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Tríplice Fronteira: temas presentes e futuros, por Micael


Alvino da Silva
mundorama.net/

November 28, 2018

Desde o início do século XXI, a Tríplice


Fronteira entre Argentina, Brasil e
Paraguai é um laboratório para o
estudo do que se chamou na época de
“novos temas” das Relações
Internacionais. Apesar de abertura
para estudos sobre integração
regional (física, política, social,
energética e produtiva) e meio
ambiente (preservação ambiental e
desenvolvimento sustentável), os
temas predominantes foram o
comércio ilícito e o terrorismo.

Comércio ilícito e terrorismo são enquadrados na categoria de crimes transnacionais e


foram amplamente associados ao comércio de Cidade do Leste, liderado por libaneses e
chineses. Objeto principalmente da mídia e de estudos de segurança internacional após os
ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, ambos os temas também foram alvos de
pesquisas acadêmicas principalmente nos Estados Unidos e no Brasil (COSTA e
SCHULMEISTER, 2007; LEE, 2008; BÉLIVEAU e MONTENEGRO, 2010; PINHEIRO-
MACHADO, 2011; SILVA e COSTA, 2018)

No contexto de problematizar a ameaça terrorista que poderia advir da comunidade árabe


na região, o “meio ambiente” foi deixado em segundo pleno. Uma revisão em pouco mais
de duas dezenas de artigos em revistas acadêmicas, de 2004 a 2018, apenas um trabalho
abordou o tema na área das Relações Internacionais. Na ocasião, o foco de Carmen
Farradás foi sobre o processo de privatização do Parque Nacional do Iguaçu, tanto do lado
brasileiro quanto argentino (FERRADÁS, 2004). Em relação à Tríplice Fronteira no início do

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século XXI, pode-se afirmar que o discurso acadêmico, na área das Relações
Internacionais, possui um padrão de preferência pelos “novos temas” relacionados à
criminalidade transnacional.

Os temas relacionados aos crimes transnacionais são produtos de um processo mais


amplo de abertura e de possibilidade de comércio internacional na fronteira do Paraguai
com o Brasil. É fato que o Paraguai se antecipou à abertura econômica e, nos anos 1990,
quando o Brasil ainda caminhava para um comércio internacional mais aberto, o país
vizinho já contava com mecanismos mais simplificado para importação e exportação de
manufatura. Autores paraguaios mencionam a abertura internacional como uma
estratégia para o desenvolvimento e até mesmo uma tentativa de postergar a ditadura de
Stroessner (BRUN, MASI e FLORENTÍN, 2017).

O percurso das mercadorias dos portos brasileiros à Cidade do Leste faz parte de um
contexto maior de aproximação entre Brasil e Paraguai (CHESTERTON, 2018). E foi
justamente a integração das estradas e pontes e a construção de Itaipu Binacional que
transformou a região habitada por pouco mais de 30 mil pessoas em 1970 para mais de
100 mil em 2000 e, atualmente, ultrapassa a marca de 1 milhão de habitantes. Diante
disso, é bem vinda a perspectiva de se estudar a região no contexto uma longa duração e
em um espaço mais amplo que o ponto de confluência dos três países (BLANC e FREITAS,
2018).

A abordagem ampliada é importante particularmente para a perspectiva histórica. Para a


análise de conjuntura, também é desejável a ampliação da agenda de estudos sobre as
relações internacionais da região. Há espaço, por exemplo, para temas como o
desenvolvimento sustentável e o papel de Itaipu Binacional, já que são implicados
diretamente com o futuro das relações entre Brasil e Paraguai, da Tríplice Fronteira e da
América do Sul.

Na historiografia, há menções à importância singular de Itaipu para o Paraguai


contemporâneo (ROLON, 2011; BRUN, MASI e FLORENTÍN, 2017). Mais especificamente,
há um estudo andamento que, ao que parece, pode ser estruturante de uma abordagem
internacionalista sobre a empresa. Trata das implicações geopolíticas do início do Tratado
de Itaipu de 1973, e da complexidade em torno do projeto. Um tema absolutamente
importante, no momento em que se avizinha o vencimento do Tratado em 2023 (FOLCH,
2018).

Enquanto os crimes transnacionais podem ser considerados mais um assunto para


gabinetes governamentais e especialistas em segurança, o futuro de Itaipu, e das finitas
energias renováveis, possui uma abrangência econômica e política com significados para
o Paraguai inteiro e para uma boa parte do Brasil. Além do impacto social que tem a ver
com toda a área da Tríplice Fronteira, quer seja ela o ponto de confluência ou em uma
dimensão maior.

Para os temas internacionais futuros, Itaipu não representa apenas um empreendimento


binacional ou um ator que se articula transnacionalmente (LISBOA e PERON, 2018).
Prestes a fazer aniversário de 50 anos, Itaipu produz relações internacionais que impactam

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o futuro dos brasileiros e principalmente dos paraguaios. Dois povos que, por sinal, ainda
convivem com um assunto do passado mal resolvido: a Guerra da Tríplice Aliança
(BENVENUTO, 2016).

Estima-se que Itaipu ainda tenha vida útil superior a 100 anos. O que acontecer depois
disso certamente mudará o cenário do Paraguai, da Tríplice Fronteira e, talvez, da América
do Sul. No momento, o que se sabe é que ambos os governos (do Paraguai recém
empossado e do Brasil recém-eleito) terão de sentar à mesa e discutir os termos da
renovação do “Anexo C” do Tratado de Itaipu.

Se a universidade tem a função de contribuir para a solução de problemas da sociedade,


me parece que a pesquisa em relações internacionais precisa mudar o rumo do debate que
está centrado em comércio ilícito e terrorismo. Um tema como desenvolvimento
sustentável faria os internacionalistas sair da zona de conforto disciplinar e dialogar com
uma área não muito afim. A decisão de aproveitar os recursos hídricos do Rio Paraná e de
construir Itaipu mudou completamente a dinâmica espacial da Tríplice Fronteira. A
renegociação do Tratado, logo mais há alguns anos, certamente exigirá ajustes que
transformará novamente a produção, a estratégia e a política internacional na região.

Referências
BÉLIVEAU, V. G.; MONTENEGRO, S. La Triple Frontera: Dinámicas culturales y procesos
transnacionales. Buenos Aires: Espacio Editorial, 2010.

BENVENUTO, J. Integração regional a partir da fronteira do Brasil, Argentina e Paraguai.


Curitiba: Juruá, 2016.

BLANC, J.; FREITAS, F. Big Water: The Making of Borderlands Between Brazil, Argentina
and Paraguay. Chicago: University of Arizona Press, 2018.

BRUN, D. A.; MASI, F.; FLORENTÍN, C. G. Política Exterior Brasileña: oportunidades y


obstáculos para el Paraguay. Asunción: Editorial Servilibro, 2017.

CHESTERTON, B. M. From Porteño to Pontero: the Shifiting of Paraguayan Geography and


Identity in Asunción in the Early Years of the Stroessner Regime. In: BLANC, J.; FREITAS, F.
Big Water: The Making of Borderlands Between Brazil, Argentina and Paraguay. Chicago:
University of Arizona Press, 2018. p. 242-266.

COSTA, T. G.; SCHULMEISTER, G. H. The Puzzle of the Iguazu Tri-Border Area: Many
Questions and Few Answers Regarding Organised Crime and Terrorism Links. Global
Crime, 8, n. 1, 2007. 26-39.

FERRADÁS, C. A. Environment, Security, and Terrorism in the Trinational Frontier of the


Southern Cone. Identities: Global Studies in Culture and Power, New York, 11, n. 3, 2004.
417-442.

FOLCH, C. Ciudad del Este and the Common Market: A Tale of Teo Economic Integrations.
In: BLANC, J.; FREITAS, F. Big Water: The Making of Borderlands Between Brazil,
Argentina and Paraguay. Chicago: Chicago: University of Arizona Press, 2018. p. 267-
284.
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LEE, R. The Triborder–terrorism nexus. Global Crime, London, 9, n. 4, 2008. 332-347.

LISBOA, M. T.; PERON, V. GT Itaipu Saúde: uma política pública do governo e da sociedade
civil. Revista 100 Fronteiras, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 156, Setembro 2018.

PINHEIRO-MACHADO, R. Made in China: (in)formalidade, pirataria e redes sociais na rota


China-Paraguai-Brasil. São Paulo: Hucitec, 2011.

ROLON, J. A. Paraguai: Transição Democrática e Política Externa. São Paulo: Annablume,


2011.

SILVA, M. A. D.; COSTA, A. B. D. A Tr ́plice Fronteira e a aprendizagem do contrabando: da


“era dos comboios” à “era do crime organizado”. In: BARROS, L.; LUDWIG, F.
(Re)Definições de fronteiras: velhos e novos paradigmas. Foz do Iguaçu: IDESF, 2018.

Sobre o autor
Micael Alvino da Silva é Professor Adjunto na Universidade Federal da Integração Latino-
Americana.

Como citar este artigo


Mundorama. "Tríplice Fronteira: temas presentes e futuros, por Micael Alvino da Silva".
Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais,. [Acessado em
08/01/2019]. Disponível em: <https://www.mundorama.net/?p=24981>.

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