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NÚCLEO

CULTURAL
DA HORTA

2015 núcleo CULTUR


V
L
da horta
Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Edição / Publisher
Núcleo Cultural da Horta

Editor / Editor
Ricardo Manuel Madruga da Costa

Editora-Adjunta / Assistant Editor


Magda Costa Carvalho

Conselho Editorial / Editorial Committee


Jorge Costa Pereira
José Damião Rodrigues
Ricardo Serrão Santos
Susana Goulart Costa
Urbano Bettencourt
Vamberto de Freitas

Assessoria Científica / Scientific Adviser


Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo

Endereço postal / Mailing address


Apartado 179
9900-909 HORTA

e-mail do editor / editor's e-mail


rmmc2@sapo.pt
magda.ep.teixeira@uac.pt

Capa / Cover design


Vítor Marques

Concepção gráfica / Design


PUBLITO – Estúdio de Artes Gráficas, Lda.
BRAGA - Portugal

Tiragem / Circulation
350 exemplares / 350 copies

Depósito legal / Catalog publishing data


128988/98

ISSN 1646-0022

A edição online dos números anteriores encontra-se acessível em http://www.nch.pt


Online edition of previous numbers can be accessed via http://www.nch.pt
Conteúdos
Contents

Editorial / Editorial
por  Magda Costa Carvalho. ................................................................................... 9

DIREITOS HUMANOS: ATUALIDADE E PERSPECTIVAS


HUMAN RIGHTS: SOME PERSPECTIVES

Nota introdutória ao dossier “Direitos Humanos: atualidade e perspetivas”


Introductory remarks to the topic “Human Rights: some perspectives”
por Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo.......................................................... 13

Entre universalismo e relativismo: para uma ética intercultural


Between universality and relativism: towards an intercultural ethics
por Acílio da Silva Estanqueiro Rocha................................................................. 23

From culturalization of human rights to the right to culture


Da culturalização dos direitos humanos ao direito à cultura
por Anita Budziszewska. ......................................................................................... 43

A (in)cultura dos direitos humanos


The (non)culture of Human Rights
por António Teixeira Fernandes............................................................................ 55

Direitos humanos e direitos das crianças


Human rights and children’s rights
por A rmando Leandro............................................................................................. 73

Direitos humanos e integração europeia


Human rights and European integration
por Carlos E. Pacheco A maral.............................................................................. 85
O trabalho da UMAR nos Açores. Percurso feminista dos direitos das mulheres
e a igualdade
The intervention of UMAR in the Azores. Feminist perspective of women’s rights
and equality
por Clarisse Canha................................................................................................... 93

O modo como a AMI trabalhou, trabalha e pretende continuar a trabalhar


em prol dos Direitos Humanos
The way AMI worked, works, and intends to continue to work in the promotion
of Human Rights
por Fernando Nobre................................................................................................. 111

O Provedor de Justiça: da sindicância da má administração à defesa dos Direitos


Humanos
The Ombudsman: from the supervision of maladministration to the defense of human
rights
por Miguel Menezes Coelho................................................................................... 119

Da informação à autorregulação: prevenção da violência nas relações íntimas


From information to self-regulation: prevention of violence in intimate relations
por Sandra Furtado................................................................................................. 137

Direitos humanos em tempo de crise. Três teses sobre uma tarefa inacabável
Human rights in critical times. Three perspectives on a never ending task
por Viriato Soromenho-M arques........................................................................... 147

O direito de resistência como direito humano fundamental


The right to resist as a fundamental human right
por Vladimir Safatle. .............................................................................................. 155

VÁRIA
CONTRIBUTED PAPERS

A emigração da Ilha do Corvo. 1800-1920


The emigration of Corvo Island. 1800-1920
por Hélio Nuno Santos Soares............................................................................... 167
Relevância das exportações de vinho do Pico na economia dos Açores
nas duas primeiras décadas do século XIX
Relevance of the exports of Pico wine in the economy of the Azores
in the first two decades of the nineteenth century
por R icardo Manuel Madruga da Costa.............................................................. 207

MEMÓRIA
MEMORY

Travels in the Azores in the mid-1890s. Reports to the «Inter-Ocean»


Viajando nos Açores a meados dos anos 90 do século XIX. Reportagens para o jornal
Inter-Ocean
por Fannie B. Ward (edited by George Monteiro)................................................ 265

REVISTA DE LIVROS
BOOK REVIEWS

(2014) Carlos Manuel Gomes Lobão, Uma Cidade Portuária – a Horta entre 1880-1926.
Sociedade e Cultura com a Política em Fundo. 2 Volumes, Horta, Ed. do Autor.
por José Miguel Sardica.......................................................................................... 373

(2014) Envelhecer e Conviver (coord. Teresa Medeiros, Carlos Ribeiro, Berta


Pimentel Miúdo e Adolfo Fialho). Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições.
por Avelino de Freitas de Meneses. ....................................................................... 379

(2014) Rui Bettencourt, Políticas para a empregabilidade. Lisboa, Actual Editora.


por Álvaro Borralho............................................................................................... 385

(2014) Alfredo Mesquita, A América do Norte. Lisboa, Tinta-da-China; FLAD.


por Álvaro Borralho. .......................................................................................... 391

(2014) Inventário do Património Imóvel dos Açores – Angra do Heroísmo. Terceira.


Angra do Heroísmo, Ed. Direcção Regional da Cultura; Instituto Açoriano de Cultura.
por Isabel Soares Albergaria. ............................................................................... 397
(2014) Célia Barreto Carvalho; Suzana Nunes Caldeira; Pedro Almeida Maia
(Il. Ana Correia), Os vencedores do medo. Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições.
(2014) Célia Barreto Carvalho; Suzana Nunes Caldeira; Pedro Almeida Maia
(Il. Ana Correia), O primeiro dia de aulas. Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições.
por Catarina Figueiredo Cardoso.......................................................................... 405

(2014) Álamo Oliveira, Marta de Jesus – A Verdadeira. Ponta Delgada, Letras


Lavadas Edições.
por Urbano Bettencourt......................................................................................... 407

(2014) Adrien Bosc, Constellation. Paris, Éditions Stock.


por Urbano Bettencourt......................................................................................... 411

(2014) Duarte Chaves, Os Terceiros e os seus Santos de Vestir: Os últimos guar-


diões do património franciscano na cidade da Ribeira Grande, S. Miguel, Açores.
Ribeira Grande, Câmara Municipal.
por João Paulo Constância...................................................................................... 415

PANORAMA EDITORIAL EM 2014


2014 PUBLISHED BOOKS OVERVIEW............................................................ 419

BOLETIM DO NÚCLEO CULTURAL DA HORTA

Na crista da onda. Afonso Chaves (1857-1926) e as ciências do mar nos Açores


Riding on the crest of a wave. Afonso Chaves (1857-1926) and marine sciences in
the Azores
por Conceição Tavares ............................................................................................ 427

EQUIPA EDITORIAL
EDITORIAL TEAM............................................................................................................ 447

LISTA DE AUTORES
INDEX OF AUTHORS....................................................................................................... 453

Notas Editoriais
Editorial Notes................................................................................................................... 461
Editorial
Editorial

O Millennia2015 foi lançado pela marcado importantes momentos da


ONG Destree Institute em 2007, con- história contemporânea, umas vezes
sistindo num projeto alargado de in- conseguida com maior sucesso, ou-
vestigação e pesquisa sobre a relevân- tras ainda a aguardar oportunidade.
cia das mulheres como força motriz Conforme mostram os indicadores
da Humanidade. Conta com o alto do Millennia2015, muito há ainda
patrocínio da UNESCO e tem acolhi- a fazer para que o conceito de “ser
do diversos parceiros internacionais. humano” seja entendido na riqueza
A iniciativa destaca o papel decisivo multifacetada dos vários grupos que
que as mulheres devem desempenhar o constituem, sejam de homens ou de
nas sociedades contemporâneas, en- mulheres. E quão importante seria
quanto importantes agentes de desen- que o Mundo acordasse para a rele-
volvimento futuro e construtoras de vância da diversidade enquanto fator
alternativas decisivas para os desa- diferenciador de uma vida qualitati-
fios globais hoje enfrentados pelo ser vamente mais completa! O cumpri-
humano. mento desse desiderato será um passo
Infelizmente, as mulheres represen- seguro na direção de uma sociedade
tam apenas um dos grupos humanos verdadeiramente humana, porque
que, por motivos diversos, têm enca- mais autêntica.
rado séria exclusão social e cuja igual- É precisamente neste âmbito que se
dade de oportunidades e de acesso a inscreve o presente número do Bole-
bens se encontra comprometida. São tim do Núcleo Cultural da Horta. Sem
grupos cuja narrativa milenar se tem pretendermos restringir a reflexão à
constituído em torno de direitos sufo- estrita problemática dos direitos das
cados e de prerrogativas nem sempre mulheres, foi entendimento da nossa
reconhecidas. Equipa Editorial que o Millennia2015
Todavia, a luta pelo reconhecimento seria um excelente mote para pensar-
dos direitos dos seres humanos em mos um conceito-mãe hoje largamen-
situação de maior vulnerabilidade tem te reconhecido e alvo de importantes
10 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

estudos um pouco por todo o mundo: como com a forma como é o mesmo
os Direitos Humanos. encarado e consubstanciado institu-
Com a maestria de uma Assessora cionalmente.
Científica a quem manifestamos um No tocante aos conteúdos que com-
profundo agradecimento pela perti- põem as outras rubricas da Revista,
nência e rigor com que organizou o são estudos de relevância para a com-
caderno principal deste número, a preensão de aspetos da vida açoriana,
Doutora Berta Pimentel Miúdo, Pro- que desde há séculos marcam a nossa
fessora Auxiliar no Departamento de identidade social e cultural enquanto
História, Filosofia e Ciências Sociais Região: seja o fenómeno da emi-
da Universidade dos Açores, temos a gração a partir da realidade da mais
grata honra de apresentar um exce- pequena ilha do Arquipélago, seja o
lente volume em torno da temática impacto da produção e exportação
“Direitos Humanos: atualidade e vinícola no Pico ou as narrativas de
perspetivas”. viagens nos Açores.
Com contributos nacionais e inter- Fechamos com a Revista de Livros,
nacionais de muito abalizadas penas, em que mantemos atualizada a publi-
o Boletim marca assim o seu lugar cação de estudos que têm os Açores
nos estudos em torno de tão impor- como pano de fundo.
tante temática filosófico-política. Tal Mais uma vez, este é um alinha-
como aconteceu nos números ante- mento que muito orgulhosos nos
riores, procuramos enquadrar o tema deixa, já que estamos certos de cola-
no contexto do nosso Arquipélago, no borar no cumprimento dos objetivos
entanto o dossier extrapola essa abor- estatutários que norteiam o Núcleo
dagem. Os Direitos Humanos são Cultural da Horta, pela promoção
apresentados transversalmente, en- de uma publicação que oferece, não
quanto categoria filosófica e marco apenas aos Açorianos, mas a qual-
político, de acordo com um enten- quer cidadão do mundo, o reconheci-
dimento universal do conceito, bem mento da sua humana identidade.

Magda Costa Carvalho


Direitos Humanos:
atualidade e perspectivas

Human Rights:
some perspectives
Nota introdutória ao dossier
“Direitos Humanos: atualidade e perspectivas”
Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo
Universidade dos Açores

Os direitos humanos estão na ordem do dia. Esta afirmação retrata bem os


nossos tempos, independentemente de datas concretas e de agendas de trabalho
específicas. Tal acontece normalmente pelas piores razões, pois as sistemá-
ticas violações dos direitos humanos que invadem as esferas públicas, através
dos meios de comunicação e das redes sociais, são de tal forma acutilantes
que geram descrédito e ceticismo, abafando a importância da lei estabelecida
e a eficácia da ação de múltiplos agentes em prol dos direitos humanos. O que
é crime parece a norma, o que é desvio parece a regra. Importa e torna-se
urgente inverter esta situação. Por isso mesmo, nunca é demais sublinhar a
grandeza do projeto que os direitos humanos procuram pôr em prática, pro-
jeto que inclui a crítica e a denúncia de violações, mas que pretende sobretudo
a edificação de sistemas de direito eficazes e assentes em valores.
Afirmar que os direitos humanos estão na ordem do dia revela um teor formal,
próprio de contextos de discussão institucionalmente organizados, que deve,
no entanto, ser entendido em sentido lato, ou seja os direitos humanos a todos
interessam e, na devida conta e medida, a todos responsabilizam. Não são,
pois, matéria exclusiva de discussão para assembleias-gerais, ou conselhos, de
organizações internacionais e de conferências diplomáticas, pelo contrário, os
direitos humanos são, e devem ser, o lema da ação de agentes governamentais
e não-governamentais, nos âmbitos internacional, nacional, regional e local,
bem como o imperativo do nosso agir responsável. Reescrevendo as palavras
iniciais: os direitos humanos devem ser a preocupação dos nossos dias.
A perene atualidade dos direitos humanos decorre também da sua importância
na contemporaneidade, de tal forma que um reconhecido filósofo contempo-
râneo, Norberto Bobbio, alcunhou os nossos tempos como a era dos direitos.
Os direitos humanos são importantes, lê-se com frequência nos inúmeros
trabalhos que refletem sobre o tema, aduzindo‑se uma pluralidade de argu-
mentos e de perspetivas para esclarecer e dimensionar essa verdade. Não
14 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

obstante, todas essas razões convergem para a razão última dos direitos
humanos: a dignidade humana, a dignidade da pessoa.
O conceito de dignidade é a pedra angular dos direitos humanos. Desde
1948, com a adoção e proclamação, pela Assembleia Geral da Organização
das Nações Unidas (ONU), da famosa e matricial Declaração Universal dos
Direitos Humanos, a dignidade humana tem lugar central nos documentos e
discursos sobre a matéria. São consabidas as palavras que fazem do “reco-
nhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana
e dos seus direitos iguais e inalienáveis” o alicerce de um mundo melhor,
fundado na tríade composta por liberdade, justiça e paz, bem como a contun-
dência com que no Artigo 1.º do mesmo documento se estipula que “Todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”1. Como se
depreende, a definição do conceito é preterida em favor da uma subentendida
compreensão do mesmo, de timbre universalista, como expressão da natu-
reza humana, natureza esta que exige respeito. Nos Pactos Internacionais
adotados em 1966 pela mesma organização, nos respetivos preâmbulos, é
repetida a ideia de dignidade como expressão da essência do ser humano,
porém acrescentando-se que os referidos direitos, iguais e inalienáveis,
“decorrem da dignidade inerente à pessoa humana”2, o que faz da dignidade,
igualmente, uma força motriz geradora de direitos.
Em tempos mais recentes, a Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia, entrada em vigor em 2009, após a assinatura do Tratado de Lisboa,
consagra a “Dignidade” como Título I. Sem definir o conceito, afirma‑se no
Artigo 1.º que “A dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser respeitada e
protegida”3. A aparente redundância da formulação jurídica não deixa de ser
interessante, pois ao criar um ‘espaço sagrado’ cria também linhas de defesa
horizontais e verticais desse reduto essencial, mas também não deixa de ser
preocupante, precisamente porque vinca as dificuldades do seu reconheci-
mento e confirma a suspeita da sua vulnerabilidade. A Carta dos Direitos

1
Declaração Universal dos Direitos Humanos, in http://direitoshumanos.gddc.pt/3_1/III-
PAG3_1_3.htm (consultado a 15 de dezembro de 2014).
2
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, in http://direitoshumanos.gddc.pt/
3_1/IIIPAG3_1_6.htm (consultado a 15 de dezembro de 2014).
3
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, in http://www.europarl.europa.eu/
aboutparliament/pt/20150201PVL00015/Direitos-humanos (consultado a 15 de dezembro
de 2014).
Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo 15

Fundamentais da União Europeia é, neste aspeto, um documento importante


e original por razões de ordem formal e substantiva, pois não só destaca a
dignidade do ser humano na sua primeira parte, o que deve ser interpretado
como fundamento do restante articulado, como também associa à dignidade
um núcleo de direitos substantivos, que inclui o direito à vida, o direito à
integridade física e mental, a proibição da tortura e dos tratos ou penas desu-
manos ou degradantes, bem como a proibição da escravidão e do trabalho
forçado.
A inclusão do conceito de dignidade humana nos documentos legais contem-
porâneos tem espicaçado a reflexão sobre as metamorfoses semânticas do
conceito, bem como sobre o seu sentido último. Na sua origem etimológica, do
latim dignitas, dignidade refere-se a um estatuto social de diferença, especial-
mente elevado e com conotação positiva de mérito, que exige o respeito dos
outros. Este estatuto vai esbater-se nos seus contornos exteriores deixando-se
impregnar pela moralidade, graças, por exemplo, à lei natural cristã, que Pico
della Mirandola superiormente ilustra no seu Discurso sobre a Dignidade
Humana, também graças ao trabalho dos teóricos do jusnaturalismo moderno
quando concebem a junção das ideias de igualdade e de dignidade. A conceção
moral universalista de dignidade atinge o seu ponto culminante na tese
kantiana do reino dos fins, no qual o homem como fim em si mesmo tem um
valor absoluto. Num ensaio recente, publicado em 2012, com o sugestivo título
The Concept of Human Dignity and the Realistic Utopia of Human Rights,
Habermas regressa ao tema e enfatiza a conexão conceptual entre dignidade
e direitos humanos, referindo-se à dignidade humana como o “portal” através
do qual “a igualitária e universalista substância da moralidade é importada
para o direito”4. A dignidade humana é, também, entendida como a “arti-
culação conceptual que liga a moralidade do respeito igual para todos com a
lei positiva”5. Ainda neste texto, Habermas compara a dignidade humana a
um sismógrafo, sensível aos perigos e abalos da ordem legal e política. É uma
imagem interessante, especialmente para nós Açorianos que, morando em
ilhas de sismicidade feitas, bem sabemos a importância dos instrumentos de

4
Jürgen Habermas, “The Concept of Human Dignity and the Realistic Utopia of Human
Rights”, in Corradetti, Claudio (Ed.), Philosophical Dimensions of Human Rights. Some Con-
temporary Views, Dordrecht / Heidelberg / London / New York, Springer, 2012, p. 68.
5
Ibidem.
16 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

aviso e dos mecanismos de proteção. Assim, uma “síntese improvável”6 entre


moralidade e direito encontra na dignidade humana e nos direitos humanos o
terreno fértil, qual força explosiva, para o cultivo do ideal de uma sociedade
justa. Para Habermas, a feição moral de universalização exige a feição legal
de individualização para que a dignidade humana possa significar e realizar,
jurídica e politicamente, o “valor único de cada pessoa”7.
A razão última dos direitos humanos exige, pois, a exploração de veios pro-
blemáticos para a sua plena compreensão. Estes veios são de ordem teórica,
prática e crítica, consoante seja privilegiada a reflexão sobre os fundamentos
e a natureza dos direitos humanos, seja analisada a ação de agentes governa-
mentais e não-governamentais ou seja avaliado o projeto humano em causa,
respetivamente. Ressalve-se que estes filões de problemas estão necessaria-
mente interligados, mas não se justapõem.
Em termos académicos, os direitos humanos são matéria controversa, com-
plexa e necessariamente interdisciplinar, cativando a reflexão de filósofos,
politólogos, sociólogos, economistas, juristas, etc. Para além desta abran-
gência teórica, os direitos humanos revelam igualmente uma dimensão prática
incontestável, comummente veiculada no ativismo, que movimenta milhares
de pessoas em prol de múltiplas causas. Os direitos humanos são apelativos,
na teoria e na prática, não obstante a crítica e a enormidade do desafio que
enfrentam. Veja-se, por exemplo, o que acontece com os fenómenos da fome
e da pobreza, extrema ou não, que em vez de serem erradicadas persistem
teimosamente em expandir-se, seja a propósito da famigerada crise, seja a
propósito da deflagração de mais um violento conflito armado. Ou ainda o
flagelo da nova escravidão, resultante do tráfico de seres humanos para fins
sexuais e laborais, apresentado em numerosos relatórios como um dos negó-
cios criminosos mais lucrativos dos nossos tempos, concorrencial mesmo
como o narcotráfico e a venda ilegal de armamentos. Pobreza e nova escra-
vidão são apenas dois, e graves, atentados contemporâneos contra o logos dos
direitos humanos.
O ano de 1948 é simbólico e decisivo para os direitos humanos, porém não
corresponde à génese deste projeto. A viagem de descoberta das origens dos
direitos humanos encontra, no contexto ocidental, as suas raízes mais profun-
das no pensamento filosófico da antiguidade, na moral cristã e também na

Ibidem, p. 69.
6

Ibidem, p. 72.
7
Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo 17

tradição reivindicativa de limitação do poder régio, que tem na Magna Carta,


de 1215, um importante episódio. Aristóteles, por exemplo, tem sido frequen-
temente convocado para uma compreensão mais profunda do significado con-
temporâneo dos direitos humanos, seja pela sua conceção de sabedoria prática,
phronesis, seja pela função da endoxa na argumentação dialética, que aponta
para um contexto de opiniões partilhadas, ou partilháveis, por todos, pela
maioria, ou por aqueles com competência para tal8. O interesse de uma viagem
deste calibre, não isenta do perigo de generalizações erróneas e de compara-
ções equívocas, é grande, mas ultrapassa largamente os nossos propósitos.
A maioria dos especialistas aponta a modernidade, concretamente o século
xviii, como o momento de emergência da marcha revolucionária e reivin-
dicativa dos direitos humanos. Surge então a chamada primeira geração de
direitos, centrada no conceito matricial de liberdade, no seu desdobramento
plural, e fundada num contexto teórico jusnaturalista, liberal e contratualista.
Sem esquecer o recorte de individualismo, pois os direitos reivindicados são
direitos subjetivos, de natureza civil e política. A Declaração de Direitos do
Bom Povo da Virginia9, de junho de 1776, bem como a parte preambular da
Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, a que se junta
em finais da década de oitenta do mesmo século a Declaração de Direitos
do Homem e do Cidadão10, aclamada no calor do processo revolucionário
francês, são documentos onde estão plasmadas essas reivindicações de direi-
tos, surgidas em contextos de crise e de novas experiências de cidadania.
Aliás, a senda dos direitos humanos é balizada pela luta, quer física quer por
ideais. No combate de ideias é de realçar a importância das correntes socialistas
do século xix para a reivindicação de direitos económicos, sociais e culturais,
que constituem a chamada segunda geração de direitos, onde estão incluídos
os direitos ao trabalho, à educação, à saúde, à segurança social e a um nível
de vida suficiente para cada pessoa e para as suas famílias. Relativamente a
este último direito, a formulação jurídica nos documentos contemporâneos

8
Cf., por exemplo, Enrico Berti, “Philosophy and Human Rights”, Ontology Studies 11, 2011,
pp. 21-27.
9
The Virginia Declaration of Rights, in http://www.archives.gov/exhibits/charters/virgi nia_
declaration_of_rights.html (consultado a 26 de março de 2015).
10
Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen, in http://www.legifrance.gouv.fr/Droit-
francais/Constitution/Declaration-des-Droits-de-l-Homme-et-du-Citoyen-de- 1789 (consul-
tado a 26 de março de 2015).
18 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

é  perigosamente evasiva. Não obstante a referência às condições mínimas


que devem ser garantidas: habitação alimentação, roupa e, mais recentemente,
água e saneamento, dá-se, no entanto, aos Estados, sujeitos passivos sobre
os quais impende a obrigação de garantir tais condições, margem de mano-
bra para protelar a sua implementação, pois é de uma progressividade que se
trata. Embora não seja o único fator, assim se justifica que, não progressiva
mas exponencialmente, aumente o número de pessoas pobres no mundo e que
a justiça distributiva não passe de uma expressão escrita ou dita algures.
Retomando o combate de ideias entre liberalismo e socialismo, as reivindi-
cações centradas no indivíduo, na sua liberdade para “poder fazer tudo desde
que não prejudique o outro”, conforme artigo 4.º da famosa e já referida Decla-
ração francesa, sendo os limites da sua ação ditados pela lei, vão ganhar
espessura no contexto social, substantivando-se a igualdade em termos econó-
micos e sociais na sua correlação com a dignidade. O conceito matricial da
segunda geração de direitos é, pois, o de igualdade, não apenas igualdade
perante a lei, mas igualdade de oportunidades, tão aclamada quanto esque-
cida nos nossos dias. Antero de Quental sublinha esta dimensão, no seu texto
“O Pensamento Social”, em palavras que dispensam comentário: “[O Socia-
lismo] Consiste na reivindicação do direito pleno de ser homem para todos os
homens: um direito efetivo que se exprima por instituições e factos, não por
estéreis declarações legais: o direito de ser homem, completamente e para
todos; e instituições sociais que a todos deem iguais condições para realizar
esse direito”11.
A ideia de igualdade encontra eco em todos os documentos contemporâneos
de direitos humanos, quer na dimensão formal e universalista de proclamação
de direitos iguais para todos os seres humanos, quer na dimensão substantiva
negativa de identificação e denúncia de fatores potenciadores de discrimi-
nação. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos a listagem é longa e
aberta, elencando-se explicitamente no seu Artigo 2.º: “raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, fortuna, nasci-
mento”, a que se acrescenta a possibilidade de “qualquer outra situação”.
Na também citada Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,
Artigo 21.º, a listagem de 1948 é recuperada nos seguintes termos: “É proi-

Antero de Quental, Política, Obras Completas, Ponta Delgada, Universidade dos Açores,
11

1994, p. 149.
Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo 19

bida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem


étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções,
opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nasci-
mento, deficiência, idade ou orientação sexual”. Como se pode constatar,
não se trata apenas de uma atualização, na qual a referência a raça deveria
ter sido eliminada, mas de um novo enquadramento de luta que, por um lado,
destaca a discriminação de género, colocando o sexo em primeiro lugar em
detrimento da raça e da cor da pele, como acontecia em 1948, e, por outro
lado, identifica explicitamente novos e preocupantes fatores de discriminação:
pertença a uma minoria nacional, características genéticas, deficiência, idade
e orientação sexual. A importância desta explicitação não decorre obviamente
do simples aumento quantitativo dos fatores discriminatórios, pois alguns
deles já existiam embora omitidos, mas da novidade, isto é do surgimento
de novas formas de discriminação, logo de violação dos direitos humanos.
De sublinhar que embora se trate de um documento referente a um sistema
regional de proteção dos direitos humanos, o sistema europeu, o seu conteúdo
reflete preocupações universais.
A título de exemplo, a discriminação em função da idade tornou-se viral,
como é usual referir-se nas redes sociais, e contaminou gerações de pessoas.
Veja-se o caso do direito ao trabalho. A crise atual projetou para o desem-
prego milhares de pessoas que, por um lado, são consideradas demasiado
jovens para usufruírem de medidas protetoras da segurança social e, por outro
lado, são demasiado velhas para conseguirem novos empregos. Também a
questão das pessoas idosas, cujo número aumentou em proporção direta com
as violações dos seus direitos humanos. O flagelo dos abusos e da violência
contra as pessoas idosas, seja em termos físicos, psicológicos ou sociais, é de
tal magnitude que a ONU, através do Conselho de Direitos Humanos, consi-
derou prioritário introduzir um novo procedimento especial, em 2014, con-
cretamente a figura de um perito independente, cargo assumido por Rosa
Kornfeld-Matte, cujo mandato tem por objetivo principal avaliar a implemen-
tação do que está estabelecido nos documentos internacionais relativamente
à proteção dos direitos humanos das pessoas idosas, propiciando a discussão
sobre a adoção de novos instrumentos jurídicos12. A linguagem dos direitos

12
Informação disponível in http://www.ohchr.org/EN/Issues/OlderPersons/IE/Pages/IEOlder
Persons.aspx (consultado a 20 de dezembro de 2014).
20 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

humanos é, pois, uma linguagem viva, que procura traduzir em palavras os


perigos registados pelo sismógrafo da dignidade humana.
A este propósito, importa referir que Portugal assumiu recentemente fun-
ções como membro eleito do Conselho de Direitos Humanos, para o triénio
2015-2017, o que segundo o comunicado oficial do Ministério dos Negócios
Estrangeiros representa uma oportunidade única para a projeção do país na
cena internacional e para a participação ativa na tomada de decisões rele-
vantes em matéria de direitos humanos. No mesmo comunicado é anunciado
que as “violações e os abusos dos direitos humanos cometidos em zonas de
conflito armado, especialmente os que são perpetrados contra os grupos
humanos mais vulneráveis”, e a punição dos respetivos prevaricadores, serão
a prioridade da intervenção portuguesa. Mas também é referido que Portugal
pretende apresentar iniciativas em prol do “direito à educação, dos direitos
económicos, sociais e culturais”, não descurando o compromisso na “elimi-
nação da violência contra as mulheres” e na “proteção dos direitos humanos
das pessoas e grupos mais vulneráveis”13. Entre a palavra oficial e a ação
política costuma cavar-se um fosso de esquecimento. Confiemos que não seja
este o caso.
Repegando na ideia de que a linguagem dos direitos humanos é uma lingua-
gem viva, importa não esquecer as novas gerações de direitos que surgiram na
segunda metade do século passado: a terceira, integrando os direitos ditos de
solidariedade, que pretendem proteger as gerações humanas presentes e vin-
douras, onde se inserem os direitos à paz, ao desenvolvimento, ao ambiente
e ao património comum da humanidade; a quarta, surgida na reta final do
século passado, tem por objeto preservar a dignidade humana de violações
decorrentes da introdução e do desenvolvimento das novas tecnologias, seja
ao nível da medicina e das ciências da vida, seja ao nível da informática.
No primeiro campo incluem-se as preocupações a que a bioética procura dar
resposta. No segundo campo retoma-se a proclamação do direito à privaci-
dade, agora no seio da complexa teia da era digital.
Há, portanto, um dinamismo interno de emergência de direitos humanos que
se revela na sequência geracional, num processo eivado de controvérsias, bem
como um dinamismo externo de positivação, com a adoção de novos instru-
mentos legais e a implementação de novos mecanismos de proteção. Porém,

13
Disponível in http://www.Portugal.gov.pt/media/2283722/20141231-cdh-portugal-comunicado.pdf
(consultado a 31 de dezembro de 2014).
Berta Maria Oliveira Pimentel Miúdo 21

tudo isto é muito mais do que um simples somatório de parcelas indepen-


dentes entre si, pois a dignidade humana fundamenta a interdependência e a
indivisibilidade de todas as categorias de direitos humanos. A compartimen-
tação dos direitos serve apenas os intuitos dos prevaricadores, muitos deles
abusando do direito à palavra em tribunas de larga influência mundial.
Os direitos humanos são definidos pela ONU como um conjunto de garantias
universais que protegem indivíduos e grupos contra as ações ou omissões dos
governos que atentam contra a dignidade humana. É uma perspetiva de teor
marcadamente funcional e político que sublinha a universalidade, a inalie-
nabilidade e a interdependência dos direitos humanos. Muitos pensadores
contemporâneos, entre os quais Charles Beitz, têm sublinhado a importância
de uma abordagem prática dos direitos humanos, denunciando o enviesamento,
perigosamente cético, de algumas teses estritamente morais. Considera Beitz
que os direitos humanos são e devem ser essencialmente uma prática, ou seja
“um conjunto de normas de regulação do comportamento dos Estados, a que
se associa um conjunto de modos e de estratégias de ação justificados pela vio-
lação das normas”14 e envolvendo múltiplos agentes. Apesar da radicalidade
desta conceção, não deixa de ser interessante olhar para os direitos humanos
como uma prática justificativa de uma ação de amplitude cosmopolítica.
O começo do novo milénio ficou marcado pela violência da ameaça terro-
rista que, em larga medida, abafou outros importantes desenvolvimentos em
matéria de articulação entre paz, segurança e direitos humanos, como foi o
caso da discussão em torno dos conceitos de intervenção e soberania, desen-
cadeada pelo repto de Kofi Annan, então Secretário-Geral da ONU, e que
levou à criação de uma comissão especializada (International Commission
on Intervention and State Sovereignity – ICISS). Dos trabalhos desta comissão,
expressos num relatório publicado em dezembro de 2001, ressalta a expressão
que deve pautar uma nova atitude da comunidade internacional perante crimes
de genocídio, de promoção da guerra, de limpeza étnica, no fundo crimes de
lesa-humanidade: responsabilidade de proteger (nas siglas em língua inglesa
RtoP ou R2P). Em 2005, no relatório In Larger Freedom: Towards Develop-
ment, Security and Human Rights for All 15, Kofi Annan assume definitiva-

14
Charles Beitz, The Idea of Human Rights, Oxford, Oxford Univ. Press, 2013, p. 8.
15
In Larger Freedom: Towards Development, Security and Human Rights for All, in http://
www. ohchr.org/Documents/Publica tions/A.59.2005.Add.3.pdf (consultado a 20 de dezem-
bro de 2014).
22 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

mente a importância desta matéria, que identifica soberania com responsabi-


lidade de proteger as populações e que impõe à comunidade internacional a
responsabilidade de coadjuvar nessa importante missão os Estados que não o
consigam fazer sozinhos e, especialmente, impõe à comunidade internacional
a obrigação de intervir, inclusive recorrendo ao uso da força, decretado pelo
Conselho de Segurança da mesma organização, no caso de um Estado falhar
na R2P ou ser ele próprio o prevaricador. Ascendem à quinzena os projetos
implementados no contexto da R2P nos últimos dez anos, apresentando-se
esta sigla como o embrião de uma nova ordem mundial, sem entraves nem
fronteiras quando o que está em causa é a proteção de pessoas e de popula-
ções inocentes16. Obviamente que ainda há muito para fazer.
O dossier temático, agora apresentado, “Direitos Humanos: atualidade e
perspetivas”, pretende ser um contributo, plural e crítico, para a reflexão
sobre as temáticas dos direitos humanos. Nasceu de um desafio institu-
cional, na senda do programa da ONU para a eliminação da violência contra
as mulheres, e desenvolveu‑se abarcando outros horizontes e problemas. Não
foi possível esgotar assuntos, mormente devido à complexidade e abran-
gência do tema, mas procurou-se ilustrar a ação de instituições nacionais,
de organizações não-governamentais, também a intervenção de profissionais
que lidam diariamente com a violência doméstica e com os graves problemas
em torno dos direitos das crianças, sem esquecer a reflexão que é desenvol-
vida nas academias portuguesas e internacionais sobre esta matéria. Trata-se,
pois, de uma pluralidade de leituras sobre a atualidade dos direitos humanos,
expostas num entrelaçado de perspetivas.

A todos os autores, que pronta e generosamente acolheram o convite, o nosso


agradecimento. Bem hajam!

16
Informação disponível in http://responsibili tytoprotect.org/ (consultado a 20 de dezembro de
2014).
Entre universalismo e relativismo:
para uma ética intercultural

Acílio da Silva Estanqueiro Rocha

Rocha, A. (2015), Entre universalismo e relativismo: para uma ética intercul-


tural. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 23-42.

Sumário: O escopo é reflectir sobre a compatibilização entre as diversidades culturais dos


povos e princípios universais próprios dos direitos humanos. Com vista a esse fim, discutem-se,
por um lado, temas nucleares entre ética e multiculturalismo, por outro, alguns dos debates mais
estrénuos entre os que percorrem uma via universalista e os que adoptam perspectivas comu-
nitaristas (das mais moderadas às mais radicais), isto é, entre os que sustêm a justiça como um
bem verdadeiramente universalizável e os que se fixam nos bens singulares das formas de vida
diversas; neste percurso são dilucidados ainda os conceitos de cultura, identidade, cidadania,
representação, e as dualidades de igualdade e diferença e de universalismo e relativismo.
Se é verdade que a igualdade não está oposta à diferença mas à desigualdade e a diferença não
se opõe à igualdade mas à homogeneização massiva que tende a reproduzir o mesmo, releva
então a via que busca o estabelecimento de princípios mínimos a partir dos quais é possível uma
concepção de direitos humanos básicos, de carácter universal, sem subestimar as peculiaridades
culturais de diferentes povos que não se fecham nas suas especificidades, desde que ambos
inscritos no horizonte de uma ética intercultural. Em suma, trata-se do problema dos direitos
humanos e o multiculturalismo.

Rocha, A. (2015), Between universality and relativism: towards an intercul-


tural ethics. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 23-42.

Summary: Our aim is to reflect about the compatibility between the cultural diversity of
peoples and universal principles proper to human rights. With this in mind, we discuss, on the
one hand, fundamental themes of ethics and multiculturalism, and, on the other hand, some of
the more strenuous debates between those who follow a universalist line and those adopting
communitarian perspectives (from the more moderate to the more radical), that is, between
those who sustain justice as a truly universalizable good and those attached to the singular
goods of diverse forms of life; along the way, we further explore the concepts of culture, iden-
tity, citizenship, representation, and the dualities of equality and difference, of universalism and
relativism.
24 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Understanding that equality is not opposed to difference, but to inequality, and that difference
is not opposed to equality, but to mass homogeneity that tends to reproduce itself, opens the
way to the search for a way of establishing minimal principles upon which it becomes possible
to anchor a conception of basic human rights, of a universal character, without underestimating
the cultural peculiarities of different peoples who do not enclose themselves in their specifici-
ties – inasmuch as they are both inscribed within the horizon of an intercultural ethics. In short,
this article deals with the problem of human rights and multiculturalism.

Acílio da Silva Estanqueiro Rocha – Universidade do Minho.

Palavras-chave: Direitos humanos, multiculturalismo, universalismo, relativismo, comuni-


tarismo.

Key-words: Human rights, multiculturalism, universalism, relativism, communitarianism.

Como sabemos, a multiculturalidade de grupos. Mas não se discutirá aqui


floresce em cada dia que passa; por a multiculturalidade; ela é um facto;
um lado, assistimos à aceleração da discutir-se-á, sim, os fundamentos
globalização, ao declínio das ideo- éticos de algumas das posições multi-
logias, à erosão dos Estados-nações culturalistas.
soberanos e homogéneos; por outro,
emergem as identidades comunitá- Assim, o escopo desta reflexão sobre
rias, étnicas, culturais e religiosas. um tema que assedia as sociedades
Os quadros tradicionais de referên- há mais de três décadas, é conjugar
cia desfizeram-se e a realidade social as diversidades culturais adoptando
alterou-se desmesuradamente: as so- uma perspectiva que torne possível
ciedades outrora homogéneas trans- a aceitação de princípios tendencial-
formaram-se profundamente com o mente universais; ou, por outras pa-
concurso de populações oriundas da lavras, trata-se dos direitos humanos
imigração. Todavia, confundir multi- e o multiculturalismo. Apesar dos
culturalidade com multiculturalismo debates polémicos e das controvérsias
é um erro, que, à custa de ser repetido, por vezes muito acesas, o núcleo do
parece passar desapercebido. Certa- problema ético, hoje, desenvolve-se
mente, o multiculturalismo decorre por entre a alternativa de uma justiça
da multiculturalidade: a sua emergên- como um bem verdadeiramente uni-
cia tem a ver com a tomada de cons- versalizável e dos bens singulares e
ciência de que as sociedades são cons- formas de vida diversas que não têm
tituídas por uma enorme diversidade que ser universalmente partilháveis.
Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 25

1. Ética e multiculturalismo

1.1. Justiça e a diversidade cultural


a)  Individualidade frente à comuni- podem sofrer quaisquer compromis-
dade? sos; ele justifica esta primazia ba-
seando-a na prioridade do justo rela-
Muito antes da passagem de século, tivamente ao bom, do eu por relação
o multiculturalismo torna-se um ele- com os seus fins. Para os comunitaris-
mento sensível dos debates éticos e tas, tal prioridade atribuída aos direi-
políticos, contando com defensores tos individuais é exagerada, pois ela
e adversários. Foi sobretudo do outro exerce-se em prejuízo de outras virtu-
lado do Atlântico que o multicultu- des da comunidade moral e política.
ralismo suscitou o debate filosófico A estas críticas, Rawls responde que
mais amplo e aprofundado. Com efei- a justiça tal como a concebe diz res-
to, durante umas duas décadas, as rela- peito à estrutura base da sociedade,
ções entre princípios democráticos isto é, às instituições sociais, econó-
e reivindicações das minorias foram micas e políticas fundamentais. São
objecto de uma vasta contenda inte- os conflitos que existem a este nível
lectual, tendo como protagonistas os que constituem as circunstâncias da
“liberais” e os “comunitaristas”. Tal justiça e que reclamam a prioridade
controvérsia surge da reformulação da justiça. Além disso, tal prioridade
da teoria liberal feita por John Rawls, da justiça não exclui as outras virtudes:
em 1971, e da crítica que Michael “Não devemos, evidentemente, supor
Sandel suscitou em 1982. Seguiu-se que, na vida quotidiana, as pessoas
nunca fazem sacrifícios substanciais
um debate tão aceso quão difícil, em
pelos outros, já que, movidas pelos
razão da heterogeneidade de razões
laços de afeição e de sentimento,
propostas pelos dois campos e da
tal ocorre com frequência. Mas tais
recusa de uns e de outros em reconhe-
acções não são exigidas, em nome
cerem-se nesta ou naquela posição;
da justiça, pela estrutura básica da
além disso, a clareza do debate é ainda
sociedade”1.
obscurecida pelo facto de que as posi-
ções de uns e de outros têm evoluído
ao longo dos tempos.
1
John Rawls, A Theory of Justice, Oxford/
New York/Toronto, Oxford University Press,
Na obra Uma Teoria da Justiça, Ra- 1971, p. 178; Id., Uma Teoria da Justiça,
wls defende o indivíduo face à comu- trad. de Carlos P. Correia, Lisboa, Presença,
ni-dade: os direitos do indivíduo não 1993, p. 208.
26 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Em suma, para os liberais, só o indiví- Sandel, a filosofia rawlsiana conduz


duo é o titular legítimo de direitos e o a uma concepção de sujeito inade-
Estado deve ser neutro relativamente quada para a vida em comunidade,
às diferentes concepções comunitá- já que uma sociedade estruturada
rias de “vida boa” que o constituem; segundo os princípios da justiça seria
ao invés, para os comunitaristas, a muito menos neutra entre concepções
comunidade é a principal fonte de concorrentes de bem do que poderia
identidade pessoal e o Estado deve parecer à primeira vista; a primazia
reconhecer-lhes direitos específicos, da autonomia individual, que funda-
de modo que possam sobreviver e menta a pretensão liberal de neutra-
constituir a base do respeito do indi- lidade, só pode ser justificada com a
víduo por si próprio e da sua auto- adopção de uma certa concepção de
‑estima. Assim sendo, as primei- pessoa, que, ademais, acarreta conse-
ras políticas multiculturalistas eram quências muito pouco neutrais, que o
objecto da crítica dos liberais e de liberalismo quer admitir: se a autono-
defesa dos comunitaristas. mia pressuposta deve assegurar que a
Assim, o livro de Michael Sandel, liberdade de um cidadão não interfira
O Liberalismo e os Limites da Justiça, nos direitos dos outros cidadãos de
é uma das obras-chave que inaugurou exercerem a mesma liberdade, a limi-
o debate entre liberais e comunita- tação da autonomia de um só pode ser
ristas2. Ao criticar a apresentação de limitada pela necessidade de proteger
que Rawls faz do “eu” individual, a autonomia de todos; deste modo,
atomístico e desencarnado, Sandel uma concepção de bem subjacente a
afirma que o “eu” rawlsiano está valores e projectos comunitários está
descomprometido da sua ambiência, posta de lado por tal concepção de
das circunstâncias históricas e cul- sujeito liberal.
turais nas quais o indivíduo evolui,
recusando assim uma concepção da b)  Têm as culturas igual dignidade?
vida humana predominantemente
sob a autonomia individual. Segundo Para o filósofo canadiano Charles
Taylor, um dos pensadores comunita-
ristas mais influentes, importa pressu-
Michael Sandel, Liberalism and the Limits
2
por a igualdade dos valores culturais:
of Justice, Cambridge, Cambridge Univer- “Mas a outra exigência que estamos
sity Press, 1982. Id., O Liberalismo e os
Limites da Justiça, trad. de Carlos E. Pa-
agora a examinar é que todos reco-
checo Amaral, Lisboa, Fundação Calouste nheçam o valor igual das diferentes
Gulbenkian, 2005. culturas; que as deixemos não só so-
Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 27

breviver, mas reconheçamos também temperamentos tão diversos, durante


o seu mérito”; isso significa presumir um longo período de tempo – que,
“que todas as culturas humanas que por outras palavras, articularam o
animaram sociedades inteiras, duran- seu sentido do bem, do sagrado, do
te períodos por vezes consideráveis, admirável –, possuem, é quase certo,
têm algo de importante a dizer aos algo que merece a nossa admiração e
seres humanos. (…) O que tem de respeito, mesmo que isso seja acom-
acontecer é aquilo a que Gadamer cha- panhado de muitas outras coisas que
mou de uma «fusão de horizontes»”3. abominamos e rejeitamos. Talvez o
Esta hipótese de partida, segundo a possamos exprimir de outro modo:
qual o estudo de qualquer outra cul- seria uma suprema arrogância, afas-
tura deve ser abordado de modo a tar, a priori, esta possibilidade”4. Tal
produzir essa empatia prevista em presunção de igualdade de valores
Verdade e Método, mostra que o mul- das culturas denota também um típico
ticulturalismo sustentado por Taylor influxo de Herder, que se manifesta
quer atribuir à diversidade cultural o nesta arreigada aderência de igual-
que lhe é devido. dade valorativa.
Mas quais são os fundamentos desta É interessante constatar que a insis-
presunção de igualdade de valor das tência sobre a pertença à comunidade
culturas reivindicada por Taylor, para política liga Taylor, e vários outros
quem, ademais, a adopção de um comunitaristas, a um certo neo‑aris-
modelo cultural interpretativo leva a totelismo. Na verdade, Aristóteles
recair no artificialismo? Seguindo o definiu o homem como um “animal
seu pensamento, esta presunção de político”5, donde decorre que não
igualdade resulta em parte de uma pode afirmar-se a sua identidade inte-
indução: “(...) poder-se-ia afirmar que lectual e moral fora de uma comuni-
é razoável supor que as culturas que dade. É, aliás, por isso, que afirma:
forneceram um horizonte de signi- “É evidente que a cidade é, por natu-
ficação para um grande número de reza, anterior ao indivíduo, porque se
seres humanos, com caracteres e um indivíduo separado não é auto-

3
Charles Taylor, “The Politics of Recogni- reconhecimento, trad. port. de Marta Mach-
tion”, in Amy Gutmann (ed.), Multicultur- ado, Lisboa, Instituto Piaget, pp. 84, 87.
alism: examining the politics of recogni- 4
Ib., pp. 72-73; trad., p. 93.
tion, Princepton (New Jersey), Princepton 5
Aristóteles, Política, 1253a 1-5, edição
University Press, 1994, pp. 64, 66. Id., Mul- bilingue, trad. António C. Amaral e Carlos
ticulturalismo: examinando a política do C. Gomes, Lisboa, Veja, (1988), pp. 52-53.
28 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

suficiente, permanecerá em relação à resumir-se: determinamos o que é


cidade, como as partes em relação ao justo a partir do que é bom, ou o in-
todo. Quem for incapaz de se associar verso? Rawls, fiel à tradição liberal,
ou que não sente essa necessidade por chega à conclusão que não são os
causa da sua auto-suficiência, não faz bens utilitaristas que determinam o
parte de qualquer cidade, e será um justo mas que é o justo que determina
bicho ou um deus”6. Também Aristó- os limites do que pode considerar-se
teles definiu a cidade – a comunidade como bem; quer dizer, o justo é prio-
política –, como uma comunidade de ritário por relação ao bem.
tipo superior, pois “os homens não No entanto, como nota Charles
se associaram apenas para viver mas Taylor, isso acabaria por questionar
sobretudo para a vida boa”7. Taylor, se afinal não se reconhece uma ordem
ou Sandel, ou Walzer, não devem ser hierárquica entre as diferentes coisas
percebidos como comunitaristas anti- que se têm por boas; pois, cada qual
liberais. Eles permanecem muito li- reconhece que há diversas categorias
gados aos princípios do liberalismo; de bens (o mais digno, o mais válido,
todavia, eles criticam o liberalismo o moral e o não moral, o fim, e os
que dá primazia aos direitos privados meios, etc.). Para os utilitaristas, uma
e negligencia o bem comum; tal crí- vez que a possibilidade de um bem
tica realça ainda que a liberdade tem superior é excluída, o único processo
necessidade de uma cidadania activa racional consiste em agregar os
e participativa e, portanto, duma diversos tipos de bem empiricamente
comunidade onde esta se realize ple- dados. Para Kant, ao contrário, é o
namente. motivo – agir moralmente – que é
decisivo. Para os liberais modernos,
c) Entre o justo e o bem, que preva- não é nem o conteúdo, nem o motivo,
lência? mas o processo que é determinante; a
questão essencial é: seguiu-se o pro-
Rawls pôde refutar o utilitarismo, cesso estabelecido previamente para
criticando a concepção utilitarista de a justiça? Assim, Rawls declara que a
bem, que visa a satisfação dos dese- sua teoria é a de uma justiça proces-
jos e das preferências. A questão pode sual pura8.

Ib., 1253a 25-30 (pp. 54-55).


6
Walzer, Kymlicka», Politiques et Sociétés,
Ib., 1280a 30-35 (pp. 216-217). Cf. Jean-
7 16 (2) 1997, p. 36, note 16, p. 42, note 33.
Luc Gignac, «Sur le multiculturalisme et la 8
Leia-se John Rawls, A Theory of Justice,
politique de la différence identitaire: Taylor, § 14, pp. 85-86; trad., § 14, pp. 86-87.
Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 29

Na base desta escolha em favor de justiça deve ser definida independen-


uma via processual está, segundo os temente das práticas particulares de
comunitaristas, uma certa compreen- qualquer sociedade”, conforme afir-
são da vida humana e da razão, isto é, mou Dworkin, objectando a Walzer.
uma doutrina antropológica e, conse- Deste modo, uma teoria da justiça não
quentemente, uma concepção parti- deve depender de factos contingentes,
cular de bem: “Seria incoerente de- históricos ou culturais e permite uma
fender uma teoria do justo negando posição crítica relativamente à socie-
que ela tenha um fundamento numa dade. Mas, dizem os comunitaristas,
teoria do bem”9. Assim, Taylor afir- não é possível, nem desejável, fazer
ma que nenhuma teoria ética, dando inteiramente abstracção dos elemen-
precedência ao justo, poderia desen- tos históricos, culturais e tradicionais;
volver-se verdadeiramente sem pres- tentar fazê-lo é novamente cometer o
supor o bem: “qualquer teoria que dê erro de Platão: “As teorias éticas que
primazia ao justo sobre o bem assenta partem da liberdade moderna foram
na realidade numa noção de bem, no naturalmente “platónicas” no sentido
sentido em que a) é preciso articular de “revisionistas”. A própria ideia da
esta concepção do bem para expli- liberdade moderna implicou a capaci-
citar as motivações da teoria e em que dade de abstrair-se de todas as nossas
b) seria incoerente sustentar uma teo- práticas colectivas e das instituições
ria do justo negando que ela tenha um que as mantêm e de as pôr em ques-
fundamento numa teoria do bem”10. tão”11. Eis, então, de certo modo, o
Se a posição deontológica de Rawls antigo debate de Aristóteles contra
contrasta com a via teleológica – o Platão, também de Hegel contra
justo deve derivar-se independen- Kant, que é hoje o dos comunitaristas
temente do bem –, “uma teoria da contra os liberais.
1.2.  No campo das interrogações

a) Que identidade? Em diálogo com, carácter intrinsecamente dialógico da


por vezes em luta contra… identidade humana. Ele recorda que
o pensamento humano se constitui
Taylor quer ainda superar o monolo- não no isolamento e na introspecção
gismo liberal, confrontando-o com o transcendental, como parece deixar

9
Charles Taylor, “Le juste et le bien”, Revue 10
Ib.
de Métaphysique et de Morale, 93 (1), jan- 11
Cf. ib., pp. 43-45.
vier-mars 1988, p. 41.
30 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

crer a posição monológica, mas a das diferenças, afinal uma perspec-


partir dos outros e pelo diálogo: tiva homogeneizante. Taylor critica,
“Esperamos certamente desenvolver pois, a versão legalista do libera-
as nossas próprias opiniões, concep- lismo, que é incapaz de ter em conta
ções, posições em relação às coisas, a legitimidade dos projectos morais
e num considerável grau, através de dos grupos.
uma reflexão solitária. Mas não é
assim que as coisas funcionam com b) Que cidadania? “Cidadania mul-
os problemas importantes, como a ticultural”
definição da nossa identidade. Defi-
nimo-la sempre em diálogo com, por Por seu turno, Will Kymlicka pro-
vezes em luta contra, as coisas que os cura legitimar uma política de cida-
nossos “outros dadores de sentido” dania multicultural baseada na ética
querem ver em nós. Mesmo depois liberal: com esse escopo, ele insere a
de deixarmos para trás alguns desses sua argumentação no quadro do para-
“outros” – os nossos pais, por exem- digma liberal dos direitos e conecta
plo –, e de eles desaparecerem das o reconhecimento de uma cidadania
nossas vidas, a conversação com eles multicultural com o reconhecimento
continua no interior de nós mesmos de direitos colectivos. Assim, partindo
para o resto das nossas vidas”12. Ora, de um ponto de vista liberal, mas
o pensamento liberal subestima a im- acrescentando alguns aspectos mais
portância do outro e do diálogo na comunitários, reclama-se de um en-
constituição da identidade moral. foque multiculturalista, sustentando
Além disso, a moral liberal limita aquilo a que poderia chamar-se uma
a intervenção do Estado: está aí a “teoria liberal dos direitos multicultu-
principal crítica que Taylor dirige ao rais”, que o notabilizou por entre os
liberalismo: baseando-se numa con- fautores do multiculturalismo.
cepção atomizante do sujeito, o libe- Tal como nas posições de inspiração
ralismo é incapaz de compreender as comunitária, Kymlicka considera
necessidades colectivas e identitárias a pertença cultural como um bem
das comunidades. É também sobre fundamental que a teoria liberal não
esta base filosófica que Taylor critica pode ignorar. Se os comunitaristas
tal posição de não reconhecimento adoptam uma grelha de leitura holís-
tica, Kymlicka segue a lógica do
12
Charles Taylor, “The Politics of Recogni- individualismo democrático. Então,
tion”, op. cit., pp. 32-33; trad., p. 53. Cf. tam- a concepção moral comunitária faz
bém Jean-Luc Gignac, op. cit., pp. 39-41. repousar a constituição da identidade
Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 31

moral do sujeito na pertença a uma sários à autonomia e identidade pes-


comunidade, a concepção liberal fá‑lo soal; b) a preservação da diversidade
na autonomia do sujeito. Segundo cultural e das pertenças culturais
Kymlicka, se os liberais dificilmente pode exigir que se garantam direitos
reconhecem a existência dos direitos específicos a grupos culturais minori-
colectivos, não é porque subestimem tários. Ora, os direitos multiculturais
a importância da cultura na constitui- são aqueles direitos (individuais ou
ção da identidade, mas porque atri- colectivos) cuja função é proteger o
buem um estatuto ontológico dife- contexto de escolha dos cidadãos que
rente aos indivíduos e às comunidades. pertencem a culturas minoritárias. No
Para os liberais, as culturas não exis- caso que aqui nos interessa, o das mi-
tem em si e somente se revestem da norias sem base territorial, Kymlicka
importância que lhes for atribuída preconiza aquilo que designa por
pelos indivíduos. “Durante muito tem- “direitos poliétnicos”; assim, por
po, propus que os pensadores liberais exemplo, entre outros, há o direito
deveriam sentir-se interessados pela ao contacto com a administração pú-
questão da viabilidade das culturas blica na língua materna, à educação
societais. Por um lado, estas contri- bilingue, a um currículo que reconhe-
buem para assegurar a autonomia ça a contribuição cultural dos grupos
das pessoas e, por outro, as gentes imigrantes, a assentos permanentes
sentem-se profundamente ligadas à na assembleia legislativa ou em insti-
sua própria cultura”13. Então, o libe- tuições governamentais, ao gozo de
ralismo deve ter também em devida feriados religiosos próprios, isenção
conta a pertença cultural como um de códigos de indumentária obrigató-
bem essencial. rios em instituições ou locais públicos.
Kymlicka julga que um Estado liberal Além disso, Kymlicka apresenta uma
pode e deve mesmo, sob certas con- outra precisão conceptual susceptível
dições, proteger as culturas minoritá- de resolver o conflito teórico liberal
rias. Para o mostrar, a sua argumen- entre os direitos colectivos e os di-
tação faz-se em dois tempos: a) a di- reitos individuais; distinguindo entre
versidade cultural e a pertença a uma “protecções externas” e “restrições
cultura são bens fundamentais neces- internas”, afirma: “As protecções
externas (external protections) visam
garantir que as pessoas são capazes de
13
Will Kymlicka, Multicultural Citizenship,
Oxford, Oxford University Press, 1995, manter o seu estilo de vida se assim os
p. 94. Cf. também Jean-Luc Gignac, op. cit., escolherem, e não são impedidas de
pp. 46-47. o fazer por decisões tomadas por
32 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

pessoas exteriores à comunidade. As contra a vontade dos nubentes, não


restrições internas (internal restric- seriam considerados direitos poliétni-
tions) visam forçar as pessoas a man- cos legítimos, na medida em que
ter o seu estilo tradicional de vida, configuram restrições internas e não
mesmo que elas não queiram esco- protecções externas. Há uma preo-
lhê-lo de forma voluntária, porque há cupação bem patente em Kymlicka
outro estilo de vida que lhes parece em não sacrificar os princípios de
mais atractivo”14. Os direitos colecti- autonomia e de liberdade individual
vos tornam-se aceitáveis do ponto de que os liberais apregoam, pretenden-
vista da ética liberal somente se eles do, ao invés, conjugá-los com valores
permitem a uma comunidade defen- comunitários.
der-se contra a hegemonia de uma
cultura dominante (protecções exter- c) Que representação?
nas); contudo, eles não podem ser As “cinco faces da opressão”
invocados para suprimir a expressão
dos dissidentes no interior da comu- Por sua vez, Iris Marion Young alarga
nidade (restrições internas). Assim, o critério de identificação dos grupos
por exemplo, direitos que consagras- com a necessidade do seu reconhe-
sem a possibilidade de excisão femi- cimento, ao defender, que, além das
nina, ou a possibilidade do casamento minorias nacionais e culturais, exis-

14
Will Kymlicka, Multicultural Citizenship, reivindicar a autonomia de governo quando
op. cit., p. 204, n. 11. elas compõem a maioria num território e
É a partir de uma argumentação em favor formam uma comunidade histórica. Os imi-
dos direitos colectivos que Kymlicka legi- grantes distinguem-se dos nacionais no
tima uma cidadania multicultural diferen- plano dos direitos colectivos na medida em
cial. Além disso, distingue entre dois tipos que eles imigraram de um modo «individual
de direitos multiculturais: 1) os direitos das e voluntário». Eles não poderão reivindicar,
minorias nacionais, e 2) os direitos das mi- por exemplo, o direito de se governarem
norias étnicas. No plano dos direitos, faz, porque não ocupam um território de modo
pois, uma distinção útil entre minorias étni- maioritário; mas Kymlicka reconhece-lhes
cas e minorias nacionais. Para este filósofo, direitos poliétnicos: ele pensa que a socie-
“é evidente que os grupos de imigrantes não dade de acolhimento deve ser hospitaleira
podem reivindicar os mesmos direitos que para com novos chegados a fim de facilitar
as minorias nacionais” (Will Kymlicka, «Le a sua integração, reconhecendo-lhes certos
libéralisme et la politisation de la culture», direitos distintos. Estes direitos poliétnicos
in Michel Seymour, Une Nation peut-elle são direitos a uma representação política
se donner la Constitution de son Choix?, equitativa, medidas de discriminação posi-
Montréal, Bellarmin, 1995, p. 108. Segundo tiva, financiamento pelo Estado de activi-
Kymlicka, as minorias nacionais podem dades particulares, etc.
Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 33

tem também grupos transversais (as pós-estruturalismo e de correntes do


mulheres, os velhos, os trabalhadores, pós-modernismo (Theodor Adorno,
os deficientes, grupos que se defi- Jacques Derrida, Michel Foucault,
nem em termos de opções sexuais), Julia Kristeva, Luce Irigaray, Jean-
frequentemente vítimas de alguma ‑François Lyotard, e outros), afir-
forma de opressão – o termo mais mando que a opressão e a dominação
apropriado para designar a injustiça devem ser os problemas urgentes a
social. “O apelo por justiça está analisar numa nova conceptualiza-
sempre situado em práticas sociais ção da justiça, já que “(…) o ideal da
e políticas completas que precedem imparcialidade, a pedra angular da
e excedem o filósofo. O esforço tra- maioria das teorias morais e teorias
dicional para transcender a finitude da justiça, nega a diferença. O ideal
em direcção a uma teoria universal da imparcialidade sugere que todas
abarca apenas construções finitas que as situações morais devem ser trata-
escapam da aparência de contingên- das de acordo com as mesmas regras.
cia, normalmente ao tomarem o dado Com a pretensão de fornecer um
como necessário”15. Com efeito, a ponto de vista que todos os sujeitos
opressão verifica-se muitas vezes de podem adoptar, nega a diferença entre
modo subtil, sofrida por vários gru- os sujeitos. Postulando um ponto de
pos, no nosso quotidiano. vista unificado e universal dá origem
A professora da Universidade de a uma dicotomia entre razão e senti-
Chicago, na sua crítica às teorias mento. Geralmente expresso em con-
liberais, considera que o principal trafactuais, o ideal da imparcialidade
problema da justiça não é o distribu- denota uma impossibilidade. Além
tivo (riqueza, acesso a bens e a ser- disso, serve pelo menos duas funções
viços, etc.), mas o da “opressão e da ideológicas. Primeiro, pretensões de
dominação institucionalizada”, o que imparcialidade sustentam o imperia-
envolve logo os campos do “poder de lismo cultural ao permitirem que as
decisão e dos procedimentos”, que experiências particulares e as perspec-
podem assumir múltiplas formas, tivas de grupos privilegiados sejam
incluindo a maneira negativa como exibidas como universais. Segundo, a
determinados grupos são represen- convicção que burocratas e peritos
tados. Percorrendo uma via onde podem exercer o seu poder de decisão
se sente os influxos de variantes do de uma forma imparcial, acaba por
legitimar a hierarquia autoritária”16.
15
Iris Marion Young, Justice and the Politics of Assim, a autora demarca-se do con-
Difference, Princepton, Princepton Univer-
sity Press, 1990, p. 5. 16
Ib., p. 10.
34 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

ceito de justiça de pendor universa- possível adoptar um ponto de vista


lista, típico da modernidade, e das moral não situado, e se um ponto de
suas ideias de imparcialidade e de vista está situado, então não pode
bem comum, ser universal, não pode distanciar-se
Neste enfoque, o ideal da imparciali- e entender todos os pontos de vista.
dade é criticado como ocultando um É impossível raciocinar acerca de
“imperialismo cultural” que serve os questões de moral substantiva sem
interesses de um determinado grupo, entender a sua substância, a qual
legitimando a sua autoridade. Daí que pressupõe sempre algum contexto
consagre o segundo capítulo – “Cinco social e histórico particular; e não há
faces da opressão”17 –, às modulações motivos para formular juízos morais
da “opressão” – “conceito estrutural” e resolver dilemas morais a menos
que resulta das estruturas sociais e que nos importe o resultado, a menos
das formas de decisão instituídas nas que tenhamos um interesse particular
sociedades capitalistas, donde deriva e apaixonado no resultado”18. Segun-
o funcionamento “opressivo” dessas do Young essa opressão é gerada pelo
estruturas, cuja análise se torna im- princípio liberal do universalismo
pressiva nessas “cinco faces da opres- abstracto que trata todos os indiví-
são” – a exploração, a marginaliza- duos da mesma forma e os avalia
ção, a perda de poder, o imperialismo segundo o critério da “normalidade”;
cultural e a violência. este critério corresponde às caracte-
Neste contexto, se “particularidades rísticas do grupo dominante e, con-
de contexto e afiliação não podem sequentemente, é incapaz de garantir
nem devem ser removidas da argu- a igualdade entre indivíduos que pos-
mentação moral”, “o ideal da impar- suem diferentes identidades e dife-
cialidade é uma ficção idealista. É im- rentes modos de vida.

2.  Entre universalismo e relativismo


a) “As gentes sentem-se profundamente a de Kymlicka (e perspectivas mais
ligadas à sua própria cultura” comunitaristas como as de Taylor,
etc.) é o de uma deficiente ideia de
Um dos problemas que se tem levan- cultura. Esta é central nos argumen-
tado em relação a perspectivas como tos multiculturalistas mas é também
um dos seus pontos mais fracos. Con-
17
Ib., “Five faces of oppression” (Chapter 2),
p. 39 ss. 18
Ib., pp. 97 e 104.
Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 35

forme Kymlicka afirmou, e já citá- académica do Erasmus, entre os


mos, “durante muito tempo, propus jovens na União Europeia, é um
que os pensadores liberais deveriam eloquente exemplo disso mesmo,
sentir-se interessados pela questão da cujo alcance está longe de se aperce-
viabilidade das culturas societais”; ber nitidamente, dados os profundos
segundo ele, “as gentes sentem-se reflexos na convivência multicultural
profundamente ligadas à sua própria dos cidadãos da União. Hoje, há cul-
cultura”19. turas internamente heterogéneas e
Se Kymlicka considera – como vimos externamente imbricadas; verdadei-
– a pertença de indivíduos a uma ramente, não se pode falar de cultura
cultura específica como um “bem so- no singular.
cial primário” (no sentido de Rawls),
acessível a todos em condições de b) “A cultura não é o problema e a
igualdade, não é consentâneo com as cultura não é a solução”
suas premissas, já que isso pressu-
poria que um indivíduo teria laços Para Brian Barry, na senda rawlsiana,
primordiais com a sua cultura, e não pelos liames entre justiça e impar-
com outras culturas: essa seria uma cialidade, cidadania e politização
visão fragmentária de cultura, con- da cultura não se conjugam entre si.
cebendo-as como culturas paralelas A outorga de direitos multiculturais
umas às outras, o que não se compa- a grupos específicos ou a membros
gina com a miscigenação cultural individuais desses grupos em nome
cada vez mais patente na sociedade da cultura, precisamente com o objec-
hodierna – culturas caldeadas entre si. tivo de acomodar os conflitos religio-
A própria cosmovisão dos sujeitos é sos, é contrária ao modelo unitário de
cada vez mais plural, seja por influxo cidadania. Já o próprio liberalismo
de uma globalização massiva e célere, surgiu como uma resposta aos confli-
pelo influxo nas experiências indi- tos gerados pelo “multiculturalismo”
viduais de múltiplos contextos, im- das sociedades europeias dos séculos
pregnados pelas leituras e viagens, xvi e xvii, com vista a uma política
pela emigração e pelas conversações, equitativa, sob instituições comuns,
enfim, pelos media; a experiência entre os seguidores do catolicismo e
original, e cada vez mais extensa, dos do protestantismo.
intercâmbios a nível da experiência Segundo Barry o conceito de multi-
culturalismo assumiu dois usos dis-
19
Will Kymlicka, Multicultural Citizenship, tintos: pode ter um uso descritivo ou
Oxford, Oxford University Press, 1995, p. 94. um uso normativo. Ele pode ser uti-
36 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

lizado descritivamente para designar Nesta sequência, o que importa,


‘pluralismo’ (ou seja, sociedades que como via mais equitativa para supe-
incluem uma quantidade variada de rar os conflitos que decorrem do mul-
comportamentos e de culturas dife- ticulturalismo, é a afirmação pública
rentes), como pode ter um uso nor- de princípios como a liberdade de
mativo para designar uma política expressão e de consciência, a liber-
específica de intervenção nas socie- dade de associação, a igualdade cívi-
dades pluralistas; neste caso, trata‑se ca, a não-discriminação, garantias de
de reclamar o poder do Estado a oportunidades iguais21. Tal significa,
intervir em defesa de formas culturais para os liberais, que, postos esses
ameaçadas. Segundo Barry, Kymlicka princípios em prática com uma confi-
confunde os usos descritivos e nor- guração institucional básica da socie-
mativos do multiculturalismo; ao per- dade, é possível acolher socialmente
ceber que a maioria das sociedades as minorias religiosas e culturais,
contemporâneas são pluralistas (e são com os seus costumes diferentes e
mesmo), ele argumenta como se isso sem prejudicar os respectivos valores
per se fosse um argumento suficiente partilhados no quadro da identidade
para a defesa do multiculturalismo em de um grupo ou comunidade. Segun-
sentido normativo. Os problemas do Barry, “o problema inescapável é
multiculturais resultariam não de o de que as culturas têm um conteúdo
diferentes comunidades terem uma proposicional. É um aspecto inevi-
cultura distinta, mas em estarem tável de qualquer cultura o de incluir
prejudicadas no prosseguimento de necessariamente ideias no sentido de
objectivos gerais, no que concerne que algumas crenças são verdadeiras
à educação, à saúde, à renda20, cuja e outras são falsas, algumas coisas
solução se deve buscar no quadro de são certas e outras erradas”22. Assim,
uma justiça distributiva. O que é criti- se é um imperativo a tolerância entre
cável, segundo Barry, é a adopção culturas, já não é viável o seu reco-
de uma posição normativa e um pro- nhecimento igual no sentido multi-
grama político no que ao multicultu- culturalista.
ralismo diz respeito. Aliás, podem implementar-se polí-
ticas equitativas para minorias – tais
como a “acção afirmativa” ou a
20
Cf. Brian Barry, Culture and Equality: an “admissão diferenciada”, praticadas
egalitarian critique of multiculturalism,
Cambridge-Mass., Harvard University Press, 21
Cf. ib., p. 122.
2001, p. 306. 22
Ib., p. 270.
Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 37

nos Estados Unidos –, para lutar con- que é equivocado atribuir à referência
tra discriminações, por exemplo, no cultural o constitutivo desses grupos
aceso às universidades, mediante um – negros, mulheres, idosos, homos-
tratamento diferenciado com mem- sexuais, minorias étnicas e nacionais.
bros de certos grupos, mas visando Se, por exemplo, a integração no
os indivíduos e não os grupos23; em- grupo das mulheres está mais na fisio-
bora se acabe por beneficiar o grupo logia, será a idade aquilo que caracte-
a que pertencem os indivíduos assim riza alguém como membro do grupo
beneficiados, não é à comunidade dos idosos, como o que define um
enquanto tal que são atribuídas tais indivíduo como pertencendo ao grupo
prerrogativas. Não se trata da políti- dos homossexuais será a sua orienta-
ca de “reconhecimento” reclamada ção sexual (aliás, para muitos homos-
por Taylor, mas de medidas que estão sexuais, nem sequer é essa orienta-
na base de oportunidades iguais para ção o elemento organizador de suas
alcançar a velha igualdade entre os in- formas de vida). Deste modo, não é
divíduos, preconizada pelos liberais. uma cultura particular o núcleo iden-
Aliás, para Barry, importa também tificador da identidade de um grupo
a protecção de membros individuais ou comunidade, devendo atender-se
contra a opressão do próprio grupo. mais às formas de discriminação que
A posição de que “a cultura não é o originam situações de injustiça e que
problema” deriva dessa outra questão, devem ser combatidas.
segundo a qual um grupo se define Daí que, para Barry, “a cultura não é
como “um colectivo de pessoas dife- o problema e a cultura não é a solu-
renciado de um outro grupo por for- ção”26. Esta posição pode ilustrar-se
mas culturais práticas ou pela forma com um “teste de cidadania”, nos ter-
de vida”24. Ora, para Barry, um dos mos seguintes: será que o direito x,
nós górdios de equívocos do multi- reivindicado em nome da diferença
culturalismo, e das suas soluções, é cultural, vai contra interesses funda-
a derivação das diferenças de grupos mentais dos cidadãos de um Estado
pelos rasgos culturais por estes parti- democrático? Ou será que esse direito
lhados”25. Barry retorquiria a Young não afecta interesses fundamentais
23
Ib., p. 113. Cardoso Rosas, “Multiculturalismo e anti-
24
Iris Marion Young, op. cit., p. 43. multiculturalismo: perspectivas sobre a cida-
25
Brian Barry, op. cit., p. 305. dania diferenciada de minorias sem base
26
“Culture is not the problem and culture is territorial”, Actas do II Congresso da Asso-
not the solution”, ib., p. 317. No que se ciação Portuguesa de Ciência Política, Lis-
segue, na interpretação de Barry, cf. João boa Editorial Bizâncio, 2006, pp. 708-709.
38 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

dos cidadãos? No primeiro caso, o usar o capacete, ou até por não pode-
direito x não deve ser outorgado e a rem usar os seus punhais ou espadas
legislação que o consagra – se exis- em público (devido à proibição geral
tir – deve ser revogada; no segundo do uso de armas brancas). Da mesma
caso, o direito pode ser outorgado e forma, comunidades judaicas ou mu-
é a legislação que coarcta esse direito çulmanas em Itália podem reclamar a
– nos casos em que exista – que deve isenção das normas gerais do abate de
ser revogada. animais de modo a poderem garantir
Note-se que as mesmas leis e polí- que os animais são sangrados vivos
ticas não têm de ter o mesmo impacto (para serem kosher, ou hallal). Ora,
para todos os indivíduos afectados para Barry, devemos perguntar: será
e não há nisso nada de errado. Uma que as isenções requeridas vão contra
determinada legislação não trata todos interesses fundamentais dos cidadãos
por igual mas equitativamente, com de um Estado democrático? A partir
consequências diferentes para os indi- daqui, temos o dilema: se a lei é sufi-
víduos afectados: é possível que uma cientemente defensável à luz desses
determinada disposição legal afecte interesses, então as isenções não
de uma forma decisiva os interesses devem ser concedidas; se, por outro
de A e proteja apenas os interesses de lado, não o é, então a razão acon-
B; mas isso é inevitável; a lei, por selha, não ao estabelecimento da
exemplo, deve proteger os interesses isenção, mas antes à revogação da lei
das crianças em não serem moles- e das obrigações que ela consagra.
tadas e deve penalizar os interesses Deste modo, segue-se que é do inte-
dos pedófilos em molestar crianças. resse da comunidade que o abate de
Ora, as isenções reclamadas por animais siga regras estabelecidas de
comunidades imigrantes específicas higiene e controlo sanitário, e, por
– geralmente em função de práticas isso, não há lugar a isenção das regras
religiosas – devem ser consideradas gerais; do mesmo modo, a não isen-
à luz do princípio da equidade. Com ção no caso do turbante ou no caso
frequência, os pedidos de isenção de do punhal ritual tem a ver com princí-
obrigações válidas para todos assen- pios fundamentais relacionados com
tam na reclamação de que existe desi- a segurança das pessoas e a segurança
gualdade e não falta de equidade; as- rodoviária; se os princípios em causa
sim, os Sikhs na Grã-Bretanha podem não forem fundamentais, a isenção
reclamar discriminação pelo facto de deve ser concedida a todos, mediante
não poderem usar o turbante, porque, a revogação da proibição em causa.
como motociclistas, são obrigados a Já no caso da criança Sikh, no Reino
Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 39

Unido, que é impedida de frequentar relações que os unem”29. A solução


uma escola privada por usar o turban- proposta por Lévi-Strauss consiste
te (que não permite usar o uniforme em mostrar que a capacidade para
da escola), o uso do turbante não realizar progressos culturais não
parece contrário aos fins próprios da deriva de uma superioridade de tal
educação; por isso, essa regra proi- ou tal sociedade comparada com as
bitiva é discriminatória e deve ser outras, mas antes da aptidão de cada
revogada. Como Barry observa, é um para estabelecer trocas mútuas
frequente a oscilação entre um uso com os outros.
descritivo e um uso normativo de O olhar distanciado – um dos seus
“multiculturalismo”27, recaindo-se no títulos30 – ilustra bem a posição do
uso normativo. antropólogo: ele observa sociedades
afastadas da sua, depois em retorno
c)  “O olhar distanciado” vê a sua de um ponto de vista distan-
ciado. “Quando se quer estudar os
O conhecimento dos outros não é homens, é preciso olhar perto de si;
simplesmente uma via possível para mas para estudar o homem, é preciso
o conhecimento de si: é a única: “ne- aprender a dirigir para longe o olhar;
nhuma civilização – escreve Lévi- para descobrir as propriedades, é pre-
‑Strauss – pode pensar-se a si mesma, ciso primeiramente observar as dife-
se não dispuser de algumas outras renças”31. Lévi-Strauss, herdeiro con-
que lhe sirvam de termo de compa- temporâneo de Rousseau, oferece‑nos
ração”28. Não é por demais enfatizar a possibilidade de alargar e aprofun-
o alcance deste princípio. Lévi‑Strauss dar o nosso conhecimento e a nossa
formulou-o de maneira clara na sua compreensão dos homens e de nós
célebre conferência de 1952, em mesmos. Importa reter esta lição:
Raça e História: “(…) a diversidade relativizar o etnocentrismo, esta posi-
das culturas não deve convidar-nos ção pela qual uma cultura, uma classe
para uma observação fragmentária ou um grupo, qualquer que ele seja,
ou fragmentada. Ela é menos função tem a tendência para identificar com
do isolamento dos grupos que das
30
Claude Lévi-Strauss, Le Regard Éloigné,
27
Ib., p. 22. Paris, Plon, 1983.
28
Claude Lévi-Strauss, Anthropologie Struc- 31
Jean-Jacques Rousseau, Essai sur l’origine
turale Deux, Paris, Plon, 1973, pp. 319-320. des langues, cap. VIII, apud Claude Lévi-
29
Claude Lévi-Strauss, Race et Histoire [1952] ‑Strauss, Anthropologie Structurale Deux,
Paris, Éditions Gonthier/Unesco, 1961, p. 17. op. cit., p. 47.
40 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

o seu próprio código a essência elementos universais. Isto é, elemen-


humana em geral; desde então, o fim tos que fazem aparecer para aqueles
da antropologia é inquirir o universal- que os estudam algo que não é
mente humano, mesmo nos represen- somente étnico, mas que fala da exis-
tantes da humanidade mais afastados tência humana em geral; e porque
de nós. elas compreendem certas formas de
Não é a separação das culturas ou racionalidade, as culturas são em
o seu isolamento que constitui uma parte universalizáveis, com a condi-
sociedade multicultural; é a sua comu- ção que não as interpretemos à luz de
nicação: “A tolerância não é uma um fanatismo da diferença. Por exem-
posição contemplativa, que dispense plo, quem poderia afirmar que as
as indulgências ao que foi ou ao que é. quadras de Omar Kayyam não falam
É uma atitude dinâmica, que consiste ao homem sensível do Ocidente como
em prever, em compreender e em o “spleen” (poema) de Baudelaire, ou
promover o que quer ser. A diversi- ainda que A arte da guerra de Sun
dade das culturas humanas está atrás Tzu não diz aos europeus nada de
de nós, à nossa volta e diante de nós. profundo sobre a psicologia da con-
A única exigência que podemos fazer flitualidade?
valer a seu respeito (criadora para Segundo Alain Touraine, “o direito à
cada indivíduo dos deveres corres- diferença, isolado de qualquer refle-
pondentes) é que ela se realiza sob xão sobre a comunicação intercul-
formas em que cada uma seja uma tural, conduz a um relativismo cultu-
contribuição para a maior generosi- ral carregado de conflitos insolúveis.
dade das outras”32. (…) O pluralismo cultural repousa
Mas, sem qualquer dúvida, podería- não na diferença mas no diálogo de
mos ir mais longe, e propor uma tese culturas que reconhecem, para além
que seria até um veneno prolongado das suas diferenças, que cada uma
para os extremistas culturais. Há em contribui para a experiência humana,
cada cultura particular, quando os seus e que cada cultura é um esforço de
conteúdos não são “absolutizados”, universalização de uma experiência
particular”33. A condenação dos fal-
sos multiculturalismos, orientados
32
Claude Lévi-Strauss, Race et Histoire [1952], somente para a construção de um
op. cit., p. 85. Cf. Wiktor Stoczkowski,
«Controverse sur la diversité humaine»,
Sciences Humaines, hors série spécial nº 8 33
Alain Touraine, “Faux et vrais problèmes”,
[“Comprendre Claude Lévi-Strauss”], no- Une société fragmentée?, Paris, La Décou-
vembre-décembre 2008, p. 50. verte , 1997, p. 311.
Acílio da Silva Estanqueiro Rocha 41

espaço político culturalmente homo- um lado, salta aos olhos uma certa afi-
géneo, deve conduzir a reconhecer‑se nidade entre a teoria de Habermas e
que o pluralismo cultural é hoje o a perspectiva universalista dos direi-
objectivo principal que cabe ao espí- tos individuais adoptada por Barry,
rito democrático34. Todas estas pre- não é menos verdade, por outro lado,
missas delineiam um imenso desafio que o modelo habermasiano de demo-
para as democracias, e não é certo cracia deliberativa opõe-se à persis-
que aquilo que se designa de “multi- tência de um liberalismo insensível
culturalismo” esteja à altura da pro- às diferenças culturais35. Por isso
blemática. Somente a democracia mesmo o tema do multiculturalismo
permite fazer respeitar ao mesmo ocupou a atenção de Habermas, logo
tempo a diversidade das culturas e o que irrompeu na cena do debate
universalismo dos direitos fundamen- ético-político.
tais; mas, a este propósito, é preciso Uma teoria da justiça não pode de-
não confundir o ponto de vista cul- pender de factos contingentes, histó-
tural com o ponto de vista moral: a ricos ou culturais; ele deve possibi-
confusão entre diversidade cultural e litar uma posição crítica da política e
enriquecimento moral imuniza toda da sociedade. Todos os seres humanos
a cultura da crítica moral. nascem e vivem livres e iguais em
direitos e este juízo deve aplicar-se
d) Para uma “ética procedimental de a todas as sociedades; obviamente,
reciprocidade” as políticas multiculturalistas perdem
muito do seu impacto se elas não
O debate entre o culturalismo liberal estão estreitamente articuladas com
de Kymlicka e o liberalismo iguali- programas de luta contra as desigual-
tário de Barry ajuda a esclarecer os dades sociais e económicas.
contornos da discussão e permite A nossa posição parte do pressuposto
enquadrar com mais propriedade a antropológico das “necessidades hu-
posição de Jürgen Habermas. Se, por manas básicas”36 onde se funda uma

34
Ib. p. 319. 36
Cf. Ernst Gellner, Culture, Identity, and
35
A este propósito, e sobre Habermas, ver o Politics, Cambridge, Cambridge University
nosso estudo mais desenvolvido: Acílio da Press, 1987, p. 29 ss. O autor caracteriza aí,
Silva Estanqueiro Rocha, “Democracia deli- uma sociedade moderna, como requerendo
berativa”, in João Cardoso Rosas (org.), os seguintes requisitos: alfabetização, mobi-
Manual de Filosofia Política, 2.ª ed. revista lidade social e igualdade formal (não
e aumentada, Coimbra, Almedina, pp. 137- obstante, uma “desigualdade fluída”).
‑182.
42 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

“ética procedimental de reciproci- de outra janela. A paisagem humana


dade”, na senda habermasiana, que vista através de uma janela é, simul-
torne possível a tolerância num con- taneamente, semelhante e diferente
texto pluricultural, tendo como refe- da que se vê da outra. Sendo assim,
rente regulador um universalismo deveríamos estilhaçar as janelas e
tendencial. Ante o perigo de uma transformar os diversos portais numa
reificação das identidades, é urgente única abertura, com o consequente
considerar o imperativo ético-político risco de colapso estrutural, ou deve-
que reclama uma ética intercultural. ríamos antes alargar tanto quanto
Como testemunho desta consciência possível as vistas, e sobretudo, tornar
multicultural, fica a metáfora do hindu as pessoas cientes de que existe, e
Raimondo Pannikar: “Os direitos deve existir, uma pluralidade de jane-
humanos são uma janela através da las? Juntar-se a esta última evolução
qual uma cultura determinada con- é optar por um são pluralismo”37.
cebe uma ordem humana justa para
os seus indivíduos, mas os que vivem 37
Raimondo Panikkar, “La notion des droits de
naquela cultura não vêem a janela;
l’homme est-elle un concept occidental?”,
para isso, precisam da ajuda de outra Diogène (Unesco), Paris, nº 120, octobre-
cultura, que, por sua vez, vê através décembre 1982, p. 90.
From culturalization of human rights
to the right to culture

Anita Budziszewska

Budziszewska, A., From culturalization of human rights to the right to culture.


Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 43-54.
Summary: The notion of culturalization of human rights is a fairly new issue, arising from
the changes in the area of application and understanding of international law as well as from
the signs of growing sensitivity to the sphere of culture, but also the need to take into account
the broad cultural context. As a result of these changes, international organizations, courts and
institutions pay more attention to the role of culture in human rights. Based on this, we can
observe the emergence of the concept of the right to culture as one of the fundamental human
rights. The process is facilitated by civilizational, social and structural changes. The legal
sanctioning of the right to culture is prevented by a complex mosaic of diverse interpretations
of the notion of culture and the rights derived from it. The form of the ‘right to culture’ and the
chance for its implementation can only be constituted by progressing evolution of human rights
and will depend on the direction taken in revision of the catalogue of these rights.

Budziszewska, A., Da culturalização dos direitos humanos ao direito à cul-


tura. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 43-54.
Sumário: A noção de culturalização dos direitos humanos é um tema relativamente recente,
suscitado pelas alterações na área de aplicação e interpretação do Direito Internacional, assim
como pela crescente sensibilidade relativamente à área da cultura, e, também, pela necessidade
de ter em conta o contexto cultural mais abrangente. Como resultado destas alterações, as orga-
nizações internacionais, os tribunais e as instituições têm em maior atenção o papel da cultura
nos direitos humanos. Com base nestes pressupostos, podemos testemunhar o surgimento de
um conceito novo de direito à cultura como um dos direitos humanos fundamentais. Este
processo é facilitado pelas mudanças civilizacionais, sociais e estruturais. O sancionamento
legal do direito à cultura é dificultado, todavia, por um complexo mosaico de interpretações
da noção de cultura e dos direitos dela derivados. O articulado do ‘direito à cultura’ e a hipó-
tese da sua implementação só podem ser concretizados pela progressiva evolução dos direitos
humanos e dependerá da orientação a ser dada na revisão do elenco destes direitos.

Anita Budziszewska – University of Warsaw. Institute of International Relations.

Key-words: culturalization, international law, right to culture, international courts, human rights.

Palavras-chave: Culturalização, Direito Internacional, Direito à Cultura, Tribunais Interna-


cionais, Direitos Humanos.
44 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

The article has been inspired by the their evolution. It describes the notion
publication by Federico Lenzerini of culture as the driving force behind
titled The Culturalization of Human changes, through incorporation of
Rights Law1, which discusses the cultural aspect into international law.
evolution of human rights as a result The theses presented in the publica-
of extensive inclusion of the role of tion fit well within the context of the
culture in international law in the ongoing debate on the reformulation
sphere of human rights. of the role and perception of inter-
The publication is an attempt to national law2, whose traditional no
answer the question about the nature longer meets the needs of contempo-
of human rights and the direction of rary societies.

1.  The influence of culture on the evolution of human rights

The relationship between culture and and the functioning of different legal
human rights already has a long cultures next to each other. Cultural
tradition and commonly functions rights therefore have to be subject to
as ‘cultural rights’, included in the the same determinants, although it is
package of second-generation human self-evident that culture and human
rights. This qualification, however, rights are interdependent, interrelated
is not clear and sufficient. We have and that they affect each other4. But
to remember that the very notion of this interdependence is not perma-
culture is broad, heterogeneous and nent and final. There are two reasons
multidimensional3, and additionally for this: First, human rights are a
complicated by cultural diversity
4
See e.g.: Y. Donders, “Do Cultural Diversity
and Human Rights Make a Good Match?”,
1
Federico Lenzerini, The Culturalization of International Social Science Journal 2010,
Human Rights Law, Oxford, 2014. Vol. 61, Issue 199, p. 15; D. Ayton-Shenker,
2
See: M. Koskenniemi, From Apology to “The Challenge of Human Rights and the
Utopia, Finnish Lawyers’ Publishing Com- International Protection of Cultural Diver-
pany 1989; and A. Paulus, “International sity: Some Theoretical and Practical Con-
Law After Postmodernism: Towards Re- siderations”, International Journal of
newal or Decline of International Law?”, Minority and Group Rights, Vol. 14, 2007,
Leiden Journal of International Law 2001, p. 231; R. D. Schwartz, Human Rights in an
vol. 14, no. 4. Evolving World Culture; and A. A. An-Na’im,
3
A. Kroeber and C. Kluckhon gathered 196 “Problems of Universal Cultural Legiti-
different definitions of culture. See: Cul- macy for Human Rights”, in: An-Na’im and
ture. A Critical Review of Concepts and Deng (eds.), Human Rights in Africa:
Definitions, Cambridge, 1952. Cross-Cultural Perspectives, 1990, p. 331.
Anita Budziszewska 45

fairly new issue, and therefore have human rights may not be passed over
a rather experimental status so far5; in the discussion on the future shape
only the future will reveal and shape of the latter9. So where is the evo-
their actual nature. Second, we need lution of human rights heading? In
to remember that the notion of cul- the opinion of Lanzerini, the current
ture is also subject to constant evolu- reinterpretation of the application of
tion, transformation and adjustment human rights standards is the conse-
to social changes. Consequently, the quence of the idea of cultural plural-
approach to the function played by ism. Therefore, when writing about
culture in human rights is changing the culturalization of human rights
as well, and so does its impact on the (although without defining it), he
evolution of these rights6. This ele- brings to our attention the process of
ment is so important that some even evolution of human rights, in which
believe that culture plays a central they change from a traditional uni-
role, is the driving force7 stimulating versal idea to a multiculturalist idea,
the evolution of human rights8. There- which makes it necessary to interpret
fore, the growing role of cultural these rights in line with the needs of
determinants in international law and specific societies and individuals10.

5
H. J. Steiner, “The Youth of Rights”, 9
See: S. Borelli and F. Lenzerini (eds.), Cul-
Harvard Law Review, Vol. 104, 1991, tural Heritage, Cultural Rights, Cultural
p. 917. Diversity. New Developments in Interna-
6
See: A. Pollis and P. Schwab, “Human tional Law, 2012.
Rights: A Western Construct with Limited 10
See: F. Lenzerini, The Culturalization of…,
Applicability”, in: Pollis and Schwab (eds.), op. cit, p. 10. In his opinion, the analysis of
Human Rights. Cultural and Ideological human rights should start from the level of
Perspective; and A. Bleden Fields and rights of individuals. He quotes the Ameri-
W.‑D. Narr, “Human Rights as a Holistic can Anthropological Association’s ‘State-
Concept”, Human Rights Quarterly, Vol. 14, ment of Human Rights’ – see: American
1992. Anthropological Association, J. Steward
7
F. Lenzerini, Culturalization of…, op. cit., and H. G. Barnett, “Statement of Human
p. 145. Rights (1947) and Commentaries”, in: M.
8
Cf.: J. Symonides, “Cultural Rights: A Ne- Goodale (ed.), Human Rights: An Anthro-
glected Category of Human Rights”, Inter- pological Reader, Wiley-Blackwell, 2009,
national Social Science Journal (1998), p. 23. The document was produced even
595; J. Symonides, “Cultural Rights”, in: before the adoption of the UDHR (1948)
J. Symonides (ed.), Human Rights. Concept and stresses that an individual develops his
and Standards, 2000; F. Francioni and M. personality through culture because he is
Scheinin (eds.), Cultural Human Rights, a member of a certain social group, which
2008. sanctions a specific lifestyle shapes the
46 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

2. Departure from the western concept of human rights


Lenzerini argues that human rights stressing that the Western concept of
should not be equated with Western human rights is not adequate to the
standards because despite the devel- reality of the multicultural world (the
opment of universal human rights, ‘non-Western’ countries), the authors
different regions still have different refer to two categories of factors: ‘the
visions of their form and content11 as cultural patterns and the developmen-
well as an individual culture-deter- tal goals of new states including the
mined need to interpret and imple- ideological framework within which
ment them12. A simple reflection on they were formulated’16. Further-
this phenomenon can also be found in more, Pollis and Schwab point out yet
the work of K. L. Zaunbrecher, who another aspect of these rights, namely
highlighted the various approaches to the correlations between individual
the evaluation of the same standards13, rights and group rights, which often
and R. D. Schwarz, who also stressed are in opposition. As an example of
the special ways in which different such ‘conflicts’, they quote, among
cultures perceive and interpret human others, Article 17 of the Universal
rights14. It seems, therefore, that the Declaration of Human Rights, which
Western vision of human rights stan- holds that everyone (individual right)
dards does not correspond with the has the right to own property17. While
needs of multicultural regions. This this right is properly understood in
phenomenon is discussed by A. Pollis the West, it is in stark contrast with
and P. Schwab (Human Rights: cultures and traditions of other societ-
A Western Construct with Limited ies, for example, the Gojami-Amhara
Applicability), among others15. While
14
See: R. D. Schwarz, “Human Rights in…”,
behaviour of the individual and with which in: An-Na’im and Deng (eds.), ibidem.
the individual’s fate is inextricably linked. 15
Amanda Pollis and Peter Schwab, “Human
11
Ibidem, p. 213. Rights: A Western Construct with Limited
12
Ibidem, p. 213. Applicability”, in: Amanda Pollis and Peter
13
‘What may be regarded as a human rights Schwab (eds.), Human Rights. Cultural and
violation in one culture may properly be Ideological Perspective, Westport: Preager,
considered acceptable practice in another’, 1979, p. 1.
in: K. L. Zaunbacher, “When Culture Hurts: 16
Ibidem, p. 8.
Dispelling the Myth of Cultural Justifica- 17
The Universal Declaration of Human
tion for Gender-Based Human Rights Vio- Rights, available at: http://www.un.org/en/
lations”, Houston Journal of International documents/udhr/ (accessed on: 17 February
Law, Vol. 679, 2011, p. 688. 2015).
Anita Budziszewska 47

of Ethiopia, where ‘there is no “right” the implementation of the Western


to individual ownership of land’18 standards and the role attributed to
Socio-economic factors should also human rights for example in African
be considered important, as combined countries, which contend with other
with culture they lead to the failure kinds of problems19.
of the universal human rights and

3. Culturalization of human rights in practice – judgements of


international courts

The awareness of the role of culture Political Rights21. A review of the


in human rights is reflected in the Committee’s judgements in this
judgements of international institu- respect shows a tendency towards the
tions, courts and advisory bodies, protection of cultural rights (defined
which see the need to take cultural by tradition and custom) of indig-
determinants into account. enous peoples constituting a minor-
The Human Rights Committee high- ity in the area they inhabit. A similar
lights this trend20, giving a broad direction has also been chosen by
interpretation to Article 27 of the the Committee on Economic, Social
International Covenant on Civil and and Cultural Rights22, as well as by

18
A. Pollis and Schwab, ibidem, p. 9. Communication No. 549/1993, 29 July
19
Ibidem, p. 12. See also: Grażyna 1997, UN Doc. CCPR/C//60/D/549/ 1993/
Michałowska, Problemy praw człowieka w Rev.1, 29 December 1997; Leonod Raihman
Afryce (Human Rights Problems in Africa), v. Latvia, Communication No. 1621/2007,
Warszawa, 2008. 28 October 2010, UN Doc. CCPR/
20
Ibidem, p. 147. C/100/D/1621/2007, 30 November 2010.
21
See also: Sandra Lovelace v. Canada, Com- 22
See: General Comment No. 12: The Right
munication No. 42/1977, 6 June 1983; Ivan to Adequate Food (Art. 11 of the Covenant),
Kitok v. Sweden, Communication No. 197/ 12 May 1999, E/C.12/1999/5, General
1985, 27 July 1988; Lubikon Lake Band Comment No. 13: The Right to Education
v. Canada, Communication No. 167/1984; (Art. 13 of the Covenant), 8 December
Ilmari Lansman et al. v. Finland, Com- 1999, E/C.12/1999/10, General Comment
munication No. 671/1995, 22 November No. 15: The Right to Water (Arts. 11 and 12
1996, UN doc. CCPR/C/58/D/671/1995, of the Covenant), 20 January 2003, E/C.12/
22 November 1996; Apirana Mahuika et 2002/11, General Comment No. 14: The
al. v. New Zealand, Communication No. Right to the Highest Attainable Standard of
547/1993, 27 October 2000, UN Doc. Health (Art. 12 of the Covenant), 11 August
CCPR/C/70/D/547/1993, 15 October 2000; 2000, E/C.12/2000/4.
Francis Hopu and Tepoaitu Bessert v. France
48 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

regional institutions such as the Inter- European Court of Human Rights on


American Commission on Human culture as expressed in its judgements
Rights and the African Commission is much more restrained than the posi-
on Human and Peoples’ Rights. tion of the Human Rights Committee
Because of the considerable ethnical or the regional instruments, even
diversity in the region the judgements though culture is an important area
of the two commissions concern the of European policy26. In Lenzerini’s
protection of and respect for indige- opinion, this restraint could be the
nous peoples23, invoking their specific result of anxiety about giving culture
traditions and histories24. the fundamental and determining role
The protection of cultural rights and because this would open the door to
culture in the European system of countless claims, including applica-
human rights, in turn, concerns pri- tions for recognition of group rights27.
marily the protection of the rights The second reason could be the social
of minorities25. The position of the and political problems with which
23
See also: Grażyna Michałowska, Status No. 276/2003, Centre for Minority Rights
ludności tubylczej w Afryce w świetle mię- Development (Kenya) and Minority Rights
dzynarodowych stosunków ochrony praw Group International on behalf of Endorois
człowieka (Status of Indigenous Peoples in Welfare Council v. Kenya, AHRLR (2009)
Africa in the Light of International Standards 75. Judgements of the Inter-American Com-
of Human Rights Protection), in: E. Haliżak, mission on Human Rights, see cases: Marry
R. Kuźniar, G. Michałowska, J. Symonides, and Carry Dann, case 11.140 v. United
R. Zięba, Stosunki Międzynarodowe w xxi States (Report No. 99/99, 27 December
wieku (International Relations in the 21st 1999); Maya Indigenous Communities of
Century), SCHOLAR, Warszawa, 2006; and the Toledo District, case 12.053 v. Belize,
Hanna Schreiber, “Międzynarodowa ochro- Report No. 40/04 of 12 October 2004;
na kultury i dziedzictwa kulturowego ludów Mayagna (Sumo) Awas Tingni Community
tubylczych” (“International Protection of v. Nicaragua, Judgment of 31 August 2001,
the Culture and Cultural Heritage of Indige- Inter-Am. Ct. H.R. (Ser. C), No. 79 (2001).
nous Peoples”), Stosunki Międzynarodowe- 25
F. Lenzerini, Culturalization of…, op. cit.,
International Relations, Vol. 35, 2007, p. 193.
pp. 141-160. 26
See: Grażyna Michałowska, “Miejsce kul-
24
Judgements of the African Commission tury w polityce Unii Europejskiej” (“The
on Human and Peoples’ Rights, including: Place of Culture in the Policies of the
Communication No. 150/96, Constitutional European Union”), in: Integracja europej-
Rights Project and Civil Liberties Organisa- ska. Instytucje. Polityka. Prawo (European
tion v. Nigeria, 1999, AHRLR (2000) 235; Integration. Institutions. Policies. Law),
Communication No. 279/03, Sudan Human G. Michałowska (ed.), Warszawa, 2003,
Rights Organisation and another v. Sudan, pp. 307-325.
2009 AHRLR (2009) 153; Communication 27
Ibidem, p. 203.
Anita Budziszewska 49

a considerable number of European can be, therefore, how states attempt


states are struggling28, all the more to keep a tight rein on their multi-
because cultural diversity in Europe cultural societies in order to prevent
is a source of antagonisms rather than potential conflicts30.
profits29. Marginalization of culture

4.  From culturalization of human rights to the ‘right to culture’


The notion of culturalization of hu- accordance with the rules of the cul-
man rights, which concerns the broad tural group they belong to as well
context of recognizing the importance as to practice the culture (language,
of cultural elements and developing customs, lifestyle) they identify
human rights standards on the basis themselves with. The state’s role is to
of cultural determinants, can pro- ensure the freedom of expressing this
vide the foundation for the emerging culture and to make it possible for
concept of the ‘right to culture’. So many cultures to coexist. Second, the
far, the right to culture itself is not right to culture that is the common
anchored in law, but there is a broad denominator and collective name for,
array of various declarations, conven- among others, the traditional cultural
tions and recommendations that speak rights from the package of second-
of culture, cultural rights, participa- generation rights (e.g., the right to
tion in the cultural life, and broadly participate in the cultural life of the
understood rights from which cultural community, the right to free research,
rights are derived. the right to share in civilizational
The right to culture can concern at advancement, the right to free re-
least two areas and can be understood search, education, research, etc.) and,
in at least two ways. First, the right consequently, imposing an obliga-
to culture as the right of individuals tion on states to allow individuals to
to freely practice family and tribal benefit from cultural property and
customs and traditions and live in ensure the survival of this property

28
Ibidem. zbrojnych. 60-lecie konwencji haskiej i
29
Ibidem, p. 204. 15-lecie II Protokołu (Protection of Cul-
30
Ibidem. See also: Hanna Schreiber, Anita tural Heritage During Armed Conflicts.
Budziszewska, “W stronę prawa do kultury” 60th Anniversary of the Hague Convention
(“Towards the Right to Culture”), in: E. and 15th anniversary of the 2nd Protocol),
Mikos-Skuza, K. Sałaciński (eds.), Ochrona WCEO, Warszawa, 2014.
dziedzictwa kultury w czasie konfliktów
50 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

(care for material and non-material tural and natural heritage, creative,
property, subsidizing cultural under- literary and artistic activity, etc.,
takings, establishing and maintaining which have the greatest chance to be
museums and culture centres, cultural realized in developed countries. An
education, etc., as well as broadly element of such understanding of the
understood access to these goods)31. right to culture can be found in, for
The ‘right to culture’ in the first example, the Polish initiative of the
meaning is ‘scattered’ among many National Centre for Culture and the
conventions and declarations and city of Wrocław aimed at enshrining
often is considered equal to group the ‘right to culture’ in the European
rights of national and ethnic minori- Convention for the Protection of
ties, indigenous peoples, or the right Human Rights and Fundamental
to self-determination. This concept is Freedoms32 and the Charter of Fun-
mainly characteristic of multiethnic damental Rights of the European
and multicultural states (South Amer- Union33. So far, the Polish project has
ica, Asia, Africa). In this interpreta- been a stimulus for a discussion on
tion of the term, the ‘right to culture’ the issue of ensuring access to high
refers to groups for whom their culture, participation in cultural and
distinctive cultural identity remains artistic life, which – according to the
an integral part of their way of life. representatives of the National Centre
The second interpretation of the right for Culture and the city of Wrocław
to culture is associated with issues – should be confirmed in law34.
such as cultural life, access to culture, Unfortunately, under this interpreta-
cultural education, protection of cul- tion, ensuring access to culture has an

31
See: Hanna Schreiber, Anita Budziszewska, Centre and the city of Wrocław to enshrine
“W stronę prawa do kultury…; and Bożena the ‘right to culture’ in a Protocol to the
Gierat-Bieroń, Prawo do kultury. Nowy Convention for the Protection of Human
obszar aspiracji obywatelskich” (“The Right Rights and Fundamental Freedoms, avail-
to Culture. A New Area of Civic Aspira- able at: http://dzieje.pl/kultura-i-sztuka/pol
tions”), Kultura współczesna, No. 3, 2014, ska-chce-zapisania-w-europejskiej-kon-
pp. 194-195. wencji-praw-czlowieka-prawa-do-kultury
32
Cf.: Polska chce zapisania w Europejskiej (accessed on: 13 December 2015).
Konwencji Praw Człowieka prawa do kul- 33
See: Debate on the right to culture in the
tury (Poland Wants the Right to Culture Centennial Hall, see: http://www.wroclaw.
Enshrined in the European Convention pl/debata-o-prawie-do-kultury-w-hali-stu
on Human Rights) – an interview with the lecia (available at: 13 February 2013).
Director of the National Centre for Culture, 34
See: http://wroclaw2016.pl/prawo-do-kultu
Krzysztof Dudek, on the proposal of the ry/ (accessed on: 17 February 2015).
Anita Budziszewska 51

economic aspect as well, which raises ing for states and with which citizens
questions about the activity of asso- of the signatory states may file indi-
ciations, culture institutions, local vidual complaints.
governments for which paid access The debate on the ‘right to culture’
to cultural achievements is one of is not at all groundless, however, as
the ways of operation. Furthermore, shown by numerous court judgements
there is the crucial issue of copyright and opinions of commissions work-
and distribution of cultural works. ing in the area of human rights. The
The notion of enshrining the ‘right to significant role of culture is also under-
culture’ as the right of access to high lined in the judgments of the Court
culture in the European Convention of Human Rights. The Court is aware
for the Protection of Human Rights of the need to take into consideration
and Fundamental Freedoms is also and respect cultural differences as the
justified35 because this would make basis for the peaceful coexistence of
the right to culture a fundamental groups representing different cultures
right and would trigger the relevant and of the significant role played by
procedures aimed at guaranteeing intercultural dialogue36. The judge-
these rights by the signatory states; ments of the European Court of
we need to remember that the appli- Human Rights37 confirm such rights
cation of these rights is controlled as: the right of access to culture38,
by the European Court of Human the rights to artistic expression39, the
Rights, whose judgements are bind-
Tarzibachi v. Sweden (No. 23883/06, 16
35
Ibidem, Polska chce zapisania w Europej- December 2008), Jankovskis v. Lithuania
skiej Konwencji Praw Człowieka prawa do (No. 21575/08), ENEA v. Italy [GC] (No.
kultury… 74912/01, § 106, 17 September 2009),
36
See: Aspects of Intercultural Dialogue Boulois v. Luxembourg (No. 37575/04, § 64,
in the European Court of Human Rights’ 14 December 2010).
case-law – report of the European Court of 39
See: case Müller and Others v. Switzerland
Human Rights of 2007. (24 May 1988, Series A No. 133), Otto-
37
See: Cultural rights in the case-law of the Preminger-Institut v. Austria (20 September
European Court of Human Rights, Council 1994, Series A No. 295-A), Karataş v. Turkey
of Europe  / 
European Court of Human case ([GC], No. 23168/94, ECHR 1999-IV),
Rights, January 2011, available at: http:// Alınak v. Turkey (No. 40287/98, 29 March
www.echr.coe.int/Documents/Research_re 2005), Judgment in Vereinigung Bildender
port_cultural_rights_ENG.pdf (accessed on: Künstler v. Austria (No. 68354/01, 25
13 February 2015). January 2007), Lindon, Otchakovsky-
38
See: case Akdaş v. Turkey (No. 41056/04, Laurens and July v. France ([GC], Nos.
16 February 2010), Khurshid Mustafa and 21279/02 and 36448/02, ECHR 2007-IV).
52 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

right to cultural identity40, linguistic was published in Social research:


rights41, the right to the protection An International Quarterly 80(2) in
of cultural and natural heritage)42, 2004 and where the right to culture is
the right to academic freedom43, and understood as a group right and while
the right to seek historical truth)44. it is ‘problematic’, it is also necessary
However, so far there has been no in the functioning of the state45 – and
right to culture per se. the related article by Chaim Gans,
Two noteworthy articles that should Individuals’ Interest in the Preser-
be mentioned in this context are vation of their Culture, “Law and
Liberalism and the right to Culture by Ethics of Human Rights. Multicul-
A. Margalit and M. Halbertal – which turalism and the Anti-discrimination

40
See: Chapman v. the United Kingdom 42
See: Beyeler v. Italy ([GC], No. 33202/96,
([GC], No. 27238/95, ECHR 2001-I), ECHR 2000-I), Debelianovi v. Bulgaria
(Muñoz Díaz v. Spain, No. 49151/07, 8 (No. 61951/00, 29 March 2007), Kozacıoğlu
December 2009), Ciubotaru v. Moldova v. Turkey [GC], No. 2334/03, 19 February
(No. 27138/04, 27 April 2010), Sejdić and 2009), Hamer v. Belgium, No. 21861/03,
Finci v. Bosnia and Herzegovina [GC], Nos. ECHR 2007-V, Turgut and Others v. Turkey,
27996/06 and 34836/06, § 43, 22 December No. 1411/03, § 90, 8 July 2008; Depalle v.
2009), Sinan Işık v. Turkey (No. 21924/05, France [GC], No. 34044/02, § 81, 29 March
2 February 2010), Cyprus v. Turkey [GC], 2010); Hingitaq 53 and Others v. Denmark
No. 25781/94, §§ 241-247, ECHR 2001- (dec.), No. 18584/04, ECHR 2006-I).
IV, Cha’are Shalom Ve Tsedek v. France 43
See: Sorguç v. Turkey, No. 17089/03, § 35,
[GC], No. 27417/95, ECHR 2000-VII, 23 June 2009), Cox v. Turkey (No. 2933/ 03,
Dogru v. France, No. 27058/05, § 72, 4 De- 20 May 2010), Lombardi Vallauri v. Italy
cember 2008, Ahmet Arslan and Others v. (No. 39128/05, 20 October 2010).
Turkey, No. 41135/98, 23 February 2010), 44
See: Chauvy and Others v. France, No.
Sidiropoulos and Others v. Greece (10 July 64915/01, § 69, ECHR 2004-VI), Monnat
1998, Reports of Judgments and Decisions v. Switzerland, No. 73604/01, § 64, ECHR
1998-IV. 2006-X); Lehideux and Isorni v. France, 23
41
See: Senger v. Germany (dec.), No. 32524/ September 1998; Garaudy v. France (dec.),
05, 3 February 2009), Baybaşın v. the Neth- No. 65831/01, ECHR; Orban and Others
erlands (dec.), No. 13600/02, 6 October v. France, No. 20985/05, 15 January 2009);
2005), Ulusoy and Others v. Turkey (Dink v. Turkey, Nos. 2668/07 and others,
(No. 34797/03, 3 May 2007), İrfan Temel 14 September 2010); Kenedi v. Hungary
and Others v. Turkey (No. 36458/02, 3 (No. 31475/05, § 43, 26 May 2009).
March 2009), Catan and Others v. Moldova 45
A. Margalit and M. Halbertal, Liberalism
and Russia (Nos. 43770/04, 9 June 2009, and the right to Culture, Social Research:
Podkolzina v. Latvia (No. 46726/99, ECHR An International Quarterly, 80 (2), 2004,
2002-II), Birk Levy v. France (dec.), pp. 449-472.
No. 39426/06, 21 September 2010).
Anita Budziszewska 53

Principle”46. It should also be noted the right to culture will rather take the
that the right to culture that Margalit, form of the right to retain their cul-
Halbertal and Gans write about con- tural ties and identities, the freedom
cerns culture understood as lifestyle, to practice the customs and traditions
ethno-linguistic background as well cultivated for centuries.
as traditions and customs, passed on The division of the right to culture
for generations. into only two concepts is, of course,
As we can see, the ‘right to culture’ a considerable simplification, and we
is a vague, imprecise and very broad should remember that each of them
expression. Its understanding and contains different elements and com-
interpretation depends on the cultural ponents. One of these is the aforemen-
specificity of the given state and the tioned Polish initiative, understood
perception of the role culture plays as the right of access to high culture.
in the society, the country’s level of For a broader analysis of the nature
development and ethnic diversity. It of the right to culture we would need
seems that the right to culture under- to review all the documents and inter-
stood as an aspect of high culture can national agreements that concern cul-
be realized in highly developed coun- ture, and then list all the elements and
tries, in which culture and cultural life components of the right to culture.
are important enough for the country An important place in this mosaic of
to be forced to create conditions con- diverse legal documents is occupied
ducive to its development. On the by the judgements of the European
other hand, there are less developed, Court of Human Rights due to the
multicultural countries often struggl- role the Court plays in the European
ing with problems of existential im- system of human rights protection.
portance (water shortage, extreme The fact that countries are clearly
poverty, internal conflicts, including wary of accepting the status of cul-
ones caused by cultural differences) ture as the fundamental right shows
located in regions such as Africa, that culture is in fact underestimated
Asia, South America, or the Middle among human rights. It seems that
East. For these societies and regions countries are not yet ready to guaran-
tee this right or are afraid of possible
consequences and overinterpretation
46
Chaim Gans, “Individuals’ Interest in the
because it is unclear how to broadly
Preservation of Their Culture”, Law and
Ethics of Human Rights. Multiculturalism interpret the right to culture, when
and the Anti-discrimination Principle, Vol. 1, ‘the concepts of broadly understood
Issue I, 2007. cultural rights, protection of cultural
54 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

property and protection of national and at the same time their object:
heritage are inextricably interwoven, culture itself’47.
creating a vast array of legal stan-
dards with the common aim of pro- 47

See: H. Schreiber, A. Budziszewska,
tecting the source of these standards W stronę prawa do kultury, op. cit.
A (in)cultura dos direitos humanos
António Teixeira Fernandes

Fernandes, A., A (In)cultura dos direitos humanos, Boletim do Núcleo


Cultural da Horta, 24: 55-72.

Sumário: Numa cultura dos direitos humanos, é naturalmente o homem o ponto central de
referência. Tudo depende da maneira como ele é concebido. A filosofia dos direitos humanos,
nos séculos xvii e xviii, tendeu e privilegiar mais a elaboração de um regime político do que
a emancipação humana das inúmeras servidões em que o passado o havia enleado. Por toda
a parte, a liberdade continua ainda hoje a ser limitada, a igualdade negada, encerrado como
está o homem na “jaula de ferro” de uma burocracia que o sufoca e impede a sua plena
realização. Nesta sociedade do consumo, em que o capital fabrica os produtos e as pessoas
para os consumir, o homem acaba, ele mesmo, por ser descartável, coisa de usar e deitar fora,
tão fáceis são as próprias ruturas humanas tidas como mais sólidas. O homem deixou de ser
um mistério, com toda a dignidade que isso contém. O desenvolvimento de uma cultura dos
direitos humanos tem como objetivo promover a dignificação da pessoa, como ser de relação.
O homem, como excesso de si mesmo, para além de ver estendidos os limites da sua exis-
tência, necessita de um contexto em que possa respirar a liberdade na partilha de bens em
igualdade de condições existenciais.

Fernandes, A., The (non)culture of Human Rights, Boletim do Núcleo


Cultural da Horta, 24: 55-72.

Summary: In a human rights culture, the human being is naturally the central reference point.
Everything depends on how he/she is conceived. The philosophy of the human rights, in the
17th and 18th centuries, privileged the elaboration of a political regime, rather than the human
emancipation from the countless forms of servitude that haunted the mankind in the past.
Even today, freedom continues to be restricted everywhere, equality is denied, because the
human being is jailed in an “iron cage” of a suffocating bureaucracy that does not allow
his/her total fulfillment. In this consumer society, where the capital manufactures products
and the people to consume them, the human being ends up being disposable, something that
can be used and thrown away, and even the human bonds regarded as the most solid are easily
broken. The human being is no longer a mystery, with all the dignity that this contains. The
development of a human rights culture has the purpose of promoting the dignity of the person,
as a relational being. The human being, as someone that exceeds himself/herself, not only
needs to extend the limits of his/her existence, but also a context where he/she can breathe
freedom by sharing goods in equal existential conditions.
56 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

António Teixeira Fernandes – Universidade do Porto.

Palavras-chave: dignidade humana, direitos humanos, homem mistério, homem problema,


intimidade e transparência, domínios de negação dos direitos.

Key-words: human dignity, human rights, human mystery, human problem, intimacy and
transparency, domains of denials of rights.

A consideração dos direitos huma- antropologia científica.


nos implica também, nas sociedades O homem tornou-se o que é pela
hodiernas, a abordagem das virtua- consciência de si e do mundo, des-
lidades da cidadania e da própria cobrindo em simultâneo, mediante a
qualidade da democracia. Se a demo- razão, a contingência desse mesmo
cracia se afirma e se desenvolve mundo, através da qual despertou
na sociedade dos indivíduos, será igualmente a ideia de um ser superior
natural que se comece por questionar que o cerca e transcende. Para Max
a centralidade da pessoa humana na Scheler, esta “esfera de um Ser abso-
vida social. luto” será “tão constitutiva da essên-
1. A conceção da pessoa humana cia do homem como a que ele tem de
tende a inscrever-se hoje numa si mesmo e do mundo”. Daí conclui
matriz cultural extremamente com- que “a consciência do mundo, a cons-
plexa. Max Scheler pensa que, no ciência de si mesmo e a consciência
entendimento que o indivíduo civi- de Deus formam uma unidade estru-
lizado europeu tem do homem, se tural indissociável”2. A sua ancora-
confrontam “três sistemas de ideias gem será dupla, no mundo e além do
absolutamente inconciliáveis”. São mundo.
eles o universo intelectual da tradi- 2.  Uma tal visão confere à noção de
ção judaico-cristã, a visão da Anti- homem uma configuração de uni-
guidade grega como ser dotado de dade, assim concebida pela filoso-
“razão”, logos e phronesis, e o con- fia medieval. Uno na sua natureza,
tributo da ciência com incidência na manifesta-se numa multiplicidade de
evolução1. Essas correntes origina- expressões. A cultura do Renasci-
riam uma antropologia teológica, mento procurou dissociar o que o
uma antropologia filosófica e uma pensamento anterior havia harmoni-

Max Scheler, La Situation de l’Homme dans


1 2
Max Scheler, La Situation de l’Homme dans
le Monde, Paris, Aubier, 1951, pp. 19 e 20. le Monde, pp. 111, 112 e 113.
António Teixeira Fernandes 57

zado. R. Descartes, e já antes Platão, Karl-Otto Apel entende que “a situa-


está na base de uma profunda divi- ção do homem hoje é um problema
são no homem que se tem mantido ético para o homem”, interrogando--
durante toda a modernidade. A sua ‑se, todavia, se isso não aconteceu
conceção mecanicista da natureza em todos os tempos. Daí resultará
humana introduziu nela uma divisão “a necessidade de uma ética da res-
e uma conflitualidade que se vem ponsabilidade solidária tendo uma
conservando de forma mais ou menos força de obrigação intersubjetiva e
radical. empenhando toda a humanidade
Na aceção unitária do homem, ele quanto às consequências que podem
aparece essencialmente como um gerar as sociedades e os conflitos
mistério. A sua conversão em má- humanos”4. O problema reside na
quina faz dele, ao contrário, um ausência de uma conceção unitária
problema. Face ao antagonismo das do homem, unitária em termos de
ideias e das óticas a ele aplicadas, natureza, extensiva depois às mais
Max Scheler aparece como um dos diferentes culturas na riqueza da sua
primeiros filósofos contemporâneos a diversidade.
reconhecê-lo, afirmando que “nunca 3.  Converter o homem em problema
na história tal como a conhecemos, pode constituir um procedimento
foi o homem como hoje um problema conducente a uma tomada de cons-
para si mesmo”. O aparecimento de ciência a respeito de situações clamo-
uma antropologia científica, de uma rosas que reclamem soluções inadiá-
antropologia filosófica e de uma veis. No quotidiano, a existência
antropologia teológica, indiferentes processa-se no inter-relacionamento
umas às outras, impede que se tenha social em que a transparência do hu-
acerca dele “uma ideia que tenha mano coexiste com a sua ocultação.
unidade”3. Esse é o labirinto em que O existencialismo, como se exprime
se encontra o pensamento do homem em Gabriel Marcel, tem vindo a
quando centrado sobre si mesmo. salientar a unidade indissociável do
Ernst Cassirer abordou ulteriormente homem – “je suis mon corps” – valo-
esta problemática. rizando a sua dimensão espiritua-
Face à complexidade de que se reveste lista e defendendo a conceção de um
o mundo na contemporaneidade, “corpo-sujeito” como característica
de um ser ligado ao seu corpo. O mis-
3
Max Scheler, La Situation de l’Homme dans
le Monde, pp. 17 e 20; Ernst Cassirer, Essai 4
Karl-Otto Apel, Discussion et Responsabi-
sur l’Homme, Paris, Minuit, 1975. lité, Paris, Cerf, 1996, pp. 15 e 134.
58 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

tério que rodeia cada um tem a ver dade civil é o domínio da fragmen-
com o facto de se estar empenhado tação, com reflexos no interior do
em comum no mundo pela simples homem. A perda de sentido espiritual
razão de se existir e coexistir. A pes- do homem faz com que se difunda
soa é uma relação, e a liberdade é con- uma mentalidade acompanhada de
cebida como “uma conquista sempre práticas de hedonismo, centradas no
precária”, pois “a partir do momento cuidado do corpo. Além disso, haverá
em que a insignificância do indivíduo que contar com uma multiplicidade
é proclamada, a via está aberta a de aceções em razão da pluralidade
todas as tiranias, em particular, às de culturas. Em função dessa diver-
que se exercem hoje sob a capa de um sidade, se podem diferenciar, mesmo
vocabulário democrático”. O teólogo no interior de uma mesma comuni-
holandês E. Schillebeeckx, recupe- dade nacional, as formas como se
rando a perspetiva bíblica da alma entende e se trata o homem.
como maneira humana de ser cor- Procurando superar o dualismo carte-
poral, defende igualmente a unidade siano, agora no campo da literatura,
do homem, sustentando que o corpo Virgílio Ferreira, adotando uma visão
é humano na participação do mundo claramente existencialista, procura
espiritual da alma, e esta é humana promover “o homem à consciência
na comunhão com a corporalidade. de si, da sua dignidade”, que é a de
O homem é espírito na corporali- “um corpo que pode dizer ‘eu’”. Num
dade, e daí a necessidade de uma corpo em que se é, todo o milagre
permanente afirmação da dignidade acontece, porque “tudo se cumpre
humana. O problema estará em cons- num corpo. Aí moramos, aí somos”.
truir e defender a dignidade humana Exaltando o homem na sua unidade,
num mundo em vias de tecnicização e o escritor sublinha a sua dignidade de
de isolamento solipsista das pessoas. espírito, sustentando que “o espírito
Charles Taylor pensa que “o perigo trespassa tudo o que somos”. Em seu
não reside tanto num controle despó- entender, “a consciência é projeção
tico como na fragmentação, isto é, na de si e o corpo a possibilidade dessa
inaptidão cada vez maior das pessoas projeção: um corpo é a realização de
em formar um projeto comum e em um espírito”. Toda a grandeza e toda
coloca-lo em execução”5. A socie- a dignidade do homem se medem

Gabriel Marcel, La Dignité Humaine, Paris,


5
Paris, Cep, 1967, pp. 266-289; Charles
Aubier, 1964, pp. 68, 69, 117, 176, 183 e Taylor, Le Malaise de la Modernité, Paris,
197; E. Schillebeeckx, Le Monde et l’Église, Cerf, 1994, p. 118.
António Teixeira Fernandes 59

pelo espírito ou pela sua capacidade pessoa aparece como um absoluto,


de consciencialização. É o homem porque “neste mundo tudo é meio
que impõe a ordem ao mundo e, menos o homem”, sendo “na imagi-
por isso, “a vida está cheia do mila- nação individual que está o melhor da
gre vertiginoso”. É particularmente dignidade humana”. As pessoas com
sublinhada a “exigência feroz da quem se cruza no quotidiano do seu
nossa pobre miséria que não desiste tempo, no entanto, “estavam todas
de ser divina pelo que nos deuses muito bem vestidas de quem precisa
sonhamos de absoluta segurança”. salvar-se”. Nenhuma vida seria para
Compreende-se assim que a grande copiar. Almada Negreiros abre-se,
obsessão do homem seja a de “dar plena e continuamente, ao mistério
um sentido à vida” e que esta vida seja da vida, descobrindo nele um destino
“fascinante no seu milagre de ser”. para se salvar. E uma vez que “a única
O homem vive e pensa na “era da alegria é a vida”, “ela não é um cal-
pergunta, não da resposta”. A sacra- vário senão por ir errada”6. A alegria
lidade estará no que se suspeita de de viver consistiria na comunhão no
mistério nos homens e nas coisas. mistério do homem, em projeto de
Nesse sagrado, encontra o homem o realização, sendo o homem que se
excesso de si, sendo ele mesmo o seu cumpre um ser ao mesmo tempo pes-
excesso. Na vida e na sua realização, soal e universal. Kafka será o exis-
se esgota toda a energia humana, e “o tencialista que vive a experiência da
melhor da vida é o seu impossível”, alienação judaica, o existencialismo
porque “a verdadeira vida está sem- do banimento. A sua principal obses-
pre onde não a temos”. Afirma, em são é a da condição de estrangeiro,
Carta ao Futuro, que “o mistério e com permissão de estadia precária na
o seu alarme são o tecido de tudo”. existência e no ser. A humanização
Aliás, já algum tempo antes, Almada total do homem operar-se-á, ao con-
Negreiros advertia para o facto de trário, na realização plena da pessoa
que não vivem realmente o seu tempo no universal.
os que não se espantam de existir. Ele
mesmo se sentia como um “homem
que vive neste século espantado de 6
Virgílio Ferreira e Almada Negreiros, in
existir”, tendo-se como “aquele que António Teixeira Fernandes, Para uma
Sociologia da Cultura, Porto, Campo das
se espanta da própria personalidade”.
Letras, 1999, pp. 159-183 e 221-249, onde
O que caracteriza a vida, também aparecem citadas as diferentes obras de
para ele, será a procura e não o ambos os autores. Virgílio Ferreira, Carta
encontro. Na sociedade humana, a ao Futuro, Lisboa, Bertrand, 1985, p. 25.
60 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Os filósofos existencialistas viram exclusões, advoga-se a universali-


na convivência humana uma moda- dade, mas procedendo desse modo,
lidade do ser. Martin Heidegger tende-se a anular as particularidades.
chama-lhe o mitsein – o être avec dos Uma tal relação dialética não encon-
existencialistas franceses. De modo tra em si formas de saída. Grande
semelhante, Hannah Arendt, partin- teórico da modernidade e filósofo
do do pensamento de Santo Agos- anti-iluminista, Charles Taylor, aban-
tinho, sustenta que a cidade terrestre donando a atitude de desmascara-
é uma comunidade determinada por mento à maneira de Michel Foucault,
um estar com e por um estar para assume a questão como pesquisa da
outrem, não sendo uma mera coe- relação com a realidade que trans-
xistência, sendo a violência sempre cende o homem como sujeito7. Em
incapaz de estruturar tanto o poder A Secular Age, o filósofo canadiano
como as relações de convivência acaba por apresentar os grandes pro-
social. A antropologia parece querer blemas do nosso tempo, na esteira de
seguir esta mesma via. O estar com Hegel, isto é, como aquele que inter-
exprime uma relação mais mental e preta a sua época a partir de um ponto
espiritual do que física. Os lugares de vista privilegiado. A sua perspe-
de pertença não são necessariamente tiva é a de que, em cada tempo, cada
territórios de enraizamento. O espaço um é chamado a viver a vida voltado
em que se situam as pessoas pode ser para o transcendente. Nesse sentido,
sobretudo um espaço de emoções, apresenta uma história espiritual do
de sentimentos e de afetos, não coin- Ocidente desde 1500. Em oposição
cidindo a rede de relações sociais à genealogia neo-nietzschiana, pro-
com o lugar de domicílio. Pessoas cede a uma genealogia ascendente,
distintas no espaço podem formar considerando o homem como solici-
um mesmo estar com. Para Martin tado por algo que está no além do
Heidegger, “a nostalgia é a dor que aqui e agora, em que as pessoas se
nos causa a proximidade do distante”. encontram confrontadas com formas
Mas sucede, de modo paradoxal, que distintas de vida espiritual, e com
o estar com não pode tornar-se uni- diferentes formas de plenitude. A sua
versal sem perder o seu valor próprio,
repousando ele mesmo sobre exclu- 7
Charles Taylor, A Secular Age, Harvard
sões. Depara-se aqui com uma ques-
University Press, 2007. Confira-se ainda
tão bastante insolúvel na convivência de Charles Taylor, Sources of the Self. The
humana, envolvida ela mesma numa Making of Modern Identity, Cambridge,
relação dialética. Para resolver as MA, Harvard University Press, 1989.
António Teixeira Fernandes 61

posição não deixa de se aproximar, coisas mais profundas têm mesmo


de certo modo, da de Max Scheler um ódio à imagem e ao símile”. Os
acima referida. rituais de cortesia operam normal-
4. Na natureza humana, se tem mente como mecanismos de mútua
apoiado a visão da sua dignidade. proteção. Na transparência, se dilui o
O conceito, já esboçado na Antigui- mistério e, quando se dá essa diluição,
dade e formulado claramente por apenas restam, quase sempre, vazios
I. Kant, recebe uma consagração que se repelem mutuamente. Para
jurídica após a II Guerra Mundial, que as pessoas se sintam atraídas,
entrando desde então no ordena- é necessário que mantenham o en-
mento jurídico dos países democrá- canto recíproco. O desrespeito pelos
ticos. Importa considerar tal digni- direitos humanos na relação conjugal
dade como expressa, desde logo, nas resulta frequentemente da destruição
relações de reciprocidade social onde do que cada um contém de mistério
os direitos humanos são reconheci- e encanto. Segundo Georg Simmel,
dos ou negados. à volta de cada pessoa, existe “uma
4.1.  O caminho seguido, na presente esfera ideal de dimensões variáveis”
análise, será o que vai das relações que “não se pode penetrar sem des-
sociais de proximidade e afetividade truir o valor da personalidade que
às relações de cidadania e de cosmo- reside em todo o indivíduo”. A sua
politização. violação afeta o seu centro mais ín-
Nas sociedades contemporâneas, a timo e profundo. Consequentemente,
família aparece como um dos espa- “só podem ‘dar-se’ por inteiro aque-
ços onde se vêm cometendo os mais las pessoas que não ‘podem’ dar-se
clamorosos atentados aos direitos por inteiro porque a riqueza da sua
humanos. Uma tal être avec nem alma consiste numa renovação cons-
sempre salvaguarda o que há de mais tante, de modo que, depois de cada
profundo na vida humana, levando entrega, lhes nascem novos tesouros,
Richard Sennett a falar inclusive das porque têm um património espiritual
“tiranias da intimidade”. O misté- latente inesgotável e não podem reve-
rio humano exige algumas reservas, lá-lo ou oferecê-lo de uma só vez”.
muita discrição e não menos respeito. Acrescenta que “muitos matrimónios
Desde logo, nem o homem nem a perecem por esta falta de discrição
sociedade podem ser transparentes. mútua, no sentido do tomar como do
F. Nietzsche sustenta que “tudo o dar; caem num hábito banal e sem
que é profundo gosta da máscara; as encanto, em uma como que evidência
62 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

que já não deixa lugar a surpresas”8. na família é, em muitos casos, a con-


A transparência total, para além de sequência da reprodução de condutas
impossível, seria mesmo perigosa, conservadas pela memória coletiva e
pondo em causa a liberdade humana. convertidas em hábitos e padrões de
Não se pode ser livre e existir em tal conduta conjugal, em outros casos,
transparência, porque, sendo tudo pode resultar de uma recusa de uma
visível, seria ela destruidora do mais tal relação acionada pela identidade
interior do homem e do seu mistério. feminina que se afirma ao mesmo
A violência na vivência conjugal tempo que se mantém a identidade
atinge, desde logo, a parte mais fraca estatutária do homem, com a conse-
da relação, de ordinário, a mulher, quente tendência para a dominação.
mas nem sempre podendo ser tam- A redefinição da identidade feminina
bém o homem. Na contextualização esbarra frequentemente com a resis-
social da violência doméstica, haverá tência levantada pela identidade mas-
que atender, em especial, a alguns culina que se conserva. A pessoa do
fatores. Vivendo-se hoje em socieda- outro pode ser facilmente reificada e
des de indivíduos, o individualismo instrumentalizada, deixado o amor
possessivo tende a prevalecer sobre de ser uma dádiva e uma partilha. Os
o individualismo ético. A emergência projetos pessoais, no seu movimento
daquele individualismo conduz à individualístico, entram em trajetó-
busca da realização pessoal e à con- ria divergente. Em resultado dessa
centração na subjetividade, debili- e de outras mudanças, Ulrich Beck é
tando a capacidade de ouvir e de levado a afirmar que “a família – o
suportar os outros. Tal situação faz lugar e o refúgio da comunidade, da
despertar a vontade de autonomia e o proximidade, da intimidade e do ca-
aumento da liberdade. As pessoas são rinho precisamente na inospitalidade
permanentemente colocadas perante da modernidade – se converte num
múltiplas solicitações. E é não só a monstro”9. No agregado familiar, em
família que se torna incerta, mas a crise, ocorre grande parte da violên-
própria sociedade. Acresce ainda que cia sobre os seres humanos mais fra-
se tem vindo a assistir a um aumento gilizados, como é o caso das mulhe-
da reflexividade social. Se a violência res, tornando-se objeto de agressão

Frederico Nietzsche, Para Além do Bem e


8 9
Ulrich Beck, “Teoria de la Modernización
do Mal, Lisboa, Guimarães Editores, 1982, reflexiva”, in Las Consecuencias perversas
p. 50; Georg Simmel, Sociologia, 1, Madrid, de la Modernidad, Barcelona, Anthropos,
Alianza Editorial, 1986, pp. 369-378. 1996, p. 225.
António Teixeira Fernandes 63

e de maus-tratos, apresentando, de este autor, existe todavia, desde o


ordinário, uma dimensão passional. seio materno, um processo de socia-
4.2. Mas não menos fragilizados se lização dos indivíduos, uma “sociali-
encontram as crianças e os idosos. zação por antecipação”, tornando esse
As crianças são desde logo atingidas potencial já aí participante dos direi-
quando são mantidas fora do projeto tos humanos dos pais, posicionando-
de realização pessoal dos cônjuges, ‑se assim contra o eugenismo liberal.
privando-as da própria possibilidade Também Ronald Dworkin sustenta
de nascerem. Não são apenas as que “é suficientemente importante
taxas de natalidade que vêm, por todo que qualquer vida humana, uma vez
o lado, descendo, são sobretudo vidas iniciada, possa vingar e não se extin-
que foram geradas que são impedidas guir, que o potencial dessa vida se
de conhecerem a luz do mundo. Na realize, e que não se desperdice”10.
Coreia do Sul, há um cemitério de A muitos seres humanos, uma vez
fetos com cruzes brancas perten- gerados, é negado o que se considera
centes aos que “não nasceram”. Se o direito natural de nascer, constituí-
cada vida que surge é sempre uma do em fundamental direito humano.
esperança que se abre, fazer nascer
Uma vez inseridas na rede de rela-
outras pessoas é povoar de esperança
ções sociais, as crianças tornam-se
a sociedade. A recusa da vida é desu-
sujeitos de direitos num Estado de
mana quando alimentada por egoís-
direito democrático. Os seres huma-
mos. Liquidando-se aquelas esperan-
nos têm direito a serem respeitados
ças, hipoteca-se claramente o futuro
como pessoas, seres de relação, com
da sociedade.
a dignidade que resulta da sua própria
Existe uma diferença e uma seme-
lhança entre um embrião e um re- natureza. Se as crianças são a parte
cém-nascido. Um embrião, no enten- mais frágil da família, deve concitar-
der de Francis Fukuyama, “é detentor ‑se nelas uma maior afetividade. O que
do potencial para se tornar um ser se verifica é que sobre elas se faz
humano completo”, diferindo do sentir a maior violência no lar, sem
recém-nascido “apenas no grau de
realização do seu potencial natural”. 10
Francis Fukuyama, O Nosso Futuro Pós--
J. Habermas sublinha igualmente ‑Humano, Lisboa, Quetzal, 2002, p. 267;
Jürgen Habermas, L’Avenir de la Nature
essa potencialidade, reconhecendo
Humaine, Paris, Gallimard, 2003; Ronald
embora que somente os seres huma- Dworkin, Sovereign Virtue: The Theory and
nos existentes no relacionamento Pratice of Equality, Cambridge, MA, Har-
social são sujeitos de direitos. Para vard University Press, 2000, p. 448.
64 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

esquecer a violação e o abuso sexual passam frequentemente a ter a sensa-


de menores, a forma mais execrável ção de serem lançados em depósitos,
de violação dos seus direitos funda- onde ficam privados do exercício da
mentais. A vida agitada das socie- cidadania e dos consequentes direi-
dades vem revelando a incapacidade tos fundamentais. O número cres-
de se cultivar o amor e a ternura em cente dos que vivem sozinhos não
relação aos mais carenciados. E não será menos preocupante, uma vez
se pense que os maus-tratos em rela- enterrados numa profunda solidão.
ção às crianças, em termos de violên- Se a sociedade que nega espaço de
cia física e moral ou de abandono, se vida à criança atenta contra o seu
dão apenas em camadas inferiores da futuro, a que expulsa os idosos do
sociedade. Nas camadas superiores, seu meio ou abandona os doentes
além de se rodearem de maior subti- nos hospitais carece de humanidade.
leza, apenas não conhecem a publi- Estes encontram-se também carentes
cidade dos meios populares. As crian- de afetividade, mas é necessário que,
ças necessitam de ser rodeadas de em primeiro lugar, se cumpram as
afeto para que as suas personali- exigências da justiça, assegurando--
dades se desenvolvam em equilíbrio ‑se-lhes os direitos fundamentais.
e em confiança. A violência exercida A uma política da “piedade” ou da
sobre as crianças é particularmente “compaixão” se deve decididamente
reprovável dada a sua situação de opor uma política da justiça. São cha-
dependência e em razão das marcas mados constantemente a reinventar
que poderão ficar para toda a sua a sua vida, sentindo que não são
vida futura. objeto do olhar indiferente, conver-
A violência que atinge a vida domés- tendo um destino em projeto e adqui-
tica não deixa de lado sequer a pes- rindo a consciência de que não per-
soa dos idosos, dos deficientes e dos deram sentido nem para si nem para
doentes. Numa sociedade que presta os outros.
culto à juventude e desenvolve a cul- As sociedades, que têm vindo a mos-
tura do corpo, abandona os corpos trar uma crescente sensibilidade em
debilitados. Frequentemente maltra- relação à dignidade humana e aos
tados, são ainda relegados para as seus direitos, apresentam igualmente
margens da sociedade, abandonados um défice enorme no que concerne
à sua sorte ou empurrados contra a o respeito que é devido à pessoa de
sua vontade para lares, por vezes, cada um. A violência na família
sem as condições e os cuidados indis- aparece mais visível, porque a famí-
pensáveis à dignidade humana. Eles lia também se tornou incerta, numa
António Teixeira Fernandes 65

sociedade que se vem mostrando mediante a genética. Mas Francis


ela mesma mais incerta. O futuro da Fukuyama entende que “não temos
humanidade e do respeito pelos direi- de nos considerar escravos de qual-
tos humanos depende, na sua medida quer progresso tecnológico inevitá-
própria, da forma como as sociedades vel, quando essa tecnologia não está
forem modelando a personalidade ao serviço da humanidade. A verda-
das pessoas no ambiente familiar. Aí deira liberdade está no direito que
se encontra uma das grandes amea- assiste às comunidades políticas de
ças ao futuro dos direitos humanos. criar instituições que protejam os
Não existem, na verdade, atentados valores que lhes são mais caros e é
aos direitos humanos, em especial essa liberdade que temos de exercer
neste domínio, que não tragam igno- no que respeita à revolução tecnoló-
mínia para todos. gica dos nossos tempos”11. O homem
4.3. Alguns fatores ameaçam, em não pode ser um ser programado por
particular, a dignidade humana, supri- outrem. O carácter único da pessoa
mindo ou limitando a liberdade, tida torna revoltante a produção de cópias
por I. Kant como o direito humano conformes a um original, qualquer
mais essencial. que seja o processo utilizado. A diver-
Um dos atentados aos direitos hu- sidade é uma maneira de garantir o
manos consiste na vontade de pro- possível, sendo também uma espécie
gramação da vida das pessoas, me- de seguro do futuro. A tecnologia
diante a engenharia genética. Mas a deve estar ao serviço da humanidade
liberdade de escolha dos filhos com e não da sua escravidão. Haverá pois
as características que se pretendem, que distinguir entre os avanços tecno-
quer por parte dos pais quer por lógicos que são benéficos para o
parte sobretudo dos Estados, cons- desenvolvimento humano, libertando
titui uma área de conflitualidade os homens de seculares opressões, e
com a dignidade humana e com os os que constituem uma ameaça para
direitos humanos. Uma tal escolha, a sua dignidade e liberdade. A atual
para além da negação da liberdade era da eugenia corre o risco de arrastar
fundamental do ser humano de não consigo a modernização da barbárie
ser programado com alteração da sua e uma certa banalização do mal. A ge-
constituição biológica, pode conduzir nética intervém diretamente na subje-
a um mundo desumanizado. A tecno-
logia possui a capacidade de revolu-
cionar o mundo, inclusive de transfor- 11
Francis Fukuyama, O Nosso Futuro Pós--
mar a constituição da vida humana, ‑Humano, p. 326.
66 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

tividade humana, desenhando a base car para debelar o mal. Isso seria
material de vidas futuras. cometer um enorme atentado contra
Uma outra situação perversa tem a os direitos fundamentais do homem.
ver com a conversão das sociedades 4.4.  O homem vive, cada vez mais,
em autêntico Big Brother. Quase não numa civilização de altos riscos e no
existem hoje, na vida social, espaços meio de uma natureza desvirtuada.
de privacidade. As pessoas são cons- Nesta selva, o “progresso” aparece
tantemente vigiadas, com gravação rodeado de enormes perigos. A catás-
de imagem e de som, no seu deam- trofe de Chernobil e as ameaças que
bular nas movimentadas ruas das se lhe seguiram tornam presente o
cidades e no interior dos estabeleci- contínuo risco de contaminação
mentos, como lojas, cafés e restau- atómica. A dinâmica do capitalismo
rantes. Tornou-se possível seguir, ao conduz a catástrofes ecológicas.
pormenor, os passos de cada um. A “consciência verde” vem chamando
Quem vigia controla, e quem controla a atenção para a radiação nuclear, os
destrói a liberdade do outro. As socie- lixos radioativos, a desflorestação, o
dades disciplinares, analisadas por desenvolvimento da genética agrícola
Michel Foucault, que funcionavam e a criação de alimentos transgénicos,
por encarceramento, são substituídas as emissões de dióxido de carbono, os
por sociedades de controlo contínuo e buracos de ozono e o efeito de estufa,
de comunicação instantânea. o aquecimento global, a poluição quí-
Vai crescendo igualmente entre mica e as chuvas ácidas. A “irrespon-
alguns segmentos da população o sabilidade como sistema”, de que fala
medo de que esse controlo possa ir Ulrich Beck, faz com que os desafios
mais longe, instalando-se chips no da era nuclear, química e genética
corpo dos indivíduos. Uma vaga de sejam ilimitáveis espacial, temporal
roubos de crianças em Inglaterra e ou socialmente.
em países da Europa continental des- Destruindo-se o meio ambiente do
pertou a vontade, tempos atrás, em homem, em causa se põem as condi-
algumas populações, de que se pro- ções da vida humana. Uma consciên-
cedesse desse modo em relação aos cia ecológica envolve, cada vez mais,
filhos. As autoridades não seguiram os direitos humanos. A consideração
tal via na resolução do problema. do homem como ser moral conduz à
A incivilidade e a criminalidade, em reivindicação dos direitos civis, polí-
desespero de causa, podem despertar ticos, sociais e culturais. Mas porque
de novo esse desejo no seio das popu- ele é igualmente um ser vivo, isso
lações, levando à tentação de os apli- impõe a proteção do meio natural.
António Teixeira Fernandes 67

A natureza deve ser protegida pelo da natureza, natureza socializada,


homem assim como contra o homem exprime a necessidade do homem
que a polui. O direito a um meio am- oprimido por um mundo artificial a
biente saudável é também um direito encontrar um lugar de refúgio. A de-
do meio ambiente sobre o homem fesa do ecossistema e da biodiversi-
assumido por este. Os direitos huma- dade torna-se uma dimensão da vida
nos podem ser fundados na natureza humana, envolvendo direitos huma-
como ser moral, mas ainda como ser nos. Não quer dizer que a natureza
vivo, na medida em que a qualidade seja um sujeito de direitos. O homem
de vida e o meio natural aparecem assume-os como seus, na medida da
como necessidades humanas, sendo sua indispensabilidade a uma exis-
desde sempre a fonte das suas especu- tência digna e com qualidade.
lações e das suas emoções estéticas, Além dos direitos humanos, em sen-
além da sua existência. Sendo o ho- tido próprio, há ainda, de facto, os
mem um ser que “habita como poeta”, direitos dos animais (nascidos da
na expressão de Hölderlin, Gaston experiência estética e afetiva com
Bachelard, considerando as “imagens eles) que oferecem uma sociabilidade
do espaço feliz”, como a casa, afirma fora do mundo social. A moral ecoló-
que “ele concentra ser nos limites que gica (como revolta contra a sociedade
protegem”. Dado que “todo o espaço industrial do inerte) busca um compa-
verdadeiramente habitado transporta nheirismo com o vivente. Este resulta
a essência da noção de casa”, esta, da ameaça de catástrofes que põem
mais do que a paisagem, é “um estado em causa a sobrevivência biológica
de alma”. Martin Heidegger apre- do homem, fazendo despertar a ética
senta a habitação como “sendo o ser da responsabilidade com carácter de
do homem”, como o “traço funda- moral universal. Expressões da moral
mental da condição humana”. Se, do sentimento, as solidariedades com
para Protágoras, o homem é a medida os seres vivos e a natureza, não
de todas as coisas, Martin Heidegger entrando embora no âmbito estrito da
entende que ele é “aquele ente que racionalidade dos direitos humanos,
dá a medida e estende a bitola a todo vêm assumindo esse mesmo estatuto.
o ente”12. O sentimento romântico A deslocação da razão para o indiví-
duo faz com que a subjetividade surja
12
Gaston Bachelard, La Poétique de l’Espace,
Paris, PUF, 1981, pp. 17, 19, 24 e 77; Martin 193; Martin Heidegger, Caminhos de Flo-
Heidegger, Essais et Conférences, Paris, resta, Lisboa, Fundação Calouste Gulben-
Gallimard, 1980, pp. 125, 174, 175, 176 e kian, 2002, p. 117.
68 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

como uma característica da cultura, ção entre liberdades e capacidades


e o modelo do indivíduo democrático produz situações de vulnerabilidade.
produza a metamorfose da domi- A expansão da força vinculante dos
nação, mudança que acompanha as direitos civis para os direitos sociais
sociedades de hoje. continua sempre como um processo
4.5.  Nem sequer os diversos direitos inacabado, como esfera em perma-
que compõem mais de perto a cida- nente desenvolvimento. Os direitos
dania moderna vêm sendo garantidos civis, esses são compatíveis com as
de igual forma pelos Estados. Os di- desigualdades sociais. O trabalho ga-
reitos civis, os primeiros a ser reco- rantido para todos deveria formar um
nhecidos, adquiriram no pensamento pacto social contra a pobreza. Ulrich
liberal, um carácter meramente for- Beck interroga-se: “quanta pobreza
mal, dada a conflitualidade entre pode suportar a democracia?”13.
a lógica dos direitos da pessoa e a A questão não estará na medida dessa
lógica dos direitos de propriedade. quantidade suportável. O rosto da
Os direitos civis e sociais fundam‑se, democracia é desfigurado pela exis-
por sua vez, em princípios e bases tência tanto de milhões de pobres
diferentes, podendo existir entre eles como de meia dúzia ou de um só.
tensão, sendo entre si por vezes Tem-se vindo a praticar a caridade em
antagónicos. Se os direitos civis e relação aos pobres, mas não se fazem
políticos foram consolidados pelo valer os direitos do homem pobre em
liberalismo e pelo reformismo, os relação à sociedade. A beneficência
direitos sociais afirmaram-se no pública é um dever de justiça. Onde
Estado-providência, como extensão existem homens sem subsistência, há
dos direitos políticos. Estes consis- uma violação dos direitos humanos.
tem em liberdades, aqueles tradu- Verifica-se que os ricos vêm crescer
zem-se em poderes. Os sociais apre- a sua riqueza, enquanto a pobreza e
sentam-se como mais vulneráveis a miséria se acentuam nas camadas
especialmente em épocas de crise mais baixas da população. Bertrand
económico-financeira. Se os direitos Russel afirma que “já lá vai o tempo
civis são direitos contra o Estado, os em que uma pequena minoria pode-
direitos sociais são reivindicações ria viver feliz à custa da miséria das
de benefícios que devem ser satisfei- grandes massas. Já ninguém se sujeita
tos pelo poder político. Os direitos a uma situação dessas, e temos de
sociais vêm sendo reduzidos recen-
temente, atingindo os direitos capa- 13
Ulrich Beck, Qué es la Globalización?,
citantes dos cidadãos. A falta de rela- Barcelona, Paidós, 1998, p. 209.
António Teixeira Fernandes 69

aprender a aceitar a ideia de que o é depois utilizado para diferenciar os


nosso vizinho também tem direito a membros de uma comunidade polí-
ser feliz, se nós próprios queremos tica e para avaliar os direitos de que
ser felizes (…). Às vezes tenho visões podem usufruir. O Estado moderno
de um mundo de seres humanos feli- fez desenvolver uma nova cidadania,
zes, cheios de vivacidade, inteligen- mas encerra-a em fronteiras físicas e
tes, onde não há opressores nem opri- ideológicas. À cidadania formal, além
midos (…) Esse mundo pode existir, disso, não corresponde sempre uma
se os homens quiserem”14. Quando cidadania substantiva. As socieda-
tende a prevalecer a sociedade do des democráticas, pluriculturais, con-
consumo generalizado, o flagelo da frontam-se ainda com problemas rela-
fome é um crime contra a humani- cionados com os direitos culturais.
dade. Os desperdícios, neste tipo de Charles Taylor, em Multiculturalism,
sociedade, seriam bastantes para a salienta a importância do reconhe-
saciar em toda a parte. A perda do cimento e da identidade, na medida
trabalho arrasta consigo uma perda em que a democracia inaugura uma
de dignidade. A democracia tem que política de reconhecimento iguali-
erradicar as formas de pobreza e de tário. A proteção destes direitos exige
exclusão, permitindo que cada um a eliminação de toda a discriminação
possa viver com dignidade na sufi- cultural e religiosa, com a cedência
ciência de bens. A própria corrupção do ethos ao demos. A liberdade
que vem campeando é um atentado desenvolve-se na multiplicidade de
aos direitos humanos. pequenas pertenças e solidariedades,
Os direitos, em princípio universais, que impedem o indivíduo de ser
não se aplicam, na prática, a todos os absorvido pela sociedade. Pela auto-
membros de uma mesma sociedade. nomia reclamada da política, procura-
A busca de uma ética universal es- ‑se não raro abusar do uso hipócrita
barra, no mundo moderno, desde da legalidade para cobrir ou encobrir
logo, com algumas aporias. A ideia a exploração económica e social.
de validade intersubjetiva é condi- 5. A cultura dos direitos humanos
cionada pela ciência e sobretudo pelo não se encontra igualmente difun-
cientismo, que exige uma objetivi- dida em todo o espaço social. Pro-
dade isenta de toda a norma ou de curou-se mostrar algumas das áreas
todo o valor. O conceito de cidadania onde eles, na atualidade, tendem a
ser crescentemente denegados. A sua
14
Bertrand Russel, A Minha Concepção do extensão na vida social reconfigura
Mundo, Porto, Brasília Editora, 1970, p. 179. as modalidades de vivência da cida-
70 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

dania e define a qualidade democrá- défice de conhecimento dos direitos


tica. A cidadania, hoje proclamada, humanos. E porque o homem é um
nem sempre está de harmonia com a ser de relação, há projetos de vida
garantia dos direitos humanos. que somente podem ser efetivados na
Os direitos humanos correspondem interação social. O indivíduo torna-se
ao conceito moderno de direitos humano na universalidade da cida-
subjetivos reclamáveis, protegidos dania. É-se humano na cidade, sendo
quando se tornam direitos positivos, aí que o homem se torna sujeito de
consagrados no ordenamento jurí- direitos subjetivos, ao participar no
dico de cada Estado. Nesta base, se que J. Habermas chama o mundo
tem distinguido entre direitos huma- vivido intersubjetivamente partilhado.
nos e direitos de cidadania. Os pri- A autonomia moral da pessoa tem
meiros são direitos naturais com de ser elevada ao estatuto de bem
pretensão à universalidade, enquanto supremo. Para I. Kant, a “autonomia
os segundos resultam da pertença a é pois o fundamento da dignidade da
uma concreta comunidade política. natureza humana e de toda a natu-
Os direitos humanos adquirem o seu reza racional”15. O nexo interno entre
carácter imperativo mediante a cida- a dignidade humana e os direitos
dania. humanos constitui a força capaz de
Por todo o lado, o Estado vem dei- produzir uma ordem jurídica mais
xando de ser programado e posto ao justa. A linguagem dos direitos hu-
serviço dos cidadãos, tornando me- manos tornou-se o único meio parti-
nos atendíveis os direitos subjetivos lhado e inteligível para se falar sobre
dos indivíduos. Os direitos humanos os supremos bens humanos.
consagram a efetiva participação das É certo que nem todos os meios
pessoas na formação e no exercício sociais e nem todas as culturas são
do poder político. A cidadania deve igualmente sensíveis a tais direitos,
assegurar tanto a autonomia cívica tudo dependendo da pluralidade dos
como a autonomia privada dos indi- contextos sociais e dos reportórios de
víduos. A perceção que se tem da hábitos. O fundamento dos direitos
sociedade portuguesa é, no entanto, a humanos na natureza humana será
de que tende a predominar uma con- bastante frágil, devido ao seu carácter
ceção passiva da cidadania, pouco relativo, em razão dos tempos, dos
voltada para a reivindicação dos lugares e dos regimes políticos, po-
direitos e para o cumprimento dos
deveres. A ausência de uma cultura I. Kant, Fundamentação da Metafísica dos
15

da cidadania ativa torna patente um Costumes, Lisboa, Edições 70, 1992, p. 79.
António Teixeira Fernandes 71

dendo, nesses casos, ser indispen- próprio homem que está em causa,
sável promover a garantia de tais mais como mistério do que como
direitos para assegurar a dignidade problema. À volta do mistério, se
daquela natureza. A cultura destes desenvolve a ideia do indivíduo autó-
direitos não se encontra sequer sufi- nomo e responsável. A responsabili-
cientemente disseminada na mentali- dade pessoal é central na conceção
dade geral europeia. Haverá que ven- humanista da vida, mas o conceito de
cer depois inércias, sendo o homem responsabilidade encontra-se já con-
essencialmente, como o definem tido no do direito. Se o homem é uma
Dostoïevski e Schopenhauer, um ser contínua construção, será de esperar
que se habitua a tudo. A cultura dos que, à medida desse crescimento, se
direitos humanos esbarra com essas afirmem novos direitos. Só que na
inércias. Liberdades e direitos estão situação atual, que Ulrich Beck
ainda sujeitos ao poder discricionário chama “irresponsabilidade organi-
da política. O enfraquecimento das li- zada”, deverá estar-se bem atento aos
berdades fundamentais entra mesmo atentados aos direitos reconhecidos
em contradição com a ideia de uma como àqueles que despertaram nos
Europa como espaço de cultura e diversos meios sociais.
de liberdade. Uma democracia deli- Os direitos estabelecidos são conti-
berativa implica uma comunidade nuamente ameaçados e os direitos
de cidadãos ativos que participam emergentes são sufocados no seu
na definição e na realização do bem desenvolvimento. A retração finan-
comum. Mas a sociedade encontra- ceira e a imigração dificultam a ex-
se também em contínua mudança, tensão do seu exercício, e os direitos
em simultâneo com uma crescente emergentes não encontram espaço
humanização do homem. Porque a de expressão. Mas, “onde quer que o
inquietude é uma atitude perante a perigo cresça, cresce também o que
vida e a realidade pessoal de cada salva” diz Hölderlin. A proximidade
um, os direitos humanos não podem do perigo conduz mais claramente
ser definidos uma vez por todas. para o que o supera, aumentando a
O homem é um composto de finito reflexividade pessoal e social. Tal é
e de infinito, de necessidade e de o apelo do homem que aspira à sua
liberdade. Sem a salvaguarda do mis- plena realização. Os direitos huma-
tério do homem e da vida, não serão nos devem evoluir no sentido de um
possíveis nem a emergência de novos padrão universal, ultrapassando o
direitos humanos nem a proteção dos âmbito da cidadania ligada à nacio-
já consolidados na vida social. É o nalidade. O recuo do Estado social,
72 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

com o recuo dos direitos sociais, e no seu exercício pleno, já que a exi-
a difícil integração dos estrangeiros gência de respeito pelos direitos hu-
têm contribuído para avivar o debate manos encontra hoje mais audiência,
sobre os direitos humanos dos cida- sinal de um fortalecimento da cons-
dãos. Que a ocasião sirva para criar ciência humana e de compaixão de
uma verdadeira cultura da cidadania, uns pelos outros.
Direitos humanos e direitos das crianças 1
Armando Leandro

Leandro, A. (2015), Direitos humanos e direitos das crianças. Boletim do


Núcleo Cultural da Horta, 24: 73-83.

Sumário: Os direitos humanos são entendidos como fonte, fundamento e inspiração essen-
ciais a conceções e intervenções de qualidade no quadro de uma sociedade democrática, sendo
que os direitos das crianças surgem como um dos domínios mais paradigmáticos do potencial
impacte significativo daqueles direitos. O reconhecimento ético, cultural, científico, social e
jurídico dos direitos das crianças é uma aquisição civilizacional decisiva, cuja concretização
envolve a ação de múltiplos agentes sociais e de atores específicos. Trata-se de um caminho
de renovado humanismo capaz de fazer valer o direito à esperança.

Leandro, A. (2015), Human rights and children’s rights. Boletim do Núcleo


Cultural da Horta, 24: 73-83.

Summary: Human rights are understood as the source, foundation and essential inspiration
to conceptions and interventions with quality in the context of a democratic society, and the
rights of children emerge as one of the most characteristic areas of potential significant impact
of those rights. The ethical, cultural, scientific, social and legal recognition of children’s rights
is a critical civilizational acquisition, whose implementation involves the action of multiple
social actors and specific actors. This is the path of a renewed humanism able to enforce the
right to hope.

Armando Leandro – Juiz Conselheiro Jubilado do Supremo Tribunal de Justiça.

Palvras-chave: direitos humanos, direitos das crianças, comunidade local, dignidade, esperança.

Key-words: human rights, children’s rights, local community, dignity, hope.

No termo «criança» incluímos, conforme o art. 1.º da Convenção da ONU sobre os Direitos
1

da Criança, todo o ser humano com menos de 18 anos, abrangendo assim também os usual-
mente designados como jovens.
74 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

1.  É com imenso gosto e sentimento que nos cabe viver – uma democra-
de privilégio que correspondo ao cia que, além de representativa, seja
honroso convite, que muito agradeço, participativa e cognitiva, e tenha pro-
para colaborar com o admirado fundas raízes éticas e humanistas.
Núcleo Cultural da Horta, escrevendo E julgo que assim é porque são
um singelo texto para o seu presti- características dos Direitos humanos,
giado Boletim. nomeadamente:
Entre as várias determinantes deste
sentimento, saliento: o muito apreço – Têm como fundamento essencial a
pelas pessoas que dirigiram o convite indiscutível e inviolável dignidade
ou estiveram na origem da formu- de toda a pessoa;
lação amável e generosa do desafio; – São seus atributos a universalida-
o afeto e a admiração que tenho pelas de, a indivisibilidade e a interde-
maravilhosas «Ilhas de Bruma» e pendência e correlação de todos
suas extraordinárias Gentes; o tema esses Direitos Humanos;
escolhido pelo Núcleo para o seu – A sua interiorização é a melhor
Boletim e a qualidade da vertente cul- via para a assunção dos correspon-
tural e cívica com que o perspetiva. dentes deveres e responsabilidades,
ancorados num autêntico sentido
2.  Ao falarmos de Direitos Humanos, do Outro;
incluímos não só a sua dimensão – Têm um caráter não estático mas
jusnaturalista-universalista, mas tam- dinâmico e de progressiva afirma-
bém a sua acepção de Direitos Fun- ção e descoberta, pelo contínuo estí-
damentais, que são os Direitos mulo da interiorização dos Direitos
Humanos jurídico-institucionalmente Humanos a atuações visando a sua
garantidos. efetiva concretização nas reais situa-
Penso ser positivo abordarmos as ções humanas, diversificadas e
questões cruciais da nossa época com frequentes novas cambiantes;
– que tanto interpelam e podem rea- – Implicam a obrigatoriedade da ga-
lizar ou afetar as pessoas – à luz dos rantia às pessoas do seu gozo em
Direitos Humanos, no seu enqua- pleno, sem discriminações.
dramento atual, por me parecer que
esses Direitos são fonte, fundamento Vou centrar-me preferencialmente nos
e inspiração essenciais a conceções e direitos das crianças como Direitos
a intervenções de qualidade no quadro Humanos porque se me afigura um
de uma democracia à altura das vir- dos domínios mais paradigmáticos do
tualidades e dificuldades deste tempo potencial impacte significativo da con-
Armando Leandro 75

ceção, dos fundamentos e do reco- ção da ONU sobre os Direitos das


nhecimento atuais destes Direitos na Crianças de 1989 – tornada direito
promoção da qualidade da vida indi- interno após a sua ratificação pelos
vidual, familiar e coletiva. Estados, tal como sucede com os
Hoje, constitui efetivamente aquisi- três posteriores importantes Protoco-
ção segura, fundamentada na ciência, los Facultativos 2 – corporizou uma
numa perspetiva transdisciplinar, e aquisição civilizacional relevantíssi-
na experiência, de que a qualidade da ma, a nível mundial.
infância, radicada na concreta efeti- Essa aquisição – antecipada ou desen-
vação dos seus Direitos Humanos, é volvida em instrumentos jurídicos,
fortíssimo pressuposto da qualidade uns nacionais ao nível da Constituição
humana; e que esta é, por sua vez, e da legislação comum, e outros inter-
essencial ao desenvolvimento de qua- nacionais, nomeadamente no âmbito
lidade em qualquer dos seus níveis, do Conselho da Europa e da União
nomeadamente ético, cultural, cívico, Europeia – deriva do reconhecimento
científico, politico, comunitário, am-
dos direitos da criança como Direitos
biental e económico. Daí que se re-
Humanos, não só nos âmbitos ético,
vista de interesse público dominante
cultural, científico e social mas tam-
tudo o que respeita ao reconhecimen-
bém já no domínio jurídico, ao nível
to, à interiorização e à concretização
internacional e nacional.
dos Direitos Humanos de todas as
Este inovador reconhecimento im-
crianças, na consideração do princípio
do superior interesse de cada uma. plicou a mais-valia do Direito numa
Terei como especial referência o sis- sociedade democrática, pela sua impe-
tema português de promoção e pro- ratividade relativamente ao próprio
teção dos direitos da criança.
2
Protocolos facultativos à CDC relativos:
3. Depois das valiosas Declarações à participação de crianças em conflitos
armados, aprovado em 25 de maio de 2000
dos Direitos Humanos da Criança
e com início da entrada vigor na ordem
pela Sociedade das Nações, em 1924, jurídica portuguesa em 16 de junho de 2003;
e da ONU, em 1959, e das disposi- à venda de crianças, prostituição infantil e
ções, relativas à infância, da Declara- pornografia infantil, também com aquelas
ção Universal dos Direitos Humanos, datas de aprovação e entrada em vigor na
ordem jurídica portuguesa; à instituição de
de 1948, e dos Pactos Internacionais
um procedimento de comunicação, apro-
relativos aos Direitos Civis e Políticos vado em 28 de fevereiro de 2012 e início da
e aos Direitos Económicos, Sociais e vigência na ordem jurídica portuguesa em
Culturais, ambos de 1966, a Conven- 14 de abril de 2013.
76 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Estado, à sociedade e aos cidadãos, comunicação, no sentido defendido


e pelo seu dever e apetência para por Habermas, a ética da responsabi-
incorporar na Lei e fazer valer na sua lidade contemporânea, a ética de ser-
aplicação os valores e os princípios viço, que suplante a lógica unilateral
que essa sociedade escolhe para uma do poder, as éticas da transdisciplina-
vida justa, progressiva e tanto quanto ridade e da interinstitucionalidade, e a
possível feliz. ética do cuidado com o Outro, nomea-
A partir de então, tornou-se inequí- damente o mais frágil e vulnerável.
voco o reconhecimento, também já Também, coerentemente, poderá con-
no domínio jurídico, de que a criança, tribuir para a densificação e concreti-
ser humano completo, embora em de- zação de exigentes deontologias.
senvolvimento, é, indiscutivelmente,
um Sujeito autónomo de Direito, 4.  O Sistema Português de Promoção
titular de direitos iguais, do ponto de e Proteção dos Direitos da Criança,
vista do seu gozo (embora ainda não concebido em adequada harmonia
do seu completo exercício), aos de com a referida aquisição civilizacional
qualquer outro cidadão; e de outros do reconhecimento da criança como
direitos próprios derivados das carac- Sujeito de Direito, caracteriza-se por
terísticas e necessidades específicas específicos valores, princípios, mis-
do seu desenvolvimento. são e visão, determinantes de conse-
A esse reconhecimento ao nível do quentes políticas, estratégias, respon-
Direito parece-nos aliar-se o implí- sabilidades e ações.
cito reforço das componentes éticas
do fundamento dos Direitos Humanos 4.1. Os valores são os Direitos Hu-
em geral e especificamente da criança. manos da criança, de que, no contexto,
Desde logo, fundando-se esses direi- destacamos apenas, entre vários:
tos na inquestionável e reconhecida
dignidade de toda a pessoa, poderá – O direito ao seu desenvolvimento
talvez reclamar-se e promover-se a integral, do ponto de vista físico, psi-
interiorização de uma ética mínima cológico, afetivo, espiritual, ético,
comum, acolhida por todos os que se cultural, educacional e social, tendo
reclamam do humanismo e da demo- em vista a aquisição de um apro-
cracia. priado sentido crítico e a corres-
Simultaneamente, pode constituir va- pondente capacidade de atuação,
lioso estímulo para a interiorização e que lhe proporcione a sua autono-
aperfeiçoamento de outras relevantes mia positiva e realizadora, ao nível
éticas, entre elas a ética da discussão/ pessoal, familiar e comunitário;
Armando Leandro 77

– O direito a uma família onde seja – O direito à educação/instrução/


integrado, amado, protegido, respei- habilitação profissional, no sen-
tado e promovido como filho; de tido de uma educação para todos
preferência a família biológica, se e para cada um, no respeito pelas
ao sangue corresponder o amor e o diferenças; direito este que, no cir-
sentido, a capacidade e a responsa- cunstancialismo do nosso tempo, é
bilidade parental; quando assim não fundamental à prevenção/reparação
suceda e não seja recuperável em de um verdadeiro estado potencial
tempo razoavelmente útil, apesar de pobreza, quando considerada na
de todos os esforços (que são dever sua multidimensionalidade;
irrenunciável da família, do Estado, – O direito à palavra e à partici-
da sociedade e das comunidades), pação, em grau correspondente ao
esse seu direito fundamental pode seu estádio de desenvolvimento,
e deve, sempre que possível, ser relativamente a todos os assuntos
realizado no seio de uma família e decisões que lhe digam respeito;
adotiva, já que a experiência e a direito que merece, compreensi-
investigação demonstram que o velmente, inovador realce na Con-
amor parental e filial e a capaci- venção da ONU sobre os Direitos
dade e responsabilidade parentais da Criança, tão importante é na
são bastantes para construir uma construção da identidade da criança
autêntica relação de parentalidade como Sujeito que é do seu destino;
e filiação; – O direito à interiorização de va-
– O direito a uma parentalidade lores, regras, limites e sentido
positiva, de preferência no seio da do Outro; e o direito à educação
família biológica ou adotiva; quan- para a tolerância, para a paz,
do não viável, é indispensável pro- para o civismo e para a solidarie-
curar a sua realização recorrendo a dade; direitos, é bom acentuar, de
instrumentos jurídicos que, corres- que são titulares as crianças e não
pondendo a uma realidade afetiva e os adultos; a estes – nomeadamente
social, melhor possam concretizar aos familiares, mas também à
esse direito com a maior segurança escola e às demais instituições pú-
e durabilidade. Destaca-se a van- blicas e particulares, à sociedade
tagem do apadrinhamento civil, e aos cidadãos em geral – cabe o
mas importa não descurar outras dever de contribuir para a sua con-
possibilidades, nomeadamente uma cretização, nunca de forma violenta
tutela afetiva, efetiva, individual, ou desrespeitadora de outros Direi-
próxima e competente; tos Humanos da criança, antes pelo
78 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

exemplo e de forma dialógica, tivos da decisão relativamente à


respeitadora, justa, proporcionada, criança, à luz do seu concreto supe-
amorosa, empática e pedagógica, rior interesse, e se decida conside-
sem deixar de ser claramente firme. rando prioritariamente os direitos
da criança concreta, avaliados se-
4.2. Os princípios de intervenção e gundo esse superior interesse, ainda
decisão têm hoje também consagra- que no quadro de uma apreciação
ção jurídica, destacando-se o princí- razoável (que não afete o profundo
pio do primado do superior interesse sentido daquela prioridade) da plu-
de cada criança, que constitui, simul- ralidade dos interesses legítimos
taneamente: presentes no caso concreto.

– um direito substantivo da criança; É de realçar que o respeito por todas


– um princípio fundamental de inter- estas dimensões do conceito de supe-
pretação, com o significado de que, rior interesse da criança, e a sua
quando uma disposição legal com- efetiva concretização na vida real,
porta vários sentidos hermenêutica- implicam contínuos, diversificados,
mente admissíveis, deve prevalecer difíceis mas estimulantes, desafios
o sentido que melhor garanta a efe- a variados níveis, nomeadamente da
tividade do superior interesse da ética, da cultura cívica, do direito,
criança; das diferentes ciências, investigações
– um princípio e uma correspondente e técnicas convocadas, da política,
regra de procedimento, segundo os de todos os sistemas legais e opera-
quais, quando estamos face à neces- cionais, numa postura de permanente
idade de uma decisão (nomeada- comunicabilidade democrática. Sem-
mente judicial ou administrativa) pre a partir de quatro dos paradigmas
que possa afetar uma criança espe- fundamentais que são ínsitos ao siste-
cífica ou um grupo identificado ma: o paradigma dos Direitos Huma-
de crianças, é imperioso que, pela nos, o da complexidade, o da trans-
observância de rigorosos procedi- disciplinaridade e o da cooperação.
mentos de avaliação, julgamento Assim o exige a «nova cultura da
e decisão, conformes aos direitos criança», de que o sentido do supe-
substantivos e processuais de todos rior interesse é elemento fulcral e que
os intervenientes, nomeadamente os pode talvez entender-se como sím-
da criança, se avaliem cuidadosa- bolo de um direito da criança síntese
mente os impactos positivos e nega- dos demais – o direito à esperança.
Armando Leandro 79

4.3. A missão do Sistema de Promo- ciando, com a indispensável solida-


ção e Proteção consiste em contri- riedade e apoio dos adultos, o seu
buir para a efetiva concretização dos direito a um presente feliz e a pro-
Direitos Humanos de todas e cada jetar-se positivamente num futuro
uma das crianças. justo e realizado. Para o que é vital
o exercício dos seus direitos à pa-
4.4. A visão do Sistema integra a
lavra e à participação, em todos os
perspetiva, concretamente projetada,
domínios da sua vida; direitos que a
monitorizada e a avaliar, das exi-
família, as diversas instituições e o
gências e esperanças na efetivação,
cidadão têm a obrigação de estimu-
sem descontinuidades, dos direitos.
lar e respeitar, criando também as
É como que uma utopia motivadora,
melhores condições, recomendadas
respaldada na realidade em evolução
pela cultura, pela ciência, pela
e na firme crença da capacidade de
técnica e pela experiência, para
mudança, que ainda não se vê mas
que esse exercício seja efetivado
que se acredita e se quer, denodada-
em circunstâncias adequadas a cada
mente, tornar possível.
criança e a cada situação, na perspe-
tiva do seu superior interesse;
5. Como Agentes da concretização
– A comunidade local, entre nós
dos Direitos Humanos da Criança, o
corporizada no Município, com a
Sistema atual indica, naturalmente,
sua atual legitimidade democrática
o Estado, a Família, a Sociedade em
e correspondente responsabilidade,
geral e o Cidadão, mas fá-lo em ter-
mas associando outros agentes,
mos inovadores das responsabilida-
numa perspetiva de «governação
des, em consonância com a atual con-
integrada» e de uma intervenção
sagração da criança como Sujeito de
que conjugue a hierarquia tradicio-
Direito. E acrescenta enfaticamente,
nal com uma assumida predomi-
em sintonia também com o sentido e
nante heterarquia, indispensável no
as consequências da aquisição civili-
condicionalismo atual de grande
zacional que essa consagração signi-
complexidade e de mutação, «nas
fica, dois outros atores específicos,
sociedades policêntricas dos nossos
a criança e a comunidade local:
dias», no sentido que lhe atribui o fi-
– A criança, sujeito autónomo de Di- lósofo espanhol Daniel Innerarity 3,
reitos Humanos, co-autora e co-res-
ponsável, em função do seu progres- 3
Cf. o seu ensaio A transformação da polí-
sivo desenvolvimento, da constru- tica, publicado pela editora Teorema, desig-
ção do seu próprio destino, viven- nadamente a pp. 181 e ss.
80 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

em que sobrelevam a multiplicida- dade local no cumprimento da irre-


de, a variedade, a heterogeneidade, cusável responsabilidade dessa comu-
a diversificação dos sistemas sociais nidade pelas suas crianças.
e a diferenciação funcional das Têm atribuições de natureza pre-
esferas culturais. ventiva, com o objetivo de, com a
colaboração do Município e das vá-
Entre esses agentes, destacam-se, rias instituições da comunidade, con-
no que respeita à promoção e prote- tribuir para o radicar de uma ainda
ção dos direitos da criança, as várias inexistente generalizada «cultura de
Entidades de primeira linha com prevenção», através de incentivo e
competência em matéria de infância apoio a planos sistémicos plurianuais
e juventude e, de forma inovadora e de prevenção universal, seletiva ou
culturalmente muito significativa, as indicada, devidamente monitorizados
Comissões de Proteção de Crianças e avaliados, de preferência com a
e Jovens (CPCJ). colaboração de universidades; planos
Estas Comissões são instituições não esses fundados numa intencionali-
judiciárias dotadas de autonomia dade preventiva constante e baseados
funcional, que visam promover os em prévio diagnóstico aprofundado da
direitos das crianças e prevenir e realidade familiar e infanto-juvenil
reparar a sua violação, podendo, como local, com a determinação das proble-
os Tribunais, aplicar, com imparcia- máticas, dos respetivos fatores de
lidade e independência, medidas de risco e de proteção, dos projetos exis-
promoção e proteção (exceto as rela- tentes ou a implementar para dimi-
tivas à confiança para efeitos de nuir os de risco e fortalecer os de pro-
adoção), desde que os pais, represen- teção, e a inventariação dos recursos,
tantes legais ou quem tenha a guarda gerais e especializados, disponíveis
de facto, consintam na intervenção e ou a criar 4.
Têm, naturalmente, atribuições de
a criança com mais de 12 anos a ela
reparação de situações de perigo,
não se oponha. Sem prejuízo da sua
a exercer segundo o princípio, legal-
autonomia, as CPCJ beneficiam do
mente estatuído, da subsidiariedade,
acompanhamento e fiscalização do
Ministério Público e do apoio, acom-
panhamento e avaliação da Comissão
4
Mais de uma centena de CPCJ aderiram já
ao projeto sistémico «Tecer a Prevenção»,
Nacional de Proteção das Crianças e
que tem as características aludidas no texto
Jovens em Risco (CNPCJR). supra, proposto, em 2010, pela Comissão
São expressão profundamente demo- Nacional de Proteção das Crianças e Jovens
crática da representação da comuni- em Risco, como Projeto-piloto.
Armando Leandro 81

ou seja, do primado da intervenção me parece não contraditório com a


mais informal, por envolver menores realidade actual da globalização.
riscos de estigmatização e suscitar Pelo contrário, segundo se me afi-
mais facilmente sinergias comunitá- gura, o localismo pode contribuir po-
rias de proximidade. Conforme esse tenciar os efeitos benéficos da globa-
princípio, a intervenção reparadora lização e diminuir os seus riscos, na
estrutura-se em «pirâmide», por medida em que é fator muito impor-
ordem crescente de formalidade. Na tante da construção de uma identi-
base situam-se as Entidades com dade forte e segura de cada comuni-
competência em matéria de infância dade. Num mundo globalizado, essa
e juventude, no segundo patamar as identidade, ao nível ético, cultural e
CPCJ e no topo o Tribunal, só po- social, é fundamental para que, como
dendo verificar-se a intervenção mais as circunstâncias desse mundo exigem
formal quando for impossível, inade- ou aconselham e é do interesse de
quada ou insuficiente a intervenção cada comunidade local, esta se pro-
menos formal na lógica da referida ponha e afoite, com a segurança que
«pirâmide». aquela identidade facilita, a consti-
tuir-se e a agir não como comuni-
5.1.  A conceção da comunidade local dade fechada ou autista, mas aberta
como agente específico do Sistema ao mundo e ao diferente, apostando,
tem na base, em nossa opinião, o com espírito crítico, de inovação e
princípio do localismo, que se cone- solidariedade, nas amplas possibi-
xiona com o princípio da subsidia- lidades de interacções positivas e
riedade e que tem como pressuposto mutuamente enriquecedoras que o
as virtualidades de uma identidade novo circunstancialismo propicia.
forte de cada comunidade, baseada, Nesta perspectiva, a comunidade ter-
simultaneamente, em raízes que vêm ritorial local pode valorizar-se rela-
do passado, constitutivas de uma cionando-se, quando adequado, tam-
«memória» positiva agregadora, e bém no âmbito da promoção e prote-
novos ideais, objectivos e projectos ção dos Direitos Humanos da criança,
que permitam fundamentar a con- com outras comunidades territoriais,
fiança na construção de um presente nomeadamente no domínio da inter-
e de um futuro de maior progresso e municipalidade, ou ao nível regional,
justiça, e estimular a correspondente nacional, ou mesmo internacional, e
partilha de esforços, dificuldades e estabelecendo ligações a comunida-
esperanças. des relacionais que as circunstâncias
Localismo que, assim percecionado, concretas aconselhem.
82 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

6. Ao aproveitar o privilégio desta que procure um renovado humanis-


colaboração com o Núcleo Cultural mo, assim negando a inevitabilidade
da Horta para, de forma breve, acen- do «desencantamento do mundo»,
tuar alguns aspetos, parcelares mas da «era do vazio», da «melancolia
significativos, do Sistema português democrática», de um «progresso sem
de Promoção e Proteção dos Direitos Sujeito» no quadro do circunstancia-
Humanos da Criança, move-me o pro- lismo atual de sociedade excessiva-
pósito de tentar facilitar o forte enri- mente competitiva e de risco.
quecimento que estou certo resultaria Renovado humanismo que, apostan-
de uma reflexão crítica por esse pres- do na prevalência dos afetos – de
tigiado Núcleo, segundo a lúcida pers- que são expressões atualmente muito
petiva cultural que o orienta, sobre fortes o amor à criança, que é hoje
o sistema destinado à concretização um direito dela, e o amor na família
dos Direitos Humanos da Criança. fundada em reais raízes afetivas –
Nos caminhos da procura da radica- transporte do plano pessoal e familiar
ção de uma nova «cultura da criança», para o coletivo, também público, um
à luz do seu atual reconhecimento sentido de vida de liberdade/respon-
como Sujeito autónomo de Direito, sabilidade/confiança que, a par da
é essencial o alargamento e o apro- construção de melhores presentes
fundamento dessa reflexão, na ótica para as atuais crianças e mais pro-
da necessidade de uma permanente gressivos futuros das novas gerações
comunicabilidade entre a ciência e a que vão seguir‑nos, se estenda à firme
investigação, as políticas, a atividade determinação de solidariedade para a
legislativa, os sistemas organizativos inclusão de todos os nossos concida-
e operativos e a ação concreta. dãos, em especial os mais vulnerá-
Ouso manifestar a esperança de que veis, para que assim todos se tornem
este entrecruzar de reflexão/ação/ava- verdadeiramente «nossos próximos».
liação e o convívio e a solidariedade, Renovado humanismo que, investin-
também afetivos, que pressupõe, do nas formas universais de intersub-
ajude a criar a convicção comum de jetividade – a partir da verdade, da
que este difícil mas belo projeto, que justiça, da beleza e do amor – possa
nos pode unir, de contribuirmos todos levar a que cada pessoa se singula-
para a concretização dos Direitos rize, humanize e se enriqueça a si e à
Humanos da criança – como é vital ao comunidade.
nosso desenvolvimento de qualidade Será assim provavelmente possível
aos vários níveis – pode inserir‑se que, conforme implícito no pensa-
significativamente num movimento mento luminoso de Paul Ricœur,
Armando Leandro 83

alcancemos mais facilmente a supe- porfiadamente a justiça, numa pers-


ração da aparente dicotomia entre petiva humanizante da sua concilia-
«a prosa da justiça» e «a poética do ção com o amor, fonte da imprescin-
amor», procurando, na atuação con- dível superabundância da «economia
creta em relação a cada pessoa, da dádiva».
nomeadamente a cada criança, tentar
Direitos humanos e integração Europeia
Carlos E. Pacheco Amaral

Amaral, C. (2015), Direitos humanos e integração Europeia. Boletim do


Núcleo Cultural da Horta, 24: 85-92.

Sumário: O texto explora a ideia de direitos humanos e os papéis que são convocados a
desempenhar no quadro do processo de construção europeia – em concreto, em alternativa
ao modelo moderno, utilitarista, de organização social e política –, argumentando que a inte-
gração europeia não começou pela economia, mas pelo direito, mais especificamente, pelos
direitos humanos no quadro do Conselho da Europa. Paralelamente, e em particular no con-
texto atual, argumenta-se que é nos direitos humanos, e não na economia, ou nas finanças, ou
na lógica de alianças flutuantes do século xix e da primeira metade do século xx, que a Europa
poderá encontrar instrumentos capazes de lhe permitir, por um lado, superar a crise interna
de que enferma e, por outro, reencontrar o seu lugar no quadro do sistema internacional.

Amaral, C. (2015), Human rights and European integration. Boletim do Núcleo


Cultural da Horta, 24: 85-92.

Summary: The text explores the idea of Human Rights and the roles they are called upon to
fulfill in the process of European construction – in concrete, as alternative to the modern,
utilitarian, model of social and political organization – arguing that European integration did
not begin with the economy, but with rights, specifically, with Human Rights in the frame-
work of the Council of Europe. In parallel, and particularly in the context of the present
crisis, we argue that it is from Human Rights, not from economics, finance or the xix century
logic of fluctuating alliances that Europe will be able to draw instruments that may allow her
both to overcome its internal crisis and to find its proper place in the international system.

Carlos E. Pacheco Amaral – Cátedra Jean Monnet. Universidade dos Açores.

Palavras-chave: Direitos Humanos, Integração, União Europeia, Conselho da Europa, Estado.

Key-words: Human Rights, Integration, European Union, Council of Europe, State.

Tornou-se um lugar-comum situar -gração das economias dos Estados


a origem do processo de construção europeus. Por força do esforço exi-
europeia na economia, isto é, na inte- gido pelas duas guerras mundiais do
86 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

século xx aos Estados – tanto aos Ora, um e outro encontram-se de-


vencidos como aos vencedores –, as sencaminhados. Não há registo do
economias europeias teriam conheci- segundo, e o primeiro é manifesta-
do uma devastação de tal magnitude mente falso.
que se tornava impossível recuperá- Quem, em rigor, atender à verdade
‑las uma a uma. Desta forma que a dos factos, rapidamente verificará
integração económica da Europa se ter sido no direito, mais precisamente
apresentaria como a única via de reso- nos direitos humanos, que o processo
lução até mesmo da fome que amea- de construção europeia encontrou
çava abater-se sobre o Velho Conti- a sua raiz matricial. Deste modo, a
nente devido à escassez de produção primeira manifestação de unidade na
agrícola. O Plano Marshall e o pressu- Europa não foi a Comunidade Econó-
posto integracionista em que assenta mica Europeia, nem sequer a Comu-
são outras tantas demonstrações de nidade Europeia do Carvão e do Aço,
tal leitura. E, de facto, enquanto que, que a antecedeu, mas a Comunidade
Europeia dos Direitos Humanos que
historicamente, a Ideia de Europa,
viria a emergir no seio do Conselho
isto é, de uma Europa unida, se situou
da Europa, de Maio de 1949, através
de forma paradigmática no domínio
da Convenção Europeia que adoptou
do espírito e constitui campo fértil de
no ano seguinte e que o viria a
reflexão das humanidades, em geral,
enformar de forma paradigmática
o processo de integração europeia tem
desde então.
vindo a constituir quase que reserva A integração, tal como a mudança
de economistas e juristas – em parti- política, em geral, pode alicerçar-se
cular nos dias que correm, marcados numa pluralidade de manifestações,
pelo império dos mercados e da racio- como, por exemplo, o interesse das
nalidade económica. partes ou os valores que as enfor-
Este lugar-comum viria a dar lugar mam. Porém, a sua concretização
a outro, como corolário: o desabafo, decorre sempre da necessidade, ou,
comummente atribuído a Jean Mon- pelo menos, de um certo sentimento
net, o grande pai fundador do pro- de insatisfação, de uma aspiração a
cesso de construção europeia, já no mais e melhor. Assim também ao nível
fim da sua vida, de que, caso pudesse do processo de integração europeia.
recomeçar, assentaria a integração Organizada a partir do princípio de
europeia, não na economia, como soberania, a Europa do século xix e
supostamente havia feito, mas na da primeira metade do século xx era
cultura. composta por Estados que se afir-
Carlos E. Pacheco Amaral 87

mavam como independentes precisa- mesmas razões que dantes constituía


mente na medida em que cada um era crime. Por outro lado, a nível externo,
livre de, em cada momento, adoptar, um país será livre na exacta medida
para os seus cidadãos e para o seu em que for capaz de selecionar as nor-
território, o corpo de direito que bem mas de direito internacional às quais
entendesse. Na verdade, as teorias se declara vinculado. Por exemplo,
modernas de contrato social quando a Convenção Europeia dos Direitos
recorrem à ideia, antiga e medieval, Humanos que havia sido assinada
de direito natural, negam-na. Tanto em 1950, apenas em 1978 entrou em
assim que, desde Thomas Hobbes até vigor em Portugal. Assim se verificou
John Rawls, o único corpo de direito na medida em que o nosso país só
que obriga uma comunidade política em 1976 deliberou subscrever aquele
soberana, estatal, é aquele com o qual importante pacto trazendo-o, por essa
essa comunidade política se compro- via, para o corpo de direito interno
mete. por que Portugal livremente se rege
A modernidade não tem lugar para e se define. Até lá, entre 1950 e 1978,
qualquer outro corpo de direito para portanto, os Direitos Humanos pre-
além daquele que cada Estado decide vistos na Convenção Europeia e a
adoptar. Em sentido estrito, até o jurisdição do Tribunal de Estrasburgo
próprio direito internacional – isto é, nela previsto eram lei e vinculavam
o corpo de direito por que se regem uma série de países europeus (todos
as relações que os Estados decidem aqueles que a haviam assinado e rati-
travar uns com os outros – vincula ficado), não o nosso.
apenas aqueles Estados que dele se No dealbar da modernidade, John
reclamam e que escolhem vincular- Locke havia proposto que aquilo
‑se-lhe. Deste modo, dizer-se de um que verdadeiramente caracteriza um
Estado que é independente equivale a Estado, demarcando-o dos demais, é
sublinhar dois aspectos. Por um lado, o corpo de direito – interno e inter-
a nível interno, que ele é livre de pro- nacional – que adopta, seja de forma
duzir para si e para os seus o corpo voluntária, como, no caso do nosso
de direito que bem entender – e de o país, por exemplo, se verificou com
alterar conforme bem entender. No a assinatura da Convenção Europeia
nosso país, por exemplo, o aborto en- dos Direitos Humanos, ou do Tratado
contra-se descriminalizado porque, de Adesão às então Comunidades
na sequência de um referendo popu- Europeias, seja mediante coerção, ou
lar, a Assembleia da República assim ameaça dela, como, continuando a
o legislou. Do mesmo modo e pelas recorrer a exemplos portugueses, se
88 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

assistiu aquando do ultimato inglês, ausência de direito, ele é também,


ou quando, por ocasião da guerra e pelas mesmas razões, susceptível
israelo-árabe, a utilização da base das de vir a ser regulamentado por um
Lajes por forças norte-americanas corpo de direito privativo: o direito
para reabastecimento de Israel terá internacional que as partes, os Esta-
sido autorizada depois de os aviões dos soberanos, em cada momento, e
terem descolado das respectivas bases de forma mais ou menos livre, deli-
aéreas na costa leste dos Estados berarem legislar.
Unidos. Por outras palavras, o princípio de
Neste quadro geral proposto pela soberania não reconhece na terra
modernidade, os Estados soberanos qualquer outro legislador para além
apresentam-se como uma espécie de dos órgãos próprios de cada Estado.
ilhas de direito, cada uma responsá- E, em última análise, dizer-se de um
vel apenas perante ela mesma. É desta Estado que ele é independente mais
forma que as teorias de contrato não é do que reconhecer-lhe o privi-
social exigem, como ponto de partida, légio de legislar para si, para os seus
a desvinculação de toda e qualquer cidadãos, para o seu território e para
norma que se situe para além da von- os recursos que nele se vierem a en-
tade de cada Estado. Acrescendo que, contrar, em cada momento, o corpo
enquanto ilhas de direito, os Estados de direito que entender.
emergem num mar oceano que apre- Por serem independentes é que os
senta duas grandes características. vários Estados atribuem aos seus
Por um lado, a ausência de direito, o cidadãos os direitos de cidadania que
que permite que cada Estado emirja entendem – ou de que são capazes.
e se apresente como soberano, isto é, E, pelos princípios fundamentais cor-
como detentor de todas as prerroga- relativos, de igualdade soberana e de
tivas do divino, incluindo a omni- não ingerência nos assuntos que são
presença e a infalibilidade e, que, internos aos Estados, o direito de
por isso, mesmo, a sua vontade não cada Estado apenas a esse Estado diz
conheça quaisquer limitações. Tanto respeito.
assim que, no grande mar oceano das À modernidade falta uma concepção
Relações Internacionais, o interesse de humanidade, de igualdade polí-
nacional de cada Estado é a única tica, de todos os seres humanos. Por
medida do valor moral do seu com- força do princípio de soberania, ela
portamento. Porém, ao mesmo tempo apenas tem lugar para um planeta
que, num momento inicial, o siste- organizado em Estados independen-
ma internacional se caracteriza pela tes e, portanto, para cidadãos deste
Carlos E. Pacheco Amaral 89

ou daquele Estado. Paralelamente, os cação do nosso interesse nacional –


indivíduos que integram um corpo e presumimos que os demais fazem
de concidadãos apresentam-se como exactamente o mesmo, lidando con-
iguais, na medida em que todos são nosco apenas na medida em que tal
sujeitos de um mesmo corpo de di- se lhes afigura útil para a gratifica-
reito livremente produzido pelo res- ção dos seus respectivos interesses.
pectivo Estado. E, correlativamente, No limite, estes “outros”, quando nós
perante um corpo de cidadãos, todos com eles nos relacionarmos, deterão
os demais seres humanos são estran- os direitos que em cada momento o
geiros, isto é, sujeitos dos corpos de nosso Estado entender por bem atri-
direito diferentes, produzidos pelos buir-lhes. Num dos limites, poderá
respectivos Estados. atribuir-lhes todos ou quase todos os
Em vez, portanto, de um mundo inte- direitos que reserva aos seus cida-
grado, aquilo que a modernidade nos dãos; no extremo oposto poderá ne-
propõe é uma visão do planeta terra gar-lhes quaisquer direitos e, neles,
esquartejado numa pluralidade de ver pouco mais do que objectos.
Estados soberanos. Acresce que a E, entre estes dois polos, enquanto
soberania de cada Estado se traduz entidades soberanas, cada Estado é
de forma paradigmática na capaci- livre de se situar onde entender!
dade de imprimir aos seus cidadãos Em vez, portanto, de uma ideia de
os direitos que bem entender – sem direitos humanos, isto é, da ideia de
que isso constitua, de modo algum, que cada um e todos nós somos sujei-
matéria do interesse de outros Esta- tos de um corpo de direitos inerentes
dos. Assim, em vez de uma ideia, à nossa personalidade, dignidade e
política, unitária de humanidade, a condição humana – independente-
modernidade propõe-nos uma visão mente da sua condição de cidadão
estritamente dualista nos termos da deste ou daquele Estado –, aquilo que
qual o mundo se encontra dividido a modernidade nos disponibiliza é a
em duas partes: os cidadãos de um visão de um planeta coabitado por
Estado, nós, os portugueses, por uma pluralidade de corpos de direito
exemplo, sujeitos do direito desse que se diferenciarão muito simples-
Estado, e os estrangeiros. Estes últi- mente em função da vontade sobe-
mos, são sujeitos de outros Estados, rana do Estado que livremente forjou
igualmente soberanos, com os quais cada um deles.
nós, os portugueses, nos relaciona- Ora, foi este modelo de organização
mos de forma estritamente utilitária social e política que se esboroou com
tendo em vista unicamente a gratifi- as duas guerras mundiais do séc. xx.
90 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Acresce que este modelo não só se qualquer corpo de direito positivo.


tornou inviável como, levado aos De tal modo que, no final do con-
seus extremos, apresentou facetas flito, o Tribunal de Nuremberga
de desumanidade que chocaram a constituído para julgar os crimes de
própria consciência da pluralidade guerra se viu na necessidade de se
dos europeus e exigiram a sua substi- socorrer da noção de crimes contra
tuição – única garantia de que os a humanidade para condenar todo
extremos de desumanidade em que um rol de atrocidades que, de outro
desembocou em momento algum se modo, dificilmente poderia conhecer
pudessem repetir. uma rotulação adequada à luz do
O holocausto terá sido o rosto mais quadro formal da modernidade, ou
visível e mais chocante do extremo de então culminar no absurdo de invo-
desumanidade permitido pelo quadro cação do direito nazi.
moderno de soberania. Naquela que A crise humanitária em que a Europa
será uma das páginas mais negras da de Estados soberanos viria a desem-
história comum do género humano, a bocar na sequência das duas guerras
escravatura relega incontáveis seres mundiais do século xx exigiu a recu-
humanos para a condição de objetos, peração de um ideal pré-moderno de
de bens transacionáveis. E o racismo consagração de um corpo de direito
continua a atirar seres humanos para superior àquele legislado livremente
além do limiar de humanidade. Uma por cada Estado: o ideal clássico de
vez desmascarado em toda a sua bru- direitos humanos – pelo menos à
talidade, o extermínio de cerca de escala europeia. Correlativamente,
seis milhões de judeus constituiu a para os albergar, tornou-se neces-
exigência mais eloquente da crise que sário forjar uma comunidade política
por meados do século xx se abateu nova, superior aos Estados e capaz
sobre o modelo moderno de Estado de os julgar. Se, conforme argumenta
soberano e da exigência de suprana- John Locke, uma comunidade polí-
cionalismo: no caso concreto, de um tica se define pelo corpo de direito que
corpo de direito comum e superior a a enforma, então os direitos humanos
todos os Estados, independentemente constituirão o núcleo primacial do
da sua condição de soberania – os di- processo de construção europeia.
reitos humanos – e, bem assim, de um A risco, portanto, de se amputar de
mecanismo capaz de assegurar a res- uma das suas dimensões essenciais,
pectiva implementação vinculativa. ou, pior, de perder o norte, importa
Retenha-se que uma boa parte da que a União Europeia tenha presente
desumanidade perpetrada não violou que não é na economia, nas finanças,
Carlos E. Pacheco Amaral 91

ou num qualquer princípio utilita- hobbesiano de gratificação de apeti-


rista ou mercantil, em geral, que ra- tes e de afastamento de aversões,
dica a sua primeira razão de ser, mas convirá manter bem presente que é
precisamente nos direitos humanos. este lastro de direitos humanos que
O Conselho da Europa permanece, imprime ao processo de construção
é certo, longe de corresponder às europeia o cunho político que o en-
aspirações federalistas de Robert forma. Fora do quadro conceptual de
Schuman, de Denis de Rougemont, uma comunidade política que, parti-
e de tantos quantos nele perspecti- lhando um corpo de direito comum,
vavam o embrião de uma Europa perspectiva portugueses, gregos, fin-
federal. Porém, o compromisso que landeses e alemãs como iguais, como
assume, desde a sua fundação, com cidadãos europeus sujeitos de um
os direitos humanos e com valores mesmo corpo de direitos e de deve-
tão fundamentais da nossa matriz res, à Europa pouco mais poderá
civilizacional como a democracia, a estar reservado do que o quadro de
autonomia e a subsidiariedade fazem equilíbrio de poder a que o século xix
dele, não o parceiro menor do pro- e a primeira metade do século xx nos
cesso de integração do continente, habituaram. Um quadro de alianças
mas o baluarte desse mesmo processo. flutuantes que conduziu de forma
E não deixa de ser curioso que, en- inexorável a duas guerras mundiais,
quanto o Conselho da Europa alicer- uma a seguir à outra. Duas guerras
çou a integração do continente nos que, convém ter presente, se traduzi-
direitos humanos, ao nível da União ram na devastação da própria Europa
Europeia apenas em 2000 se assis- que, debilitada, exangue, se viu à
tiria à proclamação da respectiva mercê das duas superpotências que
Carta de Direitos Fundamentais que, emergiram, uma à sua direita e a
só nove anos mais tarde, com o Tra- outra à sua esquerda: os Estados
tado de Lisboa, viria a integrar o Unidos e a então União Soviética.
corpo de direito primário europeu. Nos dias de hoje, os Estados euro-
Em particular num momento como peus estão manifestamente robuste-
o que atravessamos, marcado pelo cidos, quando os comparamos com a
regresso do utilitarismo e dos egoís- circunstância em que se encontravam
mos nacionais – se não mesmo regio- no encerramento da guerra. Isolada-
nais, locais e, em última instância, mente, perspectivados em si mesmos,
individuais, de raiz manifestamente não deixam, por isso, de roçar a irre-
solipsista –, pelo império dos merca- levância à escala internacional, em
dos e pela lógica racional do cálculo particular no quadro em que, quer as
92 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

grandes potências, quer os Estados gração através de pequenos passos,


que aspiram a uma tal dignidade, se uns a seguir a outros, sem permitir
encontram profundamente empenha- a amputação, seja de qualquer uma
dos num conflito pelo poder à escala das suas partes territoriais, seja da
internacional. O sistema internacio- sua dimensão humana mais nobre.
nal decorrente das duas guerras mun- A alternativa, à Europa do direito
diais do século xx está a esboroar-se comum, dos direitos humanos, em
de forma acelerada e as grandes vez dos direitos que cada nação euro-
potências à escala planetária perfi- peia deliberar adoptar e for capaz de
lam-se, apresentando cada uma os financiar, a única alternativa visível,
seus instrumentos de poder com vista é a recaída na Europa de coligações
à obtenção do melhor posicionamento utilitárias, estruturalmente instáveis,
possível. porque necessariamente flutuantes e
E, à Europa e às suas velhas nações, que, a cada momento, podem desem-
que lugar restará? O futuro da Europa bocar em conflito armado de con-
decorrerá directamente da sua capa- sequências de todo impossíveis de
cidade de se manter unida e de impri- prever.
mir continuidade à política de inte-
O trabalho da UMAR nos Açores.
Percurso feminista dos direitos das mulheres
e a igualdade

Clarisse Canha

Canha, C. (2015), O trabalho da UMAR nos Açores. Percurso feminista dos


direitos das mulheres e a igualdade. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24:
93-110.

Sumário: A associação ‘UMAR’ nasce em Lisboa nos movimentos pós 25 de Abril e surge
nos Açores na década seguinte. Da atividade pontual nos anos 80, evolui e afirma-se numa
atividade regular. Na evolução da UMAR nos Açores, identificam-se diferentes etapas e
linhas de trabalho: debate público sobre os direitos das mulheres, formação-ação, combate à
violência doméstica e de género, promoção da mulher no trabalho, ação nas multidiscrimi-
nações, e ativismo pelo fim da violência contra as mulheres. Com base em trabalho local em
diferentes ilhas, desenvolve ação de âmbito regional, nacional e mundial. Articula atividades
e projetos com organizações de outras áreas de intervenção, integrando trabalho em rede e
parcerias ativas. A UMAR nos Açores tem tido papel determinante no ativismo feminista, na
promoção da igualdade e luta contra as discriminações, com impato nos direitos humanos das
mulheres e nos desafios neste campo de ontem e hoje.

Canha, C. (2015), The intervention of UMAR in the Azores. Feminist


perspective of women’s rights and equality. Boletim do Núcleo Cultural da
Horta, 24: 93-110.

Summary: The association ‘UMAR’ was born in Lisbon as part of the pro-democracy move-
ments of April 25th, and appears in the Azores in the next decade. One-off activities in the
80s evolved towards more regular activity. In the progress of UMAR in the Azores, different
stages and lines of work can be identified: public debate on women’s rights, action-training,
promotion of women at work, action on multiple discriminations and activism to end violence
against women. Based on local work on different islands, regional, national and global level
actions have been developed. Activities and projects with organizations in other areas of inter-
vention have also been articulated, integrating networking and active partnerships. UMAR in
the Azores has had a leading role in feminist activism, in promoting equality and combating
discrimination, with impact on women’s human rights and on the past and present challenges
in this field.
94 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Clarisse Canha – UMAR - Açores.

Palavras-chave: Direitos das mulheres; igualdade; violência de género; discriminações múl-


tiplas; feminismo.

Key-words: Women’s rights; Equality; gender violence; multiple discriminations; feminism.

As barreiras da emancipação e o combate à violência doméstica e de género nos Açores.


Abrir portas do lado de fora. Abrir portas do lado de dentro.

1. Introdução
Correspondendo ao convite para a como as perspetivas e desafios que
apresentação de um texto sobre o se colocam no aprofundamento do
trabalho da UMAR em prol dos direi- trabalho feminista e da promoção da
tos das mulheres e da igualdade de igualdade, integrando a igualdade
género deu-se início à escrita de um de género.
conjunto de ideias e relatos, a partir Torna-se pois oportuna a escrita deste
da experiência, observação, reflexão e artigo e o enquadramento que nos é
memória, das últimas décadas, sobre proposto em: “Direitos Humanos:
o percurso desta associação na ação atualidade e perspetivas” – o papel
feminista nos Açores, o ativismo, o da sociedade civil na promoção dos
trabalho em rede e parcerias no campo direitos humanos”.
dos direitos das mulheres e da igual- No início do século passado, Virgínia
dade e na luta contra as discrimina- Woolf, escrevia: “e pensei em como
ções nomeadamente as discrimina- é desagradável ser trancada do lado
ções de género. de fora; e pensei em como talvez seja
A redacção deste artigo surge numa pior ser trancada do lado de dentro”.
ocasião em que nos dedicamos de Na segunda metade do mesmo sécu-
forma especial a um projeto sobre a lo, na emergência dos movimentos
história da UMAR nos Açores, onde sociais do pós 25 de Abril de 74, a
se procura captar a evolução da asso- UMAR nasceu, em Lisboa, em 1976,
ciação e as diferentes etapas no cami- e na década seguinte (no decorrer
nho da emancipação das mulheres, dos anos 80) lançou a atividade nos
identificar pontos de referência do Açores e, já no início dos anos 90, foi
trabalho de ontem e de hoje, assim constituída uma delegação regional
Clarisse Canha 95

açoriana. Em 1997, reconhecendo-se 2008, numa associação de âmbito


ser a violência doméstica e de género regional.
uma das barreiras à emancipação da Considerando a situação das mulheres
mulheres e à igualdade, criou-se o em Portugal antes e depois do 25 de
SOS Mulher, pensando nas mulheres Abril, destaca-se a importância desta
que trancadas do lado de dentro de associação no campo dos direitos das
sua casa, da sua família, da sua re- mulheres como direitos humanos,
lação amorosa, sofriam violência de contribuindo de forma determinante
género. para vencer barreiras da emancipação
Entrando no século xxi, a UMAR feminina e abrir portas do lado de
prosseguiu e prossegue uma ampla fora, e, abrir portas do lado de den-
ação de cariz feminista no país, in- tro, projetando e ampliando as portas
cluindo nos Açores, onde a delegação que Abril abriu, como disse Ary dos
regional se veio a transformar, em Santos.

2.  UMAR nos Açores – atividades e desenvolvimento organizativo


Percurso e evolução da UMAR nos um trabalho constante, continuado e
Açores abrangente. A organização da UMAR
cria-se e desenvolve-se nos Açores,
Do trabalho pontual ao trabalho a partir da realização de iniciativas
continuado. Do nacional ao regional locais, pontuais (em 80), e de projetos
nacionais da UMAR (nacional) que
Conforme atrás referido, a UMAR,
se estendem aos Açores (anos 90),
nascida em Lisboa, em 1976, sendo
implementando atividades dos proje-
uma associação de âmbito nacional,
tos na região, numa promoção e apro-
desenvolveu e desenvolve trabalho em
ximação do nacional ao regional.
diferentes regiões do país, incluindo a
Madeira e os Açores.
Evolução e desenvolvimento orga-
No caso dos Açores, a associação tem
nizativo da UMAR nos Açores
vindo a desenvolver trabalho ao longo
dos anos, tendo iniciado a atividade O percurso da UMAR nos Açores
no decorrer da década de 80, com tem sido marcado, a nível organiza-
base no ativismo e no voluntariado. tivo, pelos seguintes aspetos: primei-
Nos anos 80, foi a vez de trabalho ramente dá-se a realização de ativi-
pontual, principalmente na Terceira e dades pontuais por iniciativa de asso-
em São Miguel. Já nos primeiros anos ciadas nos Açores. De seguida reali-
da década de 90, inicia-se a prática de zam-se atividades e projetos da
96 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

UMAR idealizados a nível nacional, Associação feminista fortalece-se


que englobavam a região como es- na formação-ação, no trabalho lo-
paço de implementação e desenvol- cal e diário
vimento desses projetos, eventos ou
A UMAR, associação de cariz femi-
atividades, com base, repetimos, no
nista, dedicou-se, desde o início, a
ativismo e no voluntariado.
Após ter iniciado a atividade pontual um trabalho de aproximação local/
nos Açores, na década de 80, foi cons- regional. Uma das mais valias da sua
tituída, no início de 90, uma Delega- atividade, nos Açores, tem a ver com
ção Regional da UMAR englobando a garantia de um trabalho continuado,
trabalho local/regional, a partir de nú- através de linhas de trabalho, projetos
cleos/delegações em diferentes ilhas, e estruturas, com base no ativismo,
nomeadamente, São Miguel, Santa voluntariado e equipas profissionais.
Maria1, Terceira e Faial. Aprofunda- A nossa aproximação à vida e aos
‑se o trabalho da UMAR na região problemas vividos pelas mulheres,
com a constituição de núcleos locais e nomeadamente no campo da violên-
de equipas profissionais, mantendo-se cia doméstica e de género, mostrou,
o ativismo e voluntariado. Destaca-se então, a necessidade de um trabalho
o importante trabalho local desenvol- diário, com profissionais, assim como
vido em cada uma das ilhas, a cargo a necessidade de trabalho em rede e
dos respetivos núcleos e delegações, parcerias.
com projeção local e regional. A nossa aproximação às realidades
Finalmente e no que respeita à evo- e à ação mostrou também a necessi-
lução organizativa, destaca-se a alte- dade de prosseguir a formação-acção
ração estatutária, em 2008, ano em desenvolvendo formação específica,
que a estrutura regional da UMAR em áreas de intervenção como na
– União de Mulheres, Alternativa e violência doméstica e de género.
Resposta, nos Açores, passou de Dele-
De fato, no início dos anos 90 foi a
gação Regional a Associação, de âm-
vez de criar raízes, condições de tra-
bito regional: UMAR-Açores Asso-
balho e funcionamento da associação
ciação para a Igualdade e Direitos das
nos Açores, numa evolução organiza-
Mulheres.
tiva que se tornou incontornável, não
só mas sobretudo na área da violência
Durante alguns anos a UMAR manteve tra-
1

balho regular de acção e apoio às mulheres


doméstica sobre as mulheres,com a
em Santa Maria, com base em ativismo e linha de trabalho que a UMAR viria
voluntariado. a lançar em meados desta década.
Clarisse Canha 97

Se desde o início, a UMAR aposta Articulação de ação em diferentes


na formação de mulheres, com vista áreas e linhas de trabalho
à conquista da sua autonomia, capa-
citação e poder pessoal e social, en- Impacto associativo e na sociedade
tretanto, foi também a vez de lançar açoriana
e aprofundar sensibilização e forma-
ção-ação acerca dos direitos das mu- O percurso e a evolução da UMAR
lheres, da igualdade de género e da nos Açores, ao longo dos anos, cara-
intervenção em áreas como a violên- teriza-se pela articulação de ativida-
cia doméstica sobre as mulheres. des em diferentes áreas e temas e pelo
desenvolvimento de linhas de traba-
Ação e organização regional com lho na ação e organização. Aqui des-
atividade local/regional, nacional e taca-se a importância e a diversidade
mundial das atividades locais promovidas em
cada uma das delegações/núcleos de
Trabalho em rede, parcerias e par- ilha, marcando um trabalho de proxi-
ticipação em organismos de tipo mimidade com grande impacto local
institucional e regional.
A dinâmica associativa tem, pois,
Sendo o seu âmbito geográfico de marcado a evolução da própria asso-
ação e organização regional, a UMAR ciação, acompanhando e produzindo
nos Açores tem vindo no entanto a impacto na sociedade açoriana no-
desenvolver trabalho e participação meadamente na promoção dos direi-
em iniciativas e organizações de âm- tos das mulheres, da igualdade e dos
bito nacional e mundial. feminismos na Região.
Por outro lado, a associação aposta na
realização de trabalho em rede e de Desenvolvimento da ação e novos
parcerias na Região, destacando-se desafios
a organização de ações em conjunto
com várias organizações, nomeada- No decorrer deste percurso identi-
mente associações da área da igual- ficam-se linhas de ação marcantes
dade e desenvolvimento local. centradas em áreas específicas dos
Destaca-se a participação e integra- direitos das mulheres e da igualdade.
ção da UMAR-Açores, como asso- Nos primeiros anos da atividade nos
ciação/ONG da área da igualdade de Açores, isto é, nas décadas de 80 e
género, em organismos de tipo insti- 90 destacam-se, a celebração do Dia
tucional na região. Internacional da Mulher, como data
98 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

simbólica na emancipação feminina, linhas de trabalho como As mulheres


a Formação-ação em distintos cam- na Pesca, O género e as multidiscri-
pos e temas, e o lançamento do minações, Nas Asas da Igualdade e,
movimento de combate à violência a partir de 2009, Ativismo pelo fim
doméstica e de género. Nas décadas da violência contra as mulheres, na
seguintes, prosseguem-se estas linhas campanha anual de âmbito mundial
de trabalho anteriormente referidas, “16 dias de ativismo pelo fim da vio-
e emergem outros projetos e linhas lência contra as mulheres.”
de ação. O percurso da UMAR nos Açores
A partir dos anos 2000, dá-se início tem sido, pois, marcado por uma ação
ao envolvimento em ações de âmbito continuada, inserindo ações de âm-
nacional e mundial. É o caso da parti- bito nacional e mundial, desenvol-
cipação ativa na Marcha Mundial das vendo linhas de trabalho que perdu-
Mulheres (MMM) assim como outras ram ao longo dos anos, com o apro-
organizações e projetos de âmbito fundamento e novos desafios da ação.
europeu e mundial. Estas linhas de ação que denomina-
A associação promove e colabora mos linhas de trabalho, marcam o
em projetos com vista à afirmação início de “etapas” associativas e pros-
da Mulher no Trabalho2. Desenvolve seguem ao longo dos anos e seguintes
investigação-ação, projetos e novas etapas.

3.  Etapas de um percurso


Linhas de trabalho e novos desa- Primeira etapa
fios marcam etapas no percurso da
UMAR nos Açores2 O Dia Internacional da Mulher nos
Ao longo dos anos vão-se colocando Açores. Direitos das mulheres em
novos desafios e exigências de inter- debate
venção, mantêm-se linhas de trabalho
anteriores e emergem novas linhas A primeira etapa do trabalho da
de ação, constituindo-se diferentes UMAR nos Açores começa na déca-
etapas no percurso da associação nos da de 80, com atividades pontuais,
Açores. nomeadamente com a celebração do
Dia Internacional da Mulher, lan-
A Mulher no Trabalho. As Mulheres nos
2 çando o alerta para a situação e os
Açores e nas Comunidades, Coletânea direitos das mulheres e o debate de
coordenada por Rosa Neves Simas. diferentes temas no campo feminino
Clarisse Canha 99

na Região3. Começa assim um traba- Abrem-se horizontes e incidências


lho de aproximação ao local na região, geográficas, do nacional ao local...
o que sempre tem vindo a caraterizar
esta associação de cariz feminista, Após os anos 80, entrando no início
com “Comunicados, conferências de da década de 90, desenvolvem-se
imprensa, ações pontuais, iniciativas atividades nos Açores, integradas em
conjuntas, foi a dominância da ação atividade e projetos de âmbito nacio-
nos Açores na década de oitenta. Fer- nal, tais como o Projeto GINFORME,
mentava uma forte necessidade de projeto de informação e formação às
assentar trabalho e acção continuada mulheres e o estudo sobre a situação
nos Açores”4. das mulheres que estão em casa.
Ainda nesta década surgem outras
importantes ações a assinalar o Dia Segunda etapa
Internacional da Mulher nos Açores, Formação-ação. A valorização das
como as promovidas por sindicatos mulheres
em São Miguel, onde a UMAR e ati-
vistas se envolvem5. A segunda etapa, de 1992 a 1996.
Essa constância em afirmar o 8 de Lançam-se e realizam-se eventos, de-
Março como o Dia da Mulher, foi bate público, assim como sensibiliza-
importante e impulsionador para que ção e formação-ação, dando enfase à
hoje seja um dado adquirido e assu- reflexão e ativismo tão necessário na
mido tanto por entidades da socieda- denúncia e consciência das discrimi-
de civil, como órgãos do poder regio- nações e dos direitos das mulheres.
nal e autárquico, com reflexos na Em 1993 o encontro organizado pela
opinião pública e publicações locais. UMAR, sobre “As Mulheres e o
Desenvolvimento Regional”6, contou
3
Março de 1981, conferência de imprensa na
ilha Terceira. O jornal Açoriano Oriental 1987. Em 1989, “O conselho local da
(A.O.) refere: “A situação da mulher aço- UMAR com sede em Ponta Delgada faz
riana apreciada, em Conferência de Im- lembrar os movimentos e as lutas que a
prensa, pela UMAR”. 1983, comunicado da nível mundial as mulheres têm desenca-
UMAR, distribuído em Angra do Heroísmo, deado em pequenos e grandes processos” –
denuncia situações da discriminação de mu- 8 Março 1989, jornal A.O.
lheres no trabalho. 6
Outubro 1993: As Mulheres e o desenvolvi-
4
História da UMAR nos Açores. mento regional, auditório da Câmara Muni-
5
Destaca-se a conferência de Fátima Sequeira cipal de Ponta Delgada. Trabalhos apresen-
Dias sobre “O papel da mulher ao longo tados: Manuela Tavares, Fátima Sequeira
da história”, Ponta Delgada, 7 de Março de Dias, Padre Silvino Cabral e Clarisse Canha.
100 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

com a presença de dezenas de parti- formativo integrando parcerias com


cipantes, constituindo um dos primei- outras associações e entidades, com
ros eventos de debate público sobre o vista à realização de estágios das for-
tema das mulheres, nos Açores. mandas, numa perspetiva de trabalho
Nesta época a celebração do Dia da de projetos e integração profissional.
Mulher como marco histórico na Outro tema e preocupação emergente
caminhada pela emancipação da mu- então foi a problemática da violência
lher, passa a ser uma atividade regu- doméstica sobre as mulheres.
lar da associação7, numa prática que
prossegue até hoje. Terceira etapa

Temas e práticas emergentes O Combate à violência doméstica e


de género. Projeto SOS Mulher
Inserido nas atividades da UMAR nos
Açores começam a emergir temas, Barreiras da emancipação feminina
como a mulher e o trabalho, que são
A violência doméstica e de género
uma preocupação marcante na vida da
associação, a partir dos anos noven- A terceira etapa, de 1997 a 2001,
ta, onde se destaca, a realização do começa com o lançamento do pro-
curso de formação “Dinamizadoras jeto SOS Mulher para “Combater as
sócio culturais e ambientais”, decor- causas da violência doméstica sobre
rido entre 1994 e 1995. Realizado as mulheres e apoiar as mulheres
em Ponta Delgada, esta formação de vítimas”.
longa duração, dirigida a mulheres No decorrer da nossa experiência,
desempregadas, significou um impor- fomos constatando que a violência
tante esforço e desafio da UMAR nos doméstica sobre as mulheres era um
Açores, a qual, com reduzidos meios grave problema na Região e cons-
apostou na implementação desta ação tituía uma das barreiras para a sua
com diferentes módulos incluindo emancipação. Esta noção que nos
questões como o ambiente, desenvol- chegava a partir dos testemunhos
vimento pessoal e social, igualdade e de mulheres acerca das suas vidas de
direitos das mulheres. Numa lógica violência, levou-nos à necessidade
de formação-ação, este foi um projeto de construir e implementar um pro-
jeto de intervenção e prevenção nesta
Temas do Dia Internacional da Mulher:
7 área.
1994 Problemas da Mulher na Atualidade; Como atrás se refere, foi em 1997
1995 A Mulher, o Trabalho e a Família. que a UMAR nos Açores criou o SOS
Clarisse Canha 101

Mulher, pensando nas mulheres que Em 2007, aquando do 2.º Referendo,


trancadas do lado de dentro de sua a UMAR assumiu na região igual pa-
casa, da sua família, da sua relação pel na defesa do sim.
amorosa, sofriam violência de género.
Criaram-se centros de atendimento8, Evolução na sociedade açoriana.
linha telefónica de ajuda SOS Mu- Interesse e diversidade no dia inter-
lher, assim como se desenvolveu nacional da mulher
formação, sensibilização e denúncia Relativamente ao tema dos direitos
acerca da violência doméstica sobre das mulheres, e da celebração do
as mulheres. Dia Internacional da Mulher, nota-se
Destaca-se então o início da prática que a partir de 1997 várias entida-
do trabalho em rede e a aposta na for- des assinalam esta data, o que revela
mação de pessoal técnico, na área da uma evolução na sociedade açoriana
problemática da violência doméstica quanto às mulheres e ao seu Dia Inter-
sobre as mulheres. nacional. 1997, foi o Ano europeu
contra o racismo e a xenofobia, pelo
Direitos sexuais e reprodutivos que “Discriminações – Xenofobia.
A UMAR envolve-se desde sempre Racismo” foi o tema do Dia Interna-
em outra importante causa do movi- cional da Mulher, no encontro orga-
mento feminista, que tem a ver com nizado pela UMAR em Ponta Delga-
os direitos sexuais e reprodutivos, da. No ano seguinte, 1998, a UMAR
incluindo o aborto. Nos Açores pro- debate o “Planeamento Familiar”.
moveu-se importante debate e ação A finalizar a década, no ano 1999:
no movimento pela despenalização “Uma abordagem à obra de Maria
do aborto, e manifestou-se apoio ativo Lamas” é o tema de Março. Chegadas
a favor do Sim à despenalização, ao ano 2000, foi a vez de celebrar o
aquando do 1.º Referendo. Neste con- Dia da Mulher, integrado na Marcha
texto, foram editadas duas publica- Mundial das Mulheres.
ções: Ecos do Movimento Sim pela
Tolerância na Imprensa Local e Ini- Novos horizontes de trabalho femi-
ciativas Públicas: Os Direitos Sexuais nista
e Reprodutivos Uma Perspetiva Aço- Esta etapa, a terceira do percurso
riana. associativo, vai até 20019, come-

8
Lançamento do Projeto SOS Mulher – inau- 9
Destaca-se, em factos e datas históricas, ini-
guração do serviço, em Ponta Delgada, a 11 ciativas na área do género, na Universidade
de Dezembro 1997. dos Açores.
102 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

çando, em 97, com o lançamento do na promoção do desenvolvimento e


movimento de combate à violência dos direitos humanos.
doméstica sobre as mulheres, passa
pela ação de âmbito nacional no mo- Mudança de Maré
vimento pela despenalização do abor- Inclusão da perspetiva de género e
to. Passa também pela Marcha Mun- aproximação às comunidades
dial das Mulheres que sob o lema do
combate à pobreza e à violência so- De 2002 a 2005 destaca-se a partici-
bre as mulheres acontece com a sua pação da UMAR-Açores na Parceria
1.ª Ação mundial, em 2000, abre para no projeto EQUAL projeto Mudança
este século novos campos de trabalho de Maré, projeto de parceria de desen-
feminista nesta rede internacional à volvimento, criado e gerido por asso-
qual a UMAR, a nível nacional e a ciações da pesca10, juntando associa-
ções de outras áreas, a nível local e
nível regional, adere desde a primeira
transnacional, proporcionando inter-
hora. Assume-se assim maior contato
câmbio de experiências, incluindo a
e articulação com o movimento femi-
perspetiva de género. Desta parceria
nista global, abrindo os horizontes do
de desenvolvimento resultaram im-
regional ao mundial, passando pelo
portantes produtos dos quais, aqui se
nacional.
destaca a valorização das mulheres na
pesca, da igualdade e do setor11. Nas
Quarta etapa atividades a cargo da UMAR tem
Afirmar a mulher no trabalho grande relevo a atividade de inser-
ção profissional e a formação-ação
Formação e investigação-ação levada a cabo nas comunidades pisca-
A quarta etapa, de 2002 a 2006, foi tórias12, que garantiu um trabalho de
altura de tornar visível a invisibilida- grande aproximação às comunidades
de das mulheres em diferentes áreas, e às mulheres do setor, dando relevo
particularmente no mundo do traba- à noção do importante papel das mu-
lho, de desenvolver projetos de inves- lheres na pesca, pouco valorizado e
tigação ação e de parcerias de desen-
volvimento em projetos. 10
AMA e Porto de Abrigo, entidades gestoras
A experiência do trabalho em rede e do Mudança de Maré.
11
“Inclusão Percursos para a Igualdade”, edi-
das parcerias na realização de ativida-
ção da UMAR Açores.
des e projetos indica que estas podem 12
Cursos de formação para as mulheres: em
constituir importantes eixos no que Rabo de Peixe, São Miguel e em São Ma-
respeita ao papel da sociedade civil teus, Terceira.
Clarisse Canha 103

até invisível! Neste contexto coloca- É também nesta etapa que se reforça
ram-se novos desafios como a inves- a prática da investigação-ação no per-
tigação-ação que a associação veio a curso da UMAR nos Açores. Com
desenvolver. incidência no mundo do trabalho,
emprego e a conciliação da vida
A humanidade tem duas asas profissional, pessoal e social, foram
desenvolvidos três trabalhos com
Formação e investigação-ação
base em diferentes ilhas, numa pers-
a nível local e regional
petiva local e regional.
Em 2002, destaca-se a realização de Em 2006 foi realizado em Angra do
encontros formativos em São Miguel Heroísmo, um estudo sobre a “A con-
e em Santa Maria sobre “Igualdade e ciliação da família e da vida profissio-
Feminismos”, e ainda no Verão deste nal”, no qual se procura comprrender
ano uma digressão do grupo Gera- como é que os casais profissional-
ção Viva levou a vários localidades e mente ativos distribuíam o seu tempo
instituições dança de intervenção e a numa semana normal de trabalho15.
mensagem de que a Humanidade tem “As mulheres na agricultura” foi o
duas Asas13.14 tema do estudo realizado em Santa
Da formação-ação, no decorrer destes Maria, também em 2006, num tra-
anos, destaca-se a formação e sensibi- balho coordenado pelo núcleo de
lização sobre a Igualdade de Género ilha dando particular atenção àquelas
e a Violência doméstica sobre as mu- mulheres que fora do mercado formal
lheres, com a realização de sessões de trabalho laboram na agricultura.
dirigidas a grupos, sobretudo jovens Laboram dentro do núcleo familiar,
em contexto escolar, constituindo uma sem título, sem remuneração15. Ficou
prática que se tem vindo a desenvol- o desafio de aprofundamento nesta
ver e aprofundar até hoje, e que conta área relativamente a alguns indica-
também, com o crescente envolvi- dores já lançados e às realidades nas
mento de professoras/es dos estabele- outras ilhas da região.
cimentos de ensino.

13
Nas Asas da Igualdade foi o nome de pro- Comunidades. Volume V Coletânea coorde-
jeto da UMAR Açores, desenvolvido em nada por Rosa Neves Simas.
2007 – Ano Europeu da Igualdade. 15
“Empresárias Invisíveis. As mulheres na
14
“A conciliação da família e da vida profis- agricultura”, artigo de Maria Joseph Sem-
sional (...)” Agostinho Leão Pinheiro Soció- pere em A Mulher e o trabalho nos Açores
logo UMAR-Açores Delegação da Terceira. e nas Comunidades, Volume VI, Coletânea
Ver A Mulher e o trabalho nos Açores e nas coordenada por Rosa Neves Simas.
104 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Por último destaca-se, nesta etapa, e Políticas para a Igualdade – CIPA;


um terceiro estudo promovido pela e no Faial a Casa de Abrigo, com
UMAR-Açores – “Mulheres na Pesca impacto a nível local e projeção em
nos Açores”. Com início em 2006, outras zonas, com relevo para a ilha
foi um estudo de âmbito regional que Pico17.
se veio a desenvolver e concluir nos Finalmente, em 2006, ano em que a
anos seguintes. UMAR celebrou 30 anos18, destaca-
‑se o Congresso Regional da UMAR
“Das problemáticas e desafios à realizado na Terceira sob o lema:
criação de uma nova imagem da “Das problemáticas e desafios à cria-
Mulher” ção de uma nova imagem da Mulher”.
Congresso Regional da UMAR Aprofundava-se, então, a atividade
Açores na Terceira1617 iniciada nos anos 80 e amadurecia
o apelo organizativo e a emergência
A importância e o impacto da ação da de novas condições de agilização do
UMAR nos Açores decorre e incide trabalho da UMAR nos Açores.
também no aspeto organizativo da
associação, no trabalho e intercâmbio
Quinta etapa
em diferentes ilhas, onde se tem apos-
tado na diversidade e criatividade O género e as discriminações multi-
local, em paralelo com a intervenção plas “Nas Asas da Igualdade”
em áreas comuns como a violência Parceria e debate participativo em
doméstica e de género. Através de diferentes áreas da sociedade
serviços de apoio e de prevenção,
comuns a todas, também se identi- A quinta etapa, 2007 e 2008, dois
ficam algumas particularidades: Em anos numa fase especial e de transi-
São Miguel a gestão da Linha tele- ção organizativa. Em 2007, ano euro-
fónica de ajuda SOS Mulher, em peu da igualdade, a UMAR desenvol-
Santa Maria o Pontos de Igualdade; veu um projeto especial e marcante
na Terceira o Centro de Informação na vida da associação – Nas Asas da
Igualdade18. “Composto por eventos
16
Referir ligação especial Faial-Pico onde se
destacou “As amarras da Solidão” projeto “Nas Asas da Igualdade. O género e as
18

de estágio Lubélia Silveira, durante 6 meses, multidiscriminações As mulheres em dife-


na ilha do Pico. rentes áreas da sociedade” Apresentação no
17
“Foi tempo de nascer um coletivo há 30 VI Congresso Internacional A Vez e a Voz da
anos”, texto carta para o aniversário da Mulher em Portugal e na Diáspora Tempos
UMAR. e Percursos, UAc, 2013.
Clarisse Canha 105

com uma temática cada mês que, ao pesca, iniciado anteriormente e foi
longo do ano, fomenta o desenvolvi- realizado ainda um estudo sobre
mento de mentalidades e políticas de O género nas empresas, em parceria
Igualdade levando os/as participantes com a empresa Norma Açores.
a desenvolver propostas concretas O projeto de investigação-ação As
para a Igualdade”, foi um projecto mulheres na pesca nos Açores tinha
que assumiu e mantém significado também como objetivo a criação de
na UMAR-Açores. Simboliza o apro- uma rede de mulheres na pesca cujo
fundamento qualitativo. Projecto para resultado representou um importante
todas as pessoas, abordou temas rela- passo na valorização e visibilidade
tivos às mulheres em diferentes áreas das mulheres do setor. Neste contexto,
da sociedade, envolveu instituições, destaca-se também o incentivo à par-
associações e pessoas das mais varia- ticipação das mulheres nas organi-
das áreas, numa dinâmica transversal zações e associações do setor assim
e participativa. Apostou-se no asso- como o empenho na criação de asso-
ciativismo, na parceria e na compo- ciativismo feminismo, como é o caso
nente pedagógica de debate e partici- da Ilhas em Rede Associação de
pativa. Mulheres na Pesca nos Açores20.
No ano de 2008, declarado pela União
Ações de rua marcam movimentos Europeia “O Ano Europeu do Diá-
logo Intercultural” surge o projecto
As ações de rua constituem um tipo
Migração, Interculturalidades e Gé-
de atividades em que a UMAR tem
nero. Foi também a vez de A Mulher
apostado nos Açores, com a envol-
e o Trabalho: Edição e lançamento
vência local das delegações de ilha,
da Coletânea coordenada por Rosa
sobretudo a partir dos anos 200019,
Neves Simas: A Mulher e o Trabalho
realizando ações, em São Miguel,
– nas Comunidades e nos Açores, e
Terceira e Faial, reforçando movi-
de garantir a participação dos Açores
mentos contra a violência sobre as
no Congresso Feminista, em Lisboa.
mulheres e pela igualdade.
Finalmente, neste mesmo ano, 2008,
No campo dos estudos de género
assume-se uma nova pagina associa-
prosseguiram-se projectos de inves-
tiva, em termos estatutários: a UMAR
tigação-ação como As mulheres na

A Rede de Mulheres na Pesca no Açores,


20
19
2007: Marcha contra a violência doméstica, veio a se legalizar em Julho de 2008, como
na Ribeira Grande e na Horta. Marcha pela associação: Ilhas em Rede Associação de
Igualdade em Ponta Delgada. Mulheres na Pesca nos Açores.
106 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

nos Açores, de Delegação Regional balho anteriores e ao lançar novas


passa a ser Associação denominada iniciativas de âmbito local/regional,
UMAR-Açores Associação para a nacional e mundial.
Igualdade e Direitos das Mulheres.
Dinâmica associativa e intenso tra-
Sexta etapa balho diário e de proximidade
Ativismo pelo fim da violência con- O trabalho diário e de proximidade da
tra as mulheres UMAR-Açores, desenvolvido a nível
regional e local, prossegue a linha de
Consolida-se trabalho local/regio-
trabalho na área da violência domés-
nal, parcerias e ações a nivel nacio-
tica e de género, seja no atendimento,
nal e mundial acolhimento, e acompanhamento das
A sexta etapa, iniciada em 2009 diz mulheres, com vista à promoção da
respeito aos anos mais recentes, em sua autonomia, seja nos alertas à opi-
que se consolida o trabalho local/ não pública seja na formação-ação.
regional, particularmente na área da Evidenciam-se os programas formati-
violência doméstica e de género, na vos desenvolvidos anualmente, a nível
formação-ação, assim como na área de cada ilha, articulando e poten-
da afirmação das mulheres e dos seus ciando meios, equipas e voluntariado,
direitos em diferentes campos. numa aposta e esforço desdobrado
Comparativamente com as anterio- para corresponder às necessidades de
res cinco épocas o distanciamento no sensibilização particularmente nas
tempo é menor. Esse fato não nos im- escolas na prevenção, sensibilização
pede de ter uma visão global e com- e formação dirigido a grupos jovens,
provar a riqueza do trabalho, durante e público em geral.
estes anos.
Limitamo-nos por uma questão de es- Na área da afirmação da Mulher no
paço a evidenciar apenas alguns pon- Trabalho, prossegue-se ação na valo-
tos do trabalho da UMAR-Açores, o rização das mulheres na pesca.
que aliás também acontece nos capí-
tulos anteriores. Manifesto Feminista 2009 e os con-
Nesta etapa, marcada por uma grande tributos dos Açores
dinâmica associativa e de parcerias O Manifesto Feminista 2009, inicia-
associativas, a atividade da UMAR tiva de âmbito nacional, promovida
nos Açores fica em destaque ao pros- pela UMAR, apresenta medidas em
seguir e aprofundar, linhas de tra- 10 áreas fundamentais, envolvendo
Clarisse Canha 107

a participação e contributos de várias UMAR-Açores, na organização dos


associações “Num momento tão im- 16 dias nos Açores, tem evoluído no
portante como o das eleições legisla- sentido do trabalho em parceria que
tivas, a UMAR decidiu realizar audi- garanta a realização anual da cam-
ções públicas em várias regiões do panha com uma diversidade de ações
país junto de diversos sectores de e temáticas, com vista a alertar e sen-
mulheres, de associações, de movi- sibilizar para o problema da violência
mentos sociais, de jovens, para pro- sobre as mulheres no Mundo, no País
curar ouvir as vozes de quem tem e nos Açores, unindo o significado
algo a dizer, a reivindicar, a integrar de duas datas: o Dia Internacional da
numa agenda feminista que se pre- Eliminação da Violência Contra as
tende ampla e em permanente reela- Mulheres (25 de Novembro) e o Dia
boração. Correspondendo a este movi- Mundial dos Direitos Humanos (dia
mento a UMAR-Açores, em conjunto 10 de Dezembro).
com varias associações locais adere O programa anual da campanha
e comparticipa com contributos ao 16 dias, organizado na região pela
manifesto UMAR-Açores, tem contado com a
adesão crescente de parcerias, nomea-
16 Dias de Activismo contra a damente associações da área da igual-
Violência de Género dade e do desenvolvimento local.
Iniciativa de âmbito mundial decorre
em Portugal incluindo Açores Ações de rua e debates na Marcha
Mundial das Mulheres
16 Dias de Activismo contra a Vio-
lência de Género, campanha anual, A Marcha Mundial das Mulheres
que tem início em 2009. Esta é uma realiza a sua 3.ª Ação Internacional,
das ações de âmbito mundial21 em em 2010, é outra das ações de âm-
que a UMAR e a UMAR-Açores, se bito mundial a registar nesta época.
envolvem. Esta campanha decorre de A UMAR-Açores adere à Marcha,
Novembro a Dezembro, com o obje- que neste ano, (2010) marcou o
tivo de promover o debate e de denun- centenário do Dia Internacional das
ciar as várias formas de violência con- Mulheres, a solidariedade interna-
tra as mulheres no mundo. O papel da cional entre as mulheres, enfatizando
seu papel protagonista na solução de
21
Iniciativa lançada, em 1991, pelo Centro de
conflitos armados e na reconstrução
Liderança Global de Mulheres (Center for das relações sociais em suas comuni-
Women’s Global Leadership – CWGL). dades, em busca da paz. Esta 3.ª Ação
108 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

baseou-se em 4 pontos: Bem comum bateu o impacto da crise na vida das


e Serviços Públicos, Paz e desmilita- mulheres, contando-se com uma par-
rização, Autonomia económica e Vio- ceria ativa de associações locais23.
lência contra as mulheres. As ativi- A crise financeira do sistema capita-
dades da UMAR-Açores, decorreram lista está na ordem do dia, como está
especialmente em Março, com impor- na ordem do dia o movimento femi-
tantes ações de rua e conferencias em nista e a rede da Marcha Mundial das
parceria no âmbito da Marcha. Mulheres, que prepara para 2015 a
Em 2012, novamente, a Marcha de- sua 4.ª Ação.

4. Conclusõessobre o trabalho da UMAR-Açores nos direitos


das mulheres

a) A UMAR nos Açores tem traba- as discriminações de classe, no traba-


lhado em prol de vários direitos das lho, origem cultural, na religião, na
mulheres pobreza, na deficiência, nos direitos
lgbt, etc., no sentido da integração
Começando por abordar direitos das
da perspetiva de género e da interce-
mulheres em geral, passou posterior-
ção do feminismo com outras áreas e
mente a uma abordagem e interven-
movimentos da igualdade.
ção mais específica, desenvolvendo
trabalho em vários direitos, como:
b) A evolução e aprofundamento
direito e acesso ao trabalho, afirma-
do trabalho nos direitos das mulhe-
ção das mulheres na sociedade e na
res na área da violência doméstica
família, direitos na área da violên-
e de género
cia doméstica e de género, direitos
sexuais e reprodutivos incluindo o A ação na área da violência domés-
aborto, na formação e ensino, valori- tica e de género, nos Açores, onde a
zação e visibilidade do papel das mu- associação foi pioneira, constitui um
lheres no trabalho, particularmente dos trabalhos mais longos da UMAR-
em alguns setores profissionais, no ‑Açores na defesa dos direitos das
combate ao assédio sexual, na orien- mulheres e em que a evolução e o
tação sexual, e por último nas multi- aprofundamento tem estado forte-
discriminações. mente presente.22
No vasto campo das multidiscrimi- Desde o início, é lançado um alerta
nações, o trabalho da UMAR-Açores de denúncia pública acerca da vio-
na defesa dos direitos das mulheres,
tem procurado incidir em áreas como 22
AIPA, AJC, Norte Crescente.
Clarisse Canha 109

lência doméstica sobre as mulheres, lho da UMAR-Açores, a realização


como um atentado aos direitos das de ações de formação e sensibilização
mulheres e à sua dignidade humana, sobre a violência doméstica e a pro-
requerendo intervenção e respostas. moção da igualdade de género, numa
De seguida, o lançamento de pres- atividade constante e envolvente com
tação de serviços, em diferentes ilhas, grupos, particularmente jovens, o que
coloca o trabalho a um outro nível, contribui grandemente para o reco-
com estruturas de ação diária e maior nhecimento dos direitos das mulheres
proximidade às mulheres na defesa como direitos humanos.
e afirmação dos seus direitos e auto-
nomia. c) Evolução organizativa, temas
A evolução carateriza-se, não só prioritários e ação em âmbitos geo-
por prestar serviços de atendimento, gráficos e parcerias com impacto
acolhimento, e acompanhamento das no trabalho da UMAR-Açores
mulheres com vista à sua autonomi-
zação, mas também desenvolver ação Considerando a evolução organiza-
na defesa e reivindicação de direitos, tiva da UMAR nos Açores, como
com respostas institucionais e legais, acima se refere, nomeadamente do
desenvolver formação-ação e apostar nacional para o regional, e conside-
no trabalho em rede e parcerias. rando o desenvolvimento de temas
Reconhecendo-se a existência de prioritários (comuns no campo femi-
causas mais gerais, reconhecendo que nista e ação com envolvimento nos
a violência doméstica sobre as mu- âmbitos geográficos nacional e mun-
lheres tem raízes nas discriminações dial), assim como o importante tra-
de género que marcam a sociedade balho de parcerias que se foi acen-
patriarcal, a associação evolui neste tuando, surge a reflexão acerca da im-
trabalho, alargando para o campo do portância e influência destes aspetos
ativismo mais global pelo fim da vio- no trabalho da associação e o impacto
lência contra as mulheres, articulan- na sociedade açoriana.
do linhas de trabalho que emergem na Uma primeira questão tem a ver com
ação e parcerias. a caminhada associativa, do nacio-
Na defesa dos direitos humanos das nal ao regional. Em que medida tem
mulheres, evidencia-se hoje para esta prática a ver com a forma de tra-
além da prestação de serviços, denún- balhar os direitos humanos das mu-
cia e alertas ao público em geral, um lheres, numa região como a nossa,
importante trabalho de prevenção. beneficiando o trabalho, pela maior
Hoje, podemos evidenciar no traba- proximidade e compreensão, das reali-
110 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

dades locais. Uma segunda questão das mulheres, a mudança de cons-


tem a ver com a abertura de horizon- ciência social e mentalidades e da
tes, a inclusão de temas prioritários opinião pública em geral, na região.
comuns, o conhecimento e partilha Igualmente se destaca a ação no
que o envolvimento no nacional e campo dos direitos sexuais e reprodu-
mundial, para além do regional, e o tivos, nomeadamente no aborto, pela
trabalho em parcerias proporciona. implicação e adesão da associação
Parece-nos de concluir que estas ao sim, e o empenho nos movimen-
questões se refletem no reforço e tos pela despenalização do aborto em
maior desenvolvimento do trabalho Portugal, nomeadamente nos dois
não só em termos teóricos mas tam- Referendos (1998 e 2007).
bém práticos, através do conheci- A valorização das mulheres na socie-
mento, assim como do intercâmbio de dade, no trabalho e nas profissões,
experiências e realidades, idênticas e são outros campos de direitos das
diferenciadas, na defesa dos direitos mulheres onde se considera ter
das mulheres e da igualdade. havido maior impato do trabalho da
UMAR-Açores.
d)  Impacto do trabalho da UMAR- Finalmente, e quanto aos desafios
‑Açores nos direitos das mulheres e atuais na continuação e aprofun-
os desafios na atualidade damento dos direitos das mulheres
Sobre o impacto do trabalho da na erradicação das violências e da
UMAR-Açores nos direitos humanos promoção da igualdade, podemos
das mulheres, destaca-se o impacto evidenciar alguns desafios de ação
na área da violência doméstica e de hoje, tais como os direitos no campo
género, onde se pode considerar o LGBT, sem descurar os direitos
trabalho da associação determinante sociais e laborais que estão a ser
para as alterações que hoje se consta- postos em causa, tendo como justifi-
tam nesta área, nomeadamente o au- cação a crise, com particular impacto
mento do grau de autonomia por parte na vida das mulheres.
O modo como a AMI trabalhou,
trabalha e pretende continuar a trabalhar
em prol dos Direitos Humanos
Fernando Nobre

Nobre, F. (2015), O modo como a AMI trabalhou, trabalha e pretende conti-


nuar a trabalhar em prol dos Direitos Humanos. Boletim do Núcleo Cultural
da Horta, 24: 111-117.

Sumário: A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948, foi decisiva para o
reconhecimento do Ser Humano enquanto Património da Humanidade, sendo justo reconhecer
uma evolução positiva da consciencialização coletiva abrangendo os direitos cívicos, sociais,
económicos, políticos e culturais. Porém, a luta pela defesa dos Direitos Humanos conhecerá
sempre avanços e recuos. Ao refletir sobre a temática dos Direitos Humanos, a AMI pretende ir
ao âmago da sua visão, da sua missão, dos seus valores e, sobretudo, da sua ação. No dia 5 de
dezembro de 2014, a AMI comemorou o seu 30.º aniversário. Foram 30 anos de luta contra a
intolerância e contra a indiferença, 30 anos a acreditar num futuro diferente e melhor, 30 anos
a cooperar pela construção de um mundo mais justo, 30 anos de perseverança, 30 anos de
sonhos, 30 anos de projetos, 30 anos de concretizações, 30 anos dedicados à causa dos Direitos
Humanos.

Nobre, F. (2015), The way AMI worked, works, and intends to continue to
work in the promotion of Human Rights. Boletim do Núcleo Cultural da
Horta, 24: 111-117.

Summary: The Universal Declaration of Human Rights, adopted in 1948, was decisive for
the recognition of the human being as World Heritage, being fair to acknowledge a positive
evolution of collective awareness covering the civil, social, economic, political and cultural
rights. But the struggle for the defense of human rights will always know advances and retreats.
By reflecting on the theme of Human Rights, AMI intends to go to the core of its vision, its
mission, its values and, above all, of its action.
On December 5th 2014, AMI celebrated its 30th anniversary. 30 years of struggle against
intolerance and against indifference, 30 years believing in a different and better future, 30 years
cooperating to build a more just world, 30 years of perseverance, 30 years of dreams, 30 years
of projects, 30 years of achievements, 30 years dedicated to the cause of human rights.

Prof. Doutor Fernando Nobre – Fundador e Presidente da Fundação AMI.

Palavras-chave: Direitos Humanos, AMI, Mundo, Portugal, Sociedade Civil.

Key-words: Human Rights, AMI, World, Portugal, Civil Society.


112 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

É inegável que os 30 artigos da Decla- 30 anos de perseverança, 30 anos de


ração Universal dos Direitos do sonhos, 30 anos de projetos, 30 anos
Homem, hoje Direitos Humanos, de concretizações, 30 anos dedicados
adotada em Paris a 10 de dezembro à causa dos Direitos Humanos. Não
de 1948, constituíram um marco deci- só à sua proclamação mas, acima de
sivo na tomada de consciência cole- tudo, à sua efetivação, quer na ver-
tiva sobre a importância insubstituível tente internacional, quer na vertente
do Ser Humano enquanto Património nacional.
da Humanidade. Em 30 anos de existência, a AMI
O que já era implícito tornou-se explí- diversificou a sua atuação, impulsio-
cito, gravado na pedra quais 10 man- nada por uma participação cada vez
damentos de Moisés. Essa declaração mais ativa, adaptando-se à evolução
constitui um aperfeiçoamento da já da sociedade e procurando uma atua-
notável e inaugural “Déclaration des ção coerente e harmoniosa, passan-
Droits de l’Homme et du Citoyen”, do a intervir nas vertentes nacional
com os seus 17 artigos, decretados e internacional e nas áreas da saúde,
pela Assembleia Nacional Francesa e social, ambiental e de alertar cons-
aceite pelo ainda Rei Luís XVI, em ciências.
agosto de 1789.
Tem pois havido uma evolução posi- A missão humanitária internacional
tiva da consciencialização coletiva da AMI traduz-se em 2 tipos de
abrangendo os direitos cívicos, sociais, intervenções: missões de emergência
económicos, políticos e culturais. e missões de desenvolvimento com
Uma questão de partida fundamental equipas expatriadas ou em parceria
para a AMI é que refletir sobre a com organizações locais.
temática dos Direitos Humanos no
passado, no presente e nos tempos A sua primeira missão remonta a
vindouros é ir ao âmago da sua visão, 1987 em Lugadjole, na Guiné-Bissau,
da sua missão, dos seus valores e, próximo da fronteira com a Guiné-
sobretudo, da sua ação. ‑Conakri, que é ainda nos dias que
No dia 5 de dezembro de 2014, a correm, uma das regiões mais desfa-
AMI comemorou o seu 30.º aniver- vorecidas do país, tanto no campo
sário. Foram 30 anos de luta contra a socioeconómico como no que diz res-
intolerância e contra a indiferença, 30 peito ao acesso aos serviços de saúde.
anos a acreditar num futuro diferente
e melhor, 30 anos a cooperar pela Três anos volvidos, em setembro de
construção de um mundo mais justo, 1990, na iminência da Guerra do
Fernando Nobre 113

Golfo, a AMI realizou a sua primeira AMI ajudou a minorar o sofrimento


missão em contexto de guerra, com o dos deslocados e enviou 7 camiões
apoio aos refugiados na Jordânia. TIR e 1 avião com roupa e alimentos,
num total de 216 toneladas.
No ano de 1991, na Roménia, com
uma missão de emergência, a AMI Tendo já tido intervenção em todos os
prestou assistência a mais de 150 países de língua oficial Portuguesa,
crianças, no orfanato de Bilteni, vota- um dos mais significativos marcos na
das à miséria e ao abandono no pe- história das missões internacionais
ríodo pós-Ceausescu, numa tentativa da AMI ocorreu em Timor-Lorosae.
concreta de restaurar a dignidade A AMI foi a primeira Organização
daquelas crianças. Não-Governamental do mundo a en-
trar no território com ajuda humani-
Um dos mais terríveis e dramáticos tária no dia 22 de setembro de 1999,
acontecimentos do século xx (1994) após a violência ocorrida com os resul-
foi a guerra civil que opôs as etnias tados do referendo (decorrente do
Tutsi e Hutu no Ruanda. Num campo violento processo de independência).
de refugiados sem as mínimas condi-
ções de higiene e segurança, invadi- Ainda no continente Asiático, desde
dos pela fome, pela sede e pela exaus- 26 de dezembro de 2004 que a AMI
tão, os 6 voluntários da AMI, junto está presente no Sri Lanka. Nesse
com outras equipas humanitárias, dia, um sismo seguido de tsunami
atenderam entre 5 a 7 mil doentes por teve um impacto devastador, provo-
dia. O mesmo número de pessoas que cando milhares de mortos, desapare-
morria diariamente de cólera, disen- cidos, deslocados e sem abrigo, além
teria, meningite, paludismo… da completa destruição de infraestru-
turas. Respondendo ao pedido de
Na passagem do século xx para o xxi, auxílio internacional, formulado pelo
em abril de 1999, o irromper do con- governo do Sri Lanka, a AMI orga-
flito armado no Kosovo, entre sérvios nizou uma missão de emergência que
e albaneses, e a posterior intervenção chegou a este país, três dias depois.
da NATO provocou uma deslocação Os planos iniciais eram de perma-
de milhares de refugiados para os necer seis meses, mas as necessida-
países vizinhos, nomeadamente a des extremas no terreno e o extraor-
Macedónia, com consequências hu- dinário contributo da sociedade civil
manitárias de extrema gravidade. Portuguesa permitiu que a AMI esti-
Presente desde a primeira hora, a vesse até hoje no terreno com proje-
114 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

tos de reconstrução e apoio social, um abertura do primeiro Centro Porta


deles em parceria com uma comuni- Amiga. Num momento tão desafian-
dade luso-descendente, a comuni- te e árduo como o que se experiencia
dade Burgher. atualmente, com o número de pedi-
dos de ajuda à AMI a aumentar de
Em 2010, a AMI interveio na emer- ano para ano, o trabalho em Portugal
gência após o tremendo sismo ocor- torna-se mais importante e necessário
rido no Haiti. Começou por prestar do que nunca.
cuidados de saúde em 2 hospitais da Vive-se um período da História,
capital Port-au-Prince e colaborou em Portugal e um pouco por toda a
com a equipa da Proteção Civil Por- Europa, em que a sustentabilidade
tuguesa no planeamento e edificação da Política Social é uma preocupa-
do campo de deslocados de Parc ção e uma trágica incerteza, num
Colofé. Para além do Parc Colofé, a tempo de charneira entre um presente
AMI assumiu, através de uma parce- turbulento e um futuro incerto.
ria celebrada com a OIM – Organi- Das políticas de austeridade adotadas
zação Internacional para as Migra- desde 2008, tem resultado um au-
ções –, a responsabilidade de coorde- mento da desigualdade. Assiste-se a
nação de outros dois campos de des- um retrocesso das Políticas Sociais,
locados internos: Henfrasa e Palais de com a diminuição dos montantes
l’Art. Atualmente, a AMI apoia três concedidos e a alteração dos critérios
ONG locais que trabalham na área da de abrangência. Regista-se o agrava-
saúde e prevenção de catástrofes, em mento da situação dos que já eram
prol do desenvolvimento sustentável considerados pobres e a existência de
do país. novos: empobrecimento de pessoas
que tradicionalmente não eram pobres
Estes são apenas alguns exemplos da (profissionais da área da educação,
atuação da AMI no mundo em prol de arquitetura, etc.)
um futuro melhor, mas é de notar que A perda de habitação própria, ante-
a efetivação dos Direitos Humanos câmara da condição de “sem-abrigo”,
por parte da AMI é uma realidade não é uma consequência direta da nova
só além-fronteiras, como também no pobreza. Muitos destes pobres cami-
nosso país. nham para a pobreza estrutural:
quando alguém cai nas malhas da
Em 1994, dez anos após a sua funda- pobreza e dificilmente de lá sai. Para
ção, a AMI passou a intervir em terri- além da privação de recursos mate-
tório nacional na área social, com a riais, verifica-se a perda de estatuto
Fernando Nobre 115

social, quebra de auto-estima, proble- dade que se vinha a sentir, e como


mas de saúde mental, etc. complemento dos serviços disponí-
No sentido de proporcionar respos- veis nos Centros Porta Amiga, os 2
tas perante este contexto concreto e Abrigos Noturnos integram pessoas
preocupante, a AMI disponibiliza 15 do sexo masculino que necessitam
Equipamentos e Respostas Sociais em de apoio em termos de alojamento,
Portugal, que se dividem em 9 Cen- estando a viver na situação de sem‑
tros Porta Amiga (Lisboa – Olaias -abrigo. Aos homens recebidos nos
e Chelas, Porto, Almada, Cascais, Abrigos é garantido alojamento, ali-
Funchal, Coimbra, Vila Nova de mentação, higiene da roupa e pessoal,
Gaia e Ilha Terceira); 2 Equipas de apoio social e psicológico, confiden-
Rua (Lisboa e Porto e Vila Nova de cialidade e uma morada para corres-
Gaia); 2 abrigos noturnos (Lisboa e pondência.
Porto); 1 serviço de apoio domici- A rede social da AMI que, repita-se,
liário (Lisboa); e 1 Residência Social procura trabalhar de forma articulada
(Ilha de São Miguel). e holística, dispõe ainda do serviço de
Apoio Domiciliário. Essencialmente
Os Centros Porta Amiga prestam dirigido ao combate à exclusão social,
um conjunto alargado de serviços tem os idosos como beneficiários
aos seus beneficiários como refeitó- maioritários, desde a alimentação aos
rio; balneário; vestuário; lavandaria; afetos. O envelhecimento associado
distribuição de géneros alimentares; à doença mental é um dos maiores
apoio social; apoio psicológico; apoio desafios com que as sociedades con-
médico/enfermagem e distribuição de temporâneas se confrontam. Quer por
medicamentos; apoio jurídico; clube falta de apoio institucional ao nível
de emprego. hospitalar, quer por dificuldade no
As Equipas de Rua, por seu turno, acompanhamento destas situações ao
têm como metas principais melhorar nível da medicação. Acrescem ainda
a qualidade de vida dos sem-abrigo situações de habitação degradada,
promovendo respostas integradas de empobrecimento generalizado, isola-
várias áreas às dificuldades que en- mento e solidão.
frentam; complementar a intervenção
realizada pelos Centros Porta Amiga; Menção especial para a Residência
prestar apoio psicossocial contínuo, Social, na Região Autónoma dos
de forma a evitar regressões e preve- Açores. Este projeto destina-se a resi-
nir futuras formas de exclusão social. dentes de outras ilhas que, por moti-
Procurando colmatar uma necessi- -vos de saúde, tenham necessidade
116 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

de se deslocar aos serviços de saúde cursos ético, jurídico, político e das


existentes na Ilha de São Miguel, de- relações internacionais. Mas também
signadamente ao Hospital de Ponta não deixa de ser uma realidade que
Delgada, para consultas, exames a cada dia amplia-se o abismo entre
complementares de diagnóstico e/ou os princípios morais orientadores da
tratamentos, e que por se encontra- vida humana – ilustrados pelos Direi-
rem em situação de pobreza, maior tos Humanos – e a praxis política.
vulnerabilidade e/ou exclusão social A evolução do Mundo tem vindo,
necessitam de um mais aprofundado aliás, a questionar fortemente esses
apoio e acompanhamento psicosso- Direitos, postos em causa mesmo por
cial durante o período de tempo em países ditos democráticos. A Guerra
que estarão fora do seu local de resi- do Iraque, o processo de independên-
dência. cia do Kosovo e suas consequências
diretas (Ossétia do Sul, Abcásia, etc.),
A rede social que a AMI criou, em são exemplos de repetidas violações
parceria com diversos organismos do Direito Internacional, da Carta das
estatais, empresariais e da Economia Nações Unidas e das Convenções de
Social, constitui-se como um apoio Genebra. Casos paradigmáticos em
aos mais vulneráveis, contribuindo que o direito da força sobrepôs-se à
igualmente de modo ativo para a Força do Direito.
reinserção social. Procura dar-se uma Isto a acrescer a múltiplos conflitos
resposta integrada, holística, que que continuam a pulsar um pouco por
combata a pobreza, a miséria, o de- todo o globo: Afeganistão; Burun-
semprego (a existência de um posto di; Camboja; Chéchénia; Colômbia;
de trabalho é fundamental porque o Costa do Marfim; Darfur; Etiópia;
trabalho é, para a maioria dos cida- Iraque; Libéria; Mali; Quénia; Pa-
dãos, a única fonte de proveniência lestina; R.D. Congo; Ruanda; Serra
de recursos), a fome e a exclusão, e Leoa; Síria; Somália; Ucrânia.
promova a dignidade humana. Para além disso, e como consequên-
cia direta das grandes guerras, com os
É verdade que ao longo das últimas cerca de 50 milhares de refugiados e
seis décadas, especialmente após a deslocados no mundo, o movimento
promulgação da DUDH e da sua cres- migratário vai tomar uma amplitude
cente subscrição pelos Estados sobe- nunca antes vista.
ranos, a noção de direitos humanos e Ao longo de mais de 30 anos de per-
a exigência de respeito pelos mesmos curso humanitário antes e depois de
alcançaram um relevo ímpar nos dis- criar a AMI, sempre defendi acerri-
Fernando Nobre 117

mamente o papel fulcral da Socie- a maior densidade populacional do


dade Civil em várias áreas, nomea- mundo, fique com grande parte do
damente na dos Direitos Humanos. seu território debaixo de água.
Ainda que muitas vezes à revelia No âmbito da intervenção ambiental,
dos governos, a ação persistente da a AMI leva a cabo há quase duas
Sociedade Civil a nível local, regio- décadas, vários projetos como reci-
nal, nacional ou global constitui-se clagem de radiografias; reciclagem
como pilar insubstituível de qualquer de consumíveis informáticos; reci-
sociedade humana. Paralelamente, é clagem de óleos alimentares usados;
um fator essencial de equilíbrio num ou o projeto Ecoética com o objetivo
mundo instável dominado por uma de dar resposta às necessidades de
finança insaciável, atualmente desa- conservação da natureza e de orde-
creditada, e um poder político fraco e namento do território nacional, finan-
demissionário. ciando, ainda, projetos de cariz am-
É imperativo que temas como a biental implementados por organi-
Democracia Participativa como com- zações locais em vários países do
plemento saudável e indispensável à mundo.
Democracia Representativa, o debate Ao longo destes 30 anos, e no âmbi-
inter-religioso, o combate contra a to das suas duas áreas de intervenção
pedofilia, as crianças soldado, o trá- (nacional e internacional), a AMI
fico de órgãos ou de mulheres, ou a procurou, sempre, alertar consciên-
defesa ambiental, venham a ser inte- cias, ciente de que a participação da
grados numa reformulação da DUDH sociedade civil é fundamental para
de 1948. promover a mudança de atitudes e
comportamentos e pugnar pela defesa
No que diz respeito ao ambiente, dos Direitos Humanos.
por exemplo, é de destacar que, dos Todavia, estamos bem cientes que
12 novos Objetivos propostos para a a luta pela defesa dos Direitos
Agenda Pós-2015 da ONU, 3 se rela- Humanos conhecerá sempre avanços
cionam com a questão das alterações e recuos. Fluxos e refluxos da Histó-
climáticas. O acentuado agravamen- ria continuam ativos no século xxi e
to das condições climáticas levará a ninguém pode dormir tranquilo sobre
que muitos povos se transformem em esses direitos universais que pensá-
refugiados climáticos como é o caso vamos adquiridos. É imperioso deixar
do Bangladesh (onde a AMI também claro que somos corresponsáveis para
intervém). No período de duas ou três o bem e para o mal, sobre tudo o que
décadas, prevê-se que este país, com à espécie humana diz respeito.
O Provedor de Justiça:
da sindicância da má administração
à defesa dos Direitos Humanos
Miguel Menezes Coelho

Coelho, M. (2015), O Provedor de Justiça: da sindicância da má adminis-


tração à defesa dos Direitos Humanos. Boletim do Núcleo Cultural da Horta,
24: 119-136.
Sumário: O Ombudsman configurou, logo no seu surgimento, na Suécia, há mais de 200 anos,
uma instituição ambivalente, por ter surgido como um instrumento do poder real, mas que o
limitava. Em Portugal, o Provedor de Justiça começou por visar primacialmente a justiça e
a legalidade da atuação da Administração Pública, mas foi-se transfigurando, com especial
ênfase a partir das inspeções a estabelecimentos prisionais, mas também com a defesa dos
direitos das crianças e dos jovens, dos idosos e das pessoas com deficiência e, desde sempre,
com as funções no sistema de fiscalização da constitucionalidade. Ao longo do tempo, foi-se
consolidando, pois, a dimensão do Provedor de Justiça como promotor e defensor dos Direitos
Humanos. Hoje, essa caraterística é também institucional, uma vez que o Ombudsman portu-
guês agrega as qualidades de Provedor de Justiça, de Instituição Nacional de Direitos Humanos
e de Mecanismo Nacional de Prevenção.

Coelho, M. (2015), The Ombudsman: from the supervision of maladministra-


tion to the defense of human rights. Boletim do Núcleo Cultural da Horta,
24: 119-136.
Summary: Upon its creation, in Sweden, more than 200 years ago, the Ombudsman was an
ambivalent institution, having emerged as an instrument of Royal power, but being construed
as limiting this same power. In Portugal, the Ombudsman began by targeting primarily the
justice and legality of the actions of the public administration, but underwent modifications
from the moment when inspections to prisons were made and the institution focused on the
rights of children, elderly and people with disabilities. Since then, the Ombudsman is increas-
ingly a human rights promoter and protector. Today, the Provedor de Justiça encompasses the
qualities of Portuguese Ombudsman, National Human Rights Institution and National Preven-
tion Mechanism.
Miguel Menezes Coelho – Coordenador da Provedoria de Justiça.
Palavras-chave: Direitos Humanos, Provedor de Justiça, Prevenção.
Key-words: Human Rights, Ombudsman, Prevention.
120 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

1. A génese

A palavra Ombudsman resultará da No entanto, nove anos mais tarde,


adaptação do termo umbodhsmadhr, em 1709, o Czar Pedro derrotou-o
originário das línguas nórdicas ante- sem complacência nas margens
riores ao século xiv, e representa um do Vorskla, perto de Pultava, uma
comissário ou um procurador. derrota que deu à aura do anterior
A instituição nasceu na Suécia, quan- herói uma tonalidade trágica – e
do a Constituição de 1809 separou acabou por estar na origem do
os poderes legislativo e executivo e primeiro Ombudsman do mundo.
consagrou a designação de um emis- Após a derrota, Carlos rumou a
sário habilitado a receber queixas dos Bender, na atual República da
cidadãos contra a Administração, tor- Moldova (...). Assim, a Suécia, que
nando-se personnagio della legenda na época era um poderoso estado
nordica1. europeu, foi governada a partir
O relato da sua emergência histórica desta região até ao outono de 1714,
é feito por Frank Orton, antigo Pro- quando Carlos finalmente resolveu
vedor Sueco contra a Discriminação voltar para o seu reino (...).2
Étnica2, nos seguintes termos: Um ano antes, em outubro de 1713
(...), Carlos assinara um decreto
«No ano de 1697 e com a idade de instituindo o Ombudsman Real.
quinze anos, Carlos XII tornou-- A tarefa deste era garantir que os
‑se rei da Suécia. Três anos mais juízes, os oficiais militares e os ser-
tarde, no Outono de 1700, obteve vidores do Estado suecos respei-
uma vitória marcante sobre o Czar tavam as leis do país e as regras
Pedro, em Narva, na atual fron- estabelecidas. Tendo estado fora
teira entre a Estônia e a Rússia, da Suécia desde que partira, havia
apesar de comandar um exército treze anos, para a campanha mili-
alegadamente dez vezes inferior ao tar contra a Rússia, o rei viu-se na
russo. A vitória fez de Carlos XII necessidade de ter alguém fiscali-
um herói no seu tempo e o tema zando, em seu nome, o estado das
de famosa biografia de Voltaire. coisas do seu país».

Como afirma João Caupers, citando Gio-


1 2
Frank Orton, The Birth of the Ombuds-
vanni Napione, L’ombudsman. Il control- man, Sarajevo, 15 junho de 2001, e Varnitsa,
lore della pubblica amministrazione, Milão, 29 de junho de 2001, europeandcis.undp.
1969, p. 255. org/.../ OMBUDS_HISTORY.doc.
Miguel Menezes Coelho 121

Demorou mais de cem anos até que dos portugueses a figura do Ombu-
a instituição passasse as fronteiras do dsman, por ocasião do II Congresso
seu país de origem: primeiro para a Republicano de Aveiro, que decorreu
Finlândia, por ocasião da sua inde- em Aveiro, de 15 a 17 de maio de
pendência, em 1919, e, depois, para a 1969. Posteriormente, no I Congres-
Dinamarca, em 1953, e em 1962 para so Nacional dos Advogados, que
a Noruega. Neste mesmo ano, deu-se a se realizou entre os dias 16 e 19 de
saída da Escandinávia para o resto do novembro de 1972, apresentou uma
Mundo, através da Nova Zelândia. comunicação sobre o assunto.
A Assembleia Parlamentar do Con- Em 1971, José Magalhães Godinho
selho da Europa, de 22 de janeiro de defendeu a criação de um conselho
1975 – tendo presente que as formas nacional de defesa dos direitos, com
usuais de controlo judiciário não per- funções semelhantes às do Ombuds-
mitem sempre reagir com a rapidez e man. Competir-lhe-ia, designadamen-
eficácia bastantes a todos os aspetos te, promover, para além de diligên-
e a todos os desvios da administra- cias junto do Governo e organismos
ção moderna. E considerando que o públicos, inquéritos, investigações e
Ombudsman, o comissário parlamen- estudos acerca da eficácia das normas
tar ou o médiateur desempenham asseguradoras dos direitos e liberda-
uma dupla função de importância des fundamentais da pessoa humana,
primordial de proteger os particulares inscritos na Constituição e na Decla-
contra os abusos das Administrações ração Universal dos Direitos do
Públicas e de, mais genericamente, Homem.
contribuir para o aperfeiçoamento das No já referido I Congresso Nacional
Administrações –, recomendou ao dos Advogados, de 1972, Vasco da
Comité de Ministros que convidasse Gama Fernandes apresentou uma
os Governos dos Estados-Membros comunicação defendendo a criação
que ainda não haviam adotado aque- do Ombudsman, com o propósito de
la instituição ao estudo da possi- prevenir e de promover a defesa dos
bilidade de designar, tanto a nível direitos, em geral, e das liberdades
nacional como a nível regional e ou públicas, em particular.
local, pessoas que assumam funções Ainda na mesma ocasião, Mário
correspondentes às dos Ombudsman Raposo foi relator do IV tema
e comissários parlamentares então («O advogado perante o processo
existentes. civil») no qual defendia que o
Terá sido Vital Moreira quem, pela pri- Ombudsman assegura a cada cidadão
meira vez, trouxe ao conhecimento a certeza de poder viver em condições
122 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

de liberdade e de segurança, na medi- de má administração e com poder


da em que, com total independência, para averiguar, criticar e tornar pú-
censura e controla os erros, excessos blica a atuação administrativa, sem a
e abusos dos poderes constituídos. poder modificar.
Em 1973, no III Congresso da Oposi- Posteriormente, e por iniciativa do
ção Democrática, Vasco da Gama Ministro da Justiça, Salgado Zenha,
Fernandes reiterou a ideia da criação foi elaborado o Plano de Ação do
de um organismo oficial destinado a Ministério da Justiça, que viria a ser
ser o veículo das reclamações cívicas aprovado em Conselho de Ministros,
contra erros, arbítrios ou negligências a 20 de setembro de 1974, do qual
praticados pela Administração ou constava, no plano legislativo, o
pelos municípios, devendo ser diri- desígnio de instituir o Ombudsman,
gido por individualidades nomeadas visando assegurar a justiça e a lega-
pelo Parlamento, com o poder de lidade da Administração através de
inspecionar, abrir inquéritos, receber meios informais.
reclamações orais ou escritas e dar- A Procuradoria-Geral da República
‑lhes o destino conveniente, pelas foi encarregada de efetuar um estudo
vias dos tribunais ou das repartições sobre o assunto, que concretizou
competentes. elencando as opções tomadas pelos
Após a Revolução de 25 de abril legisladores dos vários países e apon-
de 1974, o Decreto-Lei n.º 261/74, tando as características que a institui-
de 18 de junho, previu a criação de ção devia revestir em Portugal. Com
comissões de reforma judiciária, com base naquele estudo, foi elaborado
a finalidade de elaborar e sistematizar um anteprojeto de diploma legal.
as críticas ao regime judiciário então O Decreto-Lei n.º 212/75, de 21 de
vigente e de sugerir as reformas jul- abril, criou o cargo de Provedor de Jus-
gadas adequadas à democratização tiça, visando fundamentalmente asse-
e eficácia da justiça; a Comissão de gurar a justiça e a legalidade da admi-
Reforma Judiciária do Supremo Tri- nistração pública através de meios
bunal de Justiça (cujo vogal era Mário informais, investigando as queixas
Raposo) elaborou um relatório geral dos cidadãos contra a mesma admi-
sobre todos os trabalhos e propôs a nistração e procurando para elas as
criação, na ordem jurídica portu- soluções adequadas (artigo 1.º, n.º 1).
guesa, do Provedor de Justiça, com A instituição Provedor de Justiça foi
competência para o recebimento de prevista nos projetos de Constituição
queixas de particulares, visando uma apresentados por três dos partidos
injustiça ou um ato de corrupção ou representados na Assembleia Consti-
Miguel Menezes Coelho 123

tuinte, a saber: Centro Democrático dãos contra atos ilegais ou injustos


Social (CDS), Partido Socialista (PS) da Administração e propor à Câmara
e Partido Popular Democrático (PPD). e ao Governo as providências ade-
O projeto do CDS designava-o «de- quadas.
fensor do cidadão» e qualificava‑o A discussão na especialidade iniciou-
como órgão independente e impar- ‑se na sessão da Assembleia Consti-
cial incumbido de receber, apreciar tuinte, de 22 de agosto de 1975, tendo
e decidir as reclamações ou queixas terminado na sessão do dia 26 do
apresentadas pelos cidadãos contra mesmo mês, com a aprovação do
quaisquer ações ou omissões da artigo com alterações (propostas de
Administração Pública arguida de emenda do Grupo Parlamentar do
injustiça, imoralidade ou ilegalidade CDS), depois do que apresentaram
grosseira. declarações de voto os Deputados
O projeto do PS previa a existência Lopes de Almeida (PCP), Luís Cata-
de dois provedores de Justiça, um rino (MDP/CDE), Mário Mesquita
para o sector da Administração a (PS), Costa Andrade (PPD) e Freitas
cargo do Governo e outro para as do Amaral (CDS).
forças armadas, tendo um e outro por A Constituição da República Portu-
função receber as queixas dos cida- guesa, aprovada na sessão plenária da
dãos relativamente à Administração e Assembleia Constituinte, de 2 de abril
aos Poderes Públicos e de, depois de de 1976, consagrou o Provedor de
as apreciarem, apresentarem as reco- Justiça, nos seguintes termos: os cida-
mendações para as reparar e prevenir dãos podem apresentar queixas por
de futuro, sem poder decisório. ações ou omissões dos Poderes Pú-
Já o projeto do PPD previa que junto blicos ao Provedor de Justiça, que as
da Câmara dos Deputados funcio- apreciará sem poder decisório, diri-
nasse o comissário parlamentar dos gindo aos órgãos competentes as reco-
interesses dos cidadãos, ao qual com- mendações necessárias para prevenir
petiria indagar das queixas dos cida- e reparar injustiças (artigo 24.º, n.º 1).

2. As principais características da atuação do Provedor de Justiça

O atual Estatuto do Provedor de Jus- pela Lei n.º 17/2013, de 18 de feve-


tiça foi aprovado pela Lei n.º 9/91, de reiro3.
9 de abril, entretanto alterada pela Lei
n.º 30/96, de 14 de agosto, pela Lei 3
Pode ser consultado em http://www.prove-
n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, e dor-jus.pt/?idc=20&idi=15378.
124 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

O artigo 5.º do Estatuto regula a deputados presentes, desde que supe-


designação do Provedor de Justiça rior à maioria absoluta dos deputados
pela Assembleia da República, que em efetividade de funções.
deve recair em cidadão que, gozando Nos termos do artigo 258.º do Regi-
de comprovada reputação de inte- mento, se nenhum dos candidatos
gridade e independência, preencha obtiver esse número de votos, pro-
igualmente os requisitos de elegibili- cede-se a segundo sufrágio, ao qual
dade para a Assembleia da República. concorrem apenas os dois candidatos
Mas o procedimento vem igualmente mais votados cuja candidatura não
previsto no Regimento da Assembleia tenha sido retirada.
da República4, na secção III relativa E, caso não se alcance a eleição de
à designação de titulares de cargos nenhum dos candidatos, o processo é
exteriores à Assembleia. reaberto, no prazo máximo de 15 dias
Inicia-se com a apresentação de can- (artigo 260.º do Regimento).
didaturas (artigo 256.º do Regimento), Concluído o processo com sucesso,
que devem ser subscritas por um a posse é tomada, naturalmente,
mínimo de 10 e um máximo de 20 perante o Presidente da Assembleia
Deputados, perante o Presidente da da República.
Assembleia, até 30 dias antes da data São cinco as principais características
da eleição, acompanhadas do curri- do Provedor de Justiça, conforme as
culum vitae do candidato e da decla- elenca João Caupers5:
ração de aceitação de candidatura. – A independência;
Durante o período que decorre entre – A imparcialidade;
a apresentação das candidaturas e a – A acessibilidade;
data das eleições, a Assembleia, atra- – A falta de vinculatividade 6; e
vés da comissão parlamentar compe- – A especialização em administra-
tente, procede à audição de cada um ção pública.
dos candidatos.
A votação deverá alcançar uma maio- Vejamos cada uma com mais atenção.
ria qualificada, de dois terços dos A independência resulta tanto das
características pessoais do escolhido
Regimento da Assembleia da República
4

n.º 1/2007, publicado no Diário da Repú- 5


O Cidadão, o Provedor de Justiça e as
blica, n.º 159, 1.ª série, de 20 de agosto de Entidades Administrativas Independentes,
2007, e retificado pela Declaração de Reti- Lisboa, 2002, p. 85, ss.
ficação n.º 96-A/2007, publicada no Diário 6
Como se verá adiante, João Caupers fala,
da República, n.º 202, 1.ª série, 1.º suple- verdadeiramente, em falta de poder de
mento, de 19 de outubro de 2007. decisão.
Miguel Menezes Coelho 125

quanto do procedimento de designa- Tal interpretação foi publicamente


ção, que visa colocá-lo ao abrigo da assumida pelo próprio Provedor de
interferência dos órgãos administra- Justiça José de Faria Costa, logo nos
tivos ou executivos visados pela sua primeiros tempos do seu mandato, e
atividade. traduz não só uma efetiva abertura
Pode falar-se de imparcialidade com institucional às diferentes solicita-
referência ao estatuto de equidistân- ções dos cidadãos, como também
cia7 relativamente aos vários interes- – e essencialmente – o anúncio de
ses, uma vez que é totalmente inde- um amplo direito de queixa fundado
pendente nos contextos de conflito muito mais na injustiça do que na
em que se move. ilegalidade.8
A acessibilidade significa que podem Se, historicamente, o Ombudsman
recorrer ao Provedor de Justiça todos configurou um plus relativamente ao
aqueles que pretendam suscitar ques- tradicional controlo jurisdicional dos
tões relativas ao desempenho das poderes públicos, como é unanime-
entidades compreendidas no âmbito mente reconhecido, este comprometi-
de atuação. É esse o sentido do artigo mento com a vertente justiça – a qual,
3.º do Estatuto, epigrafado «direito de por natureza, não pode deixar de ir
queixa»: todos os cidadãos, pessoas além da mera legalidade – e a cir-
singulares ou coletivas, podem apre- cunstância de ter sido expressa e sole-
sentar queixas por ações ou omissões nemente afirmado por um Provedor
dos poderes públicos. de Justiça no exercício do seu cargo,
Significa, também, que podem fazê-lo traduz a verdadeira essência da aces-
sem especiais requisitos de forma. sibilidade como característica distin-
Mas, mais relevante ainda do que tiva do órgão do Estado.
a mera acessibilidade formal – por O mesmo artigo 3.º esclarece, se
certo importante, até porque ligada dúvidas houvesse, que o Provedor de
à desnecessidade de constituição de Justiça aprecia as queixas sem poder
advogado –, é a «disponibilidade decisório, dirigindo aos órgãos com-
institucional para “ouvir” e “sentir” petentes as recomendações necessá-
as queixas ou as suas antecâmaras, rias para prevenir e reparar injustiças.
as “lamentações” dos seus conci- Caupers, como aliás muitos outros
dadãos»8. autores, afirma que «a característica

7
João Caupers, O Cidadão, o Provedor de 8
José de Faria Costa, “Razões de uma
Justiça e as Entidades Administrativas Inde- razão II”, Diário de Notícias, 7 de outubro
pendentes, Lisboa, 2002, p. 85, ss. de 2013, p. 47.
126 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

do Ombudsman que porventura me- Provedor de Justiça são dirigidas ao


lhor reflete a sua natureza é a falta órgão competente para corrigir o ato
de poderes de decisão»9, ou seja, a ou a situação irregulares, que dispõe
circunstância de não ter capacidade de 60 dias, a contar da sua receção,
jurídica para alterar ou revogar deci- para comunicar a posição que quanto
sões administrativas. a ela assume.
Parece mais adequado, contudo, falar No fim da instrução do procedimen-
em ausência de vinculatividade, em to, o não acatamento da recomenda-
vez de falta de poder de decisão. É que, ção tem sempre de ser fundamentada,
na verdade, o Provedor de Justiça motivação que se torna desnecessária
toma decisões e transmite-as às enti- em caso de concordância. E, caso as
dades visadas; o que não pode é recomendações não sejam atendidas
impor as soluções que considera mais pelos órgãos executivos das autar-
acertadas, limitando-se portanto a su- quias locais, o Provedor pode dirigir-
gerir ou aconselhar um desfecho pos- ‑se às respetivas assembleias deli-
sível. Como sintetizou José Menéres berativas e, sempre que a Administra-
Pimentel, «ao Provedor assiste o po- ção não atuar de acordo com as suas
der de influenciar o comportamento recomendações, o Provedor pode
dos restantes poderes públicos, não dirigir-se à Assembleia da República,
pela razão da autoridade, não por expondo os motivos da sua tomada
qualquer privilégio de execução pré- de posição.
via, mas pela autoridade da razão, Qual o motivo que explica que seja
pelo privilégio do distanciamento em conferida especial credibilidade às
relação aos diversos interesses públi- recomendações que o Provedor de
cos que movem a actuação dos outros Justiça dirige à Administração? A res-
órgãos e serviços do Poder»10. posta, pelo menos parcialmente, foi
É esta competência, de formular dada pelo Conselho Consultivo da
recomendações, que verdadeiramente Procuradoria-Geral da República11,
constitui o principal traço carateri- ao discorrer sobre a relevância da
zador do Ombudsman. existência de uma recomendação do
O procedimento inerente a tal com- Provedor, concluindo que, apesar de
petência vem descrito no artigo 38.º não terem força vinculativa para a
do Estatuto: as recomendações do
Parecer n.º 41/87, do Conselho Consultivo
11
 9
Idem, ibidem. da Procuradoria-Geral da República, de 29
10
Dicionário Jurídico da Administração de julho de 1987 (Diário da República, 2.ª
Pública, Volume VI, 1994, p. 658. série, n.º 292, de 21 de dezembro de 1987).
Miguel Menezes Coelho 127

Administração, num Estado de direi- documentos que as acompanhem, aos


to democrático espera-se que ela seja grupos parlamentares para os fins que
ponderada devidamente. estes entendam convenientes, e tam-
O Conselho Consultivo lembrou que, bém que são publicadas no Diário da
por vezes, o Provedor de Justiça reco- Assembleia.
menda a revisão de uma situação, por Para além da obrigação de fundamen-
meios não contenciosos, com base tar a discordância com as sugestões
não só em razões jurídicas, mas tam- do Provedor, o Estatuto impõe ainda
bém em motivos de equidade, pelo aos órgãos e agentes dos serviços da
que o acatamento da recomendação administração pública central, regio-
exige que a Administração procure, nal e local, das Forças Armadas, dos
para além do «legal», o «certo e o institutos públicos, das empresas
justo», numa representação onde, públicas ou de capitais maioritaria-
apesar de tudo, não deixará de inter- mente públicos ou concessionárias de
-vir o seu critério subjetivo: a sua serviços públicos ou de exploração
consciência jurídica e axiológica. Em de bens do domínio público, das enti-
suma, concluiu que as recomendações dades administrativas independentes,
do Provedor de Justiça, ainda que não das associações públicas, designada-
vinculativas, devem ser ponderadas mente das ordens profissionais, das
devidamente pela Administração, entidades privadas que exercem po-
que, no respeito por elas, as situações deres públicos ou que prestem ser-
controvertidas devem ser examinadas viços de interesse geral, a obrigação
não só numa perspetiva de legalidade, de prestar todos os esclarecimentos
mas também de equidade, ensaiando- e informações que lhes sejam solici-
‑se, se for caso disso, soluções não tados pelo Provedor de Justiça.
contenciosas. E se, apesar de tudo, Em suma, a debilidade que poderia
o diferendo se mantiver, justifica-se advir da ausência de vinculatividade
que se aguarde uma atuação em ter- vem acompanhada de uma especial
mos de justiça concreta, para a qual se autoridade procedimental, consubs-
encontram vocacionados os tribunais. tanciada na circunstância de ser devi-
Uma vez que o Provedor de Justiça da ao Provedor de Justiça a prestação
pode dirigir recomendações legis- de informações, a disponibilização de
lativas à Assembleia da República, documentos e processos para exame;
o respetivo Regimento prevê12 que de o Provedor de Justiça poder fixar,
elas devem ser remetidas, com os por escrito, prazo não inferior a 10
dias para satisfação de pedido que
12
Artigo 241.º formule com nota de urgência e de o
128 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Provedor de Justiça poder determinar seja por serem desenvolvidas por


a presença na Provedoria de Justiça, entidades públicas, seja por serem
ou noutro qualquer local que indicar reguladas por normas de direito
e que as circunstâncias justifiquem, público, seja, ainda, porque, de
de qualquer trabalhador ou represen- qualquer outra forma, têm a ver
tante das entidades visadas, mediante com a prossecução de interesses
requisição à entidade hierarquica- públicos, entendidos estes como
mente competente, ou de qualquer os que respeitam à satisfação de
titular de órgão sujeito ao seu contro- necessidades colectivas»14.
lo, a fim de lhe ser prestada a coope-
ração devida, sob pena de o Prove- Mas, ainda que os poderes de inspe-
dor suscitar ao superior hierárquico ção e fiscalização do Provedor de Jus-
competente a instauração de proce- tiça visem fundamentalmente a ativi-
dimento disciplinar ou ao Ministério dade administrativa do Estado, dois
Público a instauração do competente aspetos merecem particular atenção.
processo-crime por desobediência e a Por um lado, a extensão do conceito
realização de inspeções. de poderes públicos, de que tanto a
O que fica exposto sobre a ausência Constituição como o Estatuto fazem
de vinculatividade permite compreen- uso. Compreende, desde logo, o
der a expressão «magistratura de Estado, mas também os chamados
influência»13 aplicada ao Provedor entes públicos menores, territoriais
de Justiça. ou corporativos. E também as autori-
A última característica é a especiali- dades administrativas independentes.
zação na Administração Pública, o E mesmo os órgãos de soberania são
que significa que o Ombudsman de- também poderes públicos incluídos
senvolve a sua atividade no universo no âmbito de atuação do Provedor de
público, controlando os poderes pú- Justiça, ainda que apenas na vertente
blicos. própria do exercício das respetivas
João Caupers sintetiza esta caracte- funções administrativas, deixando
rística: totalmente de fora as funções polí-
tica, legislativa e jurisdicional.
«(...) é compreensível a ideia de
Como explica Freitas do Amaral,
que a instituição somente faz senti-
do relativamente a actividades que «se é verdade que todos os órgãos
tenham uma conotação pública – administrativos desempenham a

13
João Caupers, ibidem. João Caupers, ibidem.
14
Miguel Menezes Coelho 129

função administrativa, não o é me- de intervenção do Provedor de Justiça


nos que esta – a função adminis- nesta área foram definidos de forma
trativa – é também desempenhada, dualista, ao mesmo tempo orgânica e
ainda que em plano secundário, material: de um lado, não incluindo os
pelo Presidente da República, pelo órgãos de soberania e as assembleias
Parlamento e pelos Tribunais: há, e governos regionais, com exceção
com efeito, actos materialmente da respetiva atividade administrativa;
administrativos praticados pelo do outro lado, fixando um procedi-
Presidente, ou pelos serviços da mento próprio relativamente às quei-
Presidência, pela Mesa do Parla- xas sobre a atividade judicial.16
mento, ou pelo seu Conselho de De facto, o n.º 3 do artigo 22.º do
Administração e respectivos servi- Estatuto dispõe que «as queixas rela-
ços, e ainda pelos juízes e funcio- tivas à atividade judicial que, pela
nários de justiça»15. sua natureza, não estejam fora do
âmbito da atividade do Provedor de
Por outro lado, coloca-se ainda a Justiça serão tratadas através do
questão de saber se a atuação do Pro- Conselho Superior da Magistratura,
vedor pode incidir sobre a atividade do Conselho Superior do Ministério
discricionária das entidades públicas, Público ou do Conselho Superior dos
quer sobre a discricionariedade admi- Tribunais Administrativos e Fiscais,
nistrativa quer sobre a técnica. conforme os casos».
A resposta é afirmativa, uma vez que o O que daqui resulta é tanto que a fun-
limite se situa, não na discricionarie- ção jurisdicional está totalmente fora
dade, mas «no controlo do mérito da do âmbito da atividade do Provedor
actuação dos poderes públicos, salvo de Justiça, quanto que sobre os pro-
em casos de “erro manifesto” (erreur cessos a correr termos nos tribunais a
manifeste), ou de “total desrazoabi- intervenção está limitada aos aspetos
lidade” (pure unreasonableness)»16. administrativos e ao eventual atraso
Não obstante o que fica dito, justifica judicial.
ainda maior atenção a questão dos tri- Questão diferente, mas ligada ainda
bunais, na medida em que os poderes à atividade judicial, é a da possibili-

15
Diogo Freitas do Amaral, Ombudsman Diogo Freitas do Amaral, Limites jurí-
16

– Novas competências, Novas funções. VII dicos, políticos e éticos da actuação do


Congresso Anual da Federação Ibero-ame- Ombudsman, AA.VV., Democracia e Direi-
ricana de Ombudsman, AA.VV, Lisboa, tos Humanos no Século xxi, Lisboa, Prove-
Provedor de Justiça, 2002, p. 230. doria de Justiça, 2000.
130 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

dade de ser apresentada queixa sobre cunho é impressivo e de há muito


uma situação que, em simultâneo, tempo.
esteja a ser apreciada em tribunal, Recordem-se, a título de exemplo,
sendo pacífico que o Provedor não as intervenções ao nível do sistema
poderá aceitar apreciá-la – mas não prisional, que começaram em 1993,
por razão de litispendência, ou para visando verificar em que medida a
evitar a inútil e prejudicial duplicação administração penitenciária cumpria
de processos, ou a eventual contra- os objetivos fixados na Constituição
dição das decisões ou por causa do e na Lei, designadamente, se aqueles
princípio non bis in idem; diferente- propiciavam o fim primacial da exe-
mente do que afirma Diogo Freitas cução das penas, que é o da reinser-
do Amaral17, o que releva é o respeito ção social das pessoas sujeitas a me-
pelo princípio da independência dos didas privativas de liberdade.
tribunais e o dever de acatamento das Mas também as intervenções em
decisões por eles proferidas. matéria de direitos das crianças e dos
Existe, concomitantemente, uma com- jovens, dos idosos e das pessoas com
ponente de direitos humanos na ativi- deficiência, para além das funções
dade dos Ombudsman, mesmo que que lhe foram atribuídas no sistema
ela seja por vezes menos percetível de fiscalização da constitucionalidade
pela generalidade dos cidadãos. e que fazem dele um «órgão de
Quanto ao Provedor de Justiça, tal garantia da Constituição»18.

3. A expansão do modelo do Provedor de Justiça


1718 19

Apesar de surgir «num contexto espe- der a sua influência além fronteiras.
cífico de transição democrática»19, De início, marcando decisivamente
primeiro com a consagração legal e, a figura do Defensor del Pueblo que,
depois, com a constitucionalização, o em 1978, surge na Constituição espa-
Provedor de Justiça português teve a nhola. É o que atesta Alvaro Gil Ro-
virtualidade histórica de lograr esten- bles, autor do projeto de lei orgânica
que regula o Defensor del Pueblo, ao
recordar que «a Lei Portuguesa foi
17
Ombudsman – Novas competências..., op.
cit., p. 231.
18
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Cons- Catarina Sampaio Ventura, Direitos
19

tituição da República Portuguesa Anotada, Humanos e Ombudsman – Paradigma de


3.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, um Instituição Secular, Lisboa: Provedor de
1993, p. 171, § II. Justiça, 2007, p. 45.
Miguel Menezes Coelho 131

um elemento de trabalho fundamen- encontram-se institucionalizados, no


tal, porque constituiu uma mudança que ao Ombudsman concerne, na Fe-
significativa na evolução que existira deração Ibero-Americana de Ombu-
da Instituição do ombudsman, desde dsman (FIO), cujos Estatutos foram
a sua origem, até ao ano de 1982 adoptados na cidade de Cartagena
em que se iniciou a experiência espa- das Índias (Colômbia),em 5 de Agos-
nhola»20. to de 1995»21.
Relativamente aos países latino-ame- Mais direta, todavia, foi a exporta-
ricanos, a marca do modelo português ção do modelo luso para os países de
de Ombudsman terá operado, ainda língua oficial portuguesa, designada-
que apenas mediatamente por via do mente em África e em Timor.
Defensor del Pueblo espanhol, mas Este processo culminou com a cria-
traduziu-se, de forma impressiva, no ção, no âmbito da Comunidade de
posicionamento jurídico e político Países de Língua Oficial Portuguesa,
dentro dos direitos fundamentais. de Rede de Provedores de Justiça,
Aliás, como destaca Catarina Sam- Comissões Nacionais e Direitos Hu-
paio Ventura «os laços privilegiados manos e demais Instituições Nacio-
que ligam os países ibero-americanos nais de Direitos Humanos.

4. O Provedor de Justiça instituição nacional de Direitos Humanos


20

No domínio dos Direitos Humanos, em Paris, entre os dias 7 e 9 de outu-


estão internacionalmente definidos bro de 1991.21
padrões mínimos de referência que Foram posteriormente adotados pela
devem ser respeitados por todas as Comissão dos Direitos Humanos das
instituições nacionais que visem a Nações Unidas, através da Resolução
sua defesa, numa ótica de plena inde- 54/1992, e, em 1993, a Assembleia
pendência e eficácia. São conhecidos Geral das Nações Unidas reafirmou-
como Princípios de Paris, uma vez ‑os na Resolução n.º 48/134, de 20 de
que foram elaborados na primeira dezembro. No mesmo ano, foi criado
reunião internacional das instituições o Comité Internacional de Coorde-
nacionais de promoção e proteção nação das Instituições Nacionais para
dos direitos humanos, que teve lugar a Promoção e Proteção dos Direitos
Humanos (ICC), cuja principal mis-
20
Alvaro Gil Robles, El defensor del pueblo,
Madrid: Editorial Civitas, 1979, pp. 149-164. 21
Idem, p. 72, nota 148.
132 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

são é apreciar a conformidade das práticas nacionais com os instrumen-


organizações àqueles Princípios, me- tos internacionais de que o Estado
diante um processo de acreditação e seja parte e a sua efetiva aplicação,
re-acreditação de que pode resultar ou para encorajar a ratificação ou
uma das três classificações: A (plena- adesão àqueles instrumentos; e con-
mente conforme), B (alguns aspetos tribuir para os relatórios que os Esta-
não conformes) e C (não conforme). dos devam apresentar aos organismos
Os Princípios de Paris definem as e comités das Nações Unidas e às
atribuições e competências, a compo- instituições regionais; cooperar com
sição e os métodos de funcionamento as Nações Unidas e com qualquer
das instituições nacionais de direitos outra organização do sistema das
humanos. Nações Unidas, com as instituições
Neste contexto, as instituições nacio- regionais e nacionais de outros países;
nais devem ter por atribuições a pro- prestar assistência na elaboração de
moção e proteção dos direitos huma- programas de ensino e investigação
nos e um mandato tão amplo quanto no domínio dos direitos humanos e
participar na respetiva execução nas
possível, claramente consagrado em
escolas, universidades e círculos pro-
texto constitucional ou legislativo.
fissionais e, finalmente, divulgar os
Além disso, as instituições nacionais
direitos humanos e os esforços para
devem ter, entre outras, a competên-
combater a discriminação em todas
cia para apresentar ao governo, ao
as suas formas.
parlamento e a qualquer outra enti- A composição das instituições nacio-
dade recomendações sobre matérias nais e a designação dos seus membros
relativas à promoção e proteção dos deverão ter por base procedimentos
direitos humanos, designadamente que prevejam as garantias necessárias
quanto ao respeito dos princípios fun- para a representação pluralista das
damentais de direitos humanos pelas entidades da sociedade civil que par-
disposições legais ou administrativas, ticipam na promoção e proteção dos
quanto à violação de direitos huma- direitos humanos, como organizações
nos, quanto à elaboração de relatórios não-governamentais, representantes
sobre a situação nacional relativa aos de correntes de pensamento filosó-
direitos humanos e sobre situações ficas ou religiosas, de membros de
de violação de direitos humanos em universidades e peritos qualificados,
qualquer parte do país. de parlamentares e de colaboradores
E devem também ter competência de departamentos governamentais.
para promover e garantir a harmoni- Adiante-se que as instituições nacio-
zação da legislação, regulamentos e nais de direitos humanos devem dis-
Miguel Menezes Coelho 133

por de uma infraestrutura adequada mesmo direito de participação em


ao bom desempenho das suas ativida- algumas instâncias, maxime no Con-
des, e em particular de fundos sufi- selho de Direitos Humanos, apresen-
cientes, como forma de garantir a sua tando documentos próprios, assistindo
independência face ao governo. a reuniões e intervindo nas mesmas.
Em termos funcionais, os Princípios Tenha-se presente, além do mais, que
de Paris também definem os métodos o conceito de Instituição Nacional de
de funcionamento das instituições Direitos Humanos designa, em regra,
nacionais, visando salvaguardar, no- dois tipos de instituições de promo-
meadamente, a autonomia e indepen- ção e proteção dos direitos humanos:
dência de atuação, o acesso irrestrito as Comissões de Direitos Humanos e
aos órgãos de comunicação social e os Ombudsman.
o relacionamento com organizações O Ombudsman português – Provedor
não-governamentais que se dedicam de Justiça – detém, desde 1999, a
à proteção e promoção dos direitos qualidade de Instituição Nacional de
humanos. Direitos Humanos portuguesa, acre-
Mas compreendem ainda outras re- ditada com estatuto A.
gras sobre o recebimento e exame E, nessa qualidade, tem assento na
de queixas e petições, podendo as Comissão Nacional para os Direitos
instituições nacionais procurar ações Humanos, entidade de natureza go-
conciliatórias, prestar informações vernamental que funciona na depen-
aos requerentes relativamente aos dência do Ministério dos Negócios
seus direitos, transmitir e formular Estrangeiros e visa uma melhor
recomendações às autoridades com- coordenação interministerial tanto no
petentes. que se refere à preparação da posição
Finalmente, as Instituições Nacionais de Portugal nos organismos interna-
de Direitos Humanos acreditadas com cionais em matéria de direitos huma-
estatuto A são parceiros em matéria de nos, como no que respeita ao cum-
Direitos Humanos, designadamente primento das obrigações assumidas
no quadro das Nações Unidas, tendo nessa matéria.

5. O Provedor de Justiça mecanismo nacional de prevenção da tortura

A Convenção contra a Tortura e Assembleia Geral das Nações Unidas,


Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, de 10 de dezembro de 1984. Entrou
Desumanos ou Degradantes foi em vigor na ordem internacional em
adotada pela resolução n.º 39/46, da 26 de junho de 1987 e na ordem jurí-
134 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

dica portuguesa em 11 de março de ção, assim como instaurar inquéritos,


1989. em caso de suspeita de violação
Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º da grave ou sistemática das disposições
Convenção, constitui tortura da Convenção.
Pelo Protocolo Facultativo à Conven-
«qualquer acto por meio do qual
ção contra a Tortura, adotado pela
uma dor ou sofrimentos agudos,
Assembleia Geral das Nações Unidas,
físicos ou mentais, são intencio-
a 18 de Dezembro de 2002, e em
nalmente causados a uma pessoa
vigor a nível internacional desde 22
com os fins de, nomeadamente,
de Junho de 2006, foi estabelecido
obter dela ou de uma terceira pes-
um mecanismo internacional de visita
soa informações ou confissões, a
a estabelecimentos de detenção sob a
punir por um acto que ela ou uma
jurisdição dos Estados Partes, desig-
terceira pessoa cometeu ou se
nado por Subcomité para a Prevenção
suspeita que tenha cometido, inti-
da Tortura.
midar ou pressionar essa ou uma
Este Subcomité pode visitar locais de
terceira pessoa, ou por qualquer
detenção sem autorização prévia dos
outro motivo baseado numa forma
Estados Partes e dirigir a estes reco-
de discriminação, desde que essa
mendações com vista à prevenção da
dor ou esses sofrimentos sejam
ocorrência da tortura e outras penas
infligidos por um agente público
ou tratamentos cruéis, desumanos ou
ou qualquer outra pessoa agindo a
degradantes.
título oficial, a sua instigação ou
A par desde sistema de visitas por um
com o seu consentimento expresso
organismo internacional de peritos,
ou tácito».
o Protocolo exige também a designa-
A Convenção prevê ainda a forma- ção de um mecanismo nacional inde-
ção do Comité contra a Tortura, com- pendente de inspeção aos locais de
posto por dez peritos, que examina detenção.
relatórios apresentados pelos Esta- Em Portugal, estas funções foram
dos Partes, dando conta das medidas cometidas ao Provedor de Justiça22
adotadas para cumprir as obrigações que, para a boa execução da nova
impostas pela Convenção, formula missão que lhe foi confiada, criou
comentários gerais interpretativos uma estrutura de apoio composta por
destas obrigações, e pode ainda, caso dois órgãos, o Conselho Consultivo e
os Estados Partes o reconheçam, exa-
minar queixas individuais e interesta- Ver Resolução do Conselho de Ministros,
22

duais de alegada violação da Conven- n.º 33/2013, de 20 de maio de 2013.


Miguel Menezes Coelho 135

a Comissão de Coordenação. Foram Direitos, Liberdades e Garantias, dos


igualmente instituídos o Núcleo de Conselhos Superiores da Magistratu-
Visitadores e o Apoio Administrativo. ra e do Ministério Público, bem como
As competências do mecanismo na- das Ordens dos Advogados, dos Mé-
cional de visita são complementares dicos e dos Psicólogos Portugueses.
das funções do Comité contra a Tor- À Comissão de Coordenação cabe
tura. executar o plano de atividades, ela-
O Conselho Consultivo é um órgão borado e aprovado pelo Mecanismo
colegial de consulta e acompanha- Nacional de Prevenção, bem como
mento, aberto à pluralidade social assegurar a concretização das visi-
e de saberes, designadamente inte- tas aos locais de detenção através do
grando individualidades de elevados Núcleo de Visitadores.
e reconhecidos estatutos ético e cívico O Núcleo de Visitadores é constituído
e representantes da Comissão Parla- pelos colaboradores do Provedor de
mentar de Assuntos Constitucionais, Justiça designados para o efeito.

6. Conclusões
O Ombudsman configurou, logo no que se configurou, desde sempre,
seu surgimento, na Suécia, há mais como um órgão de defesa e promo-
de 200 anos, uma instituição ambi- ção dos direitos e de outras situações
valente. jurídicas subjetivas dos cidadãos
Surgiu como um instrumento do que, num primeiro momento, e como
poder real, mas que, enquanto tal e resulta claro do n.º 1 do artigo 1.º do
paradoxalmente, o limitava. Decreto-Lei n.º 212/75, de 21 de abril,
Dois séculos depois, em Portugal, visou a justiça e a legalidade da atua-
o Provedor de Justiça é «um órgão ção da Administração Pública através
constitucional de garantia dos direi- da investigação, por meios informais,
tos, liberdades e garantias enunciados das queixas dos cidadãos e da procura
no Título II da Parte I da Constituição de soluções adequadas.
e dos direitos a eles análogos»23,
eleito pela Assembleia da República, A especial natureza do Provedor
resulta das suas particularidades,
destacando-se a independência, a im-
23
Augusto Silva Dias e Francisco Agui-
lar, O Provedor de Justiça e o Processo
parcialidade, a acessibilidade, a espe-
Penal, O Provedor de Justiça – Novos Estu- cialização em administração pública
dos, Lisboa, 2008, p. 12. e a falta de vinculatividade das suas
136 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

posições. Todavia, como assinalou de inspeção muito vasta, abrangendo


o antigo Provedor Henrique Nasci- a totalidade dos 51 estabelecimentos
mento Rodrigues, mesmo não sendo prisionais civis então existentes em
de cumprimento obrigatório as suas Portugal.
posições, «a lei abre [ao Ombudsman] Mas igualmente as intervenções na
um caminho vasto para que possa defesa dos direitos das crianças e dos
procurar evidenciar a justiça e a lega- jovens, dos idosos e das pessoas com
lidade das posições que defende. (...) deficiência e, desde sempre, também
Aqui radica (...) uma sua marca con- as funções que lhe foram atribuídas
génita. Aqui repousa a sua ‘autoric- no sistema de fiscalização da consti-
tas’, esse indelével fio que demarca a tucionalidade situaram o Provedor de
sua autoridade moral que a distingue Justiça muito para além da mera fis-
de outros órgãos do Estado»24. calização da Administração.
O que escasseia em poder, tem o Ao longo dos anos, foi-se consoli-
Provedor de Justiça em autoridade. dando a dimensão de promoção e
E ainda que a ação do Provedor de proteção dos Direitos Humanos, agre-
Justiça se desenvolva fundamental-
gando hoje o Ombudsman português
mente no quadro da atividade admi-
as qualidades de Provedor de Justiça,
nistrativa do Estado, ao longo dos
de Instituição Nacional de Direitos
anos, a sua atuação foi-se transfigu-
Humanos e de Mecanismo Nacional
rando, com especial ênfase a partir
de Prevenção.
de 1993, quando começaram as ins-
Neste ano de 2015, durante o qual se
peções a estabelecimentos prisionais
– transformação que culminou, em celebram 40 anos de caminho percor-
1996, com a realização de uma ação rido desde a sua fundação, o Provedor
de Justiça é também uma instituição
com futuro, com um futuro promissor
24
Henrique Nascimento Rodrigues, II Coló-
quio Luso-Brasileiro de Ouvidores Públicos
na batalha – sempre penosa, sempre
/Provedor de Justiça, Lisboa, 30 de maio inacabada, mas também sempre ven-
de 2005, p. 22. turosa – pelos Direitos Humanos.
Da informação à autorregulação:
prevenção da violência nas relações íntimas

Sandra Furtado

Furtado, S. (2015), Da informação à autorregulação: prevenção da violência


nas relações íntimas. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 137-146.

Sumário: Uma viagem de duas décadas sobre a intervenção com vítimas de violência domés-
tica nos Açores, e em particular em São Miguel, é o que nos propomos apresentar. Divulgar
informação sobre este tema não se tem revelado suficiente para o minimizar. É necessário
pensar de forma diferente para que se produzam mudanças nos comportamentos de quem
conceptualmente condena a violência, mas, na prática, tem dificuldades no que à autorregu-
lação respeita. Como fazemos prevenção da violência doméstica nos Açores? Quais os desafios
que nos coloca a sociedade atual? De que forma poderemos melhorar as respostas nesta área?
São questões para as quais queremos aqui suscitar reflexão.

Furtado, S. (2015), From information to self-regulation: prevention of vio-


lence in intimate relations. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 137-146.

Summary: A journey of two decades on the intervention with victims of domestic violence in
the Azores, and in particular in Sao Miguel, is the proposal that follows. Disseminate informa-
tion on this subject is not enough to combat it. Now is the time to think differently to produce
changes in the behavior of those who conceptually condemn the violence, but, in practice, have
difficulties at the level of self-regulation. How do we make prevention of domestic violence in
the Azores? What are the challenges that we face in today’s society? How can we improve the
responses in this area? These are questions that require some reflection.

Sandra Furtado – Centro de Apoio à Mulher de Ponta Delgada.

Palavras-chave: violência doméstica; direitos humanos; autorregulação.

Key-words: domestic violence; human rights; self-regulation.

Advertência: À reflexão que propo- de base católica, com um percurso


nho neste texto estão associados pre- muito ligado ao desenvolvimento lo-
conceitos. Ideias com as quais convi- cal, à atividade de formação profissio-
vo, e que resultam da minha formação nal, à promoção da saúde mental, ao
138 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

teatro, e ao combate à violência do- mente designado Centro Comunitário


méstica, um pouco por todo o arqui- de Apoio à Mulher). Não me sendo
pélago, em particular, no trabalho possível livrar dos preconceitos, mais
desenvolvido no Centro de Apoio à vale assinalá-los.
Mulher de Ponta Delgada (inicial-

Direitos humanos e violência doméstica

Alguns dos momentos importantes das de prevenção e combate a este


na identificação da problemática da fenómeno). Outro exemplo pode ser
violência doméstica ocorrem na cena encontrado na 4.ª Conferência Mun-
internacional, ao longo da 2.ª metade dial sobre as Mulheres, que decorreu
do século xx, e sobretudo associados na China, em 1995, onde é elaborada
aos direitos das mulheres. a Plataforma de Ação de Pequim,
Pela mão das Nações Unidas, da cujo tema central é a violência exer-
Carta das Nações Unidas, acedeu-se cida sobre mulheres e crianças.
à Declaração Universal dos Direitos Uma parte significativa da legislação
Humanos e proporcionou-se ainda produzida em Portugal, no domí-
a realização da Convenção sobre a nio da proteção e apoio a vítimas de
Eliminação de Todas as Formas de violência doméstica, provém mais
Discriminação contra as Mulheres, da pressão internacional resultante
em 1979, onde estas formas de atua- das várias recomendações que os
ção são proibidas, bem como a publi- documentos supramencionados moti-
cação das resoluções que se seguiram varam, do que um movimento social
(Resolução 40/36, sobre violência significativo que interpela o seu go-
doméstica, em 1986, e Resolução 45/ verno a legislar sobre um problema
114, em 1990, que exorta os Estados que pretende ver solucionado.
membros à implementação de medi-
Intervenção com vítimas de violência nos Açores
Das mulheres açorianas abrangidas tuguês, o rácio era de 38%, o que
pelo Inquérito Violência de Género – revela uma maior prevalência desta
Região Autónoma dos Açores, 53,3% problemática nos Açores, legitiman-
mencionaram já ter sido alvo de algu- do a importância da prevenção e do
ma forma de violência (Lisboa: 2009). combate a este flagelo social.
Num estudo similar, do mesmo autor, A intervenção e o apoio a vítimas
realizado em 2007 no continente por- de violência doméstica nos Açores
Sandra Furtado 139

inicia-se em meados da década de 90 então existentes no que ao acolhi-


do século xx. Como património des- mento respeita.
sa intervenção inicial, permaneceram Assegurados sobretudo por institui-
até à atualidade a Linha telefónica ções de cariz religioso, os serviços de
SOS Mulher, gerida pela UMAR, e acolhimento existentes em São Mi-
uma das primeiras casas abrigo portu- guel, até meados da década de 90 do
guesas gerida pelo Centro de Apoio século passado, eram procurados por
à Mulher de Ponta Delgada (então mulheres com problemáticas diversi-
valência do Centro Paroquial de Bem ficadas, entre as quais as auto desig-
Estar de São José). nadas de “mulheres abandonadas”,
As metodologias utilizadas no traba- cuja intervenção, numa perspetiva
lho desenvolvido com as utentes em assistencialista,procurava, em última
casa abrigo beberam de experiências instância, e sempre que possível, o
de diferentes países. A influência regresso à coabitação com o agressor
germânica operacionalizou-se através e a reconciliação conjugal. Volvidas
da fundadora do Centro de Apoio à duas décadas, a situação alterou-se.
O surgimento de várias estruturas de
Mulher de Ponta Delgada, Dӧrte Gra-
acolhimento, em particular nas ilhas
díssimo. A cultura irlandesa reflete-se
de São Miguel, Terceira e Faial, algu-
nos resultados das experiências parti-
mas delas especializadas na área da
lhadas no trabalho de campo do es-
violência doméstica, poderão ter con-
tudo sobre intervenção com mulheres
tribuído, de forma significativa, para a
acolhidas em casas abrigo, em Cork transformação da perceção da comu-
e em Ponta Delgada (Furtado: 1998). nidade sobre estas respostas sociais.
Um grupo de trabalho luso-ameri- A expressões como “casas das mu-
cano, constituído por representantes lheres da vida”, “casas das mulheres
de entidades ligadas à justiça (Minis- abandonadas”, instituições onde as
tério Público, Tribunal, PSP, Reinser- mulheres são “fechadas” – cada vez
ção Social, e seus congéneres norte menos testemunhadas nos dias de
americanos) e instituições de apoio a hoje – estão associados os propósitos
vítimas, permitiu a partilha de expe- do acolhimento, bem como as proble-
riências sobre a temática da violência máticas que supostamente lhes subja-
doméstica e uma análise comparativa ziam. No passado, a saída de casa
entre os diferentes enquadramentos de uma mulher estaria facilmente,
legais em ambos os países. associada a práticas de prostituição
Este fluxo de diferentes perspetivas ou ao facto de não ser merecedora
favoreceu uma intervenção inova- do respeito ou compaixão familiar,
dora e marcante face às ofertas até logo, culpada da situação que origi-
140 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

nou a rutura. A expressão “fechadas” sos, na conceção de programas de


remete ainda para um local onde as formação para técnicos/as que inter-
mulheres são encarceradas e despidas vêm no processo de ajuda às vítimas
da sua liberdade e individualidade. do crime de violência doméstica, e na
Quer pelos relatos que tenho testemu- reabilitação de agressores, como é o
nhado em contexto de atendimentos a caso do programa CONTIGO, hoje
vítimas de violência, quer nas ações replicado noutras comarcas do país.
de sensibilização realizadas junto da O trabalho realizado de forma con-
comunidade, torna-se evidente que certada, e em rede, permite garantir a
estas ideias parecem perder peso, intervenção às vítimas que solicitem
principalmente quando é verbalizada apoio, quer a porta de entrada seja a
a incompreensão pela manutenção da PSP, os serviços sociais, os serviços
relação abusiva, atendendo à oferta de saúde, ou serviços de atendimento
de diferentes respostas sociais (com ou qualquer outra. Este modus ope-
toda a culpabilização de quem está randi comporta também uma atuação
a ser alvo de violência que esta tese que proporciona o acesso – muito em-
comporta).
bora de uma percentagem pouco sig-
Na primeira década do século xxi,
nificativa de vítimas (12% procuram
concretiza-se o aparecimento de dife-
apoio de instituições – Lisboa: 2009),
rentes serviços vocacionados para o
à informação e ao acompanhamento
atendimento às vítimas de violência
técnico especializado. Importa referir
doméstica, todos eles implementa-
dos por Organizações Não Governa- que este procedimento só é acionado
mentais (ONG), quer por iniciativa quando por manifestada e expressa
própria ou do Governo Regional dos vontade da vítima. Justo é salientar
Açores, através de Pólos Locais de que este trabalho não está a ser desen-
Combate e Prevenção da Violência volvido ao mesmo ritmo em todo o
Doméstica. Estes serviços incluem arquipélago, nem os recursos huma-
centros de atendimento, linhas tele- nos e logísticos se assemelham entre
fónicas de informação e encaminha- ilhas.
mento, centros de acolhimento e casas No entanto, em todos os exemplos há
abrigo. um denominador comum. A diferença
Pioneiros em boas práticas, muito fez-se através das sinergias criadas a
para além das nossas ilhas, os Açores partir do trabalho em rede.
marcaram a diferença na interven- Não passando de perceções relacio-
ção a nível do acolhimento, na forma nadas com a minha prática profis-
como as diferentes entidades se arti- sional, e não me sendo possível con-
culam para melhor gestão dos recur- firmar ou estabelecer relações diretas,
Sandra Furtado 141

assisti a algumas transformações na de notícias relacionadas com os cri-


sociedade açoriana que incluem um mes em contexto doméstico, onde são
aumento da procura de ajuda por parte exemplos o homicídio conjugal, ou
das vítimas e uma menor tolerância detenções relacionadas com o crime
face a comportamentos abusivos na de violência doméstica;
intimidade. Que incubadoras poderão e)  o surgimento da figura do crime
ter favorecido estas transformações? de violência doméstica, bem como
Possíveis respostas para o aumento o facto de se ter tornado um crime
da visibilidade deste fenómeno, bem público.
como a condenação pública, poderão
estar relacionados com: Mas, novos desafios se colocam às
a) a divulgação de informação de entidades que trabalham com vítimas
apoio a vítimas, em particular através de violência doméstica.
de serviços de ação social, forças Estão os atuais serviços preparados
policiais e serviços de saúde; para apoiar vítimas com reduzida
b)  o facto de, nas últimas duas déca- autonomia, com psicopatologia, do
das, terem surgido várias organiza- sexo masculino, pessoas Lésbicas,
ções não governamentais vocaciona- Gays, Bissexuais e Transgénero, ou
das para a intervenção especializada situações em que ambos os membros
nesta área ou organizações que pas- do casal denunciam a situação de vio-
saram a incluir, nos seus serviços, o lência doméstica à Polícia de Segu-
atendimento ou acolhimento deste rança Pública?
público alvo; Um longo caminho se avizinha para
c)  a criação de dois Planos Regionais criarmos respostas sociais adequadas
vocacionados para a área da violência às características de quem solicita
doméstica e de género; ajuda, assim como para desconstruir-
d) a divulgação através dos meios mos os mitos que reproduzem a pro-
de comunicação social de situações blemática da violência doméstica.

Responsabilidade da sociedade civil


De que forma a sociedade civil con- legitimação da violência como forma
tribui para a reprodução ou combate à de resolução dos problemas.
violência doméstica? Reprodução intergeracional da vio-
Algumas frases verbalizadas por víti- lência – “Eu também apanhei em
mas ou por pessoas a quem se destina- criança e só me fez bem” ou “Eu vi o
ram ações de sensibilização ilustram meu pai bater na minha mãe. Pensava
exemplos de ideias que promovem a que era assim…”.
142 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Influência da religião – “Perdoar é – “Eles eram um casal fantástico.


difícil, mas aproxima-nos mais de Ninguém imaginaria que ela ia sair
Deus”, “Reza para que Deus te dê de casa”, “Ele é tão boa pessoa! Será
paciência para aguentar”, “A igreja que foi ela que deixou de gostar dele
não aceita o divórcio” ou “É dado à e tem outro?” ou “Ela não conseguiu
mulher obedecer”. aguentar o casamento”.
Postura dos pais/sogros vs postura Álcool e outras drogas – O abuso de
da irmã(o)/amiga(o) – Excetuando substâncias psicotrópicas é frequen-
as situações em que a nupcialidade temente apontado como causa direta
ocorre em contexto de rutura com a da violência, ao invés de um fator de
família de origem, a postura da mãe risco – “Se ele fizer um tratamento,
assemelha-se à da sogra nos “conse- eu volto para casa, porque ele não me
lhos” frequentemente dados em situa- vai bater mais” ou “Quando ele não
ção de crise no casal, promovendo a está com álcool, ele é tão bom. Não
reconciliação, apelando à capacidade faz mal a ninguém”.
de adaptação da vítima à maneira de Externalização da responsabilidade
ser do/a agressor/a. Quanto à posição
de quem maltrata – “Eu passei-me,
da irmã/o amiga/o, é orientada para a
porque o meu patrão chagou-me a pa-
rutura da relação, denegrindo a ima-
ciência e cheguei a casa e passei-me”,
gem do/a agressor/a, bem como cul-
“Ele bateu, mas também dá-se um
pabilizando a vítima pelo facto de
desconto… estava bêbado”, “Eu já te
se manter na relação abusiva. Quem
sofre de violência conjugal não se tinha dito que não queria que falasses
identifica com nenhuma destas pers- com ele. Já sabias que ias levar se o
petivas opostas. Não proporcionan- fizesses”, “Desde que a nossa vizinha
do à vítima qualquer alternativa, o pôs olho gordo na nossa família, que
mais provável que é se mantenha na nunca mais pararam os problemas
relação. nesta casa” ou “A culpa das nossas
Crítica social – Se tivermos em con- discussões é da tua mãe que não para
sideração que a violência doméstica de se meter na nossa vida”.
é frequentemente ocultada, quem Estas ideias relatadas quotidianamen-
observa de fora (principalmente os te, normalizam a violência, tornam-na
familiares mais diretos) dificilmente um mal necessário, desresponsabili-
compreendem a tentativa de rutura zam quem maltrata, excluem social-
da relação violenta. É frequente o re- mente e culpabilizam as vítimas.
ceio das vítimas relativo às possíveis A sociedade portuguesa tem pago
explicações imaginadas pelos fami- caro pela violência exercida sobre
liares para uma abrupta saída de casa mulheres.
Sandra Furtado 143

Caro, porque traz consequências o estudo identifica a propensão ao


emocionais para a vítima e para os absentismo como uma das conse-
que com ela se relacionam… caro, quências diretas da violência, por
porque tem custos sociais e econó- exemplo, nas mulheres vítimas estu-
micos. Sobre este assunto, foi reali- dantes (cerca de 72%), e para as que
zada uma investigação circunscrita ao são mães de estudantes, o absentismo
continente português (Lisboa et al.: é mais elevado por parte dos/as filhos/
2003). Na componente das relações as e revelam menor gosto pela escola.
de proximidade, o estudo revela que, Tal como a sociedade civil teve um
para cerca de metade das vítimas, há importante papel na reprodução de
uma relação direta entre a violência e situações de violência doméstica,
os efeitos negativos junto da família e pode agora a mesma sociedade, mais
amigos (47,3%). Destaca, ainda, o im- informada e eventualmente mais
pacto que a violência tem na desarti- consciente dos efeitos e dos custos
culação com as redes sociais de apoio que deste flagelo, contribuir de for-
da vítima e a maior probabilidade ma significativa para o seu combate
desta poder vir a ter filhos/as doentes e prevenção.
(50% a mais do que as mulheres não Mas será que uma sociedade mais
vítimas). As mulheres que foram alvo informada e mais consciente é menos
de algum tipo de violência têm duas abusiva? Um estudo desenvolvido
vezes mais dificuldades em arranjar por Matos et al., em 2006, na área
emprego e estão mais vulneráveis ao da violência nas relações de namoro
despedimento. Na área da saúde, o sugere algumas respostas em senti-
estudo mostra que, 21% das vítimas do contrário. Pode ser mais claro o
que necessitaram de se deslocar aos que é ou não aceitável. No entanto,
hospitais, fizeram-no na sequência de os mesmos jovens que condenam a
situações de violência doméstica. As violência, estão nela envolvidos como
mulheres que se reconhecem como vítimas ou agressores. Entre a verba-
vítimas, padecem mais de doenças, lização da condenação dos comporta-
identificam mais sintomas de ansie- mentos e atitudes abusivas e a capa-
dade e, a probabilidade de nunca se cidade de evitá-la, afigura-se‑nos
terem sentido felizes, é 6 vezes supe- existir um significativo fosso.
rior à das que não o são. Uma mulher Parece reunir consenso a tese de que
vítima apresenta uma probabilidade todos os caminhos que pretendam
9 vezes superior de atentar contra a conduzir a uma sociedade mais justa
sua vida, quando comparada com as e igualitária, nas áreas da violência
inquiridas que não experienciaram doméstica e de género, incluem a
vitimação. No âmbito da educação, prevenção. Parecem não restar dúvi-
144 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

das sobre a urgência desta incum- sivo durante o último ano e 21%
bência. A informação é sem dúvida reconheceram já ter adoptado este
importante, mas manifestamente insu- tipo de condutas em relação aos seus
ficiente. parceiros. À semelhança de outros
O trabalho desenvolvido nos últimos estudos internacionais (ex.: Kaura,
20 anos nos Açores, no âmbito da Allen, 2004), predominam os actos
prevenção, tem sobretudo dependido que comummente se designam de
da criatividade de técnicos/as, que, ‘formas menores’ de violência: insul-
com poucos recursos, tentam espa- tar, difamar ou fazer afirmações
lhar pequenas sementes promotoras graves para humilhar ou ferir, gritar
de igualdade, deixando, no entanto, ou ameaçar com intenção de meter
ao abandono os terrenos semeados. medo, partir ou danificar objectos
Umas sementes sobrevivem, prova- intencionalmente ou dar uma bofe-
velmente a maioria não, atendendo tada. (…) No que se refere às dife-
a que não há uma continuidade para renças de género, não se encontram
o propósito a que se destinam, sendo diferenças significativas, embora no
disso exemplo, as ações de sensibi- que diz respeito a pequenos actos de
lização. Mesmo que se pretendesse violência as mulheres admitissem
avaliar o impacto do trabalho já de- uma maior taxa de agressão (Matos,
senvolvido, seria tarefa árdua, por ca- Caridade, Silva e Machado, 2006)”
recer de instrumentos adequados que (Matos e Machado: 2011).
permitissem, na devida altura, avaliar
alterações no domínio das atitudes e Estes são dados reveladores da pre-
dos comportamentos. Esta informa- mência da prevenção primária, em
ção seria uma enorme mais-valia para particular em faixas etárias anteriores
nortear as presentes e futuras inter- ao início das relações amorosas.
venções a realizar em meio escolar. As ações de sensibilização, em con-
Facto é que a violência nas relações texto de sala de aula, devem conti-
íntimas tem início mesmo antes da nuar a ter lugar, sobretudo quando
coabitação, e sem diferenças signifi- ocorrem a pedido dos estabeleci-
cativas entre sexos, como nos reve- mentos de ensino – atendendo a que
lam os dados de uma equipa da Uni- é considerável a probabilidade de o
versidade do Minho. tema ser explorado para além do pe-
ríodo reservado à ação. No entanto,
“(…) um estudo pioneiro (Machado, a implementação de um programa de
Matos e Moreira, 2003) revelou que prevenção da violência doméstica, na
15,5% dos jovens referiram ter sido comunidade educativa, enfrenta mui-
vítima de, pelo menos, um acto abu- tos obstáculos. Trabalhar num con-
Sandra Furtado 145

texto que não dispõe de um espaço/ violência doméstica (a dos homens


tempo para receber ações de sensi- e a das mulheres), o auto-dano, a gra-
bilização de forma massificada, em videz na adolescência, a homofobia,
cada sala de aula, para combater cada o racismo, o abuso sexual, entre
problema de forma individual, como muitos outros.
são exemplos as ações de sensibili- A prevenção destas problemáticas
zação sobre as doenças sexualmente pode ser realizada através de uma
transmissíveis, a toxicodependência, matriz comum: o desenvolvimento
o bullying, a violência no namoro, a da inteligência emocional.

Inteligência emocional e prevenção


O século xx permitiu-nos conhecer samos ou o que fazemos; conhecer as
a regulação pelo medo, pelo auto- suas forças e fraquezas; estar aberto
ritarismo, quer pelas leis punitivas, a outras opiniões ou ideias; dizer o
quer pela régua de madeira do/a que pensa; tomar decisões de forma
Sr./ª Professor/a, pela mão rígida do firme; gerir bem os sentimentos im-
“chefe de família”, pela ameaça de pulsivos e as emoções deprimentes;
despedimento do patrão, pelo olhar sob pressão, manter-se positivo e
intimidatório do regedor, ou pelas pensar com clareza; agir com ética e
penitências do confessionário. Mas de forma responsável; criar relações
também permitiu o início de uma de confiança, com base na autenti-
nova viagem – a democracia. O que cidade; admitir os próprios erros e
nos oferece ela? O que têm nas mãos confrontar os dos outros; cumprir os
hoje os/as educadores/as, os líderes compromissos; adaptar-se a ambien-
locais, os/as empregadores/as, os pais tes diferentes ou em permanente mu-
e as mães? A promoção de uma cida- dança; gerar novas ideias ou aderir a
dania emocionalmente inteligente, perspetivas inovadoras; ter vontade
que inclua o desenvolvimento da de triunfar; exceder o que lhe é exigi-
autorregulação, afigura-se como um do; funcionar com base no otimismo
bom instrumento de combate, não e não no medo do insucesso; encarar
só à violência nas relações íntimas, os reveses, não como uma falha pes-
mas de um modo geral às problemá- soal, mas como fruto das circunstân-
ticas que advêm das dificuldades de cias; ser empático; ter capacidade de
cada um de nós em conhecer e saber influenciar o outro; liderar; colaborar
falar das suas emoções; reconhecer e cooperar; ser catalisador de mudan-
como as emoções afetam o que pen- ças, entre muitas outras competências
146 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

identificadas por Daniel Goleman cessita de um intervenção inovadora,


(Goleman: 1998). que tenha a capacidade de se aliar a
Seguindo a proposta de Gottman outras problemáticas sociais, dando
(1999), se na interação com as crian- menos espaço às ações de sensibiliza-
ças e jovens tivermos maior cons- ção por gavetas/temas, independente-
ciência das suas emoções; formos ca- mente de os/as técnicos/as continua-
pazes de reconhecer a emoção como rem a participar com intervenções da
uma oportunidade para a intimidade sua área de especialidade, como forma
e a aprendizagem; escutarmos com complementar de atuação.
empatia e validarmos os sentimentos Um empreendimento próximo das
da criança ou jovem; os ajudarmos a pessoas, de forma continuada, com
classificar verbalmente as emoções e articulação a outras problemáticas
estabelecermos limites, ao mesmo sociais, com avaliação anterior, du-
tempo que se ajuda a criança ou jo- rante e após a aplicação do trabalho,
vem a resolver o problema, aí estamos que permita a avaliação do impacto
a desenvolvê-los emocionalmente. da ação e com ligação estreita às insti-
A Região Autónoma dos Açores tem tuições de investigação, criaria me-
produzido excelentes exemplos de lhores condições para percebermos
empreendedorismo social. A área da como fazemos prevenção e que resul-
prevenção da violência doméstica ne- tados obtemos.

Bibliografia

Furtado, Sandra, 1998, Ingratas Formas de ma dos Açores, in http://www.azores.gov.


Vida: Auto-retrato das mulheres vítimas pt/NR/rdonlyres/308EA750-718D-4514-
de violência doméstica, tese de licencia- B98C-BFC9CDD9D50C/508435/Relato
tura em sociologia, Coimbra. rioFinal_Vol_I.pdf.
Goleman, Daniel, 1998, Trabalhar com Inte- Matos, Marlene e Andreia Machado, 2011,
ligência Emocional, Lisboa, Temas e Violência Doméstica: Intervenção em
Debates. Grupo com Mulheres Vítimas. Manual
para Profissionais, CIG.
Gottman, John e Joan DeClaire, 1999 (1997),
A Inteligência Emocional na Educação, Matos, Marlene, Carla Machado, Sónia Cari-
Lisboa, Pergaminho. dade e Maria João Silva, 2006, “Prevenção
da violência nas relações de namoro: inter-
Lisboa, Manuel (coord.) et al., 2003, Os Cus-
venção com jovens em contexto escolar”,
tos Sociais e Económicos da Violência
in Psicologia: Teoria e Prática 8(1): 55-75,
contra as Mulheres, CIDM.
consultada em http://editorarevistas.mack
Lisboa, Manuel (coord.) et al., 2009, Inqué- enzie.br/index.php/ptp/article/viewFile/
rito Violência de Género – Região Autóno- 1018/735.
Direitos Humanos em tempo de crise.
Três teses sobre uma tarefa inacabável
Viriato Soromenho-Marques

Soromenho-Marques, V. (2015), Direitos Humanos em tempo de crise. Três


teses sobre uma tarefa inacabável. Boletim do Núcleo Cultural da Horta,
24: 147-153.

Sumário: Os direitos humanos nunca se encontram nem suficientemente fundamentados,


nem completamente protegidos contra o risco de erosão histórica que os pode empurrar para
o esquecimento. Ligados à aurora da modernidade, os direitos humanos estão agora entro-
sados na encruzilhada da “modernidade reflexiva” (para usar a expressão cunhada por Ulrich
Beck). Neste ensaio são adiantadas três propostas acerca dos desafios cruciais que a huma-
nidade actualmente enfrenta e sobre o papel crucial que uma concepção alargada de direitos
humanos deve desempenhar para uma resposta a esses desafios que possa saldar-se por um
desfecho positivo.

Soromenho-Marques, V. (2015), Human rights in critical times. Three


perspectives on a never ending task. Boletim do Núcleo Cultural da Horta,
24: 147-153.

Summary: Human rights are never neither fully grounded nor sufficiently protected from
historical erosion and the risk of falling back into oblivion. Linked to the dawn of modernity,
human rights are now entangled in the crossroads of “reflexive modernity” (to use Ulrich Beck’s
wording). In this paper three proposals are made about the crucial challenges that humankind is
facing and the key role that a wider understanding of human rights plays in a positive response
that may provide for a positive outcome to these challenges.

Viriato Soromenho-Marques – Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.

Palavras-chave: Direitos humanos, categorias de direitos humanos, justiça intergeracional,


sustentabilidade ambiental.

Key-words: Human rights; categories of human rights; intergeneracional justice; environmental


sustainability.
148 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

O que se poderá ainda dizer sobre os aquele que confere aos parlamentos
direitos humanos numa altura em que nacionais eleitos pelos povos o poder
as leis do mundo político se inclinam exclusivo de fazer as leis. Como com-
cada vez mais para o peso das coisas preender o processo, absolutamente
que têm um preço de mercado, e cada antidemocrático, de “aprovação” do
vez menos para aquilo que tem valor e Tratado Orçamental (entrou em vigor
é fonte de valor, fora da estrita esfera em 2013), que foi imposto aos povos
das transacções? Nas relações inter- da União Europeia, violando não só o
nacionais, longe vai o tempo da diplo- Tratado de Lisboa, mas usurpando as
macia exigente, em que os progressos competências orçamentais dos parla-
em matéria de direitos humanos cons- mentos? Propomos ao leitor, justa-
tituíam uma linha da frente da diplo- mente nesta hora de crise e perigo
macia europeia ou norte-americana. para os direitos humanos, ao que nos
Hoje, a lógica da vantagem econó- acompanhe numa breve viagem onde
mica pura e dura, a urgência no acesso procuramos recuperar apenas o que
a bens naturais estratégicos cada vez permanece essencial, a saber, a natu-
mais escassos, parece substituir todas reza inacabada e inacabável da funda-
as outras considerações. A recente en- mentação e consolidação dos direitos
trada de uma sangrenta ditadura afri- humanos, tanto a uma escala domés-
cana para a CPLP reproduz, à nossa tica e constitucional, como, por maio-
modesta escala, este voraz niilismo ria de razão, no âmbito do sempre im-
activo que esmaga a própria memória perfeito direito internacional público.
dos direitos humanos. E que dizer da Esse âmbito essencial torna-se parti-
orgulhosa Europa, onde, na voragem cularmente visível através da consi-
da erroneamente denominada “crise deração das três teses que de seguida
das dívidas soberanas”, se espezi- se enunciam.
nharam princípios sagrados como

1.ª tese: os Direitos Humanos são a expressão política da cons-


ciência crítica de si da modernidade

A preocupação com os direitos huma- países não começou em 10 de Dezem-


nos, não apenas com a sua enuncia- bro de 1948, com a Declaração Uni-
ção formal, mas com o esforço para versal das Nações Unidas no domínio
a sua integração no corpo do direito dos Direitos Humanos. As Nações
positivo, nomeadamente, no âmbito Unidas tiveram o mérito de retomar
do direito constitucional dos diversos o fio de um novelo que havia ficado
Viriato Soromenho-Marques 149

enrodilhado por mais de um século humanidade que até ao final do


e meio. século xviii fizeram ouvir a sua voz
A identificação de uma esfera de di- na Europa e nas Américas.
reitos humanos pessoais é património Uma palavra de destaque deve ser
da cultura europeia. Essa identifi- dada à Escola Ibérica da Paz, a esse
cação é contemporânea do grande punhado de intelectuais e missio-
esforço e da larguíssima constelação nários dominicanos, franciscanos e
conceptual que designamos como a jesuítas que, com o risco da sua pró-
época e o movimento da Moderni- pria vida, defenderam os direitos
dade. humanos, incluindo o direito à pro-
Será sem dúvida uma das mais com- priedade e à organização política dos
plexas ironias da história do pensa- povos das Américas. Do seu magis-
mento verificarmos que a fonte ma- tério nas Universidades de Portugal
tricial dos direitos humanos abrigou e de Espanha, bem como também
no seu interior a gestação do conceito nos institutos universitários do Novo
moderno de Estado, precisamente Mundo, surgiu uma vasta obra que
essa nova entidade, também ela filha está actualmente a ser recuperada
da Modernidade, que seria, ao mesmo (traduzida do latim para português e
tempo, tanto a condição do gozo castelhano), e que é fundamental para
efectivo como o maior inimigo do perceber que foi na Península Ibérica,
respeito desses direitos. e não na Europa do Norte, que foram
Maquiavel, La Boétie, Jean Bodin, lançadas as raízes dos direitos huma-
Althusius, entre outros, são pensa- nos, tanto na perspectiva constitucio-
dores, simultaneamente, do Estado nal, como na perspectiva do direito
moderno, mas também do cidadão internacional público
moderno, com os seus direitos e de- O século xviii terminou assinalado
veres deduzidos numa lógica secular por dois acontecimentos que modifi-
e racionalista. cariam completamente as expectati-
Lutero, Calvino, Bartolomeu de las vas, até aí optimistas e expansionistas
Casas, Francisco de Vitoria, entre dos direitos humanos:
outros, são pensadores da categoria
de pessoa, em sentido metafísico e • A Revolução Americana de 1776
teológico, e nessa medida autores que traiu o alcance emancipatório
fundamentais para a compreensão e libertador da sua Declaração fun-
do pendor universalista e abstracto do dadora com os sucessivos compro-
direito natural, essa bandeira comum missos que fizeram conviver, até
das muitas escolas dos direitos da à Guerra Civil (1861-1865), a retó-
150 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

rica da liberdade com o flagelo e a pulos, que se traduziu na suavização


degradação da escravatura de base das Leis das Índias, mesmo no final
racial. do reinado do Imperador Carlos V.
• A Revolução Francesa de 1789, que Na Conferência de Berlim, em 1884-
gorou as esperanças internaciona- ‑1885, pelo contrário, o destino dos
listas por ela suscitadas, primeiro povos africanos ficou traçado sem dó
pelo fanatismo do Terror, e depois nem piedade, abrindo o caminho para
pela meticulosa aventura imperial ignóbeis genocídios, como aquele
napoleónica. que foi praticado pelo Rei dos Belgas
sobre os povos da bacia do Congo,
Quando os vencedores de Napoleão I durante décadas a fio.
se reuniram em Viena, no ano de A própria noção de um direito natu-
1815, a ideia de Direitos Humanos ral não escrito, mas superior fonte
estava associada a essa dupla desilu- inspiradora da renovação de todas as
são. A fraternidade do género huma- leis escritas, foi catalogada no arqui-
no que ela supunha tombou no mais vo das ideias pouco sérias. O posi-
profundo descrédito. À esquerda e tivismo e o historicismo jurídicos
à direita os estandartes desfraldados tornaram-se imperativos. O direito
eram outras. A fraternidade já não coincidia, agora, com as aspirações
era internacional. O altar da Pátria, nacionais. Ao ponto da loucura e do
da Língua, do Império e da Tradição pesadelo. Um dos exercícios inte-
(real ou mitologicamente urdida), lectuais mais horríveis, ainda hoje, é
falavam mais forte do que os direitos a leitura dos diplomas jurídicos que
da humanidade. As revoluções já não o zeloso espírito germânico não se
se faziam, para regenerar o género coibiu de elaborar para dar cobertura
humano, mas para impor uma dita- em letra de lei às visões dantescas de
dura de classe. Hitler e do nacional-socialismo.
Por outro lado, para o mundo colo- Sem Hitler não teria existido, por-
nizado pelos Europeus do século xix ventura, a Declaração Universal dos
não houve direito a uma réplica Direitos do Homem das Nações Uni-
das Juntas de Valladolid (1550-51), das. Foi a sua visão do mundo, onde
magnas reuniões de sábios e conse- a Humanidade nem como conceito
lheiros régios e imperiais, em que os zoológico existia, o pesadelo de ope-
direitos individuais e colectivos dos reta bufa, mas sangrenta, de arianos e
povos ocupados pelos espanhóis tive- sub-humanos, de senhores e escravos,
ram direito a uma entusiástica defesa, de bestas de carga e de super-homens,
por parte de Las Casas e seus discí- de mulheres-parideiras e guerreiros
Viriato Soromenho-Marques 151

louros, de campos de extermínio e Os direitos humanos não eram irre-


jovens alegremente desfilando em versíveis. O consenso que os tinha tra-
cenários primaveris, foi esse Carna- zido para a ribalta no final do século
val trágico que comoveu a comunida- xviii era frágil e tinha-se quebrado.
de internacional, despertando-a para A Declaração das Nações Unidas não
o facto de que os direitos humanos, se limitava a ser uma reposição. Era,
como conceito-reitor da vida política, antes, um recomeço. Um convite a
estavam adormecidos há cento e cin- que fossem procurados e encontrados
quenta anos. fundamentos mais sólidos.

2.ª tese: os Direitos Humanos carecem de uma garantia sempre


renovada

Tornou-se comum, entre filósofos, ju- Ao longo do século seguinte teria


ristas e sociólogos classificar os direi- sido consolidado um segundo estrato
tos humanos em estratos históricos. de direitos humanos fundamentais.
A causa principal para tal ficou a de- Desta vez de âmbito político. O direi-
ver-se à obra de Thomas Humphrey to à participação e organização polí-
Marshall, Citizenship and Social ticas, o direito de voto, a exigência do
Class and Other Essays, que em fim da discriminação fiscal, censitá-
1950, se atreveu a universalizar o ria, etária e sexual do direito a eleger
que, e grande medida, era apenas a e ser eleito. Sob este ângulo, o século
experiência inglesa, mas com inegá- dezanove foi caracterizado pela con-
solidação das democracias represen-
vel repercussão e sucesso.
tativas e dos partidos políticos, bem
Teríamos um primeiro estrato, consti-
como pelos primeiros sucessos do
tuído pelos direitos civis, que foram
movimento operário.
o objectivo central das lutas refor-
Finalmente, o século xx teria assis-
madoras e revolucionárias do final tido à consagração de um terceiro
do século xviii: liberdade de crença estrato de direitos humanos, ligado
e pensamento, direito a um igual tra- à esfera económica e social. Tratar-
tamento perante a lei (contrariando ‑se-ia da consagração do Welfare
a fragmentação e estratificação do State contemporâneo. A garantia de
direito estamental do antigo regime), direitos sociais no trabalho e na apo-
direito à integridade do corpo (habeas sentação. A assistência na doença,
corpus), e à defesa da propriedade enfim, toda a panóplia de predicados
contra o arbítrio do Estado e dos que integram os actuais sistemas de
particulares, etc. segurança social.
152 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

O contexto britânico da obra de ficada de que existe uma correspon-


Marshall é particularmente visível dência entre o grau de antiguidade no
neste terceiro estrato. Com efeito, o reconhecimento dos direitos e o grau
Estado social britânico, com as suas de segurança na garantia dos mesmos.
três leis fundamentais, tinha sido Num mundo, numa Europa, e num
consagrado na legislação trabalhista país onde um cidadão pode ser agre-
de 5 de Julho de 1948. Valerá a pena dido sem motivo justificativo numa
recordar que um análogo triângulo esquadra de polícia, ou em que zonas
normativo (envolvendo assistência do território constituem zonas inter-
na saúde, nos acidentes de trabalho, ditas em que nem as forças da ordem
na velhice e invalidez) tinha sido podem circular sem risco físico, em
promulgado, de modo absolutamente que se assinam contratos de trabalho
pioneiro, na Alemanha do Chanceler e de demissão, em simultâneo, para se
Bismarck, na década de 1880, mos- ter acesso em condições deploráveis
trando bem a fragilidade hermenêu- ao direito ao trabalho, em que os
tica do esquema de Marshall. Contu- sistemas de segurança social amea-
do, ele continua ser usado e, hoje, há çam bancarrota a médio prazo, de-
mesmo autores que falam num quarto baixo da ditadura de uma austeri-
estrato de direitos, que contempla- dade irracional, deixando uma sombra
riam desde os direitos dos animais e de inquietação nas camadas sociais
da Natureza (ou do ambiente, numa em plena idade activa e contributiva.
acepção mais vasta e rigorosa), até à Num mundo de progressiva inse-
renovada afirmação dos direitos dessa gurança, importa recordar que cada
maioria esquecida que são as mulhe- cidadão tem de ser um militante e
res, bem como o despertar das velhas um soldado dos e pelos seus direitos
e novas minorias, dos homossexuais e fundamentais. Eles, seja qual for a
transsexuais aos doentes de SIDA. sua geração ou estrato, jamais estarão
Esta interpretação histórico-recons- garantidos sem o compromisso indi-
trutiva por estratos ou gerações tem, vidual e colectivo pela sua intransi-
contudo, o inconveniente de criar nos gente e simultânea defesa.
cidadãos a crença totalmente injusti-

3.ª tese: os Direitos Humanos encontram no respeito do ambiente


e da natureza a sua condição de sustentabilidade futura

O pior inimigo dos direitos humanos concepção estreita e antropocentrista


no século xxi é constituído por uma de humanismo.
Viriato Soromenho-Marques 153

A principal ameaça que impende hoje A conjugação de tudo isto na crise


tanto sobre a Humanidade como sobre global do ambiente atingiu uma nova
os direitos individuais de cada cida- zona de clarificação quando se tornou
dão resulta do inaudito e incontrolado sensível e inegável, aquilo que du-
poder tecnocientífico acumulado. rante décadas aparecia como mera
É um poder que escapa ao controlo hipótese científica: a existência de
democrático, encontrando-se nas mãos um processo de alterações climáticas
de uma minoria ambiciosa, dissemi- em curso, que constitui a maior
nada pelas sete partidas geográficas, ameaça ao futuro da civilização
económicas e ideológicas do mundo. humana, tanto na perspectiva dos
O humanismo grosseiro (no fundo um direitos individuais como no ângulo
pseudo-humanismo) é geralmente a temporal da justiça entre gerações.
sua marca distintiva comum. Em No século xxi, que começo de forma
nome do papel central do Homem, tão aziaga e violenta para os direitos
estes fundamentalistas do “huma- humanos, para estes sobreviverem
nismo integral” devastam os recur- ao risco de uma nova era das trevas
sos naturais, derrubam e queimam as sociedades politicamente organi-
as florestas, arrasam os habitats de zadas terão de caracterizar-se pelo
milhares e milhares de espécies que respeito profundo pela sustentabi-
connosco compartilham esta delicada lidade ecológica e ambiental do
habitação planetária, contaminam a Planeta, porque só essa sustentabili-
água e o ar, envenenam as cadeias dade poderá garantir a base vital em
alimentares, deixam atrás de si a que repousam os direitos das ge-
marca do deserto e da devastação. rações futuras. O mesmo significa
É esta mesma criminosa ideologia, garantir as condições indispensáveis
falsamente antropocentrista, que cria de paz e segurança para que também
megalópoles em que ninguém pode os vindouros possam prosseguir a
viver com decência, que arrasta mi- marcha, tantas vezes terrível, mas
lhões e milhões de crianças para a igualmente fascinante, da continuação
escravidão de um trabalho precoce, inventiva da viagem história da nossa
ou para a mendicidade, as dependên- espécie neste magnífico orbe de Água
cias e a mendicidade, promovendo a e Terra que é a nossa única casa em
ruptura das comunidades e dos seus todo o Universo.
valores.
O direito de resistência
como Direito Humano fundamental

Vladimir Safatle

Safatle, V. (2015), O direito de resistência como Direito Humano funda-


mental. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 155-165.

Sumário: Trata-se de discutir o direito de resistência como direito humano fundamental, isto
a fim de pensar as consequências de tal centralidade para a compreensão da política em sua
dimensão anti-institucional. Através de uma gênese do direito de resistência, o artigo insiste na
necessidade de não limita-lo à enunciação de princípios liberais ligados às liberdades indivi-
duais. Por fim, procura-se discutir a importância da dissociação entre direito e justiça para um
conceito substantivo de democracia real.

Safatle, V. (2015), The right of resistance as a fundamental Human Right.


Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 155-163.

Summary: The aim of this article is to discuss the right of resistance as a major human
right and to think the consequences of this proposition for a comprehension of politics in its
anti-institutional dimension. Through the genesis of the right of resistance, this article defend
that we can’t reduce it thinking that it simply describe liberal principles linked to individual
freedom. At the end, I try to discuss the importance to dissociate right and justice for a substan-
tial concept of real democracy.

Vladimir Safatle – Universidade de São Paulo.

Palvras-chave: direito de resistência, direitos humanos, justiça, democracia real.

Key-words: right of resistance, human rights, justice, real democracy.

A tentativa de orientar o campo das rios casos, a tentativa de elevar certo


lutas sociais a partir da definição de conceito de “humanidade” a solo não
um horizonte de direitos humanos problemático a orientar a ação social.
inalienáveis foi, muitas vezes, vista Esta “humanidade” tem, no entanto,
com desconfiança. Por trás de tal lugar geográfico definido, assim como
enunciação, encontrávamos, em vá- visão política clara que justifica uma
156 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

compreensão seletiva de direitos de tiça, colocar-se em linha de confronto


ingerência. Ela sempre se constitui em relação ao ordenamento jurídico.
através de exclusões a respeito do que Um direito que não se configura ape-
deve ser compreendido como aquém nas em momentos nos quais o Estado
do humano. Mas há de se lembrar ganha mais claramente a forma de
que, no interior do conjunto do que tirania e de outras configurações de
entendemos por direitos humanos, “estado ilegal”, mas direito ao qual
há ao menos um direito que sempre podemos recorrer em todas as situa-
colocou problemas mais complexos ções nas quais demandas de justiça
por parecer ser capaz de imunizar‑se não estão contempladas pelo Estado
contra limitações contextualistas. Tal- atual do direito, nas quais tais de-
vez seja a ele que devamos nos voltar mandas são, de certa forma, ainda
se quisermos recolocar em outras impronunciáveis, impossíveis de se-
bases o problema de uma orientação rem escutadas pela institucionalidade
das lutas políticas que assuma para si atualmente posta. Neste sentido, o
alguma forma de perspectiva univer- uso extensivo do direito de resistên-
salista. Pois tal direito nos fornece a cia demonstra como, longe de ser
figura de uma universalidade que não um fator de instabilidade jurídica das
é normativa por ser pretensamente sociedades democráticas, a dimensão
enunciável a partir de determinações anti-institucional da experiência polí-
positivas que fundam um quadro jurí- tica é um elemento constitutivo de
dico-coercitivo. Na verdade, ele nos democracias reais. Pois a democracia
fornecerá uma universalidade confli- é o único regime que reconhece a
tual, isto no sentido de uma univer- existência de uma “violência política”
salidade que inscreve no interior da própria à enunciação da urgência de
vida social o caráter constitutivo do exigências de justiça e da consciência
conflito. da vulnerabilidade diante da lei. Vio-
Trata-se aqui, então, de discutir a lência que pode depor normas, desti-
centralidade do que nossa tradição tuir instituições e nos levar a rever
entende por “direito de resistência”, procedimentos de funcionamento do
ou seja, o direito de, em nome da jus- poder instituído.

Genealogia da resistência

A fim de discutir este ponto de ma- ao direito de resistência em nossas


neira mais adequada, gostaria de lem- sociedades ocidentais. No que diz
brar de uma certa genealogia própria respeito ao ocidente, é bem provável
Vladimir Safatle 157

que a consciência relativa a tal direito Esta abertura do pensamento refor-


nasça da reforma protestante com mado ao problema da resistência
a noção de que os valores maiores alcançará o pensamento político.
presentes na vida social podem ser Entre calvinistas mais radicais, como
objeto de problematização e crítica, George Buchanan, o direito de resis-
o que exige a institucionalização da tência não é mais completamente
liberdade. Já em Calvino encontra- compreendido como um gesto teoló-
mos uma afirmação como: “Os go- gico de defesa da supremacia da lei
vernantes de um povo devem envidar divina sobre a lei civil. Ao justificar
todo esforço a fim de que a liberdade a deposição da rainha católica Maria
do povo, do qual são responsáveis, Stuart, em 1567, Buchanan serve-se
não desvaneça de modo algum em basicamente de argumentos políticos
suas mãos. Mais do que isso: quando ligados a quebra do pacto entre o
dela descuidarem, ou a enfraquece- povo e o rei. Sendo o povo aquele
rem, devem ser considerados traido- que institui o rei, ele guarda para si o
res da pátria”1. É fato que Calvino direito de a ele se contrapor quando
evita generalizar tal consideração sob o rei governa apenas em causa própria.
a forma de um direito geral de resis- Já John Milton chegará a utilizar a
tência. No entanto, a noção calvinista definição do tirano como aquele que
expõe claramente a articulação entre ignora “a lei e o bem comum” a fim
institucionalização da liberdade e crí- de justificar o direito de resistência3.
tica do poder incapaz de garantir tal Dirá Milton: “a lei de natureza auto-
institucionalização que será radicali- riza qualquer homem a se defender,
zada por setores do pensamento refor- mesmo do próprio rei”4. Notemos
mado, como John Ponet, John Knox ainda que será apenas com Locke
e, principalmente, Thomas Münzer que o direito de resistência será
com sua defesa de que “toda pro- enquadrado como peça importante da
priedade deve ser comum” (Omnia defesa liberal do primado político do
sunt communia)2. A partir deles, o indivíduo.
direito de resistência aparece como Dentro da tradição francesa, a dis-
fundamento da vida social. cussão sobre o direito de resistência

3
Milton, John, “A tenência de reis e magis-
1
Calvino, João, A instituição da religião trados”, in: Dzelzainis, Martin (org.) e
cristã, São Paulo: Unesp, 2009, p. 882. John Milton, Escritos Políticos, São Paulo:
2
Müntzer, Thomas, Sermon to the princes, Martins Fontes, 2005, p. 4.
Londres: Verso, 2010, p. 96. 4
Idem, p. 63.
158 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

ganha impulso decisivo com os opressão contra cada membro quan-


hugeonotes após o massacre da Noite do o corpo social é oprimido
de São Bartolomeu. Ela será radica- – Artigo 35: Quando o governo viola
lizada pela tradição revolucionária os direitos do povo, a insurreição
francesa, que não deixará de ser in- é, para o povo e para cada parte do
fluenciada pelos hugeonotes. Assim, povo, o mais sagrado dos direitos e
encontraremos, o artigo II da Decla- o mais indispensável dos deveres.
ração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789, onde Ainda hoje, encontramos, no artigo 20,
se lê: “O objetivo de toda associação parágrafo 4 da Constituição alemã, a
política é a conservação dos direitos enunciação clara do “direito à resis-
naturais e imprescritíveis do homem. tência” (Recht zum Widerstand). Da
Tais direitos são: a liberdade, a segu- mesma forma, tal enunciação está pre-
rança, a propriedade e a resistência à sente em várias constituições de esta-
opressão”. O preâmbulo da Consti- dos norte-americanos (New Hamp-
tuição Francesa de 1958 ainda reco- shire, Kentucky, Tennesse, Carolina
nhece seu vínculo a tais princípios. do Norte, entre outros).
A Declaração dos Direitos do Homem Eis um dado interessante: a primeira
e do Cidadão, de 1793, escrita sob declaração dos direitos humanos
influência jacobina, apresenta, como colocava o direito à resistência como
direitos naturais e imprescritíveis: a um dos seus quatro fundamentos. Já a
liberdade, a igualdade, a segurança e declaração feita pelas Nações Unidas
a propriedade. No entanto, seus três em 1948 evita enunciar diretamente
últimos artigos (33, 34 e 35) tratam tal direito, escolhendo uma formu-
claramente do direito à resistência. lação tangencial em seu preâmbulo;
Depois de afirmar, no artigo 27: “que Nele, lemos: “Considerando essen-
todo indivíduo que usurpe a sobera- cial que os direitos humanos sejam
nia seja assassinado imediatamente protegidos pelo Estado de Direito,
pelos homens livres”, a Declaração para que o homem não seja compe-
dirá: lido, como último recurso, à rebelião
contra a tirania e a opressão...”. Ou
– Artigo 33. A resistência à opressão seja, algo como: para que o direito
é consequência dos outros direitos de resistência não seja um fato con-
do homem vém respeitar os seguintes direitos
– 
Artigo 34: Há opressão contra o positivos. Esta enunciação tangencial
corpo social quando apenas um expõe o mal-estar da política contem-
de seus membros é oprimido. Há porânea em relação à assunção clara
Vladimir Safatle 159

do caráter de exceção da soberania Antes de analisar a natureza de tal


popular. violação política da lei, lembremos
Tal caráter de exceção fica claro ao ainda que não devemos compreen-
lembrarmos que, se aquele que usur- der a ideia fundamental do direito
pa a soberania dos homens livres à resistência simplesmente como o
deve ser punido, é porque tal sobe- núcleo de defesa contra a dissolução
rania deve ser conservada como atri- dos conjuntos liberais de valores
buto direto do povo em qualquer de (direito à propriedade, afirmação do
suas formas de expressão. Com isto, individualismo possessivo, direito da
a Revolução Francesa abre uma das inviolabilidade de minha privacidade
questões fundamentais para o pensa- etc.). Esta estratégia liberal é equivo-
mento político moderno, a saber, cada pois parte do princípio de que
como dar forma institucional para o não temos conflito a respeito do que
poder instituinte próprio à soberania “liberdade” significa. Se aceitarmos
que “liberdade” não é um ponto de
popular. Pois enquanto soberano, tal
consenso social, mas a expressão
poder está na situação de exceção de
mesma de um dissenso semântico a
se colocar ao mesmo tempo dentro
respeito do que devemos entender por
e fora do ordenamento jurídico. Ele
valores que julgamos partilhar, então
está dentro por, em condições nor- deveremos compreender de outra for-
mais, a ele se submeter. Ele está fora ma o sentido do direito de resistência.
porque, como todo poder soberano, Na verdade, gostaria de insistir que,
pode suspender o ordenamento jurí- no interior do direito de resistência,
dico a partir de sua vontade, ou seja, a encontramos a idéia fundamental de
partir da consciência da inadequação que o bloqueio da soberania popular
entre a vontade popular e a configu- deve ser respondido pela demonstra-
ração jurídica atual. Esta suspensão, ção soberana da força. Que a demo-
que não implica destruição do nomos, cracia deva, através deste problema,
é feita através de uma certa “violação confrontar-se com aquilo que Giorgio
política da lei”. Neste sentido, definir Agamben chama de “o problema do
o direito de resistência como direito significado jurídico de uma esfera de
humano fundamental é reconhecer ação em si extrajurídica”, ou ainda,
a essencialidade da dimensão anti- com a “existência de uma esfera da
‑institucional da política, assim como ação humana que escapa totalmente
reconhecer que o sujeito é aquele que ao direito”5, que ela deva se con-
guarda para si uma força que não se
aliena sob a forma jurídica dos direi- 5
Agamben, Giorgio, Estado de exceção, São
tos positivos da pessoa. Paulo: Boitempo, p. 24.
160 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

frontar com uma esfera extrajurídica, mos diante de um “estado ilegal”, o


mas nem por isto ilegal, eis algo problema da dissociação entre justiça
claro. Pois devemos insistir aqui que, e direito se coloca.
mesmo em situações onde não esta-

Uma sociedade que tem medo da política


Muitos gostam de dizer que, no inte- mento jurídico pode falar em nome
rior da democracia, toda forma de do povo. Ao contrário, o ordenamento
violação contra o Estado de direito jurídico de uma sociedade democrá-
e inaceitável. Mas e se, longe ser de tica reconhece sua própria fragili-
um aparato monolítico, o direito em dade, sua incapacidade de ser a expo-
sociedades democráticas for uma sição plena e permanente da sobe-
construção heteróclita, onde leis de rania popular.
várias matizes convivem formando Por estas razões, a democracia admi-
um conjunto profundamente instável te o caráter “desconstrutivel” do di-
e inseguro? Não seriam certas “viola- reito, e ela o admite através do reco-
ções” do Estado de direito condições nhecimento daquilo que poderíamos
para que exigências mais amplas de
chamar de legalidade da “violação
justiça se façam sentir? Foi pensando
política”. Pacifistas que sentam na
em situações desta natureza que
frente de bases militares a fim de im-
Derrida afirmava ser o direito objeto
pedir que armamentos sejam deslo-
possível de uma desconstrução que
visa expor as superestruturas que: cados (afrontando assim a liberdade
“ocultam e refletem, ao mesmo tem- de circulação), sindicalistas que “se-
po, os interesse econômicos e polí- questram” patrões a fim de impedir
ticos das forças dominantes da socie- um contínuo processo de espoliação
dade”6. Quem pode dizer em sã cons- econômica, ecologistas que seguem
ciência que tais forças não agiram e navios cheios de lixo radioativo a fim
agem para criar, reformar e suspen- de impedir que ele seja despejado no
der o direito? Quem pode dizer em mar, trabalhadores que fazem pique-
sã consciência que o embate social tes em frente a fábricas para criar
de forças na determinação do direito situações que lhes permitam negociar
termina necessariamente da maneira com mais força exigências de melho-
mais justa? Por isto, nenhum ordena- ria de condições de trabalho, cidadãos
que protegem imigrantes sem-papéis,
Derrida, Força de lei, São Paulo: Martins
6 ocupações de prédios públicos feitas
Fontes, 2007. em nome de novas formas de atua-
Vladimir Safatle 161

ção estatal, trabalhadores sem-terra como a exigência de universalização


que invadem fazendas improdutivas, de direitos positivos já assegurados a
Antígona que enterra seu irmão: em setores da população. Neste sentido,
todos estes casos o Estado de direito é ela seria impulsionada pela centrali-
quebrado em nome de um embate em dade de princípios de igualdade. No
torno da justiça. No entanto, é graças entanto, podemos complexificar tal
a ações como estas que direitos são visão insistindo nas relações entre
ampliados, que a noção de liberdade injustiça e sentimento de sofrimento
ganha novas matizes. Sem elas, certa- social, ou seja, sofrimento cuja estru-
mente nossa situação de exclusão tura causal aparece aos sujeitos como
social seria significativamente pior. vinculada aos regimes de ordenamen-
Nestes momentos, encontramos o to social. Nem sempre a experiência
ponto de excesso da democracia em de sofrimento social está vinculada
relação ao direito. à consciência da exclusão relativa a
Uma sociedade que tem medo destes direitos positivos. Muitas vezes, ela
momentos, que não é mais capaz de pode expressar a inquietude de um
compreendê-los, é uma sociedade que processo de modificação de formas de
procura reduzir a política a um mero vida que ainda não alcançou a enun-
acordo referente às leis que atual- ciação de direitos. Parte de nossos
mente temos e aos modos que atual- sofrimentos sociais são expressões de
mente temos para mudá-las (como formas de vida em transformação.
se a forma atual da estrutura política De toda forma, notemos como a sus-
fosse a melhor possível). No fundo, pensão da lei em nome do sofrimento
esta é uma sociedade que tem medo social e do bloqueio de reconheci-
da política e que gostaria de substituir mento é qualitativamente distinta da
a política pela polícia. Pois a violação suspensão da lei feita por práticas
política nada tem a ver com a tenta- totalitárias. Pois a suspensão política
tiva de destruição física ou simbólica é maneira de dizer que o direito se
do outro, do opositor, como vemos na enfraquece quando não é mais capaz
violência estatal contra setores des- de reconhecer suas próprias limita-
contentes da população ou em golpes ções. E isto é feito a partir de uma
de estado. Antes, ela é a força da outra espécie de “direito” (as aspas
urgência de exigências de justiça. são de rigor) cujo fundamento, como
É claro que se faz necessário com- dizia Claude Lefort, “não tem figu-
preender melhor o que devemos cha- ra”, é marcado por um “excesso face
mar aqui de “justiça”. Pois podería- a toda formulação efetivada”, o que
mos definir “justiça”, neste contexto, significa que sua formulação contém
162 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

a exigência de sua reformulação. É só Um exemplo tragicamente interes-


assumindo este excesso que a demo- sante aqui foi dado pela Suíça ao
cracia pode existir. aprovar por plebiscito uma lei que
Este ponto de excesso em relação ao proibia a construção de minaretes em
ordenamento jurídico só conhece um mesquitas muçulmanas. Segundo os
limite: o limite de sua auto-dissolu- helvéticos, tais minaretes represen-
ção. E uma das maneiras da sobera- tavam o desejo expansionista e beli-
nia popular se dissolver é através da cista do islã. Cartazes associando
estigmatização de partes da própria minaretes a mísseis foram espalhados
população. Por exemplo, a noção de pelos alpes. Com isso, a Suiça que-
plebiscito tira sua legitimidade da brava a idéia de que todas as religiões
idéia de que a soberania popular se e todos os crentes devem ter o mesmo
manifesta como totalidade. Ou seja, a tipo de tratamento pelo Estado (e, se
totalidade da sociedade, que se orga- for para falar em belicismo religioso,
niza de maneira igualitária, exprime nenhuma religião passa no teste).
sua vontade. Mas leis discriminató- Inaugurava-se assim uma lógica da
rias contra grupos religiosos, raciais, soberania popular que se volta contra
nacionais ou sexuais quebram a no- sua base, ou seja, contra a representa-
ção de totalidade igualitária da vida ção igualitária da sociedade. Quando
social, inaugurando uma lógica de tal representação desaparece, a sobe-
massacre de minorias pela maioria. rania popular vira apenas uma máqui-
Por isso tais leis nunca poderiam ser na de destruição social.
objeto de um plebiscito.

A plasticidade da democracia

Feita esta ressalva, devemos insistir funcionaram mal. Do ponto de vista


que a efetivação do direito de resis- institucional, a democracia tem uma
tência pode, inclusive, nos levar a plasticidade natural. Ela depende,
modificações profundas, não apenas e isto é totalmente diferente, de um
das instituições, mas do processo poder instituinte soberano e sempre
decisório e de partilha do poder. Con- presente. Ou seja, ela depende de um
trariamente ao que dizia Tocqueville, aprofundamento da transferência do
a democracia não exige instituições poder para instâncias de decisão po-
fortes. Pois a democracia não exige pular que podem e devem ser convo-
um poder instituído forte e não deve cadas de maneira contínua. Estamos
depender de instituições que sempre muito acostumados com a idéia de
Vladimir Safatle 163

que a democracia realiza-se natural- com a invisibilidade de uma múltipli-


mente como democracia parlamentar. cidade de sujeitos políticos possíveis.
No entanto, isto é falso. Neste sentido, o verdadeiro desafio
O poder instituinte pressuposto pelo democrático consiste em institucio-
direito de resistência só é expressão nalizar tal poder instituinte, criando
de instabilidade para aquelas pers- uma dinâmica imanente de partici-
pectivas que compreendem a vida pação popular. Tal dinâmica é desa-
política como organizada, necessaria- creditada pelo pensamento conser-
mente, sob as formas da representa- vador pois ele procura vender a idéia
ção. No entanto, deveríamos lembrar inacreditável de que o aumento da
como no interior da competição re- participação popular seria um risco
gulada pela representação própria às à democracia. Como se as formas
democracias liberais, a eclosão elei- atuais de representação fossem tudo
toral do poder instituinte é sempre o que podemos esperar da vida demo-
mediada pelo peso institucional-eco- crática. Contra esta política que tenta
nômico das forças sociais que orga- nos resignar às imperfeições da nossa
nizam as condições de representação democracia parlamentar, devemos
dos atores políticos. Forças que se dizer que a criatividade política em
dispõem em silêncio. E o controle direção à realização da democracia
das condições de representação é, ao apenas começou. Há muito ainda por
mesmo tempo, o controle da cena do vir. Como dizia Derrida, eis a razão
político. Há uma zona de sombra em pela qual só podemos falar em demo-
todo campo de representação, com- cracia por vir, e nunca em democra-
posta pelo peso de atores que traba- cia como algo que se confunde com a
lham no controle da definição do que configuração atual do nosso Estado de
é representável. A crença tão presente Direito. Contra os arautos do Estado
ainda hoje de que, fora da represen- Democrático de Direito que procuram
tação política com seus mecanismos nos resignar às imperfeições atuais
de sufrágio, só haverá o caos, acaba da democracia parlamentar, devemos
por naturalizar o fato das condições afirmar os direitos de uma democra-
de possibilidade da representação cia por vir que só poderá ser alcan-
imporem um modo de presença na çada se assumirmos a realidade da
cena política, um modo de constitui- soberania popular.
ção dos “atores políticos” que se paga
Vária
Contributed papers
A emigração da Ilha do Corvo. 1800-1920
Hélio Nuno Santos Soares

Soares, H. (2015), A emigração da Ilha do Corvo. 1800-1920. Boletim do


Núcleo Cultural da Horta, 24: 167-205.

Sumário: Neste trabalho estudamos o fenómeno da emigração dos corvinos, especialmente


para os EUA, durante o século xix e as primeiras duas décadas do século xx. A emigração dos
corvinos permite-nos conhecer, a partir da documentação oficial, esta realidade que pertence
à história de Portugal e dos Açores na qual os corvinos se inserem. Os motivos tinham que
ver com as crises frumentárias, que se sucediam com alguma frequência, levando a fomes e
doenças que afetavam as populações de mais parcos recursos. A emigração surgia como fuga
a estas situações. Contudo, é impossível conhecer muita da informação devido à emigração
clandestina.

Soares, H. (2015), The emigration of Corvo Island. 1800-1920. Boletim do


Núcleo Cultural da Horta, 24: 167-205.

Summary: In this work we study the phenomenon of emigration from Crow Island, especially
to the United States during the nineteenth century and the first two decades of the twentieth
century. Emigration from Crow Island allows us to know, from the official documentation, this
reality that belongs to the history of Portugal and the Azores in which the inhabitants of Crow
Island fall in. The reasons had to do with the famine crises that followed with some frequency,
leading to wide spread hunger and diseases that affect the populations of more scarce resources.
Emigration appeared as an escape from these situations. However, it is impossible to know
much of the information due to illegal immigration.

Hélio Nuno Santos Soares – pheliosoares@gmail.com.

Palavras-chave: ilha do Corvo, emigração, emigração ilegal, baleação, baleeiras.

Key-words: Corvo island, emigration, illegal emigration, whaling, whalers.

Introdução
No âmbito do Seminário – Projeto Ano da Licenciatura em História na
em História – ministrado pelo Doutor Universidade dos Açores, foi-me pro-
Carlos Rilley da Motta Faria, no 3.º posto pelo docente estudar a emigra-
168 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

ção corvina no século xix e princípio oceano, para utilizar uma expressão
do século xx. O tema suscitou-me das Atas Camarárias.
grande interesse, dadas as particula- Neste trabalho pretende-se estudar o
ridades com que se reveste aplicadas fenómeno da emigração dos corvinos
ao movimento demográfico da mais para os EUA, durante o século xix e as
pequena ilha dos Açores. primeiras duas décadas do século xx.
A emigração é um fenómeno de todos Para uma melhor compreensão do
os tempos. Portugal foi, nos últimos fenómeno, faremos o seu enquadra-
500 anos, um país de emigrantes, com mento, relacionando-o em seguida
vagas sucessivas, organizadas pela com a baleação americana nos Açores.
Coroa ou por iniciativa particular. A relação das baleeiras com a comu-
A ilha do Corvo, situada no extremo nidade corvina também será abor-
da Europa, foi um local de cruza- dada e, finalmente, os locais onde os
mento de rotas ao longo dos tempos. corvinos se instalaram no mundo que
Estas rotas permitiram o contato dos apresentam algumas das caracterís-
corvinos com o mundo. No dealbar ticas da emigração dos corvinos.
do século xix, a baleação americana Este trabalho baseia a sua reflexão
estava em franco progresso. Foram nos documentos oficiais, nomeada-
as baleeiras americanas que propor- mente os Livros de Registo de Passa-
cionaram aos corvinos a fuga daquele portes do Governo Civil da Horta e
“torrão” de terra plantado no meio do Atas da Câmara Municipal do Corvo.

1.  Emigração Atlântica – enquadramento


O estudo da emigração é um fenó- sem esquecer que nos últimos dois a
meno que se reveste de muitas carac- três anos teve um recrudescimento.
terísticas, sejam da ordem das moti- Joel Serrão definiu o emigrante como
vações, sejam da ordem das áreas «aquele que resolveu abandonar o
geográficas em que se efetua a deslo- País por motivos pessoais, livremente
cação de pessoas. Este fenómeno tem concebidos, independentemente de
despertado interesse em diversos solicitações oficiais e, até, muitas
investigadores de diferentes áreas vezes em oposição a estas»1.
científicas. A emigração portuguesa
ao longo dos séculos foi algo que
1
Serrão, Joel, “Conspecto histórico da
emigração portuguesa”, in Análise Social.
caracterizou a história nacional e Lisboa, Instituto Superior de Ciências Eco-
continua a caracterizar, apesar da sua nómicas e Financeiras, Ano 8, n.º 32, 1970,
redução nos últimos trinta anos, mas p. 598.
Hélio Nuno Santos Soares 169

Os Açores foram ao longo dos tempos ideia do contributo açoriano para o


terra de chegadas e de partidas. A pró- Brasil colonial2. Recorde-se que mui-
pria colonização do arquipélago foi, tos destes homens, pelo tempo de
essencialmente, obra de migrantes prestação do serviço militar, superior
que do reino se deslocaram às ilhas a dois anos, acabaram por se estabe-
atlânticas na procura de uma nova lecer no Brasil, por isso não se veri-
vida, bem como de alguns povoado- ficou um grande movimento de re-
res estrangeiros. O êxito no modelo torno. Esta saída de pessoas no vigor
de colonização do arquipélago e dos da idade condicionava naturalmente
restantes arquipélagos atlânticos foi as estruturas demográficas, tendo re-
de tal forma que o modelo acabou por flexos a curto e médio prazo na pró-
ser adotado, mais tarde, na organi- pria evolução populacional, influindo
zação do Brasil. necessariamente no comportamento
Mas, desde cedo, ainda no século xvi, da natalidade e da nupcialidade das
deparamos com indivíduos das ilhas ilhas. Por outro lado influenciava o
açorianas nas mais variadas partes do número de braços disponíveis para
Império. A centralidade dos Açores o trabalho agrícola.
nas rotas marítimas a isso favoreceu No século xviii a Coroa continuou a
certamente. apoiar e a promover a saída de casais
Se no século xvi o fluxo emigratório dos Açores para o Brasil, fenómeno
era residual, tornou-se mais frequente que se intensificou em meados de se-
no século seguinte, direcionado para tecentos. Os motivos oficiais eram a
o Brasil. Foi sobretudo para o Pará saturação demográfica e consequente
e Maranhão que, ao longo do século desemprego, dado que não havia terra
xvii, foram encaminhadas as gentes para todos. O certo é que as crises fru-
dos Açores. Constituíam essencial- mentárias sucediam-se com alguma
mente os chamados “casais das frequência, sucedendo-se fomes e
ilhas”. Esta foi a designação adotada doenças que afetavam as populações
pela coroa para caracterizar os emi- de mais parcos recursos. A emigração
grantes/colonos ilhéus. A este grupo surgia como fuga a estas situações.
podemos acrescentar alguns recruta- A emigração de setecentos foi um
mentos militares efetuados nos Aço- movimento controlado pela Coroa,
res para defender partes do Brasil. 2
Madeira, Artur Boavida, “Emigração”, in
Por exemplo, entre 1637 e 1645,
Enciclopédia Açoriana, Direção Regional
assistiu-se à saída de mais de 2.600 da Cultura. <URL: http://www.culturacores.
recrutas para o Brasil. Portanto, como azores.gov.pt/ea/pesquisa/Default.aspx?id
diz Artur Madeira, ficamos com uma =2987>.
170 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

que regulamentou a saída dos ilhéus jogavam o seu destino em opções


e que disciplinou a sua fixação em próprias»4. A expressão do autor vai
território brasileiro, sobretudo nas ao encontro da definição apresen-
regiões de Santa Catarina e do Rio tada por Joel Serrão. No fundo esta
Grande do Sul3. característica estará sempre presente
No século xix, a emigração açoriana na emigração daqui em diante. Uma
para o Brasil continuou a ser incen- outra característica também apresen-
tivada pela Coroa, neste período já tada pelo autor foi a saída de indi-
instalada na colónia. O objetivo era víduos isolados, de ambos os sexos,
encaminhar os colonos para o povoa- solteiros, casados e viúvos. A atração
mento de novas regiões. Esta política pelo Brasil devia-se à procura de me-
foi interrompida pela instabilidade lhores condições de vida. Esta melho-
que se viveu após a revolução de ria era procurada neste país, porque
1820 e pelaindependência do Brasil o mesmo estava num processo de
em 1822. desenvolvimento económico, preci-
Após a guerra civil de 1832/34, com sando de mão-de-obra para as planta-
a consequente reforma e divisão ções de café e para as obras públicas.
administrativa do reino, em que os Entre 1880 e 1888, por exemplo, esse
governadores civis passaram a deter país absorveu cerca de 85% da emi-
a capacidade de controlo da emigra- gração portuguesa5. O ciclo do Brasil,
ção nas suas jurisdições, coube-lhes a como classifica Sacuntala Miranda,
possibilidade de concessão de passa- teve maior expressão na emigração
portes. É uma nova fase da emigra- açoriana a partir de 1870, prolon-
ção portuguesa para o Brasil à qual gando-se até finais do século xix6.
os açorianos não estão alheios. Artur Se olharmos para o Inquérito Parla-
Madeira caracteriza esta nova fase do mentar de 18737, ficamos com a im-
seguinte modo: «De uma emigração pressão de que não havia motivos
direcionada passou-se para uma emi- para emigrar em Portugal. Para o
gração “livre”, em que os indivíduos seu relator, Barros Cunha, não havia

3
Ibidem. 6
Miranda, Sacuntala, A Emigração Portu-
4
Ibidem. Os moldes da emigração promo- guesa e o Atlântico – 1870-1930. Lisboa,
vida pelo Coroa serão, com as devidas dife- Edições Salamandra, 1999, p. 47.
renças, retomados com o Estado Novo, em 7
Serrão, Joel, “Conspecto histórico da
pleno século xx, para as colónias de África, emigração portuguesa”, in Análise Social.
mas essa comparação não é objeto do nosso Lisboa, Instituto Superior de Ciências Eco-
estudo. nómicas e Financeiras, Ano 8, n.º 32, 1970,
5
Ibidem. p. 610.
Hélio Nuno Santos Soares 171

miséria nem falta de trabalho, dado sua passagem»9. Não era escravatura,
que havia falta de mão-de-obra na mas, dadas as condições de trabalho
agricultura. Por estes motivos, para o e as restrições a que estavam sujeitos
relator, a única razão para motivar a os emigrantes, aproximava-se da
emigração é a ambição de enriqueci- escravatura, por este motivo se desig-
mento rápido. Joel Serrão classifica a nava de “escravatura branca”. A prá-
explicação de simplista, indo buscar a tica do engajamento também existiu
resposta à emigração a autores como nos Açores.
Alexandre Herculano e Orlando Uma particularidade da emigração
Ribeiro, para os quais os reduzidos açoriana oitocentista, nítida sobre-
salários, a ausência de investimento tudo no último quartel do século, é a
na agricultura, a existência de uma viragem para outros destinos que não
indústria reduzida e a pressão demo- o brasileiro, nomeadamente o Hawai,
gráfica exercida sobre a terra eram na altura designava-se o arquipélago
os motivos mais que suficientes para por ilhas Sandwich, e Estados Unidos.
incentivar a emigração portuguesa8. Desde os finais do século xix e ao
Uma questão muito polémica durante longo do século xx, a emigração
o segundo quartel do século xix foi açoriana direcionou-se quase sempre
a prática do engajamento de colonos para os Estados Unidos. É o ciclo dos
para o Brasil, fenómeno que a opi- Estados Unidos, no dizer de Sacuntala
nião pública portuguesa designaria de Miranda10. Esta mudança de destino
“escravatura branca”. Segundo Artur abrangeu primeiramente o grupo cen-
Madeira, «o engajamento consistia tral e ocidental e só posteriormente o
na assinatura de um contrato com o grupo oriental11. Ricardo Madruga da
capitão do navio pelo qual, em troca Costa defende que esta emigração é
da passagem, o colono teria de tra- de caráter individual, de cariz clan-
balhar na nova terra entre 3 e 5 anos destino, e motivada pela presença da
para pagar a soma despendida com a frota baleeira americana12.

 8
Ibidem, pp. 610 e 611. 11
Rocha, Gilberta Pavão Nunes, “A emigra-
 9
Madeira, Artur Boavida, “Emigração”, in ção na sociedade açoriana: os EUA como
Enciclopédia Açoriana, Direção Regional destino”, in Galiza e Açores – A rota da
da Cultura. <URL: http://www.culturacores. América. Pena, Alberto; Mesquita, Mário
azores.gov.pt/ea/pesquisa/Default.aspx?id= e Vicente Paula (Coord.). Lisboa, Funda-
2987>. ção Luso-Americana, 2002, p. 38.
10
Miranda, Sacuntala, A Emigração Portu- 12
Costa, Ricardo Madruga da, “A emigração
guesa e o Atlântico – 1870-1930. Lisboa, do Faial para os Estados Unidos da América
Edições Salamandra, 1999, p. 47. no século xix”, in Galiza e Açores – A rota
172 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Os motivos da emigração podem ser gurança16; fuga ao isolamento e ao


diversos. Para Sacuntala de Miranda serviço militar17.Tudo isto numa
este fenómeno está ligado a traços ânsia de procura de melhores con-
estruturais das zonas de origem da dições de vida, a que se aliava uma
emigração, as quais têm que ver relativa facilidade de transportes para
com13 a elevada densidade popula- os países de destino.
cional, imobilidade do sistema de Importa realçar que a emigração aço-
propriedade fundiária, depressão en- riana deteve um cariz legal e outro
démica da agricultura, existência de clandestino. Os estudos existentes
redes tradicionais de engajamento e referem-se, sobretudo, à emigração
de transporte de emigrantes e liga- legal, porque a ilegal é difícil de con-
ções de parentesco ou amizade com tabilizar. A fuga ao serviço militar
núcleos de emigrantes estabelecidos obrigatório era uma das mais fortes
no país recetor. motivações da emigração de man-
A mesma autora realça que ao compa- cebos, antes de irem ao sorteio ou
rarem-se as estatísticas oficiais entre mesmo antes do recenseamento.
os distritos insulares e os continen- Este fator influenciou a emigração de
tais se denota uma taxa de emigração menores, maioritariamente de forma
mais elevada nas ilhas. E comparando clandestina. Assim, era frequente en-
os três distritos insulares o que mais contrar jovens «nos rochedos negros
se destaca é o de Ponta Delgada, com das ilhas dos Açores, apenas aguar-
uma média de 24 imigrantes por cada davam um sinal para se lançar à
1000 habitantes14. A autora apresenta conquista do oceano»18. O serviço
diversas razões para a elevada taxa de militar era olhado como uma tragédia
emigração nas ilhas: a situação geo- que se abatia sobre o jovem, em parti-
gráfica das ilhas, em que a América cular, e sobre a família, em geral, a
exerce uma atração sobre as mesmas quem eram retirados, um após outro,
como pólo de desenvolvimento15; os filhos e o seu contributo para o
fuga às intempéries, às variações cli- respetivo sustento. Aos jovens recru-
máticas e à consequente fome e inse- tas estava-lhes destinada a saída da
ilha e uma longa estadia em parte

da América. Pena, Alberto; Mesquita,


Mário e Vicente Paula (Coord.). Lisboa, 14
Ibidem, p. 35.
Fundação Luso-Americana, 2002, p. 66. 15
Ibidem, p. 36.
13
Miranda, Sacuntala, A Emigração Portu- 16
Ibidem.
guesa e o Atlântico – 1870-1930. Lisboa, 17
Ibidem.
Edições Salamandra, 1999, pp. 13-14. 18
Ibidem, p. 51.
Hélio Nuno Santos Soares 173

incerta num quartel frio, com gente ção para os Estados Unidos da Amé-
estranha, e sujeito a uma alimentação rica. Os primeiros emigrantes açoria-
de má qualidade, muito diferente da nos a instalarem-se nos Estados Uni-
gastronomia insular e do aconchego dos da América remontam à década
familiar. Para combater a emigração de vinte do século xix, maioritaria-
clandestina foi exigido às autoridades mente embarcados nas baleeiras ame-
locais uma vigilância mais rigorosa. ricanas, propriedade das companhias
No ciclo do Brasil, os navios que da costa leste e mais tarde da Cali-
faziam o transporte de emigrantes fórnia19. Eram maioritariamente ho-
legais e clandestinos transportavam mens provenientes das ilhas do Faial
outra carga até aos Açores, nomea- e Pico que se instalaram e trouxeram
damente contrabando, para depois as famílias. Foram eles que, eventual-
levarem os novos passageiros. No mente, incentivaram a emigração de
caso dos emigrantes para a América, familiares de forma gradual. Na Cali-
no decurso do século xix, as baleeiras fórnia, um outro núcleo chegou à
americanas foram o meio de trans- procura do ouro, instalando-se, poste-
porte escolhido, principalmente para riormente, como proprietários agrí-
quem embarcava nas ilhas dos grupos colas. Segundo Maria Baganha, estes
central e ocidental. Somente em finais dois núcleos de emigração de finais
de oitocentos os grandes paquetes do século xix, foram impulsionados
transatlânticos começaram a realizar pela preocupação económica, pela
viagens regulares e possuindo grande necessidade de reunião de famílias
capacidade de transporte. Estes pa- separadas, pelo desejo de estender
quetes tinham duplo objetivo: trans- os benefícios da emigração à restante
portar emigrantes para os países ame- família, pelo o anseio de regressar à
ricanos em desenvolvimento e trazer terra natal e de possuir um pedaço
para a Europa produtos agrícolas de terra seu na mesma20. Todas estas
diversos produzidos nesses países. razões favoreceram o aumento da
Como já dito anteriormente, o nosso deslocação de pessoas entre os Açores
estudo debruçar-se-á sobre a emigra- e a América.

19
Ibidem, p. 90. Cf. Costa, Ricardo Madruga Alberto; Mesquita, Mário e Vicente Paula
da, “A emigração do Faial para os Estados (Coord.). Lisboa, Fundação Luso-Ameri-
Unidos da América no século XIX”, in cana, 2002, p. 66.
Galiza e Açores – A rota da América. Pena, 20
Ibidem, p. 92.
174 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

2. A baleação americana nos Açores


A baleação americana teve um grande campanhas de 3 e 4 anos. No ano de
desenvolvimento no século xviii, o 1768, cerca de 70 navios baleeiros,
que permitiu aos baleeiros america- armando cerca de 200 botes, frequen-
nos aventurarem-se em viagens cada taram os mares dos Açores e os seus
vez mais longínquas. Nestas viagens portos22, o que é revelador da impor-
de longa distância chegaram aos tância da baleação americana nas
Açores. Os primeiros contatos destes ilhas em pleno século xviii.
navios de caça à baleia com as popu- O número de navios baleeiros nos
lações açorianas ocorreram, sensi- Açores em cada Verão foi aumen-
velmente, em 176521. As capturas de tando. Vejamos o caso da ilha das
cachalotes eram tão produtivas nesta Flores, que em 1811, dos 37 navios
região, a que os baleeiros da Nova entrados nos seus portos, 9 eram em-
Inglaterra chamavam Western Islands barcações baleeiras americanas pro-
Grounds, que continuaram a frequen- venientes de Nuntucket23. Francisco
tar o arquipélago cada vez em maior Gomes comprova-nos a presença de
número. Com pequenas embarcações navios baleeiros nas Flores em 1806
enfrentavam o mar e os enormes e 1807, dando conta de transações
cetáceos. Posteriormente começaram efetuadas para o seu abastecimento24.
a utilizar os brigues, escunas e barcas Francisco Medeiros, ao citar Marce-
de três mastros e 350 a 450 toneladas, lino de Lima, informa-nos que no ano
ou mais, com cerca de 40 tripulantes, de 1866, dos 327 navios entrados no
transportando 4 a 6 botes baleeiros e Faial, 104 eram navios baleeiros25.
possuindo instalações a bordo para Com a frequência das baleeiras em
derreter o toucinho em grandes cal- tão grande número no mar dos Açores
deiros. Eram autênticas fábricas flu- é natural que se procurassem tripu-
tuantes. As áreas de pesca foram lações nestas ilhas, principalmente
sucessivamente alargando, passando a partir da década de vinte. A caça à
de viagens de algumas semanas a baleia atingiu o seu apogeu, por parte
da frota americana, entre o final da
21
Medeiros, Francisco, “Baleação Ameri-
cana”, in Enciclopédia Açoriana, Direção 24
Gomes, Francisco, A Ilha das Flores: da
Regional da Cultura, 2000. <URL: http:// redescoberta à actualidade (subsídios para
www.culturacores.azores.gov.pt/ea/pesqui a sua História). Lajes das Flores, Câmara
sa/Default.aspx?id=5517>. Municipal das Lajes das Flores, 1997,
22
Ibidem. p. 207, e documentos n.º 111.
23
Ibidem. 25
Ibidem.
Hélio Nuno Santos Soares 175

guerra de 1812 e a guerra de seces- escalas ao porto da Horta, que no


são americana (1860-1865), foi a ano de 1841 atingem a cifra de 180
chamada “época de ouro”, em que o navios baleeiros27. Verificamos que
porto de New Bedford ocupou uma a presença de baleeiras no mar dos
posição importante. Açores foi aumentando gradualmente
A aguada ou refresco era uma prá- ao longo dos anos.
tica necessária a qualquer navio que O arranque da emigração açoriana
passasse semanas no mar sem avistar para os Estados Unidos da América
terra. Assim, a aquisição de água e de está intimamente associada à balea-
produtos frescos fazia-se com norma- ção americana, bem como à sua pre-
lidade ao avistar-se as primeiras ilhas sença no mar dos Açores28. Estas em-
açorianas, Flores e Corvo26. Aqui barcações necessitavam de tripulan-
forneciam-se os produtos agrícolas tes, o que, num período de expansão
necessários à alimentação. Eventual- como aquele que a indústria baleeira
mente alguma reparação mais urgen- americana estava a viver, requeria
te. A importância desta escala foi reco- uma maior procura. Os navios par-
nhecida com a criação de uma agência tiam dos portos americanos com as
consular americana em Santa Cruz tripulações incompletas, com a inten-
das Flores. A cidade da Horta com a ção de as completarem nas ilhas29.
sua baía tornou-se o porto de abrigo Para os açorianos a frequência nas
por excelência. A abertura do posto costas das ilhas de tão grande nú-
consular em 1806, sendo o seu côn- mero de navios era algo estimulante.
sul o americano John Bass Dabney. Ricardo Madruga da Costa tece o
O seu filho, Charles William Dabney, seguinte comentário acerca dos aço-
sucedeu-lhe no cargo em 1826, rapi- rianos que se aventuraram a embarcar
damente adotou uma política de nas baleeiras:
apoio à logística da frota baleeira,
criando uma firma que fornecia todo Haverá que enaltecer a fortaleza de espírito
desta gente de forte têmpera, devolvendo
tipo de bens e serviços a par de uma ao baleeiro açoriano em particular, que
hospitalidade reconhecida. Este apoio fez desse embarque aventuroso a bordo de
foi reconhecido pelas frequências de

sidade Nova de Lisboa/Universidade dos


26
Costa, Ricardo Manuel Madruga da, A ilha Açores; Observatório do Mar dos Açores;
do Faial na Logística da Frota Baleeira Fábrica da Baleia de Porto Pim, 2012, p. 75.
Americana no “século Dabney”. Horta, 27
Ibidem, p. 62.
Centro de História de Além Mar, Faculdade 28
Ibidem, p. 28.
de Ciências Sociais e Humanas da Univer- 29
Ibidem, p. 124.
176 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

centenas de navios passaporte para alcan- duas décadas, a Coroa exigia, siste-
çar o seu sustento e esperança de desafogo, maticamente, levas de recrutas aço-
dignidade do seu carácter e da sua coragem
rianos para o Brasil, estipulando o
física e moral30.
número a enviar31. Por exemplo no
Quem embarcava nas baleeiras ame- ano de 1809 solicitava-se um contin-
ricanas? É a pergunta que podemos gente de 3.000 recrutas. Estes núme-
formular. A resposta é simples, eram ros, certamente não eram satisfeitos,
maioritariamente jovens. Porque em- como o autor bem explica. É notório
barcavam? É a segunda pergunta. o embaraço das autoridades em satis-
Estes jovens viviam num ambiente fazer as exigências da Coroa. Todavia,
saturado pela exploração agrária, em o autor avança com uma estimativa
que cada palmo de terra era disputado imprecisa de contributo dos Açores
por uma densidade populacional rela- face aos pedidos da Coroa, em que
tivamente alta, assim os recursos eram estima uma mobilização na ordem
escassos. Consumiam as suas forças dos 4.000 a 5.000 jovens. Esta situa-
no amanho da terra, das vinhas, no ção tornou-se dramática, porque os
pastoreio dos animais. Gente de fé, jovens partiam na incerteza do re-
dado que era a única esperança a que gresso, que era o mais provável!
se podiam agarrar, conformada, numa Separavam-se famílias, privavam-se
simplicidade iletrada, em que o único de braços para a agricultura, comér-
objetivo era sobreviver e colocar cio e ofícios. Temos assim um efeito
comida diariamente na mesa para desagregador de famílias e comuni-
toda a família, mesmo que esta fosse dades inteiras. O recrutamento abran-
igual à do dia anterior e do dia se- daria durante o restante século, mas
guinte. A tudo isto se acrescia a carga manter-se-iam a memória deste pe-
fiscal a que estavam sujeitos, em que ríodo e o horror ao serviço militar.
a estrutura fundiária das ilhas era Os fatores económico e militar foram,
diversa, mas, na generalidade, a provavelmente, os que mais influen-
maioria da população não detinha ciaram a saída de jovens das ilhas.
nem o chão do casebre onde habitava. Entrar numa baleeira era um ato de
O recrutamento militar era outro fla- desespero e coragem. Desespero pela
gelo que vai marcar todo o século xix situação que se vivia nas ilhas; cora-
e início do século xx. Nas primeiras gem porque se atiravam os jovens

30
Ibidem. ‑Geral (1800-1820). Horta, Núcleo Cultural
31
Costa, Ricardo Manuel Madruga da, Os da Horta/Câmara Municipal da Horta, 2005,
Açores em finais do regime da Capitania- pp. 199-203.
Hélio Nuno Santos Soares 177

para um futuro incerto. Uma capa- no seu trabalho. O normal do paga-


cidade de sacrifício de abandonar a mento aos tripulantes era acordado
família que, apesar das dificuldades, entre o armador, o comandante e ofi-
detinha a proteção familiar e da sua ciais, nomeadamente a percentagem
comunidade natal. O jovem lançava- do produto da campanha, em que
‑se num mar imenso cheio de perigos, cada um recebia de acordo com a sua
em campanhas que duravam 3 e 4 categoria a bordo, a chamada lay, o
anos, em locais distintos e longínquos, que se designa por soldada32.
desde a Terra Nova ao Pacífico, onde Recordemos que muitas destas parti-
a morte espreitava a qualquer mo- das eram feitas clandestinamente, “de
mento, no seio de um grupo estranho salto”, ou seja às escondidas das auto-
que falava uma língua desconhecida. ridades locais, prática que mereceu
As condições a bordo eram extrema- muitos reparos e medidas repressivas
mente rigorosas, trabalho, alojamen- por parte das autoridades. Porque
to, alimentação e disciplina. É conhe- somente havia duas formas de sair
cida a violência que os capitães das para o estrangeiro: uma era seguir os
baleiras exerciam sobre os tripulan- trâmites legais e adquirir passaporte;
tes. O que também levava à deserção a outra era obter um conjunto de
quando aportavam a um qualquer várias cumplicidades, embarcando de
porto. O preço da passagem podia ser forma clandestina nas baleeiras e pos-
o ficar ao serviço durante uma cam- teriormente nos navios que transpor-
panha. Esta podia durar no máximo tavam passageiros, nomeadamente
4 anos. Se assim ocorria, podemos para os Estados Unidos da América.
dizer que o tripulante era explorado

3. Os corvinos e as Baleeiras


Como tivemos oportunidade de de- de viagem a partir dos portos da costa
monstrar no ponto anterior, a balea- leste dos Estados Unidos da América.
ção americana foi muito ativa no Mas também podemos observar que
mar dos Açores. As ilhas das Flores eram a última paragem depois de
e Corvo eram o primeiro contato saírem dos Açores rumo aos portos
estabelecido após algumas semanas
de Ciências Sociais e Humanas da Univer-
32
Costa, Ricardo Manuel Madruga da, A ilha sidade Nova de Lisboa/Universidade dos
do Faial na Logística da Frota Baleeira Açores; Observatório do Mar dos Açores;
Americana no “século Dabney”. Horta, Fábrica da Baleia de Porto Pim, 2012,
Centro de História de Além Mar, Faculdade p. 107.
178 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

americanos, já com os porões cheios. ilha das Flores, levando as diferentes


Fazendo com que estas duas ilhas sociedades constituídas a criarem
fossem regularmente visitadas por postos baleeiros em diferentes lo-
estes navios no início e no fim de cais, um dos quais no Corvo, o qual
cada campanha. As transações efetua- já existia em 186435. Não sabemos
das serviam para completar a pouca quando foi adquirido o primeiro bote
riqueza gerada nas ilhas. A venda ou baleeiro para o Corvo, todavia já em
troca de produtos eram uma necessi- 1874, foi noticiado que as lanchas do
dade. As baleeiras também ficaram Corvo apanharam uma baleia, e que
famosas por favorecerem o contra- no final desse ano foram às Flores
bando de tabaco33. Se temos notícia fornecer-se de caldeiras36. Segundo a
de o praticarem nas ilhas do grupo imprensa da época, no ano de 1878,
central, certamente também o fariam foi criada na ilha uma sociedade ba-
nestas duas ilhas. O que aumentava leeira, que tinha por objetivo reverter
os motivos dos contatos com as popu- uma das soldadas, em partes iguais, a
lações, predominantemente em locais favor da Igreja Matriz do Corvo e do
mais recônditos. Hospital das Flores37. No período de
A atividade desenvolvida pelas ba- 1903-1905 a frota baleeira do Corvo
leeiras americanas e a sua conse- era constituída por seis botes: duas
quente rentabilidade não passou de Joaquim Augusto Bicho Flores,
despercebida às gentes da mais pe- natural da ilha das Flores, duas de
quena ilha. Seguindo as informações António José da Rocha e duas de Joa-
de Francisco Gomes, a vizinha ilha quim Pedro Lopes38. No ano de 1918,
das Flores deteve os primeiros botes a firma Maurício António Fraga &
baleeiros em 1856, importados dos C.ª Lda. adquiriu três botes baleiros
Estados Unidos da América, sendo no Corvo, os quais fizeram viagem
arpoada pelos mesmos a primeira ba- para o porto das Lajes a 24 de Julho
leia quatro anos depois34.Esta indús- do mesmo ano39. Podemos depreen-
tria entrou em franco crescimento na der que os corvinos desde meados do

33
Ibidem, p. 121 e ss. 37
Ibidem.
34
Gomes, Francisco, A Ilha das Flores: da 38
Ibidem, p. 663.
redescoberta à actualidade (subsídios para 39
Ibidem, p. 664. Cf. Bragaglia, Pierluigui,
a sua História). Lajes das Flores, Câmara “Maurício António Fraga & C.ª Lda”, in
Municipal das Lajes das Flores, 1997, Enciclopédia Açoriana, Direção Regional
p. 652. da Cultura. <URL:http://www.culturacores.
35
Ibidem, p. 661. azores.gov.pt/ea/pesquisa/Default.aspx?id=
36
Ibidem, p. 658. 8133>.
Hélio Nuno Santos Soares 179

século xix se dedicaram a esta ativi- existiu uma agênciaconsular ameri-


dade a partir da sua ilha, mesmo sem cana em Santa Cruz das Flores, na
infraestruturas que possibilitassem o dependência da representação con-
devido apoio. sular americana na Horta. Uma des-
Os corvinos não foram exceção à locação à vizinha ilha das Flores tor-
regra na odisseia da emigração clan- nava-se mais acessível aos corvinos.
destina na frota baleeira América Durante o século xix a população da
de oitocentos e início do século xx. ilha continuou a aumentar. Em 1842
Seguir os trâmites legais era algo difí- a ilha contava com 800 habitantes e
cil. Para o fazerem tinham de se des- 190 fogos e em 1871 atinge o máximo
locar às capitais de Distrito, sendo a da população da sua história, com
mais próxima a cidade da Horta, capi- 887 habitantes41. Apesar da estrutura
tal do Distrito do mesmo nome à qual agrária da ilha se ter alterado total-
pertencia a ilha do Corvo. As ligações mente com o liberalismo, a ilha sofria
não eram regulares. Uma deslocação uma exploração intensiva para satis-
à Horta implicava uma permanência fazer as necessidades alimentares da
incerta nesta cidade, que podia levar sua população. A pressão sobre um
semanas ou meses, conforme as cir- território de 17 km2 é enorme, de
cunstâncias. Portanto estas dificulda- modo a produzir o necessário à sobre-
des eram dissuasivas do cumprimen- vivência dos seus habitantes. A agrura
to da via legal. Todavia em data ante- dos corvinos é expressa na represen-
rior a 1891, o administrador do Con- tação da Câmara do Corvo ao Rei
celho de Santa Cruz das Flores, na D. Carlos, em 1903, sobre os trans-
qualidade de representante do poder portes marítimos:
central, nomeado pelo governador Os corvinos, Senhor! Não tem a mínima
civil, tinha competência de emitir culpa de ser pequeníssimo o humilde pe-
passaportes40. Neste período também nhasco que habitam no meio da amplidão

40
Vieira, Luís Filipe Nóia Gomes, Concelho 27 de Julho de 1901. Podendo-se especular
de Santa Cruz das Flores (1890-1920) – a existência de um livro por década obte-
Entre a estagnação e o progresso. Ponta remos o início desta competência do Admi-
Delgada, Universidade dos Açores, Edição nistrador do Concelho de Santa Cruz na
fac-similada, 2012, p. 134. O primeiro livro década de setenta de oitocentos.
de registo de emissão de passaportes pela 41
Saramago, João, “Breve notícia histórica
administração do Concelho de Santa Cruz sobre a ilha do Corvo”, in Vila Nova do
das Flores encontra-se desaparecido, so- Corvo – inventário do Património imóvel
mente existe em arquivo o livro n.º 3, com dos Açores. Angra do Heroísmo, Direção
início em 1 de Julho de 1891 e termino em Regional da Cultura, 2001, p. 15.
180 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

dos mares; e muito menos ainda lhes pode ‑nos o trabalho árduo necessário à
ser imputada a sua diminuta importância sobrevivência na ilha: «são os corvi-
comercial, que está, em relação com o
nos um povo laborioso, quase só
numero de habitantes deste pequeno cabe-
ço que muitas vezes, como no anno pró- entregue aos próprios recursos»44.
ximo findo, não produz o suficiente para O contato com as baleeiras america-
a parca alimentação de seus infelizes nas permitia as transações e também
habitantes; o que os obriga a imigrar e a o quebrar da monotonia da vida da
procurar regiões mais férteis e mais hospi- ilha. Se recordamos a importância
taleiras42.
dada ao “dia de S. Vapor” no decurso
O isolamento da ilha era notório, com do século xx, certamente veremos a
a ausência de transportes regulares, e importância atribuída às chegadas
os que havia tornavam-se verdadei- dos navios baleeiros ao Corvo no
ramente desconfortáveis43. Somente século xix, já que eram uma porta de
a necessidade ou verdadeira curiosi- comunicação com o exterior. Também
dade se impunham a um espírito mais neste campo os irmãos Bullar são
aventureiro. Os diferentes visitantes nossas testemunhas: «de vez em
da ilha, que registaram as suas im- quando aportam ao Corvo navios
pressões, dão-nos um imaginário de baleeiros americanos para se abaste-
ilha isolada e pobre. O motivo fun- cerem»45. Comunicar com os baleei-
damental para este isolamento dentro ros não devia ser fácil, devido à lín-
do próprio arquipélago foi a ausência gua, mas o contato sistemático com as
de comunicações regulares. Por outro tripulações e a emigração nas mesmas
lado, a ilha estava fora das rotas favoreceu a aprendizagem da língua
comerciais da época. Perdeu a sua inglesa. Continuando a servirmo-nos
importância geoestratégica do Antigo do relato dos irmãos Bullar, ficamos a
Regime. saber que o padre João Inácio Lopes
Os irmãos Bullar visitaram a ilha do sabia «algumas palavras de inglês»46.
Corvo em Abril de 1839. Confirmam- Para um homem que, provavelmente,
pouco viajou e passou a vida nesta
42
Livro de Atas da Câmara Municipal do
Corvo de 19/4/1902 a 29/5/1905, fl. 35,
sessão de 27/6/1903. 44
Bullar, Josefh e Henry, Um Inverno nos
43
Cf. Soares, Hélio Nuno Santos, O Corvo Açores e um verão no Vale das Furnas. Tra-
e os transportes marítimos – 1832 a 1984. dução do Inglês por João Hicckling Anglin.
Trabalho realizado para a disciplina de 2.ª edição, Ponta Delgada, Instituto Cultural
História das Revoluções, ministrada pelo de Ponta Delgada, 1986, p. 251.
Doutor Carlos Rilley Faria, Licenciatura em 45
Ibidem.
História, no ano letivo de 2012/13. 46
Ibidem, p. 256.
Hélio Nuno Santos Soares 181

pequena ilha, somente a necessidade nos contatos comerciais com as tripu-


de comunicar com pessoas que fala- lações, mas seriam contatos pontuais
vam inglês o obrigava a aprender essa que permitiam um contato rápido e
língua. Mas como o velho padre não elementar; a segunda, e mais plau-
falava fluentemente chamou «dois sível, é a probabilidade de estes dois
homens idóneos, que conheciam mais indivíduos terem embarcado numa
alguma coisa da nossa língua, para baleeira americana, realizado uma
que combinássemos com estes os pre- campanha, eventualmente terem de-
parativos para uma subida à monta- sembarcado e permanecido em terri-
nha na manhã seguinte»47. Interessa tório americano. Na nossa opinião
aqui tentar encontrar explicação para será esta hipótese a mais viável, com-
que estes dois indivíduos soubessem provando que desde cedo os corvinos
falar inglês. Duas hipóteses se nos embarcavam nos navios baleeiros
afiguram, a primeira, na qual os indi- americanos com destino aos Estados
víduos realizaram a aprendizagem Unidos da América.

Nome Idade Ano Destino Declarante


José48 12 1869 Reino estrangeiro Joaquim Coelho Rodrigues
António49 13 1869 Reino estrangeiro Joaquim José Rodrigues
Manoel 50
12 1869 Reino estrangeiro Manoel José Pimentel
João51 12 1870 Reino estrangeiro Manoel Coelho das Pedras
José52 11 1870 Reino estrangeiro António de Fraga Patrão
Manoel53 8 1870 Reino estrangeiro António Coelho Aujolla
Guilherme54 12 1872 Estados Unidos da América Joaquim José Rodrigues
Manoel55 12 1875 ? Maria de Jesus Abreu
Manuel56 11 1879 ? Manoel José d’AvellarJeronimo

Fonte: Livro de Atas da Câmara Municipal do Corvo (1868-1880).

47
Ibidem. 52
Ibidem, fl. 20, sessão camarária de 15/10/
48
Livro de Atas da Câmara Municipal do 1870.
Corvo de 9/6/1868 a 5/2/1880, fl. 9v, sessão 53
Ibidem, fl. 21, sessão camarária de 20/10/
camarária de 4/9/1869. 1870.
49
Ibidem, fl. 10v e ss. sessão camarária de 54
Ibidem, fl. 26, sessão camarária de 12/9/
11/9/1869. 1870.
50
Ibidem, fl. 14, sessão camarária de 16/10/ 55
Ibidem, fl. 34v, sessão camarária de 5/12/
1869. 1875.
51
Ibidem, fl. 19, sessão camarária de 11/10/ 56
Ibidem, fl. 54v, sessão camarária de 7/12/
1870. 1879.
182 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Outro dos aspetos que incentivava à Estrangeiros Estados Unidos da Amé-


emigração, como já referimos, era o rica tendo apenas treze anos de
recrutamento militar. O qual estimu- idade»57. Esta informação demonstra
lava a emigração de muitos jovens. a ignorância sobre o sistema político
O pavor ao recrutamento tornou-se americano, mas precisa o destino.
tão elevado que os pais preferiam Recorrendo aos livros de registo de
embarcar os filhos numa baleeira ou passaportes do Governo Civil da
noutro navio que passasse rumo à Horta, contatamos que, por esta via,
América, do que a sujeitar os filhos a saíram quatro jovens corvinos me-
este drama. As idades com que estas nores. Dois com 16 anos, respetiva-
crianças são embarcadas a um futuro mente em 1900 e 1920, um com 13
incerto não deixa de ser impressio- anos em 1917, e um com 9 anos no
nante. O quadro que se apresenta na ano de 1911. Pela listagem de passa-
página anterior, tendo como fonte as geiros (cf. Anexo I) aferimos que na
Atas da Câmara Municipal do Corvo, mesma viagem seguiram outros cor-
dá-nos uma ideia desta realidade no vinos, logo não foram abandonados à
século xix. sua sorte, como os do século xix. Em
A média de idades das crianças que 1905, uma representação conjunta de
embarcavam é de 11,5 anos de idade. diversas Câmaras dos Açores foi diri-
Seis dos embarques ocorreram nos gida à Câmara dos Senhores Depu-
anos de 1869 e 1870, respetivamente, tados a pedir alterações na legislação
três em cada ano. Nos restantes três sobre o recrutamento e sobre a emi-
anos, simplesmente embarcou uma gração, atendendo a um pedido da
criança. Verifica-se o embarque de Câmara de Velas e Calheta da ilha
uma criança de 8 anos, o que é verda- de S. Jorge. Nesta representação a
deiramente extraordinário é como os Câmara do Corvo exorta a modifi-
pais tinham a coragem de incentivar cação das leis sobre a emigração e o
a uma viagem destas. Quanto ao des- recrutamento militar.
tino, verifica-se que seis embarcam
para Reino estrangeiro, o que se torna Ora é enegável que a emigração Açoreana
algo imprecisa a informação. Contudo, é excessiva, e é igualmente inegável que,
apezar de todos os meios até agora em-
a julgar pelas correntes emigratórias
pregados para a reprimir, ella recrudesse e
deste período poderíamos aviltar que augmenta cada vez mais. (…) cada pedra
se trata do Brasil. Por outro lado, no das nossas costas é um caes d’embarque a
caso de Guilherme, em 1872, temos
a seguinte informação: «embarcou no 57
Ibidem, fl. 26, sessão camarária de 12/9/
dia does do corente mês para Reinos 1870.
Hélio Nuno Santos Soares 183

facilitar esta emigração (…). Inútil toda a se tornar num ponto para depois desapa-
repressão de emigração, torna igualmente recer, quase com certeza que, sem que
errisorio o vigor das leis militares, despo- ninguém o visse, terá começado a chorar.
voa estas ilhas, e prepara-nos num futuro Deve ter sentido o desamparo que outros
talvez não muito remoto a anexação do já também sentiram ao deixar de repente
archipellago, á bandeira estrelada; facto de serem crianças e se tornarem homens,
que dificilmente se poderá evitar: quando levando só, como um amuleto contra o
todos ou quazi todos os habitantes d’estas mal, a bênção dos pais59.
ilhas forem súbditos dos Estados Unidos
da América (…). Vem rogar-lhes se sirvam As atas simplesmente nos falam das
modificar a legislação actual58 (cf. Anexo crianças embarcadas, que eram decla-
III).
radas na Câmara de modo a que o
O pavor ao recrutamento era uma seu nome fosse retirado da lista de
realidade, mas do ponto de vista da recenseamento militar. Os mesmos
maturidade um jovem entre os 18 e os documentos são omissos, de forma
25 anos conseguia enfrentar melhor direta, quanto à partida de jovens
uma situação de separação e afasta- clandestinamente. Mas a expressão
mento do que uma criança entre os 8 e «cada pedra das nossas costas é um
os 13 anos. Ser privado do aconchego caes d’embarque a facilitar esta emi-
familiar numa idade tão precoce é gração»60 é elucidativa desta realidade.
traumatizante, como bem sabemos. Em 1911, após a mudança de regime,
Vázquez de Acuna a este respeito faz o trauma do recrutamento continua,
a seguinte descrição a respeito da par- por esse motivo a Câmara do Corvo
tida do corvino Carlos Nascimento: solicita ao Ministro da Guerra para
que tome medidas de modo a evitar
Desde aquele cone vulcânico, achatado no a emigração:
decurso de milénios, zarpara Carlos rumo a
New Bedford. Uma pena surda invadia‑o, Afastado do convívio social e reduzido
chorando para dentro na despedida dos exclusivamente ao amanho de suas terras
seus que supunha, sem se enganar, que e culturas de suas searas; teem uma repug-
nunca mais voltaria a ver. E, enquanto o nância, diremos melhor, teem um horror
vento inchava as velas e a sua ilha se ia tal ao serviço militar, que, apesar da alegria
afastando cada vez mais no horizonte, até com que receberam a noticia da Implan-
tação da República e da confiança com
58
Livro de Atas da Câmara Municipal do
Corvo de 19/4/1902 a 29/4/1905, fl. 98v Manuel Gomes dos Santos, s/l, DRC, 2004,
e ss., sessão de 29/4/1905. p. 40.
59
Postigo, Váquez de Acuna Marquês Garcia 60
Livro de Atas da Câmara Municipal do
del, O Corvino Carlos G. Nascimento. Trad. Corvo de 19/4/1902 a 29/4/1905, fl. 98v
por Manuel del Pino Morgádez e Vítor e ss., sessão de 29/4/1905.
184 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

que d’Esta esperamos benefícios que até Na biografia de Carlos George Nasci-
hoje lhes teem negado os governantes mento é-nos relatado o testemunho
transactos, quasi desfalhecem ao imaginar
que seus filhos terão de ir aguardar em
de uma odisseia familiar, que a famí-
um quartel militar, o toque do clarim para lia viveu na emigração de oitocentos
marchar ás horrorosas inventualidades de numa clara relação com a baleação64.
uma guerra61 (cf. Anexo IV). Carlos G. Nascimento nasceu em
1885 na ilha do Corvo, sendo o mais
Partiam rumo a um destino desconhe- novo de onze irmãos. Filho de Carlos
cido, com a obrigação de pagar a pas- Lourenço George e Maria de Jesus
sagem servindo numa campanha ba- Nascimento. O pai era pescador e
leeira de vários anos. Uma verdadeira baleeiro, ausentando-se por longas
exploração a que estavam sujeitos por temporadas, por vezes por longos
parte dos capitães e armadores. anos. O avô George Jousef Lourenço
Foi a bordo destes navios que os já fora baleeiro algures nas décadas
corvinos, segundo a tradição oral, de vinte e trinta do mesmo século65.
aprenderam a fazer as famosas barre- O irmão mais velho partiu numa ba-
tas do Corvo, transmitindo a técnica leeira para New Bedford, dedicando-
no regresso à ilha62. Para Francisco ‑se à caça da baleia, o mesmo acon-
Medeiros, estes emigrantes que se- teceu com outro irmão que apanhou
guiam a bordo das baleeiras«foram a boleia numa baleeira, mas não se
guarda avançada de muitos outros emi-
dedicou a este ofício, indo instalar‑se
grantes que se lhes seguiram»63. São eles
em S. Francisco, onde montou um
que ao desembarcarem num porto
estabelecimento hoteleiro, seguindo
dos Estados Unidos da América, do
as pisadas de uns tios paternos. Foi
Brasil ou do Chile prepararam a ida
seguido pelos demais irmãos. O irmão
de familiares no futuro. O caso que
Francisco foi estudar para o Semi-
seguir apresentamos transmite-nos
essa ideia.
63
Medeiros, Francisco, “Baleação Ameri-
61
Livro de Atas da Câmara Municipal do cana”, in Enciclopédia Açoriana, Direção
Corvo de 29/10/2010 a 28/12/1912, fl. 10v Regional da Cultura, 2000. <URL: http://
e ss., sessão de 24/12/1010. www.culturacores.azores.gov.pt/ea/pesqui
62
Cf. Soares, Hélio Nuno Santos Soares, sa/Default.aspx?id=5517>.
Da tosquia das ovelhas às coberturas de 64
Postigo, Váquez de Acuna Marquês Garcia
cabeça na ilha do Corvo – Açores. Univer- del, O Corvino Carlos G. Nascimento. Trad.
sidade dos Açores, Trabalho elaborado para por Manuel del Pino Morgádez e Vítor
a disciplina de Antropologia Cultural dos Manuel Gomes dos Santos, s/l, DRC, 2004,
Açores, ministrada pelo Doutor Rui Mar- pp. 11 a 19.
tins, ano letivo de 2012/13. 65
Ibidem, p. 28.
Hélio Nuno Santos Soares 185

nário de Angra, seguindo para New rumo a um novo destino, numa clara
Bedford onde o pai tinha amigos, diferença entre as duas primeiras, em
tornando-se pároco da comunidade que emigravam para regressar à ilha,
portuguesa66. Juan do Nascimento, deixando mulher e filhos atrás. A ter-
tio materno de Carlos George Nasci- ceira geração emigrou para não mais
mento, também embarcou numa ba- regressar à ilha. Verificamos a impor-
leeira e seguiu para o Chile, insta- tância dos laços familiares que foram
lando-se na cidade de Santiago, tor- mantidos, permitindo o apoio aos
nando-se livreiro. Carlos George do que ficaram e desejaram partir com
Nascimento imigrou para o Chile, o intuito de se estabelecerem no país
chamado pelo tio materno e autori- recetor. Outro caso é o filho de João
zado pelo pai, que tinha boa imagem Lourenço Innocencio, este informou
do país, seguiu para o destino sul- a Câmara do Corvo, para efeitos de
‑americano, em 190567. Embarcou recrutamento, que o seu filho Manuel,
numa baleeira cujo piloto era amigo de 13 anos, tinha partido para Cali-
do pai rumo a New Bedford, onde o fórnia na companhia do tio António
irmão Francisco, sacerdote, o aguar- Lourenço Brizida72.
dava68, atravessou o país rumo a Outro dos aspetos que sobressaem
S. Francisco de comboio69. Nesta nesta odisseia familiar é a utilidade
cidade encontrou os irmãos mais ve- dos contatos e amizades estabelecidos
lhos e outros parentes, permanecendo pela geração precedente, neste caso
cerca de dois meses com eles, para o pai de Carlos George Nascimento,
depois embarcar rumo ao Chile em que lhe permitiu ir à boleia numa
meados de Novembro70. Também baleeira sem ter de pagar a passagem.
temos a notícia de um tal de José Fraga Não esqueçamos que nesta época a
que tinha um armazém de revenda navegação transatlântica a vapor já
na cidade de Concepción, no Chile, fazia viagens regulares, mesmo assim
que é apresentado como exemplo de a opção foi enviar o filho com os
sucesso71. O testemunho apresentado velhos amigos e conhecidos.
relata-nos três gerações de emigran- A presença de baleeiras não estava
tes da mesma família, que sentiram a isenta de perigos. As intempéries
necessidade de melhorar a sua condi- eram frequentes, mesmo nos meses
ção partindo nas baleeiras americanas
70
Ibidem, p. 58-59.
66
Ibidem, p. 18. 71
Ibidem, p. 32.
67
Ibidem, pp. 34 e 39. 72
Livro de Atas da Câmara Municipal do
68
Ibidem, p. 39. Corvo de 16/10/1898 a 4/8/1900, fl. 19,
69
Ibidem, p. 51. sessão de 13/5/1899.
186 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

de verão. Nas ilhas não existiam por- na época de caça à baleia, baleeira
tos abrigados, havia baías e ancora- Charles & Therry naufragou nas
douros, mas que estavam dependentes costas do Corvo, conseguindo a tripu-
dos quadrantes do vento para deter- lação salvar-se73. Os naufrágios nas
minar se os navios podiam abrigar‑se imediações do Corvo eram uma fonte
nelas. O navegar à vista de terra de madeira e bens, numa ilha que
também acartava riscos. Em 1845, carecia de vegetação.

4. Os destinos dos Corvinos na América


Ao perscrutarmos alguns dos docu- referência ao ano e cidade onde o pai
mentos oficiais, como os livros de se naturalizou cidadão americano. No
registo de passaportes, com os respe- Anexo II coloca-se a referida lista-
tivos processos, e as atas da Câmara gem e analisamos o gráfico da página
do Corvo reparamos que o destino seguinte.
final nem sempre é apresentado, parti-
cularmente a cidade de destino, para A emigração de corvinos teve como
não falarmos no grosso da emigração destino principal os EUA, embora,
clandestina que nem é mencionada. como já referimos tenha tido outros
Mas ao consultarmos o Livro de atas destinos. No que se refere aos EUA,
da Câmara Municipal do Corvo de no período em que se compreende a
7/3/1908 a 22/10/1910, deparamo- informação disponibilizada, que tem
nos com uma informação curiosa, como balizas 1865 e 1903, salva-
que temos de agradecer ao secretário guardando-se que são meras referên-
da Câmara da época por a ter incluí- cias, com uma margem de erro muito
do, os chamados pedidos de desnatu- grande, porque estes dados são uma
ralização portuguesa solicitados para amostra.
muitos jovens corvinos, cujos pais Verificamos que 61% dos corvinos
detinham cidadania americana. Assim, efetuou a sua naturalização americana
a obtenção de naturalização ameri- no Estado da Califórnia, com parti-
cana obtinha-se pelo facto de uns dos cular incidência na cidade de S. Fran-
pais ser cidadão americano. O refe- cisco. Embora haja processos tratados
rido secretário da Câmara incluiu a
de Ciências Sociais e Humanas da Univer-
73
Costa, Ricardo Manuel Madruga da, A ilha sidade Nova de Lisboa/Universidade dos
do Faial na Logística da Frota Baleeira Açores; Observatório do Mar dos Açores;
Americana no “Século Dabney”. Horta, Fábrica da Baleia de Porto Pim, 2012,
Centro de História de Além Mar, Faculdade p. 127.
Hélio Nuno Santos Soares 187

Naturalizações de Corvinos realizadas nos EUA


sem referência
7.
Rhode Island
16.

Massachusetts
16. Califórnia
61.

Fonte: Livro de Atas da Câmara Municipal do Corvo de 7/3/1908 a 22/10/1910.

nos condados de Merced, Stanislaus, ocupações profissionais foram a ba-


Northern District, San Mateo e Con- leação e outros serviços.
tra Costa. Todos nas imediações de Não deixa de ser digno de nota a
S. Francisco, embora Merced já seja atração que o oeste dos EUA exerceu
no interior do Estado da Califórnia e sobre os corvinos emigrados de oito-
numa zona predominantemente rural. centos. Chegar do Corvo a S. Fran-
O que nos leva a pensar que a comu- cisco levava meses num barco à vela,
nidade portuguesa teve, neste local, sem esquecer que em caso de campa-
ocupações de carácter agrícola. Para nha de baleação, a duração do percur-
as cidades do litoral, a ocupação ini- so ficava em anos. Também podemos
cial foi, certamente, na caça à baleia alvitrar a possibilidade de os corvinos
e na pesca. Numa fase posterior as se deslocarem até aos portos da costa
ocupações diversificaram-se. Os pro- leste e fazerem a aventura de atraves-
cessos de naturalização realizados no sar o país de costa a costa. Em finais
Estado de Rhode Island e Massachu- do século xix, os Estados Unidos pos-
setts correspondem a 32%, estando suíam uma rede de caminhos-de-ferro
cada qual com 16%. As cidades onde que ligavam o país da costa leste à
os processos foram tratados foram costa oeste. Provavelmente, os corvi-
Boston e Providence, capitais dos nos, à imagem de Carlos George Nas-
referidos Estados. Mais uma vez as cimento no ano de 1905, utilizaram
188 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

este meio de transporte para alcan- com um sistema de leis e um governo


çarem os seus objetivos finais, onde próprio, levando à admissão da Cali-
se queriam fixar. A Corrida do ouro fórnia como Estado norte-americano
na Califórnia (1848-1855) começou em 1850. Esta prosperidade manteve-
em 24 de janeiro de 1848, quando foi ‑se, e a Califórnia como o expoente
encontrado ouro em Sutter’s Mill. do “sonho americano”. A emigração
A cidade de S. Francisco transfor- é sempre motivada por uma dimen-
mou-se de um diminuto lugar, cons- são individual e coletiva, aqui vemos
truído em torno da missão francis- o coletivo a influenciar a decisão e a
cana, numa cidade próspera, com atração dos corvinos pela Califórnia,
estradas, igrejas, escolas e outras ci- posicionando-se em torno da cidade
dades foram construídas ao seu redor. que era o paradigma do progresso
O Estado da Califórnia foi dotado americano.

5.  As características da emigração corvina nos documentos oficiais

A emigração legal corvina tem as suas cação para os dois casos terá que ver
características próprias. Os corvinos com as ligações familiares já exis-
integram-se nos grandes fluxos emi- tentes.
gratórios de oitocentos e novecentos.
As fontes documentais deste estudo
são os Livros de Registo de Passa- 5.1.  Emigração para o Brasil
portes do Governo Civil da Horta
(cf. Anexo I) e as Atas da Câmara Como tivemos oportunidade de ver
Municipal do Corvo (cf. Anexo II). no ponto anterior, a emigração para os
Antes de iniciarmos a nossa análise, EUA foi sempre expressiva ao longo
queremos apresentar dois casos isola- do século xix. Mas os corvinos inte-
dos de emigração para o Chile: uma graram-se no chamado ciclo do Bra-
mulher solteira de 28 anos, que parte sil, mantendo uma emigração mais ou
em 1897 e um jovem de 13 anos, em menos constante para esse destino,
1917. Ambos embarcam, provavel- embora não o possamos comprovar,
mente, via Lisboa, onde fariam outro do ponto de vista documental, com
transbordo rumo ao distante Chile, números. A observação dos Livros
certamente numa longa viagem, com de registo de Passaporte do Governo
algum conforto proporcionado pela Civil da Horta no período de 1890 a
navegação a vapor. Daí a necessidade 1920 lança algumas luzes sobre este
de obtenção de passaporte. A expli- destino. Entre 1896 e 1902 emigra-
Hélio Nuno Santos Soares 189

ram 23 pessoas legalmente. Há uma 5.2.  Emigração para os EUA


emigração de quatro famílias:
Como no ponto anterior continuamos
Casal com três filhos menores a seguir os dados do Livro de Registo
Casal com uma filha menor de Passaportes do Governo Civil da
Mãe com dois filhos menores
Horta, nos anos de 1905 a 1920
(cf. Anexo I); pedidos de desnatu-
Casal com quatro filhos menores e irmão
ralização feitos à Câmara do Corvo
da esposa
de 1898 a 1915 (cf. Anexo II), bem
como, os dados fornecidos pelo
recente estudo de Luís Filipe Vieira
A emigração de famílias é uma nova Gomes sobre o Concelho de Santa
característica das migrações de finais Cruz das Flores. A baliza cronológica
do século xix. A mãe com dois filhos que nos é dada por esses registos reme-
menores vai acompanhar o irmão. te-nos para os anos de 1905 a 1920.
Outra característica deste período é Analisando os pedidos de desnatu-
a partida de mulheres solteiras e viú- ralização existentes nas atas camará-
vas, algo que não se verificava anos rias, com a devida margem de erro,
antes. Neste caso, temos 3 mulheres tentando eliminar as repetições dos
solteiras, duas com 21 anos e uma peticionários a favor de cada um dos
com 28. Também encontramos uma seus filhos ou de seus descendentes
viúva de 53 anos. A explicação para a em favor de si próprios, quando estes
mãe que parte com os filhos e a viúva já o podem requerer aquando da maior
é uma provável reunificação familiar. idade ou emancipação por alvará,
As mulheres solteiras também partem ficamos com uma estimativa, apro-
com a certeza de terem já algum am- ximada, de noventa e cinco corvinos
paro familiar. A média de idades dos com cidadania americana. Contudo,
emigrados é de 20,9 anos. não nos é possível saber a data da
Comparativamente a emigração legal obtenção da naturalização americana
para o Brasil é superior à destinada dos mesmos. Em todo o caso, consta-
aos EUA numa fase posterior. Não tamos o elevado número de homens
nos iludamos, os emigrantes que par- que nos últimos trinta a quarenta anos
tiam para o Brasil tinham de fazer do século xix e primeiros quinze anos
transbordo em Lisboa, por esse moti- do século xx, obtiveram cidadania
vo não conseguiam fugir à alfândega. americana, permitindo que os seus fa-
Assim, optavam por seguir pela via miliares obtivessem a cidadania ame-
legal. ricana, prescindindo da portuguesa.
190 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Podendo requerer cidadania ameri- de 10 mancebos que teriam ser inscriptos


cana o cônjuge e os filhos. no recenseamento militar do corrente anno,
apenas se haveram apurado dois, um dos
Pela Representação de 1905 à Câmara
quais exempto por motivo d’estudos supe-
dos Senhores Deputados somos infor- riores; e isto porque todos os mais decla-
mados do elevado número de corvi- raram em tempo perante esta Camara que
nos com cidadania americana: seguiam a nacionalidade de seus pães74
(cf. Anexo III).
N’este Concelho de apenas 760 almas,
haver já na administração do Concelho o O gráfico demonstra a evolução do
registo de 122 cidadãos Americanos, e que número de requerimentos dirigidos à

35

30

25

20

15

10

0
1898 1899
1900 1901
1902 1903
1904 1905
1906 1907
1908 1901
1914 1915

Fonte: Atas da Câmara Municipal do Corvo – Requerimentos à Câmara do Corvo a pedir a desnaturali-
zação portuguesa (1898-1915).

Câmara do Corvo. Num total de 109 de decréscimo por relação a 1908. Os


pedidos de desnaturalização portu- pedidos de desnaturalização benefi-
guesa. De forma geral há um aumento ciaram 163 pessoas. Podemos assim
dos mesmos até 1906, verificando-se
somente um pedido em 1907. O ano 74
Livro de Atas da Câmara Municipal do
de 1908 atinge os 33 requerimentos. Corvo de 19/4/1902 a 29/4/1905, fl. 98v
Nos três anos seguintes há um gran- e ss., sessão de 29/5/1905.
Hélio Nuno Santos Soares 191

constatar o elevado número de corvi- sendo a predominância na faixa etária


nos que detinham cidadania ameri- dos 20 aos 30 anos. O ano de 1912
cana nos primeiros dois decénios do registou quatro processos, correspon-
século xx. dendoa um processo por ano. Parti-
Dos requerimentos apresentados, em ram três viúvas, duas solitariamente,
78 o peticionário foi o pai ou mãe, no com 53 e 66 anos, em 1905 e 1920,
caso do primeiro já ter falecido. Nos respetivamente. A terceira viúva, de
casos em que a mãe faz o pedido, 55 anos, foi acompanhada com um
verificam-se 8 requerimentos. Em 31 filho de 12 anos, no ano de 1910.
dos requerimentos, o peticionário foi No que concerne à emigração de jo-
o próprio beneficiado, sendo que 24 vens solteiros, verificamos catorze
eram homens solteiros de maior idade processos, distribuídos do seguinte
ou emancipados por alvará. Nos casos modo: dois em 1911, um em 1912 e
de petições feitas por mulheres, encon- onze em 1920, com idades compreen-
tramos 5, eram mulheres solteiras e didas entre os 16 e 32 anos.
duas casadas. Para a emigração de famílias temos
No que respeita aos beneficiários da cinco processos, como é apresentado
naturalização, dos 156 casos reque- no quadro seguinte.
ridos por um dos pais, sem contar
com os 7 pedidos de mulheres adul- Um casal com três filhos menores 1910
tas, apenas 4 são do sexo feminino,
Um casal com uma filha de meses 1911
o que significa que 152 beneficiados
Um casal com quatro filhas 1911
com a naturalização americana são do
sexo masculino. A média de idades Um casal 1912
situa-se nos 17 anos. Ressalve-se que Uma mãe com uma filha menor 1911
em vários casos não é possível iden-
tificar a idade ou data de nascimento. Também se constata a emigração de
Todavia, dados os casos apresentados, homens casados de forma solitária.
as idades são sempre jovens, o que Em 1906 um homem de 63 anos; em
não alteraria de forma significativa 1912, dois homens com idade de 23
esta média. e 33 anos, bem como, em 1920, um
Ao analisarmos o registo de passa- homem de 52 anos.
portes, denota-se que a emigração fe- A média de idade dos emigrados para
minina é uma realidade neste período. os EUA é de 26,6 anos.
De 1911 a 1920 partiram do Corvo Verifica-se o grande peso dos soltei-
nove mulheres solteiras, com idades ros, incluindo as mulheres, na emi-
compreendidas entre os 18 e 43 anos, gração, com os casos particulares das
192 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

viúvas, que procuram o amparo fami- maior grupo de emigrantes, com um


liar nas terras de receção. total de 80. Destes, trinta e cinco
Ainda no que toca à emigração para eram homens, representando 42,2%
os EUA, Luís Filipe Vieira Gomes do efetivo, dos quais vinte e um sol-
apresenta-nos mais alguns dados teiros, nove casados e cinco viúvos.
relativos à emigração de Corvinos Relativamente às mulheres, contabi-
para a América, no período de 1890 lizam-se quarenta e oito, sendo qua-
a 191375. Como já mencionámos, o renta solteiras, cinco casadas e três
administrador do Concelho de Santa viúvas. Todas têm mais de 14 anos e
Cruz das Flores tinha a faculdade de representam 57,8% do efetivo. Mais
emissão de passaportes. Os concelhos uma vez, comprova-se que é o efe-
vizinhos de Santa Cruz são os mais tivo feminino que ajuda a alimentar
representados nas estatísticas, isto é, a corrente emigratória. No que con-
Lajes das Flores e Corvo. Sendo este cerne às mulheres casadas e viúvas,
último o que nos interessa apresentar. mantém-se a explicação da reunifi-
Os corvinos representam o segundo cação familiar.

Conclusão

Este estudo sobre a emigração dos parcos recursos. A emigração surgia


corvinos permitiu-nos conhecer, a como fuga a estas situações.
partir da documentação oficial, esta Susana Goulart Costa afirma que
realidade que pertence à história de «o fenómeno da emigração parece
Portugal e dos Açores na qual os cor- fazer parte do código genético do
vinos se inserem. Os motivos tinham açoriano»76. O contexto desta afir-
que ver com as crises frumentárias, mação é o falar da emigração açoria-
que se sucediam com alguma fre- na ao longo dos séculos, com fluxos
quência, levando a fomes e doenças e destinos diferentes ao longo dos
que afetavam as populações de mais tempos.

75
Vieira, Luís Filipe Nóia Gomes, Concelho Municipal de Santa Cruz das Flores e as
de Santa Cruz das Flores (1890-1920) – Relações de embarque de passageiros do
Entre a estagnação e o progresso. Ponta Governo Civil da Horta depositado na
Delgada, Universidade dos Açores, Edição Biblioteca Pública e Arquivo Regional da
fac-similada, 2012, pp. 164-166. Para a Horta João José da Graça.
obtenção destes dados o autor consultou o 76
Costa, Susana Goulart, Açores: Nove Ilhas,
livro de registo Causas e fins da emigração uma história. Angra do Heroísmo, Direcção
1896-1913 existente Arquivo da Câmara Regional da Cultura, 2008, p. 199.
Hélio Nuno Santos Soares 193

As fontes deste trabalho foram os tância das redes familiares e de ami-


Livros de Registo de Passaportes do zades que acolhiam, permitindo uma
Governo Civil da Horta e Atas da melhor facilidade na circulação dos
Câmara Municipal do Corvo. Pode- corvinos pelas diferentes áreas geo-
mos afirmar que as fontes são parcas, gráficas.
embora uma análise a alguma docu- O efetivo feminino alimenta a emi-
mentação existente nos arquivos gração, mas não significa a diminui-
Norte Americanos pudesse lançar luz ção da emigração jovem masculina,
sobre este fenómeno, tentaremos per- porque estes tinham mais facilidade
ceber a importância do fenómeno. em embarcar clandestinamente nos
A atração que os EUA exerceram navios e baleeiras, porque a bordo
sobre as gentes do corvo foi muito poderiam realizar as tarefas próprias.
grande. Havendo uma percentagem Para as mulheres era dissuasoro
significativa de corvinos que por esse receio de embarcar em navios em que
país passaram. Contudo, no estado da a tripulação eram somente homens e
nossa investigação, ainda não nos é onde o trabalho a realizar era árduo.
possível determinar o número aproxi- A emigração significou a fuga a uma
mado de corvinos que emigrou para vida árdua, em que somente se sobre-
os EUA. A influência cultural e polí- vivia dia após dia. O sonho de uma
tica foi significativa, que serviu de vida melhor alimentou muitas vidas,
justificação, aquando da implantação fez que se arriscasse a vida em condi-
da República, para aceitar o novo ções sub-humanas.
regime: «à permanência mais ou Este estudo é a ponta de um novelo
menos longa da quazi totalidade dos que quer ser desenrolado. A emigração
habitantes desta ilha na grande repu- dos corvinos, com as suas caracterís-
blica dos EUA do Norte»77. ticas próprias está por estudar. Sabe-
Numa fase mais recuada os homens mos que é impossível conhecer muita
emigram sozinhos nas baleeiras, de da informação devido à emigração
forma a amealhar algum dinheiro, clandestina. Nos Estados Unidos da
regressando ao fim de alguns anos. América poderíamos encontrar infor-
Posteriormente emigram famílias in- mação preciosa que nos permitiria
teiras, sem intenção de regresso. Os perceber o modo como os corvinos se
que emigram solitariamente podiam integravam na comunidade lusa aí
ou não regressar. É de frisar a impor- presente e esta na comunidade ameri-
cana; perceber a importância das redes
77
Livro de Atas da Câmara Municipal do familiares e analisar o movimento de
Corvo de 29/10/2010 a 28/12/1912, fl. 36, retorno à ilha e as diferentes vagas
sessão de 21/6/1911. de emigração nos séculos xix e xx.
194 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

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196 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

ANEXOS

Anexo I
Emissão de passaporte pelo Governo Civil da Horta
Passa- Estado
Nome Ano Profissão Idade Destino Navio
porte civil
Joaquim Lourenço Pimentel 1896 362 casado agricultor 34 Rio de Janeiro Açor
Roza de Jesus Coelho 1897 193 solteira doméstica 28 Chile Vega (Lisboa)
João Jacintho de Fraga 1899 100 casado negociante 48 Rio de Janeiro Açor (Lisboa
Francisca Jacinta de Fraga 1899 100 casada doméstica 31 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
Maria Jacintho de Fraga 1899 100 solteira   13 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
(?) Jacintho de Fraga 1899 100 solteira   7 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
João Jacintho de Fraga 1899 100 solteiro   meses Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
Maria Palmira dos Santos Jorge 1900 181 solteira doméstica 21 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
José Pedro Lourenço 1900 182 solteiro trabalhador 16 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
Joaquim José das Pedras 1900 183 casado trabalhador 28 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
Maria da Conceição (esposa) 1900 183 casada doméstica 22 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
Maria das Pedras 1900 183 solteira   1 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)

Maria de Jesus Pimentel (irmã) 1900 183 casada   31 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)

Alfredo (Pimentel) 1900 183 solteiro   7 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)


João (Pimentel) 1900 183 solteiro   4 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
Camillo Ignácio d’Avellar Junior 1900 253 casado proprietário 31 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
Maria da Encarnação Nunes (esposa) 1900 253 casada doméstica 41 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
José Avellar 1900 253 solteiro   11 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
Maria Avellar 1900 253 solteiro   5 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
Arthur 1900 253 solteiro   1 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
João Avellar 1900 253 solteiro   meses Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
José Lourenço Nunes (cunhado) 1900 253 solteiro   38 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
Izabel Jacinto de Fraga 1902 680 solteira doméstica 21 Rio de Janeiro Açor (Lisboa)
Maria Margarida 1905 295 viúva doméstica 53 E.U.A. Funchal (S. Miguel)
Manuel Lourenço Benedito 1906 298 casado trabalhador 63 E.U.A..  
Manuel Ignácio Mendonça Junior 1910 244 casado proprietário 40 E.U.A. Madona
Policena Lopes Mendonça (esposa) 1910 244 casada   34 E.U.A. Madona
Roberto Mendonça 1910 244 solteiro   6 E.U.A. Madona
Palmira Mendonça 1910 244 solteira   4 E.U.A. Madona
Eluísa Mendonça 1910 244 solteira   meses E.U.A. Madona
Anna da Conceição 1910 508 viúva doméstica 55 E.U.A. S. Miguel (S. Miguel)
João de Fraga da Silveira (filho) 1910 508 solteiro   12 E.U.A. S. Miguel (S. Miguel)
Joaquim Caetano d’Anna 1911 235 casado proprietário 37 E.U.A. Funchal
Anna Emília Alves (esposa) 1911 235 casada   33 E.U.A. Funchal
Sem nome (filha do casal) 1911 235 solteira   meses E.U.A. Funchal
Maria Coelho (?) d’Anna 1911 305 solteira doméstica 29 E.U.A. Funchal
Hélio Nuno Santos Soares 197

Passa- Estado
Nome Ano Profissão Idade Destino Navio
porte civil
Manuel Pedro Nunes 1911 456 solteiro   9 Brazil Funchal
Manuel Coelho Patrício 1911 458 casado trabalhador 65 E.U.A. Funchal
Maria da Conceição Lopes Patrício
1911 458 casada   54 E.U.A. Funchal
(esposa)
Maria Lopes Patrício 1911 458 solteira   28 E.U.A. Funchal
Aurora Lopes Patrício 1911 458 solteira   20 E.U.A. Funchal
Vitória Lopes Patrício 1911 458 solteira   16 E.U.A. Funchal
Alice Lopes Patrício 1911 458 solteira   13 E.U.A. Funchal
Joaquim Rodrigues Marecheiro (?) 1911 468 solteiro trabalhador 32 E.U.A. Funchal
Jacomo Valadão Baptista 1911 647 solteiro trabalhador 18 E.U.A. Germania
Mariana Jacinta das Pedras 1912 17 solteira doméstica 18 E.U.A. Funchal
Anna Júlia de Fraga 1912 170 solteira   25 E.U.A. Funchal
José Lourenço Nunes 1912 175 casado carpinteiro 23 E.U.A. Funchal
Manuel Jacintto de Fraga 1912 184 casado agricultor 33 E.U.A. Funchal
Manuel Augusto Bicho 1912 205 casado trabalhador 32 E.U.A. Roma
Rita Thomasia d’Avelar (esposa) 1912 205 casada   28 E.U.A. Roma
Conceição Brísida 1912 381 solteira doméstica 20 E.U.A. Funchal
Aurea Rita Esculástica 1912 448 solteira doméstica 21 E.U.A. Funchal
João Caetano Vieira 1912 620 solteiro trabalhador 21 E.U.A. S. Miguel
Maria Augusta Gomes 1913 206 casada doméstica 37 E.U.A. Funchal
Firmina Gomes (filha) 1913 206 solteira   5 E.U.A. Funchal
Victória Thomaz Eugenio 1914 230 casada doméstica 28 E.U.A. Funchal
Carolina do Espírito Santo Patrício 1914 288 casada doméstica 27 E.U.A. Germania
Anna Augusta Mendes 1915 251 solteira doméstica 30 E.U.A. Britania
Conceição Fraga Santos 1916 327 solteira doméstica 23 E.U.A. Roma
António Ângelo d’Avelar 1917 9 solteiro estudante 13 Chile Funchal
António Lourenço Nunes 1920 42 solteiro trabalhador 16 Brazil Funchal
Maria Helena Avelar 1920 894 solteira doméstica 20 E.U.A. San Miguel
Emília Roza 1920 901 solteira doméstica 43 E.U.A. Roma
Urbano Lourenço Valentim 1920 904 solteiro agricultor 19 E.U.A. Roma
António Vicente Rocha 1920 918 solteiro agricultor 20 E.U.A. Roma
José Valadão Pimentel 1920 937 solteiro agricultor 19 E.U.A. Roma
António Valadão Batista 1920 949 solteiro agricultor 23 E.U.A. Roma
Daniel Valadão Batista 1920 950 solteiro agricultor 20 E.U.A. Roma
Agostinho de Fraga 1920 951 solteiro agricultor 24 E.U.A. Roma
José de Fraga Alferes 1920 952 solteiro agricultor 21 E.U.A. Roma
Camilo da Costa 1920 1000 solteiro agricultor 19 E.U.A. Roma
Manuel Joaquim de Avelar Junior 1920 1012 casado agricultor 52 E.U.A. Roma
Ana Rita da Silveira 1920 1114 viúva doméstica 66 E.U.A. Roma
António Coelho Mendes 1920 1156 solteiro trabalhador E.U.A. Roma
José Jacinto do Amaral 1920 1304 solteiro estudante 17 E.U.A. Britania
Média de idades 17
Anexo II 198
Pedidos de desnaturalização dirigidos à Câmara Municipal do Corvo (1898-1915)
Idade dos
Requerente Filiação Beneficiário(s) Sessão de Câmara Data de nascimento
beneficiários
Luiz José d’Avelar Manoel 28/8/1898 18 2/1/1880
João Jacinto de Fraga João 11/3/1899    
João Lourenço Innocencio   Manoel 13/5/1899 14  
António Silva   três filhos 11-08-1900    
Manuel de Fraga Estácio Greves   Manoel     12/7/1881
Manuel Baptista Lopes Senior   António 09-03-1901 18  
Manoel Rodrigues Marcelino   José 15 de Junho de 1901 20  
Manoel Thomé do Nascimento Thomé do Nascimento o próprio 10 de agosto de 1901 18  
Thomaz Francisco Eugénio Manoel Thomaz Eugénio o próprio 19 de outubro de 1901 19  
Manoel Hilário José Francisco Hilário o próprio 16 de novembro de 1901 19  
Joaquim Pedro Nunes junior Joaquim Pedro Nunes o próprio 7 de dezembro de 1901 19  
Francisco Ignácio de Fraga   Francisco 21 de dezembro de 1901 19  
João Valadão do Rozario   Manoel 21 de dezembro de 1901 19  
Francisco Jerónimo d’Avellar   Camillo 24 de maio de 1902 16  
Manoel Thomaz Eugénio Junior Manoel Thomaz Eugénio o próprio 6 de setembro de 1902 19  
Boletim do Núcleo Cultural da Horta

José Francisco Mendes Manoel Francisco Mendes o próprio 15 de novembro de 1902    


Manoel José de Souza   António 15 de novembro de 1902 18  
Francisco Coelho de Rita   José 15 de novembro de 1902 18  
Manoel Lourenço Valentim   João 13 de novembro de 1902 19  
Francisco Ignácio das Pedras   João 7 de fevereiro de 1903 18  
Manoel Francisco Santos   Manuel, Maria e José 28 de fevereiro de 1903 12, 11 e 5  
Francisca Jacinta de Fraga Manoel Francisco Santos (marido) a própria 28 de fevereiro de 1903  
Manoel Luiz André Junior   José 14 de março de 1903, 17  
Mariana Jacinta Machado Manoel Luiz André Junior a própria 14 de março de 1903, 25  
Manoel Jacinto Trindade   Francisco 25 de abril de 1903 18  
Carlos Lourenço Jorge   Manoel 18 de julho de 1903 18  
Idade dos
Requerente Filiação Beneficiário(s) Sessão de Câmara Data de nascimento
beneficiários
António Coelho Patrício   António 22 de agosto de 1903 17  
José Lourenço Valentim José Lourenço Valentim o próprio 26 de setembro de 1903    
João Coelho de Ângelo   António 3 de outubro de 1903 18  
Francisco do Nascimento   Manoel 10 de outubro de 1903 17  
José Furtado Manoel José Furtado o próprio 24 de outubro de 1903    
João Lourenço Brigida   Manoel 31 de outubro de 1903 18  
João Valadão do Rozario   Filha 19 de março de 1904 20  
Roza d’ Ascensão das Pedras Francisco Ignácio das Pedras a própria 19 de março de 1904 26  
João Lourenço Brigida   Maria 19 de março de 1904 18  
Mariana Ascensão das Pedras Francisco Ignácio das Pedras a própria 26 de Março de 1904 21  
Caetano José d’Avellar   António 30 de abril de 1904 18  
Manoel Jacinto Trindade   Manoel 11 de junho de 1904 18  
Manoel Valadão Braz José Valladão Braz o próprio 20 de agosto de 1904    
Manoel Nunnes Canoca Júnior Manoel NunnesCannoca o próprio 20 de agosto de 1904    
Maria Margarida da Encarnação
Manoel Rodrigues Marcelino Manoel 20 de agosto de 1904 18  
(do Adro e viúva)
Emília Jorge António Lourenço Jorge Junior Emília 20 de agosto de 1904 23  
Maria Margarida da Encarnação
Hélio Nuno Santos Soares

Manoel Rodrigues Domingos Guilherme 8 de abril de 1905 18  


(do Adro e viúva)
Manoel Lourenço de Freitas   António 22 de abril de 1905 18  
Joaquim Lourenço de Freitas   Manoel 22 de abril de 1905 17  
Manoel Luiz André Junior   Maria 6 de maio de 1905 16  
13 de maio de 1905   Manoel 13 de maio de 1905    
José Thomaz d’ Avellar Manoel Thomaz d’Avellar o próprio 3 de junho de 1905 18  
Cecília Thomazia Manoel Thomaz d’ Avellar a própria 3 de junho de 1905 20  
Manoel Valladão Baptista Junior Manoel Valladão Batista o próprio 29 de julho de 1905    
José NunnesCannoca Manoel Nunes Carroça junior o próprio 23 de setembro de 1905    
João Lourenço Brigida   José 3 de março de 1906 18  
Marianna Rosa Souza Manoel José de Souza a própria 24 de março de 1906 26  
José de Fraga Estácio   José 21 de abril de 1906 18  
199
Idade dos
Requerente Filiação Beneficiário(s) Sessão de Câmara Data de nascimento
beneficiários
200
Maria Margarida da Encarnação
Manoel Rodrigues Domingos João 19 de maio de 1906 18  
(do Adro e viúva)
Izabel Agueda da Encarnação (viúva) João Coelho Vicente Caetano 2 de junho de 1906 16  
Francisco Coelho Arião (sic)   José 9 de junho de 1906 16  
Francisco Coelho de Rita   António 9 de junho de 1906 18  
Ignácio Luiz André   José 23 de junho de 1906 17  
Severino Rodrigues   António 23 de junho de 1906 17  
António Pimentel Cepo   Manoel 30 de junho de 1906 17  
João Coelho de Angelo   José 30 de junho de 1906 18  
Braz Valladão do Rego José Valladão Braz o próprio 14 de Julho de 1906    
Manoel José Furtado Junior Manoel José Furtado o próprio 21 de julho de 1906    
José Caetano António Caetano o próprio 4 de agosto de 1906    
Anna de Jesus Escolástica (viúva) João Valladão Braz João 25 de agosto de 1906 15  
José Valladão Baptista Manoel Valladão Batista o próprio 17 de novembro de 1906    
Francisco Ignácio das Pedras   Jacinta 11 de maio de 1907 21  
Albano do Nacimento Thomé do Nascimento o próprio 28 de março de 1908 18  
Maria Margarida da Encarnação
Manoel Rodrigues Domingos António, Pedro e Gregório 28 de março de 1908   1889, 1890 e 1893
(do Adro e viúva)
Manoel Severino Jorge António Lourenço Jorge Junior o próprio 28 de março de 1908 18  
João Valladão Baptista Manoel Valladão Baptista o próprio 28 de março de 1908    
Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Manoel Lourenço de Freitas   José 30 de maio de 1908 17  


António Pedro Alves   João 4 de junho de 1908 15  
1890
Manoel Pedro Felicidade   Germano e Pedro 25 de Julho de 1908  
e 1894
1892
Francisco Mendonça Machado   António e João 25 de Julho de 1908  
e 1895
Francisco Ignácio das Pedras   Francisco 25 de Julho de 1908 14 1894
António Coelho Patrício   José 25 de Julho de 1908 14 1894
José Jerónymo d’Avellar   José, João, e António 25 de Julho de 1908   1898, 1902 e 1907
Aurora de Jesus Escolástica (viúva)   José 25 de Julho de 1908 17 1891
Francisco Coelho d’Angelo   António e José 1 de agosto de 1908   1903 e 1905
Idade dos
Requerente Filiação Beneficiário(s) Sessão de Câmara Data de nascimento
beneficiários
José Lourenço Jorge   Manoel, Leonel e José 1 de agosto de 1908   1895, 1896 e 1901
José, António, Jeronymo,
António Pimentel Cepo   1 de agosto de 1908   1891, 1900, 1904, 1905 e 1907
Camillo e Roberto
Manoel Joaquim d’ Avellar   José, Ernesto, António, Camillo 8 de agosto de 1908   1896, 1897, 1900 e 1907
João Coelho de Fraga   Manoel 8 de agosto de 1908 9 1899
Anacleto Ignácio   António e José 8 de agosto de 1908    
Manuel António Fernandes   Celestino 8 de agosto de 1908 4 1904
Manoel Coelho Mendes   José, António, Manoel, Joaquim e João 8 de agosto de 1908   1892, 1896, 1901, 1903 e 1905
José Mendonça d’ Ignez   Justino 8 de agosto de 1908 6 1902
Braz Jacinto de Fraga   Manoel, José e António 8 de agosto de 1908   1891, 1903 e 1894
Manoel Ignácio de Fraga   José, António, Manoel, Julio e Jayme 8 de agosto de 1908   1894, 1896, 1898, 1899 e 1905
Manoel de Fraga Nunes   Manoel, António e José 8 de agosto de 1908   1901, 1902 e 1904
Joaquim Lourenço de Freitas   José e Joaquim 8 de agosto de 1908   1898 e 1900
José de Fraga Estácio   Alfredo e António 8 de agosto de 1908   1897 e 1904
Manuel Nunes Canoca   Agostinho 8 de agosto de 1908 5 1903
António José d’Rocha   António, João e José 8 de agosto de 1908   1899, 1902 e 1904
Guilherme Rodrigues   José, Joaquim, António e João 15 de agosto de 1908   1896, 1898, 1903 e 1906
Manoel Pimentel Cepo   José, António, Manoel e João 15 de agosto de 1908   1894, 1898, 1905, 1906
Hélio Nuno Santos Soares

João Lourenço Saramago   José, Manoel, Ignacio, António e João, 15 de agosto de 1908   1899, 1900, 1905, 1906, 1908
Manoel Francisco Mendes Junior Manoel Francisco Mendes o próprio 15 de agosto de 1908 18  
José Francisco d’Avellar   António d’Angelo d’Avellar 5 de setembro de 1908 5 1903
Anna da Conceição de Fraga Francisco Ignácio de Fraga Junior
a própria 1 de julho de 1911    
(casada) (marido)
João, António, José, Manoel, Agostinho
José Valladão do Rego   1 de julho de 1911   1892, 1894, 1898, 1902, 1903 e 1905
e Joaquim
Manoel d’ Aujola Francisco Coelho d’Aujola o próprio 3 de Maio de 1913    
José d’Avellar   António d’Aujola Avellar 19 de maio de 1913 10 1903
Maria Margarida da Encarnação (viúva) João Lourenço Brígida (marido) António, Pedro e Joaquim 12 de julho de 1913   1897, 1900 e 1903
Joaquim Valladão d’Anna   Joaquim 1 de abril de 1914 13 1901
António Nunnes Canoca Manoel Nunnes Canoca Junior o próprio 2 de novembro de 1914    
António Tomaz Eugénio Manoel Tomaz Eugénio o próprio 1 de abril de 1915    
201
202 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Anexo III
Transcrição de Representação à Câmara dos Senhores Deputados
da Nação Portuguesa sobre a emigração e o serviço militar

Livro de Atas da Câmara Municipal do Corvo de 19/4/1902 a 29/4/1905,


fl. 98v e ss, sessão de 29/5/1905

Senhores Deputados da Nação Portuguesa.


Se no seio da Representação Nacional unicamente houvesse de ser ouvida a
voz dos sábios, dos ricos e dos poderosos, tornava-se inútil erra representação,
pois no antigo systema também aquelles eram atendidos. Havei pois por bem
Senhores! Conceder um momento de atenção á mais humilde das corporações
municipais de todo o Reino, que, apezar da usa humildade, deseja também,
fazer ouvir seus clamores, no concerto de voses que sobre o assumpto se vos
devem ter dirigido.
Senhores! Pelas mui dignas Vereações das Camaras dos Concelhos das Velas e
Calheta na ilha de S. Jorge, foi solicitada a atenção desta municipalidade para
um assumpto d’esta importância, não só Açoriano mas até mesmo Nacional;
a emigração com suas couzas e seus efeitos. Ora é enegável que a emigração
Açoreana é excessiva, e é igualmente inegável que, apezar de todos os meios
até agora empregados para a reprimir, ella recrudesse e augmenta cada vez
mais. Não há, nem haverá nunca policia suficiente nem com bastante vigi-
lância, para obstar á emigração clandestina, porque como muito bem diz a
Dignissima Municipalidade Velense, cada pedra das nossas costas é um caes
d’embarque a facilitar esta emigração. Mas Senhores! mesmo que por este
lado fosse possível tolher a emigração, outra porta se lhe abre e franqueria, e
esta sem encomodo ou risco de espécie alguma. Consiste isso pura e simples-
mente, na renuncia dos foros de cidadão portuguez, a troco d’uma naturali-
zação estrangeira; e ahi está tudo conseguido.
Até não há muito anos, mesmo que algum dos nossos compatriotas, se natu-
ralizasse cidadão dos Estados Unidos d’América para onde se dirige a maior
força da corrente da nossa emigração, era levado a isso por conveniência do
paiz da residência, e, no regresso á pátria, sem já se lembrava dessa phase da
sua vida. Entrava na terra natal, como verdadeiro filho d’ella, não quando até
que se soubesse, que, mesmo por justas conveniências, havia fingido esque-
cella. Hoje porem sucede inteiramente ao contrário. Quasi não regressa aos
Hélio Nuno Santos Soares 203

lares pátrios um único Açoreano, que não venha engalanado com as estrella
da União, e protegido pelas azas da Aguia de seus sellos. Para termos disso
a certeza é bastante contemplal-as no acto de desembarque, e ver que, em
quanto o braço esquerdo sustenta o classico grosso sobretudo, o direito ostenta
na mão altiva, a carta de naturalização, que para muitos é synonimo de não
poder ser perseguido por motivos de serviço militar, a que não satisfizeram,
e para todos é um meios de exentar desse serviço seus filhos, nascidos ou
nascituros, e fazel-os sair d’estas plagas (sic) sempre que o desejem e queiram;
e até de raim (sic) com eles, sem mesmo se ver forçados aos encommados
(sic) de passaporte. A emigração dos filhos dos Açores para os Estados Unidos
da América, e ali naturalizados Cidadãos dquelle paiz, torna pois inútil toda a
repressão de emigração, torna igualmente errisorio o vigor das leis militares,
despovoa estas ilhas, e prepara-nos num futuro talvez não muito remoto a
anexação do archipellago, á bandeira estrelada; facto que dificilmente se
poderá evitar: quando todos ou quazi todos os habitantes d’estas ilhas forem
súbditos dos Estados Unidos da América. E isto, Senhores! levará tanto menos
tempo, quanto não só os repatriados voltem cidadãos Americanos, mas até
muitos outros vão aos Estados Unidos, só co o fim de arranjar o tal pape-
linho, que mais tarde lhes permite mandar para ali seus filhos, sem que as
authoridades portuguezas quer administrativas, quer miliates, tenham nisso
quesulerin. Adhere pois esta Municipalidade á representação que a Mui Digna
Municipalidade de Velhensa faz subir ao seio da Representação Nacional e
d’acordo com ella e com quantos relativamente ao assumpto, se fizeram ouvir
perante os Dignos Representantes da Nação, vem rogar-lhes se sirvam modi-
ficar a legislação actual, relativa a este assumpto, de modo e por forma que
não seja coarctada a liberdade do cidadão portuguez. Que todo e qualquer
portuguez, ou pelo menos Açoreano, possa sair da pátria quando assim lhe
convier e voltar a ella quando assim lhe fizer conta, sem que tenham por isso
de ser por qualquer forma perseguidos. Alevie-se para esse fim o tributo de
sangue, já relativamente á forma porque deve ser satisfeito, já relativamente
ao tempo da sua duração já relativamente ao preço da remissão, que deve ser
baixada, e posta ao nível de todas as bolças.
Senhores! Parecenos incontestável que modificado neste sentido a legislação
actual, será muito e muita a emigração; porque o povo, eterna creança que
teima em fazer o que lhe prohibem, deixará de encontrar no obstando e esti-
mado a sahida dos lares pátrios. A felicidade de satisfazer ao tributo de sangue,
e a modicidade (sic) do preço da remissão do serviço militar, acabará com a
204 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

emigração clandestina, cujos riscos já não convirá correr, e até acabará por seu
turno com as naturalizações estrangeiras, pois não convirá perder os direitos
de cidadão portuguez, só por motivo de evadir-se a um pequeno sacrifício.
Muitos dos nossos irmãos que se conservam longe do torrão natal, não duvi-
darão voltar a elle porque já não correm risco de ser perseguidos; e os que de
futuro forem emigrando conservarão a esperança do regresso num futuro mais
ou menos próximo. Assim se evitará a despovoação destas ilhas: o decresci-
mento de suas industrias; o descultivo de suas oberrimos terrenos; cuja desva-
lorização já muito e muito se nota; o empobrecimento geral de quantos aqui
forem ficando; e mais que tudo a perda destas perdas Açoreanas que hoje
ornamentam o Deadema Portuguez, e que estão em risco de, num futuro não
muit remoto, ver hastear nos torreões das suas briosas fortalezas, em vez do
Glorioso Pendão das Quinas, estandarte estrella riscado dos Estados Unidos
d’América.
Senhores! Os recursos jurídicos de scientificos dos humildes agricultores que
compõe esta vereação, não lhes permitem explanar-se mais. Outras Munici-
palidades, mais á altura do assumpto, pela sua ilustração e conhecimentos
jurídicos, farão notar aos Dignos Deputados da nação Portugueza, o modo
e a forma porque a respectiva legislação deverá ser modificada. Esta corpo-
ração limita-se a reconhecer a justiça da Causa, e a chamar para ella a atenção
da Representação Nacional. Em prova de suas asserções aduzirá o facto de
n’este Concelho de apenas 760 almas, haver já na administração do Concelho
o registo de 122 cidadãos Americanos, e que de 10 mancebos que teriam ser
inscriptos no recenseamento militar do corrente anno, apenas se haveram
apurado dois, um dos quais exempto por motivo d’estudos superiores; e isto
porque todos os mais declararam em tempo perante esta Camara que seguiam
a nacionalidade de seus pães.
Já hoje se nota que neste Concelho, só é cidadão portuguez algum velho a
quem a morte tardia vae deixando arrastar e alquebrado corpo pela superfí-
cie da terra, e termos certeza de que, em breve não só para comporem todas
as corporações atuaes, mas nem memso para a Junta de Parochia, quando
todas as outras tenham sido suprimidas; se de prompto se não acudir com
remedio eficaz a essa torrente de desnaturalização portugueza. Profundamente
magrados pelos motivos que deixamos ponderados, não podem recusar-nos,
apesar da nossa humildade, a unir nossa débil vos ao concerto do Municipios
Açoreanos; e a reclamar dos Mui Dignos Representantes da Nação prompeto
e eficaz remedio aos males que nos opprimem.
Hélio Nuno Santos Soares 205

Anexo IV
Transcrição de Representação da Câmara do Corvo
ao Ministro da Guerra sobre o serviço militar

Livro de Atas da Câmara Municipal do Corvo de 29/10/2010 a 28/12/1912,


fl. 10v e ss., sessão de 24/12/1010

Ex.mo Ministro da Guerra


Tendo divulgado a imprensa que o Governo da república vai decretar acer-
tada e justiceiramente o serviço militar individualmente obrigatório sem
remissão ou substituição, não pouco tem preocupado tal notícia o pacato povo
d’esteilheo do Corvo. Afastado do convívio social e reduzido exclusivamente
ao amanho de suas terras e culturas de suas searas; teem uma repugnância,
diremos melhor, teem um horror tal ao serviço militar, que, apesar da alegria
com que receberam a noticia da Implantação da República e da confiança
com que d’Esta esperamos benefícios que até hoje lhes teem negado os
governantes transactos, quasi desfalhecem ao imaginar que seus filhos terão
de ir aguardar em um quartel militar, o toque do clarim para marchar ás
horrorosas inventualidades de uma guerra. Ora isto, Ex.mo Ministro, é uma
consequência do desolador descuramento em que estava o povo, porque infe-
lizmente não são só os corvinos que teem este horror á vida militar. O nosso
povo é profundamente patriota mais por instincto e ativismo que por educação.
Em vista pois, da consternação popular deste Concelho esta Comissão deli-
berou vir secundar o alvitre da Illustre Comissão Municipal da Calheta de
San Jorge pedindo respeitosamente que se estabeleça em cada Villa do Archi-
pelago a primeira instrução militar pelo modo que melhor pareça ao Governo,
de forma aos recrutas apenas terem que recolher alguns mezes á sede da Guar-
nição para completar a aprendizagem que n’ellas se poder saber.
Sendo assim, julga esta Comissão se obviaria eficazmente a assustadora
corrente de emigração que agora ameaça engrossar mais, não se trariam tantos
braços á industria e agricultura e evita-se-hia o anceio das famílias, porque
seria não só um meio fácil d’insdustria os recrutas, mas ainda o que é d’um
grande alcance, faz-se-hia a educação do povo.
Relevância das exportações de vinho do Pico
na economia dos Açores
nas duas primeiras décadas do século xix 1

Ricardo Manuel Madruga da Costa

Costa, R. (2015), Relevância das exportações de vinho do Pico na economia


dos Açores nas duas primeiras décadas do século XIX. Boletim do Núcleo
Cultural da Horta, 24: 207-261.

Sumário: Neste artigo, com base na informação colhida nos registos da Alfândega da Horta
para o período abrangendo os anos de 1800-1820, pretende-se evidenciar a importância das
exportações do vinho “verdelho” produzido na ilha do Pico e que através do porto da Horta
se exportava principalmente para os países do Norte da Europa e para os Estados Unidos da
América.

Costa, R. (2015), Relevance of the exports of Pico wine in the economy of


the Azores in the first two decades of the nineteenth century. Boletim do
Núcleo Cultural da Horta, 24: 207-261.

Summary: This article, based on the information gathered in the records of Horta Customs for
the period covering the years 1800-1820, is intended to highlight the importance of exports of
the “verdelho” wine produced on the island of Pico and exported by the port of Horta, mainly
to the countries of Northern Europe and to the United States.

Ricardo Manuel Madruga da Costa – Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar da Univer-


sidade Nova de Lisboa/Universidade dos Açores.

Palavras-chave: Ilha do Pico, Porto da Horta, exportação de vinho “verdelho”.

Key-words: Pico Island, Horta Habor, “verdelho” wine exports.

Texto da comunicação apresentada no Seminário Vitivinicultura Atlântica. Construir o


1

Futuro, realizado na Madalena da Ilha do Pico entre 9 e 12 de Junho de 2011, mantido inédito
até à edição do presente boletim.
208 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Nota Prévia
Em anexo à minha dissertação de lamento, mas apenas uma explicação
doutoramento, posteriormente edita- para esta minha revisita às fontes que
da, entendi transcrever na íntegra um deixei impressas, na tentativa de
apreciável conjunto de documentos redescobrir pistas de análise que pos-
relativos ao período sobre o qual sam revelar-se úteis.
aquele trabalho incidiu. Transcrevi O que nos propomos nesta comuni-
igualmente, embora com sistemati- cação é, para usar a linguagem dos
zação adequada aos propósitos do debates levados a cabo nos órgãos
estudo do comércio do arquipélago colegiais, passar da generalidade à
entre 1800 e 1820, o essencial do especialidade. Neste período os Aço-
conteúdo da totalidade dos despachos res mantinham activo comércio com
alfandegários das ilhas de S. Miguel, a Inglaterra, sendo bem conhecido o
Terceira e Faial, quer para a exporta- caso da comercialização da laranja de
ção, quer para a importação. Sendo S. Miguel já ampla e competentemen-
certo que estas fontes foram por mim te tratado nos trabalhos de Fátima
aproveitadas em ampla medida, a Sequeira Dias. Todavia, para o con-
verdade, porém, é que num acervo junto do arquipélago e no que toca
documental tão extenso, resta sempre ao século xix, para além de genera-
razoável margem para leituras alter- lidades para a formulação das quais
nativas ou para novas interpretações. eu próprio dei contributo, não se
A circunstância e a percepção de que conhece muito mais. Tentaremos, por
a pesquisa feita me teriam permitido isso, trazer ao tema algumas achegas
ir bem mais longe no detalhe das aprofundando um pouco a perspectiva
análises, não me impediu de deixar de que os Açores, em tempo não
aberta a possibilidade de outros apro- muito recuado, se situavam efectiva-
veitarem a informação divulgada para mente nesse mundo vastíssimo das
os fins que entendessem. Não obstante rotas oceânicas que ajudaram a tecer
a partilha, a verdade é que, seja por uma verdadeira «civilização atlân-
desinteresse seja porque o que se edita tica», conceito que muitos recusam
nos Açores raramente circula para mas que me parece apropriadamente
além do dia da apresentação pública expressivo. Nesta oportunidade, e
à qual amigos e familiares compare- perante o estímulo que esta iniciativa
cem, o certo é que, tanto quanto sei, a proporciona, aventuro-me de novo
informação então divulgada continua pelas “rotas do Verdelho”, com o
repousando ordeiramente à guarda objectivo de organizar e analisar
zelosa do editor e jamais terá sido alguma informação que julgo interes-
utilizada. O que fica dito não é um sante.
Ricardo Manuel Madruga da Costa 209

Síntese dos dados da exportação do vinho “verdelho” do Pico

Nos Anexos I a VI a esta comunica- algumas informações que esclarecem


ção, compilámos da informação que eventuais dúvidas.
extraímos dos quadros que constam Para quem tiver curiosidade em con-
da referida tese, os dados específicos sultar os anexos que temos vindo a
relativos às exportações de vinho do referir, poderá surpreender-se com
Pico entre 1800 e 1820 que, por falta alguma terminologia utilizada e que,
de condições portuárias para o efeito na transcrição da documentação ma-
nesta ilha, embarcava nos navios que nuscrita contida nos livros da Alfân-
se acolhiam à baía da Horta com dega, se respeitou. Todavia, jamais
destino a uma ampla diversidade de obtivemos explicação para alguns dos
portos, como veremos2. termos diferenciadores adoptados,
Os quadros dos referidos anexos a como pipas “da maior regulação”,
este trabalho, foram organizados de pipas “da regulação”, pipas “da lava-
acordo com uma grelha que permite gem” e, simplesmente, “pipas”, que
conhecer as datas dos despachos alfan- surgem na documentação com fre-
degários, os negociantes credencia- quência. Temos, naturalmente, uma
dos junto da Alfândega, as quantida- interpretação.
des de pipas, barricas e barris expor- Importa ainda ter em conta, para a
tados, quer do chamado vinho “co- eventualidade de uma verificação,
mum” quer do chamado “passado”, mesmo aleatória, dos valores dos
o valor dos direitos alfandegários direitos cobrados pela alfândega por
pagos, os portos de destino e o nome cada pipa de vinho exportado, que se
e nacionalidade dos navios em que o verificam desvios aparentes. Porém,
vinho embarcou. a base de cálculo para as exportações
Antes de procedermos à análise de mais frequentes, as de vinho comum,
alguns quadros construídos a partir é de 1$800 réis por pipa, correspon-
destes seis anexos, interessa adiantar dendo, pelo menos até 1810, a 10%
do valor do produto. Entretanto, este
valor não impede que sobre as refe-
2
Cf. Apêndice 7, Quadros I a XXI das expor- ridas “pipas da maior regulação”
tações da ilha do Faial entre 1800 e 1820, incida um valor um pouco superior,
in Ricardo Manuel Madruga da Costa, Os da ordem dos 2$000 réis por pipa,
Açores em finais do regime de Capitania-
Geral. 1800-1820, Horta, Núcleo Cultural
elevando-se a qualquer coisa como
da Horta; Câmara Municipal das Horta, 6$000 réis quando passamos a tratar
2005, pp. 133-174. de 1 pipa de vinho passado.
210 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

A par destas variações, a leitura dos ses, são passíveis de “meios direitos”3.
quadros oferece também aparentes A partir da leitura dos anexos, come-
discrepâncias quanto a valores dos cemos por verificar, em função de
direitos cobrados em função dos des- regiões nas quais se localizam os
tinos. Em resultado do Tratado de portos de destino das exportações, a
Amizade e Comércio celebrado com respectiva distribuição quantitativa.
a Inglaterra, este valor eleva-se a 15%. A designação das regiões obedece,
Deverá ainda notar-se que em obe- naturalmente, a um critério arbitrário
diência ao Decreto de 25 de Novem- e que visa uma maior comodidade na
bro de 1783, as exportações de vinho sistematização. Tendo em conta o seu
para a Inglaterra, Irlanda, Rússia e significado, separámos os portos da
Estados Unidos, em navios portugue- Rússia dos restantes portos do Báltico.

Quadro I

Exportações de vinho do Pico por áreas de exportação entre 1800-1820

Vinho comum Vinho passado


Áreas de exportação
Pipas Barricas Barris Pipas Barricas Barris
Inglaterra e colónias 29.419 1.376 497 — — —
E.U.A. 8.424 34  64 12 1 —
Rússia 4.868 139 105 43 — 14
Báltico 3.085 11  14  3 —  2
Outros Europa 284 — —  1 —  1
Outros diversos 621 3 — — 2 13
Totais 46.701 1.563 680 59 3 30

Fonte: Anexos I a VI.


3

O quadro acima evidencia os valores das Antilhas e, ainda, a Índia. Seguem-


brutos das exportações no período de -se, a distância considerável, os por-
tempo considerado e da sua leitura tos dos Estados Unidos da América e,
resulta que o destino mais significa- com valores ainda menos significa-
tivo é o grupo de portos de destino tivos, os portos da Rússia. O Báltico
que engloba a Inglaterra, incluindo as
ilhas do Canal, bem como as colónias 3
Id., pp. 135-136.
Ricardo Manuel Madruga da Costa 211

ainda ocupa uma posição com alguma quatidades exportados e para simpli-
expressão, e os restantes portos com ficação dos cálculos, reduzimos as
exportações, apresentam valores resi- barricas e os barris a pipas, tendo em
duais. Voltaremos a esta distribuição conta que uma barrica equivale a ½
com considerações de outra natureza. pipa e que um barril equivale a ¼ de
No quadro seguinte, para sublinhar de pipa. Igualmente para simplificação
forma mais clara a expressão destas consideraremos o total das expor-
exportações, determinamos os valo- tações do vinho comum e do vinho
res percentuais em termos agregados. passado, não obstante a disparidade
Para calcularmos a percentagem das dos seus valores.

Quadro II

Repartição percentual por áreas de exportação entre 1800-1820

Áreas de exportação Pipas Percentagem


Inglaterra e colónias 30.231 63,4%
Estados Unidos da América 8.469 17,7%
Rússia 5.010 10,5%
Báltico 3.096 6,5%
Outros Europa 285 0,6%
Outros Diversos 624 1,3%
Totais 47.715 100,0%
Fonte: Anexos I a VI.

Observados os valores em percen- sia – com desafasamentos temporais


tagem, confirma-se a leitura acima, observáveis nos anexos – absorvem
verificando-se que a Iglaterra e as suas a quase totalidade das exportações de
colónias, recebem uma parte muito “verdelho”, com mais de 90%.
expressiva do vinho exportado, com Passando a uma apreciação mais indi-
mais de 63%, com diferenças acen- vidualizada dos destinos das expor-
tuadas para os restantes destinos em tações, por portos de destino e sem
que nenhum conjunto de portos chega qualquer avaliação quanto aos que
a atingir os 20% das exportações. Em maior relevância tem em cada área de
termos gerais, podemos considerar exportação, temos no quadro seguinte
que a Inglaterra, a América e a Rús- uma listagem elucidativa.
212 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Quadro III

Portos de destino por áreas de exportaçãoentre 1800-1820

Inglaterra Outros Outros


EUA Rússia Báltico
e colónias Europa diversos
Londres New York Riga Copenhage Tenerife Costa d’África
Halifax Charlestown S. Petersburg Hamburgo Havre de Grace BuenosAires
Liverpool Boston Arcangel Bremen Amsterdam Macau
Portsmouth Baltimore Estocolmo Nápoles Batavia
Plymouth Philadelphia
Falmouth Nantucket
Bath Salem
Greenock Newbury
Cork Port
Dublin Richmond
Gibraltar Wilmington
Guernesey Norfolk
Jersey New Orleans
Terra Nova Savana
St. Johns
Quebec
Nova Escócia
Bermuda
Martinica
Jamaica
Barbados
Antigua
Tobago e Trinidad
Santa Lúcia e
S. Vicente
Dominica
Suriname
Maurícias
St. Eustacio
Madrasta
Calcuta

Fonte: Anexos I a VI.


Ricardo Manuel Madruga da Costa 213

No quadro que se apresenta a seguir No que respeita aos nacionais, em ca-


agrupámos, segundo o mesmo crité- sos de grande dispersão de despachos
rio de áreas de exportação, listagens ou em situações de intervenção pou-
dos exportadores, mais exactamente co frequente ou de fraca expressão
das firmas, negociantes, produtores quanto aos número de pipas exporta-
e indivíduos que compareciam ou se das, não individualizámos os nomes
faziam representar a despacho na Al- dos exportadores, agregando-os sob a
fândega da Horta. designação de “diversos”.

Quadro IV

Exportadores de vinho do Pico entre 1800-1820

Áreas de exportação Nacionais Estrangeiros


INGLATERRA Diversos Scott Idle de Sobradello
E COLÓNIAS Domingos de Sousa Thomas Parkin
Cap. Mateus Pereira António Graham
Mateus Pereira Machado Hasse Daniel Thomas Curry
Safrg-Mor Estolano Oliveira Thomas Reay
Inácio Soares de Sousa Thomas Reay & C.ia
Francisco Pays Mendonça & C.º Giovani Galfetti
Jerónimo Sebastião Brum da Silveira Domingos Knoth
Vicente Manuel Rouçado John Grayson
Guilherme Greaves Thomas Hayes
Floriano José João Bass Dabney
José Francisco Terra Brum Carlos Guilherme Dabney
Sérgio Pereira Ribeiro Diogo Searle
João Sebastião Correia Diogo Searle & C.ia
José Curry da Câmara Cabral Guilherme Grant
João Lourenço de Sousa João Guilherme Sergeant
Jorge Botelho João Carley
Mateus Pereira do Amaral
André Francisco Goulart
José Francisco de Medeiros
Tomás Joaquim de Castro
Raulino Pereira Galvão
Joaquim António da Silveira
José Maciel de Bettencourt
José Severino de Avelar
ESTADOS UNIDOS Diversos Thomaz Parkin
DA AMÉRICA Sérgio Pereira Ribeiro António Graham
Sérgio Pereira Ribeiro & Filho Domingos Knoth
214 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Áreas de exportação Nacionais Estrangeiros


ESTADOS UNIDOS João Street d’Arriaga João Bass Dabney
DA AMÉRICA João Street Francisco António de
António Telles e Lacerda Sobradello
Estacio Machado Dutra Teles Daniel Thomas Curry
Guilherme Greaves Thomas Reay & C.ia
Francisco Pereira Ribeiro Newman Curry & C.ia
João Garcia do Rosário
José Francisco da Terra Brum
João Lourenço Dias
João Inácio Guterres
José de Macedo
Tomás Joaquim de Castro
António de Oliveira Pereira
Diogo de Oliveira
José Bittencourt de Vasconcelos
José Francsco Ferreira
Francisco da Silva Ribeiro
Teotónio Veríssimo de Mendonça
João Bernardino de Sousa Machado
Estolano Oliveira
Jorge Botelho
Manuel Inácio Coelho
João Inácio de Sousa
António Silveira Avelar
Manuel Vieira Maciel
André Francisco Goulart
RÚSSIA Diversos António Graham
João Inácio Guterres Domingos Knoth
António Oliveira Pereira Thomas Reay & C.ia
Francisco Lopes Diogo Searle & C.ia
João Inácio de Sousa João Carley
Sérgio Pereira Ribeiro & Filho
António Sebastião Correia & C.ia
Tomas Luís da Silveira
José Francisco da Terra Brum
João Lourenço de Sousa
Joaquim de Paula Medeiros (de S. Miguel)
Manuel Gonçalves Maurício
José Furtado
Francisco da Silva Ribeiro
Jorge da Cunha
Ricardo Manuel Madruga da Costa 215

Áreas de exportação Nacionais Estrangeiros


RÚSSIA Francisco Cristiano da Silveira Baptista
Francisco António Pereira Madruga
José Teles Machado
José Severino de Avelar
Luís Peixoto
André Lourenço de Sousa
João Rodrigues da Silva (de Lisboa)
Manuel Inácio Coelho
João Lourenço Tanger
José Curry da Câmara Cabral
André António Avelino
Diogo Gonçalves
BÁLTICO Diversos Thomas Parkin
João Cristiano Domingos Knoth
Sérgio Pereira Ribeiro Domingos Knoth & C.ia
Mateus Pereira Machado Diogo Searle & C.ia
António Sebastião Correia & C.ia João Bass Dabney
Joaquim da Costa Daniel Thomas Curry
Teotónio Veríssimo
Rafael Pereira
António Francisco de Medeiros
Gonçalo Rodrigues Palhinha
Manuel Sousa Rodrigues
João Aurélio Ramos
João Goualberte
João Severino de Avelar
Francisco da Terra Brum
José Manuel Bittancourt
OUTROS EUROPEUS João Street Diogo Searle & C.ia
Francisco Pays de Mendonça e Comp.ª Domingos Knoth
Faustino José Thomas Parkin
José Telles Machado
Josewé Teixeira Bettencouirt
Sérgio Pereira Ribeiro & Filho
José Teixeira Manuel de Bettencourt
OUTROS DIVERSOS Diversos Thomas Parkin
António Sebastião Correia & C.ia Daniel Thomas Curry
Diogo Searle & C.ia
João Carley

Fonte: Anexos I a VI.


216 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

A informação do quadro que acima mos, em próximos quadros, que assim


se elaborou não é particularmente teria de suceder de modo a explicar a
interessante do ponto de vista das con- sua preponderância no mercado.
clusões que permite. Apenas subli- No que respeita aos exportadores
nharemos que na listagem dos nomes estrangeiros, destacaríamos a presen-
de portugueses envolvidos na expor- ça dos Dabney – o 1.º Cônsul Ameri-
tação de vinho, e para quem esteja cano dos EUA nos Açores, John Bass
familiarizado com a sociedade local Dabney, assumiu o cargo em 1806
no período a que respeitam as expor- fixando-se na Horta – e chamamos a
tações, a par de alguns nomes de me- atenção para um apreciável número
nor relevância social, encontramos, de nomes de origem anglo-saxónica,
não só firmas de negociantes abasta- facto que é, em boa parte, explicável
dos da praça faialense, mas também pelo contexto político da época que
gente ligada às elites da governança determinou que o porto da Horta
e detentores das mais importantes registasse um inusitado volume de
vinhas da ilha do Pico, actuando navegação. Citemos as lutas Napo-
algumas vezes como negociantes. leónicas implicando a transferência
O confronto deste quadro com a lista da corte portuguesa para o Brasil em
de produtores do concelho da Mada- 1808, de que resultou uma valori-
lena no ano de 1809, que publicámos zação da escala açoriana nos fluxos
em 2004, permite, a este propósito, de navegação entre o Brasil e a Ingla-
retirar conclusões que comprovam terra; o conflito entre a Inglaterra e os
o que afirmamos4. Muitos destes Estados Unidos que deu lugar a uma
produtores, porventura os mais im- sucessão de restrições decretadas
portantes, venderiam as colheitas a pelos americanos com o objectivo de
estrangeiros certamente dispondo de prejudicar os interesses britânicos e
capital e mais aptos para intervir no que deram oportunidade a que a ilha
mercado pela eventual facilidade no do Faial fosse transformada em escala
contacto com agentes ou firmas nas de baldeação de mercadorias entre os
praças para onde exportavam. Vere- Estados Unidos e a Inglaterra, envol-
vendo centenas de navios e, por fim,
Cf. Ricardo Manuel Madruga da Costa,
4 a abertura dos portos do Brasil decre-
“Uma perspectiva da Vitivinicultura na tada pelo Regente D. João logo após
Ilha do Pico nas duas primeiras décadas a sua chegada ao Brasil5.
do Século XIX”, in O Faial e a periferia
açoriana nos séculos XV a XX (Actas de III
Colóquio), Horta, Núcleo Cultural da Horta, 5
Sobre esta conjuntura, ver Ricardo Manuel
2004, pp. 109-133. Madruga da Costa, “Faial 1808-1810. Um
Ricardo Manuel Madruga da Costa 217

Passamos a apresentar um quadro, desta feita em função dos valores dos


observando sempre o critério das direitos arrecadados pela Alfândega
áreas de destino das exportações, da Horta.

Quadro V
Valor dos direitos cobrados pela alfândega da Horta
sobre as exportações de vinho doPico entre 1800-1820

% em função Direitos pagos % em função


Áreas de exportação
do n.º de pipas (réis) dos direitos
Inglaterra e colónias 63,4% 58:180$060 68,9%
Estados Unidos 17,7% 13:659$135 16,2%
Rússia 10,5% 6:745$909 8,0%
Báltico 6,5% 3:971$652 4,7%
Outros Europa 0,6% 642$800 0,8%
Outros Diversos 1,3% 1:215$040 1,4%
Totais 100,0% 84:405$596 100,0 %
Fonte: Anexos I a VI.

O quadro, ao nível das receitas arre- dados que o quadro mostra, o cálculo
cadadas pela Alfândega, evidencia efectuado vai ser-nos útil para deter-
um valor significativo. Se admitirmos minar de forma mais simples e, de
uma média anual da ordem dos 4 con- algum modo, mais exacta, a propor-
tos de réis quanto aos direitos cobra- ção do envolvimento de nacionais e
dos, significa que estamos a falar de estrangeiros na exportação. Para esse
valores médios anuais de exportação fim vamos utilizar os valores dos di-
da ordem dos 40 contos de réis, uma reitos entrados na Alfândega os quais,
cifra muito considerável para a época. expressos em percentagem, como se
Para além do interesse directo dos deduz do quadro, não coincidem exac-
tamente com as percentagens calcu-
tempo memorável”, in Boletim do Núcleo ladas em função do número de pipas
Cultural da Horta, Horta, 1993-95, Vol. XI, embarcadas. O facto deve-se à diver-
pp. 129-276. Id., “As invasões Francesas e sidade do tipo de pipas já referido,
a transferência da coroa portuguesa para o bem como à exportação de algumas
Brasil. Algumas repercussões nos Açores”,
in Arquipélago-História, 2.ª Série, Ponta
quantidades de vinho “passado” com
Delgada, Universidade dos Açores, III, 1999, maior valor comercial e, por conse-
pp. 275-324. quência, pagando direitos superiores.
218 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Quadro VI

Distribuição dos valores da exportação de vinho por nacionais e estrangeiros


entre 1800-1820

Direitos pagos Direitos pagos


Áreas de exportação % %
por nacionais por estrangeiros
Inglaterra e colónias 13:032$560 22,4 45:147$500 77,6
Estados Unidos América 3:977$305 29,1 9:672$830 70,9
Rússia 5:188$359 76,9 1:557$550 23,1
Báltico 2:760$260 69,5 1:211$392 30,5
Outros Europa 360$600 56,1 282$200 43,9
Outros Diversos 963$240 79,3 251$800 20,7
Totais 26:282$324 58:123$272
Fonte: Anexos I a VI.

O quadro anterior mostra que na área de forma significativa, predominando


de destino do grosso das exportações os negociantes nacionais. Obviamen-
de “verdelho”, com mais de 60% das te, os volumes de exportação em jogo,
pipas de vinho exportadas, ou seja distanciam-se de forma incomparável
para a Inglaterra e suas colónias, com daqueles que respeitam à Inglaterra e
destaque para as West Indies, os nego- Estados Unidos. Quando avaliamos
ciantes estrangeiros detêm uma quota separadamente os totais dos valores
superior a 77% do valor exportado. dos direitos pagos pelos negociantes
Num cálculo com base na totalidade nacionais e pelos estrangeiros, temos
do vinho embarcado para todos os percentagens globais de 31,1% e de
destinos nas duas décadas considera- 68,9%, respectivamente.
das, a sua participação atinge os 53%. Os quadros dos anexos permitiriam
A situação relativamente aos Estados uma análise mais detalhada sobre
Unidos da América, embora num uma variedade de aspectos, porém
plano de grandeza muito menor, ex- do ponto de vista desta comunicação
prime-se por percentagens próximas, apenas daremos algumas notas sobre
ou seja, os negociantes estrangeiros dois dos negociantes envolvidos, dado
exportam mais de 70% do vinho tratar-se de casos particulares.
para aquele destino. No que respeita Como revelam os quadros dos anexos,
à Rússia, portos do Báltico, Europa, na primeira década do século xix e
África e Oriente, a situação altera-se no que respeita à exportação para as
Ricardo Manuel Madruga da Costa 219

Antilhas, sobressai o nome de uma a interessá-lo. Porém, devido prova-


casa comercial: Scott Idle de Sobra- velmente ao seu enriquecimento pos-
dello. Trata-se de uma firma inglesa sibilitado pela conjuntura que pre-
que se fixou no Faial já a findar o cede a Guerra de 1812 e a que já nos
século xviii, com o propósito de nego- referimos, John Bass Dabney, quando
ciar em vinhos e que mantinha um a guerra termina em 1814, surge no
contrato com o governo inglês para negócio da exportação de vinho “ver-
abastecer as tropas acantonadas nas delho” disputando posição cimeira.
Antilhas6. Por morte do representante Entre 1815 e 1820 é responsável por
da firma no Faial em 1811, Francisco embarques dignos de nota como se
António de Sobradello, cessam esses deduz do volume dos direitos pagos
fornecimentos e surgem diversos ne- nesta meia dúzia de anos, atingindo
gociantes, portugueses e estrangeiros, os 2:817$200 réis com as exportações
a assegurar exportações para os mes- para portos ingleses e mais de 3 con-
mos destinos. O mais importante será tos de réis para portos americanos.
António Sebastião Correia. Lamentavelmente não possuímos
Quanto à firma Scott Idle de Sobra- informação alfandegária após 1820,
dello, entre 1800 e 1810, num cálculo mas é minha convicção que esta acti-
baseado no pagamento dos direitos vidade vai tornar-se num dos negó-
pagos pela exportação para a Ingla- cios importantes da futura Casa
terra e West Indies, coube-lhe 81,5%
Dabney & Sons. Sinal claro deste
dos direitos. Um quase monopólio
interesse será, na minha leitura, a
neste ramo de negócio.
frequente importação de umas deze-
Um outro nome que importa referir é
nas de pipas de aguardente francesa,
o de John Bass Dabney.
quantidades que não parece destina-
Estabelece-se no Faial em 1806 e não
rem-se a consumo corrente nas vul-
é visível, tanto quanto os registos da
gares tabernas, sabendo-se, além do
Alfândega permitem constatar, activi-
mais, que os Dabney estabeleceram
dade comercial significativa até cerca
armazéns para vinhos na Horta, pro-
de 1814. Afigura-se-nos que nesta
fase da sua actividade, seria essen- movendo aqui o seu enriquecimento
cialmente o agenciamento de navios com aguardente francesa associando
ao processo a estufagem. Recorde-se
que John Bass Dabney antes de vir
6
Cf. Ricardo Manuel Madruga da Costa, s.v.
“Scott Idle de Sobradello”, in Enciclopédia
para o Faial tentara a sua sorte em
Açoriana, http://pg.azores.gov.pt/drac/cca/ França, exactamente para se dedicar
enciclopedia/index.aspx. ao comércio de vinho entre este país
220 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

e os Estados Unidos, visando igual- não eram propícias a negócios e


mente assumir-se como armador. As depois do desaire deste projecto o
condições da França revolucionária Faial surgiu como alternativa.

A relevância do vinho “verdelho” do Pico no quadro da economia


açoriana

O levantamento do volume de pipas mação global à economia da vinha


relativo à simples exportação de vinho e do vinho, avaliando produções,
do Pico e para um período restrito de fluxos internos de comercialização
duas décadas, não autorizaria gene- e volumes transformados em aguar-
ralizações. Porém, o facto de não dente que era embarcada em abun-
dispormos de séries estatísticas para dância para o Brasil. Cingir-nos-emos
períodos mais alargados, não impede à exportação para o estrangeiro.
que outra informação dispersa, no- Para que se faça uma ideia do quanto
meadamente para épocas anteriores valia esta riqueza que brotava das
áquela sobre a qual nos debruçámos, pedras negras da ilha do Pico, apenas
autorize um juízo de valor quanto à nesta vertente, à escala do arquipé-
importância que o “verdelho” tinha lago, importa considerar que nos Aço-
na economia das ilhas. Com base nos res apenas um produto pode compe-
dados de que dispomos, vamos pro- tir neste plano do comércio externo:
ceder a um exercício que nos permite a laranja exportada do porto de Ponta
chegar, de um modo fundamentado, a Delgada, quase exclusivamente com
conclusões mais concretas quanto ao destino aos portos de Inglaterra. Tudo
que esta actividade representaria na o mais, como alguma urzela que
economia dos Açores numa perspec- ainda se embarcava sobretudo para
tiva do comércio externo gerado nas Inglaterra, a laranja exportada pela
ilhas. Terceira e também aquela que se
Comecemos por sublinhar que a enviava, sobretudo para os EUA, pelo
maior riqueza das ilhas, passado o porto da Horta, a que se somavam
impropriamente chamado “ciclo do algumas reexportações e quantidades
pastel”, reside ainda nos cereais. Mas insignificantes de produtos da terra,
do que estamos a falar é de comér- pouca expressão tinha no comércio
cio externo e os cereais circulavam, das ilhas.
exclusivamente, entre os Açores e o Sobre a exportação dos citrinos pro-
Reino. Também convém notar que duzidos na ilha de S. Miguel e sobre
não pretendemos fazer uma aproxi- os gentlemen farmers já muito se
Ricardo Manuel Madruga da Costa 221

escreveu, criando-se a ideia de que a dois quadros que nos ajudarão a fun-
laranja micaelense teria feito a rique- damentar o que pretendemos. Um pri-
za da ilha e dos seus morgados, a que meiro quadro permite obter uma visão
se juntavam uns quantos negociantes global comparativa das receitas arre-
vindos da terra de Sua Majestade cadadas pelas alfândegas de S. Miguel,
Britânica. Direi, de passagem, que Terceira e Faial, a que se acrescenta
não me parece que este fenómeno o cálculo, também comparativo, do
de enriquecimento, por esta via, seja contributo em percentagem com que
assim tão evidente. cada uma dessas três ilhas concorre
Como base da análise reproduzimos para o conjunto dos direitos pagos.

Quadro VII
Comparação dos direitos de exportação cobrados em S. Miguel,
Terceira e Faial entre 1800-1820
Valores Percentagem do total
Anos
S. Miguel Terceira Faial Total S. Miguel Terceira Faial
1800 681$400 — 5:874$970 6:556$370 10,4 — 89,6
1801 836$928 — 6:885$970 7:722$898 10,8 — 89,2
1802 1:792$366 — 1:751$735 3:544$101 50,6 — 49,4
1803 604$180 690$020 2:569$608 3:863$808 15,6 17,9 66,5
1804 2:297$972 465$000 2:814$902 5:577$874 41,2 8,3 50,5
1805 746$960 420$680 3:160$775 4:328$415 17,3 9,7 73,0
1806 1:826$990 308$870 1:636$980 3:772$840 48,4 8,2 43,4
1807 1:186$260 194$100 2:182$550 3:562$910 33,3 5,4 61,3
1808 2:475$381 729$708 2:419$135 5:624$224 44,0 13,0 43,0
1809 564$150 1:843$647 6:176$775 8:584$572 6,6 21,5 71,9
1810 1:644$790 918$600 7:030$922 9:594$312 17,1  9,6 73,3
1811 — 587$882 4:832$383 5:420$265 — 10,8 89,2
1812 2:509$390 283$540 1:613$900 4:406$830 56,9 6,4 36,7
1813 3:097$846 140$210 1:435$282 4:673$338 66,3 3,0 30,7
1814 2:108$060 60$050 6:247$425 8:415$535 25,0 0,7 74,3
1815 3:555$592 242$630 2:611$999 6:410$221 55,5 3,8 40,7
1816 2:245$115 283$910 5:444$208 7:973$233 28,2 3,6 68,2
1817 1:510$530 396$400 7:787$581 9:694$511 15,6 4,1 80,3
1818 1:490$726 316$396 5:240$425 7:047$547 21,2 4,5 74,3
1819 2:101$858 354$510 2:946$641 5:403$009 38,9 6,6 54,5
1820 1:807$600 370$140 7:279$383 9:457$123 19,1 3,9 77,0
Totais 35:084$094 8:606$293 87:943$549 131:633$936 26,6 6,5 66,9
Fonte: Ricardo Manuel Madruga da Costa, Os Açores em finais do regime de Capitania-Geral. 1800-1820,
Horta, Núcleo Cultural da Horta; Câmara Municipal das Horta, 2005, p. 339.
222 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Numa observação dos dados, po- seguinte estes dados ganham um sig-
demos verificar que ao longo deste nificado mais compreensível. Aqui
período a ilha do Faial ocupa, em limitamo-nos a um confronto a partir
geral, uma posição preponderante. do peso relativo que os direitos pagos
Para a totalidade do período, o valor em relação à exportação da laranja
dos direitos pagos no Faial mais do em S.Miguel e os que se pagam no
que duplica os que se pagam em S. Faial pela exportação do vinho do
Miguel, sendo que, no conjunto das Pico, contra a totalidade dos valores
três ilhas, a percentagem que cabe ao entrados nas duas alfândegas e que já
Faial ronda os 67 %. Com o quadro se tinham apurado no quadro anterior.
Quadro VIII

Comparação percentual dos direitos das exportações de laranja de S. Miguel


e do vinho do Pico
S. Miguel Faial
Anos
Direitos % Laranja Direitos % Vinho
1800 681$400 100,0 5:874$970 99,9
1801 836$928 97,1 6:885$970 99,0
1802 1:792$366 99,5 1:751$735 96,9
1803 604$180 100,0 2:569$608 96,3
1804 2:297$972 54,5 2:814$902 95,8
1805 746$960 96,2 3:160$775 97,9
1806 1:826$990 98,0 1:636$980 95,1
1807 1:186$260 98,9 2:182$550 97,9
1808 2:475$381 86,9 2:419$135 89,9
1809 564$150 100,0 6:176$775 99,5
1810 1:644$790 100,0 7:030$922 90,3
1811 — — 4:832$383 97,6
1812 2:509$390 85,2 1:613$900 98,5
1813 3:097$846 86,3 1:435$282 99,6
1814 2:108$060 100,0 6:247$425 99,4
1815 3:555$592 77,9 2:611$999 91,8
1816 2:245$115 94,5 5:444$208 94,1
1817 1:510$530 94,3 7:787$581 96,4
1818 1:490$726 93,9 5:240$425 89,8
1819 2:101$858 97,9 2:946$641 81,4
1820 1:807$600 95,6 7:279$383 90,5
Fonte: Ricardo Manuel Madruga da Costa, Os Açores em finais do regime de Capitania-Geral. 1800-1820,
Horta, Núcleo Cultural da Horta; Câmara Municipal das Horta, 2005, p. 337.
Ricardo Manuel Madruga da Costa 223

O que os quadros revelam é claro. ver com a ilha do Pico, respectiva-


A predominância que se pode apreciar mente.
no Quadro VII, no qual não se expli- Julgamos que a inquestionável pri-
citava a natureza das mercadorias mazia do “verdelho” do Pico como o
exportadas, tem a ver, como agora mais importante artigo de exportação
fica evidenciado, com a dependência produzido nos Açores numa perspec-
quase absoluta da laranja no caso de tiva do comércio externo insular, fica
S. Miguel e do vinho, no que tem a demonstrada.

Conclusões

Quase se dispensariam. Apenas desta- O estudo assim fundamentado, não


caremos algumas ideias relativamen- obstante as acentuadas variações
te ao essencial deste trabalho. anuais verificadas e que se prendem
Não obstante as referências dispersas com a irregularidade dos ciclos pro-
nas obras que constituem o nosso dutivos, permite avaliar da dimensão
acervo de fontes historiográficas, económica deste sector de actividade
nomeadamente em Gaspar Frutuoso, e do que representava em termos de
Luís Maldonado e António Cordeiro, rendas arrecadadas pela Fazenda Real,
permitir deduzir que a vitivinicultura permitindo ainda caracterizar os flu-
na ilha do Pico constituiria importante xos da exportação, bem como iden-
actividade no quadro da economia tificar os intervenientes no processo
açoriana, a verdade é que as fontes de comercialização e a sua relevân-
que utilizamos na elaboração do pre- cia. Por fim, recorrendo a informação
sente trabalho, a par dos volumes de adicional que trabalhámos à escala
produção de vinho para igual período do arquipélago, o estudo permite afir-
compilados a partir dos livros do mar, de forma solidamente fundamen-
Subsídio Literário que igualmente tada, que a vitivinicultura picoense,
tratámos na tese a que nos referimos observada à luz das exportações efec-
na nota introdutória, representam a tuadas entre 1800 e 1820, constitui a
informação quantitativa mais consis- mais importante riqueza dos Açores
tente de que se dispõe até agora sobre quando avaliada no quadro do comér-
a importância de que se revestia. cio externo aqui gerado.
ANEXOS
Ricardo Manuel Madruga da Costa 227

ANEXO I

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


1800-1820

Exportações de vinho do pico para a inglaterra e colónias


Ano de 1800
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
25 Fev Scott Idle de Sobradello 368 pipas, 43 barricas e 77 817$500 Martinica Galera ingl. Maria
barris de “vinho da maior
regulação”
30 Mai Diversos (portugueses) 54 pipas de vinho comum 99$000 Terra Nova Ber.m ingl. Abelha
21 Jun Scott Idle de Sobradello 390 pipas, 126 barricas 956$000 Martinica Ber.m ingl. Ceres
e 80 barris de vinho da
maior regulação
23 Jun Scott Idle de Sobradello 558 pipas, 183 barricas 1:335$000 Martinica Galera ingl. Traveller
e 72 barris de vinho da
maior regulação
22 Jul Scott Idle de Sobradello 496 pipas, 77 barricas e 10 1:074$000 Martinica Galera ingl. Granville
barris de vinho comum da
maior regulação
4 Set Domingos de Sousa 170 pipas de vinho comum 306$000 Quebec Ber.m ingl. Martinho
12 Set Diversos (portugueses) 89 pipas de vinho comum 160$200 Terra Nova Ber.m ingl. Izabel
12 Set Diversos (portugueses) 61 pipas de vinho comum 270$000 Terra Nova Esc. amer. Victoria
26 Nov Scott Idle de Sobradello 172 pipas, 48 barricas e 36 450$000 Jamaica Gal. Ingl. Maria
barris de vinho comum da
maior regulação
5:467$700

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1801
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
17 Mar Scott Idle de Sobradello 493 pipas de vinho da 924$000 Martinica Galera ingl. Mercúrio
maior regulação
20 Mai Thomas Parkin 815 pipas de vinho da 1:630$000 Martinica Galera ingl.Mercurio
maior regulação
20 Mai Thomas Parkin 12 barricas de vinho da 12$000 Martinica Galera ingl. Carlota
maior regulação
228 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


2 Jun Scott Idle de Sobradello 362 pipas de vinho comum 766$000 Martinica Galera ingl. Fantasia
e 44 barricas de vinho da
maior regulação
3 Jun Scott Idle de Sobradello 549 pipas de vinho da 1:098$000 Martinica Galera ingl. Fantasia
maior regulação
3 Jun Scott Idle de Sobradello 32 barricas de vinho da 32$000 Martinica Galera ingl. Integridade
maior regulação
19 Ago Thomas Parkin 5 pipas de vinho comum 9$000 West Indies Esc. a amer. Delnora
31 Ago Cap. Mateus Pereira 18 pipas de vinho comum 33$000 Martinica Esc. amer. Delnora
Machado
10 Set Sarg. Mor Estulano Oliv.a 5 pipas de vinho comum 9$000 Nova Escócia Esc. ingl. [Desker]
10 Set Thomas Parkin 13 pipas de vinho comum 23$400 Nova Escócia Esc. ingl. [Descker]
25 Nov Thomas Parkin 5 pipas de vinho comum 9$000 Barbados Esc. amer. [?]
25 Nov Diversos (portugueses) 197 pipas de vinho comum 354$600 Guernesey Ber.m amer. Amatilde
25 Nov Scott Idle de Sobradello 228 pipas de vinho da 456$000 Jamaica Ber.m ingl. Emiralda
maior regulação
5:356$000

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1802
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
3 Abr Mateus Pereira Machado 12 pipas de vinho comum 21$600 Terra Nova Esc. ing. Amigos
5 Mai Scott Idle de Sobradello 84 pipas de regulação de 777$200 Jamaica Galera ing. Montego
vinho comum e 313 pipas Bay
de vinho da maior regu-
lação
29 Mai Domingos de Sousa 150 pipas de vinho comum 270$000 Madrasta Galera ingl. Cornualha
16 Jun Inácio Soares de Sousa 15 pipas de vinho comum 27$000 Nova Escócia Esc. ingl. Antelope
19 Jun Estolano Inácio de Oliv.a 14 pipas de vinho comum 25$200 Nova Escócia Esc. ingl. Antelope
21 Jun F.co Pays Mendonça & C.ª 9 pipas e meia de vinho 17$100 Nova Escócia Esc. Ingl. Antelope
comum
23 Jun Thomas Parkin 13 pipas de vinho comum 23$400 Nova Escócia Esc. ingl. Antelope
14 Jul F.co Pays Mendonça & C.ª 21 pipas e meia de vinho 37$800 Halifax Ber.m ingl. Venus
comum
19 Jul Jerónimo Sebastião Brum 17 pipas e meia de vinho 30$600 Halifax Ber.m ingl. Vénus
da Silveira comum
19 Jul Vicente Manuel Rouçado 17 pipas e meia de vinho 30$600 Halifax Ber.m ingl. Vénus
comum
19 Jul Thomas Parkin 15 pipas de vinho comum 27$000 Halifax Ber.m ingl. Vénus
17 Ago Thomas Parkin 6 pipas e 3 barris de 4 por 12$150 Martinica Esc. ingl. Linner
pipa de vinho comum
1:299$650
Ricardo Manuel Madruga da Costa 229

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1803
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
2 Abr Diversos (portugueses) 77 pipas de vinho comum 138$600 Halifax Ber.m ingl. Triton
2 Abr Thomas Parkin 35 pipas de vinho comum 63$000 Halifax Ber.m ingl. Triton
26 Abr Diversos (portugueses) 15 pipas de vinho comum 27$000 Terra Nova Esc. ingl. Squid
26 Abr António Graham 19 pipas de vinho comum 34$200 Terra Nova Esc. ingl. Squid
26 Abr Thomas Parkin 9 pipas de vinho comum 16$200 Terra Nova Esc. ingl. Squid
14 Jul Thomas Parkin 17 pipas de vinho comum 30$600 Nova Escócia Esc. ingl. Providencia
25 Ago Mateus Pereira Machado 20 pipas de vinho comum 36$000 Terra Nova Ber.m ing. Industria
Aço [Hasse]
25 Ago António Graham 20 pipas de vinho comum 36$000 Terra Nova Ber.m ingl. Industria
25 Ago Thomas Parkin 12 pipas de vinho comum 21$600 Terra Nova Ber.m ingl. Industria
26 Ago Scott Idle de Sobradello 383 pipas de vinho comum 911$400 Antigua Galera ingl. Integridade
da regulação desta ilha,
111 pipas de vinho comum
de maior regulação desta
ilha
27 Ago Diversos (portugueses) 14 pipas e ¾ de vinho 27$450 West Indies Esc. amer. João
comum
27 Ago Thomas Parkin 28 pipas e meia 51$300 West Indies Esc. amer. João
5 Nov Scott Idle de Sobradello 386 pipas de vinho de 772$000 Antigua Berg.m ingl. Paxton
maior regulação
2:165$350

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1804
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
14 Mar Guilherme Greaves 15 pipas de vinho comum 27$000 Barbados Galera ingl. Elisia
da regulação
14 Mar Scott Idle de Sobradello 500 pipas de vinho de 1:000$000 Barbados Galera ingl. Elisia
maior regulação
13 Abr Scott Idle de Sobradello 91 pipas de vinho de maior 468$200 Tobago Corveta ingl. Kingston
regulação; 159 pipas de e Trinidad
vinho comum da regulação
14 Mai Scott Idle de Sobradello 187 pipas de vinho e 1 bar- 375$000 Santa Lúcia Galera ingl. Williamson
rica de vinho de maior e S. Vicente
regulação
230 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


4 Jul Diversos (portugueses) 49 pipas e meia de vinho 88$200 Terra Nova Ber.m ingl. Aventura
comum

4 Jul Thomas Parkin 1 pipa e meia de vinho 2$700 Terra Nova Ber.m ingl. Aventura
comum

16 Ago Diversos (portugueses) 19 pipas de vinho comum 34$200 Barbados Ber.m ingl. Towey

17 Ago Thomas Parkin 2 pipas de vinho comum 3$600 Barbados Ber.m ingl. Towey

17 Ago Francisco António 4 pipas de vinho comum 7$200 Barbados Ber.m ingl. Towey

20 Ago Guilherme Greaves 24 pipas de vinho comum 43$200 Quebec Ber.m ingl. Lilly

20 Ago Thomas Parkin 5 pipas de vinho comum 9$000 Quebec Ber.m ingl. Lilly

2:058$300

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1805
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
5 Abr António Graham 38 pipas e meia de vinho 69$300 Liverpool Ber.m ingl. Fénix
comum

26 Jul Diversos (portugueses) 35 pipas e meia, 1 barril de 64$350 Barbados Chalupa amer. Polly
vinho comum

1 Out Diversos (portugueses) 27 pipas de vinho 48$600 Terra Nova Galera ingl. Antelope
comum

19 Out Scott Idle de Sobradello 441 pipas de maior regu- 920$000 Barbados Galera ingl. União
lação; 40 barricas de maior
regulação de vinho comum

26 Out Scott Idle de Sobradello 468 pipas de vinho comum 996$000 Barbados Galera ingl. Anna
de maior regulação; 60 bar-
ricas de vinho comum de
maior regulação

11 Dez Scott Idle de Sobradello 363 pipas de maior regu- 746$000 Dominica [?] Bridge
lação

2:844$250
Ricardo Manuel Madruga da Costa 231

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1806
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
18 Mar Scott Idle de Sobradello 355 pipas de vinho comum 783$800 [?] Ber.m ingl. Leviathan
de maior regulação; 62
barricas de vinho comum
da regulação; 40 barris de
vinho comum de regulação
21 Abr Scott Idle de Sobradello 298 pipas de vinho comum 700$500 Barbados Galera ingl. Sibila
de maior regulação; 20
pipas de vinho comum da
regulação; 94 barricas de
vinho comum de maior
regulação; 5 barricas de
vinho comum da regulação
21 Abr Floriano José 4 pipas de vinho comum 7$200 Barbados Galera ingl. Sibila
2 Set Daniel Thomas Curry 1 pipa de vinho comum 1$800 West Indies Brigue ingl. [?]
12 Set Thomas Parkin 1 pipa de vinho comum 1$800 Terra Nova Esc. ingl. Infatigável
1:495$100

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1807
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
9 Fev Scott Idle de Sobradello 1 pipa de vinho comum 1$800 Londres Ber.m ingl. Minerva
1 [?] Scott Idle de Sobradello 40 pipas e meia de vinho 682$900 Barbados Galera ingl. Sibila
comum; 305 pipas de vinho
de maior regulação
10 jun Scott Idle de Sobradello 99 pipas de vinho comum 273$600 Tobago Ber.m ingl. Passeio
da maior regulação; 42 pi- Dourado
pas e 2 barricas de vinho
comum da regulação
24 Jul Diversos (portugueses) 6 pipas de vinho comum 10$800 Nova Escócia Ber.m ingl. Tritão
24 Jul Daniel Thomas Curry 15 pipas de vinho comum 27$900 Halifax Ber.m ingl.Tritão
22 Jul Scott Idle de Sobradello 461 pipas e meia de vinho 923$000 Suriname Galera ingl. [?]
comum da maior regulação
1:920$000
232 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1808
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
15 Mar Scott Idle de Sobradello 501 pipas de vinho comum 1:645$000 São Vicente Galera ingl. Izabel
de maior regulação; 41 bar-
ricas de vinho comum de
maior regulação; 22 barris
de vinho comum de maior
regulação

1 Dez Scott Idle de Sobradello 209 pipas de vinho comum 430$000 Suriname Ber.m ingl. [?]
de maior regulação; 12 bar-
ricas de vinho comum de
maior regulação

2:075$000

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1809
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
4 Mai Scott Idle de Sobradello 531 pipas de vinho comum 1:100$000 Barbados Galera ingl. Cora
de maior regulação; 48 bar-
ricas de vinho comum de
maior regulação

4 Mai Scott Idle de Sobradello 472 pipas de vinho comum 973$600 Barbados Galera ingl. Vestal
de maior regulação; 20 bar-
ricas de vinho comum de
maior regulação; 496 pipas
de vinho comum de maior
regulação

26 Mai Scott Idle de Sobradello 496 pipas de vinho comum 997$400 Barbados Galera ingl. Clio
de maior regulação; 2 pipas
de regulação

26 Mai Scott Idle de Sobradello 310 pipas de vinho comum 648$700 Santa Luzia Ber.m ingl. Elizia
de maior regulação; 26 bar-
ricas de maior regulação;
3 barricas de regulação

12 Jun José Francisco Terra 19 pipas e meia de vinho 35$100 Gibraltar Escuna ingl. Marinheiro
comum
Ricardo Manuel Madruga da Costa 233

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


15 Jul Scott Idle de Sobradello 3 pipas de vinho de maior 13$200 Dublin Galera amer. Águia
regulação; 4 pipas de vinho
de regulação
12 Ago Sérgio Pereira Ribeiro 39 pipas de vinho comum 70$200 Quebec Ber.m ingl. Surrey
21 Out Thomas Parkin 30 pipas de vinho comum 54$000 Terra Nova Esc. ingl. Infatigável
10 Nov Thomas Reay 313 pipas de vinho comum 563$400 Londres Ber. m ing. Guilherme
4:455$600

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1810
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
3 Fev Scott Idle de Sobradello 100 barricas de vinho co- 140$000 Trindade Ber.m ingl. Fama
mum de maior regulação;
20 pipas de vinho comum
de maior regulação
13 Fev Scott Idle de Sobradello 203 pipas de vinho de 406$000 West Indies Ber.m ing. Infatigável
maior regulação
31 Mar Scott Idle de Sobradello 560 pipas de vinho comum 1:120$000 Martinica Galera ingl. Eleonor
de maior regulação
2 Abr João Sebastião Correia 1 pipa e 2 barricas de vinho 3$600 Londres Ber.m ingl. Horion
comum
17 Mai Giovani Galfetti 4 pipas de vinho comum 7$200 Londres Galera ing. Orlando
21 Mai Giovani Galfetti 1 pipa de vinho comum 1$800 Londres Galera ing. Orlando
30 Mai Scott Idle de Sobradello 62 pipas de vinho comum 749$000 Portsmouth Ber.m ingl. Aldernei
de maior regulação; 25
barris de vinho comum de
maior regulação
16 Jun De Subradello 120 barris de vinho comum 54$000 India
23 Jun Scott Idle de Sobradello 300 pipas de vinho comum 645$000 Trindade Ber.m ingl. Pallas
de maior regulação; 25 pi-
pas de regulação de vinho
comum
21 Jul Thomas Reay & C.ia 520 pipas de vinho comum 936$000 Plymouth Galera ingl. James
24 Jul Scott Idle de Sobradello 150 pipas de vinho comum 270$000 Londres Galera port. Urania
20 Out Thomas Parkin 20 pipas de vinho 36$000 Terra Nova Esc. ingl. Infatigável
29 Nov Domingos Knoth 60 pipas de vinho comum 108$000 Calecute Ber.m amer. [?]
4:476$600
234 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1811
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
3 Jan Thomas Reay & C.ia 100 pipas de vinho comum 180$000 Inglaterra Ber.m ingl. Helen
30 Jan Thomas Reay & C.ia 100 pipas de vinho comum 180$000 Inglaterra Ber.m ingl. Helen
5 Fev Thomas Reay & C.ia 100 pipas de vinho comum 180$000 Inglaterra Ber.m ingl. Helen
9 Fev Thomas Reay & C.ia 20 pipas de vinho comum 36$000 Londres Ber.m ingl. Helen
10 Fev Thomas Reay & C.ia 50 pipas de vinho comum 90$000 Inglaterra Ber.m ingl. Industria
28 Fev Thomas Reay & C.ia 37 pipas de vinho comum 66$600 Londres Ber.m ingl. Industria
7 Mai Thomas Parkin 40 pipas de vinho comum 72$000 Nova Escócia Ber.m ingl. Cambria
8 Mai Thomas Reay & C.ia 40 pipas de vinho comum 72$000 Nova Escócia Ber.m ingl. Cambria
10 Mai Thomas Reay & C.ia 50 pipas de vinho comum 90$000 Nova Escócia Ber.m ingl. Cambria
11 Mai Thomas Reay & C.ia 30 pipas de vinho comum 54$000 Nova Escócia Ber.m ingl. Cambria
6 Jul Thomas Reay & C.ia 250 pipas de vinho comum 450$000 West Indies Galera ingl. Syrea
6 Jul Thomas Reay & C.ia 250 pipas de vinho comum 450$000 West Indies Galera ingl. Mentor
16 Jul Thomas Reay & C.ia 250 pipas de vinho comum 450$000 West Indies Galera ingl. Syrea
16 Jul Thomas Reay & C.ia 250 pipas de vinho comum 450$000 West Indies Galera ingl. Mentor
27 Jul Thomas Reay & C.ia 54 pipas de vinho comum 97$200 West Indies Galera ingl. Syrea
27 Jul Thomas Reay & C.ia 66 pipas de vinho comum 118$800 West Indies Galera ingl. Mentor
14 Dez Thomas Reay & C.ia 20 pipas de vinho passado 200$000 Londres Esc. ingl. Izabel Cornelia
16 Dez Thomas Reay & C.ia 20 pipas de vinho passado 200$000 Londres Esc. ingl. Izabel Cornelia
17 Dez João Sebastião Correia 1 pipa de vinho comum 1$800 Londres Esc. ingl. Izabel Cornélia
20 Dez Thomas Reay & C.ia 60 pipas de vinho comum 108$000 Londres Esc. ingl. Izabel Cornélia
3:546$400

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1812
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
3 Abr John Grayson 400 pipas de vinho comum 360$000 Londres Galera port. Urania
1 Jul Thomas Reay & C.ia 200 pipas de vinho comum 360$000 Bermuda Galera ingl. Phoenix
4 Jul Thomas Reay & C.ia 160 pipas de vinho comum 288$000 Londres Ber.m ingl. Jane
13 Jul Thomas Reay & C.ia 7 pipas de vinho comum 12$600 Londres Ber.m ingl. Jane
8 Ago Thomas Reay & C.ia 150 pipas de vinho 270$000 Londres Ber.m ingl. Britannia
13 Ago Thomas Reay & C.ia 150 pipas de vinho comum 270$000 Londres Ber.m ingl. Britannia
27 Ago Thomas Reay & C.ia 27 pipas de vinho comum 48$000 Londres Ber.m ingl. Britannia
1:608$600
Ricardo Manuel Madruga da Costa 235

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1813
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
4 Mai João Grayson 698 pipas de vinho comum 1:256$400 Barbados Galera ingl. Caledonia
da regulação
15 Out Thomas Hayes 1 pipa de vinho comum 2$700 Londres (via Caíque port. S.to Antó-
S. Miguel) nio e Almas
1:259$100

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1814
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
27 Jun Thomas Reay & C.ia 165 pipas de vinho comum 297$000 Barbados Galera ingl. British Tar
de regulação
27 Jun António Sebastião Cor- 646 pipas de vinho comum 1:762$800 Barbados Galera ingl. British Tar
reia de regulação
27 Jun Diversos (portugueses) 2 pipas e meia de vinho 4$500 Barbados Galera ingl. British Tar
comum
30 Abr António Sebastião Cor- 781 pipas de regulação de 1:405$800 Halifax Galera ingl. Oceano
reia vinho comum
3:470$100

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1815
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
31 Jul Diversos (portugueses) 39 pipas de vinho comum 70$200 Bath Escuna amer. Azora
1 Ago Tomas Parkin 1 pipa de vinho comum 1$800 Bath Escuna amer. Azora
2 Ago João B. Dabney 10 pipas e 12 meias pipas 28$800 Bath Escuna amer. Azora
de vinho comum
4 Ago Diversos (portugueses) 22 pipas de vinho comum 39$600 Bath Escuna amer. Azora
25 Nov Thomas Parkin 50 pipas de vinho comum 90$000 Halifax Brigue ingl. [?]
230$400
236 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1816
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
14 Mar John B. Dabney 17 pipas de vinho comum 30$600 Bath Escuna amer. Despacho
20 Mar José Curry Câmara Cabral 18 pipas de vinho comum 33$300 Bath Escuna amer. Despacho
20 Mar Daniel Tomas Curry 8 pipas e meia de vinho 15$300 Bath Escuna amer. Despacho
comum
20 Mar José Francisco Terra 17 pipas de vinho comum 31$050 Bath Escuna Despacho
Brum
20 Mar Sérgio Pereira Ribeiro 6 pipas e 1 quarto de vinho 11$150 Bath Escuna amer. Despacho
comum
20 Mar Tomas Parkin 20 pipas de vinho comum 36$000 Bath Escuna amer. Despacho
7 Jun António Sebastião Correia 340 pipas de vinho comum 612$000 Jamaica Ber.m ingl. Irmãs
2 Jul João B. Dabney 260 pipas de vinho comum 468$000 Índia (qual- Galera amer. Frances
quer porto)
2 Jul Sérgio Pereira Ribeiro 70 pipas de vinho comum 126$000 Índia (qual- Galera amer. Frances
quer porto)
2 Jul João Lourenço de Sousa 70 pipas de vinho comum 126$000 Índia (qual- Galera amer. Francês
quer porto)
2 Jul Francisco da Terra Brum 100 pipas d vinho comum 180$000 Índia (qual- Galera amer. Frances
quer porto)
11 Jul Diogo Searle 8 pipas de vinho comum 14$400 Londres Esc. ingl. Antoinette
24 Jul Thomas Parkin 44 pipas de vinho comum 79$200 Nova Escócia Esc. ingl. Eliza
24 Jul Jorge Botelho 3 pipas de vinho comum 5$400 Nova Escócia Esc. ingl. Eliza
7 Set Mateus Pereira do Amaral 10 pipas e meia de vinho 18$900 Londres Ber.m ingl. Celina
comum
7 Set António Sebastião Correia 332 pipas de vinho comum 597$600 Londres Ber.m ingl. Celina
2:384$900

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1817
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
15 Abr Domingos Knoth 30 pipas de vinho comum 54$000 Liverpool Ber.m ingl. Jane
15 Abr Guilherme Grant 1 pipa de vinho comum 1$800 Liverpool Ber.m ingl. Jane
15 Abr António Sebastião Correia 359 pipas e meia de vinho 647$100 Londres Ber.m ingl. Anna
de regulação
Ricardo Manuel Madruga da Costa 237

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


29 Abr Guilherme Grant 52 pipas de vinho comum 93$600 Quebec Galera ingl. Sufolk
29 Abr António Sebastião Correia 25 pipas de vinho comum 45$000 Quebec Galera ingl. Sufolk
30 Abr John B. Dabney 75 pipas de vinho comum 135$000 Bath Escuna amer. Experiment
19 Mai Domingos Knoth 46 pipas de vinho comum 82$800 Bath Brigue amer. Hope
19 Mai José Curry Câmara Cabral 15 pipas de vinho comum 27$000 Bath Brigue amer. Hope
30 Mai António Sebastião Correia 100 pipas de vinho comum 180$000 Ilhas Galera ingl. Sapho
Maurícias
30 Mai José Curry Câmara Cabral 105 pipas de vinho comum 189$900 Ilhas Galera ingl. Sapho
Maurícias
18 Ago António Sebastião Correia 300 pipas de vinho comum 540$000 Londres Ber.m ingl. Elizabeth
28 Ago António Sebastião Correia 412 pipas de vinho comum 741$600 [?] Ber.m ingl. Ernest
10 Set Thomas Parkin 30 pipas de vinho comum 54$000 [?] Ber.m ingl. James e Maria
12 Set Diogo Searle e C.ia 350 pipas de vinho comum 630$000 Calcutá Galera ingl. Caledonia
12 Nov António Sebastião Correia 165 pipas de vinho de 297$000 Londres Esc. ingl. Maria e Anna
regulação
23 Dez Diogo Searle e C.ia 70 pipas de vinho comum 126$000 West Indies Esc. ingl. Waltham
23 Dez Jorge Botelho 2 pipas de vinho comum 3$600 West Indies Escuna ingl. Waltham
3:848$400

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1818
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
9 Jan Thomas Parkin 2 pipas de vinho comum 3$600 Jersey Ber.m ingl. Cora
15 Jan Domingos Knoth 90 pipas e 20 barricas de 180$000 Londres Esc. ingl. Carlos
vinho comum
17 Jan Diogo Searle e C.ia 6 pipas e 1 barril de vinho 11$250 Londres Ber.m ingl. Queen
comum
17 Jan João Inácio de Sousa ½ pipa de vinho comum $900 Londres Berg.m ingl. Queen
17 Jan António Sebastião Correia 101 pipas de vinho comum 181$800 Londres Berg. M ingl. Queen
16Mar João B. Dabney 400 pipas de vinho comum 720$000 India Galera amer. Frances
29 Abr Mateus Pereira Machado 40 pipas de vinho comum 72$000 Nova Escócia Esc. ingl. Prudência
Hasse
9 Mai Diogo Searle e C.ia 69 pipas de vinho comum 124$200 Londres Esc. ingl. Dois Amigos
238 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


18 Mai Domingos Knoth 15 pipas e meia de vinho 27$900 Liverpool Esc. ingl. Fame
comum
18 Mai Diogo Searle e C.ia 4 pipas de vinho comum 7$200 Liverpool Esc. ingl. Fame
18 Mai André Francisco Goulart 5 pipas e meia de vinho 9$900 Liverpool Esc. ingl. Fame
comum
16 Jun António Sebastião Correia 260 pipas de vinho comum 468$000 [?] Ber.m ingl. Nile
30 Jun Diogo Searle e C.ia 80 pipas de vinho comum 144$000 Londres Ber.m ingl. Expedição
30 Jun Daniel Thomas Curry 16 pipas e 16 barricas de 43$200 Londres Ber.m ingl. Expedição
vinho comum
30 Jun Domingos Knoth 11 pipas de vinho comum 19$800 Londres Ber.m ingl. Expedição
30 Jun José Francisco de Medeiros 2 pipas de vinho comum 3$600 Londres Berg.m ingl. Expedição
30 Jun Guilherme [Beagle] 8 pipas de vinho comum 14$400 Londres Berg.m ingl. Expedição
20 Jul Thomas Parkin 14 barricas de vinho comum 12$600 Terra Nova Esc. ikngl. Nancy
17 Set Thomas Parkin 10 pipas de vinho comum 18$000 S. João Esc. ingl. Nancy
do Banco
5 Dez Thomas Parkin 16 pipas de vinho comum 28$800 Inglaterra Berg.m ingl. [Sprinkly]
5 Dez Diogo Searle e C.ia 3 pipas de vinho comum 5$400 Inglaterra Berg.m ingl. [Sprinkly]
5 Dez John B. Dabney 18 pipas e 4 barricas de 36$000 Inglaterra Berg.m ingl. [Sprinkly]
vinho comum
17 Dez António Sebastião Correia 190 pipas de vinho comum 342$000 Londres Berg.m ingl. Jane
18 Dez Diogo Searle e C.ia 4 barricas de vinho 3$600 Liverpool Esc. ingl. Prudência
18 Dez John B. Dabney 55 barricas de vinho 49$500 Liverpool Esc. ingl. Prudência
2:527$650

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1819
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
21 Jan Thomas Parkin 18 pipas de vinho comum 32$400 Greenock Esc. ingl. Nancy
18 Mar John B. Dabney 35 meias pipas de vinho 32$400 Irlanda Esc. ingl. Maria
comum
26 Abr Diogo Searle e C.ia 140 pipas de vinho comum 252$000 Inglaterra Berg.m ingl. Isla
24 Mai António Sebastião Correia 204 pipas de vinho comum 357$200 Londres Berg.m ingl. Jane
28 Mai John B. Dabney 25 pipas e 14 barricas de 58$500 Londres Galera ingl. Victoria
vinho comum
Ricardo Manuel Madruga da Costa 239

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


5 Jun João Guilherme Sergeant 2 pipas de vinho comum 3$600 Cork Esc. ingl. Prudência
5 Jun João Carley 57 pipas de vinho comum 102$600 Cork Esc. ingl. Prudência
5 Jun Mateus Pereira Machado 2 pipas de vinho comum 3$600 Cork Esc. ingl. Prudência
7 Jul Thomas Parkin 30 pipas de vinho comum 54$000 Jamaica Brigue ingl. Carlos
17 Jul Domingos Knoth 8 pipas de vinho comum 14$400 Gibraltar Ber.m amer. Independencia
17 Jul Thomas Parkin 16 pipas de vinho comum 28$800 Gibraltar Ber.m amer. Independencia
22 Jul Raulino Pereira Galvão 30 pipas de vinho comum 54$000 Luth Esc. ingl. Nancy
16 Ago Diogo Searle e C.ia 103 pipas de vinho comum 185$400 Londres Berg.m ingl. [?]
31 Ago John B. Dabney 37 pipas e 4 barricas de 70$200 Liverpool Esc. ingl. Prudência
vinho comum
31 Ago João Carley 19 pipas de vinho comum 34$200 Liverpool Esc. ingl. Prudência
25 Set John B. Dabney 80 pipas de vinho comum 72$000 Falmouth Ber.m ingl. Helena
25 Set John B. Dabney 40 pipas de vinho comum 36$000 Gibraltar Chalupa ingl. Especulação
22 Nov Tomás Joaquim de Castro 60 pipas de vinho comum 108$000 Londres Chalupa ingl. Especulação
27 Nov Diversos (portugueses) 110 pipas de vinho comum 180$000 Dublin Galeota Han. Juffer
27 Nov Joaquim António da Silveira 46 pipas e 8 meias pipas 13$260 Cork Chalupa José
de vinho comum
30 Nov João Carley 14 pipas de vinho comum 25$200 Liverpool Esc. ingl. Euterpe
30 Nov Diversos (portugueses) 5 pipas de vinho comum 9$000 Dublin Galeota Han. Juffer
1:726$760

Exportações de vinho do Pico para a Inglaterra e colónias


Ano de 1820
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
5 Fev João Carley 10 pipas de vinho comum 18$000 Dublin Berg.m ingl. Helen
10 Mar António Sebastião Correia 360 pipas de vinho 720$000 Downs Berg.m ingl. Perseverança
10 Mar José Maciel de Bettencourt 80 pipas de vinho comum 144$000 Londres Ber.m ingl. Paquete de
Londres
28 Mar Carlos Guilherme Dabney 160 pipas de vinho 320$000 Cork Esc. ingl. June
7 Abr António Sebastião Correia 50 pipas de vinho comum 100$000 Londres Esc. ingl. Unidade
14 Abr Diogo Searle e C.ia 140 pipas de vinho comum 280$000 Londres Esc. ingl. Zefir
9 Mai Thomas Parkin 21 pipas de vinho comum 37$800 Terra Nova Berg.m ingl. [?]
240 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


10 Mai João Carley 60 pipas de vinho comum 120$000 Irlanda Chalupa ingl. Eliza
16 Mai Daniel Thomas Curry 23 pipas de vinho comum 41$400 Cork Chalupa ingl. Joseph
5 Jun João B. Dabney 136 pipas de vinho comum 244$800 Bath Brigue escuna amer.
Pilgrim
7 Jun Thomas Parkin 14 barricas e 4 barris de 16$000 Terra Nova Esc. ingl. Mercúrio
vinho comum
8 Jun João Carley 34 pipas de vinho comum 61$200 Halifax Esc. ingl. Luís
17 Jun José Severino de Avelar 5 pipas de vinho comum 10$000 Terra Nova Chalupa ingl. Virgem
17 Jun Sérgio Pereira Ribeiro 2 pipas de vinho comum 4$000 Terra Nova Chalupa ingl. Virgem
13 Jul Diogo Searle e C.ia 66 pipas e meia de vinho 133$000 Londres Esc. ingl. Hera
comum
13 Jul Mateus Pereira do Amaral 50 pipas de vinho comum 100$000 Londres Esc. ingl. Hera
19 Jul John B. Dabney 10 pipas de vinho comum 20$000 Irlanda Chalupa ingl. Joseph
24 Jul Thomas Parkin 22 pipas de vinho 44$000 Terra Nova Escuna ingl. Nancy
31 Jul Thomas Parkin 22 pipas de vinho comum 44$000 Londres Galera ingl. Sara
8 Ago Thomas Parkin 16 pipas, 10 barricas e 6 47$400 Halifax Esc. ingl. Mariana
barris de vinho comum
8 Ago Carlos Guilherme Dabney 35 pipas e 97 barricas de 167$000 Liverpool Esc. ingl. Maria
vinho comum
30 Ago Diogo Searle e C.ia 75 pipas de vinho 150$000 Londres Esc. ingl. Unidade
31 Ago José Severino de Avelar 15 pipas de vinho comum 30$000 Terra Nova Chalupa ingl. Virgem
7 Set John B. Dabney 50 pipas de vinho comum 100$000 Santo Ber.m amer. Bolton
Eustácio
15 Set John B. Dabney 35 pipas de vinho comum 70$000 Bath Brigue escuna Pilgrim
27 Set Diogo Searle e C.ia 75 pipas de vinho comum 150$000 West Indies Chalupa ingl. Liberdade
28 Set John B. Dabney 50 pipas de vinho comum 100$000 Londres Esc. ingl. Maria
30 Set Raulino Pereira Galvão 38 pipas e 47 barricas de 123$000 Luth Esc. ingl. Marta
vinho comum
2 Out John B. Dabney 38 pipas de vinho comum 76$000 Liverpool Chalupa ingl. Oceano
3 Out João Carley 20 pipas de vinho comum 40$000 Liverpool Chalupa ingl. Oceano
27 Out João Carley 20 pipas de vinho comum 41$800 Halifax Esc. ingl. Carlton
2 Nov João Carley 20 pipas de vinho comum 41$800 Liverpool [?] Euterpe
15 Nov Carlos Guilherme Dabney 90 pipas de vinho comum 180$000 Barbados Esc. ingl. Maria
30 Dez Diogo Searle e C.ia 90 pipas de vinho comum 180$000 Barbados Chalupa ingl. Liberdade
3:955$200
Ricardo Manuel Madruga da Costa 241

ANEXO II

Exportações de vinho do Pico para os EUA


1800-1820

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1800
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
20 Jan Diversos (portugueses) 108 pipas e meia, 7 bar- 214$670 New York Esc. Ingl. Arleen
ricas e 10 barris de vinho
comum
9 Abr Sérgio Pereira Ribeiro 80 pipas de vinho comum  14$000 Charleston Galera amer. Elizia
23 Set Sérgio Pereira Ribeiro 113 pipas de vinho comum 203$400 Boston Escuna amer. Nancy
432$070

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1801
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
6 Mar Diversos (portugueses) 108 pipas de vinho comum 194$400 Baltimore Berg.m ingl. Trio
6 Mar Thomas Parkin 72 pipas de vinho comum 129$600 Baltimore Berg.m ingl. Trio
23 Mai Diversos (portugueses) 50 pipas e meia, 1 barril de 91$350 New York Galera amer. Ranger
vinho comum
23 Mai Thomas Parkin 24 pipas de vinho comum 44$100 New York Galera amer. Ranger
19 Jun João Street d’Arriaga 2 pipas de vinho comum 3$600 New York Ber.m amer. Comercio
20 Jun João Street d’Arriaga 6 barris de vinho comum 2$700 New York Ber.m amer. Comercio
20 Jun António Telles e Lacerda 100 pipas de vinho comum 180$000 New York Ber.m amer. Comercio
4 Jul António Telles e Lacerda 100 pipas de vinho comum 180$000 New York Ber.m amer. Olimpus
825$750
242 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1802
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
20 Fev João Street 27 pipas de vinho comum 48$600 Boston Ber.m amer. Alligator
10 Mai João Street d’Arriaga 6 pipas de vinho comum 10$800 New York Escuna amer. Lively
15 Mai Diversos (portugueses) 53 pipas, 3 barris de vinho 96$300 Filadélfia Ber.m amer. Esperança
comum
10 Jun João Street d’Arriaga 99 pipas e meia de vinho 179$100 Nantucket Chalupa amer. Hancok
comum
21 Ago Thomas Parkin 4 pipas de vinho comum 6$200 Boston Escuna amer. João
341$000

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1803
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
5 Mai António Graham 19 pipas de vinho comum 34$200 New York Escuna amer. Polly
5 Mai Diversos (portugueses) 22 pipas de vinho comum 39$600 New York Escuna amer. Polly
5 Ago João Street d’Arriaga 39 pipas, 1 barrica e 2 bar- 72$000 Boston Esc. Amer. Columbia
ris de vinho comum
26 Ago Diversos (portugueses) 60 pipas de vinho comum 108$000 Nantucket Chalupa amer. Juliana
26 Ago Thomas Parkin 14 pipas de vinho comum 25$200 Nantucket Chalupa amer. Juliana
279$000

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1804
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
16 Ago José Francisco da Terra 28 pipas de vinho comum 50$400 Salem Ber.m amer. Sukey
16 Ago José Francisco Terra 4 pipas de vinho comum 7$200 Salem Escuna amer. João
20 Ago António Graham 47 pipas e meia de vinho 85$500 Salem Escuna amer. João
comum
22 Ago Estacio Machado Dutra 1 pipa de vinho comum 1$800 Salem Escuna amer. João
Telles
9 Out Sérgio Pereira Ribeiro 5 pipas de vinho comum 9$000 New York Escuna amer. Jorge
Ricardo Manuel Madruga da Costa 243

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


7 Nov Diversos (portugueses) 80 pipas e meia de vinho 144$900 Salem Ber.m amer. Morning Star
comum
10 Nov João Street d’Arriaga 43 pipas de vinho comum 17$400 Filadélfia Ber.m amer. Esperança
10 Nov Sérgio Pereira Ribeiro 14 pipas de vinho comum 25$200 Filadélfia Ber.m amer. Esperança
15 Dez António Graham 17 pipas e meia de vinho 31$500 New York Galera amer. Pastora
comum
15 Dez Mateus Machado Hasse 11 pipas e 3 barris de 21$150 New York Galera amer. Pastora
vinho comum
15 Dez Sérgio Pereira Ribeiro 20 pipas de vinho comum 36$000 New York Galera amer. Pastora
430$050

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1805
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
7 Jan Diversos (portugueses) 95 pipas de vinho comum; 117$750 Charleston Ber.m port. União
1 pipa e meia de vinho
passado
29 Jan Diversos (portugueses) 14 pipas e meia de vinho 18$650 Charleston Ber.m port. União
comum; 1 barrica de vinho
passado
5 Abr António Graham 34 pipas de vinho comum 61$200 Salem Escuna amer. João
9 Abr João Street 55 pipas de vinho comum 106$200 Salem Escuna amer. João
25 Mai Sérgio Pereira Ribeiro 5 pipas e meia de vinho 10$450 Newbury Port Ber.m amer. Anna
comum; 1 barril de vinho
comum
314$250

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1806
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
31 Jan Guilherme Greaves 10 pipas de vinho comum 18$000 Boston Ber.m amer. Betsy
5 Mar Francisco Pereira Ribeiro 1 pipa de vinho comum 1$800 [Boston] Escuna amer. Betsy
12 Set Tomás Parkin 1 pipa de vinho comum 1$800 Boston Esc. Amer. Guilherme
14 Out Domingos Knox 22 pipas de vinho comum 39$600 Boston Esc. Amer. Guilerme
51$200
244 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1807
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
20 Abr Domingos Knox 41 pipas e meia de vinho 74$700 Boston Escuna amer. Pequena
comum Maria
20 Abr Sérgio Pereira Ribeiro 3 pipas de vinho comum 5$400 Boston Escuna amer. Pequena
Maria
20 Ago Domingos Knoth 74 pipas de vinho comum 133$200 Nantucket Chalupa amer. Anna
22 Set João B. Dabney 22 pipas de vinho comum 37$800 Boston Esc. Amer. Thomas
Jefferson
251$100

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1808
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
9 Mar Domingos Knoth 20 pipas de vinho comum 36$000 Boston Escuna amer. Mount
Hope
28 Abr Domingos Knoth 11 pipas de vinho comum 19$800 Boston Ber.m amer. Jackson
55$800

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1809
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
23 Mar Diversos (portugueses) 192 pipas de vinho comum 176$675 Charleston Ber.m port. Activo
29 Abr João Garcia do Rosário 27 pipas de vinho comum 48$600 Nantucket Ber.m amer. Águia
20 Mai Sérgio Pereira Ribeiro 90 pipas de vinho comum 162$000 New York Galera amer. Liberdade
20 Mai João Garcia do Rosário 60 pipas de vinho comum 108$000 New York Galera amer. Liberdade
25 Mai José Francisco da Terra 8 pipas de vinho comum 14$400 Nantucket Ber.m amer. Polly
Brum
25 Mai João Garcia do Rosário 10 pipas de vinho comum 18$000 Nantucket Ber.m amer. Polly
26 Mai João Lourenço Dias 1 pipa de vinho comum 1$800 Boston Escuna amer. Cinco Irmãos
29 Mai João Inácio Guterres 50 pipas de vinho comum 90$000 Nantucket Ber.m amer. Montezuma
29 Mai Sérgio Pereira Ribeiro 1 pipa de vinho comum 1$800 Nantucket Ber.m amer. Montezuma
Ricardo Manuel Madruga da Costa 245

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


31 Mai José Francisco da Terra 28 pipas de vinho comum 50$400 Boston Escuna amer. Cinco Irmãos
Brum
31 Mai Tomás Parkin 21 pipas de vinho comum 37$800 Boston Escuna amer. Cinco Irmãos
5 Jun José de Macedo 2 ppas de vinho comum 3$600 Boston Escuna amer. Saturno
7 Jun Sérgio Pereira Ribeiro 30 pipas de vinho comum 54$000 Filadélfia Galera amer. Belveder
10 Jun Domingos Knoth 23 pipas de vinho comum; 40$000 Boston Escuna amer. Saturno
5 pipas de vinho passado
em ancorotes
10 Jun Tomás Parkin 4 pipas de vinho comum 7$200 Boston Escuna amer. Saturno
10 Jun Francisco António de Su- 1 pipa de vinho comum 1$800 Filadélfia Galera amer. Minerva
bradello
24 Out Daniel Thomas Curry 12 barricas de vinho comum 17$100 Boston Ber.m amer. Joanna
3 Nov. Domingos Knoth 141 pipas de vinho comum; 297$600 Boston Ber.m amer. Joanna
8 barricas de vinho comum;
28 barris de vinho comum;
4 pipas de vinho passado
7 Dez João Street d’Arriaga 37 pipas de vinho comum 66$600 Filadélfia Escuna amer. Anna Elizia
7 Dez Tomas Parkin 42 pipas de vinho comum 75$600 Filadélfia Escuna amer. Anna Elizia
19 Dez Domingos Knoth 160 pipas de vinho comum 288$000 Boston Ber.m amer. Polly
1:560$975

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1810
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
15 Jan Domingos Knoth 123 pipas de vinho comum 221$400 Boston Ber.m amer. Polly
18 Jan Tomás Joaquim de Castro 7 pipas de vinho comum 12$600 New York Galera amer. Boreal
26 Jan António Oliveira Pereira 54 pipas de vinho comum 97$200 Charleston Galera amer. Juni
30 Jan Diogo de Oliveira 1 pipa de vinho comum 1$800 Richmond Escuna amer. Scuder
10 Fev António Oliveira Pereira 24 pipas de vinho comum 43$200 Boston Chalupa amer. James
13 Fev António Oliveira Pereira 18 pipas de vinho comum 32$400 Boston Chalupa amer. James
16 Fev José Bittancourt e Vas- 20 pipas de vinho comum 36$000 New York Galera amer. Criterion
concelos
19 Fev José Francisco Ferreira 1 pipa de vinho comum 1$800 Boston Chalupa amer. James
246 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


6 Abr Tomas Reay 36 pipas e meia de vinho 65$000 New York Galera amer. Columbia
comum
7 Abr Francisco da Silva Ribeiro 1 pipa de vinho passado 6$000 New York Galera amer. Columbia
10 Abr Guilherme Greaves 3 pipas de vinho comum 5$400 New York Galera amer. Columbia
14 Mai Teotónio Veríssimo de 16 pipas de vinho comum 28$800 Boston Ber.m amer. Joanna
Mendonça
24 Jul Tomas Reay & C.ia 120 pipas de vinho comum 216$000 New York Escuna amer. Laura
16 Ago Tomas Reay & C.ia 40 pipas de vinho comum 72$000 Boston Escuna amer. James
16 Ago Sérgio Pereira Ribeiro 2 barricas de vinho comum 1$800 Boston Ber.m Rosário
17 Ago José Bittancourt de Vas- 53 pipas de vinho comum 95$400 New York Escuna amer. [?]
concelos
5 Set Tomas Reay & C.ia 40 pipas de vinho comum 72$000 Nantucket Chalupa amer. Regulator
5 Set Tomas Parkin 24 pipas de vinho comum 43$200 Nantucket Chalupa amer. Regulator
10 Set Domingos Knoth 100 pipas de vinho comum 180$000 Boston Ber.m amer. Joanna
10 Set Domingos Knoth 65 pipas de vinho comum 117$000 Boston Escuna amer. Sally
10 Set Tomas Parkin 21 pipas de vinho comum 37$800 Boston Escuna amer. Sally
10 Set Diversos (portugueses) 28 pipas de vinho comum 50$400 Boston Escuna amer. Sally
12 Set José Bernardino de Sousa 2 pipas de vinho comum; 9$600 Boston Ber.m amer. Elena
Machado 1 pipa de vinho passado
13 Set Guilherme Greaves 3 pipas de vinho comum 5$400 Boston Escuna amer. Sally
14 Set Diversos (portugueses) 34 pipas de vinho comum 60$800 Boston Berg.m esp. Elena
14 Set Tomas Parkin 30 pipas de vinho comum 54$000 Boston Ber.m esp. Elena
15 Set Diversos (portugueses) 22 pipas de vinho comum 39$600 Boston Ber.m esp Elena
15 Set Domingos Knoth 8 pipas de vinho comum 14$400 Boston Escuna amer. Sally
15 Set Diversos (portugueses) 5 pipas de vinho comum 9$000 Boston Ber.m esp. Elena
23 Out Domingos Knoth 20 pipas de vinho comum 36$000 Boston Escuna amer. Resolução
23 Out João Baptista Dabney 5 pipas de vinho comum 9$000 Boston Escuna amer. Resolução
20 Nov Tomas Reay & C.ia 95 pipas de vinho comum 153$000 New York Escuna amer. Três Irmãos
24 Nov Domingos Knoth 20 pipas de vinho comum 36$000 New York Escuna amer. Três Irmãos
28 Nov Newman Curry & C.ia 1 pipa de vinho comum 1$800 New York Escuna amer. Três Irmãos
27 Nov Tomas Reay & C.ia 15 pipas de vinho comum 27$000 New York Escuna amer. Três Irmãos
27 Nov Manuel Inácio Coelho 1 pipa de vinho comum 1$800 New York Escuna amer. Três Irmãos
1:894$600
Ricardo Manuel Madruga da Costa 247

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1811
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
22 Fev Domingos Knoth 170 pipas de vinho comum 288$000 Boston Ber.m amer. Jane
21 Mar Domingos Knoth 130 pipas de vinho comum 234$000 Nantucket Escuna amer. Akros
11 Mai Domingos Knoth 30 pipas de vinho comum 54$000 Boston Escuna amer. Samuel
17 Jun Tomas Parkin 20 pipas de vinho comum 36$000 Boston Escuna amer. Combine
5 Jul Domingos Knoth 40 pipas de vinho comum 72$000 Boston Ber.m amer. Jane
5 Jul Domingos Knoth 40 pipas de vinho 72$000 Charleston Escuna amer. George
16 Jul Domingos Knoth 40 pipas de vinho 72$900 Boston Ber.m amer. Jane
7 Ago Domingos Knoth 20 pipas de vinho comum 36$000 Boston Ber.m amer. Argo
7 Ago Tomas Parkin 8 pipas de vinho comum 14$400 Boston Ber.m amer. Argo
28 Set Domingos Knoth 50 pipas de vinho comum 90$000 New York Galera amer. Huron
3 Out Tomas Reay & C.ia 60 pipas de vinho comum 108$000 New York Galera amer. Huron
7 Out Jorge Botelho 2 pipas de vinho comum 3$600 New York Galera amer. Huron
21 Out Domingos Knoth 40 pipas de vinho comum 72$000 New York Escuna amer. Liberdade
29 Out Domingos Knoth 10 pipas de vinho comum 18$000 New York Escuna amer. Liberdade
1:170$900

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1812
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
21 Jan Domingos Knoth 26 pipas, 4 barricas e 8 54$000 Wilmington Ber.m amer. Jane
barris de vinho comum
23 Jan José Francisco Terra 7 pipas de vinho comum 13$500 Wilmington Ber.m amer. Jane
18 Fev Guilherme Greaves 6 pipas de vinho comum 10$800 Boston Ber.m amer. Soberbo
27 Mai Estolano Oliveira 10 pipas de vinho comum 9$000 Boston Ber.m port. D. Maria
Teresa
27 Mai Domingos Knoth 30 pipas de vinho comum 27$000 Boston Ber.m port. D. Maria
Teresa
15 Set Estolano Oliveira 26 pipas e meia de vinho 23$850 Norfolk Escuna port. Notícia
comum Feliz
17 Out António de Oliveira 2 pipas de vinho comum 1$800 EUA Escuna port. D. Teresa
Pereira do Carmo
139$950
248 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1813
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
10 Jul Ségio Pereira Ribeiro 674 pipas de vinho comum 66$600 Boston Galera port. Flor do Mar
& Filho
66$600

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1815
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
9 Mar Daniel Tomas Curry 29 pipas de vinho comum 52$200 Salem Escuna amer. Despacho
12 Mai José Francisco Terra 2 pipas de vinho comum 3$600 Salem Escuna Despacho
4 Jul João B. Dabney 117 pipas de vinho comum 210$600 Boston Escuna amer. Patriota
18 Ago João B. Dabney 38 pipas de vinho comum 68$400 Boston Ber.m amer. General
Washington
21 Ago João B. Dabney 1 pipa e 2 barris de vinho 2$700 [?] Galera amer. Phobe
comum (na pesca da baleia)
22 Ago João Inácio de Sousa 20 pipas de vinho comum 36$000 Boston Ber.m amer. Francisca
e Anna
11 Set João Baptista Dabney 22 pipas e meia de vinho 40$500 Salem Galera amer. Jason
comum
25 Set João Baptista Dabney 9 pipas de vinho comum 16$200 Nantucket Ber.m amer. General
Washington
12 Out João Baptista Dabney 100 pipas de vinho comum 180$000 New York Escuna amer. Despacho
16 Out Tomas Joaquim de Castro 27 pipas de vinho comum 48$600 New York Escuna amer. Despacho
18 Out Daniel Tomas Curry 2 pipas de vinho comum 3$600 New York Escuna amer. Despacho
21 Out João B. Dabney 50 pipas de vinho comum 90$000 New York Escuna amer. Despacho
31 Out Tomas Parkin 50 pipas de vinho comum 90$000 Boston Brigue amer. Midas
11 Nov Teotónipo Verissimo de 12 pipas de vinho comum 21$600 Boston Brigue amer. Midas
Mendonça
15 Nov João Baptista Dabney 13 pipas de vinho comum 23$400 Boston Brigue amer. Midas
15 Nov Daniel Tomas Curry 5 pipas de vinho comum 7$000 Boston Ber.m amer. Midas
894$400
Ricardo Manuel Madruga da Costa 249

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1816
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
4 Jan Domingos Knoth 8 pipas de vinho comum 14$400 New York Escuna amer. Saly
5 Jan Diogo Searle 70 pipas de vinho comum 126$000 New York Escuna amer. Saly
5 Jan Tomas Parkin 32 pipas de vinho comum 57$600 New York Escuna amer. Saly
13 Jan Diogo Searle 22 pipas de vinho comum 38$700 New York Escuna amer. Saly
24 Jan João B. Dabney 30 pipas de vinho comum 54$000 Boston Escuna amer. Betsy
27 Jan Diogo Searle 63 pipas de vinho comum 121$980 Boston Escuna amer. Betsy
17 Abr John B. Dabney 32 pipas de vinho comum 57$600 Boston Ber.m amer. General
Washington
18 Abr Domingos Knoth 6 pipas de vinho comum 10$800 Boston Ber.m amer. General
Washigton
15 Mai John B. Dabney 26 pipas de vinho comum 46$800 Nantucket Brigue amer. Eagle
15 Mai Diogo Searle 5 barris de vinho comum 2$250 Nantucket Brigue amer. Eagle
27 Mai John B. Dabney 32 pipas de vinho comum 57$600 Boston Escuna amer. Combine
30 Mai Sérgio Pereira Ribeiro 5 pipas e ¾ de vinho 10$350 Boston Escuna amer. Combine
comum
31 Mai John B. Dabney 45 pipas de vinho comum 81$000 Boston Escuna amer. Combine
31 Mai Diversos (portugueses) 28 pipas de vinho comum 50$850 Boston Escuna amer. Combine
10 Ago Diogo Searle 170 pipas de vinho comum 306$000 Filadélfia Ber.m amer. Mariner
12 Nov Diogo Searle 18 pipas de vinho comum 32$400 Boston Ber.m amer. Cherub
28 Dez João B. Dabney 26 pipas de vinho comum 46$800 New York Escuna amer. Experiment
1:115$130

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1817
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
25 Jan John B. Dabney 20 pipas de vinho comum 36$000 Nantucket Brig amer. Eagle
6 Mar Diogo Searle 94 pipas de vinho comum 169$200 Filadélfia Ber.m amer. Mariner
12 Mai John B. Dabney 225 pipas de vinho da 405$000 New York Galera amer. Eliza
regulação
14 Mai Daniel Tomas Curry 20 pipas de vinho comum 36$000 New York Ber.m amer. Nancy
7 Jun Domingos Knoth 4 pipas de vinho comum 7$200 Filadélfia Ber.m amer. Suzan
Anna e Mary
250 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


19 Jun Tomas Joaquim de Castro 2 pipas de vinho comum 3$600 Nantucket Brigue amer. Eagle
19 Jun João B. Dabney 89 pipas de vinho comum 161$100 Nantucket Brigue amer. Eagle
19 Jun Tomas Parkin 72 pipas de vinho comum 129$600 Boston Chalupa ingl. Sophia
28 Ago João B. Dabney 82 pipas e ¼ de vinho 148$050 Filadélfia Ber.m amer. Susan e
comum Mary
15 Out Domingos Knoth 50 pipas de vinho comum 90$000 Nantucket Ber.m amer. General
Washington
4 Nov Domingos Knoth 10 pipas de vinho comum 9$000 Boston Ber.m port. D. Maria
Teresa
15 Nov Diogo Searle e C.ia 100 pipas de vinho comum 180$000 Baltimore Galera amer. Enterprise
20 Dez António Silveira Avelar 10 pipas de vinho comum 18$000 New York Escuna amer. Andrew
Jackson
1:392$750

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1818
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
25 Mai Domingos Knoth 55 pipas de vinho comum 99$000 New York Ber.m amer. George
Washington
28 Nov Diogo Searle e C.ia 100 pipas de vinho comum 180$000 New York Galera amer. Enterprise
28 Nov João B. Dabney 15 pipas de vinho 27$000 New York Galera amer. Enterprise
28 Nov João B. Dabney 116 pipas de vinho comum 208$800 New York Ber.m amer. George
Washington
2 Dez João B. Dabney 103 pipas de vinho comum 199$800 New Orleans Ber.m amer. Minerva
714$600

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1819
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
10 Abr João B. Dabney 33 pipas de vinho comum 59$400 New Orleans Escuna amer. Ruby
25 Mai João B. Dabney 60 pipas de vinho comum 108$000 Boston Ber.m amer. Boston
13 Jul Domingos Knoth 4 pipas e ¾ de vinho 8$550 Nantucket Ber.m amer. Alert
comum
Ricardo Manuel Madruga da Costa 251

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


13 Jul João B. Dabney 61 pipas de vinho comum 109$800 Nantucket Ber.m amer. Alert
28 Ago João B. Dabney 25 pipas de vinho comum 45$000 Boston Ber.m amer. Eduardo
28 Set António Silveira Avelar 20 pipas de vinho comum 2$560 Boston Ber. Amer. Boston
30 Set João B. Dabney 49 pipas de vinho comum 50$400 Boston Berg. amer. Boston
30 Set Tomas Joaquim de Castro 28 pipas de vinho comum 50$400 Boston Berg.m amer. Boston
434$110

Exportações de vinho do Pico para os EUA


Ano de 1820
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
4 Jan João B. Dabney 60 pipas de vinho comum 108$000 New York Brigue amer. Boston
31 Jan João B. Dabney 20 pipas de vinho comum 36$000 Norfolk Ber.m amer. Pilgrim
4 Mar João B. Dabney 92 pipas de vinho comum 165$600 Boston Escuna amer. Laurel
12 Mai João B. Dabney 120 pipas de vinho comum 256$000 Boston Brigue amer. Boston
24 Mai Diogo Searle & C.ia 120 pipas de vinho comum 240$000 New York Escuna amer. Champion
15 Jun João B. Dabney 70 pipas de vinho comum 126$000 Wilmington Ber.m amer. Bolton
28 Ago João B. Dabney 29 pipas de vinho comum 58$000 Nantucket Ber.m amer. Eduardo
15 Set Manuel Vieira Maciel 8 pipas de vinho comum 14$400 Boston Escuna amer. Planter
30 Set André Francisco Goulart 2 pipas e meia de vinho 21$000 Savana Escuna amer. Isabel
comum
18 Dez Diogo Searle & C.ia 25 pipas de vinho comum 50$000 Boston Brigue amer. Boston
18 Dez Domingos Knoth & C.ia 112 pipas de vinho comum 201$600 New York Briugue amer. Boston
1:276$000
252 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

ANEXO III

Exportações de vinho do Pico para a Rússia


1800-1820

Exportações de vinho do Pico para a Rússia


Ano de 1804
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
21 Mar Diversos (portugueses) 55 pipas e meia de vinho 53$100 Rússia Ber.m port. União
comum; 1 pipa de vinho
passado
28 Mar Diversos (portugueses) 80 pipas de vinho comum; 73$125 Rússia Ber.m port. União
1 barrica de vinho comum
28 Mar António Graham 11 pipas de vinho comum 9$900 Rússia Ber.m port. União
13 Abr João Inácio Guetrres 20 pipas de vinho comum 18$000 Rússia Ber.m port. União
7 Mai António Graham 42 pipas de vinho comum 37$800 Rússia Ber.m port. Vénus
7 Mai João Inácio Guterres 22 pipas de vinho comum 19$800 Rússia Ber.m port. Vénus
211$725

Exportações de vinho do Pico para a Rússia


Ano de 1810
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
4 Jun Domingos Knoth 116 pipas de vinho comum 208$800 Rússia Galera amer. Huron
7 Jun Domingos Knoth 13 pipas e meia de vinho  24$300 Rússia Galera amer. Huron
comum
233$100

Exportações de vinho do Pico para a Rússia


Ano de 1813
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
9 jun Francisco Lopes 2 pipas de vinho comum 1$800 Rússia Escuna port. D. Teresa
do Carmo
9 Jun Tomas Reay & C.ia 3 pipas de vinho comum 2$700 Rússia Escuna port. D. Teresa
do Carmo
11 Jun António de Oliveira 110 pipas e meia de vinho 99$000 Rússia Escuna port. D. Teresa
Pereira comum do Carmo
103$500
Ricardo Manuel Madruga da Costa 253

Exportações de vinho do Pico para a Rússia


Ano de 1814
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
29 Mar Francisco Lopes 2 pipas de vinho comum 1$800 Riga Escuna port. D. Teresa
do Carmo
31 Mar João Inácio de Sousa 26 pipas de vinho comum 23$000 Rússia Ber.m port. D. Maria
Teresa
31 Mar António de Oliveira 112 pipas de vinho comum; 113$625 Riga ou Escuna port. D. Teresa
Pereira 25 meias pipas de vinho outro porto do Carmo
comum; 6 barris e 2 anco- da Rússia
rotes de vinho comum
31 Mar Sérgio Pereira Ribeiro 364 pipas de vinho comum; 366$600 Portos Ber.m port. D. Maria
& Filho 7 pipas de vinho passado; da Rússia Teresa
2 pipas de vinho de lavagem
30 Abr António Sebastião 508 pipas de vinho comum; 952$200 S. Peters- Barca russa Urov
Correia & C.ia 42 meias pipas de vinho burgo Margarita
comum
5 Jul António Sebastião Correia 325 pipas de vinho comum 591$000 Portos do Mar Ber-m sueco Maria
do Norte Carolina
8 Jul Tomas Reay & C.ia 160 pipas de vinho comum 288$000 Riga Ber.m russo Elizabeth
18 Jul António Sebastião Correia 160 pipas de regulação de 288$000 Riga Ber.m russo Elizabeth
& C.ia vinho comum
23 Jul Tomas Reay & C.ia 70 pipas de vinho comum; 126$900 Riga Ber.m russo Elizabeth
1 barrica de vinho comum
2:751$125

Exportações de vinho do Pico para a Rússia


Ano de 1815
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
16 Abr Tomas Luís da Silveira 1 pipa e meia de vinho 1$350 Rússia Ber.m port. D. Maria
comum Teresa
18 Abr José Francisco da Terra 6 pipas de vinho comum 5$400 Rússia Ber.m port. D. Maria
Brum Teresa
19 Abr Diversos (portugueses) 146 pipas de vinho comum; 210$540 S. Peters- Ber.m port. D. Maria
2 meias pipas de vinho burgo Teresa
comum; 24 pipas de vinho
meio passado;
254 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


29 Abr João Lourenço de Sousa 83 pipas e 2 meias pipas e 149$984 Arcangel Ber.m port. Diligente
7 barris de vinho comum; do Faial
50 meias pipas e 2 barris de
vinho meio doce
20 Mai Joaquim de Paula 74 pipas de vinho comum 66$600 S. Peters- Galeota russa Anna
Medeiros (de S. Miguel) burgo Rebeca
3 Jun António Sebastião Correia 170 pipas de vinho comum 306$000 Riga Ber.m russo Elizabeth
& C.ia
4 Jun Tomas Reay & C.ia 270 pipas de vinho comum 486$000 Riga Ber.m russo Elizabeth
1:225$874

Exportações de vinho do Pico para a Rússia


Ano de 1816
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
20 Mar Sérgio Pereira Ribeiro 21 pipas de vinho comum 22$500 S. Peters- Ber.m port. D. Maria
burgo Teresa
27 Mar Manuel Gonçalves 1 pipa de vinho passado 3$500 S. Peters- Ber.m port. D. Maria
Maurício burgo Teresa
28 Mar José Furtado 1 pipa de vinho comum $900 S. Peters- Ber.m port. D. Maria
burgo Teresa
4 Abr Diversos (portugueses) 28 pipas de vinho comum 25$900 S. Peters- Ber.m port. D. Maria
burgo Teresa
18 Abr Diversos (português) 85 pipas de vinho comum; 83$500 S. Peters- Ber.m port. D. Maria
3 pipas e meia de vinho da burgo Teresa
lavagem
22 Abr José Francisco Terra 30 pipas de vinho comum 27$000 S. Peters- Ber.m port. D. Maria
burgo Teresa
23 Abr Diversos (portugueses) 71 pipas de vinho comum; 65$450 S. Peters- Ber.m port. D. Maria
1 barril de vinho comum; burgo Teresa
1 barril de vinho passado
24 Abr Sérgio Pereira Ribeiro 72 pipas, 3 meias pipas e 67$725 S. Peters- Ber.m port. D. Maria
& Filho 7 quartos de vinho comum burgo Teresa
24 Abr Diversos (portugueses) 25 pipas de vinho comum; 44$437 S. Peters- Ber.m port. D. Maria
1 pipa e 3 barris de vinho burgo Teresa
passado
30 Abr Francisco da Silva Ribeiro 9 pipas de vinho comum 8$100 Rússia (qual- Ber.m port. Diligente
quer porto)
13 Mai João Lourenço de Sousa 127 pipas de regulação de 122$683 Rússia (qual- Ber.m port. Diligente
vinho comum quer porto)
Ricardo Manuel Madruga da Costa 255

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


22 Jun Diversos (portugueses) 180 pipas de vinho com um; 223$300 S. Peters- Galera port. Henrique
93 barricas de vinho comum burgo
e 40 quartos de vinho comum
4 Jul Diversos (portugueses) 112 pipas de vinho comum; 103$428 S. Peters- Galera port. Felicidade
2 barris de vinho comum burgo
798$423

Exportações de vinho do Pico para a Rússia


Ano de 1817
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
27 Mar Jorge da Cunha 8 pipas de vinho comum 7$200 Riga Ber.m port. D. Maria
Teresa
29 Mar Francisco Cristiano da 1 pipa de vinho comum $900 S. Peters- Escuna port. D. Teresa
Silveira Baptista burgo do Carmo
31 Mar Francisco António 2 pipas de vinho comum 1$800 Riga Ber.m port. D. Maria
Pereira Madruga Teresa
31 Mar Diversos (portugueses) 98 pipas de vinho comum; 99$060 S. Peters- Escuna port. D. Teresa
3 pipas de de lavagem de burgo do Carmo
vinho passado
31 Mar José Telles Machado 18 pipas de vinho comum 16$200 Riga Ber.m port. D. Maria
Teresa
31 Mar Diversos (portugueses) 21 pipas de vinho comum 18$900 S. Peters- Escuna port. D. Teresa
burgo do Carmo
11 Abr Diversos (portugueses) 30 pipas e meia de vinho 30$555 Riga Ber.m port. D. Maria
comum; 1 pipa de vinho Teresa
passado
22 Abr Diversos (portugueses) 56 pipas de vinho comum; 66$950 Riga Ber.m port. D. Maria
4 pipas de vinho passado; Teresa
2 meias pipas de vinho
passado
30 Abr José Severino de Avelar 27 pipas de vinho comum 25$875 Riga Ber.m port. D. Maria
Teresa
30 Abr Luís Peixoto ½ pipa de vinho comum; 2 3$482 Riga Ber.m port. D. Maria
barris e 1 ancorote de vinho Teresa
passado
30 Abr André Lourenço de Sousa 10 pipas e 2 barricas de 7$900 Riga Ber.m port. D. Maria
vinho comum Teresa
30 Abr Sérgio Pereiro Ribeiro 167 pipas, 37 quartolas, 28 202$950 Riga Ber.m port. D. Maria
& Filho meias pipas, 49 quartos e 1 Teresa
ancorote de vinho comum
256 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


17 Mai João Rodrigues da Silva 100 pipas de vinho comum 90$000 S. Peters- Ber.m port. Espadarte
(residente em Lisboa) burgo
20 Mai Diversos (portugueses) 69 pipas e 4 quartolas de 69$025 S. Peters- Ber.m port. Espadarte
vinho comum; 2 pipas de burgo
vinho de lavagem
22 Mai André Lourenço de Sousa 7 pipas de vinho comum 6$300 S. Peters- Ber.m Espadarte
burgo
12 Jun Manuel Inácio Coelho 1 pipa e meia de vinho 1$350 S. Peters- Galera port. Felicidade
comum burgo da Madeira
18 Jun João Lourenço Tanger 209 pipas de vinho da regu- 188$100 S. Peters- Ber.m port. Prompto
lação burgo
19 Jun José Curry Câmara Cabral ½ pipa e 1 quarto de vinho $675 S. Peters- Ber.m port. Prompto
comum burgo
21 Jun André António Avelino 1 pipa e meia de vinho 1$350 S. Peters- Fragatinha port. Felici-
comum burgo dade da Madeira
21 Jun Diogo Searle & C.ia 143 pipas e meia de vinho 258$300 S. Peters- Galera port. Felicidade
comum burgo da Madeira
21 Jun José Gonçalves 2 pipas de vinho comum 1$800 S. Peters- Galera port. Felicidade
burgo da Madeira
1:098$672

Exportações de vinho do Pico para a Rússia


Ano de 1818
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
5 Jun Domingos Knoth 58 pipas e 1 quarto de 104$850 Riga (via Ber.m amer. Emeline
vinho comum S. Miguel)
104$850

Exportações de vinho do Pico para a Rússia


Ano de 1820
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
26 Mai Diversos (portugueses) 61 pipas e 42 barricas de 208$640 Riga Escuna ingl. Carlton
vinho comum; 2 pipas e 1
barril de vinho passado; 11
pipas e 2 meias pipas de
vinho de estufa; 2 barricas
de vinho de estufa
30 Mai João Carley 5 pipas de vinho comum  10$000 Riga Escuna ingl. Carlton
218$640
Ricardo Manuel Madruga da Costa 257

ANEXO IV

Exportações de vinho do Pico para o Báltico


1800-1820

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico


Ano de 1800
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
15 Jul João Cristiano 3 pipas de vinho comum 5$400 Copenhague Galera din. General
Rigbreck
5$400

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico


Ano de 1802
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
25 Set Sérgio Pereira Ribeiro 9 pipas de vinho comum 16$200 Hamburgo Ber.m (hamburguês) Ceres
25 Set Mateus Pereira Machado 8 pipas e meia de vinho 15$300 Hamburgo Ber.m (hamburguês) Ceres
comum
25 Set Tomas Parkin 7 pipas de vinho comum 12$600 Hamburgo Ber.m (hamburguês) Ceres
44$100

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico


Ano de 1806
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
2 Jul Tomas Parkin 6 pipas de vinho comum 11$700 Copenhague Galera din Marquesa
Luísa Augusta
11$700

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico


Ano de 1816
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
28 Mar Antonio Sebastião Correia 400 pipas de vinho comum 720$000 Bremen Galeota alemã Landfreund
720$000
258 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico


Ano de 1817
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
17 Mai Joaquim da Costa 7 pipas de vinho comum 12$600 Hamburgo Galeota alemã Izabel
19 Mai Teotónio Veríssimo 2 pipas de vinho comum 3$600 Hamburgo Galeota alemã Izabel
22 Mai Rafael Pereira 1 pipa de vinho comum 1$800 Hamburgo Galeota alemã Izabel
23 Mai Diversos (portugueses) 155 pipas e 1 barril de 292$250 Hamburgo Galeota alemã Izabel
vinho comum; 1 pipa de
vinho passado
24 Mai Domingos Knoth 53 pipas e meia de vinho 96$300 Hamburgo Galeota alemã Izabel
comum
30 Mai António Francisco de 8 barris de vinho comum 10$350 Hamburgo Ber. Port. Diligente
Medeiros
11 Jun Gonçalo Rodrigues 1 pipa de vinho comum; 1$400 Hamburgo Ber.m port. Diligente
Palhinha 1 barril de lavagem
12 Jun Manuel Sousa Rodrigues 4 pipas de vinho comum 3$600 Hamburgo Ber.m port. Diligente
18 Jun João Aurélio Ramos 16 pipas de vinho comum; 15$175 Hamburgo Ber.m port. Diligente
1 barril de vinho passado
20 Jun João Goualberte 2 pipas e 1 quarto de vinho 2$025 Hamburgo Ber.m port. Diligente
comum
21 Jun Diogo Searle & C.ia 80 pipas de vinho comum 144$000 Hamburgo Ber.m port. Lebre
23 Jun 195 pipas e 32 meias pipas 190$350 Hamburgo Ber.m port. Diligente
de vinho comum
20 Set António Sebastião Correia 191 pipas da regulação de 343$800 Hamburgo Ber.m ingl. Jolly Bachelor
& C.ia vinho comum
19 Dez João B. Dabney 23 pipas de vinhlo comum 41$400 Hamburgo Escuna ingl. Nancy
1:158$650

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico


Ano de 1818
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
21 Abr Diversos (portugueses) 200 pipas 4 meias pipas 207$775 Hamburgo Escuna port. Piedade
de vinho comum; 10 bar- e Almas
ricas e 5 barris de vinho
comum; 1 pipa e 2 meias
pipas de vinho passado
29 Abr Daniel Tomas Curry 27 pipas e meia de cinho 24$300 Hamburgo Escuna port. Prudência
comum
Ricardo Manuel Madruga da Costa 259

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


29 Abr Diversos (portugueses) 79 pipas e 1 barrica de 71$325 Hamburgo Ber.m port. D. Anna
vinho comum
13 Mai Diversos (portugueses) 144 pipas e 4 meias pipas 130$500 Hamburgo Ber.m port. D. Anna
de vinho comum
30 Jun Diogo Searle & C.ia 80 pipas de vinho comum 144$000 Hamburgo Galera amer. Enterprise
30 Jun Domingos Knoth 55 pipas de vinho comum 99$000 Hamburgo Escuna de Hanover
Arabella
11 Ago José Severino de Avelar 707 barris de vinho comum 318$150 Hamburgo Galeota din Harmonia
28 Set Francisco da Terra Brum 53 pipas de vinho comum 95$400 Hamburgo Galeota fr. Petit Auguste
30 Set José Manuel Bittancourt 102 pipas de vinho comum 183$600 Hamburgo Galeota fr. Petit Auguste
1:274$050

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico


Ano de 1819
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
13 Mar Domingos Knoth 135 pipas, 14 meias pipas e 264$455 Hamburgo Ber.m din. Anna
5 quartos de vinho comum
14 Jul Domingos Knoth & C.ia 40 pipas de vinho comum  72$000 Bremen Escuna hol. Arabella
14 Jul João B. Dabney 30 pipas de vinho comum  54$000 Bremen Escuna hol. Araballa
17 Jul Tomas Parkin 10 pipas de vinho comum  18$000 Bremen Esacuna hol. Arabella
408$455

Exportações de vinho do Pico para portos do Báltico


Ano de 1820
Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio
27 Mar Diversos (portugueses) 9 pipas e 2 barris de vinho 9$680 Hamburgo Iate Senhor da Boa
comum Lembrança
27 Mar Tomas Parkin 1 pipa e 1 barril de vinho 1$167 Hamburgo Iate Senhor da Boa
comum Lembrança
28 Mar Diversos (portugueses) 108 pipas e 1 meia pipa de 109$450 Hamburgo OIate port. Senhor da
vinho comum Boa Lembrança
2 Ago João B. Dabney 114 pipas de vinho comum 229$000 Estocolmo Galeota sueca Neptuno
349$297
260 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

ANEXO V

Exportações de vinho do Pico para outros portos europeus


1800-1820

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


7 Out João Street 6 pipas de vinho comum 10$800 Tenerife Chalupa amer. Franklin
1802
8 Jul Francisco Pays de Men- 11 pipas de vinho comum 19$800 Tenerife Escuna amer. Hetter
1803 donça e Comp.º
20 Jan Faustino José 1 pipa de vinho passado 7$000 Havre Galera N.ª S.ª do Livra-
1816 de Grace mento
30 Jan José Telles Machado 2 meias pipas e 1 barril de 8$750 Havre Galera N.ª S.ª do Livra-
1816 vinho passado de Grace mento
12 Set Diogo Searle & C.ia 33 pipas de vinho comum 59$400 Amsterdam Chalupa ingl. Sophia
1817
20 Abr Domingos Knoth 75 pipas de vinho comum 135$000 Mediterrâneo Ber.m amer. Boxer
1818
30 Jun Tomas Parkin 31 pipas de vinho comum 55$800 Amsterdam Chalupa hol. Amália
1818
17 Dez José Teixeira Bettencourt 8 pipas de vinho comum 128$400 Havre Ber.m fr Messager
1818 de Grace
22 Jan Sérgio Pereira Ribeiro 2 meias pipas de vinho 1$800 Havre Galeota fr. Petit
1819 & Filho comum de Grace Auguste
30 Jan José Teixeira Manuel 1 pipa de vinho comum 1$800 Havre Galeota fr. Petit
1819 de Grace Auguste
14 Set José Teixeira Manuel de 101 pipas e ¼ de vinho 182$250 Havre Galeota fr. Petit
1819 Bettencourt comum de Grace Auguste
10 Nov Tomas Parkin 16 pipas de vinho comum 32$000 Nápoles Ber.m Swan
1820
642$800
Ricardo Manuel Madruga da Costa 261

ANEXO VI

Exportações de vinho do Pico para portos diversos


1800-1820

Data Despachante Artigos Direitos Destino Navio


29 Out Diversos (portugueses) 98 pipas, 54 barris, 21 bar- 146$540 Macau Galera port. Carolina
1801 ricas de vinho comum; 13
barris de vinho passado; 2
barricas de vinho passado
18 Nov Tomas Parkin 6 pipas de vinho comum 10$800 Costa Escuna amer. Washington
1803 de África
30 Dez Daniel Tomas Curry 7 pipas, 2 barricas de 15$650 Costa Escuna ingl. Chance
1815 vinho comum de África
11 Jun António Sebastião Correia 52 pipas e 1 barrica de 92$700 Batavia Galera amer. Elizabeth
1816 & C.ia vinho comum
7 Dez Diogo Searle & C.ia 1 pipa de vinho comum 1$800 Costa Chalupa ingl. Eliza
1818 de África
7 Dez Tomas Parkin 19 pipas e ¾ de vinho 35$550 Costa Chalupa ingl. Eliza
1818 comum de África
26 Abr João Carley 94 pipas de vinho comum 188$000 Buenos Escuna ingl. Euterpe
1820 Aires
11 Ago António Sebastião Correia 344 pipas de vinho comum 724$000 Dunas Ber.m ingl. Preserverança
1820 & C.ia
1:215$040
Memória
Memory
Travels in the Azores in the Mid-1890s:
Reports to the Inter-Ocean
Fannie B. Ward
(edited by George Monteiro)

Introduction

Travels in the Azores in the Mid-1890s, a series of reports in 1895-96 to the


Inter-Ocean, a nineteenth-century Chicago newspaper, can be added to the
list of known English-language publications about the Azorean archipelago.
Thirty-two years after the Florentine emigrant to the United States M. Borges
de F. Henriques published his pioneering book A Trip to the Azores or Western
Islands,1 Fannie B. Ward filed a series of reports based on her own experience
while on trip to the Azorean archipelago (and elsewhere, including Madeira).
She set foot on all the islands, Flores to Santa Maria, with exception of Corvo,
and then went on to Madeira. From there she would proceed to the Canaries,
St. Thomas, Santa Lucia, Santa Cruz, and the Yucatan Peninsula. Labeled
“special correspondence,” those reports (including 19 concerning the Azores
and three Madeira) were published in the Daily Inter-Ocean. They do not
appear to have been republished at any time in book form. Thus for the first
time in well over a century, they see the light afforded by print.
“Fannie B. Ward” was once a familiar byline in dozens upon dozens of
American newspapers. Flourishing in the 1890s, this journalist established her
mark as a reporter specializing in long reports from foreign ports, countries,
and islands. Over time, she traversed much of South America, writing reports
from Brazil, Patagonia, Mexico’s Yucatan, the Caribbean, the Canaries, and
numerous other places. She was on the scene in Florida when the Maine, the
American warship, was mysteriously sunk in Cuba in 1898, an incident that
ignited the war between the United States and Spain. She stayed on through
the war, filing reports all the while.

A Trip to the Azores or Western Islands (Boston: Lee and Shepard, 1867). For more informa-
1

tion on this book and its author, see “M. Borges de F. Henriques in the United States,” Boletim
Núcleo Cultural da Horta (2010), pp. 443-61.
266 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Biographical information about “Fannie B. Ward” is sparse. There exists no


biography and she is seldom, if ever, mentioned in journals or books of the
period or in the century after her death. An exception, of recent vintage, is
Roger J. Di Palo’s piece, “Portage Pathways: Globe-trotting Fannie B. Ward
came home to Ravenna,” published in the Record-Courier (Ravenna, Ohio)
on October 6, 2013.2 Much of the information that follows is culled from
this piece.
Fannie Brigham was born in Monroe, Michigan, on January 27, 1843, and
died in Washington, D.C., at the age of 70, on October 4, 1913. She married
William H. Ward in Ravenna, Ohio, in 1862. Three children issued from
this marriage, Charles in 1865, Fanny in 1868, and Nellie in 1869. After her
divorce from William Ward, Fannie made her way to Washington, where in
1874 she found temporary employment in the U. S. Treasury Department.
It is not known exactly when she started to write for newspapers, sending
dispatches from Washington “initially to the Cleveland Leader and eventually
adding other publications, building a syndicate of more than 40 newspapers
that carried her writing at the height of her career.”3
It was in 1884, when she traveled to Mexico and Central America, however,
that her career as a travel writer took off. It would occupy her for over two
decades, bringing her considerable fame.
It is said that Fannie B. Ward tackled her assignments with “gusto.” “She
crossed the Andes on mules. She climbed Mount Popocatepetl in Mexico.”
She visited Guatemala and the British Honduras. She went to Chile, Brazil,
Uruguay, Venezuela, Paraguay, Argentina, Patagonia, and the Falkland
Islands. “All my life,” she wrote to her friend the founder of the Red Cross,
Clara Barton, “I have gone on my own independent way, regardless of who
might disapprove of my course.”4
But of course, as might be expected, this foreign travel did not come without
cost. “She endured conditions far different from the life she once lived in the
nation’s capital. And she paid a price for it, too – she contracted yellow fever
on her first trip to Mexico and later came down with mountain fever, which

2
See http://www.recordpub.com/opinion/2013/10/06/portage-pathways-globe-trotting-fannie-
b-ward-came-home-to-ravenna.
3
Ibid.
4
Ibid.
Fannie B. Ward 267

forced her to return home.”5 Still, in the Azores she had climbed the moun-
tains, including, of course, Pico, and in Madeira she had suffered through the
famously precipitous toboggan slide down the mountain. Judging from the
descriptions of her behavior in her reports, she was game for pretty much any
and all challenges.

TABLE OF CONTENTS

  1. “Ilhas dos Açores” (Sept. 22, 1895).


  2. “The Flowery Isle” (Sept. 29, 1895).
  3. “Among the Azores” (Oct. 6, 1895).
  4. “Among the Azores” (Oct. 13, 1895).
  5. “Azore Island Life” (Oct. 20, 1895).
  6. “Among the Azoreans” (Oct. 27, 1895).
  7. “Up a Dead Volcano” (Nov. 3, 1895).
  8. “Azores in Autumn” (Nov. 10, 1895).
  9. “Nest of the Clouds” (Nov. 17, 1895).
10. “The Azores’ Capital” (Nov. 24, 1895).
11. “Azorean Cruisings” (Dec. 1, 1895).
12. “In Ponta Del Gada” (Dec. 8, 1895).
13. “In Deep Das Furnas” (Dec. 15, 1895).
14. “Lazy Town Sketches” (Dec. 29, 1895).
15. “Big Volcanic Freaks” (Jan. 5, 1896).
16. “An Island Acadia” (Jan. 13, 1896).
17. “Azorean Churches” (Jan. 20, 1896).
18. “Azorian [sic] Sketches” (Jan. 26, 1896).

5
Ibid.
268 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

1.  ILHAS DOS AÇORES


The Western Islands, Where the Sun Set in “Paradise Lost”
WELL-KNOWN STRANGERS
Where They Are and How to Visit Them Easily
On a Historic Ocean Track – Memories Of the Great Discoverer –
History and Romance.

Santa Cruz, Flores Island, Aug. 27 – Special Correspondence. – Although it


may be straining the point a trifle too far to include these “western islands”
among the West Indies, they are not so distant but that one may well round off
a tour of the Atlantic Islands with them. Besides, they are a brand new field
to most Americans – a terra incognita so complete that the question I have
been continually obliged to answer since announcing my intention to them
is “Where in the world are they?” Perhaps it may now be as well to forestall
a dimness of geographical information on the part of any reader of The Inter
Ocean by answering the same question right here and now. The nine islands
and two groups of rock which the early Portuguese named Ilhas dos Açores
(Islands of Hawks), and English-speaking tongues have corrupted to Azores,
lie on the warmer side of the Gulf Stream, though about in the same latitude as
Philadelphia, 2,000 miles east of Boston or New York, 1,600 miles southwest
of London, about 800 miles due west from the southern corner of Portugal
(to which kingdom they belong), and the same distance from the northwestern
end of Morocco. Sailing toward them from the west, you come first to Corvo
and Flores, the two smallest and least important of the group, which lie on a
line longitudinally ten miles apart, then to Fayal, Sao Jorge, Graciosa, Pico,
Terceira, San Miguel, and Santa Maria, in the order named as to location.
The Largest Island.
San Miguel is much the largest, being fifty miles long by from five to twelve
broad; and the two heaps of uninhabited rocks are called, respectively,
Formigas and Dollabaret.
They are in three distinct groups, with long stretches of sea between; and,
indeed, little Flores and Corvo are so far away from the others as to hardly
belong to the archipelago at all. Altogether, they present a surface of about 700
square miles, and their combined population is a little less than 300,000 [?].
In other words, if the islands were pieced together their area would be six times
Fannie B. Ward 269

that of London, with only one-fifteenth as many people as inhabit that city, but
spread over 400 miles of the deepest part of the Atlantic they include an area
of land and water greater than all England. Being historically of great interest,
and scenically among the most picturesque spots on the earth’s surface, the
wonder is that they have been so long neglected by pleasure-seekers and
curiosity-hunters. Until of late few persons except those connected with them
commercially or absconding cashiers and other individuals seeking an out-of-
the-way haven of refuge have had any idea of their exact location, much less
of their characteristics and the peculiarities of life there. Barely mentioned in
the geographies and encyclopedias, even now the would-be student of them
finds scant literary information on the subject.
Prospective Popularity.
But all this will be changed in the near future, since three lines of vessels now
make regular trips between our ports and those of the Azores, where they
connect with the Portuguese and other lines, thus enabling [the] tourist to enter
Europe via the Spanish peninsula and the Mediterranean – a very welcome
change from the old routes of travel. The islands make a delightful half-way
station on the great ocean highway, and if one goes no farther he gets a bit of
foreign travel which cannot be duplicated anywhere in the world in the way
of novelty, fine scenery, and enjoyment for so small an expenditure of time,
strength, and money.
Nowadays too, the Azores have new interest for Americans, since Portugal has
at last grudgingly recognized our principles of local government in granting
autonomy to the islands, and the interesting little community are legislating
for themselves at Angra, the almost unknown capital of the group. The inde-
pendent blue flag that now waves above everything Azorian, with its white
hawk and nine stars, contains history in a nutshell. It tells of nine mid-ocean
provinces under one government, and the emblematic hawk reminds the world
that their name, Açor (Portuguese for hawk), was conferred because of the
great number of those birds found on the islands by navigators whom Portugal
sent to take possession of the group. It was a low morning in late August, after
a passage from Bermuda which we would fain forget as quickly as possible,
when some early prowler on deck raised the cry, “Land, ho!” at daybreak, and
the sleepy passengers tumbled out to see what looked like a low cloud-bank
on the horizon – the Isle of Flowers and its sister, Corvo, twenty miles away.
270 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

New Admiration for Columbus.


Crossing the wide ocean in these unfrequented ways one feels a new admira-
tion for Columbus and the other ancient mariners; for to the “land lubber” it
is a never-ending marvel how a ship, even with all the appliances of modern
science to seacraft, can traverse the pathless deep with unerring accuracy to
any given speck of land in the wide waste of waters, hundreds of miles from
anywhere! And, by the way, this is the very same course in which Columbus
sailed to immortality on his way to America, and the same in which he was
afterward sent home in chains. This is the path direct to Gibraltar; to the route
of the British ship that carried Napoleon to St. Helena; of Nelson to Aboukir
and Trafalgar; of Childe Harold on his pilgrimage that ended in Greece. This
is the enchanted region of dark blue sea under which lies the sunken conti-
nent of Atlantis – according to many authorities between Plato and Ignatius
Donnelly; the same wherein Pindar located the heaven of the Greek heroes on
the “Sacred Isles of the West:”

Where ocean breezes blow.


Round flowers of gold that grow
On stream and strand.
You know the rest.

This is, the very scene of the conflict, on Aug. 10; 1591, made memorable
by the pen of Walter Raleigh, in which the English ship Revenge, with Sir
Richard Grenville, as captain, endured for twelve hours before she struck the
attack of eight great Spanish armadas. She sunk two of them, each three times
her own size; and after all her masts were gone, and she had been three times
boarded without success, defied to the last the whole fleet of fifty-one sail,
which lay around waiting for her to strike or sink. Raleigh tells us how, finally,
Sir Richard, shot through body and head, and wounded in many places, was
taken on board the Spanish Admiral’s ship to die, and gave up his gallant
ghost with these words: “Here died I, Richard Grenville, with a joyful and
quiet mind; for that I have ended my life as a true soldier ought – fighting
for his country, Queen, religion, and honor; my soul willingly departing from
this body, leaving behind the lasting fame of having behaved as every valiant
soldier is in his duty bound. That was a rather long and stilted speech for a
dying man, shot all to pieces, to make; and probably, in point of fact, he said
Fannie B. Ward 271

no such thing, though it reads so well in history. Sir Walter Raleigh romanced
too much in his account of El Dorado and the golden cities of South America
for us to have entire confidence in his famous “Report of the Truth of the Fight
About the Isles of the Azores.”
Flores in the Distance.
As the outline of the Flores grows more distinct you see jagged volcanic
peaks sloping on all sides to the sea, ending in black precipices against which
the surf beats ceaselessly. A nearer view reveals green fields and cultivated
uplands, cottages, and waving grain, and cloud shadows chasing each other on
the hill tops and down the deep ravines. While waiting for a boat to come off
with the health officer and pratique to go ashore – a business of some hours –
we amused ourselves by getting all the information we could about Corvo, the
nearby neighbor, of which we have a fine view.
It looks almost round, a picturesque mass of rock and forest, not five miles in
diameter – in short, what it is, merely a volcanic crater, which the natives call
O Caldurao, “the big pot,” whose outer sides arc cultivated. This smallest and
most northerly of the Azorean Archipelago exists only as a satellite of Flores,
and would not be mentioned at all were it not within sight of the latter. Vessels
never call there, because it has so harbor, the early means of communication
with the outside world being by means of a whaleboat from Flores once a
month – if winds and waves permit. But sometimes during bad weather even
this is forbidden, and for three or four consecutive months the tiny island is
totally isolated. At best the ten-mile row is not a pleasure excursion, owing
to the boisterous waves and adverse currents, so it is not likely we shall ever
set foot on Corvo. The great drawback of all these islands is their lack of
natural harbors, business mainly being carried on through two of them,
where artificial harbors have been constructed. Corvo got its name (which is
Portuguese for crow) from the number of those birds found upon it when
discovered. The captain’s chart says that it is six miles long by three wide,
rising abruptly from the ocean, with a rough, inhospitable-looking coast of
dark, serrated rocks, which run in reefs from the shore, here, lifting them-
selves high above the water, there merely blackening the surface, and again
sinking to such a depth that their dangerous presence can be told only by the
eddy swirling about them.
272 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Descendants of the Moors.


It is inhabited by a small colony, of Moorish descent, about a thousand strong,
who are said to be a peculiarly gentle and inoffensive people – called “old-
fashioned” by the other islanders. Their specialty is raising poultry – the very
best in the world, says the ship’s steward; and they also produce some wheat,
yams, and corn, and raise horses of a small but hardy breed. There are two
natural curiosities on the little island. One is a small lake at the bottom of the
extinct volcano, studded with tiny islets that present a perfect miniature repre-
sentation of the Azorean Archipelago. The other curiosity is of semi-historical
interest. On a cliff near the shore nature has depicted the figure of a man
on horseback, with extended arms pointing to the westward. The ravages of
wind and weather have nearly obliterated the likeness, but local tradition still
confidentially asserts that this stone horseman had a great deal to do with the
discovery of America.
The story goes that Columbus on his great voyage of discovery became
completely disheartened by the difficulties surrounding him, and was on the
point of abandoning his project and turning back to Spain, when a severe
storm drove him close to Corvo. Seeing this rock, and its colossal horseman
sternly pointing to the westward, he regarded it as a heaven sent omen, piously
crossed himself and proceeded on his way to the New World. A great many
Carthagenian coins have been picked up in Corvo, from which circumstance it
is argued that the ancient Carthagenians must have visited this island, although
there is nothing in history to show that the early Greeks and Romans had any
knowledge of the Azores.
Quaint, Secluded Corvo.
We were fortunate enough in having for a fellow-passenger a man who had
spent some time in Corvo. He says the whole country is set upon edge, so
to speak, rising steeply to the Caldeira, and is divided by stone walls into
small, well-cultivated compartments. These fields form narrow terraces, one
above another, and look from the shore like steps out into the lulls. Higher up
the mountain is carpeted with heath, where flocks of sheep and hogs find a
living. The crater, which was once, no doubt, a turbulent pit, is now a green
and quiet valley, its round sides covered with grass, and at the bottom a still,
dark pond, over which broods that appearance of sad serenity peculiar to
volcanic valleys. The Corvoites are quite independent of the world, producing
Fannie B. Ward 273

on their own little island everything required in the way of food and clothing.
But then, their requirements are simplicity itself. They have swarthy skins, go
always barefooted, and generally bareheaded, and are strong, healthy, happy,
and industrious; at least, the women are industrious, for they do all the field
work, and are said to excel their somewhat lazy lords in all matters requiring
skill and endurance.
They are noted besides for their slovenliness and red petticoats. The men wear
suits of coarse brown home-spun, with coats reaching almost to the ankles,
and a skull cap of the same material for dress occasions.
Shrewd in Trade.
In trade they evince the remarkable shrewdness proverbial among the
Azoreans; but so friendly and unsuspecting are they that their doors and
windows are never fastened at night, and they sleep in happy ignorance of the
murders and robberies committed in more enlightened quarters of the globe.
They are like one large family, all living in the only village on the island.
Their cottages are alike as so many peas in a pod, all built of stone, roofed
with thatch or tile, with mother earth for flooring, and neither chimneys nor
glass windows. They are placed in tiers, one above the other up the side of the
hill, with lanes between them, too narrow, steep, and stony to be called streets.
The health officer’s boat was speedily followed by three or four others to take
us ashore at Flores. These island boats are queer enough to merit description.
They were evidently constructed for rough weather and are so big and heavy
that they look like the dismantled hulls of schooners. All are painted black or
dingy red, and no two of their four oars ever touch the water together. The oars
are from fifteen to twenty feet long, and it requires two or three men to pull
them. The handles are constructed of the crooked limbs of trees, in several
places fastened together with a marline, and turning on the gunwale by a broad
plank, through which the thole pin passes. As they crawl clumsily along in the
distance, they look like huge water beetles struggling in the billows.
We reached the port of Santa Cruz in safety – and such a port! Riding in on top
of a huge roller, between a Scylla and a Charybdis of black lava rocks, hardly
thirty feet apart and surrounded by roaring foam, we dashed into a little bay,
perhaps an acre and a half in extent, with perpendicular cliffs on either side,
on whose edges the houses are perched. The boatmen picked us up in their
arms and landed us high and dry, amid an eager throng of’ men, women, and
children, who had come down to welcome the arrivals, and who received us
274 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

as if we were special guests or long-lost relatives. The narrow strip of shelving


beach is piled with boats and rubbish, and around the corner of an uncom-
pleted quay the principal street of the village runs down into the water. Near
the landing place a public fountain empties its musical stream into a stone
trough, and was surrounded by a group of olive-skinned, bare-footed girls, all
with white mantillas on their heads and earthen water jars in their arms.

2.  THE FLOWERY ISLE


Flores, of the Azorean Archipelago, Described.
SANTA CRUZ, ITS CAPITAL
Not Much Larger than the North Side, Chicago.
Calico Coats, Musical Carts, and Other Oddities of Native Life.

Santa Cruz, Flores Island, Sept. 1 – Special Correspondence. – The queerest


little capital I ever came across occupies a site which seems to have been
planned by nature on purpose for the principal town of the island. How can
I describe it to you, when ink and paper fail to convey any idea of its crazy
outlines and strange combinations of color? Everywhere Flores bears strong
marks of its igneous origin and most of its shores are totally inaccessible from
the sea. Being environed by reefs and walls of black lava, cliffs of red cinders,
and chocolate-colored earth, mountains rising abruptly out of the water, and
lofty precipices, dark with verdure, down which streams fall in silvery threads
in the surf below. In some places the cliffs are several hundred feet high, in
others dwindled down to a few yards. The whole rests apparently upon sheets
of black lava, the lowest visible layer of its composite parts, which having
run out to the sea in a melted state, was suddenly stopped, cooled, and shaped
into every conceivable variety of jagged, rough, irregular rocks, among which
the ocean now rolls with ceaseless violence, dashing clouds of spray over the
sharp projections and breaking with mighty roar on the huge, detached masses
that strew the shores. Above the lava are the volcanic products, such as deep,
loose beds of scoriae baked red as bricks, capped by a firm brown tuff: above
this, decomposed vegetable soil, covered with greenest herbage, and overall
the bluest sky that ever arched a flowery bit of earth.
Fannie B. Ward 275

Location of Santa Cruz.


Where Santa Cruz. the capital and chief port of Flores, stands a stream of
lava flowing to the sea has formed a high, level platform, about two miles
long by half as broad, upon which the town is built. Three sides of this flat
promontory are exposed to the sea, the fourth flanked by a high, abrupt hill,
its sides richly cultivated, its summit overgrown with cedars, and crowned
with an ancient tower. Subsequent eruptions have covered the lava with loose,
volcanic matter, tuff, and cinders, forming fruitful soil, where good crops of
corn, wheat, potatoes, flax, and vegetables are grown. The town has a few
long, straggling streets, most of them converging into a little square.
At the foot of the principal street is a small cove and beach, where the fisher-
men’s boats are hauled up.
In front of the cove is a bar of lava, connected with the jagged rocks on each
side. A small passage, capable of admitting only an undersized schooner, leads
over the bar, which is hemmed in and screened from winds and waves by
high walls of brown tuff. The town covers a very large space, considering its
scanty population, for fields intervene between many of the houses. Some of
them are perched upon the cliffs, so close to the edge that their doors actually
overhang the water. We are told that it is not uncommon for children and even
grown people to fall over the precipice to the rocks below, generally with fatal
effect. Indeed, the dangers of the locality are the stock in trade of the army of
crippled beggars that beset the strangers in Santa Cruz.
The Houses Described.
The houses are all built of stone, never more than two stories high and oftener
but one. They have remarkably thick walls, always whitewashed outside,
tiled, or furze-thatched roofs, green doors, and heavy, rude-looking balco-
nies, with green Venetian blinds, in the Moorish style. All the houses are set
close upon the border of the street – that is, with no yard, or space in front of
them, and whenever a field or vacant spot comes between, there a high stone
wall is built, so that in walking about the town you see little, except what is
immediately before or behind. The first floor of the larger houses is seldom
inhabited, being used for stores or workshops. In the rear of the ground floor
a broad flight of stairs – in the older houses, always of black stone, polished
by long usage – leads up to the living apartments. None of the “front doors”
have bells, and but few of them big brass knockers; so when you desire admit-
276 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

tance your knuckles or stick or umbrella handle come into vigorous play,
unless you aspire to be strictly in style from the Azorean standpoint, in which
case you clap your hands as loudly as possible. There are no sidewalks and
everybody perambulates in the middle of the street, where the pavement
is usually the natural rock, the edges of which have been planed off by the
passage of human feet. At nearly every corner is a public fountain where
dark-eyed, olive-skinned, Rebeccas are always filling their antique jars; and
near by other women are scrubbing clothes by the wayside, on flat stones,
over which water splashes from a bamboo spout set in the solid rock.
Of the local and social life of Santa Cruz there is little to be said. People
wander about the streets in a listless sort of way, as if so overcome with the
Lethean air of the place that they are past ever wishing for anything to do.
The few shops are scantily furnished with English cotton and woolen stuff,
hardware, and ready-made clothing, United States fish, oil, groceries, and
notions, Brazilian rum, coffee, and sugar, West India tobacco, molasses and
liquor, Portuguese salt, tea, and such spiritual necessities as crucifixes, sacred
images, relics, indulgences, and dispensations. The shops are so dimly lighted
that purchasers must take the goods out into the street for inspection, and
paying customers appear to be as rare as angels’ visits.
The liveliest place in town (if anything can be called lively in Santa Cruz), is
the landing, when a ship heaves in sight, whose cargo is to be discharged in
boats. This is the acme of Flores activity; but for every man who is engaged in
carrying bales, boxes, and barrels on his shoulder from the boats to the neigh-
boring warehouses, a dozen others are seen leaning idly against the sunny side
of a building, or lying under the lea of their empty boats drawn up in the shade.
Another popular resort is the public square, which is also the market place.
Here the country women, sitting contentedly on the rough pavement, or the
stone steps of some building, with wicker baskets of fruit or vegetables before
them, drive sharp bargains, the sharper because the few purchasers are also
actuated by the proverbial Azorean spirit of shrewdness in trade.
Time of No Value.
Time is of no value to anybody in Flores, so the traders can afford to haggle
over the value of half a penny from the rising of the sun to the going down
thereof. On this square is the hotel – or what passes for one in these parts –
of which conscience, though somewhat travel-hardened, will not permit a
favorable word. Directly opposite is the combination prison and courthouse
Fannie B. Ward 277

– a long, dingy, two-storied edifice, where the blindfolded goddess is sup-


posed to preside above and her mandates be carried out below.
A flight of rickety steps on the outside of the building leads up to the court-
room, above the door of which is nailed a time-faded, weather-worn coat of
arms of Portugal. The funny part of it is that offenders, punished by imprison-
ment, are compelled to carry out the sentence themselves, and be their own
jailers. A passage-way running through the center divides the ground floor
into two rooms, the main difference between them being that one has a floor
and the other has not.
At two or three windows of the unfloored rooms there is a pretense of iron
grating, but it is pretence merely, for most of the bars are broken, and the
openings are the rendezvous and loitering places of friends of the incarcer-
ated, and all the gossiping loungers of the town. Cells there are none, a few
rude bunks against the unplastered stone walls, covered with dirty blankets,
answering for sleeping places. The smoke-begrimed rafters are festooned with
old garments, bed clothes, and strings of onions and garlic, and an old table,
two or three rickety old chairs, and half a dozen empty boxes, complete the
furnishings.
Ideal Prison Life.
Such are the eccentricities of prison discipline in Flores that a criminal, when
jailed, is given the key of his bastile, allowed to admit parties of his friends
to enliven the tedium of durance vile; and it is rumored that he may even let
himself out after dark, to take regular “constitutionals“ through the city streets,
or make sub rosa visits to his family. Indeed, it is rather a privilege than
otherwise for the poor Azorean to “get took up,” in the expressive language
of the gutter, for then he is sure of enough to eat, without the necessity of toil.
Ridiculous as all of this may seem, there is slight need for more discipline.
The small island – only about twelve miles long by seven wide – where every-
body knows everybody else, would afford an escaped prisoner no opportu-
nity for concealment, while the visits of vessels are too few and uncertain
for the hope of flight to foreign lands to be indulged in. The people are so far
from being vicious that murders are unknown among them. Thieving is almost
equally rare, and what little is discovered is charged upon wicked visitors
from other islands. Fighting and wife beating are the common misdemeanors,
and, as in other countries, jealousy is the root of evil.
278 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Above everything else in Santa Cruz towers the great cathedral, on its elevated
knoll near the center of the city, one of the largest churches in all the Azores,
capable of accommodating at least half the population of the island, ann a
conspicuous landmark far out at sea.
The Moorish Cathedral.
Il is built entirely of black lava rock, in the Moorish style of architecture, with
two tall towers and Saracenic domes and windows, and would be imposing,
though dingy white in color, except that here and there great patches of white-
wash have dropped off, leaving the original color of the stone in unsightly
blotches. The façade is somewhat fantastically ornamented, after the Portu-
guese fashion, but the interior is plain, almost to nakedness.
Seven rows of massive square stone pillars, running the whole length of the
building, support the broad arches of the roof, but the walls are damp and
slimy with moisture, and weeds grow up in the deserted corners of the aisles.
At some recent period the chancel and altar have been newly carved, and
their freshness contrasts strangely with the moldy walls. Niches and altars are
filled with rudely carved images of the saints, adorned with paper flowers, and
surrounded with green boughs, but there is none of that profuse gilding, tinsel,
and “ginger-bread work” commonly seen in Portuguese churches. Adjoining
the main building is the sacristy, where the church treasures are kept, and for
a small consideration the custodian will show you all the vestments, gold and
silver utensils, banners, and accession day images.
Not far from this church, going through narrow lanes of squalid huts, thronged
with lean pigs, cats, dogs, and naked children, you come to the most inter-
esting structure on the island – the old convent of the Franciscan brotherhood,
which, like the cathedral, was built a little more than three centuries ago.
Powerless Brotherhood.
Dom Pedro I, father of the last Emperor of Brazil, abolished convents through-
out the Azores in the year 1834; but this old pile is still not without its useful-
ness. In former days strangers visiting these islands were accommodated in
the convent, where rooms were set apart for them, and as long as they chose
to remain they were treated as guests of the friars.
Now the dormitories are let to tenants, mainly a low class of natives, and cells
and cloisters which once resounded to monkish Ave Marias are filled with filth
and rubbish, while the history of its builders is rapidly becoming traditional.
Fannie B. Ward 279

The chapel belonging to it is a fine specimen of the renaissance-Italian style,


as seen in colonial churches, its profuse ornamentations calculated to impress
an ignorant populace. In the outskirts of the town, standing conveniently close
to the roadside, is another popular Institution – the Foundling Hospital of the
district of Santa Cruz. It is a small cottage, provided with a drum turning in a
hole in the wall into which an infant may be put from the outside and secretly
deposited in an inner room. A person sleeps in the cottage at night, to receive
babies that may be left, and see that they are put out to nurse.
This is done at the expense of the municipal body, from a fund set aside for
the purpose, and it is said that the number of waifs thus provided for is out of
all proportion to the population of Flores. However, this national provision
for unwelcome mites of humanity has one good result, viz., that infanticide is
unknown in the Azores.
Beauty of the People.
The people of Flores are famous for their good looks, and many of the younger
women have a piquant style of beauty that is really very attractive. While the
upper class dress about in the English or American style, the middle and lower
classes have a distinct fashion of their own.
Both sexes of all ages go barefooted, and when attending mass they carry
their shoes in their hands (those who can afford such luxuries), and put them
on at the church door. The women generally wear a handkerchief, white or
colored, silk or cotton, over their heads, and tied tightly under their chins, a
shawl or cloak over the shoulders, substituted in many instances for a double
skirt of English calico or home-made woolen stuff, dark blue in color, with a
checkered or striped band around the bottom, and a binding of the same on the
placket hole, the skirt being so disposed that the placket hole comes outside,
between the shoulders,
The men of Flores may be divided into two classes – these who wear boots
and those who do not. The barefooted gentry show the best taste in the matter
of colors, according to our ideas. They wear jackets of dark woolen and
trousers of white linen or chocolate-hued linsey-woolsey, with parti-colored
conical hats of knitted cotton or wool, or carapuças of the same color as their
jackets. The materials for these garments are all of island manufacture. Those
a little higher up in the social realm do not encourage home industries to so
great an extent, but procure their hats (straw) from the United States and their
dress materials from England.
280 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Cheap Finery.
Having a taste for finery, many of them sport jackets of the brightest cotton
prints that Manchester can make. That is, they are bright and jaunty in their
first state, but hot suns and frequent washings soon fade them, and starch
seems to be an unknown commodity in Flores, or else the sea damp takes it
out of everything; at any rate, the calico coats speedily take on dejected airs,
and hang about the shoulders of the Azorean dandies as limply as half-wrung
dishrags. Most of the middle-aged men have been whalers, and can speak
a little English; and everybody you meet lifts his hat (if he wears one), or
bows politely, and expects you in return to compliment. Another very notice-
able thing in Flores is the ox carts, that creak noisily through the streets of
the capital, and waken the echoes in the hills as they roll off countryward.
They are of the same construction as those used in the interior of Portugal –
probably the very same as those of Cervantes’ time, when that author likened
some “terrible noise” he was describing in the story of Don Quixote’s adven-
tures to that caused by the ponderous wheels of a cart. I thought I had seen
queer vehicles in other parts of the world, but certainly these bear off the palm.
They consist of an oblong slab of wood, which ends in a pole, supported upon
two huge wheels, revolving with the axle in a wooden socket, like a child’s
toy; the whole concern surmounted by a wicker basket, shaped not unlike the
body of a Roman chariot. The wheels are solid chunks, chipped out in more
or less circular form, and the axle is of chestnut wood, especially selected for
its squeaking properties. The din they keep up is modulated between a shriek
of dire distress and a dying groan, but it is music in the peasants’ ears on the
lonely roads, and each cart man boasts of the particular tune creaked by his
own vehicle. It is warranted to keep off spooks and bogies (and no wonder!),
and, like the railway engineer’s whistle, it serves to notify wife and sweetheart
of his coming. The cattle also become accustomed to this doleful accompani-
ment, and will no more work without it than a tow-path mule missing the lurid
language to which he is accustomed.
Fannie B. Ward 281

3. AMONG THE AZORES


Flores Island and Villages Seen from the Sea.
CLIMATE AND PRODUCTS
City of Horta, Its Harbor and Surroundings.
Lupine, Growing Luxuriantly, One of the Most Valuable Crops.

Horta, Fayal Island, Sept. 5. – Special Correspondence. – If time and weather


permit you will find it pleasant to take a row around Flores Island, before
sailing away to other parts of the archipelago. Generally speaking, you need
not be afraid to trust your life anywhere an Azorean boatman will take you,
for they are the most cautious and timid of creatures, so far as going to sea
is concerned. And, indeed, there is a reason for the excessive timidity which
sometimes seems to border on the ludicrous, in the uncertain seas that environ
their little world. They may start off on a fine day, with a fair wind, to make
the shortest cruise, and the weather suddenly becomes so tempestuous that
they lose sight of the island altogether, and are blown to sea and perish; or
their boats are pounded to pieces on the rocks. In this way two boats and their
crews were lost only a few weeks ago, in going the six miles between Santa
Cruz and the next town, on the same side of the island. But you forget these
bugaboos when bounding over the long swells of the mid-Atlantic in a good
stout wherry, with the sun shining and the wind just strong enough to white-
cap every wave, and perhaps a spice of possible danger ahead adds zest to
the enjoyment.
The Face of the Deep.
It is hard to tell which is bluest, the sky above, or the sea below; except in
streaks, where white clouds skurrying over give to the mighty deep that ender
tint of blue sometimes seen in a child’s eye. Should it “come on the blow,” as
the sailors say, a few minutes would make a vast difference in this treacher-
ous tranquility. It is not uncommon to cross from Flores to Corvo on a balmy
morning, intending to return in an hour or two, and be detained there several
weeks before it is possible to come back over the boisterous ten-mile channel
between the two islands, and in winter the boats seldom venture out at all.
Although the entire population of Flores Island is less that 13,000, it contains
several villages besides Santa Cruz, most of them along the coast. Largens is
the nearest town, and between it and the capital you see a little river hurrying
282 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

to the ocean (the Ribeira Cruz), and long stretches of stunted cedar trees – a
species of timber so plentiful in Flores, that it not only furnishes the people
with fuel, but is shipped to the other islands for boat-building purposes. Flores
is semi-circular in form, almost entirely walled by high cliffs, indented with
numerous small bays, and nearly every bay has its hamlet along-shore. At
Largens there are many proofs of the inhospitable character of the coast in the
remains of wrecks strewn all about. Here piles of spars and heaps of beams
and bulwarks tells melancholy tales of disaster; there the smart, green panels
and black-arched roof of some unfortunate ship’s “companion” have been
joined to the dark walls and dingy thatch of a native house. Planks, seasoned
by long cruises in many seas, serve as cottage doors, and on them some letters
of the name of the ship from which they came may be traced.
Waifs and Strays.
Among them we made out the “Nancy Jane, Nantucket,” and “The Plymouth,
Baltimore.” Largens, entirely uninteresting in itself, is surrounded by fields,
divided checkerboard fashion by stone walls, in which women were working,
with their clumsy, short-handled hoes. Fajen Grande is also built near the
water’s edge, with high, dark cliffs behind it. The streets are bordered with
loose walls, of black lava stone, behind which are cottages of the same gloomy
color, thatched or tiled, with occasionally a more pretentious two-storied
mansion of weather-beaten white, standing close to the street, without wall
or yard in front. We found the stony lanes between these walls (too narrow to
be called streets), abounding in pigs, poultry, and half-naked children; while
groups of peasants in their calico jackets and scarlet petticoats gave color to
the scene, and a touch of picturesqueness was added by some field-laborers
dragging a huge wooden plow between them, and a wicker-top oxcart, with
solid chunks of wood for wheels, creaking slowly through the village.
Wherever the cliffs that environ Fajen Grande are not too nearly perpendicular
small ledges have been cut out and planted with corn, flax, potatoes, cabbages,
and onions. These rise in steps, to such a height that the upper ones look green
lines dividing the layers of lava that show through their edges. The lava strips
are bare, except where cushions of moss and lichens have given them soft tints
of gray, or ferns and long grasses lean over.
A Natural Curiosity.
A little way back in the valley stands one of the natural curiosities of the island
– a huge, isolated cone-shaped mass of black lava, several hundred feet high,
Fannie B. Ward 283

rising like a nude cairn or pillar. There is no more accounting for how it came
there than for the flies in amber. It is too large to have been carried down by a
flood, and much too heavy for any force to have blown it through the air and
planted it “right end up with care.”
Perhaps some sportive volcano shot it up from the depths of the earth like a
rocket, and down it came into this green hollow of the hills with force enough
to plant it forever. The sides of this valley, like all of them in Flores, are dark
with cedars, and lower down are corn fields and orange groves; and, by the
way, the oranges of this island, though small, are among the very best in the
world.
The next village rejoices under the odd name of Fajemsinho, and all the way
between it and Fajen Grande are precipitous mountains, covered with heath
and masses of columnar rock, interspersed with cultivated fields in every
canyon or hollow.
Fajemsinho would not be worthy of notice as a village, were it not connected
with some of the finest scenery of the Azores. It occupies the level floor of a
magnificent amphitheater of cliffs, facing the open air, surrounded on three
sides by vineyards, orange groves, and fields of wheat and corn.
The Weary Way.
To get to these fields, you have to cross the cliffs by a steep, zigzag path cut
in the face of them, more fit for goats to traverse than for human beings.
Yet the only road to Ponta Delgada, a considerable inland village, lies that
way, and by it the inhabitants of Fajemsinho must go every day to and from
their field labors.
We climbed a little way up, and were well rewarded by the backward view.
The afternoon shone up the mouth of the gorge with a soft, yellow light, illu-
minating one side and throwing the other into shadow. It glittered on a silvery
waterfall which tumbled over the edge of a nearby precipice to the surf far
below and turned to burnished gold the whole broad expanse of sea in front.
Clouds of vapor above the cascade wavered to and fro in the breeze like
incense from a swinging censer, and over all towered the hazy cliffs in their
three fold semi-circle, diversified in color to every shade of brown, green,
and gray, bright red in places, with bands of shining ebony wherever the lava
ledges, protruding through the soil, were wet by streams of waterfalls.
While toiling up this stony way, which seemed more like the ruined stairs of
an ancient abbey than a path, grasping the heather on the inner side for greater
284 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

safety and ramming our improvised alpenstocks down hard between the rocks,
to prevent a slip, which would have dropped us into the surf roaring at the
foot of the precipice, we were astonished to see both men and women come
tripping down it, carrying heavy burdens on their heads, as lightly and as
securely as we run up and down stairs at home.
Of course, their careless confidence comes from having been always used to
it, and we noticed that their bare feet seemed to grasp every stone they stood
upon, much as a bird’s claw grasps a bough.
We met a Fajemsinho girl with a great bundle of wood on her head. Poising
herself for one moment on a single stone to let us pass, she acknowledged our
salutation with a smiling “Boa tarde” (good afternoon). Then, gathering up her
red petticoat in one hand and steadying the fagots with the other, she bounded
down the mountain side with steps as fearless and graceful as ours were the
reverse.
Speaking of Azorean agriculture – though these volcanic islands, all rugged,
lofty, and precipitous, present such an unpromising appearance from the sea –
a closer inspection reveals luxuriant vegetation, rich pastures, and beautiful
woods. The climate, though humid, is delightful, and, combined with the natu-
ral fertility of the soil, brings every sort of vegetable product to the utmost
perfection.
Sugar cane, coffee, and tobacco grow luxuriantly on some of the islands,
besides the vineyards and groves of orange and lemon trees. There is no doubt
that fruits and plants of all kinds, from all countries, could be cultivated here
with greater success than in most other parts of the world, but, unfortunately,
the natives have neither the energy nor intelligence to turn the natural advan-
tages of their position to the best account.
Crude Methods of Farming.
Their implements are of the rudest kind. In sowing they throw the seed about
at random, calculating on the bounty of nature for a rich return, and they are
never disappointed.
Altogether, the islands produce annually upward of 17,000 pipes of wine
and about 160,000 boxes of oranges and lemons – which are mostly sent to
England, the United States, Hamburg, and Brazil.
They also export considerable salted pork and beef to Madeira and Portugal,
and a great deal of coarse linen made from home-grown flax. One of their
most valuable productions is lupine, which here grows to extraordinary size,
and is raised in great quantities.
Fannie B. Ward 285

The farinaceous seeds of it, after being soaked in sea water to get rid of their
bitter taste, are a favorite article of food among the poorer classes; the green
leaves are excellent fodder for the cattle; the dry stalks are used for firewood,
and the rest is plowed under for fertilizer.
They say that the most dry and sandy soil, if “greenmanured” with lupine,
is rendered fit for any crop. This is the very same “corn-field weed,” you
know, which has been cultivated from time immemorial in Southern Europe
and parts of Asia; the same which was the favorite “pulse” of the ancient
Greeks and Romans; which the Athenians used to counteract the effect of
drink, and Horace mentions as being used [as] money on the stage. Cato,
Virgil, and Pliny refer to it, and 400 years ago Gerard wrote: “There be divers
sorts of flat beans called lupine, some of the garden, and others wilde.” It is yet
extensively cultivated in many parts of the world, especially in Egypt and the
Mediterranean countries, for food, forage, and a fertilizer.
Lupine of Many Varieties.
There are over eighty species of the shrubby tribe Getistene, of the order
Leguminosae – all with flowers of pea-like form, blue, white, purple, or
yellow, in long, terminal spikes, and with flat seeds bitter as gall until the
flavor has been somewhat taken out of them. One variety, that with the blue
flowers (lupine tremis, I believe), grows wild in our own country, in sandy
places, from Canada to Florida; and we sometimes cultivate another species
in our gardens, those with beautiful pink, white, or yellow flowers, though
unaware of their very ancient and honorable family.
The range of the thermometer in the Azores is from 45 degrees Fahr., the
lowest known extreme, or 48 degrees, the ordinary extreme of January, to
86 degrees, the highest known extreme of July near the level of the sea. But
though the climate is so temperate and equable, the extremes of sensible heat
and cold are greatly increased by the dampness of the atmosphere, which is
so great that paper hangings will not adhere to the walls and the veneering of
furniture soon slips off.
The island of Fayal comes next in due course, sailing southwest from
Flores 114 miles. It is, perhaps, the most frequented of all the Azores, after
St. Michael, as it has one of the best harbors in the archipelago and lies directly
in the path of vessels crossing the Atlantic.
286 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Place of Sanctuary.
At any rate it has long been famous to America, and doubtless in Europe
also, as the old-time paradise of absconding bank cashiers and swindlers of
all sorts and conditions, who found it advisable to retire for a time from the
public gaze.
The island got its singular name from a green shrub, the faya, which carpets
all its valleys and clothes its mountains from top to bottom. Seen from afar, it
is one immense conical mountain, rising to the clouds and bearing every trace
of comparatively recent volcanic formation.
Its chief town, Villa da Horta, lies at the southwestern extremity, on a broad,
deep, semi-circular bay, which is protected by two bold promontories, that
form the horns of the crescent. Besides its own headlands, Monte da Quia and
Espalamaca, facing each other like watchful sentinels, the harbor of Horta is
somewhat sheltered by the long island of Sao Jorge to the northward, while
only four miles away the magnificent volcano of Pico lifts its broad shoulders
as an efficient breakwater to the southeastern gales.
Just north of Monte da Guia, the southwest headland, stands Monte Quemada,
or Burnt Mountain, with its curiously colored red and brown cliffs and base of
blackened slag, and cultivated terraces, like ancient battlements. It juts sharply
into the sea, and on the reef extending from it is an uncompleted breakwater.
A Dream of Beauty.
Among the patches of grain and corn and vineland, separated by tall hedges of
cane, which crown the heights and terrace their sides, you see the remains of
ancient fortifications and two or three old castles, all fallen to decay. The first
view of the harbor and city flashes upon the traveler like a dream of beauty.
Villa da Horta occupies the entire shore of the bay, and clings to the steep sides
of the hill that rises abruptly from the water’s edge – the quaint monotony
of its one story, whitewashed buildings, with dingy red roofs, all apparently
precisely alike, rising one above another, relieved by the bright green of orange
groves and gardens, over which scores of windmills swing their lusty arms as
if challenging any number of Azorean Don Quixotes to mortal combat. The
principal street of the city follows the curve of the bay, all the way from Monte
Quemada to Espalanaca, the two horns of the crescent, and is protected from
the encroachments of the sea by a high, thick, parapeted wall of masonry.
In front of this the ocean waves lapse gently upon a beach of glittering black
Fannie B. Ward 287

sand. In the suburbs villas peer out from embowering foliage, and behind all,
the smooth topped hills trend gradually toward the center of the island, until
they are lost amid the clouds that encircle their summits.

4.  AMONG THE AZORES [2]


Life in Fayal and Its Chief City, Horta.
SOME ISLAND ODDITIES
Old Fort San Juan and Its Bits of History.
Quaint Place and Quaint People – A Gala Day – Irving’s Alhambra Recalled.

Horta, Fayal, Sept. 9. – Special Correspondence. – Although the Azores have


remained in Portuguese possession since the day of their discovery – except
during the short and almost forgotten period of Spanish dominion – this island
which we call Fayal is named in all the old European geographies A Ilha dos
Flamengos, the Flemish Island. It came about in this way:
Away back in the fifteenth century when Portugal occupied a much higher
position among the nations of the earth than at present and could afford to
give away territories as large as any she now retains, King Duarte presented
this archipelago to his brother, Prince Henry. At that time England was getting
copiously drenched in the blood of the Roses, under the reign of Henry VI,
or rather of his more spirited spouse, Queen Margaret. It happened that King
Duarte’s sister had married the Count o£ Flanders and Duke of Burgundy, and
she induced Prince Henry to send out as colonists to the Azores a great many
Flemings who sought her protection from the persecutions then devastating
the Low Countries. All trace of Flemish speech has long since vanished from
the islands and none of their inhabitants now make any special claim of Span-
ish descent, but there still remain numerous indications of the time when the
bulk of the population came from distant Flanders.
The capital of this island got its name, Horta, from Huerta, its Flemish founder,
and a lovely village a few miles inland is known to this day as O Valle dos
Flamengos – the Valley of Flemings – because it was originally settled by
those exiles.
288 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

A Gala Day.
We arrived in the harbor of Horta on a Sunday morning, the gala day of the
week in these good Catholic countries, and this is what we saw:
The few vessels riding at anchor in the roadstead tricked out in festive bunting
flying from gaff and masthead; all manner of smaller sailing crafts known
to Mediterranean waters darting about the bay and across the Pico channel;
boatmen rushing frantically up and down the beach after the manner of their
kind, assisting the launching of their wherries by a world of clamor and
gesticulation; the long, straggling city following the semi-circular sweep of
the bay from headland to headland and climbing-on terraces up the hillside, its
quaint, one-story houses, painted glaringly white with red tiled roofs, resem-
bling the Swiss toy villages of our childhood; above, tier upon tier of ridges
with misty hollows in them, gradually narrowing and fading into the softened
outlines of the central mountains, the sky, that of Italy, the sea with azure tints
that hint of bloom. About midway in the half-moon shaped beach a small
wharf built upon the solid rock juts forth from under the frowning ramparts of
a fort where sentinels pace to and fro under the blue and white flag of Portugal.
As we went up the slippery steps of the wave-washed granite quay the
reveille, sounding from the fort, was answered by the blare of trumpets from
the garrison on the hilltop and the resonant clangor of the cathedral bell. The
high, substantial stone wall, built along the whole city front, just above the
beach of glittering black sand, is a much needed bulwark, for there is only
one narrow street between it and the first line of houses.
Quaint, Strong, Old-Fashioned.
Day and night the surf thunders against this protecting sea wall with a vio-
lence that makes the earth tremble. At high tide the billows roll nearly to the
top of the wall, and in severe storms they often break across it, plunging in
immense volumes into the fort and over the roofs of the adjoining buildings
that quiver and shake before them like reeds in the wind. Both walls and
buildings have been many times crushed like an egg shell by the force of the
waves, in winter gales, when the harbor becomes a broken waste of foam and
the granite quay is completely buried from sight. Then all the smaller craft in
the bay are swamped, vessels drag their anchors and drift upon the rocks or the
beach, and it is impossible to pass through the main street of the city without
being thoroughly drenched.
Fannie B. Ward 289

On the wharf was a chattering multitude, all in their “Sunday best,” though the
majority, both men and women, were barefooted or wore wooden shoes. There
were voluble officials, trimly uniformed soldiers, peasants with produce to
sell, beggars in variegated rags, and bevies of giggling senhoritas; the latter in
every case convoyed by vigilant duennas who kept a sharp eye for flirtatious
sons of Mars.
Most of the men wore gay woolen caps, like those of the Neapolitan fishermen,
the pointed top tasseled and hanging over the side; their shirts and trousers of
white linen, and a short jacket of dark woolen stuff carelessly thrown over one
shoulder.
Costumes of the Women.
All the women were bonnetless, with red, blue, or yellow cotton handker-
chiefs tied over their heads. They wore white “short-gowns” and very full
skirts of dark blue or red calico, and some peered out from the placket holes
of coarse linen petticoats thrown over the head and shoulders. Others were
entirely enveloped in capotes, or hooded cloaks, of dark blue cloth – that
strange garment which Azorean ladies wear on all occasions – both winter and
summer. The cloak part is simply an enormous circle, extending to the ankles,
and the hood, of astonishing dimensions, is so stiffened with whalebone and
buckram that it looks like a chaise-top. A capote costs from $30 to $60 and
is the chief article in the trousseau of a well-to-do Fayalese bride. Like the
Mexican rebosa and the old-fashioned waterproofs we used to wear it hides a
multitude of shortcomings in other details of the toilet.
All that can be seen of a woman inside of one is her hands and a pair of black
eyes, glistening as if it were in the depths of a coal hod. The wearer holds
the two sides of the hood together in such a way as to hide her own face,
while she gives herself ample opportunity to peer out upon everything in
range, and especially to study the (to her) outlandish costumes of las Ameri-
canas. As you may imagine, nothing can be funnier than the side view of two
capotes gossiping together on the street.
Streets Genial and Straggling.
The Rua de São Francisco, Horta’s principal thoroughfare, extends the whole
length of the city in a straggling, genial sort of way, inviting fellowship from
all manner of lazy waterside folk and scenes alongshore, and from the far pret-
tier and more interesting thoroughfares that come down from the mountains
290 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

past orange groves and vineyards, and garden-embowered villas. It monopo-


lizes all the business of Horta, all the stores and principal residences and public
buildings, the cathedral and churches and barracks. At intervals it widens out
into large well-paved squares and tiny parks, where beggars and fleas “most
do congregate.”
In every square is a public well, where water carriers loiter, and picturesque
groups of women, dropping their odd horn cups and filling their churn-like
casks, are coming and going, with much laughter and gossip, the whole day
long.
Architecturally, the city is vastly more quaint than beautiful. Street facades
present the queerest of styles and studies. Some of them are veneered with
porcelain tiles called azulejos (literally translated, “blue-eyes”) and the names
of the streets are also lettered in the same blue and white ware, set into the
walls. The shops are mere windowless store-houses with blank outer walls,
but each with two or three enormous doors which stand wide open by day but
are barred at night as if for a siege. Dwellings are built above the stops, with
small balconies projecting over the street.
Balconies Are Universal.
Balconies in the Azores are as universal as in Havana, Lisbon, or Madrid.
Some project from supports of carved stone, others rest with airy insecurity
upon fancifully wrought timbers, and others show the daintiest patterns into
which brass and iron can be wrought. All are latticed, and in this lattice work
are queer little slides and grates – peep holes – behind which many a Juliet
watches her Romeo’s coming. In passing you get glimpses of lovely roguish
faces (the lovelier because half concealed), and receive coquettish smiles and
sly salutes with fans and finger tips. It is considered highly improper for a
Fayal maiden of the better class to so much as glance at a man in the street,
and should you venture to call upon her, though with a string of introductions
a yard long, the social heavens mould surely fall; but local custom gives them
the blessed privilege of flirting with any stranger who happens to come along,
from the safe and lofty vantage ground of their balconied alcobas.
Evidently that rare jewel, consistency, does not abound even in these “Western
islands.” The houses are built in continuous blocks close up to the sidewalks,
the lower floor being on a level with it. Each has a courtyard or sagão, as the
Portuguese call it, equivalent to the patio of the Spaniards. In the better houses
they are paved in patterns, with gray and white pebbles, with dados of bright-
Fannie B. Ward 291

colored tiles having a beautiful Oriental effect. These glazed tiles, by the way,
are an interesting relic of the Moslem occupation of the Iberian peninsula.
Irving’s Alhambra Recalled.
Irving, writing about the Alhambra, says of them: “Some are still to be seen
among the Moorish ruins, which have been there upward of eight centuries.”
When the Spaniard invaded the Netherlands the tiles went with them – white
porcelain, with geometric figures of blue, brown, green, or yellow – and their
cleanliness made them acceptable to the Dutch. In colonial days our forefa-
thers brought them to New England, where we know them as Dutch tiles,
but they are still Moslem, and Dutch only by adoption. These of the Azores
are mostly made in Oporto, and there are many other manufactories in Spain
and Portugal. It was the late Mrs. Harrison’s dream to have the White House
kitchens floored and ceiled with neat “Dutch tiles,” but her ambition was not
realized.
To return to our Fayal sagão. A long flight of wooden stairs leads up to the
dwelling part of the casa, and usually a bell rope hangs beside the door on
the landing. Nobody pays any attention, to the bell, however, which seems to
have been put there mainly for ornament – the proper way, from the Azorean
standpoint, being to announce your arrival by clapping your hands, as they did
in the “Arabian Nights,” you remember. The great double doors of the sagão
are painted green, blue, or yellow, and have clumsy iron hinges, latches, locks,
and knockers that would delight an antiquary, and the lintels and casements
of hewn stone are painted in colors to match the doors, while the walls are
dead white. There are two good inns, in both of which the English language is
spoken – the Hotel Central and the Hotel Fayal.
Azorean Hotels.
The fixed price in all the Azorean hotels is 1.150 reis a day – a large sum,
you think at first sight of the figures, but it is only $1.19 American money
for fare fully equal to that for which our hotels charge $3 per day. The floors
are bare, but frequently washed, the beds a trifle hard, but always clean, and
the attendance good enough – after you get used to going out on the balcony
and clapping your hands while shouting “Ho Jose!” exactly as Don Quixote
summoned Sancho Panza. The Hotel Fayal has the advantage of being nearest
the landing and of having a very large garden surrounded by high walls, its
broad avenues lined with trees under which are rustic seats, orange groves,
292 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

and banana walks and smaller fruits in abundance, such as guavas, nespras,
figs, pomegranates, etc. Here are flowers, too, in wild profusion the whole
year round, exhaling delightful perfume, while the little olive-colored canaries
fill the air with song.
There are long hedges of camellias and bowers covered with passion flowers,
acacias rosy with bloom, stephanotis, ipomoeas – and such roses! They
grow on trees many feet high, and one single Cherokee or Banksia rose bush
entirely covers one of the walls for the length of thirty feet. Like all the other
gardens of the island this is inclosed by walls of lava stone sixteen feet high
and three feet thick. Tall mimosa trees guard the entrance, flanked by palms
and immense ferns. Ivies and flowering creepers fairly run riot, and the broad
avenues are shaded by incense trees, the leaves of which are aromatic and the
nuts are burned as incense in the churches.
Charming Invalid’s Retreat.
In this charming place an invalid or a wearied traveler may swing her ham-
mock and indulge in all-day siestas, and every night be lulled to sleep by the
music of old ocean’s grandest symphonies.
Directly opposite Hotel Fayal stands the old Fort San Juan, where the famous
cannon “Long Tom” is mounted. It is the forty-two-pounder pivot gun which
belonged to the privateer, General Armstrong, in the war of 1812. Right here
the Armstrong was blown up and for many years her wreck lay on the beach
before the castle of San Juan. The defense of this vessel on Sept. 26, 1814,
is one of the most gallant exploits in the history of American naval warfare.
Captain Reid and his officers were at a ball on shore when it was reported
that a British fleet was off the port. He hurried on board and moved his ship
under protection of Port San Juan. Though he had only seven guns and ninety
men he repulsed three attacks of flotillas sent in by the British squadron,
destroying many boats and inflicting on the enemy a loss of 300 men.
Finding that he must eventually be overpowered Captain Reid caused the
muzzle of “Long Tom” to be pointed into the hold and fired, thus scuttling the
ship, when he escaped with his crew to shore. Long afterward the “Long Tom”
was fished up and mounted in the fort, where patriotism impels at least every
American comer to make it a visit. There is nothing else very warlike about
the old castle. It contains a few rusty guns and pyramids of cannon balls and
a squad of soldiers, whose principal occupation seems to be the peaceful one
of playing cards.
Fannie B. Ward 293

5.  AZORE ISLAND LIFE


Pictures of the Peasantry of Fayal and Pico.
ORIENTAL AND ODD
White-Winged Wherries and Scenes About Horta.
Some Queer Street Names – A Delicate Operation –
Religious and Educational.

Horta, Fayal Island, Sept. 15. – Special Correspondence. – The Azoreans,


like the peasantry of Southern Europe, are very early risers. Long before the
sun has climbed the hills that environ Horta, you are awakened by a strange,
insistent clatter – “the sound of the wooden shoon” beating a tattoo upon the
pavements, mingled with the softer patter of donkeys’ unshod feet and the
light-hearted chatter of many people wending their way to market, to labor in
the fields, to the orange gardens for fruit, or to the upper heights for firewood.
Presently the church bells begin their clangor, the reveille sounds from the
barracks, and guns from the San Juan fort are answered by prolonged echoes
and bugle blasts from other fortifications.
By that time the drowsy god is effectually put to flight and you conclude that
it is well to turn out into the streets with the rest of this little island-world.
The proper thing to do – after the mug of chocolate and crusty roll that
precedes breakfast by several hours – is to stroll down to the shore just before
sunrise and see the boats come in from Pico, the sugar-loaf island across the
bay, which, having no harbor or anchorage of its own, serves as a tributary
to Fayal.
Taking his morning bath in the clouds, Pico gives no hint of his 11,000 feet
crater cone. Rising in symmetrical proportions, its top is perpetually veiled
in mist, while half a mile from its surf-washed base the sea is unfathomable.
But on its edge you see a narrow line of white houses, and further up gardens
and fig trees, vineyards and groves of oranges and apricots. Screaming gulls
desert their resting places on the rocks near the coast and swim about in the
water, joined by innumerable sea birds, and the little brown canaries that fly
away to Pico at every nightfall, flit overhead in countless numbers on their
way back to the fields of Fayal.
294 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Picturesque Pico Figures.


Fleets of Pico ferry boats – large, open wherries, each carrying two lateen
sails, looking in the distance like other flocks of white-winged birds – come
skimming across the bay, laden to the gunwale with peasants and their pro-
duce, on their way to the Fayal market. Arrived on this side of the boisterous
channel, the boats are run up on the sandy beach, or moored alongside the
quay, to be unloaded.
Then the barefooted, wooden-shod, or sandaled men and women hoist boxes,
baskets, and bundles on their heads, and trudge away up the middle of the
street, erect, careless, and chattering like magpies, no matter how heavy their
burden. Many of them are bowed beneath loads of wood that would stagger
a horse, the bundle bound around with an iron hoop, like an overgrown cart-
wheel; and besides this burden resting on the head and shoulders a basket of
something in each hand.
A few of the men are dressed entirely in dark red, with rude cow-hide sandals
on their feet, evidently of their own manufacture, knotted at the toe, and with
the hair left on. The Pico peasants, we are told, used to wear red altogether,
and have fashions of their own, distinctive from those of the other islanders;
but of late years, since so many foreigners visit these parts, the fear of ridicule
has caused most of them to discard the costume of their fathers, or to keep
away from Horta. Now few but the older people, too old and dignified to
bother with the vagaries of fashion, appear in red from top to toe.
One of the most picturesque figures I ever saw was an aged citizen of Pico,
with long, gray hair and beard, dressed in a short jacket of red linsey-woolsey,
waist coat, and knee breeches of the same, red gaiters buttoned over sandaled
feet, and a knitted cap of red wool, the tassel on the pointed end dangling at
one side among his wind-blown snowy locks.
A Favorite Walk in Fayal.
Another favorite morning walk is to Porto Pim, an excellent little haven
adjoining the main port – or, rather, it would be excellent were there no
westerly gales, to the full sweep of which it is exposed.
It lies just around the corner of the headland called Monte da Guia, the base of
which is connected with Monte Quemada by a high beach of glittering black
sand. The opening between these two peaks makes a suburb setting for the
Fannie B. Ward 295

huge volcano beyond, which has many times shaken up the island, Da Praya
de Norte, the crater of which is said to be 1,800 feet deep.
The town on the side toward Porto Pim is walled by an ancient Spanish forti-
fication, erected, centuries ago, as a defense against the descents of corsairs,
and is entered by a medieval gateway. Beyond the gateway windmills swing
their mighty arms, tents are pitched along the shore for bathers, and naked
children frolic among the bleaching timbers of stranded wrecks, upon which
nets have been spread to dry. Fishermen saunter up from their boats, carrying
queerly woven baskets of fish, that show all the colors of the rainbow, red
predominating, and women plod townward, with huge bundles of cane stalks
on their heads, or casks full of water, on the surface of which sprigs of green
are floating, to prevent spilling.
One never tires of the street scenes of Horta – ever changing, always
picturesque.
The streets themselves, like those of the other islands, are very narrow, and are
paved with oblong blocks of stone. Some of them have sidewalks, generally
not wide enough for two persons to walk abreast, and others have only one
row of wider stones down the middle of the road, for pedestrians.
In the nomenclature of these streets (or “ruas,” in local parlance) honors are
about evenly divided between the saints and human heroes, as, for example,
Jesus Christ street, Rua de Cônsul Dabney, Rua de San Pedro, Rua de Conde
de Santa Anna, Conception street, Compassion street, Crucifixion street, etc.,
all lettered in blue and white tiles on the corner houses. Only the Alameda
de Gloria – a short, wide street, which would anywhere else be called a “place”
– is bordered with trees, the rest being too narrow; and the glare of the sun on
the unshaded white walls is so trying to the eyes that men, as well as women,
carry sun umbrellas.
Pictures of the Peasants.
The market place, a square, paved inclosure with a well in the center, has
a few trees around the edges, and is always crowded with brown, pleasant-
faced people – elderly, sun-burned women with white or red handkerchiefs on
their heads, and on top of the handkerchief a round straw hat; capot-hidden
women a few pegs higher in the social scale, city servants with their endless
castanet-like clinking of wooden shoes; grim men from the farthest upland
wilds of Pico – tall, lank, grave, and austere, their sack-like garments hanging
limp to the primmest of knee breeches, which lead to stockings of wonderful
296 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

colors and feet covered with rawhide sandals to which the hair still clings,
fastened across the toes with rawhide thongs, precisely like the pampootas,
the earliest foot-covering known to man; wasp-waisted military attaches in
green-trimmed brown, buff, and blue uniforms and little caps set jauntily on
the back of their heads; solemn, bay-windowed padres; beggars with smiling
faces, as cheerful over rebuff as reward – all so tinged with the Oriental that
you can hardly believe yourself only 2,000 miles away from America, while
at least two centuries behind the progress of the country.
Here comes a Fayal gardener with his basket of cucumbers covered with fresh
green ferns, carried on the back of his neck supported by a pole over the right
shoulder. Behind him trots a woman with a flaring black basket on her head,
piled high with red and yellow apricots.
Another has a gigantic wooden platter full of fluffy white ducks, their broad
yellow bills resting on the rim.
Immense melon-shaped squashes are carefully poised on the heads of others,
and on top of the squash is, perhaps, a cabbage leaf containing a pat of butter,
a few fresh eggs, or some other marketable commodity.
Most of these women are bodiced, and all are short-skirted, with bare feet and
legs. Thick, goiter-like necks are universal among this class – due, no doubt,
to the constant habit of carrying heavy weights on the head.
Oriental and Ancient.
The round hats that top the handkerchiefs when there is no burden to be
carried are fastened under the wearer’s chin by knotted cords; and when the
hats do not stay on securely by reasons of sportive breezes, the woman picks
up a stone of suitable size, places it upon the crown of the hat and pursues her
way in serene content.
Here comes the milkman, bearing a crooked pole across his shoulders, from
which depend wooden buckets and pottery measures.
The poulterer also has a pole on his shoulders, from which live fowls are
suspended by the legs.
Meek-eyed donkeys file by, singly or in twos or fours, carrying between them
a huge box or hogshead swinging from great beams whose ends rest upon
their backs, their slim legs twisting and turning beneath them as they trot
along. Other donkeys are so completely hidden under towering loads of furze,
bushwood, straw, or cornstalks that only the tips of their noses and the ends of
their tails are visible.
Fannie B. Ward 297

“Ande!” “Ande!” (go along) shout their drivers, prodding the patient little
creatures continually with long, iron-pointed spikes.
There goes a haciendado from the rural districts with his creaking cart drawn
by an ox and a cow yoked together; or maybe it is an ox and a mule, or a cow
and a pony.
But always the cart is of the same Azorean pattern, made of one piece of
wood, with a wicker-basket body and wheels of solid wood, which revolve
slowly on the heavy axle with terrific groans and moans so dear to the heart
of the Fayalese peasant.
Observe a group of women at a public well. Their tall wooden casks, shaped
like old-fashioned churns, and holding six or seven gallons, stand on the stone
curb. One by one the women throw the bucket down into the fern-draped well,
dip it into the water, then haul it up hand over hand, full and dripping, and pour
it into their casks. When the vessels are all full, each rolls up a little pad and
places it on top of her head, and is assisted by her neighbor to hoist the heavy
cask upon it. We wonder how the last woman is going to manage her bucket.
A Delicate Operation.
The problem is soon solved; two companions already laden, stoop their bodies,
but with heads held stiffly erect, and without spilling a drop from their own
casks, dexterously lift the last one to its place, and away they all trot together,
bright and cheerful, chattering like magpies, without ever raising a hand to
steady their burden.
The public garden, in the northwest suburb, is small but prettily laid out, full
of flowers both winter and summer, with pathways winding around a green
monticule in the center, on the summit of which is an octagon-house for the
shelter of visitors. This is the site of the first church built on the island – that
of St. John’s, with a nunnery attached, which was destroyed by lightning many
years ago. Nothing now remains of the old pile except a square tower on the
west side, of the wall, which is apparently upheld and preserved by its mantle
of creepers.
The most conspicuous building in Horta is the old Jesuit Convent and College,
with a church in the center. The college and convent are now used for offices
by the civil government, and are simply lofty buildings forming the wings of
a church.
All the convents are now used for benevolent or useful purposes, for the nuns
and monks were expelled and religious communities suppressed by Dom
298 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Pedro IV, about sixty years ago. At that time there were forty-five convents
of nuns and monks in the archipelago, with upward of 11,000 inmates. The
majority of these remained recipients of government pensions during their
lives – a heavy tax on a small community with limited resources, but never-
theless a just one. They were finally reduced to an abbess and one sister, who
lingered to great age, supported on the former nunnery of St. Anthony, and
both died about two years ago.
Religious and Educational.
The churches are all Moorish in architecture, with pretentious facades, three or
four stories high, flanked by square towers, surmounted by Saracenic domes.
The interiors are bare and lofty, with two rows of massive pillars supporting
the roof, and many altars tawdry with gilding and artificial flowers.
Some of the shrines are decorated with great bows and rosettes made of cheap
American neckties; others are decked with cotton laces, poor tapestry, and
tinsel and gewgaws. The floor of one of the churches on a Sunday morning
looks like a gay flower garden, with its crowds of kneeling women, with
bright-hued handkerchiefs on the heads.
Rockets sent up from the church steps form part of the regular service, and
bells are rung on week days almost as continuously as on Sundays.
The Carmelite church and convent, which stands upon a prominent hill, is
now used as barracks for the soldiers of the garrison.
The old Franciscan convent, connected with another spacious and profusely
ornamented church, has been turned into a hospital.
The small convent of the order of St. Anthony has become an asylum for
destitute girls between the ages of 8 and 16 years, where they are taught a little
reading, writing, and embroidery, and a good deal about sewing, cooking,
and domestic economy. When their education is considered complete, they
are taken into service by respectable families, who are placed under judicial
obligations to treat them kindly. The government furnishes the building only
for the worthy institution, and private charities support it.
Fannie B. Ward 299

6.  AMONG THE AZOREANS


Pleasure Seeking in Pico, the Heart of the Islands.
ODD MOUNTAIN STUDY
Splendid Grapes Growing Among Bare Lava Stones.
Typical Archipelago Vineyards – Magdalena’s Quaint Burg –
Beautiful Women.

Horta, Fayal Island. Sept. 27. – Special Correspondence. – Notwithstanding


Horta’s many attractions the stranger within its gates cannot be contented until
he has crossed the five-mile channel to Pico – the mountain island whose
huge bulk towering directly in front of the port, is visible from every part of
Fayal. Its volcanic cone, tapering upward to a height of nearly 8,000 feet and
as beautifully shaped as if chiseled by art, surrounded at its base by innumer-
able smaller craters, is the central point in the Azorean archipelago, visible
so many miles out on the broad Atlantic that it has even been proposed as a
first meridian of longitude. Viewed from a distance, it looks like a great black
column rising straight out of the sea.
From the hills behind Horta, with clouds intervening, it seems of incalculable
height and size, while down at the water’s edge it appears like a mighty preci-
pice looming directly above, which grows in magnitude the longer you gaze
upon it, until you actually fear that the heap of hardened lava, a mile high, may
topple over on Fayal and crush it out of existence.
Skirting its incomparably picturesque shores in a boat and remembering that
every atom of mountain and shore was belched forth in volcanic fires you
can think of no better description of it than the old simile of a vast cinder
heap, where the larger slag has continually rolled to the outer edge into the
sea, forming an ever-broadening base, while the finer siftings steadily add in
height to the perfect cone above.
Pico the Azores’ Barometer.
Pico is the barometer of the Azores. When he shows his head in the afternoon
good weather is indicated for the morrow, but when he remains hidden all day
with no break in the upper clouds the signs are so unpropitious that no amount
of gold can lure an Azorean far from shore.
Cohorts of constantly shifting clouds add to it both mystery and immensity.
Never entirely unveiled at once and clearcut against the sky it is often so
300 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

completely shrouded from base to summit as to be invisible, even from so


near a point as Fayal. After having gazed at it from your window in admiring
wonder the last thing before going to bed at night it gives you an uncanny
feeling to be utterly unable to see any sign or trace of it in the morning – as if
it had slipped its anchor in the darkness and sailed away to the other side of the
globe; or was it only a phantom mountain, with no tangible existence at all?
It is a favorite saying among the Fayalese that “King Pico never wears the
same gown twice.”
As seen from Horta it is usually clothed in dull green, with narrow bands of
white indicating the small truncated cones of extinct craters, but the clouds that
encircle its pinnacle are forever changing in color and contour, and at sunset
it is beautiful beyond description. It is oftenest bathed from crown to base in a
rosy glow, that deepens gradually to amethyst, then to royal purple, then fades
to pale gray, and is gone. Sometimes, in the midst of sullen clouds that have all
day hidden it from sight, a blood-red spot appears, which turns to burnished
copper and glows like the open door of a furnace. Suddenly the cloud curtains
are drawn aside, as by an invisible hand, and the peak, all aflame, is disclosed.
The Peak All Ablaze.
As you gaze entranced, the flames wax redder and mount higher, sending their
radiance far down the shoulders of the mountain, whose huge body remains
murky black. Alternately meeting and parting, as if to increase the spectacular
effect, the clouds roll by, and the peak, now lifted into infinite height, is trans-
figured with unearthly glory. It is in reality “a pillar of cloud by day and a
pillar of fire by night,” for its crater, which in days of yore has been the source
of so many disastrous eruptions, emits breath of such intense heat that in the
moonlight and in certain conditions of the atmosphere at dawn or twilight,
bright flames are plainly discerned flickering amid thin wreaths of smoke.
As you watch the boats plying all day long across the narrow channel the
temptation becomes irresistible to pay this mysterious neighbor a visit. And
nothing is easier.
Although the Portuguese language is to you a sealed book, the boatmen
are accustomed to the ways of visiting foreigners and know what you want
without the aid of words, and they readily make room for you in some
comfortable corner of an outgoing felucca, and make you understand, too, the
price therefore.
Fannie B. Ward 301

It takes only half an hour to cross from Horta to the little village of Area Larga,
or to Magdalena, the chief town of Pico, where many of Fayal’s citizens have
summer residences.
The native boats, despite their rude appearance, make almost yachting time,
their immense lateen sails swelling and straining in the breeze as they careen
over the billows, now and then tossing spray into your face.
The groups of chattering, gaily dressed peasants, lounging on deck among the
bales and boxes and queer commodities, are charmingly picturesque; sea and
sky are “deeply, darkly, desperately blue,” and straight before you towers the
stupendous cone, black, solitary and sublime.
The Island Described.
Nothing can be more interesting than a study of Pico’s base from an open boat.
The island is about forty-eight miles long by fifteen miles in the widest part,
gradually narrowing to the southeast, where it terminates in an acute angle.
Its population is estimated at 30,000, scattered among half a dozen little cities
and perhaps a score of hamlets.
The single tremendous peak from which the island derives its name and which
furnishes the highest altitude to be seen by mariners in Atlantic waters stands
near the western end of it – that nearest to Fayal. A few hundred feet above
the shore immense layers of black lava show edges as plain and clean cut as a
carefully laid wall. Each of these bears evidence to a separate overflow of lava
from the volcano above. In places they come squarely to the edge of the sea,
like huge breakwaters of masonry, and anon they are crumpled or blended as
if by torrents of molten lava.
Interspersed between these are ragged crags jutting through the surf, showing
where melted masses seethed and cooled; and, again, are long reaches where
the mighty Atlantic has been pounding unhindered for ages of precipitous
strata worn into arches and pillars and buttresses, some of them hundreds of
feet high – most curious and fanciful representations of vast ruins of temples
and cathedral aisles.
The soil is everywhere almost too stony to produce much grain, so that most
of the food supplies are imported from the neighboring islands. Years ago,
before a blight fell upon the vines and nearly destroyed the leading industry,
a great deal of wine was made – the very best in the Azores.
302 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Some Azorean Vineyards.


Then the exportation of this commodity sometimes amounted to 100,000
barrels a year; now it is hardly as many gallons.
No vineyard in Tuscany produces finer grapes than those that grow on this
bare mountain. They are small and white, resembling the Delaware grape in
shape, size, and texture, but with so delicate and delicious a flavor that one
may eat pounds of them without a surfeit. The wine is a mild tipple suggesting
Madeira in taste and color, with the advantage of being much cheaper. The
juice is trodden out in vats, by the naked feet of boys and girls, and its proper
market is the West Indies, especially among the army and navy, where it is
considered superior to any other vintage for use in hot climates.
The British commissioners of those colonies keep an agent at Fayal who
contracts for the principal portion of Pico’s annual yield, which is brought
over in small boats to the port of Horta and shipped in vessels employed for
that particular trade.
As you approach the mountain, its base from a little distance appears to be
covered with a coarse black network, which may easily be mistaken for trel-
lises of damp wood for the vines to run on, but when close enough to see
objects distinctly the supposed trellis work turns out to be a network of low
stone walls – myriads of them, rising tier above tier like the seats in a theater
– dividing the larger vineyards into tiny compartments.
There is not an atom of anything deserving the name of vegetable soil from
the base to the top of Pico and that green vines and lush grapes should be
produced among the barren stones of the mountain seems to you a phenom-
enon as singular as that of pure water gushing out of a rock. Had Pico been the
veritable heap of cinders around Vulcan’s furnace it would hardly be blacker
than the lumps of lava among which the vines grow.
Imagine the refuse of a stone quarry spread out over the slope of a mountain,
divided into little patches by two-foot walls of the same material; then fancy
a single vine just sprouting, planted in the center of each division – the whole
vineyard of twenty or thirty acres surrounded by a higher wall of loosely piled
stones – and you have a tolerable idea of what a Pico vineyard looks like at
this time of year.
Where corrugated cliffs of the coast line have been worn by ocean surges into
a similitude of ruined castles spanned by natural bridges and girt about by
chevaux de fries of rocks, through narrow, watery lanes between detached
Fannie B. Ward 303

pillars and arched cathedral aisles, you ride up to the little cove in front of
the town.
A huge roller that threatens to swamp the boat runs it up on the beach, and
though the landing stairs are completely submerged you are set ashore
dry shod.
The beach is at all times lively with naked boys, scampering about with shrill
laughter and outcry, dragging up armfuls of sea moss, snatched from the crest
of the wave. Great piles of this moss, alternate red and white, are drying on
the shingle to be sold for a fertilizer, and filling the air with “a very ancient
and fishy smell.”
Magdalena is the quaintest little burg imaginable, the glare of its white walled
cottages subdivided by the fringy foliage of the tamarisk, the only kind of tree
that flourishes on the island. It has showy spikes of long pink flowers and is
very delicate and graceful. Its wood is said to equal mahogany and is in great
request in Lisbon, where it is manufactured into fine furniture.
Of course you go at once to the Consul’s house, which is doubly interesting as
having been a former priory.
Handsome Island Women.
The refectory of the monks and their narrow cells are now the family sitting
and sleeping rooms, and from the veranda you may look upward into stony
vineyards, or outward upon long swells of the Atlantic, where within half a
mile of the doorstep the sea is unfathomable.
You may easily walk to the nearby village of Criação Velha (Old Creation),
which is even quainter than Magdalena, and more intensely Portuguese than
any spot in Portugal. It has no water, and troops of barefooted women are con-
stantly jogging over the stony road carrying heavy buckets on their heads to
and from the seaside well, two miles away – in each full bucket some sprigs of
fresh ferns to keep the water cool and prevent spilling. You are struck by their
tall, erect figures, well-developed chests, and graceful carriage, and especially
by their full, liquid “ox eyes,” such as Homer gave to his goddesses, fringed
with long black lashes.
The women of Pico are said to be the handsomest in the Azores, and some
enthusiastic travelers have pronounced them the most beautiful in the world.
Certainly they are superb pictures of health and contentment, and if worldly
lore is lacking, “where ignorance is bliss ’twere folly to be wise.” Their round,
304 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

delicately featured faces have a peculiarly kind expression, and to the stranger
they are courtesy personified.
The Pico costume is very pretty – a dark blue petticoat of heavy woolen stuff
known as “picot,” bordered with rows of scarlet; a hussar jacket of the same
reaching just to the belt line, with many seams in the back all heavily corded
with scarlet; the hair, combed smoothly back from the forehead, confined in a
classic knot behind and covered with a red cotton handkerchief knotted under
the chin; on top of the handkerchief a low-crowned sailor hat, such as the men
wear, made of flat braid of the island, trimmed with a scarlet worsted band.

7.  UP A DEAD VOLCANO


A Monster Not Far From Fayal, in the Azores.
ON THE ISLAND OF PICO
Fannie B. Ward Ascends One Glorious September Morning.
On the Edge of a Smokestack 8,000 Feet High – Asleep Above the Clouds.

Horta, Fayal Island, Sept. 30. – Special Correspondence. – While visiting


Pico, you should by all means ascend the volcano which has given its name
to the island. Two days are usually allowed for the journey, and since four-
legged animals are as scarce as comfortable lodging places, it will be well
to avoid delay by making arrangements in advance as far as possible. And
then all depends upon the weather, that most uncertain of things Azorean, for
without a clear day it is love’s labor lost to climb the peak, since you get not
a glimpse of “scenery” beyond the cinders underfoot, and a boundless sea of
impenetrable clouds that swathe the mountain from base to summit. If time
presses, the trip may be accomplished in one day, by passing the night at Old
Creation (Criacao Velha, commonly called “Villas” by foreigners, a village on
the lower slope of the mountain, about two miles from Magdalena), and start-
ing for the summit next morning before daybreak.
We were exceptionally fortunate in having all things arranged for our comfort
by acquaintances in Horta. As before mentioned, many of Fayal’s wealthiest
citizens have their summer residences over on Pico Island, and one of the now
deserted cottages was placed at our disposal, and the services bespoken of
Jose Maria, the well-known mountaineer, who acted as cook and courier and
bargained with the island folk for all essentials.
Fannie B. Ward 305

I believe that but one person ever lived who could preserve his dignity on
donkey-back – he whose entry into Jerusalem is commemorated on Palm
Sunday – and I doubt if even he could have done it in the Azores. Not only are
the island donkeys so diminutive that a rider of average height and size finds
his feet almost touching the ground on either side when mounted, and feels
that he might much better be carrying the poor little beast than allowing it to
carry him, but the whole outfit is absurdity personified.
Your Faithful Quadruped.
First the donkey is covered from head to tail with a clumsy packsaddle.
Above this is piled the andilhas, a wooden frame that looks like a short-legged
sawhorse. The rider, if a woman, sits between the X shaped ends of the
andilhas on the right side of the animal, without even holding the bridle,
which is a mere ornamental appendage. As safely penned as in a baby jumper,
she has no responsibility whatever in the business, except to keep her hat on
if she can and accommodate her muscles to the ambling gait of the creature,
which sways the andilhas like a violently rocked cradle, causing her to keep
up a succession of jerky little bows, like those of an over-polite marionette.
The donkey is always attended by a driver, barefooted boy who runs along-
side with incessant shouts of “Ande!” “Passe caya!” He carries a long, sharp
goad, with which he constantly urges the beast to the top of its speed, up hill
and down; and when a steep downhill is reached, where caution is required,
he inflicts a few extra jabs of the goad and then applies the brake by seizing
the donkey’s tail and holding back with might and main. It is useless to protest
against these procedures. The driver merely looks his mild astonishment that
any human being should know so little about the management of donkeys and
pursues his own course; and you soon learn to trust the novel brake in the most
dangerous paths.
The sun had not yet appeared when we found ourselves fairly on the way
to Pico’s summit. It was a glorious September morning, with a fresh breeze
scattering the clouds that veiled the upper heights. At first the road, stony, but
not excessively steep, wound between gardens, orange groves, and vineyards,
all fenced by loose walls of lava, and hedged by oleanders and arbutus. There
are no large trees in Pico. Dwarf cedars, fayas, box, moss and ferns form about
all the indigenous vegetation. Streams and cascades are also “conspicuous
by their absence,” for scarcity of water is a pronounced characteristic of the
island. Vellas, the first village en route, like most of the others, has no water at
306 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

all, and you meet troops of chattering women, each with a huge water cask on
her head, trudging to Magdalena, two miles away, whence all the household
supplies must be obtained by making two or three journeys each day. Think
of it, grumbling housewives at home, who have only to turn a faucet for the
water you want; what if you had to walk four miles for every drop of water
required! Laborers, early afield, are busy with their short-handled hoes in the
yam patches. Robins, canaries, and blackbirds sing in the hedge rows; rabbits
scamper across the pathway, and quails and partridges are flushed at the first
sound of approach.
The Scenery Higher Up.
Higher up, broad, undulating slabs of lava cover the ground, as if the whole
country were paved with asphalt, interspersed with scanty bits of pasturage,
like oases in the desert. You notice that all the cattle are small and red; the
goats are black, with branching horns, and the sheep have remarkably long,
white wool. The cattle-sheds, like every bit of rock in sight, are so heavily
coated with lichens that at a little distance they look as if painted a mottled
green. Scores of smoke columns rising in solitary places denote the fires of
charcoal burners, and myriads of açores (hawks, whose presence in such num-
bers give the archipelago its name) circle aimlessly overhead. The truncated
outline of the distant cone, toward which you are toiling, is wreathed with
light, rosy clouds, and its summit glows like a living coal in the rising sun,
while the lower half of the mountain is yet in mist and shadow.
Before noon you come to the point where all attempt at cultivation ceases,
and the mountain becomes nothing but a vast heap of loose slag and cin-
ders, seamed by gulches in every direction. Here many people bound for the
summit pass the first night, sleeping in a herder’s hut, among the lambs and
calves; but since the weather was so favorable, and our start sufficiently early,
we preferred to press on to the top, and spend the second night at this place,
on the return.
Not far above the donkeys must be abandoned, and the remainder of the ascent
performed on foot, with the aid of alpenstocks. All who undertake this jour-
ney should have the good sense to bring along stout boots that reach nearly to
the knee. But about nine out of ten do not. Most of the women wear ordinary
walking shoes, with more or less thinness of sole and exaggeration of heel,
and sometimes even the abominable toothpick pointed toes. The consequence
is that very few of them ever get to the top. After climbing awhile in torture,
they are forced to sit down disconsolate, and wait for the others to go on to
Fannie B. Ward 307

victory, or spend days afterward picking cinders out of their lacerated feet.
A lady shod in spiked-sole cowhide brogans may not be able to frisk about
gracefully like an opera bouffe shepherdess, but at least she can accomplish
what she came for, and sing a song of triumph on the mountain top. There are
2,000 feet of hard scrambling over loose rocks, that slip away beneath the feet
at every step, not particularly dangerous, but toilsome to the last degree. It is
like climbing up over a dome, and as you ascend the apex, the wind, unhin-
dered is its sweep across the broad Atlantic, increases to a gale that threatens
to whisk you off into space.
Climax of the Ascent.
The supreme effort comes with scaling the rocky wall that rims the outside
crater – for here is a crater within a crater. The outer one is perhaps 300 yards
across, with perpendicular sides averaging seventy feet in height, except at
one point, where a break has been made. Looking down into it is like gazing
upon a ruined fortress from the battlements thereof, the masses of scoriae
and blackened lava that lie strewn all around answering for the fragments of
shattered towers. Descending easily enough through the break in the wall,
you stand upon an almost level floor, in the midst of which, on a platform of
lava, which is again supported by long buttresses, rugged and twisted, like the
writhing limbs of tremendous dragons suddenly stiffened into stone, rises the
cone, 200 feet high.
The heat in the amphitheater is intense, and being overpowered with thirst, you
search at once for “Vulcan’s well,” which previous visitors have described.
It is a bowl-shaped hollow, hidden deep within a cleft in the wall, filled with
ice-cold water, notwithstanding the atmosphere of hades, being inclosed like
the bulb of air in a spirit level. Scrambling to the top of this spirelike cone,
constantly loosening stones, that roll downward, threatening the heads of
those who follow, after many bruises and backslidings you finally reach the
top, and find a slightly depressed second crater, not more than twenty-five feet
in diameter, out of which a thin, hot vapor issues. This is the very chimney
from which rise the clouds of steam and tongues of flame visible so far out
at sea. The stones all around are so hot that you cannot long bear your hands
upon them, and perched upon the edge of the lofty pinnacle you feel as if
seated at the top of a smokestack, as if you had only to lean outward and drop
down the sheer descent – 8,000 feet – into the ocean below. Giddiness seizes
you, and a certain awesome solemnity, as if you were the last living creature
308 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

standing alone upon the very apex of creation, an indescribable sensation


which can be experienced only on the top of mountains that stand entirely
isolated between sea and sky, and like Pico, terminate in a minute point.
Thousands of feet below, white-clouds lie scattered like a fleet of ships,
becalmed; the white walls of Horta glisten almost at your feet, and the tender
green of Fayal’s softly undulating hills seem so near that you may hear the
charcoal burners at their work. To the north and east, Terceira, Saint George
and Graciosa look like emeralds, surrounded by a surf rim of pearls, set in the
amethystine floor of the ocean. The blended line of sea and sky is indistin-
guishable – intense blue above and below, streaked with lavender, nile green,
and palest tints of rose.
Happily, the descent to the herder’s cabin is rapidly made, or darkness would
overtake you on the mountain top. After José Maria’s savory and much-needed
supper, which, let us hope, is awaiting your arrival, you are glad enough to
roll up in a blanket and lie down to pleasant dreams, undisturbed alike by the
proximity of the lambs and calves, the trampling of donkeys and snoring of
guides, and the strange sense of isolation from all your kind, as if transported
to another planet. Visions of earthquakes flit through your slumbers, and it not
unlikely that the earth may more than once tremble beneath you.
But there is really no danger, the volcano has been so long quiescent. History
tells of several destructive eruptions, but all long ago. In the 1572 it broke out
in a new spot on the north side, near the village of Prainha, and sent down a
stream of lava six miles wide, which devastated everything in its course to the
sea. Again in 1718 and 1719 there were destructive eruptions, both from new
openings in the mountain side; and in 1870 the tall cone suddenly converted
itself into an active smokestack, sending forth flames and lava almost uninter-
ruptedly for six months, during which time stones and ashes were sometimes
blown even as far as St. George’s Island. In the morning you enjoy the novelty
of awakening above the clouds, which completely shut out the world below,
nothing visible in infinite space but the cinders immediately under foot. By the
time breakfast has been eaten among the calves and donkeys the clouds
have begun to disperse, and if you are a tolerably good rider you may reach
Magdalena by noon, and even your own comfortable quarters in the Horta
Hotel across the channel, there to nurse your bruises and backaches for many
days to come, but firm in the conviction that the trip to Pico top was well
worth so small a penalty.
Fannie B. Ward 309

8.  AZORES IN AUTUMN


Rides and Drives Around the Island Capital.
TRIP TO THE LAVA BEDS
Caverns Deep, Dark, and Dangerous in Volcano Land.
Peasant Life and Rural Scenes – Primitive Farming – Some Picturesque Places.

Horta, Fayal Island. Oct. 3. – Special Correspondence. – One of Fayal’s


greatest attractions consists of the many delightful rides and drives within easy
reach of Horta. Portugal has shown surprising liberality to these islands in the
matter of roads, and, which many of them are literally level as a board floor,
all are as nearly perfect as roads can be in a mountainous region. One may
visit any part of the island in a day’s journey and find the beautiful views, the
fertile hills and valleys, and the primitive, pastoral life, charming, quaint, and
picturesque enough to delight the ennouye and fill an artist with enthusiasm.
The rich soil and semi-tropical climate combine to give rare luxuriance to
the verdure, while the moist atmosphere keeps it green from spring to spring.
Wherever one goes for miles in any direction from Horta, he sees gardens
gay with blooms and fence walls covered with vines, ferns, and blossoming
parasites. Indeed, the gardens are the pride of the islanders, and nothing is
neglected to bring them to absolute perfection.
As to modes of transit, there is always the small but sturdy donkey, whose
back is the safest and easiest, as well as the cheapest, vehicle to be found in the
Azores – whether we sit in the saw-horse shaped native saddle, or are mounted
only on a well-strapped sheep-skin.
A Trip to Capello.
There are a few uncomfortable carriages in Horta, which may be hired as
tolerably moderate rates. Each has two poles, and is drawn by three mules,
guided by three reins. But the Portuguese coachman is not nearly so trust-
worthy as the average donkey, and a great deal more stupid. Generally he is
as ignorant of his profession as constitutionally timid. He merely sits aloft on
the box, enjoying the scenery of his beloved Fayal, while puffing his cigarette
of cheapest tobacco in your face and making a feint of earning his wage by
lashing the mules into an uninterrupted dead run. Up hill and down they dash
at break-neck speed, regardless of bumps and bruises and loosened wheels,
310 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

taking chances on steep grades that an American coachman could not be hired
to, even “in his cups,” and if an accident occurs, as is more than likely to be
the case, the jehu’s only resource is to smoke, swear and scream, and further
abuse to the poor beasts.
A favorite excursion is to the village of Capello, fourteen miles southwest
from Horta, over the fine new road which is to extend around the entire island,
now about two-thirds completed. Much of it is built on solid masonry, always
where ravines are to be crossed, and the rest of the way the earth is packed
down with the hardness of concrete. Beautiful blue hydrangeas of great size
border the road, but no grass is to be seen, for none – properly so-called –
grows in the island; instead, the bright little hop-clover and the wild carrot
flourish everywhere.
Madeira vines, climbing in wild luxuriance, fill the air with fragrance; golden
oxalis, purple-tasseled ice-plant, and corydalis fill all the crevices of the walls,
and above them tall fuchsias droop their flowers and oleanders bloom, and
fig-trees show their loads of fruit.
Historic White Castle.
All these in gardens set close together; and further on, in the more thinly
settled country, patches of towering canes wave their bannerets far above, and
serpent-like cacti in spots where the outer coating has crumbled away.
The largest hamlet is called Castillo Brando (white castle), so named from
an enormous rock lying off the shore. It is nearly 500 feet high, and from the
sea appears like an enormous fortress, entirely disconnected from the island.
In reality, it is a bold promontory, sloping sharply backward, and ending in a
narrow isthmus, which joins at the mainland. On its summit are the ruins of a
monastery, about which many traditions cling. In former years it served as a
refuge for the nuns of the neighboring convents whenever jolly corsairs made
their descents upon the island. Imbedded in the walls you may still find the
remains of antique Dutch tiles, china plaques, and marine shells, with which
they were profusely decorated; and from some old wells in the vicinity bits of
rare Indian ceramics were exhumed a few years ago which were curious and
beautiful enough to set an art collector wild with admiration.
The Land of the Volcano.
Between the villages sloping to the sea are fields of yams and sweet potatoes,
corn, and wheat, besides beans, melons, squashes, and other “garden sass,”
growing as thriftly here as in Illinois or Ohio. But somehow there is an
Fannie B. Ward 311

unexplainable difference, not only in the look of them, but in the taste, though
cooked by the self-same process.
The corn, too, is different. It is not planted in hills, nor yet for fodder as at
home, but each stalk, growing remarkably tall, stands by itself at a consider-
able distance from its neighbor, and the ground around it is not hoed, nor cared
for in any way between planting and harvest.
Beans and melon vines usually grow between; or if not, purple ageratum
mignonette, and other wild flowers spring up unhindered.
These fields extend from far up the hillsides down to the very ocean, where
they end in high cliffs of black volcanic rock, which is worn underneath by the
restless waves into caverns and fantastic arches.
Approaching Capello you see black conical peaks towering ahead, each with
its extinct crater, and all but some with grain fields on their slopes. That soli-
tary exception, bare of verdure and glowing angry red in the sunshine, emitted
the latest lava stream that wrought havoc in the island. It occurred some two
centuries ago, and the path of the torrent is still plainly to be seen, a mile wide
and many miles long, strewn with lava stone to the depth of several feet.
Nature has been doing her very best ever since to efface the scars and repair
the ravages; but beyond soft gray lichens covering the boulders, and faya
bushes, and tree-heather now just beginning to take root, there is no vegeta-
tion from the top of the mountain to the sea – nor will there be until long after
the present generation and several to come have turned to dust.
Caverns Deep and Darksome.
The superstitious natives have appropriately named this peak “El Mysterio,”
and still regard it with awe and reverence.
Its last recorded eruption occurred in April, when its downpour of molten
lava laid waste all the farms and villages in its course; and as soon as their
terror subsided the people of Capello went en masse to Horta, and registered
a solemn vow in the presence of the mayor and aldermen and all the priests of
the city, to give alms to the poor on every Whitsunday, thenceforth and forever
– a promise which is still religiously kept. Consequently there are very few
really poor people to be seen in Capello – though the richest among its citizens
lack many things which to us seem the commonest necessaries of life.
There is no hotel, but luckily our Consul has a cottage there, as in several other
beautiful parts of the island, to which he occasionally flits for a few days’ rest,
and he kindly gives his countrymen and country-women permission to take
312 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

possession of it, with their hampers and other impedimenta, when making a
visit to the village. The principal point of interest is a grewsome cavern in the
near-by lava bed, from which some fine specimens may be obtained. The way
thereto winds up a steep path among the hills.
It is necessary to have a guide familiar with the place, and to pick your way
carefully among the lava beds; for although the small blocks of lava, piled
one above the other, look firm enough under their soft carpet of gray-green
lichens, there are half-hidden crevices here and there, showing black, awful
caverns yawning beneath – of unknown extent and probably flavored by the
ocean which is here some 16,000 feet deep – into which at any moment the
slipping away of a single stone might plunge the unwary.
Mysteries and Diversions.
Only one of these caverns has yet been explored, and that is a very small one,
only about twenty feet deep by as many wide, but with possibilities of increase
blood-curdling to imagine. When accidentally discovered by the Consul’s son,
it was only a chink in the floor of the lava bed, half hidden by a tuft of ferns
that grew beside it. Pulling up the fern-root disclosed a hole, perhaps a yard
wide. Next time it was seen, stones had slipped away here and there, or had
settled into unknown depths below, and the cavity was three times as big as
when first looked into, and it has continued to increase, almost imperceptible,
stone by stone, to its present proportions.
You may easily scramble down into it, and with a small hammer carefully
break off pieces of red, gray, green, and mottled lava, brittle and beautiful as
coral; but the whole place trembles under foot and echoes hollow at every
blow.
The theory is that the glowing torrent here suddenly cooled, and its fiery
bubbles, protected by the dense surface of a more sluggish current, following
immediately after, have preserved their shape and color to this day. But when
the bright-hued lava, so different in texture, structure, and color, from the
surface of the bed to which it belongs, is exposed to the air, it soon fades to
duller red.
One gets some diverting glimpses of peasant life in these rides around Fayal.
For instance, to the picturesque Meranti ravine, not far from Horta, with its
rattling watermills and swirling stream devoted to prosaic laundry purposes.
On the way thereto you meet troops of bare-legged women, with their gay
petticoats tucked up and great bundles of clothes on their heads picking
Fannie B. Ward 313

their way carefully down the ledges, or like Nausicaa when met by Ulysses,
washing the linen and spreading it, white as snow, upon the rocks to dry.
That unpoetical employment is carried on here in a way that certainly cleanses
the garments, but proves destructive to their texture.
Very Ancient Agriculture.
They are washed in sea water, among the slimy rocks, and never boiled. Tubs
are unknown, a convenient stone serving as a rubbing board. Then they are
spread on rocks or rubbish heaped by the roadside, with stones placed on the
corner of each garment to hold it flat, and sprinkled two or three times a day
for several days. The sun does the rest.
Half way up the steep hillside, overlooking this Miranti ravine, the ruins of
a once pretentious villa hang like a deserted bird’s nest. It belonged to an
old-time Spanish Consul, a hidalgo of high degree in his “ain countree,” and
must have been a most fantastic structure, its walls plastered with shells,
Dutch tiles, and old china.
The Monte da Guia must also be visited – the tall promontory at the northern
horn of Horta’s crescent-shaped harbor. Having clambered up the almost
perpendicular shoreward side of the hill, over slippery stones and through
fields of lupine between cane hedges, you are rewarded by a magnificent view
of the “Western Ocean.” There is a signal station on top for telegraphing the
arrival of vessels; and near it is a chapel dedicated to Our Lady of Guia, at
whose annual festival the good people of Horta turn out as one man and climb
the rocks, on their knees as far as possible, to worship at this lonely shrine.
What farming was in the day of David and the prophets, of Homer, and of
Virgil, it is today in the Azores. The yoke, the cart, the plow, the harrow,
the thrashing floor, and the winnowing, are all precisely as described in the
Old Testament, the Odyssey and the Georgics. The grain is cut with a sickle,
and the sheaths bound by men, women, and children, as in the days of Ruth
and Boaz.
Every well-to-do Azorean peasant has near his hut an eira (Latin, area) or
thrashing floor – a circular space of hard trodden pumice, fifteen to twenty
feet in diameter, surrounded by a low wall of weather-beaten stone. The
unbound sheaths are thrown upon the eira floor, and over them cattle are
driven, attached to a wooden drag, whose lower surface is studded with iron
spikes or sharp bits of lava – the team guided by a long rope, tied to the right
horn of the off ox and held in the driver’s hand.
314 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Primitive Practices.
You frequently see children attending to the thrashing, while the elders are
doing the heavier work in the fields. Any boy or girl can drive a pair of cattle
Azorean fashion, and they seem to enjoy the fun.
After scampering pell-mell over the eira a few times, with shouts and
laughter, the straw must be turned over with wooden pitchforks, made of a
single piece of wood cleft into three prongs at one end, much as Neptune’s
trident is pictured. Then it is thrashed and dragged again; and afterward the
straw is drawn out with cumbrous wooden rakes, the grain swept up into a
windrow, and a flag raised to ascertain the direction of the wind. Then men
with wooden shovels toss the wheat into the air, against the wind, which win-
nows it by blowing away the chaff.
Close by the eira is usually an arched stone building, not unlike a rather
large Dutch oven, plastered and whitewashed like the houses. Within this is a
cistern. Spouts lead from the tiled roofs into the eira, and others from the
eira into the cisterns, and thus the rainwater used for household purposes is
collected in this streamless country. Often close by the cisterns are “stationary
washtubs,” hewn out of the rocks, shallow at the front and sloping deep at the
back, that the stone side may serve the purpose of a washing board.
The corn mill of Fayal is almost a facsimile of the old asinaria of the Romans.
The lower story of some of the houses is used as a mill. A cow is harnessed
to a crank as the horse does duty in a New England cider-mill. Her eyes are
covered with tunnel-shaped tin blinders, and she travels in a circle, turning
one stone upon another, thus grinding about a bushel of corn in an hour. There
are a few windmills of rude construction in Fayal, but the cow mill and the
scriptural hand mills are much more common for corn grinding.

9.  NEST OF THE CLOUDS


Trip to the Greatest Crater in the World.
FAYAL’S BIG SHOW PLACE
Ride to a Mountain Top in a Hammock.
The Story of a Caldron Two Thousand Feet Deep – Fenced by Flowers.

Horta, Fayal island, Oct. 7. – Special Correspondence. – Fayal’s principal


show place, the “Caldeira” – Portuguese for caldron, or kettle – lies up among
Fannie B. Ward 315

the mountains toward the middle of the island, only about ten miles from
Horta. The enormous pot is an object of ceaseless interest, being the largest
extinct crater in the world – nearly 2,000 feet deep and six miles around its
circular rim, and may be easily visited in a day’s journey, either on donkey-
back or in a hammock. The latter mode of transit is much affected by lady
tourists – the hammock swung at either end of a long pole, which is carried
on the shoulders of two men. But if you choose this method of transportation,
take my advice and have an extra mule in tow, for you will surely need him
before the journey ends. The hammock bearers trot briskly, up hill and down,
as though your weight were no more than a feather; and for the first two
or three miles you think it the most luxurious mode of traveling that can be
imagined. Half reclining, with nothing to do but hold a sun-shade and enjoy
the prospect, the old Methodist hymn recurs to mind – something about being
“carried to the skies on flow’ry beds of ease.” But after a while your feet “go
to sleep,” as the children say; then the strange numbness extends to the limbs,
and finally to every part of the body. Nervous pains follow, culminating in
intense nausea, until you are glad to walk any number of miles rather than
ride another minute in that palanquin fashion. However, you have a great deal
to enjoy before all this occurs, and by varying the programme with the extra
donkey, may get along delightfully.
In a Hammock.
Leaving the city behind to the east, for the first six miles the road is smooth
and gently ascending, between orange groves, cultivated fields, and country
houses. The hammock carriers reverse ends, and you “ride backward,” as
otherwise you heels would be higher than your head going up hill. Probably
this hastens the inevitable nausea, but in the matter of scenery it gives you
the advantage of those on donkey-back, who can only see straight ahead in
the narrow lanes. You get lovely views of the smiling valleys, high hills, and
rugged ravines, the red-roofed casas of Horta spread out below, the harbor
dotted with vessels, and omnipresent, cloud-wrapped Pico only four miles
away.
The greenest of those pastoral vales is the celebrated Valle dos Flamengos,
which, tradition says, was originally settled by the Flemish. Its dingy, moss-
grown village, founded in the fifteenth century, is not only the oldest town in
the Azores, but the dullest and sleepiest – and that is saying a great deal for
it in the way of dullness. Antiquity weighs heavily indeed upon Flamengos.
316 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Grass and weeds grow thickly between the stones that pave the streets, and an
oppressive silence reigns. Half the houses are without the least indication of
being inhabited, and all the walls and buildings, once whitewashed, are now
weather stained and lichen covered, and parasitic plants fatten upon them.
The people appear as if they looked upon levity or action as an insult to the
traditions of the place. Even at midday the thoroughfares and public square
are empty.
The shopkeepers lounge in their doorways, expecting no customers. Now and
then an unkempt citizen shuffles aimlessly into view, with an air of having
nowhere to go and no reason for going anywhere, and the women washing in
the little stream that trickles through the rocky gorge in front of the village are
not chattering laughing like their voluble sisters in other places.
Fenced in Flowers.
For miles the way is hedged with blue hydrangeas (Hortensia?), a plant not
indigenous to Fayal, but thoroughly naturalized. It is used for fencing the small
fields and planted in rows, grows to great height, each tree bearing hundreds
of trusses of light blue blossoms that from a distance look like a soft blue mist
on the slopes of the hills. The pastures are pink with genuine Scotch heather,
alternated with patches of blue periwinkles, and box is everywhere, similar
to that cultivated for English borders, only grown tall and cone-shaped, like
Lombardy poplars. Presently you come upon a successions of heathery ridges,
crowned with stunted shrubs, whose interminable dreariness is relieved only
by occasional herds of undersized cattle or men, women, or children plodding
downward to their valley homes, each completely buried beneath the bundle
of brushwood which he or she has been to the mountain to gather. The path
grows rougher and wilder, and finally disappears altogether. The donkeys and
hammock-bearers pick their way carefully over rolling stones and slippery
boulders, along the bottom of deep ravines that will be watercourses by and
by when the rainy season sets in, or follow sheep trails along the narrow edge
of crumbling ridges, the wise little donkeys putting their feet close together
and gently tobogganing down into the gullies. In all the gorges that furrow
the hills in every direction ferns grow with wonderful luxuriance, the Wood-
wardia radicans, with graceful fronds six and eight feet long, mingled with
masses of ivy similar to the “English” variety, among which scarlet orchids
and other bright flowers bloom.
Fannie B. Ward 317

A few miles of such traveling, steadily up and up, and suddenly a particularly
lonely ridge comes to an end upon the very brink of the tremendous crater,
O Caldeira, whose yawning mouth measures more than two miles straight
across. The vast, round pot has a circumference of six miles at the top,
gradually decreasing to a third of that area at the bottom, and the sides of it,
lined with heath and faya brushes, are so nearly perpendicular that it looks like
an enormous funnel, sunk two thousand feet into the earth. If it happens to be
free from clouds, the spectacle is indeed awe-inspiring.
In the Pit.
The only entrance to the pit is down the rocky and tortuous bed of a stream
– a passage as dangerous as it is difficult, often apparently ending in
abrupt projections from which you must either leap or fall. The guide says
“O Caminho não está bom” – the road is good for nothing – and tells you of
a young American who lost his life in making the descent a few years ago,
but when you see dozens of men and women toiling up barefooted, all with
great sheaves on their heads, you determine to venture it. Down the steep trail
you go, assisted by the protesting but always trustworthy guide – scrambling,
sliding, jumping, tumbling, often turning angles so sharp that you cannot trace
the way a yard ahead, and in making the two thousand feet to the bottom are
obliged to traverse at least three times that distance in dizzy zigzags. It takes
the best mountaineers more than an hour to do it, and again and again, meeting
peasants staggering under heavy loads, you are lost in wonder at the patient
industry or depth of poverty which impels them to such effort for so small a
return. Their sheaves are of rushes, gathered at the bottom of the crater, which
they will “season” at home and then braid into matting or cattle ropes. You
may buy these rope coils in the market, each three yards long, for a patank
– 5 cents. But think of the hardship and toil that have gone to make one of
them. The miles of weary walking barefooted through rocky ravines to the
summit of the Caldeira, the fatiguing descent into the pit, the hours of hard
labor in the broiling sun, the long climbs up again under the burden – all for
5 cents. When the rushes are gathered they are first tied into small packages
and then these are bound together into an immense bundle, so disposed that
a round place is left in the middle, through which the bearer thrusts his head.
Arrived at the bottom, you find the floor of the crater undulating, slightly boggy
in places, and covered with spongy moss, into which the feet sink ankle deep
at every step, with occasional dryer patches, where mint and tansy flourish.
318 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

A dark tarn occupies the center – not of turbid water, as at first glance you
fancy, but clear as crystal beneath its thick covering of interwoven leaves and
stems of some acuatic plant. Line and plummet have never sounded the depth
of this tartaean lake, but tradition gives it direct communication with the ocean.
A few cattle graze near its borders (how in the world did they get there?) gulls
flit screaming over, and gold and silver fish dart among the lily roots. Some-
body must have stocked the pond with the latter – maybe the thrifty Flemings
of a former century – because there are no native fish in the island, nor snakes,
nor reptiles of any kind. Close by is the real crater of the spot – a miniature
volcano several hundred feet high, with a cavity also in its center, the whole
covered with a dense growth of evergreens.
The Nest of the Clouds.
The Fayalese peasants, who are by no means so unimaginative as they appear,
speak poetically of the Caldeira as “The Nest of the Clouds.” And truly it is
an apt simile. In the morning the great basin is completely filled with clouds,
which seem to be shaking and pluming themselves after a night’s rest. The
great cauldron seethes with them. Higher and higher they rise, until at last they
roll over the brim and pour down upon the surrounding hills. Detachments of
them remain on guard all day, circling around the edge of the abyss, now lifted
high in the air, and again falling solidly to the bottom, continually weaving
themselves into a thousand fantastic shapes.
No words can describe the awful sensation it give you, when standing at the
bottom of the crater, to gaze upward and see an ocean of clouds pouring over
the edge like a second Niagara, and roiling above you in billows like those of
the Atlantic. The terrible walls seem to close in around you, making escape
impossible. In vain you strain your eyes to get even a glimpse of the sky from
the depths of this mighty well, this weird and grewsome place in which the
Fayalese peasantry locate every evil witch and warlock which rally forth to
harass the sons of men.
It is a good deal easier to get into a hole than to get out again, as the Bard of
Mantua sagely remarked, though in somewhat different language. Fatiguing
and difficult as is the descent, it is child’s play compared to the weary climb
to the upper regions. It will require at least three hours, of the hardest work
you ever did in your life, and the chances are that you will sit down more than
once on some projecting rock and declare that you cannot go another single
step. The guides help all they can, the path being often so narrow that two
Fannie B. Ward 319

persons cannot walk abreast, and each foothold must be selected with care,
now hauling you up by one hand, now pushing from the rear, and occasionally
a stalwart guide will hoist you to his shoulder, and, holding your knees stiffly
against his chest, while you sit as erect as possible, will make a few springs up
the dizzy path. Toward the last the hammock men come after you, and, when
the top is gained at last, you are fain to lie flat on the blessed level ground for
a while and gain breath and mental equilibrium.
Wayside Shrines.
In Fayal, as in other countries, the farther you get into the rural district, the
more distinctively novel are the scenes. You come across wayside shrines,
with flowers piled before them, or a tiny lamp flickering in a box, in memory
of somebody who died years ago on the spot. You see cows tethered in the
fields, each with a heart-shaped amulet of red flannel bound around her fore-
head to protect her from the “evil eye.” Stone huts have high-pitched thatched
roofs, with a square hole in the peak which serves as a window, out of which
a head is always shyly peering when strangers pass. The little houseyards,
fragrant with saffron and bergamot, are walled and shaded, and women sit
in the doorways with their spinning. The spinner holds a distaff between the
left arm and side. The thread is wound off the spinole on a kind of “swifts,”
such as our great-grandmothers used to have, twisted with the left hand.
A great deal of flax is grown in the Azores, and takes the place that cotton does
with us. The men of the better class dress in suits of snowy-white linen, and
peasants in the coarser, unbleached sorts. Woolen cloths are also woven, dyed
black, brown, blue, and gray, resembling coarse felting. The country house
interior is easily described, because there is so little in it. It has but one room,
the rafters in bold relief above, sometimes “a woven work of willow boughs”
partitioning off one end for a bedroom; a loft above it reached by a ladder;
each bed a pile of furze or straw on the earth of the first floor, and on the
poles laid close together of the loft. There is neither stove nor chimney. The
fireplace is merely an adobe shelf built against the side wall, and on it furze
and faggots are burned, the smoke escaping as best it can through the roof and
open door. For cooking utensils there are pots and jars of crude red pottery
and occasionally an iron kettle. Meat is a rare article of food with the Azorean
peasant. Unleavened corn bread, baked over the coals – coarse, hard, sour,
and smoky – is the chief of his diet, with a bit of fish or cheese, a red pepper,
and a cup of water. No wonder he is such a queer creature – sensitive, jealous,
320 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

superstitious, and cowardly. But there is also much to be said in his favor. He
is temperate and industrious, kind and helpful to strangers, and so polite that
even the barefooted, half-clothed donkey boys address one another as senhor.
All your stable bills and other accounts made out by the natives, though they
amount to but a few cents, are addressed to “O Illustrissima Excellentissima
Senhora” – The Most Illustrious, Most Excellent Lady – and the naked young-
sters in the street kiss their hands to you. And now we are off for Terceira and
the capital of the island.

10.  THE AZORES’ CAPITAL


Characteristics of the Third Island of the Archipelago’s Nine.
ANGRA ON TERCEIRA ISLE
Old-Time Refuge for Discomfited Portuguese Monarchs.
What the People Do and How They Dress – A Neat Trick with a Bull.

Angra, Terceira Island. Oct. 11. – When the Portuguese mariner who first
sighted this archipelago came upon the third island in the order of discovery
he named it Terceira, Castilian for “third.” Although by no means the largest
island of the group it ranks first in the political history of the Azores, as well
as in the estimation of the mother country and the hearts of the islanders.
Settled in the sixteenth century, it was made the capital of the group, partly on
count of its central position and also because it has the safest roadstead of all
the islands excepting Fayal, which lies too far westward for equal legislation.
Terceira is about twenty-one miles long by twelve broad, and its population is
now estimated at 60,000. Environed by rocky promontories it looks from the
sea very much like Fayal, but closer observation discloses radical differences.
Instead of the cones, craters, and bifurcated peaks which distinguish the other
islands and exhibit such strong evidence of comparatively recent volcanic
eruptions its 170 miles of rugged coast line inclose many beautiful plateaus
from 2,000 to 4,000 feet above the sea, all its mountain tops being flattened
out into broad plains. Doubtless Terceira, like the rest of them, has had its
volcanic eruptions, but at a period so remote that their vortexes have filled up
by the gradual operations of time. The level craters and entirely decomposed
lava show that the volcanoes were spouting away many centuries before those
Fannie B. Ward 321

of Fayal and Pico were tossed up from the ocean. Terceira has no boiling or
mineral springs, such as have made its neighbors famous, but it abounds in
grain fields, orange and lemon groves, rich pasturage, and fine cattle.
The port of Angra is situated much like that of Horta, the great headland which
protects it, called Monte do Brazil, being the counterpart of Fayal’s Monte
Monte de Guia – both resenting precipitous fronts in the sea, sloping sharply
backward and connected with the mainland by a strongly fortified isthmus.
The Monte do Brazil is the pride and boast of the Angreuses, having been
more than once the refuge of runaway Portuguese kings during peninsular
revolutions. It is perhaps three miles in circumference, forming the Bay of
Angra on the east and Fanel Bay on the west. Its 600 foot high summit bears
the inevitable signal station of these ports – this one a tall wooden cross with a
basket attached, which is pulled up and down to announce a vessel’s approach.
The isthmus is entirely occupied by the castle of St. John the Baptist, the prin-
cipal fortress of the island, in itself a considerable village, housing upward of
2,000 souls, including the garrison. It mounts 100 pieces of cannon, many of
which are forty-eight pounders. The unhappy Don Alfonso VI. spent five years
of his life inside of those old castle walls when deposed by the Cortes and his
brother Dom Pedro II., and his imperial coat-of-arms may still be seen above
the doorway of his sleeping apartment. St. Sebastian, the second fortification
which defends the port of Angra, so called in honor of its founder, the ill-fated
monarch of that name, is situated on the east side of the bay, where its artillery
crosses with that of San Antonio. There is also a subterranean passage to a
battery upon a rock, against which the sea breaks with fury, whose guns cover
the port, and the whole coast as far as Feteira; and taken altogether Terceira’s
fortifications, though musty and out of date like everything Portuguese, would
render the approach of a hostile fleet rather hazardous, to say the least.
Loyalty to the Portuguese Crown.
Evidences of the martial spirit of the islanders and their loyalty to the fortunes
of the Portuguese crown abound on every hand. The name of the place, Angra
do Heroismo (“Bay of Heroism”), was bestowed by a grateful sovereign for
value received, as was also the city’s proud title, Siempre Leal, meaning
“always loyal.” After the popular acclamation of Dom Antonio, prior of Crato,
the Portuguese throne, to which there had already been nine “pretenders,” was
usurped by Philip II. of Spain. Terceira resisted his power bravely for several
years, but at last, in 1582, she succumbed to the Spanish fleet, of ninety
322 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

sail, under the famous Marques de Bazan. After more than half a century of
submission to the hated Spanish rule Dom Joao VI. was proclaimed king, as
he had been in Portugal, and the Spaniards expelled from the island. The third
important struggle, which earned the city the epithet “do Heroismo,” occurred
in the present century, when the citizens declared themselves supporters of the
rights of Dona Maria da Gloria, against her uncle, Dom Miguel, the despotic
regent, who was finally overthrown and expelled from the kingdom. It took
six years of hard fighting in Portugal to down this sturdy usurper, but in
Terceira the central struggle lasted less than four months. Dona Maria resided
at Angra about three years, beginning in 1830. A few miles east of this port is
a coast village which has received the high-sounding title of Praia da Victoria,
“Beach of Victory,” where several victories were gained over foreign would-
be usurpers. The plaza adjoining the pier is named Largo do Março 5, “Square
of March 5th.” In commemoration of the day of Alfonso’s arrival; and the visit
of Dom Pedro VI. is kept in affectionate remembrance by a tall monument
with pyramidal shaft, set upon a hill in the outskirts of the city.
There are other peculiarities which render Terceira superior to its neighbors.
Angra is in many respects the finest looking city in the Azores. One striking
superiority is in its sidewalks, which in some places are actually wide enough
for two people to walk abreast. Its streets are broader and more modern, and
the buildings that line them handsomer. Its whitewash looks whiter, its paint
bluer, pinker, yellower than elsewhere. Its cathedral is the largest, its churches
the best and most numerous, and to crown all and cap the climax of Azorean
glory it is the only city in the archipelago which can boast a genuine bull ring,
where regular fiestas de tauros take place. The cathedral occupies an eminence
in the center of the city, its foundations laid in a flagged yard, with a parapet
and flight of stone steps leading up from the street. There are three arched
doorways in its whitewashed façade, with a high tower on either side of a
pediment, wherein is a clock which from time out of mind has refused to tell
the hours. The interior would be imposing were it not for the tawdry gilding
which defaces all these Portuguese sanctuaries. Arches of beautiful construc-
tion and two rows of lofty pillars running the whole length of the building sup-
port the roof. On each side are four altars, and the chapel of the high altar at the
farther end is arched in hewn stone, its dome supported by six gilded columns.
Close by the high altar is the tomb of Ponto da Gama, who visited this island in
1497, in company with his illustrious brother, Vasco da Gama, on their return
from a voyage to the Indies, and Ponto got no further, and least in the flesh.
Fannie B. Ward 323

Connected with the cathedral is a rather interesting annex wherein the


vestments and processional images and church treasures are kept, and where
the bishop and priest hold their conferences. Ranged in chronological order
around its walls are the portraits of all the Bishops who have officiated here
since the first one came 350 years ago. In the way of art they are a curious
study. Some were painted in Lisbon and some on the spot by native artists,
and those of the fifteenth century are quite as good as those of the nineteenth.
The only inn of the island, the Hotel Terceirense, faces the main plaza in its
gaudy garb of whitewash and red, blue, and yellow paint. From front to rear
and top to bottom, from vile odors and buggy beds and the unguessable com-
ponents of its menu it is as Portuguese as anything to be found in Portugal,
dirty and comfortless beyond compare. The only entrance is through a dim
sagão (answering to the Spanish patio, or inner court), which is used as a wine
vault, and is full of musty hogsheads and sour smells, accurately betokening
the condition of things beyond.
When Society Airs Itself.
The aristocracy par excellence of the Azores resides at Angra, including his
holiness, the Bishop, and the Governor General of the island, and titles are as
thick as colonels in Kentucky. On pleasant days the streets and public squares
present an animated appearance, the spacious shops displaying goods from
Lisbon and Madrid, the tobacconists and wine dealers and gambling parlors,
all with doors and windows wide open and doing a thriving business. But in
rainy weather, which is so frequent in these island, everything is closed and
deserted, and in the evenings the dimly lighted streets are silent as the grave
by early bedtime. The liveliest place in town is the market plaza in the early
morning. There you see peasants in clean linen suits, with immense double
collar of Roman gold and funny little melon-shaped caps, of dark blue cloth
with scarlet lappets turned up at the sides. Itinerant merchants, with their wares
in huge wooden trays, or in baskets of braided rushes, carried on the head, or
slung on poles over the shoulders, perambulate in many picturesque varieties
of costume. The cream of society is of course Portuguese and to see it at its
best you should go to the central plaza about sunset. Numerous Don Quixotes
prance gayly about on spirited little island ponies, and crowds of pedestri-
ans loiter under the oleander trees; the Governor General, resplendent in gold
lace; handsome, dark-skinned officers in gaudy sashes and uniforms of green
and gold; elegantly dressed ladies, toddling painfully on French heels set in
324 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

the middle of shoes several sizes too small; the more comfortable and gen-
erally better looking barefooted sisterhood who have no “style” to maintain
– every shade and stratum of Azorean life. Everybody “of the male persua-
sion,” as Mrs. Partington would say; big and little, afoot or on horseback,
puffs diligently and without ceasing at the worst smelling cigarettes that the
West Indies can produce. The Portuguese man or boy is never seen during
his walking hours without this supposed luxury in his mouth, and his powers
of expectoration are unsurpassed, even by cuspidor champions in the United
States “Sunny South.” In meeting the ladies kiss one another, first on the left
cheek and then on the right, bobbing their heads from side to side in graceful
unison, and woe betide the foreigner not accustomed to the salutation, who
bobs her head the wrong way and gets bumped for her awkwardness! The
men also throw their arms around each other’s shoulders and kiss squarely
upon the mustache with resounding smacks like the popping of champagne
corks. While Azoreans generally are of Portuguese origin, those of Terceira
pride themselves particularly on sangre azul. The inhabitants of some of the
other islands have more or less mixture of Flemish or Moorish blood. English,
Scotch, and Irish immigrants are also present in considerable numbers,
especially in Fayal and San Miguel, and are said to be responsible for the
blue eyes and freckles that disfigure some of the younger Portuguese counte-
nances. There are also some ‘negroes’ among the reputable citizens; but a little
extra shade in the complexion and kink in the hair does not count for much
among these swarthy people. Taken all in all they are a queer lot. Among
the aristocracy the manners of Lisbon prevail and regular court etiquette is
observed at assemblies and parties. Education is at a rather low ebb in all the
islands, but less so at Terceira than elsewhere.
Natives’ Bull-Fighting Proclivities.
Among other institutions of learning at Angra is a college for the education of
priests, which has at present over 100 students. The people appear to derive
little benefit from the blessings which Providence has conferred upon them.
For example, though the finest fish in the world abound almost at their doors,
they prefer cod and dog fish and other salted (and often putrid) varieties
brought from Newfoundland and the Mediterranean. Instead of their own beef
and pork, which can hardly be excelled, they buy dry “jerk” and abominable
bacon imported from Portugal and South America; and in lieu of their own
unadulterated wine drink a vile spirit from Brazil and the West Indies, while
Fannie B. Ward 325

the so-called better class substitute gaudy cotton prints and sleazy “mixed”
goods from England for the admirable native linen.
Along with the other pernicious fashions from Lisbon the sports of the bull
ring were imported. But the Portuguese fiesta de tauros is not wildly exciting,
as reproduced at Angra, the island bulls being very small and tame and their
horns well padded to prevent them from hurting anybody. The amphitheater
where the contests take place, out in the suburb called Franca de San João,
looks like a small circus ring. It is situated on the backward slope of a hill, to
prevent the small boys and children of larger growth from getting surreptitious
unpaid-for peeps; the high whitewashed walls toward the street supplied with
shuttered windows and wooden doors, above which appear such inscriptions
as “camarotes” (boxes) and “bilhetes de sombra” (seats for the shade). You
pay the equivalent for an American quarter for a seat in a box in the shade
and half that amount for the gallery where the sun’s rays pour in unhindered.
In Terceira, as in Portugal, Spain, and Mexico, the corrida de tauros always
takes place on Sunday, the general holiday. All the world and his wife, from
the Governor General down through the nobility, the priesthood, tradesmen,
and barefooted laborers, go first to mass and throng the amphitheater later
in the day. The military band furnishes music, yellow hand bills assure the
populace that “a gay time” is bound to be had, and the audience enjoys itself
after a fashion, probably because amusements are few. Once an enthusiastic
devotee of the bull fight imported a large animal from England to add zest
in some special fiesta. Upon his debut in Azorean society the fierce bull
killed his assailant at the first dash, then proceeded to demolish the rickety
fence that incloses the arena and plunged in among the spectators, injuring
several before his course could be checked. This was too much “sport” even
for Terceirians, and since then the fighters have confined themselves to native
stock.
Much more exciting are the impromptu fights occasionally held in rural vil-
lages, to celebrate some special fiesta, patriotic or religious. They drive a wild
bull up from the fields to some long, wide street and then close the thorough-
fare at both ends. Up and down the beast rages, charging everything in sight,
frequently compelling his tormentors to vault through some window left con-
veniently open. Sometimes the maddened brute storms a door and dashes into
a house, while its inmates shin up among the rafters. The young Terceirian’s
favorite method of convincing his sweetheart of his invincible courage is to
sit on a chair in the middle of the street and let the bull charge, full tilt, down
326 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

upon him; then, just at the right instant, for the slightest miscalculation means
death, to leap up with the agility of a cat, seize the beast by the horns, and leap
lightly over his back to safety, while he vents his baffled rage upon the chair,
by reducing it to fine kindling wood.

11.  AZOREAN CRUISINGS


Graciosa and São Jorge Central islands of the Archipelago.
IS A VERDANT PARADISE
The Natives, Small and Peaceful, Match Their Islands.
How the Ursuline Sisters Stemmed the Lava’s Tide with the Power of the Cross.

Velhas, São Jorge Island, Oct. 20. – Special Correspondences. – Sailing from
Fayal to Terceira, a distance only sixty miles, we passed in the darkness of
night between the two small islands, São Jorge and Graciosa, without getting
a glimpse of either; and therefore felt constrained to retrace our steps over the
ocean highway in order to pay them a flying visit. As everybody know, this
widely scattered archipelago is divided into three distinct groups, the extreme
eastern and western islands lying some 300 miles apart, with Fayal, Pico,
São Jorge, Graciosa, and Terceira, and is yet in a measure dependent upon it,
as Pico is upon Fayal and Corvo upon Flores.
The six hours’ run between the two is generally accomplished in the small
hours after midnight. You go to sleep in your berth at one port and wake to
yourself in the other Graciosa (‘gracious paradise’) has, as its name indicates,
a rich beauty peculiarly its own, pervaded by a sort of mellow effulgence due
to certain atmospheric conditions, such as I have rarely seen elsewhere. It is
barely twenty miles in circumference, with a population of less than 20,000
and only one settlement large enough to be called a village – Santa Cruz, its
port and capital. Seen from a distance, it looks like two tiny islets, because
of tall mountains at either end, the land between them being on a level with
the sea. A more verdant peaceful looking spot could hardly be found, and
so fertile is it that the people manage to export an incredible amount of fruit
and vegetable, barley, wheat, and corn. Before the blight created such havoc
in the vineyards of all these islands, wine used to be the staple production
of Graciosa, or, rather, wine distilled into a fiery brandy, called agua ardent
Fannie B. Ward 327

(“burning water”). Nowadays, since grapes are scarcer the Azoreans content
themselves with milder tipple, made from sweet potatoes, a cheap intoxicant,
to be bought in all the so-called “dry goods” shops for two cents per glass, and
three glasses are warranted to produce the desired state of semi-oblivion and a
fine “head” for the morrow. There is no hotel or other public accommodation
for strangers in Santa Cruz, but a couple of hours will give you ample time
to see everything of interest on the islands, unless you care for a rough tramp
over the hills, to peep into the inevitable crater of the interior, one which has
had no eruption within the memory of man.
There was a fiesta in progress the day we were at Santa Cruz; the church bells
were jingling merrily and the streets were full of people in holiday attire.
The houses are well built, the thoroughfares clean, and everybody looks
prosperous and contented. We strolled two or three miles beyond the town,
into the green and pleasant country, and were much interested in the glimpses
of peasant life afforded. The tiny farms are cultivated to the utmost, and the
raising of sheep, cattle, and donkeys appears to be a prevailing industry.
Small Isles, Small Beasts.
By the way, an odd circumstance, which cannot fail to strike the observant
traveler in the Azores, is the fact that all four-footed creatures seem to increase
or diminish in their proportions, according to the size of the island upon which
they are found. Thus, in San Miguel, the largest island of the archipelago,
the cattle and horses are of ordinary size, as seen in other parts of the world,
while in Fayal and in Terceira they are “middling,” in Pico and Graciosa very
small, indeed, and on tiny Corvo and on St. Mary’s so infinitesimal that they
look like toy animals escaped from some miniature “Noah’s ark.” There is
a noticeable difference in the produce, fruits and grain degenerating in the
smaller islands, as a rule, and exotic plants losing much in bloom and perfume.
The people of Graciosa seem to match their island homes to perfection, being
small in stature, gentle, mild-mannered, ignorant, and happy. Mormonism is
said to prevail among them to a considerable extent – but there may be worse
things in the world, even, than that. There is not such a thing as a jail, an
almshouse, and orphanage, or a foundling asylum on the island, nor need of
any. There is one manufactory, for the burning of bricks, and a number of the
islanders build boats, from models of their own, which are famous in these
waters for exceptional seaworthiness – though the timber for them, as well
as wood for household purposes, must be brought from Terceira. They also
328 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

make the material for their own wearing apparel – excellent white linen and
well-dyed woolen cloth. The homes of the peasantry are so nearly alike that a
description of one answers for all the rest.
The whitewashed stone cottage has generally two rooms, with roof of thatch
and mother earth for floor. An opening near the apex of the roof serves for
both window and chimney or else a square aperture is left in the side wall,
without glass, but provided with a rude barn doorlike shutter. The furnishings
are scant, indeed. A pile of stones in one corner serves for a stove upon which
the cooking is done, the smoke escaping as best it can. In another corner is
the bed, so high that it almost needs a ladder to climb into it, covered with a
gay patchwork spread, such as our grandmothers used to make in the days of
“crazy quilts.” There is also a hand loom, a deal table, with some scriptural
prints on the wall, a bench, and, perhaps, a chair or two, with seats of woven
rushes. But the latter seem to be merely ornamental, or reserved for company,
the ladies of the household invariably squatting upon the floor when busy with
their sewing or spinning, carding flax or wool, weaving baskets and braiding
hats, doing their beautiful knitting and embroidering, and making exquisite
laces out of the split fiber of the aloe. For illuminating purposes there is the
same modification of the old Roman lamp that our Puritan ancestors used in
New England, viz., a small triangular pan to hold grease, with a floating wick
of twisted rag in it.
One thing which perplexes a stranger in the Azores is the multiplicity of
names in the same family, making it difficult to identify its members. When
a girl marries she sometimes takes her husband’s name, but oftener she does
not. The eldest son, when arrived at years of discretion, appropriates one of
two of his father’s ancestral names, choosing those that please his fancy, and
the second son selects some of his mother’s in the same manner, but neither
ever assumes the father’s family name. That is considered of no consequence
whatever, the baptismal name being the one to which importance is attached.
Thus Marias and Filomenas, Jorges and Jesus abound in distracting numbers,
and in the postoffice letters are assorted accordingly, no attention being paid
to the surname, but the Antonios put in one pile, the Batas in another, and so
on through the alphabet.
São Jorge is about the same size as its next neighbor, Graciosa, but a greater
contrast can hardly be imagined than that between the appearance of the two
islands. Topographically considered, São Jorge is by far the most interesting
island of the archipelago – except, perhaps, Pico, which surpasses it only in
Fannie B. Ward 329

the height of its single volcanic cone. Thirty miles long, but barely three and
a half wide, with tall mountains ranging from end to end, it presents one of
the most impressive sea walls eyes ever beheld. Skirting it in a yacht, on a
tranquil summer’s day, is a never-to-be-forgotten experience, as full of danger
as of sublimity. No wonder that sailors dread the approach to this small speck
in mid-Atlantic even more than rounding the storm-beset Cape Horn! The
mighty mass of headlands, rising sheer and abrupt out of the Azorean Sea
from 800 to 1,500 feet, with scarcely a break in their grim sides save where
gulches corrugate the upper heights are guarded by projecting reefs of high
black rocks against which the surf beats with ceaseless fury. Strong currents
set in shoreward, while blasts blowing down the gulches with destructive
force soon dash to pieces the unfortunate vessels driven under the lee of this
Titantic wall, where not a solitary crag projects to which a drowning mariner
may cling.
São Jorge’s one town, or rather hamlet called Ponta de Las Velhas, set close to
the shore on the shelving edge of one of these heights, looks just ready to slide
off into the water. Taken all in all, it is the most lugubrious, woe-begone, and
desolate-looking place to be found in many a long journey. You climb up to
it over a slippery, wave-washed heap of rocks, called by courtesy a quay, and
enter the village through a picturesque medieval gateway. Ruins of ancient
fortifications surround the little harbor, as if nature had not sufficiently forti-
fied the undesirable possession; but the rusty guns, long since slanted in the
earth, mouth downward, serve the peaceful purpose of tying-posts for boats.
Grass and weeds spring up unhindered in its irregular streets, and there are a
few poor shops, a market place with a covered shed, a great church, and a hos-
pital. The latter building was once a populous convent. The narrow cells of the
monks, turned into sick wards, have a cheerful outlook into the cemetery on
one side and into the patio on the other, where the official coffins are stored.
These black-painted boxes have been many times used, being only loaned to
the dead for the short journey to the grave, into which the corpse is dumped
uncoffined, the box being returned to the patio to serve the same purpose again
and again. The most attractive place in Velhas is the central plaza, standing in
which, looking up and around, you feel as if at the bottom of a mighty well,
so close on all sides are the precipitous mountains. The broad plateau which
forms the backbone of this rocky inlet is extremely fertile, and every available
patch of soil is cultivated to the utmost. Even the almost perpendicular sides
of the loftiest cliffs are terraced and tilled, to the edge of precipices which
330 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

drop down hundreds of feet to the ever-raging surf below, on slopes so steep
that it would seem as if both wings and claws were needed to cling to them,
and in gorges accessible only by boat from the sea, where the peasants’ sole
companions are mountain goats and buzzards. Men and women working on
those terraced heights look like flies clinging to the wall of a room. In pleasant
weather the scene is attractive, green, and peaceful; but imagination fails to
depict the terror and devastation which follow in the wake of the fierce gales
which so frequently buffet these stern coasts. Even more destructive, though
happily less frequent, are the earthquakes and volcanic eruptions that occa-
sionally overwhelm the island. Several times since its settlement – notably in
the years 1580, 1757, and 1808 – its towns have been literally wiped out and
the green fields buried in deep-blackened lava and scoriae. Velhas is situated
in just the right spot to be demolished by volcanic streams seeking a pathway
to the sea; but as often as destroyed it has been rebuilt on the same site, for
the simple reason that there is no other opening in the rock-bound coast on
this side of the island; and after each disaster nature has made extraordinary
haste in gilding the ravages under additional bloom and beauty. It is hard to
believe, but is nevertheless true, that the industrious population of 19,000,
not only manage to wrest a comfortable living from these rugged hills, but
actually export considerable butter, cheese, fruits, and cattle to Portugal and
the neighboring islands. Their cheese is said to be of especial excellence and
the shipping records show that in a single year one house alone in Lisbon
received $20,000 worth of butter from Velhas.
The peasantry of São Jorge are more picturesque in dress and manner than
any we have yet met in the Azores. Their ways of living and methods of labor
are as primitive as were those of the Moors, when they invaded Spain and
Portugal, from whom these people are said to have sprung, and to whom they
certainly bear a strong facial resemblance. The women wear dresses of dark
blue woolen cloth, with enormous balloon-like skirts thrown up over their
heads from the waist, and scant petticoats of the same material, bordered with
scarlet. Of the men’s outfit the most noticeable part is the funny little cap, of
dark-colored cloth edged with red, with triangular visor turned up in front, so
that the long sharp point looks like a finger pointing skyward.
How the Sisters Diverted the Lava.
It is related that during the last great volcanic eruption clouds of smoke were
so thick that the darkness of midnight settled over the island at noonday,
Fannie B. Ward 331

rendering the ignited matter more bright and terrific by contrast. Every fresh
explosion resembled the report of cannon; the earth opened in many places,
casting up red-hot stone and ashes, and lava flowed in streams of liquid fire
down the mountain sides. The populace abandoned all hope and flocked to the
churches and convents to pray, or rushed into the sea, preferring drowning to
death by fire. The largest stream of fire set straight toward the convent of the
sacred sisters known as Ursulines; and at the supreme moment, when the fiery
column had approached so near that the windows were broken and the shaken
walls had cracked, an extraordinary spectacle took place. The Mother Abbess,
having assembled all her nuns, put a crucifix in the hands of each, threw wide
the convent gates, and advanced to meet the stream of fire, weeping aloud and
beseeching the Virgin and their patron saint, to avert the threatened destruc-
tion. In an instant the liquid fire changed its course to an opposite direction, no
longer menacing the convent, but spreading desolation in another track to the
sea. The nuns prostrated themselves on the ground in adoration and then sang
hymns of praise, in which the astonished people joined. The miracle was duly
reported to the Governor General of the Azores and the powers that be in Por-
tugal, who hastened to assure the Ursulines that they should ever be esteemed
as saints while living, and their bones canonized when dead. Modern heretics,
of course, see other reasons for the turning aside of the flood. They say that
the valley is intersected by a deep ravine, caused by a former earthquake, com-
municating with the ocean, and that when the stream reached that point it went
into it, as naturally as the water falls over the cliffs at Niagara. But heaven
forbid that we should take anything from the glory of the sacred sisters!

12.  IN PONTA DEL GADA


On San Miguel and Largest Town of the Azores.
PORTUGAL’S THIRD CITY
The Glory of the Island Is Its Orange Crop.
Transportation Facilities Are Opening the Native Market to Many
of Our Products.

Ponta del Gada, San Miguel, Oct. 29 – Special Correspondence. – After the
picturesque beauty of Flores and Fayal, and the impressive grandeur of Pico
and Terceira, the traveler naturally looks forward with high expectations to
332 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

this the largest and richest island of the archipelago. But he is likely to be
disappointed with the first view of it. San Miguel possesses the same general
features of rockbound coasts and basaltic cliffs, interior mountains wreathed
in clouds, and hills and valleys green with vineyards, orchards, and gardens;
but perhaps the scene loses in impressiveness from being so widely spread
out, for this big island is sixty miles long by from nine to twelve miles wide.
It seems to be scalloped in regular pattern around the edges by reason of the
innumerable little conical hills set close to the shore, all so monotonously
alike that they resemble the teeth of a colossal saw. Back of these rise other
peaks, tier above tier, till lost in the low-hanging clouds. As the steamer rounds
the southwest corner of the island, Ponta del Gada is suddenly disclosed, the
largest city of the Azores and third in importance in the kingdom of Portugal.
It stretches two miles or more along shore and up a gentle slope, between the
crescent-shaped bay and the sharply serrated peaks that outline it.
The breakwater which renders this harbor comparatively safe deserves more
than passing mention, for it has been nearly forty years in process of construc-
tion, and has already cost more than £1,000,000 and ruined many contractors,
but it is not yet completed. Probably it never will be finished, or remain so
for any length of time, because it lies in the line of the severest Atlantic gales,
and no work of man can long withstand the shock of the water surges. The
breakwater, a massive wall of masonry thirty-three feet high, is built on the
outer line of a sunken crater in ten fathoms of water; but the sea, apparently in
mischievous sports, frequently destroys in a few hours the labor of months, or
even of years. The work has gone bravely on, however, and the breaches have
been repaired as often as opened. Inside of it 100 vessels of all draughts and
dimensions can ride at once and bid defiance to the gales that rage outside.
The city is faced by a sea-wall and the landing is within a handsome jetty.
To the left is a line of ancient fortifications, fast falling to decay. Numerous
church towers, tall factory chimneys, casas, faced with Oporto tiles, rows
above rows of stone houses, great and small, all white-washed or colored
rose-pink, sky-blue, heliotrope, or canary-yellow, beautiful gardens, outlying
vineyards, and orange groves, combine to impart an air of prosperity unex-
ampled in other parts of the archipelago.
Hardly is anchor cast before the steamer is surrounded by a flotilla of clumsy
boats, each having a cannon ball sunk in its inner extremity to balance the
oars, propelled by boatmen whose confusion of tongues puts Babel in the
shade. Jumping into the nearest boat, you quickly glide behind the wall and
Fannie B. Ward 333

are landed at the custom-house-stairs. The examination of your modest little


trunk is short, but surprising. It has been said that all the able-bodied men of
San Miguel are either farmers or custom-house officers, and you are inclined
to believe that agriculture must languish for lack of laborers. At any rate, there
appears to be a special officer for each and every small personal belonging
you have brought to the Azores.
Taxing and Loafing.
First, all taxable articles are appraised, and that means everything of which
you happen to stand possessed. Then an additional tax is levied on each sepa-
rated piece of baggage. Then 10 per cent of the whole tax for some public
work; then 6 per cent for another “work,” through the list of all that is being
done on the island or may be doing in the future. Lastly, under the head of
cost, there is a small charge for the paper upon which you have been com-
pelled to “declare,” rent for the pen, and a fair price for the few drops of ink
you have used in the transaction. Thus does Portugal turn some honest pennies
in her days of declining fortune. The whole thing amounts to little financially,
and is conducted with the utmost dignity and politeness; but the spirit of petty
officialism displayed under the guise of governmental red-tape disgusts and
irritates you, perhaps to the extent of a temporary mislaying of temper – which
does no good whatever.
The old stone custom-house, a quaint building of Venetian architecture,
appears to serve the same useful purpose as the combined store and postof-
fice in rural communities of New England, a rendezvous for the swapping of
stories and the gleaning of information in general. Half the male population
of Ponta del Gada may be found at any hour of the day lounging among its
massive stone columns, smoking cigarettes and discussing the latest political
happenings, and news of the world’s doings brought by ships in the harbor.
Besides the lounging citizens aforesaid, this is at all times a very busy place,
being the chief commercial port of all the Azores. It exports a great deal of
alcohol made from sweet potatoes, pozzalana (a good cement), corn, wheat,
horsebeans, oranges, and pineapples, mostly to Portugal, to be paid for in
return of dry goods and groceries. There is also a ready-money traffic with
vessels that resort to San Miguel for provisions. Sugar was once made here
to a considerable extent, but for many years its manufacture has been aban-
doned for more profitable products. The glory of the island is its oranges,
which in one season – the most profitable of which I can find an account in
334 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

the shipping records – amounting to 360,000 boxes, twenty to the ton. The
activity of the orange season continues from the middle of October to April.
Every day long processions of mules and donkeys wind down the mountains
to the city, laden with the golden fruit for shipment to foreign lands. Besides
the schooners and barques that arrive from abroad to take on these cargoes
many ships put in here for repairs. There is regular mail communication twice
a month by the Lisbon line of steamers, also by fruit steamers to England;
and the United States sends two lines of vessels, from Boston and New York,
at intervals. Owing to this easy and comparatively new communication with
the United States, our trade is rapidly pushing its way among these people.
A few years ago England largely monopolized the Azorean market in the way
of imports, sending thither woolens, cottons, hardware, iron, lumber, glass,
tea, and groceries to an annual value of a million dollars; but now American
goods have come to be an active demand, especially flour and domestics. The
fact is the Azoreans need almost everything our markets can supply, being to
a great extent devoid of the means of living or doing business except as they
are supplied by foreign trade. For instance, though surrounded by the ocean
and with whale spouting in their harbors, they buy all their fish and oil from
other countries; and raising such an enormous quantity of organs every year,
they cannot make boxes for the fruit as cheaply as the same can be imported
in shooks from America.
The population of Ponta del Gada is estimate at 25,000 and that of the whole
island about 115,000. The city architecture is noticeably similar to that of
Havana – the same two-story stone houses with much of the Doric in pillars,
entablature, and roof, and the same endless whitewash, variegated with bril-
liant colors. There is a fine old city gate, and you come upon rare archways
in unexpected place. Traces of the Byzantine order are found in the public
edifices and in the many churches and their towers full of tongueless bells that
have been worn thin by the long-handled hammers of generations of sextons
beating a perpetual tattoo upon them. There is more wealth here than at Horta,
and some very fine residences, surrounded by superb gardens of world-wide
fame. The streets, regularly laid out and well paved, are underdrained and
neatly kept. A few of them are tolerably wide, but the majority, as in the cities
of Spain, Portugal, and Italy are very narrow and darkened by overhanging
balconies.
Fannie B. Ward 335

Accommodations for the Visitor.


Shops are windowless and signs almost unknown, some quaint emblem or
device usually indicating the character of wares to be found within. Wine
shops are everywhere, wide open and well patronized, but there seems to be
no drunkenness. Hotel accommodations are unfortunately limited and mostly
under Portuguese management. There is one small inn kept by an English
family, which cannot be said to reflect much credit upon the inns of “Merrie
England,” and board may be had at moderate rates in private families. By far
the better plan, if you contemplate a winter’s sojourn in these islands, or even
a few weeks’ stay, is to hire a casa and set up housekeeping under your own
vine and fig tree, pro tem. Rents are absurdly low, as compared to prices in
New York and Washington, with infinitely better climate thrown in; provi-
sions, though somewhat limited in variety, are not much dearer than at home,
and servants’ hire averages 22½ a week. What answers for winter in the Azores
begins about Christmas, the three coldest months being January, February, and
March – so very cold indeed that the thermometer gets down at rare intervals
as low as 55 degrees above zero.
Frosts are unknown and vegetation remains green and luxuriant throughout
the year, with little change, except in coloring, as each flower has its own
season. This seems strange, remembering that the islands are in about the
same latitude as Philadelphia, but I suppose the difference in temperature is
due to the vagaries of the mysterious current, the Gulf Stream. In the winter
months the Azorean weather is sometimes damp and chilly, owing to frequent
showers, and, as in England and Scotland, it is well when taking one’s walks
abroad always to go armed with an umbrella. But the sun quickly reappears
and the ground is soon dry, partly from evaporation and partly from the porous
soil, which soon conducts the surface water away. The winter winds, however,
render necessary the high walls, lined with the tall hedges of faya and incense
trees, that are seen everywhere in the Azores, protesting the orange groves
and vineyards. In spite of them the gales, sometimes amounting to regular
blizzards, minus the snow, do incalculable damage to the fruit and in shipping
in the harbor when, at rare intervals, a Niagara sweeps over the breakwater,
lifting bowlders of tons in weight and depositing them on its promenade.
Taken all in all, one might go farther and fare a great deal worse for a winter
residence in the matter of climate, scenery, delicious fruits, and healthful
amusements. The mean annual temperature of Ponta de Gada is twelve degrees
336 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

warmer than either Rome or Nice and five degrees warmer than Lisbon. As for
society the Portuguese are proverbially hospitable and entertaining. Wealthy
residents abound, who have their elegant equipages and liveried servants and
whose mansions are surrounded by extensive gardens beautifully adorned and
filled with rare trees, shrubs, and flowers gathered from the four corners of the
earth. Titles are common in San Miguel, including several barons, viscounts,
and marquises of its own raising. There is also a pleasant colony of British
subjects and two or three “American Princes,” with their families. The city has
a good theater, where generally some strolling opera company from Lisbon or
Madrid are delighting the people. There is also a public library and museum,
and no end of diversion in simply watching the passing show from a window.

13.  IN DEEP DAS FURNAS


Pride and Boast of the people of San Miguel Island.
AZOREAN GARDEN OF GODS
A Famous Sanitarium in an Extinct Volcano’s Crater.
After an Inspiring Ride the Tourist Descends to Scenes of Infernal
Suggestiveness.

Furnas Village, San Miguel, Nov. 3. – Special Correspondence. – The spe-


cial attraction of San Miguel island and the pride and boast of its people is
this strange valley, named Das Furnas, from the numberless hot springs and
geysers of mineral water to which thousands of invalids annually resort. It
lies about twenty-seven miles from Ponta del Gada, near the eastern end of
the island, and is in reality the floor of a vast crater, at thousand feet deep, and
some five miles long by three miles wide, surrounded by precipitous walls
which have only one narrow break, on the seaward side. Think of riding up to
the top of a volcano and down its depths in a four-wheeled carriage! That is
precisely what you do in visiting the Furnas, and to omit the journey would be
to miss the most interesting thing in the Azores.
It is necessary to make all arrangements for the trip on the previous day, and
during ‘the season’ perhaps several days in advance, for, though mules and
vehicles are numerous in Ponta del Gada, so are the people who want them
during the annual rush to the Furnas. You secure the usual barouche of patriar-
Fannie B. Ward 337

chal construction, with three mules harnessed abreast and the jehu as stupid as
only a Portuguese cochero can be, the outfit being completed by two or three
donkeys, each with its vociferous driver, trailing along behind with the
luggage. Probably you hesitate about trusting life and limb to the tender
mercies of a vehicle in such an amazing state of dilapidation, wheels rattling,
springs broken, belts loose, harness patched with bits of rope; but I assure
you that, barring extraordinary accidents, the journey will be accomplished in
safety and comfort; and with so much of unalloyed delight in it that you will
be fain to repeat it again and again.
A fine, wide macadamized road, built and maintained by the government, runs
to the very top of the mountain, to a point which is generally veiled by clouds
from the city below. Stone water courses follow it all the way on either side,
stone bridges cross very mountain torrent, and falls of masonry are built along
the edges of the precipices. There is no use trying to describe the scenes en
route, for words fail utterly and the cold black and white of ink and paper can
convey no impression of the beautiful coloring of the rural pictures with the
blue sky and bluer sea for a background, the mild effulgence of the atmo-
sphere, the shifting clouds and tender mists that veil the hills and valleys.
From the very suburbs of Ponta del Gada you begin to go up and up, to the
tops of steep little hills, anon dashing down at full speed so close to the sea
that you are sprinkled with its spray; then up again over the next peak, mount-
ing always higher and higher. The road for the first few miles is bordered
with handsome residences and beautiful gardens, cultivated fields and orange
groves, the fruits of your own country and all others growing luxuriantly,
shrubs, ferns, and flowers everywhere. Many of the farmers are harvesting.
Great heaps of corn lie in the eiras and whole families are squatted alongside,
braiding bunches of ears together by the husks. These the men put to dry on
four high poles, put together wigwam fashion, mounting to the top by ladders.
At frequent intervals along the wayside stone fountains are set, with moun-
tain streams bubbling through them, where girls fill their red water jars at the
spouts, while others, having dammed up the overflow, are washing clothes in
the puddles.
On the Way to the Crater.
Soon you are winding up the steeper sides of the central mountains, some-
times along the edges of cliffs so lofty that the roar of ocean billows breaking
on bowlders at their base comes to you in a scarcely audible murmur; some-
338 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

times down into deep gorges and over bridges spanning torrents or rocky
gullies; then up again 2,000 feet or more. Several villages are passed, all
poor and picturesque, where the streets swarm with pigs, dogs, ducks, and
geese, and women sit on the floors of their squalid huts among the chickens
and naked babies, and an army of unkempt children run after your carriage
clamoring for alms. The higher hilltops are covered with pine trees, the
ground beneath them with staves sawed ready to be made into orange boxes.
By the way, the oranges of San Miguel are said to be the finest in the world.
Among other varieties which grow here to especial perfection is that called the
Tangierina (a native of Morocco, I believe) – small, flat, thin-skinned, and
strong-flavored. I do not know its habits in other orange-producing regions,
but here it has one noticeable peculiarity, viz., that the oranges which do not
ripen fully during a season, dry up on the trees and remain there safe and snug
through all the winds and rains of winter, until next year’s sun brings them to
full size and maturity, when they mature some months ahead of the rest of the
crop and prove to be the very best of the picking.
After six or seven hours’ steady traveling the highest point of the island is
reached, where the only vegetation is moss, lichens, and the bright little moun-
tain heather. At the foot of the steepest acclivities a pair of oxen will be found
waiting to be hitched in front of the mules and help haul the carriage up, and
in some particularly steep places you may prefer to get out and walk up rather
than to run the risk of standing upon your head in that crazy vehicle. Goats
clamber up the narrow paths and look curiously at you, hawks fly screaming
overhead, the wind blows strong and chilly, and perhaps occasionally showers
belt you sharply. At last you run out on a narrow tongue of tableland, round
the corner of a projecting cliff, and in an instant a sight of the far-famed valley
flashes upon –one of the most surprising and delightful panoramic views
which this great round world can show. The road winds close to the edge of
the precipice and a thousand feet below yawns the valley of Furnas, smoking
like the bottomless pit.
In the midst of the inferno of steam and sulphur fumes of the white-walled
villages gleams fair as any Swiss hamlet, surrounded by gardens and corn-
fields, and through all wanders the Ribeira Quente (hot river), its heavily
charged iron and sulphur waters glinting gold in the sunlight, now flooding
the fields, now lost to sight under old mills and bridges, and again trailing its
thin veil of vapor among the trees and plantations. When the fir intoxication
of the senses has subsided and you are able to separate individual objects from
Fannie B. Ward 339

the glorious whole, you see that the principal caldeiras, or boiling springs, are
grouped together at the left, where they send up volumes of water many feet
into the air and clouds of steam vapor much higher. To the right stretches a
ridge of gloomy hills, a ravine in which discloses a darker and gloomier lake
beyond. In front and beyond the village lie other ranges of hills. Black lava
cliffs and madder-tinted bowlders, piled in wild confusion on every side, give
evidence of nature’s last grand cataclysm, that of 1630, when this terrible
crater sent forth volumes of ashes, which enveloped the whole island in
Egyptian darkness. And encircling all is the mighty amphitheater of moun-
tains, with silver streams trickling down their rugged sides – Cafahorte, Vara,
and other towering peaks on the other side of the chasm, directly opposite
your point of vantage and only eight miles away.
Down Hill with Mules at Top Speed.
The driver hitches an iron contrivance shaped like a shoe to the hand wheel
of the carriage to serve as a brake, and then, lashing his wearied mules to the
top of their speed, whirls you down the fearful declivities at a pace that fairly
makes your hair stand on end. Like the young Lochinvar who stopped not
for stick and who stayed not for stone, he dashes around the sharpest curves
and over the biggest bowlders as if the furies were after him, the wheels often
sliding so near to the verge of the mountain’s over-hanging brow that you
get sickening glimpses of depths below. But nothing happens, and in and
indescribably short time you are down in the green valley, among the white
houses that cluster around the big hotel. There is certainly novelty in the idea
of dwelling in the depths of a volcano, especially one which is by no means
so “extinct,” but that it perpetually mutters sullen threats of future outbursts!
Yet people are living all over this crater; corn fields wave on all the hill slopes,
the yams, sweet potatoes, bananas, layouts.
Hot springs abound in most of the Azorean islands, an particularly in San
Miguel, where nearly every crack in the ground emits heated vapor; but
nowhere in the world, I believe, are there any to compare with these of
Das Furnas. The ground in the vicinity of these vast volumes of boiling water
is hot beneath the feet and covered with native sulphur like hoar frost, streaked
red, green, blue, and yellow, with occasional patches white as snow, while in
other places the soil, of the consistency of clay, is broken into a thousand gro-
tesque shapes, resembling heathen idols painted in glaring colors. The fumes
of sulphur are stifling; for several yards around each caldeira vapors issue
340 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

from the earth, and if you thrust your staff in anywhere, a miniature caldeira
steams up like the spout of a tea kettle.
The principal spring, called the Great Caldeira, excites as much terror as admi-
ration at the first view of it. Boiling water, cast skyward from several hundred
valves at once, rises and falls as regularly as if ejected by a force pump, and
looking at the wonderful column opposite the sun you see it adorned with
prismatic tints like a rainbow or the colors that glow in a fiery furnace, while
the clouds of vapor that hang continually above it devolve into a thousand
ever-changing eccentric figures. As in other places where nature presents a
stewpan conveniently ready for use, travelers amuse themselves by cooking
things in the small springs, and in every case there is an ice-cold spring close
by the boiling caldron, as if expressly provided for the relief of scalded fin-
gers. Eggs may be cooked in Das Furnas in two minutes and corn and pota-
toes in proportionate time, but the vegetables come out so impregnated with
sulphuric acid as to be unfit for food. Separated from the Great Caldron only
by a narrow bank of volcanic substance is the greatest mystery of all, known
as the “Muddy Crater,” a horrible vortex of boiling mud, fifty feet in diameter,
noisily threatening death to the unlucky mortal whose foot may chance to slip
on the brink. Strange to say, though in a state of perpetual and most violent
ebullition, accompanied by a sound resembling that of a tempestuous ocean,
it never rises above the level of the plain. The superstitious peasants call it
Boca do Inferno, the mouth of hell, and never fail to cross themselves piously
whenever they come within sound of its seething. Nothing will induce one
of them to approach it, and they give it a wider berth than ever since a young
woman lost her footing upon the treacherous bank one day and almost before
the first agonized screams had left her lips was sucked down and swallowed in
the vortex. A few days later a heap of charred bones were found on the brink
of the mysterious gulf, as if tossed forth for a warning to others of the children
of men. If you have the courage to hold a stick in this strange caldron it is soon
burned black, then begins to smoke in your hands, and is pulled downward
with such force that you are in danger of being drawn bodily into the abyss,
unless you let go, when the stick instantly disappears.
Good Places for Visitors.
There is ample accommodation in the Furnas Valley for pleasure seekers and
curiosity hunters, as well as for the hundreds of invalids who annually resort
here to be relieved of their rheumatism, scrofula, and kindred ills. Besides the
Fannie B. Ward 341

fashionable Portuguese hotel, which is said to be very good of its kind, and
numberless cottages where lodging may be obtained, there are many private
houses, both in the village and on the adjacent plantations, where strangers
with letters of introduction are handsomely entertained. It was our good
fortune to be invited to visit an estate whose English owners reside most of
the year in Ponta del Gada. It lies some three miles beyond the village, near
the shore of the lake on the other side of the first hill range. Donkeys were
waiting for us at the inn, for there is no carriage road to the place, and after a
brief look at the geysers, illuminated with unearthly splendor by the last rays
of the setting sun, we hurried away, lest darkness overtake us in this uncanny
spot. Nothing could be more weird than that twilight ride, winding in and
out among the barren hills, where mineral streams trickle down in their rusty
beds to the still, dark lake; the sky overcast, fumes of sulphur filling the air,
the silence unbroken, except by the patter of the donkey’s feet and a mournful
wind sighing in the pine trees.
I will not say how ardently we wished ourselves in almost any other spot on the
earth’s surface and visions of far-away home tugged at our heart strings. But
after the warm welcome that awaited us and a night of “tired nature’s sweet
restorer,” we awakened to find the sun shining so gloriously upon views so
enchanting that we would not have exchanged situations with any king upon
his commonplace throne. Our temporary home is the only house in sight, set
upon a terrace a thousand feet above the sea, backed by cliffs a thousand feet
higher. On either side of it are two beautifully wooded highlands that slope
gently to the lake, upon whose placid surface the whole scene is reflected as
in a mirror. Other visitors have likened it to Tyro, the Interlaken, but no spot
in Switzerland can hold a candle to Das Furnas.

14.  LAZY TOWN SKETCHES


Where to Forget You Started with the Procession.
IN THE FORTUNATE ISLES
More of Mrs. Ward’s Piquant and Interesting Jottings.
Daily Life in Ponta del Gada – Quaint Origin of an Ancient Salutation.

Ponta del Gada, San Miguel, Nov. 5. – Special Correspondence. – “In Les
Isles Fortunies,” the Fortunate Islands, as the Azores were originally called,
342 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

life never ceases to wear the charm of novelty. Ever since their first settle-
ment, in the fifteenth century, old Tempus seems to have been going steadily
backward. Nowhere else can you so fully enjoy the restful sensation of being
“in the world but not of it,” as if the whole procession had swept by and left
you 400 years out of the reckoning. Perhaps you are occasionally disturbed
by faint rumors that somewhere beyond these azure seas there are bustle and
activity, but the disagreeable impression soon fades under the Circean spell
of the place. Here, as elsewhere, poverty is more picturesque than riches, and
the most characteristic street scenes add their charm and color to the lowly.
In Ponta del Gada the most animated days are Friday and Sunday, when the
public market is open and people, in holiday attire, come from all parts of the
island to buy, sell, or exchange their wares. The market-place is a large, square
enclosure, surrounded by high walls, and well shaded by incense trees. Stout
from gates guard the entrance, water ripples iron a stone fountain in the center,
and several corseted sons of Mars are constantly in attendance to hear com-
plaints and enforce honesty. The booths of the larger dealers are backed up
against the walls – those who sell meats and jewelry, earthenware and cheap
finery, straw hats, and pats of butter wrapped up in yam leaves, prayer-books,
rosaries and strings of garlic. In front of these are the low fruit stands, piled
with golden oranges, luscious grapes, white and purple, velvety peaches, figs,
guavas, apples, bananas, all the fruits you ever heard of, and many that are
entirely unfamiliar. In the open space between these and the great fountain,
scattered about under the trees, are the “hill-peasants,” as those from the inte-
rior are called, with their heaps of yams, melons and sweet potatoes of mam-
moth size, poultry and other country products.
The men lounge idly about, taking no part in the vehement haggling “in God’s
name” between buyers and sellers; while the women, squatted Turkish fashion
on the ground, knit and gossip in the intervals of traffic. You soon discover
that the most stupid-looking Azorean peasant possesses appositive genius for
barter, and you must either submit to the most barefaced extortion or practice
patience to an exhausted degree. Slow sales and large profits as the principle
of trade with every one of them. If you are only a passing stranger, spending a
few hours in port, it matters little if you pay ten times as much for one or two
articles as the next more sophisticated comer; but if you intend to remain here
some time, and have shown yourself gullible in the first instance, you will find
that thereafter the price of everything in the market mounts up 100 per cent
the minute you appear in sight. But things are cheap enough, goodness knows!
Fannie B. Ward 343

Meat and poultry sell for less than half the average New York price, and the
fish market is an infinite wonder in variety, cheapness, and excellent quality.
Blessings of a Tropical Country.
Fruit is almost given away, the finest of grapes for 1 cent per pound, twenty
large, ripe luscious figs for 2 cents, 6 cents for a melon bigger than you can
carry; 6 cents for a basket full of “marketing” of various sorts sufficient to
make a good dinner for half a dozen persons. Add “the people, oh, the people!”
Well-dressed buyers and barefooted servants, men and women, carrying all
sorts of burdens on their heads, priests and soldiers in their somber and gaudy
costumes adding lights and shadows everywhere to the picture. The men, of
the dark, swarthy type, are almost invariably handsome, muscular, and well-
formed, and most of the children are exceedingly beautiful, but the women,
after youth is passed, are simply hideous. The young girls, however, with their
lustrous eyes, white teeth, supple forms, developed by much burden-bearing
to stately grace that Juno might envy, short skirts and low bodices, showing
the dainty plumpness of the maidens of Tuscany, full of song, laughter, and
innocent coquetry, are singularly attractive. Probably the women would be
less grotesquely ugly were it not for the capote e capello, or combination of
hood and cloak which envelops them from head to heels, its enormous hood,
stretched on whalebone, like a storm-bent umbrella, bulging over the face
three feet or more.
Though the climate of San Miguel warrants the lightest clothing, no woman
of the so-called better class ever sets out from home without this extraor-
dinary garment of heavy broadcloth, whose nearest known similitude is the
hooded braideen of the peasant wives of Connemara. The most striking article
of the male peasant’s attire, beyond his wonderfully adorned waistcoat, is his
carapuça, or broadcloth cap, with its havelock-like cape dangling down behind
over his short jacket, and mammoth visor turned up in front. The latter extends
horizontally across the forehead at least a foot, and is sometimes curled up
at the ends, so that from a little distance it looks like two upturned horns. He
carries a huge staff, like and alpenstock, even when walking on level ground,
and preserves at all times a grave and dignified demeanor, unconsciously
falling into attitudes and posings that would delight a sculptor as he loiters by
the wayside or shoulders some mighty load.
Outside the market place the street presents kaleidoscopic scenes of never-ceas-
ing interest. Numerous little cook shops are thronged with hungry customers,
344 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

devouring heaps of tiny fishes fried in oil and linguiças (sausages made redhot
with pepper), while fantastic, smoke-begrimed figures in the background
hover about altar-like fireplaces, whose flames make Rembrandtish pictures,
and whose incense of grease and garlic permeates the atmosphere a square
in every direction. Wine shops and tobacco stores do a brisk business on
every hand, but one sees no drunkenness in the Azores, except among foreign
seafarers ashore from ships in the harbor. The common wine, a thin, acidu-
lated potation resembling French vin ordinaire, is sold at the rate of 2 cents a
“schooner,” and I am told that it takes about half a dozen of the big glasses to
put a man into that happy condition which sailors describe as “half seas over.”
The white fish market close by the new boat landing is always densely crowded
in the early morning and resounds as much tumultuous wrangling as its larger
London compeer. Among the most picturesque people in the island are the
pescadores (fisher-folk), and their wordy contests over a cent’s worth of
sardines cast billingsgate in the shade. Shouting boys belabor their poor,
patient, little donkeys along the streets. Cocheros (coachmen), in their short,
baggy trousers, abbreviated jackets, and broad-brimmed hats, with tremendous
ships or goads, fill the air with lurid profanity, but are in reality as harmless
as Quixote himself and honest beyond belief.
The City’s Fountains.
The city’s water supply comes through underground pipes from lakes high
up in the mountains, flowing into the numerous street fountains, which are
constantly surrounded by men and women, filling red earthen jars, or long
narrow wooden casks, to be borne home on heads and shoulders. Sometimes
barrels are filled and strapped upon the backs of waiting donkeys; and every
passing beast stops to slake its thirst in the trough underneath the water spouts.
Most of the fountains are set into the solid stone wall and were once painted
in gay colors, red, green, blue, and while; now all faded, rusty, and covered
with lichens. Day and night cold, sparkling water flashes through them,
and all day long an artist might find a constant succession of models, more
picturesque than any the Riviera can furnish in the gossiping, chattering
multitude that surround them. The common patois is medieval, and the
songs and romance belong to the fifteenth century. Many Moorish words are
retained entire in the language, and it is plainly to be seen that the infusion of
Moorish blood has tinged the character and customs of the people, as well as
their features and architecture. Even the commonest salutation of every day
Fannie B. Ward 345

life has a traditional significance. Every brown-faced peasant greets you with
a pleasant “Viva, Senhor” (literally translated, “Live, Sir”), but is probably
quite as unconscious of the origin and full meaning of his courteous expres-
sion as the Mexican peon who commends you to God (a Dios) on all occa-
sions. In the rural districts of Portugal, when comes the much-used “Viva,” its
use is more restricted. Whenever a person sneezes, everybody who hears him
instantly says, “Viva!”
Which in that case is equivalent to the “God bless you” of the Swiss under
similar circumstances. A legend of the Talmud explains this custom.
In the beginning of the world men were so loosely put together that when they
sneezed they were shaken apart and thus destroyed; but as years went by their
joints knit more firmly together, so that there was less danger of instant disso-
lution when air was suddenly ejected from the nose. When people found that
the usual dire results did not follow their sneezing, they exclaimed in surprise
and congratulation, “Viva!” “God bless you!” or words which expressed the
same sentiment.
Next to the drinking shops, the most patronized place of public resort are the
drug stores, though why the vicinity of pills and plasters should attract the
idle multitude I am unable to say. There are two or three billiard saloons in
Ponta del Gada where the “gilded youth” do congregate, but play is never very
brisk, being too much exertion for the Azorean temperament. The theater on
the Rua Esperanza (Hope street), is a rather ornate edifice, with an extensive,
graded lawn in front. Its large, airy vestibule has a mosaic inlaid floor, elabo-
rately carved ceilings, and elegant chandeliers. The body of the house seats
perhaps 500, and the circles are occupied by five tiers of boxes. The parquette
is exclusively for the use of gentlemen, who stroll about between the acts with
their hats on, talking and laughing loudly. As in other Latin countries, staring
at a lady through an opera-glass is considered a delicate attention, the more
prolonged and noticeable it maybe the greater the compliment. The seats are
not reserved, and if you go out to promenade in the corridor between acts, or
to the adjoining saloon “to see a friend,” you tie a handkerchief on the back
of your chair, which retains it until you return. There is no gay night side to
Azorean life, as in southern continental cities. By 9 o’clock all the lowly are
asleep in their closed houses, and by 10 the shops are shut, the streets dark and
deserted, and no sound breaks the stillness but the sentinella’s cry, or the notes
of some love-lorn Romeo, as he twangs his guitar and sings a ditty beneath his
346 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Juliet’s balcony. The night policemen have so little to do, that each one while
patrolling his beat is guarded by two soldiers with muskets – presumably to
keep him awake.
Crossroad Postoffice.
One of San Miguel’s most remarkable institutions is the postoffice, that is,
in its management. It stands near the old custom-house, and is distinguished
from the adjacent places of business only by the Portuguese coat-of-arms over
the doorway. The one large room is divided midway by a common counter;
behind the counter tables, chairs, desks, and a case of pigeon holes; in front of
it, nothing. When a ship bringing mail arrives in the harbor news of its arrival
quickly travels all over the island, and presently people congregate in the
vicinity of the postoffice. It takes nearly all day to distribute the mail, however
small the budget may be; meanwhile the doors are locked and the crowd waits
good-naturedly for their opening with that indifference to the passage of time
that marks all things Azorean. The postoffice officials go about their business
very leisurely, smoking cigarettes the while, and actually sitting down in the
midst of it to read their own letters and newspapers. The postmaster publishes
one of the local journals, and his fellow citizens assert (not at all to his dis-
credit), that he takes advantage of his position to cull the latest foreign news
and issue a special edition therefrom, hours before he allows any mail to be
delivered to his rivals in the newspaper arena. It is generally lat in the after-
noon before the doors of the postoffice are thrown open and the patient throng
admitted. First the mail for the custom-house, the civil governor, the military
commandant, the captain of the port, and other important public functionaries
is handed out, done up in neat packages, to the waiting messengers. Then the
fun begins. All the rest of the mail has been sorted out into separate piles,
arranged in alphabetical order, and so on down through the list, not, however,
by the family name, but the baptismal name. The clerk begins with the As and
reads in a slow, monotonous voice, twice over, the superscription on every
letter in that pile, such as Antonio Ignace Roderiguez da Silva, Affonso
Leopoldina Villasenor, and so.
The “As” generally have the largest list, Antonios and Affonsos being as
common hereabouts as Johnsons and Charleys are at home. The Fs perhaps
come next, on account of Francisco, and “J” is among the most popular, begin-
ning Jesus and Jose. If your name happens to be way down near the tail end
of the alphabet, like Pleban Ward, for example, you are more than likely to
Fannie B. Ward 347

lose your temper and rail internally at Portuguese methods before your turn
comes especially if your time on shore is limited and you know there are home
letters somewhere behind the counter. But there is nothing to do for it but to
wait the slow course of events, amid the smoking, sweltering, jostling crowd,
with what outward resemblance of patience you can command. The citizens
become marvelously proficient in calculating just when their letters will be
called. Thus, when the office is first opened, if you should call “Antonio”
nearly every man present would answer; presently these begin to fall out, and
some other name is in the majority. When a person hears his name called he
answers “Fas favor” (“If you please”), and the coveted letter or paper is passed
to him over the heads of the crowd, anybody who cares to stopping it midway
to examine the superscription. Not much chance for clandestine correspon-
dence here, but then in nine cases out of ten the recipient must go to the public
letter writer or employ some better educated person than himself to read the
missive and pen an answer. After the alphabet has been once completed the
whole list is read over again from A to Z, for the benefit of any belated comers.
Whatever remains after this is tossed upon one of the tables and subsequently
if you call for mail you are at full liberty to look over the pile and carry away
whatever you may desire.

15.  BIG VOLCANIC FREAKS


Some of Nature’s Eccentricities in the Fascinating Azores.
FANNIE B. WARD’S LETTER
How John Bull Put Union Jack on a Wonderful Island.
And How the Wonderful Island Carried Union Jack to the Bottom of the Sea.

Ponta del Gada, San Miguel. Nov. 19. – Special Correspondence. – It is


difficult to believe that this small speck of volcanic land, tossed up in mid-
Atlantic at a comparatively recent period, contains no fewer than fifty-four
towns and villages besides its flourishing capital. Barely half a dozen of them
are of consequence, however, though all have their historic legends of deepest
local interest, and the traveler finds unfailing charms in their peculiar types
of antiquity, in their Moresque architecture, the carvings of old churches and
convents, and in the quaint customs of the bourgeois. Ribeira Grande ranks
348 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

next to Ponta del Gada in population, and Villa Franca in commercial impor-
tance. The latter town is of special interest to antiquarians, being situated on a
small island of the same name, which was born by volcanic action less than a
hundred years ago. Time was when Villa Franca was larger than all the cities
of the Azores put together, the capital of the island and a “free city” enjoying
many immunities.
But founded upon lava, the evidence of earlier conflagrations, she was many
times partially destroyed by successive earthquakes, and finally swept off
the main land altogether by the dreadful catastrophe of the Pico de Fogo
(Mountain of Fire), the great volcano close by, which sprang up without
warning one day in the level plain, swallowing 2,000 of her citizens and anni-
hilating her houses and shipping under torrents of metallic fire. At low water
the ruins of the ancient harbor and some of its fortifications are still visible,
and from immense chasms rent on every side it is believed that the sea did not
gain upon the original town, but that the town itself, with a large tract of adja-
cent land, was broken off and forced forward into the sea by the tremendous
convulsion of nature. This new-born island has a crater on its summit ninety
feet in diameter now filled with a fresh-water lake, perhaps twenty feet deep.
Another astonishing thing is the present harbor, less than a mile from the old
one. It is called Porto do Illhes, and occupies the very spot where once stood
an island which disappeared in the depths of the sea as suddenly and mysteri-
ously as its neighbor was thrown up. Its basin is probably the vortex of the
volcano, and on its edge towers a huge pyramid of rock, whose foundations
are unfathomed in the great abyss, although barely forty yards from the island
from which it was originally torn.
A Volcanic Freak.
In another part of St. Michael’s is a high mountain, the ancient crater of which
is a lake, at a great elevation, and the lake is full of goldfish. In the year 1811,
when the awful explosion occurred under the sea in the midst of these islands,
and smoke and flames burst forth in tremendous volumes, countless fish were
thrown up in all stages of boiling and broiling, and huge stones followed, with
incredible quantities of black sand. Soon there was another island formed,
which, before the eruption ceased, was nearly 400 feet high. But after a few
months it disappeared, and only a dangerous reef remains to mark the spot.
Speaking of volcanic island, let me tell you of the queerest one on record,
whose freaks are amply tested in Azorean history. About two miles off the
Fannie B. Ward 349

coast of San Miguel there is a very dangerous reef upon which many vessels
have been wrecked, where three times within the memory of man a consider-
able island has been formed, or thrown up, and twice completely disappeared.
Of its first appearance, in the year 1612, little is known beyond the fact that
it was found standing in the track of vessels where smooth water had been
before, and that a few months later no trace of it could be discovered.
Its second appearance, in 1720, was attended by huge columns of smoke and
an enormous discharge of ashes and pumice stone. The historians of the day
describe it as having precipitous sides and that no bottom could be found
within twenty fathoms of its shores. For some years it remained unchanged,
as if come to stay forever, and then, one fine morning, the early risers of
San Miguel, looking seaward for the accustomed landmark, rubbed their eyes
in astonishment, for not the smallest trace of it could be seen. About a century
later, in 1812, it is recorded that an immense body of smoke was observed
revolving about the fateful spot, almost horizontally over the water, in varied
involutions, shooting upward at intervals in spire-like columns of blackest
cinders, rising to windward at an angle of twenty degrees from the perpen-
dicular. Each fresh outburst was succeeded by another of greater height and
velocity, until the columns of ashes and cinders looked like branches of colos-
sal pine trees towering to the sky, and as they fell, mixing with the festoons of
white, feathery smoke, they assumed at one time the appearance of enormous
plumes of black and white ostrich feathers; at another, of the waving branches
of the weeping willow. These bursts were accompanied by flashes of the most
vivid lightning, and a noise like the continual firing of cannon and musketry
intermingled; and as the clouds of smoke rolled off to leeward they drew up
water spouts which fell in sheets of rain. It happened that the British sloop of
war Sabrina was cruising about in these waters, and her officers first mistook
the smoke and noise to be that arising from a naval engagement. Approaching
as near as safety permitted, they saw the mouth of the crater, just showing
itself above the surface of the sea, raging with unexampled violence, vomiting
huge stones, cinders, and ashes, accompanied by severe concussion. Next day
the crater was fifty feet above the water, and a furlong in length. Twenty-four
hours later it was 100 feet high, a mile long, and still raging like the infernal
abyss, drawing up water-spouts which deluged the Sabrina four miles away,
accompanied by quantities of fine black sand which covered her deck. With
the customary promptitude of Englishmen in seizing upon all land in sight, the
ship’s officers lost no time in effecting a landing as soon as the fires abated and
350 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

taking possession of the newly created island in his British majesty’s name.
They had great difficulty in scaling the island, which by that time was 200 feet
high, with sides as perpendicular as those of a smokestack (which in reality it
was), the ground, or rather the sulphurous matter, dross of iron and ashes, so
hot that the boots were nearly burned off their feet.
John Bull Gets There.
However, he accomplished it, and planted the English union jack in triumph
on its summit. At that time the island was nearly round in form, with a circum-
ference of less than two miles. In the top was a large basin of boiling water,
whence a stream six yards wide flowed into the sea, and it is asserted that fifty
yards from the island the water, though thirty fathoms deep, was still too hot
to hold the hand in. Subsequently the island crumbled away by slow degrees,
and finally sank into the sea, union jack and all.
For a long time afterward smoke, or steam, issued from the place where it
stood; but now nothing is left but the dangerous reef aforesaid, on either side
of which the water is sixty fathoms deep, twice as deep as before the last
eruption. It gives one strange feelings to be cruising about in these waters,
uncertain how soon another island may pop up alongside, or the bottom drop
out of all things below.
Perhaps the most fascinating mountain scenery of San Miguel is that of Sete
Cidades, at the western end of the island, about ten miles from Ponta del Gada.
It is only from tradition that the fearful story is told how, nearly 500 years
ago, the now deep valley was the highest point of the island, and an immense
mountain, surrounded by seven lesser heights, on each of which stood a
flourishing city, all destroyed by terrible earthquakes of volcanic eruptions.
Other authorities have it that when the island was first discovered there was
a broad and verdant plain here, which the discoverer determined to colonize,
returning later with seven companies of emigrants, with whom he designed
to establish seven cities, he found the plain elevated a thousand feet into a
smoking mountain. At any rate, the name Sete Cidades means “seven cities”;
but there was no city at all in the vicinity – only one insignificant village. It is
the largest crater in the island – three and a half miles long by two miles wide,
and 1,800 feet deep, occupied by two large lakes, which are named Lagoa
Azul and Lagoa Verde, because of their difference in color, one being as bright
green as the other is deep, cerulean blue. You may easily visit the Sete Cidades
by a day’s ride on donkey-back. Following a winding road on the south side
Fannie B. Ward 351

of the island, you are sometimes close to the black sands of the beautifully
curved beach, again, trotting along the edges of dizzy precipices hundreds
of feet above baby villages along shore; beyond, “the ocean wild and wide,”
its near-by greenish blue fading into a gray waste stretching to the horizon.
At the Village of Feteiros you turn inland and take to the mountains. The trail
leads along a sharp, high ridge – one of innumerable parallel ridges that look
from a distance as narrow on top was the Moslem’s bridge, “fine as a hair and
sharp as a sword,” which, according to the Koran, spans the eternal abyss to
keep the wicked out of heaven. All the ridges are clothed with verdant mosses,
trees, bushes, and luxuriant ferns, in rank abundance, and on either side of them
are deep green valleys, divided into orange groves and bamboo fields, and the
air is filled with the warbling of canaries. The number of birds is remarkable
to all the Azores, and particularly in San Miguel, where a reward is offered
for the destruction of blackbirds, bullfinches, redbreasts, chaffinches, and the
dear little brown canaries – the sum paid annually representing a death list of
420,000. The game birds include woodcock, snipe, quail, and red partridges.
Wilder and rougher grow the hills as you mount to the summit of the range, and
narrower the knife-blade ridges, with gulches a thousand feet deep between
them, plowed out in former years by streams of lava flowing seaward. Late
in the afternoon you catch a first glimpse of the valley and village of Sete
Cidades – a vast mountain hollow, nearly 20,000 feet deep, with its churches
and cottages and lovely twin lakes, united by a narrow neck, and occupying
two-thirds of the valley. High above these lakes, to the north and east, rise the
precipitous walls of the crater, 2,700 feet, being the highest summit of Pico
de Ledo, which overlooks three parts of the island. Carefully you pick your
way down the steep declivities in the early twilight, amid cornfields and fir
plantations and pastures musical with the tinkling of bells of sheep and goats.
As may be imagined, accommodations for tourists are not sumptuous in the
mountain-imprisoned hamlet of this sleepy hollow, where Rip Van Winkle
might have slept twice twenty years undisturbed.
There is a dirty little inn whose faded sign-board is labeled Hotel Travossos
(Traveler’s Hotel). However, weariness is the best sauce, and a long day
of mountain-climbing on donkey-back makes any sort of “bed and board”
acceptable at the end of it. You sup well on boiled eggs, bread, ripe figs, and
tea, and sleep the sleep of the just in a room pre-empted by piles of corn, yams,
and potatoes, whose door opens backward, and whose only fastening is on
the outside. Breakfast is the exact counterpart of supper, with the addition of
352 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

roast chicken and the substitution of coffee for tea; and dinner the duplication
of breakfast, except that the chicken is a duck; and however long you remain
there will be no variation in the menu. The people, shut in by tall mountains
from sight and sound of all outer regions – indeed, with no realization that a
great world exists outside beyond their ocean-environed island – are content
to live in the same sylvan simplicity as did their fathers and grandfathers,
who borrowed their ways from remoter ancestors. For them there is absolutely
nothing beyond their few miles of valley, the walls of which are so high that the
sun is not fairly risen before noon, and begins to set about 3 o’clock. During
the few hours of daylight a moderate sleepy activity prevails in Sete Cidades;
but between sunset and sunrise silence reigns supreme. The village homes are
mostly smoke-begrimed huts, each attached to a huge wide chimney nearly as
big as the house itself, and spreading out at the bottom into a broad, spacious
oven with a rounding top. The parlor door is approached through the piggery,
in which several lean, black porkers loudly protest against their scarcity of
rations, and the streets are mere dirty lanes, abounding in curs and begging
children. Out in the yamfields stands a quaint little church, surmounted by a
Moorish dome. There is rudely carved altar inside, but no seats, the worship-
pers kneeling upon the pine boughs with which the floor is strewn. The two
deep lakes, which leave scant room for the village between their shores
and the base of the mountain walls, are the charm of the place. Though set
so far above the level of the sea, they have a regular ebb and flow like the
waters of the ocean; and both lakes retain their distinctive hues, of deep green
and beautifully sky blue though they flow into each other through a narrow
connecting channel. Even at bright noonday the stars are reflected in their
tranquil bosoms, so well-like is the deep valley in which they are hidden.
Gales of wind, which tear up great trees by the roots on the surrounding hills,
do not ruffle their surface. Gold and silver fish disport themselves in the deeper
waters, and in the shallows women are eternally washing, standing knee deep
with their clothes tucked up in huge bundles around their hips. A large portion
of the valley is occupied by the private estate of a wealthy citizen of Ponta del
Gada. It comprises an empty house, and orange orchard, and fir plantation for
the making of boxes in which to ship the fruit, some artificial ponds, extensive
walks amid ornamental shrubbery, and a breakwater on the margin of the lake.
Fannie B. Ward 353

16.  AN ISLAND ACADIA


Slow, Peaceful, and Primitive Is Life in the Azores.
PICTURES OF SAN MIGUEL
Delightful Glimpses of Humble Cottage Interiors.
Manifold Functions of the Unpretentious and Omnipresent Donkey –
Restrictions on Emigration.

Ponta del Gada, San Miguel. Dec. 1 – Special Correspondence. – If I could


transform the printed page into a big cotton sheet and throw upon it some
of these charmingly characteristic scenes by the aid of lantern shades, you
might form a better idea of things Azorean, but, since that cannot be, we must
get along as well as possible with our word-painting. As in other countries,
the rural communities of these islands are much more typically interesting
than the now somewhat cosmopolitan cities. Imagine a straggling village of
one-storied, one-roomed stone houses, looking centuries old, each set close to
the street – that is, with no bit of yard in front – its steep-pitched roof thatched
with straw, and its floor of bare earth strewn with rushes or pine needles.
Its one small, square window, placed high up in the front wall, and swinging
inward, is never closed, except at night. Its door, too, stands always open,
as if inviting curious eyes to take their full of staring, or, if the lower half
of the door is temporarily shut, the upper panel, which is on hinges, is flung
wide open. Such pictures as we see framed in those rude doorways! Here a
Rembrandt, there a Rubens, and plenty of Murillos, too, hardly to be men-
tioned to ears polite. Perhaps it is an old man in his shirt sleeves, resting his
arms on the casement and stolidly smoking, his silvery hair straggling from
under his gray knit cap, or the aged grandma, with a crimson handkerchief
crossed on her breast, every wrinkle in her leathery face accentuated by her
snow-white turban. Or maybe it is a Madonna, with naked babe in her arms,
or a nut-brown Penelope at her “woolly task” of the spindle.
The interior details are simple enough. Across one end of the room are two
beds, touching foot to foot, made up remarkably high, with ticks of home-
made linen stuff with moss, corn husks, or the milky fiber gathered from
the root-stalks of the abounding fern, dicksonia calcite. Each bed is covered
with a gay patch-work quilt, or one of white knotted cotton, with round, hard
bolsters at each end, but no pillows, and decorated around the legs with linen
pantalettes, such as our grandmothers called “valences,” trimmed with coarse,
354 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

home-made flaxen lace. Where the family is too numerous to be stowed away
in the two beds, lower ones are pushed underneath them, to be trundled out at
night. A loft is also made in the peak of the roof for the larger boys, by placing
a few boards half way across the room above the beds and furnishing them
with “shakedowns” of moss or rushes. Passing at midday, we often see the
men of the family taking their siesta in these lofts, with legs dangling down
like a fringe over the heads of their wives and daughters spinning below. From
the rafters hang long strings of garlic and peppers, bunches of Indian corn tied
together by the husks, dried fish and cane poles, while the floor is encumbered
with heaps of shelled corn and sacks of wheat and beans. There is a pine
table, a rude bench or two, and perhaps an Eastlake chair that would fill the
heart of a collector with envy. A stone seat is placed under the high window;
the bamboo occupies a niche in the opposite wall, and the collection of saints
and saintesses, in wood, charcoal, or lithograph, is more or less numerous
and profusely adorned with paper flowers, according to the piety or worldly
circumstances of the family.
The Island’s Domestic Pictures.
Rambling around the hamlet, you find some of the citizens drying corn in
ovens which we are accustomed to designate as of the “Dutch” variety. Others
are building wattle fences of wild cane stalks or “weaving the pliant basket of
bramble twigs,” or bringing bundles of flax on their heads from distant field,
which the women bruise, hackle, spin, and wind.
Flax is extensively cultivated and used in the Azores, yet such a thing as a
loom or spinning wheel, as we know those implements, is almost unknown.
A simple distaff and spindle, like that used by Helen of Troy, and by Penelope
and her hand maidens, is altogether in vogue. Occasionally in passing along
some country lane you hear through the open door of a cottage the rattle of
a rude, home-made loom on which the flax is woven into cloth; and mingled
with this racket is the constant thwack, thwack of the flax being combed out
by the women. Any day you may see illustrated the scriptural occupation of
“two women grinding corn at the mill,” and of oxen treading out the wheat
on a circular thrashing floor; nor do “they muzzle the oxen that treadeth out
the corn.”
The Azorean plow is the old Latin implement, reproduced of wood, the share
alone being shod with iron. The plowman rides to the field on his donkey
and then has a pair of oxen to do the work, while the donkey is turned loose
Fannie B. Ward 355

in the hedge to wait. So it was in the days of Job, who tells us that “the oxen
were plowing and the asses feeding beside them.” In returning from work the
shaft of the plow is caught on the yoke between the oxen, while the pole trails
along the ground, precisely as Horace and the older Latin poets describe it.
The Azorean practice of fertilizing by sowing and plowing the lupine is also
borrowed from the same period. You remember that Virgil in the first book
of the Georgics impresses upon the Italians the necessity of rotation of crops
to preserve the soil from exhaustion, and especially urges the alternation of a
light, leguminous crop with the heavier grains. Horace Greeley’s celebrated
advice in “What I Know About Farming” was not more practical, though a
deal less sentimental than Virgil’s. Says the earlier authority “Changing the
season you will sow the golden corn on that soil from which you shall have
first gathered the merry pulse with rattling pod, or the tiny seed of the vetch,
and the brittle stalk and rustling forest of the bitter lupine.” So well was the
excellent counsel followed by the Romans that they carried the lupine with
them into their conquered provinces; and to this day the “leguminous crop”
alternates with grain in these remote colonial offshoots.
When about three feet high, the lupine is cut with a short, two-edged sword,
and the stubble is plowed under. The narrow streets of many of the villages
are so hard trodden that the peasants use them for thrashing floors. Riding
through them, your donkey picks his way carefully through heaps of lupine,
which men are thrashing with flails before their doors. So bitter are the beans
that the “boneset” tea we used to imbibe for the ague is sweet in comparison.
The peasants carry them down to the sea in bags; and after they have been
pickled a few days in salt water, the effect is much the same as that of brine
on an olive, and they are sold at the street corners as one of the delicacies of
the Lenten season.
One may learn some useful lessons from the contented lives of these poor
peasants. Oppressed by both church and state, the Azorean bourgeoisie is
content to work from sunrise to sunset for a shilling, and to fare, every day
alike, on unleavened bread and spring water, with at rare intervals such
luxuries as dried fish and a few butter beans. Skilled labor seldom commands
more than 40 cents a day, and a man with a cart and donkey considers himself
in wonderful luck if he can earn 50 cents by fourteen hours of constant toil.
On such meager sums they not only support themselves and their families, but
actually contrive to lay up some money for rainy days. The laborer who is so
356 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

fortunate as to have a steady job at $1.50 per week is sure to put by 50 cents of
the weekly stipend until he owns his home, and maybe a bit of land. Of course,
this could not be were his wants more numerous or less easily supplied.
Corn as a Staple.
The government has wisely restricted by law the exportation of corn, his
staff of life, which he prepares for food by grinding, mixing into cakes with
water, and baking on a flat hearth stone. “If too poor to own the smallest bit of
land, he rents enough, generally paid for in labor, to raise corn for the family
consumption. In the harvest season the whole landscape is aglow with the
golden hue of the grain, which, stripped of the husk, is strung on poles, or on
the branches of trees, or piled up in enormous stacks, while wagons heavily
loaded with it come creaking down the hillside. Fish of all kinds is abundant in
the neighboring seas and absurdly cheap. Sardines appear to be most common,
and are brought in by the fishermen every morning, in boat loads, and sold
at the rate of 2 cents per hundred. People come down to the shore and buy
them in large quantities, which they carry away in panniers upon the backs of
donkeys, to salt and dry for winter use.
The Azorean peasant utilizes everything that grows. He feeds his porca (pig)
on wild lettuce, ferns, and yam leaves. He braids the reed into ropes, plaits it
into matting, and uses it and the palm leaves to shingle his roof and carpet his
floor. Of the palm pith he makes artificial flowers, with which to adorn the
saints, or to sell to strangers. Of the bramble and the willow he makes baskets,
panniers, the bodies of carts and wheel-barrows, and the wings of his fanning
mill.
The bamboo supplies his house with rafters and partitions, walls his hennery
and pig stye, and forms the staff he always carries. Both himself and his house
are topped with straw, in thatch and hat; his clothing is of flax, dyed with
mountain weeds. The volcano furnishes lava stone for his building material,
the brook clay for his pottery, the faya and the heater his fuel. In short, nature
has done the best she can for him, and he utilizes her benefits to the utmost.
As a rule he has no use for a barn or a storehouse, for his small stock of grain
can be easily stowed away under the beds and in the corners of the one-room
casa. Neither is there any need for a hennery to tempt the neighbors, for the
chicks and pigeons prefer to roost among the thatch; nor of a piggery, for the
socially inclined porca, tethered by a string to the doorpost, is more at home
inside than out. No people are more faithfully in love with fatherland than the
Fannie B. Ward 357

Azorean with his islands; but as the peasant can never hope to greatly better
his position at home many of the more enlightened among them seek to escape
their burden of poverty by emigrating to Brazil or elsewhere. Doubtless more
of them would follow the example of the star of empire which “westward
takes its way” were not the anti-emigration laws so very strict. No native can
openly leave the island without a passport, and a passport will not be granted
unless he gives bond in $300 to return and serve in the army when conscripted.
It might as well be $3,000,000, so far as the peasant is able to raise it. But a
good many get away every year nevertheless, by shipping clandestinely on
the whalers and traders that occasionally put in at the smaller ports. “Stealing
Portuguese,” as the traffic is called in seaman’s parlance, used to be an exten-
sive and profitable business, and is yet considerably engaged in. When you
see a bonfire at midnight on some lonely hilltop you may know that a boatload
of refugees is waiting to come out under cover of the darkness. It is said that
sacks of wheat and bails and boxes of vegetables, taken on even at Ponta del
Gada, sometimes develop into lively, two-legged freight as soon as the craft
is outside the harbor.
The Donkey with a Worried Look.
However hard the peasant’s lot at home, though he owns neither house nor
land nor car nor goat nor pig, there is none so poor that cannot possess at
least, one little donkey, which, after convenient habit of its kind, supports
itself somehow on brambles, tin cans, and other refuse. If you want to go
anywhere in San Miguel Island and require the services of a donkey, all you
have to do is to step over to the Matriz Church, where hundreds of the sturdy
little beasts are congregated all day long, accompanied by barefooted drivers,
who carry iron-pointed goads as large as the handles and twice as long as that
useful instrument is made in the Azores. Each donkey has a rope of braided
rushes around its shaggy neck in lieu of a halter or bridle, and on its back a
huge wooden saddle, with upturned wooden yokes at the front and back. Even
men rarely sit astride when they ride these animals, but mount the cumbrous
saddle, something as you would the wild Irish jaunting car, with both legs
dangling over the donkey’s right side, and in moments of peril clutching
violently with both hands the horns of the front yoke, which may well be
called a “dilemma.” It is no use to undertake the upright and dignified posi-
tion. Far better to double up in the true Azorean attitude when on donkey-
back, in the form of an inverted interrogation point.
358 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

From padre to peasant everybody owns a donkey, and brings it into requisition
for the most trifling journey. The padre will not walk a block, if his own or
any other person’s donkey is within call. The goatherd on the mountain has his
for an inseparable companion, and if the feeding ground is shifted but a few
rods, he makes as much preparation as for a long journey, riding in state to his
new station among the rocks. So, too, the peasant laborer rides to his shilling-
a-day job on an adjoining farm, and the country woman, wishing a bit of
gossip with the good wife in the next cabin, sets out in the saddle and arrives
with as much éclat as from a lengthy pilgrimage. Wherever you look, down
any street or lane or country road, there is a constant procession of donkeys.
Here comes a group ridden by peasant women on their way to town, each
woman cloaked and cowled in the hideous capote capillo, with all manner of
country produce swaying from their wooden saddles. A lone donkey laden
with water casks plods along without companion or driver, sent from some-
where over an oft-traveled way, with a look of worried responsibility upon
his gray old face. Behind comes a bevy of donkeys, under piles of cornstalks
heaped so high that it looks as if the stacks were traveling into the city on
invisible legs; but beneath the fodder bells jingle in a muffled way, a lad,
following after, prods the mysterious bundle viciously. Again it is a troop of
donkeys mincing down a narrow path, laden with wheat and corn, in casks and
panniers, or two are met sustaining a heavy beam across their backs to which
is lashed the trunk of a tree being conveyed to the city for building purposes,
so evenly balanced that while one end bangs the donkey’s head and shoulders,
the other, bounding lightly along the way, is a menace to all passers. Perhaps
the oddest burden of all is a patient being carried to Da Misercordia, the
splendid hospital of Ponta del Gada. Two timbers are fastened lengthwise
along the donkey’s back and from the ends of these other timbers extend across
the donkey’s back, securely fastened with thongs. From this rude framework
a hammock depends, made of pine staves, such as are used for orange boxes,
covered with stout, home-made linen. Sufferers are thus comfortably carried,
even with broken bones, from their homes in the most distant part of the island
to the city for treatment.
Fannie B. Ward 359

17.  AZOREAN CHURCHES


A Sunday Ramble Through Quaint San Miguel Sanctuaries.
ARE MANY AND MUCH ALIKE
Characterizations of Their Adornment and Equipment.
An Indulgence for Any One Who Will Repair the Cathedral’s Roof.

Ponta de Gada, San Miguel. Dec. 6 – Special Correspondence. – Although


there seems to be no Sunday in the Azores, regarded from our view of its
proper observance, one’s conscience is not likely to be lulled into forgetful-
ness of religious duties. Throughout the entire week the church is everywhere
prominently in evidence, while at every hour of the day and most of the night
a clamor of bells “entreats the soul to pray.” To be sure, the market place, the
shops, and saloons are all at their brightest and best on the Lord’s day, the
bull-fight and cock pit claim the majority of the people in the afternoon, and
balls and the theater in the evening, but everybody goes piously to prayer and
confession in the gray light of dawning, and later to mass, and, having thus
discharged his obligations to heaven, feels himself fairly entitled to enjoyment
of the world during the rest of the day.
Let me tell you how today has been spent. Long before sunrise we were awak-
ened by the usual jangling of bells in a dozen churches, and we determined
to outdo the lark in the matter of early rising, rather than waste a precious
moment of our last Sunday in the Azores. Not having made a brilliant record
as early birds during our month’s sojourn in this town, it was necessary to go
out on the balcony and clap our hands smartly together, after the manner of the
good people in the Arabian Nights, to announce that Las Americanas desired
their bedroom coffee several hours than usual, and presently it was brought by
the astonished chamberman (there are no chambermaids in these countries),
together with a crusty loaf and platter of cheese. A breeze, balmy and sweet
as of sour southern June, ruffled the vines that drape the alcoba. Below, in the
court yard, life is going on as if it were midday on a busy Sunday, instead of
4 a.m. on the day of rest. The lean and dignified senhor, mine host, propped
against a pillar, was at his customary business of puffing slowly at endless
cigarettes, while his fat wife bustled noisily about like an energetic little steam
tug pulling the whole domestic concern.
Already a dozen coheres (cabmen) and arrieros (mule drivers) were lounging
about, hoping for jobs among the shipload of strangers who arrived last night,
360 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

and the patio was filled with market people, male and female, bringing every
conceivable thing to sell in the way of meats, fish, fruits, and vegetables.
All the women were swathed in bright shawls, or muffled from head to heels
in the voluminous capote e capello; all the children, bright, happy, and beauti-
ful, but nearly naked, all the men diligently smoking odd-looking cigarettes,
rolled in cornhusks, which are always deposited with great precision behind
the ear whenever the heat of argument over a cent’s worth of something
requires both hands in vehement gesticulation. The patio is a charming and
quaintly medieval “interior,” if the unroofed central space around which the
house is built can be so called.
A Courtyard Scene.
It is paved with small stones, like the streets outside, and admits donkey as
well as human being through the wide front door. Scattered all about in every-
body’s way are saddles, grain bags, baskets of provender, and queer kitchen
utensils; while one corner, partially sheltered by a square bit of projecting
thatch, supported on two posts, serves as a cookroom. Its stove is a heap of
stones, raised as high as the Senhoras’ knees, and on it fagots of pine furze are
burned in several tiny piles. Over each little fire is something boiling, broiling
or stewing, on a triangular piece of iron poised above the blaze, or in a rude jar
of native pottery, or in an iron kettle, upheld by a long stick beneath its bait.
Every now and then the senhora comes along and blows the fires, puffing her
cheeks like a human bellows, and scolding the maids the while; and then the
latter take their turn at blowing, each with hands on hips and faces distorted
like those of the gargoyles under the eaves of the cathedral. A narrow gallery
runs around the entire second story, thus forming a covered portico around the
courtyard, into which all the rooms on the ground floor open. The chambers
also have no windows, but each has a big barnlike door, opening into the
gallery, or alcoba, in the vernacular; and in the upper part of the door are
one or more small panels, on hinges, which may be separately set ajar when
light and air are desired without altogether sacrificing one’s privacy to the
public gaze by opening the whole door. The house roof, of half-round red
tiles, extends some distance over the balcony, leaving a generous opening to
the sky; and all along it bird cages are hung, and benches set between the vine
and flowering plants that grow in tubs and boxes.
After coffee, we followed the crowd to matins, and visited several sanctuaries
in the course of the morning. In all of these islands the churches are many and
Fannie B. Ward 361

very much alike, their leading characteristics being white-washed outer walls,
open belfries, oblong, red-tiled naves, horseshoe arches, innumerable window
cases of black lava, apparently set in at random, and generally a minaret of
Moorish dome, and always a steeple full of noisy bells, which are perpetually
pounded upon by long-handled hammers. All are approached through ponder-
ous iron gates and entered through triple arched, flamboyant porches, above
which is set a life-size figure of the patron saint. One sees everywhere traces of
the fingers of master architects which antedate the Spanish occupation of the
island and hint of their earlier golden age. The auditorium is always spacious
and lofty, huge columns, from eight to ten feet square, supporting the groined
and vaulted ceiling; but, unfortunately, the fine effect is generally spoiled by
gaudy gilding, tinsel decorations, and bouquets and festoons of most unnatural
paper flowers. Such churches, as the Matriz and the Conceicao, at Terceira,
the Matriz, at Fayal, the San Francisco and the Matriz, at Ponta del Gada
are, among many others, resplendent with handsome frescoes, richly gilded
altars, real gold and silver candlesticks. Dutch tiles, and blue panel pictures, in
porcelain, illustrating scriptural scenes. Above the side chapel are often nailed
the coat of arms of wealthy families, who have paid for the privilege, and
before scores of altars silver lamps are kept constantly burning, the votive
offerings of absent natives, who have each deposited a sum of money for the
purpose. There are organs in a few of the cathedrals, but, as a rule, the sounds
extracted from them are conducive to feeling the reverse of pious. One organ,
in Ponta del Gada, boasts of a trumpet attachment and it tinpanny tones are
simply excruciating.
Most Rare Wood and Carving.
In many of the edifices it is the wonderful carving that commands the most
admiration. Perhaps the best example of this work is seen in the Jesuit church
of San Miguel’s capital. Nothing on the continent of Europe is superior to
the delicate carving of its ceiling and altars. Age has deepened the rich, ark
hues of the wood, and the delicate tracery is as perfect today in every line and
supple as when it came from the obscure graver’s hands, centuries ago, but
even the name of the artist has been long since forgotten.
Beside these carvings are often rich pictures, the productions of the old
Spanish masters, admirable today, in spite of the obscuring dinginess wrought
by three or four centuries of smoking incense. But, as a rule, the images of
the saints in these old-time sanctuaries speak of the degenerate present, being
362 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

rudely hacked out of wood, dressed in soiled cotton, bedizened with faded
ribbons and gaudy paper flowers, their heads surrounded by stiff metallic rays
of glory. The patron saint of Ponta del Gada’s Matriz Church looks like a
North American Indian, with headdress of feathers, war club in hand, and two
arrows sticking into his side. Of course, there was originally some tradition
concerning him, but it seems to have been entirely forgotten by the present
generation; at least I am unable, after many inquiries, to learn anything about
it. Every church has from one to a dozen caricatures of the Savior, any one
of which would ruin the religious sentiment of a more esthetic people than
the Azoreans. In the Church of Livramento is a wax figure of Christ, bearing
the cross, so bloody and repulsive that children cry and women turn pale
at the sight of it; and in the San Francisco Church the sacristan will haul a
coffin out from under one of the altars and show you a ghastly naked effigy of
Jesus, laid out for burial. The cathedral of Ponta del Gada is one of the most
imposing edifices in the archipelago, and its belfry is hung with a remarkably
sweet chime. A quaint effect is added to the exterior by a series of lion-bodied
gargoyles with human faces grinning from under the eaves at passers-by.
In the walls I noticed a printed papal dispensation to the effect that forty days’
indulgence would be granted to anybody who should contribute, in however
small degree, to repairs on the roof. Tawdry red curtains are looped away from
the front of the altars, and a wilderness of ropes dangles before them – the
stage carpenter’s arrangement for the semi-theatrical fiestas that so frequently
take place. The theatrical aspect of the house is heightened by the many little
boxes opening from the galleries, which are occupied on special occasions
by parties of the elite. There are no seats on the damp stone floor, but a small
space in the center of the auditorium is floored with wood and surrounded
with a low railing.
Here the women kneel during the services, their gay shawls, white turbans, and
blue capotes making a spot like a brilliant flower bed in the dim old church,
while the men and boys congregate in the rear and on all sides, and we notice
that, as in other Catholic countries, the male population pays comparatively
little attention to its prayers, no doubt expecting to get into heaven on those
of the female portion of their families. Within the altar spaces of this cathe-
dral are some magnificent carved wooden settees, black with age, and carved
lecterns supporting enormous antique tomes, printed in medieval Latin, with
curious black and red letters, bound in leather and brass. There is a nunnery
connected with the Church of the San Francisco, that of Nossa Senhora Espe-
Fannie B. Ward 363

ranza (Our Lady of Hope), one of the few that, since the disestablishment in
1834, have been allowed to expire by limitation. Its windows are guarded
by massive iron gratings, as if criminals of deepest dye were caged inside,
instead of a few innocent and happy old women, who are sometimes seen in
black costumes and white head dresses. The sojourner in the hotel near by
is sometimes inclined to wish that the house of Our Lady of Hope had gone
with the rest, when disturbed by the grewsome sound of its midnight and early
morning bells, calling he aged devotees to prayers. The chapel connected with
the convent has some beautiful antique floral frescoing, as bright and fresh as
if painted yesterday.
Treasures of an Image.
And here, behind a framework of golden bars, is the celebrated Santo Christo,
an image of Christ which is regarded by the Azoreans with the utmost
reverence and has been richly endowed with real estate and personal property.
Around its waist is a rope of gold and silver, pearls and diamonds, and on its
diadem, breastplate, bracelets, and other adornments are jewels estimated to
value several million dollars; while the wealthy continue to bring their richer
offerings, and devotees who have emigrated to Brazil or elsewhere send over
jewels, rich stuffs, cargoes of coffee, sugar, and every conceivable commodity,
the poor pile its shrine every day with bread, wine, and fruit from their own
scanty stores.
Returning from our tour of the churches to 10 o’clock breakfast at the inn, we
were served upon a table bare of covering, but beautifully polished by count-
less scrubbings, with plates of brown earthenware, such as Northern house-
wives use for baking pies, and a very large glass flagon with pewter goblets,
suggesting the lost glories of Azorean vineyards. As for the menu, there were
the inevitable eggs and chicken, yam stew and unleavened bread, with a lump
of Conger eel, big as your head, served steaming hot toward the close of the
repast (as in all Spanish and Portuguese countries fish comes last), and coffee
and fruit enough to generously ration a regiment. One ceremony must never
be neglected. The host comes in, fills a pewter mug for each person with the
passado, native sweet wine of the country, lifts another to his own lips, and
gravely gives the blessing. “May the praise of God rest upon this house for
you, stranger and friend.”
In the afternoon we followed the fashionable world of Ponta del Gada in
a long drive along the old Caminho Grande (great road), which leads to
364 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Povoação, one of the oldest towns in the Azores, in the southeast part of the
island. The road is forty feet wide, some of the way cut in the rocky side of
the mountain, at an elevation of 3,000 feet, to which it gradually ascends with
occasional level stretches, along which cool springs from the upper heights
empty into marble basins. Farther on you pass extensive forests, and look
down into the deep ravines and chasms, with white cottages and cultivated
lands in the valley below, and finally you reach the top of the mountain ridge,
when a sense of grandeur electrifies you with wonder and admiration. A vast
view of the ocean breaks upon the vision, while beneath your feet, far, far
below, lies a tiny by, guarded on either side by high cliffs, off which the sails
of fisher boats look like aphrodites of the sea. Away to the south the indented
mountains on St. Mary’s Island are wrapped in silvery mist, to the north the
slopes of the hills are green with corn; to the west the great mountain, Pico da
Vara, looms skyward 5,000 feet; and, turning to the east, you gaze down long
slopes into the exquisite valley, which holds the town of Povoação, with its
pretty villas and churches extending to the seashore.

18.  AZOREAN SKETCHES


Fannie B. Ward’s Last Days in the Archipelago.
A JAUNT TO SANTA MARIA
Glimpses of a Funeral and a Ball in St. Mary’s.
Interesting Characteristics of Either Function – The Musical Passion
of Those Bucolic Island
Folk.

Ponta del Gada, San Miguel. Dec. 16. – Special Correspondence. – We have
been improving our last hours in the Azores by a flying visit to Santa Maria,
the smallest island of the group and the one that lies nearest to Europe. Though
only forty-four miles southeast from the big island of San Miguel, the latter,
strange to say, remained undiscovered for twelve years after Gonzalo Cabral
had found the first tiny speck in midocean (in 1432) and named it in honor
of the Blessed Virgin. St. May’s is not often visited by tourists, because there
is no harbor in the dangerous reefs that surround it, and therefore most ocean
Fannie B. Ward 365

steamers give it a wide berth. Its trade is conducted through the medium of
San Miguel, as that of Pico is through Fayal and Corvo through Flores, and
many small native boats ply constantly between in favorable weather. It hap-
pened that the Portuguese royal mail was sailing that way on our monthly trip,
and we determined to risk it, trusting to providence to get us back somehow
across the channel in time for the steamer, expected four days later, upon
which we had taken passage for another journey.
“The royal mail” sounds well, but fair Juliet was right when she remarked,
“What’s in a name?” The Portuguese steamer is a low-lying affair, broad,
squatty, and inconceivably dirty, emitting from her funnels the blackest smoke
that ever sullied the atmosphere. As she was to sail at daybreak we went aboard
betimes, but not too early to miss many a boa viagem (good voyage) shouted
after us as we hurried down the narrow street by the kindly folk among whom
we have made many friends. Not so early, either, but that the harbor was all
astir, with fishing boats setting out for the day’s catch, ships bound seaward,
with all sails set; English barques waiting for their charter, and several from
our own country, flying the flag so doubly dear to her exiles when seen in
foreign parts. Among the latter was a Boston packet of the Adams line, which
has been doing good business with these islands for many years, and sends a
vessel about once a month to make the round of Azorean ports.
There was also a New Bedford whaler – one of those storm – defying craft that
zone the watery globe in search of bone and blubber, generally getting back
to the home port after two or three years’ absence, and another rakish-looking
New England craft, suspected of being one of those accommodating vessels
that still cruise discretely around the Azores, watching for signal fires by
night, which indicate cargoes of runaway Portuguese, who prefer to become
New Bedford and Gloucester fishermen until 26 years of age to the doubtful
glory of island military service. A queer, schooner-rigged ship, all deck and
poop followed us closely out to sea, her crew a hairy lot, all armed with savage
ox goads, like the pikes of Spanish picadors in the bullring. Were they pirates,
going to step on board presently, and invite us to walk the plank? Oh, no; only
harmless carniceiros (butchers) from Ponta del Gada, going over to St. Mary’s
for another load of fine, sleek cattle , for which that island is famous.
Odd Craft in Azorean Waters.
The oddest craft of all was met midway, a cross between a Havanese lighter
and a New York North River scow, with high, three-story cabins overhanging
366 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

stern and prow, above double tillers – something like the ancient galleons of
the dim old prints. It was rigged with a single sail, partly of patched canvas
and partly of rush matting, which flapped idly above another brown-faced,
hairy-breasted crew, lying about in the picturesque attitudes of the operatic
stage, on a cargo composed entirely of pottery from St. Mary’s. This native
pottery is a coarse kind, fit only for common domestic purposes; but it is
shaped in quaintly artistic designs, and painted before baking in bright red-
dish ocher, which give the jars the gay appearance so becoming to the island
Rebeccas who carry them on their heads to the springs and wells. It is made
only in St. Mary’s, and is exported in large quantities, not only to San Miguel
and the other islands, but even to Spain, Brittany, and the West indies; and is
always taken in boat loads, just as we saw it in the craft, unpacked, but without
danger of breakage, so well is it made.
Santa Maria is only thirteen miles long by less than nine miles wide, with
volcanic rocks strewn all about, alternated with beds of limestone, the whole
honeycombed beneath with innumerable stalactite caverns, in whose laby-
rinthine passages it is said a boatman may lose himself and never find the
light of day. Its industrious people, some eight thousand strong, manage to
raise everything for their own consumption and to export considerable wheat,
besides the cattle and pottery before mentioned. I am not going to weary
you with a description of its principal town (also called Santa Maria), for all
Azorean villages possess the same general features of narrow streets, cobble
paved and full of sunshine, lined with rows of tile-roofed cottages, of white-
washed volcanic stone, with women spinning in the doorways and dogs and
naked children swarming in the plazas. The idyllic inn furnished us comfort-
able entertainment – a windowless room, large enough for a town hall, its
high-posted bed corded with strips of rawhide and piled with such a wealth of
husk mattress that it needed a ladder to scale it, and chairs, or rather stools, of
rawhide strips woven over a hollow framework. Water for lavatory purposes
was placed in a pottery vessel, about the size of a half barrel, which stood
in one corner, with a saucer-shaped utensil alongside that answered for both
bowl and dipper.
The most interesting sight that came in our way at Santa Maria was a rather
lugubrious one – a funeral. A motley company came down the street, four
men marching gaily ahead, carrying a coffin on their shoulders, closely fol-
lowed by a priest in cassock and shovel hat, and a red-frocked boy bearing
a crucifix, the rear brought up by a crowd of stragglers, augmented at every
Fannie B. Ward 367

street corner by fresh recruits of the idle and curious. There were no women in
the procession and no “mourners,” for the last services over the dead and the
last farewell of the relatives are said in the house. The coffin is left quite open
on its way to the grave, so that the body within is plainly seen by passers-by
and people looking down from their balconies and house tops. According to
Azorean custom, the funeral must take place within forty-eight hours after the
death. The first night the corpse lies in state, with candles at the feet and head,
a glass vessel of holy water at one side and an image of the Blessed Virgin at
the other. The body of a young unmarried woman is always dressed in white,
a matron in black, and a man in the clothes he wore while living.
White paper flowers, with a profusion of the most unnatural green leaves,
adorn the corpse, and the relatives and friends pass the night around it,
weeping and praying and frequently sprinkling the body by shaking over it
the small branch of an aromatic herb, dipped in the holy water. The following
forenoon the church authorities come, place the corpse in its coffin, and bear it
to the cemetery; while the house of mourning is closed, its doors and blinds all
shut, and none may enter or leave it for a week. At the expiration of that time
the daily routine of life begins again and goes on as before.
Carrying the Sacrament.
Among the wealthier class of the cities, and always when a government
official dies, the body lies in state in the church and the mournful sound of
the death bell is kept up incessantly. The visitor in many of these islands
often sees the (to him) strange spectacle of the sacrament being carried to the
bedside of some dying person. Four priests bear aloft a red canopy stretched
upon four poles, beneath which walks the vicar in his robe of office, preceded
by the sexton ringing a dinner bell, and followed by other priests bringing the
cup, wafer, wine, and other sacramental vessels, the cross and censer, while
the bare-headed rabble run after; women kneel in their doorways, and the
cathedral bell clatters all the time.
Las Americanas.
“From grave to gay, from lively to severe” is the rule in remote St. Mary’s,
as in other parts of this tragic world. A dead priest was lying in state in the
cathedral, and we learned that a ball was in progress at a private house on
another street. Through the innkeeper’s wife we begged an invitation to the
ball, which was promptly and cordially given; and on the way thereto we
368 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

followed the throng into the cathedral, where the prelate was holding his last
reception, guarded by soldiers and surrounded by lighted candles. The lady
of the two-room casa in which the dance was given greeted us with gentle
but dignified courtesy; and, though we doubt we were as much “curiosities”
to most of her guests as they and their ways were to us, there was no vulgar
staring, nor anything to indicate that the appearance of las Americanas was
unusual. Indeed, one may learn many lessons in politeness from these simple-
hearted Azoreans. The house was decorated with ferns and masses of bright
blue hydrangeas, and as we entered somebody was accompanying his voice
on a viola and singing the song which is as common in the Azores as “After
the Ball” in the United States, beginning:

Quero cantar a Saloisa


Já que outra moda não sei.

The viola is an instrument peculiar to these islands – an odd cross between


a guitar and a mandolin – but its delicate music is unlike that of any other
instrument. It is used as an accompaniment in all their singing and dancing,
and always in the nightly serenades, without which no Azorean maiden can
be won in marriage. The favorite dance is the “Chama Rita,” which was to
be danced at the ball in question and could not begin until the leader came,
and pending his arrival there was much good-natured joking to the effect that
it always takes a violinist three months to dress himself. Presently he came
– a handsome young fellow, attired like a Spanish brigand, in corduroy knee
breeches, black-braided jacket bordered with velvet, and broad scarlet sash –
singing, smoking, and twanging his viola and dancing three steps and a shuffle
as he entered. One by one the men fell in behind him, each taking the same
three steps and a shuffle, till there was a circle around the room; and one by
one they beckoned the women in, all hopping together like so many chickens
on a hot griddle. The leader meanwhile banged away on his viola and chanted
at the top of his voice in a monotonous recitative, in which the words “Chama
Rita” and “Bella Mia” frequently occurred; and the rest joined in the chant at
intervals, snapping their fingers high above their heads to mark the time, as
with castanets.
The dance consists of a polka step, with a great deal of “balancing to partners”
and “ladies chain” and “grand right and left,” not unlike our old-fashioned
cotillion, and occasionally they paired off for a little waltz.
Fannie B. Ward 369

Customs of the Dance.


There seems to be no regular sequence for the changes of the dance. As the
spirit moves them the participants, male and female, burst into a loud recita-
tive, at which the rest laugh and applaud, and somebody else takes it up and
adds to it in the same strain. This recitative, chanted to the tune of the viola,
is always improvise, and is made the vehicle for sharp personalities or for
good-natured joking at the expense of those who are suspected of being in
love. And so the racket went on, the shouting of the song, the twanging of
the viola, the snapping of fingers, until everybody was tired. Then, pending
refreshments and a brief rest, each gentleman asks his partner whom she
desires to dance with next. It is considered the polite thing for her to signify a
wish to continue with him; but if she prefers another partner No. 1 must go and
ask the more favored fellow to take his place. There are other dances, nota-
bly the “Charabana” and the “Saudade,” and the gayest of all, whose name I
have forgotten, with which the ball is generally concluded. It is not unlike our
Virginia Reel, the dancers forming in lines and galloping down the middle by
couples in a series of balancing marvelous to behold.
The Azorean peasantry, poor and hard-worked as they seem to be, are extremely
fond of music, and nothing gives them so much pleasure as strumming upon
a viola. First the music always consists of a few monotonous strains, even
that of lovelorn Romeos beneath their sweethearts’ windows. Another favorite
recreation is the improvisation, where two persons alternately sing rhymed
couplets, which they “make up as they go along,” for the amusement of the
listeners. The musical flow of the languages and the similarities of the word-
ending – mostly a or o – render this an easy accomplishment. An American
gentleman who recently visited these island has this to say of the poetic tour-
naments; “All nature seems to inspire the rustic song. The country lads and
lassies, even when laboring in the fields, challenge each other to metrical con-
tests, and often two lovers, fields apart, will sing to each other all day long,
as cheerily as the canaries and blackbirds in the hedges around them. The
shepherd boy will serenade a companion on a distant hill, using a rude sort of
instrument made from a cow’s horn and a long stem of bamboo. Upon this he
pipes, like the god Pan, in mellow tunes, until hills and valleys echo the sweet
music of his yodel. Often a man, for lack of a companion, will whistle each
second verse of his song in a higher key, to represent his mistress, or chant
one line in a bass voice and next the tenor, with the same intent. So, too, the
370 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

country dances are performed not alone to the melody of the guitars, but to the
rhythm of song as well, and the Chamarita will set both voices and feet and
snapping fingers in motion with its merry, voluptuous strains, whether played
in the public square, at the rural husking, or at the Sunday fandango in some
flower garden.”
Revista de Livros
Book reviews
(2014) Carlos Manuel Gomes Lobão, Uma Cidade Portuária
– A Horta entre 1880-1926.
Sociedade e Cultura com a Política em Fundo.
2 Volumes, Horta, Ed. do Autor.

José Miguel Sardica - Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.

Em Maio de 1881, num texto da revis- da na escrita da história nacional.


ta Occidente, o escritor Brito Rebelo A historiografia portuguesa continua
iniciou o elogio fúnebre do duque de ainda hoje a ser maioritariamente
Ávila e Bolama recordando o seu mo- continental, demasiado centrada no
desto berço, a ilha açoriana do Faial, retângulo ibérico, e por isso a care-
como um dos “penedos no meio do cer de um descentramento que a enri-
Oceano, como que semeados ao queça com os traços do que Portugal
acaso, que as ondas buliçosas do mar de facto foi ao longo da sua história:
ora afagam e abraçam, meigas e sere-
um país pluricontinental e marítimo,
nas, ora açoitam e combatem, furio-
cujo império ultramarino entretanto
sas e desapiedadas, parecendo querer
pulverizá-los”. O carácter periférico e
frágil do meio insular, assim roman- CARLOS MANUEL GOMES LOBÃO

ticamente evocado, não impedia con-


tudo, e não impediu, que os Açores
tivessem merecido um lugar de rele- UMA CIDADE PORTUÁRIA
vo na memória histórica portuguesa, − A HORTA ENTRE 1880-1926
bem sabedora do quanto os rumos SOCIEDADE E CULTURA COM A POLÍTICA EM FUNDO

políticos do país, e sobretudo a con-


temporaneidade liberal, ficara a dever
ao pioneirismo, determinação e resis-
tência das gentes açorianas. Infeliz- Volume I

mente, essa memória histórica, bem


viva ao longo de todo o século xix,
por causa da Guerra Civil, e ainda em
boa parte do século xx, por causa da HORTA

centralidade geoestratégica das ilhas 2014

no Atlântico bélico das duas guerras


mundiais, não teve tradução adequa-
374 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

terminou, mas cuja projeção insular e os leitores em geral (ilhéus ou não)


e oceânica permanece como um traço lhe possam dar.
(e uma virtualidade) a conhecer e a Trata-se, na realidade, de um minu-
potenciar melhor. cioso e multifacetado estudo da reali-
Vêm estas palavras a propósito do dade da Horta ao longo de uma larga
livro, que aqui se apresenta, Uma fatia temporal, que se estende desde
Cidade Portuária – a Horta entre 1880 a 1926. Foi nesse quase meio
1880-1926. Sociedade e Cultura com século que Portugal e os portugueses
a Política em Fundo. Trata-se da pu- sofreram uma das maiores transfor-
blicação de uma Tese de Doutora- mações coletivas da sua história, na
mento, defendida e aprovada na Uni- transição do liberalismo monárquico
versidade dos Açores, em Novembro oitocentista para a era das massas, da
de 2013, cujo autor – Carlos Manuel democracia, da industrialização e das
Gomes Lobão – é figura local bem incertezas da modernidade, entre nós
conhecida e já uma referência no âm- vividas sob o agitado ciclo do final do
bito da historiografia sobre os Açores. século xix e do regime republicano de
O trabalho agora dado à estampa vem 1910-26. Se serviu de marco genésico
na continuidade de uma sua série de do movimento republicano nacional,
estudos, de maior ou menor extensão, 1880 também é um início adequado
dedicados à modernidade hortense e para a narrativa desenvolvida por
faialense, entre os quais se destacam Carlos Lobão, quanto mais não fosse
História, Cultura e Desenvolvimento porque, na Horta, o tricentenário de
numa Cidade Insular. A Horta entre Camões alentou uma consciência
1853 e 1883 (de 2010 – original- de devir histórico e uma militância
mente uma dissertação de Mestrado), progressista interessada em romper
ou o Roteiro Republicano da Horta atrasos e em semear as “dinâmicas
(de 2012). No panorama bibliográ- de transformação” que, ao longo do
fico sobre a cidade faialense, que se livro, o autor vai contrastando com
caracteriza – como resume o autor as “resistência à mudança”, muito
na sua introdução – “pela relativa características do pequeno meio insu-
escassez de estudos científicos”, só lar conservador. Também 1926 foi
parcialmente compensada “pela exis- data bem escolhida, porque é nacio-
tência de algumas monografias e pela nalmente o ano do 28 de Maio e do
relativa abundância de trabalhos me- termo da I República, e porque é local-
morialistas e de divulgação cultural”, mente o ano do grande sismo no Faial
a obra agora publicada merece todo o e do fim da representação consular
relevo que a comunidade académica norte-americana na ilha.
Revista de Livros 375

Num estilo sóbrio e seguro, que ca- Mas a realidade faialense acaba por
tiva o leitor pela empatia nutrida em ser também explorada de forma ex-
relação ao seu objeto de estudo, o tensa, graças ao volume imenso de
trabalho de Carlos Lobão tem uma informação recolhido. E ao aprofun-
estrutura clara, que vai sobrepondo dar o conhecimento da Horta e do
diferentes enfoques sobre uma mes- Faial num dos períodos mais cruciais
ma realidade espacial e época – a da contemporaneidade, o autor deixa
Horta, cidade capital portuária, da uma valiosa achega para a própria
Monarquia à República – adequada- história regional dos Açores, cujas
mente delimitados em quatro grandes relações com a história nacional nem
capítulos, um sobre a vida urbana, sempre são, como acima se referiu,
infraestrutural e socioeconómica, devidamente salientadas – quer no
outro sobre a política, outro sobre que a evolução histórica continental
a educação e o ensino, e um último deve aos Açores, quer no balanço das
sobre a vida sociocultural. Ao grosso diferenças e semelhanças históricas
primeiro volume de texto soma-se um registadas entre as ilhas e as restantes
segundo volume, com cerca de uma partes do país.
centena de páginas, onde se coligem A investigação original que sustenta
os anexos – um enorme conjunto de o livro é a muitos títulos notável, exi-
dados documentais, fotográficos, esta- bindo rara exaustividade arquivística
tísticos, prosopográficos ou socioló- e um olhar sempre atento e sensível
gicos, cuja recolha e sistematização à importância de outras fontes histó-
só podem elogiar-se, tanto pelo seu ricas, como a imprensa, a literatura
carácter time-consuming como pela e a fotografia. A leitura revela como
sua utilidade, coligindo o que poderá o autor se interessou por tudo aquilo
doravante servir para outros estudio- que o pudesse informar e esclarecer
sos e outros trabalhos. No total, são sobre o pulsar diverso da Horta ao
cerca de 750 páginas, dimensão já longo de quase meio século. O resul-
hoje pouco usual em teses académicas tado é um olhar que “humaniza” a
e livros de história, que seguramente Horta – essa “maior pequena cidade
passarão a ser um contributo incon- do mundo”, na célebre expressão de
tornável para a história local – e não Pedro da Silveira, ou essa “cidade-
só. É certo que Carlos Lobão foca so- zinha faialense” com “certo sopro
bretudo a Horta, as suas dinâmicas, o europeu e yankee”, como a qualifica
seu porto e o seu hinterland, não tendo Carlos Lobão.
redigido, portanto, uma história da Não é possível, no espaço limitado de
ilha do Faial entre os séculos xix e xx. uma recensão, resumir todas as pro-
376 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

blemáticas abordadas na obra – da debate e do posicionamento da classe


geografia e população aos melhora- política da ilha (tanto a monárquica
mentos urbanos ou às conjunturas como, depois, a republicana), em
económicas (e naturais) de crise e de torno dos temas da autonomia e do
progresso; da luta político-partidária regionalismo. E a partir dos condicio-
ao quotidiano eleitoral ou ao fervi- nalismos geográficos e materiais, por
lhar jornalístico; das esperanças e um lado, e do debate político, por
entraves do ensino e da educação à outro – feito com o continente, ou
surpreendente riqueza e diversidade fora, e apesar, do continente – o leitor
das formas de associativismo e dos tem acesso a um outro grande tema,
círculos e espaços de vida cultural, aqui explorado na educação, na cul-
artística e mundana. Em todo o caso, tura e nas mentalidades, a saber, o
vale a pena salientar alguns eixos do “desabrochar da modernidade”,
argumentativos que servem de fio mesmo que de forma “diluída e miti-
condutor à narrativa. Um deles, não gada”, por sobre a “pequenez, pobre-
diretamente assumido mas constante- za e modéstia” próprias da “cidade do
mente implícito, é o da relação umbi- canal”, onde as “matizes europeias”
lical (que não deixa de ser dualidade) sempre assentaram num “viver semir-
entre a terra e o mar, entre a Horta e o rural”.
Oceano, entre a pertença sólida à ilha De entre as nove ilhas dos Açores, o
e a sedução pelo porto cosmopolita, Faial situa-se em posição de impor-
de onde tantos partiram para a aven- tância intermédia. Sombreado por
tura da emigração e onde não poucos São Miguel e pela Terceira ao longo
chegavam para europeizar a baía e o da história, soube afirmar-se como a
Faial. Talvez por isso, a época estu- mais importante das chamadas “ilhas
dada por Carlos Lobão foi pródiga de baixo” – um velho rótulo tão inte-
em diagnósticos definidores da “insu- ressante quanto problemático, pela
laridade” e da “açorianidade” – reali- alteridade que pressupõe entre as
dades identitárias que o autor define várias partes dos Açores –, tendo
de maneira larga como “uma forma construído a sua reputação, valoriza-
peculiar de ser-se açoriano” e “uma ção e dinâmicas a partir da sua cidade
forma de estar e de ser que os conti- portuária. Costuma dizer-se, entre as
nentais têm grandes dificuldades em gentes locais, o que qualquer foras-
compreender”. Ora, o jeito faialense teiro por si pode observar: que a
de ser insular e açoriano perpassou beleza rara da Horta reside tanto na
por um segundo grande eixo da narra- enseada amena que se estende do
tiva deste livro – o das cambiantes do Monte da Guia à ponta da Espala-
Revista de Livros 377

maca quanto no facto de o anfiteatro Lima (de 1940). Mas enquanto estes,
hortense ter defronte de si o pano- ainda e sempre úteis, são sobretudo
rama arrebatador da vizinha ilha do crónicas lineares de factos e pessoas,
Pico, com a sua elevação vulcânica. o estudo de Carlos Lobão é uma des-
A admiração não deve obscurecer o crição problematizadora, estrutural,
rigor, da mesma maneira que a igno- conjuntural, diacrónica e humanista,
rância tem de dar lugar ao conheci- motivada, nas suas próprias palavras,
mento. Carlos Lobão lembra ao seu pela ideia de que “valeu a pena passar
leitor que a história da Horta esteve alguns anos a procurar pontas para
demasiado tempo presa quer da ajudar a construir algo de novo”, a
“amnésia do excesso”, ou seja, de um saber, “indagar as origens”, “procurar
culto bairrista de glória passada que a identidade”, “fundamentar a dife-
nunca existiu, quer da “amnésia da rença” e “conservar o património
ausência”, dos que não conhecem o cultural”. Por esta via, e produzindo
Faial e dos que dele julgam saber já o a tese-livro aqui resumida, o autor
suficiente. O objetivo e o mérito deste enriqueceu a historiografia local e
livro foi, e é, o de desconstruir a pri- regional com um largo fresco que
meira e ajudar a superar a segunda. densifica o conhecimento do passado,
O autor segue assim o caminho tri- ao mesmo tempo que pode ajudar
lhado por clássicos como a História a fazer refletir sobre o presente e o
das Quatro Ilhas que formam o Dis- futuro da política, da sociedade, da
trito da Horta, de António Lourenço economia e da mentalidade faialenses
da Silveira Macedo (de 1871), e sobre- e açorianas.
tudo pelos Anais do Município da
Horta. Ilha do Faial, de Marcelino José Miguel Sardica
(2014) Envelhecer e Conviver (coord. Teresa Medeiros,
Carlos Ribeiro, Berta Pimentel Miúdo e Adolfo Fialho).
Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições *

Avelino de Freitas de Meneses – Professor Catedrático da Universidade dos Açores/Secretário


Regional da Educação e Cultura do Governo dos Açores.

A principiar1 to na sociedade contemporânea, este


livro pode muito bem ser apresentado
Antes de mais, agradeço o convite por um Secretário Regional da Edu-
para fazer a apresentação pública des- cação e Cultura. E porque? Porque a
te novo livro Envelhecer e Conviver, Aprendizagem ao Longo da Vida não
que agora surge nos escaparates, com é uma modalidade marginal e secun-
coordenação dos meus colegas da dária do sistema educativo. Bem pelo
Universidade dos Açores Teresa Me- contrário! Hoje, a Educação é a Edu-
deiros, Carlos Ribeiro, Berta Miúdo cação ao Longo da Vida, que principia
e Adolfo Fialho e por iniciativa da logo no ato do nascimento, que só
Letras Lavadas edições. Esta é uma
missão que cumpro com gosto, por-
que há 11 anos atrás, como Reitor da
Universidade dos Açores, procedi à
abertura do Ciclo de Aprendizagem
ao Longo da Vida, uma iniciativa que
muito deveu à pertinácia e à clari-
vidência da Prof.a Teresa Medeiros,
então no exercício das funções de
Pró-Reitora.
Sendo prefaciado por uma Secretária
Regional da Solidariedade Social,
dado o caráter da temática, toda ela
em redor da análise do envelhecimen-

* Este texto corresponde à apresentação pú-


blica do livro, ocorrida a 30 de setembro
de 2014, na Biblioteca Pública e Arquivo
Regional de Ponta Delgada.
380 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

termina no ato da morte. De facto, a mente, encontramo-nos perante um


sociedade dita da globalização, carac- drama sem solução. Todavia, em vez
terizada pelo desajustamento quase de profetas da desgraça, os autores
permanente entre o caráter da quali- acima referenciados são arautos da
ficação dos ativos e a súbita meta- esperança, porque na caracterização
morfose dos conhecimentos, abre às dos seniores de hoje identificam cada
escolas uma nova função, que consis- vez mais velhos, pela averiguação
te no imperativo da preparação para da idade, cada vez mais jovens, pela
a mudança de atividade. Por outras capacidade de ação. Além disso,
palavras, as exigências laborais de perante o assomo do individualismo e
atualização e adaptabilidade conver- a degradação do Estado, reconhecem
tem agora o processo do conhecimen- a emergência de um novo mutualismo,
to em tempo de aprender, desaprender protagonizado por grupos de cida-
e reaprender. Este dever das escolas, dãos, por poderes locais, caso das
e particularmente das universidades, misericórdias e dos municípios, e pe-
suscita a atração de novos públicos, las igrejas, encontrando-se a católica
que são normalmente públicos mais à frente das demais, por ser a herdeira
velhos. multissecular de práticas de assistên-
cia em socorro de toda a tipologia de
1.  A insurreição da idade necessitados.
A tradição identifica os idosos com
Este novo livro inclui um profundo um grupo de doentes e de acamados,
diagnóstico do envelhecimento ativo que aguarda, que inclusivamente qua-
e do diálogo intergeracional, decor- se anseia, pelo termo da existência,
rente das análises de cerca de uma dado o insuportável peso da dor e do
vintena de autores, muito atentos à sacrifício. Em sociedades cheias de
realidade de Portugal e ao enquadra- jovens, como eram as nossas comu-
mento na Europa. Em 1960, os por- nidades de outrora, os velhos eram
tugueses com mais de 65 anos cor- uma minoria social a pender para o
respondiam a 8% da população. Em inútil, porque já improdutiva, mesmo
2011, os portugueses com mais de 65 após uma vida de canseiras e de reali-
anos já equivaliam a 19% da popu- zações. A sociedade da atualidade é
lação. Em 2040, os portugueses com substancialmente diferente da socie-
mais de 65 anos representarão 32% dade de outrora. Outrora, a abundân-
da população. Além disso, os idosos cia de jovens justificava que sobre eles
estão cada vez mais pobres, vivem recaísse todo o esforço da educação.
cada vez mais isolados. Aparente- Outrora, uma escassa percentagem de
Revista de Livros 381

idosos não justificava a realização de um menor dispêndio de força natural,


um investimento público substancial. esta sim própria da juventude.
Na atualidade, a melhoria das condi- Os preconceitos contra a velhice,
ções de vida suscita o acréscimo da interiorizados de forma quase imper-
esperança de vida. Na atualidade, o cetível, possuem custos elevados,
novo comportamento demográfico mesmo de natureza económica e fi-
suscita o decréscimo dos nascimen- nanceira. A título de exemplo, carece
tos. Por tudo isto, do passado para o de confirmação o entendimento mais
presente, ocorreu uma profunda alte- comum, que aponta quebras na quali-
ração da dimensão e da essência da dade e na produção da atividade dos
velhice. Quantitativamente, há um seniores. Nestas circunstâncias, é ur-
maior número e uma maior percen- gente a inversão das nossas atitudes,
tagem de velhos. Qualitativamente, quer as pessoais, quer as coletivas,
transformou-se o caráter da pessoa para que também forcem a alteração
idosa. Agora, os idosos constituem das políticas estatais, acomodadas à
um grupo social numeroso e útil, convicção da inutilidade dos idosos,
formado por pessoas que, mesmo à uma cruzada que exige a participação
margem dos circuitos da produção, dos próprios, no combate às causas da
possuem capacidade de contribuição exclusão que eles mesmos admitem,
para o progresso da comunidade. as mais das vezes, sem uma completa
consciência.
Num inquérito de rua, quando ques-
2.  O préstimo dos seniores tionada sobre aquilo que mais gosta-
ria de ser quando fosse adulta, uma
O envelhecimento das nossas comu- criança, concretamente uma menina,
nidades é um sinal de progresso da disse que gostaria sobretudo de ser
civilização, logo muito mais evidente avó. E acrescentou “os avós são os
nos países desenvolvidos. Além disso, únicos adultos que tem tempo para
trata-se de um fenómeno duradouro, nós”. Os avós são os únicos adultos,
resistente ao antídoto da imigração, continuou ela, “que não invocam uma
que só atenua o défice da natalidade. ocupação permanente, que param,
Na consideração da velhice social, pensam e respondem, e de um jeito
não propriamente pessoal, em vez da que a gente entende”. Porém, a tradi-
identificação de um problema, temos ção não veicula o melhor registo do
de ver o indício de uma solução, papel dos avós na educação dos mais
dadas as características da atual eco- novos. A propósito, quem não recorda
nomia do conhecimento, que requer o velho ditado popular “os pais edu-
382 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

cam e os avós (des)educam”. Apesar a socialização. Nesta conjuntura, os


da contradição destes testemunhos, avós são pontes de diálogo entre as
na sociedade contemporânea, carac- gerações desavindas. Com efeito, são
terizada pela crescente ausência dos eles que conseguem o retorno dos
pais, os avós possuem grande relevo jovens, primeiro, ao conhecimento
na educação dos netos. Afinal, e de das origens, depois, ao respeito e à
uma certa forma, são pais por duas recuperação das raízes.
vezes. Com efeito, agem como supor-
te afetivo e financeiro de muitas famí- 3. 
A Universidade e o envelheci-
lias, mesmo como substitutos dos mento
pais, quando estes falham no cumpri-
mento das obrigações e das respon- Por tudo o que já se disse, as universi-
sabilidades mais básicas. De resto, dades não podem ficar alheias à pro-
em circunstâncias menos dramáticas, blemática do envelhecimento. Bem
com mais tempo útil, é na condição sabemos que a mentalidade de hoje
de avós que muitas mulheres e muitos destaca os valores da utilidade ime-
homens descobrem tempo para fazer diata e da máxima produtividade, que
com os netos aquilo que não tiveram suscita a glorificação dos mais fortes,
oportunidade de fazer com os pró- que propicia a revelação do liberalis-
prios filhos. mo mais selvagem, ao mesmo tempo
No País, na sociedade de hoje, os um estímulo de progresso económico
mais idosos, o mesmo é dizer os avós, e um fator de promoção da injustiça.
são o sustentáculo de muitas famílias, É claro que importa contrabalançar
são os verdadeiros educadores da tanto exagero. É claro que importa
juventude. Porém, na diáspora portu- obter maior equilíbrio. A consolida-
guesa, ontem como hoje, os idosos, o ção do progresso e o aprofundamento
mesmo é dizer os avós, são os princi- da justiça exigem a adoção de práticas
pais agentes da preservação da nossa diferenciadas que importa conciliar,
matriz cultural, são os melhores ins- dada a relevância social dos seus fins.
trutores das gerações mais jovens. O acréscimo da competitividade é um
Fora da terra natal, são mais difíceis instrumento de progresso, o exercício
as relações entre pais e filhos, porque da solidariedade é um instrumento de
os primeiros vivem para o trabalho justiça. Neste caso, as instituições da
nem sempre digno e compensador, sociedade democrática e do estado de
porque os últimos enfrentam as con- direito são o campo de harmonização
tradições da escola, ora integradora, do progresso com a justiça. Entre tais
ora segregacionista, que prejudicam instituições, avultam as universidades
Revista de Livros 383

e os governos. Da universidade, aguar- dade, e em atividades compensadoras,


da-se que a formação faculte o desen- na perspetiva do indivíduo. Quer tudo
volvimento económico e a promoção isto significar que na atualidade a
social. Do governo, aguarda-se por essência da universidade é a plura-
um papel de regulação, para que a lidade, isto é, uma universidade de
competitividade seja um fator de pro- todas as idades, uma universidade
gresso, sem ser um instrumento de para todas as idades.
desrespeito pela condição humana,
para que a solidariedade seja um fator A terminar
de justiça, sem ser um instrumento de
paralisação iniciativa. São estas, foram estas as reflexões
A nova universidade de hoje, filha da que entendi produzir a propósito da
nova sociedade de hoje, tem de apos- problemática do envelhecimento nos
tar na captação de novos públicos. dias de hoje. A humildade fica bem
Para além dos mais jovens, também na política, na ciência e na própria
os profissionais, mas ainda os deso- vida. Eu creio que sou relativamente
cupados, muitos deles idosos, menos humilde. Mas, desta vez, eu vou ser
jovens, mas cada vez mais jovens. No mais ousado, quase provocador. Esta
futuro, a atração dos desocupados, minha apresentação teve pelo menos
muitos deles idosos, será sempre, e uma vantagem. Ela não se sobrepôs
cada vez mais, o objetivo capital da à leitura do livro. Ela não dispensa
gestão universitária. Um objetivo a leitura do livro. Da realização de
que evidenciará a utilidade pública uma tal leitura, retirarão todos vós,
da universidade do amanhã, já que a disso estou certo, muitos e mais ensi-
integração dos menos jovens e dos namentos.
mais desocupados resultará em ativi-
dades uteis, na perspetiva da coletivi- Avelino de Freitas de Meneses
(2014) Rui Bettencourt, Políticas para a empregabilidade.
Lisboa, Actual Editora.

Álvaro Borralho – Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade


dos Açores.

Autor sobejamente conhecido pelos trando, com uma linguagem técnica,


anos em que esteve nos Açores como mas acessível, os conceitos básicos e
Director Regional, a sua obra apre- as suas dimensões. Portanto, um livro
senta uma reflexão estruturada em que interessa a todos, em particular
torno de cinco capítulos – I. O em- ao público das ciências sociais ou que
prego e suas políticas; II. A emprega- a elas recorrem para entenderem a
bilidade; III. Flexibilidade da econo- realidade circundante.
mia e segurança no emprego; IV. As Não sendo o desemprego o tema da
ligações Educação – Emprego e V. Um obra, este está omnipresente e o seu
reposicionamento das políticas de apresentador assim o identifica, logo
emprego e das políticas educativas nas primeiras páginas, ao afirmar que
– sendo ainda enriquecido com uma “entre os problemas seguramente mais
apresentação de Carlos César e prefa- tipificadores dos riscos de desestru-
ciado por Eduardo Ferro Rodrigues.
Para além desta atractividade, o livro
tem ainda uma tese a defender, pois
não se tratando, de facto, de uma
dissertação académica, não deixa de
ser verdade que seguiu o modelo das
reflexões e análises académicas e pos-
sui um veio condutor, inscrevendo-se
nas preocupações científicas, mas
também políticas do autor.
Por outro lado, é importante realçar
que se está diante de uma obra muito
didáctica e elucidativa acerca da pro-
blemática e que o marca já como um
livro mais académico do que político,
com interesse para um público leigo
e menos leigo e que recorre com fre-
quência à abordagem da matéria, ilus-
386 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

turação e de alarme nas sociedades Assim, a discussão faz-se em torno


actuais estão as elevadas taxas de das perspectivas e das reflexões sobre
desemprego e as fracas expetativas de a adequação do e ao emprego, impli-
alternativas ou mesmo de manuten- cando falar da empregabilidade, evi-
ção dos empregos ocupados” (César tando entrar na discussão das medidas
apud Bettencourt, 2014: 16). Também sociais de combate ao desemprego.
Ferro Rodrigues, no prefácio, identi- Ou seja, uma forte colocação do pro-
fica o desemprego como um problema blema em termos positivos e proposi-
estrutural, afirmando que “se é um tivos, ligando a problemática quer à
facto que a estratégia europeia para o economia, quer à política e chamando
emprego procura combinar os planos a atenção para as fortes assimetrias
nacionais, regionais e até locais com regionais na Europa: “De facto, há
o quadro europeu mais geral, o que é países como a Grécia, a Espanha ou
certo é que o actual refluxo do ideal Portugal cuja taxa de desemprego
europeu e das suas práticas tem nos jovem atinge valores entre os 35% e
défices de crescimento e emprego um os 55%, enquanto no mesmo espaço
dos seus mais trágicos reflexos” (Ro- comunitário a Dinamarca, a Alema-
drigues apud Bettencourt, 2014: 21). nha ou a Holanda apresentam para o
Partindo desse problema nuclear desemprego jovem valores inferiores
das sociedades modernas, a reflexão a 15%, quatro a seis vezes inferiores”
começa por enunciar uma fórmula (Bettencourt, 2014: 30).
expressa por François Miterrand, em Fazendo eco das preocupações mais
1993: “Em matéria de luta contra o recentes sobre o emprego mundial,
desemprego, tudo foi tentado” (Bet- designadamente da Organização
tencourt, 2014: 25). Percebe‑se que o Internacional do Trabalho no seu
autor quer contrariar esta ideia-feita, Relatório sobre Trabalho no Mundo,
tendo um objectivo claro de demons- em 2012, dá conta da perplexidade
trar mais a incapacidade de a política acerca da incapacidade em aumentar
pensar em soluções para enfrentar e a população empregada e das inevi-
combater o desemprego do que as táveis consequências que isso poderá
dificuldades em escolher e adequar provocar, nomeadamente, situações
soluções para o emprego. Quer dizer, de agravamento das desigualdades
emprego e desemprego são dimen- sociais e dos conflitos sociais. Reali-
sões interdependentes, mas com algum dade possível e tangível cuja impro-
grau de autonomia, e adequar solu- babilidade não pode, nem deve, ser
ções para o emprego pode ser o medida a olho nu, e que estão nas
melhor combate ao desemprego. preocupações centrais das análises
Revista de Livros 387

de variados cientistas sociais que re- instrumento de decisão e intervenção


petidamente vêm alertando para estas política e os trabalhos de Lasswell,
possibilidades. O agravamento das considerado por muitos o precursor
condições de vida tem, para as socie- da análise das políticas públicas, pro-
dades, o mesmo efeito que o aqueci- curaram estabelecer uma discussão
mento global tem para o planeta, e entre cientistas, grupos económicos
pode acarretar a destruição a médio e os decisores públicos, justamente,
prazo da maior riqueza que moder- com a finalidade de melhorar a eficá-
nidade criou em matéria de direitos, cia da acção pública.
participação cívica e possibilidades A questão da eficácia das políticas
de vida: o Estado-Providência ou públicas não é, aliás, um tema novo.
Estado Social. E quando se fala em Keynes, Musgrave ou Pareto já o
Estado Social importa referir um con- tinham pensado no quadro macro-
tributo decisivo deste modelo de go- económico e Pareto tem mesmo uma
vernabilidade, como lhe chamaria célebre consideração acerca do que é
Foucault, como são as políticas pú- útil e do que é eficaz. Esta alusão à uti-
blicas. lidade e à eficácia é feita porque Rui
As políticas públicas ganham cen- Bettencourt também a transporta para
tralidade na reflexão do autor já que, o seu livro, colocando o problema da
“nessa pesquisa de novas políticas articulação entre as políticas públicas
públicas para o emprego torna-se de emprego (a eficácia) e as políticas
necessário passar por uma escalpeli- públicas de educação (a utilidade):
zação das ligações entre educação e “as políticas públicas de emprego,
emprego, ou pelo menos entre ação que estão a maior parte das vezes
educativa e empregabilidade, e é estruturadas em Planos (nacionais,
nesta realidade que se insere a cen- regionais, e por vezes locais), se-
tralidade das atenções nas estratégias guem, no caso do espaço geográfico
de qualificação profissional” (Betten- europeu, a Estratégia Europeia para
court, 2014: 38). Enquanto decisões e o Emprego, e são, assim, geralmente
acções dos poderes públicos na socie- uma combinação destas medidas. Por
dade, as políticas públicas, ganharam sua vez, as políticas educativas não
um relevo crescente a partir da década aparecem claramente no xadrez das
de 1950 com os primeiros trabalhos políticas de emprego” (Bettencourt,
dos politólogos norte‑americanos. 2014: 58). E fica claro que o autor
O interesse centrou-se, sobretudo, na não tem uma visão utilitarista da edu-
eficácia das decisões públicas, em es- cação, pelo contrário, quando afirma
pecial, a sua racionalização enquanto “a educação deve ter uma missão
388 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

mais alargada de preparação para a (o dobro)” (Bettencourt, 2014: 102).


cidadania, de criação de capacidades Numa abordagem estrutural deste
de desenvolvimento e análise, de for- tipo, seria inevitável o confronto com
mação cultural, na aquisição de uma outra ideia-feita: de que se trabalha
base de conhecimentos transversais, pouco em Portugal e que, talvez para
e, sobretudo no ensino superior, de abonar a falsa tese, se ganha bem.
preparação para a inovação e a inves- Com efeito, os dados trazidos à cola-
tigação” (Bettencourt, 2014: 91). ção desmentem-no quer do lado dos
Um outro aspecto muito relevante custos do trabalho, quer do lado da
na obra é o recurso à comparação no produção em horas de trabalho.
quadro europeu e a análise que se faz Há, assim, a necessidade de um (novo)
do desenvolvimento dos Açores nas reposicionamento das políticas de
últimas décadas. Esta análise não só emprego e das políticas educativas.
permite dar a conhecer a realidade De entre as medidas preconizadas, a
insular como estabelece desafios, no- prospectiva estratégica, proposta por
vas abordagens e ao prosseguimento Godet, aparece como um meio funda-
de estudos sobre a empregabilidade e mental de concepção das decisões pú-
a articulação com a educação. E nesta blicas. A aplicação desta prospectiva
dimensão, importa reter que “nos estratégica, em ateliers criados para
Açores, entre 2008 e 2011, o trata- o efeito nos Açores, e segundo uma
mento preventivo das qualificações análise estrutural, permitiu ver “fato-
para o mundo do trabalho fez dimi- res determinantes de desenvolvi-
nuir em 10% o número de trabalha- mento, com forte conexão entre eles,
dores sem habilitações e aumentar e, conse­quentemente, sobre os quais
em 51% os trabalhadores licenciados, se deve agir em articulação” (Betten-
20% destes por formação contínua court, 2014: 178).
(universitários de mais de 23 anos) Ainda neste capítulo, o autor lança
e sendo 80% jovens recém-licen- um rápido olhar sobre aquilo que
ciados” (Bettencourt, 2014: 66). Ou habitualmente se designa por “enge-
ainda, noutra dimensão, verificar e nharia social”, sendo apresentada
comparar qualificação entre patrões e como comportando soluções de “en-
assalariados portugueses, pois a per- genharia da formação”. Dando como
centagem de patrões com ensino su- exemplo a situação em que dois enge-
perior é relativamente baixa: 9% dos nheiros, em França e nos anos 1970,
patrões portugueses contra 27% (três souberam reorganizar um sector pro-
vezes mais) dos patrões europeus e dutivo a partir de uma situação social
18% dos trabalhadores portugueses complexa e a teriam conduzido a
Revista de Livros 389

soluções aceites e integradoras (Bet- tico, designadamente, daquilo que


tencourt, 2014: 192). Se a engenharia os centros de decisão política estão
da formação de ocupa “da análise, da dispostos a fazer para os resolver.
conceção e da condução de um pro- Com feito, o autor afirma que “para o
cesso de formação indo da análise desempenho deste novo papel do
de necessidades à avaliação dos for- Estado é exigível uma postura dife-
mandos e do processo, passando pela rente e novos conhecimentos que vão
determinação de objetivos, a planifi- desaguar na prospetiva estratégica,
cação e a definição de meios huma- mas a com­plexidade que obriga os
nos e materiais” (Bettencourt, 2014: conhecimentos técnicos para a con-
194), também se pode afirmar que as ceção e pilotagem das políticas para a
ciências sociais o podem fazer sem empregabilidade não dispensa, antes
necessidade dessa construção ideo- exige, a liderança política” (Betten-
lógica a que se convencionou chamar court, 2014: 202). Quer dizer, e vol-
“engenharia social”. Cotejando as tando ao princípio, a afirmação de uma
palavras do autor, pode-se fazer um tese demonstrativa da capacidade da
pequeno exercício: o de se levar o política em resolver, por políticas pú-
exemplo para outro sector, o da saúde, blicas, os problemas que socialmente
por exemplo. Se um técnico, ou um lhe são colocados, sem esquecer, e
conjunto de técnicos, forem capazes sem deixar de defender um modelo –
de analisar, conceber e conduzir um o do Estado Social –, tão duramente
processo terapêutico, indo da análise atacado pelo neoliberalismo reinante:
das necessidades dos doentes, pas- Nas palavras do autor, “o arriscar
sando pela determinação de objecti- (…) é a grande questão que se coloca
vos de tratamento, a planificação das ao político de hoje” (Bettencourt,
intervenções cirúrgicas e a definição 2014: 204). E, arriscar, foi o que fez
dos meios e recursos humanos neces- Rui Bettencourt, em bom momento,
sários para o tratamento, certamente, numa aposta ganha com esta obra que
continuaremos a chamar-lhes médicos é, também, um altíssimo contributo
e não engenheiros da saúde. para o desenvolvimento dos Açores.
O exercício antes feito conduz à
necessidade de se verificar que não Álvaro Borralho
é por mudar o nome que a realidade
muda. Até porque, e como o autor
Nota: Este texto é uma versão abreviada, mas
também reconhece, a questão funda- fiel, ao que foi lido na apresentação do livro
mental não está do lado técnico. Está, no Teatro Micaelense, em Ponta Delgada, no
e sempre assim esteve, no plano polí- dia 11 de Abril de 2014, a convite do autor.
(2014) Alfredo Mesquita, A América do Norte.
Lisboa, Tinta-da-China; FLAD.

Álvaro Borralho – Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos


Açores. 

Do livro de Alfredo de Mesquita, cuja vem não às dissertações dialécticas


publicação original remonta a 1916, ou literárias, mas às descobertas posi-
resulta, no dizer do cabal e desvela- tivas das ciências matemáticas, físi-
dor do prefácio de Onésimo Teotónio cas ou naturais. A geometria dá-lhes
de Almeida, uma “imagem rósea do o respeito absoluto e fanático da ver-
paraíso que o Novo Mundo para ele dade. O método das ciências físicas e
constitui. E, com efeito, o autor via- naturais entra na educação da criança
jante não esconde o entusiasmo pro- americana com o propósito sério de
vocado pela realidade com que se lhe desenvolver as faculdades de
confronta” (Almeida apud Mesquita, observação e de experimentação, tão
2014: 18). O livro abre-nos a análise
para uma descrição elogiosa de tudo
quanto o autor vê e o relato insere-se
na postura de um herdeiro do espírito
científico do século xix, um positi-
vista, registando-se ainda algum pen-
dor de darwinismo social, também
assinalado no prefácio, com uma evo-
cação mais directa a Herbert Spencer
(filósofo e cientista inglês do séc. xix
mas muito apreciado nos EUA e
adoptado como um dos teóricos do
liberalismo económico oitocentista).
A confirmá-lo a inscrição organicista,
tão ao jeito de Spencer, para quem o
progresso é coisa do indivíduo e não
da soma deles, ou seja disso a que
se convenciou chamar de sociedade:
“todos os progressos que a América
realiza, dizem os americanos, se de-
392 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

essenciais sob o ponto de vista moral social: “A americana corre para o


como sob o ponto de vista intelectual” homem como os rios correm para o
(Mesquita, 2014: 64-65). O progresso mar. Corre com o mesmo ímpeto,
é, assim, evolução e, a evolução insofrido e natural. (…) Entende‑se
social, não é mais do que o resul- que o casamento, produtor de uma
tado do esforço individual partilhado, função eminentemente social, deve
permitido pelo desenvolvimento da subsistir sempre que fisiologicamente
técnica e da ciência. se ajuste ao próprio fim” (Mesquita,
Há claramente, nesta conjugação de 2014: 203). Com efeito, não existe
positivismo e de evolucionismo orga- uma situação feminina muito dife-
nicista, o enaltecimento do esforço renciada e as mulheres americanas
individual, da combatividade, do des- dependem da estrutura de oportuni-
porto e da competição, do self made dades que o sistema de papéis sociais
man, da disposição individual con- lhe reserva, tal como na Europa.
jugada com o corpo das disposições O que é diferente é a estrutura de
normativas e colectivas, ou seja, a oportunidades, quer para homens,
moral com a ideologia. “Sendo muito quer para mulheres, e é isso que
independente, o americano é muito provoca alguma simetria nos papéis
obediente” (Mesquita, 2014: 78). Ou sociais assumidos pelos dois sexos.
ainda, noutra passagem, “o dólar é Isto mesmo se espelha noutra ques-
unidade de todo o peso e de toda a tão, “muito complexa”, como é a
medida do homem. (…) Na América, situação dos negros na sociedade
como em todas as outras partes do norte-americana. Não é preciso ir
mundo, os homens não se medem aos muito longe para perceber o seu
palmos; mas pesam-se em dólares” ponto de vista. A descrição, pelas
(Mesquita, 2014: 92). suas próprias palavras, prende-o, de
A eloquência das palavras e da des- novo, a uma estrutura de entendi-
crição leva-o mesmo a dar conta do mento demasiado auto-centrada na
contrário do que pretende exprimir. cultura dominante do país visitado
Por exemplo, a respeito das mulheres, e o etnocentrismo vem ao de cima:
quer afirmar a integração e o papel das “O contacto do preto com o branco,
mulheres na sociedade norte-ameri- desde que não seja aquele em que o
cana, querendo mostrar a indepen- preto se ache como servo e o branco
dência destas e a sua autonomia face como senhor, evita-se (…). Onde é
ao homem. Todavia, acaba por reve- possível separá-los por uma rede,
lar justamente o contrário, mostrando engaiolá-los como gorilas, isso se
a dependência delas face à estrutura faz: nos compartimentos dos carros
Revista de Livros 393

eléctricos que lhes são reservados, que esta exista e ao Estado interessa--
por exemplo. (…) Bairros inteiros, ‑lhe sobremaneira que uma qualquer
porque lá apareceram um dia as [às] religião exista, pois ela representa
janelas de algum prédio inquilinos de em termos de força moral, quer dizer
cor duvidosa, despovoam-se apressa- controlo social, o que o Estado difi-
damente, e passam a ser da exclusiva cilmente consegue realizar. Para de-
habitação dos pretos. Assim eles têm fesa da eficácia do poder, a religião
realizado a conquista pacífica dos é bem-vinda. Para Carl Schmitt, aca-
seus bairros, a que vão anexando as démico e filósofo alemão, católico,
suas escolas, as suas igrejas, os seus conservador, e mais tarde admirador
clubes” (Mesquita, 2014: 396). De confesso do nazismo, a conclusão é
segregação, e da aceitação dela por idêntica para o catolicismo. A união
parte dos segregados, nos fala, por- entre Estado e Igreja realiza-se justa-
tanto, o autor, querendo afirmar que a mente por os dois serem Estado, isto
segregação não seria um mal, mas um é, poder e poder em acção.
bem pois teria permitido aos negros, O livro coloca-nos perante a com-
afinal, terem ocupado um espaço paração permanente com a obra Da
social. Democracia na América, do político
O capítulo sobre a relação do Estado e pensador francês, aristocrata, libe-
com a religião espelha a mesma ral e católico Alexis de Tocqueville,
admiração anterior: “A neutralidade surgida em 1835, depois de um ano
da América consiste não em desin- de visita aos EUA para estudar o sis-
teressar-se da religião, bem menos tema penitencial. Aliás, Onésimo de
ainda em combatê-la, mas em teste- Almeida dá o mote no prefácio, subti-
munhar pelas diferentes crenças uma tulando Mesquita como um “Tocque-
benevolência imparcial” (Mesquita, ville português”. E o autor também
2014: 405). Noutra passagem, “a reli- revela ter tido conhecimento da obra
gião não é ensinada nas escolas, nem do pensador francês.
poderia sê-lo (…). A neutralidade é Tocqueville é hoje considerado como
perfeitamente observada e sincera. um dos precursores do pensamento
(…) O que ao Estado importa é que social moderno e, desde Raymond
a escola tenha por primeiro cuidado Aron, como um dos fundadores da
inspirar e cultivar no aluno o patrio- Sociologia, que fez ciência socioló-
tismo e que a lição de civismo vá de gica sem a querer fazer, merecendo
par com a lição de moral” (Mesquita, essa atenção e o prémio de ter sido
2014: 410). Por outras palavras, pouco um dos mais importantes pensadores
importa a religião professada desde políticos da modernidade e um dos
394 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

que melhor soube analisar a socie- a Tocqueville a única capaz de con-


dade norte-americana. Em Da Demo- trolar o poder do Estado.
cracia na América, Tocqueville dis- Finalmente, e em terceiro lugar, os
tingue diversos níveis de abordagem. hábitos e os costumes, ou a forma
Em primeiro lugar, a situação aciden- como os EUA souberam conciliar
tal (histórica e geográfica) da consti- liberdade de Estado com liberdade
tuição dos Estados Unidos, em espe- individual. Por outras palavras, como
cial o facto de ter sido uma sociedade demarcaram esfera pública de esfera
criada por emigrantes perseguidos privada, e, como nessa conjunção de
religiosamente, sem grandes distin- elementos, souberam delimitar a reli-
ções de riqueza; não ter havido neces- gião para a esfera privada e o Estado
sidade de conduzir a guerra contra se declarou não confessional. Aspec-
inimigos externos e de a instalação to, aliás, desconhecido para Portugal,
oferecer a todos, nos primeiros tem- até 1910, e para vários países euro-
pos, e sem grandes problemas, a ri- peus que, não sendo confessionais,
concediam a uma religião a sua pre-
queza que faltava na Europa: a pro-
ferência. A virtude da cultura cívica
priedade.
seria, justamente, a capacidade de
Em segundo lugar, as leis e as caracte-
cada um poder usufruir da sua crença
rísticas político-formais que mostram
livremente, sem dar explicações ao
uma federação de estados, cada um
colectivo e da reunião de elementos
com a sua lei particular e, ao mesmo
que fariam do norte-americano um
tempo, o respeito por uma estrutura cidadão empenhado na cidadania e
de poder assente numa comunidade na participação necessária à defesa
política sujeita ao pacto e à contra- dos princípios legais e políticos que
tação. Quer dizer, ao estabelecimento a propiciam.
da lei como princípio da vontade e A questão negra, melhor dizendo, a
da obrigação políticas, sem prejuízo questão Norte e Sul, e a disputa dos
da livre circulação de pessoas e bens. territórios aos povos indígenas, os
Este princípio coaduna-se com uma índios, também colocaram problemas
prática política, democrática e tripar- a Tocqueville. Mas ele pensou-os
tida em poder legislativo, executivo como resolúveis na escala de valores
e judicial: a tripartição de poderes de uma sociedade democrática: por
enunciada por outro francês (Mon- pacto e por contratação. Como sabe-
tesquieu). A tripartição do poder é a mos não foi bem assim, a guerra civil
forma que, de certo modo, ainda rege primeiro e o acantonamento dos índios
as democracias actuais e afigurava-se por imposição e por derrota militar
Revista de Livros 395

em reservas, talvez tivessem admi- não realiza qualquer censura e o seu


rado Tocqueville. Mas ele morreu poder crítico é bem diminuto e, tendo
em 1859 e já não assistiu ao desfecho presente os dois contributos, é de
desses acontecimentos. supor que aquilo que os afasta é bem
Há, assim, uma estrutura bem dife- maior do aquilo que os aproxima.
rente no pensamento de Tocqueville e
de Alfredo de Mesquita. Tocqueville Álvaro Borralho
censura certos aspectos da sociedade
americana; por exemplo, a liberdade Nota: este texto é uma versão abreviada e
adaptada à publicação do que foi lido na
de imprensa, chegando a afirmar que apresentação do livro na Livraria Solmar em
a aceita mais pelos males que evita do Ponta Delgada, no dia 23 de Maio de 2014,
que pelas virtudes que trás. Mesquita a convite da FLAD.
(2014) Inventário do Património Imóvel dos Açores
– Angra do Heroísmo. Terceira.
Angra do Heroísmo, Ed. Direcção Regional da Cultuta;
Instituto Açoriano de Cultura.

Isabel Soares Albergaria – Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Univer-


sidade dos Açores.

Antes de passar à apresentação do como já hoje aqui foi notado – tem-se


livro propriamente dito gostaria de revelado uma obra hercúlea.
fazer algumas breves observações Começaria por lembrar que o Inventá-
acerca deste empreendimento que – rio do Património Imóvel dos Açores
398 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

nasce em 1999 por iniciativa do Insti- tos, pelo que os seus atores souberam
tuto Açoriano de Cultura, na altura até aqui conservar, de uma forma que
presidido pelo Dr. Jorge Paulus Bruno, é, infelizmente, rara em Portugal, um
o qual estabelece um protocolo com a sentido de continuidade da missão a
DRC com vista a cumprir um requi- que se haviam proposto, a todos os
sito que viria a ser consagrado na Lei títulos louvável. Sentido de historici-
107/2001, de 8 de Setembro, trans- dade e de responsabilidade para com
posto para a região pelo Dec. Legis- os predecessores que me faz recordar
lativo regional n.º 29/2004/A de 16 o conhecido aforismo de Henrique
de Agosto, nomeadamente no seu de Gand segundo o qual, nós os con-
art. 12.º que declara a incumbência do temporâneos não somos mais do que
departamento da administração regio- anões às costas de gigantes. Pode
nal autónoma competente em matéria parecer exagero invoca-lo a este pro-
de cultura assegurar e coordenar o pósito mas o facto é que no tempo de
funcionamento de um inventário geral imediatismos, de modas efémeras e
do património cultural existente nos de cumprimento de agendas pessoais
Açores. a que assistimos diariamente, um em-
Certamente que na visão antecipa- preendimento como este que já leva
dora do Dr. Jorge Bruno estava a “no lombo” – perdoem-me o ple-
consciência de que habitamos ilhas beísmo – década e meia, só pode ser
vulcânicas com atividade sísmica visto como uma vetusta herança que
periódica e por vezes devastadora, deve ser honrada e cumprida, mau-
como havia pouco tempo se verifi- grado todas as falhas que possa ter e
cara em Angra, e que por isso a exis- tem-nas seguramente (digo-o sem me
tência de inventários generalizados e eximir da minha quota parte de res-
rigorosos do património (pelo menos ponsabilidade uma vez que participei
do imóvel) se tornava uma tarefa na elaboração, não deste livro mas do
urgente e necessária. inventário que lhe deu origem). Por
Estamos, pois, perante uma gigan- isso todos merecem aplauso, os inicia-
tesca empresa que soube acompanhar dores e os continuadores, os respon-
as dinâmicas normais do tempo e das sáveis e os colaboradores.
circunstancias, adaptar-se às dificul- Apresentar, pois, este livro é para
dades inerentes e aos diferentes enten- mim uma honra; tê-lo à disposição da
dimentos dos seus protagonistas, comunidade é certamente um orgu-
conservando uma notável fidelidade lho para os angrenses mas é também
à conceção original do projeto e uma uma riqueza partilhada por todos os
assinalável coerência de procedimen- habitantes das nossas ilhas e um valor
Revista de Livros 399

reconhecido muito para além delas. conservação, recuperação e valori-


Insisto nisto: no sentido de partilha e zação patrimonial.
de bem comum – princípios desgasta- A defesa e valorização do património
dos pela usura da ideologia capitalista edificado habitam no seio do conflito
au transe – mas que estão no cerne social. Não há como escamoteá-lo.
da noção de património (natural/cul- Mais ainda, o próprio conceito de
tural), tanto mais que falamos de um património, tal como é entendido pelo
bem, de uma cidade e de uma angra pensamento ocidental, tão argutamen-
que estão inscritas na lista do patri- te definido e explicado por Françoise
mónio mundial. Choay, enferma de um paradoxo insa-
Quer isto dizer que tudo está bem? nável: por um lado, a historicidade
Que os habitantes de Angra convi- do monumento prende-o irremedia-
vem perfeitamente e sem conflitos, velmente ao passado, mumificando-o
como Deus com os Anjos, com a zona (ou musealizando-o, se preferirem)
classificada de Angra do Heroísmo, na sua condição de documento autên-
tico; por outro, o desejo permanente
face às restrições impostas pelas me-
de renovação, de refuncionalização
didas regulamentares decorrentes da
e adaptação viva aos usos e formas
definição da área de servidão admi-
do presente, retiram-lhe a aura de
nistrativa entretanto criada?
autenticidade, remetendo-o para um
Não parece sequer que tal fosse pos-
mundo de bastardia que desagrada e
sível. É por demais evidente que a
incomoda os espíritos sensíveis.
afirmação de interesses e expetativas Não estou a falar obviamente da cria-
pessoais e coletivas de negócio e ren- ção nova, assumidamente contempo-
tabilização imobiliária, de moderni- rânea, que deve saber dialogar com
zação – seja lá o que queira significar o património histórico e a cidade
essa expressão “modernização”, em consolidada, quer por contraste quer
muitos casos não mais do que ima- por continuidade de linguagens, mas
gens prefabricadas que se importam ainda assim em diálogo profícuo.
de forma acrítica –, de facilitação de Não falo desta ação criativa cuja fun-
meios e de ações (poderíamos dizer ção, afinal, tem sido algo mitigada
talvez de facilitismo), levam a que nas cidades históricas onde a carga
por um sem número de razões se olhe patrimonial é muito pesada, porven-
com antipatia os procedimentos buro- tura por um fraco entendimento do
cráticos e as proibições práticas, a devir histórico, por temor ou por falta
retórica conservacionista e a sua la- de arrojo no gesto. Mesmo quando
dainha repetidamente invocada de pretensamente vêm introduzir a mo-
400 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

dernidade, intervenções como as da desastre de 80, perante uma situação


marina de Angra ou a do seu vizinho de risco eminente e em resultado da
Angra Marina Hotel resultam de um resposta rápida e eficaz que as autori-
débil entendimento do genius locci dades locais e nacionais empreende-
(o génio do lugar) e resolvem-se por ram (com o envolvimento da própria
um desenho desastrado que agride e UNESCO). De acordo com o “Regi-
deslustra a relevância do património me de protecção e valorização do
herdado. património cultural da zona classifi-
Não só em Angra faltam exemplos cada da cidade de Angra do Heroís-
de grande arquitetura no casco histó- mo” definido pelo Decreto Legisla-
rico – expressão que gosto particu- tivo Regional n.º 15/2004/A, «O pro-
larmente porque se casa bem com a cesso de reconstrução fez despertar
ideia da cidade consolidada e que se o interesse pelo restauro do seu con-
aplica tão adequadamente ao caso da junto e um renovado gosto pelo seu
zona classificada de Angra. Olho em valor e significado. Da reconstrução
volta e costumo perguntar aos meus renasceu uma cidade fisicamente
amigos arquitetos quais as suas obras mais segura mas que soube manter
de referência no interior do períme- o seu aspecto característico e preser-
tro urbano. A pergunta não costuma var a sua herança urbanística e arqui-
deixa-los muito confortáveis. A ver- tectónica».
dade é que intervir no centro histórico Muito já se disse e muito mais have-
é difícil, impõe restrições, exige com- ria ainda por dizer acerca do processo
promissos, e muito talento… Poucos de reconstrução de Angra. A lógica
aceitam o desafio e raros são os que que presidiu à reconstrução do centro
ultrapassam soluções miméticas, ba- histórico da capital terceirense privi-
nais e corriqueiras. legiou a conservação cenográfica das
Manter intacto o carácter da cidade fachadas e simultaneamente o reforço
de Angra, conservar os valores arqui- estrutural dos edifícios com a aplica-
tetónicos e urbanísticos que suportam ção de betão armado e outros mate-
a sua herança histórica de «cidade riais modernos, contrariando os prin-
transatlântica» e transmiti-los con- cípios enumerados por Camillo Boito
dignamente às gerações vindouras, em 1893, e consagrados nas doutrinas
eis o compromisso implícito na clas- do Restauro do século xx. O princí-
sificação da zona central de Angra do pio da autenticidade da matéria cons-
Heroísmo como Património Mundial. trutiva foi claramente ultrapassado e
A atribuição do galardão – devemos as reconstituições a partir de ideias
recordá-lo – dá-se na sequência do aproximadas do original, uma prática
Revista de Livros 401

corrente. Várias razões justificam as rância e de respeito pela diferença, e


soluções encontradas, desde as mais dependente das circunstâncias sociais
óbvias e imediatistas como sejam a e culturais que sustentam e justificam
urgência da intervenção, ou a falta a própria existência do património
de meios técnicos e humanos, até às (um conceito pós-moderno, portanto!)
mais conceptuais que se prendem A excessiva cientifização e especiali-
com a situação traumática e a conse- zação técnica com que habitualmente
quente necessidade de recuperação os assuntos do património são trata-
dos valores identitários perdidos. dos dentro de um corpus de conhe-
A questão da autenticidade, colocada cimentos e de saberes dominados e
no cerne das liturgias do restauro, foi manipulados por uma tribo de eleitos,
de novo colocada pelo “Documento cientes das suas abordagens teóricas
de Nara” (Japão, 1994) (e mais tarde e práticas, e ciosos do uso de uma
outra vez pela “Recomendação de nomenclatura exclusiva, afastou por-
Ename”, Quebeque, 2008) ao preten- ventura o comum dos cidadãos – os
der compatibilizar as noções estritas stakeholders do território e da pai-
de conservação e restauro, tal como sagem, como agora se diz – de uma
vinha sendo posta em prática no Oci- vivência mais franca e descomple-
dente a partir das recomendações da xada com o seu património, encarado
“Carta de Veneza” (1964), com o na sua dimensão espiritual e na signi-
diferente entendimento e técnicas ficação cultural, integralmente consi-
usadas relativamente ao património derada.
noutros pontos do globo e particular- Este é um problema real que se
mente no mundo oriental. A grande coloca no seio da vida dentro das
alteração produzida pela “Carta de cidades históricas e que se atravessa
Nara” residiu na relativização daque- nas discussões entre os responsáveis
las normas universais em função das pela garantia dos valores da integri-
diferentes perceções veiculadas acer- dade, autenticidade e exemplaridade
ca do património construído e das históricas do património, por um
respetivas práticas conservacionistas, lado, e os que o usam e se servem
tomando-as em si mesmas como um dele no seu dia a dia, por outro lado.
património intangível ou imaterial Aproximar os dois lados do rio,
em permanente diálogo com a mate- estreitando e estabelecendo pontes
rialidade dos objetos. Em última aná- entre as duas margens, é porventura o
lise, alterou-se o próprio conceito de maior desafio que se coloca aos seus
autenticidade, tornado mais elástico e responsáveis mais diretos, à popula-
variável, imbuído de noções de tole- ção de Angra e das ilhas açorianas e a
402 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

todos em geral, pois ninguém escapa Duas palavras impõem-se ainda sobre
a uma tomada de posição nesta cir- a estrutura e conteúdo desta obra.
culação global de informação e de Depois dos textos de apresentação
partilha em que vivemos hoje. oficial assinados pelo Diretor Regio-
O Inventario do Património Imóvel nal da Cultura, Presidente da Câmara
não diz, assim, respeito apenas aos de Angra do Heroísmo e Presidente
especialistas. Sem a mobilização dos do Instituto Açoriano de Cultura, se-
vários setores da sociedade em prole guem-se os textos de enquadramento
de uma ética e de uma estética patri- da autoria de José Guilherme Reis
moniais, sem a consciencialização Leite, José Manuel Fernandes e João
operante ao serviço do desenvolvi- Vieira Caldas. Finaliza a primeira
mento cultural e ambiental das cida- parte da obra o texto do coordenador
des e das paisagens, será em vão todo do projeto Jorge Paulus Bruno, onde
o esforço a favor da manutenção dos se explica a natureza do projeto, o
seus valores inerentes. Devemos saber seu enquadramento institucional, os
potenciar o sentido de comunidade objetivos e a metodologia seguida,
que existe ainda bem vivo nas nossas
explicando-se ainda as fontes de
ilhas e extrair daí o fermento para
inspiração e a justificação para os cri-
uma acção partilhada, criativa e ajus-
térios adotados, à semelhança do que
tada ao princípio da realidade. É ur-
tem vindo a ser feito nos anteriores
gente aproximar a ordem do discurso
cadernos.
da ordem do real, sem descurar os
valores e os princípios contidos nas A segunda parte do livro é preenchida
noções de autenticidade, integridade pelos mapas que assinalam cartogra-
e exemplaridade que regem todo o ficamente as espécies que integram as
património autentico, material e ima- diversas tipologias: unidades paisa-
terial – em perfeita comunhão, por- gísticas construídas; conjuntos edifi-
que um não existe sem o outro! Essa cados: aqui identificados com o siste-
é a chave para uma efetiva política de ma urbano do centro de Angra, em si
conservação e valorização do patri- mesmo dividido entre a zona urbana
mónio de Angra. classificada e o núcleo central da cida-
Exige-se pois uma pedagogia, algo de, correspondente à malha da reti-
que o Instituto Açoriano de Cultura cula angrense; conjunto de edifícios e
não pode ser acusado de não fazer. outras construções; edifícios isolados
E a prova inequívoca está em mais (arquitectura religiosa, doméstica,
este livro, o 16.º na ordem das publi- pública e civil e militar); constru-
cações do Inventario do Património ções utilitárias (agrárias, piscatórias,
Imóvel dos Açores. industriais); elementos isolados ou
Revista de Livros 403

pontuais e vestígios arqueológicos. Angra um recorte tão particular no


A terceira e última parte é inteiramen- seio do arquipélago e do império ul-
te dedicada à apresentação das fichas tramarino português; a identificação
de caracterização que compõem este dos traços urbanísticos da cidade no
primeiro volume, ordenadas pelo res- quadro das tipologias urbanas lusó-
petivo número de ordem e abundante- fonas transatlânticas; a interpretação
mente ilustradas com imagens e plan- original acerca da arquitetura reli-
tas esquemáticas. A obra termina com giosa angrense, em grande parte deve-
um glossário, índice e ficha técnica. dora da força modelar da sua catedral,
O grafismo contido segue a mesma uma peça inovadora, mesmo a nível
matriz dos anteriores volumes, pro- nacional, da nova vaga da arquitetura
curando acertar a imagem com o tridentina.
texto informativo de forma acessível Só por isso valeria a pena a leitura
e didática. deste livro. Mas, como afirma o coor-
Feita a apresentação formal importa denador do projeto, a obra tem várias
acrescentar algo mais sobre o conteú- leituras possíveis e serve propósitos
do dos textos de enquadramento que distintos. Pode ser lida ou apenas
penetram nos terrenos da história, da vista, analisada em profundidade ou
urbanística e da arquitetura de Angra consultada em situações pontuais.
de uma forma que, mais do que repe- Importa que todos saibamos retirar
tir o que já tem sido dito, apresentam dela o manancial de informação, o
um balanço atualizado dos conheci- esclarecimento de dúvidas e a satis-
mentos já adquiridos e avançam até fação de curiosidades a que nos con-
mesmo sobre alguns aspetos, com vida, bem como o enorme potencial
temas e interpretações mal conheci- para a gestão e valorização do patri-
dos acerca da antiga capital açoriana e mónio que constitui, afinal, o seu
do seu valioso património. Destacaria principal fundamento.
em jeito de balanço, os papéis e atri-
Isabel Soares Albergaria
buições nas estruturas fundacionais
de Angra por Álvaro Martins Homem Nota: Texto apresentado na sessão pública de
e João Vaz Corte Real, e as etapas apresentação da obra em Angra do Heroísmo
subsequentes que deram à cidade de em 6 de Dezembro de 2014.
(2014) Célia Barreto Carvalho; Suzana Nunes Caldeira;
Pedro Almeida Maia (Il. Ana Correia). Os vencedores do medo.
Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições.
(2014) Célia Barreto Carvalho; Suzana Nunes Caldeira;
Pedro Almeida Maia (Il. Ana Correia). O primeiro dia de aulas.
Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições.

Catarina Figueiredo Cardoso – Doutoranda no curso de Estudos Avançados em Materialidades


da Literatura da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

“Vamos Sentir com o Necas” é uma Dia de Aulas, os amigos ajudam um


colecção de livros para todas as ida- dos membros do grupo, a Maria, a
des. Na aparência é uma colecção de enfrentar o stress anterior ao início de
livros infantis. Os protagonistas são uma nova fase da vida. Já não falam
seis crianças, com idades dos 6 aos com o Necas, conseguem extrapolar
10 anos, com um amigo golfinho que do medo das ondas para o medo da
lhes dá conselhos e orientações para escola.
lidarem com as suas emoções. No Estes são livros didáticos: ensinam as
primeiro volume, Os Vencedores do crianças a lidar com as suas emoções
Medo, o Necas encontra os amigos na negativas e os adultos a lidarem com
praia e ensina-os a lidar com o medo as emoções negativas das crianças,
de nadar. No segundo, O Primeiro e com as suas. Ensinam a diversi-
406 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

dade: no grupo de crianças há todas na sobrevivência e como utilizá-las


as cores de pele e de cabelo, uma me- para conservar ou aumentar o bem--
nina africana e outra gorducha, um ‑estar. Os autores sabem sobre o que
rapaz oriental, um caixa-de-óculos. escrevem: Célia Barreto Carvalho e
O golfinho é um animal simpático Suzana Nunes Caldeira são douto-
que encarna a fluidez de fronteiras: radas em psicologia e professoras no
é um mamífero que vive no mar e tem Departamento de Ciências da Edu-
pele e barbatanas, é um animal com cação da Universidade dos Açores.
linguagem, selvagem (pelo menos o Pedro Almeida Maia é escritor e
Necas) que se dá bem com os huma- estuda Psicologia na mesma Univer-
nos. Ensinam as crianças a valorizar sidade. Ana Correia é artista plástica,
o esforço: a linguagem não é dema- licenciada em Pintura com formação
siado simples, o tipo de letra não é em Educação Artística e Arte Terapia.
extraordinariamente claro, as ilustra- Seriedade e exigência conjugam-se
ções sugerem mais do que mostram. nestes livros com ilustrações apela-
E os desafios continuam: os exercí- tivas e exercícios aliciantes. Factores
cios no final dos livros são exigentes, que contribuem para o seu sucesso
a participação dos adultos é nalguns (a primeira edição do primeiro título
casos indispensável. Cada livro tem da colecção esgotou num mês) junto
ainda um puzzle. de crianças curiosas e pais solícitos.
O projecto é sério: ensina os leitores
a identificarem as suas emoções,
explica-lhes a função que estas têm Catarina Figueiredo Cardoso
(2014) Álamo Oliveira, Marta de Jesus – A Verdadeira.
Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições.

Urbano Bettencourt – CIERL-UMa.Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais-


Universidade da Madeira, Funchal

Há na ficção narrativa de Álamo atribuindo a esta uma capacidade de


Oliveira dois procedimentos que me acção e uma inquietação desconheci-
parecem significativos para o enqua- das da primeira delas; o protagonis-
dramento e a compreensão prévia do mo de Marta relega a irmã para uma
seu romance Marta de Jesus – a ver- zona de penumbra e de alheamento no
dadeira. interior da narrativa e representa uma
Em primeiro lugar (e esta ordenação valorização da acção em detrimento
obedece apenas a um critério de me- da contemplação, o que traduz, desde
todologia expositiva), a continuada logo, uma inversão do sentido bíblico
configuração do espaço açoriano, de originário. Transpondo para o univer-
forma imediata ou, então, distante,
naqueles casos em que, por razões
diversas (a emigração, a guerra em
África) as personagens se encontram
afastadas do seu próprio território.
Em segundo lugar, a procura de diver-
sificação das suas estratégias narra-
tivas e discursivas, entre a represen-
tação de pendor realista e a que exibe
os seus mecanismos, num jogo auto-
reflexivo e irónico de questionamen-
tos e distanciações.
Marta de Jesus – a verdadeira cons-
titui-se sobre o pré-texto bíblico do
Novo Testamento e a partir de um
núcleo posto já em destaque no título.
A epígrafe, que o autor colheu no
evangelho de Lucas, assinala o com-
portamento e o perfil antitéticos das
irmãs de Lázaro – Maria e Marta,
408 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

so desta Marta o núcleo de seguidores O mundo configurado em Marta de


do Emanuel bíblico (a mãe Maria Jesus – a verdadeira é fundamental-
Nazaré, Maria Madalena, o grupo mente o das Flores, um mundo rural
dos apóstolos), recontextualizando- em queda, social, económica, sem
‑os temporalmente a partir de meados sinais de redenção à vista. E a utopia
do século xx (mas prolongando-os de transformação do país a partir
até à década de 90) e situando-os no desse espaço remoto não passa disso
espaço mais ocidental da Europa, a mesmo e acabará por tropeçar nas
ilha das Flores, Álamo Oliveira cons- contingências do próprio tempo.
trói um romance cuja leitura obriga a A pretendida viagem de libertação
um vaivém entre o explícito, contem- rumo à capital é atalhada por inter-
porâneo, do primeiro plano e o implí- venção brutal de um tribunal de ex-
cito, remoto, do segundo plano (isto cepção constituído à pressa na cidade
é, o subtexto evangélico), desafiando da Horta para julgar os rebeldes.
o leitor e jogando com as expecta- E mesmo que chegue a desembarcar
tivas decorrentes do seu maior ou em Lisboa, o grupo já estará deca-
menor conhecimento bíblico. pitado do seu líder, Pedro terá desa-
A transposição de alguns episódios parecido misteriosamente durante o
bíblicos para a segunda metade do julgamento e Judas já terá cortado
século xx açoriano e português, entre os pulsos na Horta, à vista da ilha
eles o projecto messiânico de salva- do Pico (o que sempre é uma forma
ção política do país, representa desde de, graças à paisagem, suavizar o
logo uma condenação ao fracasso, remorso de ter vendido o Mestre por
porque esta não é uma narrativa 30 contos).
tocada pela visão e pela perspetiva do “Naquele tempo, não havia epílogos”,
milagre (aliás, a «réplica» de alguns escreve o autor (p. 181). E se é ver-
milagres evangélicos converte-se num dade que, após a tentativa de inter-
exercício irónico, pela explicação venção na política portuguesa (uma
factual e empírica dos acontecimen- espécie de golpe das Caldas com ori-
tos, denegando a sua pretensa dimen- gem na placa tectónica americana),
são transcendente; veja-se o caso das “a ilha das Flores nunca mais fora
«bodas de Caná»). Além disso, e do a mesma” (p. 178), ganhara visibi-
ponto de vista histórico, uma liber- lidade mediática (diríamos hoje),
tação situada nesse período de tempo também é verdade que continuou a
tornar-se-ia inverosímil (faltavam sangria migratória, Marta viu a ilha
ainda 20 anos para que isso ocorresse, esvaziar-se em direcção a Oeste,
e não por via de qualquer «missão» obviamente, como sempre. “Daí para
salvífica, mas pela força das armas). a frente, começaram a gerir a tristeza”
Revista de Livros 409

(p. 179) e nem mesmo as transforma- ultrapassagem do marasmo e do con-


ções decorrentes do golpe de abril formismo; por via diferida, Marta de
de 74 e a instituição de um governo Jesus – a verdadeira ficciona esses
regional foram capazes de colocar as ensaios de transformação e também
esperanças da ilha ao nível das suas o seu fracasso, os bloqueios insti-
expectativas. tucionais que se lhes antepuseram.
Passada aquela espécie de erupção Se Marta de Jesus – a verdadeira
social, tudo voltou à rotina: “o grupo constitui uma espécie de balanço dos
dos anos 60” foi-se desfazendo, em Açores dos anos 60, lidos à luz de
boa parte pelas américas de maior hoje, então é um balanço cujo teor
ou menor abundância. Dos outros, deceptivo e desencantado a ironia
Pedro, libertado do Tarrafal em 1974 envolve num suave tom de melanco-
para onde, afinal, fora atirado, morre lia: ao recusar o cinismo, o romance
desencantado com a política, após a assinala, ainda assim, a consciência
fracassada experiência com o partido de que nem tudo se perdeu e de que,
que fundara; a morte de Marta desen- apesar das desilusões, o futuro foi o
cadeia uma série de fenómenos cós- fruto dessas sementes lançadas ao
micos que anunciam o fim das coisas. chão insular num tempo ainda não
Emanuel morre tranquilamente por preparado para recebê-las.
obedecer excessivamente a uma or- Para lá de tudo isso, o romance de
dem de João, o discípulo amado, que Álamo Oliveira é também uma home-
apenas o mandara dormir; o próprio nagem aos escritores florentinos em
João acabará internado na Casa de particular, porque, mesmo quando não
Saúde de S. Rafael, já depois de o go- totalmente compreendidos (pense-se
verno regional ter mudado de partido. na reacção de Madalena à leitura de
Podemos considerar Marta de Jesus – Almas Cativas pelo filho), os livros
a verdadeira uma parábola sobre um são esses manuais de sobrevivência
tempo português e mais especifica- que ensinam a conviver com a soli-
mente açoriano, cujos limites iniciais dão e a vencer o confinamento insu-
ficaram devidamente assinalados. lar e as suas margens de água. Seja lá
O período configurado no livro de onde for, a literatura ensina a morrer,
Álamo Oliveira é, efectivamente, poderia dizer Marta citando Umberto
assinalado por dinâmicas colectivas Eco. E isso é ainda uma forma de
e sociais que muito devem a quem organizar a relação do homem com
ousou sonhar outra coisa para o des- o tempo e o espaço e com os outros.
tino insular, num gesto de interven- E de viver.
ção cívica e cultural que visava a Urbano Bettencourt
(2014) Adrien Bosc, Constellation.
Paris, Éditions Stock.

Urbano Bettencourt – CIERL-UMa.Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais-


Universidade da Madeira. Funchal.

No imaginário ainda remanescente Bosc, Constellation, vem corrigir esse


quase setenta anos depois, o acidente desequilíbrio e reparar essa memória
do Constellation da Air France no truncada, reconstituindo o perfil das
maciço do Pico da Vara ainda está restantes vítimas e recompondo-lhes
associado sobretudo aos nomes da um percurso. Afinal, elas também
violinista Ginette Neveu e do pugi- tinham uma biografia para lá dos
lista Marcel Cerdan. A aura mediá- códigos e das referências de um bilhe-
tica que envolvia as duas prestigiadas te de avião. E descobre-se, através da
personalidades acabou por concentrar leitura de Constellation, que também
nelas o sentimento de perplexidade e
luto perante a intensidade da tragédia
ocorrida na zona nordeste de S. Mi-
guel. Em certa medida, isso poderá
ter ajudado a diluir ou a relegar para
segundo plano a outra vertente da
memória, a que se prende com os
episódios menos dignificantes envol-
vendo a população local – e nos
quais é também decifrar os sinais de
um tempo de penúria individual e da
falta de meios institucionais capazes
de proteger os despojos e preservar a
dignidade das vítimas.
Na imprensa francesa da época não
faltou quem se insurgisse contra a
polarização da comoção pública em
torno de Neveu e Cerdan, esquecendo
os restantes quarenta e seis ocupantes
do avião (entre passageiros e tripula-
ção). O recente romance de Andrien
412 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

a vida delas se regia por um sonho, episódios individuais aparentemente


diferente de caso para caso, mas sufi- aleatórios, mas que traziam em si
cientemente forte para lhes «coman- a força imperceptível do destino.
dar a vida». Colocar a narrativa biográfica a esta
O romance de Adrien Bosc chega ao luz (que é já uma interpretação, uma
leitor recomendado pelo Grande Pré- leitura) significa admitir a presença
mio do Romance da Academia Fran- de uma vontade que preside ao anda-
cesa (2014) e tematiza precisamente mento do mundo e dos homens e
o voo do avião da Air France, desde significa também ultrapassar o sim-
os preparativos para o embarque até ples relato para inscrever no seu inte-
ao momento em que a voz do piloto rior uma reflexão sobre a vida e a
se fecha sobre a noite e o silêncio. morte, colocando a existência num
Depois, haverá ainda o rescaldo de plano situado para lá da órbita da
tudo isso: as buscas e a identificação razão e das leis humanas. Assim, a
possível das vítimas (nem todas, antecipação da viagem à última hora
aliás), o repatriamento dos corpos e por parte de Cerdan, para poder estar
os rituais fúnebres, a entrega de cada mais algum tempo em Nova Iorque
um ao seu solo, mesmo que nem com Edith Piaf, obrigando a compa-
sempre isenta de equívocos. nhia aérea a «desalojar» o casal que
Um romance que estabelece com regressava da lua de mel, insere-se
o leitor um protocolo em termos de nessa ordem de factores que atestam
reconstituição de uma história empí- a existência de um desígnio superior
rica tenderá a prosseguir o relato em e envolvem os amores de Cerdan e
conformidade com a lógica dos factos Piaf na aura própria dos amores proi-
e a sua verdade, dentro da moldura bidos e trágicos.
própria dos processos literários. Neste É por esse procedimento, extensivo
aspecto, em Constellation a narra- a outras personagens, que Constella-
ção da viagem faz-se num registo de tion escapa à dimensão cronística e se
quase referencialidade directa e de constitui uma fábula trágica moderna,
aproximação aos factos, num discurso com os seus signos tecnológicos e
despojado e seco. O investimento simbólicos. E também nesta, como
«romanesco» situa-se num outro do- na clássica, o castigo não conhece
mínio, na construção biográfica dos hierarquias, não distingue culpados
ocupantes do avião, a reconstituição e inocentes nem estatutos sociais:
dos percursos e decisões que os con- se «l’avion des strars» transportava
duziram até ao fatídico voo, o levan- efectivamente outras estrelas para lá
tamento das circunstâncias e dos de Neveu e Credan, ele acolhia igual-
Revista de Livros 413

mente gentes miúdas que rumavam a romance francês se ajustam perfeita-


Nova Iorque à procura de um sonho mente à nomeação do pequeno monu-
com que a América lhes acenava: mento que no Pico da Vara assinala
os cinco pastores bascos que um dia o acidente de 1949 e pede um Pai
regressariam dos Estados Unidos Nosso e uma Avé Maria pela alma das
com as suas economias, ou Amélie vítimas. Por tudo isso e ainda pelo
Ringler, que uma carta chamara à balanceamento entre ficção e facto,
América para tornar-se a única her- pela «inscrição autoral» no espaço
deira de uma madrinha que fugira de exterior à ficção propriamente dita,
França nos anos 30 e enriquecera em com os elementos referenciais insu-
Detroit. lares trazidos ao texto como resultado
O romance de Adrien Bosc abre com de uma experiência própria, e tam-
uma epígrafe de Antonio Tabucchi, bém aqui (como em Tabucchi, aliás)
precisamente de Mulher de Porto não evitando algumas imprecisões
Pim, livrinho cujo sucesso surpreen- factuais.
dia o próprio autor e que se tornaria Estes são apenas alguns traços da
com o tempo uma espécie de guia forte dimensão literária de Constella-
para uma nova descoberta literária tion, suportada e aprofundada pelas
dos Açores (vejam-se os casos, entre epígrafes de cada capítulo e pelas
si tão díspares, de Romana Petri e de citações internas ao discurso narra-
Enrique Vila-Matas). tivo, como pequenos focos de luz
No caso de Adrien Bosc, a «viagem projectados sobre cada vida, sobre
aos Açores» faz-se igualmente no a sua noite, e inscrevendo no texto
rasto de Tabucchi, não apenas por autoral breves iluminações que aí
essa epígrafe geral, mas também pe- vivem como memórias de leitura,
los tópicos ou motivos tabucchianos sobreviventes de textos anteriores.
retomados por Constellation, como o
Peter Bar ou as «alminhas», que no Urbano Bettencourt
(2014) Duarte Chaves, Os Terceiros e os seus Santos de Vestir:
os últimos guardiões do património franciscano
na cidade da Ribeira Grande, S. Miguel, Açores.
Ribeira Grande, Câmara Municipal.

João Paulo Constância – Museólogo. Técnico Superior do Museu Carlos Machado.

O livro intitulado “Os Terceiros e ao público com a designação de Mu-


os seus Santos de Vestir: Os últimos seu Vivo do Franciscanismo. A cria-
guardiões do património franciscano ção deste museu e a reabilitação da
na Cidade da Ribeira Grande, São igreja do antigo convento de Nossa
Miguel, Açores”, de Duarte Chaves, Senhora de Guadalupeforam possí-
resultou da dissertação que o autor veis através de um protocolo estabe-
apresentou à Universidade dos Aço- lecido entre a Câmara Municipal da
res, em abril de 2013, no âmbito do Ribeira Grande e a Santa Casa da
mestrado em Património, Museolo- Misericórdia, entidade proprietária.
gia e Desenvolvimento. O trabalho Duarte Nuno Chaves é atualmente
académico foi orientado pela Profes-
sora Doutora Susana Goulart Costa,
docente e investigadora do Departa-
mento de História, Filosofia e Ciên-
cias Sociais daquela Universidade.
A obra de Duarte Chaves enquadra--
‑se, assim, numa investigação acadé- Os Terceiros e os seus
mica centrada no espólio da igreja do
SANTOS
S
"
antigo convento de Nossa Senhora de
de Vestir "
Guadalupe, na Ribeira Grande, que, Os últimos guardiões
por sua vez, surgiu na sequência do do património franciscano

estágio que realizou no último ano da


na cidade da Ribeira Grande, S. Miguel, Açores

sua Licenciatura em Património Cul- DUARTE NUNO CHAVES

tural e que versou o inventário dos


bens móveis daquela igreja.
É igualmente de referir que Duarte
Chaves integrou a comissão respon-
sável pelo programa científico da mu-
sealização desse templo, hoje aberto
416 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

investigador do CHAM – Centro de O seu conhecimento, orientação e


História de Além-Mar, que reúne entusiasmo terão sido factores decisi-
investigadores da Universidade Nova vos em todo o trabalho desenvolvido
de Lisboa e da Universidade dos por Duarte Chaves.
Açores e é aluno de doutoramento da Como não é possível realizar um tra-
Universidade de Évora. balho de investigação desta natureza
A obra em apreço tem a chancela sem muitas colaborações, o autor dá
editorial da Câmara Municipal da conta e agradece a todos os que o
Ribeira Grande e conta com uma ajudaram nesta sua jornada de inves-
sugestiva capa concebida por Raquel tigação e descoberta.
Pinto. O arranjo gráfico, a impressão Dos conteúdos, é de salientar a vas-
e os acabamentos foram executados tíssima lista de fontes e bibliografia,
pela Nova Gráfica, com a qualidade a reveladora do trabalho do Duarte
que esta empresa nos habituou e que Chaves, da seriedade e da minúcia
faz jus aos muitos prémios que tem da sua investigação. É igualmente de
recebido e merecido. É igualmente de enaltecer a estrutura da obra, bem
salientar que esta edição só foi técni- reveladora de rigor e de métodos
ca e financeiramente possível devido científicos, e que se traduz numa
a um vasto leque de apoios, designa- organização extremamente cuidada
damente, e desde logo, do Centro dos temas, conferindo ao livro um
de História de Além-Mar, do Museu carácter didático, muito importante
Vivo do Franciscanismo, bem com do nesta fase de divulgação mais gene-
Governo dos Açores e do Programa ralizada do estudo. Para este fim,
Europeu Feder, do programa Leader também é de salientar a importância
através do ProRural, da Associação dos diagramas, gráficos, tabelas, es-
para o desenvolvimento e Promoção quemas, mapas e fotografias, que tor-
Rural e, claro, da Câmara Municipal nam a leitura mais fácil e agradável.
da Ribeira Grande. As notas de rodapé são outra precio-
“Os Terceiros e os seus Santos de sidade que os leitores mais atentos
Vestir: Os últimos guardiões do patri- e interessados decerto irão valorizar.
mónio franciscano na Cidade da A obra, toda ela em torno do movi-
Ribeira Grande, S. Miguel, Açores”, mento secular franciscano – “A Or-
de Duarte Chaves, abre com um dem Terceira da Penitência” na Ri-
prefácio da Doutora Susana Goulart beira Grande, num período de 350
Costa, orientadora do autor, principal anos – debruça-se sobre as diversas
responsável pelo programa científico componentes da vida desta comuni-
do Museu Vivo do Franciscanismo dade religiosa e sobre o seu legado
e especialista em história religiosa. patrimonial – material e intangível,
Revista de Livros 417

como é o caso da anual Procissão dos Penitência, abordando-se os rituais e


Terceiros. a preparação das imagens de vestir,
A obra está organizada em 4 partes, bem como é elaborado um plano clas-
a saber: sificativo para este espólio, consti-
A 1.ª Parte, A venerável Ordem Ter- tuído por imagens dos séculos xvii
ceira da Penitência mas Ilhas dos a xix.
Açores, aborda os conceitos gené- Com este livro, alcança-se mais um
ricos e históricos relativos à Ordem importante degrau na escadaria do
de São Francisco bem como ao esta- conhecimento. Com esta obra de
belecimento no arquipélago dos Aço- Duarte Chaves, é possível saber mais
res, do Frades menores da Ordem e a sobre a Ribeira Grande, sobre a Igreja
fundação das fraternidades da Ordem de Nossa Senhora de Guadalupe,
Terceira. sobre a Ordem secular dos Terceiros e
A 2.ª Parte, intitulada “O Património sobre as suas imagens. É, sem dúvida,
da Ordem dos Frades Menores no um estudo essencial para a compreen-
Concelho da Ribeira Grande (S. Mi- são e interpretação do movimento se-
guel, Açores)” trata do quadro físico cular franciscano e em especial da sua
e humano do Concelho da Ribeira procissão e da iconografia associada.
Grande, a partir das primeiras fontes É uma obra de grande importância
do século xvi, dos movimentos reli- para o Museu Vivo do Francisca-
giosos regulares, em especial dos que nismo, para Ribeira Grande, e para
levaram, no século xvii, à edificação o conhecimento do Património dos
do Convento de Nossa Senhora de Açores. Reputamos que este livro irá
Guadalupe. “contribuir para um melhor conhe-
A 3.ª Parte, com o título “Do Nasci- cimento e aprofundamento das temá-
mento ao declínio dos Terceiros na ticas ligadas ao património, designa-
Vila da Ribeira Grande”, Duarte Cha- damente no que se relaciona com a
ves descreve a evolução desta orga- Ordem de S. Francisco nesta região
nização e os conceitos relacionados insular”, tal como ambiciona, apro-
com a sua estrutura administrativa e
priadamente, o seu autor.
social, baseado num estudo efectua-
do junto da comunidade de seculares
João Paulo Constância
franciscanos da Ribeira Grande.
Na 4.ª e última Parte: “ A Procissão
Nota: Texto apresentado na sessão de lança-
dos Terceiros na Ribeira Grande, mento do livro no Museu Vivo do Francis-
S. Miguel Açores” é descrita a Pro- canismo, Igreja de Nossa Senhora da Gua-
cissão dos Terceiros, tido como um dalupe (Igreja dos Franciscanos), Ribeira
dos últimos legados dos Irmãos de Grande, no dia 19 de Fevereiro de 2014.
Panorama Editorial de 2014
2014 Published Books Overview

Além das obras recenseadas nesta secção do boletim, foram editadas ao longo
do ano de 2014 obras da mais variada natureza com interesse para o arqui-
pélago. A seguir, tanto quanto chegou ao conhecimento da redação, faz-se o
registo de livros de autores açorianos ou envolvendo, no todo ou em parte,
temas sobre as ilhas dos Açores, editados naquele ano:

(2014) Almeida, Onésimo Teotónio, Pessoa, Portugal, Portugal e o Futuro,


Lisboa, Gradiva.
(2014) Almeida, Onésimo Teotónio, Minima Azorica. O meu mundo é deste
reino, Lajes do Pico, Ed. Companhia das Ilhas.
(2014) Amaral, Irene de, A emergência da Mulher: Re-visões literárias sobre
a Açorianidade, Lisboa, Chiado Editora.
(2014) Andrade, José, 1974 Democracia… O 25 de Abril nos Açores, Ponta
Delgada, Letras Lavadas Edições.
(2014) Andrade, José, PSD/Açores. 40 anos ao serviço das 9 ilhas. 1974-2014,
Ed. PSD.
(2014) Armas, Jácome, Conjunto Homem, Lajes do Pico, Companhia das
Ilhas.
(2014) Arruda, Luís M., Descobrimento Científico dos Açores. Do povoa-
mento ao início da erupção dos Capelinhos, Angra do Heroísmo, Instituto
Açoriano de Cultura.
(2014) As Ilhas de Gaspar Frutuoso: uma viagem no século xxi, Ponta
Delgada, Ed. Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada. (Catá-
logo da exposição).
(2014) Borges, Artur Goulart Melo; Paz, Olegário Sousa; Almeida, Onésimo
Teotónio, Casa Santa, Mimosa… olhares sobre o Seminário de Angra. 1950-
‑1970, Angra do Heroísmo, IAC.
420 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

(2014) Bosc, Adrien, Constellation, Paris, Ed. Stock.


(2014) Cabral, Ricardo Viveiros, Árvores e palavras bonitas para os meus
netos, Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições.
(2014) Carvalho, Célia Barreto; Caldeira, Susana Nunes; Maia, Pedro Almeida,
O primeiro dia de aulas (Col. “Vamos sentir com o Necas”), Ponta Delgada,
Letras Lavadas Edições.
(2014) Carvalho, Célia Barreto; Caldeira, Susana Nunes; Maia, Pedro Almeida,
Os vencedores do medo (Col. “Vamos sentir com o Necas”), Ponta Delgada,
Letras Lavadas Edições.
(2014) Correia, Ruben Pacheco, Deixa-me amar-te, s.l., Ed. Mahatma.
(2014) Cantigas e Poemas da Terceira Idade, Graciosa, Câmara Municipal
da Graciosa.
(2014) Cunha, Paula, A herança de Kiana, Lisboa, Chiado Editora.
(2014) Dabney, Frances, Saudades (Org. Arthur Prescott Lothrop Jr. e José
Francisco Costa), Guimarães, Ed. Opera Omnia.
(2014) Ferreira, Eduardo Paz, Da Europa de Schuman à não Europa de
Merkel, Quetzal Editores.
(2014) Ferreira, José Manuel Braia, Castelo Branco – um primeiro olhar
sobre cinco séculos de história, Horta, Junta de Freguesia de Castelo Branco.
(2014) Ferreira, José Medeiros, Não há mapa cor-de-rosa. A história (mal)
dita da integração europeia, Lisboa, Edições 70.
(2014) Forjaz, Jorge, O meu livro dos Pereira Forjaz, Porto, Instituto de
Genealogia e Heráldica da Universidade Lusófona do Porto.
(2014) Freitas, Vamberto, borderCrossings. Leituras transatlânticas 2, Ponta
Delgada, Letras Lavadas Edições.
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(2014) Koehler, Wulf H., From whale hunting to whale watching, Ponta
Delgada, Letras Lavadas Edições.
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(2014) Lobão, Carlos Manuel Gomes, Uma cidade portuária – a Horta entre
1880-1926. Sociedade e Cultura com a política em fundo, 2 Vols., Horta,
Ed. do Autor.
(2014) Lourenço, Carlos, Memórias desportivas de um emigrante, 2 Vols.,
Horta, Ed. do Autor.
(2014) Lúcio, Álvaro Laborinho, O Chamador, Lisboa, Quetzal.
(2014) Maldonado, Fátima, Lava de Espera, Lajes do Pico, Ed. Companhia
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(2014) Mello, João de, Lugar caído no crepúsculo, Lisboa, D. Quixote.
(2014) Mello, José de, Os Cabral de Mello e New Bedford. 1893-1931 (Álbum
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(2014) Mimoso, Anabela, Rebelo de Bettencourt: raízes de basalto, Ed. Seixo
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(2014) Monteiro, Sandra Maria Gonçalves, Gentes e memórias do Concelho
da Lagoa. 1910-1933, Lagoa, Ed. Câmara Municipal da Lagoa.
(2014) Neves, Maria do Céu Patrão, No trilho do Projecto Europeu – Uma
experiência no Parlamento em prol dos Açores, Ponta Delgada, Ed. de Autor.
(2014) Oliveira, Álamo, Marta de Jesus. A verdadeira, Ponta Delgada, Letras
Lavadas Edições.
(2014) Oliveira, Álamo, Batista S. Vieira – Construtor de sonhos e realidades,
s.l., Ed. Bridge Books.
(2014) Oliveira, Manuel Carvalho, O militar, a guerra e a História, memórias
de um sargento, [Nordeste], Câmara Municipal do Nordeste.
(2014) Oliver, Lawrence (Trad. e Dir. Francisco Costa Fagundes), Para
trás anda a lagosta. A autobiografia de um luso-americano, Ponta Delgada,
VerAçor editores.
(2014) OM, Ser. Estado Integral, Lisboa, Chiado Editora.
422 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

(2014) Pereira, João Luís Oliveira, Antologia de escritos do mini-jornal


«Alagoa», Horta, Junta de Freguesia da Conceição.
(2014) Pereira, Jorge Costa, Um retrato da Horta em 1913, Horta, Junta da
Freguesia da Matriz.
(2014) Pires, Aníbal C., O outro lado. Palavras livres como o pensamento,
Ponta Delgada, Letras Lavadas Edições.
(2014) Porto, Delfina; Soares, António, A Escola do Magistério Primário da
Horta. Para a história da educação nos Açores, Ed. Associação dos Antigos
Alunos do Liceu da Horta; Universidade Sénior do Faial.
(2014) Porto, João Pedro, Porta Azul para Macau, Ponta Delgada, Letras
Lavadas Edições.
(2014) Regalo, Leocádia, Lia no país da poesia, Coimbra, Palimage.
(2014) Rego, António, A Ilha e o Verbo, Lisboa, Paulina Editores.
(2014) Resendes, Sérgio, A Grande Guerra nos Açores: Memória e Patri-
mónio Militar, Ponta Delgada.
(2014) Rocha, Sandra, Anticyclone, Lisboa, Ed. de Autor.
(2014) Rodrigues, Félix, GIBRALTAR AÇORIANO – Possíveis Dimensões
Religiosas e Musicais, Astrológicas e Astronómicas, Matemáticas e Geomé-
tricas, Cabalísticas e Esotéricas do Castelo do Monte Brasil.
(2014) Rosa, Duarte, Tomás Borba na história da música portuguesa do
século xx. Modernidade e tolerância, Angra do Heroísmo, IAC; Movimento
Patrimonial pela Música Portuguesa.
(2004) San-Bento, Madalena, O Editor, Ponta Delgada, VerAçor Editores.
(2014) Scott, Ana Silvia Volpi; Berute, Gabriel Santos; Matos, Paulo Teodoro
de (Org.), Gente das Ilhas. Trajectórias transatlânticas dos Açores ao Rio
Grande de São Pedro entre as décadas de 1740 a 1790, São Leopoldo (Brasil),
OIKOS Editora.
(2014) Silva, Isabel Coelho da, Luís Bretão. Um Terceirense de causas, Angra
do Heroísmo, s. e.
(2014) Silva, Maria Arlete Alves da (Coord.); Albergaria, Isabel Soares de
(Textos), Ilhas do Mar: Artistas Açorianos na Colecção Manuel de Brito,
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(2014) Soares, Ana Rocha e Silva, O Santo Nome de Deus em Vão, Lisboa,
Chiado Editora.
(2014) Soares, Maria Luísa, Gostar de ti e esperar-te, Lisboa, Chiado Editora.
(2014) Teixeira, Ricardo et al., A descoberta de padrões na natureza. Caderno
de actividades para o pré-escolar e 1.º Ciclo, Ponta Delgada, Letras Lavadas
Edições.
(2014) Transeatlântico (revista dir. Nuno Costa Santos), Ponta Delgada, Ed.
Companhia das Ilhas; Instituto Cultural de Ponta Delgada.
(2014) Viveiros, Américo Natalino, Amigo salva… Amigo, Ponta Delgada,
Gráfica Açoriana.
BOLETIM
DO NÚCLEO
CULTURAL
DA HORTA
Na crista da onda. Afonso Chaves (1857-1926)
e as ciências do mar nos Açores 
1

Conceição Tavares

Tavares, C. (2015), Na crista da onda. Afonso Chaves (1857-1926) e as ciên-


cias do mar nos Açores. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24: 427-443.

Sumário: Francisco Afonso Chaves (1857-1926), director do Serviço Meteorológico dos


Açores desde a sua criação em 1901, é lembrado pela sua obra neste domínio e nas ciên-
cias geofísicas, e como naturalista, à frente do Museu de Ponta Delgada. Mas, Afonso Chaves
teve também papel destacado nas ciências do mar, tendo colaborado internacionalmente com
grandes oceanógrafos. Não menos importante foi a sua ligação à Missão Hidrográfica da Costa
de Portugal, iniciada em 1913. A culminar quase duas décadas de dedicação a trabalhos cien-
tíficos no mar, Afonso Chaves foi nomeado, com o Almirante Augusto Neuparth, delegado
ao Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES), quando Portugal aderiu a este
organismo internacional, em 1920.

Tavares, C. (2015), Riding on the crest of a wave. Afonso Chaves (1857-1926)


and marine sciences in the Azores. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 24:
427-443.

Summary: Francisco Afonso Chaves (1857-1926), director of the Azores Meteorological


Service since its inception in 1901, is often remembered for his work in meteorology and
geophysical sciences, as well as for his work as naturalist, heading the Ponta Delgada Museum.
But Afonso Chaves played also a very important role in the emerging field of marine sciences.
He collaborated with major international oceanographers, and was involved in the Hydro-
graphic Mission of Portugal’s Seashore, which began in 1913. After nearly two decades of
commitment to sea research, Afonso Chaves was elected, together with Admiral Augusto
Neuparth, delegate to the International Council for the Exploration of the Sea (ICES), following
Portugal’s membership, which took place in 1920.

Conceição Tavares – Centro Interuniversitário de História da Ciência e da Tecnologia.

Palavras-chave: Afonso Chaves, ciências do mar, colaboração internacional, ICES.

Key-words: Afonso Chaves, marine sciences, international collaboration, ICES.

Texto desenvolvido a partir da conferência feita na Horta, em 17 de Outubro de 2014, na


1

sessão de apresentação da edição de 2014 do Boletim do Núcleo Cultural da Horta.


428 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Assinalando o trigésimo dia do fale- sas oceanográficas e assim reconhe-


cimento do coronel Afonso Chaves, cido pelo grupo de oficias de marinha
o Diário dos Açores publicou na edi- que, liderados pelo capitão-de-fra-
ção de 23 de Agosto de 1926 vários gata Hugo de Lacerda Castelo Branco
artigos assinados por personalidades (1860-1944), retomaram em 1913 o
que com ele privaram. No seu teste- tímido percurso das ciências do mar
munho, o então capitão-tenente da em Portugal, suspensas desde o regi-
Armada Alfredo Botelho de Sousa cídio. De facto, tem sido consensual
(1880-1960)lembra um episódio qua- a assunção do rei D. Carlos I (1863-
se esquecido da ligação daquele às ‑1908) como fundador da oceanogra-
ciências do mar – um domínio em fia em Portugal.2 Entre 1896 e 1907
que se cruzaram, por diversas vezes, o monarca realizou um total de 290
os caminhos do oficial de marinha estações científicas ao largo da costa
com os do director do Serviço Meteo- portuguesa, estendendo-se os seus
rológico dos Açores. trabalhos das sondagens à batimetria
e estudo das correntes até às observa-
Quando, em 1913, se reataram a bordo do
aviso Cinco de Outubro os trabalhos de
ções sistemáticas sobre a distribuição
oceanografia física, que anos antes tinham geográfica de espécies, aos estudos
sido iniciados por D. Carlos, foi pedido o sobre os movimentos migratórios do
seu concurso para a organização do serviço atum e da sardinha, e à recolha de
e para o treino dos oficiais que deviam exemplares para a sua colecção natu-
realizá-lo. Com a boa vontade que sempre
ralista.3 Este percurso, motivado por
punha em prestar qualquer serviço de utili-
dade nacional, [Chaves] foi a Lisboa e a
um interesse empenhado no desenvol-
bordo daquele navio encetou os trabalhos vimento das pescas nacionais, foi tam-
que desde então têm sido feitos e instruiu bém influenciado pela proximidade
na sua realização os oficiais que depois os com o Príncipe do Mónaco (1848-
continuaram.2 ‑1922).4 Os dois monarcas, que com-
binavam o amor pelo mar com o seu
Afonso Chaves é lembrado como um
experimentado praticante de pesqui- 3
Luiz Saldanha, “Explorações Submarinas”,
in M. Magalhães Ramalho, M. Eiras Antunes
Luiz Saldanha, “King Carlos de Bragança,
2 (eds.), D. Carlos de Bragança. A Paixão do
the father of Portuguese Oceanography”, in Mar, Lisboa: Expo98, Fundação da Casa de
Luiz Saldanha e Pedro Ré (eds.), One Hun- Bragança, 1996, pp. 30-79.
dred Years of Portuguese Oceanography. In 4
J. Carpine-Lancre & L. Saldanha, Dom
the foot steps of King Carlos de Bragança, Carlos I Roi de Portugal, Albert Ier Prin-
Museu Bocage, MNHN, Publicações Avul- ce de Monaco. Souverains océanographes,
sas, 2.ª Série, N.º 2, Lisboa, 1997, pp. 19-38. Lisbonne: Fondation Calouste Gulbenkian,
Conceição Tavares 429

estudo científico5, tiveram em Afonso lares com ambos os monarcas e de-


Chaves um interlocutor com prática senvolvia observações e longas séries
de colaborações internacionais, geral- de registos, seguindo as orientações
mente esquecidas nas narrativas da dos especialistas que lhe solicitavam
oceanografia portuguesa. Na época, colaborações. A criação do Serviço
porém, havia quem estivesse a par Meteorológico dos Açores foi a pri-
desta experiência especializada de meira grande motivação de cumpli-
Afonso Chaves, nomeadamente, na cidade deste triângulo de afinidades.
Escola Naval, no Ministério e na Mas, em 1898, quando se estabelece-
Direcção Geral da Marinha, depar- ram os contactos internacionais que
tamentos invariavelmente chamados levariam à criação daquele serviço e
a apoiar as pesquisas nos Açores. à nomeação de Afonso Chaves para
Como nodos de uma rede dedicada seu director, já os núcleos científicos
às ciências do mar centrada na vasta que procuravam compreender melhor
superfície nacional aparecem, assim, o funcionamento dos oceanos tinham
Albert I do Mónaco, que fazia as suas alargado o campo de pesquisas à sua
próprias campanhas científicas e esta- interacção com os sistemas meteoro-
belecia as ligações com os oceanógra- lógicos e ao ciclo de vida de espécies
fos escandinavos, alemães, ingleses e comerciais, com vista à protecção dos
franceses; o rei D. Carlos, que através stocks e a uma gestão racional das
daquele ou de Chaves se informava pescas.6 Portugal, país de parcos
dos projectos em curso e activava os meios mas muito mar, integrou desde
mecanismos internos de apoio técnico então, por via da sua extensão oceâ-
aos trabalhos; e, finalmente, Afonso
Chaves, que mantinha contactos regu- 6
Desde os anos 70 e 80 vários pólos de in-
vestigação procuravam conhecer os factores
físicos, biológicos e ambientais que condi-
1992; Jacqueline Carpine-Lancre, “Ocean- cionavam as pescas. A Comissão de Kiel,
ographic sovereigns: Prince Albert I of na Alemanha, o Laboratório de Plymouth,
Monaco and King Carlos I of Portugal”, na Grã-Bretanha, e os centros de investi-
in Margaret Deacon, Tony Rice, Colin gação escandinavos, na Universidade de
Summerhayes (eds.), Understanding the Oslo (Christiania) e na Politécnica de Esto-
Oceans: A Century of Ocean Exploration, colmo, foram alguns dos pólos que se desta-
Abingdon: Routledge, 2003, pp. 56-68. caram nestes domínios no último quartel do
5
Jacqueline Carpine-Lancre & Luiz Saldanha, século xix. Cf. Margarida Castro, “Fisheries
Dom Carlos I Roi de Portugal, Albert Ier Science and Oceanography: A historical
Prince de Monaco. Souverains océanogra- perspective and the future”, in One Hun-
phes, Lisbonne: Fondation Calouste Gulben- dred Years of Portuguese Oceanography,
kian, 1992. (…) pp. 357-364.
430 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

nica ocidental, alguns projectos inter- meteorológicos dos Açores para os


nacionais de investigação oceanográ- principais observatórios do velho
fica. Afonso Chaves foi o pivot desta continente.7
integração internacional e, interna- De facto, a telegrafia era crucial para
mente, esteve também envolvido em a transmissão de dados em tempo útil
acções de alcance técnico-científico aos observatórios da Europa, que os
e aplicado neste domínio, como foi o reclamavam desde a década de 60.
caso da Missão Hidrográfica da Costa Com a ligação telegráfica, os postos
de Portugal, iniciada em 1913. Com açorianos deixavam de ser simples
a sua colaboração sempre disponível registadores de observações; passa-
e reconhecidamente competente, o ram a ser colectores de dados envia-
coronel Chaves faz alargar ao arqui- dos para o continente com rapidez e
pélago dos Açores a memória histó- aí utilizados nos estudos sinópticos
rica das ciências do mar em Portugal. do estado do tempo e da sua prová-
vel evolução. Os Açores tornaram-se,
*** assim, a partir de 1893, e dentro dos
7
limites da tecnologia então utilizada,
A 27 de Agosto de 1893 concretizou- naquilo que em 1866 o matemático
‑se uma antiga aspiração dos Açores: e meteorologista Buys-Ballot (1817-
a ligação telegráfica por cabo subma- ‑1890) preconizara – uma sentinela
rino ao continente europeu. Nas vés- no Atlântico.8
peras de tão auspiciosa inovação Afonso Chaves rapidamente transfor-
tecnológica era nomeado director do mou esta nova condição da meteo-
posto meteorológico de Ponta Del- rologia açoriana numa presença de
gada o capitão Francisco Afonso regularidade e rigor na rede inter-
Chaves, que há muito se dedicava a nacional em que esta passou a estar
estudos climatológicos locais. Esta integrada, bem como, localmente,
nomeação, feita pelo director do num apoio constante aos navios que
Observatório Meteorológico Infante escalavam as ilhas, prestando infor-
D. Luiz, respondia à nova etapa que mações sobre a evolução do tempo
a meteorologia encetava nos Açores e do estado do mar. Em poucos anos
e dava uma liderança ao processo (1901), estes passariam também a
diário de registo e de envio dos dados contar com um serviço horário, pres-

Conceição Tavares, Albert I do Mónaco


7 gada, Lisboa: Sociedade Afonso Chaves e
(1848-1922), Afonso Chaves (1857-1926) CIUHCT, 2009.
e a Meteorologia nos Açores, Ponta Del- 8
Idem, ibidem, p. 57 e Anexo 2.
Conceição Tavares 431

tado pelo Observatório de Ponta Del- científicas, ao longo da década de


gada, o que, permitindo o acerto das 90, este projecto foi divulgado por
coordenadas de rota, foi igualmente Afonso Chaves junto dos principais
um importante ganho de segurança. observatórios europeus em 1898. Nos
Não se pode esquecer que foi durante dois anos seguintes, Chaves elabora
o século xix que o mundo começou a um relatório com as linhas mestras do
globalizar os seus movimentos demo- Serviço Meteorológico Internacional
gráficos e comerciais e que estes dos Açores e vai apresentá-lo pessoal-
então se faziam apenas por via marí- mente ao Congresso de Meteorolo-
tima. A segurança da navegação era gistas realizado em Paris, em 1900.9
uma das permanentes motivações da Devido a uma série de factores de
meteorologia, por maioria de razão, ordem externa, nomeadamente a relu-
a que se fazia nos Açores, no próprio tância do Reino Unido em apoiar
coração do Atlântico.9 este projecto, temeroso de partilhar
Foi neste contexto que se estreitaram o espaço atlântico e a sua influência
as relações entre Afonso Chaves e o sobre Portugal, o Serviço Meteoro-
Príncipe do Mónaco – uma parceria lógico Internacional dos Açores não
que deu novos horizontes à meteo- vingou. Por outro lado, motivações
rologia dos Açores e abriu o remoto nacionalistas e de alinhamento estra-
arquipélago português à atenção da tégico com Londres levaram o gover-
comunidade científica internacional. no português, com a recomendação
O projecto de criação de um serviço expressa do rei D. Carlos, a oficia-
meteorológico internacional nos Aço- lizar a criação de um Serviço Meteo-
res, pensado pelo Príncipe do Mónaco rológico dos Açores, de exclusivo
para congregar vários países euro- financiamento nacional.10 Este era
peus numa instituição científica de uma versão modesta do abandonado
vanguarda, pretendia fazer corres- projecto internacional, mas Afonso
ponder à natureza transnacional da Chaves teve sempre o programa origi-
atmosfera uma eficaz cooperação nal como meta a perseguir pelo novo
científica internacional. Para além serviço. É assim que os domínios
das intervenções feitas pelo Príncipe
em vários congressos e sociedades 10
O Serviço Meteorológico dos Açores foi
criado por Decreto-Lei de 12 de Junho de
1901, publicado no Diário de Governo de
9
F. A. Chaves, Rapport sur l’établissement 15 e assinado pelo rei D. Carlos em Ponta
projeté du Service Météorologique Interna- Delgada, em Julho seguinte, durante a visita
tional des Açores, Monaco: Imprimerie de régia, na presença do primeiro-ministro
Monaco, 1900. Hintze Ribeiro.
432 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

científicos estabelecidos no projecto Young Buchanan (1844-1925), dois


internacional não deixam de surgir destacados cientistas da expedição
na definição oficial do Serviço Me- Challenger. A rede de cumplicidades
teorológico dos Açores: Meteorolo- é evidente e Afonso Chaves, solici-
gia e Climatologia, Geomagnetismo, tado a cooperar, cavalga esta onda,
Sismologia e Oceanografia. Apesar integrando-se no universo dos estu-
das limitações de orçamento e de dos oceanográficos desde 1898.
pessoal, Afonso Chaves sempre foi
fazendo o que estava ao seu alcance- À semelhança da meteorologia, tam-
para cumprir regularmente trabalhos bém as ciências do mar se começa-
nestes diferentes domínios. Para além ram a desenvolver a partir de meados
da paulatina criação de vários postos de oitocentos. Oceanografia era um
meteorológicos, manteve o levanta- conceito lato e de fronteiras fluidas
mento geomagnético do arquipélago que, em finais do século xix, abar-
e avançou também para trabalhos no cava toda uma série de abordagens
mar. No Relatório publicado no Mó- e de pesquisas marinhas que, por um
naco em 1900, Afonso Chaves refere, lado, procuravam interagir e comple-
pela primeira vez, a colaboração que mentar-se, e por outro, se organiza-
tem vindo a prestar nos Açores aos vam progressivamente em diferentes
oceanógrafos escandinavos. disciplinas específicas. Longe ainda
da definição disciplinar própria de
Como exemplo, citarei as amostras de etapas mais avançadas do conhe-
plâncton marinho e os registos de tempera-
tura que, desde o mês de Junho de 1898 até
cimento, naquela época os estudos
Setembro deste ano, fiz para a Comissão marinhos organizavam-se essencial-
Hidrográfica Sueca, a pedido de S.A.S. o mente em:
Príncipe do Mónaco.11
a) Hidrografia – que se ocupava do
Como é claramente dito, o mediador levantamento e cartografia das pro-
desta colaboração fora o Príncipe, que fundidades marinhas, da identifica-
conhecia bem o pioneirismo metodo- ção e mapeamento dos sedimentos
lógico dos académicos e hidrógrafos dos fundos e do estudo das corren-
suecos e mantinha relações próximas tes e das marés;
com dois célebres escoceses, que tam- b) Zoologia e Biologia Marinhas –
bém colaboravam com os escandina- domínios em que os estudos da
vos: John Murray (1841-1914) e John fauna, costeira e de profundidade, e
a sistemática das espécies avança-
F. A. Chaves, op. cit., p. 36.
11
vam para novas práticas, quer por
Conceição Tavares 433

evolução própria de motivações e países escandinavos12 criaram desde


métodos, quer pela intervenção de meados do século xix uma tradição de
disciplinas em grande afirmação, investigação marinha, desenvolvida
como a química, a física-química e depois, a partir dos anos 70, na Ale-
a matemática aplicada à biologia, manha e alargada na década seguinte
conduzindo a investigações inte- aos Países Baixos, ao Reino Unido e
gradas do habitat, dos ciclos de a França. No caso dos países escandi-
vida e da distribuição geográfica navos, essa tradição foi desde sempre
de algumas espécies; apoiada pelo Estado, não só porque
c) Física– as características físicas tradicionalmente as pescas eram pro-
das grandes massas de água – tem- priedade real e esta condição estimu-
peratura, salinidade, densidade e lava a protecção interessada da coroa,
transparência – tornaram-se parâ- mas também porque estes países vi-
metros de estudo sistemático, que viam períodos de abundância e de
começaram a ser trabalhados em retracção económica, em função do
conexão com os fenómenos meteo- comportamento de algumas espécies,
rológicos e com as dinâmicas bio- como o arenque e o bacalhau. Assim,
lógicas, numa perspectiva de longa investir no conhecimento do mar e
duração; destas espécies comerciais, investi-
d) Estudos do plâncton – desenvolve- gando-lhes os hábitos, alimentação,
ram-se em diferentes perspectivas: regime reprodutivo e migrações, era
biológica, química e física – nesta uma opção estratégica. Em 1870, ¾
última, o plâncton foi instrumental
da população sueca dependia da agri-
para o estudo das correntes mari-
cultura e das pescas, dependência que
nhas.
era ainda mais dramática na Noruega,
onde a agricultura era mais limitada
À semelhança da atmosfera, também
por razões climatéricas e mesmo
o mar não tem fronteiras físicas, nele
inexistente nas latitudes superiores.
circulando livremente diversas espé-
Naturalmente, as primeiras tentativas
cies de interesse comercial para os
de congregação de esforços cientí-
países marítimos. Daí que o objectivo
de desenvolver as pescas através de
acordos internacionais, baseados em
12
Englobam-se nesta designação três países:
Suécia, Noruega e Dinamarca. Importa ter
conhecimento científico, tenha sido
presente que na época a que o texto se
bastante precoce em alguns países do reporta, os reinos da Noruega e da Suécia
norte da Europa que dependiam eco- estavam unificados sob a mesma coroa,
nomicamente daquela actividade. Os situação que se prolongou de 1814 até 1905.
434 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

ficos para o estudo do mar ocorreram comparar as condições hidrográficas


neste grupo de países. Partindo da com eventos naturais, tais como o
Suécia, ganharam depois dinâmica de desaparecimento ou o retorno de car-
cooperação regional, com o envolvi- dumes.14 Esta inovação, que revela
mento da Noruega e da Dinamarca, pontos de contacto metodológico com
tendo por campo de trabalho o Mar a meteorologia, foi verdadeiramente
Báltico e os mares escandinavos de revolucionária e estimulou a interna-
Skagerrak e Kattegat. cionalização dos projectos. Em 1893,
Mas no início da década de 1890 deu- as investigações alargaram-se ao Mar
‑se um salto qualitativo e de escala do Norte e progressivamente foram
neste processo. O físico e químico avançando, para novos parceiros e
sueco Otto Pettersson (1848-1941)13 para áreas mais vastas do oceano
concebeu e experimentou, com a Atlântico. Em 1898/99, realiza-se o
colaboração de Gustaf Ekman (1852- primeiro grande estudo das variações
‑1930), uma nova metodologia para da superfície do oceano Atlântico,
os estudos hidrográficos: a colecta de liderado pela Comissão Hidrográfica
dados de diferentes parâmetros físicos da Suécia15, no qual Pettersson e
da água, realizada a uma mesma hora Ekman tiveram a colaboração nos
por várias embarcações, o que per- Açores do capitão Afonso Chaves.
mitia cobrir vastas áreas marítimas.
O resultado era a obtenção de uma Em vésperas da viragem do século, a
“imagem” das condições marinhas Conferência de Estocolmo de 1899,
num dado momento, uma represen- uma conferência internacional con-
tação sinóptica que permitia depois vocada pelo rei Oscar ii, aglutinou o

13
Otto Pettersson, com formação em química 14
Helen M. Rozwadowski, The Sea knows
e física-química, leccionou na Universidade no boundaries. A century of marine science
de Uppsala e na Escola Politécnica de Esto- under ICES, USA: International Council for
colmo, a par de uma dinâmica actividade de the Exploration of the Sea, 2002, pp. 18-20.
investigação oceanográfica. O seu contri- 15
A Comissão Hidrográfica da Suécia, criada
buto para as ciências do mar teve grande em 1896 pela Academia Real da Suécia,
repercussão internacional, levando à criação estava originalmente vocacionada para a
do International Council for the Exploration investigação dos aspectos físicos e quí-
of the Sea (ICES), a cujo Bureau pertenceu micos das águas suecas, mas rapidamente
até ao final da vida. Foi Presidente do ICES passou a integrar pesquisas de oceanografia
de 1915 a 1920, conseguindo salvar o orga- biológica e de biologia das pescas, adap-
nismo das divisões da 1.ª Guerra Mundial. tando-se à agenda científica que se tornou
Pettersson foi o secretário do Comité Nobel dominante na Escandinávia, na viragem
para a Química, de 1900 a 1912. para o século xx.
Conceição Tavares 435

debate sobre as investigações já rea- Afonso Chaves, de 23 de Novembro


lizadas e preparou a criação de um de 1898, Pettersson escrevia:
organismo de cooperação científica
internacional para a exploração do …  nós temos um número razoável de
navios de carreira entre Inglaterra e a
mar. Nesta conferência foram apre- Holanda, a França e a América, bem como
sentados os resultados do projecto expedições científicas e baleeiros fazendo
pioneiro em que participou Afonso observações nos Mares do Norte. Não pre-
Chaves, um trabalho que abarcou tendemos obter um número excessivo de
todo o oceano Atlântico: observações, mas garantir dados exactos
e confiáveis. Todas as amostras são anali-
As pesquisas oceânicas da Comissão du- sadas química e biologicamente.
rante os anos de 1898 e 1899 constituem
… Essa parte do oceano [entre os Açores
as primeiras tentativas para representar,
e Lisboa] é importante uma vez que o
por meio de cartas sinópticas, o conjunto
plâncton na primavera (e possivelmente no
das mudanças que se verificam na água
inverno) tem aí um carácter diferente do da
superficial do oceano durante um ano, sob
parte ocidental do Atlântico, indicando que
o ponto de vista da temperatura, da salini-
o fluxo da corrente do Golfo na primavera
dade e da distribuição dos diversos tipos
tem uma direcção diferente daquela que se
de plâncton.16
costuma supor. A sul dos Açores o plâncton
é abundante mas não muito variável.18
Durante um ano, mês a mês, o registo
da temperatura e as recolhas de amos- Passado um ano, Pettersson reafirma a
tras de água e de plâncton foram reali- importância das recolhas de plâncton
zados em diferentes pontos do oceano, feitas por Chaves, revelando que está
alguns costeiros e insulares – além à espera de amostras da parte leste do
dos Açores estiveram envolvidos os oceano, recolhidas por navios holan-
arquipélagos das Faroe e das Shetland deses do Cabo ao Canal da Mancha,
e a Islândia –, outros em coordenadas o que lhe alimenta a expectativa de
pré-determinadas, utilizando navios “comparar as mudanças de plâncton
dos países envolvidos.17 Em carta a nos Açores”. Entretanto, regozija-se

16
P. T. Cleve, G. Ekman, O. Pettersson, Les chegada a Estocolmo, em condições esta-
variations annuelles de l’eau de surface bilizadas, das caixas com amostras de água
de l’océan Atlantique, Göteborg: Bonners e de plâncton. Cf. P. T. Cleve, G. Ekman,
Tryckeri Aktiebolag, 1901, p. i. O. Pettersson, op. cit., p. ii.
17
Esta gigantesca operação contou ainda com 18
BPARPD (Biblioteca Pública e Arquivo
o suporte da rede consular da Suécia que, Regional de Ponta Delgada) – Espólio do
a partir do Hâvre, Amesterdão, Marselha, coronel Afonso Chaves. Carta de O. Petters-
Liverpool e Lisboa, foi responsável pela son de 23 de Nov. 1898.
436 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

dos resultados já obtidos, que indi- dos mares, quando as investigações


ciam um oceano leste atlântico “ver- escandinavas iniciaram a procura
dadeiramente notável”, na apreciação de parceiros internacionais. Na obra
de Per Teodor Cleve (1840-1905), o em que a Comissão Hidrográfica da
investigador responsável pelas análi- Suécia publicou os resultados do
ses do plâncton.19 projecto de 1898/99, aparece como
referência a publicação Ergebnisse
O plâncton era ainda, nesta altura, der Plankton-Expedition der Hum-
um objecto de estudo recente; os pri- boldt-Stiftung, com os resultados da
meiros estudos significativos dos seus expedição promovida em 1889 pela
processos biológicos internos tinham Comissão de Kiel para estudar o
surgido na Alemanha, nos anos 80. plâncton no Atlântico. Indício claro
Victor Hensen, um grande teórico da de como se articulavam bem e com
biologia dos mares, e os seus compa- futuro os trabalhos desenvolvidos por
nheiros da Comissão de Kiel, produzi- estes biólogos e hidrógrafos, na Ale-
ram o primeiro modelo que explicava manha e na Suécia respectivamente.
como era controlada a abundância do
plâncton, invocando o crescimento Entretanto, os resultados de 98/99
das plantas, a regeneração de nutrien- chegaram a Afonso Chaves numa
tes e o efeito dos seres marinhos herbí- publicação encadernada e personali-
voros.20 Em 1887, na publicação do zada, com dedicatória e homenagens
primeiro trabalho de base quantita- extensivas aos apoios locais, reme-
tiva sobre a matéria, Hensen estabele- tida pela Comissão Hidrográfica da
ceu o termo plâncton para o conjunto Suécia:21
de animais e de plantas flutuantes nos
mares, organismos que mais tarde Graças ao zelo de F. A. Chaves, Director do
Observatório meteorológico de Ponta Del-
descreveria como dies Blut des Meers gada, foi possível obter nos Açores uma
(o sangue dos mares).21 O plâncton série de observações bastante completa.
era ainda um objecto de estudo bas- Sob recomendação de S.A. o Príncipe de
tante promissor para o conhecimento Mónaco, a Municipalidade de São Miguel
e o Chefe da Administração da Marinha, o
almirante João Carlos Adrião, puseram ao
19
BPARPD – Espólio do coronel Afonso nosso dispor barcos e tripulações.22
Chaves. Carta de O. Pettersson a Afonso
Chaves de 10 de Outubro de 1899.
20
Eric L. Mills, Biological Oceanography: An Eric L. Mills, op. cit., pp. 14-20.
21

Early History, 1870-1960, [2.ª ed.], Toronto: P. T. Cleve, G. Ekman, O. Pettersson, op.
22

Universityof Toronto Press, 2012, p. 5. cit., p. ii.


Conceição Tavares 437

Não por acaso, Chaves incluiu no oscilações da atmosfera, são também os


orçamento do Serviço Meteorológico dois pontos nodais das oscilações anuais
das correntes do Oceano Atlântico Norte;
dos Açores as despesas efectuadas
ficando assim esclarecida uma relação
com esta colaboração, lembrando a meteorológica bem extraordinária.24
Pettersson que “guarda, às vossas
ordens, dois termómetros e duas redes Com trabalhos de campo, através
de plâncton”23, instrumentos que, da literatura e por via da correspon-
tudo leva a crer, terão sido fornecidos dência e das conversas com o Prín-
por Estocolmo. cipe do Mónaco e com o seu assis-
Além do mais, as implicações meteo- tente Jules Richard, Afonso Chaves
rológicas e para o estudo das corren- foi acompanhando todo o processo
tes marinhas que serão descobertas que levou à criação do International
a posteriori, na análise da constitui- Council for the Exploration of the Sea
ção do plâncton e da sua distribuição (ICES)25, em 1902, em Copenhague.
geográfica e na coluna de água, em Apesar de Portugal não fazer parte do
diferentes épocas do ano, interessam-- núcleo de países fundadores – Suécia,
‑no vivamente, confirmando as con- Noruega, Dinamarca, Finlândia, Paí-
vicções pré-existentes de correlações ses Baixos, Alemanha, Rússia, e
entre os sistemas físicos do mar e da Reino Unido – Afonso Chaves esteve
atmosfera. Para além da sua impor- sempre na crista da onda, colabo-
tância biológica para o conhecimento rando com alguns dos seus mais des-
dos mares, o plâncton funcionava tacados promotores. Quando, muitos
também como uma espécie de mar- anos mais tarde, em 1922, Portugal
cador de correntes. No Relatório do aderiu ao ICES, ele foi, naturalmente,
Serviço Meteorológico dos Açores de um dos delegados nomeados para a
1905, Afonso Chaves destaca sua representação, em parceria com
o vice-almirante Augusto Neuparth.
foi o estudo do plâncton que principal-
mente permitiu reconhecer que os Açores
ocupam uma posição entre a corrente 24
F. A. Chaves, “Meteorologia e Sismologia,
atlântica e o Gulf Stream, análoga à da ii – Relatório acêrca do Serviço Meteorolo-
Islândia, que está situada no limite da cor- gico dos Açores durante o anno de 1905”,
rente árctica e da corrente atlântica, isto é, Apêndice doDiario do Governo, n.º 393 de
que os Açores e a Islândia, dois centros de 5 de Outubro de 1909, p. 255.
25
Este organismo internacional foi reorgani-
zado depois da II Guerra Mundial, no âm-
23
BPARPD – Espólio do coronel Afonso bito da ONU e, actualmente, apresenta a
Chaves. Carta de A. Chaves a O. Pettersson, dupla sigla ICES/ICEM, sendo esta última
de 14 Nov. 1899. a designação francófona.
438 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Estas colaborações dos Açores, que balhos desse ano tinham sido feitos
se traduziram num paulatino processo especialmente para apoiar os estudos
de ganhos cognitivos, metodológicos sobre a transparência da água do mar
e de instrumentação, constituíram de Julien Thoulet (1843-1936) e os de
um inegável estímulo para manter Otto Pettersson, relativos à influência
na agenda local os trabalhos oceano- do degelo na circulação oceânica.
gráficos. O já referido Relatório do O início dos levantamentos hidrográ-
Serviço Meteorológico dos Açores ficos foi dirigido pelo chefe da repar-
referente a 1905 dá conta da nova e tição hidrográfica da Direcção Geral
prometedora fase em que nesse ano da Marinha, o capitão-de-mar-e-guerra
tinham entrado os estudos oceano- Julio Schultz Xavier, que se deslocou
gráficos. aos Açores e na ocasião instalou na
… foi determinado que a canhoneira Açor
Açor um prumo Lucas. Se, por um
…  cooperasse nos trabalhos oceanográ- lado, é manifesto o empenhamento
ficos que o Serviço Meteorológico dos dos oficiais de marinha nesta nova
Açores empreendesse, quando lhe requi- frente de trabalho, por outro, o rela-
sitasse o seu concurso, bem como proce- tório não deixa de registar a calorosa
desse a sondagens e ao levantamento de
articulação desta componente nacio-
cartas batimétricas de regiões dos mares
dos Açores, que lhe fossem indicadas pela
nal da rede de cumplicidades maríti-
Direcção Geral da Marinha e por mim.26 mas com a sua interface internacional

Além disso, o Ministério da Marinha Sua Alteza o Príncipe de Monaco, Alberto i,


dignou-se embarcar na Açor em Agosto
tinha destacado em comissão para o último, a fim de assistir a alguns trabalhos
Serviço Meteorológico dos Açores executados perto da costa de Ponta Del-
dois oficiais, o que significava um re- gada, oferecendo então para aquele navio
forço qualificado dos recursos huma- um sondador Léger e cabo de aço, como
nos. Os segundos-tenentes José Costa prova do seu agrado pelo zelo e inteligente
Salema e Gustavo Adolfo de Medei- dedicação que observou a bordo, na exe-
cução dos aludidos trabalhos. Ofereceu
ros procederam, nesse ano, a estudos também para o Observatório de Ponta Del-
de transparência da água do mar; na gada seis garrafas completas Richard, para
Horta, o primeiro fez também obser- colheitas de água do mar.27
vações maregráficas enquanto, em
Ponta Delgada, o segundo deu apoio Este importante impulso aos traba-
aos trabalhos a bordo da canhoneira. lhos oceanográficos é atribuído por
Segundo o mesmo relatório, os tra- Afonso Chaves “ao alto interesse de

26
F. A. Chaves, op. cit., 1909, p. 254. 27
F. A. Chaves, op. cit., 1909, p. 254.
Conceição Tavares 439

Sua Majestade El-Rei D. Carlos pe- pode ler-se, em dedicatória autógrafa,


los referidos estudos.” Este facto era, na folha de rosto dos Resultados das
de resto, do conhecimento público e Investigações Scientificas … durante
assumido nos Açores com indisfar- as campanhas de 1896 a 1903, publi-
çável orgulho, como se pode detectar cação oferecida pelo monarca e até
numa notícia local que dá conta hoje conservada na biblioteca histó-
da chegada a S. Miguel de Afonso rica do Museu Carlos Marchado, em
Chaves, depois de, em Lisboa, ter Ponta Delgada.
dado conta a el-rei das solicitações dos Afonso Chaves soube interpretar nos
investigadores Thoulet e Pettersson, Açores a verdadeira natureza da cen-
“interessando-se o sr. D. Carlos viva- tralidade atlântica e ajudou a cons-
mente para que tais estudos sejam fei- truí-la, ao assumir-se como um me-
tos o mais breve possível.”28 A mes- diador no campo científico e em
ma notícia divulga ainda uma confe- matérias de segurança da navegação.
rência de Chaves na Sociedade de Um episódio que ilustra este papel
Geografia sobre questões oceano- ocorreu em 1896. Afonso Chaves há
gráficas, na qual foram referidos os já algum tempo que trocava regular-
projectos de Thoulet e Pettersson, mente informações meteorológicas
“acrescentando que El-rei, a quem os e sobre condições de navegabilidade
comunicou, manifestou empenho de no Atlântico com o Hydrographic
aqueles estudos serem feitos por por- Office, de Washington, instituição à
tugueses.” Este desejo de ambos de
época dirigida por um veterano da
uma presença científica nacional nos
guerra civil e da oceanografia norte--
mares dos Açores terá sido uma moti-
‑americanas, o comandante Charles
vação comum a preencher as con-
D. Sigsbee.29 Em carta de 18 de
versas que mantiveram, com alguma
Agosto de 1896, Chaves deixa implí-
regularidade. Testemunhos dos laços
cito o empenho do Príncipe do Mó-
de cumplicidade assim criados são as
naco em divulgar e fazer credenciar
cartas, fotografias e publicações que
trocaram. Um exemplo: “Ao Capitão uma descoberta recente.
Afonso Chaves Como lembrança de S.A.S. o Príncipe do Mónaco descobriu o
amizade Carlos de Bragança 1904” mês passado um banco (a que ele chamou

28
Diário dos Açores de 9 de Maio de 1905. 29
quina de sondagem que tomou o seu nome
29
Charles D. Sigsbee (1845-1923) – No pe- e se tornou um instrumento standard nos
ríodo 1874-1877 foi comandante do navio 50 anos subsequentes de explorações mari-
Blake, que protagonizou várias missões nhas. http://oceanexplorer.noaa.gov/history
oceanográficas. Sigsbee inventou uma má- /timeline/timeline.html (28 Mar. 2015).
440 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Princesse Alice) 40 milhas a S.W. da ilha grafo Hugo de Lacerda31, fez o reco-
do Faial, de que me enviou uma carta, nhecimento do banco e dirigiu as
da qual fiz uma cópia, que o Príncipe me
sondagens. Concluídos os trabalhos,
autorizou a enviar-vos, da sua parte para o
vosso Hydrographic Office.30 o Almirantado publicava a 10 de
Agosto de 1897 um Aviso aos Nave-
Em menos de dois meses, já o Hydro- gantes:
graphic Office divulgava a notícia no
A mínima profundidade encontrada foi
Notice to Mariners e publicava o pri- de 24 braças [pouco mais de 53 metros],
meiro esboço cartográfico do banco sendo nessas proximidades muito aciden-
Princesa Alice. A divulgação neste tado o fundo, que é de areia preta e encar-
periódico de grande audiência dava a nada, pedra e algumas conchas. A pescaria
conhecer, por um lado, a localização naquela localidade é abundantíssima.
Em todos os outros pontos sondados
do banco, como também dava legiti-
(para Norte e parte média do banco) … os
midade institucional e técnica à des- fundos, variando regularmente, não estão
coberta, alertando para a segurança em desacordo com os encontrados por Sua
da navegação nas referidas coorde- Alteza o Príncipe de Monaco.32
nadas.31
Feito o primeiro levantamento pela Ainda estavam longe os trabalhos
equipa do Príncipe, Afonso Chaves oceanográficos que se viriam a reali-
não descansou enquanto não conse- zar nos Açores a partir de 1905, mas
guiu que a marinha nacional cunhasse este foi um primeiro momento da
a sua chancela num levantamento bati- história que ligaria, daí para o futuro,
métrico mais rigoroso e detalhado. Afonso Chaves a esta embarcação,
No ano seguinte, a canhoneira Açor, como também a este oficial da arma-
sob o comando do 1.º tenente hidró- da. Os caminhos de ambos cruzar-se-

30
BPARPD – Espólio do coronel Afonso promovido aí a criação do observatório as-
Chaves. Carta de A. Chaves a C. D. Sigsbee tronómico e meteorológico Campos Rodri-
de 18 Agosto de 1896. gues. Foi depois responsável pelos portos
31
Hugo de Lacerda Castelo Branco (1860- de Macau e consultor das obras do Arsenal
‑1944) – Arquivo Histórico da Marinha – do Alfeite. Primeiro lente de hidrografia
Livro Mestre D/109. Sendo comandante da da Escola Naval, destacou-se em matérias
canhoneira Açor, foi louvado pelo bom ser- como geologia, hidrografia, geodesia e
viço prestado nos trabalhos de explorações topografia.
hidrográficas empreendidas no mar dos 32
Arquivo Histórico da Marinha – Avisos aos
Açores (Ordem da Armada 22B/97). Foi ca- Navegantes, Cx. 64-2 (1866-1910) – Con-
pitão do porto de Lourenço Marques, cujo selho do Almirantado, Aviso aos Navegan-
levantamento hidrográfico dirigiu, tendo tes n.º 7 de 10 de Agosto de 1897.
Conceição Tavares 441

-iam em diversas circunstâncias rela- dor da República constituiu a Missão


cionadas com a meteorologia e as Hidrográfica da Costa de Portugal,
ciências do mar. em Dezembro de 1912. A equipa
destacada para a missão integrava 4
Hugo de Lacerda Castelo Branco, oficiais, além do comandante, o capi-
engenheiro hidrógrafo, fez uma bri-
tão-de-fragata Hugo de Lacerda.34
lhante carreira na Marinha de Guerra
O oficial mais novo desta equipa era
Portuguesa e teve um importante
Alfredo Botelho de Sousa e ficou
papel reformador enquanto professor
responsável pelos trabalhos de ocea-
da cadeira de Hidrografia na Escola
nografia.35
Naval. Dando conta da necessidade
de rever, sistematizar e actualizar os
trabalhos hidrográficos em Portugal, A missão hidrográfica tinha ambições
desenvolveu um exaustivo levanta- técnico-científicas que iam além do
mento da situação, defendendo a tradicional levantamento da morfolo-
constituição de uma missão hidrográ- gia das costas, bacias hídricas e por-
fica nacional.33 O ímpeto moderniza-
35
Arquivo Histórico da Marinha – Livro Mes-
33
Relatório publicado em “Subsídios para a tre H/43 e J/27 – Botelho de Sousa tinha
constituição de uma comissão hidrográfica alguma prática de investigação marinha
nas costas de Portugal e ilhas adjacentes. adquirida a bordo da canhoneira Açor, de
Considerações preliminares”, Anais do cuja tripulação fez parte em 1909; entre
Clube Militar Naval, xlii (9) (Set. 1911) Agosto de 1910 e Maio de 1911, foi capitão
467-497; idem, xlii (10) (Out. 1911) 545- do porto de Ponta Delgada; em 1914 e 1916
‑577; idem, xlii (11) (Nov. 1911) 625-644. recebeu louvores pela dedicação e zelo com
34
Arquivo Histórico da Marinha – Livro que serviu na Missão Hidrográfica da Costa
Mestre H/127 e J/105 – Entre 8 Jan. 1913 e de Portugal.
11 Mar. 1916 comandou o aviso 5 de Outu- Alfredo Botelho de Sousa era natural da ilha
bro na Missão Hidrográfica da Costa de de S. Miguel e, embora já não pertencesse
Portugal. Foi louvado pelo “inexcedível à geração de Afonso Chaves, manteve com
zelo, competência e inteligência” com que este uma relação próxima, tendo inclusiva-
desempenhou o cargo (Ordem da Armada mente trabalhado durante alguns meses de
24/1918). Em 15 Jun. 1916 foi eleito sócio 1915 como meteorologista no Observatório
correspondente da Academia das Ciências de Ponta Delgada. Para mais informação
de Lisboa. Por despacho ministerial de 6 sobre os trabalhos que notabilizaram este
Dez. 1937, foi deferido o seu requerimento oficial, que foi também historiador e profes-
para poder aceitar e usar a condecoração de sor da Escola Naval, ver Carlos Guilherme
grande oficial da Ordem de S. Carlos do Riley, “Um discípulo açoriano de Mahan:
Mónaco.Foi também distinguido em 1938 Alfredo Botelho de Sousa, subsídios para
com a Comenda da Ordem de S. Tiago da o estudo da sua vida e obra”, Arquipélago-
Espada. História, 2.ª série, iii (1999) 433-446.
442 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

tos e da respectiva representação car- corriam nos Açores a bordo da Açor,


tográfica. O objectivo era aproveitar sob orientação de Chaves. Este, infor-
a missão para fazer também estudos mou-se sobre várias questões junto
meteorológicos, de geomagnetismo, de especialistas, nomeadamente o
de correntes e marés e oceanográ- francês Julien Thoulet, que deu indi-
ficos. Aproveitando as competências cações sobre as adaptações a fazer
de cada oficial e solicitando pontuais no navio, sobre as profundidades a
colaborações externas, a missão foi trabalhar para a elaboração da carta
pensada de forma ambiciosa e de batimétrica e a colheita de sedimen-
marcação nacional de um território tos dos fundos com vista a uma carta
– o Atlântico e as suas costas – que litológica. Para além da recolha de
estava a ser objecto de estudos di- informações actualizadas, o coronel
versos, nomeadamente, no âmbito recorreu à sua experiência pessoal
do ICES.36 Assim, no seu relatório, para orientar as medições de tempe-
Botelho de Sousa assume que “os tra- ratura a diferentes profundidades,
balhos a realizar, para serem verda- os cálculos da densidade da água do
deiramente profícuos, não deviam ser mar, em função de dois métodos ge-
isolados, mas sim constituir a nossa ralmente utilizados, e as operações
contribuição para o estudo do Atlân- instrumentais das colheitas de água e
tico.”37 Para o fazer com credibili- de plâncton.
dade, e porque a oceanografia se tra-
tava de “um ramo de trabalhos quase O navio destinado pelo Almirantado
inteiramente novo na marinha”38, era para a Missão Hidrográfica já fora,
necessário obter informações e algu- no passado, palco de trabalhos ocea-
ma preparação técnica. Pelo que, o nográficos. Tratava-se de um navio
comando da Missão, por sugestão de com história – nada menos que o iate
Botelho de Sousa, solicitou a colabo- real Amelia (iv), o último em que o
ração do coronel Francisco Afonso rei D. Carlos realizara campanhas
Chaves. Tanto Botelho de Sousa científicas. Depois da implantação da
como Hugo de Lacerda estavam a par República, o navio fora incorporado
dos trabalhos oceanográficos que de- na Armada nacional com a função de
aviso e rebaptizado 5 de Outubro.
36
Em 1910, no seio do ICES fora criada a
Comissão Internacional do Atlântico. durante a campanha do aviso “5 de Outu-
37
Alfredo Botelho de Sousa, “Oceanografia”, bro”, em 1913. Do rio Minho a Espinho,
in Missão Hidrográfica da Costa de Por- Lisboa: Imprensa Nacional, 1915, pp. 63-93.
tugal. Relatório dos trabalhos executados 38
Alfredo Botelho de Sousa, op. cit., p. 63.
Conceição Tavares 443

Esta é uma história que faz pensar nas científicas, transformado agora em
voltas que a vida dá. Afonso Chaves, navio hidrográfico, Afonso Chaves
que tivera com D. Carlos as afini- deu arranque aos trabalhos oceano-
dades electivas do mar e da ciência, gráficos da Missão Hidrográfica da
tornou-se, por via da solicitação de Costa de Portugal, dando orientações
Hugo de Lacerda e de Botelho de e transmitindo conhecimentos que a
Sousa, um transmissor de testemunho sua experiência acumulara, ao longo
– um mediador simbólico – da tradi- de 15 anos de trabalhos. Sempre na
ção oceanográfica nacional. Naquele crista da onda.
que fora o iate real das campanhas
Equipa Editorial
Editorial Team
EDITOR

Ricardo Manuel Madruga da Costa

Doutor em História pela Universidade dos Açores. Bolseiro de pós-doutoramento da Fundação para a
Ciência e a Tecnologia (2006-2012). Investigador Integrado do Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar
da Universidade Nova de Lisboa/Universidade dos Açores e do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso da
Universidade dos Açores. Sócio efectivo do Instituto Histórico da Ilha Terceira. Autor de diversos artigos
científicos publicados em revistas da especialidade e dos livros Açores. Western Islands. Um contributo
para o estudo do Turismo nos Açores (1989), Os Açores em finais do Regime de Capitania-Geral. 1800‑1820
(2005), De New Bedford aos Mares do Sul. Uma viagem da barca «Sea Ranger» com escala pelo Fayal
em 1869 (2008) e A ilha do Faial na logística da frota baleeira Americana no «Século Dabney» (2012).
Presidente do Conselho Geral da Universidade dos Açores entre 2009 e 2014.

EDITORA-ADJUNTA

Magda Costa Carvalho

Licenciada e Doutorada em Filosofia. Exerce funções de Professora Auxiliar no Departamento de História,


Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores, onde leciona diversas disciplinas e módulos na
área da Ética (Éticas Aplicadas e Éticas Profissionais) e da Filosofia para Crianças. As suas principais áreas
de investigação académica são a Ética Ambiental e a Filosofia para Crianças, onde tem publicado. Nos
últimos anos, tem participado em diversos congressos nacionais e estrangeiros, nas suas áreas de respon-
sabilidade.

CONSELHO EDITORIAL

Jorge Alberto da Costa Pereira

Licenciado em História e Ciências Sociais pela Universidade dos Açores. Professor do Quadro de
Nomeação Definitiva da Escola Secundária Manuel de Arriaga. Membro da direção do Núcleo Cultural
da Horta, integrando a Comissão Editorial do boletim desta instituição. Autor de vários artigos científicos
publicados em revistas e do livro Peter-Café Sport. Membro da Comissão Organizadora dos Colóquios
“O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos XV a XX”.
448 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

José Damião Rodrigues

Professor Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi docente da Universidade dos
Açores (1988-2013), onde obteve o doutoramento em História (2001). Investigador associado do Centro
de História de Além-Mar (CHAM), foi o Coordenador das linhas de investigação “As Elites e o império
português” e “Grupos e representações sociais na expansão portuguesa”, Coordenador do Núcleo da
Universidade dos Açores do CHAM e Sub-Director da mesma unidade de investigação. Participou e parti-
cipa em diversos projectos nacionais e estrangeiros (Espanha, França, Brasil); foi membro do Editorial
Board da colecção “European Expansion and Indigenous Response”, publicada pela Brill, e da Comissão
Científica de diversas revistas; e tem artigos e livros publicados e editados em Portugal, Espanha, França e
Brasil. De entre as suas publicações, destacam-se: São Miguel no século XVIII: casa, elites e poder, Ponta
Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 2003, 2 vols.; De Re Publica Hispaniae: Una vindicación de
la cultura política en los reinos ibéricos en la primera modernidad, Madrid, Sílex, 2008 (co-editor, com
Francisco José Aranda Pérez); Histórias Atlânticas. Os Açores na primeira modernidade, Ponta Delgada,
CHAM, 2012; e O Atlântico Revolucionário: circulação de ideias e de elites no final do Antigo Regime,
Ponta Delgada, CHAM, 2012 (coordenador).

Ricardo P. A. Serrão Santos

É Doutor em Biologia e Ecologia Animal, Investigador Principal na Universidade dos Açores, Membro
Correspondente da Academia das Ciências de Lisboa [Classe de Ciências, Secção de Ciências Biológicas]
e Membro Efetivo da Academia de Marinha [Classe de Artes, Ciências e Letras]. Tem-se dedicado ao
estudo da ecologia comportamental e biodiversidade de animais marinhos e conservação de ecossistemas
oceânicos. Tem mais de 200 publicações científicas em revistas e livros internacionais. Em 2002 foi-lhe
atribuído pela WWF o galardão “Gift to the Earth”; em 2007 RSS foi nomeado “Embaixador Marítimo”
pela Comissão Europeia; em 2008 recebeu o Prémio Rotary 2007-2008 no domínio do Ensino e em 2009
foi-lhe atribuído, pelo “Ciência Hoje”, o prémio “Seeds of Science” na categoria de “Ciências da Terra, do
Mar e da Atmosfera”, em 2012 foi condecorado pelo GRA e ALR com a “Insígnia Autonómica de Reconhe-
cimento”. Entre outros cargos que exerceu contam-se Pró-Reitor da UAç, Presidente do IMAR – Instituto
do Mar, Vice-Presidente do European Marine Board. Actualmente é Presidente do EurOcean, membro do
Conselho Científico do Instituto Oceanográfico de Paris/Fundação Alberto I do Mónaco e Comissário para
a Sargasso Sea Alliance. Desde 1 de Julho de 2014 que é Deputado do Parlamento Europeu onde actual-
mente é membro Efectiva da Comissão das Pescas e suplente da Agricultura e Desenvolvimento Rural.
É Vice-Presidente dos Intergrupos “Mudanças Globais, Biodiversidade e Desenevolvimento Sustentável”
e “Mares, Rios, Ilhas e Zonas Costeiros”. Pertence ainda às delegações Interparlamentares com o Canadá,
os Estados Unidos da América e os Países Andinos.

Susana Goulart Costa

Doutorada em História pela Universidade dos Açores. Professora Auxiliar do Departamento de História,
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores. Investigadora integrada do Centro de História de
Além-Mar (CHAM) da Universidade Nova de Lisboa e do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso da Univer-
sidade dos Açores.  Autora de vários artigos científicos da área da História da Igreja e da História Religiosa.
Equipa Editorial 449

No presente, desenvolve estudos na área do Património Cultural e da Museologia. Entre as obras editadas
destacam-se Pico. Séculos XV-XVIII (1997), Viver e morrer religiosamente. Ilha de S. Miguel. Século XVIII
(2007) e Açores. Nove Ilhas, Uma história/Azores. Nine Islands, One History (2008).

Urbano Bettencourt

Doutorado em Estudos Portugueses pela Universidade dos Açores, tem leccionado as disciplinas de Lite-
ratura Portuguesa, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa e Literatura Açoriana, entre outras.
Têm‑lhe merecido particular atenção as literaturas insulares, sobre as quais já proferiu conferências em
Cabo Verde, Madeira, Canárias e Açores. Entre as obras editadas, destacam-se na área da poesia e da narra-
tiva, Raiz de Mágoa (1972); Ilhas (de parceria com Santos Barros, 1976), Marinheiro com residência fixa
(1980); Naufrágios Inscrições (1987); Algumas das Cidades (1995); Lugares, sombras e afectos (2005);
Santo Amaro Sobre o Mar (2005); Antero (2006); Que paisagem apagarás (2010); África frente e verso
(2012), Outros nomes outras guerras–antologia poética (2013) e no ensaio O Gosto das Palavras, 3 vols.
(1983, 1995, 1999); Emigração e Literatura (1989); De Cabo Verde aos Açores – à luz da «Claridade
(1998); Ilhas conforme as circunstâncias (2003).

Vamberto Freitas

Leitor de Língua Inglesa na Universidade dos Açores desde 1991, tendo publicado inúmeros estudos
críticos e ensaios sobre as literaturas norte-americana e açoriana. Autor de vários livros, entre os quais
Jornal de Emigração (4 volumes), O Imaginário dos Escritores Açorianos e A Ilha em Frente: Textos
do Cerco e da Fuga. Tem publicado algumas traduções, principalmente da poesia de Frank X. Gaspar, e
continua a colaborar em vários periódicos com textos de crítica literária e cultural. Como conferencista
e como docente convidado, colaborou em 2008 nos programas do Departamento de Estudos Portu-
gueses e Brasileiros da Brown University. Tem em preparação uma colectânea de ensaios sobre literatura
luso‑americana.
Lista de Autores
Index of Authors
Acílio da Silva Estanqueiro Rocha

Professor Emérito da Universidade do Minho, Catedrático de Filosofia do Departamento de Filosofia


do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho, foi, sucessivamente, Director do
Departamento de Filosofia, Director de Curso da Licenciatura em Relações Internacionais, Vice-Presi-
dente (1990-1994) e Presidente (1994-2000) do Instituto de Letras e Ciências Humanas, e Vice-Reitor da
Universidade do Minho (2002-2009). Para além dos livros Problemática do Estruturalismo: linguagem,
estrutura e conhecimento (1988), Justiça e Direitos Humanos (2001) e Europa, Cidadania e Multicultura-
lismo (2004), é autor de inúmeros trabalhos científicos, designadamente sobre correntes do estruturalismo
e variantes do neo-estruturalismo, ética e filosofia social e política, sobre Europa. http://aciliorocha.wix.
com/rocha

Álvaro Borralho

Doutor em Ciências Sociais, especialidade de Sociologia, pela Universidade dos Açores (2010). Defendeu
Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica em Sociologia, na UAç (2002). Concluiu a parte
lectiva do Mestrado em Ciências Sociais (pós-graduação) no Instituto de Ciências Sociais da Universidade
de Lisboa (1996). Licenciado em Sociologia, pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa
(ISCTE-IUL).
Autor do livro A Sagrada Aliança. Campo religioso e campo político nos Açores (1974-1996), publicado
em 2013 pela editora Mundos Sociais; co-autor do livro A situação das mulheres nos Açores (1999),
com Gilberta Rocha, Octávio Medeiros, Licínio Tomás e Artur Madeira, editado pela Assembleia Legisla-
tiva Regional dos Açores. Foi co-coordenador do estudo Emigrantes deportados nos Açores (2012), com
Gilberta Pavão Nunes Rocha.
É docente da Universidade dos Açores e Investigador do CES, desde 1997. Lecciona Teorias Sociológicas
Clássicas, Temas da Sociedade Contemporânea e Sociologia da Política, em cursos de licenciatura e Polí-
ticas Públicas e Desenvolvimento em cursos de Mestrado (Ciências Sociais e de Sociologia).
Fundador e co-coordenador do Núcleo Regional dos Açores da Associação Portuguesa de Sociologia
(desde 2011).

Anita Budziszewska

Member of the Institute of International Relations – University of Warsaw. Graduated also from the
European Academy of Diplomacy; Postgraduate Studies in International Law at the Faculty of Law and
Administration, University of Warsaw; Postgraduate Studies in Strategic Research and Analysis, Warsaw
School of Economics. Internship at the University of Nottingham. Member of the organisational committee
of the 8th Pan-European Conference on International Relations, Warsaw 2013. Co-coordinator of the EU
grant Leonardo da Vinci, Increase of EU’s economic potential in relations with China. Mobility coordinator
at IIR. anita.budziszewska@uw.edu.pl
454 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

António Teixeira Fernandes

Doutor em Sociologia e Professor Catedrático Jubilado da Universidade do Porto. É investigador do


Instituto de Sociologia – UP. Foi Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Letras e fundador
da licenciatura em Sociologia na Universidade do Porto. Contam-se, na sua produção científica, vários
livros e artigos. Tem coordenado projetos de investigação e é membro de várias associações científicas da
especialidade.

Armando Leandro

Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça Jubilado. Funções atuais: Presidente da Comissão
Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco; Presidente da Comissão de Proteção de Testemunhas
em Processo Penal; Presidente da Direção das Associação Portuguesa para o Direito dos menores e da
Família – CrescerSer; Presidente da Assembleia-Geral da Santa Casa da Misericórdia de Cascais; Presi-
dente do Conselho de Curadores da Fundação Portuguesa Contra a Sida; Presidente da Assembleia-Geral
da Associação «Recomeçar» – reinserção de toxicodependentes.
É membro dos seguintes organismos: Conselho Consultivo da Escola de Criminologia da Faculdade de
Direito da Universidade do Porto; Conselho Consultivo do Instituto da Educação da Universidade do
Minho; Conselho Geral da Faculdade de Psicologia de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
Tem vários artigos publicados nos domínios da promoção e proteção dos direitos da criança, do jovem e da
família, da formação de Magistrados do Ministério Público e de Juízes, e da prevenção primária, secundária
e terciária da droga e toxicodependência.

Avelino de Freitas de Meneses

Professor Catedrático e Reitor da Universidade dos Açores (2003-2011). Doutorado em História Moderna e
Contemporânea. Investigador do Centro de História de Além-Mar das Universidades dos Açores e Nova de
Lisboa de que é Presidente da Assembleia Geral. Secreta´rio regional da Educação e Cultura do Governo
Regional dos Açores.
Além de variada colaboração científica publicada em revistas especializadas e em edições de atas de con-
gressos e colóquios, é autor de diversas obras, destacando-se: Os Açores e o Domínio Filipino (1580-1590)
e Os Açores nas encruzilhadas de Setecentos (1740-1770), editadas, respetivamente, em 1987 e 1993.
Colaborou com a elaboração de alguns capítulos na Nova História da Expansão Portuguesa dedicada à
colonização Atlântica tendo coordenado o volume da Nova História de Portugal sob o título Da Paz da
Restauração ao Ouro do Brasil, edição de 2001. Integrou a direcção científica da História dos Açores.
Do descobrimento ao Século XX, edição de 2009 de que é igualmente autor de diversos capítulos. No ano
de 2011 em edição da Publiçor publicou Antigamente, era assim! Ensaios de história dos Açores e no
ano seguinte, em edição de Letras Lavadas Edições, Coisas de agora. O historiador e a actualidade.

Berta Pimentel Miúdo

Professora Auxiliar do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores,
com Doutoramento em Filosofia, especialidade Filosofia Contemporânea. Tem desenvolvido investigação
Lista de Autores 455

sobre direitos humanos. É membro do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade


de Coimbra – CEIS20. Autora de várias publicações, incluindo o livro Sentidos da Vida e do Mundo em
Ortega y Gasset, capítulos de livros e artigos em revistas de especialidade.

Carlos E. Pacheco Amaral

Professor Associado, com Agregação, do Departamento de História, Filosofia e Ciências Socias da Univer-
sidade dos Açores e Diretor do respetivo curso de licenciatura em Estudos Europeus e Política Interna-
cional. Detentor da Cátedra Jean Monnet da Universidade dos Açores, atribuída pela Comissão Europeia.
É membro do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra – CEIS20.

Catarina Figueiredo Cardoso

Licenciada em Direito tem um mestrado em Ciência Política. É coleccionadora de livros ilustrados, com
bonecos, riscos, fotos, impressões digitais; muitos são eles mesmos bonecos. Acompanha a cena portuguesa
dos livros de artista, fanzines, livros auto-editados e pequenas editoras, formas artísticas que evoluem e se
transformam com as tecnologias directa e indirectamente ligadas ao livro. Coleccionar livros e conhecer os
artistas que os criam conduziram-na a uma reflexão sobre esta forma de arte recente e sua recepção crítica
em Portugal. Reune documentação e bibliografia que lhe permitam analisar a sua evolução em Portugal e a
sua integração nos movimentos internacionais em torno da palavra e do livro, que se desenvolveram a partir
dos anos 1960. Com Isabel Baraona, organizou o número 32 do Journal of Artists’ Books (Outono de 2012),
dedicado ao livro de artista em Portugal. Com Isabel Baraona, é editora de Tipo.pt, uma base de dados sobre
livros de artista e edições gráficas de autor. Vive e trabalha em Lisboa.

Clarisse Canha

Nascida em 1947, na Madeira, Funchal, vive nos Açores, ilha de São Miguel, desde 1980. Possui o 9.º ano
de escolaridade e formação em diferentes áreas, adquirida ao longo da vida e da ação prática. Desenvolve
trabalho profissional desde os 16 anos. É atualmente reformada, da função pública. Ativista em diferentes
campos sociais. Feminista empenhada em movimentos sociais particularmente dos direitos das mulheres
e LGBT. Fundadora da UMAR e UMAR-Açores, de cuja direção faz parte e na qual desenvolve ativismo
e voluntariado.

Conceição Tavares

Doutoranda em História das Ciências na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e membro do


Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT). Foi professora do ensino
básico e secundário entre 1976 e 1979 e jornalista profissional na RTP-Açores entre 1979 e 1996. Cola-
borou em projectos do Departamento de História e Ciências Sociais da Universidade dos Açores e desem-
penhou funções administrativas na Fundação para a Ciência e a Tecnologia em Ponta Delgada (2000-2003)
e em Lisboa (2003-2005). Concluiu o Mestrado em História e Filosofia das Ciências em Janeiro de 2008
456 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

com a dissertação Viagens e diálogos epistolares na construção científica do mundo atlântico. Albert I
do Mónaco (1848-1922), Afonso Chaves (1857-1926) e a Meteorologia nos Açores. Tem este e outros
trabalhos publicados. Em 2010 foi comissária da Exposição Ilhas & História Natural, uma iniciativa da
Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada e do Museu Carlos Machado, patrocinada pela
DRaC do Governo Regional dos Açores. Em 2014 integrou a equipa do Museu de História Natural e da
Ciência da Universidade de Lisboa, que inventariou, estudou e tornou acessível o espólio do naturalista
açoriano Francisco de Arruda Furtado.

Fernando José de La Vieter Ribeiro Nobre

Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Professor da Faculdade de
Medicina da Universidade de Lisboa, regente da cátedra “Medicina Humanitária”, e Académico Corres-
pondente da Academia Internacional de Cultura Portuguesa.
Foi administrador dos Médicos Sem Fronteiras - Bélgica e fundou, em Portugal, a AMI – Assistência Médica
Internacional, à qual ainda preside. Participou como cirurgião em mais de duzentas e cinquenta missões de
estudo, coordenação e assistência médica humanitária em mais de setenta países de todos os continentes.
Foi membro do Conselho Geral da Universidade de Lisboa e do Conselho Geral da Universidade da Beira
Interior. Foi Professor Convidado dos cursos de Mestrado e Pós-Graduação na Universidade Autónoma
de Lisboa e no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna e conferencista no Instituto de
Estudos Superiores Militares.

George Monteiro

Professor Jubilado dos Departamentos de Inglês e de Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade de


Brown, é autor de mais de duas dezenas de livros de ensaios e de edições críticas, bem como de seis livros
de traduções. Publicou também centenas de ensaios sobre autores americanos como Herman Melville,
Hemingway, Robert Frost, Emily Dickinson, Stephen Crane, Nathaniel Hawthorne, Henry Wadswarth
Longfellow, Henry James e Elizabeth Bishop, e sobre autores portugueses, entre os quais Fernando Pessoa,
Jorge de Sena, José Rodrigues Miguéis e Miguel Torga.

Hélio Soares

Nasceu na Vila das Velas, ilha de S. Jorge, a 14 de Junho de 1984. Estudou na escola primária da locali-
dade de Santo António, freguesia de Norte Grande, e na Escola Básica e Secundária de Velas. Ingressou
no Seminário Episcopal de Angra em Setembro de 2003. Foi ordenado diácono na Sé Catedral de Angra a
25 de Janeiro de 2009. Sendo ordenado presbítero a 25 de julho de 2009, na Paróquia de S. Mateus da
Urzelina, em S. Jorge. De setembro de 2009 a agosto de 2013 foi Pároco da ilha do Corvo.
A 24 de agosto de 2013 tomou posse como Pároco da Vila das Capelas e da freguesia de S. Vicente Ferreira
na ilha de S Miguel.
É licenciado em História pela Universidade dos Açores. Sendo a partir desta academia científica que tem
desenvolvido diversos estudos históricos, alguns dos quais já publicados em revistas científicas da área.
Lista de Autores 457

Isabel Soares de Albergaria

Nasceu em Ponta Delgada, a 1 de Junho de 1965. É atualmente Professora Auxiliar da Universidade dos
Açores, docente nos cursos de Arquitectura, Turismo e Património Cultural da Universidade dos Açores, e
no mestrado de Património, Museologia e Desenvolvimento da mesma Universidade. É membro integrada
do CHAM (Centro de História de Além Mar – FCSH/Universidade dos Açores), além de colaboradora do
ICIST (IST-UTL) e do CITAR (Universidade Católica do Porto). É ainda membro não votante do ICOMOS
(UNESCO) para o painel Paisagens Culturais.
Licenciada em História-variante de História da Arte pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa (1988), mestre em História da Arte pela mesma Universidade (1996), tendo
defendido dissertação com o tema: Quintas, Jardins e Parques da Ilha de São Miguel: 1785-1885 e dou-
torada em Arquitectura (IST-UTL, 2012), tendo defendido a dissertação intitulada «A Casa Nobre na ilha
de São Miguel: do período filipino ao final do Antigo Regime».
Desde 1988 tem dedicado especial atenção às questões do património paisagístico e arquitectónico tendo
nesse âmbito diversa obra publicada.
Entre as obras editadas destacam-se Quintas, Jardins e Parques da Ilha de São Miguel: 1785-1885. Lisboa:
Quetzal Editores, 2000; Jardins e Espaços Verdes dos Açores. Ponta Delgada: ATA, 2012; Açores em Vista
Aérea/ Azores in Aereal View (em co-autoria com o Arq. Rui Monteiro). Lisboa: Argumentum, 2008, além
da participação em obras coletivas, artigos em publicações de divulgação científica e em atas de congressos
científicos nacionais e internacionais.

João Paulo Alvão Serra de Medeiros Constância

Museólogo. Técnico Superior do Museu Carlos Machado, Conservador da Coleção de História Natural.
Licenciado em Biologia, ramo científico, pela Universidade do Porto e pós-graduado em Museologia pela
Universidade Lusófona. Formador na área da Biologia e da Museologia. Vice-presidente da Direção do
Instituto Cultural de Ponta Delgada. Membro da Direção Sociedade Afonso Chaves – Associação de Estudos
Açorianos. Diretor Executivo do Expolab – Centro de Ciência Viva. Membro da Comissão Diocesana
dos Bens Culturais da Igreja (Diocese de Angra). Foi docente convidado da Universidade dos Açores, na
licenciatura de Património Cultural. Foi coordenador do Projeto de Documentação Museológica da Rede
de Museus da Direção Regional da Cultura. Fez parte da comissão científica do Museu Vivo do Francisca-
nismo (Ribeira Grande).

José Miguel Sardica

Licenciado e mestre em História pela Universidade Nova de Lisboa, tendo ingressado na Faculdade de
Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa em 1994. Completou o Doutoramento em História
na UCP em 2003, sendo, presentemente, Professor Associado com Agregação e, desde 2012, Diretor da
Faculdade de Ciências Humanas.
As suas áreas de investigação e docência são a história portuguesa e internacional dos séculos XIX e XX,
nos campos político, institucional, cultural, social, intelectual e de comunicação/jornalismo. É autor de
cerca de 70 capítulos de livros e artigos em obras coletivas, revistas académicas e volumes de Atas, nacio-
nais e internacionais. Escreveu 11 livros sobre diferentes temas e épocas da história portuguesa contem-
porânea, e co-editou outros 6 livros.
458 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

É investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC) da Faculdade de Ciências


Humanas e consultor do Centro de Estudos de História Religiosa, ambos da Universidade Católica Portu-
guesa. Colaborou também em projetos de investigação do Instituto de Ciências Sociais da Universidade
de Lisboa. É colunista e comentador da Rádio Renascença e tem presença regular em programas de rádio e
televisão, em comentário histórico ou de atualidade política e cultural.
A sua Tese de Doutoramento, intitulada Um Homem para todas as Causas. Biografia do Duque de Ávila
e Bolama, recebeu a Menção Honrosa do Júri do Prémio de História Contemporânea «Víctor de Sá», da
Universidade do Minho, em 2004, e a sua Dissertação de Mestrado, intitulada A Regeneração sob o signo
do Consenso. A política e os partidos entre 1851 e 1861, foi galardoada com o Prémio de História da
Academia das Ciências de Lisboa, em 2002. Em 2011, recebeu o Prémio de Defesa Nacional do Ministério
da Defesa e da Comissão Portuguesa de História Militar pelo seu livro A Europa Napoleónica e Portugal.
Messianismo Revolucionário, Política, Guerra e Opinião Pública (Lisboa, Tribuna da História, 2011).

Miguel Armada de Menezes Coelho

Nasceu em Lisboa em 25 de Novembro de 1966. Licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da


Universidade de Lisboa, em 1990. Iniciou funções na Provedoria de Justiça, em 1993, como assessor do
gabinete do Provedor de Justiça especialista em assuntos do Ambiente e, a partir de 1995, foi assessor na
área incumbida de tratar de processo relativos, entre outros assuntos, a Ambiente e Urbanismo. Desde 1997
e até 2004, foi o assessor responsável pela Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos
Açores. Em 2004, passou a responsável pela Unidade de Projeto, que tratava dos assuntos relativos a crianças,
idosos, deficientes e mulheres, coordenando igualmente o funcionamento das linhas telefónicas do Provedor
de Justiça direcionadas para a criança e para os idosos. Desde maio de 2008, desempenha funções de coorde-
nador da área que faz a instrução dos processos relativos ao Direito à Justiça e à Segurança. Coordena igual-
mente o funcionamento do N-CID (Núcleo da Criança, do Idoso e da Pessoa com Deficiência).

Ricardo Manuel Madruga da Costa

Doutor em História pela Universidade dos Açores. Bolseiro de pós-doutoramento da Fundação para a
Ciência e a Tecnologia (2006-2012). Investigador Integrado do Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar
da Universidade Nova de Lisboa/Universidade dos Açores e do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso da
Universidade dos Açores. Sócio efectivo do Instituto Histórico da Ilha Terceira. Autor de diversos artigos
científicos publicados em revistas da especialidade e dos livros Açores. Western Islands. Um contri-
buto para o estudo do Turismo nos Açores (1989), Os Açores em finais do Regime de Capitania-Geral.
1800‑1820 (2005), De New Bedford aos Mares do Sul. Uma viagem da barca «Sea Ranger» com escala
pelo Fayal em 1869 (2008) e A ilha do Faial na logística da frota baleeira Americana no «Século Dabney»,
(2012). Presidente do Conselho Geral da Universidade dos Açores entre 2009 e 2014.

Sandra Furtado

Natural de São Miguel – Ajuda da Bretanha. Licenciada em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Foi
formadora em escolas profissionais em Centros de Formação de Professores. Socióloga no Centro de Apoio
Lista de Autores 459

à Mulher de Ponta Delgada. Técnica de orientação ocupacional na área da saúde mental – Consultório
Infinito. Foi membro fundador e/ou dirigente das associações Centro de Apoio à Mulher de Ponta Delgada,
Norte Crescente - ADL e ANCORAR – Associação para a Promoção da Saúde Mental.

Viriato Soromenho-Marques

Professor catedrático de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e membro do


Centro de Filosofia da U.L., lecionando nos cursos de Filosofia e de Estudos Europeus. É membro cor-
respondente da Academia das Ciências de Lisboa, e da Academia da Marinha. Integra, desde 2013, o
Conselho Geral da Universidade da Madeira. Foi membro do Conselho de Imprensa (1985-1987); Presi-
dente nacional da Quercus ANCN (1992-1995); integrou o Conselho Económico e Social (1992-1996).
Exerceu as funções de Vice-Presidente da Rede Europeia de Conselhos do Ambiente e do Desenvolvimento
Sustentável (EEAC), entre 2001 e 2006. É membro do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvi-
mento Sustentável (CNADS); foi coordenador científico do Programa Gulbenkian Ambiente (2007-2011);
foi membro do High Level on Energy and Climate Change do Presidente da Comissão Europeia (2007‑2010).
Integra o Júri do Prémio Pessoa desde a edição de 2012. Recebeu o Prémio Quercus, na edição de 2011, e
o Prémio Personalidade de 2014, pela Fundação Portuguesa do Pulmão. Autor de mais de quatro centenas
de obras (entre as quais vinte livros) sobre temas filosóficos, ambientais e estratégicos. Proferiu e/ou
coordenou mais de mil conferências, seminários, e cursos em vinte e três países. Tem colaboração regular
na imprensa escrita e audiovisual. www.viriatosoromenho-marques.com

Vladimir Safatle

Professor de filosofia da Universidade de São Paulo. Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris VIII,
Professor Convidado das Universidades de Louvain, Toulouse e Paris VII. Autor de O circuito dos afetos
(Cosac e Naif, 2015), Grande Hotel Abismo: Para uma reconstrução da teoria do reconhecimento (Martins
Fontes, 2012), A esquerda que não teme dizer seu nome (Três Estrelas, 2012), Fetichismo: colonizar o
Outro (Civilização Brasileira, 2010), Cinismo e falência da crítica (Boitempo, 2008), entre outros.

Urbano Bettencourt

Doutorado em Estudos Portugueses pela Universidade dos Açores, onde leccionou as disciplinas de
Literatura Portuguesa, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa e Literatura Açoriana até ao final do
ano lectivo de 2013-2014. Têm-lhe merecido particular atenção as literaturas insulares, sobre as quais já
proferiu conferências em Cabo Verde, Madeira, Canárias e Açores. Entre as obras editadas, destacam‑se
na área da poesia e da narrativa, Raiz de Mágoa (1972); Ilhas (de parceria com Santos Barros, 1976),
Marinheiro com residência fixa (1980); Naufrágios Inscrições (1987); Algumas das Cidades (1995);
Lugares, sombras e afectos (2005); Santo Amaro Sobre o Mar (2005); Antero (2006); Que paisagem
apagarás (2010); África frente e verso (2012), Outros nomes outras guerras – antologia poética (2013)
e no ensaio: O Gosto das Palavras, 3 vols. (1983, 1995, 1999); Emigração e Literatura (1989); De Cabo
Verde aos Açores – à luz da «Claridade (1998); Ilhas conforme as circunstâncias 2003).
É actualmente investigador do Cierl-UMa, Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais-Univer-
sidade da Madeira, Funchal. Lecciona na Escola Secundária Antero de Quental, Ponta Delgada.
Notas editoriais Editorial notes

Objectivos Aims and Scope


Os objectivos do Boletim do Núcleo Cultural Boletim do Núcleo Cultural da Horta is
da Horta correspondem aos próprios objecti- a journal aimed to meet the objectives of
vos estatutários do Núcleo Cultural da Horta, Núcleo Cultural da Horta as advertised in
em destaque na informação que consta no the front cover flap, such as: to promote his-
verso da capa de todas as edições, assumindo- torical, ethnographic, linguistic and scientific
‑se, assim, como instrumento difusor de cul- studies connected with the Azores; to promote
tura no sentido mais amplo do termo. Privi- the publishing of works related with the areas
legiar-se-ão, naturalmente, temáticas associa- of knowledge mentioned above; to promote
das ao arquipélago dos Açores contemplando and support other related activities compat-
as mais diversas vertentes do saber. ible with these objectives.

Estrutura e Periodicidade Structure and Calendar


O boletim tem um carácter anual e a divul- The Boletim do Núcleo Cultural da Horta
gação de cada edição terá lugar no mês de is a yearly peer-reviewed publication and
Outubro em sessão pública promovida para o each number will be released in the month of
efeito. October in a public event organized for the
purpose.
Cada edição contemplará um tema previa- The main section of each number will focus
mente publicitado na edição do ano prece- on a specific subject previously advertised
dente, a desenvolver em trabalhos elaborados and will include works of qualified specialists
por especialistas de mérito reconhecido nas according to editor’s invitation.
respectivas áreas, mediante convite formula- A second section accepts research papers and
do pelo editor do boletim. Um segundo bloco review articles (not more than 10 pages in
de artigos, em princípio de menor extensão, A4 format). A book reviews will follow, also
incidindo sobre matérias diversificadas, by invitation (not more than 4 pages in A4
incluirá colaboração submetida ao editor do format), and priority will be granted to recent
boletim para publicação. Segue-se um espa- books of Azorean authors and/or Azorean
ço destinado à recensão de livros de temática thematic.
açoriana ou de autores açorianos, editados no
ano anterior ao da data do boletim.
Embora os artigos sejam da responsabilidade Neither the editor nor the publisher accepts
dos autores, o editor pode submeter o seu con- responsibility for the views of authors
teúdo à análise prévia da Comissão Editorial expressed in their contributions.
ou a avaliadores anónimos.
462 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

Norma Editorial Information for Authors


Todos os trabalhos a publicar, em qualquer Manuscripts submitted for publication, may
uma das secções em que o boletim se orga- not be offered to any other journal for prior
niza, serão originais e terão um carácter publication. Submission will be made until
inédito e deverão ser entregues ao editor até the last day of December of the year previous
ao último dia útil do mês de Dezembro do ano to the year of the issue. Preferred submission
anterior ao da edição a que se destinam. is by e-mail.
A sua elaboração em formato A4, obedecerá All submissions must be prepared according
a processamento em Word a um espaço, tipo to the following style: Each manuscript will
Times New Roman e corpo 12. A apresentação be in A4 format, Word processing and Times
em moldes diversos pode ser previamente New Roman type, size 12.
acertada com o editor.
A primeira página de cada artigo incluirá sem- The title page (except book reviews) should
pre: «Título»; «Autor»; «Referência biblio- include the title of the paper followed by the
gráfica [autor ou autores (data), título. Boletim author (s)’s name, both in capital letters. Each
do Núcleo Cultural da Horta, número do volu- article should have a summary or abstract
me: página inicial-página final]»; «Sumário»; stating in a concise way the goals and conclu-
«Summary»; «Nome do autor, identificação sions. Five key-words pertinent to the central
da instituição a que pertence e endereço da theme will follow. The main text must begin
mesma e e-mail»; «Palavras-chave»; «Key- with an Introduction and finishes with a list
words». Segue-se o desenvolvimento do of Literature cited. Acknowledgements
trabalho, preferencialmente precedido de uma come before literature cited. Footnotes should
Introdução adoptando-se, sempre que pos- be avoided and the use of acronyms in the
sível, a inserção de subtítulos. A bibliografia, text are not encouraged unless necessary. The
organizada por ordem alfabética do apelido reference list must be arranged in alphabeti-
e cronologicamente para cada autor, encerra cal and chronological order for one author or
o trabalho. As obras de um mesmo autor more than two authors; in alphabetical order
editadas no mesmo ano, distinguir-se-ão pela by surname of the second author in case of
aposição das letras a, b, c, etc. two authors. For books the references must
Havendo lugar a Agradecimentos, estes include the city of publication and the pub-
virão antes da bibliografia. lisher. Journal titles should be given in full.
Não obstante o uso preferencial da língua Besides Portuguese, English and French are
portuguesa, serão aceites artigos em francês e languages accepted for publication in which
inglês, casos em que deverá incluir-se sumá- case abstracts and key-words in Portuguese
rio em português, bem como a indicação de must be included.
palavras-chave na mesma língua.
A bibliografia deverá ser cotada no próprio References in the text, refer to author (s) sur-
texto usando o apelido do ou dos autores, name (s) in capital letters and year of publi-
como por exemplo: Silva (2007), (Silva, cation: Silva (2007), (Silva, 2007) or Silva
2007) ou Silva (2007: 100). A indicação de (2007:100). For double authorship: (Silva &
vários autores será feita do seguinte modo: Dias (2007), (Silva & Dias, 2007). When
Silva & Dias (2007), (Silva & Dias, 2007). there are more than two authors, give the first
Boletim do Núcleo Cultural da Horta 463

A indicação de mais de três autores faz-se author surname followed by et al. (Silva et
pela indicação do apelido do primeiro, acres- al. (2007) or (Silva ed al., 2007).
centando et al. como se indica: Silva et al.
(2001) ou (Silva et al., 2001).

A natureza não lucrativa do Núcleo Cultural Each author will receive a free copy of the
da Horta e o indispensável recurso ao apoio issue in which their item is published together
prestado por entidades oficiais e privadas with thirty off prints.
para o financiamento das suas actividades,
têm merecido a compreensão dos autores no
sentido da sua disponibilidade para uma cola-
boração graciosa. Assim, o reconhecimento
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