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Copyright © 2008 Marco Boeing

Proibida qualquer reprodução, seja mecânica ou eletrônica, total ou parcial, sem a permissão expressa do
autor.
Boeing, Marco A. G.
Histórias que a Umbanda nos conta / Marco Aurélio Gomes Boeing.
– Curitiba, 2008. Revisado em 2013 por Eduardo Veiga
Sumário
Agradecimentos
Dedicatória
Prefácio I
Prefácio II
Capítulo I - Sete Encruzilhadas
A Secretária
O médium iniciante
O amigo traidor
Capítulo II - Pantera Negra
Capítulo III - Tomás e Toninha
Capítulo IV - Pablo e Luíza
Capítulo V - Tico
Capítulo VI - Dito
Capítulo VII - Beira Mar (Capitão)
Capítulo VIII - Tatá Caveira
Capítulo IX - Uma História
Capítulo X - Helmuth (Exu do Lodo)
Capítulo XI - História da ASSEMA
Capítulo XII – Textos inéditos para versão digital
Uma pequena crônica
O preconceito nosso de cada dia
A Umbanda da palavra e da consciência
Liberdade Religiosa
Muitos vêm, alguns outros vão.
Zé Pelintra, quem seria esta entidade.
Um alerta
Recado aos médiuns e aos dirigentes
Por que a simplicidade não satisfaz?
13 de maio, uma festa... Apenas para os Pretos Velhos
Agradecimentos
Em primeiro lugar a esta força maior que esta sempre presente, que
não importa se a chamamos de DEUS, ZAMBI, OLORUM, ALÁ.... o
que importa é saber que é por sua vontade que estamos aqui....
À minha família.
À Marisa, Sérgio e Fernanda, pelo carinho e pela enorme ajuda
neste projeto.
À corrente da ASSEMA e as pessoas que mesmo sem estar dentro
desta corrente fazem parte desta casa... À Vó Izolina, por ter me
mostrado o que é a verdadeira Umbanda.
Ao Pai Décio, pelo carinho e pelo tempo em que estivemos em sua
casa aprendendo mais um pouco sobre Umbanda. À todos amigos
Umbandistas.
E por último, talvez a mais importante, à todas as entidades que
militam na umbanda tentando fazer desse mundo, um mundo mais
“ILUMINADO”....
Dedicatória
Dedico este livro ...
À Fatima, minha esposa, amiga, companheira e o mais importante,
o amor de minha vida, e quem sabe de outras passadas...
Como te disse um dia:
– “ Fátima, te amo hoje mais que ontem, mas bem menos que
amanhã...”
À minha pequena Caroline, que trouxe muito mais luz à nossas
vidas...
Aos capitães da ASSEMA, pela força, pela luta e pelo carinho...
À corrente da ASSEMA, pela confiança depositada...
Às entidades que me ASSISTEM, principalmente PAI TOMÁS e
SEU SETE ENCRUZILHADAS, por estarem sempre muito
próximos...
Prefácio I
Quando recebi o original desse livro, de meu amigo Marco Boeing,
ele me falou algo que não esqueci: “As vezes escrevia três horas
sem parar, depois ficava três meses sem escrever nada, não vinha
nada.” Credito a esta postura de seriedade e compromisso com a
verdade espiritual, o principal fator que fez esta obra ficar com a
riqueza de narrativas como está.
Um livro envolvente, que apesar da riqueza de detalhes,
percebemos claramente que os autores espirituais não se
prenderam a “pintar” minuciosamente seus personagens, preferindo
sim, nos levar a vivenciar de forma direta e objetiva a vida no astral,
nos mostrando de modo muito simples, simples como a Umbanda,
como se desenvolve as teias de nossas vidas, a divina ligação de
um fato com outro e como construímos nossos próprios caminhos á
partir de nossas escolhas.
Vejo esta obra como um presente para toda a humanidade, pela
quantidade de ensinamentos contidos aqui, nas linhas e entrelinhas,
e também sem dúvida, um reconhecimento da espiritualidade
perante toda essa luta que o Marco vem travando pela Umbanda e
pelos umbandistas a frente da ASSEMA.
Parabéns Marco, esse livro é prova que seu trabalho está
agradando aos Orixás!
Ricardo Barreira - Presidente da Umbanda Fest
Prefácio II
Nos sentimos lisonjeados ao sermos convidados para fazer este
pequeno prefácio. É um livro envolvente e esclarecedor. Isto é
apenas o resultado de um sentimento chamado universalismo.
Quando os objetivos são elevados, tudo é convergência. Diluem-se
os defeitos e eventuais diferenças para no horizonte brilhar a Luz
que é a mira existencial dos bons tarefeiros.
Nós adoramos este livro. Você começa a lê-lo e não deseja parar.
Não pense você, que talvez seja escolado em Umbanda, que esta
valorosa obra não vai lhe servir. Se não forem os ensinamentos
explícitos, as entrelinhas e as mensagens subjacentes, trarão mais
luz a seus conhecimentos.
Se para aprender é preciso humildade, para ensinar com qualidade
é preciso experiência, autoconhecimento, humildade e
responsabilidade. Isto os autores (encarnado e desencarnado)
possuem de sobra. Afirmamos com segurança, pois conhecemos de
perto o trabalho dos autores e suas energias assistenciais.
A você leitor desejamos uma boa leitura surfando nas ondas de uma
Umbanda universalista.
Amor no cardíaco, Paz no frontal e Luz no coronário. Dalton e
Andréa
O casal Dalton Campos Roque e Andréa Lúcia da Silva <www.consciencial.org>
são autores dos livros O Karma e suas Leis e Estudos Espiritualistas (pelo espírito
Ramatís e amigos), os livros anímicos Pérolas Conscienciais e Espiritualmente
Falando (não editados ainda – 2007) e os CDs em multimídia Práticas
Bioenergéticas Volume I, Práticas Bioenergéticas Volume II e Práticas para os
Sete Chacras. Ele é Engenheiro Civil, pós-graduado em Educação em Valores
Humanos e está cursando pós-graduação em Estudos da Consciência com
ênfase em Parapsicologia (2007), médium intuitivo e inspirado, psicografa com
fluência os amigos espirituais da Fraternidade da Cruz e do Triângulo. Ela,
bióloga, professora de informática, de cursos profissionalizantes e motivacionais,
é pós-graduada em Educação em Valores Humanos, Gestão de Iniciativas Sociais
e está cursando pós-graduação em Estudos da Consciência com ênfase em
Parapsicologia (2007) e MBA Executivo Empresarial e Gestão de Recursos
Humanos (2007).
Capítulo I - Sete Encruzilhadas
Em silêncio, rememorava muitos fatos passados de sua vida,
deliciava-se quando estas lembranças eram de atos onde podia
mostrar e abusar de seu poder.
Era uma espécie de governador daquela região, posição
conquistada às custas de alguns favores feitos a algumas pessoas
importantes.
Estava incomodado com algo, mas não conseguia saber com o que,
sentia um “vazio” e ainda tinha aquela escuridão que o deixava
nervoso. Resolveu continuar quieto e esperar aquilo tudo passar.
Não sabia onde estava nem como havia chegado ali, a última
lembrança que tinha, era de estar bebendo vinho na cama, com a
viúva de um dos homens a quem dera um jeito de afastar de seu
caminho, apenas por estar cobiçando sua jovem esposa.
Ah, se aquela infeliz tivesse aprontado algo contra ele... iria se
arrepender!
Não tinha noção de quanto tempo estava ali, e já estava ficando
impaciente. Começou a ficar cansado e por fim adormeceu.
Uma gargalhada o despertou, ia gritar para chamar a atenção de
quem estava por ali, mas resolveu no último instante ficar em
silêncio, para ver se descobria quem estava chegando.
Notou que havia mais pessoas, e ouviu claramente quando um
deles falou:
– Ele tem de estar por aqui, não conseguiria sair por conta própria,
está tudo muito recente.
– Calma – falou outro, – vamos achá-lo, e aí teremos muito tempo
para nos divertimos com ele, há há há. Do que eles falavam? Seria
ele a quem procuravam?
Estava absorto nestes pensamentos, quando foi agarrado pelos
cabelos e arrastado por alguns metros, enquanto aquele que o
estava levando gritava:
– Achei o desgraçado, venham logo, ele está aqui.
Não sabia o que estava acontecendo, estava muito confuso, e para
piorar não conseguia enxergar direito naquela escuridão, começou a
falar nervosamente:
– Largue-me, quem são vocês? O que vocês querem? Vão se
arrepender! Vocês sabem quem eu sou?
Ouviu alguém dizer:
– Você não é mais ninguém, já não nos mete medo.
Seu medo começou a dar lugar a uma raiva enorme, mesmo
naquela situação em que se achava, começou a imaginar o que
faria com aquelas pessoas, e o prazer que sentiria ao torturá-las.
Foi jogado contra uma parede e se viu cercado por vultos que não
conseguia identificar, mas sentia um cheiro desagradável que não
sabia se vinha do local ou das pessoas, talvez dos dois.
Notou que haviam três pessoas, dois homens e uma mulher.
Começou a imaginar um jeito de se livrar daquela situação e fugir
dali. Era um homem inteligente, gabava-se por ter um raciocínio
rápido em qualquer situação, mas estranhamente naquele momento
se sentia tão fraco que não conseguia ordenar direito seus
pensamentos. Avaliou a situação e decidiu que no momento o
melhor era ficar quieto e esperar para tentar descobrir mais algumas
coisas. De repente um dos homens falou:
– Fiquem de olho nele, vou avisar o Bernardo que nós o achamos,
bem que ele falou que seria por estes dias.Ouvindo aquele, pensou:
– Do que será que eles estão falando?– Já tinha ouvido aquele
nome em algum lugar, o jeito era esperar a chegada do tal Bernardo
para ter as respostas que procurava.
Ainda estava com estes pensamentos quando viu pessoas
chegando e ficou curioso para saber quem entrava, sua curiosidade
acabou quando ouviu:
– Taí o desgraçado, Bernardo.
Ficou assustado com duas coisas: a presença do tal Bernardo e a
rapidez com que chegaram.
– Finalmente nos encontramos, ou você achava que iria fazer tudo
aquilo comigo e ainda ficar com as minhas terras, sem ter que
acertar contas um dia?
A voz não era estranha, mas não conseguia se lembrar onde a tinha
ouvido. Ia falar algo quando escutou um estalo e sentiu uma dor
aguda em suas costas, e depois outra e mais outra, foram tantas
que não conseguiu contar mais e acabou por perder os sentidos.
Começou a voltar à realidade, com muita dificuldade levantou-se e
começou a procurar uma forma de sair daquele local. Estava muito
confuso, lembrava-se que tinha apanhado com uma espécie de
chicote e nada mais. Encontrou uma porta, que estava trancada,
forçou-a, mas como estava fraco não teve a mínima chance de abri-
la, desistiu logo, pois estava exausto.
Não conseguia saber ao certo há quanto tempo estava ali, a única
coisa que o animava era a certeza de que seus homens o estavam
procurando e que revistariam cada casa, cada recanto daquela
região até encontrá-lo, e quando isto acontecesse seus raptores
iriam sentir o peso da sua ira.
Estava pensando nisto quando ouviu a porta se abrir, encolheu-se
num canto, mas não adiantou, foi agarrado e arrastado para fora, já
estava imaginando qual seria o castigo que receberia desta vez,
mas para sua surpresa foi levado até um cômodo, que se parecia
com um grande salão, que estava fracamente iluminado por algum
tipo de tocha, no centro havia uma mesa com cinco cadeiras, uma
grande e as outras menores ao lado.
Foi obrigado a se ajoelhar e abaixar a cabeça, mesmo sem enxergar
notou que várias pessoas entravam na sala, e sentiu também
novamente aquele cheiro horrível.
– Você, verme rastejante e desgraçado, levante-se! Aquela era a
voz do tal Bernardo, lembrava-se dela.
Levantou-se lentamente e olhou para as pessoas que estavam à
sua volta e no mesmo momento sentiu o estômago embrulhar, pois
se algum dia aqueles seres foram humanos, este dia devia ir longe,
ali à sua volta estavam criaturas que vagamente lembravam o
aspecto humano. Alguns parcialmente carcomidos, outros com o
corpo coberto de feridas ou pêlos.
O tal Bernardo, que parecia ser o chefe ali, tornou a falar:
– Você está aqui para ser julgado e condenado por aqueles que em
vida você prejudicou, torturou e matou.
Não estava entendendo o que ele queria dizer com “em vida” e
como se estivesse lendo seus pensamentos a “criatura” disse:
– Eu mesmo sou prova disso ou você não lembra daquela família
que tinha terras ao norte das suas onde você descobriu que existia
ouro num riacho que as cortava, e para poder ficar com estas terras,
mandou executar a todos e a mim você matou pessoalmente, já
esqueceu?
Neste momento lembrou de onde já tinha ouvido aquela voz, sim era
daquele infeliz que ele havia matado há muito tempo por conta de
ficar com suas terras, mas como foi que ele escapou, teve o cuidado
de matá-lo pessoalmente, como ele poderia estar ali?
– Chegou a hora de acertamos as nossas contas desgraçado –
falou Bernardo.
– Que história é esta de “em vida” e me “matou pessoalmente”? –
perguntou.
– É isto mesmo que ouviu cachorro, você pessoalmente furou meu
coração enquanto seus lacaios me seguravam.
– Mas se eu te matei, e lembro-me bem disso, como é que você
está aqui? Você ressuscitou? – estava cada vez mais confuso.
– Há, há, há! Que idiota, ainda não se deu conta. Foi você que
morreu e não eu que ressuscitei.
Uma algazarra infernal tomou conta do salão. Sons que de longe
lembravam gargalhadas humanas foram ouvidas por algum tempo,
até que um daqueles seres entrou no salão gritando:
– Corram, os bestiais estão vindo, eles estão atacando!
Foi uma correria geral, naquele momento era cada um por si,
inclusive aquele que até o momento era o centro das atenções, fora
esquecido. Como era um homem de raciocínio rápido, aproveitou e
se juntou à correria, enquanto pensava:
– Se estes seres horríveis têm medo destes outros que chamam de
bestiais, é porque eles devem ser mais terríveis ainda.
Correu junto com os outros até um determinado ponto, depois
mudou de direção e seguiu sozinho, pois tinha certeza que os tais
“bestiais” seguiriam a turba, e não se preocupariam com uma
“ovelha desgarrada”. Correu por muito tempo sem saber para onde,
a única certeza que tinha era que os sons da confusão ficavam cada
vez mais distantes.
Vagou por muito tempo, às vezes se escondia, pois passava por
grupos de “criaturas” e sentia medo de que fossem seus raptores.
Mas as palavras do chefe daquele grupo não saíam de sua cabeça:
“Você me matou pessoalmente”, não conseguia entender aquilo.
Estava absorto nesses pensamentos quando se viu frente a frente
com duas “criaturas” que, apesar de não terem o aspecto tão
horrível quanto os outros, não eram nada agradáveis. Sentiu um
medo enorme, mas eles passaram como se não o tivessem notado,
falavam algo sobre “sugar as energias daquele infeliz”, outra coisa
que não entendeu, estava cada vez mais confuso. Achava estranho
também que ali o céu estava sempre escuro, como se de repente
fosse começar uma tempestade que também nunca chegava.
Caminhou mais algum tempo e chegou perto de um abismo,
começou a ouvir gemidos e lamentos, curioso foi olhar e viu no
fundo deste abismo um pântano, onde se encontravam várias
“criaturas” meio submersas, e ao redor do charco algumas outras
“criaturas” armadas com uma espécie de chicote ou com espadas,
que de vez em quando retiravam algum daqueles infelizes do
pântano, e o acorrentavam. Em um dos lados viu que já existia um
grande número de acorrentados sentados ou deitados no chão.
Continuou a observar, e estava tão absorto que só notou as duas
criaturas que estavam atrás dele quando recebeu a chicotada nas
costas, ficou apavorado, e foi rapidamente dominado e acorrentado
sem tempo para reagir.
– Vamos levar este espião até o chefe, com certeza ele vai querer
saber o que ele estava fazendo por aqui.
Foi arrastado por aquelas “criaturas”, até junto daqueles infelizes e
deixado lá. Tinha vontade de reagir mas não tinha forças, parecia
que elas haviam se esgotado de alguma forma. Deixou-se ficar ali e
ver o que iria acontecer ao mesmo tempo que se perguntava
quando acordaria e acabaria com aquele pesadelo.
Depois de algum tempo os captores encerraram sua “caçada” e,
como eles mesmos diziam, começaram a voltar para casa,
arrastando aqueles infelizes junto.
Não sabia quanto tempo havia caminhado quando chegaram a uma
construção que se parecia com um antigo castelo medieval, sentia
um “peso” terrível, como se algo o “empurrasse” para baixo. Junto
com os outros, foi levado e colocado num porão, uma espécie de
calabouço. Suas dúvidas aumentavam cada vez mais: onde estava?
Afinal nunca tinha visto aquela construção, nem em suas terras e
nem nas regiões vizinhas, na verdade tinha certeza que este tipo de
construção já não existia há muito tempo, e se existisse seria na
Europa e não ali. Mal sabia ele que grande parte de suas dúvidas
logo seriam esclarecidas.
Depois de uma espera que lhe pareceu uma eternidade, a porta da
cela se abriu, e se viu puxado junto com os outros e levado a um
amplo salão, iluminado com o mesmo tipo de tocha da sala de onde
havia escapado anteriormente. Em fila, um a um, eram levados à
frente de uma “criatura”, que parecia ser o líder ali, onde eram
rapidamente inquiridos e levados para outros locais de acordo com
a ordem do “chefe”.
Quando chegou a sua vez, foi colocado de joelhos e, antes que
pudesse falar alguma coisa, ouviu dizerem:
– Senhor, este é o espião do qual lhe falamos, foi capturado quando
nos espionava escondido na beira do abismo.
– Quer dizer que estava espionando meus servos? – Aquela voz era
arrepiante. – A mando de quem você fazia isto?
Tomou coragem e respondeu:
– Não estava espionando ninguém, não sei o que estou fazendo
aqui, na verdade não sei que lugar é este e nem quem são vocês,
não recebo ordens de ninguém.
– Então é um pobre inocente? – Tornou aquela voz arrepiante.
Quando ia responder, viu aproximar-se do “chefe”, uma daquelas
“criaturas” que depois de pedir permissão, cochichou algo em seu
ouvido.
– Quer dizer que então você era o temido senhor das terras do
nordeste, aquele que não poupava ninguém, que tomava à força
tudo o que queria, há, há, há, há!
– De que você está rindo? Eu não era, eu sou, e você e seus
asseclas vão se arrepender quando meus homens descobrirem que
você me seqüestrou.
– Há, há, há, você ainda não se deu conta do que lhe aconteceu?
Seus homens nunca vão te achar aqui, pelo menos enquanto
estiverem vivos, pois caso ainda não saiba, você está morto, há, há,
há.
– O que quer dizer com isso? Como pode ser? – Sua cabeça doía e
chegou a ficar tonto, com o que acabara de ouvir.
– É exatamente o que ouviu: você morreu e agora é nosso
prisioneiro. Conhecemos gente que pagaria um bom preço, só pelo
prazer de poder torturá-lo.
Tentava raciocinar, mas não conseguia, estava surpreso, com medo,
curioso, tudo ao mesmo tempo. O “chefe” das “criaturas” continuou:
– Lembra-se da noite em que estava com aquela linda mulher? Pois
bem, ela jurou vingar-se de você, pois era esposa de um dos
homens que você matou. Ela te envenenou e ficou apreciando sua
agonia, e depois que você morreu, com ajuda dos irmãos, ela jogou
seu corpo num rio que nunca foi encontrado, há, há, há.
– Mas, como isto pode acontecer? Existe vida depois da morte? –
Perguntou.
– Se você considerar isto, a que foi reduzido, de vida, então a
resposta é sim.
– Mas se é assim, por que não fui para onde vão os humanos? Por
que vim parar no meio de “criaturas como vocês?”
– Criaturas, nós? Nós também já tivemos vida e por causa de
algumas coisinhas que fizemos agora estamos aqui, há, há, há.
Aquela risada causava-lhe um misto de medo e raiva.
– Você, traga um espelho para cá. – gritou o “chefe”, para uma das
“criaturas”.
Colocaram à sua frente um espelho grande e quando olhou para ele
pensou que iria enlouquecer, pois a imagem refletida ali era a de
uma daquelas “criaturas”. Antes que falasse algo o “chefe” falou:
– É isto mesmo idiota, é você mesmo, também é uma “criatura”, há,
há, há!
– Como pode? O que aconteceu comigo? Que trapaça é esta?
– Não existe trapaça, você morreu há alguns meses, deve ter ficado
muito tempo inconsciente e agora que acordou ainda não está
conseguindo entender, é assim mesmo no início.
– Mas...
– Cale a boca! – vociferou o “chefe” – você já falou demais, vamos
acertar algumas coisas: Você sempre foi muito odiado tanto pelos
vivos quanto pelos mortos, então tenho uma coisa a lhe propor.
– Propor-me, quem você pensa que é?
– Eu não penso nada, eu sou o senhor deste local e por
conseqüência seu senhor. Esta é a proposta: Você fica aqui e me
serve como empregado e em troca eu te dou proteção contra
aqueles que querem lhe capturar e torturar, ou então, jogo-o lá fora
e ainda aviso a seus amigos onde você está. E então, o que me diz?
Ficou pensativo, ainda estava confuso com tudo aquilo, era difícil
crer que estivesse morto, pois se sentia vivo, mas era óbvio que
algo havia acontecido, mas duvidava, pois nunca acreditou em Deus
nem nestas besteiras de espíritos e reencarnações que ouviu de
alguns de seus amigos que estiveram na Europa mais
recentemente.
Como se pudesse ler seus pensamentos e sabendo de suas
dúvidas o “chefe” falou:
– Façamos o seguinte, te dou um tempo para que pense, mais tarde
conversaremos. – E gritando com um de seus auxiliares disse:
– Levem-no de volta ao calabouço.
Foi levado e jogado de volta à sua cela, o lugar era asqueroso, mas
pelo menos agora estava sozinho e poderia pensar na situação com
mais calma.
Depois do que lhe pareceram algumas horas, ouviu o barulho de
pessoas vindo em sua direção, logo fora novamente puxado e
levado para o grande salão. Já tinha decidido o que fazer, pelo
menos por um tempo aceitaria o acordo, até ter o real domínio da
situação, e só então decidiria o que fazer.
– E então verme, o que decidiu? – perguntou o “chefe”.
– Vou aceitar o seu acordo, então me diga o que fazer.
– Que bom, você é esperto, sabe o que é melhor para você. Agora,
vai ficar com meus servos e aguardar até que apareça algum
serviço, enquanto isso você vai aprendendo alguns truques com
eles.
– Já que vou servi-lo, como devo chamá-lo?
– Deve me chamar de senhor, mas meu nome é Terçar, porém sou
conhecido como Lodo Negro.
Achou curioso aquele nome, por que alguém se chamaria Lodo
Negro? E que tipo de serviços eles poderiam fazer? Foi arrancado
de seus pensamentos pela voz do chefe.
– Agora vá, siga aquele homem e fique com ele até eu lhe chamar
novamente, e aproveite bem seu tempo para aprender coisas que
lhe serão úteis.
Seguiu com o “homem” indicado para fora do castelo até umas
construções que pareciam galpões, e dentro deles haviam várias
camas, umas ao lado das outras, logo que entraram seu
acompanhante falou:
– É aqui que você deve ficar enquanto espera suas ordens, quando
se sentir cansado pode escolher qualquer cama, já que elas não
têm dono. Agora, vamos ao pátio, vou começar a lhe ensinar
algumas coisas.
– Vamos logo, não agüento esta espera, já que vamos ser
companheiros me diga pelo menos seu nome.
– Pode me chamar de Aniceto, mas quando estivermos fazendo
algum trabalho usamos sempre o nome do chefe, lembre-se disto.
Já fazia algum tempo que estava ali e aprendido a volitar, a sugar e
a manipular energias para criar efeitos materiais, ansiava em ser
chamado para seu primeiro “trabalho”, não por amor ao labor, mas
por pura curiosidade em saber de que se trataria. Mas não precisou
esperar muito pelo chamado.
Estava no pátio do castelo com Aniceto quando outro homem (agora
já não os chamava de “criaturas”) veio chamá-los.
– O chefe está chamando vocês dois.
Seguiram para o salão, onde encontraram outros cinco servos do
senhor Lodo Negro, logo que chegou o chefe começou a dizer:
– Recebi um pedido de uma pessoa encarnada para darmos um
jeito num homem que está atrapalhando seus negócios, a paga foi
boa, e temos que fazer um bom serviço. Castilho vai comandar esta
ação e vocês devem fazer exatamente o que ele mandar.
Saíram rapidamente e em uma fração de segundos encontravam-se
no ponto de força onde estava a oferenda dada como primeira paga
pelo trabalho a ser realizado. Tomaram as primeiras providências, e
um deles foi deixado ali para tomar conta da oferenda, evitando
assim que espíritos errantes ou de outra legião a roubasse. Os
outros seguiram atrás da pessoa que deveria ser afastada de
qualquer maneira do caminho do “contratante”.
O caso era o seguinte:
O contratante, uma pessoa com algum poder, queria comprar o sítio
de uma família, mas um dos filhos da dona, uma senhora idosa e
viúva, insistia em não vender, pois queria um pagamento maior
pelas terras, não que ele estivesse pensando em sua mãe, mas sim
tomado pela cobiça, e queria tirar do homem o máximo possível e
assim aumentar sua parte na divisão do dinheiro. As intenções do
rapaz tornava mais fácil o serviço, pois o ele estava sintonizado com
as energias negativas. Um dos espíritos que os acompanhava foi
incumbido de voltar e contar ao chefe o que estava acontecendo.
Pouco depois ele retornou com um recado:
– O chefe disse que não é para fazer o serviço muito rápido, para
podermos cobrar mais do contratante, e no final é para ver se
conseguimos trazer o infeliz para o nosso lado, pois o chefe gostaria
muito de ter um novo escravo.
Começaram os serviços, eles se revezavam de dois em dois,
obsedando o rapaz, colocando idéias confusas em sua cabeça ou
na cabeça daqueles com quem se relacionava, sugavam suas
energias e aproveitavam o fato de ele ser fraco para a bebida para
encorajá-lo a beber cada vez mais, em pouco tempo a situação
tornara-se insuportável para o infeliz. Enquanto isso, foram feitas
mais três ofertas, que sempre eram levadas ao chefe, que em troca
lhes concedia uma mínima parte da energia proveniente delas. Em
dado momento receberam um recado do chefe que ordenava que
terminassem logo o trabalho, pois já tinham perdido muito tempo
com aquilo e trabalho era o que não faltava.
Como o rapaz já estava totalmente dominado, não foi difícil fazê-lo
beber mais do que de costume naquele dia e encaminhá-lo à parte
mais perigosa da região: um barranco onde abaixo passava um rio,
muito raso e cheio de pedras, e fazer com que o infeliz caísse nele.
Depois de terminado o serviço retornaram, não sem antes deixarem
dois para resgatar o espírito do rapaz assim que fosse possível.
Ao chegarem no “reino” do senhor Lodo Negro, foi lhes permitido
descansar um pouco como prêmio pelo serviço realizado.
Depois de algum tempo, começou a perceber determinadas coisas:
· A primeira era que nunca fizeram nenhum trabalho que envolvesse
mulheres e para ser sincero nunca vira nenhuma mulher por ali.
· A segunda é que o “chefe” nunca dava a nenhum de seus servos
mais do que uma mínima parte do que recebia, mas quanto a isto já
tinha sua teoria: ele apenas lhes dava o suficiente para que
pudessem, estar “alimentados” porém, era muito pouco para que
ficassem fortes a ponto de poder desafiálo, era uma inteligente
forma de controle.
Resolveu tirar suas dúvidas referente às mulheres com Aniceto, que
era um pouco falante demais.
– O que acontece é que o chefe quando encarnado, era impotente e
passou a ser humilhado por mulheres a ponto de odiá-las e ao
mesmo tempo temê-las e mantém isso até hoje, mas não o deixe
saber que te contei senão nós dois vamos nos arrepender.
– Não se preocupe, era só curiosidade.
O tempo passou e cada vez mais era requisitado para os mais
diversos trabalhos, sempre cumprindo a contento suas tarefas, logo
tornou-se um dos responsáveis pelas missões em nome do senhor
Lodo Negro. Desta forma tinha mais liberdade em explorar e
aprender sobre o Umbral, região onde estavam e de onde partiam
para seus trabalhos. Começou a ter contato com outras legiões de
espíritos que serviam sob o comando de outros senhores das
trevas. Aprendeu também, que, sempre antes de realizar alguma
ação, deveria “examinar” o terreno para garantir que não teria
nenhum “iluminado” (como chamavam os espíritos de luz) para
atrapalhar sua tarefa. E descobriu da forma mais difícil, pois em um
de seus trabalhos foi “atacado” por uma legião de “iluminados”, que
vieram não se sabe de onde e quase foi capturado, conseguiu fugir,
mas perdeu dois auxiliares.
Teve contato com legiões de espíritos formados apenas por
mulheres, começou a estudar sua forma de atuação e descobriu que
elas seriam de grande valia em muitos dos trabalhos que executava.
Aprendeu também a “roubar” um pouco da energia das oferendas,
antes de entregá-las ao chefe, bem como a armazenar estas
energias, fortalecendo-se cada vez mais.
Sentia-se cada vez mais forte e aos poucos começou a mostrar esta
força a alguns companheiros, conquistando assim respeito deles e,
em sua cabeça, já começava a traçar um plano para formar sua
própria legião.
Tempos depois achou ter chegado a hora da sua “independência” e
ao ser chamado pelo chefe, quando este quis começar a falar,
interrompeu-o dizendo:
– A partir de hoje não o obedeço mais, vou embora e não tente me
deter, cansei de ser tratado com migalhas depois de trabalhar duro.
– O que está falando, sabe que posso acorrentá-lo e castigá-lo por
isso? – Falou Lodo Negro, não querendo perder o respeito dos seus
nem o valoroso servo em que ele tinha se transformado.
– Se achar que pode, tente – retrucou, ciente de sua condição. –
Você não vai tentar nada, pois está vendo que não sou aquele fraco
de outrora, consegue sentir a minha força.
O chefe, percebendo que ele estava falando a verdade, que tinha
muita energia acumulada, não podia mostrar fraqueza diante de
seus servos e falou:
– Vou te dar uma chance, suma da minha frente antes que eu acabe
com você!
– Eu vou, mas antes quero falar com vocês – disse apontando para
a “platéia” que havia se formado para ver o desfecho desta disputa
–, àqueles que estiverem cansados de migalhas e quiserem seguir
comigo, faço apenas uma exigência: obediência total às minhas
ordens e em troca receberão muito mais do que estas ninharias que
estão acostumados a receber por aqui.
Virou-se e foi saindo, sem descuidar um momento, pois temia uma
traição por parte de seu antigo chefe, notou que num primeiro
momento nenhum de seus companheiros se moveu, mas quando já
estava fora dos muros do castelo, viu que alguns o seguiam, eram
poucos, mas já era um começo. Caminhou por algum tempo,
sempre seguido por aqueles que saíram junto com ele, parou num
local onde havia algumas pedras, subiu na maior delas e começou a
falar:
– Se resolveram me seguir, é por que aceitaram minhas condições,
então não vou tolerar contestações às minhas ordens. A primeira
coisa a fazer é irmos ao plano material e tentar achar fontes de
energia para nos fortalecermos; em seguida, vamos procurar um
local para nos estabelecer e estabelecer uma ligação com alguns
encarnados que se utilizam dos serviços de outros como nós para
termos trabalho e por conseqüência “comida”. Depois que
conseguirmos isto, trataremos de aumentar nossa legião, senão
seremos presas fáceis para aqueles que se sentirem ameaçados.
Ninguém falou nada, entendeu isso como uma concordância, foram
para o plano material, se dirigindo aos locais onde normalmente
recebiam as oferendas quando trabalhavam para Lodo Negro,
conseguiram tomar posse de algumas pequenas, já que as maiores,
sempre eram dadas a “entidades” poderosas e eram sempre bem
guardadas pelos servos destes.
Notou também que nos cemitérios, com uma certa dose de sorte,
poderia arrecadar alguma oferenda, mas era perigoso, pois estes
eram muito “povoados”.
Começou sua atuação, recebendo pedidos de pessoas encarnadas,
que utilizavam seus serviços para a prática do mal. Ganhou fama
rapidamente, pois sempre cumpria de forma rápida e satisfatória
suas tarefas, e com isto foi ganhando “admiradores”, e ao mesmo
tempo atuava no umbral, recrutando cada vez mais espíritos
perdidos para sua legião. Outra forma de recrutamento eram os
ataques que comandava contra algumas legiões menores, de onde
sempre conseguia arrebatar alguns servos para segui-lo.
Era uma entidade muito inteligente e estava sempre “estudando”.
Fez acordos com outros chefes de legiões e trocavam segredos e
aprendizados; muitas vezes trabalhou em conjunto com eles, na
execução de trabalhos encomendados. Uma das coisas mais
importantes que conseguiu aprender, foi estabelecer uma ligação
mental com seus servos, dessa maneira conseguia saber o que se
passava com eles apenas se concentrando, e assim conseguia se
prevenir de eventuais traições, eventuais, pois pela sua forma de
comandar, as traições eram muito raras.
O tempo foi passando e seu poder aumentava dia após dia,
algumas vezes fazia coisas que nem ele mesmo sabia como as
conhecia, e quando isto acontecia era em momentos em que tinha
“flashs” de memória e se via como um mago numa época e terra
distantes, fazendo encantamentos e magias, manipulando matérias
e energias, estas “lembranças” eram de muita valia para ele, pois
com elas aprendia cada vez mais e utilizava este aprendizado para
melhorar a “qualidade” de seus serviços. Era cada vez mais
requisitado e muitas vezes se dava ao luxo de recusar alguns
trabalhos que considerava abaixo de sua capacidade. Sua legião
era uma das mais respeitadas e temidas do Umbral, pois era de
uma ferocidade imensa quando atacava.
A única coisa que o incomodava, era a seguida intromissão dos
“iluminados”, não conseguia entender como eles apareciam de
repente, sem serem notados por seus vigias e atrapalhavam seus
planos. Já havia perdido vários trabalhos por causa deles. Estava
sempre tentando achar uma forma de se livrar destes intrometidos.
Foi alertado por outros chefes para não se meter com eles, mas não
se conformava e tentava achar um jeito de combatê-los.
Neste meio tempo, surgiu no Brasil uma nova corrente espiritual que
a princípio não lhe chamou a atenção. Começou a se interessar por
ela quando alguns dos chefes do Umbral começaram a comentar
que tinham encontrado uma forma de estarem sempre recebendo
suas ofertas, mesmo sem precisarem executar tarefa nenhuma.
Curioso, resolveu se informar o máximo possível sobre o assunto.
Não foi difícil descobrir do que se tratava esta nova corrente.
Chamavam-na de Umbanda, que por ser uma novidade, estava
atraindo a atenção de muitas pessoas, no entanto algumas delas
não tinham muitas preocupações morais tornando-se presas fáceis
e estavam sendo usados por seus “companheiros”. A forma de
atuação era simples:
Descobria-se dentre estes que estavam ingressando nesta religião,
pessoas fracas espiritualmente ou com afinidade com o mal,
pessoas pouco preocupadas com a moral e com a prática da
caridade que esta religião pregava, e se aproximavam delas, iam
sugestionando-as, fazendo-as acreditar que já estavam aptas a
comandar e não deveriam mais se contentar em ser soldados, e
logo estas pessoas começavam a atuar de forma a atender suas
vontades, faziam qualquer coisa em troca de pagamento,
normalmente o mal. Usavam alguns nomes de entidades que viam
atuar nos locais sérios, para dar um ar respeitável, notou que muitos
destes espíritos que atuavam nestes locais eram índios ou ex-
escravos, tinham até crianças, soldados de todas as épocas,
algumas mulheres muito bonitas que deixavam no ar o frescor do
mar ou dos rios, viu também algumas guerreiras com suas espadas.
Vale lembrar que nenhuma destas mulheres se pareciam com
aquelas que faziam parte de sua falange, que apesar de belas não
se comparavam com as que atuavam nos “terreiros”, que era como
chamavam os locais de atuação destes espíritos.
Outra coisa que era impossível deixar de notar, era a interferência
no Umbral, que tinha aumentado sensivelmente, e não entendia
como espíritos de índios ou escravos, podiam ter uma luz tão
intensa. Também não conseguia entender a presença daquelas
entidades que de alguma forma se assemelhavam aos moradores
do Umbral, não em aparência, mas em vibração, e mesmo assim
estavam sempre atacando as legiões das trevas, será que eles
queriam tomar o comando?
Depois de muito observar, resolveu que estava na hora de agir, mas
com cuidado para não ser pego por aqueles “iluminados”
desgraçados.
Observou vários locais e escolheu algumas pessoas que percebeu
que poderiam ser sugestionadas, dentre elas escolheu um casal,
cuja mulher tinha uma personalidade forte e grande tendência ao
mal, já havia traído o marido várias vezes, e este era
completamente dominado por ela.
Colocou algumas de suas melhores servas para acompanharem a
mulher, e não foi difícil fazê-la pensar que já estava na hora de ser a
chefe de um terreiro, pois já sabia “tudo” o que precisava, e depois
de uns três meses, já estava aberta uma casa que se dizia “Terreiro
de Umbanda”. Lá, todas as entidades eram na verdade asseclas
seus que mistificavam, usando trejeitos de Pretos Velhos e
Caboclos. A fama de sua casa cresceu e já era muito freqüentada,
principalmente por pessoas que queriam alguma coisa pouco
recomendável. Estava sempre por lá, quase nunca incorporava, mas
estava sempre por perto, decidiu que teria de escolher um nome
para usar quando tivesse que incorporar, depois de muito pensar,
lembrouse de uma entidade que andava pelo Umbral, com uma
falange enorme, muito poderosa, que já havia atacado e destruído
várias legiões de seus companheiros das trevas. Se não estava
enganado se chamava “Exu das Sete Encruzilhadas”, era este o
nome que adotaria, este nome inspirava respeito, então era este o
escolhido.
Começou a atuação no terreiro, como era de costume, cumprindo
suas tarefas da melhor forma possível, quase sempre com êxito,
exceto quando era atrapalhado pelos “iluminados”. Também quase
nunca executava os serviços pessoalmente, tinha inúmeros servos
encarregados de executá-los. Vejamos alguns exemplos de
trabalhos realizados por sua falange:
A Secretária
Seu nome era Suzana, era de família pobre, sempre teve muitas
dificuldades, mas mesmo assim era muito esforçada e por meio
deste esforço conseguiu estudar e depois arrumar um emprego em
uma grande empresa. Só tinha dois defeitos que valiam por muitos:
a inveja e a ambição desmedida. Começou como recepcionista, mas
a custo de muitas trapaças e traições conseguiu chegar ao cargo de
secretária de um dos gerentes da empresa. Isto só a satisfez por
algum tempo, logo sua ambição já a fazia pensar em ser secretária
de um dos diretores. Sabendo que as duas secretárias que serviam
a diretoria eram de inteira confiança, resolveu buscar ajuda externa
para atingir seu objetivo, e foi assim que apareceu no terreiro,
indicado por uma amiga. Logo na primeira “consulta” expôs o que
queria e foi orientada a voltar no outro dia, quando não haveria
ninguém na assistência e assim dar início aos trabalhos.
Na noite seguinte, no horário marcado estava lá, foi recebida pela
mulher e levada para o interior do centro, lá já estavam mais duas
pessoas, uma outra médium e o marido da comandante, que servia
de cambono para o terreiro, iniciaram os trabalhos e manifestaram-
se nas médiuns dois espíritos que o serviam, um masculino e outro
feminino, ela passou os nomes das duas mulheres, foi lhe pedido
uma série de material, e dois frangos pretos, e orientado que assim
que tivesse o material na mão deveria entrar em contato para
marcar o dia do trabalho. Com a lista nas mãos viu que era muita
coisa e que sairia caro, mas valeria a pena, pensava naquilo como
um investimento.
Dias depois já estava com todo o material pedido, inclusive o
dinheiro para o pagamento do trabalho, que foi marcado para o dia
seguinte. Ao chegar no terreiro viu que além das pessoas do outro
dia havia um outro homem. Ao iniciarem, as mesmas entidades da
vez anterior vieram e uma outra veio no homem que estava lá, foi
lhe explicado que aquela entidade seria a que efetivamente faria o
serviço, que consistia primeiramente em observar as duas mulheres
para escolherem aquela que seria “trabalhada”.
A secretária de nome Iodete foi logo descartada, pois era católica
praticante, e tinha em volta de si um escudo protetor muito forte,
logo partiram para observar a outra de nome Maria da Anunciação,
e de cara viram que seria ela a escolhida, pois além de adorar falar
mais do que devia, tinha tendências à promiscuidade, tendo traído
seu marido várias vezes, e foi nestas duas vertentes que
começaram a atuar. Fizeram com que ela começasse a falar sobre
alguns assuntos que eram de foro reservado da empresa, e também
“incentivaram-na” a se envolver com um homem casado com quem
trabalhava, dando um jeito para que a esposa do sujeito descobrisse
e fizesse um escândalo na empresa, que resultou na demissão
sumária dos dois. Pronto, a primeira parte do trabalho estava feita,
agora era só fazer Suzana ser a escolhida para substitui-la o que
não foi difícil, pois ela já era uma das pessoas cogitadas para a
posição, foi só sugestionar ao diretor e pronto. Assim que assumiu o
cargo, já tinha outro plano em mente, queria para si como homem o
diretor, não para casar, apenas para poder tirar proveito da situação,
voltou ao terreiro e pediu o que queria, novamente a um preço muito
alto, mas nem se importou em pagar. A atuação espiritual desta vez
foi direcionada para a esposa do diretor e para ele mesmo. Tanto o
diretor quanto sua esposa eram pessoas muito apegadas às coisas
materiais e não tinham religião, eram ateus, então designou duas
entidades femininas, uma atuou sobre a esposa, tornando-a fria com
o marido, fazendo-a fugir dos contatos íntimos, a outra em
contrapartida atuava no marido, acendendo cada vez mais seu
desejo, deixando-o quase sem controle, e sugestionando-o a olhar
melhor para Suzana, que fazia bem o jogo da sedução, até o dia em
que cedeu, e no quarto, enquanto faziam sexo, ela teve a certeza de
que aquele homem era “seu” a partir daquele momento. Assim,
conseguiu o que queria e achava que o preço que pagou pelos
trabalhos fora baixo por tudo que conseguiu, mal sabia ela que a
cobrança verdadeira viria mais tarde e esta sim seria muito grande.
O médium iniciante
Já havia algum tempo que a casa estava aberta quando apareceu
por lá um rapaz muito bem apessoado que de imediato despertou o
interesse da dirigente, que logo deu um jeito de fazer com que ele
acreditasse que só melhoraria se entrasse para o corpo mediúnico.
Tentou várias investidas, mas sempre foi educadamente repelida,
pois o rapaz era noivo. Sem conseguir se controlar mais ela deu um
ultimato ao pobre rapaz: Ou ele cedia ou seria expulso da casa. O
rapaz saiu da casa e nunca mais voltou. A raiva dela era muito
grande, não aceitava ter sido esnobada por ele –Quem aquele
moleque achava que era, ele iria se arrepender–. Na mesma noite
ela chamou por seu “protetor”, e teve a resposta do que ele queria
para fazer o serviço, nem pensou em regatear, no dia seguinte já
estava com tudo pronto e naquela mesma noite executou o ritual.
No dia seguinte seu “protetor” começou a atuar, a primeira coisa que
fez, como sempre, foi observar a vítima e achar o melhor caminho.
Não foi difícil ver o quanto o rapaz era inseguro, estava sempre
amedrontado com alguma coisa, sendo facilmente sugestionável,
achou-o patético, e pensou numa forma muito original de “castigar”
o infeliz: determinou a um espírito que em vida tinha cometido vários
atos de abusos sexuais, e mandou que ele se colasse a um
marginal que morava nas proximidades da casa do rapaz, para que
ele incitasse o meliante a atacar o rapaz, mas não queria apenas
que o roubassem mas que ele fosse agredido e sodomizado, e foi
isto que aconteceu em uma noite em que o rapaz voltava tarde para
sua casa. Ele foi atacado perto de um terreno baldio, arrastado para
lá, foi espancado e estuprado por quatro homens que pareciam
estar fora de seu estado normal, só foi encontrado no dia seguinte,
muito ferido, foi levado ao hospital. Informaram à sua família que ele
teria seqüelas graves, e que provavelmente nunca mais andaria,
pois haviam fraturado sua coluna. A mulher que leu a notícia do
ataque em um jornal, ficou tão exultante, que resolveu fazer uma
oferenda igual à primeira para seu “protetor”, em agradecimento.
Após alguns anos de atuação naquela casa, Sete Encruzilhadas
notou que tanto a freqüência, como os “serviços” diminuíam, e
começou a pensar em uma forma para manter o nível de energia de
sua legião, já estava atuando em outras casas também e pensava
em transferir suas principais atividades para uma destas casas, mas
não sairia sem castigar aquela mulher que não soube manter a casa
da forma como ele gostaria. Determinou a dois de seus asseclas
que a obsedassem, insistentemente, até deixá-la fora do juízo, e foi
o que aconteceu, mas até para sua surpresa, ela não suportou por
muito tempo e suicidou-se, quando foi informado por um de seus
servos, ordenou rapidamente que seu espírito fosse capturado e
levado para suas fileiras, assim seria mais uma a seus serviços.
Certo dia, quando não eram realizados trabalhos numa das casas,
foi invocado, e ao chegar no local, não se apresentou, mandando
que um de seus servos mais leais o fizesse para ver do que se
tratava. Era um rapaz que queria de alguma forma se livrar de seus
três irmãos para poder tomar posse sozinho da herança de seus
pais mortos num acidente. Passaram a ele o preço do trabalho, que
foi aceito imediatamente pelo rapaz, seriam sete oferendas
enormes, com muita bebida e muitos animais sacrificados, e para
impressionar um pouco, até ossos humanos foram pedidos.
Começariam a atuar assim que a primeira entrega fosse feita. Vale
ressaltar que até o médium que o servia, mesmo estando
acostumado com a fartura de materiais pedidos em suas entregas,
desta vez se assustou com o tamanho, susto este logo substituído
pela ganância, pois quanto maior o trabalho, maior o preço a ser
cobrado.
A entrega foi feita alguns dias depois e devido à complexidade do
trabalho ele resolveu participar pessoalmente da sua execução. A
cada trinta dias receberiam nova oferenda, o trabalho ia de vento
em popa. Desta vez havia escolhido debilitar a saúde das vítimas,
levando-os à morte. Dois dos irmãos do rapaz já estavam com a
saúde comprometida. O primeiro com uma cirrose no fígado, devido
a seu gosto pela bebida, gosto este usado por seus obssessores
para fazê-lo beber cada vez mais; e o segundo já apresentava um
pequeno problema no coração, que irradiado dia e noite
insistentemente por energias negativas se agravava sensivelmente
e fatalmente o levaria a um enfarte.
As coisas começaram a se complicar quando partiram para o ataque
contra o terceiro dos irmãos, nem tanto por ele, mas por causa de
sua namorada que era Umbandista. Descobriu que este rapaz
fumava e resolveu que atuariam diretamente em seus pulmões,
irradiando energia negativa neles, ao mesmo tempo em que o
fariam fumar cada vez mais. Quando o trabalho começou a surtir
efeito, a namorada do rapaz achou estranho que de uma hora para
a outra ele começasse a apresentar sintomas preocupantes, como
um emagrecimento rápido, uma palidez acentuada e uma tosse
insistente, e devido a uma sensibilidade muito grande que ela não
sabia ser portadora, pois era uma iniciante na espiritualidade, ela
pressentia que alguma coisa estava errada. Resolveu consultar as
entidades de seu terreiro. Só que o sr. Sete Encruzilhadas
pressentiu que aquela intrometida lhe traria problemas, por isso,
resolveu mandar uma de suas servas para dar um jeito nela, que
logo voltou dizendo não ter conseguido se aproximar por causa da
presença de algumas entidades “luminosas”. Sua preocupação
aumentou quando soube disto, mas não podia também parar tudo o
que já estava sendo feito. Na sexta-feira seguinte à noite lá estava a
moça nos trabalhos, na hora em que vieram os pretos velhos, ela
esperou ansiosa que toda a assistência fosse atendida e, pedindo
licença ao preto velho que dirigia os trabalhos, sentou-se à sua
frente:
– Pai Ambrósio, estou preocupada com meu namorado, ele de uma
hora para a outra está “minguando”, e sinto que tem alguma coisa
errada nesta história.
– Dê a mão pro nego “fia”, e pensa no seu “perna de calça”.
O Preto Velho fechou seus olhos por alguns instantes e logo em
seguida disse:
– Fia, você tem de trazer o “perna de calça” urgente para o terreiro,
fizeram um grande mal para ele e para a família dele, eles precisam
de muita ajuda.
– Mas, Pai Ambrósio, ele não acredita, até briga comigo quando
venho aos trabalhos, diz que é besteira, coisa do capeta.
– Você vai ter de convencer o moço, antes que seja tarde.
– Vou ver o que fazer meu Pai, a sua bênção.
Voltou para o seu lugar, mas não prestou mais atenção nos
trabalhos, pensava o tempo todo em como fazer para o namorado ir
ao terreiro. Nos dias que se seguiram também foi assim, até que
resolveu falar com ele.
– Amor, você não está bem e nada do que faz melhora, você não
quer ir comigo ao terreiro? Só tomar um passe, pois se não fizer
bem, mal não fará.
– Nós já falamos sobre isto, eu não acredito e não gosto, inclusive
se você quiser continuar comigo vai ter de se afastar deste lugar. –
Falou ele irritado e certamente influenciado por seus obssessores
que não poderiam nunca permitir que ele fosse ao terreiro.
Ela já estava perdendo a esperança, pois já se passavam quase
dois meses desta conversa e ele só piorava. As coisas começaram
a mudar quando ele começou a sonhar com coisas ruins e criaturas
horrendas, e logo depois começou a “ver” estas criaturas em volta
se si, assustado conversou com ela e muito a contra gosto
concordou em ir ao terreiro.
No dia marcado, o rapaz não queria ir, mas ela tanto insistiu que ele
acabou cedendo. Ao entrar no terreiro, sentiu um mal-estar tão
grande que tinha vontade de chorar, por várias vezes ensaiou sair
do terreiro, mas sempre alguma coisa o fazia desistir. Depois da
abertura dos trabalhos, era o momento do passe e ele estranhava
aquelas pessoas lá agindo como se fossem Índios, entrou com
todas as outras pessoas, de repente uma sensação de paz o invadiu
e começou a se sentir tão bem como há muito não se sentia.
Começou a gostar do ambiente, mesmo achando engraçado
aquelas pessoas com aqueles trejeitos fumando charutos e bebendo
alguma coisa em pedaços de casca de coco.
Novamente, o rapaz foi encaminhado, com outras pessoas para o
seu lugar na assistência e foi-lhe informado que deveria aguardar,
pois após o intervalo começariam a serem atendidos
individualmente pelas entidades chamadas Pretos Velhos.
Já estava se sentindo impaciente, mas deu-se conta de uma coisa,
até aquele momento, desde que entrara naquele local, não sentira a
mínima vontade de fumar, mal sabia ele que isto acontecia porque
seus obssessores nunca entrariam de livre e espontânea vontade
naquele local.
Depois de reiniciados os trabalhos, começou a sentir-se embalado
com aqueles cânticos que se entoavam naquele local, tinham um
ritmo gostoso e letras simples, estava absorto ouvindo-os quando foi
chamado para adentrar o salão onde seria atendido pelo próprio Pai
Ambrósio, entidade que comandava espiritualmente aquela casa.
Sua namorada o acompanhou e sentou-se na frente da entidade,
que perguntou:
– Meu filho, por que demorou pra vim na casa do nego véio?
Passada sua tensão inicial, respondeu:
– Olha senhor, eu não acredito muito nisto aqui, só vim porque a
Marli não me deixaria em paz.
– E aqui aconteceu alguma coisa que desgostasse você fio?
– Não, até que estou gostando, embora esteja achando graça em
algumas coisas, e não esteja entendendo muito bem o que está
acontecendo.
– Fio, sempre é hora de se aprender coisas novas e se for de sua
vontade um dia poderei te explicar suas dúvidas, mas de momento
vamos cuidar de seu caso que é grave.
Dizendo isto chamou uma pessoa que estava auxiliando no
atendimento e pediu a esta que fosse buscar seu cachimbo e fumo,
e enquanto esperava começou a falar:
– Fio, você precisa de ter uma crença, há quanto tempo você num
reza pra Deus?
– Nem me lembro, acho isto uma bobagem.
– É por isto que o mal entrou fácil na vida de você e de sua família,
vocês estão sem nenhuma proteção, estão vulneráveis, e eles estão
aproveitando seus vícios e suas fraquezas.
– Eles? De quem o senhor está falando?
– Dos espíritos que estão atacando você e sua família, espíritos
estes que pagos por alguém, querem destruir suas vidas.
– Olha, o senhor vai me desculpar, mas eu não acredito nisto.
– Fio, não é uma questão de acreditar ou não e sim de ver as coisas
que acontecem com vocês.
– E tem outra coisa, se isto é coisa de espíritos, por que eles
querem receber dinheiro? Para que isto serve para eles?
– Você está enganado rapaz, eles não recebem em dinheiro,
recebem em oferendas que lhes trazem energia, este é o seu
pagamento, e em boa parte das vezes ainda escravizam o espírito
da pessoa a quem prejudicaram.
Um arrepio frio correu em sua espinha, pois mesmo sem querer
ficou imaginando, como seria se tornar escravo de um espírito tão
mal como falavam, se é que ele existia mesmo. Foi retirado deste
pensamento repentinamente quando Pai Ambrósio falou:
– Na verdade a pessoa já é de certa forma escrava destas
entidades, pois inconscientemente está fazendo tudo o que ela quer.
Veja seu caso, está fumando cada vez mais e nem sabe porquê,
apenas cede à sua vontade de fumar, é neste ponto que eles estão
atuando e você nem se dá conta.
Por um momento refletiu e teve de concordar com o que ele falava,
de uns tempos para cá estava fumando cada vez mais e nem ele
mesmo sabia o motivo disto ocorrer, só sentia uma vontade imensa.
– Fio, vamos fazer o seguinte, vamos trazer um de seus
acompanhantes aqui e ver o que eles querem.
Ficou em silêncio alguns minutos, mas as pessoas que têm o
privilégio da vidência, veriam que na verdade ele conversava com o
Guardião (Exu) que comandava aquela legião naquela casa.
– Meu amigo Exu Pimenta, eu preciso que vocês me tragam um dos
acompanhantes deste fio aqui no terreiro para podermos conversar
com ele.
– Estava aguardando apenas seu pedido para executá-lo, na
verdade já tem alguns dos nossos de campana perto do local onde
eles estão esperando este rapaz. – Respondeu seu Exu Pimenta,
uma entidade que se apresentava como um índio, de rosto severo,
sem no entanto ser desagradável.
– Então vá meu amigo.
Nem precisou falar de novo, em pouco tempo ele voltava com mais
dois Exus, traziam amarrado por cordões energéticos, uma entidade
com um aspecto horrível, que se debatia muito, xingava e ameaçava
a todos, em dado momento seu Exu Pimenta deu-lhe uma cacetada
na cabeça com uma espécie de bastão que carregava e o outro
ficou quieto.
Pai Ambrósio como que “acordando” chamou um dos médiuns do
terreiro e pediu para que ele se preparasse para fazer um
transporte. Colocou Armando na frente do médium e pediu para ele
se concentrar, e logo depois o médium foi “tomado” por alguma
coisa que ele não sabia o que era.
Pai Ambrósio começou a falar com aquela entidade:
– Meu amigo, por que é que vocês estão fazendo isto com este fio?
O espírito se recusava a falar e pai Ambrósio pediu mentalmente ao
Sr. Exu Pimenta que o ajudasse a convencêlo a falar. Depois de
alguns segundos a entidade perguntou?
– O que querem de mim? Por que me trouxeram aqui?
– Só queremos saber porque estão tão empenhados em causar
prejuízo a este irmão?
– Eu só faço o que meu Chefe manda – respondeu –, nos pagam e
nós fazemos.
– E onde está seu chefe?
– Num lugar onde vocês nunca vão pegá-lo, lá é seu reino e ele
comanda tudo, é muito poderoso.
– Meu amigo, o bem pode entrar onde quiser, não existem barreiras
para ele.
– Tentem então, há, há, há, e tem mais, me soltem ou vão se ver
com ele.
– Quem é este ser tão poderoso? Como ele se chama?
– Ele é o senhor Sete Encruzilhadas.
Agora foi Pai Ambrósio quem riu, e falou:
– Amigo, você está enganado, ele apenas usa este nome, mas não
tem a evolução necessária para atuar nesta linha. Pai Ambrósio
resolveu encerrar a discussão que não os levaria a lugar nenhum, e
disse:
– Amigo, vamos te dar uma chance, você vai com estes amigos que
o trouxeram até aqui, e vai ter a chance de se redimir de seus erros.
– Não posso, ele não vai me perdoar, mas tenho de confessar que
mesmo estando aqui contra a minha vontade, há muito tempo não
me sentia tão bem assim.
– Não se preocupe meu amigo, ele não vai encontrá-lo no lugar
onde você vai ficar.
– Se for assim eu aceito, mas se não gostar posso ir embora?
– Claro, você tem seu livre arbítrio, só não vamos permitir que você
volte a incomodar este irmão, vá em paz.
O médium deu uma forte sacudida e foi rapidamente atendido por
outros médiuns e por algumas entidades que passaram a lhe aplicar
passes energéticos para ajudar na sua rápida recuperação.
Armando mesmo surpreso com tudo aquilo, não pôde deixar de
notar o respeito e a preocupação que existia entre as pessoas que
faziam parte daquela casa, e pensou: – Um lugar assim não pode
ser tão ruim como eu pensava, todo mundo se ajuda.
Enquanto isso, os companheiros daquele espírito que fora levado ao
terreiro, estavam preocupados com a sua demora, não que tivessem
algum sentimento por ele, apenas se preocupavam que o que
tivesse acontecido com ele pudesse atingi-los, mas mesmo assim
eram muito covardes para irem até lá conferir os fatos. Depois de
algum tempo resolveram voltar à base e relatar ao seu chefe o que
ocorreu.
No mundo físico, Armando falava para a namorada:
– Sabe Marli, apesar de não entender direito o que se passou, devo
confessar que estou me sentindo bem.
– Que bom meu amor, vamos fazer tudo o que o Pai Ambrósio falou
e vamos rezar para Deus nos ajudar.
– Mas o que fizemos já não basta?
– Armando, aquilo foi só uma pequena parte do trabalho, a maior
parte quem vai fazer é você, que vai ter de ter fé e vontade de
melhorar, não se pode ajudar alguém que não queira ser ajudado.
– Quer dizer então que vou ter que rezar todos os dias?
– Você vai rezar quando quiser, mas não adianta rezar estas
orações que se sabe de cor, a verdadeira oração é aquela que vem
do seu coração, esta sim chega até Deus.
– Você acha que eu posso voltar algumas vezes ao terreiro?
– Meu amor, você não faz idéia da alegria que estou sentindo ao
ouvi-lo falar isto. É claro que pode voltar, sempre que quiser!
Enquanto o casal conversava, no quartel general os servos
relatavam tudo o que acontecera. O chefe ficou um tempo pensativo
e disse:
– Por enquanto vamos nos afastar um pouco, vou estudar a
situação e tentar entender o que realmente aconteceu, pois vocês
são tão inúteis que nem para isto servem.
Recolheu-se a seus aposentos e não conseguia deixar de pensar. –
Quem eles pensavam ser para desafiá-lo assim? Até os outros
chefes das trevas o respeitavam, como é que o povo de um terreiro
insignificante achava que poderia enfrentá-lo?
Ao mesmo tempo, em outra parte do astral, mais propriamente
numa colônia que ficava bem acima do terreiro, Pai Ambrósio estava
reunido com outras entidades que faziam parte daquela casa e
algumas que, apesar de não estarem trabalhando no terreiro físico,
eram trabalhadores astrais.
Pai Ambrósio estava preocupado e dizia:
– Amigos, se o rapaz quiser mesmo a nossa ajuda, teremos de
tomar alguns cuidados, pois esta legião que o ataca é grande e tem
poder.
– O senhor acha que poderíamos realizar um ataque a seu reino, e
tentar trazê-los à razão? – Perguntou um garboso soldado que
servia na legião de sr. Ogum Megê.
– Não meu amigo, ainda não é hora, primeiro vamos observá-los de
perto.
E fazendo um sinal chamou para perto de si outra entidade e falou:
– Meu amigo Guardião Tiriri, preciso que você e seus comandados
fiquem à espreita e me informem se algum deles se aproximar do
rapaz.
– Considere feito, Pai Ambrósio!
O Guardião Tiriri saiu rapidamente e logo estava com alguns
companheiros próximo ao Quartel General da falange obssessora.
Moviam-se com facilidade por aquelas terras, uma vez que as
habitaram no passado, até que aceitaram a “Luz”.
Embora “Sete Encruzilhadas” tivesse resolvido esperar um pouco
antes de tomar alguma providência, pois tinha outros trabalhos a
fazer, não se esqueceu do caso, pois tornara-se uma questão de
honra para ele.
Passado algum tempo o Guardião Tiriri foi ter com Pai Ambrósio:
– A coisa está quieta, acho que ele desistiu do rapaz, que inclusive,
como temos visto, tem vindo muito ao terreiro.
– Eu sei meu amigo, mas não podemos descuidar, sabemos quão
ardilosos estes camaradas podem ser, não é? – Respondeu Pai
Ambrósio.
– Não se preocupe, continuarei com a vigilância.
– Façamos o seguinte, você deixa alguns de seus companheiros lá
e assume novamente suas funções no terreiro, pois está fazendo
muita falta. – E dizendo isto se prepararam para a gira que
começaria logo mais à noite.
Sempre se fala que a curiosidade é uma coisa que muitos não
controlam, com “ele” foi assim também.
Resolveu ir pessoalmente ver o que ocorria no tal “terreiro de
Umbanda” que estava atrapalhando seus planos. Em seus
pensamentos já imaginava que se valesse a pena tomaria para si
aquele lugar e assim teria mais uma fonte de energia.
Como não era um tolo, mandou na frente alguns de seus asseclas,
que voltaram informando que ele poderia chegar há uma certa
distância sem ter o que temer, e foi assim que fez. Levou com ele
uma grande parte de sua legião por precaução. Assim que se
aproximou não pôde deixar de notar a movimentação em volta do
local, via Índios, Soldados de várias épocas, alguns Velhos negros e
também alguns espíritos como eles, mas que demonstravam um
profundo respeito por todos os outros, inclusive notou que um
daqueles espíritos usava o símbolo da legião de um Mago Negro
conhecido como sr. Tatá Caveira. Por um momento esqueceu o que
foi fazer ali e pensou que seu “amigo” ficaria fulo se visse um amigo
dos luminosos usando seus símbolos, acabou por rir sozinho
pensando que se fosse ele nunca permitiria aquilo.
Notou também que chegavam muitos encarnados e viu entre eles o
rapaz que deveria ser sua vítima. Não contendo sua raiva ordenou
que um de seus servos o atacasse, mas quando o infeliz fez
menção de se aproximar foi atirado longe por um espírito enorme,
com feições rudes que bem poderia ser um dos servos das
sombras. Este mesmo espírito falou alto para que todos
escutassem:
– Este encarnado está sob meus cuidados e para quem não me
conhece sou o Exu Tiriri, e quem ousar se aproximar com intenções
escusas vai sentir o peso de minhas mãos.
Exu Tiriri, mas este também era um dos Magos Negros, que
habitavam as trevas – pensou o sr Sete Encruzilhadas. Começou a
notar que por ali aconteciam coisas muito estranhas.
Começou a ouvir os tambores e cânticos, igual aos locais que ele
“comandava”, mas notou que tudo era feito com muito respeito,
nunca tinha se aproximado tanto de um verdadeiro terreiro e sua
curiosidade aumentava a cada minuto.
Já não estava se agüentando quando viu que aquele que se dizia
chamar Exu Tiriri, vinha em sua direção e lhe disse:
– Pai Ambrósio, que é o comandante desta casa está convidando-o
a entrar.
Já estava de guarda para atacar assim que o viu, mas ficou parado
olhando sem saber o que responder e o outro continuou:
– Não precisa temer, ninguém vai te atacar, mas deve entrar sozinho
e sem armas, a não ser que esteja com medo.
Pronto, agora teria de entrar pois além de duvidar de sua coragem
Exu Tiriri o colocara em uma posição delicada diante dos seus
servos, pois não poderia demonstrar medo perto deles, senão
perderia seu respeito.
Largou sua espada e foi atrás do tal Exu Tiriri, assim que entrou foi
informado de que deveria ficar a um canto esperando ser chamado.
Enquanto isto no mundo físico, sua presença foi sentida e devido a
sua emanação de energias negativas, as entidades da casa tiveram
que se desdobrar para manter o nível de vibração num patamar
elevado, evitando assim que houvesse desequilíbrios energéticos.
Depois de certo tempo que estava ali observando tudo, notou que
um daqueles negros velhos chamava para perto de si o rapaz que
era seu alvo e lhe falava alguma coisa, e logo depois uma outra
pessoa se aproximou e ficou de pé em frente aos dois. Nesta hora
Exu Tiriri lhe chamou e disse:
– Você deve incorporar naquele médium que está na frente de pai
Ambrósio, pois ele quer falar com você e quer que o rapaz o ouça
também.
Pensou em protestar, pois há muito tempo não se sujeitava a isto,
não precisava mais “incorporar” em ninguém, tinha seus servos para
isto, mas resolveu fazê-lo para ver como aquilo iria terminar, estava
até se divertindo com o que ocorria.
Nem bem começou a se aproximar do médium ouviu uma
advertência do Exu Tiriri:
– Tome cuidado com o que vai fazer, se você ousar tentar algo
contra o médium vai ter de se ver comigo e com o Pé de Ferro, que
é o seu Exu Guardião.
Foi só neste momento que viu ao seu lado o tal Pé de Ferro, que o
olhava com cara de poucos amigos.
Achou melhor fazer da forma como lhe falaram, pois estava em
desvantagem, depois ele daria uma lição naqueles intrometidos.
Incorporou no médium e tomou uma postura austera, querendo se
mostrar superior a aquele negro que diziam comandar aquela casa.
Mas isto foi por pouco tempo, a energia que emanava daquela
entidade era muito forte e lhe causava uma sensação que não
conseguia distinguir. Acabou por “cair” sentado no chão ao lado do
rapaz, e ouviu:
– Meu fio, nego trouxe você aqui para conversarmos e chegarmos a
um acordo sobre este rapaz.
– E o que você quer? Fale de uma vez – respondeu.
– Nego qué que você deixe ele em paz, que pare de perturbar ele.
– Isto é impossível, recebi uma grande paga e nunca deixo meus
trabalhos pela metade.
– Estamos tentando te fazer ver da forma mais fácil que não poderá
mais atingir este fio – respondeu Pai Ambrósio.
– Se for assim o que vocês me oferecem em troca do que me
pedem?
Pai Ambrósio levantou e pediu uma vela branca a seu cambone,
acendeu e mostrou a ele.
– Oferecemos-lhe a luz do Pai Maior, não existe nada mais valioso
que isto.
– Há, há, há, o que pensam que eu sou? Um idiota? Recebi mil
vezes mais que isto, e querem que eu pare tudo por uma vela, só
podem estar brincando, e agora eu vou embora, só me chamaram
aqui para me irritar!
Dizendo isto fez menção de se levantar, mas foi impedido por Exu
Tiriri que ordenou:
– Fique aí, que Pai Ambrósio ainda não terminou!
– Meu fio, nego só tem mais uma coisa a te dizer, você não poderá
mais chegar perto deste rapaz, pois ele está sob nossa proteção.
Pensou em responder, mas desistiu. Ele mostraria mais tarde para
aqueles intrometidos que eles não deveriam lhe dizer o que podia
ou não fazer.
Desincorporou e nem olhou para trás, ao chegar lá fora, pegou suas
armas e foi se juntar à sua legião, tinha pressa de voltar a seu
refúgio e meditar sobre tudo o que havia acontecido. De repente
notou que faltavam alguns de seus servos e perguntou a um de
seus tenentes:
– O que aconteceu? Estou notando a falta de muitos de meus
servos, para onde foram?
O outro, temendo sua reação, começou a falar devagar:
– Enquanto o senhor estava lá dentro, vieram aqui vários lumisosos
e começaram a falar em perdão e em uma tal “luz do Pai Maior”, e
muitos fracos se deixaram enrolar e seguiram com eles.
Sua fúria não tinha limites, saiu caminhando e golpeando com sua
espada todos que estivessem próximos. – Aqueles idiotas tinham
fugido, desertaram, mas eles iriam ver o que acontecia com quem o
deixava na mão.
Depois que conseguiu se acalmar um pouco atentou para dois
detalhes: Novamente ouvia falar na tal “Luz do Pai Maior” e também
alguns dos que desertaram eram espíritos de sua confiança, se é
que algum dia ele confiou em alguém, espíritos estes que sempre
realizavam as suas tarefas da melhor forma possível.
Tentou usar seu poder mental para localizar seus servos, mas não
adiantou, alguma coisa bloqueava. Cada vez mais ficava
preocupado, isto nunca tinha acontecido, precisava refletir.
Neste meio tempo, Pai Ambrósio falava para Armando e Marli:
– Fio, agora só depende de você querer e fazer por merecer a ajuda
que te oferecemos.
– É claro que quero a ajuda, é o que devo fazer! Embora fosse difícil
acreditar, tenho de dar a mão à palmatória e assumir que este lugar
está me fazendo muito bem.
– Fico feliz em escutar isto meu fio, esta casa está sempre aberta
para você, e para merecer a nossa ajuda é só se lembrar sempre do
Pai Maior e tentar ser o mais correto possível em sua vida.
– Obrigado Pai Ambrósio, vou fazer o possível para seguir o que me
recomenda.
Era um rapaz jovem, não tinha maldade no coração, apenas passou
por um período de revolta por conta da morte de seus pais, se
entregando assim ao vício do fumo e a outras atitudes pouco
recomendáveis, mas que já haviam ficado no passado.
Enquanto caminhava de mãos dadas com a noiva pensava que
ficaria muito feliz em fazer parte mais efetivamente daquele grupo
do terreiro de Pai Ambrósio, mas pensou que tudo tinha seu tempo.
“Sete Encruzilhadas” estava sentado em seu trono pensando,
quando resolveu que a primeira coisa que precisava fazer era
vingar-se daquele homem que lhe pediu o tal serviço, pois além de
tê-lo feito passar por uma vergonha muito grande por não poder
terminar o trabalho, era culpado pela perda de seus servos, e tinha
ainda o agravante de que ele não queria mais pagar as oferendas
devidas, pois reclamava que o trabalho não estava sendo realizado
a contento.
Esta vingança foi muito fácil de realizar, pois o rapaz, irmão de
Armando, vibrava numa freqüência negativa, por causa dos maus
pensamentos e atitudes, além de gostar de freqüentar certos
“antros” de reputação pouco recomendável, e foi num destes locais
que a vingança se perpetuou.
O irmão de Armando estava em um desses antros, já embriagado.
Sete Encruzilhadas, aproveitando a situação, fez uma de suas
servas se aproximar e colocar na mente dele idéias maliciosas e o
direcionar para uma das “meninas” que estava ali acompanhada por
um indivíduo grosseiro. Quando o homem notou os olhares do irmão
de Armando para sua “menina”, foi tomar satisfações com ele, que
por sua vez já estava sendo intuído por outro espírito que lhe fazia
pensar ser valente e muito forte. O resultado não poderia ser outro:
uma briga, mas para o azar do rapaz o homenzarrão não estava
sozinho e apanhou muito dele e de seus amigos, e depois de muito
surrado foi jogado na rua. Quando foi encontrado por policiais que
faziam a ronda por aquela região pensaram no início que estava
morto, mas logo viram que ainda respirava, foi levado a um hospital.
Armando foi avisado e correu para lá, pois era seu último parente
vivo já que seus dois outros irmãos também haviam morrido há
pouco tempo.
Chegando ao hospital foi falar com o médico que lhe informou que
seu irmão ficaria para sempre em estado “vegetativo”, devido às
muitas pancadas que recebeu na cabeça. Armando chorou muito,
mas jurou para si mesmo que independentemente de seu estado,
cuidaria dele até o fim.
Pai Ambrósio que acompanhava a cena, chorou de emoção, pois a
atitude de Armando o aproximava definitivamente da “Luz do Pai
Maior”, e foi exatamente isto que disse a “Sete Encruzilhadas”, que
estava ali num canto observando a cena e achando estar passando
despercebido.
– Viu meu fio, mais um que aceitou definitivamente a Luz do Pai
Maior, quem sabe logo chegue a sua vez.
Nem se dignou a responder e saiu dali rápido, já estava satisfeito
com o estado do irmão de Armando, se preocuparia com o resto
depois.
Assim se passaram alguns dias, já estava impaciente e resolveu
que aqueles iluminados intrometidos não iriam intimidálo, iria
terminar o serviço mesmo sem receber paga nenhuma, chamou dois
de seus asseclas e ordenou:
– Acabem com aquele imbecil, o mais rápido possível.
Alguns dias se passaram e ele não recebia notícias de seus servos
que foram enviados para terminar o serviço. Mandou então
investigarem o que havia acontecido.
– Chefe, eles foram levados pelos iluminados assim que se
aproximaram do infeliz.
Aquilo era demais, juntou o que de melhor tinha em seu exército e
seguiu para a batalha, quando chegou perto de Armando ele estava
chegando ao terreiro, ia decidido a pedir permissão para entrar e
fazer parte da “corrente” do terreiro. Assim que se aproximou,
Armando sentiu o choque de energia, pois sua mediunidade havia
aflorado com todos estes acontecimentos.
Sete Encruzilhadas ordenou que um de seus tenentes atacasse
Armando, mas no mesmo momento ele foi “laçado” por uma corda
energética manuseada por um espírito estranho vestido com uma
roupa de couro, quando pensou em reagir se viu agarrado por Exu
Tiriri e um outro que veio saber depois se chamar Exu Sete
Catacumbas. Por mais força que fizesse não conseguia se mover,
olhou para o lado procurando alguém para pedir ajuda e o que viu o
deixou, pela primeira vez, com medo.
Uma infinidade de entidades, Índios e Exus cercavam seus servos,
e os prendiam em uma espécie de redes energéticas, impedindo-os
de fugirem ou ajudá-lo, logo em seguida viu uma legião numerosa
de soldados que chegavam e tomavam posição como se estivessem
de guarda, e atrás deles apareceu uma legião de mulheres, não
como as que estava acostumado a ver, eram mais suaves no andar
e no vestir, vinham calmas e começavam a falar com cada um de
seus servos, e alguns as seguiam outros se negavam e eram
mandados embora, com a recomendação de só voltarem ali quando
resolvessem “mudar de vida”. Já esperava chegar sua vez de ser
“doutrinado”, palavra esta que ouviu de seus captores, mas em vez
disto foi levado à presença de Pai Ambrósio que agora assumira
uma posição mais autoritária e disse:
– Você foi avisado que não deveria se aproximar de Armando e não
acatou este aviso, agora você vai ter de se entender conosco.
– Soltem-me, sou o senhor “Sete Encruzilhadas”!
Neste momento recebeu uma pancada na cabeça e tombou de cara
no chão, se levantou e olhou para trás para ver quem o atingira, e
não pode deixar de sentir um “arrepio”. Atrás dele estava um espírito
muito grande e forte, que emanava um grande poder, usava uma
capa negra que ia até seus pés, vestia-se ricamente de negro, e
trazia na mão uma espécie de cetro dourado e uma espada na cinta.
Pai Ambrósio falou:
– Não precisa ter medo, enquanto você se comportar nada te
acontecerá, este que está na sua frente é o verdadeiro “Exu das
Sete Encruzilhadas”, aquele de quem você ousou usar o nome.
Esta revelação o assustou mais ainda, e foi aí que notou um
medalhão com os símbolos muito parecidos com aqueles que usava
em seus pontos de força.
– Pedimos para ele vir aqui para mostrar que você ainda está longe
de poder usar um nome de tanta responsabilidade quanto este.
A um sinal de Pai Ambrósio foi solto e mesmo assim sentia que não
poderia sair dali sem autorização. Pai Ambrósio novamente falou:
– Sabemos tudo sobre você. Sabemos que você era um grande
senhor de terras quando encarnado, mas que também tinha muitos
inimigos, quando desencarnou foi capturado por eles, mas graças a
sua esperteza conseguiu fugir e formar esta grande e poderosa
legião que te segue. Sabemos que se chamava Felício da Gama,
mas que seu nome ancestral não é este, na verdade seu nome é
Adyor, e que você foi um grande mago na antiguidade, mas que
usou todo seu poder para tirar proveito próprio.
– E o que querem com isto? Por que não me soltam?
– Você vai passar um período conosco, aprender e ver algumas
coisas, depois lhe soltaremos e você poderá seguir o caminho que
escolher, seja ela qual for, só não vamos tolerar que ataque os
nossos.
Nisto o verdadeiro Sete Encruzilhadas, falou com uma voz que
parecia um trovão:
– Aproveite bem esta chance que está sendo oferecida a você e
resolva vir trabalhar próximo a luz, pois se você se atrever a se
meter com algum dos nossos novamente ou a usar meu nome sem
minha autorização, eu pessoalmente vou atrás de você e aí vai
sentir todo o peso deste nome.
Aquela afirmação faria qualquer um tremer as pernas, só não o fez a
muito custo.
Em seguida Pai Ambrósio falou:
– Este soldado que está ao seu lado é o caboclo Ogum Megê, ele
vai ser seu guia neste período, vá com ele, obedeça-o e não tente
nenhuma traição, pois nem eu poderia defendê-lo se isto acontecer.
E outra coisa,você deverá estar em todos os trabalhos do terreiro,
se estiver executando alguma tarefa alguém irá substitui-lo para que
possa vir.
Dizendo isto deu por encerrada aquela conversa, ele pensava em
reagir, mas no seu íntimo sabia que não adiantaria e teria que
obedecer.
Adyor foi levado para fora, e ficou um tempo esperando, pois lá
dentro parecia estar acontecendo uma reunião, sabia que era dele
que falavam, e isto o incomodava. Tentava achar um jeito de se
livrar daquela situação, mas nunca chegava a nenhuma conclusão,
algo dentro dele dizia que aceitar aquela situação seria a melhor
saída.
Após algum tempo, o “soldado” saiu e disse:
– Venha comigo!
– Aonde vamos? Você me faz esperar todo este tempo e nem me
diz aonde vamos?
– Eu não tenho que dar satisfações a você, ao contrário, é você que
vai ter que se relatar a mim sempre que solicitado, e quanto ao local
para onde vamos você vai ver quando chegarmos lá.
Não disse mais nenhuma palavra e nem ele perguntou nada.
Logo chegaram a um local onde a energia era densa, muito
parecida com a que emanava em seu antigo “reino”, assim que se
aproximaram foram recebidos por dois “Exus” carrancudos que
portavam espadas brilhantes, que saudaram ao sr Ogum Megê:
– Salve sua força senhor Ogum Megê, precisa de alguma coisa?
– Preciso falar com seu chefe.
– Só um momento.
Dito isto, a entidade que falou volitou no ar e logo em seguida voltou
acompanhada de outra entidade, que não era tão grande, mas
podia-se sentir o grande poder que dela emanava, estava vestido
como um antigo padre franciscano, e ao chegar saudou:
– Salve sua força senhor Ogum Megê, meu servo me disse que
você queria falar comigo.
– Salve senhor Exu Tranca Ruas, vim a pedido de nosso amigo Pai
Ambrósio, ele me pediu para trazer este aqui para fazer um
“estágio” aqui com você.
Foi então que olharam para ele, pois até o momento parecia que
nem o notavam.
– Sem problemas, todo pedido de Pai Ambrósio é uma ordem para
mim.
– Pai Ambrósio quer que ele compareça aos trabalhos no terreiro.
– Eu mesmo me encarrego de levá-lo e aproveito para rever alguns
amigos.
Não entendia como uma entidade como aquela, que emanava uma
força tão grande, poderia ser amigo e tão servil, para com os
“iluminados”.
O senhor Ogum Megê se despediu, e como que lendo seus
pensamentos o senhor Tranca Ruas falou:
– Sou muito grato a Pai Ambrósio, foi ele quem me tirou da lama e
me deu a chance de me redimir de muitas coisas erradas que fiz, e
tudo o que ele me pede eu faço de bom grado, tenho até um
médium que me foi destinado em seu terreiro para quando precisam
de minha presença, ou quando eu tenho alguma coisa a fazer na
casa.
– Quer dizer que você já esteve na minha situação? E como
continua com seu poder?
– Sim, eu já estive assim como você, mas há algum tempo estou me
recuperando, e quanto ao poder, nós nunca o perdemos, ele fica
adormecido, até provarmos sermos merecedores de voltar a usá-lo.
– E o que vocês fazem aqui? Isto aqui não é uma igreja?
– Deixe-me corrigi-lo: o que nós fazemos aqui, por que agora você
faz parte desta turma. Nós tomamos conta desta igreja, que tem um
trabalho de ajuda aos necessitados, viciados e todos aqueles que
de alguma forma precisam de auxílio material, mas principalmente
espiritual, e por conta disto estão sob constantes ataques das forças
das trevas.
Neste momento inconscientemente pensou: “Eu poderia cobrar
muito bem para realizar um ataque a este local”. Foi interrompido
pela voz de Seu Tranca Ruas:
– Muitos já tentaram, mas até agora conseguimos defender o local,
e não pense que somos só nós, temos muita gente nos ajudando,
estes que você viu são os vigias, mas se ocorrer algum problema
em poucos segundos conseguimos mobilizar um grande pelotão, e
se for preciso recebemos ajuda dos Caboclos também.
– Mas e por que estas forças atacam esta igreja, se não recebem
nada para isto?
– Você deve ter notado que esta localidade é tomada por energias
negativas, são muitos antros e locais onde se cometem todo tipo de
crimes, o que atrai para cá legiões e mais legiões de seres das
trevas, eles chegam sem nenhuma organização e vão se
encostando àqueles encarnados que se afinizam com eles, e
quando os padres e voluntários astrais desta igreja conseguem
trazer algum destes encarnados para cá, eles se rebelam e tentam
recuperar seu “protegido”, pois senão perdem sua fonte de energia.
Ficou pensativo, quanta energia desperdiçada sem organização.
Novamente foi roubado de suas reflexões por seu Tranca Ruas:
– Vamos, vou te apresentar ao espírito que comanda este local.
Ao entrarem na igreja notou que ali parecia um Hospital tal a
quantidade de espíritos “doentes” que ali estavam, viu que existiam
alguns encarnados em situação semelhante a aqueles espíritos que
eram atendidos por frades e voluntários. Foi levado até a presença
de um espírito de aparência idosa, mas que irradiava uma luz
azulada intensa.
– Frei Miguel, este é um novo vigia que vai trabalhar aqui por algum
tempo.
– Seja bem-vindo meu irmão, sua ajuda é de grande valia para nós.
Sentiu uma energia invadi-lo, e teve uma sensação agradável como
há muito tempo não sentia.
– Foi Pai Ambrósio quem o enviou.
– Ah, meu velho amigo, está sempre nos ajudando, há muito tempo
que não faço uma visita a ele, mas também com tanto trabalho por
aqui.
– Vou visitá-lo no próximo trabalho, se quiser pode vir comigo.
– Não vou poder, tenho uma palestra neste dia, mas mande a ele
minhas lembranças.
Despediram-se e saíram dali, ao chegarem lá fora, deramlhe uma
espada e seu Tranca Ruas lhe disse:
– Seu trabalho será tomar conta deste lado da igreja, você ficará
com este outro irmão, se forem atacados podem defender-se, e se
precisarem é só pedir ajuda. Quando acabar seu turno, alguém vira
rendê-lo e você poderá ir para o alojamento alimentar-se e
descansar.
Dito isto saiu dali e logo volitou no ar.
Adyor estava em seu posto pensando em tudo o que estava
acontecendo, quando viu dois espíritos maltrapilhos se
aproximarem, por suas feições notou que teria confusão, de certo
modo gostou, pois estava entediado e um pouco de ação cairia
bem.
– O que vocês querem aqui? – perguntou.
– Queremos entrar aí e trazer o desgraçado que era nosso
companheiro e foi induzido por sua mulher a vir para cá, quem
vocês pensam que são para nos atrapalharem assim? – Respondeu
um deles.
– Sumam daqui ou sentirão o peso da minha espada.
– Não temos medo de você, dá pra ver que você é um dos nossos.
Sem pensar duas vezes partiu para cima dos dois infelizes, mas foi
contido pela voz de Seu Tranca Ruas:
– Pare! Não é assim que fazemos as coisas, só atacamos se formos
atacados primeiro, e mesmo assim usamos outros métodos.
– Que outros métodos, este tipo de gente só respeita uma coisa, a
violência.
– Isto ocorre em seu antigo reino, aqui apesar de sermos firmes não
usamos a violência, temos outros métodos. – Dito isto tomou a
frente e falou aos dois espíritos.
– Vocês dois, não devem entrar aqui sem serem convidados, a não
ser que queiram receber ajuda.
– Não queremos ajuda nenhuma, queremos apenas que deixem de
chatear nosso companheiro, senão vão ter que se ver conosco.
– Não adianta ameaçar, aqui vocês não entram, e não nos obriguem
a rechaçá-los. – Falou com tanta firmeza que os dois estremeceram.
Saíram dali rapidamente e praguejando contra todos. Assim que os
dois saíram dali, seu Tranca Ruas disse:
– É assim que fazemos as coisas por aqui, só atacamos se formos
atacados.
Não respondeu nada, viu que sua adaptação não seria fácil naquela
“nova vida”.
O tempo passou sem maiores contratempos, num final de tarde em
que estava de guarda em seu posto foi chamado por seu Tranca
Ruas que lhe disse:
– Vamos logo, hoje é dia de trabalho na casa de Pai Ambrósio e
temos de chegar cedo.
Saíram dali volitando e logo em seguida estavam no portão de
entrada do terreiro, saudaram os guardiões e entraram, lá pôde
notar a grande movimentação de preparação dos trabalhos, tanto no
mundo material como no astral.
Muitas entidades ajeitavam as coisas, preparavam o ambiente com
passes energéticos e outras por sobre as pessoas da assistência
que começavam a chegar.
Adyor notou que havia uma ordem de entrada das entidades,
quando começaram os cânticos em homenagem a Ogum, viu o sr.
Ogum Megê e algumas outras entidades vestidas como soldados de
várias épocas e nacionalidades chegarem e incorporarem nos
médiuns da casa, outros apenas se postavam ao redor do salão
como se estivessem de guarda.
Não lhe passou despercebida a ordem e a disciplina no local, bem
diferente dos terreiros que ele comandava.
Outra coisa que chamou a sua atenção foi o cuidado e o respeito
que existia entre os encarnados e os espíritos, não se ouviam
palavrões e se notava a alegria da corrente mediúnica em estar ali,
uma sensação de paz o invadiu naquele momento, uma coisa que
lhe deu muito prazer, e a partir daí decidiu que faria tudo o que fosse
possível para merecer estar ali e poder usufruir daquele ambiente
de paz. Ainda estava neste estado de “êxtase” quando ouviu uma
voz conhecida:
– É meu fio, a coisa te pegou, não é? Ninguém fica indiferente
quando é tocado pela energia de Deus.
Olhou para trás e viu Pai Ambrósio postado às suas costas, neste
momento não conseguiu controlar sua emoção, aquela paz que
estava sentindo juntamente com a luz que emanava daquele velho
senhor, foram demais para ele, caiu de joelhos e deixou algumas
lágrimas correrem de seus olhos, e disse:
– Pai Ambrósio, você tem aqui um servo, que vai servi-lo com muito
ardor e em troca só vou pedir a permissão de poder vir aqui
algumas vezes e poder usufruir desta paz que estou sentindo agora.
Pai Ambrósio o pegou pela mão e o fez levantar dizendo:
– Fio, eu não quero nenhum servo, eu quero amigos, você vai servir
a Deus. Sinto a verdade em suas palavras, mas você deverá
trabalhar muito para recuperar seus erros do passado, vamos ajudá-
lo em tudo o que for possível, pois a sua evolução é a nossa paga.
Você sempre será bem-vindo nesta casa e futuramente poderá atuar
com um médium, mas para isto terá que se aprimorar, perder alguns
vícios que mantém e acima de tudo, obedecer as regras da casa e
as leis de Deus.
– Eu aceito Pai Ambrósio, quem diria, eu que me considerava um
poderoso chefe de um grande exército, estou vendo que aquilo era
apenas ilusão.
– Não meu amigo, não era ilusão o seu poder existia e continua
existindo, você apenas o empregava da forma errada, usando de
seu livre arbítrio.
Não falaram mais nada, ficou ali até o término dos trabalhos e viu
que depois de encerrado o trabalho no mundo material, o astral
continuava agindo, terminando a limpeza, encaminhando os
espíritos sofredores para as colônias, harmonizando o ambiente
novamente.
Voltou a seu posto sozinho já que seu Tranca Ruas ficou
conversando com Pai Ambrósio.
Continuou a exercer sua função, não sabia por quanto tempo,
também não lhe importava, o que importava era que podia continuar
a freqüentar a casa de Pai Ambrósio e se esforçava para cumprir
sua missão da melhor forma possível. Um dia foi chamado por seu
Tranca Ruas que lhe disse:
– Pai Ambrósio me pediu ajuda para guardarmos um local, e você é
quem vai, você tem se mostrado interessado e competente, além de
estar se instruindo muito sempre que não está trabalhando.
– Como você mesmo me disse um dia, qualquer pedido de Pai
Ambrósio é uma ordem para mim, quando e para onde devo ir?
– Agora mesmo, vou levá-lo até lá.
Volitaram no ar e logo estavam na frente de um sanatório, onde
foram recebidos por uma entidade vestida de enfermeiro, feitas as
apresentações, seu Tranca Ruas se foi e o “enfermeiro” lhe disse:
– Você chegou em boa hora, estamos precisando de muita ajuda
aqui. Você notou que existem muitos encarnados aqui, alguns com
demência física, outros estão sendo obsediados por espíritos
sofredores. Seu trabalho aqui será conter estes espíritos
indisciplinados, evitando ao máximo que eles consigam agitar os
encarnados, tornando-os violentos ou abusados.
– Não seria mais fácil simplesmente expulsarmos estes espíritos ou
os levarmos para outro local?
– Seria, mas isso causaria danos irreversíveis a eles e aos
encarnados, pois eles estão tão ligados que um não sobrevive mais
sem o outro. Seria fatal ao encarnado e causaria um desequilíbrio
tão grande ao espírito que levaríamos muito tempo para
conseguirmos equilibrá-lo novamente.
Acompanhado pelo “enfermeiro”, que descobriu chamarse Júlio,
Adyor foi conhecendo o local.
Trabalhou naquele local por algum tempo, tinha perdido o costume
de se preocupar com o tempo, continuava a freqüentar os trabalhos
no terreiro e muitas vezes ia até lá mesmo nos dias em que não
havia atividade, só para estar com Pai Ambrósio e os outros
espíritos que faziam parte daquela casa. Foi num desses trabalhos
que foi chamado por Pai Ambrósio, estava ocorrendo uma gira de
Exus, viu muitos rostos conhecidos por ali, e ao chegar na frente do
Preto Velho viu que junto dele estava Seu Sete Encruzilhadas, o
mesmo que o ameaçara da primeira vez que esteve ali, chegou a ter
um pouco de receio, mas logo Pai Ambrósio falou:
– Não é nada do que está pensando meu fio, te chamei aqui por que
você tem cumprido bem suas tarefas e resolvi te trazer para cá. A
partir de hoje, se você quiser, fará parte da comunidade astral desta
casa, aqui também você terá tarefas a cumprir e deverá obedecer a
disciplina da casa.
– Não sei se mereço isso Pai Ambrósio, tenho muito a resgatar.
– É por isso mesmo, você continuará sua missão aqui, e logo
poderá trabalhar incorporado em um médium, o que é uma grande
responsabilidade.
– Eu aceito e com muito grado, já trabalhei em terreiros apesar de
não serem muito parecidos com este.
– Não precisa dizer meu fio, eu sei bem onde você atuava, mas isto
é passado, agora senhor Sete Encruzilhadas quer lhe dizer algo.
– Você usou meu nome muito tempo sem minha autorização e fez
muitas coisas deploráveis, mas agora Pai Ambrósio me disse que
você está se esforçando e cumprindo sua missão junto da luz de
forma satisfatória, e se você vai trabalhar neste terreiro será
necessário que use o nome de uma falange, e sendo assim a partir
de agora você tem a minha autorização para utilizar meu nome
novamente.
– Quer dizer que de agora em diante faço parte de sua falange? –
Perguntou.
– Sim, mas não se engane com isto, você não vai ter direito a usar
este nome de qualquer forma, terá de obedecer às regras da casa e
se comportar bem. Não quero que mude sua personalidade, mas
também não serão permitidos excessos, e fique sabendo que se
você se desviar do caminho será cobrado por mim, pessoalmente.
– Não terá com o que se preocupar.
– Assim espero. – E sem dizer mais nada foi embora. Pai Ambrósio
falou:
– Bem fio, só posso te dizer uma coisa, bem-vindo e esta casa
senhor “SETE ENCRUZILHADAS”.
Não sabia explicar bem o que estava sentindo, os sentimentos se
misturavam em seu íntimo: gratidão, surpresa e até medo do
desconhecido eram alguns deles. Justamente ele que nunca havia
sentido medo mesmo quando encarnado, ou pelo menos não se
lembrava quando tinha sido a última vez que sentiu.
Nos tempos em que se seguiram estes fatos, começou a freqüentar
cada vez mais os trabalhos, foi determinado por Pai Ambrósio que
deveria ficar um tempo com Exu Tiriri e ver como eram feitas as
coisas por ali, depois disto começou a atuar como um dos Exus da
casa, embora não tivesse ainda a permissão de incorporar em
nenhum médium.
O tempo passou e estava cada vez mais familiarizado com o
trabalho espiritual realizado ali, já atuava como guardião e em
missões destinadas aos Exus, eis uma delas, que no futuro, teria
uma grande influência na jornada de “Sete Encruzilhadas”:
O amigo traidor
Num dos trabalhos realizados no terreiro, em consulta com o
Caboclo Tupinambá, uma das entidades que atuava na casa, uma
moça relatou que estava preocupada, por que achava que algo
estranho estava acontecendo com seu namorado, pois ele estava
cada vez mais distante, não demonstrava mais prazer em estar em
sua companhia, e quando estavam juntos sua única preocupação
era em ter relações sexuais, uma coisa quase doentia, exigia dela
práticas que não condiziam com sua educação e ameaçava deixá-la
caso não concordasse, a última era o fato de querer fazê-la
participar de uma sessão de sexo com várias pessoas.
Desesperada, contou tudo a uma amiga que lhe disse que podia ser
algum feitiço feito para eles e que estava afetando-o. Como
conhecia o terreiro de Pai Ambrósio, deu-lhe o endereço e ali estava
ela a procura de ajuda. O Caboclo deu à moça um passe energético
e pediu que voltasse no próximo trabalho, pois iriam ver o que
estava acontecendo e como poderiam agir.
Depois do trabalho, ele e outro Exu, seu Mangueira, que também
atuava na casa, foram incumbidos de acompanhar a moça e saber
exatamente o que se passava.
Não foi difícil, assim que chegaram ao local onde a moça estava
com o namorado, viram que ele estava rodeado por três mulheres
nuas que ficavam alisando-o, principalmente o órgão sexual, e ao
mesmo tempo falavam obscenidades em seu ouvido, atiçando
assim sua libido, deixando-o quase sem controle. Concluíram que
aqueles três espíritos infelizes não teriam condições de estar ali por
conta própria, com certeza eram comandados por um espírito com
mais conhecimento, sabiam disto pois, eles mesmos haviam atuado
desta forma quando estavam do outro lado, enviando servos para
fazer o serviço sujo. Seguiram a energia a qual estavam ligados
estes espíritos e foram parar num local no Umbral que mais parecia
um velho casarão. Ao chegarem viram que apenas mulheres
habitavam aquele local e não demorou muito para estarem frente a
frente com o Espírito que comandava aquele pequeno grupo.
Depois desta descoberta faltava ver quem era a pessoa que havia
encomendado por este trabalho, onde havia sido realizado e qual
era seu ponto de força, para poderem neutralizá-lo. Não foi muito
difícil, pois neste tipo de trabalho a paga é constante, deve ser
sempre renovada para que não se abandone o serviço.
Foi só ficarem vigiando o casarão e dias depois a “chefe” saiu com
algumas servas e se dirigiu a uma casa do mundo material onde
havia uma placa informando ser um local onde se lia a sorte e que a
pessoa que lá atendia se dizia “cartomante”, haviam algumas
pessoas aguardando para serem atendidas, ao entrarem na sala de
atendimento da dita cartomante ouviramna falando com um rapaz
de boa aparência:
– O trabalho está indo bem, você mesmo tem visto o resultado, logo,
logo ela vai abandonar o rapaz, mas precisamos de mais material
pois a entidade que está cuidando disto está exigindo.
– Mas eu já gastei muito – disse o rapaz.
– Sim, mas no final das contas você vai ter o que pediu e aí o preço
terá sido muito pequeno.
Meio a contragosto e começando a se arrepender, o rapaz pagou o
que foi pedido e saiu, prometendo a si mesmo não voltar mais ali.
Pronto, já tinham quase todas as peças do quebra-cabeça, agora
era só esperar o próximo trabalho. No dia a moça estava lá, depois
de tomar um passe foi levada para falar com o seu Tupinambá, que
lhe disse tudo conforme relatado pelos dois Exus, omitindo alguns
detalhes que não eram importantes. A moça ficou chocada, pois
pelo que foi dito o rapaz que pagava pelos trabalhos, era um grande
amigo do casal, só não sabia o motivo, mas não era difícil saber, ele
deveria estar interessado nela e queria afastar seu amigo.
Foi dito à moça que iriam ajudá-la, que ela deveria rezar muito e
pedir, principalmente pelo anjo da guarda do seu namorado, já que
se ele estava tão envolvido com esta vibração ruim é por que
afinizava com ela, pois esta é a forma de atuação destes espíritos,
observam quais são nossas fraquezas e atacam por ali. Foi pedido
para que ela tentasse trazê-lo ao terreiro para começar uma limpeza
a que ela disse ser impossível. Então, foi resolvido fazer, naquele
mesmo dia, um trabalho na linha de Exus, e solicitado a Exu Tiriri
que comandasse as ações. Usando o material existente no terreiro,
com o acordo de que a moça quando pudesse traria os materiais,
para que pudesse ser usado em outras ocasiões por pessoas que
precisassem.
Foi determinado que “Sete Encruzilhadas” e “Mangueira”
continuariam agindo neste caso e seriam os responsáveis pelo
trabalho externo.
Imediatamente seguiram de encontro ao rapaz e sem se fazerem
notar pelos espíritos que o acompanhavam, começaram a lhe
ministrar passes energéticos para quebrar a ligação entre ele e os
obssessores. Foi uma tarefa difícil, pois como foi dito anteriormente
ele inconscientemente se afinizava com as idéias que lhe
passavam. Aos poucos conseguira romper os laços, e então
mostraram-se aos espíritos e os obrigaram a sair dali, atingindo-as
com descargas energéticas, foram atrás delas e assim que
chegaram ao casarão entraram sem pedir licença e foram direto à
comandante daquele grupo, e sem rodeios lhe disseram que não
aceitariam mais nenhum tipo de ataque ao casal, que ela poderia
seguir com eles para um local de aprendizado, onde poderia se
reequilibrar e vir a trabalhar “ao lado da luz”, e foi avisada que não
seriam tolerados ataques, pois aqueles dois encarnados estavam
sob proteção do terreiro de Pai Ambrósio. Já estavam saindo
quando Mangueira perguntou:
– Por que o rapaz faz tanta questão de separá-los, ele gosta tanto
assim da mulher?
E a resposta foi surpreendente:
– Ele gosta muito sim, mas não é da mulher e sim do homem.
Saíram de lá e voltaram ao terreiro para prestar contas da tarefa,
que havia sido realizada a contento.
Mas a “moça” não ficou nada satisfeita com o ocorrido, praguejou
muito e ficou com uma raiva muito grande por ter se sentido
humilhada por aqueles dois, e culpou a “cartomante” e o rapaz que
havia encomendado os trabalhos pelo ocorrido, e foi contra eles que
voltou sua raiva, deixando-os em maus lençóis.
Ao fazerem este relato no terreiro, foi acordado que não dariam
estas informações à moça, pois o trauma seria muito grande para
ela, apenas a orientaram para que ela cuidasse um pouco mais da
sua espiritualidade, seguindo uma religião na qual se sentisse bem,
e por muito tempo esta moça vez ou outra comparecia ao terreiro
para tomar passes, soube-se que ela acabou não ficando por muito
tempo com o namorado, tendo mais tarde casado com outro rapaz.
“Sete encruzilhadas” seguia sua rotina no terreiro e estava cada dia
mais à vontade, sentia todas as suas forças voltando, e isto o
animava cada vez mais.
Já fazia um bom tempo que estava atuando no astral quando
chegou na casa um médium vindo de outro terreiro. Era um médium
muito bom, cumpridor de suas funções que havia deixado a outra
casa depois do desencarne da dirigente espiritual, pois não se
sentia bem com algumas alterações que a filha que herdou o terreiro
impôs, resolveu sair, no que foi aceito por suas entidades. Em pouco
tempo, tanto o médium como suas entidades já estavam
perfeitamente adaptados ao ritmo dos trabalhos.
Nesta mesma época “Sete Encruzilhadas” foi chamado por Pai
Ambrósio que falou:
– Meu fio, chegou a hora, tem uma médium na casa que está em
desenvolvimento e você vai ser o Exu a comandar à sua esquerda.
– Pai Ambrósio, se eu disser que não ansiava por este momento
estaria mentindo, espero estar à altura de sua confiança.
– Você está sim, demonstrou isso neste tempo em que está
conosco, mas lembre-se de uma coisa que o Senhor Sete
Encruzilhadas lhe disse, não mude sua personalidade, mas lembre-
se da responsabilidade que carrega ao usar este nome.
Tempos depois deste diálogo, já estava incorporando algumas
vezes na médium, mas as coisas eram feitas com cuidado, para não
ocorrerem traumas.
O médium que havia chegado, vindo da outra casa, já estava
atuando firmemente no terreiro, e junto com ele vieram as entidades
que faziam parte de sua coroa, e entre elas estava seu Exu Veludo,
e quase de imediato se tornaram grandes companheiros, e sempre
que podiam trabalhavam juntos. Tinham o mesmo ponto de força na
encruzilhada, e era lá que iam para recuperar forças depois das
missões.
Veludo já atuava há um bom tempo na luz e comandava uma
grande falange, que o auxiliava sobremaneira sempre que
precisava. Eram espíritos que haviam atendido o chamado do bem,
e mesmo com suas imperfeições se esforçavam para evoluir e
resgatar suas faltas anteriores.
Trabalharam juntos por muitos anos até o dia em que o médium de
Exu Veludo desencarnou, neste tempo a médium de Sete
Encruzilhadas já havia evoluído muito e já era uma das pessoas de
confiança da casa.
Depois do desencarne do médium, Veludo pediu e foi autorizado a
continuar atuando como Exu e a ter outro médium. Algum tempo
depois encontrou um médium que estava iniciando o
desenvolvimento em outra casa e passou a fazer parte de sua
coroa, agora teria outro caminho a seguir, mas tinha a certeza de
que voltariam a trabalhar próximos, e sempre que podiam acabavam
se encontrando para trocar experiências.
Por ter cumprido a contento sua missão por muito tempo, Sete
Encruzilhadas foi autorizado a formar a sua legião, convocando para
atuar nela espíritos que se afinizassem com sua vibração, em pouco
tempo já era um grande grupo, dada a sua grande capacidade de
liderança, teve a permissão de recrutar seus antigos companheiros
de maldades, alguns aceitaram, e depois de passarem por um
período de “quarentena” para poderem reequilibrar suas vibrações,
começaram a atuar em seu auxílio.
Uma coisa o incomodava, precisava achar um espírito para
comandar a ala feminina de sua legião, e foi aí que lembrouse
daquela “moça” que conheceu e atrapalhou os planos dela logo no
início de sua jornada. Foi ao encontro dela e logo estava em frente
ao “casarão”, a “moça” assim que o viu colocou-se em guarda e foi
logo dizendo:
– O que você quer agora? Veio me atrapalhar mais uma vez? Não
pense que será tão fácil como da vez anterior, também aprendi
alguns truques!
– Não vim aqui para isto, vim te oferecer uma chance de mudar sua
vida e reparar seus erros.
– Que erros? Eu só faço o que me pagam para fazer, se alguém
erra é quem me pede os serviços.
– É aí que você se engana, a maior prejudicada em tudo isto é você
mesma. – E passou a falar sobre sua própria experiência e tudo que
havia acontecido com ele.
Depois de ter falado por um longo tempo, perguntou:
– E então, aceita o que vim te oferecer?
– Não sei – respondeu a “moça” –, preciso pensar.
– Então pense e quando tiver a resposta é só me chamar.
– E como devo chamá-lo?
– Chame-me de Exu Sete Encruzilhadas.
Dito isto virou-se e foi embora. Algum tempo depois recebeu o
chamado e ao estar de novo no casarão em frente à moça disse:
– Seu chamado quer dizer que já tem uma resposta?
– Antes de responder quero saber de uma coisa.
– Pode perguntar.
– Se eu for com você, o que ganharei em troca?
– Uma coisa que eu ganhei e me é muito valiosa: a PAZ.
Depois de alguns minutos a moça respondeu:
– Está bem, você me convenceu, eu vou, mas se eu não gostar,
posso voltar?
– Seu livre arbítrio será sempre respeitado, você não está indo
como prisioneira e sim como convidada.
– Então, vamos.
– Antes, fale com suas servas e veja se algumas delas querem ir
também.
– Pra quê? – Respondeu ela – São um bando de imprestáveis.
– Esta é a primeira coisa que você vai aprender: respeitar a todos e
que todos têm seu valor na existência.
Mesmo a contra gosto ela falou com as outras e muitas que
estavam cansadas daquela vida resolveram acompanhá-los.
Foram para a colônia que havia no astral do terreiro, e elas foram
deixadas sob os cuidados das entidades responsáveis pela
orientação e harmonização de suas vibrações e isto demandaria um
certo tempo.
Após este período estava novamente frente a frente com a moça e
disse:
– E então, está disposta a continuar? Agora começa realmente o
trabalho.
– Sim, nunca me senti melhor, desejo continuar por aqui.
– Então me diga, como é seu nome?
– Meu nome eu nem me lembro e no momento não me importa, eu
era conhecida por Sete Saias, pode me chamar assim.
– Está bem, mas a partir de agora você é a SENHORA
POMBAGIRA SETE SAIAS DAS ENCRUZILHADAS. Começava ali
uma grande parceria em prol das forças do bem.
Sete Encruzilhadas teve uma grande decepção com a médium que
lhe servia como aparelho no dia que ela abandonou a Umbanda,
pois o homem com quem ela iria se casar havia dado um ultimato:
ficaria com ele ou com a religião. De certo modo o que lhe
desagradou foi a falta de personalidade que ela demonstrou, mas
seu livre arbítrio deveria ser respeitado. Quando pensava nisto
chegava a rir pois dizia para si mesmo que se fosse em outros
tempos ela iria “sofrer um pouco”.
Continuou a atuar no terreiro, sem incorporar, mas ajudando muito
no astral. Sentia muita falta do trabalho incorporado e comentou isto
com Pai Ambrósio, que lhe disse que tivesse paciência, pois tudo
aconteceria a seu tempo. No ano seguinte aconteceu o desencarne
do dirigente do terreiro que era aparelho de Pai Ambrósio. A pessoa
que assumiu a direção da casa, não tinha o mesmo
comprometimento com a caridade que o antigo dirigente, coisa que
começou a desagradar a corrente e muitos se foram, e em
determinado tempo, inclusive com uma ajudinha dos amigos do
astral que não aceitavam a nova postura da casa, o terreiro fechou
as portas.
Sete Encruzilhadas já estava a procura de outro médium e acabou
encontrando um em outro terreiro. Recebeu autorização do Caboclo
Cobra Coral, que era quem comandava aquela casa para atuar. Já
estava atuando há algum tempo com o médium quando o mesmo
veio a desencarnar num acidente por culpa de uma pessoa
embriagada. Estava novamente sem poder atuar incorporado num
médium, já pensava ser este seu destino.
Continuou atuando astralmente, mas não se prendia a uma casa
apenas, sempre que era requisitada a sua ajuda, estava pronto a
atender, tinha muitos comandados seus que atuavam com médiuns
em vários terreiros.
Viu com alegria que apesar de todas as dificuldades, a Umbanda
continuava a evoluir e muitas casas de caridade abriam suas portas,
e muitos médiuns bons eram formados, dando assim chance para
que cada vez mais espíritos das mais diversas falanges atuassem e
pudessem trazer um pouco mais de luz para o mundo.
Em contrapartida ficava triste ao ver que apareciam muitos locais
que diziam praticar a Umbanda e muitos médiuns sem escrúpulos
usarem o nome da religião, mas que na realidade serviam às forças
das trevas, impulsionados pela cobiça e pela maldade humana,
passou a atuar no combate a estes locais que se tornavam
verdadeiros quartéis generais do mal.
Um dia foi chamado à presença do sr. Exu das Sete Encruzilhadas,
assim que chegou foi levado à sua presença, que lhe disse:
– Adyor, você tem sido um de meus melhores soldados, trabalhado
muito em favor da luz e você é a pessoa certa para assumir o
comando deste trabalho que se avizinha.
Só então notou a presença de outros Exus que como ele
comandavam legiões em nome do sr. Sete Encruzilhadas.
– É só me dizer qual é o trabalho. – respondeu.
– Você vai me representar numa reunião no salão astral do terreiro
“Estrela Guia”, aquele que é comandado pelo Caboclo Paraguaçu,
inclusive você já atuou lá.
– Sim, sei qual é, quando será a reunião?
– Amanhã, após os trabalhos do terreiro.
– Tudo bem, estarei lá.
– Outra coisa – falou o sr. Sete Encruzilhadas –, você agora é o
comandante não apenas de sua legião, mas de todas estas cujos
comandantes estão aqui. A partir de agora eles estão sob suas
ordens.
– Vou fazer o possível para corresponder à sua confiança sr. Sete
Encruzilhadas.
– O que eu te disse há muito tempo atrás continua valendo, se você
usar meu nome de forma errada, eu pessoalmente vou te cobrar!
Dizendo isto deu por encerrada a conversa.
No dia seguinte, lá estava ele no terreiro, aguardando o início da
reunião. Enquanto aguardava observava o trabalho e admirava a
harmonia e a ordem que ali existia, não pôde deixar de pensar que
ali seria um local onde gostaria de atuar.
Quando o trabalho encerrou, foi chamado para a reunião, sentou-se
e notou quem mais estava ali, e pela quantidade de espíritos teve
certeza de que a coisa era séria.
Além do Caboclo Paraguaçu, comandante daquela casa, estavam
presentes um Caboclo Ogum Megê, um Caboclo Ogum Naruê, um
Caboclo Arranca Toco, um Caboclo Sete Pedreiras que atuava na
vibração de Xangô, uma Cabocla de Oxum chamada Lírio Branco,
dois Pretos Velhos: Pai Malaquias que atuava no terreiro e Pai
Tomás que era de outra casa e mais dois Exus Campina e Pinga
Fogo.
Caboclo Paraguaçu falou:
– Amigos, estamos com um grande problema, há algum tempo
temos monitorado as energias negativas nesta região e notamos
que elas aumentaram muito de intensidade graças a uma casa dita
de Umbanda mas que na verdade é um reduto de entidades do
astral inferior, e que tem aumentado e muito seu poder devido a
grande freqüência de encarnados com maus pensamentos e
sentimentos, que não regateiam em pagar altos preços em troca de
que estas entidades atendessem alguns pedidos escusos.
– Quem é que comanda este local? – Perguntou Ogum Naruê.
– Ele mistifica para os encarnados dizendo ser Caboclo
Samambaia, mas descobrimos que na verdade se chama Lodo
Negro, uma entidade outrora mediana do astral inferior, mas que de
uns tempos para cá aumentou e muito seu poder devido aos fatores
de que já falamos anteriormente.
Ao ouvir falarem em Lodo Negro, pediu licença e falou:
– Eu conheço ele, fui seu escravo há muito tempo.
– Já sabemos disto – respondeu Pai Tomás –, foi por isto que
pedimos para você estar aqui.
– Recebemos autorização para neutralizar este antro, vamos discutir
o plano de ataque. – Falou o Caboclo Paraguaçu.
Estudaram as informações que tinham sobre a fortaleza astral que
ficava acima do terreiro e servia de quartel aos quiumbas, o plano
era o seguinte:
Sete Encruzilhadas comandaria as legiões de Exus num ataque
direto quebrando assim a resistência inicial, em seguida os caboclos
de Ogum entrariam para capturar os resistentes, os caboclos de
Oxossi ficariam no perímetro cuidando para que ninguém
escapasse. Os Pretos Velhos ficariam encarregados de ficar na
retaguarda cuidando dos feridos e enviando cargas de energia para
os combatentes. Os caboclos de Xangô seriam os responsáveis
pela condução dos prisioneiros para as diversas colônias que já
estavam de prontidão para recebê-los. As caboclas de Oxum
ficariam encarregadas de dar assistência aos espíritos que por
ventura estivessem aprisionados na fortaleza, e que por conta dos
maus tratos deveriam estar muito debilitados.
Com tudo acertado, a ação foi marcada para dois dias depois, logo
após os trabalhos do tal “terreiro”.
Chegado o dia, começaram a se preparar, os Exus se armaram com
espadas, tridentes, chicotes e bastões que emanavam um tipo de
descarga energética que causavam uma tontura e dependendo da
intensidade poderia até causar perda de consciência em quem fosse
atingido, teriam de tomar cuidado, pois os oponentes também
tinham armas semelhantes.
Os guerreiros de Ogum e Oxossi plasmavam redes e cordas
energéticas para prenderem os resistentes, e os Pretos Velhos
preparavam suas “poções” para cuidarem dos feridos.
Foi destacado um pelotão de Exus para ir na frente e observar o que
acontecia.
Na hora marcada iniciou-se a ação.
Sete Encruzilhadas recebeu de última hora a visita de seu
companheiro Exu Veludo, que disse:
– Quer dizer que ia me deixar fora desta?
– Pensei que estivesse ocupado – respondeu –, afinal você também
tem suas atribuições.
– Eu não perderia esta por nada, vamos?
Saíram para a batalha, chegando ao local receberam as
informações do Exu responsável pelo trabalho de observação, e que
se chamava Sete Campas:
– Eles acabaram de chegar, trouxeram também alguns espíritos
como prisioneiros e os colocaram no calabouço e logo vão se
recolher para descansar, são tão confiantes em seu poder que
deixam poucos para vigiar.
– E Lodo Negro, está aí? – perguntou Sete Encruzilhadas.
– Está sim, ele quase nunca sai, fica comandando tudo daqui –
respondeu Sete Campas.
Ficaram escondidos aguardando, e logo tudo ficou quieto. Era
chegada a hora de atacar.
A primeira providência seria anular os vigias para que eles não
pudessem dar o alarme, e tiveram uma idéia bem original para fazê-
lo.
Sete Saias e algumas de suas comandadas chegaram perto da
fortaleza e começaram a chamar a atenção dos vigias com suas
risadas e trejeitos sensuais. Como já estavam há muito tempo sem
companhia feminina, já que seu chefe não permitia, foram se
chegando e nem se deram conta de que era uma armadilha, quando
caíram em si já estavam amarrados e foram entregues aos caboclos
de Xangô.
A partir daí a invasão começou, em silêncio iam entrando nos
cômodos da fortaleza e aprisionando a todos. No início foi fácil, mas
logo sua presença foi notada e iniciou-se um grande embate entre
as forças da luz e das trevas, com muitas baixas de todos os lados.
Sete Encruzilhadas e Veludo iam na frente, Sete Saias junto com
muitas pombas-gira os acompanhava, pois como ela mesmo dizia
não queria ficar de fora da festa.
O combate durou bastante tempo, mas pouco a pouco a reação foi
diminuindo, as forças da luz já dominavam boa parte da fortaleza,
mas faltava capturar Lodo Negro que devia estar escondido em
algum lugar. Sete Encruzilhadas foi chamado aos calabouços, onde
Lírio Branco e outras caboclas de Oxum já amparavam os pobres
espíritos que haviam sido aprisionados por aquela legião das trevas,
não pôde deixar de pensar que também já havia passado por aquilo,
mas que infelizmente não havia recebido aquele tipo de ajuda.
Chegaram a uma grande porta com símbolos que reconheceu como
sendo de Lodo Negro, sem pensar duas vezes deu ordens para que
a mesma fosse derrubada.
Assim que foi aberta depararam-se com um número razoável de
quiumbas, prontos para se defenderem, mas a visão do enorme
grupo invasor foi assustadora para muitos daqueles espíritos, que
logo se renderam e foram imediatamente escoltados para fora pelos
caboclos de Ogum. Os que resolveram resistir, como eram em
número reduzido logo foram dominados, e então viu Lodo Negro,
que empunhava uma espada e vinha a seu encontro.
– Lodo Negro! – gritou – Não adianta resistir, renda-se.
– Nunca, seu desgraçado traidor, há muito tenho vontade de
encontrá-lo, eu nunca engoli sua traição.
– Aquela foi uma época que eu já deixei para trás, agora tenho vida
nova!
Lodo Negro não respondeu, apenas atacou-o com a espada, mas foi
rechaçado com uma descarga energética, ficou um pouco tonto,
mas mesmo assim atacou novamente gritando:
– Desgraçado, sei que não vou resistir a todos, mas pelo menos
você vai sentir dor.
Esquivou-se do novo golpe e desferiu outra rajada de energia, mais
forte que a primeira, Lodo Negro recebeu o golpe e caiu sem
sentidos. Pronto, a batalha estava terminada, agora teriam de cuidar
das coisas no mundo material.
O médium que comandava os trabalhos naquele terreiro sentiu que
alguma coisa não ia bem, não sabia o quê, mas ficou preocupado.
Era um homem com uma mediunidade muito grande, que poderia
ter sido usada para ajudar muita gente, encarnada ou
desencarnada, mas foi tomado pela ambição, pelo dinheiro fácil e
atraiu para perto de si espíritos como Lodo Negro, e passaram a
atuar juntos fazendo muita coisa errada.
Na noite seguinte ao ataque à fortaleza astral, tentou invocar as
entidades com as quais estava acostumado a trabalhar, pois tinha
alguns pedidos encomendados e pagos adiantados, mas não sentiu
a presença de nenhum deles, ao contrário, sentiu a presença de
energias que não conhecia e isso o assustou, resolveu parar com o
trabalho por hora e se recolher.
Enquanto isto no astral, depois do ataque, estava ocorrendo outra
reunião entre os comandantes das legiões que haviam participado
da ação.
Caboclo Paraguaçu dizia:
– Quero parabenizar a todos pela atuação, correu tudo bem, agora
temos de terminar a tarefa no mundo material.
– E o que faremos? – perguntou Sete Encruzilhadas. Desta vez
quem respondeu foi Pai Malaquias:
– Vamos esperar o dirigente do terreiro e alguns de seus auxiliares
dormirem e então vamos trazer seus espíritos para uma conversa.
E assim foi feito, ficou a cargo dos Exus conduzirem os espíritos dos
encarnados até o salão onde estavam reunidos. Assim que
chegaram foram colocados sentados em frente à mesa onde
estavam reunidos os comandantes daquela reunião. Assustados,
não tinham coragem nem de falar. Caboclo Paraguaçu foi logo
falando:
– Vocês foram trazidos aqui para serem informados de que a
organização espiritual à qual vocês serviam foi desmantelada, e
agora não terão mais contato com ela.
Pai Tomás completou:
– Alguns de vocês vão ter a oportunidade de recuperar um pouco da
dignidade e diminuir a carga negativa trabalhando em terreiros que
pratiquem a verdadeira Umbanda.
– Não tentem de forma alguma contato com outras entidades das
trevas, pois serão vigiados constantemente por nossos amigos
Exus.
Olharam quase que automaticamente todos juntos para o lado e
viram um grande número de espíritos com feições sérias, sem no
entanto serem desagradáveis, estavam lá, além de Sete
Encruzilhadas, Veludo, Sete Campas, Meia Noite, Sete Saias, Exu
dos Rios, Marabo, Tranca Gira, alguns Caveiras e outros.
Como se estivesse lendo seus pensamentos, Pai Tomás falou:
– É isto mesmo, estes são os verdadeiros Exus de Umbanda,
nossos guardiões, aqueles a quem vocês serviam nada mais eram
que quiumbas, que graças a sua ambição desmedida e fraqueza
moral se afinizaram a vocês.
Neste momento todos se levantaram e Paraguaçu disse:
– Agora vocês serão levados de volta, mas lembrem-se de que
estamos vigilantes.
E assim foi feito, quando acordaram não lembravam de quase nada,
mas sabiam que alguma coisa não estava certa. Com o passar do
tempo todos abandonaram o terreiro, alguns foram resgatar seus
erros em outras casas de Umbanda, outros simplesmente não
quiseram saber mais de espíritos, o centro foi fechado, mas pouco
tempo depois foi aberta uma igreja em seu lugar, o antigo dirigente
aproveitando uma nova “moda” que estava surgindo se “converteu”
a JESUS e achou um novo modo de ganhar dinheiro, mas isso é
uma outra história.
Após a conclusão deste trabalho, todos voltaram às suas atividades
normais, sabiam que voltariam a trabalhar juntos outras vezes.
Sete Encruzilhadas era agora responsável por uma legião muito
maior que antes, mas nem por isso deixava de sentir falta do
trabalho incorporado no terreiro, e por conta disto sentiu uma
pontinha de inveja quando soube que Sete Saias iria fazer parte da
coroa de uma médium e que estaria trabalhando incorporada num
terreiro, recriminava-se por este sentimento, mas como ser
imperfeito que era não conseguia deixar de sentir.
Uma coisa que o animava era uma sensação de que logo estariam
trabalhando juntos. Não sabia explicar, apenas sentia.
Passou algum tempo e continuava com suas atividades, apesar de
comandar muitos espíritos, fazia questão de participar ativamente
de quase todos os trabalhos.
Continuava atuando sem terreiro fixo, quando um dia foi chamado
ao salão principal do terreiro “Estrela Guia”. Chegando lá estavam
além do Caboclo Paraguaçu, o Preto Velho Pai Tomás, aquele
mesmo que havia participado da campanha contra Lodo Negro e
sua falange.
– Meu amigo Sete Encruzilhadas – falou Paraguaçu –, Pai Tomás
quer falar com você.
Já imaginava um novo trabalho, um novo desafio e que faria o
possível para atender aos anseios de seus amigos, mas desta vez
estava enganado, pelo menos em partes, pois era mesmo um novo
desafio.
– Meu filho – disse ele –, depois daquela vez que trabalhamos
juntos, sempre que posso tenho observado seu trabalho e tenho
recebido muitas informações sobre você e estou aqui para te fazer
um convite.
– Pai Tomás, mesmo antes do senhor falar, já considere aceito. –
Respondeu.
– Calma meu filho, o que quero te propor é que você venha fazer
parte da coroa do médium com o qual trabalho.
– Mas é claro que aceito, estou esperando por isto há muito tempo.
– Como disse, vamos com calma, temos de acertar algumas coisas.
Um Exu já está atuando com ele e vai preparálo para sua chegada,
ainda vai ter de esperar um pouco, pois devido a carga energética
que você carrega isto é necessário.
Paraguaçu que até o momento estava só observando disse:
– Outra coisa que vai te alegrar é que este médium tem uma ligação
muito forte com a médium de seu amigo Veludo. Tome isto como um
prêmio a tudo que você já fez em nome do bem. – Completou
– Não sei se fiz tanto assim para merecer isto, mas estejam certos
que farei muito mais.
Acertaram tudo e ficou combinado que no dia seguinte haveria uma
reunião para ele conhecer as outras entidades que faziam parte da
coroa do médium.
No local estavam além de Pai Tomás, um caboclo chamado Pantera
Negra, um caboclo Ogum Beira Mar, uma criança chamada apenas
de Tico, um caboclo muito velho que nada falava e lhe disseram ser
da linha de Tupinambá, além do Exu que estava atuando com o
médium e se chamava Calunga. Depois de conversarem e
acertarem tudo era só aguardar o dia da primeira incorporação.
Quando já atuava plenamente com o médium, foi comunicado por
Pai Tomás que estava na hora de terem sua própria casa e que se o
médium fosse perseverante isto aconteceria logo.
E assim foi feito, foi um início difícil para todos, e neste meio tempo
seu médium por um “acaso do destino”, teve contato com a médium
com a qual Sete Saias atuava e confirmando sua sensação antiga,
logo estavam trabalhando juntos no mesmo terreiro.
Hoje comanda a “esquerda” de uma casa, auxiliado por Veludo e
Sete Saias, tentando levar do seu jeito um pouco de luz para
aqueles que precisam.
Capítulo II - Pantera Negra
Nasceu numa aldeia que ficava às margens de um rio caudaloso.
Desde muito novo era forte e robusto para sua idade, era sobrinho
do chefe da tribo, que não tinha filhos, sendo assim seu pai era o
sucessor natural do chefe.
Conforme ia crescendo demonstrava interesse por duas coisas: a
vida de caçador e guerreiro, e as feitiçarias do velho pajé da tribo,
de quem se tornou um esforçado aprendiz.
Dividindo seu tempo entre estes dois aprendizados, logo se tornou
um guerreiro e caçador destemido, e também um iniciado nos
segredos do pajé.
Um dia sua tribo foi atacada por outra e muitos foram mortos, viu
seu pai ter a cabeça cortada, e só não foi morto também por que ao
ser ferido por uma flecha, caiu no rio e foi levado pelas águas.
Conseguiu sair da água e graças aos conhecimentos que adquiriu
junto ao pajé, curou seus ferimentos com ervas e plantas, mas os
ferimentos da alma ficariam abertos para sempre.
Passou a viver sozinho e desenvolveu cada vez mais suas
habilidades de caçador. Tinha em seu coração um sentimento de
vingança muito grande e começou a imaginar como faria para matar
esta sede.
Num determinado dia, enquanto caçava, viu-se frente a frente com
uma enorme Pantera Negra, foi atacado e graças à sua habilidade,
conseguiu matar o animal. Resolveu tirar a pele do animal que era
muito bonita e quando estava indo embora, achou o ninho do animal
onde encontrou dois filhotes. Pensou em matá-los, mas algo dentro
dele lhe dizia para não fazê-lo, resolveu ficar com eles.
Alguns anos depois, as panteras estavam adultas e eram suas
companheiras inseparáveis.
Achou que era chegada a hora de consumar sua vingança, a
primeira coisa que fez foi conjurar alguns feitiços que havia
aprendido com o pajé, sendo imediatamente envolvido por energias
e entidades negativas, que cada vez mais o instigavam a se vingar.
Sempre ajudado por suas panteras e usando a pele da pantera que
havia matado, “caçava” seus inimigos sempre que saíam em
pequenos grupos para caçar ou pescar. Logo as tribos da região já
falavam dele como uma pantera negra que virava homem e atacava
os guerreiros.
Seguiu por muito tempo nesta empreitada, algumas vezes tinha
sonhos com seu pai e sua mãe que lhe pediam para parar com
aquilo, mas logo eles sumiam e em seu lugar várias “pessoas”, de
aparência feroz diziam que ele não deveria parar nunca.
Por não ter com quem conversar passou a ser extremamente
calado, talvez até tivesse desaprendido como fazê-lo. Era um
grande caçador, silencioso só caçava animais para comer, seu
“prazer” era caçar seus inimigos, só poupava crianças e mulheres.
Depois de um tempo começou a notar que suas panteras o olhavam
diferente, já estava se cansando daquilo, não tinha mais tanto
prazer em caçar homens, às vezes o pouco de humanidade que lhe
restava fazia-o pensar se deveria continuar ou não.
Certa vez se aproximou de uma aldeia, mas esta era diferente das
que estava acostumado a ver, tinha choupanas feitas de pedra, as
pessoas usavam muitas “peles” por cima do corpo e os guerreiros,
em vez de arco e lanças, carregavam algo parecido com bastões.
Mesmo tomando muito cuidado ao se aproximar dessa aldeia, um
daqueles “guerreiros” viu uma de suas panteras e no mesmo
instante apontou o seu “bastão”, e dele saiu uma língua de fogo
acompanhado de um estrondo. Quando olhou novamente viu sua
companheira caída com a cabeça esfacelada. Uma raiva intensa
tomou conta dele e sem pensar em mais nada, atirou-se contra o
homem e matou-o, neste momento viu que outros homens se
aproximavam, preparou-se para atacar mas desistiu quando notou
que eram muitos, e que tinham nas mãos aqueles bastões que
soltavam fogo, fugiu para a floresta seguido da pantera que restou.
Resolveu que nunca mais se aproximaria daquela aldeia.
Os sonhos com seus pais tornaram-se mais intensos, e aqueles
outros já não apareciam com tanta freqüência, resolveu se afastar
mais ainda e se embrenhou muito adentro na mata.
Só não sabia que esta decisão desagradou aquelas entidades que o
rodeavam e que chegaram à conclusão que ele não tinha mais
serventia, mas que não poderia ficar sem um castigo. Usaram sua
pantera para atacá-lo.
Um dia, quando caçava, sentiu que ela se aproximava por trás, mas
nem se importou, pois já estava acostumado com sua presença, se
tivesse olhado veria nos olhos do animal uma chama de ódio igual a
que se acendia nos seus quando atacava seus inimigos. Só se deu
conta de que algo estava errado quando sentiu as garras que lhe
rasgaram a pele das costas e os dentes que se cravaram em seu
braço, defendeu-se como pôde e conseguiu ferir a pantera, assim
ficaram caídos um na frente do outro, agonizando, neste momento
todo o ódio que sentia aflorou, pensava em sair dali e matar de vez
todos os seus inimigos, todas as panteras e onças que encontrasse
em seu caminho, sentiu perder os sentidos, uma dor terrível tomou
conta de seu corpo. De repente a dor passou e começou a sentir
“sono” e acabou adormecendo.
Quando finalmente “acordou”, não conseguia levantar, sentia muitas
dores e mantinha-se muito sonolento, de repente começou a sentir
umas mordidas e viu que seu corpo estava sendo devorado por
animais, entrou em desespero pois não conseguia se mexer, tentou
gritar para espantá-los mas não adiantou, foi um alívio quando viu
os animais indo embora, mas isto não durou muito, logo horrorizou-
se novamente ao ver que vermes passeavam pelo que restou de
seu corpo, estava à beira da loucura, quando ouviu algumas vozes
num dialeto que não era o seu, mas que ele conhecia.
– Veja este índio, ainda está lá depois de tanto tempo, não percebeu
ainda que não faz mais parte da matéria.
– Vamos retirá-lo? – Perguntou outro.
– Vamos, apesar de não ser dos nossos não seria correto deixá-lo
nesta situação.
Sentiu-se puxado por mãos fortes e arrastado por alguns metros,
continuou caído no chão, sua vista estava nublada e sentia muitas
dores, ouviu uma voz dizendo:
– Pronto guerreiro, já pode se levantar e tomar consciência de sua
nova condição.
Não entendia o que estavam falando. Com muito esforço se
levantou e se firmou de pé, aos poucos ia melhorando e pensava
quem seriam aqueles que de certa forma o ajudaram.
Olhou para trás e viu uma ossada humana coberta por uma pele de
pantera negra, sentiu um calafrio e ouviu alguém dizer:
– É você mesmo, quer dizer, seu corpo ou o que sobrou dele.
Continuava sem entender nada e a mesma voz continuou:
– Guerreiro, nós já vamos, te ajudamos como podíamos, se quiser
pode seguir conosco.
Mesmo estando muito confuso, não iria seguir com eles, tinha vivido
por muito tempo sozinho e era assim que se sentia bem.
Os outros índios se foram e ele ficou por ali. Algum tempo depois
começou a caminhar pela mata em direção ao seu refúgio, não
sabia quanto tempo tinha se passado desde o ataque que sofreu,
mas deveria ter sido muito, pois de seu refugio restavam somente
escombros, estava muito fraco e cansado, e acabou perdendo os
sentidos.
Quando despertou já era noite, a confusão em sua cabeça
perdurava, lembrou do velho Pajé, de quanto ele o ajudava quando
tinha suas dúvidas, pensou que seria muito bom se ele estivesse ali
agora, foi despertado de seus pensamentos ao sentir que alguém se
aproximava, colocou-se em guarda e já estava pronto para atacar,
quando reconheceu seu velho amigo Pajé.
Perguntava-se como isto era possível uma vez que ele havia
morrido há muito tempo.
Como se estivesse lendo seu pensamento o pajé falou:
– Eu vim por que você me chamou, eu não morri, apenas deixei
para trás aquele corpo, eu continuo vivo assim como você.
– O que você quer dizer com isto pajé?
– Quero dizer que você, assim como eu, não vive mais no mundo
material, continuamos vivos, mas em outro lugar.
– Quer dizer que eu também morri?
– Se assim você entende melhor, sim, você morreu.
Foi outro choque, mas se estava morto como é que sentia tudo
aquilo. Tinha fome, sede, sentia frio, raiva, dor, não conseguia
entender.
Novamente, como se pudesse ler seus pensamentos, o pajé falou:
– O problema é que você ainda está muito apegado ao mundo
material, venha comigo e vamos te ajudar a passar esta fase.
Estava estático, mas a revolta por tudo o que passou falou mais alto
e ele respondeu:
– Não quero a ajuda de ninguém, se você podia me ajudar por que
não o fez antes?
– Por que as coisas não funcionam assim, existem fatores que
interferem e muitas vezes impedem nossa vontade de ajudar, mas
nem por isso esquecemos de você.
– Isto não me importa, fiquei sozinho até hoje e sobrevivi, não vai
ser agora que vou precisar de alguém.
– Tudo bem, filho – respondeu o pajé –, mas se você mudar de idéia
é só me chamar.
Dizendo isso sumiu na escuridão da floresta.
Pantera Negra ficou ali, sentado por muito e muito tempo, quando
resolveu levantar-se, não tinha a mínima idéia do que fazer ou para
onde ir, ficou vagando pelas imediações, até que logo ao
amanhecer, viu-se frente a frente com um grupo de índios que
caçava por ali, ficou em posição de defesa, mas eles passaram por
ele sem que o vissem, apenas um deles virou-se para o local onde
ele estava, meio desconfiado.
Resolveu segui-los para entender mais algumas coisas, depois da
caçada voltaram para a aldeia, sentia-se fraco, viu quando os
guerreiros sentaram em torno de uma fogueira e começaram a
comer raízes e carne de caça, pensou em como seria bom se
pudesse comer também, estava sentado ao lado de um dos
guerreiros e de repente começou a ter a sensação de estar se
“energizando”. Logo percebeu que quanto mais o guerreiro comia,
mais ele se fortalecia, ou seja, podia captar para si um pouco da
energia do alimento que o outro gerava ao comer. Sem saber havia
criado um elo com o guerreiro, se afinizou com ele. Quando o outro
parou de comer, ele ainda não estava satisfeito e pensou que seria
bom se ele comesse mais um pouco. Este pensamento foi captado
pelo índio que voltou e sentar e a comer mais.
Mais uma coisa que havia aprendido, podia sugerir coisas ao
guerreiro que este às vezes aceitava algumas sugestões.
Como não tinha e nem sabia o que fazer, continuou acompanhando
o guerreiro, e muitas vezes o ajudava avisandoo dos perigos.
Um dia viu o pajé daquela tribo fazendo algum tipo de invocação de
espíritos e viu quando chegaram alguns muito mal encarados, não
conseguia distinguir a que tribo pertenciam. Viu que os que
pareciam ser os chefes se aproximaram e sugaram uma grande
quantidade da energia que emanava da oferenda feita pelo pajé,
que consistia basicamente de bebidas fermentadas e animais
sacrificados (muito sangue), depois dos chefes se fartarem, os
outros se aproximaram e sugaram o que restou de energia nas
oferendas. Quando estavam indo embora, notou que alguns
daqueles espíritos olhavam-no com certo receio outros nem o
notaram.
Resolveu ficar por ali e estudar sobre esta atividade, não foi difícil
saber que isto era uma coisa comum, os espíritos recebiam estas
oferendas em troca de alguns serviços que prestavam ao pajé.
Com o passar do tempo conheceu aqueles espíritos, não se
preocupavam com o que faziam, se era o bem ou o mal, quando
eram pagos faziam qualquer coisa. Não se envolvia com eles,
apenas os observava e aprendia, para se fortalecer continuava
acompanhando o guerreiro.
Passou muito tempo, viu desencarnarem o Pajé e o guerreiro a
quem acompanhava, o pajé ao desencarnar teve o espírito
“capturado” por um daqueles grupos de espíritos que atendiam aos
seus chamados, já o guerreiro foi levado para outro grupo de
espíritos, diferentes do primeiro, pois eram mais “iluminados”.
Resolveu seguir este grupo, pois eles eram “novidade” para ele.
Observou que eles também recebiam oferendas, mas estas eram
feitas basicamente com frutas e bebidas e que delas emanava uma
energia muito sutil, outra coisa é que esta energia era dividida
igualmente entre todos.
Percebeu também que eles não faziam nada de mal para ninguém,
trabalhavam apenas para o bem.
De tempos em tempos, via chegar na aldeia outros espíritos que
eram estranhos para ele, alguns de pele escura e bem velhos,
outros eram índios também, mas de tribos que nunca tinha visto,
outros com roupas estranhas até de metal, via também algumas
mulheres muito lindas e que brilhavam muito, outras eram
guerreiras, até crianças às vezes eram vistas por ele. Mas o que lhe
chamou a atenção foi um grupo muito estranho que apareceu, com
as feições ríspidas, alguns usavam capas e chapéus, outros
carregavam alguns “garfos” e espadas, volta e meia davam
gargalhadas mas imediatamente ficavam sérios.
Um dia quando estava em seu local preferido de observação, sentiu
que alguém estava atrás dele, quando virou deu de cara com seu
amigo pajé que o saudou e disse:
– Você está muito curioso e ao mesmo tempo se sente bem estando
aqui próximo à aldeia, não é?
– Estaria mentindo se dissesse que não.
– E você não gostaria de conhecer a aldeia de perto? – Perguntou o
pajé.
– Não, quero continuar assim, sem que ninguém me perceba. –
Respondeu.
– Você é quem pensa, eles sabem que você está aqui, sabem
também de todos os seus passos.
– Como é que pode? Sou o mais silencioso possível e nunca me
aproximo muito.
– Eles não precisam te ver para saber que está aqui, eles
conseguem senti-lo.
– Não sei como é isto e nem quero saber, vou embora. – Dizendo
isso embrenhou-se na mata, observado pelo pajé.
Ficou alguns dias sem se aproximar da aldeia, mas não conseguiu
conter a curiosidade e voltou a seu posto de observação. Neste dia
havia uma grande agitação por lá, embora só índios estivessem na
aldeia. Isto geralmente acontecia quando os “visitantes” estavam por
lá.
Ouviu atrás de si uma voz conhecida:
– Eu sabia que você voltaria. – Falou o velho Pajé. Não agüentando
a curiosidade perguntou ao velho amigo:
– Por que esta agitação toda?
– É que alguns guerreiros vão partir e se juntar a outros espíritos
para formar uma nova colônia.
– Colônia seria como uma aldeia? – Perguntou.
– Sim. – Respondeu o Pajé.
– Mas como é que sendo de tribos diferentes eles podem viver
juntos?
– É que aqui no mundo espiritual não temos distinção de raça ou
cor, somos todos irmãos perante a Luz Maior, embora alguns
estejam desviados deste caminho.
Manteve-se pensativo por alguns momentos e o velho Pajé
continuou:
– Venha comigo conhecer a aldeia, você vai gostar muito de lá.
Não ofereceu resistência quando o amigo o puxou pela mão, nem
ele mesmo entendeu, apenas se deixou levar. Só teve uma reação
ao chegar à entrada da aldeia e viu que esta era guardada por um
guerreiro, da mesma tribo que havia atacado sua aldeia e matado
seus pais, mas foi logo contido pelo pajé:
– Calma filho, ele não teve responsabilidade sobre o que aconteceu
naquele dia.
Mesmo assim manteve-se em guarda e só relaxou quando viu que
ali estavam muitos índios de várias tribos e raças, inclusive da sua,
viu muitos de tribos inimigas entre si mas que ali conviviam, em
harmonia.
Como se pudesse ler seus pensamentos o Pajé foi logo explicando:
– As diferenças e os ódios ficaram no mundo material, aqui na
espiritualidade quem aceita a Grande Luz vive em harmonia até com
aqueles que foram seus piores inimigos quando encarnados.
Chegaram a uma grande Oca, onde estavam reunidos quase todos
os índios que “moravam” na aldeia. Um deles que parecia ser o
chefe por ali falava para um grupo que se destacava dos demais:
– Espero que vocês possam ser felizes na realização desta nova
missão, e não esqueçam que esta será sempre a casa de vocês, e
que todos estaremos prontos para ajudá-los em tudo o que
precisarem.
Após esta breve palestra viu o grupo sair e pegar um caminho na
mata e logo sumir da vista.
Foi chamado pelo Pajé que o apresentou ao índio que chefiava a
aldeia:
– Grande amigo Tapuia, este é o amigo de quem eu lhe falei.
– E como você se chama? – Perguntou Tapuia.
– Meu nome já ficou há muito esquecido, fiquei conhecido como
Pantera Negra.
– O pajé me falou que você estava interessado em nossas
atividades.
– Sim, tenho observado vocês há muito tempo e fiquei muito curioso
por saber o que fazem aqui.
– Aqui é um local onde se agrupam espíritos de guerreiros de várias
tribos, que se dispuseram a trabalhar para a Grande Luz.
– E que tipo de trabalho é este?
– Fazemos o papel de guardiões, curandeiros, conselheiros, e
outros.
O Pajé que até aquele momento só observava, falou:
– Filho, fique aqui, estude, aprenda e passe a trabalhar para a
Grande Luz. Tire de seu coração toda a mágoa que você sente.
Depois de alguns momentos, Pantera Negra disse:
– Posso pensar até amanhã?
– Tudo bem, fique por aqui e amanhã venha falar comigo.
– Falou Tapuia.
Ficou ali, de início um pouco constrangido, mas depois que viu que
outros espíritos o tratavam com respeito, mesmo aqueles de tribos
que eram inimigas da sua, acabou se sentindo mais a vontade.
De manhã já havia resolvido ficar, pela primeira vez desde que
chegara à espiritualidade estava se sentindo em paz. Assim que
amanheceu, procurou Tapuia, e foi logo falando:
– Chefe Tapuia, resolvi ficar, e quero saber, o que preciso fazer?
– Que bom que você decidiu ficar entre nós, de início você vai
acompanhar Folha Verde – Falou Tapuia, apontando para um índio
que estava sentado em frente a uma choupana, ele vai te ensinar
tudo sobre o que fazemos aqui.
Assim começou uma nova jornada, aprendeu desde os mais simples
serviços, até os mais complexos trabalhos. Aprendeu muito sobre a
espiritualidade, sobre as forças negativas e suas entidades e como
combatê-las, mas o mais importante: aprendeu sobre o grande amor
que era gerado pela “Grande Luz”.
Conheceu muitas entidades, soldados brancos, guerreiros de outras
terras, seres encantados das águas, guerreiras, negros muito velhos
e curvados, mas as que mais lhe chamavam a atenção eram
aquelas carrancudas que chamavam de “Exus Guardiões”.
Eram entidades estranhas para ele, gostavam de gargalhar, alguns
vestiam-se de forma estranha, com longas capas, outros como
índios, a aparência deles também era curiosa, alguns tinham
aparência normal, outros eram esqueletos.
Fez certa amizade com alguns deles e sempre que podia trocava
informações com eles, ensinava e aprendia “truques” novos.
Já fazia muito tempo que estava ali, já tinha participado de inúmeros
trabalhos e já tinha demonstrado ser um grande e valoroso guerreiro
a serviço da “Grande Luz”, até que certo dia foi chamado por Tapuia,
que falou:
– Pantera Negra, você já está preparado para assumir seu posto em
uma das falanges espirituais, e como vi que você tem certa
afinidade com os Exus, tomei a liberdade de indicar você a um
amigo meu que comanda uma legião de caboclos quimbandeiros.
No dia seguinte bem cedo, foi chamado e apresentado a um grande
índio de pele bem escura, logo depois saíram e se dirigiram para o
recanto espiritual que servia de parada para aquela falange.
Depois de alguns anos atuando naquela falange, foi chamado por
seu chefe e orientado a procurar um determinado Preto Velho, que
comandava a coroa de um médium, para conversar com ele, pois o
mesmo precisava de um caboclo para fazer parte da coroa deste
médium, que viria a desenvolver.
Hoje, além de ser o caboclo que trabalha com este médium, é um
grande auxiliar do Preto Velho na condução espiritual da casa onde
trabalham.
Capítulo III - Tomás e Toninha
Sentado naquele porão fétido, lembrava da sua aldeia, das caçadas
e pescarias que fazia com seu pai e seus irmãos, lembrava de sua
mãe que lhe dava banho no rio ao entardecer, e agora estava ali, e
até este momento ainda não entendia direito o que havia
acontecido. Lembrava-se de estar em sua aldeia dormindo quando
da escuridão da floresta sugiram alguns homens que falavam numa
língua desconhecida, jogavam redes e batiam em suas cabeças
com bastões, e em poucos minutos viu que quase todos os homens
e mulheres jovens da aldeia, até crianças como ele, estavam
acorrentados, sentados uns ao lado dos outros, sendo vigiados por
estes mesmos homens. Agora estava ali no porão daquela grande
canoa, não sabia há quanto tempo já estava ali, mas sabia que vira
alguns dos seus morrerem e serem retirados dali, outros estavam
muito doentes e não durariam muito, só recebiam como alimento às
vezes pão velho e água, em seus pensamentos perguntava por que
aquilo estava acontecendo e quanto tempo duraria...
Estava no limite de suas forças, quando viu que abriam a porta do
porão e começavam a serem puxados para fora, foi difícil
acostumar-se novamente com a luz do dia, pois foi longo o tempo
que ficou sem vê-la. Foram levados a uma construção de pedras e
fechados num local gradeado. Foram bem alimentados por alguns
dias, foram vestidos com roupas de algodão cru, e chegou a pensar
que as coisas estavam melhorando, ledo engano, depois de já
estarem um pouco melhor de aparência foram levados para uma
praça e expostos como mercadorias, não entendia o que falavam
mas no íntimo sabia que não poderia ser nada de bom para eles, ao
final daquele “festival”, foram separados em grupos e levados para
outros locais, seu grupo foi levado para fora da cidade e à noite
foram acorrentados numa árvore. Ao amanhecer foram colocados a
andar, só paravam por alguns minutos de vez em quando para
beber água e comer pão duro. Na metade do terceiro dia de
caminhada, sob forte chuva, chegaram a uma porteira, ao fundo se
via uma grande casa branca, seguiram pelo caminho que levava a
esta casa, mas a contornaram e foram mais para o interior da
propriedade e pararam à frente de uns galpões, suas mãos e pés
doíam por causa dos ferimentos causados pelas correntes, muitos
como ele tinham febre. Um negro muito alto veio acompanhado de
outros homens e começou a falar no seu idioma:
– Vocês foram comprados pelo meu patrão e agora são seus
escravos, vão trabalhar aqui em troca de comida; fugas e motins
não serão tolerados e serão castigados com rigor, dormirão nestas
senzalas.
Não podia acreditar no que estava acontecendo, num instante
estava descansando em sua cabana, noutro estava ali acorrentado.
O que mais lhe doía era a saudade dos seus pais e dos seus
irmãos, já que foram separados e não tinha notícias deles.
Sua vida passava e se resumia a trabalhar o dia todo, desde o
amanhecer até o cair da noite, quase sem descanso e muitas vezes
sendo castigado pelos vigias e capatazes, notava que alguns deles
sentiam prazer em bater e açoitar os negros.
Foi aos poucos aprendendo a língua falada nesta terra que
descobriu chamar-se Brasil.
Não podiam realizar rituais para seus Orixás, suas danças nem
cantar seus cânticos de saudação.
Eram obrigados a ouvir sermões uma vez por semana, de um
homem a quem todos chamavam de “padre”, que lhes falava sobre
uma tal fé cristã.
Fez amizade com um negro que conhecia segredos sobre ervas e
rezas, e sempre que podia ia aprendendo algumas coisas.
Inicialmente, ficou inquieto com o fato de mudarem seu nome, mas
depois se acostumou. Por ordem do patrão passaram a chamá-lo de
Tomás, pois seu nome era de difícil pronúncia para eles.
E o tempo foi passando, as dificuldades eram muitas, o patrão era
severo demais e qualquer deslize era punido com a chibata.
Certo dia houve uma grande agitação na casa grande, o patrão teve
algum tipo de ataque e morrera durante a noite, o alvoroço era
grande.
No dia seguinte ao enterro do patrão, o filho que assumira os
negócios do pai, chamou a todos e falou como as coisas a partir
daquele momento seriam diferentes, isto alegrou Tomás, já que o
rapaz era boa pessoa e não gostava dos maus tratos que eram
infligidos aos escravos, várias vezes o viu discutindo com o pai por
causa disso. Uma das primeiras medidas que tomou foi despedir
dois dos empregados mais cruéis, coisa que agradou os escravos
da fazenda.
Já havia se tornado um rapazinho, tinha por volta de 17 anos
quando conheceu uma negrinha muito esperta que havia chegado
na fazenda junto com o último lote de escravos comprados pelo
patrão. Chamava-se Antônia, mas por ser de pouca estatura todos a
chamavam de Toninha, e por sua esperteza foi levada para trabalhar
na casa grande.
Tornou-se amigo de Toninha e logo estavam apaixonados, mas
negros não tinham autorização para casar, pois não eram cristãos,
então se “juntaram”.
O tempo passou, viu muitos negros tentarem fugir e serem
capturados e depois castigados, viu muitos morrerem amarrados ao
tronco, alguns não eram capturados e ouvia dizer que se refugiavam
nas matas e formavam quilombos. Às vezes pensava em tentar
escapar, mas pensava sempre em Toninha e desistia.
Aprendeu muito com o negro que era o “curandeiro” da fazenda, não
só sobre ervas e remédios, mas também sobre a religião de seus
ancestrais. Toninha também se tornou uma aprendiz interessada.
Quando este negro que já estava muito velho morreu, assumiu seu
lugar, e com isto recebeu algumas “regalias” como um casebre para
morar sozinho, podendo sair da senzala e não precisaria mais ir
para a lavoura, assumiria o serviço do outro que era encarregado de
cuidar dos animais da fazenda, serviço este que, apesar de ser
pesado, nem se comparava com o de passar horas sob o sol
cuidando de plantações. Outra coisa que tinha sido boa, era o fato
de poder estar com Toninha sozinho, ela até recebeu autorização de
ir morar com ele e transformou o casebre num lugar mais parecido
com um lar verdadeiro.
Suas vidas, apesar dos pesares, seguia da melhor forma possível,
só tinha alguns problemas com o fato de ser “meio mulherengo”, e
não foram poucas as vezes que teve de fugir para não levar uns
“quengos” de Toninha que estava sempre de olho em suas “sem-
vergonhices”.
Foi envelhecendo e seu cabelo começou a branquear, e por isso
passou a ser chamado de Pai pelos negros, pois era mais ou menos
isto que se tornara, dava conselhos, resolvia brigas, ensinava e
ministrava remédios, sempre ladeado por Toninha, que era uma
excelente “mandingueira”.
Era uma pessoa muito boa, sempre tinha uma palavra de consolo
ou um bom conselho para dar, era procurado até pelos senhores
brancos, quando precisavam de alguma coisa ou quando estavam
com alguma aflição.
Foi envelhecendo junto com Toninha, eram muito respeitados e
todos gostavam deles. Uma tristeza muito grande se abateu sobre
ele e sobre todos da fazenda quando Toninha, acometida de uma
doença desconhecida, desencarnou. Tomás a enterrou nos fundos
da casinha e todos os dias levava flores a seu túmulo.
Mesmo sabendo que um dia encontraria Toninha novamente, a
saudade tornou-o triste e calado, só falava com alguém quando era
procurado por causa de um remédio ou conselho.
E assim se passaram quatro anos até o dia em que estava junto de
um garoto, colhendo algumas ervas na mata e de repente sentiu
uma dor forte no peito e “desfaleceu”.
Quando “acordou”, não acreditou no que viu. Ao seu lado estavam
Toninha e seu velho mestre, neste momento entendeu que havia
desencarnado.
Foi levado a um local com grandes jardins e enormes construções.
Por ali circulavam várias pessoas: negros, índios, soldados, enfim
todos os tipos de pessoas andavam por ali.
Apesar de estar confuso e sonolento sentia um profundo bem-estar
naquele local.
Alguns dias depois já se sentia recuperado e começou a conhecer
melhor tudo por ali, sempre com Toninha a seu lado.
Ficou sabendo que ali era uma Colônia espiritual, que servia tanto
para acolher espíritos recém desencarnados, como para descanso
das falanges espirituais que atuavam no plano físico.
Sua natureza curiosa o levou a começar a estudar, coisa que
Toninha já fazia há algum tempo e o ajudou muito.
Conheceu os grupos que atuavam naquela região, teve contato com
espíritos elementares, soldados, índios, europeus, orientais, que
trabalhavam ali na mais perfeita harmonia.
Além de estudar passou a fazer parte de um dos grupos
responsável por vir ao mundo material e ajudar no recolhimento de
espíritos recém desencarnados, já Toninha atuava como
“enfermeira” na colônia.
Na primeira vez em que saiu a campo, notou que eram
acompanhados por alguns espíritos de feições duras, perguntou ao
espírito que comandava aquele grupo quem eram:
– Irmão, estes são nossos amigos guardiões, eles nos acompanham
para nos ajudar no caso de sofrermos ataques das entidades do
baixo astral.
Tomás tornou-se um ser atuante naquela colônia, estudou bastante
e passou a ser um dos orientadores do local.
Chegou um tempo em que começou a nascer no Brasil, gerada na
espiritualidade, dentro das leis de Deus, uma nova religião. Uma
religião que viria para suprir a grande falta de espiritualidade que
atingia principalmente os mais humildes, haja visto que os mesmos
não eram muito aceitos nas mesas da doutrina espírita que havia
chegado da Europa.
Desde o início estavam engajados neste novo desafio, gostavam de
estar em contato com os encarnados, orientandoos e ajudando-os
em suas dificuldades.
Logo estavam trabalhando “incorporados” em médiuns em um
terreiro, primeiro Tomás, algum tempo depois Toninha.
Trabalharam por muitos anos “incorporados” no mesmo terreiro até
que o médium que servia de aparelho a Tomás veio a desencarnar,
Toninha ainda trabalhou por algum tempo mais até que seu
“aparelho” também desencarnou.
Nem por isto deixaram de trabalhar na colônia, por causa da
experiência que adquiriram eram muito procurados por outros
espíritos para esclarecerem suas dúvidas.
Passaram-se muitos anos até poderem voltar a trabalhar
incorporados num terreiro, primeiro foi Toninha e algum tempo
depois Tomás, foram ajudando na evolução destes médiuns, até que
os mesmos estivessem aptos a comandar uma casa, e assim foi.
Hoje, trabalham juntos no comando espiritual desta casa, com a
simplicidade e seriedade que a umbanda merece, e muito felizes
com o resultado.
Capítulo IV - Pablo e Luíza
Pablo nasceu cigano, em um lugar próximo a Carmona, uma
pequena cidade da Andaluzia. Sua família adorava viajar pelo
mundo, e como eles mesmos diziam “seguiam para onde o vento
soprava”.
Seu pai era o chefe da tribo e desde muito novo começou a prepará-
lo para substitui-lo no futuro.
Luíza era um pouco mais nova que Pablo, sua mãe era uma das
parteiras do grupo.
Desde o primeiro momento todos sabiam que eles ficariam juntos.
Pablo era moreno, olhos negros, forte, alto, rosto sério. Luíza tinha
cabelos muito negros, olhos azuis, pele alva, era linda, mas o que
mais chamava a atenção era seu maravilhoso sorriso.
Quando Pablo estava com 27 anos, seu pai sofreu um acidente e
desencarnou, e assim, de um momento para outro, se viu obrigado
a assumir a chefia do grupo.
No início teve dificuldades, mas logo era venerado por seus
comandados devido ao seu apurado senso de justiça e inteligência.
Casou-se com Luíza e tiveram uma filha a quem chamaram de
Krysta.
Seu grupo viajou pela Europa durante anos, e nos arredores de uma
pequena cidade da região de Abruzzi, na Itália, foram atacados por
um numeroso grupo de moradores, que afirmavam que haviam sido
roubados pelos ciganos, mas na verdade o fizeram por acreditarem
serem eles donos de muito ouro, e que o mesmo estava escondido
em suas carroças.
Luíza viu o que acontecia, reuniu as mulheres, crianças e velhos, e
se esconderam numa gruta, foram descobertos e seus atacantes
juntaram madeira e fizeram uma grande fogueira na entrada da
caverna matando por asfixia todos que estavam lá dentro.
Já os homens foram mortos a facadas e pauladas, alguns foram
poupados e torturados para que revelassem onde estava o ouro.
Pablo foi o último a morrer, depois de ser torturado por horas. Os
atacantes jogaram todos os corpos na caverna e causaram um
desmoronamento da sua entrada, selando-a e transformando-a num
grande túmulo coletivo. Neste dia Krysta contava com oito anos.
Os espíritos foram levados por socorristas para uma colônia de
recuperação, mas alguns entre eles Pablo, não aceitaram esta
ajuda.
No início ficaram dentro da caverna vendo seus corpos se
decomporem, depois saíram a vagar pelas redondezas, sem saber o
que fazer, até que em dado momento começaram a se agrupar em
torno de Pablo para resolverem o que fazer. Estavam todos com
muito ódio e sede de vingança.
Resolveram seguir para a cidade para descobrir algum modo de se
vingar. Com o passar do tempo aprenderam a maneira de obssediar
as pessoas e passaram a fazê-lo indiscriminadamente.
Pablo não conseguia aplacar seu ódio e sua revolta, que aumentava
cada vez que se lembrava de Luíza e Krysta. O que ele não sabia é
que as duas, como outros espíritos de sua tribo, estavam
recuperando-se em uma bela colônia.
Quando Luíza, Krysta e os outros espíritos da tribo já se
encontravam refeitos e recuperados, receberam como missão tentar
resgatar aqueles que ainda estavam perdidos pelo mundo material,
com muito ódio e sentimento de vingança. Luíza e Krysta foram
atrás de Pablo, mas nas primeiras vezes que estiveram próximas
dele não foram notadas pois ele vibrava em uma freqüência muito
baixa por causa dos sentimentos negativos que mantinha.
O orientador que as acompanhava aconselhou-as a insistir, que logo
a resistência seria quebrada. Um dia Pablo estava particularmente
saudoso de seus dois amores, e esta saudade num primeiro
momento aplacava o ódio, e foi neste momento que as duas
conseguiram se fazerem notar. Pablo não se continha de alegria,
mas voltou a ficar sisudo quando Luíza lhe pediu para que deixasse
de lado o ódio e a vingança.
– Não posso, eles têm que pagar pelo que fizeram, não merecíamos
isto, não tínhamos feito nada.
– Meu amor – disse Luíza –, deixe isto de lado, só vai fazer mal a
você mesmo, venha conosco.
– Não posso, preciso terminar minha vingança, eles precisam pagar
pelo que nos fizeram.
Neste momento Luíza e Krysta começaram a desaparecer, não
porque estavam indo embora, mas porque Pablo voltava a vibrar
numa freqüência muito baixa.
Num último momento Krysta gritou:
– Papai, nós te amamos!
E desapareceram...
Pablo continuou a praticar seus atos de vingança, mas já não os
fazia com tanta intensidade, algo dentro dele havia mudado. Um dia
sentiu-se cansado, saudoso de seus dois amores e chorou. Chorou
como uma criança chora ao sentir falta da mãe, lembrou-se de
Santa Sara Kali, a santa Cigana, e pela primeira vez, desde o dia
em que desencarnou, rezou pedindo ajuda. No mesmo instante
Luíza e Krysta apareceram na sua frente. Suas lágrimas caíram com
mais intensidade, abraçou-se a elas e sem dizer nada deixou-se
levar.
Foi levado para a Colônia, onde por muito tempo permaneceu se
recuperando e estudando, aprendeu muito sobre a espiritualidade,
Pablo era um espírito elevado que por algum tempo esteve perdido,
mas logo recuperou este tempo, e graças a isto pôde começar a
ajudar na colônia. Era um momento delicado, algumas guerras que
estavam acontecendo no mundo material deixavam as colônias de
recuperação com muito trabalho, por causa do grande número de
espíritos que desencarnavam diariamente.
Pablo, vendo isto, pediu autorização para fundar uma nova colônia,
e foi autorizado.
A nova colônia foi idealizada como um acampamento cigano e para
lá eram encaminhados espíritos ciganos ou que tivessem algum tipo
de afinidade com eles, mas devido às circunstâncias passaram a
receber outros espíritos. Depois de recuperados estes espíritos
eram encaminhados para outros locais, mas alguns resolviam ficar e
passavam a fazer parte daquela comunidade.
Foram muitos e muitos anos de trabalho árduo, mas
recompensador. Pablo era um bom líder e era estimado por todos,
sempre ladeado por Luíza e Krysta.
Muito tempo depois surgiu uma nova religião espiritualista, uma
religião simples onde todos eram acolhidos, sem nenhum tipo de
distinção, e os ciganos foram se achegando a ela.
Neste mesmo período receberam a notícia de que Krysta iria
reencarnar, ficaram num misto de tristeza e alegria. Tristeza por
terem de se separar dela, alegria por que ela poderia cumprir sua
missão.
Certo dia receberam na colônia a visita de alguns espíritos que eram
uns dos mentores desta nova religião, e foram consultados sobre a
possibilidade de fazerem parte deste novo trabalho, e de pronto
aceitaram a nova missão. Dividiram o seu tempo entre as atividades
da Colônia e a nova empreitada, depois de muito tempo atuando de
forma astral, resolveram atuar mais efetivamente neste movimento e
passaram a estudar a melhor forma de fazê-lo. Acabaram por se
afinizar com um casal de médiuns, que tinham muito em comum
com eles, principalmente o amor que sentiam um pelo outro e
receberam autorização de fazerem parte da coroa dos mesmos.
Hoje trabalham em uma casa, integrados totalmente, sempre que
podem, trazem outros espíritos de sua comunidade para atuarem
com os médiuns da casa.
Tiveram uma grande alegria quando souberam que Krysta
reencarnaria como filha do casal, pois assim continuariam próximos
a ela.
Sempre que alguém chega a esta casa muito angustiado e é
atendido por eles, esta pessoa é levada a fazer um “passeio” e é
transportada para o “acampamento”, onde a pessoa é envolvida
pela alegria reinante no local, e assim comece a equilibrar suas
energias e fique mais sensível para receber as energias
revitalizantes que lhe são enviadas durante os trabalhos.
Muitos que estiverem lendo estas linhas, já passaram por isto e
sabem bem do que estou falando.
Capítulo V - Tico
Nasceu num bairro pobre, à beira de um rio na periferia de uma
cidade. Seu nascimento passou despercebido, pois era apenas mais
uma criança que nascia e que se tivesse sorte “vingaria”, ou então
viveria alguns anos e logo morreria de fome ou com alguma doença,
coisa comum por ali.
Recebeu um nome que logo seria esquecido, pois devido a sua
compleição física, era chamado de “tiquinho de gente” ou apenas
“Tico”.
Alguns notavam que desde bebê ele tinha os olhos muito vivos,
como se estivesse observando tudo, e conforme ia crescendo
demonstrava uma inteligência fora dos padrões do local, além de
uma grande teimosia.
Sua mãe saía cedo para trabalhar e ele ficava com seus outros três
irmãos mais velhos, pai não tinha, ou melhor, não conhecia, e o
mesmo acontecia com seus irmãos.
Aos três anos já sabia esmolar e saía pela cidade com seus irmãos
e outras crianças para pedir.
Do jeito deles eram felizes, brincavam e se divertiam pelas ruas,
mesmo quando eram enxotados de algum lugar, logo a correria se
transformava em diversão.
Tinha uma fixação especial por “maria-mole”, sempre que conseguia
alguma moeda, corria até uma venda miserável que tinha perto de
sua casa, comprava uma e logo a enfiava inteira na boca.
Estava com quase seis anos, no dia em que viu um de seus irmãos
pegar uma caixa de fósforos e começar a acendê-los, até que
resolveram fazer uma fogueira na cozinha, e de repente o fogo
tomou conta de tudo, era a última coisa que lembrava.
Despertou assustado, tossia muito, ainda sentia o cheiro da fumaça
e tinha dores, como se estivesse queimado. Olhou para os lados e
não conseguiu reconhecer o local onde estava, parecia um enorme
quarto, todo branco, com muitas camas e com crianças deitadas em
algumas delas, inclusive dois de seus irmãos, somente o mais velho
não estava ali.
A porta do quarto se abriu e entrou uma mulher muito bonita, vestida
também de branco, que perguntou:
– E então crianças, como estão se sentindo? Alguns se queixavam
de alguma coisa, outros como Tico nada diziam.
Como estava ainda confuso, olhava a tudo com a atenção que lhe
era peculiar, a moça tornou a falar:
– Aqueles que conseguirem andar sozinhos venham comigo, vamos
andar um pouco no jardim. Os outros fiquem tranqüilos pois serão
ajudados por estes outros amigos.
Foi só então que Tico notou que havia outras pessoas de branco no
quarto.
Foram saindo e ao chegarem no jardim Tico ficou maravilhado, era
muito, mas muito mais bonito que as praças da cidade. Pessoas de
várias idades circulavam por ali, em alguns locais existiam bancos
onde pessoas conversavam, foram encaminhados para um local
próximo a uma fonte, sentaramse na grama e várias pessoas se
aproximaram ministrando nas crianças passes energéticos.
Um senhor chegou e começou a falar:
– Meus queridos irmãozinhos, sejam bem-vindos, vocês vão ficar
aqui por um tempo, recuperando-se e estudando, até que possam
continuar sua jornada, agora vocês fazem parte desta colônia.
Sem saber como, Tico entendia tudo o que o homem falava.
Quando estavam voltando ao quarto, Tico perguntou à mulher que
os acompanhava:
– Se nós vamos morar aqui onde estão minha mãe e meu irmão
mais velho?
A mulher sentou-se na cama ao lado dele e calmamente explicou-
lhe de forma simples e clara, que ele e seus dois irmãos haviam
desencarnado no incêndio e que agora estavam em tratamento,
recuperando-se de possíveis traumas, e que sua mãe e seu irmão
continuavam encarnados, prosseguindo em sua missão.
O tempo passava, estavam sempre participando de palestras e
também brincavam muito.
Todos os dias chegavam novas crianças na colônia, mas também
alguns iam embora.
Já fazia um certo tempo que estava na colônia, quando Tico foi
chamado a uma sala. Lá chegando foi recebido pelo “tio” que era o
responsável pelo local.
– Tico, hoje você vai conhecer a sua história e decidir como vai
seguir sua missão.
Sentou-se, e como num passe de mágica começaram passar em
sua mente imagens onde se identificava com alguns dos
personagens, sabia que se tratavam de suas encarnações na terra,
isto se seguiu até chegar à sua última encarnação. Quando acabou
o “tio” disse:
– Bem Tico, agora que você já viu e lembrou de tudo, sabe que tem
algumas coisas a fazer e que um dia precisará reencarnar para
terminar sua missão.
– Sei sim, tio.
– Você pode ficar aqui até chegar este momento.
– Tio eu gostaria de poder ver minha mãe mais uma vez.
– É um pedido justo, vou pedir a Selma que te leve até ela.
Selma o tomou pela mão e em um segundo estavam no mundo
material. Só não reconhecia o local, não era seu antigo bairro.
Chegaram a uma casa simples toda branca de onde saía uma
música cadenciada por tambores, havia algumas pessoas sentadas
em bancos num lado e do outro lado, separados por uma corda,
outras pessoas vestidas de branco cantavam e batiam palmas, viu
também muitos espíritos que circulavam por ali, notou que a grande
maioria era de homens e mulheres negros e velhos. Como se
estivesse lendo seus pensamentos Selma começou a explicar:
– Tico, este aqui é um terreiro de umbanda, um local onde espíritos
como nós podem vir ao mundo material e com o auxílio de
encarnados que possuem uma coisa chamada mediunidade,
transmitir coisas boas aos outros encarnados.
– Mas por que viemos até aqui?
– Olhe ali naquele banco. – respondeu Selma.
Tico olhou e reconheceu sua mãe, sentada entre outras pessoas e
perguntou:
– Por que ela está aqui?
Selma com toda a paciência, começou a explicar:
– Sua mãe, depois do acidente onde ocorreu o desencarne de
vocês, ficou desesperada, pois além de ter “perdido” os filhos, ainda
não tinha mais onde morar, ela e seu irmão mais velho ficaram pelas
ruas ou dormindo em albergues, até que sua mãe conheceu uma
senhora que morava neste bairro, que ficou penalizada com sua
história e ofereceu uma moradia muito modesta, mas bem
ajeitadinha para sua mãe e seu irmão morarem até que a sua
situação melhorasse. Mas sua mãe continuava sem forças e
amargurada com a “morte” de vocês, então ela trouxe sua mãe até
este local. No início sua mãe vinha a contra gosto, para não ofender
a sua benfeitora, mas com o passar do tempo começou a gostar do
local, sentir-se bem e agora já faz cinco anos que vem aos
trabalhos. Neste meio tempo as coisas melhoraram muito para eles,
sua mãe trabalha como arrumadeira num hotel no centro e seu
irmão, além de estudar, está trabalhando como aprendiz numa
marcenaria, onde além de aprender uma profissão, ganha uns
trocados. Sua mãe enamorou-se de um homem, que apesar de não
ser rico é muito trabalhador e eles vivem bem numa casa que se
não tem luxo, pelo menos é um lar, ele inclusive faz parte do corpo
mediúnico desta casa, é aquele moreno de barba que está naquele
lado.
Tico olhou para onde Selma apontava e viu um homem de feições
agradáveis e ao seu lado um velhinho sorridente de pele muito
escura.
Ficou feliz, pois apesar de não falar, estava muito preocupado com a
sorte da mãe e do irmão.
Gostou muito da energia que emanava daquele local, quando
voltaram à colônia, estava curioso e queria saber tudo sobre ele.
Descobriu que esta forma de atuação do astral tinha o nome de
UMBANDA, foi levado a outras casas, conheceu muitos espíritos
que atuavam na Umbanda, até que tomou uma decisão e foi falar
com o “tio”:
– Tio, eu quero trabalhar na Umbanda, pelo menos até chegar o dia
da minha reencarnação.
– Eu já esperava por isto, dado seu interesse por esta prática, mas
quero te alertar de uma coisa, ela tem regras e hierarquia que
devem ser obedecidas.
Tico torceu o nariz, obedecer a regras não era seu forte, e o “tio’
sorriu, pois conhecia a teimosia do menino.
Começaram a preparar as coisas e Tico foi levado à presença de
alguns espíritos que militavam na Umbanda, acertaram tudo e Tico
foi conhecer um menino que se seguisse sua missão viria a ser seu
médium de trabalho no futuro, mas antes de tudo deveriam esperar,
pois como todos, ele teria seu livre arbítrio para escolher que
caminho seguir.
Tico era muito impulsivo, e começou por conta própria “visitar” o
garoto, só que isto o assustou, pois ele não entendia ainda o que
estava ocorrendo. Tico foi repreendido pelos mentores e teve de se
contentar em esperar a hora certa.
Hoje já trabalham juntos a algum tempo, sempre obedecendo as
ordens dos Pretos velhos, se bem que Tico continua com suas
teimosias, mas é um valoroso trabalhador de UMBANDA.
Capítulo VI - Dito
Nasceu Benedito dos Santos, numa favela de uma cidade portuária,
não conhecera seu pai e não lembrava muito bem de sua mãe, pois
esta o abandonara criança. Foi criado por uma mulher a quem
chamava de madrinha, era obrigado a esmolar para comer. Desde
pequeno sonhava ser marinheiro, ficava horas observando os
navios no porto. Sem estudos, o único trabalho que conseguira
quando começou a ficar adulto foi de carregador no porto. De certa
forma ficou feliz, pois era um jeito de estar próximo dos navios.
Foi também muito cedo que tomou o contato com a bebida e com o
ópio, não se acostumou com a droga, em compensação a bebida
era sua companheira, bebia de tudo, mas as de sua preferência
eram a cerveja e o run. Também tomou gosto pelos prazeres pagos,
sua maior diversão era ir aos prostíbulos, os de mais baixa
categoria, gastava tudo o que ganhava embriagando-se e fazendo
festa com prostitutas.
Apaixonou-se por uma delas, que nada mais queria dele senão seu
dinheiro, fazendo com que ele entrasse numa fossa sem fim,
bebendo cada vez mais.
Um dia surgiu a oportunidade de trabalhar embarcado num navio,
era velho, mal conservado, só fazia pequenas viagens, mas era a
realização de um sonho, iria ser marinheiro, juntou uns poucos
trocados e comprou um chapéu branco de marinheiro, foi muito
caçoado pelos companheiros, mas nem ligou, tal era sua alegria.
Esta felicidade só era abalada quando lembrava “daquela ingrata”,
aí então bebia mais que de costume, cantava e chorava, mas logo
ficava alegre de novo.
Foi numa destas bebedeiras que ao chegar ao barco, tropeçou
numa corda, bateu a cabeça na murada e caiu no mar, vindo a
desencarnar, seu corpo nunca foi encontrado, não que alguém se
preocupasse com isto.
Acordou tonto, estava no convés do navio, levantou-se cambaleante
e viu que estavam em alto mar, pensou na bronca que iria levar por
estar dormindo até aquela hora, sentia uma dor muito forte na
cabeça, viu seus companheiros agitados e também viu outros
homens que não conhecia, mas como era normal a contratação de
marujos, não deu importância. Foi procurar o contra-mestre, para
ver que tarefas teria, falava com ele, mas este o ignorava, começou
a ficar nervoso, tentou conversar com seus companheiros, mas
estes também agiam como se ele não estivesse ali. E foi então que
ouviu alguém dizer:
– Olhem lá, o tonto quer conversar com os amigos. Viu vários
indivíduos desconhecidos rindo, ficou furioso, quem aqueles idiotas
pensavam que eram para rir dele daquele jeito?
Olhou para eles e notou um rosto conhecido entre o grupo, um
marujo que ele conhecia de algumas farras, seu nome era Artur, só
havia um porém: Ele havia morrido há alguns meses, fora golpeado
várias vezes com uma faca durante uma briga, como ele poderia
estar ali?
A resposta não se fez esperar, o mesmo homem que falara
anteriormente, disse:
– Amigo, não adianta querer falar com eles, você está morto e eles
não ouvem os mortos.
Mais uma saraivada de gargalhadas e Dito, assustado com aquilo
tudo, sentou-se num canto isolado para pensar, sua mente
continuava confusa e sua cabeça ainda doía.
O navio aportou e os marujos desceram, sempre acompanhados por
aqueles estranhos, quando não havia mais ninguém no barco Dito
saiu de seu canto e resolveu descer também, seguiu o grupo a certa
distância, observou que havia muita gente por ali, alguns com
deformidades e ferimentos, alguns que não conseguia distinguir as
feições.
Ficou sentado por um bom tempo do lado de fora de um bordel, em
dado momento viu se aproximar um velho, que apesar de estar mal
vestido, não lhe era desagradável, ele sentouse ao seu lado e disse:
– Estava te observando, não se preocupe, eu também já estive
como você.
Dito estranhou, primeiro o velho falava com ele e segundo esta
conversa de “já estive como você”.
O velho continuou:
– Seu corpo morreu mas seu espírito continua vivo, a única
diferença é que os encarnados não podem vê-lo nem ouvi-lo, pelo
menos não todos.
– Como é que você sabe de tudo isto?
– É que quando eu morri, fiquei meio perdido por aí, até que um dia
um grupo de espíritos muito iluminados veio falar comigo e me
levaram a um lugar maravilhoso, onde aprendi muita coisa sobre o
mundo espiritual, só que eu sentia muita falta da vida aqui de
“baixo”, das festas, da agitação, das bebidas e tudo mais.
– Mas se você é um espírito como é que você aproveita tudo isto?
Não deveríamos estar no céu ou no inferno?
– Céu e inferno não existem da forma como pensamos, são lugares
onde “caímos” de acordo com o nosso merecimento.
– Não sei o que pensar, eu estou confuso.
– Vamos fazer uma coisa, você fica comigo e eu te ajudo a se virar
por aqui.
E assim foi, por muito tempo acompanhou o “velho”, aprendeu como
volitar, como matar a vontade de beber, sugando o vapor da bebida
ingerida pelos encarnados e muito mais.
Volta e meia recebia a visita dos tais espíritos de luz que o
convidavam para conhecer a “colônia”. Também algumas vezes foi
surrado ou teve de fugir de espíritos brutos, quase selvagens.
Um dia, já meio cansado de toda aquela agitação, foi novamente
convidado por um espírito para conhecer a tal “colônia”, acabou
aceitando o convite e gostou do lugar, sentiuse muito bem, passou a
estudar e aprendeu muito dos “mistérios” da espiritualidade e viu
que não existia nenhum mistério. Ainda caminhava pelo mundo
material, mas sempre voltava à “colônia” para aprender algo mais.
Certa vez, sentado numa calçada, ouviu o som de “tambores”,
pensou se tratar de alguma festa, foi até o local, mas viu que na
verdade era uma espécie de ritual religioso. Nunca havia sido
religioso quando encarnado nem se lembrava de ter entrado numa
igreja, mas sentiu paz naquele local, um espírito com feições
indígenas o convidou a entrar, e ele nunca mais saiu. Aprendeu que
ali era um terreiro de Umbanda, estudou e tornou-se mais um
valoroso trabalhador de Umbanda.
Saravá, Iemanjá!
Salve as forças dos Marinheiros de Umbanda!
Capítulo VII - Beira Mar (Capitão)
Saiu da sala de comando apressado, já tinha suas ordens e as
cumpriria a qualquer custo, deveria seguir com seu pelotão até um
local que ficava no extremo norte do litoral e a qualquer custo
impedir a invasão dos inimigos. Havia a suspeita de que a invasão
começaria por ali.
Se isto se confirmasse deveria enviar um emissário que logo
receberiam reforços para rechaçar esta tentativa. Já fazia quase um
mês que estavam ali, quando numa madrugada foi acordado em sua
barraca.
– Capitão, Capitão – gritava um soldado –, eles estão
desembarcando!
Rapidamente saiu e ficou deveras assustado com o que viu, os
invasores eram em número muito maior do que podia imaginar, e
pela primeira vez sentiu medo.
Mas sua mente trabalhou rápido, distribuiu as ordens, conseguiu
com isto causar certa surpresa aos invasores, que não esperavam
encontrar resistência ali.
O emissário já havia partido e aguardavam ansiosos a chegada dos
reforços, enquanto isto resistiam como podiam às investidas dos
inimigos.
Dois dias depois, seu mensageiro voltou e lhe deu a pior notícia que
poderia receber: o reforço demoraria a chegar, estavam sendo
atacados em outras frentes.
Ao dar esta notícia a seus comandados, teve de usar de toda sua
autoridade, pois alguns queriam recuar, mas suas ordens eram de
resistir a qualquer preço, foi o que fizeram, por quase uma semana
lutaram com todas as suas forças para conter o avanço dos
invasores, até que estes lançaram uma ofensiva decisiva.
Ao entardecer restavam naquele abrigo, ele e mais dois homens,
um deles ferido. O comandante inimigo chegou próximo e lhes
ofereceu a chance de rendição, a resposta foi um tiro que quase o
acerta. Recebeu a oferta do inimigo como uma ofensa, nunca
admitiria uma rendição. Assim sendo foram atacados ferozmente e
feridos mortalmente, agonizava, e em sua cabeça pensamentos e
memórias, nos últimos momentos refletiu e viu que não tinha
nenhum legado para deixar, nem herdeiro, haja visto nunca ter
pensado em se casar, pois seu grande amor sempre foi sua farda.
Aos poucos foi perdendo a consciência, fechando os olhos até
desfalecer.
Acordou com muitas dores, viu que não estava mais com seu
uniforme e sim com uma espécie de túnica, seus ferimentos ainda
sangravam, estava muito fraco e foi perdendo novamente a
consciência, mas antes de perdê-la totalmente, conseguiu ver uma
pessoa.
Novamente ao despertar se viu no mesmo local: um quarto amplo,
com muitas janelas por onde a luz do sol entrava abundantemente,
viu que seus ferimentos já estavam bem melhores, já não sentia
tantas dores, só se sentia um pouco confuso, parecia que estava
num hospital embora fosse diferente daqueles hospitais de
campanha que conhecia.
Tentou levantar e com muita dificuldade conseguiu, assim que
chegou na porta esta se abriu e apareceu um moço muito jovem e
sorridente que falou:
– Bom dia Capitão, como está se sentindo?
– Estou um pouco fraco mas me sinto bem, onde estou? O que
aconteceu?
– Calma Capitão, logo vai saber de tudo, por enquanto o senhor
deveria descansar mais um pouco.
Pensou em discordar, mas não se sentia com forças para tal, tornou
a deitar e logo adormeceu novamente.
Quando finalmente acordou, já não se sentia tão fraco, o mesmo
rapaz estava novamente no quarto e lhe disse: – Olá Capitão, vejo
que o senhor está bem melhor, venha comigo, vamos dar um
passeio!
Saíram e passaram por alguns corredores até chegarem a uma
grande porta, e do outro lado deram com um grande jardim, muito
bonito e florido, várias pessoas passeavam ou estavam sentadas
por ali. Num primeiro momento não prestou atenção nas pessoas,
estava preocupado em saber onde estava, aquele hospital era
diferente de todos os que conhecia. Começou a reparar nas
pessoas, havia muitos enfermeiros mas havia também muitos
pacientes como ele, e notou que eram de diferentes origens, estava
cada vez mais intrigado com tudo aquilo. À tarde foi chamado para
uma sala onde estava um senhor de feições muito sérias, porém
sem ser desagradável, que foi logo lhe dizendo:
– Seja bem-vindo Capitão, como está se sentindo hoje?
– Estou bem, senhor.
– Trouxemos você aqui para que tome consciência de sua nova
condição.
Mantinha-se calado, apesar de curioso não demonstrava, pois era
acostumado a ouvir seus superiores sem fazer perguntas.
– Quais são suas últimas lembranças antes de chegar aqui?
– Perguntou o homem.
– Lembro-me de estarmos sendo atacados e de ter sido ferido,
depois perdi os sentidos e não vi mais nada.
– Na verdade, capitão, você foi ferido gravemente e esta perda de
sentidos que você fala, foi seu desencarne, você foi trazido para cá,
uma colônia de auxílio espiritual. Apesar de acolhermos a todos,
você vai notar que existem aqui muitos militares devido a algumas
guerras que estão acontecendo no plano material.
Desta vez não se conteve e perguntou assustado:
– Quer dizer que morri?
– Seu corpo sim, mas você continua vivo.
Estava muito confuso, nunca acreditou em Deus ou espíritos, e
agora isso, pediu permissão e saiu dali apressado.
Passaram-se alguns dias, estava recluso em seu quarto, não saía
para nada, procurava entender o que acontecia, quis voltar a seu
“posto” no mundo material e foi pedir ajuda ao enfermeiro que o
atendia.
– Capitão, é só o senhor mentalizar bem o local e logo estará lá,
mas por que não fica por aqui por mais algum tempo?
– Não. Preciso ir e ver exatamente o que aconteceu.
Dizendo isto, fechou os olhos e pensou firmemente no local onde
ficava seu “posto”, e num piscar de olhos se viu levado ao abrigo em
que esteve com seus soldados. Estava tudo muito diferente, e não
havia sinal nem de seus soldados e nem dos inimigos, ficou
vagando por ali, vez ou outra via outros espíritos, e assim foi
passando o tempo, até que um dia resolveu ir até o quartel, lá
chegando notou muitas mudanças, não havia tanta agitação como
no tempo em que servia ali, descobriu também que não estavam
mais em guerra.
Sem ter mais o que fazer ali, voltou à praia, começou a refletir sobre
sua vida:
Não havia construído nada, dedicou sua vida ao exército, não sabia
fazer outra coisa; obedecia ordens sem discuti-las, não guerreava
por prazer, mas quando ordenavam, cumpria suas missões da
melhor forma possível. Era assim que passava seus dias,
meditando, até que um dia, sentado numa pedra à beira mar, sentiu
uma presença atrás de si, e ao se virar deu de cara com um homem
vestido como soldado que servia em navios de guerra em tempos
muitos antigos, não sentiu medo, apenas curiosidade e logo
perguntou:
– Quem é você?
– Meu nome é Tales, vim aqui convidá-lo para ir até o local que nos
serve de parada e conversar com meu comandante.
Num primeiro momento pensou em mandá-lo embora, mas como
não tinha nada a fazer nem a perder e já estava entediado, resolveu
ir com ele, isto tudo sem falar da curiosidade.
Seguiu com o estranho e logo chegaram a uma construção simples
mas agradável, uma vez lá viu que havia vários soldados de várias
épocas e naturalidades, antigos soldados romanos, gregos e outros
de algumas civilizações que não conhecia. Foi levado até uma sala
onde um homem vestido com um uniforme que ele não reconheceu,
o saudou:
– Seja bem-vindo Capitão!
– Obrigado, mas que lugar é este?
– Aqui é uma colônia ou quartel como preferir, onde acolhemos
espíritos de soldados e guerreiros que aceitam trabalhar na luz.
– Como assim trabalhar? Quer dizer que aqui também se trabalha?
– Sim e muito, talvez mais até que na matéria.
– E o que querem de mim?
– Quero convidá-lo a fazer parte de nossa colônia.
Não sabendo o que responder, pois fora pego de surpresa, ficou em
silêncio, até que perguntou:
– E o que teria de fazer?
– Em primeiro lugar passaria por um período de reequilíbrio e depois
de aprendizado para então poder exercer alguma tarefa aqui.
– Não sei. Ainda estou confuso com tudo o que aconteceu, gostaria
de voltar para o lugar em que estava.
– Tudo bem, Capitão – respondeu o comandante do local –, aqui
ninguém é obrigado a nada, façamos o seguinte, volte e reflita sobre
minha proposta, e se decidir aceitá-la, é só chamar por Tales que é
o responsável por aquela região.
Voltou para “sua praia”, e sentado na mesma pedra de sempre, pela
primeira vez viu que o mar era muito lindo, e neste momento pensou
que deixara de dar atenção a muita coisa enquanto estava
encarnado.
O tempo passava devagar, por muitas vezes viu por ali grupos de
espíritos dos mais variados, muitas vezes via saírem do mar seres
de uma beleza e luminosidade estonteantes, e quando via estes
seres sentia um bem-estar sem tamanho, e foi justamente num dia
em que viu alguns destes seres que decidiu que precisava fazer
algo, não podia mais ficar naquele marasmo. Pensou em Tales e
como num passe de mágica ele apareceu.
– Aqui estou Capitão, queria falar comigo?
– Sim, gostaria de voltar à colônia.
– Então vamos!
Saíram dali e em instantes estavam diante dos portões da colônia,
saudaram as sentinelas e entraram, indo direto até a sala do
“Comandante”.
– Como vai Capitão? – Saudou o comandante.
– Vou bem, pensei em seu convite e vim aqui para dizer que aceito,
ou que pelo menos vou tentar.
– Fico feliz e sei que você se sentirá bem aqui conosco.
– E o que devo fazer?
– Não se preocupe, alguém vai te ajudar a entender tudo por aqui.
E dizendo isto chamou um dos espíritos que estavam por ali e disse:
– Carlos, você vai ser o responsável pelo Capitão, deve mostrar a
ele como as coisas funcionam por aqui.
– Sem problemas – respondeu – ... venha comigo Capitão. Seguiu
com ele e foi levado a seus novos aposentos e no dia seguinte
começou efetivamente sua nova “vida”.
Começou a estudar e logo passou a fazer parte de uma das equipes
de resgate, o tempo passou, já era um membro efetivo daquela
comunidade, havia aprendido muito sobre a espiritualidade e
procurava aplicar isto sempre.
Um dia foi chamado junto com outros companheiros até a sala do
comandante, assim que chegaram, ele foi logo falando:
– Amigos, chamei vocês aqui porque recebemos um pedido dos
mentores superiores. Está sendo organizada no astral uma nova
corrente espiritual para auxiliar os encarnados, e eles precisam de
uma falange de soldados e quero saber quem quer ser voluntário
para este novo desafio.
Para aqueles soldados a palavra mágica era “desafio”, como bravos
que eram todos se ofereceram.
Foram orientados a aguardar que logo receberiam as instruções
para esta nova “missão”, e assim foi feito, foram visitados por um
dos mentores e este lhes passou todas as informações, esta nova
corrente seria conhecida como Umbanda, teria vários agrupamentos
de espíritos, que trabalhariam em harmonia em locais denominados
terreiros, muitos se comunicariam diretamente com os encarnados,
por meio de incorporações em pessoas dotadas de mediunidade.
Foram apresentadas a eles as linhas de atuação e o “Capitão” se
afinizou com a linha do sr. OGUM BEIRA MAR, pois em sua última
tarefa enquanto encarnado fora realizada numa praia, foi
imediatamente aceito e passou a atuar sob as ordens deste
“iluminado” General.
Participou da melhor forma possível na estruturação desta nova
vertente espiritual e assim que foi possível passou a atuar num
terreiro.
Hoje continua sua atuação num terreiro, já passou por muitos
médiuns uns bons outros nem tanto, coisa que o deixava triste, mas
sempre procurando auxiliar e cumprir sua missão da melhor maneira
possível.
SARAVÁ À FORÇA DO SR. OGUM BEIRA MAR!
Capítulo VIII - Tatá Caveira
Aquele fim de tarde era igual a muitos outros às margens do Rio
Nilo, a não ser pela agitação, afinal logo mais teriam uma execução.
Salib, um ladrão conhecido tinha sido preso e seu julgador não teve
complacência, e assim foi feito, ao anoitecer seu corpo já estava
pendurado pelo pescoço.
Muitos e muitos anos depois, Salib estava em uma colônia
espiritual, depois de passar muito tempo no umbral, aceitara a ajuda
e agora recebia a notícia de que iria reencarnar e teria a chance de
resgatar, senão todos, pelo menos boa parte de seus “erros”.
Renasceu em Portugal, numa família que não era rica, mas tinha
uma vida confortável. Seu pai era produtor de vinhos e a ele foi
ensinado desde muito novo o ofício, saía cedo com o pai e os
irmãos para as plantações de uva e só retornavam ao final da tarde.
Uma vez por semana ficavam em casa com os irmãos e um
professor vinha ministrar-lhes aulas, o pai fazia questão de que
tivessem um mínimo de instrução.
Salib agora se chamava Armando, era de longe o mais inteligente
dos filhos do sr. José Couto Servo, isto chamou a atenção de um tio,
irmão de sua mãe, que era padre. Este pediu permissão para levar
Armando para o seminário para poder instruí-lo melhor.
Naquela época era “status” para as famílias terem filhos que
servissem a “Santa Madre Igreja”, que era sem dúvida o poder
constituído mais forte.
E assim foi levado ao seminário, estudou muito e resolveu seguir o
clero, não por amar a religião, mas pelas facilidades que isto lhe
trazia, aprendeu a gostar da boa vida, era tratado com deferência
apenas sendo seminarista, já imaginava como seria quando fosse
padre e comandasse sua própria paróquia.
O dia de sua ordenação foi um dia de festa, toda a sua família veio e
foi ordenado pelo Bispo de Portugal. Logo foi nomeado para uma
paróquia, pequena é verdade, mas era um começo.
Alguns anos após a igreja começou a se sentir ameaçada por povos
e pessoas que não lhe eram fiéis e criou a “Santa Inquisição”,
montou tribunais para julgar aqueles que eram considerados
hereges.
Armando acabou nomeado inquisidor e passou a viajar por Portugal
e Espanha realizando julgamentos, o único problema é que não
existiam critérios muito claros para se realizarem estes julgamentos,
ficando assim livre para os inquisidores adotarem os seus próprios
critérios, que na grande maioria das vezes não eram os mais justos.
Armando, apesar de não ser uma das “estrelas” da inquisição,
conseguiu por meio de seus “julgamentos justos”, constituir um bom
dote, uma vez que geralmente os bens que o “herege” possuía
passava para as mãos da igreja após a sentença, e sempre o
inquisidor “esquecia” de mandar algumas coisas.
Um dia Padre Armando foi mandado a uma vila no interior de
Portugal, onde um fazendeiro muito velho estava sendo acusado de
curandeirismo, lá chegando tomou ciência do que ocorria.
O filho de um fidalgo daquela região interessou-se pela neta do tal
fazendeiro. A família da moça não aceitou e o avô foi conversar com
o pai do rapaz, demonstrando todo seu descontentamento com as
atitudes do mesmo. O pai além de não lhe dar a devida atenção,
ficou irritado com a petulância do velho e o expulsou.
Dias depois o outro filho do fidalgo sofreu um acidente, uma viga de
madeira muito pesada caíra e o atingira na cabeça, não tendo
recursos imediatos para ajudá-lo, o pai mandou buscar o ancião que
era conhecido na região por seus conhecimentos de medicina
natural. Quando o velho chegou viu que o rapaz não tinha chance
de viver, logo morreria, pois seu crânio estava muito ferido, disse
isto ao fidalgo que o acusou de não querer ajudá-lo para se vingar.
O rapaz logo faleceu e o pai, com muito ódio, denunciou o ancião às
autoridades que comunicaram o fato à Igreja.
Armando, ao chegar hospedou-se na casa do fidalgo e no dia
seguinte, antes mesmo do julgamento, já tinha seu veredicto. De
nada adiantaram os protestos e apelos da família e do povo em
geral, no final da tarde o velho foi queimado vivo numa fogueira
erguida no meio da praça do povoado, para Armando era uma cena
enfadonha, já havia ordenado muitas execuções e aquela era
apenas mais uma delas.
Uma revolta muito grande se abateu sobre os familiares e o povo do
local, já que o velho era uma pessoa muito querida de todos. No dia
seguinte, Armando e sua comitiva partiram, não andava com muitos
guardas, pois não imaginava quem seria capaz de tentar atacar um
“representante de Deus”, só não contava que o ódio daquela família
seria maior que o medo, e quando passavam por um trecho da
estrada ladeado por barrancos, foram atacados por vários homens
armados com paus, foices e enxadas, foram pegos de surpresa e
não ofereceram muita resistência. Foram mortos a pauladas, e para
que ninguém descobrisse o que acontecera, a carruagem foi
queimada e seus restos jogados no rio, os corpos foram atirados em
um precipício onde dificilmente alguém os encontraria.
Armando abriu os olhos e sentiu-se muito tonto e com muitas dores,
viu que estava numa espécie de quarto e imaginou estar de volta à
casa do fidalgo, prometeu a si mesmo que encontraria e acabaria
com todos aqueles que o haviam atacado, nem que para isto tivesse
de queimar a aldeia toda. Ainda pensava nisto quando viu entrar um
homem velho que lhe disse:
– Olá Armando, como se sente?
– Quem é você? E quem lhe deu permissão para me tratar com esta
intimidade? Você deveria me tratar pelo meu título.
– Armando, aqui seu título não vale nada, você não precisa mais
dele.
– Não estou entendendo, que lugar é este?
– É uma casa de recuperação, você passou por um momento
doloroso e está aqui para se recuperar. Agora descanse, depois
falaremos mais.
Armando ia retrucar, mas suas forças se esvaíram e ele
“adormeceu” novamente.
Quando despertou sentia-se melhor, logo em seguida o velho entrou
e lhe perguntou como estava.
– Estou melhor, chame meu serviçal, preciso que ele prepare tudo
para minha partida, não posso me afastar por tanto tempo de meus
afazeres.
– Calma Armando, tem coisas com o que você não precisa mais se
preocupar, principalmente as coisas materiais. Armando olhava
aquele homem e pensava quem seria ele? Por que ele não
demonstrava temê-lo como os outros? Como se pudesse ler seus
pensamentos o senhor lhe disse:
– Filho, embora você não lembre, já o conheço há muito tempo e
estou aqui para ajudá-lo a compreender sua nova condição.
Que nova condição seria esta? Do que o velho estava falando?
– Armando, não se pergunte tanto, todas as suas dúvidas serão
esclarecidas logo.
– Então comece me respondendo onde estão meus auxiliares e
servos?
– Eles também estão se recuperando em locais apropriados.
– Quer dizer que sobreviveram?
– Sobreviveram, mas talvez não da forma como está imaginando.
– Como assim?
– O espírito de vocês sobreviveu, ou melhor é eterno, já o corpo
carnal morreu.
Armando sentiu uma espécie de vertigem ou ouvir isto, olhou
profundamente para o velho e disse:
– Que brincadeira é esta?
– Não é brincadeira – respondeu o velho –. Seu corpo está morto,
mas seu espírito está aqui, vivo.
– Eu não acredito nisso, quero ir embora, você não pode me manter
preso aqui, sou um representante da “Santa Madre Igreja”.
– Mas você não está preso, pode ir embora quando quiser, apesar
de achar que deve ficar mais tempo aqui para se recuperar
completamente e entender melhor o que se passa.
– Não! – gritou Armando – Quero voltar agora para o lugar onde
estava.
Quase que imediatamente foi transportado a um local ermo, olhou
em volta e viu alguns corpos apodrecidos, alguns já quase que
totalmente descarnados, sentiu nojo, mais adiante avistou mais um
corpo e teve um sobressalto, apesar de estar nas mesmas
condições dos outros, conseguiu distinguir suas roupas era o seu
próprio corpo.
Foi um choque, sentou-se numa pedra e ficou ali, teve a prova de
que o velho falara a verdade da forma mais desagradável possível.
Ficou sentado no mesmo lugar por muito tempo, viu todo o seu
corpo ser consumido até ficarem apenas os ossos. Um dia ouviu
vozes e reconheceu alguns dos homens que falavam, eram
empregados do fidalgo da região, um deles disse:
– Veja, parece que encontramos o inquisidor, vá avisar o patrão.
Seu corpo, ou o que sobrara dele foi levado para a sede da sua
paróquia. Armando que não sabia o que fazer, seguiu com o cortejo
o tempo todo. No início dos funerais, ficou até que feliz em ver o
grande número de pessoas que vinham ao seu velório, mas sua
alegria durou pouco, foi só começar a ouvir os comentários que se
faziam a seu respeito, muitos até comemoravam sua morte, outros,
inclusive alguns parentes, já estavam interessados em saber como
seria feita a divisão de seus bens. Viu que muitos deles estavam
acompanhados de alguns seres grotescos, que lhes falavam aos
ouvidos ou se grudavam em seus corpos tal como sanguessugas,
sentiu-se enojado com tudo aquilo. Quando o cortejo seguiu para o
cemitério foi junto e depois de ver seu corpo ser enterrado, ficou
sentado em cima da tumba.
Não fazia idéia de quanto tempo estava por ali, e em todo este
tempo a única pessoa que retornou a seu túmulo para visitá-lo foi
sua mãe.
De seu local passou a observar tudo o que acontecia no cemitério,
podia ver os mais variados tipos de espíritos, muitas vezes via
alguns que de forma violenta e rude acorrentavam e arrastavam
outros, geralmente recém chegados, de certa forma se sentia
“aliviado”, pois até aquele momento não haviam mexido com ele.
Certo dia, cansado de ficar ali sentado, resolveu andar pelos
arredores, caminhou por todo o cemitério, em alguns momentos
pôde vislumbrar algumas entidades que emitiam uma luz muito forte
que lhe dava uma sensação de paz. E foi neste dia cinzento que
Armando depois de ter dado o seu “passeio” e já tendo voltado a
seu túmulo, foi “acordado” de seus pensamentos por uma voz que
lhe dizia:
– Você foi mesmo um inquisidor?
Imediatamente voltou-se para ver quem lhe falava, e respondeu:
– Sim eu fui um representante da Magna Igreja, por que perguntas?
– É que achei que você havia roubado esta capa.
Armando olhou para o espírito que lhe falava e viu que ele não era
igual à maioria que andava por ali, era jovem, bem vestido e sua
aparência era agradável, mas havia algo nele que lhe causava um
certo incômodo.
– Quem é você? – Perguntou Armando.
– Meu nome é Rúbio, era filho de um rico fazendeiro e desencarnei
por causa de uma tuberculose adquirida na minha vida desregrada.
Ficaram conversando por um longo tempo. Armando descobriu
muita coisa, entre elas que Rúbio fazia alguns “serviços” a pedido
de uma velha com fama de feiticeira, e em troca recebia ofertas das
quais retirava energia vital. Mas o que Rúbio gostava mesmo era de
se divertir com os encarnados, muitas vezes se grudava a eles e os
sugestionava a fazer e pensar coisas que normalmente não fariam.
Armando aprendeu com o companheiro e passou a fazer o mesmo,
gostou da sensação, algumas vezes não conseguia nem se
aproximar de determinadas pessoas, mas na maioria das vezes era
fácil, descobriria mais tarde que isto ocorria porque as pessoas
afinizavam ou não com a sua freqüência vibratória, e também tinha
aqueles que tinham “protetores” que os defendiam de seus ataques.
Um dia ele e Rúbio conversavam e este falou:
– Sabe Armando até que nós formamos uma boa dupla, você com
seu aspecto impõe respeito e ninguém se atreve a mexer conosco.
– O que quer dizer com “seu aspecto”? – Perguntou Armando.
– Vai dizer que não se viu ainda? Você até que é uma caveira
simpática. – Gargalhou Rúbio.
– Como assim, caveira?
– Venha comigo.
Rúbio levou Armando até uma poça de água e disse:
– Concentre-se amigo, pense fortemente que quer ver seu reflexo.
Armando assim o fez, e o que viu o deixou horrorizado, seu corpo
estava reduzido a uma porção de ossos envoltos por sua capa. Não
imaginava como isto teria acontecido. Mais tarde saberia que isto
aconteceu devido ao tempo em que ficou vendo seu corpo se
decompor, inconscientemente seu espírito ainda mantinha uma
ligação muito forte com o corpo assumindo assim as mesmas
formas.
Rúbio, vendo a angústia do amigo, resolveu alegrá-lo um pouco e
disse:
– Amigo, que tal irmos até aquela taberna e nos divertirmos um
pouco com os bêbados de lá?
Armando deixou-se levar, lá chegando viram que estava cheio e
Armando reconheceu dois homens que o serviram enquanto
encarnado, chegou-se a eles e um deles, apesar de não vê-lo,
captou sua presença e falou ao companheiro:
– Sabe de quem me lembrei agora, do falecido inquisidor Armando.
– Credo – respondeu o outro –, não tinha coisa melhor para
lembrar? Aquele desgraçado deve estar no inferno. E passaram a
falar mal dele, desejando-lhe as piores torturas que poderiam existir
no inferno.
Armando ficou furioso e atirou-se contra um deles esmurrando-o, o
homem apesar de não sentir os golpes, começou a sentir-se mal,
com tonturas e dores de cabeça.
Foi a partir deste momento que Armando decidiu que passaria a se
vingar de todos que falaram mal dele. Seguiu o mesmo padrão,
sempre se aproximava das pessoas e se fazia notar e esperava
para ver que tipo de pensamentos a pessoa tinha sobre ele, se não
era de seu agrado, grudava-se ao indivíduo e fazia com que ele
tivesse sensações ruins.
Uma entidade do umbral que comandava um grupo de espíritos
ficou sabendo da atuação de Armando e Rúbio e achou que seriam
de grande valia para seu grupo e foi conversar com eles. Ofereceu
ajuda em troca de alguns serviços, Rúbio que já os conhecia não
quis, mas Armando que só pensava em vingança, achou que com
este acordo seria mais fácil vingar-se de todos os seus detratores.
Passou a atuar em conjunto com o grupo, ora atormentando alguém
que ele escolhia, ora fazendo alguns serviços que eram
encomendados ao líder.
Neste período conheceu um espírito que dominava a arte de
manipular e fazer magia com o fogo, e resolveu aprender com ele, e
logo tornou-se um grande conhecedor destes segredos.
O tempo passou e Armando que já havia ajudado o grupo a
prejudicar muita gente, sempre achando que não tinha
responsabilidades por nenhum dos atos cometidos, uma vez que só
cumpria ordens, recebeu um novo trabalho. Quando chegou no local
indicado teve uma surpresa, a pessoa que deveria prejudicar era um
de seus irmãos.
Naquele momento não soube o que fazer, via que na casa todos
estavam muito alegres, sua mãe muito velha compartilhava com
todos daquela alegria. Chegou muito próximo dela que registrou sua
presença e teve pensamentos carinhosos para com ele. Neste
momento um turbilhão de sentimentos contraditórios e difusos se
abateu sobre ele, resolveu sair logo dali e voltou ao seu túmulo. Não
sabia quanto tempo havia ficado sentado sobre a lápide, perdido em
seus pensamentos quando viu um ancião se aproximar, o mesmo
que o acolhera quando de seu desencarne, o velhinho lhe disse:
– Como vai, meu filho?
– Confuso, não sei o que devo fazer. – Respondeu Armando.
– Se você quiser, pode vir comigo, vou te levar a um lugar onde
tenho certeza que irá encontrar todas as respostas que procura.
Armando não se sentia em condições de discutir, sentiase fraco e
fragilizado, e seguiu com o ancião.
Chegaram ao mesmo local onde estivera quando desencarnou,
ficou lá por algum tempo, pôde refletir sobre suas ações, aprendeu
algumas coisas, inclusive que não precisava mais ficar naquela
forma de esqueleto, poderia assumir a forma que quisesse. Apesar
de tudo o que aprendeu e conheceu, sua consciência não o deixava
em paz, lembrava todos os dias de tudo de mal e errado que havia
feito enquanto encarnado e depois de morto, não se achava digno
de receber tudo o que lhe ofereciam, tanto que resolveu que o
melhor era voltar ao cemitério.
Numa noite de lua cheia em que estava ali sentado no seu lugar de
costume, viu se aproximar dele um espírito, pequeno e franzino,
mas que emanava uma energia muito forte, era uma energia que lhe
era agradável, apesar de ser muito densa, mesmo assim colocou-se
em guarda.
– Olá inquisidor! – falou o estranho.
– Quem é você? – Perguntou Armando.
– Sou um dos Guardiões deste local e vim aqui para fazerlhe uma
proposta.
– Não quero ouvir nada, foi por causa de algumas “propostas” que
estou nesta condição.
– Você se engana, está assim por sua própria culpa e por culpa de
seus atos.
– Se você veio aqui para me acusar perde seu tempo, minha própria
consciência já me culpa por tudo. – Respondeu Armando.
– A minha proposta é exatamente uma chance para você se redimir
de parte desta culpa. Venha trabalhar comigo, auxiliando aqueles
que precisam e merecem serem ajudados.
Viu que Armando estava interessado e continuou:
– Eu já fui como você, mas recebi a mesma chance que estou te
dando e hoje estou cada vez mais perto da “Luz”.
Conversaram por mais tempo e Armando aceitou o convite e passou
a atuar na falange daquele espírito que usava o sugestivo nome de
sr. Caveira, e como ele mesmo sabia como mudar sua forma para a
de um esqueleto assumiu um nome que achou apropriado, “Tatá
Caveira”.
Passou a combater de sua forma aqueles que, como ele já o fizera
um dia, tentavam de alguma forma fazer o mal, além de usar o
conhecimento do fogo, utilizava sua experiência adquirida no tempo
em que atuava como estes espíritos.
Estava sempre em conjunto com seu grupo, sob as ordens do sr.
Caveira, atuando em igrejas, e templos que eram constantemente
atacados por forças das trevas, muitas vezes descia até os Umbrais
para resgatar algum espírito sofredor.
Depois de anos e anos trabalhando desta forma, soube da formação
de uma nova corrente espiritual que viria iniciar sua atuação no
Brasil, país este que já havia sido uma colônia de Portugal, ele e
todos de seu grupo resolveram pedir para fazer parte desta nova
vertente, foram de pronto aceitos, e passaram a atuar como uma
das mais poderosas falanges desta religião, mas isto é uma outra
história.
Capítulo IX - Uma História
Gilberto acordou assustado, além de não dormir bem, teve
pesadelos horríveis, via criaturas horríveis que tentavam agarrá-lo.
Tinha que tirar férias, pois tinha certeza que era culpa do stress!
Fazia dois anos que se formara em administração hospitalar e teve
uma oportunidade na mesma rede onde estagiava antes de se
formar. Foi contratado como temporário e esforçava-se para ser
efetivado. Estava tendo problemas nos últimos tempos, pois estes
sonhos e um terrível mal-estar, que sentia quase que diariamente,
não o deixavam trabalhar a contento.
Ao chegar ao trabalho estava abatido, com olheiras, bem diferente
daquele brilho de outros tempos quando era alegre, brincalhão.
Estava tão desligado que não viu a cara de deboche de um de seus
companheiros de trabalho, que via naquele rapaz cheio de
disposição um perigo à sua posição.
Trabalhou aquele dia todo, mas não se concentrou em nenhum
momento, teve a atenção chamada pelo seu supervisor uma vez
que não entregou um relatório no prazo correto. Ao final do dia foi
para o seu apartamento, que alugou logo após começar a trabalhar
registrado, uma vez que seu pai e seu irmão mais novo moravam
numa cidade da região metropolitana e queria ficar mais próximo ao
trabalho. Neste dia sentiu-se sozinho e carente, resolveu ir até a
casa do pai, pegou o ônibus e ao chegar não estavam em casa,
lembrou que por ser sextafeira eles deviam estar no centro, o pai
não largava da “macumba”.
Foi levado de volta ao passado, desde muito pequeno
acompanhava os pais ao terreiro, gostava muito e sentia-se bem lá,
sua mãe e seu pai faziam parte da corrente, lembrou também da
doença da sua mãe, que, em menos de um ano depois de
descoberta, a matou, lembrou da revolta que sentiu contra todos e
principalmente contra os guias que não fizeram nada.
Não sabia o que fazer, pensou em ir ao terreiro, mas alguma coisa
parecia impedi-lo, resolveu então ir embora, pois sabia a hora que
acabavam os trabalhos e não sentia vontade de esperar.
No ônibus, a caminho de casa, sentia vontade de chorar, pois
achava que tinha sido abandonado por todos aqueles que amava. A
mãe havia morrido, o pai e o irmão preferiam a macumba a ele e
amigos nunca teve verdadeiros. Chegou em casa e nem vontade de
tomar banho tinha, tirou a roupa e foi deitar-se. Demorou a dormir e
quando conseguiu os pesadelos voltaram. Sua rotina continuava a
mesma, só uma coisa havia mudado: sua vontade de viver. Fazia
tudo mecanicamente, sem o mínimo interesse. Alguns dias depois
foi chamado à sala do diretor administrativo do hospital que lhe
cobrou maior empenho e capricho em seu trabalho, pois lembrou
que ele ainda era um “temporário” ali e seu supervisor estava
reclamando dele.
Assim que Gilberto saiu da sala, o diretor, homem justo, espírita
kardecista de muitos anos, ficou pensando o que teria acontecido
com aquele jovem que havia sido contratado justamente por sua
inteligência e vivacidade e de repente se mostrava desmotivado e
desleixado, estava acontecendo alguma coisa.
Gilberto, ao sair dali, estava arrasado, só pensava em ir embora,
olhou com ódio para o supervisor que o “delatara” ao diretor. Saiu
daquele ambiente assim que terminou o expediente. Na rua sentiu-
se mal e entrou no primeiro bar que encontrou para pedir um copo
de água, mas quando chegou próximo ao balcão uma vontade
imensa de beber se abateu sobre ele e não conseguiu resistir,
começou a beber e logo estava embriagado. Saiu para ir embora e
foi assaltado por pivetes, chegou a ser agredido. Já sem forças
sentou-se numa marquise e desmaiou. Acordou sem saber onde
estava, o estômago doía, sentia náuseas e para seu espanto havia
vomitado e urinado nas calças. Levantou-se e seguiu para sua casa,
ainda estava um pouco tonto, chegou em casa e se jogou no sofá
da sala e logo adormeceu de novo.
Enquanto isso acontecia, numa outra dimensão, no umbral, um
diálogo entre duas “criaturas” se desenrolava:
– Acho que agora ele não escapa mais, não tem mais forças para
reagir.
– Se ele é como você falou, tenho certeza que sim, o chefe vai ficar
contente, amanhã mesmo vou dar as notícias, e você, não descuide
dele.
– Pode deixar, não sou de largar um trabalho pela metade. Dizendo
isto foi embora e a outra criatura ficou ali pensando consigo mesma:
– O chefe vai gostar de saber disto, e se bem o conheço vai pedir
mais uma paga por isto.
No dia seguinte, foi ao encontro do chefe, sabia onde ele estaria
naquela hora.
Chegou num barracão e logo na entrada foi encontrando outras
“criaturas” como ele, não foi incomodado, entrou e viu muitos
espíritos de aspectos grosseiros e também alguns encarnados, uns
de branco em certa ordem e outros sentados em bancos no local
destinado para a assistência.
Não cansava de admirar a esperteza de seu chefe que havia
“montado” aquele “terreiro de umbanda”, ele havia se aproximado
de um médium que não tinha uma formação moral bem definida e o
havia sugestionado que já era hora de montar uma casa, assim foi e
ali estavam.
Sabia que só poderia falar com o chefe após os trabalhos, então
começou a observar tudo: a decoração, apesar de contar com peças
caras, era de um gosto duvidoso, o local permanecia numa espécie
de penumbra e o ar era “pesado”, nos fundos do barracão haviam
“casinhas” que eram chamadas de gangas e em volta de todas
essas estavam espíritos de formas grosseiras que se alimentavam
das energias que proviam de oferendas, todas elas basicamente a
base de muito sangue e bebida, ele mesmo tinha seu assentamento
na casa onde era conhecido como Exu Arranca Toco, mas não era
só este nome que usava ali, ele como outros espíritos de seu grupo
se faziam passar por caboclos, pretos velhos, etc., enganando
assim os incautos.
Nesse dia mesmo seria uma gira de caboclos e ele assumiria um de
seus papéis de “caboclo Pena Verde”, ria toda vez que pensava no
número de pessoas que já havia enganado. Seu chefe assumiria a
“identidade” do caboclo “Tupinambá”.Uma vez que todas as
entidades do baixo astral que atuam em casa dita de “religião” têm
por costume adotar nomes de valorosos trabalhadores do astral,
pois assim conseguem enganar melhor aqueles que os procuram.
Os trabalhos começaram, passaram a atender as pessoas que
estavam na assistência, depois que todos foram atendidos, chegou
perto do chefe e lhe deu as notícias.
Seu “Tupinambá” ao saber de tudo, chamou um dos homens que
estava de branco e disse:
– Como você pode ver, seu pedido foi atendido, agora precisamos
fazer um agrado a quem te ajudou.
– Sem problemas meu “Pai”. – respondeu o homem.
– Então anote aí.
E assim, passou uma lista extensa de itens, dentre os quais incluía
muita bebida e alguns frangos para sacrifício.
No mundo material, Gilberto acorda de ressaca, se sentindo o pior
dos homens, foi tomar um banho e enquanto a água caía sobre ele,
pensava no que estava acontecendo e chorava como criança e o
pior é que além de não conseguir entender o que estava
acontecendo, não se sentia com forças para lutar.
Naquele dia não foi trabalhar e nem saiu de casa, ainda bem que
era sexta-feira, pois assim teria um final de semana para tentar
melhorar.
Em alguns momentos pensou em ir visitar o pai, mas logo desistia,
não estava afim de ouvir sermões e pedidos para que voltasse à
“macumba”.
Passou todo o final de semana em casa, quase não comia e evitava
o quanto podia dormir para não ter pesadelos.

Na sessão do terreiro em que o pai e o irmão de Gilberto


freqüentavam era dia de pretos velhos. Seu Antônio era capitão do
terreiro, após todos da assistência terem sidos atendidos já se
preparavam para o encerramento dos trabalhos quando o cambono
chefe do terreiro chegou perto dele e disse:
– Seu Antônio, o Pai Cipriano quer falar com o senhor e com o Luiz.
Pai Cipriano era o preto velho que comandava aquela casa e
trabalhava com a senhora que dirigia os trabalhos no terreiro. De
pronto foram atender à entidade que os chamava.
– A sua bênção meu Pai. – Disseram quase ao mesmo tempo.
– Que nosso Pai Oxalá os abençoe meu “fio”.
– Antônio, sei que você anda preocupado com o seu outro fio, e
você tem razão em tá, pois ele tá passando por um mal bocado.
– E então meu pai, o que podemos fazer?
– Na verdade fio, só podemos rezar para ele aceitar a ajuda do Pai
Maior, pois temos de respeitá o livre arbítrio dele, não podemos
obrigá a ele aceitá uma ajuda que ele não queira.
– Mas pai, deve haver algo que possamos fazer, não é possível que
não exista solução.
– Fio, nós vamos aqui fazê um trabaio de vibração para ele e você
vai tentar conversar com ele pra vê o que acontece. E assim foi
feito, antes dele terminar os trabalhos fizeram uma corrente de
vibração positiva para Gilberto.
Na saída do terreiro, uma mocinha muito bonitinha foi falar com seu
Antônio e com Luiz, enquanto caminhavam em direção às suas
casas ela perguntou:
– O que está acontecendo com Gilberto, ele está doente?
– Olha Alice, nem nós sabemos direito, pois ele quase não tem
vindo nos visitar. Só sabemos que algo está errado e vou tentar
descobrir oque é. – Respondeu seu Antônio.
Ao chegarem em casa Luiz, que até aquele momento mantinha-se
calado, falou:
– Pai, o Gilberto sempre foi um fraco, nunca aceitou a nossa religião
e usou o que aconteceu com a mamãe como desculpa para largar
tudo e acho que agora ele pode estar sendo castigado.
– Não meu filho, a Umbanda não castiga ninguém, se algo está
acontecendo com ele, realmente tem outra coisa. Luiz não falou
mais nada, mas em seu íntimo ainda achava que o irmão estava
sofrendo algum tipo de castigo.
Alice por sua vez estava pensativa, lembrava com saudades de
Gilberto, conheciam-se desde crianças, brincavam juntos,
estudaram juntos, iam ao terreiro e chegaram até a ensaiar um
namorico, mas ele optou por sair dali e fazer sua vida, no fundo era
apaixonada por ele e por isto estava apreensiva com o que estava
acontecendo. Ao deitar-se pediu às suas entidades que o
ajudassem, não sabia ainda seus nomes, pois estava iniciando sua
caminhada na umbanda, mas isto não a impedia de “conversar” com
eles.
Na segunda-feira Gilberto acordou e, mesmo sem ânimo, saiu para
o trabalho, lá chegando se esforçou ao máximo, o que naquele
estado em que se encontrava não queria dizer quase nada.
Novamente deixou a desejar em algumas tarefas e foi repreendido,
e ficou irritado. Um amigo do trabalho penalizado com seu estado o
convidou para sair e como também não tinha nenhum
comprometimento moral levou-o direto ao bar, novamente bebeu,
apesar de não chegar ao ponto da vez anterior. Chegou em casa
levemente embriagado e até conseguiu dormir. Com isto pensou ter
achado a solução para seus pesadelos e passou a beber todos os
dias, mas seus dias continuavam a ser apáticos. Mal sabia ele que
isto estava ocorrendo por que as entidades que o obsediavam
tinham diminuído a “carga” sobre ele, uma vez que ele já estava
dominado.
Novamente deixou de fazer alguns trabalhos e foi chamado
novamente à sala do diretor que o demitiu, segundo ele já havia
tolerado e muito sua repentina incompetência.
Ficou furioso, xingou o diretor, chamou-o de perseguidor. Saiu dali
direto para um bar e bebeu até não poder mais e quase não
conseguiu chegar em casa.
Naquela mesma noite, no terreiro onde seu “Tupinambá”
comandava as ações depois do atendimento à assistência, um dos
médiuns foi falar com o “chefe”:
– Meu Pai, agora a coisa aconteceu, hoje ele foi despedido.
– Então agora não precisa mais se preocupar, espero que não
esqueça de quem te ajudou e não nos vire as costas agora que
conseguiu o que queria.
Aquilo soou como uma ameaça, mas a alegria pelo acontecido foi
maior e logo esqueceu aquelas palavras.
Alice acordou apreensiva, havia sonhado com Gilberto, não
lembrava direito o quê, mas sentia que não havia sido bom. Foi à
empresa onde trabalhava como telefonista e a noite falaria com o
pai de Gilberto.
O dia se arrastou lentamente, assim que terminou seu turno Alice foi
para a casa de seu Antônio, quando lá chegou, ele ainda estava na
serralharia que ficava nos fundos da sua residência. Seu Antônio
ficou preocupado ao vê-la, pois não era normal ela ir à sua casa:
– O que foi minha filha, você por aqui a esta hora?
– Desculpe seu Antônio, mas é que estou preocupada com o
Gilberto, tive um sonho com ele, e não foi bom.
– Eu também estou preocupado com ele, liguei para o trabalho dele
e me disseram que ele não trabalha mais lá, hoje a noite vou até a
casa dele, só vou esperar o Luiz chegar.
Seu Antônio chamou Alice para tomar um café, mas ela precisava ir
para casa. Assim que Luiz chegou, seu Antônio conversou com ele
e mesmo a contra-gosto, foi com o pai. Chegaram ao apartamento
dele, mas ele não estava lá, quando estavam saindo, uma vizinha,
daquelas que adoram se meter na vida dos outros, apareceu no
corredor e perguntou:
– Vocês estão procurando o Gilberto? Ele deve estar no boteco que
tem ali ao lado do cartório, no fim da rua. Antônio ficou atônito, pois
seu filho nunca foi de freqüentar bares, foi rapidamente para lá para
ver se isto era verdade. Enquanto isto algumas entidades de
vibração muito pesada conversavam sobre Gilberto no astral:
– O chefe disse que já podemos ir, o trabalho com este aqui já está
terminado.
– Que bom, já não agüentava mais, ele já não tem quase nada a
nos oferecer.
Dizendo isso se afastaram um pouco dele que bebia no balcão do
bar e quase em seguida viram que outras entidades se colocaram
ao lado de Gilberto, isto acontece porque o encarnado mantinha sua
vibração muito baixa, com pensamentos e atitudes negativas, ou
seja, mesmo sem terem sido “enviadas” por alguém essas entidades
quando encontram afinidade energética com algum encarnado,
acabam “ficando” com ele, sugando-o como vampiros.
Seu Antônio e Luiz chegaram ao tal bar, era um lugar mal iluminado,
sujo, freqüentado por pessoas muito mal-encaradas. Outra coisa
que não passou despercebida era a enorme carga de energia
negativa que existia ali, era de certa forma opressiva a qualquer um
que tivesse um pouco mais de sensibilidade.
Não tiveram de procurar muito, logo o avistaram encostado no
balcão, visívelmente embriagado.
Seu Antônio não conseguiu conter uma lágrima, o que estaria
acontecendo com Gilberto?
Ele nunca bebia. Até Luiz que estava um tanto chateado com o
irmão sentiu-se penalizado com seu estado. Seu Antônio fez uma
prece silenciosa e pediu ajuda a seus mentores, e quase que
instantaneamente sentiu a presença de seu amigo Exu Pinga Fogo.
Chegou-se a Gilberto e falou:
– Meu filho, o que está acontecendo?
Gilberto, como se estivesse acordando, olhou para o pai, mas
devido ao seu estado, não conseguiu articular nenhuma palavra.
– Venha Luiz, me ajude a levá-lo daqui. – Falou seu Antônio.
Gilberto ainda quis protestar quando o pegaram, mas não tinha
forças e seus “acompanhantes” espirituais não puderam fazer nada,
pois ficaram assustados com a presença daquele espírito que
embora tivesse “luz” tinha uma expressão séria e severa.
Já estavam saindo quando o dono do bar os chamou para cobrar a
conta de Gilberto, e quando a viram fizeram idéia do quanto ele já
havia bebido, pagaram e saíram.
Luiz era um médium de extrema sensibilidade e, mas por não ser
muito esforçado nos estudos mediúnicos ainda não sabia explorar
todo esse potencial, mesmo assim sentia que estavam rodeados por
alguma coisa que não era boa e que teriam de tirar o irmão dali
logo.
Resolveram levar Gilberto para casa e nem passaram em seu
apartamento, tomaram um táxi e logo chegaram. Alice que morava
ali perto, viu quando eles desembarcaram do carro e foi até lá e
ficou chocada ao ver o estado de Gilberto.
Levaram-no para dentro e seu Antônio resolveu dar um banho e
colocá-lo na cama, Alice foi para a cozinha fazer café.
Depois de colocar Gilberto na cama e ministrar-lhe um passe, seu
Antônio foi para a cozinha, seu semblante demonstrava a grande
preocupação que estava sentindo, nunca imaginou ver um de seus
filhos nesta condição. No próximo trabalho iria conversar com Pai
Cipriano.
Passou a noite velando por Gilberto, que desta vez, graças aos
passes e preces de seu Antônio e a presença do Exu Pinga Fogo,
teve um sono relativamente tranqüilo.
Ao acordar estava ainda tonto, sentia náuseas e ao mesmo tempo
fome, não reconheceu de imediato o local onde estava, só quando
viu seu Antônio cochilando numa poltrona ao lado da cama
entendeu que estava na casa do seu pai e começou a lembrar
vagamente do que havia acontecido. Ficou deitado por mais algum
tempo, não tinha forças para levantar, minutos depois ouviu alguém
chamando no portão, seu pai acordou e saiu do quarto em silêncio.
No portão estava Alice, que antes de ir ao trabalho resolveu passar
ali para saber notícias de Gilberto, foi convidada a entrar, mas não
podia se atrasar e assim que soube que ele passara bem, foi
trabalhar.

Alice quase perdeu o ônibus, chegou em cima da hora. Como


pegava o ônibus no ponto final, tinham muitos lugares, sentou-se e
se deixou viajar em seus pensamentos.
Alice era uma moça esforçada, sua família era pobre, o pai apesar
de trabalhar, pouco ajudava em casa, pois gastava muito em farras
e bebedeiras, a mãe costurava, lavava e passava para fora. Quando
contava com quatro anos seu pai faleceu de um mal súbito, apesar
de triste sua mãe sentiu certo alívio. O pessoal do terreiro as ajudou
muito, principalmente a família de Gilberto, aos poucos as coisas
foram melhorando, sua mãe além de conseguir mais clientes,
conseguiu um acordo com uma grande confecção e passou a fazer
os arremates nas roupas antes delas seguirem para as lojas, com
isso passaram a ter uma vida digna, começaram a freqüentar
assiduamente o terreiro, e sua mãe, apesar de não fazer parte da
corrente, sempre ajudava nas festas e comemorações.
Alice por sua vez era boa filha, sempre tirava boas notas e acabara
de terminar o colegial, conseguira um emprego de telefonista,
depois uma bolsa para estudar a noite e em um ano estaria formada
em magistério e poderia prestar concurso para professora. Só ficava
chateada por que não podia estar tão presente no terreiro, justo
agora que estava em desenvolvimento, mas seria temporário e
assim que se formasse voltaria a participar mais ativamente, tinha
conversado sobre isto com a dirigente do centro e recebera o seu
apoio, mesmo assim sempre que podia comparecia aos trabalhos.
Foi tirada de seus pensamentos quando o ônibus chegou ao ponto
final, numa praça no centro da cidade, desceu e foi para o seu
trabalho, lá chegando foi cumprimentando a todos, era muito
querida ali, em pouco tempo granjeara a simpatia de todos, embora
não fosse de uma beleza estonteante era bonita e sua simpatia
deixava-a muito mais linda.
Não tinha namorado, embora fosse cortejada por alguns colegas de
trabalho e de classe, não estava preocupada com isso queria
estudar e se formar, depois teria tempo de pensar nessas coisas.
Enquanto isto, na casa de seu Antônio, Gilberto levantouse e foi
tomar um banho, embora um pouco enjoado sentia-se relativamente
bem, só uma coisa o preocupava, o sermão que tinha certeza que o
pai daria. Depois do banho sentiu-se melhor ainda e sentiu fome, foi
para a cozinha, o pai já estava na serralharia, melhor assim, estava
envergonhado e não queria ter de encará-lo neste momento e nem
ao irmão Luiz.
Tomou café e ficou por ali sem ter o que fazer, sentia-se perdido,
estava sem emprego, e nem vontade de procurar outro ele tinha.
Estava mergulhado em seus pensamentos, tentando entender como
sua vida havia, de um momento para outro, desmoronado, nem
notou o pai que entrava neste momento, só se deu conta disto
quando seu Antônio o tocou no ombro.
Gilberto pensou: Pronto, aí vem o sermão.
Seu Antônio passou na sua frente e perguntou:
– Como está se sentindo meu filho?
– Estou bem pai, não se preocupe.
– Que bom, se quiser conversar estou lá na oficina.
Estranhou, pois tinha certeza que o pai lhe passaria um sermão. O
pai saiu e Gilberto continuou sentado, precisava pensar no que fazer
com sua vida, mas sentia-se sem forças para nada.
Passou o dia todo vagando pela casa, estava com vergonha do pai
e achava que a qualquer momento seu Antônio viria falar com ele,
mas isto não aconteceu, no final da tarde o pai entrou e foi tomar
banho, logo em seguida chegou Luiz que também não falou nada,
apesar de ter olhado para ele com uma certa reprovação.
Luiz era três anos mais novo que Gilberto, depois que a mãe
desencarnou ficou ainda mais próximo do pai, quando terminou o
colegial não quis fazer faculdade, fez um curso técnico de mecânica
e logo arrumou um emprego numa grande metalúrgica, não
ganhava uma fortuna, mas tinha um bom salário, que lhe permitia
ter uma boa vida, já comprara uma moto e já pensava em trocá-la
por um carro. Freqüentava o terreiro com o pai, era um dos
Curimbeiros, já tinha trabalhado incorporado algumas vezes, depois
de uma fase de muitas dúvidas, coisas comuns, principalmente a
médiuns novos. Era uma pessoa simples e sincera, só tinha um
grande segredo: amava Alice.
Ao chegar em casa sentiu um certo incômodo em relação ao irmão,
não sabia o que era, mas algo não estava certo. Mal sabia ele que
isto era devido à presença do obsessor que estava “grudado” em
seu irmão, e sua sensibilidade estava “avisandoo” desta presença.
Seu Antônio saiu do banho e foi para a cozinha esquentar o jantar,
quando tudo estava pronto chamou os filhos para comerem.
Sentaram e ficaram quase que o tempo todo sem se falarem, era
sexta-feira, dia de trabalho no terreiro, logo seu Antônio e Luiz foram
se preparar para sair, e para sua surpresa o pai não o convidou para
ir junto. Quando o pai e o irmão saíram, sentiu-se aliviado, já tinha
problemas demais para arrumar mais um dissabor com o pai por
causa da “macumba”.
Ficou em casa por mais algum tempo, mas começou a se sentir
sufocado e resolveu sair e dar uma volta, caminhou por algum
tempo e começou a recordar dos bons momentos que passara
naquele local, só que para seu desgosto muitos deles o levavam de
volta ao terreiro, ao voltar para casa sentiu-se um pouco melhor e
resolveu que no dia seguinte começaria a reconstruir sua vida, e
para isto iria procurar um novo emprego.
Enquanto isto no Astral, Pai Cipriano conversava com a “equipe” do
terreiro:
– Amigos, Gilberto, filho mais velho de nosso irmão Antônio está
com problemas de ordem espiritual, infelizmente não podemos
intervir ainda já que ele não aceita nossa ajuda e de alguma forma
está afinizado com esta energia negativa, mas vamos ficar
vigilantes, gostaria de pedir a você amigo Meia-Noite para que fique
por perto dele e descubra o que puder sem se fazer notar.
– Não se preocupe pai Cipriano, vou fazer o que me pede. –
Respondeu.
Meia-Noite era o Guardião que fazia parte da coroa de Luiz, mas
ainda não havia se identificado para ele.
Gilberto por sua vez estava muito depressivo, isto estava ocorrendo
por culpa dele mesmo, já que por causa de sua baixa estima ele
estava susceptível às influências negativas de seu obsessor, como
um zumbi ele caminhava pelas ruas do centro da cidade, quando
uma moça o chamou e sem dar-lhe tempo de reagir foi pegando em
seu braço e o levando para dentro de um salão que depois veio
saber se tratar de uma igreja neopentecostal, ele de início ficou sem
saber o que fazer, mas logo estava com uma vontade imensa de
sair dali, era como se ouvisse uma voz lhe dizendo:
– Suma daqui ou você vai se arrepender!
Soltou-se do braço da moça e se dirigiu para a porta de saída,
quando foi agarrado por dois rapazes e alguém veio e colocou as
mãos em sua cabeça, neste momento “perdeu os sentidos”.
O pastor daquela nova igreja havia sido por algum tempo
umbandista, mas sempre foi ambicioso e pensava em ganhar muito
mais dinheiro do que ganhava cobrando por consultas no “terreiro”
que montara. Ele começou como médium em um terreiro muito bom
e conceituado, mas logo não se satisfazia em receber ordens, e em
pouco tempo se achou pronto e logo montou sua própria casa.
Algum tempo depois viu que não ganharia o dinheiro que queria ali,
e como era muito perspicaz viu que esta nova “onda” que surgia de
igrejas evangélicas poderia ser um bom filão, e ali estava ele, como
pastor fundador daquela nova igreja, continuava com sua
sensibilidade aflorada e logo que viu Gilberto entrar notou que ele
estava “acompanhado”, e sabia que poderia aproveitar esta
oportunidade. Fazendo uso do que aprendera na umbanda e
contando ainda com o fato de Gilberto estar enfraquecido
espiritualmente, conseguiu fazer a “entidade” que o acompanhava
manifestar-se, este espírito que na verdade nada mais era que um
ser perdido e sofredor, incorporou em Gilberto, este ficou todo
retorcido, pois nem Gilberto e nem a entidade estavam
acostumados um com o outro, o tal pastor ficou muito feliz com o
que estava acontecendo pois aquela manifestação era real e não
aquelas encenações teatrais que ele precisava pagar para algumas
pessoas fazerem durante seus cultos. Começou a “tratar” do
“demônio” que havia se apossado de Gilberto, várias orações e
imposições de mãos depois começou a ficar preocupado pois não
conseguia expulsá-lo, nunca havia lidado com algo assim e não
tinha conhecimento suficiente para tal, começou a notar a
desconfiança no semblante de alguns de seus “fiéis”, pediu para que
seus auxiliares levassem Gilberto para um reservado que havia nos
fundos da igreja. Uma vez lá, Gilberto chegou a ser agredido, pois
num primeiro momento chegaram a pensar que ele estaria fingindo,
quando o pastor chegou após o término do culto, foram feitas novas
orações e outros rituais até que por fim trouxeram Gilberto de volta.
A mesma situação se desenrolou da seguinte forma no astral:
A tal igreja era um “quartel general” de entidades que embora não
fossem de todo “ruins”, eram muito ambiciosas e sedentas de poder,
como no terreiro onde o tal pastor freqüentava não tinham
condições de obter este poder, começaram a sugestionar o médium
que por sua vez já se afinizava com estes pensamentos e
sentimentos, e assim foi, logo ele se despedia do terreiro e montava
o seu próprio, coisa que também não o satisfez e sendo assim não
demorou muito para “entregar sua vida a Jesus”, tornando-se um
dos maiores inimigos das religiões espiritualistas, e com isto
ganhando muito dinheiro. Quando Gilberto entrou na igreja, seu
obsessor tentou fazê-lo recuar, mas logo foi dominado pelas
entidades que agiam astralmente naquele local e obrigado a
incorporar em Gilberto, quando o fez resistiu e não queria mais “sair”
daquele corpo, pois ali sentia-se seguro, foi quando Gilberto foi
levado para o quarto nos fundos da igreja e lá depois de muito lutar
ele foi retirado e capturado pelos espíritos que comandavam as
coisas por ali.
Gilberto, após o ocorrido na igreja foi para casa, e apesar de estar
um pouco confuso, sentia-se melhor, naquela noite conseguiu
dormir bem e ao acordar estava mais disposto, coisa que há muito
não acontecia. Saiu logo cedo para procurar emprego, fez contatos
e preencheu fichas e três dias depois foi chamado em uma empresa
para uma entrevista. Começou a sentir uma vontade muito grande
de voltar à igreja. Saiu mais cedo de casa e antes de ir fazer a tal
entrevista foi até a igreja, encontrou na porta a mesma moça que o
abordara da outra vez, entrou, sentou-se no fundo e ficou
observando, via pessoas chorando, outras “incorporando” demônios
que logo eram expulsos pelo pastor, ficou muito impressionado e
quando deu por si, já estava quase na hora da entrevista.
Voltou para casa muito contente, começaria a trabalhar dali a dois
dias, depois de fazer os exames de praxe, não era o emprego de
seus sonhos, ganharia menos de 1/3 do que ganhava no hospital,
mas já era um começo.
A vontade de ir à igreja aumentava e passou a ir com freqüência,
participava de todas as campanhas e correntes que aconteciam,
jejuava quando mandavam e além das contribuições “espontâneas”
já era um dos dizimistas.
O pai que de início ficara feliz pelo que acontecia, passou a se
preocupar, pois Gilberto estava se tornando um fanático e ele sabia
que o fanatismo em qualquer situação é muito prejudicial ao
homem. Um dia seu Antônio tentou conversar com o filho, mas foi
rechaçado por ele.
Gilberto estava sendo novamente vítima de uma obsessão, desta
vez por espíritos que faziam parte da egrégora daquele local,
fazendo-o criar uma dependência enorme da igreja, mas isto só
acontecia por ele ter se sintonizado com a vibração de tais
entidades.
No trabalho seguinte no terreiro, seu Antônio foi conversar com Pai
Cipriano:
– Meu Pai, apesar de Gilberto estar mais disposto e ter até
encontrado um emprego eu sinto que meu filho não está bem.
– Antônio, ele está fazendo uso de seu livre arbítrio, o que podemos
fazer é rezar por ele e pedir ao Pai Maior que o coloque no caminho
correto.
Alice pegava ônibus com Gilberto praticamente todos os dias ao sair
para trabalhar, conversavam sobre vários assuntos, mas nos últimos
dias ele só queria falar sobre religião, ela ouvia a tudo calada. Certo
dia sentaram-se lado a lado e Gilberto começou a sua “pregação”,
sugeriu que ela fosse para sua igreja, pois o terreiro não era coisa
boa, foi o que bastou para Alice “estourar”:
– Gilberto, por favor, não diga mais nada, somos amigos e não
quero ser mal-educada com você, mas me diga uma coisa, por que
eu devo mudar de religião? Só por que você conseguiu um
emprego? Vamos parar de falar de religião, pois senão vamos brigar
feio, você está se tornando um fanático insuportável.
Gilberto ficou muito bravo, como ela podia dizer aquilo? Ele estava
oferecendo a ela a chance de ser salva, a noite, depois do trabalho,
iria à igreja e falaria com o pastor. E foi o que fez, logo que saiu do
serviço foi até a igreja e esperou o culto acabar para falar com o
pastor:
– Pastor, não sei o que fazer, meu pai, meu irmão e uma moça que
é muito minha amiga estão envolvidos com a “macumba” e eu não
sei o que fazer, eles não me ouvem e não aceitam vir à igreja
comigo.
– Calma filho, infelizmente este mundo está cheio de ímpios, e por
mais difícil que seja, o que você deve fazer é se afastar deles para
poder se aproximar de Jesus – respondeu o pastor, que continuou:
– Você tem dado suas ofertas e pago seu dízimo direitinho?
– Tenho sim, pastor.
– Então não se preocupe que Jesus vai te honrar.
Após a conversa foi para casa pensativo, queria voltar a morar
sozinho, mas por enquanto não ganhava o suficiente, e tinha ainda
que pagar o dízimo da igreja, teria que se sujeitar a continuar
morando com o pai por mais algum tempo.
Sem saber, Gilberto estava entrando num processo de fanatismo
religioso, e como todo fanático não tinha mais a noção correta das
coisas, tudo o que o pastor dizia ele tomava como verdade absoluta.
Passou a procurar ardentemente uma forma de fazer com que as
pessoas que o cercavam aceitassem suas “verdades” e se
convertessem à sua igreja, já que no seu entender esta era a
verdadeira religião de Deus. Com isto passou a ser evitado por
todos, bastava chegar em algum lugar para que os conhecidos
fossem saindo de perto dele, ninguém mais agüentava sua
conversa, e começou a ficar isolado, somente na igreja conseguia
alguém para conversar.
Luiz era um rapaz tímido, não era chegado a badalações, gostava
de trabalhar e agora resolvera voltar a estudar, além disso sentia-se
muito bem indo ao terreiro. Em segredo nutria uma paixão por Alice,
mas nunca havia se declarado, pois tinha certeza que ela gostava
de seu irmão.
Logo que voltou a estudar conheceu novas pessoas e entre estas
pessoas estava Cassiano, um jovem muito falante que estava
sempre rodeado de pessoas, logo Luiz era mais um “admirador”
seu, gostaria de ser como ele, ter a mesma facilidade para fazer
amigos, enfim ser popular.
Descobriu que Cassiano também freqüentava um terreiro, foi se
aproximando cada vez mais dele, passou a sair em sua companhia
e chegar tarde em casa, no início seu Antônio gostou da idéia,
achava que Luiz precisava mesmo sair e se divertir, mas com a
passar do tempo começou a estranhar o estado em que o filho
chegava, às vezes com sinal de ter bebido. Tentou conversar com
Luiz, mas este lhe disse que estava tudo bem.
O tempo passou e a amizade entre Luiz e Cassiano se fortaleceu,
pelo menos por parte de Luiz, até o dia em que deixaram de ir para
a aula para ir a um barzinho, era sexta-feira e Luiz resolveu falar de
Alice para Cassiano, ao terminar este disse:
– Mas Luiz o que você está esperando, você tem a faca e o queijo
na mão.
– Como assim, Cassiano?
– Você não trabalha num terreiro? Então, é só pedir para fazerem
uma amarração para ela.
Luiz ficou em dúvida, nunca tinha visto fazerem isto lá, mas não
custava nada perguntar, resolveu ir naquele dia mesmo ao terreiro já
que era dia de trabalho.
Despediu-se dos amigos e saiu apressado, chegou ao terreiro
quando já se iniciava a segunda parte dos trabalhos que naquele dia
seria uma gira dos guardiões, pensou na sorte que teve, pois
ninguém melhor que eles para ajudá-lo com este problema.
Saudou a todas as entidades e ficou esperando uma das pombas
giras que lá trabalhava terminar de atender a assistência e foi
conversar com ela.
– Salve sua banda moça! Saudou Luiz.
– Salve menino, a que devo esta honra?
– Sabe o que é, Rosa Negra, estou gostando de uma moça e
gostaria de fazer alguma coisa para que ela fique comigo. De
imediato Rosa Negra mudou suas feições, ficou muito séria e disse:
– Menino, você sabe o que está me pedindo? E sem deixar Luiz
responder continuou:
– Será que vale a pena ter alguém ao seu lado por outro motivo que
não seja o amor? Que não seja por vontade própria? Eu acho que
não, mas você tem seu livre arbítrio para fazer o que bem entender,
e se quiser continuar com isto procure outro local, pois aqui não vai
achar ninguém que te ajude, mas saiba que você tem que estar
preparado para pagar o preço, que nestes casos nunca é pouco.
Depois de dizer isto Rosa Negra levantou-se e saiu rodando pelo
terreiro dando por encerrada a conversa.
Luiz ficou um tanto desconcertado, levantou-se e saiu do terreiro, no
portão encontrou-se com Alice que chegava apressada,
cumprimentou-o rapidamente pois queria ter tempo de tomar um
passe antes dos trabalhos terminarem.
Ficou bravo e pensou:
– Se fosse com Gilberto ela ficaria conversando.
Será que era só por que ele era formado? Pensando assim,
alimentando este sentimento de inveja começava a criar em torno
de si uma aura de energia negativa.
No sábado tinha marcado de ir jogar futebol com os amigos, entre
eles Cassiano. Após o jogo estavam tomando umas “cervejinhas” e
Cassiano notou que Luiz estava calado, chegou até ele e perguntou:
– E aí amigo, como foi ontem no terreiro?
Luiz contou ao amigo a conversa que tivera com a Pomba Gira, e
também sobre o encontro com Alice e sobre seus pensamentos.
– Que absurdo – Falou Cassiano. – Na verdade Luiz, acho que seu
terreiro é fraco, e eles não sabem como fazer estes trabalhos, mas
se você quiser posso levá-lo até o terreiro que eu freqüento e te
garanto que lá vão te ajudar.
– Vou pensar, Cassiano.
E passaram a falar de outros assuntos.
Enquanto isto, se alguém com vidência estivesse por ali, veria que
Luiz já estava envolvido por forças negativas e a conquista de Alice
se tornou uma obsessão para ele. Luiz por estar vibrando numa
energia negativa, acabou atraindo para perto de si entidades que
vibravam na mesma freqüência, e que viam nele uma possível fonte
de “alimento”, sendo assim começaram a sugestioná-lo com idéias
que ele não conseguia “ouvir”, mas conseguia captar as sensações.
Na sexta-feira seguinte Luiz disse a Cassiano:
– Pensei muito cara e resolvi aceitar sua ajuda.
Eles não conseguiam ver, mas ao seu redor alguns espíritos
festejavam esta decisão.
Assim, no sábado, lá estava Luiz, sentado na assistência do terreiro
que Cassiano freqüentava, não pôde deixar de notar que ali era bem
diferente do que aquele que ele freqüentava, era mais escuro, o ar
era mais denso, mais pesado, viu também que os médiuns
ostentavam muito, como se disputassem entre si, bebiam e
fumavam muito, e viu isto como uma demonstração de “força”. Viu
uma pessoa que lhe pareceu familiar e que depois lembrou ser o
antigo chefe de seu irmão, não pôde deixar de sorrir e pensar em
como este mundo é pequeno. Foi tirado de seus pensamentos
quando foi chamado para o atendimento, chegou na frente da
entidade do pai pequeno da casa.
– E aí peste, o que quer? – Perguntou a entidade. Luiz estranhou,
nunca havia visto uma entidade falar daquela forma, e respondeu:
– Meu pai, estou gostando de uma moça e gostaria de sua ajuda
para conquistá-la.
– Eu não sou seu pai sua peste, me chame de sr. Tranca Ruas.
Decididamente este Tranca Ruas era bem diferente daquele que
atendia em seu terreiro, de repente ouviu-o falar:
– Escreva aí o que eu vou precisar para fazer o trabalho. Começou
a ditar uma lista enorme de materiais, algumas coisas que Luiz
nunca tinha ouvido falar, ao terminar disse:
– Se você quer mesmo amarrar esta moça, só volte aqui quando
tiver tudo o que pedi.
Luiz saiu dali olhando o papel e pensando:
– Será que é mesmo necessário tudo isto?
Enquanto isto no astral a coisa ocorria de outra forma.
Cassiano era um médium de grande capacidade, mas ao mesmo
tempo não tinha compromisso com nada, gostava de farras,
bebidas, muitas vezes usava drogas, já havia engravidado duas
moças e as largado sem nenhum arrependimento, sem nem ao
menos querer saber o que acontecera a elas e às crianças.
Conseqüentemente por ter este tipo de comportamento ele era
coberto por uma aura de energia negativa muito densa, e foi fácil
para entidades das trevas conduzirem-no para aquele terreiro.
O comando daquela casa era de um ser das trevas que se
denominava “Pé de Ferro”, mas que, como foi dito anteriormente,
usava nome de entidades que eram verdadeiros trabalhadores de
umbanda para enganar aos encarnados.
Quando Cassiano se aproximou de Luiz foi por que seus “guias”
sentindo que o rapaz tinha mediunidade que poderia ser explorada,
e que ao mesmo tempo era inseguro, resolveram “trabalhar” em
cima disto para conseguir trazê-lo ao terreiro, já que sempre
estavam precisando de novos encarnados para poderem continuar
com suas atividades.
Assim que Luiz saiu dali, “Pé de Ferro” determinou que uma das
“mulheres” de seu grupo, fosse com ele e o induzisse a fazer o que
queriam.
Muitos podem perguntar, como as entidades que acompanham Luiz
permitiam isto. O que ocorre é que não se pode esperar tudo da
espiritualidade, temos de fazer a nossa parte, e neste caso Luiz
estava muito afinizado com estas baixas vibrações, tanto que não
captava a que era emanada por seus protetores, e eles por sua vez
esperavam que o rapaz reagisse.
No dia seguinte, Luiz acordou e não se sentia bem, sentia um certo
desconforto, sem que ele soubesse, causado por sua exposição ao
tipo de energia que circulava naquele terreiro. O pai estava fazendo
o almoço e pediu para que ele fosse comprar refrigerantes, saiu
para a rua e quando passou pela casa de Alice, viu-a com sua mãe
conversando no portão com uma vizinha, seu coração disparou e foi
neste momento que a “moça” que o acompanhava começou a agir,
falava em seu ouvido:
– Veja seu tonto, ela é bonita, mas não te dá bola, você precisa
fazer alguma coisa.
Luiz não conseguia ouvi-la, mas captava estas sugestões.
No sábado seguinte lá estava ele no terreiro de Cassiano, com todo
o material pedido por seu “Tranca Ruas”, quando chegou sua vez de
ser atendido, sentou-se e entregou tudo o que havia levado. A
entidade olhou, conferiu, chamou o cambono e mandou levar para
dentro que depois faria o trabalho. Novamente Luiz estranhou, pois
no terreiro que ia as coisas eram feitas sempre na presença do
“consulente” e o material que sobrava era devolvido. Depois que o
cambono saiu, o Exu falou:
– Você tem de pagar a parte do meu cavalo também. Luiz pensou
em discutir isto, mas desistiu, pagou o que lhe foi pedido e saiu.
No astral, após terminarem os trabalhos daquele dia houve uma
reunião e Pé de Ferro falava:
– As coisas estão indo bem, temos recebido muito por nossos
trabalhos, mas também temos de tomar cuidado com o pessoal “da
Luz”, nossos vigias têm visto muitos deles por aí.
Houve um burburinho e ele continuou:
– Dedar, você que atendeu o rapaz que o Cassiano trouxe, tome
cuidado, ficamos sabendo que ele freqüenta um terreiro e tem
alguns protetores, até nem sei como estão permitindo que ele venha
até nós, vamos ver se conseguimos trazê-lo definitivamente para cá.
– Pode deixar chefe, vou fazer o melhor possível.
– Isso, pode usar quem você quiser para ajudar.
Terminada a reunião, cada um foi cuidar de suas tarefas, Dedar ou
“Tranca Ruas” saiu acompanhado de duas mulheres que
trabalhavam com ele, foi atrás de Alice para sondar o terreno. Ao
chegarem à casa da moça não puderam entrar, pois havia um
espírito que apesar de ter uma feição grave, emanava uma grande
força, eles não sabiam mas era um Guardião da linha do Sr. Exu
dos Rios, entidade que era ligada mediunicamente à Alice. Voltaram
ao seu refúgio e relataram a Pé de Ferro, que resolveu o seguinte:
– Vamos observar de longe e ver o que ocorre, não se aproximem
muito, pois não quero encrenca com este povo da “Luz”.
E assim foi feito, por vários dias entidades ficavam vigiando Alice de
longe, estudando seus passos.
Por sua vez, Luiz estava impaciente, já fazia uma semana que havia
feito o pagamento do trabalho e até agora nada, na noite de sábado
foi ao terreiro conversar com “Tranca Ruas”.
Esperou pacientemente, já estava arrependido de ter feito o que fez,
algo em seu íntimo dizia que não tinha sido uma boa idéia. Sentou-
se na frente da entidade que falou:
– E aí peste, por que está com cara de quem comeu e não gostou?
Novamente Luiz não gostou do tratamento e não pôde deixar de
lembrar que no terreiro que freqüentava as coisas eram bem
diferentes, e disse:
– Sabe o que é moço, eu acho que o trabalho que foi feito não surtiu
efeito nenhum.
– E você acha que as coisas são fáceis assim? Acho que vamos
precisar de mais algumas coisas, e antes que fale já vou avisando
que se você quiser largar tudo é você quem sairá prejudicado.
Esta última frase soou a Luiz como uma ameaça. Saiu dali
decepcionado consigo mesmo, como é que tinha entrado nesta?
O problema de Luiz é o mesmo de muitos médiuns de Umbanda,
não se interessam em estudar, acham que basta ir ao terreiro nos
dias de trabalho, fazerem sua parte e pronto, não percebem que os
umbandistas têm de estar em constante vigilância, pois devido a
sensibilidade que adquirem no desenvolvimento de sua
mediunidade, são mais sensíveis do que a maioria para receber
influências negativas, que se aproveitam das suas fraquezas para
agir. No caso de Luiz a fraqueza era a falta de coragem em declarar
seu amor para Alice.
Ao término dos trabalhos, já no Astral, “Tranca Ruas” falava com o
chefe:
– Pé de Ferro, o rapaz está fraquejando, e o pior é que não tivemos
nenhuma chance de agir sobre a moça, ela tem um coração muito
bom, além de ter aquele Guardião sempre por perto.
– Então, seu idiota, vamos usar este bom coração da moça para
enganar o rapaz.
– Mas como faremos isto?
– Muito simples, já que ele sintonizou com nossa vibração, vamos
obsediá-lo, deixá-lo mal, e a moça sendo amiga da família, vai
querer ajudar, e ele vai pensar que somos nós que estamos agindo.
E assim fizeram, em pouco tempo Luiz estava cada vez mais
abatido, começara a beber mais constantemente, passava mal sem
saber a causa, enfim, começou a definhar a olhos vistos.
Era domingo, estavam todos reunidos para o almoço, seu Antônio,
sentado à cabeceira da mesa, observava tristemente seus dois
filhos. Gilberto andava meio distante, depois de várias tentativas de
convertê-lo sem sucesso, só falava o necessário e muitas vezes
evitava o contato com o pai. Luiz estava abatido, desistira de
estudar novamente e há tempos não ia ao terreiro. Neste momento
Luiz teve um acesso de tosse e saiu da mesa sentindo náuseas, seu
Antônio falou para Gilberto:
– Estou preocupado com seu irmão, ele não tem passado bem.
Gilberto não perdeu a chance:
– É claro, vocês não largam a “macumba”, estes demônios vão
acabar com todos vocês.
Seu Antônio ia responder quando Luiz voltando à sala falou antes:
– Não comece com esta história seu “baba ovo” de pastor, quem
deve adorar ao demônio é você já que fala nele o tempo todo.
E seguiu-se uma acalorada discussão, que nem seu Antônio
conseguiu apaziguar. Depois de algum tempo, Luiz saiu de casa
com sua moto, muito nervoso.
Gilberto foi para o quarto e ligou o som bem alto para ouvir os
“hinos” de sua igreja, e seu Antônio ficou ali pedindo a Deus e às
suas entidades que o ajudassem a passar esta fase difícil.
Eram mais ou menos 9 horas da noite quando tocou o telefone, seu
Antônio atendeu:
– Alô!
– Por favor, é da Residência de Luiz Carlos Freitas?
– É sim, quem está falando?
– Meu nome é Matilde, sou enfermeira do Pronto-socorro Municipal,
o Luiz Carlos sofreu um acidente e gostaríamos que alguém viesse
até aqui.
– Como ele está? Como foi o acidente?
– Se acalme senhor, aqui daremos todas as informações.
Seu Antônio desligou o telefone, não sabia o que fazer, pensou em
falar com Gilberto, mas ele tinha ido para a igreja, resolveu falar
com Alice.
Quando contou a ela sobre o ocorrido, prontamente ela se dispôs a
ir com ele ao hospital.
Lá chegando, perguntaram por Luiz e tiveram que aguardar por um
longo tempo numa sala cheia de gente, até que um enfermeiro os
chamou.
Foram levados a uma enfermaria onde Luiz estava, tinha uma perna
e um braço quebrados além de inúmeros cortes e arranhões pelo
corpo, estava lúcido, embora um pouco zonzo por causa dos
remédios. O pai foi falar com o médico enquanto Alice ficou ao seu
lado, quando a viu seu coração disparou, não sabia o que falar, foi
Alice quem disse:
– Luiz você está bem? O que aconteceu?
– Estou bem, não sei direito o que aconteceu, só sei que saí de
casa nervoso depois de discutir com o Gilberto, não sabia para onde
ir, de repente um cachorro atravessou na minha frente, depois disso
só me lembro de estar dentro de uma ambulância.
Alice ficou olhando para ele, sentia uma energia pesada emanando
do rapaz, mas por sua pouca experiência, não conseguia entender
que naquele momento o espírito encarregado de obsedar Luiz
estava presente, influenciava-o, fazendo-o acreditar que Alice
estava interessada nele, que o trabalho enfim dera resultado.
No astral as coisas aconteciam da seguinte forma:
Ao discutir com o irmão, Luiz vibrou numa freqüência muito
negativa, o que deu chance para sua obsessora agir com mais
força. Deixou-o atordoado com tantas “sugestões”, que mesmo ele
não ouvindo, porque estava vibrando na mesma freqüência ele
conseguia captar, e por causa deste atordoamento, Luiz perdeu a
noção da velocidade, e numa curva derrapou depois de bater num
cachorro, por sorte caiu num gramado, não se machucando mais
por estar de capacete.
Alice sempre que podia estava no hospital, e quando Luiz recebeu
alta ela foi com seu Antônio buscá-lo, deixando-o eufórico, pois
achava que finalmente o trabalho havia dado resultado.
Enquanto isso no astral do terreiro de Pé de Ferro, ele conversava
com alguns de seus asseclas:
– As coisas estão indo bem, mas volto a dizer que não podemos nos
descuidar já que os “iluminados” estão por perto. O caso de Luiz
está indo bem, o idiota está feliz com a atenção de Alice, acha que é
por causa do trabalho, temos também o caso daquela mulher que
quer o noivo da amiga e já estamos agindo, logo teremos
novidades. O Norberto também já conseguiu seu intento e agora
vamos cobrá-lo.
– Chefe tem uma coisa engraçada neste caso do Norberto, o cara
que ele pediu para tirarmos do caminho é irmão do Luiz, este rapaz
que veio com Cassiano.
– Não me diga! – falou Pé de Ferro soltando uma gargalhada – Mas
tudo bem, são casos à parte, vamos continuar com nossas
atividades.
Um mês se passou e as coisas seguiam sem novidades, Luiz já
estava recuperado e Alice tinha se aproximado do rapaz. Já Gilberto
continuava na igreja, como era assíduo começou a assumir funções,
e foi aí que as coisas começaram a se esclarecer e suas ilusões
começaram a ruir. Certo dia foi convocado para uma reunião, o
Pastor queria fazer uma reforma e uma ampliação na igreja, e para
isso necessitavam de muito dinheiro, e ele queria opiniões de como
conseguir. Foram muitas as sugestões, desde novas campanhas até
a contratação de mais pessoas para se fazerem de “tomadas pelo
demônio” durante os cultos que o pastor, com sua “força divina”,
libertaria. Para Gilberto foi terrível ouvir tudo aquilo, viu que tudo o
que acreditava não passava de enganação, foi falar com o pastor ao
término da reunião, questionou-o por tudo o que ouvira, mas em vez
de explicações o que este lhe deu foi um “conselho”:
– Deixa de ser bobo rapaz, faça sua parte que vai sair ganhando
também.
Saiu dali arrasado, envergonhado, caminhou por um bom tempo,
novamente sentia-se traído por uma religião, ao chegar em casa
estava abatido, o que não passou desapercebido por seu Antônio.
No final de semana haveria um almoço para arrecadar fundos para
a reforma do banheiro do terreiro, seu Antônio falou para Gilberto:
– Filho, hoje vou ajudar no terreiro, portanto não poderei fazer o
almoço, tem carne na geladeira, gostaria que antes de você ir para a
igreja, desse comida para seu irmão que ainda tem dificuldades
para andar.
Para sua surpresa, Gilberto não só concordou, como ainda
perguntou o que aconteceria no terreiro. Temeroso em iniciar uma
nova discussão seu Antônio explicou-lhe. Gilberto surpreendendo-o
mais uma vez disse:
– Pai, faz tempo que não como um bom risoto, se bem me lembro o
que a D. Neusa faz é o melhor que já experimentei, lá pela hora do
almoço eu passo lá e pego um pouco para trazer para casa.
Seu Antônio ficou surpreso, mas ao mesmo tempo contente, não
conseguia ver, mas ao seu lado um velhinho de cabelos muito
brancos sorria matreiro.
Na hora do almoço Gilberto foi se chegando ao terreiro, devagar,
envergonhado, observando o movimento, notou que todos os que
chegavam estavam alegres, quando entrou viu que lá dentro
também a alegria era intensa, entrou na fila para pegar a comida,
cada vez que era visto por um conhecido era saudado, abraçado,
beijado, sentia-se envergonhado, há muito tempo não recebia tanto
carinho espontâneo, e foi logo ali num terreiro, que para ele era um
lugar pouco recomendável, do qual tantas vezes renegou e falou
mal, que recebia este carinho.
Estava quase na sua vez quando ouviu uma voz feminina falar:
– Se o cheiro está bom assim, imagine o sabor.
Olhou para trás e viu uma moça muito bonita com um sorriso
agradável, ficou um tanto perturbado e demorou um pouco para
responder:
– É mesmo, o risoto de D. Neusa é o melhor que já comi.
– E é para mim que você vem dizer isso? Ela é minha tia e sempre
estamos pedindo para ela fazer.
– Você é sobrinha de D. Neusa?
– Sou sim, morávamos em outra cidade e nos mudamos para cá há
quatro meses.
Ficaram conversando por algum tempo, Gilberto estava até
esquecendo da comida do irmão, foi aí que Alice apareceu:
– Gilberto, você por aqui?
– Olá Alice, como vai? Esta é Mariana, sobrinha de D. Neusa.
– Já nos conhecemos, ela está sempre por aqui nos trabalhos,
vocês vão almoçar?
– Meu Deus, fiquei aqui conversando e esqueci de levar comida
para o Luiz.
– Só você mesmo Gilberto, mas vamos fazer o seguinte, você fica
aqui e almoça com Mariana e eu levo o almoço do Luiz, quero
mesmo ver como ele está.
E antes mesmo de Gilberto poder responder alguma coisa ela já
tomava de suas mãos a sacola com a marmita e saía. Já havia
algum tempo que Alice estava “olhando” para Luiz de forma
diferente, apesar de sua timidez, sentia-se bem quando estava com
ele.
A presença mais constante de Alice criava em Luiz uma energia
muito limpa e positiva, proveniente do amor que sentia pela moça.
A entidade que fora encarregada por Pé de Ferro para obsediar Luiz
não conseguia mais influenciá-lo, e falou sobre isto com seu chefe:
– Chefe, não consigo mais chegar perto do peste, principalmente
quando aquelazinha está por perto.
– Acho que agora já podemos deixá-lo, o idiota deve estar todo
contente achando que o trabalho que fizemos deu resultado.
– Quer dizer que posso voltar para cá?
– Sim, agora só vou esperar um pouco para cobrar mais alguma
coisa dele, afinal de uma forma ou de outra nós o ajudamos a
conseguir o que queria.
No Terreiro, seu Antônio que estava na cozinha, saiu para o salão e
ficou surpreso em ver Gilberto sentado numa mesa conversando
com Mariana, foi até eles e disse:
– Gilberto, você esqueceu de levar comida para seu irmão? Apesar
de que uma companhia tão agradável também me faria esquecer
muita coisa. – riu olhando para Mariana.
Tanto Mariana como Gilberto ficaram vermelhos, envergonhados, e
ele respondeu:
– Pai, a Alice levou a comida, disse que queria ver como Luiz
estava.
– Hum, estes dois estão muito próximos ultimamente. – Falou seu
Antônio em meio a um sorriso.
Depois que seu Antônio saiu, Gilberto e Mariana voltaram a
conversar:
– Você está na corrente do terreiro, Mariana?
– Ainda não, mas acho que logo vou entrar, meus pais são
Kardecistas, eu também freqüentei por muito tempo, mas sentia que
me faltava algo, e depois que comecei a vir aqui, acho que me
encontrei, e você?
Gilberto sem saber bem o porquê, contou para a moça toda a sua
história sem esquecer nenhum detalhe. Passaram muito tempo
conversando e quando Mariana se despediu disse:
– Gostei de conversar com você Gilberto, vai estar aqui na sexta-
feira?
– Não sei Mariana, ainda estou um pouco confuso, mas adoraria
voltar a vê-la.
No terreiro comandado por Pé de Ferro, seu “Tupinambá” chamou
Norberto e disse:
– Cabra, você nos deve muito, sei que está querendo pular fora, e
se fizer isto vai se arrepender.
Norberto, depois de “tirar” Gilberto de seu caminho havia tentado o
lugar de diretor, mas seus planos não deram certo, nenhuma
entidade conseguia atingi-lo, pois ele tinha muita proteção, seus
mentores não permitiam nenhuma aproximação. Ficou
decepcionado, começou a achar que talvez o terreiro já não fosse
tão forte como antes, além de já estar de “saco cheio” de ter de
estar lá todo sábado à noite, tinha coisas mais interessantes para
fazer. Não respondeu nada para o seu “caboclo”, mas já tinha
tomado sua decisão, não tinha medo, pois tinha certeza que eles
não teriam forças para fazer-lhe nada.
Depois de Norberto, foi a vez de Cassiano ser chamado para falar
com o chefe do terreiro:
– Cassiano, trate de avisar seu amigo que ele tem de vir aqui nos
pagar o que ficou devendo pelo trabalho que fizemos para ele.
– Mas meu pai, faz tempo que não o vejo, só sei que ele se
acidentou.
– Não me interessa, dê um jeito de achá-lo, senão você é quem vai
pagar, pois o trouxe até aqui.
O trabalho terminou, Pé de Ferro viu que a freqüência da
assistência em seu terreiro estava diminuindo, atribuiu a culpa a
seus assistentes que não estavam mais conseguindo cumprir a
contento as tarefas que lhes eram determinadas. Mal ele sabia que
o que ocorria é que as entidades de Luz, verdadeiros trabalhadores
de Umbanda, estavam começando e se movimentar para neutralizar
as atividades de seu grupo.
Durante a semana, Cassiano ligou para Luiz e perguntou:
– Como vai Luiz?
– Tudo bem e você?
– Vou indo, quando é que você vai aparecer no terreiro, “nossos
amigos” estão perguntando por você.
- Não sei Cassiano, assim que eu melhorar vou ver se dou uma
passada por lá.
Na verdade, Luiz já estava quase recuperado, mas não sentia a
mínima vontade de voltar lá.
Na sexta-feira, Luiz estava em casa vendo TV quando Alice chegou
e o convidou:
– Luiz, hoje não tenho aula e gostaria que fosse comigo ao terreiro,
já que faz tempo que você não aparece por lá. O rapaz não estava
pensando em ir, mas diante de um pedido de Alice, não podia se
negar.
Quando chegaram, Luiz estranhou ver seu irmão parado no portão,
indeciso, já notara que o irmão havia mudado de uns tempos para
cá.
– E aí Giba, o que está fazendo aqui? Não vai entrar?
– Estou esperando a Mariana, sobrinha de D. Neusa.
Luiz ao ouvir aquilo, olhou para Alice, mas esta não demonstrou
nenhuma reação.
Era dia de Gira de Exu, Luiz que ainda sentia um pouco a perna e
por ter faltado a vários trabalhos, ficou na assistência e viu
sentarem-se ao seu lado o irmão e uma moça.
Conforme transcorriam os trabalhos, os irmãos foram ficando
emocionados.
Gilberto sentia o ambiente feliz, a vibração dos pontos, a energia
positiva que recebeu das entidades na hora do passe e quando foi
quase que obrigado por Mariana a ir falar com Pai Cipriano, não
conteve as lágrimas quando o Preto Velho também com lágrimas
nos olhos o abraçou e disse:
– Filho, acho que não precisamos falar nada, vou te dizer apenas
que seu lugar está te esperando nesta casa.
Gilberto não conseguiu responder, e aqueles que tivessem o dom da
vidência, com certeza veriam ao seu lado algumas entidades
exultantes de felicidade.
Já Luiz foi chamado quando iniciou a Gira de Exus, sentouse em
frente a seu Sete da Lira e este lhe disse:
– Não quero recriminá-lo, mas você deveria estar envergonhado do
que fez.
Luiz abaixou a cabeça e a entidade continuou:
– E pensar que tudo o que gastou foi em vão, não adiantou para
nada.
Luiz ia responder mas seu Sete da Lira não deixou e falou:
– Ela se aproximou de você porque quis, e está gostando de você
de verdade, não por força de um trabalho qualquer, ou você acha
que os protetores dela permitiriam isto?
A ficha caiu, é claro que eles não permitiriam isto, se tivesse
interessado em aprender mais durante o tempo que estava na
Umbanda saberia disto.
Passados alguns meses aconteceram algumas coisas.
No Astral foi formada uma “força tarefa” de trabalhadores de
Umbanda para neutralizar as ações do grupo de Pé de Ferro.
Algumas entidades fizeram questão de participar:
Seu Meia Noite, Guardião de Luiz, D. Maria Padilha, Guardiã de
Alice, além de muitas outras das mais diversas falanges. Pé de
Ferro esperto como era, conseguiu escapar com alguns de seus
asseclas, e já tinha planos, esperaria a “poeira baixar” e encontraria
outro médium de caráter duvidoso e recomeçaria seus “trabalhos”,
enquanto isto aproveitaria o tempo vingandose de alguns “traidores”,
entre eles estava Norberto.
Luiz e Alice estavam namorando, ele com ajuda dela estava
estudando para prestar novo vestibular de Engenharia Mecânica.
Depois de muito relutar, contou a Alice o que havia feito, e para sua
surpresa ela não só o perdoou como falou que tinha certeza que
nada havia acontecido. Estavam cada vez mais firmes no terreiro e
felizes.
Gilberto, aos poucos foi se reaproximando da Umbanda, e com a
ajuda de Mariana que era muito interessada, conseguia agora
entender o que acontecera com sua mãe. Estavam de namoro firme
e logo entrariam para a corrente do Terreiro. Gilberto havia sido
também aprovado em um concurso para um ótimo cargo.
Seu Antônio não conseguia esconder sua felicidade, estava sempre
agradecendo a Deus e aos Orixás.
Naquele dia era festa em Homenagem aos Pretos Velhos, a alegria
era contagiante, o terreiro estava superlotado, todos queriam render
suas homenagens e receber o Axé desta tão formosa linha, no
astral também acontecia parecido, muitas e muitas entidades
vinham saúda-los, Exus, Pomba Giras, Marinheiros, Ondinas,
Boiadeiros, Ciganos, Baianos, Caboclos de Ogum, Oxossi e Xangô,
enfim todos vinham render suas homenagens a estes que são os
“verdadeiros Mestres da Umbanda”.
Pai Cipriano quando foi passar a mensagem para todos deixou uma
frase que muitos assimilaram:
– “Amigos, sempre que desejarem fazer o mal a alguém, saibam
que este mal nunca vai inteiro, sempre fica um pedaço com você, e
geralmente este é o pior pedaço...”
Capítulo X - Helmuth (Exu do Lodo)
Nasceu na Alemanha e quando tinha quatorze anos explodiu a
guerra. Seu pai foi incorporado ao exército e foi embora, no início
ainda receberam algumas cartas, na última ele dizia estar na França
ajudando a Alemanha a “vencer a guerra”. Logo começaram a
recrutar outros homens, cada vez mais jovens. Aqueles que se
recusavam eram sumariamente fuzilados e acusados de traição.
Teve de se alistar, como a coragem não era uma de suas virtudes, o
que falou mais alto nesta decisão foi o medo da morte. Por não
demonstrar muita bravura foi escalado para o grupo que era
responsável pela guarda de um depósito de suprimentos na capital,
Berlim.
Sentia-se seguro ali longe dos campos de batalha, nunca precisou
disparar um tiro sequer, começou a preocupar-se quando soube que
os Russos estavam às “portas de Berlim”. O que se seguiu foi um
caos, receberam ordens de defender suas posições até as últimas
conseqüências.
Compreendeu que a única saída era fugir, desertar, ouviu dizer que
ainda havia uma brecha ao noroeste da cidade e correu para lá,
passou por sua casa para saber de sua mãe, mas o que encontrou
foram só escombros que sobraram após os bombardeios. Após ver
isto seu desespero aumentou, saiu correndo na direção escolhida,
mas sua esperança de se salvar acabou quando foi surpreendido
por uma patrulha da SS, que odiava mais aos desertores do que os
próprios inimigos. Helmuth foi surrado e levou tiros nos joelhos e
cotovelos, foi amarrado num poste e recebeu ainda alguns golpes
de baioneta, deixaram-no ali para que servisse de exemplo para
outros desertores.
Não saberia dizer por quanto tempo agonizou, aos poucos foi
desfalecendo, assim que seu corpo morreu seu espírito foi
arrancado dali por seres de aspectos horrendos.
Aqui cabe um registro:
Devido ao grande sentimento de ódio e revolta que se instalara por
ali, muitos espíritos baixos se acercavam da região, se
“alimentando” de toda aquela energia negativa, também por causa
do grande número de mortes que estavam acontecendo por ali, as
equipes de socorristas das colônias, não estavam conseguindo
atender a todos, e era disso que as legiões das trevas se
aproveitavam para arrebatar espíritos recém desencarnados e
escravizá-los.
E foi exatamente isso que aconteceu com Helmuth, foi arrebatado
do corpo e levado a um ponto do Umbral, um lugar úmido e fétido,
muito lamacento. Estava num estado de semi-consciência, não
entendia o que ocorria, sentia dores terríveis em seus ferimentos.
Sua consciência foi aos poucos retornando, um dia foi levado a uma
espécie de pátio muito sujo e mal-cheiroso, e foi ali que viu um
daqueles “seres”, sentado numa espécie de trono, que começou a
falar:
– Vocês estão aqui para trabalhar, quem não seguir as ordens será
castigado duramente, serão separados em grupos e assim que
forem chamados deverão atender.
Helmuth foi levado dali e colocado acorrentado num salão grande
sem iluminação, tinha dificuldades de andar por conta das dores que
sentia, aqui também cabe um registro:
Se tivesse a sorte de ser “salvo” por uma equipe de socorristas que
trabalhasse na “Luz”, a primeira preocupação deles seria curá-lo de
seus ferimentos, mas o mesmo não acontecia com aquele grupo, ao
contrário, pouco se preocupavam com ele.
Seu primeiro “trabalho” consistia em ficar “grudado” num encarnado,
com esta ação produzia mal-estar na pessoa, que passava até
mesmo a sentir suas dores. Depois deste vieram muitos outros da
mesma forma.
Muitas vezes enquanto cumpria estes trabalhos, era visitado por
outros espíritos, que lhe davam uma sensação de bem-estar, e era
convidado a seguir com eles, mas nesta hora sua covardia falava
mais alto, pois lembrava das ameaças de seu chefe que dizia
sempre:
– Quem nos trair ou desertar será perseguido e aí sim vai saber o
que é sofrer.
O medo era o maior estímulo que tinha para cumprir suas missões.
Às vezes acontecia de não conseguir cumprir sua tarefa, pois a
pessoa escolhida tinha um “protetor”, outras vezes chegou a ser
arrancado de perto de sua vítima por alguns destes protetores,
quando isto acontecia era castigado duramente, pois mesmo sem
ter culpa, seu chefe precisava descontar sua frustração em alguém.
Um dia estava fazendo seu “serviço” quando de repente sentiu algo
diferente, teve a sensação de ficar mais leve, já não se sentia
oprimido, começou a ficar preocupado apesar do bem-estar que
sentia, pois o companheiro que o renderia não havia aparecido, e
isto não era comum. Passou algum tempo e apareceu um outro
espírito que também era escravo daquele grupo e lhe disse:
– Seu idiota você já pode parar com isto, o quartel foi atacado por
espíritos da “Luz” e quase todos foram capturados, somente alguns
poucos escaparam, pode ir embora.
Ficou atônito, se fosse mentira quando abandonasse seu posto
seria castigado, resolveu que ficaria ali e continuaria o trabalho.
Com o passar do tempo começou a crer que realmente alguma
coisa havia acontecido, não teve mais notícias de seus chefes,
nunca isto tinha acontecido, resolveu voltar ao quartel de seu grupo
e nem precisou chegar até lá, de longe viu que só existiam ruínas.
Finalmente estava livre, mas o que faria agora? Para onde iria?
Saiu andando quase se arrastando devido a dor que sentia nos
ferimentos, às vezes encontrava com grupos de espíritos e alguns o
surravam só por divertimento, passou a viver escondido e começou
a se desesperar. Um dia, no auge deste desespero, lembrou-se da
mãe, e pediu, chamou por ela, neste exato momento uma luz
apareceu e dela surgiu a imagem de um homem que lhe estendeu a
mão e disse:
– Venha comigo, sua mãe ainda não pode ajudá-lo, mas eu vou,
confie em mim.
Não tinha mais forças para resistir e se deixou levar. Foi levado até
um outro local que embora fosse um tanto sombrio era muito mais
agradável que o antigo “quartel” onde ficava alojado. Lá chegando, o
espírito que o havia ajudado falou enquanto ao seu lado um espírito
de feições rudes apenas observava:
– Helmuth, este ao seu lado é o Sr. Exu do Lodo, que é quem
comanda as coisas por aqui, devido a seu estado e por conta de
seus atos, você vai ficar com ele e começar a sua recuperação.
E assim foi, por causa de seu estado quase de demência seu
aprendizado foi lento, hoje em dia já tem a permissão de ir a um
terreiro e eventualmente incorporar em um médium. Está se
esforçando para aprender e não ter mais reflexos dos ferimentos,
podendo assim se tornar efetivamente um trabalhador de
UMBANDA.
Capítulo XI - História da ASSEMA
“ Um dia algumas pessoas sonharam com um local onde o Amor, a
Fé, a Caridade e a Humildade fossem os pilares de um trabalho
espiritual… A Espiritualidade superior conspirou para que estas
pessoas se encontrassem e assim o sonho tornou-se realidade…
Nasceu a ASSEMA-Associação Espiritualista Mensageiros de
Aruanda. “
A ASSEMA nasceu de um sonho antigo meu e da Fátima, fazíamos
parte de um terreiro e quando a Mãe de Santo nos comunicou que
encerraria as atividades do terreiro por conta de sua idade
avançada, ficamos perdidos. Ela nos chamou para uma conversa
reservada e nos disse que deveríamos abrir nossa própria casa pois
já estávamos prontos para isto.
Ocorre que apesar de já estarmos a muito tempo militando na
Umbanda (eu a 17 anos e a Fátima a 11 anos), não nos sentíamos
preparados para esta missão, digamos que estávamos até um
pouco acovardados com esta possibilidade.
Ficamos por um ano a procura de uma casa, acabamos
encontrando uma que achamos ser a certa, ficamos neste local por
5 anos, fomos muito bem recebidos, e em pouco tempo já éramos
médiuns de confiança da casa, o problema é que la ocorriam
algumas coisas que iam contra nossas crenças e princípios, nos
perguntávamos como é que ficamos por la tanto tempo, se estas
coisas aconteciam, a resposta veio por meio de uma de nossas
entidades tempos depois:
“Vocês precisavam deste aprendizado”
Um belo dia nossas entidades nos fizeram ver que era a hora de
andarmos com nossas próprias pernas, e foi o que fizemos.
Iniciamos um trabalho que era realizado na sala da casa de minha
mãe, todas as noites de terça feira a sala se transformava num
conga, onde eu a Fátima, atendíamos as pessoas que nos
procuravam. Depois de algum tempo transferimos os trabalhos para
nossa casa, mas a coisa foi crescendo, nesta época já estavam
conosco o Renato (que é nosso nosso capitão da Curimba) e a Olga
(que é mãe pequena do terreiro), pessoas sem as quais este sonho
não se realizaria. Depois vieram o Henrique e a Silvana, que
infelizmente hoje não estão mais conosco, logo mais veio a Karen
(que também já não esta mais conosco)e ficou impossível continuar
em nossa casa.
Começamos a procurar um local e achamos este onde se encontra
a ASSEMA até hoje, a principio pensamos em realizar as reformas
em no máximo 30 dias, realizávamos os trabalhos as terças feiras
no meio de entulhos e materiais de construção, para construção,
para podermos trabalhar na reforma aos finais de semana, só que
pelo estado do local, pela falta de recursos e pela falta de mão de
obra especializada as reformas duraram quase três meses, mas
finalmente, no dia 24 de julho de 2004 inaugurávamos a sede da
ASSEMA, com uma bonita festa.
Esta é nossa história, e esta é a ASSEMA crescendo e escrevendo
a sua história dia a dia….
End. Rua Marcílio Dias 433 – Bairro Alto Curitiba/Paraná
Inf. marco@assemacuritiba.com.br
Capítulo XII – Textos inéditos para
versão digital
Uma pequena crônica
Um médium iniciante, foi falar com o dirigente do terreiro, estava
ansioso em saber algumas coisas:
- Pai preciso saber urgente quem são meus Orixás, e com quais
entidades vou trabalhar?
- E por que esta pressa meu filho? - respondeu o dirigente.
- É que tenho amigos em outro terreiro e quando souberam que eu
estava freqüentando a Umbanda, me fizeram estas perguntas e eu
não soube responder.
- Vou te ensinar a resposta, quando te perguntarem novamente
responda:
“Sou filho do Orixá Humildade e do Orixá Caridade, as entidades
com as quais vou trabalhar são Fé, Amor, Paciência,
Perseverança.”
O médium ficou olhando sem entender as palavras do dirigente que
continuou:
- Na Umbanda não temos de nos preocupar quem são nossos
Orixás, temos o dever de cultuar a todos com a mesma fé e amor,
de nossas entidades o que menos vai importar é seu nome,
devemos sim nos preocupar em ajudá-las a transmitir a aqueles que
as procurarem as energias positivas e a paz que tanto buscam.
Marco Boeing
O preconceito nosso de cada dia
Nos últimos tempos nós Umbandistas, nos acostumamos a
sermos vítimas de um preconceito violento, sempre reclamando, nos
colocando como vítimas deste terrível mal. Não nego que sofremos
sim preconceito, mas este preconceito na grande maioria das vezes
é causado pela ignorância ou desinformação, ou o que é pior, a
ideia errada que se passa da Umbanda por conta de algumas
atitudes dos próprios umbandistas, alguns exemplos:
Despachos jogados nas ruas, com restos de comidas,
garrafas, alguidares, ou ate coisa pior.
Sujeira nas praias, matas e cachoeiras depois de rituais
realizados por “umbandistas”.
Rituais de “Umbanda” regados a bebidas, com muita
baderna, “entidades” com roupas extravagantes, cocares
enormes, mais parecendo um baile a fantasia do que um ritual
religioso.
Imagens de Exus com rabos, chifres, e ainda ditos
“umbandistas” que alimentam esta ideia de que Exu é uma
entidade sem o compromisso com o bem.
As disputas “comerciais” entre “mestres e magos”, ditos
umbandistas, um querendo ser melhor que o outro, pensando
ser o dono da verdade absoluta.
Anúncios colocados em jornais e postes das cidades,
prometendo qualquer coisa mediante um pagamento.
Pergunto o que você, uma pessoa sem nunca ter ido a um
terreiro, sem ter informações pensaria de uma religião com estes
“ingredientes”? Não seria muito mais interessante, nos
preocuparmos em passar uma imagem sadia, da Umbanda, ao
invés de ficarmos reclamando como se fossemos pobres coitados?
Às vezes tenho a impressão que muita gente gosta desta
situação, de se colocar como vítimas eternas. Informando,
mostrando a beleza de nossa religião, não vamos acabar com todo
o preconceito, mas com certeza diminuiremos sensivelmente.
Ultimamente surgiram inúmeras iniciativas por “tolerância” em
relação a Umbanda, alguém já se preocupou em analisar o que é
tolerância? Segue a definição dos dicionários:
TOLERANCIA – CONDESCENDENCIA OU
INDULGENCIA PARA AQUILO QUE NÃO SE QUER OU NÃO
SE PODE IMPEDIR.
TOLERADA – MERETRIZ MATRICULADA
TOLERADO – CONCEDIDO, PERMITIDO
TOLERAR – SOFRER O QUE NÃO DEVERIAMOS
PERMITIR, OU QUE NÃO NOS ATREVEMOS IMPEDIR;
CONSENTIR; PERMITIR; DEIXAR PASSAR.
Pois bem, agora eu pergunto, você prefere ser tolerado como
Umbandista ou respeitado? A resposta pelo menos para mim parece
óbvia, então que tal começarmos e criar movimentos para informar
melhor e assim conquistarmos este respeito?
A Umbanda da palavra e da consciência
Dias atrás em conversa com algumas pessoas, a seguinte questão
foi colocada em pauta:
Antigamente aconteciam muitos casos de materializações
e efeitos físicos nos trabalhos de Umbanda, e hoje em dia é
muito raro.
Meu entendimento sobre este assunto é o seguinte:
Durante algum tempo, a Umbanda teve que de certa forma se
“firmar” no cenário religioso, as pessoas precisavam de algo
“palpável” para sentirem-se bem e confiar naquelas verdades.
Hoje em dia vivemos numa fase que eu para uma
identificação acabei por denominar “A UMBANDA DA PALAVRA E
DA CONSCIÊNCIA”.
Nossos Mentores nos colocam e nos mostram cada vez mais
a necessidade que temos de fazer aqueles que nos procuram
entenderem que a melhora que eles tanto anseiam começa e tem
continuidade com uma mudança de pensamento e atitudes, uma
verdadeira reforma intima. É esclarecido que a Umbanda não é um
culto “fazedor de milagres”, onde qualquer um vai receber o que
quer em troca de algumas velas ou o que é pior em troca de alguns
“tostões”.
Nossos rituais, nossos trabalhos de descarrego e
desobsessão. Continuam sendo de grande importância, mas tão
importante quanto eles é esta necessidade de levarmos ao mundo a
“palavra” e o “entendimento” de como a espiritualidade funciona,
criando assim uma nova consciência naqueles que só procuram a
Umbanda para obter proveito próprio, e que não enxergam a
necessidade de eles mesmos mudarem para aí sim melhorarem de
verdade, mudarem conceitos e atitudes, esquecer a mesquinhez, e
entenderem que fazem parte de um todo.
Foi o tempo em que tudo se resolvia com uma “mágica”,
fazendo surgir do nada, objetos que segundo se acreditava eram a
materialização de nossos problemas.
A Espiritualidade não tem mais o porquê fazer isto, e nem
precisa, o que ela precisa é de médiuns que entendam que a
verdadeira caridade é tentar ser o melhor que puder passar esse
conceito para as pessoas, fazendo-as entender com suas palavras e
seus exemplos a sua responsabilidade neste mundo.
Isto é o que eu chamo de “A UMBANDA DA PALAVRA E DA
CONSCIÊNCIA”.
Liberdade Religiosa
• Sou diferente por que “recebo”, um “Preto velho” e não o
“Espírito Santo”?
• Sou menos evoluído por que louvo a “Oxalá” e não a
“Jesus Cristo”?
• Não foi o próprio Jesus quem disse: “muitos são os
caminhos que levam ao pai”?
• Então, deixem que eu siga o caminho que escolhi.
Não, sou apenas um Umbandista, que tem o direito a expressar sua
fé de acordo com sua crenças.
Liberdade Religiosa não é um beneficio concedido a alguns, é um
direito de todos.
Muitos vêm, alguns outros vão.
A Umbanda é uma religião que acolhe a todos, não faz
nenhum tipo de distinção entre as pessoas que atende, e por conta
disto a entrada de pessoas nas correntes é uma coisa normal e
constante.
Algumas casas têm critérios para aceitação de novos
membros, outras não, mas uma coisa que nunca deveria ser
deixada de lado, o Livre Arbítrio das pessoas.
Sou totalmente contra o que alguns dirigentes fazem,
semeando o medo em pessoas que “tem mediunidade”, ouvimos
muitas e muitas vezes estes dirigentes afirmarem categoricamente
que os problemas da pessoa são causados por sua mediunidade
“não desenvolvida”, quase que obrigando o ser a entrar na corrente,
e o mesmo ocorre quando uma pessoa demonstra o desejo de se
afastar da casa, onde veladamente ela é levada a crer que sua vida
vai “desandar” por culpa desta decisão. O agravante é o uso da
Espiritualidade, dos Orixás e das Entidades, para se fazer estas
ameaças, como se fossem eles os responsáveis pelos “castigos”
que o “desistente” vai sofrer dali em diante.
Não tenho como acreditar que Entidades de Luz, Forças
puras da natureza, vão de alguma forma prejudicar uma pessoa
apenas por ela ter feito uso de o seu Livre Arbítrio, ao escolher não
participar ou deixar de participar de uma corrente de Umbanda.
Logo eles que nos ensinam sempre que o livre arbítrio é um direito
que nos foi “concedido” por Deus.
Esta ultima parte do texto vai diretamente aos dirigentes e
para aqueles que aspiram serem dirigentes um dia:
Será que é valido termos em nossas casas, pessoas que ali
estejam apenas por medo de serem “castigados”, pelas entidades,
por pensarem que sua vida vai “andar para trás” se não
desenvolverem?
A Umbanda precisa sim de médiuns que a amem, e que a
pratiquem por conta deste amor, só assim a sua essência será
mantida.
Zé Pelintra, quem seria esta entidade.
Um Malandro?
Um Exu?
Um Mestre da Jurema?
Um Baiano?
Vamos encontrar varias versões e todas elas de certa forma
corretas, digo isto por que entendo que esta entidade circula entre
linhas, podendo atuar onde a casa determine ou necessite.
Ao contrario do que muitos pensam e pregam, não encarna e
figura do “malandro carioca”, na verdade esta entidade trás em sua
forma de atuação a essência do povo brasileiro, trabalhador, sofrido,
com uma fé muito grande e sempre alegre.
É uma falange de entidades que conhece os atalhos dentro
da espiritualidade, mandingueiro por natureza, não necessita de
muita coisa para realizar seus trabalhos, muitas vezes resolvendo
tudo no “papo”.
Extremamente sincero, e muito amigo de seus amigos,
exigente com seus “aparelhos”, mas esta exigência não se reflete
em questões materiais (roupas, bebidas, etc.), é exigente no que diz
respeito à responsabilidade do médium para com seu trabalho.
Infelizmente muitos “umbandistas”, criaram e costumam
alimentar mito e ideias erradas a respeito desta entidade, utilizando
seu nome e sua figura para cobrar trabalhos ou colocar medo em
incautos.
Gostaria muito de ver algumas destas pessoas na hora do
“acerto de contas”, frente a frente com seu Zé, confesso que seria
muito divertido.
Enfim é assim que eu vejo seu “Zé Pelintra”, nem melhor nem
pior que ninguém, apenas um espírito em busca de evolução, assim
como vários outros “Zes”, “Antonios”e “Joãos”.
Um alerta
Sou uma pessoa muito curiosa, adoro visitar centros e
terreiros, mas não vou lá para ser reverenciado como dirigente, na
verdade na maioria das vezes passo despercebido.
Sou também um estudioso da Umbanda, sempre que ouço
falar de algo que não conheço vou à procura da resposta, tento de
todas as formas conseguir esta informação, e por ser um estudioso
ou diria um curioso, criei o habito de observar, mas não observar no
intuito de sair depois falando, e sim para conhecer, aprender sobre
formas e rituais umbandistas diversos, mas tem uma coisa que
tenho visto muitas vezes e tem me incomodado muito:
Por que existe tanta submissão dentro dos terreiros?
Por que entidades ditas “de Luz”, quase escravizam
médiuns?
Por que muitos médiuns são humilhados e/ou ameaçados por
“entidades” muitas vezes publicamente?
Eu tenho uma teoria: São os médiuns, geralmente dirigentes
de casas, que fazem de suas entidades “reis ou rainhas”.
Eu pergunto: qual a necessidade de um Exu dito guardião ter
três cambonos, um para segurar seu copo de Whisky (importado,
diga-se de passagem), outro para segurar o pano onde ele limpa a
mão e a boca e outro para segurar seu cinzeiro?
Tenho certeza de uma coisa e uma duvida sobre outra:
A certeza é que isto é vaidade do médium, a duvida é se ele
realmente estaria vibrado por um verdadeiro Guardião ou por um
Kiumba zombeteiro?
Vi muitas vezes, pretos velhos entidades que representam a
Humildade e a sabedoria da Umbanda, exigindo desde a marca do
fumo para seu cachimbo até o tipo de vinho e sua procedência.
Quero fazer um alerta (quem sou eu para ter esta pretensão,
mas mesmo assim vou adiante) para médiuns e dirigentes.
Recado aos médiuns e aos dirigentes
Médiuns
Tomem cuidados com a vaidade e a soberba, sempre que
tiver a “intuição” ou que alguma entidade “pedir” algo de material,
pense, reflita se isto não é coisa sua, se não é você que quer isto.
Cuide para que todas as “entidades” que trabalham com você sejam
educadas e respeitem a todos, pois nenhuma entidade deve vir a
um terreiro demonstrando arrogância e desrespeito, se isto
acontece algo esta errado. Outra coisa não existe entidade mais ou
menos “forte” que a outra, existe sim entidades com mais
experiência, e médiuns mais firmes, formas diferentes de atuação
mesmo em entidades de uma mesma falange.
Dirigentes
Lembrem que são vocês os responsáveis por tudo que ocorre
numa casa, fiquem atentos a “seus filhos” de corrente para ajudá-los
a corrigir certos deslizes, tratem a todos com igualdade, num terreiro
não pode haver tratamento diferenciado entre os médiuns.
E o mais importante, vocês são exemplos dentro de suas
casas, então procurem ser exemplos positivos, e não pratiquem o
ditado do “faça o que eu digo, não faça o que eu faço", ao contrario
deem o bom exemplo para que todos façam o que você faz.
Por que a simplicidade não satisfaz?
Depois de alguns anos militando na umbanda, comecei a
desenvolver um senso critico no que diz respeito a minha religião.
Passei a observar as mudanças, as evoluções, os
retrocessos, o comportamento, enfim tudo que se refere ao dia a dia
da Umbanda.
Uma coisa tem me incomodado muito; a falta de simplicidade
que tenho observado nos terreiros. Quando iniciei na Umbanda, pés
no chão, uma roupa branca, algumas velas brancas no altar e
pronto, o terreiro estava pronto para funcionar, as entidades sempre
presentes, os consulentes atendidos, os médiuns felizes por estar
ali, enfim uma atmosfera propicia para pratica do bem.
Não existiam cursos como, por exemplo, formação de
“sacerdotes” em dois anos, nosso aprendizado era dentro do
terreiro, ouvindo o dirigente, as entidades, os mais experientes.
Muitos vão dizer que a evolução é importante e faz parte da
vida, concordo, mas penso que deva ser uma evolução inteligente,
coerente. Infelizmente tenho visto muitos que inventam rituais,
fundamentos e práticas muitas beirando o absurdo, outros vão
buscar em outras religiões, praticas que nada tem haver com a
Umbanda, em nome de uma pretensa evolução.
Vejo a subserviência, a idolatria à pessoa do “pai de santo”
muito grande, vejo que em muitos casos a espiritualidade fica em
segundo plano. Hoje em dia Orixá virou sobrenome e até
propriedade pessoal, terreiros viraram desfile de moda ou concurso
de fantasias.
Aprendi que quando se vai a outro terreiro devemos saber
entrar e sair, minha Mão de Santo, nos ensinou que quando
visitamos outra casa, salvo se somos convidados pelo chefe do
terreiro, somos assistência, e nosso lugar é “na fila do passe” como
ela dizia. O que ocorre hoje é bem diferente, “pais de santo” que se
acham no direito de exigir que se dobrem atabaques para ele, que
se prestem reverencias, e muitas vezes ainda saem reparando,
criticando ou caçoando do trabalho, e por que tudo isto? Justamente
pelo fato de que a espiritualidade para eles é apenas um detalhe.
Não sei onde isto vai acabar, espero que acabe antes que a
Umbanda acabe.
Amigos, longe de querer generalizar ou ser o dono da
verdade, como disse no inicio, sou apenas um observador do
comportamento umbandista.
Ainda bem que temos terreiros que ainda mantêm a essência
da umbanda, onde a palavra de um Preto Velho ou de um Caboclo é
ouvida e seguida. Onde o dirigente senta com seus filhos, ouve,
explica, não tem vergonha de dizer “não sei, mas vou tentar
aprender”.
Este texto nada mais é que um desabafo de um saudosista,
que pisou muito em terreiro de chão batido, que limpou muito
cinzeiro, que já caiu varias vezes de “bunda” no chão durante o
desenvolvimento, que já levou muito “pito” de entidades, que teimou
muitas vezes, mas que aprendeu a amar com todas as forças a
Umbanda, e que depois de todo este tempo vivenciando a Umbanda
tem uma pergunta aos Umbandistas:
Por que a simplicidade não satisfaz?
13 de maio, uma festa... Apenas para os
Pretos Velhos
No dia 13 de maio, é comum que todos os terreiros do Brasil,
comemorem ou exaltem os Pretos Velhos de Umbanda, entidades
que representam a essência desta religião, Fé, Amor, Humildade,
Caridade, poderíamos escrever paginas e paginas para falar deles,
eu seria repetitivo a tudo que já foi dito sobre esta linha de trabalho.
Minha intenção ao escrever este texto é outra, vou explicar.
Uma vez em uma conversa entre amigos, alguns
umbandistas outros não, um destes que não era umbandista, mas
sim um curioso perguntou:
-“Por que se comemoram os Pretos Velhos no dia 13 de
maio?”.
Um dos presentes a conversa que era umbandista respondeu
que era para se aproveitar a “comemoração da libertação dos
escravos”, confesso que isto de alguma forma me incomodou, mas
me calei naquele momento. Depois refletindo, cheguei a uma
conclusão particular, acho uma vergonha se comemorar a
“libertação dos escravos”, e explico por que:
Se houve libertação e por que houve escravatura, e isto é
uma mancha moral no coração do Brasil, que nunca vai sair. À
libertação dos escravos não deveria ser comemorada, pois isto era
uma obrigação moral, a escravatura deveria ser motivo de vergonha
nacional.
Fomos tão “irradiados” com a ideia de que a libertação dos
escravos foi um ato de bondade, de caridade, um ato que
demonstra o quanto somos evoluídos, portanto vamos comemorar.
Mas volto a dizer se houve a libertação e por que houve a
escravatura, sendo assim o que temos a comemorar?
Por ultimo, para ilustrar bem como esta questão nunca foi
colocada da forma correta (pelo menos no meu entender), sou
obrigado a ouvir de uma pessoa publica talvez a pessoa que mais
vai ser ouvida nesta época de Copa do Mundo, ou seja, o técnico da
seleção Brasileira, numa entrevista de convocação para a copa,
onde sua imagem e sua voz estavam sendo exibida praticamente no
mundo inteiro, e ele diz:
“-Não sei se a escravidão foi tão ruim assim, pois eu não vivi
naquela época.” E olha que a copa deste ano vai ser na África.
Eu acho que ele provavelmente viveu sim naquela época,
mas que talvez a escravidão não tenha sido ruim para ele, pois,
quem sabe ele ao invés de ter sido escravo tenha sido um feitor, ou
fazendeiro.
Agora tirando a brincadeira de lado, este pensamento reflete
como pensa um povo, que “comemora” a libertação dos escravos,
ao invés de sentir vergonha disto.
Tenho uma sugestão ao governo, estão indenizando aos
familiares e descendentes de pessoas que sofreram torturas ou
foram mortas durante a ditadura militar (outra passagem vergonhosa
em nossa história), até acho justo, e agora a minha sugestão: Por
que não se pensa em como ajudar os descendentes de escravos
que foram mortos e torturados na época da escravidão, e nem
precisaria se dar dinheiro a eles, esta ajuda a ele poderia ser em
forma de melhores condições de vida, saúde, educação e moradia,
etc.
Basta a qualquer um visitar uma comunidade Quilombola e
vai entender o que estou falando, aqui no Paraná temos 34, fique a
vontade.
O resumo deste texto é o seguinte, eu comemoro sim o dia
13 de maio. Mas comemoro apenas os Pretos Velhos, de resto sinto
vergonha.
Fim...

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