queda tendencial. Tendencial, neste caso, não é uma mera palavra. Se a queda da taxa
de lucro fosse ininterrupta, não tendencial, nos números da tabela apareceria
necessariamente uma queda da produção industrial capitalista no longo prazo, nos
últimos trinta anos. É justamente por ser tendencial que a queda da taxa de lucro não é
permanente e ininterrupta. As crises capitalistas, de acordo com esses números, não se
apresentam como permanentes, mas periódicas em permanência.
Como salientado anteriormente, a produtividade industrial é um indicador do
grau de exploração da classe trabalhadora mundial. Na realidade do capital global
verifica-se nos últimos trinta anos que esse indicador de exploração e de produção de
capital realmente aumentou como nunca tanto na economia dos Estados Unidos quanto
nas outras duas potências industriais. É importante observar que, como na produção,
esse aumento da produtividade acontece desigualmente e com mudanças de posições na
corrida das três potências imperialistas. Nos anos 1980 (coluna 1979-1990 da tabela), a
produtividade cresceu a uma taxa anual de 2.8% nos EUA, a 3.8% no Japão e a 2.1% na
Alemanha. O mundo estava mudando de cara. Foi nesta primeira década do mais
recente processo de globalização do capital que caíram a Muralha da China e o Muro de
Berlim, a primeira inaugurando e a segunda fechando a década. Le capital oblige. É no
mercado mundial que a lei do valor se realiza em sua plenitude.
Em seguida, na primeira metade da década dos anos 1990 (coluna 1990-1995 da
tabela 1), os capitalistas dos EUA impuseram aos trabalhadores um incremento de
produtividade de 3.7% ao ano, os japoneses 3.3%, e os alemães 2.9%. Os EUA
ultrapassam e se distanciam dos seus principais competidores. O mundo se mexia ainda
mais rápido que na década anterior, intensificando ainda mais a chamada globalização.
Nos últimos cinco anos do século passado (coluna 1995-2000 da tabela), a
exploração da classe operária cresceu aceleradamente nos EUA (5.6 % ao ano), no
Japão (3.4%) e na Alemanha (3.7%). Vale mais quem explora mais. Todos aumentaram
destacadamente a produtividade, mas os EUA continuaram crescendo muito mais e

9
Vide em Martins (1999) particularmente no cap. XV, item “Eurocatástrofe”

14
consolidando sua liderança mundial em todas as esferas econômicas: produção,
comércio, moeda e finanças.
Para aumentar a mais-valia relativa nas economias dominantes e ao mesmo
tempo se contrapor à queda da taxa geral de lucro (mundial) há que se ampliar os
espaços de valorização nas áreas e economias dominadas para aumentar a massa de
mais-valia absoluta global. Nestas condições, Ásia, Leste Europeu, América Latina,
etc., são irreversivelmente transformados em meros territórios econômicos para a
produção de mais-valia absoluta. China, Rússia, Índia, Brasil, etc. localizam-se nessa
triste categoria de desqualificados do desenvolvimento desigual e combinado do
mercado mundial. Assim, os territórios do velho terceiro-mundo do pós-guerra se
transformam agora em inglórios territórios terceirizados, plataformas de exportação
para a produção global das potências dominantes. O capital ganhou mesmo naqueles
territórios em que os capitalistas perderam a guerra. Como no Vietnã, onde a Nike tem
agora suas fábricas mais lucrativas do mundo. Nesse turbilhão de superprodução e
crises periódicas dos últimos trinta anos, a tendência do emprego da força de trabalho
industrial só poderia ser de diminuição no centro produtor de mais-valia relativa (como
é mostrado na linha de Emprego da Tabela 1) e de aumento estrondoso na periferia
produtora de mais-valia absoluta. A diminuição da massa de trabalhadores industriais
nos EUA é mais do que compensada pelo seu aumento na China. Um americano vale
por dez chineses.

3.2 Superacumulação ou superprodução de capital?

Na virada para os anos 2000, a economia dos Estados Unidos mostrou sua força
com uma enorme capacidade de aumentar a produtividade da força de trabalho
industrial, produzir massas gigantescas de maisvalia (lucro) e, finalmente, acumular
capital como nunca. É o que se pode verificar com os dados do relatório mensal do
Banco Central dos Estados Unidos (Fed) (março/2001).

15
Tabela 2 ESTADOS UNIDOS – CAPACIDADE INDUSTRIAL.

(variação média anual % em períodos e anos selecionados).

Períodos Anuais Anos


1967/ 1980/ 1989/ 1995/ 1998 1999 2000 2001
79 88 94 2001

Total da Indústria 3,5 2,2 2,2 5,0 6,5 4,6 4,6 3,2

Manufaturas 3,7 2,5 2,5 5,6 7,2 5,1 5,0 3,5


Duráveis 3,6 3,1 3,0 8,8 10,2 8,4 8,8 6,3
Não Duráveis 3,9 1,8 2,0 2,0 4,1 1,3 0,8 0,3

Mineração 0,4 0,2 - 0,6 - 0,2 - 0,1 - 1,5 - 0,8 - 1,0


Gás e Eletricidade 4,9 1,2 1,4 2,1 1,1 2,4 3,3 3,9

A capacidade industrial instalada não é apenas a soma do capital fixo


(máquinas, prédios, etc.), como pode parecer à primeira vista. Ela representa, de acordo
com a própria definição do Fed, “o mais elevado nível de produto que as plantas
industriais podem sustentar”. É, portanto, um índice que representa, em um dado
momento, o nível máximo de emprego e consumo de elementos materiais (máquinas,
construções, meios de comunicação e transporte, matérias primas, energia elétrica, gás,
etc.), com que o capital investido vai ser movimentado em diferentes tempos de trabalho
pelos operários empregados na indústria e na agricultura, para alcançar um determinada
produção de valor e de maisvalia. Os dados sobre a capacidade industrial são os
indicadores disponíveis nas estatísticas oficiais que mais se aproximam do que se chama
de capital constante, mesmo que eles representem esse valor só de maneira longínqua,
através do aumento da massa real dos valores de uso (inputs) que constituem a matéria
deste capital.
E enquanto capital constante, esses índices de capacidade industrial representam
então fluxos de valor, capital-dinheiro, que se materializam imediatamente em capital-
mercadoria (meios de produção), saindo da circulação para ser consumidos na esfera

16
produtiva na forma de custos de produção (capital-produtivo de maisvalia), retomando
em seguida à forma de capital-mercadoria, agora como um novo produto, uma produção
industrial, e reingressando de novo na circulação para tentar se realizar em uma
quantidade de dinheiro maior do que aquela que foi avançada no início, para tentar
realizar uma taxa de lucro, um capital valorizado.
Esses índices de capacidade industrial representam um elemento importante dos
ciclos sucessivos de valorização e acumulação, em que a mais-valia gerada na produção
industrial pela exploração da força de trabalho (capital variável) não é totalmente
consumida na esfera da circulação. Uma parte da produção industrial volta para a esfera
da produção para simplesmente repor a parte do capital constante consumido nos
processos de produção anteriores. Simultaneamente, uma parte maior ou menor da
mais-valia não consumida individualmente também retorna para a esfera da produção
sob a forma de novas massas de capital constante, massas de valor objetivadas em
meios de produção adicionais que representam a ampliação da reprodução, quer dizer,
da acumulação do capital.
Esse percentual “poupado” da mais-valia corresponde à taxa de acumulação.
Temos assim um determinado ritmo de acumulação de capital que deve ser
necessariamente acompanhado por um processo contínuo e também ritmado de
valorização do capital. Para que não seja bruscamente interrompida essa dança macabra
entre capital constante, de um lado, e capital variável, de outro, a taxa de lucro deve
acompanhar o melhor possível os exuberantes passos da taxa de acumulação. Mas,
como se verifica neste texto, com a aproximação da fase de crise do ciclo econômico,
manter essa sincronia entre produtividade e lucro torna-se um verdadeiro pesadelo para
o “instinto selvagem” dos capitalistas.
Não cabe nesta investigação analisar os números acima para pormenorizar os
diferentes e importantes aspectos que dizem respeito, diretamente, com a teoria geral do
crescimento econômico e do emprego, assim como com outros importantes aspectos
práticos que transformaram a estrutura industrial americana nos últimos cinqüenta anos.
O que se procura é salientar apenas a gênese dos elementos que cercam o fechamento
do último ciclo econômico do século 20 e a profundidade da crise que se segue,
adentrando o século21.
Aqueles aumentos recordes da produtividade social do trabalho na indústria
americana verificados na Tabela 1 anterior, revelam-se agora como recordes de
elevação do seu capital constante. Assistiu-se, nos últimos cinco anos do século 20

17
(período 1995/2001, na Tabela 2), uma vertiginosa elevação do capital constante na
indústria americana, alcançando índices que superam de longe outros períodos
anteriores do pós-guerra. Isto aconteceu de forma notável nas manufaturas, com uma
concentração máxima nos ramos de ponta daquela indústria (bens duráveis).
Observa-se, nesses ramos de ponta (bens-duráveis na Tabela 2) da economia
americana, que o capital constante cresceu a uma taxa anual de quase 9% entre 1995 e
2001, enquanto nos diversos períodos do pós-guerra anteriores aos anos 1990 ele crescia
entre 3 e 4%. Enquanto isso, nos demais setores e ramos da indústria americana – Não
Duráveis, Mineração, Gás e Eletricidade – o capital constante cresceu lentamente, de
maneira quase estagnante, principalmente nos últimos três anos registrados na Tabela 2.
Houve, portanto, uma significativa concentração de capital e uma monopolização do
recente processo de acumulação nos ramos produtores de bens-duráveis: máquinas,
computadores, automóveis, aviões, armamentos, etc. Isso é muito importante para a
análise concreta da crise econômica, pois é nesses ramos de ponta da indústria EUA que
se localiza o epicentro da superprodução do capital mundial, determinando assim o
caráter e a extensão da subseqüente fase de crise de um determinado ciclo econômico
global. Entender esse caráter estratégico e de regulação da indústria de bens-duráveis da
economia EUA na dinâmica do mercado mundial (produtividade, preços, taxa geral de
lucro, etc.) é crucial na prospecção dos ciclos econômicos globais.
A reprodução ampliada – e a concentração de capital que ela implica como se
acaba de verificar na Tabela 2 – é em si mesma um poderoso meio material para
incrementar a produtividade social do trabalho. Na fase de expansão do ciclo, nada
parece estar se antepondo a essa marcha triunfal. Mas isso, que parece uma coisa muito
natural, logo se revela como um processo de desenvolvimento econômico histórico,
provisório. Um processo que cria seus próprios limites, na exata medida em que avança
e acelera sua velocidade com taxas necessariamente crescentes de acumulação. Uma
máquina de lucros que se deteriora em virtude dos mesmos mecanismos que a fazem
funcionar.
Acontece que esse processo de acumulação capitalista é essencialmente um
processo de produção industrial, cujo objetivo é unicamente a valorização do capital.
Como salientado acima, a taxa de acumulação determina o ritmo e a magnitude da
acumulação, enquanto a taxa de lucro determina o ritmo e a magnitude da produção. E
para que o período de expansão dos ciclos econômicos não sofra interrupção, a taxa de
acumulação deveria acompanhar pelo menos aproximadamente a taxa de lucro. Mas, é

18
nos limites cada vez mais estreitos desta última que, de maneira oposta, se desenrola o
ritmo cada vez mais ampliado da acumulação. A crise explode exatamente quando essa
compressão da taxa geral de lucro corresponde a uma desvalorização de partes
crescentes do capital total, acumulado na forma de capital constante (propriedades,
estoques, mercadorias, etc.). Reencontra-se aqui, agora com novos elementos e outras
formas, aquela contradição que já foi explicitada na primeira parte deste texto entre o
enorme desenvolvimento das forças produtivas sociais e as estreitas relações sociais
sobre as quais se assenta a produção de capital.
É esse complexo processo que é relatado de maneira mais ou menos ingênua, na
crise de 2000/2001, pela principal revista de negócios dos EUA:

“Os investimentos, num surto fantástico, foram o combustível do foguete da


economia no fim dos anos noventa. A economia crescia, movida a gastos de capital que
as empresas elevavam em todas as áreas, de computadores de última geração a
caminhões. A produtividade e os lucros decolaram em sincronia. A economia entrou na
era dourada de crescimento rápido e inflação baixa. Nas palavras do ex-secretário do
Tesouro americano, foi dos acontecimentos o mais raro: expansão movida a
investimentos. Isso é coisa do passado. Economistas e executivos preocupam-se com a
possibilidade de que a explosão de investimentos da década de noventa venha a se
transformar, neste início de milênio, em colapso que levaria de roldão a economia. A
preocupação com os lucros fez com que as empresas começassem a cortar seus
orçamentos de capital. No quarto trimestre, os gastos de capital caíram à taxa
anualizada de 1,5%, após crescerem mais de 20% nos três primeiros meses de 2000. É
inquietante a possibilidade de que as empresas façam cortes radicais, para compensar
os excessos de investimento dos últimos anos. ‘O pior está por vir’, diz Richard Benner,
economista-chefe para os Estados Unidos da Morgan Stanley. ‘Isso é apenas o início
do retrocesso nos gastos de capital’. O que está por trás do veloz retraimento dos
gastos de capital? O investimento das empresas foi afetado por tripla maldição: lucros
apertados, condições de financiamento mais restritivas e crescimento lento. Os lucros
corporativos caíram 11% no quarto trimestre do ano passado – o pior desempenho
desde a recessão de 1991. E a fragilidade deve aumentar ainda mais. As mesmas forças
que puseram o crescimento em marcha podem acabar provocando sérios estragos à
Nova Economia”. Business Week (28 de fevereiro 2001)

19
No desenvolvimento da fase de expansão do ciclo periódico de acumulação,
anterior à fase de crise de 2001, a produção industrial americana subiu de US$2,4
trilhões em 1996 para 2,9 trilhões em 2000. Um aumento de US$500 bilhões.
Exatamente 18,6% de expansão em quatro anos, uma taxa anual de crescimento de
4,3%! Mas, em fevereiro de 2001, a produção tinha caído para US$2,8 trilhões, uma
queda de 2,2% frente ao nível do ano anterior. Estes dados constam do relatório do
Federal Reserve citado anteriormente. Recorda-se que a produção industrial é medida
em termos de “novo valor agregado”. Correspondem, portanto, à soma do capital
variável (valor da força de trabalho) e da mais-valia produzida anualmente, apropriada
pelos capitalistas na forma de lucro. Essas assombrosas massas de valor e de mais-valia
foram produzidas por pouco mais de 35 milhões de operários assalariados
(trabalhadores produtivos de valor e de mais-valia) empregados na agricultura e
indústria dos EUA, um país com mais de 260 milhões de habitantes.
Os salários pagos em 1999 para os operários empregados nas esferas produtivas
(agricultura, minas, manufaturas, construção, transportes e utilidades públicas) não
passou de US$1,620 trilhão, segundo o relatório do Departamento do Comércio dos
EUA, Survey of Current Business (29 de março/2001). Quanto às massas de lucro
(mais-valia), segundo o relatório, subiram de US$826,2 bilhões em 1998 para US$915,4
bilhões em 1999 e para US$1,017 trilhão em 2000. Alcançou seu maior volume do pós-
guerra no primeiro trimestre de 2000; no segundo trimestre apresentou ligeira
desaceleração. Mas, no terceiro e no quarto trimestre, finalmente, desabou.
Repentinamente, sem aviso prévio. O Departamento do Comércio relata essa reversão
do ciclo do seguinte modo:

“Os lucros internos das empresas não-financeiras decresceram US$75.7 bilhões no


quarto trimestre, comparado com um decréscimo de US$7.1 bilhões no terceiro. No
quarto trimestre, decresceram tanto o produto real bruto das empresas, quanto os
lucros unitários do produto real. O decréscimo nos lucros unitários reflete um menor
incremento nos preços recebidos pelas empresas do que nos custos unitários que elas
incorreram; tanto o custo do trabalho quanto os custos do não-trabalho aumentaram...
As quedas de lucro se espalharam pelos maiores grupos industriais. As maiores quedas
ocorreram nas manufaturas de bens duráveis, nas manufaturas de bens não-duráveis e
no comércio atacadista”.

20
O aumento da produtividade do trabalho ocorrido no período de expansão da
economia americana, de acordo com os números verificados na Tabela 1 anterior,
resulta fundamentalmente em uma diminuição relativa do capital variável frente ao
capital constante. Nestas condições, a massa empregada de trabalho vivo diminui
continuamente frente à massa de trabalho morto, objetivado (meios de produção
consumidos produtivamente) que os operários movimentam. Segue-se que a fração não-
paga deste trabalho vivo, materializada na mais-valia, deve decrescer sem parar com
relação ao valor do capital total investido. Mas é exatamente essa relação entre a massa
de mais-valia e o valor do capital investido que constitui a taxa de lucro. Esta sofre
permanentemente, portanto, uma pressão para a queda.
A tendência à queda da taxa de lucro é determinada pelo movimento da
totalidade do capital, independentemente de como se realiza a repartição do lucro entre
as diversas categorias de proprietários, independentemente também das diversas
condições e estruturas de concorrência, etc. O lucro que se trata aqui, tal como aparece
no mercado, na contabilidade dos capitalistas e nas estatísticas oficiais, não é nada mais
do que o nome da própria mais-valia.
Verifica-se também que a relação entre a acumulação do capital e a produção
industrial se revela no fato que, devido ao emprego crescente de máquinas, novas
tecnologias e novos aperfeiçoamentos produtivos, o mesmo número de operários
transforma em produto uma quantidade maior de matérias primas e insumos no mesmo
tempo, quer dizer, com um trabalho menor. A essa elevação do capital constante
corresponde a uma diminuição progressiva do preço dos produtos. Considerada
isoladamente, cada mercadoria contém uma quantidade de trabalho menor que nos
processos anteriores de produção, quando o capital investido em salários era
proporcionalmente muito mais elevado que o capital investido em meios de produção.
Por isso o seu lucro unitário também tende a cair, como verificou-se concretamente nos
dados acima apresentados da economia americana.
Essa é a tendência real da produção capitalista, que implica ao mesmo tempo
uma diminuição progressiva do capital variável relativamente ao capital constante, uma
composição orgânica sempre mais elevada do capital total. A conseqüência imediata é
que a elevação da taxa de mais-valia (MV/V), da taxa de produtividade da força de
trabalho, exprime-se em uma taxa geral de lucro decrescente. Essa queda da taxa de
lucro ocorre, portanto, não porque a produtividade do trabalho diminui, como sempre
imaginou a economia política capitalista, desde os tempos de David Ricardo, mas por

21
que ela aumenta. A explosão da crise capitalista ocorre no ponto mais elevado da curva
da acumulação, não no inferior de um longo período depressivo.
Em resumo: para aumentar o lucro, que não passa de outro nome dado à mais-
valia, o capitalista deve aumentar a produtividade do trabalho, que só pode ser efetuada
com a introdução de inovações técnicas, máquinas mais aperfeiçoadas, etc. Mas a
introdução dessas novas tecnologias corresponde, em termos de valor, a um simultâneo
processo de acumulação de capital e de elevação da sua composição orgânica (elevação
da parcela do capital constante relativamente ao capital total). A conseqüência é que o
aumento da taxa de acumulação e da produtividade (grau de exploração da força de
trabalho) introduz um elemento que deprime permanentemente a taxa de lucro mais do
que pode elevá-la o próprio grau de exploração de exploração alcançado no decorrer dos
períodos de acumulação.
Todo esse processo histórico se assemelha, para usar a própria imagem criada
pelos capitalistas na matéria da revista Business Week acima citada, a “uma máquina de
lucros que se deteriora em virtude dos mesmos mecanismos que a fazem funcionar”,
desdobrando-se praticamente nos ciclos periódicos de superprodução de capital, como
uma necessidade inescapável. Como acontecia em janeiro de 2001 e agora, mais uma
vez, na virada de 2008 para 2009, como o calor paralisante de uma erupção vulcânica
tomando conta da cena econômica mundial.

3.3 A totalidade do ciclo econômico.

Afinal, por que as circunstâncias econômicas mudam de novo? Porque a produção


capitalista caminha em ciclos econômicos periódicos marcados por fases de expansão,
superprodução, desaceleração e crise. Repetindo e acrescentando elementos, esses ciclos
duram em média seis anos, média determinada objetivamente pelas condições imediatas
de produção e tempo de amortização (reposição) do capital fixo da totalidade das
empresas capitalistas, particularmente daquelas localizadas na indústria norte-americana
de bens duráveis, núcleo regulador do sistema global. No século 19, os ciclos
econômicos se sucediam a cada dez anos, em média. Até o final do século 20, esse
tempo caiu para os atuais seis anos. A tendência é que continue caindo, à medida que
aumenta a composição orgânica do capital na economia de ponta do sistema, onde se

22
encontra a indústria concentradora do preço de produção regulador de mercado da
economia mundial.
Cada ciclo gira em torno dessa média estruturante de seis anos, mas o tempo real
e a forma de realização de cada ciclo são diferentes; dependem também de mutantes
condições e circunstâncias externas à produção, como a política econômica dos
governos, a geopolítica das grandes potências e, por último, mas não menos importante,
pela relação de forças na luta de classes entre o proletariado internacional e as diferentes
burguesias nacionais. A luta de classes é a síntese de todas essas múltiplas
determinações e particularidades do dinâmico processo histórico que se vive a cada
momento.
O problema da análise econômica é determinar da maneira mais precisa possível
o exato ponto em que se encontra o ciclo econômico e as suas perspectivas (ou cenários)
de curto e médio prazo. Deve começar com investigação das condições imediatas da
produção, que precede metodologicamente a análise das condições de circulação e de
repartição da massa de mercadorias consumidas. O Fed (Federal Reserve, banco central
dos Estados Unidos) parece concordar com essas considerações. Não é por acaso que
ele se encarrega de elaborar e publicar mensalmente o seu relatório Produção Industrial
e Utilização da Capacidade, antes de tomar suas decisões sobre as taxas básicas de
juros, a expansão da base monetária, dos meios de pagamento e outros importantes
condicionantes da circulação do dinheiro na economia.
Esse tipo de preocupação do Fed com as condições imediatas de produção do
valor é perfeitamente coerente com a sua tarefa de administrar a circulação da moeda
nacional que regula a totalidade dos mercados monetários e cambiais do planeta. É
obrigado, na prática, a considerar a realidade teórica do dinheiro (e da moeda) não
apenas como meio de troca ou de pagamento, mas como forma do valor. As decisões de
política monetária do banco central da maior economia do planeta são obrigadas a se
conformar com a lei econômica geral segundo a qual as variações da quantidade de
valor produzido delimitam as possibilidades de variações da quantidade da forma-
valor moeda.
Assim esta investigação dos dois primeiros períodos de crise global nos
primeiros anos do século 21 deve iniciar-se pela análise dos números disponíveis da
produção de valor e de maisvalia da indústria reguladora da dinâmica mundial, de onde
é irradiada a crise para o resto do mundo.

23
Tabela 3 EUA – PRODUÇÃO INDUSTRIAL (2000-2008)

(variação trimestral e anual – %)

ANO ANUAL
1º TRIM. 2º TRIM. 3º TRIM. 4º TRIM.

2000 5.4 4.8 -0.4 -2.9 4.5

2001 -6.3 -5.4 -6.4 -5.1 -4.1

2002 2.8 5.7 3.1 -1.1 -0.1

2003 2.0 -1.9 2.6 4.1 1.3

2004 2.1 3.3 3.9 5.4 2.9

2005 5.8 2.2 1.0 6.0 4.0

2006 2.7 1.4 1.6 -1.1 2.4

2007 1.1 4.7 4.0 -0.6 1.7

2008 -1.0 -4.1 -8.7 -16.2 -2,6

Fonte: US Federal Reserve (Fed) – “Industrial Production and Capacity Utilization”,

16 de outubro de 2008 e 16 de janeiro2009.

Estes números captam perfeitamente as ondulações cíclicas ocorridas nos


primeiros anos do século 21. Desde o último abalo sísmico na indústria dos EUA,
ocorrido exatamente entre o 4º trimestre de 2000 e o 4º trimestre de 2001. Foram cerca
de 20 meses seguidos de queda na produção. Foi o quanto durou o mais recente período
de crise na economia mundial. A partir de 2002, iniciou-se o longo período de expansão
que só começa a se encerrar na virada do 4º trimestre de 2007 para o 1º trimestre de
2008. Finalmente, no decorrer do 2º e 3º trimestres de 2008 nota-se claramente um
recrudescimento do desabamento da produção. Um novo período de crise se abre, desta
vez bem mais pesado que o de 2001.
Recessão ou depressão? Crise parcial ou crise geral? Esta é a questão de fundo.
O importante relatório “Industrial Production and Capacity Utilization”, publicado em
sua versão mais recente no dia 16/01/2009 pelo Fed sinaliza com exatidão verdadeiros
indícios de catástrofe. Esses dados são muito importantes, pois se trata daquelas
manufaturas dos EUA vistas anteriormente, núcleo regulador da produção industrial

24
mundial, principalmente seu setor produtor de bens duráveis – aeroespaciais,
armamentos, metalurgia, automóveis, maquinas e equipamentos, computadores e
produtos eletrônicos, etc.
É exatamente a produção (valor agregado) desses ramos produtores de bens
duráveis que registram quedas incrivelmente aceleradas nos últimos cinco meses, desde
agosto de 2008. Em dezembro 2009 a queda da produção desses ramos foi de 12,8%, na
comparação com dezembro de 2007. É apenas o começo de um longo desabamento. No
último período de crise (2000-2001) a produção desses ramos caiu durante dezesseis
meses seguidos – de agosto de 2000 até novembro de 2001. Outro elemento importante
nesta comparação, como pode ser verificado na Tabela 3, é que no ciclo atual a queda
do primeiro trimestre do seu período de crise foi cinco vezes mais profunda que o
trimestre correspondente do último período de crise. Enquanto o quarto trimestre de
2000 registrou queda de 2,9%, no quarto trimestre de 2008 a queda foi de 16,2%. A
tendência histórica é que essa queda atinja seu ponto mais elevado dentro de doze
meses, no quarto trimestre de 2009. Nesta perspectiva, pode-se fazer outras cruciais
relações. No mês de dezembro último o grau de utilização da capacidade instalada já
caíra para 65,9%. Foi outra queda absurda, mas totalmente consistente com a queda de
12,8% da produção no mesmo mês.
Em dezembro de 2007 essa taxa de utilização se localizava em 79,2%. Foi o
auge do ciclo. Mantida esta absurda velocidade atual de queda, não seria exagerado se
prever que em dezembro de 2009 a taxa de utilização se localizaria abaixo de 50%, e a
correspondente taxa de desemprego estaria situada entre 15 e 20% da força de trabalho.
A situação da economia de ponta do sistema estaria exatamente igual à da economia da
Argentina na crise de 2000-2002. Isso, evidentemente, seria socialmente inadmissível.

3.4 Na raiz mais profunda do ciclo

Para um correto acompanhamento do ciclo econômico global os dados da produtividade


da força de trabalho na indústria reguladora do mercado mundial são tão fundamentais
quanto os dados da produção propriamente dita vistos acima. São, junto com os dados
do desemprego da força de trabalho, partes orgânicas da crucial dinâmica de auge
(superprodução) e encerramento (crise) de um ciclo periódico de acumulação de capital.
No seu mais recente relatório “Produtividade e Custos” – 3º trimestre/2008, o
Departamento do Trabalho dos Estados Unidos indica que a produtividade da força de
25
trabalho na indústria de bens duráveis daquela economia de ponta do sistema caiu
pesadamente no terceiro trimestre (julho-setembro) deste ano.

Tabela 4 EUA – Indústria de bens duráveis: produtividade, produto e custo


unitário do trabalho (variação % sobre o trimestre do ano anterior).

Ano/trimest Produção/hora Produção Remuneração Custo


re real por hora unitário do
trabalho
2007/I 2.8 0.4 1.8 1.4
2007/II 4.5 1.8 2.1 0.3
2007/III 4.6 3.2 1.8 -0.3
2007/IV 5.9 3.9 -0.8 -2.6
2008/I 5.4 3.7 -2.0 -3.2
2008/II 2.5 0.2 -0.9 0.8
2008/III 1.9 -2.6 -0.2 3.1
Fonte: US Department of Labor “Productivity and Costs – Third Quarter 2008;

Na virada do 4º trimestre 2007 para o 1º trimestre 2008, todos os indicadores de


produtividade alcançaram crescimento cíclico recorde. A Produção por Hora (ou
“produtividade física”) atingiu em 2007 IV a assombrosa taxa de 5.9 %. A Produção
(medida em valor agregado) atingiu 3.9%. Isto é muita exuberância para essa
gigantesca produção industrial. Isto é superprodução de capital.
E o Custo Unitário do Trabalho (ou produtividade valor, índice que representa
grosseiramente uma forma do valor da força de trabalho, e conseqüentemente a taxa de
mais-valia ou de exploração) atingiu o auge de (–) 3.2% no 1º trimestre de 2008. Deve-
se lembrar que a diminuição deste indicador representa aumento da produtividade do
trabalho em termos de valor. E, ao contrário, quando ele se eleva, é sinal que está
caindo a taxa de produtividade (ou de exploração da força de trabalho, ou, finalmente,
da taxa de mais-valia).
Verifica-se pelos números acima que na virada de 2007 para 2008 o capital
mundial atingiu o auge da fase de expansão, iniciada em 2003. Isso demonstra aquilo
que já foi anotado neste texto, de que a crise capitalista não ocorre no ponto mais baixo
do ciclo depois de um longo declínio de produtividade (ou de “rendimentos
decrescentes” da economia vulgar), como se poderia imaginar, mas sim no ponto mais
elevado de um ciclo periódico de expansão descontrolada da produção e das forças
produtivas do trabalho. A crise de superprodução de capital manifesta-se

26
periodicamente no ponto mais elevado da produtividade (exploração) da força de
trabalho.
As contradições explodem no ponto mais elevado da curva. Na virada de 2008
para 2009 a superprodução de capital está pronta para explodir em novo período de crise
no seu ponto de exuberância máxima. Exatamente no ponto em que o gigantesco
desenvolvimento das forças produtivas do trabalho acumulado no decorrer do ciclo se
choca estrondosamente com as estreitas relações de produção capitalistas. E tudo cai,
tudo começa a cair. A explosão manifesta-se abruptamente. Como se pode verificar nos
números da tabela 4, a partir do 2º trimestre de 2008 iniciou-se rápida reversão cíclica,
com desaceleração e queda acentuada nos mencionados indicadores de produtividade da
indústria reguladora do mercado mundial.
Nos dois últimos trimestres de 2008 (2008/2 e 2008/3) anotados pelo US
Department of Labor, todos os indicadores de produtividade desabaram. A produção
por hora caiu das absurdas taxas do ano anterior para 2.5 e 1.9%. A produção (valor
agregado) deslizou para 0.2 e, finalmente, para (-) 2.6%. E o custo unitário do trabalho
elevou-se para catastróficos 3.1%; é exatamente essa elevação do valor da força de
trabalho (e queda da taxa de exploração ou de mais-valia) que leva os capitalistas a
brecar a produção, os investimentos e iniciar um massivo processo de desemprego da
classe operária em todo o mundo. A continuidade da acumulação do capital encontra
seu limite físico na evolução cíclica da massa de trabalhadores e dos salários.
É neste ponto do ciclo que a economia mundial se encontrava em janeiro de
2009. Como se verifica pela Tabela 3, entre outubro e dezembro a situação da indústria
dos EUA se agravou ainda mais do que os números acima da produtividade estão a
indicar para meses anteriores. O processo de paralisação da produção e uma
violentíssima onda de desemprego da classe operária desenvolvem-se com muita
rapidez em todos os cantos do mundo. Os capitalistas precisam recompor o exército
industrial de reserva para patamares de produtividade e exploração superiores ao que
existiram até o final do recente período de superprodução do capital, que, como se
verificou neste texto, prolongou-se até o início de 2008.

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