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Documentos

de Nossa Época N.° 16

FRITZ THYSSEN

EU FINANCIEI HITLER

Tradução de

ÉRICO VERÍSSIMO

Edição da Livraria do Globo

Porto Alegre


Este livro apareceu originalmente em língua inglesa, nos Estados Unidos, sob o
título de

I PAID HITLER

tendo sido antes publicado seriadamente no "Liberty Magazine”.

César Saerchinger verteu para o inglês os originais de Fritz Thyssen.

A presente tradução brasileira foi feita diretamente da versão norte-americana.

COPYRIGHT, 1941, BY COOPERATION PUBLISHING CO. INC.

Direitos para publicação em livro no Brasil e Portugal adquiridos pela

LIVRARIA DO GLOBO DE PORTO ALEGRE

EDIÇÃO N.° 1378 A

1942

OF. GRÁF. DA LIVRARIA DO GLOBO — BARCELLOS, BERTASO & CIA.


PORTO ALEGRE

FILIAIS: SANTA MARIA, PELOTAS, RIO GRANDE E RIO DE JANEIRO


A HISTÓRIA DESTE LIVRO

ESTE extraordinário livro tem uma história extraordinária, que merece ser
contada.

Quando, ao romper da guerra em setembro de 1939, Fritz Thyssen, o grande


industrialista alemão, fugiu da Alemanha para a Suíça, quase todos os jornais,
revistas, sindicatos e editores do mundo tentaram obter suas memórias, ou pelo
menos a narrativa verdadeira de sua ruptura com Hitler e de sua fuga da
Alemanha nazista.

A história do homem que foi a maior força industrial do Reich; do ardente


nacionalista alemão, que organizou a resistência passiva do Ruhr em 1923; a
história do grande capitalista alemão que durante mais de quinze anos amparou
Hitler e financiou seu movimento — ajudando os nazis a subir ao poder, porque
acreditava que eles pudessem salvar a pátria do bolchevismo — é na verdade um
dos mais estranhos dramas da presente crise mundial.

Nessa grande competição entre os editores para conseguir as memórias de


Thyssen, eu também tomei parte. E aconteceu que saí vencedor. Eu gostaria de
contar em poucas palavras o como e o porquê.

Durante estes dez últimos anos dirigi, em Paris, um sindicato jornalístico


internacional chamado Cooperação. O programa dessa organização era unir os
principais estadistas internacionais e publicar suas opiniões sobre os assuntos
mundiais. Meus primeiros colaboradores foram Lord Cecil, Sir Austen
Chamberlain, Arthur Henderson, Paul Painlevé, Louis Loucheur, Henri de
Jouvenel e alguns outros. Como a organização crescesse nos anos que
precederam a guerra, conseguiu ela uma posição de quase monopólio no que
dizia respeito à propriedade dos direitos autorais exclusivos para todo o mundo
sobre os artigos firmados por uma centena de estadistas importantes tais como
Winston Churchill, Anthony Eden, Alfred Duff Cooper, Lord Samuel, Léon
Blum, P. E. Plandin, Yvon Delbos e muitos outros da Inglaterra, da França, da
Espanha, da Bélgica, da Escandinávia e dos Bálcãs. Esses artigos, distribuídos
quase diariamente, foram publicados através do mundo inteiro nuns quatrocentos
jornais, em cerca de setenta países.

Tentei apresentar todos os pontos de vista em conflito na Europa e muitas vezes


publiquei também artigos do porta-voz fascista, Virgínio Gayda. Nunca, porém,
divulguei artigos nazistas. De fato, à medida que a crise aumentava, a política de
minha organização se tornava cada vez mais abertamente antinazista até que a
Cooperation ficou sendo provavelmente a única organização de seu gênero que
combatia a influência nazi e a máquina de Goebbels no continente Europeu.
Minhas publicações devem ter produzido algum efeito, porque um dia recebi do
próprio Hitler um grande tributo: no seu primeiro discurso em Saarbrücken,
depois do acordo de Munich, o Führer berrou histericamente — “essa
propaganda de Churchill, Eden e Duff Cooper precisa cessar. ..”

Sou obrigado a mencionar isso porque, neste caso particular das memórias de
Thyssen, terei de fazer algumas declarações que só poderão ser confirmadas pela
minha situação anterior.

Quando Thyssen chegou a Locarno, não estava em condições de atender a


nenhum pedido de publicação de seus documentos e confissões porque tinha
prometido ao governo suíço, sob palavra de honra, que, enquanto residisse na
Suíça, havia de abster-se de fazer qualquer declaração pública verbal ou escrita.
Assim, achei que não valia a pena procurá-lo pessoalmente. Tentei, portanto,
aproximar-me dele através de vários amigos. Não recebi o menor encorajamento.
Em março de 1940, Thyssen foi da Suíça para Bruxelas em visita à sua mãe
moribunda; fiquei depois sabendo que de Bruxelas ele iria para Paris.

A 3 de abril, recebi em meu escritório de Paris um chamado telefônico do


Sunday Express de Londres e do Paris Soir, jornais com os quais, havia muito,
eu mantinha relações comerciais. Contavam-me que tinham estado a fazer o
possível para obter a história de Herr Thyssen, mas que não conseguiam
aproximar- se dele. Queriam saber se eu os podia auxiliar.

Fui imediatamente procurar M. Paul Reynaud, que era então Ministro dos
Negócios Exteriores, bem como Premier. Expliquei-lhe a importância política da
publicação das memórias de Thyssen e ele concordou enfaticamente comigo. O
problema era descobrir um modo de persuadir Thyssen a escrever e publicar suas
confissões sem mais delongas. Contei a M. Reynaud que conhecia o homem que
me podia apresentar a Thyssen, e que provavelmente conseguiria também
persuadi-lo a me confiar a publicação de suas memórias. Infelizmente esse
amigo de Thyssen achava-se em Londres e era muitíssimo difícil, em vista da
censura existente e da proibição dos chamados telefônicos internacionais, fazer
que ambos se pusessem em comunicação. M. Reynaud deu instruções a um de
seus attachés para que me auxiliasse, permitindo-me usar a linha telefônica do
Quai d’Orsay para o Edifício da Embaixada Francesa de Londres.

Passei um dia dramático e quase uma noite inteira na sala do attaché, no Quai
D’Orsay. Deixei o gabinete de M. Reynaud mais ou menos ao mesmo tempo em
que o expresso Paris-Bruxelas, no qual Thyssen viajava, partia dessa última
cidade. Como não sabíamos onde Thyssen se hospedava em Paris, a Süreté foi
encarregada de nos dar conta de todos os seus movimentos. Recebíamos
mensagens mais ou menos de meia em meia- hora. “Thyssen cruzou a
fronteira...” “Thyssen passou por St. Quentin...” “Thyssen chegou à Gare du
Nord ...” ... e finalmente: “M. e Mme. Thyssen chegaram ao Crillon Hotel...”

Tentei imediatamente arranjar uma comunicação telefônica entre Thyssen e


nosso amigo comum em Londres, mas levamos quase vinte e quatro horas para
conseguir isso. Finalmente puseram-se ambos ao telefone, conversando durante
cerca de meia-hora sem a interferência da censura na linha oficial do Ministério
das Relações Exteriores da França. No dia seguinte recebi um bilhete de Herr
Thyssen pedindo-me para ir vê-lo no Crillon.

Nosso primeiro encontro foi muito cordial e durou quase duas horas. Declarou-
me ele que estava preparado a publicar imediatamente as cartas que endereçara a
Hitler, Göring e às outras autoridades, depois de sua ruptura com os nazis, e nas
quais explicava a razão por que deixara a Alemanha. De fato, já mandara até
cópias dessas cartas a um amigo da América, para que ele as publicasse.
Acrescentou que gostaria de ver as cartas divulgadas também na Inglaterra, na
França e em tantos países mais quanto fosse possível, mas que no momento não
queria fazer novas declarações.

Enquanto Thyssen permaneceu em Paris, estive com ele todos os dias. Perguntei-
lhe um dia a queima roupa: “Quer ajudar-nos a destruir Hitler ou não?” Quando
sua resposta foi um “Sim” incondicional, procurei fazê-lo concordar comigo em
que as coisas que ele tinha a dizer, os documentos e o material que tinha em seu
poder deviam ser publicados durante a guerra e não depois dela, se quiséssemos
que eles produzissem efeito. Depois da terceira ou quarta conversação, Thyssen
veio a compreender que em meio de uma guerra contra o hitlerismo de nada nos
servia possuir armas poderosas se não usássemos delas imediatamente.

Uma vez decidido a escrever suas memórias, Thyssen mostrou-se ansiosíssimo


por atirar-se a elas com a maior rapidez possível. Quis que suas cartas fossem
publicadas sem demora, mesmo antes de ele completar o livro. Essas cartas
apareceram nos Estados Unidos no Life Magazine de 29 de abril de 1940.
Simultaneamente foram publicadas em Londres no Sunday Express e na França
no Paris Soir.

Thyssen estava ansioso por reaver alguns documentos seus que depositara na
caixa-forte de um banco de Lucerna, Suíça. Discuti o assunto no Quai D’Orsay e
eles se prontificaram a mandar um correio diplomático especial afim de trazer
esses papéis para a França. Depois da estada de uma semana em Paris, M. e
Mme. Thyssen embarcaram para Monte Carlo. Os documentos chegaram da
Suíça quatro dias mais tarde, e eu desci à Riviera com um de meus
colaboradores, que devia ajudar Thyssen a preparar o livro, e com um secretário.
Thyssen estava hospedado no Hotel de Paris, em Monte Carlo. Coloquei meu
colaborador junto dele, no Beau Rivage Hotel, e para iludir a atenção de
inúmeros espiões italianos, que então se achavam naquela zona, fui parar dez
milhas longe no Grand Hotel de Cap Ferrat, que é um dos lugares mais
tranquilos e o ponto mais encantador da Riviera. Havia poucos hóspedes no
hotel, e entre eles sir Nevile Henderson, antigo Embaixador Britânico na
Alemanha, o qual por aquela época recém havia terminado de escrever seu livro
sobre o fracasso de sua missão em Berlim. Perto do hotel ficava a vila do antigo
Premier Flandin, que muitas vezes tive ocasião de avistar, durante minha estada
em Cap Ferrat. Andava ele muito interessado em saber a razão por que Thyssen
ficara tão inimigo de Hitler.

Passei cerca de três semanas na Riviera, trabalhando com Thyssen dia e noite.
Habitualmente ele começava a trabalhar às nove e meia da manhã e ditava sem
interrupção durante três horas. Ditava com rapidez e fluência, quase sempre em
alemão e às vezes em francês, saltando dum assunto para outro, dando a
impressão de um homem que está cheio, a ponto de explodir, de coisas a contar e
que não sabe como se desembaraçar delas da maneira mais rápida. À uma hora
nós de ordinário íamos almoçar juntos, continuando o trabalho em discussões
prolongadas. O ditado da manhã era datilografado à tarde e submetido à sua
revisão à noite. Thyssen corrigia todas as páginas com a maior meticulosidade,
duas ou três vezes, até que finalmente aprovava os capítulos um por um.
Durante nossa colaboração em Monte Cario, Thyssen me causou uma impressão
inesperada. Era a primeira vez que eu via Thyssen, mas o homem revelou-se
exatamente o oposto do tipo que se podia imaginar para o rei do aço, principal
fabricante de armamentos e financiador do nazismo. Era um cavalheiro idoso e
encantador, de ordinário cheio de espírito, e dotado de um perfeito “sense of
humour”. Gostava da boa mesa e dos melhores vinhos, e nossos almoços
raramente duravam menos de três horas. Levei-o aos famosos restaurantes da
Riviera — ao “Château Madrid” no alto das montanhas, ao “Bonne Aiuberge”,
perto de Antibes, ao “Colombe d’Or” no romântico St. Paul, e a todos os outros
lugares da mais alta cultura gastronômica. Durante esses almoços Thyssen
contava história sobre história, algumas delas incríveis. Nenhum dos chefes
nazis e muito poucos de seus colegas de indústria escapavam a suas observações
agudamente maliciosas. Contou-me dúzias de histórias em torno das vidas
privadas dos lideres alemães, histórias essas que infelizmente não podem ser
reproduzidas neste livro.

Quando falava dos problemas sérios e de suas experiências, ele interrompia seu
monólogo quase todos os dias, batendo com o punho na testa e exclamando para
si mesmo “Ein Dummkopf war ich...! Ein Dummkopf war ich...! (Que tolo eu
fui...! Que tolo eu fui...!) Reafirmava então a esperança de que seu livro fosse
publicado rapidamente na América. “Eu gostaria contar minhas experiências aos
industrialistas americanos”. Era esta uma frase que Thyssen muitas vezes
pronunciava.

Fiquei com a impressão clara de que seu sentimento contra Hitler não era só
sincero, mas apaixonadamente sincero. Thyssen respondeu a todas as perguntas
que eu lhe formulei e contou tudo quanto sabia — com uma exceção. Não quis
me dizer a quantia exata que havia dado aos nazis, embora me declarasse que
tinha guardado em um lugar seguro os recibos de todo o dinheiro que entregara
ao partido. Eu estava um tanto ansioso para conseguir uma cópia fotostática
desses recibos, afim de ilustrar o livro. Mas Thyssen não me quis dizer onde tais
documentos se encontravam.

A 10 de maio, às 8 da manhã, abri o rádio e ouvi a voz do Ministro da


Informação da França, M. Frossard, anunciando que pela madrugada o exército
alemão havia atravessado as fronteiras da Holanda, da Bélgica o do
Luxemburgo, e que a guerra na frente ocidental tinha começado. Às 10 A. M. eu
trouxe a notícia a Thyssen. Sua reação foi muito peculiar. Ficou pálido e
simplesmente não quis acreditar. Disse saber que o Estado-Maior alemão sempre
fora contra um ataque ao ocidente, e a única razão que podia oferecer para
explicá-lo era a de que, por meio desse movimento, o Alto Comando do exército,
queria livrar-se dos nazis, levando-os a uma derrota certa. Disse ser sabedor das
cifras exatas da produção da indústria pesada alemã, da escassez de certas
matérias primas, e da má qualidade do aço empregado em algumas divisões
blindadas. Acrescentou que não era possível que a Alemanha vencesse aquela
guerra. Nunca consegui compreender se a explicação do surpreendente êxito
alemão estava na extraordinária fraqueza do exército francês ou na enorme
eficiência dos fazedores de guerra nazistas, que tinham conseguido esconder até
do presidente do Trust Alemão do Aço o que eles estavam realmente
produzindo.

Lá por fins de maio estávamos com a obra quase terminada. Mais de metade do
livro estava completa, corrigida e aprovada por Thyssen, pronta para a
publicação. Os capítulos restantes tinham sido todos ditados, mas antes dos
cortes e modificações finais, era necessário verificar a correção de datas e fatos,
coisa que não podia ser feita em Monte Carlo. Assim, tornei a Paris com a
intenção de estar de volta a Monte Carlo lá por princípios de junho, afim de
aprontar o livro para imediata publicação.

Ao chegar a Paris, o exército alemão já tinha aberto passagem por Sedan. O que
aconteceu durante os dias seguintes e o que foi a vida em Paris nesse período,
toda a gente sabe. A situação de hora em hora tornava-se mais perigosa, e eu não
podia pensar em deixar meu escritório para nova viagem a Monte Carlo sem
saber se o exército alemão seria ou não detido em alguma parte, ou se devíamos
fugir de Paris.

Deixei essa capital a 11 de junho, à noite, de automóvel, e depois de uma incrível


viagem de quatorze horas, sob condições que já foram descritas em tantos livros,
cheguei a Tours. Consegui levar comigo apenas umas poucas coisas de uso
pessoal, mas tinha em meu poder o manuscrito de Thyssen. Dois dias mais tarde
estava eu de novo na estrada, rumo de Bordeaux, e, depois da capitulação da
França, um destróier britânico me levou para o mar, onde fui transferido para um
navio de carga, também inglês, que me levou à Inglaterra. Deixei meu carro, e a
maioria das coisas que pudera trazer de Paris, no porto de Bordeaux, mas
consegui salvar o manuscrito.

Depois de minha chegada a Londres, amigos políticos, jornais e editores


insistiram para que eu publicasse o livro de Thyssen; mas eu tinha a sensação de
que não podia fazer isso sem saber o que havia acontecido a Fritz Thyssen, e se
ele estava ou não em lugar seguro. Durante meses tentei localizá-lo, mas era-me
impossível obter informações autênticas. Algumas fontes diziam que Thyssen
havia fugido para n América, outras afirmavam que ele estava ainda na Riviera,
e outras ainda veiculavam que o industrialista alemão tinha sido entregue pelos
franceses à Gestapo. Sob tais circunstâncias, senti-me impossibilitado de
publicar qualquer trecho das memórias de Thyssen.

Viajei da Inglaterra para os Estados Unidos, em fevereiro de 1941, na esperança


de poder descobrir exatamente o que acontecera a Thyssen e onde se achava ele.
Desgraçadamente ninguém sabia nada, a não ser que o homem devia estar nas
mãos da Gestapo; de outra forma sua família na América do Sul ou seus amigos
nos Estados Unidos teriam notícias dele no decorrer de todo um ano. Tive de
aceitar, portanto, como fato consumado que Thyssen não pudera escapar após o
colapso da França, e que se encontra agora provavelmente num campo de
concentração, nas mãos da Gestapo. Senti por muitos meses que, sob tais
circunstâncias, este livro não devia ser publicado, pois sua divulgação poderia
causar a morte de Thyssen.

Desejo ser bem claro e evitar qualquer má interpretação. Não pretendo defender
nem proteger Thyssen. Nunca deixei de saber que ele é um dos homens mais
responsáveis pela ascensão de Hitler e dos nacional-socialistas ao governo da
Alemanha. Também sei que foi Thyssen provavelmente o maior responsável
pelo “torpedeamento”, por parte da Alemanha, da Conferência do
Desarmamento, e que também ainda ele e alguns de seus amigos são
provavelmente mais culpados, até mesmo que Hitler, das misérias que os nazis
desencadearam sobre o mundo. Durante cerca de vinte anos, Fritz Thyssen se
entregou a um jogo político muito grande e muito perigoso, e não creio que ante
o tribunal da História sua confissão resumida na frase “Que tolo eu fui!” seja
defesa suficiente para absolvê-lo.

Mas nada tinha eu a ver com Thyssen perante o foro público. Conheci-o quando
ele era um refugiado. Fiz com ele um acordo entre autor e editor e tive depois a
muito forte impressão de que não devia publicar suas memórias antes de ter a
certeza de que ele estivesse livre ou morto.

Mas como os meses se passassem e a guerra se alastrasse, outras pessoas, em


número cada vez maior, homens públicos e editores, procuravam persuadir-me
de que não havia lugar para considerações de ordem pessoal no assunto e de que
este manuscrito é um documento político e histórico da mais alta importância.
Afirmavam também que eu não podia arcar com a responsabilidade de furtá-lo à
publicação. Diziam que Thyssen havia sido levado para um campo de
concentração e que com toda a certeza estava morto; por outro lado, se estava
ainda vivo, nada poderia salvá-lo. Se Thyssen tivera o mesmo destino dos outros
inimigos do nazismo nos campos de concentração, ele certamente devia ter a
esperança de que suas memórias fossem publicadas, visto como eram a única
arma com que ele podia revidar o golpe de Hitler. Mas fosse qual fosse a sua
sorte pessoal, ela não podia ser levada em consideração, quando os povos livres
do mundo estão lutando numa guerra desesperada contra o hitlerismo e quando a
publicação deste documento único pode esclarecer as democracias, ajudando-as
a agir em tempo de evitar que o nazismo se espalhe pelo Hemisfério Ocidental.

Depois de quatorze meses de escrúpulos e hesitações, cheguei finalmente à


conclusão de que este livro não podia por mais tempo ser negado ao público.
Acredito agora que, se Thyssen se achar num campo de concentração, e se
estiver ainda vivo, a protelação do lançamento público de suas memórias com
toda a certeza não conseguirá salvá-lo. Pelo contrário, acredito mesmo e espero
que a publicação das páginas que se seguem lhe possam trazer alguma
satisfação.

Mas, — deixando de lado por completo o efeito que estas confissões possam ter
em sua vida pessoal, — estamos empenhados numa luta de vida e de morte
contra o hitlerismo e o que quer que consiga ferir Hitler, para nós é arma lícita.
Acho que não devemos ter a fraqueza de capitular àquela velha e horrível
chantagem da Gestapo que paralisa as atividades das criaturas livres, torturando-
lhes os amigos e parentes nos campos de concentração.

Acho que devíamos ter a coragem de sacrificar os que estão nas mãos da
Gestapo, por mais chegados quo eles nos sejam pessoalmente, e de continuar
lutando sob todas as circunstâncias. Nunca conseguiremos destruir esse
monstruoso sistema de escravidão humana se, em face dele, nós nos deixarmos
guiar pelo sentimento e não pelo mais frio dos raciocínios.

Foi o ataque de Hitler à Rússia que me forneceu o argumento final para fazer
publicar este livro. Imediatamente depois do início da guerra russo-alemã
ouvimos a voz de pessoas que ocupavam as posições mais altas, dizendo que
Hitler tinha voltado a seu velho programa e que ele é o homem que nos vai
salvar do comunismo. Foi para provar que esta ideia é o maior dos enganos
possíveis do nazismo que Fritz Thyssen havia resolvido apelar para o mundo,
contando às nações livres as suas experiências. O destino de Fritz Thyssen, o
grande nacionalista alemão, o mais poderoso dos industrialistas de sua pátria, e o
católico devotado, é um exemplo notável de como Hitler está protegendo os
patriotas, os industrialistas e os cristãos contra o comunismo.

EMERY REVES

Presidente da Cooperation Publishing Co. Inc.

O prefácio do autor, toda a Parte I, os capítulos 1, 2 e 3 da segunda parte, os


capítulos 3, 5, 6 e 7 da terceira parte, e o capítulo 3 da quarta parte foram
revisados, corrigidos e finalmente aprovados para publicação pelo próprio Fritz
Thyssen.

Os capítulos restantes foram ditados por ele, mas não foram corrigidos nem
revisados. Alguns desses capítulos contêm repetições; certos parágrafos não se
acham no lugar devido. Teria sido fácil arranjar esses capítulos, evitando a falta
de fluência em algumas partes, mas achamos que eles deviam ficar na forma em
que Thyssen os deixou.

Em alguns pontos onde foi inevitável, acrescentamos algumas notas explicativas,


afim de lançar luz sobre problemas e situações, mas todo esse material adicional
está separado sob o título de “Nota dos editores” ou “Nota Histórica”.

Há também em apêndice uma série de esboços bibliográficos curtos das


principais pessoas mencionadas por Thyssen nesta obra.

E. R.
NOTA DO TRADUTOR

O fato de eu traduzir este livro não quer dizer que eu tenha por Fritz Thyssen
uma admiração especial, nem que esteja de acordo com todas as suas ideias.
Significa, apenas, que desejei contribuir para que os leitores brasileiros
pudessem ler em seu idioma as confissões desse industrialista alemão que com
tão dramática veemência nos mostra os perigos, misérias, crueldades e mentiras
do nazismo.

Não seria mau também aproveitar mais esta oportunidade para declarar que o
novo mundo de paz e justiça social que desejo, não só estará fechado aos Hitlers,
Göerings e Himmlers, como também não oferecerá clima propício ao
florescimento dos Thyssens.

Erico Verissimo


PREFÁCIO DO AUTOR

ESTE livro tem em mira ser algo mais que a história de um erro cujas
consequências trágicas conheço tão bem como qualquer outro. Não basta
arrepender-se a gente do passado; devemos tirar proveito das lições recebidas. A
guerra em que Hitler precipitou o mundo, exige que todos os homens dignos
desse nome cinjam a espada e lutem.

Sustentei Hitler e seu partido durante os dez anos que precederam a ascensão de
ambos ao poder. Eu mesmo fui um nacional-socialista, e vou explicar por quê.
Hoje, exilado e fugitivo por ter cumprido o meu dever manifestando-me contra a
guerra, desejo contribuir para a queda de Adolf Hitler, esclarecendo a opinião da
Alemanha e do mundo em geral no que diz respeito ao Führer e aos chamados
lideres menores da Alemanha contemporânea.

Hitler me enganou como enganou o povo alemão inteiro e todos os homens de


boa-vontade. Talvez se nos possa dizer — a mim e a todos os alemães — que
não nos devíamos ter deixado ludibriar. De minha parte aceito a validez da
acusação. Declaro-me culpado. Estava completamente enganado no que dizia
respeito a Hitler e ao seu partido. Acreditei em suas promessas, em sua lealdade,
em seu gênio político. Os políticos profissionais cometeram o mesmo erro.
Hitler tinha a confiança dos católicos e até dos judeus. Disso posso dar muitos
exemplos.

Hitler nos ludibriou a todos. Mas, depois de sua ascensão ao poder, conseguiu
iludir também os estadistas estrangeiros, do mesmo modo como iludira os
alemães antes de 1933.

Se eu quisesse justificar-me, podia dizer que as pessoas que viviam fora da


Alemanha estavam mais bem informadas que nós, os alemães, relativamente ao
crime inicial do regime. Refiro-me ao incêndio do Reichstag. Apesar-disso, as
grandes nações da Europa continuaram a manter relações diplomáticas normais
com os incendiários e assassinos nazistas. Seus embaixadores e ministros
comungavam com eles o mesmo pão, recebiam-nos em suas embaixadas e
legações, apertavam-lhes as mãos como a homens honestos. Nós na Alemanha
podemos pelo menos apresentar a desculpa de que não sabíamos a verdade.

Hitler rearmou a Alemanha num grau incrível e com uma rapidez nunca vista.
As Grandes Potências fecharam os olhos a esse fato. Não teriam mesmo
reconhecido o perigo, ou será que desejavam ignorá-lo? Fosse como fosse, não
tomaram medidas tendentes a evitar o rearmamento ilegal da Alemanha. Nem
mesmo chegaram a armar-se, para em tempo fazer frente ao perigo.

Desde o princípio o esforço militar dispendido pelo regime nazi se evidenciou


inteiramente desproporcional aos recursos do país. Desde seus primeiros
estádios, portanto, tive o pressentimento de que ele havia de conduzir
inevitavelmente à catástrofe.

Hitler, porém, prosseguia numa sucessão de notáveis vitórias diplomáticas —


sucessos que nem a República de Weimar ou a Alemanha Imperial jamais ousara
esperar. Conseguiu reintroduzir o serviço militar obrigatório; garantiu a
reocupação militar e a fortificação da Renânia, o Anschluss da Áustria, a
anexação da região dos Sudetos, na Checoslováquia, a entrada em Praga — três
anos de vitórias sem dar um tiro! No momento mesmo em que a dúvida e o
descontentamento ganhavam terreno no país, o líder da Nova Alemanha se
encontrava na posição de dar um xeque-mate aos seus oponentes alemães,
demonstrando — coisa que nunca deixou de fazer — a grandeza histórica dos
resultados conseguidos. Fez-se proclamar o maior alemão de todos os tempos.

O Pacto de Munich foi o principal responsável pela atmosfera de magia histórica


que cercou o regime nacional-socialista. Aos olhos das massas, esse acordo
confirmava a reputação de infalibilidade de Hitler e capacitava os novos
condutores do povo alemão a prosseguir, durante os anos seguintes, numa
política que mergulhou esse mesmo povo numa guerra que ele não desejava nem
previa.

Poderá alguém perguntar por que — na Alemanha de após-guerra, num país


desorganizado e ameaçado por incessantes crises sociais e econômicas,
carregado de pesadas dividas externas, — um industrialista como eu decidiu
conscientemente contribuir para um reerguimento que, pela consolidação do
Estado, tornaria sua pátria capaz de manter sua posição de Grande Potência na
comunidade pacifica da civilização humana. As páginas seguintes podem dar
resposta a essa pergunta.

Hitler — pelo menos eu e muitos outros alemães pensávamos assim —


contribuiu para o reerguimento da Alemanha, para o renascimento de uma
vontade nacional e de um programa social moderno. É inegável também que seu
esforço foi amparado pelas massas que o seguiam. E, num pais que já tivera
duma feita sete milhões de desempregados, era necessário afastar essas massas
das vãs promessas dos socialistas radicais. Porque esses socialistas da ala-
esquerda tinham obtido vantagens durante a depressão econômica, do mesmo
modo como quase haviam triunfado durante o período revolucionário que
sobreveio após a derrocada de 1918. Mas à minha esperança de salvar a
Alemanha desse segundo perigo, seguiu-se logo a desilusão. Essa desilusão data
quase do princípio do regime nazista. Durante os sete anos que decorreram desde
então, intervim eu em várias ocasiões, tentando pôr cobro a excessos que
constituíam um desafio à consciência da humanidade. A 1.° de setembro de
1939, protestei com toda a minha energia contra a guerra iminente, e informei os
chefes alemães de minha intenção de apelar para a opinião mundial contra os
seus atos.

Mas o objetivo principal deste livro não é negativo. Um homem de negócios


deve ser otimista; de outro modo nunca seria capaz de empreender coisa alguma.
Duas vezes em vinte e cinco anos a Europa foi levada à guerra. Sobre o presente
regime alemão cai a responsabilidade imediata da catástrofe, que foi provocada
por uma política frívola e ao mesmo tempo criminosa. Não obstante, é
absolutamente certo que as causas mais remotas e profundas devem ser
procuradas no conflito de 1914-1918, e numa conferência de paz que se revelou
incapaz de resolvê-lo. Porque, mau grado certos esforços meritórios, Versalhes
não conseguiu estabelecer uma ordem que pudesse proteger o mundo contra um
novo desastre.

Se não quisermos que a civilização humana pereça, devemos então fazer tudo
para tornar a guerra impossível na Europa. Mas a violenta solução sonhada por
Hitler, criatura primitiva obcecada por reminiscências históricas mal digeridas, é
uma loucura romântica e um anacronismo bárbaro e sangrento.

Deve-se dar à Europa uma segurança política definitiva, tal como existe por
exemplo na América. De outro modo será o fim de nosso velho continente e da
civilização da qual a Europa é o berço. Se a presente provação tiver uma
significação qualquer, ela nos deverá levar à fundação dos Estados Unidos da
Europa, de uma forma ou de outra. Essa e a minha convicção.

O redespertar do imperialismo no coração da Europa, fato pelo qual a Alemanha


de Hitler é responsável, deve obrigar todos os patriotas alemães a refletir. Em
1923 consegui salvar o Reno e o Ruhr e preservar a unidade alemã. Fui preso e
condenado por um conselho de guerra inimigo. Isso talvez me dê agora o direito
de falar.

Por um ato de loucura criminosa, Hitler pôs em perigo a existência de um


Império Alemão cujo caráter precário foi plenamente reconhecido por Bismarck,
seu fundador e criador. Durante os quase vinte anos em que ocupou o posto de
chanceler, após uma campanha vitoriosa contra a França, sua preocupação
constante foi a de seguir uma política cautelosa com o fim de tranquilizar as
outras Potências. A sabedoria do fundador do Império Germânico cedo foi
esquecida. As experiências de 1914, 1938 e 1939 mostraram que a existência na
Europa de um estado de sessenta a oitenta milhões de habitantes, governado por
políticos imperialistas no comando do formidável potencial de guerra da
indústria moderna, é um perigo permanente para a segurança do continente.

Em 1871 o gênio de um grande estadista pôs a cultura e a técnica do Ocidente a


serviço do espirito do Prussianismo. Hoje, vejo nessa combinação a causa
fundamental da instabilidade política da Europa. A prussianizada Alemanha
oriental nunca conseguiu desfazer-se da mentalidade colonial de conquistadora
dos eslavos. Em suas mãos a técnica ocidental se transforma num instrumento de
guerra e já não é mais um instrumento de civilização.

Além disso, sete anos de tirania nazi me deram a dolorosa certeza da


incompatibilidade total das duas Alemanhas — a colonial e servil Alemanha do
oriente, originalmente habitada por eslavos que se transformaram em servos
prussianos, e a Alemanha do ocidente, onde o humanismo cristão e romano
constituía a principal força civilizadora. A perseguição da religião cristã, o
antissemitismo sadista dos prussianos, tão estranho à nossa população renana, as
tentativas para fazer reviver um paganismo bárbaro inumano em suas
concepções morais, convenceram-me a mim e a muitos outros de que a salvação
da Alemanha e da Europa exige a restauração da antiga barreira entre esses dois
povos de mentalidades tão largamente divergentes. A liberdade, a cultura e o
cristianismo da Alemanha ocidental católica — país que pertence definidamente
à Europa ocidental — devem ser salvaguardados.
O espirito da Alemanha ocidental e meridional está voltado para o Ocidente. Seu
desenvolvimento técnico e industrial a impele para as grandes rotas oceânicas do
mundo. A concepção Nazi do Lebensraum — o espaço-vital — na forma de
territórios a conquistar, não tem sentido para um grande país industrial cujo
domínio pacifico devia ser o universo.

Uma organização política de tal natureza não é, naturalmente, um fim em si


mesma. Devemos dar ao mundo de após-guerra a capacidade de viver e retomar
o seu desenvolvimento suspenso. O caos e a ruína econômicos que já existem
hão de indubitavelmente aumentar, como resultado da presente guerra. Eles
levantarão uma vez mais a questão da colaboração entre todos os povos bem
intencionados com fins de reconstrução. Será que os governos democráticos
compreendem a gravidade desses problemas? Da América nos vem um
encorajamento valioso. Seria supina loucura voltar aos erros econômicos que se
seguiram à última guerra. O que se deve fazer é combinar os recursos e a boa
vontade das nações da Europa e dos Estados Unidos da América, a fim de
reparar as minas e começar de novo. No fim desta guerra não se deve tratar,
como em 1918, de danos e reparações. Espero que os assassinos, os criminosos e
os falsários sejam punidos pelo próprio povo alemão. Mas que a paz seja
construtiva; que o ressentimento seja banido para todo o sempre! Oxalá
possamos trabalhar para o futuro, esquecendo o passado!

Neste livro tentei expender certas ideias a que estou profundamente ligado. Não
são resultado de improvisação. Como chefe de uma das maiores empresas
industriais da Alemanha, durante vinte anos, tive de fazer frente às
consequências duma paz abortiva. Os vagares do exílio me proporcionaram
tempo para refletir numa experiência que às vezes me foi simplesmente dolorosa
e não raro trágica. O resultado de minhas meditações está consignado nestas
páginas. Que elas valham como a contribuição de um homem de boa-vontade à
paz que está para vir!

FRITZ THYSSEN

Monte Carlo.

Fritz Thyssen
PRIMEIRA PARTE

MINHA RUPTURA COM A


ALEMANHA DE HITLER
1. MINHA FUGA DA ALEMANHA

A 15 de agosto de 1939 cheguei com minha mulher a Bad Gastein, nos Alpes
austríacos. Necessitávamos de repouso. Aquele ano tinha sido particularmente
trabalhoso e cheio de aflições.

Já se afirmou que fui a Gastein preparar minha fuga da Alemanha. Não é


verdade. De fato, eu deixara meu país em princípios daquele agosto com o fim
de visitar a exposição de Zürich. Se quisesse fugir, podia ter ficado então na
Suíça. Mas não acreditei em que a guerra viesse. Os generais alemães eram
contrários a ela. Além do mais, eu estava ao corrente das declarações feitas por
um dos amigos íntimos de Hermann Göring, o Gauleiter Terboven, de Essen, e
segundo as quais tudo aquilo parecia não passar de puro e simples jogo
diplomático; nenhum dos homens do governo sonhava com embarcar numa
aventura armada. As observações de Terboven refletiam com toda a certeza a
opinião pessoal de Göring. Em princípios de agosto, Göring se opunha à guerra;
a sua subsequente mudança de opinião só ocorreu à última hora. Eu estava,
portanto, absolutamente tranquilo quando viajei para Gastein.

A 23 de agosto recebi a surpreendente notícia do pacto de Hitler com Stalin. As


negociações tinham estado a marchar por muito tempo, mas nunca imaginei que
fossem tão longe. Sem esse acordo com a Rússia, Hitler nunca poderia ter
empreendido a campanha da Polônia. Havia ele recebido dos embaixadores da
França e da Inglaterra a clara advertência de que seus países não tolerariam uma
agressão à Polônia. Nosso embaixador em Paris, o conde Welczek, havia
solenemente informado o seu governo em várias ocasiões de que um ataque
alemão à Polônia seria o sinal para o rompimento geral da guerra.

A situação, além disso, estava perfeitamente clara. Nem a França nem a Grã-
Bretanha podia aceitar um segundo Munich. Como foi que Hitler e Ribbentrop
não compreenderam isso? Um ano antes, o primeiro-ministro britânico, um
homem de setenta anos, tomara um avião pela primeira vez em sua vida e viera
até a Alemanha para negociar com Hitler. O premier francês embarcara para
Munich com o mesmo fim. Chegou-se a uma solução segundo a qual a
Alemanha recebia tudo quanto queria. Foi um sucesso sem precedentes. Nenhum
imperador alemão conseguira coisa que se lhe comparasse. Um grande estadista
como Bismarck haveria compreendido que Munich era uma dádiva excepcional
dos deuses. Teria feito tudo quanto estivesse ao seu alcance para evitar a dois
grandes países ocidentais a sensação de que tinham sido humilhados. Acima de
tudo, Bismarck se teria empenhado na consolidação pacífica dos resultados tão
facilmente obtidos.

Qual foi o plano de Hitler? A 13 de março de 1939 invadiu a Checoslováquia,


cujo resto de território havia prometido respeitar. Isso me pareceu monstruoso.
Quebrar a palavra em tais condições, insultar assim duas grandes nações, talvez
pudesse parecer aos nazistas um rasgo de gênio da parte do maior político que o
mundo jamais conheceu (porque é assim que o próprio Hitler se imagina). Para
mim e para muitos outros alemães a coisa pareceu simples ato de loucura — um
salto para frente no caminho da catástrofe. Eu me mostrava portanto cético
quanto à possibilidade de ajustar a disputa com a Polônia por meio dum segundo
Munich. Duas grandes Potências, unidas em aliança e donas de imensos
recursos, não consentem em se deixar ludibriar duas vezes do mesmo modo.

A notícia da assinatura do acordo com Stalin causou-me ansiedade. Confiando,


no entanto — talvez com demasiada força — no meu conhecimento da situação,
acreditava eu em que ainda se tratasse de mais outros desses episódios
espetaculares característicos do regime. Até onde me era dado julgar, o pacto
germano-russo quase não causou impressão em Paris e Londres, porque ele não
abalava a resolução que as duas democracias haviam tomado de opor-se pela
força das armas a qualquer outro ato de violência. Não fiquei surpreendido.
Qualquer outra política teria redundado na abdicação das Potências ocidentais —
num verdadeiro suicídio. Mas mesmo assim eu não acreditava em que a guerra
viesse.

A 25 de agosto fui avisado de que deveria ir a Berlim para uma reunião do


Reichstag. O caráter súbito dessas convocações é sintomático do papel a que
tinha sido reduzida aquela assembleia. Nos primeiros tempos os assuntos eram
estudados a sério, havia comissões encarregadas de fazer relatórios, antes de ser
convocada a sessão plenária. Hoje as coisas estão diferentes. Os membros são
chamados de véspera para ouvir uma declaração de Hitler. A isso podemos
chamar “bom teatro”, seu objetivo único é a propaganda. Os membros do
Reichstag representam o mesmo papel dos simples figurantes dos dramas
baratos. De minha parte sempre achei que minha posição como membro do
Reichstag envolvia uma certa responsabilidade e o dever de expressar opinião
própria. A reunião convocada para 25 de agosto foi cancelada. Uma vez mais
tentei tranquilizar-me.

Entrementes, meu genro, o conde Zichy, tinha vindo visitar-nos em Gastein, com
minha filha Anita e com o meu neto de dois anos e meio. Pretendiam eles ficar
conosco por uma semana. Era uma visita inteiramente imprevista. Straubing, o
lugar onde eles residem na Bavária meridional, fica apenas a algumas horas de
automóvel de Gastein. Eu ainda achava que não havia motivo para inquietude.

Mas na noite de 31 de agosto recebi um telegrama do Gauleiter de Essen, dando-


me instruções para que fosse a Berlim tomar parte numa reunião do Reichstag
fixada para a manhã seguinte, na Opera de Kroll. Compreendi de súbito a
gravidade da situação. Era-me materialmente impossível chegar a Berlim a
tempo. Tinha de viajar de automóvel à noite, para apanhar o primeiro aeroplano
que na manhã seguinte partia para Munich — o que talvez me tornasse possível
chegar a tempo de assistir ao fim da reunião. Em qualquer caso, meu estado de
saúde não permitia tais esforços. Se eu tivesse podido chegar a Berlim a tempo,
teria certamente protestado em público contra qualquer decisão de levar o país à
guerra. Decidi portanto mandar minhas escusas por não comparecer à reunião, e
ao mesmo tempo exprimir minha opinião em termos claros. Mais ou menos às
nove horas da noite dirigi a Göring, na qualidade de presidente do Reichstag, o
seguinte telegrama urgente:

“Recebi da Administração Provincial de Essen (Gauleitung) convite para voar a


Berlim. Impossibilitado proceder conforme sugerido por motivo estado saúde
pouco satisfatório. Na minha opinião seria possível chegar acordo sobre uma
espécie de armistício afim de ganhar tempo para negociação. Sou contra a
guerra. Uma guerra tornará a Alemanha dependente da Rússia quanto a matérias
primas e a Alemanha assim terá de renunciar à sua posição de potência mundial.

(Assinado) THYSSEN”

Desse modo, não obstante o obstáculo material, senti que tinha cumprido o meu
dever como homem livre e como membro responsável do Reichstag. Informara o
governo de minha absoluta oposição à guerra. Devo acrescentar que naquele
momento não tinha intenção de deixar a Alemanha. Estava alarmado e ao
mesmo tempo enojado ante a perspectiva de um ato de loucura da parte de
Hitler, ato que nem os generais nem ninguém conseguira evitar.

Na manhã seguinte meu genro propôs escutássemos à chamada “reunião


histórica” à qual eu deveria ter comparecido. Recusei-me de maneira
absolutamente definida a ouvir as razões pelas quais Hitler procuraria justificar
sua loucura.

Na tarde anterior eu recebera um telegrama em que minha irmã comunicava que


seu genro e meu sobrinho, von Remnitz, acabava de morrer no campo de
concentração de Dachau. Eu ignorava as condições sob as quais isso acontecera.
Antes do Anschluss, Remnitz fora o chefe dos Legitimistas da Áustria (os
monarquistas partidários dos Habsburgs) na província de Salzburg. Depois da
anexação da Áustria, os nazistas de Salzburg tentaram fazer chantagem com ele.
“Pague uma contribuição ao partido — disseram-lhe — e não terá de sofrer as
consequências de sua atividade legitimista.” Meu sobrinho recusou-se a isso,
dizendo que na Áustria independente sua atividade política era considerada
perfeitamente legal. No dia seguinte foi preso e levado para Dachau. Tentei
intervir em Viena junto ao Gauleiter Bürckel, comissário do Reich na Áustria, no
sentido de libertar meu sobrinho. Bürckel nem sequer se deu o trabalho de
responder ao meu apelo. Fiquei profundamente sensibilizado pela notícia da
morte de von Remnitz. Era outra prova tangível da ilegalidade criminosa que
prevalecia na Alemanha e contra a qual várias vezes eu havia protestado perante
os chefes responsáveis.

Estava eu a meditar sobre tudo isso enquanto meu genro escutava Hitler pelo
rádio. Alguns minutos mais tarde ele entrou, absolutamente acabrunhado. “Hitler
— contou-me ele — anuncia que o exército alemão entrou na Polônia. Isso
significa guerra. E Hitler diz também que quem não estiver consigo é traidor e
como tal será tratado”.

Essa frase sinistra era a resposta ao meu telegrama. O que ela significava estava
claramente demonstrado pelo fim miserável de meu sobrinho em Dachau.

Não havia para mim possibilidade de permanecer na Alemanha sem expor minha
própria vida e a daqueles que me são caros. De acordo com minha mulher e meu
genro, decidi deixássemos o país. Quis a Providência que todos estivéssemos
juntos naquele momento crítico, porque eu nunca teria partido se tivesse de
abandonar meus filhos como reféns à Gestapo.

Partimos a 2 de setembro, às sete horas da manhã. Estava eu com meu carro


particular, e meus filhos me tinham vindo visitar nos seus automóveis. Saímos
sem bagagem, como se estivéssemos fazendo uma excursão. Um dos passeios
que se fazem nos arredores de Gastein consiste em tomar a nova estrada alpina
construída pelo antigo governo austríaco, cruzar o passo de Glockner e entrar na
Itália, voltando pelo passo do Brenner Ao sair de Gastein fomos detidos por um
desmoronamento que bloqueara a estrada. Tinha havido uma violenta tempestade
naquela região, a noite anterior; massas de barro e pedra haviam tornado o
caminho intransitável. Alguns homens estavam empenhados no trabalho de
limpá-lo. O capataz nos disse que o tráfego em breve seria restabelecido.
Esperamos três horas, fingindo a mais completa indiferença. Finalmente abriu-se
um espaço que mal dava para passarmos. Na fronteira o meu chauffeur, que não
suspeitava de nossos planos, apresentou meus papéis, inclusive minha carteira de
deputado do Reichstag, declarando que estávamos fazendo a excursão habitual.
Não desci do carro. O guarda da fronteira permitiu que passássemos, dizendo
que devíamos estar de volta ao território alemão dentro de três horas. Chegando
à curva que leva ao Brenner, tomamos a esquerda em vez de a direita, e
continuamos a rodar rumo da Itália e da Suíça. Eu não queria demorar-me em
território italiano, porque todos esperavam que a Itália entrasse na guerra.
Paramos na primeira aldeia suíça, Le Prese. Estávamos salvos.

A minha chegada rascunhei o seguinte memorando, que pretendia mandar a


Göring na primeira oportunidade:

MEMORANDUM

1. A 31 de agosto mandei o seguinte telegrama urgente ao Marechal Göring ás


9 horas da noite. (O telegrama que foi transcrito há pouco).

2. Na reunião do Reichstag de 1.° de setembro, Hitler disse: “Quem não está


comigo é traidor e como tal será tratado.”

3. Encaro essa observação não apenas como uma ameaça, mas também como
uma usurpação dos direitos dum membro do Reichstag que a Constituição me
outorga.
4. Não tenho apenas o direito de exprimir minha opinião, como também é meu
dever fazê-lo, uma vez que tenho a convicção de que a Alemanha está sendo
implacavelmente arrastada para um grande perigo. Hitler não tem o direito de
me ameaçar, quando exprimo minha opinião.

5. Agora, como antes, sou contra a guerra. Uma vez que a guerra foi
deflagrada, a Alemanha tudo deve fazer para que ela termine o mais cedo
possível, porque quanto mais tempo ela durar, mais severos serão para a
Alemanha os termos da paz.

6. O pacto com a Alemanha não foi quebrado pela Polônia. Refiro-me ao


pacto que o próprio Hitler repetidamente descreveu como sendo a garantia da
paz. (Reporto-me ao discurso do Führer, em 26 de setembro de 1938).

7. A fim de obter a paz, a Alemanha terá de respeitar sua Constituição de


todos os modos. A não observância da Constituição importa, no fim de contas,
na anarquia. A lealdade jurada pelo cidadão individual é válida apenas quando os
chefes também procedem de acordo com suas obrigações.

8. Cem membros estavam ausentes da reunião do Reichstag de 1.° de


setembro. Os lugares dos ausentes foram ocupados por oficiais do partido nazi.
Considero isso absolutamente inconstitucional, e protesto.

9. Exijo que o povo alemão seja informado do fato de que eu, como membro
do Reichstag, votei contra a guerra. Se outros membros procederam do mesmo
modo, que o público também seja posto ao corrente disso.

10. A 31 de agosto, pouco antes de enviar ao Marechal Göring o telegrama


acima mencionado, fui avisado por telegrama de que um certo Herr von Remnitz
tinha morrido de repente em Dachau. Herr von Remnitz é genro de minha irmã,
Baroneza Berg, que reside em Munich. Foi ele internado imediatamente após o
Anschluss, sob o pretexto de ter tomado parte na atividade dos Legitimistas
antes da anexação da Áustria. Logo depois de sua prisão, procurei o Gauleiter
Bürckel em Viena, mas não recebi resposta de espécie alguma. Eis um fato típico
da presente situação alemã. Exijo me informem sobre se Herr Remnitz morreu
de morte natural ou não. No caso duma resposta negativa, reservo-me o direito
de tomar providências ulteriores.
Eu pretendia mandar o memorando por um portador, afim de ficar certo de que
ele chegaria realmente ao Marechal Göring. A oportunidade para isso só
apareceu vinte dias mais tarde, quando um de meus empregados chegou a Le
Prese para me consultar sobre assuntos de negócios. Completei o memorando e
confiei-o a esse homem, pedindo-lhe o levasse a Berlim e o entregasse ao
Marechal Göring em pessoa. Ele, porém, não ousou aceitar a empresa. O mais
que fez foi consentir em levar uma carta lacrada a Herr Terboven, Gauleiter de
Essen. Este último entrega-la-ia depois ao Marechal Göring.

Na semana seguinte, a 26 de setembro, o dr. Albert Vögler, vice-presidente do


conselho das “Usinas de Aço Reunidas”, da qual eu era presidente, veio ver-me
em Zürich. A notícia de minha partida se havia espalhado pela Alemanha. As
estações de rádio da França foram as primeiras a anunciar minha fuga, mais ou
menos a 12 de setembro. Goebbels fez circular um desmentido. Aos que lhe
faziam perguntas, respondia: “Para um industrialista que sofre as consequências
do excesso de trabalho dos últimos anos, haverá coisa mais natural que tomar
algumas semanas de férias?” Durante muito tempo as esferas oficiais de Berlim
tentaram esconder o fato da minha partida e as razões que me haviam levado a
isso.

O Dr. Vögler me veio pedir informações, porque ninguém em Düsseldorf e em


toda a região industrial sabia exatamente o que pensar. Ao mesmo tempo trouxe-
me ele uma curiosa mensagem verbal da parte de Terboven. O Gauleiter de
Essen, que havia recebido minha carta, mandava dizer que não lhe fora possível
entregar meu memorando ao Marechal, uma vez que achara sua linguagem
violenta demais. Ao mesmo passo, me assegurava ele por escrito que Göring não
recebera meu telegrama de 31 de agosto, e que o Führer, portanto, não tivera em
mente dirigir a mim a frase com a qual ameaçava castigar como traidores todos
aqueles que discordassem dele.

Acrescentava Terboven que o Marechal Göring garantia que, se eu voltasse à


Alemanha imediatamente, não sofreria nenhuma consequência de ordem pessoal
ou econômica. Recomendava-se-me, porém, que levasse comigo para a
Alemanha todas as cópias autênticas do aludido memorando de 20 de setembro,
as quais deviam ser destruídas com o original.

Oferecia-se-me assim a oportunidade de fazer uma retratação política, em troca


da qual eu teria na Alemanha a imunidade pessoal de que já gozava no
estrangeiro e que em qualquer caso eu teria garantida na pátria, em virtude de
minha posição como membro do Reichstag. Além disso, davam a entender que
me aplicariam penalidades materiais se eu não voltasse.

Era uma comunicação curiosa. De um lado, Terboven me assegurava que Göring


não havia recebido a carta nem o telegrama. Por outro, transmitia a resposta do
marechal a um memorando do qual se afirmava não ter ele conhecimento.

Aduziu Vögler toda a sorte de argumentos de caráter pessoal. Nossa conversação


durou três horas. Falei da morte de meu sobrinho em Dachau.

— Depois disso — disse-lhe eu — o senhor há de compreender por que não


me dou pressa em voltar. Primeiro, deixarei que publiquem meu memorando e
forneçam as explicações que exigi a respeito de Herr von Remnitz.
Ulteriormente, prepararei, se quiser, uma segunda carta a Göring, expondo meu
ponto de vista. Pergunte em Berlim o que eles pensam disso.

Vögler telefonou para Berlim, informando-me depois que eles não queriam
receber nova carta minha. Mesmo assim eu a escrevi. O texto dessa carta será
mais tarde reproduzido. (1)

Por um momento pensei em sugerir que os chefes nazis se pusessem em contato


com a França e a Inglaterra com o fim de negociar a paz.

Minha oposição radical a guerra podia justificar minha escolha de papel de


intermediário. Desisti, entretanto, temendo ser enganado pelos nazistas. Declarei
a Vögler que minha volta a Alemanha ficaria dependendo da publicação de meu
memorando. Pedi-lhe também que fizesse o possível para descobrir como
morrera meu sobrinho.

Mais tarde fiquei sabendo que, no fim de setembro, depois da apresentação de


meu memorando a Göring, a Gestapo dera uma busca em minha casa de
Mühlheim. Naturalmente nada encontraram (exceto, talvez, cartas de Göring em
que este me fazia protestos de gratidão e amizade eternas). Toda a gente na
Alemanha sabe que não é de bom aviso guardar muitos papéis... Entrementes,
um belo dia um alemão chegou a Zürich num estado de espírito particularmente
agitado. “A Gestapo insinua que achou em sua casa documentos que
comprometem outros industrialistas” disse ele quando me viu. — “Diga-me, eu
lhe peço, se isso é verdade!” Tranquilizei-o, respondendo que tal não podia ser
verdade e que, não sabendo o que podia acontecer, eu havia tomado todas as
precauções. O pobre homem pareceu aliviado. Vou conservá-lo no anonimato,
porque ele voltou à Alemanha.

2. RUPTURA FINAL COM HITLER

VÖGLER partiu para Berlim. Não tive mais notícias suas, embora ele tivesse
prometido informar- me dos resultados de seu inquérito em torno da misteriosa
morte de meu sobrinho no conhecido campo de concentração de Dachau. Antes
de sua partida, insistira ele para que eu voltasse à Alemanha, Respondi que
voltaria se o governo alemão publicasse o memorando que eu dirigira ao
Marechal Göring a 20 de setembro. Nenhuma resposta jamais chegou a minhas
mãos, e estou ainda esperando a publicação de meu memorando na Alemanha.

Vögler não foi a única pessoa que exerceu pressão sobre mim. Depois da
declaração de guerra vários alemães, que não se davam o trabalho de esconder
sua falta de entusiasmo pelo regime, vieram ver-me na Suíça. Diziam: “Agora
que a guerra foi declarada, todos nós devemos unir sob o comando de Hitler,
porque ele representa a Alemanha.” A tentativas como essas para me fazer voltar
atrás, eu respondia: “Não; porque esse homem vai levar o povo alemão a um
desastre. Minha resolução é inabalável.”

Os chefes nazis esperavam que eu cometesse um ato de covardia: que


renunciasse à minha convicção de homem livre. Recusei-me, porém, a voltar
para a Alemanha. Recusei abjurar minhas convicções políticas.

No final de contas, de que valia a palavra de Göring e a sua “garantia” de minha


segurança? Göring, apesar de todo-poderoso, revelou-se incapaz de proteger um
de seus próprios prepostos contra um simples Gauleiter nazi. Abandonou à
miserável vingança de Himmler e da Gestapo o pastor alemão Martin Niemöller,
depois de ele ter sido absolvido num tribunal legal. Göring fez isso apesar-de a
sua própria irmã, Frau Rigle, ser uma das seguidoras de Niemöller, e depois de
ter protegido este último enquanto achou que podia. Durante anos, Niemöller,
comandante de submarino na última guerra, definhou secretamente preso no
campo de concentração de Oranienburg.

Não farei portanto nenhuma concessão contrária à minha consciência. Enquanto


Hitler e seus homens estiverem no poder, meus pés não passarão a fronteira da
Alemanha. Era isso que eu queria dizer a Göring em resposta ao seu convite e às
suas garantias discutíveis. Imediatamente depois da partida de Vögler, rascunhei
a seguinte carta — a comunicação que, como já disse, as autoridades não
desejavam receber.

Zürich, 1.° de outubro, 1939

“Prezado senhor

“Reporto-me à carta que lhe escrevi em 22 de setembro de 1939 (2)


acompanhando um memorando. Foram ambas levadas por um mensageiro ao
Gauleiter Terboven para que ele as passasse adiante. Acabo de receber a seguinte
comunicação do Gauleiter:

“Declaro em nome do Marechal-de-Campo Göring que nem a carta nem o


telegrama lhe foi entregue pessoalmente, e que nenhum documento dessa
natureza foi recebido por ele ou por pessoa de seu gabinete. Isto é o suficiente
para provar que a sentença final do discurso do Führer de modo algum pode ser
interpretada como referência a qualquer pessoa em particular. Se o autor da carta
voltar imediatamente, o Marechal garante que nenhuma sanção pessoal ou
econômica lhe será aplicada.”

Minhas observações relativas a essa declaração são as seguintes:

1. É absolutamente impossível que meu telegrama urgente de 31 de agosto,


expedido de Bad Gastein, não tenha chegado ao destinatário. É de se esperar que
na Alemanha um telegrama dirigido ao Marechal Göring lhe seja devidamente
entregue. Além do mais, minha carta deve ter chegado a seu destino, pois de
outro modo o Gauleiter não podia ter mandado a resposta que transcrevi acima.

2. Pode ser que meu telegrama não tenha chegado a tempo, a despeito do fato
de ter sido enviado no momento em que me convocavam para uma reunião do
Reichstag.

Embora possa ser possível que esse telegrama não tenha influído no discurso do
Führer, as circunstâncias não obstante eram de molde a me convencer do
contrário, uma vez que, segundo acredito, só eu, entre todos os membros, ousei
exprimir uma opinião discordante.

3. Nunca lhe pedi me protegesse contra consequências pessoais e econômicas


da minha ação política. Não vejo motivo para que V. tenha chegado a essa
conclusão.

É verdade que desde 1923 sustentei o partido, primeiro a pedido do General


Ludendorff; e que desde então tenho invariavelmente cumprido os desejos
expressos por V., Hitler, Hess e outros. Mas nunca em ocasião alguma negociei
com V. ou com qualquer outro no que dissesse respeito a minhas decisões
pessoais no campo econômico. Só em três ocasiões — desgraçadamente foram
poucas demais — eu censurei V. nas circunstâncias seguintes:

“Primeiro, foi quando o Presidente Weitzel, da polícia de Düsseldorf, a quem V.


promoveu a Conselheiro de Estado, disseminou um panfleto indecente e
escandaloso contra a Igreja Católica, a Igreja à qual agora mais do que nunca eu
me mantenho fiel. Os passos que então dei foram em vão.

“Depois, foi quando a 9 de fevereiro de 1938 os judeus foram espoliados e


martirizados da maneira mais covarde e brutal, e o primeiro magistrado de
Düsseldorf, que V. mesmo nomeou, quase foi assassinado e destituído.

“Minha censura de nada serviu. Como protesto, pedi demissão de meu cargo de
conselheiro de Estado. Fiz um requerimento ao ministro das finanças da Prússia
pedindo mandasse cessar o pagamento dos vencimentos correspondentes a esse
cargo. Inútil. Os pagamentos continuaram, mas o dinheiro foi depositado numa
conta especial no Banco Thyssen, onde ainda se encontra disponível.

“E agora, pela terceira vez, quando, para cúmulo de males, a Alemanha uma vez
mais foi levada à guerra, sem nenhuma espécie de consulta ao Parlamento ou ao
Conselho de Estado, eu lhe declaro, de maneira absolutamente definida que me
oponho a essa política, e que manterei essa opinião mesmo que me acusem de
traição. Essa acusação — levando em conta que em 1923, absolutamente inerme,
sem a proteção de nove bilhões de marcos de armamento, organizei a resistência
passiva nas regiões ocupadas pelo inimigo, salvando assim o Reno e o Ruhr —
essa acusação é quase tão grotesca como o fato de o Nacional-socialismo ter-se
desembaraçado de repente de suas doutrinas afim de se acamaradar com o
Comunismo.

“Mesmo do ponto de vista da política prática, esse acordo equivale a um


suicídio, porque a única parte a tirar benefício dele é o país que ontem era o
inimigo mortal dos nazis e que agora se transformava em “amigo” — a Rússia.
Poucos meses antes, falando dessa mesma Rússia, o conselheiro mais íntimo do
Führer, Keppler, em discurso pronunciado numa reunião da diretoria do
Reichsbank, afirmava: “Ela deve ser germanizada até os Montes Urais.”

“Tudo que posso fazer agora é apelar com a maior urgência a V. e ao Führer para
que se abandone essa política que, no caso de ser hem sucedida, jogará a
Alemanha nos braços do Comunismo; e que, uma vez malograda, significará o
fim da Alemanha. Procurem descobrir a maneira como evitar ainda agora a
catástrofe.

“Seja como for, a Alemanha terá de restaurar as condições constitucionais, afim


de que os tratados e acordos, a lei e a ordem, possam de novo ter sentido.

“Em conclusão, desejo exprimir meu pesar pelo fato de que, afim de poder falar-
lhe francamente, eu tenha de escrever do estrangeiro. Mas V. há de ver que para
mim seria uma estupidez deliberada agir de outro modo em vista do destino que
tiveram por exemplo em 1934 os adversários políticos do regime. Que esses
métodos não mudaram é o que desgraçadamente ficou provado com o caso de
Remnitz que, como foi declarado no memorando que acompanhou minha carta
de 22 de setembro, morreu em Dachau, sem que ninguém fosse notificado da
causa de sua morte. O que constitui novidade para mim é o fato de não ter Herr
von Ribbentrop hesitado em anexar a propriedade do morto.

“Com meus cumprimentos, subscrevo

(Assinado) Fritz Thyssen Membro do Reichstag.

A carta foi posta no correio em Heidelberg e registrada em meu nome por pessoa
de minhas relações.

Essa foi a ruptura final. Daí por diante, conforme informei a Göring, com toda a
franqueza, eu seria o adversário político do regime nacional-socialista que eu
próprio amparara nos seus esforços para subir ao poder na Alemanha.
Permanecerei no estrangeiro afim de manter minha liberdade de opinião e minha
liberdade de ação.

Göring nunca acusou o recebimento de minha carta. Mas dessa vez tive razões
para acreditar em que ele a recebeu, porque a 13 de outubro de 1939, a Gestapo
sequestrou os meus bens na Alemanha. Essa foi, com toda a certeza, a sua
resposta. Herr Reinhardt, gerente do “Banco Particular e Comercial”, e chefe da
“Associação dos Bancos Particulares alemães”, dentro da organização nazi,
expediu a todos os bancos da Alemanha uma circular secreta cujo texto me foi
dado a conhecer. Rezava assim:

“Em virtude duma carta a mim dirigida pela polícia secreta do Estado, de seu
quartel general de Berlim, a 13 de outubro, chamei a atenção de todos os nossos
membros para a seguinte ordem expedida pela polícia estadual de Düsseldorf.

“Na execução de uma ordem emanada do Marechal Göring ao Comissário da


Defesa Nacional do Quarto Distrito Militar, o Gauleiter e Presidente Senhor
Terboven, todos os bens do Dr. juris h. c. Fritz Thyssen, de Mühlheim-Ruhr,
Speldorf, ficam colocados sob o controle do Estado, conforme o Parágrafo 1 do
decreto de 28 de fevereiro de 1933, e Parágrafo 1 da lei referente à polícia
secreta. A única pessoa autorizada a dispor desses bens é o mandatário
acreditado junto ao Marechal Göring, a saber, o Comissário da Defesa Nacional,
Gauleiter e Presidente Senhor Terboven.

“Uma vez que nos foi impossível chegar a um cálculo exato das propriedades de
Herr Thyssen e de sua esposa, venho requerer-vos deis instrução a todos os
bancos, em circular confidencial, para que, dentro de cinco dias após o
recebimento desta carta, prestem informação quanto a todas as contas, depósitos
e cofres particulares que possuam no nome de Fritz-Thyssen e no de sua mulher,
nascida Amalie zur Helle, a 9 de dezembro de 1877, em Mühlheim-Ruhr. Esta
comunicação deve ser endereçada ao quartel general da polícia estadual de
Düsseldorf, à pessoa do Conselheiro Senhor Dr. Hasselbacher ou de seu
delegado.

Heil Hitler!
“Chefe da Associação Econômica dos Bancos Particulares Alemães”:

(Assinado) REINHARD!’

O Gauleiter Terboven nomeou, depois, depositário o banqueiro nazista Kurt von


Schröder, do Banco Stein, de Colônia, Schröder aceitou.

O texto dessa ordem de sequestro não está perfeitamente claro quanto à


fraseologia legal. Além disso, pode-se discutir a razão pela qual essa medida foi
estendida à propriedade de minha mulher, que não tinha cometido nenhum crime
de lesa majestade contra o regime. A ordem, de fato, está baseada numa lei que
confere à Gestapo poderes ilimitados e arbitrários. Nenhum tribunal na
Alemanha tem competência para receber e julgar um recurso contra uma medida
tomada pela sinistra Gestapo, mesmo quando ela atinge a liberdade pessoal.

Na realidade esse sequestro, ordinariamente uma preliminar à confiscação, teve


por fim exercer pressão sobre a minha pessoa. As autoridades nazistas
desejavam esperar, antes de tomar decisões irrevogáveis. Talvez eu me quisesse
mostrar mais maneável. Não fiz o menor movimento.

Dois meses mais tarde, a 14 de Dezembro de 1939, a Gazeta oficial alemã


(Reichsanzeiger) publicou uma notícia segundo a qual minha fortuna havia sido
confiscada pelo Estado da Prússia. Essa medida se baseava na lei de 26 de maio
de 1933, a qual prescrevia a confiscação da propriedade do Partido Comunista!
Era o cúmulo da desfaçatez.

A comunicação, assinada pelo Regierungspräsident de Düsseldorf (chefe do


governo provincial) era decisiva e inapelável. A imprensa recebeu instruções
formais para não reproduzi-la. Os jornalistas estrangeiros de Berlim, que não
obstante davam alguma atenção a meu caso, deixaram passar em branco a
notícia sensacional.

Em toda essa história havia um pormenor assombroso. A confiscação tinha sido


executada pelo Estado da Prússia, não pelo governo do Reich. No entanto, para
falar a verdade, a propriedade consistia principalmente de ações de empresas
industriais importantes, usinas de fundição e de aço, que eram da maior
importância para a defesa nacional. Uma vez feita a confiscação, o normal seria
que essas usinas fossem adquiridas pelo Reich. Isso, porém, equivaleria a deixar
Göring de fora. Göring, além de presidente do Reichstag, é primeiro ministro do
Estado da Prússia! Ora, o Marechal tinha sido várias vezes meu hóspede em
minha casa de Speldorf-Mühlheim. Nessas ocasiões admirara uma pequena mas
regularmente valiosa coleção de pinturas e gravuras, algumas das quais eram
presentes que eu fizera a minha esposa nos nossos quarenta anos de vida
matrimonial. Göring é como uma criança; quer tudo quanto vê. Fazendo
confiscar minha propriedade em nome do Estado da Prússia, ficava ele com a
certeza de que essas pinturas e gravuras do século dezoito não escapariam às
suas garras. Porque Göring é o soberano virtual da Prússia. Tudo quanto seja
propriedade prussiana lhe pertence. Ele deu provas disso em várias ocasiões.
Dessa vez não se contentou com tirar as pinturas das paredes de minha casa de
Mühlheim e levá-las. Organizou também uma expedição à vivenda de meu
genro, em Straubing, na Bavária. Apossou-se assim dos quadros que pertenciam
a minha filha e a seu marido, não obstante o fato de ser este último um súbdito
húngaro.

Essas pequenas histórias podem parecer um tanto ridículas. Mesmo assim são
muito significativas do ponto de vista econômico. Porque meu interesse
financeiro na maior empresa metalúrgica da Alemanha, as “Usinas de Aço
Reunidas”, em vez de ser transferido para o Reich, foi sequestrado pela Prússia?
Göring decerto tinha lá seus planos... Na verdade, a posse de grande número de
ações dessas usinas podia salvar Hermann Göring da bancarrota. Mais tarde
voltarei a falar a respeito dessa empresa metalúrgica.

A notícia aludida foi publicada na Gazeta oficial a 14 de dezembro. Só tive


conhecimento dela nas proximidades do Natal. Decidi imediatamente a escrever
ao próprio Hitler, como Chefe de Estado alemão, para protestar contra mais
aquele ato ilegal e para explicar-lhe pessoalmente as razões de minha conduta e
o que eu pensava de sua política, O texto de minha carta foi o seguinte:

Lucerna, 28 de dezembro de 1939

Senhor,

Acabo de ler na Gazeta oficial n.° 293, de 14 de dezembro de 1939, a seguinte


notícia:

“Em cumprimento da lei de 26 de Maio de 1933, concernente à confiscação da


propriedade comunista (sic) (Boletim dos Estatutos do Reich, n.° 1, página 293)
e em conexão com o Parágrafo 1 do Decreto de 31 de maio de 1933 (Lei n.° 39)
e com a Lei de 14 de julho de 1933, referente à Confiscação da Propriedade dos
Inimigos do Povo e do Estado (Boletim dos Estatutos do Reich, n.° 1, pág. 479)
toda a propriedade móvel do Dr. Fritz Thyssen, antigamente morador de
Mühlheim-Ruhr, agora no estrangeiro, junto com seus demais bens, é confiscada
pelo Estado da Prússia. Com a publicação deste decreto na Gazeta Oficial Alemã
e na Gazeta do Estado da Prússia, dita propriedade passa para o patrimônio do
Estado da Prússia. Nenhum recurso legal se pode interpor contra os efeitos deste
decreto.

Düsseldorf, 11 de Dezembro de 1939.

Regierungspräsident Reeder

“Nenhuma razão foi dada para essa medida. Noto que não me foram movidos
processos legais, administrativos ou de qualquer outra espécie. Até o dia de hoje
não recebi nenhuma comunicação do governo alemão, além do que me trouxe o
dr. A. Vögler, em nome do Gauleiter de Essen, e na qual se me pedia a retirada
do memorando que apresentei, na qualidade de membro do Reichstag, e a
destruição de suas cópias, em troca de garantias de ordem pessoal e econômica.
É sabido que rejeitei essa oferta de paz, porque minha opinião política, como
membro do Reichstag, não está à venda. Além do mais, nunca fui intimado a
responder pela minha atitude pessoal ou política ou por qualquer outra. Vosso
ministério da propaganda se opusera de fato a qualquer ação contra mim.
Portanto, a confiscação de minha propriedade, conforme foi ordenada na Gazeta
oficial, especialmente por ser dirigida contra um membro privilegiado do
Reichstag, é uma transgressão aberta e brutal da lei, ilegal e inconstitucional.
Protesto veementemente contra essa medida, e declaro que o Governo do Reich,
e mais particularmente todos aqueles que tomaram parte nessa confiscação, ou
estão ainda envolvidos, nela, e sobretudo o depositário nomeado, o Barão von
Schröder, de Colônia, são pessoalmente responsáveis perante a lei. Há de chegar
o dia em que terei de defender os meus direitos. E especialmente eu vos advirto a
não deitar mão na propriedade de minha esposa, de meus filhos, do conde e da
condessa de Zichy, e no legado de meu pai, August Thyssen, que foi um dos
primeiros fundadores da grande indústria alemã.

“Minha consciência está limpa. Sei que não cometi nenhum crime. Meu único
erro foi o de, com todo o entusiasmo dum amante apaixonado de minha pátria,
ter acreditado em vós, o nosso líder, Adolf Hitler, e no movimento por vós
iniciado. Desde 1923 tenho feito os maiores sacrifícios pela causa nacional-
socialista. Lutei com palavras e atos sem pedir nenhuma recompensa para mim
mesmo, inspirado simplesmente pela esperança de que nosso infeliz povo
alemão um dia finalmente se reerguesse. Os acontecimentos iniciais que se
seguiram à ascensão dos nacional-socialistas ao poder, pareciam justificar essa
esperança, pelo menos enquanto Herr von Papen foi vice-chanceler — Herr von
Papen que foi o fiador junto a Hindenburg de vossa nomeação como chanceler.

Diante dele vós prometestes, em juramento solene na Igreja de Potsdam,


respeitar a Constituição. Não vos esqueçais de que deveis a vossa ascensão não a
um grande movimento revolucionário, mas à ordem liberal que jurastes manter.

“Seguiram-se acontecimentos sinistros. A perseguição da religião cristã,


tomando a forma de cruéis medidas contra os sacerdotes e insultos às igrejas,
levaram-me a protestar nos primeiros tempos, como por exemplo na ocasião em
que o presidente da polícia de Düsseldorf encaminhou um protesto ao Marechal
Göring. Foi em vão.

“Quando a 9 de novembro de 1938 os judeus foram espoliados e martirizados da


maneira mais brutal e cruel, e seus templos completamente arrasados em todo o
território alemão, também lancei o meu protesto. Para reforçá-lo, pedi minha
demissão do cargo de Conselheiro de Estado. Isso, também, foi em vão.

“Agora vós transigistes com o Comunismo. Vosso ministro da propaganda ousa


até proclamar que os alemães honestos que em vós votaram por vos
considerarem inimigos do Comunismo, são essencialmente idênticos aos
sanguissedentos revolucionários que atolaram a Rússia na miséria e que vós
mesmo denunciastes (Mein Kampf, pág. 750) como “criminosos vulgares e
sanguinários”.

“Quando a grande catástrofe se tornou fato consumado, e a Alemanha de novo se


viu envolvida numa guerra, sem procurar o consentimento do parlamento ou do
conselho, eu enfaticamente declarei que me opunha com firmeza a essa política.

“Como membro do Reichstag, é meu dever exprimir minha opinião e sustentá-la.


É um crime contra o povo alemão negar a seus homens e em particular seus
representantes, que são responsabilizados pelos outros países, o direito de
dizerem o que pensam. Não me posso curvar a esse jugo. Recuso-me a emprestar
meu nome a vossos atos, não obstante a vossa declaração, na reunião do
Reichstag a 1.° de setembro de 1939; de que quem não estiver convosco é traidor
e como tal será tratado.

“Denuncio a política dos últimos anos; denuncio, acima de tudo, a guerra a que
vós frivolamente arrastastes o povo alemão, e da qual vós e vossos conselheiros
devem ser os responsáveis. Meu passado me escuda contra a pecha de traição.
Em 1923, sem dispor de armas, organizei a resistência passiva nos territórios
ocupados, com grande perigo para minha pessoa, e desse modo salvei o Reno e o
Ruhr. Compareci diante dum conselho-de-guerra inimigo e destemerosamente
proclamei minha opinião como alemão. Mas é precisamente essa convicção que
me torna impossível renunciar aos ideais verdadeiros e à doutrina original do
Nacional-Socialismo os quais, como vós mesmos explicastes em minha casa, são
em essência idênticos aos princípios da monarquia alemã e capazes de nos
conduzir à paz social e a uma ordem estável. Permito-me relembrar que me
instruístes para constituir nesse sentido o Institut fur Standewesen em
Düsseldorf. Um ano mais tarde, é certo, vós me deixastes muito mais entregue a
meus próprios planos; e aprovastes o internamento do diretor do instituto,
nomeado por mim de acordo com Herr Hess, no mal-afamado campo de
concentração de Dachau. De Dachau, meu chanceler, onde meu sobrinho teve
morte súbita. Seu Schloss Fuschl, perto de Salzburg, foi dado como presente a
Herr von Ribbentrop, que teve o descaramento suficiente para receber nele o
ministro dos estrangeiros da Itália e enviado de Mussolini.

“Lembro-vos ainda que Göring não foi em absoluto mandado a Roma para ver o
Santo Padre nem a Doorn para entrevistar o ex-Kaiser, afim de prepará-los para a
futura aliança com o Comunismo. E no entanto vós concluístes de súbito essa
aliança com a Rússia, ato que ninguém denunciou com mais força do que vós
mesmo em vosso livro Mein Kampf (edições primeiras, págs. 740-750). Nessas
páginas dizeis: “O simples fato de um acordo com a Rússia contém as premissas
da próxima guerra. Seu fim seria o fim da Alemanha”. Ou então: “Os presentes
lideres da Rússia não têm intenção de concluir nenhum pacto sobre base honesta,
ou de manter-se fieis a ele”. Mais ainda: “Não concluímos nenhum tratado com
um parceiro cujo único interesse repousa da destruição do outro.”

“Vossa nova política equivale a um suicídio. Quem tirará benefícios dela? Se os


corajosos finlandeses, com sua fé em Deus, não reduzirem essa empresa a nada,
o mais antigo dos inimigos mortais dos nazis e seu presente “amigo”, a Rússia
Bolchevista, certamente o fará — a mesma Rússia da qual o vosso mais íntimo
conselheiro, Herr Keppler, Secretário de Estado do Ministério das Relações
Exteriores e diplomata consumado, declarou em Maio de 1939, numa reunião na
diretoria do Reichsbank, que deve ser germanizada até os Montes Urais. Espero
sinceramente que essas palavras do vosso conselheiro confidencial,
pronunciadas com tanta franqueza, não diminuam o efeito do telegrama de
felicitações que dirigistes a vosso amigo Stalin no dia de seu aniversário.

“Vossa nova política, Herr Hitler, está impelindo a Alemanha para o abismo e
levando o povo alemão para a ruína. Mude o rumo da máquina enquanto é
tempo! Vossa política significa, no final de contas, “Finis Germaniae”. Lembrai-
vos de vosso juramento de Potsdam. Daí ao Reich um parlamento livre, daí ao
povo alemão liberdade de consciência, pensamento e palavra. Fornecei as
garantias necessárias para o restabelecimento da lei e da ordem, afim de que os
tratados e acordos possam uma vez mais ser feitos com fé e confiança. Porque se
evitarmos novos males e novos derramamentos inúteis de sangue, será então
possível conseguir para a Alemanha uma paz honrosa e a manutenção de sua
unidade.

“A opinião pública internacional insiste para que eu explique por que deixei a
Alemanha. Até aqui tenho permanecido em silêncio. Todos os documentos e
provas escritas de meus quinze anos de combate ainda não foram revelados.
Num tempo em que minha Pátria está empenhada em árdua luta, não desejo
presentear seus inimigos com novas armas morais. Sou alemão e alemão
continuarei com todas as fibras de meu ser. Tenho orgulho de minha
nacionalidade e assim permanecerei até meu último suspiro. E precisamente por
ser alemão, não posso nem quero pronunciar agora, nesta hora de amargas
aflições para meu povo, as palavras que um dia terei de dizer no interesse da
verdade. Mas sinto que dentro de mim a voz abafada do povo alemão está a
clamar: “Voltai atrás e restaurai a liberdade, a lei e a humanidade no Reich
alemão”.

“Aguardarei vossos atos em silêncio. Mas começo com a suposição de que esta
carta não será negada ao povo alemão. Esperarei. Se minhas palavras, as
palavras dum alemão livre e sincero, forem escondidas ao povo, proponho apelar
para a consciência e para o julgamento do resto do mundo. Espero.

Heil Deutschland!

(Assinado) Fritz Thyssen


P. S. Vou entregar esta carta à embaixada alemã de Berne, para que ela vos seja
remetida. Além disso, mandarei uma cópia registrada à Chancelaria em Berlim
ao vosso endereço particular em Obersalzberg, perto de Berchtesgaden. Sou
compelido a tomar essas medidas uma vez que fui oficialmente avisado de que
minhas cartas e telegramas ao Marechal Göring nunca lhe chegaram às mãos.

“Mandei cópias também ao Marechal Göring e ao Regierungspräsident Reeder


em Düsseldorf, o qual ordenou a confiscação de minha propriedade. Cópia do
primeiro parágrafo desta carta foi remetida ao Barão Kurt von Schröder de
Colônia, presumivelmente o administrador atual de minha propriedade.”

Essa carta a Hitler não significava simplesmente uma ruptura. Significava que eu
não mais me limitaria a uma posição teórica aos lideres nazis. Pretendia declarar-
lhes guerra. Espero que minha atitude não seja mal interpretada. Como membro
do Reichstag, era meu direito e meu dever protestar contra a guerra, uma vez que
estava convencido da injustiça dessa guerra. Eu me teria no entanto curvado a
uma decisão válida da legislatura, se tal decisão houvesse sido tomada. Teria
admitido que numa guerra é o dever comum do cidadão amparar um governo
verdadeiramente representativo da vontade da nação. Teria evitado também uma
ruptura, ou a oposição ativa, se o governo tivesse publicado meu memorando a
Göring, como requeri em minha mensagem de que Vögler foi portador. Nunca,
porém, recebi resposta a esse requerimento. Berlim continuou a esconder o fato
de que a política belicosa do governo nacional-socialista tinha provocado a
oposição formal de pelo menos um patriota alemão.

Tomei nota desse silêncio e resolvi agir. Por algum tempo o público
internacional andou interessado nas razões de minha saída da Alemanha.
Perguntam-me constantemente por que rompi com o Nacional-Socialismo.
Enquanto gozei dos direitos de refugiado no território suíço, mantive-me quieto.
As autoridades federais suíças me concederam permissão de ficar em seu país
até 31 de março de 1940. Mas essa autorização implicava para mim na obrigação
de abster-me de qualquer espécie de atividade política enquanto residisse na
Suíça.

Algum tempo depois de enviar minha carta a Hitler, fiquei sabendo que o
governo do Reich havia expedido uma ordem de prisão contra mim, sob a
acusação de peculato ou coisa que o valha. Era um grosseiro estratagema para
obter minha extradição e para fazer que me passassem às mãos das autoridades
alemãs. O governo suíço, informado das razões de minha partida, recusou-se até
mesmo a examinar o requerimento. Aproveito esta oportunidade para mais uma
vez expressar ao governo da Suíça a minha admiração e o meu agradecimento.

Em face do malogro de suas tentativas para se apoderar de mim, o governo do


Reich decidiu, como último recurso, privar-me da nacionalidade alemã. A 4 de
fevereiro de 1940 a Gazeta oficial alemã publicou uma decisão do ministro do
interior, tirando a mim e a minha esposa os direitos de cidadania alemã. Assim,
fui primeiro perseguido como criminoso e, quando essa perseguição fracassou, o
governo achou devia proclamar que eu não era mais alemão. Esse procedimento
incoerente é tão sintomático do embaraço dos nazis quanto o silêncio que
continua a prevalecer na Alemanha com relação ao meu caso.

Nego que haja qualquer espécie de justificação para esse último ato, como já
neguei para os anteriores. Exerci simplesmente os direitos que me eram
conferidos como membro do Reichstag. Baseei — e ainda baseio — minhas
ações num mandato parlamentar pelo qual sou responsável apenas perante o
povo alemão. Quanto à cassação da nacionalidade alemã a mim e a minha
mulher, que nunca aderiu a nenhuma demonstração política contra o regime, só
posso explicá-la à luz dos sórdidos motivos aos quais já me referi.

Ao receber informação das medidas tomadas contra mim pelo Ministro do


Interior, mandei-lhe a seguinte carta de protesto:

Locarno, 16 de fevereiro de 1940 Senhor,

Vejo pelos jornais que declarastes oficialmente que minha esposa e eu perdemos
todo o direito à nossa nacionalidade alemã.

Lanço aqui o meu devido protesto. Cumpri meu dever como membro do
Reichstag, opondo-me à presente política do governo do Reich. Deixei a
Alemanha porque a imunidade conferida aos membros daquela casa pela
Constituição, já não me parecia garantida. Nem a confiscação de minha
propriedade, nem a ordem de prisão, nem a perda de minha nacionalidade,
conseguirá evitar que eu cumpra meu dever como membro do Reichstag, posto
em que me sinto responsável perante o povo da Alemanha.
(Assinado) Fritz Thyssen.

Membro do Reichstag

Vários meses decorreram desde meu primeiro protesto, e de meu requerimento


aos lideres alemães para que o divulgassem à nação. Acuso agora o chanceler
alemão de deslealdade e da violação de seu juramento solene; intimo-o a
restaurar a Constituição, a lei e a justiça na Alemanha; e apelo para a opinião
pública mundial, expondo a seus olhos os documentos referentes à questão.

3. O FIM DE UM ERRO POLÍTICO

“A república que tivemos sob o Império foi uma delícia”. Era esta uma frase
comum na França, quando o Império de Napoleão III foi suplantado pela
Terceira República — depois de 1871. Quantos nacional-socialistas na
Alemanha e na Áustria de hoje podem fazer reflexões melancolicamente
semelhantes. Porque o “Nacional-Socialismo” sob Brüning e Schuschnigg era na
realidade uma delícia.

Isso foi na verdade o que eu mesmo senti durante alguns anos. Mas minha
ruptura com o regime não foi simplesmente o resultado dessa desilusão. Os
acontecimentos culminaram numa guerra pela qual Hitler é o responsável.
Afirma-se com frequência que um industrialista, particularmente um mestre de
forjas, é sempre a favor da guerra, uma vez que se supõe seja ela remunerativa
para a indústria pesada. Minha atitude pessoal talvez possa servir como defesa
contra acusações dessa espécie.

Rompi hoje com um longo passado e com um determinado modo de proceder.


Esse modo de proceder foi em todos os tempos, e especialmente depois da
derrota de 1918, estimulado pelo ardente desejo de promover a grandeza e a
prosperidade de um império dentro do qual nasci dois anos depois de sua
fundação, e pelo qual tenho trabalhado durante toda a minha vida.

Não sou político, mas sim industrialista, e um industrialista sente-se sempre


inclinado a considerar a política uma espécie de atividade subsidiária — a
preparação para a sua atividade particular. Num país em que reine boa ordem,
em que a administração seja sadia e os impostos razoáveis, ele pode abster-se da
política e dedicar-se inteiramente aos negócios. Mas num Estado assombrado
pela crise, como foi a Alemanha de 1918 a 1933, o industrialista, queira ou não
queira, acaba sendo arrastado para o vortex da política. Depois de 1930, as
aspirações da indústria alemã podem ser resumidas numa frase: “uma economia
sã num Estado são”. Esta foi, eu bem me lembro, a divisa de um congresso de
industrialistas do Ruhr, em 1931. Estávamos no auge de uma crise econômica e
social. Durante aquele inverno tivéramos seis ou sete milhões de desempregados,
isto é, cerca de um terço de toda a população operária alemã. A República de
Weimar estava dilacerada pelas lutas de partidos e por outras comoções, e a nau
do Estado se achava a ponto de naufragar. O governo se mostrava incapaz de
garantir uma administração conveniente, ou até mesmo a simples ordem de cada
dia. A própria polícia não conseguia fazer frente aos motins diários e às
perturbações políticas das ruas.

Eu também aprovei aquela divisa. Para vencer a crise, era necessário reforçar a
autoridade do Estado. Foi por isso que me pronunciei a favor da restauração da
monarquia, porque o povo alemão havia dado provas claras de que não se
adaptava ao regime republicano. Mas eu acreditava também que, amparando
Hitler e seu partido, podia contribuir para o restabelecimento dum governo real e
das condições de ordem que permitissem a todos os ramos da atividade — e
especialmente os negócios — mais uma vez funcionar dentro da normalidade.

Mas de nada serve chorar quando o mal está feito. O Estado forte com que eu
então sonhava, nada tinha de comum com o Estado totalitário ou, melhor, com a
caricatura de Estado criada por Hitler e seus esbirros. Nem por um instante
cheguei a imaginar que fosse possível, cento e cinquenta anos depois da
Revolução Francesa e da proclamação dos Direitos do Homem, substituir a lei
pela ação arbitrária, num grande país moderno, estrangular os direitos mais
elementares do cidadão, estabelecer a tirania asiática no coração da Europa, e
fomentar aspirações anacrônicas de conquista e domínio do mundo.
Como católico, nascido às margens desse poderoso Reno onde as influências da
cultura ocidental e da lei romana sempre foram mais fortes que em outras partes
da Alemanha, onde o Cristianismo tinha sido implantado muito cedo, e onde a
Revolução Francesa havia deixado seu traço indelével, achava eu impossível
acreditar que em nossa época pudéssemos destruir todas as condições normais da
vida humana e política. Em 1930 eu teria ficado atônito se alguém me chamasse
liberal. Mas essa era, com toda a probabilidade a minha convicção real, embora
eu não o percebesse. Meu desejo de reestabelecer a ordem no Estado e restaurar
a autoridade e a disciplina estava de completo acordo com a dignidade do
indivíduo, com o respeito pelas liberdades fundamentais Na verdade, o exercício
dessas liberdades me parecia tão natural como o ato de respirar.

Depois de 1918 a Alemanha se achava super-industrializada. Era a consequência


lógica de um desenvolvimento que se operara desde 1870 e do qual meu pai fora
um dos pioneiros. Todo o caráter do país havia sido profundamente modificado.
Os problemas criados pela existência de uma indústria que tem de alimentar dois
terços da população, nem sempre é compreendido em sua plenitude em países
como a França ou os Estados Unidos. Antes da guerra de 1914, a monarquia da
Prússia e do Império Alemão Germânico, embora absoluta nos domínios político
e administrativo, tinha sido completamente liberal nos campos social e
econômico. Não obstante certos erros, os políticos do regime imperial e, em
particular, seus mui eficientes servidores, se haviam quase sempre mostrado à
altura de seus cargos.

Os alicerces mesmos desse sistema tinham sido destruídos com a derrota


nacional e a revolução de 1918. A Alemanha, exaurida pela guerra,
desmoralizada pela derrota, quase morta de fome em virtude do bloqueio, teve
de fazer um tremendo esforço para assegurar a simples existência material de sua
população. Em vez de fazer todos os esforços para se reerguer, entregou-se a
uma onda de anarquia e de radicalismo que impedira de maneira definida
qualquer tentativa de reconstrução genuína.

A crise interna foi agravada pela pressão exercida pelos vencedores. Fez-se ela
sentir não apenas no campo político, como também nos negócios, que ela onerou
com uma formidável hipoteca, a saber: as reparações de guerra. Os círculos
políticos que tinham governado o país por quase um século, e os altos
funcionários competentes e dignos de confiança que tinham estado à testa de
uma administração sã e correta, haviam quase todos desaparecido na comoção
que se seguiu à guerra.
Sócio de meu pai na direção de uma grande empresa industrial, vi-me frente a
frente com o terrível problema de dar à população operária trabalho e pão. Isso
já não era mais uma simples questão de organização econômica e técnica. Era
indispensável que a Alemanha uma vez mais ficasse em condições de exportar,
de reestabelecer seu crédito, de restaurar a ordem interna, de modo a permitir o
reatamento do trabalho.

Para fazer frente à pressão de nossos inimigos, organizei a defesa passiva alemã
durante a ocupação do Ruhr em 1923. Para combater o radicalismo político e as
tendências anárquicas que abundaram nos primeiros anos da República de
Weimar, sustentei várias formações patrióticas semimilitares, entre as quais se
achava o partido Nacional-socialista. Mais tarde, depois das crises iniciais,
quando os fatos pareciam ter tomado um curso mais normal, voltei minha
atenção para os negócios. Minha atividade política subsequente se manifestou
apenas no fazer eu parte dum grupo de oposição parlamentar, o partido Nacional
Alemão, chefiado pelo conde Westarp e mais tarde por Alfredo Hugenberg. Os
nacionais-alemães eram conservadores e monarquistas.

A modificação do sistema de reparações em 1929, consumada no ano seguinte


pela aceitação por parte da Alemanha do Plano Young, afigurou-se-me em erro
econômico vital. Nesse momento, portanto, reassumi uma atitude mais ativa de
oposição. Liguei-me aos grupos que ofereciam resistência à política do Reich de
condescendência exagerada. Isso me parecia uma reação adequada àquela
conjuntura, e capaz também de abrir caminho para o estabelecimento de
condições econômicas mais sãs, primeiro na Alemanha e depois no mundo
inteiro. Eu não me mantinha em íntimo contato com os cabecilhas dos partidos;
mas, como muitos membros da Ala Direita, estava eu convencido de que Hitler
era um fator ativo para o reerguimento da Alemanha, e essa foi a razão por que
lhe dei um apoio cada vez maior.

Em janeiro de 1933, o partido Nacional-socialista, ao qual eu pertencera durante


dois anos, subiu ao poder. Achei, como todos os outros, que ele conseguiria
reestabelecer o equilíbrio político e, à custa de um árduo esforço inicial,
promover a reconstrução econômica do país. Esperei até mesmo que ele por fim
nos levasse à restauração da monarquia, um sistema que está de acordo com o
tradicional respeito do povo alemão pela autoridade. A monarquia, achava eu,
teria garantido uma evolução mais ou menos normal, evitando assim uma crise
revolucionária.
Meu desapontamento data quase do início mesmo do regime nazi. O ato de
Hitler, expulsando os elementos conservadores do governo a cuja testa se
encontrava, deu-me algum motivo para inquietação. Mas eu me achava inibido
pela impressão produzida pelo incêndio do Reichstag. Hoje sei que esse crime
foi encenado pelos próprios nacional-socialistas, afim de conseguir mais força.
Através de toda a Alemanha espalharam eles o temor de uma revolta comunista
armada. Levaram o povo à crença de que esse ato de incendiarismo, organizado
por eles próprios, era o sinal para uma segunda Revolução Vermelha que havia
de precipitar o país nas sangrentas convulsões duma guerra civil. Acreditei então
que com sua energia, Hitler e Göring haviam salvo a Alemanha. Hoje sei que,
como milhões de outros, eu estava iludido. Mas quase todos os alemães que
ainda vivem no Reich se encontram ainda no mesmo estado de ignorância. Para
saber a verdade tive de ir para o estrangeiro.

O incêndio do Reichstag, organizado por Hitler e Göring, foi o primeiro passo de


uma colossal fraude política. Com a desculpa desse pseudocrime comunista, os
chefes do partido nazista extorquiram do Presidente Hindenburg a chamada “Lei
de Suspeição”, que autorizava a execução sumária, dando aos nazis um meio de
silenciar todos os seus adversários políticos.

Essa mesma lei, “para a proteção do povo e do Estado”, foi invocada pela
Gestapo como pretexto para a confiscação ilegal de meus próprios bens. A
pretensa lei suspendia todas as garantias fundamentais da constituição quanto à
liberdade individual de consciência e de opinião. Essas garantias ainda hoje se
encontram suspensas. Desse modo, o que era uma medida de emergência tornou-
se um instrumento regular de governo.

Um mês mais tarde, um Reichstag trêmulo, cem de cujos membros haviam sido
presos e internados, votou a lei que conferia plenos poderes ao governo, uma lei
que está na raiz de todos os atos arbitrários cometidos pelo regime desde 1933.
Começou assim uma série de atos revolucionários que teoricamente observavam
as formas da legalidade, mas que de fato se baseavam no crime e na mentira. A
opinião pública dos países estrangeiros nunca protestou contra esses atos.

Hoje não posso mais hesitar: afirmo que todas essas “leis”, todos Esses decretos
observados pelo governo nacional-socialista, são ilegais perante a Lei, são nulos
e ocos, uma vez que se apoiam no crime e no abuso de confiança.

Hitler conseguiu subir ao poder engendrando uma combinação política. O


governo nacional-socialista não deve sua existência a nenhum acontecimento
revolucionário que se possa comparar à marcha de Mussolini sobre Roma. Hitler
pronunciou perante o Marechal-de-Campo von Hindenburg o juramento solene
de respeitar uma constituição que garantia os direitos do homem e a liberdade
política na Alemanha. O incêndio do Reichstag é o ato criminoso pelo qual ele
cometeu perjúrio, usurpando o poder.

Hoje estou convencido disso; mas durante seis anos fui ludibriado. Göring,
oficial do antigo exército imperial, detentor da Ordem “Pour le mérite”,
mostrou-me as ruínas fumegantes do Reichstag a 1.° de março: “Isso — disse ele
— é um crime comunista; ontem, quase prendi pessoalmente um dos
criminosos.” Dois meses antes havia ele telefonado a minha casa para me
comunicar que estava prestes a irromper uma rebelião no Ruhr, e que meu nome
estava em primeiro lugar na lista dos reféns sugeridos. Disse mais que fora
informado disso pelos seus espiões do partido Comunista. Como podia eu
duvidar de sua palavra?

Comecei, portanto, a colaborar abertamente com o regime. O turbulento


antissemitismo do primeiro período não teve consequências práticas imediatas.
Eu achava que ele era uma concessão não particularmente perigosa ao
sentimento do público. Na minha terra natal, as províncias do Reno, onde a
população não é antissemita, uma estupidez de tal espécie havia despertado risos
irônicos à custa dos nazistas. Politicamente, eu me achava absorvido pela tarefa
que me havia confiado o chefe do governo de preparar planos para a organização
econômica da Alemanha, segundo os métodos “corporativistas”.

O dia fatal de 30 de junho de 1934, em que Hitler ordenou o assassínio brutal de


seus companheiros de revolução, causou-me revolta e pavor. Havia algo de
absolutamente anti-alemão num massacre dessa natureza. Era pura barbárie.
Algum tempo mais tarde, fui à América do Sul onde durante vários meses tratei
de alguns negócios. A minha volta, achei o regime solidamente estabelecido.
Tinha-se ele lançado numa política de construções e de rearmamento que devia
levar à demissão do Dr. Hjalmar Schacht do posto de ministro alemão da
economia e de presidente do Reichsbank. Desse momento em diante, entrei em
conflito aberto com os nacional-socialistas.

O primeiro incidente ocorreu em 1935. Espalhara-se em Düsseldorf um infame


panfleto anticatólico. Reproduzia ele as fábulas mais ridículas saídas do surrado
catálogo dos adversários da Igreja. Atacava a moral e o dogma cristãos, o Papa,
os sacerdotes e as ordens religiosas. Um desses panfletos me foi mostrado. Para
minha grande surpresa, trazia a assinatura de Weitzel, alto funcionário da polícia
de Düsseldorf. Assinara ele o nome sem mencionar o posto. Mas esse folheto só
podia ter sido distribuído com sua conivência e auxílio.

O governo nacional-socialista havia assinado com a Igreja Católica uma


concordata pela qual esta última devia ser protegida contra tais ataques,
especialmente da parte de pessoas que ocupavam cargos oficiais. Num Estado
em que as leis fossem realmente cumpridas, o autor desse documento
escandaloso seria denunciado e imediatamente processado. Mas na Alemanha
nacional-socialista isso teria sido supérfluo, porque nenhum juiz ousaria aplicar
a lei. Tratava-se dum Conselheiro de Estado. Escrevi a Göring chamando sua
atenção para o que se me afigurava um exemplo intolerável de desordem. Göring
não respondeu, mas, algum tempo mais tarde, me disse que havia mandado fazer
um inquérito. A questão não foi levada adiante.

A perseguição dos católicos estava apenas começando. Dessa data em diante, a


desordem, a ilegalidade e as arbitrariedades passaram a ser as principais armas
do arsenal nacional-socialista.

Em setembro de 1935, fui chamado a Nuremberg para tomar parte numa reunião
extraordinária do Reichstag. Antes da reunião, ouvi dizer que o Reichstag, a
pedido de Hitler e de acordo com o comandante-em-chefe do exército, General
von Blomberg, teria de votar uma lei determinando a substituição da antiga
bandeira do Império, preta-branca e vermelha, pela suástica do nacional-
socialismo. Voltei de trem imediatamente, sem esperar a reunião. Assim, não
votei a favor da lei infame aprovada em Nuremberg, elevando o antissemitismo à
categoria de política do governo. Desde esse dia, mesmo nas circunstâncias mais
solenes, tais como no casamento de minha filha, a que compareceu o Arcebispo
de Colônia (convidei Göring, mas ele não foi), nunca pendurei a suástica na
minha residência de Speldorf, mesmo quando nos davam ordem para hastear
bandeiras.

Algum tempo mais tarde, minha mulher encontrou-se com o general von
Blomberg e deu voz à sua surpresa:

— Como pôde o senhor fazer uma coisa dessas?

— Pesa-me comunicar-lhe — respondeu Blomberg — que o exército teve de


fazer essa concessão ao Führer.

Os nazis tinham, de fato, extorquido o consentimento do exército, alegando que


o rearmamento podia ficar comprometido com a questão da bandeira. Haviam
eles explorado habilidosamente o fato de que em muitas regiões, e
particularmente nas províncias do Reno, a população, com o fim de exprimir seu
descontentamento com o regime, raramente hasteava a bandeira da suástica, mas
sim quase invariavelmente o velho pendão imperial. Os nazis tinham
interpretado mais ou menos corretamente essa agitação política contra seu
partido.

Durante quatro anos fui a testemunha melancólica e impotente da incoerência, da


futilidade e da corrupção dos lideres nacional-socialistas. Só numa ocasião mais
protestei formalmente e por escrito. Foi na época dos excessos antissemitas de
novembro de 1938. Mas nem Hitler nem Göring desconhecia meus sentimentos
relativamente à sua política. Eu os havia expressado publicamente no Conselho
de Estado e nas reuniões econômicas a que compareci. No entanto, de que servia
fazer oposição a uma ditadura? Até mesmo um general, a quem um dia observei
que “aquilo não podia continuar”, deu de ombros e replicou: “Que é que você
pode fazer?” Um industrialista se vê muito mais impotente que um general. Pode
ser preso sob qualquer pretexto.

Os acontecimentos importantes de 1938 deixaram- me cético. No ano seguinte, a


ocupação de Praga e da Checoslováquia, a despeito das promessas solenes feitas
aos governos de grandes países, pareceu-me criminosa e indigna. Ao mesmo
tempo olhei-a como um perigoso erro político. Veio depois a provocação da
Polônia. Durante cinco anos Hitler havia constantemente exaltado a amizade
entre a Alemanha e a Polônia. Sua mudança de atitude com relação aos
poloneses pode, na minha opinião, ser explicada pela irritação que ele
experimentou quando o governo da Polônia recusou aliar-se ao dele na projetada
grande expansão para o oriente — operação que, segundo se esperava, daria à
Alemanha toda a Rússia Europeia até os Montes Urais. Esse plano foi de fato
revelado exatamente antes da questão com a Polônia pelo confidente e
conselheiro econômico de Hitler, Wilhelm Keppler, numa reunião da diretoria do
Reichsbank a que estive presente.

Achava-me eu já em Gastein quando, a 23 de agosto de 1939, fui informado da


conclusão do pacto entre Stalin e Hitler. Seguira atentamente o desenvolvimento
da situação internacional. Contava ainda com o sucesso do movimento nacional-
socialista no jogo diplomático que se estava desenvolvendo. O rumo ulterior dos
acontecimentos deu alimento à minha inquietude; nunca, no entanto, imaginei
que Hitler cometesse a suprema loucura de precipitar a Alemanha numa guerra
europeia. Alguns dias antes, eu recebera de Albert Vögler uma carta que me
levara a sérias reflexões. Vögler tinha conferenciado com o diretor de fábrica
que fazia parte de uma delegação de industrialistas alemães que acabava do
voltar da Rússia. Num jantar de despedida oferecido por um comissário russo da
indústria, este último erguera sua taça à “amizade entre a Rússia e a Alemanha”.
Devo confessar que, ao receber essa carta, fiquei a pensar em que alguma coisa
andava no ar. A simples possibilidade de um acordo entre a Rússia soviética e a
Alemanha nacional-socialista parecia absolutamente incrível.

Eu havia sempre prevenido os industrialistas, bem como os círculos militares,


contra uma aproximação com a Rússia comunista. Para mim, esse regime era o
inimigo da Alemanha e da Europa em geral. Negociar com a Rússia parecia-me
crime tão grande quanto a traição dos príncipes protestantes alemães que se
aliaram a Richelieu contra o Imperador do Santo Império Romano, na Guerra
dos Trinta Anos.

Hitler participava de minha aversão. Pelo menos assim eu acreditava. Seu livro
Mein Kampf contém páginas inteiras de imprecações contra o regime russo. De
súbito, por motivos de conveniência política, o Führer abandonou suas
convicções primitivas e concluiu uma aliança com um país que em outras
ocasiões ele próprio descrevera como sendo o Inimigo N.º 1 da Europa. Uma
tática assim brusca pode ser considerada excelente diplomacia por Hitler e
Ribbentrop; para mim, era apavorante. Significava a mudança completa da
tradicional política doméstica e estrangeira da Alemanha. O governo nacional-
socialista tinha combatido o bolchevismo tanto na frente interna como na
externa. Pactos anticomunistas haviam sido concluídos com a Itália, o Japão, a
Hungria e a Espanha. Hitler pregara a cruzada contra a Rússia bolchevista,
apresentando-a como a inimiga da raça humana. E de súbito se aliava ao
monstro.

Teve a insolência de pedir a pessoas sérias que o amparassem nessa aventura.


Quanto a mim, eu nunca teria sido suficientemente imbecil ou covarde para
segui-lo.

Mas os alemães — que como raça nunca tiveram muita agudeza política —
estavam completamente confundidos pelas inúmeras mentiras que lhes
despejavam nos ouvidos. Pensavam que um pacto com Stalin era apenas como
outro pacto qualquer. Não tinha o próprio Bismarck concluído uma aliança com
o Czar? Um dos traços mais grotescos no caso é o de que certos alemães, que de
fato temem o bolchevismo, em vez de protestar contra Hitler, acusaram-me de
encorajar o advento do bolchevismo na Alemanha. Dizem que foi meu protesto
contra Hitler que motivou a confiscação de minha fortuna privada. Isso cria um
precedente perigoso. E esse foi o extremo a que eles chegaram!

Do lado russo, além do interesse político em jogo, posso explicar a mudança de


máscara com dois argumentos psicológicos. Stalin, dizem, exprimiu sua
admiração por Hitler depois dos acontecimentos de 30 de junho de 1934.
Assassinando seus adversários políticos, Hitler havia mostrado a Moscou que ele
tinha as qualidades dum verdadeiro ditador. Desse momento em diante, Stalin
passou a levar Hitler a sério. Além disso, os russos ficaram extremamente
impressionados pela atitude das Potências Ocidentais por ocasião da ocupação
da Checoslováquia. Em 1939, seu senso de realismo político mostrou-lhes a
maneira como podiam desviar a ameaça de Hitler a Rússia e, ao mesmo tempo,
restabelecer suas fronteiras antigas. Hitler e Stalin não conhecem princípios.
Nisso são parecidos. Mas a conclusão do pacto foi o golpe mestre de Stalin. Por
meio dele, o comissário do povo se desembaraçou momentaneamente da ameaça
muito real representada pelo Exército Alemão — um exército infinitamente
superior ao Exército Vermelho — equipado e treinado principalmente para a
guerra na frente oriental. A mim, naqueles dias de agosto de 1939, o pacto com
Moscou me pareceu abominável sob dois aspectos. Primeiro, porque era uma
aliança não-natural com o inimigo da civilização ocidental; segundo, porque era
uma preliminar imediata à guerra.

Como contei acima, dirigi um protesto formal aos chefes nacional-socialistas a


1.º de setembro. Os acontecimentos que se seguiram justificaram essa minha
atitude. A violação dos países neutros, a Dinamarca, a Noruega, a Holanda, a
Bélgica e Luxemburgo, eliminou o Terceiro Reich da lista dos Estados
civilizados. É bem possível que, na própria Alemanha, a imensa maioria de
alemães, ofuscada pelas vitórias iniciais e enganada por uma propaganda
mentirosa, não esteja em condições de compreender esse fato.

Até a última hora pensei que seria possível evitar a guerra. Consolei-me com
imaginar que os generais responsáveis conseguissem conter Hitler. Antes da
Blitzkrieg de 1940 na frente ocidental, eu ainda esperava que fosse possível
evitar o assalto ao Ocidente. Foi por isso que pedi aos chefes nazis publicassem
o memorando em que eu expunha as razões de minha oposição à guerra,

Mas Hitler e seus conselheiros fizeram ouvidos de mercador. Acham que podem
forçar o Destino a lutar de seu lado. O ultraje que eles perpetraram contra a
Europa há de cair sobre eles próprios e — desgraçadamente — sobre o seu
inconsciente instrumento: o povo cego e surdo da Alemanha.

Quanto a mim, tirei minhas conclusões e agi de acordo com elas. Mas espero e
acredito que a paz que se seguirá à queda de Hitler seja concluída à luz da
experiência obtida desde 1918. A história do erro político que me levou a
acreditar em Hitler, e do meu despertar, é a minha contribuição para um futuro
melhor.

NOTAS

(1) Vide o capítulo "A HISTÓRIA DESTE LIVRO".

(2) Nota do autor: Esta carta a Göring captava o memorando de 20 de Set. de


1939.
SEGUNDA PARTE

O CAMINHO PARA O TERCEIRO


REICH

1. DERROTA E REVOLUÇÃO
A Alemanha Ameaçada pela Anarquia

FUI oficial na primeira Guerra Mundial. Até o último dia participei dos
sofrimentos e das esperanças que animavam todos os soldados na frente. Havia
muito eu sabia que a população civil da Alemanha estava cansada do gigantesco
esforço que fizera. Na nossa região industrial da Renânia e da Westphalia, onde
se achavam situadas as fábricas de meu pai, os fogos da revolta estavam acesos
fazia muito. Entre 1917 e 1918 houve greves, acompanhadas de desordens tão
graves, que muitíssimas pessoas foram presas nas cidades industriais do Reno.
Essas greves foram motivadas pela falta de alimentos e pelos consequentes
sofrimentos das famílias dos operários; mas a agitação política agravava a
natureza dessas greves.

Em Kiel as tripulações navais, sob a influência da propaganda socialista, tinham


negado obediência aos superiores, fazendo uma tentativa de motim. Do 1918 em
diante, a agitação extremista assumiu um caráter ainda mais revolucionário. O
exemplo dado pela Revolução Russa, sub-repticiamente fomentada pelo Alto
Comando alemão, teve sérias repercussões na Alemanha. Os bolchevistas, que
haviam tomado o poder em Moscou durante a Revolução de Outubro, mandaram
seus agentes mais perigosos atravessar a fronteira. Por toda a parte ocorriam
incidentes; mulheres e crianças faziam demonstrações contra a escassez de
alimentos ou em favor da paz. Na frente de batalha, Ludendorff fez a última
tentativa para forçar uma solução militar. O sucesso da ofensiva de 1918 a
princípio ergueu a moral do povo alemão. A derrota final fê-la cair ao grau mais
baixo.

Nem os oficiais do exército nem mesmo a grande massa de soldados foram


afetados pela propaganda derrotista e revolucionária. O exército sucumbiu
exausto de seu esforço, à esmagadora superioridade das forças contrárias.

Em outubro de 1918, a revolução começou a tomar forma. Os socialistas da


extrema esquerda haviam fundado um grupo chamado “Spartacus”, que era o
nome do gladiador romano que havia começado a Terceira Revolta da Plebe no
ano 73 A, C. O grupo “Spartacus” mais tarde se transformou no Partido
Comunista Alemão. Elementos radicais, inspirados pelo exemplo russo, estavam
preparando a formação de conselhos de operários e soldados, isto é — “soviets”.
O temporal se aproximava.

Foi em Kiel que caiu o primeiro raio. O motim na Armada Imperial, em


princípios de novembro, marcou o início da Revolução Alemã. Ela se espalhou
rapidamente através de todas as cidades da Alemanha Septentrional. Em
Colônia, socialistas desfilaram em parada pelas ruas, mesmo antes de ser
assinado o armistício. Os soldados que voltavam da frente eram desarmados ao
chegar às estações. A maioria deles confraternizava com a multidão. Nas cidades
renanas os chefes socialistas moderados, a princípio conseguiram evitar a
desordem. Mas a chegada de delegados dos revoltosos de Kiel, acompanhados
de agitadores profissionais, foi decisiva, Nas grandes cidades industriais — em
Hamborn, Mühlheim e Essen — formavam-se “soviets” de operários e soldados
que rapidamente tomavam conta do poder.

Afim de evitar a desordem e a sabotagem na região Renano-Westphaliana, o


grande industrialista renano, Hugo Stinnes negociou com os sindicatos.
Conseguiu promessas que garantiam a ordem e a paz social da região. Mas já
uma parte dos trabalhadores, influenciada pela propaganda revolucionária, havia
abandonado a chefia do partido Social-Democrático. Os conselhos de operários e
soldados abriram as portas das prisões e os prisioneiros políticos dos dois
últimos anos foram postos em liberdade. Junto com eles foram soltos muitos
homens de passado duvidoso, que podiam ser revolucionários sinceros ou
criminosos comuns.

Em Mühlheim passamos cinco semanas dolorosas. Os conselhos de


trabalhadores e soldados que se mantinham no poder fizeram pregar cartazes em
toda a parte, anunciando que os excessos e a pilhagem seriam passíveis de
punição. No entanto, não havia mais segurança nas ruas. Nos conselhos, os
elementos moderados, que a princípio tinham maioria, haviam capitulado aos
agitadores radicais.

Na noite de 7 de dezembro, um grupo de homens, armado de espingardas e


pistolas, apresentou-se à minha porta. Tinham vindo prender-me. Levaram
também consigo meu pai, a despeito de seus setenta e seis anos. Fomos
escoltados até a prisão de Mühlheim, onde quatro outros industrialistas em breve
chegaram para nos fazer companhia. No meio da noite fomos despertados, e uma
dúzia de indivíduos de aspecto truculento, armados de revólveres, ordenaram-
nos que saíssemos para o pátio. Pensei que iam executar-nos. No entanto
levaram-nos simplesmente para Berlim.

Meteram-nos em carros de terceira-classe e sentaram-se perto das portas, sem


dúvida para evitar qualquer tentativa de fuga de nossa parte. Fazia frio.
Felizmente meu pai conseguira trazer consigo um cobertor. O trem chegou à
estação Potsdam, em Berlim, na noite seguinte. Na plataforma um destacamento
militar nos esperava. Nossa escolta nos entregou aos soldados e dirigiu-nos
motejos ao se retirarem. Meu pai, que tinha deixado o cobertor no trem,
aproximou-se de um dos guardas e lhe pediu muito delicadamente que fosse
buscá-lo.

— Quem é que você pensa que eu sou? — disse o homem, indignado. — Sou
o chefe de Polícia de Berlim.

Fiquei sabendo mais tarde que se tratava de Emil Eichhorn, perigoso agitador
comunista a serviço da Rússia Soviética e que se havia nomeado a se mesmo
chefe de polícia de Berlim durante a revolução. Tinha transformado a estação-
central-da polícia, na Alexanderplatz, comumente conhecida pelo nome de
“Casa Vermelha”, numa fortaleza e havia escolhido seu corpo de guarda-costas
entre os mais obscuros elementos do proletariado de Berlim. A maioria deles era
formada de fugitivos da cadeia. Dizia-se que Eichhorn havia ordenado a prisão
de muitos inimigos políticos e funcionários do velho regime, mandando-os
fuzilar sem julgamento no pátio do quartel-general da polícia. Um mês mais
tarde, esse estranho chefe-de-polícia organizou motins nas ruas de Berlim, e o
governo social-democrático teve de apelar para o exército afim de desalojá-lo da
“Casa Vermelha”, onde ele suportou um cerco regular.

Tal era o homem em cujas mão tínhamos sido entregues. Ele nos levou ao
quartel da Polícia e nos interrogou.

— Sois acusados de traição — disse ele — e de atividades


antirrevolucionárias. Sois inimigos do povo e haveis pedido a intervenção das
tropas francesas com o fim de evitar a revolução socialista.

Nenhum de nós tivera o mais leve contato com o exército francês de ocupação.
Protestamos todos contra a acusação.
Eichhorn continuou com insolência:

— Não tenteis negar. Estou bem informado. Anteontem tivestes uma


conferência em Dortmund com outros industrialistas e decidistes mandar uma
delegação ao general francês para lhe pedir ocupasse o Reno. É uma traição. Que
tendes a dizer, cavalheiros?

Olhamos uns para os outros, atônitos. Nenhum de nós tinha ido a Dortmund.
Quanto a mim, eu nada sabia de tal decisão. Mais tarde fui informado de que a
aludida conferência nunca se realizara. Meu pai e eu pudemos apresentar um
álibi. Durante uma semana inteira não havíamos deixado Mühlheim; numerosas
testemunhas podiam confirmar nossas declarações. Eichhorn respondeu
brutalmente:

— Que testemunhas! Todos burgueses! Seus depoimentos não têm o menor


valor. Devem-nos embora.

Fomos levados para fora do gabinete do chefe. Não nos sentíamos seguros.
Teríamos escapado à morte em Mühlheim apenas para sermos fuzilados em
Berlim? Depois de curto intervalo, um empregado veio informar a nossos
guardas que não havia mais lugar para prisioneiros no quartel-general da polícia.

— Leve-os para Moabit — disse.

Era a prisão principal de Berlim. Ao portão do quartel da polícia, um carro


daquela prisão nos esperava. Através das grades pudemos ver a agitação nas ruas
de Berlim; perto da Alexanderplatz, um carro-metralhadora andava de patrulha.
Depois de vinte minutos, nosso carro entrou no pátio da prisão. O diretor veio a
nosso encontro e disse:

— Não sei nada a respeito deste assunto. Seja como for, para os senhores
talvez seja melhor ficar aqui. Comigo pelo menos estão garantidos.

Isso parecia confirmar os sinistros boatos a respeito das execuções no quartel da


polícia. O diretor da prisão de Moabit era um antigo oficial, responsável perante
a administração do Estado da Prússia e não perante o temível chefe de Polícia.

Meu pai foi internado na enfermaria, em virtude de sua idade avançada.


Suportou aquela aventura com a maior calma.
— Não faz mal — dizia — na minha idade nenhum incidente de importância
me pode acontecer.

Os outros industrialistas e eu ficamos confiados às celas dos “prisioneiros sob


investigação”, e não na secção dos prisioneiros condenados. Vivemos uma vida
quase luxuosa. Dávamos os nossos passeios diários no pátio da prisão. Mais
tarde recebi numerosas cartas de prisioneiros que me lembravam do tempo que
passamos juntos na Moabit.

Na manhã seguinte, o capelão protestante da prisão entrou na minha cela. Vinha


trazer-me o consolo de sua fé. Declarei-lhe que era católico. Elo saiu sem mesmo
me dizer adeus. Aquilo estava fora de sua atribuição. Vários minutos se
passaram, e o capelão católico chegou. Fez um pequeno discurso de que hei de
me lembrar toda a minha vida.

— Sim, eu sei — disse-me ele — é sempre a mesma história. No primeiro dia


o senhor finge estar cheio de coragem e não acredita em que lhe possa acontecer
alguma coisa. Mas espere o terceiro dia... e vai ver o que acontece quando
souber o que o espera. Nesse dia se sentirá esmagado. — O bom homem pensava
que já tínhamos sido condenados à morte. Aplicou no meu caso o método que
usava com os prisioneiros comuns. Afim de persuadi-los a aceitar suas funções
eclesiásticas e fazer que eles se arrependessem de seus crimes, assustava-os com
visões de tremendos castigos que lhe estariam reservados.

No quarto dia fui posto em liberdade com os outros. Eichhorn, parece, mandou
verificar as nossas declarações e não pôde sustentar nenhuma acusação contra
nós. Foi assim o meu primeiro contato com a Revolução de 1918.

No dia 19 de novembro assisti à volta das tropas, em Colônia. Eram o 6. ° e o 17.


° exércitos que haviam cruzado as pontes do Reno pela madrugada e cm boa
ordem. A cidade estava cheia de bandeiras e a população aclamava os soldados e
oficiais, oferecendo-lhes café e cigarros.

A Divisão Jäger formou em parada na Praça da Catedral, diante do General von


Cassel. Foi precedida pela bandeira negra-branca-vermelha do Reich, a bandeira
negra e branca da Prússia e o pendão verde dos Jägers. Marchando à frente de
cada batalhão, as bandas tocavam marchas militares. Todos marchavam em
passo de ganso; era um espetáculo confortador de ordem e disciplina, no meio do
levante revolucionário que se estava espalhando cada vez mais.
O regimento de Mühlheim voltou três semanas mais tarde, aclamado pela
população. Mas a calma não durou muito tempo. Em Mühlheim todos os
operários conheciam e respeitavam meu pai. Em Hamborn, entretanto, onde só
tínhamos uma fábrica, os elementos radicais mantinham-se no poder. Em todo o
distrito industrial a revolução foi organizada pelo comunista Karl Radek,
delegado em Essen do soviet russo. É interessante notar que, até mesmo em
Essen, ele havia chegado a uma espécie de acordo com o prefeito, Hans Luther,
que mais tarde se tornou chanceler do Reich, depois presidente do Reichsbank, e
finalmente embaixador em Washington. Luther sempre foi mais bem sucedido
como político do que como perito em finanças. Casualmente não sei por que
meios conseguiu ele amolecer Radek, o revolucionário russo; no entanto é
verdade que este último se absteve de provocar qualquer desordem em Essen,
mostrando-se muito mais ativo em outras cidades.

Nas vésperas de Natal, foi declarada uma greve em Hamborn. Alarmado, o


prefeito me chamou ao telefone para me pedir fosse até lá. Entretanto, como já
disse, Hugo Stinnes tinha conseguido negociar, logo depois do armistício, um
acordo com os sindicatos em nome de toda a indústria do distrito. Este acordo
não havia sido denunciado. Relembrei isso ao prefeito, acrescentando que não
podia concluir nenhum arranjo separado. E assim ficou a coisa, Mas, cedo na
manhã seguinte, uma delegação de cinco operários comunistas foi a minha casa
de Mühlheim. Queriam levar-me a força para Hamborn. Eu não sonhava com a
possibilidade de repetir a recente experiência de Berlim ...

Disse ao criado que lhes fizesse saber que eu me estava vestindo e lhes pedisse
entrassem para tomar um café, enquanto eu me aprontava. Avisei minha esposa e
lhe pedi fosse com nossa filhinha para Duisburg, que estava ocupada por tropas
belgas. Entrementes, combinamos que eu iria avisar meu pai. Morava ele a cerca
de doze quilômetros de distância de Mühlheim, no Castelo de Landsberg, sobre
o Ruhr. Saí por uma porta secreta e me encaminhei para Landsberg. Meu pai eu
saímos imediatamente a pé, ganhando a estrada. Mas logo conseguimos lugar
num automóvel, o que poupou ao meu velho pai uma caminhada penosa de cerca
de onze quilômetros. Tínhamos boa razão para temer nova prisão. Já se
espalhara o boato de que personalidades conhecidas haviam sido fuziladas pelos
bandos comunistas. A mais conhecida dessas execuções de reféns foi a que se
realizou em Munich, onde o governo revolucionário ordenou que fossem
executados sumariamente os notáveis da cidade que se achavam presos.

A impressão que esses dias agitados me deixaram jamais se apagou. Passei


minha vida no meio de operários. Meu pai trabalhara com eles no princípio de
sua carreira. Nunca os trabalhadores de nossas fábricas nos manifestaram a
menor espécie de hostilidade, e muito menos de ódio — nem mesmo os
comunistas. Todas as desordens e excessos quase sempre eram devidos a
estrangeiros.

Hamborn sempre foi a cidade mais vermelha do distrito industrial. Vários anos
depois da revolução o Partido Nacional Alemão, ao qual eu pertencia, convidou-
me para assistir a uma reunião eleitoral naquela cidadela comunista. Durante
todo o caminho houve demonstrações contra a presença em Hamborn do
candidato reacionário, o que a multidão considerava uma provocação. Por
medida de prudência, eu deixara meu carro a alguma distância do lugar da
reunião. O comitê do partido fora suficientemente inábil para organizar seu
comício eleitoral em local geralmente escolhido para as demonstrações
comunistas. Quando cheguei à porta do salão, achei os lugares ocupados em
grande parte por pessoas que traziam a insígnia do Partido Comunista. A
atmosfera era tempestuosa. No entanto o candidato fez seu discurso sem ser
interrompido. Depois a oposição replicou. Um chefe comunista local passou
todos os industrialistas do distrito em revista, analisando-os um por um. Achava-
me eu sentado na primeira fila, e com toda a certeza ele me havia visto. Seu
discurso foi violento. Esperei que ele me atacasse, provocando assim uma
demonstração hostil. Nada disso aconteceu.

Durante todo o período crítico que precedeu a ascensão de Hitler ao poder,


muitas vezes tive de tratar com os comunistas que trabalhavam em minhas
fábricas. Quando lhes falava, compreendia que muitos deles estavam animados
de uma grande dose de idealismo. Acreditavam naquela doutrina falsa,
imaginando que ela poderia assegurar a felicidade do proletariado. Mas ao tempo
em que a revolução irrompeu, os que cometiam excessos não tinham saído dos
meios operários. Os organizadores de greves e motins eram agitadores políticos
profissionais, muitos dos quais estavam a soldo dos revolucionários de Moscou.
Radek em Berlim e Essen, Leviné e Axelrod em Munich — Esses eram os
responsáveis pelos levantes e assassínios. O Partido Social-Democrático
consistia de gente razoável e moderada. Quando os mineiros se declararam em
greve, em janeiro de 1919, tomei parte nas negociações com os grevistas.
Compreenderam eles a posição difícil dos industrialistas. Estes últimos, de sua
parte, fizeram o que lhes foi possível para remediar a escassez de alimentos,
resultante da continuação do bloqueio dos Aliados. Chegamos a um acordo, e
esse acordo teria sido respeitado não fosse a intervenção dos anarquistas e dos
radicais, cuja única função é criar ou encorajar a desordem em tempos de crise.

Durante um ano inteiro, de 1918 a 1919, senti que a Alemanha ia mergulhar na


anarquia, As greves se seguiam umas as outras sem motivos ou resultados, uma
vez que a alimentação da população operária não dependia dos empregadores.
Era impossível reorganizar a produção industrial. O trabalho das minas de
carvão diminuía dia a dia,

Nós temíamos até que os sabotadores chegassem a destruir a maquinaria.


Ninguém mais tinha a liberdade individual assegurada, nem mesmo garantias de
vida. Um homem podia ser preso e fuzilado sem o menor motivo.

Foi então que compreendi a necessidade — já que a Alemanha ia atolar-se na


anarquia — de combater todos esses agitadoras radicais que, longe de dar
felicidade aos trabalhadores, apenas criavam a desordem. O Partido Social-
Democrático tentava manter a ordem, mas era fraco demais. A lembrança desses
dias muito influiu na minha decisão posterior de oferecer auxílio ao Nacional-
Socialismo, que eu acreditava capaz de resolver duma maneira nova os
prementes problemas industriais e sociais desse grande país industrial que é a
Alemanha.

NOTAS HISTÓRICAS

OS MOTINS DE KIEL

A Revolução Alemã começou em outubro de 1918, com o motim dos


marinheiros da armada estacionados em Kiel. A causa imediata foi o
descontentamento dos marinheiros ante a má qualidade dos alimentos que
começavam a ser servidos a bordo dos vasos-de-guerra no verão de 1918. Um
certo número de marinheiros e fuzileiros que haviam participado das desordens,
foi preso por seus superiores e ameaçado de severos castigos. Muitos oficiais
navais se distinguiram por sua crueldade ao fazer essas prisões. As organizações
revolucionárias secretas, que então cobriam todo o país, exploraram esses
incidentes para fazer agitação entre as tripulações navais. Quando o armistício
parecia quase certo, alguns membros do almirantado estavam ainda preparando o
lançamento de alguns navios-de-guerra e cruzadores da frota alemã, na
esperança de travar uma batalha decisiva no mar. Entre os marinheiros,
entretanto, e também entre os oficiais navais inferiores, começou a disseminar-se
um forte sentimento de oposição. Nos primeiros dias de novembro, dezenas de
marinheiros deixaram seus navios e organizaram paradas através da cidade,
fazendo ondular a bandeira vermelha; a eles se juntou grande número de
operários e soldados que estavam de licença. As lojas tiveram de ser fechadas
depois de várias delas terem sido saqueadas. Noske, um membro
socialdemocrata do Reichstag, foi mandado a Kiel; conseguiu ajustar o
movimento de Kiel dentro dos trilhos da ordem, especialmente depois que se
soube que a República havia sido proclamada em Berlim.

A LIGA “SPARTACUS”

Depois que o Partido Social-Democrático se cindiu, durante a Guerra, por causa


da questão dos créditos de guerra, uma agitação radical começou a disseminar-se
entre os operários socialistas. A princípio foi dirigida principalmente contra o
governo e contra seu procedimento durante a Guerra. Depois do triunfo da
revolução bolchevista na Rússia, entretanto, a agitação tomou um caráter mais
revolucionário e foi dirigida particularmente contra a chefia do Partido
Socialdemocrata. Papel particularmente importante teve nessa propaganda uma
série de cartas assinadas por “Spartacus”, pseudônimo escolhido em memória do
chefe de uma revolta histórica dos escravos, na Roma antiga. Indubitavelmente
essas cartas contribuíram muito para atiçar o fogo da Revolução Alemã. Eram
elas lidas com assiduidade, embora a polícia doméstica, bem como a polícia
militar do front, confiscasse todas as cópias que lhes caíam ao alcance das mãos.
Nunca foi possível estabelecer quem pertencia à liga “Spartacus”, pela qual as
cartas eram distribuídas. Mais tarde concluiu-se que o chefe da Liga era, um
antigo membro do Reichstag, Ledebour, e que Karl Liebknecht e Rosa
Luxemburgo eram seus íntimos colaboradores.

O GOVERNO DOS COMISSÁRIOS DO POVO

Imediatamente depois da proclamação da República Alemã, a Alemanha foi


governada por um “Conselho dos Comissários do Povo”, que consistia de três
membros da mais antiga ala da maioria do Partido Social-Democrático, e três
membros dos “Socialistas Independentes”, que haviam dissentido do Partido
Socialdemocrata, depois que este votou os créditos de guerra durante a primeira
parte da Guerra Mundial. Fritz Ebert, presidente do diretório do Partido Social-
Democrático, presidia o Conselho.

2. HUMILHAÇÃO NACIONAL
Versalhes e o Ruhr

MINHA família sempre foi católica. Meus antepassados vieram da margem


esquerda do Reno, depois de se terem estabelecido como camponeses na região
fronteiriça entre Liège e Aix-la-Chapelle. Meu pai e eu pertencemos, até depois
da Guerra Mundial, ao partido católico do Centro, sendo que meu pai era muito
chegado a Mathias Erzberger, o chefe desse grupo. Éramos quase os únicos
católicos, entre os industrialistas do distrito: a maioria deles era protestante. Ser
um católico preeminente numa região administrada por prussianos, não era coisa
que deixasse de oferecer suas desvantagens. Tínhamos tido um exemplo disso no
tempo de Bismarck e do famoso Kulturkampf. Essa foi a razão pela qual demos
nosso apoio ao partido do Centro, organização que defendia os direitos dos
católicos contra a política do governo, muitas vezes excessivamente prussiana e
protestante. Mas depois da Guerra, o partido do Centro, e especialmente seu
presidente, Erzberger, perdeu todo o sentimento de orgulho nacional. Ao tempo
do Armistício e da assinatura do Tratado de Versalhes, meu pai e eu estávamos
profundamente entristecidos ante o espetáculo da abjeta humilhação da
Alemanha. Abandonamos o partido do Centro depois que ele participou da
assinatura do Tratado.

Na primavera de 1919, fui a Paris com um dos membros da Delegação Alemã da


Paz, o Ministro dos Correios, Johann Giesberts. Giesberts manteve-se como
membro da delegação inicialmente como mandatário do importante partido
católico. Eu próprio não tinha nenhuma posição oficial. Esperava, entretanto, ser
útil à delegação alemã na discussão das questões econômicas que deviam ser
ajustadas no Tratado de Paz, valendo-me dos numerosos contatos que havia feito
na França antes da guerra. Mas me foi absolutamente impossível renovar essas
relações. Fiz várias viagens de Versalhes a Paris, mas sempre sob severa
vigilância policial.

Não é necessário retraçar a dolorosa história das negociações de Versalhes. Hoje


está claro a toda a gente que o tratado ali imposto à Alemanha foi abominável.
Mas eu gostaria de pagar meu tributo à memória do Conde de Brockdorff-
Rantzau. O governo socialista da Alemanha, valendo-se da experiência
diplomática desse homem, havia-o nomeado Ministro dos Negócios
Estrangeiros, e chefe da delegação que devia negociar a paz. Brockdorff aceitara
o encargo na esperança de poder discutir e concluir um tratado baseado na lei. A
atitude dos Aliados dissipou essa esperança. Clemenceau impôs à Alemanha um
tratado que a onerava com a responsabilidade da guerra. Condenou-a a pagar
reparações que eram absurdas do ponto de vista econômico, mutilou-lhe as
fronteiras e privou a nação alemã do direito de dispor de seus próprios negócios.
Brockdorff, com quem eu tinha boas relações, se opôs à assinatura do tratado. Os
peritos econômicos designados para estudar as condições pertinentes às
reparações (e aos quais estava eu ligado de maneira não-oficial) declararam tais
condições impossíveis de cumprir.

Permaneci quase três meses em Versalhes. Parti a 16 de junho de 1919, para


acompanhar os ministros alemães da Delegação de Paz a Weimar, onde o
governo e a Assembleia Nacional se achavam então reunidos. Brockdorff fez o
possível para persuadir o governo alemão a não assinar o Tratado. Eu próprio
procurei convencer os deputados católicos meus conhecidos de que seria um erro
aceitar as condições draconianas dos Aliados. Quase todos eles eram de opinião
que o Tratado não podia ser cumprido, mas achavam também que uma recusa à
sua assinatura estava fora de cogitação.

Esse foi um erro político capital. Assinando o tratado, nós nos empenhamos no
seu cumprimento. Sabíamos, no entanto, que isso era impossível. Na minha
opinião, a grande mentira política que envenenou a Europa por mais de vinte
anos começou no dia da assinatura do Tratado de Versalhes.

Brockdorff insistiu, discutindo com o governo, em que a assinatura fosse negada.


Fez isso na plena compreensão das consequências que adviriam para a
Alemanha. O Marechal-de-Campo von Hindenburg, quando consultado quanto à
possibilidade da resistência militar, declarou que no ocidente ela seria inútil, em
face dos recursos superiores dos adversários. Mas acrescentou: “Meu dever
como soldado é preferir a morte a uma paz desonrosa.” O conselho de
Brockdorff era o de deixar que os Aliados invadissem a Alemanha e ficassem
com toda a responsabilidade de uma ação militar contra um povo que não se
podia defender. Tinha ele examinado a possibilidade da dominação estrangeira,
da ocupação, da fome ...

“Devemos nós neste momento exigir tais sacrifícios do povo alemão?” —


perguntou ele ao chanceler da Alemanha, Friedrich Eber. — “Creio que sim —
acrescentou com orgulho — porque esses são os últimos sacrifícios que a guerra
exige de nosso povo.”

Ebert compreendia a situação interna. Sabia que a recusa que Brockdorff


recomendava com insistência podia resultar na revolução. Temia ver a Alemanha
mergulhada no Comunismo e na anarquia. Na minha opinião, Ebert exagerava o
perigo. O magnífico comportamento da população inteira revelado mais tarde
durante a ocupação do Ruhr, confirmava minha crença.

Numa comovente carta dirigida ao chanceler socialista, Brockdorff admitiu,


contudo, que as razões de Ebert eram plausíveis. “Mas — acrescentou — se o
estado de coisas é esse, não posso levar adiante a política estrangeira que
pretendia seguir”. E pediu demissão do cargo.

O dilema em face do qual os chefes alemães então se acharam era trágico.


Sabiam que a aceitação do Tratado na forma proposta constituía uma mentira aos
Aliados e uma mentira ao povo alemão, porque o tratado não era cumprível. Por
outro lado, a sua rejeição significava a rendição do país à ocupação estrangeira
imediata e a um movimento revolucionário. Ebert dissera em novembro de 1918:
“Detesto a revolução como detesto o pecado.” Decidiu aceitar. Foi apoiado nessa
atitude pelo chefe do partido do Centro, Mathias Erzberger, cujo temperamento
político favorecia a transigência e as manobras subtis. Para ele nada era
definitivo; na sua opinião, tudo o que a gente precisava era ter paciência e
habilidade, afim de mudar o curso dos acontecimentos e restabelecer a situação.

Para meu pai e para mim, a recusa à assinatura resultaria em consequências da


mais grave espécie. Porque a indústria da Westphalia e da Renânia teria sido a
primeira a sentir a manopla dos Aliados. Isso se fez evidente poucos anos mais
tarde, quando Poincaré ordenou a ocupação do Ruhr. Mas essa pressão
estrangeira hostil provocou inevitavelmente uma recrudescência do patriotismo.
Esta talvez tivesse ocorrido em qualquer caso. Mas fosse como fosse, meu pai e
eu éramos a favor da rejeição das obrigações que manifestamente não poderiam
ser cumpridas. Foi neste ponto que rompemos com Erzberger, a despeito da
profunda amizade que existia entre ele e meu pai. Assim, deixamos o partido ao
qual nossa família pertencia por tradição, e do qual meu pai tinha sido membro
desde a fundação — o Centro Católico.

Os excessos extremistas de 1918 e 1919 ameaçavam destruir a Alemanha pelo


fogo e pelo sangue. A assinatura do humilhante tratado condenava uma nação
inteira a uma espécie de escravidão econômica, que além de tudo redundava
num insulto, visto como extorquia ao povo alemão uma confissão de culpa. A
rendição forçada dos chamados “criminosos da guerra” foi sentida como uma
humilhação por todos os veteranos da guerra. O perigo revolucionário e a
humilhação de Versalhes deram origem à violenta reação antissocialista e
nacionalista que em breve ganhou força através de toda a Alemanha.

Grupos comandados por antigos oficiais do exército se formavam aqui e ali para
opor um dique aos elementos de desordem. Eram chamados “corpos livres”. O
governo mais ou menos os tolerava, porque os membros socialistas do governo
do Reich, e especialmente Gustav Noske, o ministro do Reichswehr, estavam
convencidos de que era necessário erguer uma sólida barreira à maré montante
da anarquia, afim de que o país pudesse ser levado de volta ao trabalho. O
próprio Ebert, destinado a se tornar mais tarde presidente da República Alemã,
estava longe de ser um extremista. Foi graças à sua influência pessoal e à
completa harmonia existente entre ele e o Marechal von Hindenburg (seu
sucessor eventual na presidência), através desses anos difíceis, que o exército
pôde contribuir para o renascimento da disciplina e do sentido da ordem na
Alemanha.

Foram os elementos militares e os conservadores da Alemanha que em 1920


levaram a cabo o primeiro golpe-de-estado do após guerra. Mesmo ao tempo da
assinatura do Tratado de Versalhes, em junho de 1919, um partido de oficiais
quis estabelecer uma ditadura militar e apelou para seu chefe, Gustav Noske, o
ministro socialista da defesa. O golpe de março de 1920 foi de fato uma
revivescência desse projeto. Aconteceu apenas que dessa vez quiseram os
generais livrar-se do radicalismo da ala-esquerda: puseram Noske de lado em
favor do dr. Wolfgang Kapp, um oficial conservador da Prússia Oriental,
fundador do partido da Pátria, o qual durante a guerra havia protestado contra as
resoluções de paz votada pelo Reichstag em 1917.

O General Ludendorff apoiou o novo projeto. Que o general era um grande


soldado foi o que ficou amplamente demonstrado durante a guerra. Mas nunca
tivera nenhum senso político. O maior erro de sua carreira foi pedir que lhe
tirassem o comando, no outono de 1918. Estou persuadido de que se ele tivesse
permanecido no seu posto, teria evitado a abdicação do Kaiser e sua fuga para a
Holanda. E, se assim fosse, a história da Alemanha de após-guerra teria tomado
um rumo absolutamente diverso.

Politicamente, o golpe-de-estado de 1920, mais tarde conhecido pelo nome de


Kapp Putsch, fora mal preparado. Os conspiradores não contavam com um apoio
verdadeiro, a não ser da Brigada de Fuzileiros do Capitão Ehrhardt, e de poucas
outras unidades militares. Mas o exército como um todo não havia sido
completamente conquistado. Não obstante, os putschistas conseguiram apoderar-
se de Berlim e das repartições do governo. Em consequência disso o governo
proclamou a greve geral.

No distrito industrial o resultado desse tosco atentado de contrarrevolução foi


um novo movimento revolucionário. Em Essen, Duisburg, Düsseldorf, e
Mühlheim, comitês revolucionários, reminiscência dos conselhos dos soldados e
operários de 1918, tomaram o poder político, dando como pretexto a greve geral
proclamada pelo governo de Ebert. A situação ficou mais crítica quando os
operários souberam que o General Watter, que comandava o Reichswehr em
Münster, confraternizou com os contrarrevolucionários em Berlim e preparou-se
para entrar no Ruhr. Os operários imediatamente organizaram uma milícia,
grande parte da qual foi armada com as carabinas retidas depois da guerra.

Logo que a perturbação começou, deixei Mühlheim com minha família, afim de
ir a Krefeld, à margem esquerda do Reno. A ponte que atravessa esse rio estava
guardada por soldados belgas, que permitiram minha passagem. Os
industrialistas alemães observavam o novo movimento revolucionário com
apreensão, porque ele de novo desorganizava toda a vida econômica do distrito.
As desordens duraram uma quinzena. Finalmente, o Reichswehr foi obrigado a
intervir, afim de restabelecer a ordem, e verdadeiras batalhas se travaram em
Duisburg e em Wesel entre a milícia operária e o exército.

O Putsch abortivo de Kapp e a onda de radicalismo que se lhe seguiu, teve


repercussão poderosa em nossa região industrial. Os espíritos agitados já não
mais encontravam calma. Durante o ano seguinte, novas greves e combates de
rua ocorreram em muitas cidades industriais do Ruhr. Só gradualmente pôde a
calma ser restabelecida. E mal se havia afastado o perigo revolucionário, já o
peso das reparações começava a desorganizar outra vez a vida econômica do
país.

O rio da inflação da moeda se erguia constantemente, aos poucos arruinava a


classe-média alemã, que não tinha compreendido o mecanismo monetário. Até
mesmo meu pai já não o entendia mais. Um dia, voltando de uma viagem,
contou-me indignado que o hotel onde habitualmente parava quis cobrar-lhe
dobrado o preço do quarto. Ele recusara pagar o novo preço, pedindo outro
quarto, que custava o que ele de ordinário pagava. Mas tratava-se, informou-me
ele, duma miserável água-furtada sob o telhado do hotel! Assim mesmo de outra
feita mandou vender um monte de títulos a um preço que parecia vantajoso. Mas
na realidade, estava claro, a soma em marcos papel tinha apenas um valor
fictício.

A consequência mais séria da inflação foi a de tornar impossível a adaptação dos


salários ao aumento constante do custo da vida,

Uma família operária não mais podia obter os gêneros de primeira necessidade;
porque era impossível dividir o salário semanal, cujo valor diminuía dia a dia, na
compra dos diversos artigos de consumo diário, durante a semana que se seguia
ao dia do pagamento. Para remediar esse estado de coisas, a indústria do Ruhr
emitiu finalmente uma espécie de dinheiro de emergência com valor estável,
com o objetivo de capacitar as donas de casa a fazer suas compras com
regularidade nas lojas das cooperativas operárias.

Enquanto estávamos discutindo remédios e caminhos, em meio de todas essas


dificuldades, o governo francês, sob a chefia de Poincaré, decidiu, em princípios
de 1923, ocupar a região industrial. A 11 de janeiro, tropas belgas e francesas
entraram em Essen e Gelsenkirchen. No dia seguinte, a ocupação foi estendida a
Bochum, Dortmund e à bacia inteira do Ruhr. Em várias cidades houve
incidentes de caráter sangrento, entre as tropas e a população. Operários foram
mortos.

Na minha opinião, o golpe de força de Poincaré podia ter-nos dado oportunidade


para denunciar o Tratado de Versalhes, Com efeito, decidindo tomar uma medida
tão grave como a ocupação militar de toda uma região alemã, sob o pretexto de
que certas entregas, de importância mínima, não haviam sido feitas a tempo, os
governos francês e belga tinham sido os primeiros a violar um tratado cuja
execução eles queriam ostensivamente garantir. Na verdade, os representantes da
Coroa da Grã-Bretanha nunca admitiram a existência de uma base legal para a
ocupação do Ruhr.

O sindicato alemão do carvão reuniu-se então em Hamburg. Compareci à sessão,


na companhia de outros industrialistas como Kirdorf, Krupp von Bohlen,
Klöckner, e Hugo Stinnes. Na minha opinião, uma vez que não tínhamos
aproveitado a ocupação para denunciar o Tratado violado por Poincaré,
devíamos agora resistir.

Uma segunda sessão se realizou vários dias mais tarde em Essen. Os outros
industrialistas adotaram minha opinião e me pediram fosse seu porta-voz. A
reunião aprovou uma resolução que declarava que os industrialistas só
entregariam carvão aos Aliados de acordo com o consentimento do governo de
Berlim. Ao mesmo tempo mandamos um emissário a essa capital pedir ao
governo nos protegesse, proibindo as entregas. Nem todos amparavam nossa
atitude intransigente. Dois dias depois da ocupação, chegaram engenheiros
franceses, pondo-se em contato com os proprietários das minas. Alguns destes
entraram em negociações. Afim de exigir a observância da resolução votada em
Essen, decidimos então instituir um tribunal secreto para punir os proprietários
transgressores.

Era um momento muito crítico para a Alemanha. Se a França conseguisse


apossar-se da indústria do Ruhr, o país jamais ficaria em condições de se
reerguer. Dois anos mais tarde, encontrei em Paris M. Seydoux, chefe-de-secção
do Ministério do Exterior, do qual Briand era o chefe. Disse M. Seydoux:
“Durante a guerra, os alemães quiseram destruir a França, afim de tomar conta
de seus depósitos de minério. Durante a ocupação do Ruhr foi a França que quis
destruir a Alemanha a fim de se apoderar de seu carvão.” Era verdade. Mas
como teria sido melhor, muito melhor para os dois países, se tivessem chegado a
um acordo!

Vários dias depois da entrada das tropas francesas, fui chamado pelo general
francês. Recebeu-me ele muito corretamente e perguntou: “Decidiram os
industrialistas efetuar as entregas que a Alemanha combinou fazer nos termos do
Tratado?” Repliquei que a ocupação do território era considerada pelo governo
alemão com uma violação do Tratado, e que em consequência disso tínhamos
recebido ordens de não efetuar tais entregas. Nesse caso, disse-nos o general, os
próprios industrialistas teriam de arcar com as consequências de sua recusa.

A 20 de janeiro eu e vários outros proprietários de minas fomos presos e


transferidos para a prisão militar de Mainz. Lá permaneci durante três dias.

Ao saberem da notícia de minha prisão, os operários de nossas fábricas ficaram


agitados. Ocorrera já um grave incidente entre o povo e o exército-de-ocupação
em Bochum. Em face da inquietude que reinava entre os trabalhadores, o
governo francês decidiu não me condenar a cinco anos de prisão, como queria e
como eu esperava. O conselho-de-guerra simplesmente me impôs uma multa de
300,000 marcos-ouro. Fui posto em liberdade imediatamente antes de ter pago a
multa.

Quando deixei o conselho-de-guerra, a população de Mainz e as delegações de


trabalhadores que tinham vindo do Ruhr, fizeram uma grande demonstração em
nossa honra. Fomos carregados em triunfo até a estação-de-estrada-de-ferro.
Meu pai, que tinha assistido à sessão do conselho-de-guerra, fora tratado com
grande cortesia pelas autoridades francesas.

Quando voltei para Mühlheim, organizei a resistência passiva, que era a resposta
da Alemanha à ocupação. Em vista de sua idade avançada, meu pai não tomou
absolutamente parte no movimento. O governo havia proibido as entregas de
carvão. Os oficiais tinham recebido instruções para recusar obediência às ordens
das autoridades de ocupação. Os empregados da estrada-de-ferro declararam-se
em greve. A navegação no Reno parou. Os próprios franceses tiveram de
proporcionar os meios de transporte de passageiros e mercadorias, por estrada de
ferro, estrada de rodagem e via fluvial. O exército ocupou as bocas dos poços
das minas que pertenciam ao Estado da Prússia. Quando isso aconteceu, os
mineiros abandonaram o trabalho. Nas outras minas o trabalho continuou, mas o
carvão se acumulava em grandes montões na superfície da terra. Nenhum trem,
nenhum barco transportou a menor parcela dele para a Bélgica ou para a França.

Afim de quebrar a resistência, as autoridades de ocupação estabeleceram um


cordão alfandegário entre os territórios ocupados e o resto da Alemanha.
Nenhuma mercadoria era permitido passar. Não obstante conseguimos, em
vários casos, fazer passar carregamentos inteiros. As fundições de August
Thyssen em Mühlheim tinham as suas estações de carga próprias. Estavam elas
guardadas por oficiais belgas. Afim de distrair a atenção dos soldados,
mandamo-lhes belas e agradáveis raparigas, que desempenhavam muito bem sua
missão. Durante esses períodos de distração dos guardas, uns quatro trens
podiam ser carregados e despachados. Infelizmente uma das cargas era pesada
demais e os engates do carro se romperam. Fomos apanhados em flagrante e um
inquérito revelou o segredo.

A resistência passiva foi organizada inteiramente por mim. Minha tarefa, porém,
teve a cooperação absoluta da população. O clero católico, particularmente o
Cardeal Arcebispo da Colônia, amparou nossos esforços com a maior devoção.
Graças a eles se pôde conseguir no Ruhr uma verdadeira união nacional, que
tornou possível salvar a integridade do Reich.

É necessário hoje enfatizar essa atitude do clero católico. O ministro prussiano


do trabalho, Herr Brauns, era um padre. Foi ele que tomou todas as medidas para
evitar o trabalho nas minas do domínio do Estado da Prússia. O Vaticano foi a
única força que ousou mandar um representante diplomático para o Ruhr,
durante aqueles tempos de provação. O embaixador americano, de quem eu me
aproximara, com o fim de conseguir o auxílio dos Quakers na alimentação da
população operária, não ousou vir em pessoa nem mandar representante.

Os nacional-socialistas nada tiveram a ver com a resistência passiva.


Vangloriam-se eles desde então de ter organizado atos de sabotagem. Isto é
absolutamente inverídico. Seu “herói”, Schlageter, que foi preso e condenado à
morte pelo conselho-de-guerra francês, não era absolutamente nazi; pertencia a
uma boa família católica.

Hitler nunca compreendeu a importância nacional da luta que nós então


mantínhamos ao longo do Reno. Já durante aquele tempo andava ele a sonhar
com a conquista do poder, e estava preparando seu famoso Putsch de Munich.

A altamente patriótica atitude do clero católico e da população durante a


ocupação do Ruhr foi recompensada por Hitler com a mais negra ingratidão. Dez
anos mais tarde, o regime nazi chegou mesmo a censurar flagrantemente os
católicos por não serem bons alemães. Hitler prendeu nossos padres, acusou-os
falsamente da maneira mais odiosa; arrastou bispos aos seus tribunais, onde eles
foram insultados. Hei de contar mais tarde que conclusões os católicos renanos
podem tirar de tal ingratidão e de tal indignidade.
NOTAS HISTÓRICAS

OS PARTIDOS NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA NACIONAL E NO


REICHSTAG ALEMÃO

Imediatamente depois do deflagrar da Revolução Alemã, existiam apenas dois


partidos socialistas — o partido Socialdemocrata, que era a ala mais antiga da
maioria, e o partido Socialista Independente. O Partido Comunista só apareceu
consideravelmente mais tarde, quando o Socialista Independente se cindiu; os
comunistas conquistaram a maioria do partido defunto, ao passo que o resto se
uniu aos sociais-democratas.

Quanto aos não-socialistas, teve-se a impressão de que por algum tempo a


burguesia não era capaz de se organizar num sistema partidário. Essa situação só
mudou quando ficou certo que a República Alemã ia endossar a forma
parlamentar de governo. O primeiro dos grupos não-socialistas a entrar no
cenário político foi o partido Democrático Alemão. Recrutou ele seus membros
entre os aderentes do antigo partido Progressivo Alemão e do partido Liberal
Nacional, os quais haviam representado papel importante no Reichstag Imperial.
A plataforma do novo partido era republicana e pacifista; advogava ela a
reconstrução da economia alemã por meio da colaboração com todas as nações
europeias; favorecia uma política financeira econômica e a extensão da
legislação social existente, e pretendia preparar a entrada da Alemanha na Liga
das Nações.

Quando os fundadores do partido Democrático recusaram dar uma posição


representativa dentro do novo partido a Gustav Stresemann, que fora um dos
chefes do partido Liberal Nacional, Stresemann foi forçado por outros membros
do antigo partido Liberal Nacional a aceitar a chefia de outro novo grupo: — o
partido do Povo Alemão. Era ele formado principalmente pelas classes
comerciais mais altas, professores de universidade, e, sobretudo por
industrialistas, cujo interesse residia principalmente no reavivamento da
capacidade aquisitiva no mercado interno da Alemanha. O programa do partido
do Povo Alemão reconhecia a República como um fato consumado. Exigia o
reestabelecimento do respeito-próprio do povo alemão, advogava concessões
razoáveis na legislação para o bem-estar social, a fim de garantir um
entendimento pacífico com o trabalho, e tomava medidas para o reajustamento
da agricultura alemã.

Imediatamente depois da fundação do partido Democrático Alemão, o partido


Católico do Centro recomeçou a sua atividade. Achou que não valia a pena
mudar o nome. O partido do Centro fora fundado em 1875, quando Bismarck
estava empenhado no Kulturkampf, a luta político-religiosa contra as alegadas
interferências do Papa nos negócios alemães. As ásperas medidas tomadas por
Bismarck contra as ordens religiosas e contra os padres, fizeram que uma
percentagem sempre crescente de eleitores católicos alemães — quase metade do
eleitorado total — aderisse ao partido do Centro. Em parte como um partido de
oposição, em parte como um partido de governo de coalizão (durante a Guerra
Mundial) o Centro cresceu constantemente em importância. A revolução em
nada alterou a composição de seus membros. Como antes da guerra, ele
compreendia todas as camadas econômicas — contava tanto com os operários
como com os aristocratas católicos. Naturalmente, assim como acontecia na
Alemanha como um todo, dentro do partido do Centro os elementos
conservadores, que se encontravam mormente entre os representantes da
nobreza, da indústria pesada, e dos grandes negócios, estavam agora dispostos a
concordar com todas as concessões que se haviam tornado necessárias pelas
condições da época. O programa do Centro também aprovava a forma
republicana do governo; pleiteava uma política pacifista, exigia a reconstrução
da agricultura e favorecia o erguimento do padrão de vida das classes médias.

O partido Nacional Alemão recentemente fundado era uma versão modernizada


dos velhos partidos conservadores de antes da guerra. Seus membros
compreendiam os grandes proprietários de terras, uma grande parte da indústria
pesada, vários grupos de operários organizados em corpos de Cristãos
Protestantes, e certos elementos das classes médias que estavam ligados à
família Imperial e aos antigos monarcas alemães por laços sentimentais ou por
interesses materiais. Professores alemães de universidade em grande número,
também se inscreveram como membros. O programa do partido Nacional
Alemão, moderado na forma, tinha, porém, um conteúdo tão nacionalista quanto
possível naquele tempo. Suas exigências econômicas se concentravam na
manutenção da capacidade de trabalho e de eficiência da classe-média alemã e
das comunidades agrícolas.

O Partido Nacional-Socialista do Trabalho fez uma entrada relativamente tardia


no Reichstag. Foi a princípio representado por um mui pequeno número de
deputados que, além do mais, se cindiram depois em vários grupos. Tornou-se
eventualmente o segundo grupo em tamanho no Reichstag; pouco antes de Hitler
subir ao poder, conseguiu arrebatar ao Socialdemocrata o título de “a maior
unidade política do Reichstag.”

Entre os mais importantes dos partidos resultantes de cisões, que muitas vezes
representaram papel decisivo mantendo o equilíbrio do poder, havia o partido do
Povo Bávaro (uma versão bávara do partido Católico do Centro) e o partido
Econômico Alemão, cujos seguidores eram principalmente artesãos e pequenos
proprietários de lojas, convencidos de sua importância econômica e da
inutilidade de tentar conseguir a devida consideração da parte dos grupos
políticos mais importantes.

A ASSINATURA DO TRATADO DE PAZ

A Assembleia Nacional Legislativa de Weimar achou difícil chegara a uma


decisão quanto a aceitação ou rejeição do Tratado do Paz de Versalhes. O
resultado do voto ficou incerto até o último momento. Os socialdemocratas e o
partido Democrático Alemão concordaram em votar a favor do Tratado. O
partido do Povo Alemão e o partido Nacional Alemão rejeitaram-no; não
obstante, os votos de vários representantes do partido do Povo também pesaram
na balança. A posição dos que, pelo menos em pensamento, desejavam a
assinatura da paz, ficou enfraquecida pelo fato de o conde Brockdorff Rantzau,
Ministro dos Negócios Exteriores ter resignado, pois, como explicou ele em sua
carta ao Presidente Ebert, no interesse do povo alemão, sentia não poder assinar
os termos de paz de Versalhes. Ulteriormente ficaram ainda mais fracos em
virtude dos boatos de que no caso de a Alemanha recusar-se a assinar a Paz, as
diferenças então latentes entre os Aliados tornar-se-iam agudas, criando para a
Alemanha a oportunidade de conseguir termos mais favoráveis. Por outro lado,
havia fontes de informação dignas de confiança a afirmar que no caso da não-
aceitação, consideráveis forças, militares estavam prontas a invadir a Alemanha.
Ora, as consequências de uma possível ocupação aliada de mais territórios
alemães eram examinadas com considerável apreensão. Temia-se não apenas que
um novo movimento revolucionário se alastrasse pelo país, mas também que os
governos individuais dos Estados Federais alemães pudessem prontificar-se a
fazer ofertas separadas de paz aos Aliados. O governo de Württenberg, dizia-se,
estava já firmemente resolvido a dar esse passo. O temor de tais possibilidades
consolidou eventualmente a maioria pela qual a Assembleia Nacional se
declarou a favor da aceitação dos termos da Paz, a despeito da incerteza total da
situação.

A “POLÍTICA DE CUMPRIMENTO”

Através de muitos anos, as severas condições econômicas impostas pelo Tratado


de Versalhes e que acharam expressão no pagamento das reparações de guerra,
criaram dissenção entre o povo alemão.

Desde o princípio, uma parte da opinião pública advogou a mais extrema


resistência aos termos das reparações, ao passo que outra parte exigia o
cumprimento das obrigações do Tratado. Ambas as secções concordaram em que
as exigências impostas pelo Tratado eram impossíveis de cumprir. Os partidários
do “cumprimento”, no entanto, insistiam na opinião de que era necessário provar
aos Aliados que o cumprimento das obrigações da Alemanha era impossível, não
apenas porque a Alemanha fosse incapaz de fazer as entregas, mas também
porque o cumprimento dessas obrigações teria como resultado imediato a
implantação da desordem no mercado mundial e nas finanças internacionais — e
isso pura grande desvantagem dos próprios Aliados. Desse modo, devia-se tornar
claro, especialmente para a Grã-Bretanha e para os Estados Unidos, que os
pagamentos alemães não seriam suficientes para reembolsar-lhes os empréstimos
feitos a seus aliados e sócios na última guerra. Os partidários do “cumprimento”
compreenderam plenamente que seu processo imporia certos sacrifícios ao povo
alemão; mas acreditavam firmemente que eles gradualmente conseguiriam a
abolição dos severos termos do Tratado por meio de métodos pacíficos e legais.

A INFLAÇÃO ALEMÃ

A Alemanha havia financiado sua guerra quase inteiramente por meio de


empréstimos; consequentemente, mesmo antes do fim da guerra, a inflação
tomara enormes proporções. A emissão de dinheiro subiu a noventa bilhões de
marcos, ao passo que a reserva de ouro não ia a mais de três bilhões. O governo
revolucionário dos Comissários do Povo fez aumentar ainda mais a circulação
do papel moeda, uma vez que os países estrangeiros continuavam a aceitar as
notas-de-banco alemãs como pagamento dos embarques de gêneros alimentícios
e matérias primas. Embora o imposto federal sobre-a-renda tivesse sido
introduzido logo depois da reunião da Assembleia Nacional, a circulação das
notas-de-banco foi aumentada ainda mais porque os capitais industriais que as
empresas alemães necessitavam podiam ser melhor erguidos em créditos do
Reichsbank. Na verdade a indústria alemã andava muito ativa mas podia lançar
seus produtos no mercado mundial a preços baixos, devido à desvalorização do
dinheiro alemão. Esse processo teve o apoio do dr. Havenstein, presidente do
Reichsbank Alemão. Reconheceu ele claramente que o marco seria assim
constantemente desvalorizado; mas achava que esse era o melhor método para
convencer o mundo da incapacidade alemã de pagar as reparações. Numerosos
industrialistas aproveitaram essa oportunidade para descontar enormes letras de
câmbio no Reichsbank, pagando-as depois em notas cada vez mais
desvalorizadas. Com os lucros dessa transação não só compravam matérias
primas e pagavam seus oporá rios, como também adquiriam novas empresas,
estendendo suas próprias fábricas, ou comprando ações; em consequência disso
fundiam suas firmas em empresas maiores. Bancos particulares, e também o
Reichsbank, perdiam desse modo quantias cada vez maiores de sua reserva de
ouro. No princípio da “resistência passiva” organizada contra a ocupação do
Ruhr pelas tropas belgas e francesas, o dinheiro alemão recebeu o seu golpe
final. Na verdade, o custo enorme dessa luta não era coberto pelos impostos, mas
sim pela impressão de mais notas-de-banco. Mesmo antes do fim da resistência,
o trabalho começou a rebelar-se, quando as mulheres dos operários não podiam
praticamente comprar nenhum alimento nos mercados com o dinheiro que seus
maridos haviam trazido para casa na noite anterior. As indústrias e as
municipalidades foram obrigadas a criar dinheiro de emergência numa base de
ouro fictícia, afim de evitar que os trabalhadores ateassem fogo às fábricas.
Assim, o governo foi forçado a proceder à estabilização do dinheiro, no que foi
bem sucedido com o auxílio dos governos estrangeiros. Em novembro de 1923,
o valor oficial do dólar americano foi fixado em quarenta e dois bilhões de
marcos!

A OCUPAÇÃO DO RUHR

A Alemanha se havia empenhado em pagar aos Aliados as reparações de guerra


na forma de entregas tanto em dinheiro como em mercadorias. Desde o
princípio, a maioria dos alemães estava convencida de que seria praticamente
impossível cumprir todas as obrigações alemãs, no que dizia respeito aos
pagamentos em mercadorias. O Chanceler Cuno e seu gabinete tinham como
objetivo chegar a um novo acordo com relação às obrigações alemãs. O governo
francês já fazia ameaças: no caso de a Alemanha protelar seus pagamentos, a
França faria uso do direito que lhe era conferido pelo Tratado de Paz de ocupar o
distrito do Ruhr o mais importante das regiões industriais da Alemanha. A
convicção de que um “terrível fim” na forma da ocupação do Ruhr era preferível
a um “terror sem fim”, isto é, o status-quo — ia gradualmente aumentando no
gabinete. Além do mais, seus membros julgavam-se seguramente informados de
que a Inglaterra não permitiria que a França lançasse mão de meios militares
violentos. Eventualmente a Comissão de Reparações de fato declarou que a
Alemanha estava protelando suas obrigações porque não tinha entregue cem mil
postes telegráficos de madeira. A despeito da pouca importância da causa direta,
as tropas belgas e francesas invadiram o distrito do Ruhr em fins de 1922, sem
encontrar oposição dos outros Aliados. O governo alemão amparou a resistência
da população à ocupação — uma decisão que contou com o apoio de todos os
partidos, tanto dos comunistas como dos católicos e dos nacionalistas alemães.
No verão de 1923 a resistência no Ruhr baqueou e o gabinete de Cuno foi
substituído por um governo chefiado por Stresemann.

3. MEU PRIMEIRO ENCONTRO COM HITLER

EM outubro de 1923, depois do fim da resistência passiva, fiz uma viagem a


Munich. Visitei o general Erich Ludendorff, com quem eu fizera relações na casa
de meu pai, durante a guerra. Sempre tive uma grande admiração por
Ludendorff. Sob a influência de sua segunda mulher, ele adotou nos últimos anos
uma atitude de violenta oposição ao catolicismo, e quase chegou a representar o
papel de fundador duma nova religião. Durante sua última doença, entretanto,
ficou sob os cuidados de freiras, num hospital católico de Munich. Contaram-me
que mandava todos os dias comprar flores para enfeitar o altar.
Depois da revolução de 1918, o general Ludendorff gozava duma grande
reputação entre os patriotas. Apesar de ser prussiano, mudou-se para a capital
bávara dois anos depois da guerra, e lá fixou residência com sua irmã,
continuando a trabalhar em suas memórias sem abandonar seu íntimo contato
com a vida política. Quando o Ruhr estava sendo ocupado, Hugo Stinnes
estabeleceu relações com ele, e Ludendorff foi a Berlim com tenção de organizar
uma resistência militar à ocupação, com o auxílio do governo e do general von
Seeckt. Mas, tanto o general von Seeckt, que era então comandante-em-chefe do
exército alemão, como o governo do Reich se esquivaram ao plano — não sem
razão, parece-me, por acharem que, no estado em que a Alemanha se encontrava,
a resistência apenas aumentaria o desastre.

A experiência tirada da resistência passiva que organizei e, mais tarde, as


experiências dos nazis na Checoslováquia provaram que uma população que
sistematicamente opõe à violência uma passividade indefesa, priva os militares
de todos os seus meios de ação. Eles podem matar, mas não podem forçar à
obediência um povo que não lhes resiste.

Logo depois do incidente do Ruhr, pediram-me para ficar à testa do governo do


Reich, em substituição do gabinete chefiado por Wilhelm Cuno, que era
considerado universalmente fraco demais. O dr. Class, chefe da Liga
Pangermânica, procurou-me para tratar do assunto. Pediu-me tirasse vantagem
do prestígio que havia conquistado em virtude de minhas atividades durante a
ocupação do Ruhr, revivendo assim com sucesso a contrarrevolução nacional na
qual Kapp fracassara em 1920. Minha resposta ao Dr. Class foi esta: “Sou um
industrialista. Como industrialista e como patriota, organizei a resistência
passiva. Não sou político. Desejo servir meu país apenas cumprindo o meu
dever.”

Fui procurar Ludendorff principalmente numa visita de cortesia mas também


para discutir com ele as grandes questões nacionais que então preocupavam
tanto a sua mente como a minha. Deplorei o fato de naquele tempo não haver na
Alemanha homens a quem um espírito nacional enérgico levasse a tentativa de
melhorar a situação.

“Só há uma esperança” — disse-me Ludendorff — “e essa esperança está


corporificada nos grupos nacionais que desejam nosso reerguimento.”
Recomendou-me em particular a Liga Oberland e, sobretudo, o partido
Nacional-Socialista de Adolf Hitler. Todas essas eram ligas de jovens e de
veteranos da Guerra Mundial que estavam resolvidos a combater o Socialismo
como a causa de toda a desordem. Ludendorff admirava grandemente a Hitler.
“Ele é o único homem” — disse o General — “que tem algum senso político. Vá
ouvi-lo um destes dias.”

Segui-lhe o conselho. Compareci a várias reuniões públicas organizadas por


Hitler. Foi então que compreendi seus dotes oratórios e sua habilidade de guiar
as massas. O que mais me impressionou no entanto foi a ordem que reinava em
seus comícios, a disciplina quase militar de seus seguidores.

Vários dias mais tarde, fui apresentado a ele na casa do dr. Max Erwin von
Scheubner-Richter, um jovem nobre do Báltico que havia procurado refúgio na
Alemanha depois da revolução bolchevista. Era uma pessoa muito simpática.
Servia de intermediário entre Hitler e Ludendorff, sendo que fora este último
quem arranjara nosso encontro. A conversa se concentrou em tópicos da política.

Estávamos na pior época da inflação. O dinheiro emitido pelo Reich, pelos


Estados individuais e pelas municipalidades perdia o valor da noite para o dia. O
governo de Berlim estava em apuros. Era a ruína financeira. A autoridade ruía.
Na Saxônia formara-se um governo comunista, e o Terror Vermelho, organizado
pelo bandido Max Hoelz, reinava através dos campos. Em Hamburgo rompera
uma revolta comunista. Dizia-se haviam morrido centenas de pessoas. Depois da
Saxônia, a Turíngia levava ao poder um governo comunista. Na Renânia,
revoltas separatistas, mais ou menos abertamente protegidas pelo exército aliado
de ocupação, se haviam verificado em Düsseldorf, Aix-la-Chapelle, Mainz, e no
Palatinado. O Reich Alemão, que havia resistido às provações da guerra e da
derrota, estava agora prestes a cair por terra.

No meio de todo esse caos, a Baviera parecia ser a última fortaleza da ordem e
do patriotismo. Foi em Munich que a revolução de 1918 causou os maiores
danos. O governo de Kurt Eisner, (1) o Terror Vermelho, e a execução dos reféns
tinham deixado profunda impressão no povo. Mas a Baviera, entre todos os
Estados alemães, fora o primeiro a se refazer. Um governo católico, apoiado pela
maioria dos bávaros, conseguira liquidar a revolução. Munich se tornara o centro
de todos os que desejavam reestabelecer a disciplina e a autoridade. Em Berlim,
Gustav Stresemann havia sucedido o chanceler Cuno; pôs ele fim à resistência
passiva e procurou um acordo com a França. Sua política foi severamente
criticada. As ligas patrióticas classificavam-na de traição à causa alemã. Quanto
aos conservadores e aos católicos da Baviera, observavam apreensivamente o
progresso do radicalismo através de toda a Alemanha.

Pouco a pouco uma nova política começava a tomar forma em Munich. Se a


Alemanha se quebrasse aos pedaços, dizia-se, a Baviera ficaria sendo um núcleo
de ordem de onde partiria um movimento de reerguimento para todo o país. O
governo bávaro declarou publicamente que, de sua parte, não reconhecia mais o
Tratado de Versalhes, o qual já havia sido quebrado por Poincaré. Proclamou o
estado de emergência na Baviera.

O corpo do exército que se achava estacionado na Baviera comandado pelo


general von Lossow, recusou executar as ordens de Berlim e pôs-se a serviço do
governo bávaro. Como resposta às medidas tomadas pelo governo de Berlim, a
Baviera criou uma espécie de Chefe de Estado, na pessoa de Gustav von Kahr,
que tomou o título de Comissário Geral de Estado. Isso era quase uma rebelião
aberta contra Berlim. O velho marechal von Hindenburg, que acontecia estar
passando suas férias na sua propriedade de Dietramszell, nos Alpes Bávaros,
mandou um telegrama ao governo da Baviera aconselhando-o a não cometer
nenhum ato irremediável e a pensar na unidade do Reich. Vários dias mais tarde
o governo bávaro declarou, por meio de uma proclamação, que os bávaros eram
os mais leais de todos os alemães, mas que haviam cortado as relações
diplomáticas com a Saxônia Comunista.

Tal era a atmosfera dentro da qual se realizou meu primeiro encontro com Hitler.
Não me posso lembrar com certeza da parte exata que cada um de nós tomou na
conversação. No entanto, lembro-me de seu conteúdo geral. Ludendorff e Hitler
concordaram em organizar uma expedição militar contra a Saxônia, afim de
depor o governo comunista do Dr. Zeigener. O fim derradeiro da expedição
proposta era deitar por terra a democracia de Weimar, cuja fraqueza estava
levando a Alemanha para a anarquia.

Havia falta de fundos. Ludendorff aceitou dinheiro em pagamento das


entrevistas que deu a correspondentes de jornais americanos. No entanto, como
ele próprio me disse, isso não o levou muito longe. Tinha já solicitado e obtido o
auxílio de vários industrialistas, particularmente o de Herr Minnoux, da firma
Stinnes. De minha parte, dei-lhe cerca de cem mil marcos ouro. Essa foi a minha
primeira contribuição para o partido Nacional-socialista. Não entreguei,
entretanto, esses fundos a Hitler nem a Scheubner-Richter, o tesoureiro do
Kampfbund (a organização patriótica militar sob a chefia política de Hitler) mas
a Ludendorff, para que de os empregasse da melhor maneira possível. Não
examinei os pormenores dos planos traçados por Ludendorff e Hitler. Já disse
que não desejava meter-me em política. Aproveitei a oportunidade de minha
estada em Munich para visitar também Herr von Kahr, que para todos os
propósitos práticos era o Chefe-de Estado bávaro.

Na qualidade de confidente do Kronprinz Rupprecht, Kahr afirmava que a


dinastia de Wittelsbach devia ser reestabelecida no trono bávaro o mais
rapidamente possível. A dinastia bávara nunca abdicara. Quando a revolução de
1918 rebentou, o Rei Ludwig III deixou sua pátria depois de autorizar aos
oficiais e aos funcionários a apoiar a nova ordem de coisas. Depois dos excessos
cometidos pelo Governo Vermelho, a maioria dos bávaros se tornara de novo
monarquista. Kahr tinha em mente, antes de mais nada, a restauração dos
Wittelsbach. E depois, um Wittelsbach podia tornar-se talvez imperador da
Alemanha, ou pelo menos de uma Alemanha católica à qual se podiam juntar as
províncias ocidentais da Áustria. Viena, a Cidadela Vermelha, onde os socialistas
estavam no poder, seria deixada de fora.

Tal era a atmosfera que encontrei em Munich no outono de 1923. Soltava-se a


rédea à imaginação política. Quanto a mim, não tinha eu nenhuma ambição de
representar o menor papel nesse movimento. Meu dever como industrialista
estava em primeiro lugar. Era em se mesmo um dever pesado. Logo que nos
pudéssemos libertar da desordem, as ruínas que a guerra e a revolução haviam
deixado para trás, tinham de ser reconstruídas: a Alemanha precisava voltar ao
trabalho.

Ludendorff e seus aliados, as ligas patrióticas, tinham empreendido o


reerguimento político da Alemanha. Dei-lhes auxílio material, mas não quis
ingressar na vida política.

Além do mais, a esse tempo não era eu sabedor da importância de Adolf Hitler o
chefe nacional-socialista. Sem dúvida, tratava-se de um bom orador — de um
agitador político que sabia como arrastar as massas com suas palavras, mas nada
mais que isso. Para mim, Ludendorff e Kahr eram as duas figuras decisivas. Eu
não tinha a menor ideia do profundo desacordo que os separava na questão da
restauração da monarquia bávara. Ludendorff era inimigo pessoal do Kronprinz
Rupprecht, por motivos que tinham sua origem na Grande Guerra. Mas disso
tudo só fui saber muito mais tarde.

Os fatos verdadeiros relativos ao Putsch de Hitler em 9 de novembro de 1923


nunca foram inteiramente revelados. Parece que as personagens principais dessa
revolução abortiva — Ludendorff, Kahr, Hitler e o general von Lossow —
tinham cada um intenções diferentes. Isso explica talvez a completa falta de
unidade de vista no dia da execução do Putsch. Lembro-me, no entanto, de um
pormenor muito revelador que talvez possa interessar os historiadores futuros.

O general von Seeckt, que ainda era chefe do Reichswehr em Berlim, mandara a
esposa para Munich durante aquelas semanas críticas. Ela só voltou para Berlim
depois de 9 de novembro. Seeckt no entanto protestou junto ao governo bávaro,
contra o fato de este último invocar sua autoridade sobre as tropas estacionadas
na Baviera sob as ordens do general von Lossow. Estaria ele fazendo um duplo
jogo? Ele não apoiara o golpe tentado por Kapp em 1920, e que falhara por culpa
do exército. Estaria ele agora — em 1923 — planejando a execução de seu
golpe, procurando o apoio dos bávaros? A presença em Munich de Frau von
Seeckt parece corroborar esta suposição. Se foi assim, a ação precipitada por
Hitler determinou o fracasso de todo o plano.

Em Munich decidiu-se mandar uma expedição do exército bávaro e das ligas


políticas armadas contra a Turíngia e a Saxônia comunistas. Mas foi Berlim que
executou a decisão. O corpo de exército aquartelado na Saxônia recebeu ordem
de marchar sobre Dresden e depor o governo de Zeigener. O exército executou
essa missão com sofreguidão. Depois da Saxônia chegou a vez da Turíngia. Os
dois governos vermelhos resignaram. O grande projeto político desenvolvido em
Munich não tinha mais razão de ser.

Hitler decidiu marchar, fosse como fosse. Kahr e Ludendorff se opuseram a esse
plano. É sabido em que circunstâncias Hitler forçou o Comissário Geral do
Estado da Baviera a dar seu consentimento: de revólver em punho. Ludendorff
só foi informado no último minuto, mas colocou-se à frente das forças que
desfilaram em parada pelas ruas de Munich na manhã, seguinte. A aventura
terminou mal. A polícia fez fogo sobre os rebeldes, quatorze dos quais foram
mortos. Entre estes estava Scheubner-Richter, que eu conhecera alguns dias
antes. Ludendorff marchou ereto no meio das balas que lhe sibilavam ao redor
da cabeça. Hitler fugiu para Uffing, perto de Munich, onde foi preso dois dias
depois.

No dia seguinte fui ver Ludendorff. Ele ficou surpreendido. “Que é que lhe dá
coragem de vir-me ver depois do que aconteceu ontem? — perguntou ele ao me
receber. — Toda a gente me acusa de alta-traição.”
Ludendorff nunca me explicou como chegou a ser envolvido na ação que ele
pessoalmente não aprovara. Estou convencido de que não se furtou a ela apenas
porque tinha feito seu juramento de oficial e portanto se considerava obrigado a
cumpri-lo. Além disso, o tribunal de Munich, que julgou os conspiradores do 9
de novembro, absolveu Ludendorff pois não foi possível provar a sua
responsabilidade no plano da conspiração.

O general von Seeckt, o general von Lossow, o Comissário Geral von Kahr e o
governo bávaro desejavam um governo da ala-direita na Alemanha. Sem dúvida,
não estavam inteiramente de acordo quanto aos detalhes da execução do seu
plano. No todo, entretanto, era uma questão de tentar de novo o que Kapp havia
tentado em Berlim. Só que desta vez se evitaria o fracasso começando o golpe
em Munich, onde a população era monarquista. Hitler, entretanto, desejava
apenas uma coisa — tomar conta do poder para se próprio.

Nunca mais Ludendorff tornou a mencionar na minha presença o nome de Hitler.


Nunca descobri por que razão ele rompeu com o chefe nazi, a quem tecera tantos
louvores quando com ele falei antes do Putsch de Munich. Quanto a Herr von
Kahr, retirou-se subsequentemente da vida política. Hitler mandou no entanto
assassiná-lo quando ele tinha setenta e dois anos.

4. A LUTA CONTRA O PLANO YOUNG


Advogo um Entendimento Franco-Germânico

FINANCIEI O partido Nacional-Socialista por uma razão simples e definida:


porque acreditava que o Plano Young era sinônimo de catástrofe para a
Alemanha. Estava convencido da necessidade de unir todos os partidos da
Direita, e achava possível chegar a um acordo sobre base razoável. Com esse
propósito em vista, dirigi as negociações com o “Capacete de Aço” (uma
organização de veteranos patriotas da Guerra Mundial) e com os Grupos dos
Moços do Partido Nacional Alemão do Povo — e dirigi-as por instigação de
Hitler e Göring. Hermann Göring declarou desejava colocar as Tropas de Assalto
Nacional-socialistas (conhecidas como as SA) sob a chefia do “Capacete de
Aço”. Vivia sob o constante temor de que um dia as SA viessem a sofrer uma
grande desgraça.

O co-fundador e principal organizador das formações SA foi Ernst Röhm, antigo


oficial do Exército Imperial, e que depois se tornou chefe do estado-maior das
SA, na mais íntima ligação com o próprio Adolf Hitler. Röhm era um
aventureiro militar. Passara longo tempo na América do Sul, onde se ocupara
particularmente com a reorganização do exército boliviano. As impressões e
experiências colhidas na América do Sul, forneceram-lhe a base ideológica sobre
a qual foram organizadas as tropas da SA. Assim, tornaram-se membros desta
última, mercenários armados cujo propósito principal em estarem prontos para a
ação nos esperados levantes revolucionários. Göring temia que o espírito dos
homens da SA se revelasse um obstáculo no prosseguimento de qualquer política
construtiva.

Só voltei ao partido Nacional-Socialista depois de ficar convencido de que a luta


contra o Plano Young seria inevitável, se quiséssemos afastar a possibilidade
dum completo colapso da Alemanha. De modo algum eu me havia oposto ao
Plano Dawes, uma vez que ele tinha em vista um sistema de pagamentos de
reparações a ser feito principalmente em mercadorias. De acordo com o Plano
Young, porém, as entregas alemãs relativas às reparações deviam ser
inteiramente substituídas por pagamentos em dinheiro. Segundo meu modo de
ver, o débito financeiro que assim se criava viria fatalmente destruir a economia
inteira do Reich! Walter Rathenau também considerava o novo plano uma
desgraça: ele sempre mantivera, a opinião de que a Alemanha só podia pagar
com as mercadorias que produzia.

Um de nossos representantes no comitê de peritos que conduziu as negociações


preliminares referentes à revisão do Plano Dawes em Paris foi o Diretor Geral
Vögler, da empresa Gelsenkirchen de ferro e aço.

Essas negociações de Paris foram interrompidas, e tanto Vögler como o dr.


Hjalmar Schacht, presidente do Reichsbank, voltaram para a Alemanha porque
alimentavam desconfianças relativamente ao Plano proposto. No fim, Vögler
também não assinou as novas propostas que se tornaram a base do Plano Young;
e devo confessar que fiz tudo quanto pude para convencê-lo da legitimidade de
suas desconfianças.

Minha posição foi em grande parte determinada pelo que um banqueiro


americano me disse, a mim e a Vögler. Refiro-me a Mr. Clarence Dillon, da
firma Dillon, Read & Co., um judeu com o qual eu mantinha muito boas
relações de amizade.

Mr. Dillon falou claramente: “Se me permitem dar- lhes um conselho, não
assinem”. Nunca esqueci essas palavras, e sempre senti uma gratidão especial
por esse conselho, porque o homem no-lo deu contra os seus próprios interesses,
e para o bem da Alemanha.

Quem quer que tivesse a faculdade de raciocinar claro veria que o Plano Young
significava o penhor da riqueza inteira da Alemanha, como garantia de suas
obrigações. Como resultado disso, o capital americano fatalmente inundaria o
Reich. Grupos isolados na Alemanha tentaram livrar a tempo sua propriedade
privada dessa enorme hipoteca. Nesse particular, lembro-me especialmente das
seguintes empresas, que faziam parte da indústria elétrica: A. E. G. (uma das
duas principais empresas elétricas alemãs) a S. O. F. I. N. A., e as usinas
elétricas de Felten e Guillaume. As ações dessas companhias foram nessa
conjuntura vendidas a uma “holding company” franco-belga, que ainda hoje as
possui. Isso foi um erro, porque valeu como o início de uma liquidação
financeira da Alemanha. Teria sido muitíssimo melhor para os industrialistas que
estavam metidos no assunto se eles se houvessem declarado em princípio
contrários ao sistema de Versalhes em geral e ao Plano Young em particular.

Deve-se dizer, além do mais, que a ideia americana que teve tão grande
influência sobre os detalhes do Plano Young, tem dado muito maus resultados
também na América. Porque lá igualmente muitas empresas alemãs foram
convertidas em corporações cujas ações foram vendidas ao público. Hoje as
ações dessas companhias americanas valem apenas um quarto do seu preço de
compra. Foi um bom golpe comercial para os banqueiros, mas na realidade
constituiu uma inflação de dinheiro que excedia em muito os lucros normais da
operação industrial. Era um tempo em que as pessoas tinham perdido todo o
senso da normalidade em matéria de algarismos. Não devemos esquecer que os
próprios acordos de Young compreendiam a soma astronômica de vinte bilhões
de dólares.
O Plano Young foi uma das causas principais da ascensão do nacional-
socialismo na Alemanha. Naturalmente, Alfred Hugenberg ajudou-o de modo
considerável com a sua agitação radical; é verdade, também, que a indicação de
Hitler como chanceler do Reich não teria ocorrido — pelo menos assim tão cedo
— sem as intrigas de Franz von Papen. Mas as causas mais profundas foram, não
obstante, o perigo do comunismo na Alemanha, a ocupação do Ruhr pelos
franceses e belgas e finalmente o Plano Young.

Logo depois da liquidação do assunto do Ruhr, fui a Paris. Isso aconteceu muito
antes de Locarno, nos tempos em que o intransigente Raymond Poincaré era
ainda premier da França. Falei repetidamente com vários ministros franceses,
inclusive e especialmente com Aristide Briand, que se tornou ministro do
exterior em 1925. A primeira impressão que tive, foi a do que minha missão
conseguiria um resultado favorável, embora o ministro francês do comércio me
fizesse esperar meia hora. Briand, pelo contrário, mostrou-se muito cordial e
sempre me recebeu sem demora. Desgraçadamente, entretanto, a situação como
um todo estava ainda muito tensa. E corria em Paris a notícia de que o estado-
maior francês se opunha à política de aproximação de Briand.

Não obstante, envidei esforços no sentido de levar adiante a causa de um


entendimento através da Sociedade Franco-Alemã, da qual fui um dos
fundadores. A tensão, porém, continuava e um incidente violento ocorrido em
Germersheim, no Palatinado, de novo irritou os nervos do povo. Era necessário
que conferências ulteriores fossem aprazadas, mas isso, segundo ficou provado,
já não era mais viável. Todos esses fatos se passaram antes que a Conferência de
Locarno começasse uma nova série de negociações, que foram saudadas como o
princípio de uma nova era de boa-vontade.

Se o governo alemão daquele tempo não tivesse aceito o Plano Young, poder-se-
ia conseguir com toda a certeza algum progresso, e ter-se-iam obtido resultados
mais favoráveis. A agitação daquela vez foi causada por um sério erro
psicológico dos alemães. Concordo em que a Alemanha se achava numa situação
difícil exatamente naquela emergência, mas é precisamente nas situações difíceis
que não devemos prejudicar os assuntos fundamentais. Teria sido fácil resistir
quando até mesmo os americanos diziam “Por amor de Deus, não assinem!” O
pagamento em dinheiro era simplesmente impossível, porque dinheiro não se
pode produzir como mercadorias.

A ascensão dos nacional-socialistas foi também auxiliada pela falta de tacto dos
outros partidos. Já contei que fui levado pelos nacional-socialistas a negociar
com o Capacete de Aço com o fim de colocar as tropas SA sob o seu comando
supremo. Conversei durante uma noite inteira com o Major Düsterberg, o chefe
do Capacete de Aço. No fim, o oferecimento dos nacional-socialistas foi
rejeitado por ele. Uma oferta similarmente acomodadora havia sido feita pelos
mesmos nacional-socialistas ao gabinete do chanceler Brüning. Estavam os nazis
decididos a tolerar Brüning, sem ter representante em seu gabinete, se o
chanceler se dispusesse a declarar que romperia com os socialistas. Josef
Goebbels dizia naquele tempo: “Se Brüning romper com os socialistas, nós o
apoiaremos sem entrar no gabinete.” Era o que se ia fazer, mas a proposta não
foi aceita.

Graças à sua grande habilidade Hitler estava em condições de explorar o


nacionalismo ofendido do povo alemão em favor de seus planos pessoais. Um
povo com a tradição dos alemães não pode ser transformado em dócil
carneirada. Se os socialdemocratas fossem um pouco mais nacionalistas,
poderiam ter tornado seu partido o mais forte do país. Um ministro
socialdemocrata do Reich, Gustav Noske, era nacionalista. Se Otto Braun, o
premier socialdemocrata da Prússia tivesse sido pouco mais hábil! ...

Já o Tratado de Versalhes, do ponto de vista econômico, estava errado. E o Plano


Young era um desenvolvimento consistente dos próprios princípios errados sobre
que repousava o Tratado do Versalhes. Foi por essa razão que entrei para um
comitê cujo fim era conseguir um plebiscito relativo à questão do Plano Young,
antes que ele fosse adotado. Sei que muitos círculos são da opinião de que essa
agitação radical contra o Plano Young capacitou Hitler a dar ao seu partido o
ímpeto necessário para subir ao poder. E eu sei, também que em certos meios
franceses, o movimento contra o Plano Young era olhado como um renascimento
do espírito de vingança. Mas a ideia de vingança nunca me ocorreu nessa
conjuntura. Nem podia me ocorrer, em vista das declarações que Hitler não
cessava de repetir àquele tempo.

Hoje ficou claro que Hitler estava jogando uma cartada pérfida. Mas naqueles
primeiros anos, o Führer frisava repetidamente o fato de haver abandonado a
ideia de vingança contra a França. A despeito de tudo que escrevera em seu
livro, Mein Kampf (o qual — diga-se de passagem — naquele tempo carecia de
qualquer importância) ele não cansava de repetir agora: “Com a França já não há
mais nenhum conflito. Queremos enterrar o passado. É absurdo estar sempre
lembrando o povo da Alsácia e da Lorena. A Alsácia certamente tem uma
população que fala alemão; mas é plausível que renunciemos à Alsácia-Lorena
por motivos superiores”. (Exatamente pela mesma razão Hitler em consideração
à suscetibilidade italiana, renunciou mais tarde ao Tirol Meridional, que é
habitado principalmente por alemães).

Pessoalmente sempre sustentei que a aproximação franco-alemã era mais


importante que a anglo-alemã, pelo menos para a pacificação da Europa. A
tradicional política da Inglaterra tinha como alvo persistente conservar os países
do continente europeu em campos adversos. Sempre fui guiado pela ideia de
Napoleão, que, segundo penso, desejava — como Carlomagno — uma Europa
unida. Nos livros de História alemães, é verdade, Napoleão é sempre
representado como um homem que queria dominar a Europa. Eu, no entanto,
acredito que ele estivesse animado por um pensamento mais alto.

NOTAS HISTÓRICAS

O PLANO DAWES

Depois que a resistência no Ruhr baqueara, e depois que a inflação causara a


completa ruína do dinheiro alemão, o chanceler Stresemann obteve da Comissão
de Reparações o consentimento para aceitar o auxílio estrangeiro no sentido do
reabilitar o Reichsbank alemão e a moeda nacional. Além disso, conseguiu a
promessa de que se daria uma nova forma a todas as obrigações financeiras
alemãs. Em novembro de 1923 foi constituída uma comissão de peritos,
encabeçada por um americano, Charles G. Dawes, com o fim de examinar a
situação alemã e sugerir um novo modo de pagamento. Resultou disso o
chamado “Plano Dawes”, que foi aceito pelo Reich a 16 de abril de 1924. De
acordo com esse plano seria aberto para a Alemanha um crédito estrangeiro em
ouro na importância de 800,000,000 de marcos, destinados a criar uma nova
base de ouro para o Reichsbank. Assim amparado num alicerce seguro, esse
banco ficava colocado sob a fiscalização da finança estrangeira. O empréstimo
externo era garantido pela hipoteca das Estradas-de-Ferro Alemãs e dos títulos
de certas indústrias germânicas e também por uma taxa de transporte e outros
impostos. Uma comissão estrangeira de controle permanente, com sede em
Berlim, deveria supervisar os orçamentos alemães e o funcionamento das
empresas hipotecadas. O Plano Dawes não fixava a soma da obrigação total
alemã; teria sido mesmo difícil chegar a um acordo sobre qualquer cifra. O Plano
Dawes simplesmente estabelecia o modo de pagamento. Ficou combinado que
durante cinco anos a Alemanha teria de fazer pagamentos anuais, principiando
com um bilhão do marcos ouro, e aumentando gradualmente para 2 1/2 bilhões
no quinto ano. Esta seria a soma total permanente a ser paga pela Alemanha
daquela data em diante. Esses pagamentos anuais podiam ser efetuados em parte
com mercadorias, no valor não superior a 600 milhões de marcos anuais.

Se, depois de 1928, o valor do ouro fosse aumentado ou diminuído de 10 por


cento, as obrigações alemãs seriam consideradas cumpridas, sempre que os
pagamentos anuais fossem efetuados ao agente-geral da Comissão de
Reparações em Berlim. O dever deste agente era converter as somas pagas pela
Alemanha em moeda estrangeira e distribui-las entre as nações aliadas. Depois
que o Plano Dawes foi aceito pela conferência internacional de Londres, e
depois que a Alemanha adotou a legislação necessária, o empréstimo Dawes foi
emitido: — 100 milhões de dólares foram levantados nos Estados Unidos, e o
resto na Europa.

O PLANO YOUNG

As condições do Plano Dawes foram cumpridas até 1928, o primeiro ano da


crise econômica mundial que afetou grandemente a situação econômica alemã.
Segundo estabeleciam os acordos Dawes, a Alemanha estava autorizada a
requerer uma revisão do Plano. Assim sendo, a pedido da Alemanha, outro
comitê de peritos se reuniu em Paris, no verão de 1928, outra vez sob a
presidência de um americano, Owen D. Young. Propôs este um novo plano, o
Plano Young que foi aceito em 31 de agosto de 1929, na conferência
internacional de Haya. Os pagamentos anuais da Alemanha foram
consideravelmente reduzidos; mas daí por diante deviam ser feitos inteiramente
em dinheiro. A diferença essencial entre o Plano Dawes e o Plano Young era a de
que este último ignorava os aspectos políticos dos acordos e levava em conta
apenas as necessidades econômicas. Acima de tudo, o controle internacional do
orçamento alemão e as garantias dadas pela Alemanha sofreram solução de
continuidade. As empresas hipotecadas foram liberadas e o agente-geral da
Comissão de Reparações foi substituído pelo “Banco Internacional de Ajustes”
com sede em Basileia, Suíça. Esse estabelecimento foi fundado pelos bancos dos
governos de todas as nações aliadas e pelo Reichsbank alemão.

Quando Plano Young começou a ser cumprido, um certo número de bancos


particulares havia suspendido o pagamento porque não se achava em situação de
cumprir as exigências dos bancos americanos, quanto ao reembolso dos
empréstimos que lhe haviam sido concedidos. A situação econômica da
Alemanha parecia ter piorado tanto, que no momento não se pensava em fazer
novos pagamentos das reparações de guerra. O Presidente Hoover cedeu à
exigência alemã e proclamou uma moratória pelo prazo de um ano, o que foi
aceito pelas outras Potências interessadas. Um ano mais tarde, em 1932, o
chanceler von Papen, numa conferência internacional em Lausanne, conseguiu
uma nova concessão — a saber: que as obrigações alemãs deviam cessar depois
dum pagamento final de um bilhão de marcos-ouro.

Há uma diferença considerável de opinião quanto às somas totais pagas pela


Alemanha por conta das reparações de guerra. O cálculo mais baixo feito fora da
Alemanha, sobe a 12,000,000,000, ao passo que o cálculo alemão mais alto, vai
a 44,000,000,000 de marcos. O cômputo alemão, entretanto, compreende não
apenas os pagamentos reais efetuados, mas também a expressão, em termos de
dinheiro, da cessão da Alsácia-Lorena, da Alta-Silésia, das colônias alemães, dos
navios, e também do valor da propriedade privada alemã no estrangeiro, cuja
participação a Alemanha perdera de acordo com o Tratado de Versalhes.

5. MINHAS RELAÇÕES PESSOAIS E


FINANCEIRAS COM O PARTIDO NAZI
A Indústria Pesada Ampara o Partido

SÓ me tornei membro do partido Nacional-Socialista em dezembro de 1931.


Isso foi depois de minha colaboração num grande comício-monstro em
Harzburgo, no qual Alfred Hugenberg, na qualidade de chefe do partido
Nacional Alemão do Povo, e Hitler, como líder do partido do Trabalho Nacional-
Socialista da Alemanha anunciaram a cooperação de ambas essas organizações
políticas. O partido Nacional Alemão do Povo era o herdeiro do antigo partido
Conservador Imperial. Partido do Trabalho Nacional-Socialista está claro, é o
título oficial dos nacional-socialistas, comumente conhecidos pelo nome de
nazis. Se tal união em princípio não se tornou real, a ponto de sobreviver por
longo tempo à nomeação de Hitler para o posto de chanceler, foi provavelmente
mais por causa de Hugenberg do que de Hitler. Eu pessoalmente havia
trabalhado com todo o zelo em favor dos nacionais-alemães, mas acabara
cortando as relações com seu chefe. Mesmo no tempo em que eu fazia parte do
partido Nacional Alemão, os nacional-socialistas me eram simpáticos. Eu os
achava sensatos e razoáveis.

Como já disse, vim a conhecer Adolf Hitler em Munich, quando eu era ainda
membro do partido Nacional Alemão. Não entrei em relações mais estreitas com
ele senão algum tempo mais tarde, mas mesmo assim nunca tivemos grande
intimidade.

Rudolf Hess foi o elemento de uma aproximação pessoal maior entre os nazis e
eu. Procurou-me ele lá por 1928, por indicação do velho Geheimrat Kirdorf, que
por muitos anos fora diretor-geral do “Sindicato Renano-Westphaliano do
Carvão”, e com o qual eu mantinha boas relações. Hess me explicou que os nazis
haviam comprado a Casa Parda em Munich e estavam lutando com grandes
dificuldades para pagá-la. Forneci a Hess os fundos necessários para isso, sob
condições que entretanto nunca foram cumpridas. Porque de modo algum eu
desejava fazer um presente aos nazis; consegui apenas um empréstimo no
estrangeiro para o partido Nacional-Socialista, em parte por meio de bancos.
Hess recebeu então o empréstimo, obrigando-se a pagá-lo. Reembolsou porém,
apenas uma pequena parte dele; quanto ao resto, eu tive simplesmente de “acusar
o recebimento”.

Geheimrat Kirdorf havia sido membro do partido Nacional-Socialista muito


antes de mim. Sua importância na Alemanha fora sempre um pouco exagerada.
A própria criação do Sindicato do Carvão, que tornara seu nome conhecido além
das fronteiras da Alemanha, não deve ser levada somente a seu crédito, mas
também ao de seu colega Unkel. Kirdorf, porém, foi o seu primeiro presidente, e
sempre assumia uma atitude muito dominadora com relação ao mundo exterior.
Nos passados tempos em que o Kaiser Guilherme II promulgou as suas primeiras
leis de bem-estar social, Kirdorf fez violenta oposição ao imperador. Porque no
fundo ele era um reacionário, embora não fosse de nenhum modo um mau
homem. Tinha simplesmente o mau hábito de tomar decisões bruscas, sempre
que estava tomado de ira. Durante sua famosa questão com o Kaiser deu ele ao
pequeno castelo em que vivia o nome de “Reduto de Guerra”.

Nem com Hitler, o chefe do partido, ele manteve sempre boas relações. Um dia
escreveu ao Führer uma carta de que fui eu pessoalmente o portador. Temia ele
que doutro modo a missiva não chegasse a seu destino, porque os homens que
cercavam Hitler muitas vezes desviavam as cartas que continham assuntos
desagradáveis. Nessa carta Kirdorf protestava contra as perseguições aos judeus
efetuadas na Alemanha em 1933. Porque acontecia que Kirdorf era muito grato
aos judeus aos quais devia o sucesso de sua carreira. A despeito disso, tornou-se
depois o grande apoio financeiro dos nazis. Abandonou também a Igreja do
Estado — mesmo antes de os nazis subirem ao poder. Mas como temia a morte,
deixou que Mathilde von Ludendorff (esposa do general) o convertesse, levando-
o para a igreja neo-pagã (“O Manancial da Força Germânica”) que ela própria
havia fundado.

Kirdorf morreu na idade de quase noventa anos. Compareci às cerimônias


fúnebres. Foi terrível. O esquife tinha sido envolto numa bandeira nazi, o que lhe
dava um belo aspecto. Mas depois o Ministro da Economia do Reich, Dr.
Walther Funk, fez um péssimo discurso, que consistia inteiramente em elogios a
Hitler, que estava presente. No fim, a canção do “Horst Wessel” foi cantada.
Retirei-me imediatamente depois de terminada a cerimônia. Hitler saiu no
mesmo momento. Escondi-me atrás duma árvore, para que ele não me visse.
Mas pude ver o Führer ereto no seu automóvel, evidentemente a esperar uma
ovação da parte dos trabalhadores ali reunidos. Mas como ninguém estava
preparado para uma demonstração de tal espécie, a coisa causou uma impressão
dolorosa, isso sem se levar em conta o mau gosto da postura de Hitler. Tive pena
do velho Kirdorf: ele merecia um enterro melhor.

Vim a conhecer Hermann Göring da seguinte maneira. Um dia, o filho de um


dos diretores de minhas companhias carboníferas, um certo Herr Tangelmann,
veio ver-me. “Escute — disse-me ele — existe em Berlim um Herr Göring. Está
tentando com muito empenho fazer alguma coisa em benefício do povo alemão,
mas está encontrando pouco encorajamento da parte dos industrialistas. Não
quer ser apresentado a ele?” Em consequência dessa sugestão travei relações
com Göring quando a oportunidade se proporcionou. Morava ele naquele tempo
num apartamento muito pequeno, e estava ansioso por conseguir outro maior, a
fim de fazer melhor figura. Quem pagou as despesas dessa melhoria de situação
fui eu.

Naquela época Göring parecia uma pessoa agradabilíssima. Em assuntos


políticos, era muito sensato. Vim a conhecer também sua primeira esposa, Karin,
que por nascimento era uma condessa sueca.

Era uma mulher extremamente encantadora e não dava sinais do desequilíbrio


mental que lhe anuviou os últimos momentos da vida. Göring idolatrava-a, e
Karin era a única mulher capaz de guia-lo — como a um jovem leão. Exercia ela
também uma grande influência sobre o marido. Algum tempo depois de sua
morte, Göring transformou sua propriedade, Karinhall, num fantástico
monumento dedicado à memória de sua primeira esposa.

Quanto a Hitler, tornei a vê-lo em Munich, numa reunião em que se tratou do


Plano Young. Mais tarde encontrei-o casualmente na casa de Göring, mas nunca
o visitei em Obersalzberg e nunca cheguei a entrar na Casa Parda. Em certa
ocasião Hitler, Hess e Röhm dormiram na casa de meu falecido pai. Nossas
relações foram mais ou menos até aí.

Mas fui eu quem realmente proporcionou a aproximação entre Hitler e o corpo


de industrialistas renano-westphalianos. É do conhecimento público que a 27 de
janeiro de 1932 — quase um ano antes de tomar o poder — Adolf Hitler fez um
discurso que durou duas horas perante os membros do “Clube da Industria”, de
Düsseldorf. (2)

O discurso causou profunda impressão nos industrialistas reunidos, e em


consequência disso numerosas e vultosas contribuições manaram dos cofres da
indústria pesada, inundando o tesouro do partido Nacional-Socialista.

As preliminares desse discurso “histórico” são dignas de nota. Não foi minha
intenção original fazer Hitler falar naquela assembleia. De fato, não se tomara
nenhuma medida para o pronunciamento desse discurso nacional-socialista. Pelo
contrário, o comitê do “Clube da Indústria” tinha consentido em que um
socialdemocrata falasse, e em virtude disso alguns membros da associação
ficaram muito excitados e vários deles ameaçaram demitir-se. Numa sessão
bastante tempestuosa do comitê, declarei que havia um único meio de remediar o
erro: era convidar também um nacional-socialista para falar à assembleia. A
proposta foi aceita.

No entanto, ao formulá-la eu não havia pensado de imediato em Adolf Hitler,


mas sim em Gregor Strasser. Porque Strasser era naquele tempo a figura mais
popular entre os representantes nacional-socialistas da Renânia. Era um homem
educado, farmacêutico de profissão; geralmente as pessoas o levavam a sério, a
despeito de suas inclinações nacional-socialistas. Isso era porque se podia
discutir com Strasser, e porque ele não nos causava uma impressão tão
desagradável como, por exemplo, o dr. Robert Ley, que naquela época publicava
em Colônia um jornal, e que hoje é o chefe da “Frente Alemã do Trabalho”.
Assim, pedi a Gregor Strasser que fizesse o discurso no clube de Düsseldorf.
Mas pouco depois encontrei acidentalmente Adolf Hitler em Berlim. Quando lhe
falei do projetado discurso no Clube de Indústria, ele disse: “Acho melhor que
eu mesmo vá.” Concordei e foi na realidade através desse convite que Hitler
primeiro se fez devidamente conhecido na Renânia e na Westphalia. No que me
dizia respeito, a origem do convite não tinha significação política. Mas Hitler,
sem dúvida, viu logo o valor político da oportunidade que então se lhe oferecia.

Eu já dei particularmente a soma de um milhão de marcos ao partido Nacional-


Socialista. Não mais que isso. Minhas contribuições foram muito
superestimadas, porque sempre fui classificado como o homem mais rico da
Alemanha. Mas, no fim de contas, que significa ser dono de fábricas? Não se
deduz daí que possamos dispor de um mundo de dinheiro. Seja como for, Hitler
tinha outras fontes de dinheiro, além de minha pessoa. Em Munich, por exemplo,
havia Herr Bruckmann, o conhecido impressor; e em Berlim, Carl Bechstein, o
mundialmente famoso fabricante de pianos. Ambos contribuíam também com
largas somas. Afora isso, Hitler não recebia muitos subsídios dos industrialistas
individualmente.

Foi durante os últimos anos que precederam a conquista do poder pelos nazis
que as grandes corporações industriais começaram a entrar com as suas
contribuições. Mas elas não davam diretamente a Hitler; davam ao dr. Alfred
Hugenberg, que colocou cerca de um quinto dos donativos à disposição do
partido Nacional-Socialista. Tudo somado, as quantias dadas pela indústria
pesada aos nazis podem ser calculadas em dois milhões de marcos por ano.
Deve-se compreender, entretanto, que nessa quantia estão incluídos apenas os
donativos voluntários, e não as várias somas que as empresas industriais eram
obrigadas a fornecer para as numerosas manifestações especiais do partido.
O fato de eu nunca me ter tornado especialmente íntimo de Hitler deve-se
provavelmente à hostilidade de Rudolf Hess e de Josef Goebbels, o Ministro da
Propaganda. Embora Hess soubesse que eu livrara o partido de um grande
embaraço criado pela compra da “Casa Parda” de Munich, ambos esses homens
trabalhavam contra mim. Membros da Ala Esquerda do partido, suspeitavam
eles de quem, como eu, representava a indústria pesada; sei também que grande
número de outras pessoas não via com bons olhos as relações de Hitler com os
grandes industriais.

Mas as relações de Hitler não se estendiam aos industrialistas em geral. De fato,


além do velho Kirdorf, que não era na verdade um proprietário de usinas de
indústria pesada, era eu o único deste clã que se expunha livremente a tais
ligações. O caso de Herr Krupp von Bohlen und Halbach, chefe das famosas
fábricas de munições, era o inverso do meu. Até Hitler subir ao poder, Herr von
Krupp foi-lhe um adversário violento. Até a véspera do dia em que o Presidente
von Hindenburg nomeou Adolf Hitler chanceler, ele aconselhou prementemente
o velho marechal a não dar esse passo. Mas logo que Hitler se viu no poder, Herr
von Krupp tornou-se um de seus mais leais adeptos. Não estou de modo algum
dizendo isto como uma censura a Herr von Krupp. Seja como for, esse fato serve
para atenuar o meu próprio erro. Confesso sinceramente que cometi um grande
erro quando confiei em Adolf Hitler. Só acho que seria muito melhor se Herr
von Krupp resolvesse confessar também o seu equívoco.

Ao fazer esta confissão devo frisar uma vez mais — não como uma desculpa
satisfatória, mas como uma atenuante — que o que havia de mau no nazismo
não estava no partido, mais sim em certos indivíduos que a ele pertenciam. A
culpa disso, é claro, cabe principalmente ao Führer. Ele aceitava todas as figuras
dirigentes do partido sem olhar-lhes o caráter, e deixava-os fazer o que
quisessem. Um Gauleiter, cuja função dentro da organização do partido
corresponde mais ou menos à do Regierungspräsident dentro da organização do
Estado, é hoje em dia uma personalidade sacrossanta. Logo que os Gauleiters
viram de que lado soprava o vento, fundaram um clube para os de sua classe; e
esse clube de Gauleiters é que na realidade governa a Alemanha de hoje.

Isso será a ruína do partido; porque nenhum país pode florescer sob tais
condições. Em todos os sistemas, mesmo sob o Comunismo, o Chefe deve ser o
responsável pela ordem. Na Rússia, Stalin consegue manter a ordem — de
acordo com seus métodos particulares, é claro!
NOTAS HISTÓRICAS

AS FÁBRICAS KRUPP

A Corporação de Friedrich Krupp (Aktiengesellschait) de Essen foi sempre o


mais famoso arsenal da Alemanha. Já lá por 1860, quando era ainda uma firma
particular, ela recebia um subsídio de cinco milhões de thalers do Estado da
Prússia. Toda a artilharia empregada pela Prússia durante a guerra com a
Dinamarca em 1864, e na guerra franco-prussiana de 1870 a 1871, veio das
fábricas de Krupp. Depois da guerra franco-prussiana, os estabelecimentos de
Krupp cresceram de tal modo, que vieram a ocupar distritos inteiros na cidade de
Essen, cujo rápido progresso se deveu ao aumento do número de operários
dessas fábricas. A administração da cidade caiu inteiramente nas mãos da
empresa de Krupp. Afim de garantir a posse do mercado estrangeiro, onde
lutavam com a competição da firma francesa de Schneider-Creuzot, os Krupps
empregaram todo um exército de agentes escolhidos em sua maioria nas fileiras
de antigos diplomatas e oficiais do exército alemão. Os agentes de Krupp
interferiam na política entorno da Alemanha e, como resultado da influência
pessoal exercida pelos Krupps na corte imperial, os diplomatas alemães muitas
vezes ficavam à disposição dos agentes de Krupp. Essa influência cresceu depois
que se suicidou o velho Friedrich Krupp, filho do fundador da firma. Na
verdade, o Kaiser Guilherme II empenhou-se pessoalmente em conseguir o
casamento da filha única do falecido, e herdeira universal da fortuna de Krupp,
com Herr von Bohlen und Halbach, um funcionário, até então sem importância,
do ministério do exterior. Herr von Bohlen und Halbach, que, depois de seu
casamento, tomou o nome de Krupp von Bohlen und Halbach, não estava
suficientemente familiarizado com o negócio para tomar a direção da empresa.
Transformou-a numa companhia limitada; todas as ações, entretanto,
continuaram sendo propriedade da família e nunca foram vendidas no mercado
público. A administração foi confiada a um vasto corpo de diretores. Depois do
colapso da monarquia, as fábricas Krupp diminuíram consideravelmente seu
escopo. Uma grande parte das fábricas restantes foram adaptadas à manufatura
de mercadorias de tempo de paz. Depois de Hitler, entretanto, elas de novo
cresceram em volume e agora são muitas vezes maiores que nos tempos do
Kaiser.
6. A MARCHA DOS NAZIS PARA O PODER

DEPOIS de 2 de dezembro de 1932 formou-se na Alemanha um novo governo,


com o general Kurt von Schleicher à frente. Schleicher havia ocupado por
muitos anos uma das posições mais importantes no ministério-da-guerra e era,
além do mais, o conselheiro mais íntimo do ministro-da-defesa, o general
Wilhelm von Groner. Este último, originalmente cidadão do Estado de
Württenberg, vinha do campo democrático. A intenção verdadeira de Schleicher
era pôr em prática os pontos principais do programa nacional-socialista sem
deixar Hitler tomar o poder. Era entretanto notório que ele gostaria de dar um
lugar no gabinete a Gregor Strasser, estudioso da política social e membro do
Reichstag como representante nacional-socialista.

Gregor Strasser era, como já disse, muito conhecido na Renânia. Naquela época
manteve ele com os principais industrialistas, várias conversações nas quais não
tomei parte. Strasser vivia na Francônia, a parte setentrional da Baviera; no
entanto não era um franconiano, mas sim um genuíno bávaro, e como tal
particularmente popular na Renânia e na Westphalia.

Strasser e eu mantínhamos aparentemente boas relações; mas ele não gostava


muito de mim. Dentro de seu partido ele pendia para a extrema Esquerda, e
suspeitava de mim por causa de minhas passadas ligações com o partido
Nacional Alemão. Consequentemente, não consegui notícias diretas de suas
conversações com os outros proprietários da indústria pesada. De seus
numerosos encontros com o general von Schleicher, tudo quanto eu sabia era
através do partido Nacional-Socialista, que desconfiava muito dessas entrevistas.
Eram elas olhadas como sendo uma traição a Adolf Hitler e eu participava
abertamente dessa opinião.

Teria o general von Schleicher conseguido formar com sucesso um gabinete


amparado principalmente pelo Trabalho Alemão? Eis uma pergunta que já não
pode encontrar resposta. Suas negociações com Strasser parecem ter sido
coroadas de êxito. Disseram-me até que Schleicher contava com o apoio de uma
parte dos sindicatos dos trabalhadores social-democráticos. Seu objetivo
aparente era separar os sindicatos dos partidos, o que no caso do Nacional-
socialista equivaleria a uma natural cisão dessa organização em duas partes.

A esse tempo mandei a Rudolf Hess a cópia de uma carta que eu havia dirigido
ao secretário de uma empresa industrial renana, e na qual eu expressava a
opinião de que a maneira como Strasser trabalhava contra Hitler era desprezível.
Hess me respondeu com uma carta muito cordial. Por isso se compreende ainda
menos a razão pela qual o partido Nacional-socialista não me convidou para
comparecer aos encontros aliados.

Hoje sou da opinião de que teria sido provavelmente melhor se as negociações


de Strasser tivessem chegado a um fim satisfatório. Foi principalmente Herr
Krupp von Bohlen und Halbach quem advogou nesse tempo a aproximação entre
Strasser e o general Schleicher. Sem dúvida tinha ele razão quando fez a
tentativa, a que já me referi, de persuadir o velho marechal von Hindenburg a
não nomear Hitler chanceler do Reich. Conforme eu já disse, essa inimizade de
Herr von Krupp por Hitler desapareceu logo que o Führer subiu ao poder. Na
verdade, depois que Hitler foi nomeado chanceler, Herr von Krupp tornou-se um
super-nazi. Só em 1938 é que tive uma ideia do quanto era profunda sua ligação
com os nacional-socialistas. Realizou-se naqueles dias uma reunião de
industrialistas na casa de Geheimrat Bosch, diretor-geral da I. G. Farben
Industrie, a maior empresa química da Alemanha. Vários dos industrialistas
presentes criticaram severamente a conduta de Hitler. A reunião foi confidencial
e várias provas de monstruosa corrupção dentro do partido foram mencionadas.
Herr von Krupp ergueu-se e disse: “Meus ouvidos não podem suportar essas
acusações e por isso me retiro”. Reuniões similares realizavam-se
ocasionalmente entre os industrialistas.

Em obediência ao caráter “social” da política que o general Schleicher pretendia


seguir, quis ele trazer à luz da publicidade os chamados “escândalos de
Osthilfe”. O “Osthilfe” (“Auxílio ao Leste”, isto é: principalmente à velha
Prússia) era uma medida financeira de largo alcance destinada a socorrer as
empresas agrícolas. Havia ele tido origem no governo socialdemocrata de
Hermann Miller, sendo ampliado pelo gabinete de Brüning. Parece que alguns
dos fundos do “Osthilfe” haviam sido empregados de maneira corrupta; no
entanto, comparadas com as negociatas que agora florescem sob o regime
nacional-socialista, essas quantias parecem ridiculamente pequenas. Muito
agitados ficaram os grandes proprietários de terras do leste do Elba, quando
souberam que no Reichstag havia sido nomeada uma comissão para fazer um
inquérito. A agitação aumentou quando o general von Schleicher ameaçou com
fazer uma investigação pública, ameaça essa que teve como resultado um
violento descontentamento contra o chanceler — um descontentamento de que
até o presidente von Hindenburg participava.

Herr von Papen tirou vantagem dessa situação. Membro do Reichstag, onde
representava o partido do Centro Católico, era ele antipatizado por grande
número de seus membros por causa de suas intrigas. Na sua juventude tinha sido
oficial ativo de cavalaria; mais tarde casara-se com a filha de um industrialista
muito rico da região do Sarre. Durante a Guerra Mundial de 1914-1918, foi
adido-militar da Embaixada Alemã em Washington. Sua atividade nesse ponto
tornou-o conhecido através do mundo. Um de seus homens perdeu num subway
de Nova York uma pasta que forneceu ao governo dos Estados Unidos elementos
para provar que uma série de perigosos atos de sabotagem tinha sido diretamente
instigada pelo governo do Reich, e que o próprio von Papen havia representado
papel importante em sua execução.

Por alguma razão Herr von Papen nutria um ódio intenso pelo general
Schleicher, que ele planejava derrubar do posto de chanceler do Reich. Seu
candidato para o lugar era Adolf Hitler. Para levar adiante esse plano, Herr von
Papen arranjou um encontro entre Hitler e o banqueiro de Colônia, von Schröder,
primo do conhecido banqueiro londrino, Barão Schröder. A entrevista efetuou-se
em Colônia, na casa bancária de Herr von Schröder. Rudolf Hess estava também
presente.

Só ouvi falar nessa entrevista muito tempo depois que ela se realizou. Parece que
Hess, que a princípio se opunha à minha amizade com Göring, não deixou que
me informassem dela. E Göring, que possivelmente me teria contado alguma
coisa, talvez não tivesse sido consultado a respeito. De fato, não era certo que
Göring soubesse do segredo, especialmente agora, depois que o Ministério da
Polícia da Prússia lhe fora arrebatado. As presentes relações íntimas entre Hitler
e Göring datam do grande massacre de 30 de junho de 1934, no qual o partido
Nacional-Socialista foi expurgado de todos os membros que faziam objeções ao
regime.
Tenho a impressão de que Göring tinha parte tão grande na responsabilidade
desse massacre, que já não mais ousava opor-se ao regime. Seja como for, ele
era muito mais independente antes desse fato. Parece que ele se fez culpado de
tantos crimes, por causa de seus ciúmes pessoais, que ficou inteiramente nas
mãos da Gestapo, que sabe coisas demais a seu respeito. Desde então Göring se
mantém silencioso.

É coisa muito sabida que Papen foi bem sucedido em suas intrigas. A 28 de
janeiro de 1933, o general von Schleicher pediu demissão de seu posto de
chanceler e a 30 de janeiro o Presidente von Hindenburg nomeou Adolf Hitler
para esse cargo. Eu estava bastante satisfeito com o rumo dos acontecimentos,
especialmente porque ouvira dizer que Alfred Hugenberg (apesar de ser um
deputado nacional-alemão) tinha entrado para o gabinete de Hitler, levando
consigo para o governo um certo número de amigos de sua confiança. Além
disso, Hugenberg obtivera de Hitler uma promessa formal, feita pessoalmente a
Hindenburg, de que nos quatro anos seguintes nada seria mudado na composição
do gabinete e na distribuição dos postos “chave”.

Em qualquer caso, achei naquele tempo que o fato de Hitler assumir o cargo de
chanceler era simplesmente um estágio transitório que levaria à restauração da
monarquia alemã. Minha opinião se baseava nas seguintes razões: Em setembro
de 1932 eu convidara um certo número de cavalheiros a vir a minha casa, afim
de que eles interrogassem Hitler. O chanceler respondeu a todas as perguntas que
lhe foram dirigidas, causando a maior satisfação a todos os presentes. Nessa
ocasião afirmou em termos claros e nada ambíguos que ele não passava de “um
pacificador para a monarquia”. Os diretores-gerais Kirdorf e Vögler e outros
grandes industrialistas estavam presentes. A atitude monarquista de Hitler
naqueles dias levou seu partido a conseguir mais adeptos nos círculos industriais.
Quero também lembrar que no outono de 1932 Göring fez uma visita de uma
semana ao ex-Kaiser Guilherme II em Doorn. O fato de Hitler e Göring serem
convidados para jantar pelo Kronprinz parece provar que os próprios
Hohenzollerns alimentavam grandes esperanças àquele tempo. Para falar a
verdade, Göring mais tarde me contou que depois que ele e Hitler saíram, o
Kronprinz fizera vários comentários desfavoráveis na presença dos empregados,
os quais imediatamente foram levar a informação aos nazis. Isso, — conta-se, —
pôs fim à amizade que Hitler tinha pelo Kronprinz.

Mas não evitou, porém, que o Kronprinz comparecesse, na primavera de 1933,


ao primeiro dos bailes que Göring periodicamente dava na Opera. Numa das
fileiras de camarotes estavam sentados Göring e todo o seu estado-maior; na
outra, à frente deles, achava-se o Kronprinz — e de maneira tão acintosa, que os
nazis se sentiram absolutamente vexados. Os outros, porém, não tiveram a
mesma sensação; e para o mundo exterior isso indicava que os Hohenzollerns
nos primeiros tempos do regime nazi, tinham razões para estar otimistas com
relação a suas esperanças de volta ao trono.

Hoje infelizmente sou forçado a admitir que eu também julguei mal a situação
política daquela época. Mas, pelo menos posso alegar que agi em boa fé.

NOTA DOS EDITORES

A situação política era realmente um tanto confusa em 1932. É verdade que


Schleicher acariciava a ideia de fazer o chamado governo “social” (isto é: de
bem-estar social). Sua intenção era talvez imitar o governo fascista de Mussolini,
pelo menos na essência, se não na forma. Suas negociações com Gregor Strasser
foram muito longe. Ao mesmo tempo levou ele avante de maneira efetiva as
negociações com vários representantes de importantes sindicatos operários que,
embora formalmente independentes, se achavam intimamente ligados ao partido
Socialdemocrata. No que dizia respeito aos nacional-socialistas a entrada de
Gregor Strasser no gabinete teria na verdade resultado numa cisão, ou pelo
menos numa luta entre Gregor Strasser e Adolf Hitler, luta essa que não podia
terminar de outra maneira senão num cisma do partido. Na realidade a ideia da
derrota do Führer era coisa em que nem se podia pensar.

O caso dos socialdemocratas era absolutamente diferente. A entrada no gabinete


de alguns socialdemocratas não implicaria, pelo menos no princípio, num
compromisso do partido como um todo. A questão de se o partido devia ou não
manter sua posição independente, ou identificar-se com o governo de Schleicher,
seria determinada pela ação de seus deputados no Reichstag, embora isso
equivalesse ao risco de ter de sacrificar os membros socialistas do gabinete.
Naturalmente era possível que novos partidos se fundassem e o Social-
Democrático sofresse severa perda em votos e em prestígio.

A reviravolta decisiva dos acontecimentos daquele tempo deve-se inteiramente a


Herr von Papen. Até as vésperas dos acontecimentos aludidos, o Presidente von
Hindenburg se recusara a confiar em Hitler, As intrigas de Papen se baseavam
primariamente na ameaça que Schleicher formulara de trazer os escândalos de
“Osthilfe’’ ao conhecimento do público. O "Osthilfe’’ não era uma medida
puramente agrária; certas quantias tinham sido emprestadas também às
indústrias. Além do mais, vários grupos políticos com representação no
Reichstag estavam tentando alargar consideravelmente o conceito geográfico de
“Leste”. Pouco a pouco, as empresas do Centro e do Sul da Alemanha foram
também incluídas no “Auxilio ao Leste”. Finalmente esse auxílio já incluía todas
as empresas que se achavam em perigo diante da crise econômica geral que era
considerada como uma decorrência das mudanças de após-guerra, notavelmente
da inflação e da revalorização subsequente do dinheiro. A medida como um
todo, embora em sua origem fosse bem-intencionada, tomara eventualmente um
aspecto que podia ser classificado de corrupto por um observador objetivo. O
traço principal de “corrupção”, era o propósito aparente de eliminar os riscos
inerentes às empresas particulares, e atirar toda a carga dos déficits para os
ombros da comunidade. A corrupção consciente da parte dos recebedores dos
subsídios representava na questão apenas um pequeno papel.

O caso do Auxílio Agrário (Agrarische Nothilfe) parecia completamente


diferente. Seu objetivo original era auxiliar os proprietários de terras que se
tinham endividado, não por culpa própria, mas como resultado das condições
especiais da época. Logo se descobriu que a maior parte dos fundos que o
Auxilio Agrário controlava haviam sido concedidos não aos donos de
propriedades pequenas ou de tamanho médio, mas sim aos grandes
latifundiários. Na verdade, em vários casos os proprietários-de-terra não só
deixavam de empregar os fundos concedidos no pagamento de suas dívidas, ou
na melhoria de suas terras, como também gastavam o dinheiro prodigamente nos
recantos elegantes da Europa.

O general von Schleicher tinha representado papel importante na maioria das


intrigas políticas da década passada. No entanto não reconheceu o perigo a que
se expunha quando fez do caso do “Osthilfe” o ponto decisivo da política de seu
gabinete. Seu objetivo verdadeiro era, naturalmente, ganhar popularidade entre
as massas e lançar os fundamentos de um bom ponto de partida para o gabinete
trabalhista que pretendia organizar.

Herr von Papen via a situação a uma luz completamente diferente. Através de
seus intermediários, foi ele exatamente informado do jogo que estava sendo
travado em torno do presidente von Hindenburg. Pouco antes, a grande região de
Neudeck, terra natal de Hindenburg, tinha sido dada de presente ao Presidente. A
dádiva se tornara possível principalmente graças a contribuições dos
industrialistas. Assim — com muita habilidade — o próprio presidente fora
elevado à categoria de proprietário de terras, e seu filho, que a esse tempo
trabalhava junto dele, conseguiu fazê-lo compreender como seria difícil
administrar uma propriedade nova e quão pequenos eram os lucros que ela
oferecia. O presidente assim ficou com o espírito preparado para olhar com
simpatia as insinuações dos outros grandes proprietários de terras. Talvez ele não
se opusesse à punição dos atos corruptos que na realidade se haviam verificado,
mas estava convencido de que não era motivo suficiente para interferir com a
classe dos proprietários de terras como um todo, e para criar a desconfiança entre
a população com respeito as propriedades agrárias.

Isso talvez não fosse suficiente para privar Schleicher da confiança do


presidente. Teria sido possível entrar em negociações e achar um acordo pelo
qual o assunto fosse divulgado sem provocar escândalo ou então inteiramente
abafado. Quem quer que conhecesse suficientemente Schleicher nunca duvidaria
de que uma simples sugestão indireta do presidente teria bastado para fazê-lo
mudar de rumo, pois ele estava ansioso por conservar o posto de chanceler. Mas
isso era precisamente o que von Papen temia. Informações dignas de crédito
relativas aos acontecimentos que precederam imediatamente a resignação de
Schleicher, apontam Herr von Papen como sendo o homem que insinuou ao
presidente quo Schleicher estaria preparando uma revolta militar contra ele.
Conta-se, de qualquer modo, que a decisão súbita e definitiva de Hindenburg de
sugerir a resignação do general Schleicher havia sido provocada por uma notícia,
recebida durante certa noite, de que Schleicher tinha já concentrado tropas em
Potsdam, prontas a marchar sobre Berlim.

O ódio de Papen por Schleicher devia-se principalmente ao fato de este último


haver representado papel importante na derrubada do gabinete de von Papen. É
verdade que Schleicher, que até então estava acostumado a puxar os cordéis atrás
da cena, não queria ele próprio vir para a cena como chanceler, logo depois de
ter derrubado Franz von Papen. Aconteceu, entretanto, que não houve outra
alternativa.

Assim o general Schleicher foi forçado a resignar, e dois dias mais tarde Hitler,
nomeado pelo Presidente von Hindenburg, tomou posse do cargo de chanceler. É
sabido que Hitler decidira obter esse posto sem recorrer a um ato revolucionário.
Desejava trilhar o caminho legal até chegar ao poder. Certo, sempre tivera a
intenção de abandonar a via legal logo que recebesse do Reichstag os desejados
poderes. Teria ele conseguido conquistar por meios legais o lugar de chanceler
do Reich sem o auxílio de von Papen? Assunto a averiguar. Seja como for, as
perspectivas do partido naquela época eram particularmente mui pobres. Os
nacional-socialistas tinham sofrido grandes perdas nas últimas eleições do
Reichstag, realizadas sob o governo de Schleicher. Além disso, o afastamento de
Gregor Strasser e seu grupo teria enfraquecido não só o partido como também as
organizações SA. É certo também que enormes despesas haviam exaurido por
completo os fundos do partido nazi. Essa também foi a razão pela qual Herr von
Papen arranjou o encontro entre Adolf Hitler e o banqueiro de Colônia, von
Schröder. As finanças do partido, que exatamente naquele tempo ameaçavam
reduzi-lo a uma posição insuportável, precisavam ser reajustadas. Seu sucesso
subsequente na obtenção dos fundos necessários foi completo.

NOTAS

(1) Nota do Editor: Kurt Eisner era o premier socialista independente da Baviera.
Em 1919 foi assassinado a sangue-frio pelo Conde von Arco, um jovem
“patriota” nacionalista.

(2) NOTA DO EDITOR: Esse discurso foi pronunciado por Hitler numa reunião
privada dos grandes industrialistas alemães, cerca de um ano antes de o Führer
subir ao poder. A reunião foi arranjada por Fritz Thyssen. Foi nessa ocasião que
Hitler conheceu o corpo de lideres industriais alemães, e foi com esse discurso
que ele os persuadiu a dar apoio às suas aspirações ao poder. Uma vez que a
reunião tinha caráter privado, o discurso não foi publicado nem comentado pela
imprensa, ao tempo em que foi pronunciado. Só mais tarde, quando o chanceler
Brüning se queixou de que os grandes industrialistas tinham encontros secretos
com seu grande inimigo (Hitler) é que os nazis decidiram publicá-lo. Foi ele
então impresso pela Franz Eher, Verlag, editores do Völkischer Beobachter, num
panfleto especial. Não incluímos esse discurso no apêndice a esta obra, porque
ele aparece integralmente no livro Minha Nova Ordem, publicado pelas Edições
Meridiano de Porto Alegre. Em vista de sua grande importância, recomendamos
calorosamente a leitura desse documento histórico, pois hoje em dia parece
incrível que tal discurso pudesse persuadir os cabeças de uma das maiores
potências industriais do mundo. É uma peça oratória cheia de lugares-comuns
econômicos, frases pseudocientíficas e de racismo e de Providência: culmina
com o sofisma: “O paralelo econômico da democracia política é o Comunismo”.
TERCEIRA PARTE

MINHAS EXPERIÊNCIAS COM


HITLER E O REGIME NAZI
1. TENTATIVAS DE COOPERAÇÃO COM OS
NAZIS
Esforços para Organizar o Sistema Corporativo. — Minha Nomeação como
Membro do Reichstag e do Staatsrat Prussiano

A política na realidade nunca me interessou. Eu não queria ser um político, pois


acho que os industrialistas deviam manter-se afastados da política. É verdade
que em várias ocasiões exerci minha influência em processos políticos; mas isso
acontecia ou através de uma cadeia fortuita de acontecimentos, como no caso do
discurso de Hitler ante o “Clube da Indústria” de Düsseldorf, ou então dizia
respeito a assuntos puramente econômicos, como no caso da campanha no Ruhr
e da luta contra o Plano Young. Em todas essas questões tomei a chefia dos
movimentos porque eu gozava então de uma certa popularidade.

O caso de Hermann Rauschning era diferente. Eu conhecia Rauschning, porque


ele vinha frequentemente à região do Ruhr, e em geral se achava que era uma
sorte estar ele em atividade nas fileiras nacional-socialistas. Ficamos
especialmente contentes em saber que um homem tão razoável como
Rauschning ocupava a tão importante posição de presidente do Senado de
Dantzig, numa hora em que tanta coisa dependia das opiniões no seio da Liga
das Nações. Mas Rauschning não contou a ninguém na região do Ruhr que sua
posição se achava em perigo. Agora que li o seu segundo livro, “A Voz da
Destruição”, não compreendo por que nunca fez ele referência ao fato, pelo
menos a algumas pessoas. Hoje, é certo, depois de ter passado pelo que passei,
estou inclinado a pensar que essa confissão não teria feito muita diferença.

Minhas atividades em nome do partido Nacional-Socialista, imaginava eu,


seriam da mesma natureza acidental que as acima descritas. O que me
interessava primariamente era a maneira como a vida econômica devia ser
organizada no Estado Nacional-Socialista ou — como eu advoguei — numa
colaboração entre nacional-socialistas e nacionalistas-alemães. Aí estava um
problema de grande importância. Porque a questão a ser decidida era de se a
indústria e a atividade econômica em geral deviam ser ou não absorvidas pelo
Estado; e, no caso negativo, qual deveria ser o papel do Estado em relação à vida
econômica.

No fim do século dezoito e no princípio do dezenove, a ideia geralmente


dominante, oriunda de Ricardo e Adam Smith, era a de que o comércio devia ser
inteiramente liberado, e que o comércio livre estava fundamentalmente ligado à
vida econômica. Mas os Liberais “jogaram fora o bebê junto com a água do
banho”. E o resultado foi que o Estado, em oposição a eles, assumiu um controle
cada vez maior sobre o processo econômico e chegou mesmo a fazer negócios
por sua própria conta. Na minha opinião, os resultados conseguidos pelo Estado
na gerência dos negócios, foram no todo maus. Os negócios têm sua base numa
iniciativa particular que é orientada de um lado pelo risco envolvido e de outro
pelas oportunidades de lucro. A função do Estado, entretanto, é administrar; e a
administração é qualquer coisa de inteiramente diferente duma empresa sob
gerência comercial.

Quanto às estradas-de-ferro, cuja direção por certo não pode ser deixada
inteiramente em mãos de particulares, as suas condições sob a administração do
Estado de modo algum são tão brilhantes como muitas vezes se divulga. É o
caso das estradas-de-ferro alemãs. Pelo que conheço dos caminhos-de-ferro da
França, a direção particular dessas empresas lá, a despeito de muitas
desvantagens, tinha a seu crédito várias coisas em que são mais adiantadas que
na Alemanha. Por exemplo, a França possuía mais estações de carga
mecanizadas, e o sistema de desvios francês era muito mais mecanizado que o da
Alemanha. Sob a administração do governo, a direção de nossas estradas-de-
ferro carece de certa flexibilidade. Há uma constante falta de senso da
responsabilidade da parte dos funcionários superiores, quando não há um
proprietário particular que tome as decisões sob seu próprio risco — coisa que
um funcionário nunca pode fazer com o mesmo alcance.

Situação semelhante existe nas companhias de gás e força elétrica.


Provavelmente os estabelecimentos de eletricidade mais bem dirigidos hoje em
dia são as Usinas de Eletricidade Renano-Westphalianas. Sua direção está em
mãos de particulares. Mas aqui temos exemplo de uma forma inteiramente nova
de empresa organizada, cuja iniciativa se deve ao falecido Hugo Stinnes. Uma
parte do capital em ações acha-se em poder de capitalistas particulares e de
alguns grupos econômicos de vulto, e parte pertence a municipalidades ou
comunas que recebem sua força elétrica dessas usinas. Os representantes das
municipalidades e comunas têm assento à mesa da diretoria. O resultado é que
uma espécie de luta se trava entre os interesses econômicos privados de um lado
e os interesses comunais das cidades e vilas de outro; mas isso só acontece
quando tais interesses se encontram em campos opostos. O objetivo é
precisamente este: evitar que os interesses econômicos particulares prejudiquem
os da comunidade. A supervisão final está, naturalmente, a cargo do governo isto
é, uma vez que estejamos num sistema econômico no qual nem todas as
empresas particulares tenham sido absorvidas pelo Estado.

Essa, na verdade, é a ideia básica do New Deal do Presidente Roosevelt. Ele


quer harmonizar os interesses econômicos privados dos Estados Unidos com os
interesses comuns do povo como um todo. Do mesmo modo que o Estado proíbe
às pessoas o roubo, deve ele também evitar que os negócios particulares
explorem e prejudiquem o público.

Isso, certo, às vezes torna necessário evitar que a indústria faça coisas que no
final de contas sejam prejudiciais a se mesma. Permitam-me dar um exemplo
apenas. A construção das Autostrassen (estradas de rodagem estratégicas) fez
que muitos industrialistas construíssem fábricas para a produção de cimento. Eis
aí um caso em que o Estado devia ter previsto que tal coisa não redundaria em
benefício dos negócios em geral nem do trabalho. Porque até mesmo a
construção do mais gigantesco sistema de estradas-de-rodagem um dia teria de
acabar, e então nada mais se poderia fazer se não fechar todas essas numerosas
fábricas de cimento, afim de evitar uma superprodução desse material. Aqui está
um problema extraordinariamente difícil. Porque, uma vez que o próprio Estado
começa a fazer negócio, ele deixa de ser um árbitro insuspeito. Torna-se um
empreendedor de negócios com interesses especiais próprios.

Existem, por exemplo, as “Usinas Hermann Göring”, das quais falarei mais
tarde. Como propriedade do Estado, elas determinaram a priori as decisões do
Reich, em caso de arbítrio, e duma maneira muito parcial.

Numa transigência que conciliaria todos os interesses, sempre imaginei um


Estado que reconhecesse o princípio do lucro industrial particular, mas que ao
mesmo tempo proporcionasse uma constituição corporativa capaz de regular a
indústria e os negócios. Isso significaria a separação da política e dos negócios, e
daria a estes últimos, isto é, tanto às organizações particulares como às de
propriedade do Estado, uma administração autônoma acima da qual ficasse o
Estado, como poder moderador na luta de interesses, e como paladino da
comunidade. A criação de um sistema corporativo faz-se também necessária
afim de proporcionar um contato permanente com o trabalho. Eu, por exemplo,
tive muito menos contato com meus trabalhadores do que no tempo de meu pai e
isso se passa indubitavelmente com todos os grandes empregadores e
empregados industriais deste século mecanizado.

Meu pai, August Thyssen, que morreu em idade muito avançada, vivia
inteiramente absorvido pelo seu trabalho na fábrica que ele mesmo fundara, e era
um grande favorito entre seus operários. Era um chefe que trabalhava com ardor
e que ao mesmo tempo mantinha hábitos simples de vida. Sempre que tinha uma
meia hora livre, ia às usinas e conversava com seus homens. Mas isso em nada
contribuiu para que ele mudasse suas ideias antiquadas, que manteve até o fim.

Acreditava ele, como Adam Smith, que os salários dos trabalhadores tinham de
ser reduzidos quando os preços baixavam e quando o negócio ia mal. Mas não
pensava assim porque quisesse tirar lucros à custa dos operários, mas sim porque
achava que essa era uma base saudável sobre a qual promover o
desenvolvimento de suas fábricas, e um bom caminho para chegar à admissão de
mais empregados.

August Thyssen começou com uma fábrica muito pequena. Foi em 1873, o ano
em que vim ao mundo. Nasci numa modesta casa perto da fábrica. Toda a
propriedade era muito pequena — apenas o suficiente para acomodar a primeira
oficina. Meu pai dirigia a fábrica, fazia a escrita, exercia as funções de seu
próprio caixeiro-viajante; em suma, ele mesmo fazia tudo. Era bem como nos
primeiros tempos da fábrica Krupp.

Eu não tinha tanto tempo como meu pai para me ocupar com os operários,
embora andasse alerta esperando a primeira oportunidade que se apresentasse
para isso. Talvez eu não tivesse o jeito que meu pai tinha de falar com seus
homens, ou então não gozava da confiança destes no mesmo grau. Por essa razão
— se outras não houvesse — eu desejava a criação dum sistema corporativo,
afim de estabelecer contato com os representantes eleitos dos trabalhadores, que
deviam ter um lugar junto aos representantes do Conselho do Estado, afim de
discutir problemas econômicos, de salário, questões de exportação e coisas dessa
espécie. Porque eu estava firmemente convencido de que um trabalhador
aceitará até mesmo uma redução de ordenado uma vez tenha verificado que ela é
justificável. Mas acho impossível permitir que o trabalhador participe do
negócio. No momento em que se faça co-proprietário duma empresa particular,
essa passará a ser dirigida como um serviço do governo; ao passo que as
empresas industriais devem ser geridas de, maneira muito individual. Um
negócio não pode positivamente ser administrado como o Estado.

Está claro que é possível a um fabricante explicar a seus co-trabalhadores por


quê dirige ele o negócio da maneira que acha necessária. E o sistema corporativo
deve fornecer os meios pelos quais todas as considerações mais largas sejam
levadas em conta.

A ideia do sistema corporativo não é minha. Foi sugerida por um conhecido


professor de economia nacional de Viena, Othmar Spann. Tomei conhecimento
desse sistema graças à presença em Düsseldorf de um certo Dr. Klein, que era
“secretário do bem-estar social” da I. G. Farben Industrie (o grande trust alemão
de tintas). Muito antes de os nazis subirem ao poder, o dr. Klein, sob influência
do professor Spann, andava preocupado com a solução do problema social.

A questão do estabelecimento de uma economia corporativa é naturalmente


muito difícil. Não obstante, sempre achei que essa seria a melhor solução. Há
apenas duas outras soluções: conduzir nossa vida econômica como antes — dum
modo reacionário; ou fazer o oposto — abolir a empresa privada e deixar que a
indústria seja dirigida pelo Estado.

No fim de contas, não devemos esquecer todos os empreendimentos particulares


levados a cabo no século passado. O desaparecimento dessa força motriz, no
caso de um sistema de propriedade do Estado, significaria enorme perda. O
Estado corporativo, por outro lado, é uma tentativa para achar um meio-termo —
uma solução que permita ao proprietário a liberdade de que necessita afim de
dirigir o negócio com êxito, e que ao mesmo tempo evite excessos.

Na região Sudeto da Boêmia, o desenvolvimento do sistema corporativo já se


achava regularmente adiantado; e tal sistema é o traço característico do regime
de Mussolini na Itália. Na Alemanha fui eu quem o partido Nacional-Socialista
escolheu para fundar um instituto encarregado de preparar a introdução da
ordem corporativa. Isso foi antes de o Partido subir ao poder. Na realidade, o
prof. Othmar Spann devia ser o homem indicado para essa tarefa, mas Spann
tinha caído completamente das graças do Führer por uma razão muito particular.
Daí o fato de Hitler indicar a mim e a outra pessoa para levar a cabo a tarefa.
Fundamos, portanto, esse instituto, ou academia, afim de preparar as pessoas
convenientes. Organizamos também uma “Câmara de Corporações”
experimental a que eu comparecia todos os dias. O objetivo era com o tempo
formar uma câmara composta de pessoas que tivessem passado pela academia.

Foi então que, em 1933, os nacional-socialistas tomaram o poder. A princípio


tudo parecia ir bastante bem. Meu instituto e a câmara experimental haviam
conseguido a sanção do ministro da economia do Reich, o Dr. Schmidt, que fora
antigamente um importante e renomado diretor duma companhia de seguros. Eu
tinha três secretários. Mas esses secretários tinham de passar parte de seu tempo
empenhados em tirar as pessoas da cadeia ou dos campos de concentração.
Porque naqueles tempos todos me vinham pedir auxílio. E eu quase sempre
conseguia pôr tudo em ordem.

Cedo, porém, ficou claro que a ideia de um sistema corporativo em geral, e do


nosso instituto em particular, encontrava muitos oponentes. Para principiar,
vários industrialistas eram contra ele por ser eu o seu diretor. E quase toda a
burocracia do governo era contra a ideia, o que me parecia natural. Dentro do
partido realizou-se uma reunião na qual o dr. Robert Ley expressou sua opinião.
Hitler colocou-se numa posição contrária à de Ley. As opiniões se chocaram
com violência. E por fim Hitler declarou solenemente que tudo se ia fazer como
eu e meus amigos havíamos proposto; dentro de oito dias iriamos estabelecer o
sistema corporativo na Alemanha. Concluindo, Hitler observou: “Assim como o
movimento político teve origem em Munich, a reforma econômica terá origem
em Düsseldorf.”

Uma das razões pelas quais o Führer se mostrava favorável à ordem corporativa,
parecia-me, era a de que ele se opunha à ideia de fundir numa só as três
federações gerais dos sindicatos de trabalhadores que existiam na Alemanha. O
que ele queria era dividir a Frente do Trabalho; e tinha razão, ao ver a
necessidade disso. Infelizmente, porém, não se manteve firme em suas ideias.

Por algum tempo, é verdade, Adolf Hitler pareceu manter seu ponto de vista
original com relação ao sistema corporativo, particularmente sob a pressão que
lhe fazia o movimento radical dentro do partido. Gregor Strasser também tinha
planos de uma espécie de sistema corporativo. Mas é possível que haja sido
apenas a atitude simpática de Strasser pela ideia corporativa que tenha
eventualmente contribuído para a mudança de opinião de Hitler, isto é: depois da
“traição” de Gregor Strasser (narrada no capítulo anterior). A predição de Ley se
realizava: os trabalhadores, dissera ele, não apoiam Strasser; apoiam Hitler e
Ley.
A fim de fazer frente aos ataques de Ley ao sistema corporativo, levei a Hitler
uma queixa contra o chefe da “Frente do Trabalho”. Disse-lhe que, fosse como
fosse, Ley não era o homem indicado para o posto que ocupava. Em vista disso,
Hitler ficou tremendamente exaltado e me desafiou a provar essa afirmação. E
eu provei; pelo menos julguei que havia provado. Nada, porém, aconteceu.

Como já observei, dum modo geral eu não era um íntimo de Hitler. Não
obstante, pude discutir com ele várias vezes o sistema corporativo. Eu ia
frequentemente a Berlim, e uma vez conversamos sobre o assunto enquanto eu o
levava num passeio ao redor de uma de minhas minas. Nessa ocasião, por sinal,
outro assunto surgiu também, a saber: o do encontro que Hitler tivera com
Wilhelm Furtwängler, o regente de orquestra. Hitler me contou que havia
mandado chamar Furtwängler e lhe dissera que de modo algum ele podia
continuar executando peças de compositores judeus. Isso era tão intolerável
como se ele, Hitler, viesse a se apaixonar por uma bela judia. Tive de rir
interiormente. Porque, na verdade, sempre que Hitler se aproximava de qualquer
mulher, acontecia que essa mulher era judia...

Os nazis não só me nomearam deputado ao Reichstag como também Göring, na


qualidade de primeiro ministro prussiano, me fez conselheiro perpétuo da
Prússia. Além do marechal-de-campo von Mackensen e do almirante von
Raeder, havia apenas duas ou três pessoas no partido que eram conselheiros-de-
estado perpétuos. Era, pois, de se supor que isso fosse uma honra especial.
Compareci a cinco sessões do Conselho de Estado; não foram más. Mas um dia
Göring me disse: “Não posso continuar essas sessões por trás de portas cerradas,
como pretendia, porque vi o Bispo de Osnabrück, Monsignor Berning, tomando
notas.”. Assim, depois de quatro sessões, tudo foi alterado. Não se ouviam mais
as moções dos membros; daí por diante os dignos conselheiros de Estado foram
tratados como alunos que estavam fazendo um curso de nacional- socialismo.

Uma vez até Julius Streicher, diretor da folha antissemita Der Stürmer teve
licença de fazer uma conferência nesse Conselho de Estado prussiano. Streicher
não era nem mesmo prussiano, mas sim franconiano de Nuremberg. Falou sobre
a lei. Relatou algo que lhe havia acontecido não havia muito tempo. Tinha sido
processado quando o governo republicano estava ainda no poder, e não tinha
sido tratado com imparcialidade — coisa em que de minha parte estou disposto a
acreditar. Mas isso não pode certamente constituir razão para que um “estadista”
diga que a lei deva ser abolida! No entanto, esse foi o sentido claro do discurso
de Streicher. E é muito significativo que essa monstruosa ideia nem mesmo
tenha chegado a provocar discussão.

Cedo, entretanto, o Conselho de Estado ficou por assim dizer esquecido, e o


mesmo aconteceu com a ordem corporativa. Ley conseguiu a vitória completa de
seu ponto de vista. Para ele não poderia haver nada melhor. Porque o sistema
corporativo teria tornado impossível uma corrupção como essa de que está cheia
a Frente do Trabalho, criada pelo próprio Ley.

Fui um tolo em pensar que as intenções de Adolf Hitler eram sinceras.

NOTA DOS EDITORES

O sistema “corporativo” de economia (Ständische Wirtschaftsordnung) não é,


como pode parecer da exposição de Thyssen, uma invenção do professor Othmar
Spann. Existiam através da Europa medieval, ligadas a várias economias
nacionais, espécies de organizações incorporadas. É bom lembrar que todos os
governos parlamentares foram semelhantes na sua origem. Sempre que
precisavam de largas somas de dinheiro, os príncipes reinantes chamavam os
representantes de vários “estados”, isto é, grupos sociais, econômicos e
profissionais (na Alemanha, Ständ) a fim de conseguir que a concessão dessas
somas lhes fossem votadas ou que o seu emprego fosse autorizado. Os estados
eram formados (a) pela nobreza; (b) pelo clero (representantes da Igreja) e (c)
pela burguesia, — os comerciantes das cidades. A luta para fazer que os
trabalhadores e os camponeses fossem reconhecidos como o “Quarto Estado”
nos é mostrada através da história da Revolução Francesa.

Esses estados não eram criações artificiais; eles se haviam desenvolvido mui
naturalmente, como resultado da atividade econômica. Os nobres proprietários
de terras, bem como os burgueses, haviam organizado associações entre si, e as
decisões a que chegavam os seus representantes facilitavam o levantamento de
impostos. Embora o Terceiro Estado, o dos burgueses, tivesse garantido o seu
devido lugar durante a Revolução Francesa e nas lutas parlamentares inglesas, o
poder econômico dos burgueses, ou classes de cidadãos crescera havia tempo,
muito além de seu status político.

Até os artesãos medievais tinham organizado grupos profissionais ou grêmios,


de, acordo com seus vários comércios. E cada um desses grupos empreendeu a
regulação de seu comércio ou ofício numa espécie de administração que se
governava a se mesma.

A influência dessa autonomia econômica naturalmente não ficava limitada a


assuntos puramente econômicos, mas se estendia à vida pública, e
particularmente à moral pública. Em geral, a tendência desses corpos
profissionais era garantir para cada membro de sua profissão, ofício ou comércio
o maior grau de conforto possível. Isso se tornava cada vez mais difícil à medida
que a economia se libertava de suas limitações medievais e se desenvolvia no
rumo de uma empresa capitalística livre. As organizações profissionais — os
grêmios e outros grupos do mesmo gênero — que na Idade Média podiam
facilmente proteger o bem estar dos cidadãos artesãos, foram eventualmente
forçadas a tomar medidas para evitar a competição desleal, tanto na venda das
mercadorias produzidas, como no mercado do trabalho. Essas medidas não mais
estavam de acordo com a maneira moderna de vida que a economia nacional
havia desenvolvido no decorrer dos séculos.

Os pontos defeituosos do sistema super-capitalístico que veio a florescer depois


do século dezenove foram largamente criticados e atacados por muitos
reformadores. De um lado, havia os grupos socialistas, que queriam transformar
o sistema capitalista numa economia coletiva. Do outro lado, estavam os
reformadores sociais burgueses, que desejavam um grau maior de justiça social e
uma divisão mais justa das rendas nacionais, ao mesmo passo que reconheciam o
direito de existência do sistema capitalista. Mas existia também um terceiro
grupo —- e seus membros se mostravam particularmente ativos na Alemanha,
— que lutava pela volta a uma economia não-capitalista da qual a competição
estivesse ausente; em outras palavras: um retorno às condições medievais.
Exigiam o estabelecimento do sistema econômico, de um ständische (isto é,
profissional, ou como veio a ser internacionalmente conhecido “corporativo”)
sistema esse que entretanto nunca puderam visualizar de maneira muito clara.
Consideravam a liberdade econômica dos tempos modernos como a raiz de todo
o mal e exigiam uma volta à economia “ligada” (organizada em grupos). Isso,
acreditavam eles, acabaria produzindo um tipo de homem que seria frugal, que
saberia manter o equilíbrio interior e que manteria a mais rigorosa honestidade.

Os que no século dezenove advogavam essas teorias eram os literatos da Escola


Romântica. O mais ilustre deles, indubitavelmente, foi Adam von Müller. Uma
parte do clero católico da Alemanha e da Áustria acompanhou o movimento. E
mais recentemente Othmar Spann, professor austríaco do economia nacional,
desenvolveu um sistema profissional dentro da estrutura de sua teoria de
“universalismo econômico”. No princípio do movimento nacional-socialista,
muitos homens do partido eram partidários declarados da ideia de Spann.

Relativamente a isso pode-se dizer que em 1919, durante a revolução


democrática alemã deflagrada apôs o colapso da Guerra Mundial, houve uma
tentativa para criar um sistema modernizado de grupos econômicos inspirado
pelo sistema soviético dos bolchevistas. No segundo “Congresso dos Conselhos
de Operários e Soldados” reunido naquele ano, foi adotada uma proposta por
votos dos delegados de várias tendências socialistas. Esse plano proporcionava
uma organização horizontal de todos os vários ramos da vida econômica. O
corpo diretor de cada ramo do comércio ou da indústria consistia de um número
igual de empregadores e de operários escolhidos por eleição. Esse corpo tinha o
dever de fazer que cada comércio ou indústria fosse gerido de molde a conseguir
a produção mais alta possível. O corpo diretor dos grupos de comércio tinha
largos poderes de autogoverno.

Os trabalhadores eleitos para os corpos governantes deviam ser tirados dentre os


membros dos chamados “Conselhos de Produção”, escolhidos dentro de cada
estabelecimento industrial ou comercial. (Eram eles independentes dos
chamados “Conselhos das Fábricas”, que deviam continuar como representantes
dos sindicatos operários, com a tarefa de proteger os interesses sociais dos
trabalhadores). Os “Conselhos de Produção” deviam de procurar aumentar a
produção, juntamente com os empregadores. Deviam também advogar medidas
entre os trabalhadores, medidas de valor permanente para o estabelecimento (a
base da existência dos operários) mesmo que isso significasse um sacrifício
temporário da parte dos trabalhadores.

O plano também projetava a criação de um parlamento econômico do Reich, no


qual as representações de todos os ramos organizados da indústria se reunissem
para formar o mais alto dos corpos econômicos de governo próprio no país. Os
originadores dessa constituição econômica (se quisermos, uma síntese do
sistema tradicional e socialista dos, grêmios) tentaram, no segundo “Congresso
dos Conselhos de Operários e Soldados”, conseguir que ele fosse incorporado
numa constituição republicana do Reich. Mas o governo social-democrático,
então no poder, achou que a proposta representava uma concessão avançada
demais às ideias de Moscou. Apenas uma parte da proposta, a saber: o
parlamento econômico superior, ficou incluída na constituição, sob o nome de
“Conselho Econômico do Reich” (Reichswirtschaitsrat). Esse conselho tinha
apenas poderes conselheirais, como o mais alto dos corpos de peritos da
economia alemã; mas até o dia em que os nazis conquistaram o poder, ele
representou um papel de considerável importância.

2. A ECONOMIA NAZI DEPOIS DO PERÍODO DE


TRANSIÇÃO
De Schacht a Funk, e a Vitória dos Políticos Nazis sobre os Peritos em
Economia

EMBORA eu tivesse fracassado nas minhas tentativas para criar um sistema


corporativo (Ständische Wirtschaftsordnung) afim de colocar a economia alemã
numa base sã, a princípio não perdi a esperança de uma liderança econômica
racional. O Conselho de Estado no início parecia funcionar perfeitamente bem, e
Franz von Papen, que continuou como vice-chanceler até 1934, fez alguns
discursos bem sensatos. Eu estava favoravelmente impressionado especialmente
pelo grande discurso que ele pronunciou em Marburg, lá por fins de 1933.
Parecia que procurava fortalecer a influência dos elementos conservadores que
ele havia trazido para o poder junto com Hitler.

Felicitei-o pelo discurso, e tive a impressão de que ele próprio acreditava em que
havia conseguido muita coisa pronunciando-o. Muitos o interpretaram então
como uma advertência aos nacional-socialistas para que não fizessem mau uso
dos poderes de que dispunham.

No entanto logo percebi que um grupo de nacional-socialistas com Goebbels e


Ley á sua frente, estava em desacordo com Herr von Papen. O Ministro da
Propaganda Goebbels, evitou mesmo que o discurso fosse conhecido em círculos
populares mais largos. Talvez fosse essa a razão que levou muitas pessoas a
pensar que tudo tinha sido arranjado previamente entre Papen e Goebbels.
Significaria isso que Papen queria tranquilizar os negociantes alemães com o seu
discurso, dando-lhes uma sensação de segurança com ele, na certeza de que só
os que se achavam presentes em Marburg tomariam conhecimento de suas
palavras? Nesse caso ele teria de tomar conhecimento do plano para conservar
sua oração fora do alcance das grandes massas e do grande número de homens-
de-negócio menores. Por mais patife que Herr von Papen possa ser, não acredito
em que desde o princípio ele tivesse colocado tudo numa base de fraude.

Graças à experiência que agora adquiri, cheguei à convicção de que a política e


os negócios devem ser conduzidos por dois grupos inteiramente diferentes de
pessoas. Na verdade, as duas coisas são radicalmente diversas. É verdade que
Bismarck exigia que o político fosse honesto, e daí se infere que o político pode
ser honesto. Se isso é verdade, não sei. Mas duma coisa estou certo: é de que os
homens-de-negócio são muito mais capazes de dizer a verdade uns aos outros do
que os políticos. Lembro-me de que, no decorrer das conferências do “Cartel
Internacional do Aço”, nós sempre dissemos a verdade a nossos colegas
franceses, belgas e ingleses. Assim conseguimos distribuir as esferas
internacionais de influência duma maneira satisfatória para todos os grupos.

Os nacional-socialistas nunca tiveram um plano econômico real. Alguns deles


eram inteiramente reacionários; certos grupos advogavam um sistema
corporativo; outros representavam o ponto de vista da extrema Esquerda. Na
minha opinião, Hitler falhou porque pensou que era boa política concordar com
a opinião de toda a gente.

Como mostrarei no capítulo seguinte, a natureza presente da economia nacional-


socialista levou a Alemanha necessariamente à guerra. E vou mostrar ainda mais
adiante como ela também conduziu o Reich a uma bancarrota completa.

Hitler teve uma oportunidade sem precedentes, como nenhum outro homem
jamais terá tão facilmente, de criar alguma coisa inteiramente nova. No entanto,
além do fato de não conhecer absolutamente nada a respeito de assuntos
econômicos, ele não consegue nem entender plenamente os seus conselheiros
econômicos. Hitler é impulsivo e sempre segue suas últimas impressões; mas
não tem energia. Sua preocupação constante é conservar-se no poder. Além
disso, acredita que o grande homem é ele; os outros não passam de nulidades.

O que vemos hoje em dia na política da Alemanha, bem como na sua economia,
é uma manifestação do espírito prussiano. Pode-se objetar que Hitler não ó
prussiano, mas sim austríaco. A única resposta a isso é a de que seu séquito é
inteiramente prussiano, e prussiano no pior sentido possível. Na verdade os
homens que o cercam, que estão sempre perto dele, são quase sargentões. É
preciso uma boa dose de conhecimento da história prussiana para saber o que
está implícito na ideia de “sargentão prussiano”. Significa a transferência da
caserna para o campo da política e da economia. Sempre que novos recrutas
chegam no quartel, eles costumam começar sua nova carreira recebendo açoites,
como meio de esclarecimento quanto ao sentido da disciplina militar e do
respeito que devem aos seus superiores. Isso não é necessariamente uma
expressão de brutalidade particular, mas antes o prolongamento de uma tradição
que veio vindo desde os tempos em que o exército prussiano consistia não de
naturais do país, mas sim de soldados assalariados, que deviam aprender a
respeitar seus chefes desde o princípio.

Assim a população inteira está sendo oprimida por meio do terror, mesmo sem
ter culpa de nada. Querem mostrar ao povo o que o espera se ele um dia quiser
tomar liberdades. Eis a razão por que na Alemanha ninguém tenta criticar
qualquer coisa.

Nos primeiros dias do regime, foi criado um “Supremo Conselho Econômico”.


Se ao menos tivéssemos conseguido conservá-lo vivo, um número considerável
de industrialistas influentes podia externar suas opiniões sem constrangimento
no conselho; e talvez depois fosse mais difícil agir contrariamente a essas
opiniões, sem mais cerimônia. Mas o “Supremo Conselho” teve apenas uma
única sessão; nunca mais tornou a ser convocado.

A administração da economia alemã foi subsequentemente distribuída entre os


diferentes grupos profissionais do país (Reichsstände). Esses grupos
profissionais e econômicos exercem grande influência. Estão, entretanto, sob a
chefia de homens que pertencem ao partido nazi ou inteiramente subservientes a
ele. À frente do “Grupo Industrialista Nacional” acha-se Herr Krupp von Bohlen
und Halbach. Eu já contei como este último representa bem o seu papel de super-
nazi. Entre os mais altos titulares do grupo de industrialistas, apareceu também,
durante algum tempo o Geheimrat Kastl, que fora um dos principais elementos
da antiga Associação Nacional das Indústrias Alemãs. Kastl era antigamente
judeu. Sofria muitos vexames por causa disso, mas hoje é de novo um advogado
muito respeitado em Munich. Na verdade, tudo é possível com os nazis. São
capazes de chamar amanhã os judeus que expulsaram ontem.

O próprio Göring uma vez me disse da grande discussão que tivera por causa de
um de seus colaboradores, que segundo diziam, era de origem judaica. Tratava-
se nada mais nada menos do que do atual chefe da Força Aérea, general Milch.
Göring me contou que havia convidado a ir a sua casa todos os que tinham
começado a questão; e que a eles se dirigira num discurso impetuoso, ao fim do
qual declarara: “Eu é que decido quem é judeu ou quem não é, e está acabado.”
Mas, a despeito dessa frase, o fato continua inalterado: Milch tem sangue judeu.
Entretanto, afirmou-se simplesmente que sua mãe, que não era judia, concebera-
o fora do matrimônio. Isso é típico da maneira como as coisas são arranjadas na
Alemanha quando não há outra saída. Graças à alegação de adultério duma mãe,
o mundo ganha de presente mais um cidadão cem por cento ariano.

A despeito de minha pouca inclinação para a política, tentei em muitas ocasiões,


no princípio do regime, intervir politicamente sempre que achava necessário. No
entanto, um simples industrialista na verdade nada pode fazer na Alemanha. Um
homem eminente uma vez me disse que estava surpreendido por nada me ter
acontecido até então, embora eu tantas vezes tivesse expressado claramente
minhas opiniões. Outra personalidade de influência, que fez várias tentativas
para protestar contra o regime (e em circunstâncias perigosas) me disse
confidencialmente que sempre carregava veneno no bolso. Esse homem não
queria, como explicou, que o regime nacional-socialista arcasse com a culpa de
tê-lo assassinado na sua velhice, Numa palavra, as condições da Alemanha se
tornaram idênticas às da Rússia. Assim como a GPU governa a Rússia, a
Gestapo governa a Alemanha.

É um jogo perigoso, esse em que estão empenhados Himmler, o chefe supremo


da Gestapo, e, depois dele, Heydrich, que se especializa em agir no escuro,
embora seu poder oficial seja muito grande. Chegou-se a um ponto em que até
Hitler tem medo da Gestapo. Esses patifes sabem como tirar proveito do fato.
Dizem-lhe constantemente que precisam protegê-lo, e protegem-no tão bem que
o Führer se transforma quase num prisioneiro de sua própria polícia-secreta! Na
verdade, Adolf Hitler não é absolutamente o que parece ser. Não é um audacioso
como Göring; ele teme constantemente pela sua própria segurança pessoal. O
que a Gestapo faz para “protegê-lo” vai além de tudo quanto se possa imaginar.

Hjalmar Schacht, embora exercesse quando presidente do Reichsbank alemão e


ministro da economia, uma influência relativamente grande, não era de nenhum
modo homem que pudesse colocar a economia alemã numa base segura. Para
falar a verdade ele não é um economista, mas sim um técnico em finanças,
Consequentemente, não só tolerou a substituição do comércio de trocas por
métodos normais de exportação, como também para fins de propaganda
anunciou que isso era uma grande realização. E no entanto a exportação é uma
das grandes necessidades da Alemanha.

Meu pai, August Thyssen, passou toda a sua vida trabalhando com o propósito
de descobrir e conservar mercados para suas empresas. E eu concordo
plenamente com ele em que a manutenção de um comércio alemão de
exportação suficiente seria a única base segura para o bem-estar do país. A
limitação dos mercados de exportação ao sudeste da Europa se baseia em
fundamentos dúbios que pouco têm a ver com considerações de ordem
comercial. O grito-de-guerra segundo o qual oitenta milhões de pessoas
“precisam de espaço” é inteiramente fora de propósito. Ele corresponde à ideia
dos legionários romanos, quando queriam ser recompensados por seus serviços
com terras dos territórios conquistados. Uma nação de oitenta milhões de
habitantes precisa de comércio de exportação para poder viver no solo onde está
estabelecida. Mas não necessita de mais espaço, como nos tempos das grandes
migrações.

Nem mesmo todas as coisas que o dr. Schacht fez no campo financeiro foram
bem feitas. No final de contas, o que ele fez mesmo foi tirar ao povo alemão o
resto de suas economias. Foi ele que inventou aquelas letras-de-câmbio falsas
com as quais foram pagos os fabricantes de armamentos, letras que os seus
bancos eram forçados a aceitar, e que depois davam ao Reichsbank quando
precisavam de dinheiro para pagar seus clientes. A autoridade do Reichsbank
para descontá-las representava o único valor verdadeiro de tais letras. O que
acontecerá aos depositantes das caixas econômicas depois desta guerra ninguém
sabe. A única solução possível que vejo é tratar separadamente com aqueles
cujas economias não excedam 10,000 marcos. Quanto ao resto, com toda a
certeza nada sobrará.

Infinitamente pior que o dr. Schacht é o seu sucessor como presidente do


Reichsbank e ministro da economia, o Dr. Funk, antigo jornalista da redação do
Berüner Borsenzeitung. É um partidário cego do nacional-socialismo e segue
uma política econômica inteiramente reacionária.

No dia em que o dr. Schacht foi virtualmente demitido de seu posto, realizou-se
uma reunião do “Conselho Administrativo Central do Reichsbank”. Fui
convidado pelo dr. Funk para tomar parte nela, A princípio não quis ir, mas
depois achei que a sessão podia ser divertida em alguns respeitos. Meu primeiro
pensamento, depois que decidi comparecer à reunião, foi dizer alguma coisa em
louvor do dr. Schacht. Muitos repórteres de jornais estavam presentes, e várias
séries de panegíricos foram dirigidas ao dr. Funk. Ninguém gastou a menor
palavra com Schacht. Por fim achei também que seria mais prudente ficar
calado.

A reunião não foi seguida do simples Bierabend ou “noitada de cerveja”,


tradicional depois das reuniões do “Conselho Administrativo Central” do
Reichsbank durante o tempo em que o dr. Schacht estava no seu posto; o que
houve então foi um fenomenal jantar com champanha e todas as espécies de
iguarias. Depois do jantar, o dr. Funk me perguntou que era que eu achava de seu
novo sistema financeiro. O que ele havia feito era substituir o pagamento
adiantado por meio das falsas letras do dr. Schacht por um novo método, de
acordo com o qual os fabricantes de armas recebiam apenas declarações oficiais
de recebimento das mercadorias, depois que estas eram entregues. Esses
certificados de entrega só podiam ser usados com grande dificuldade. Respondi
ao dr. Funk que tudo isso era simplesmente um emplastro que, na minha opinião,
não se podia, aguentar por muito tempo. Afora o enunciado dessa frase,
conservei-me em silêncio e sentado num canto afastado. Em breve, entretanto,
numerosos cavalheiros vieram até a minha mesa para ouvir minha opinião. Nada
lhes disse e deixei-os falar.

Nessa ocasião pude observar como todos os industrialistas e banqueiros


presentes à reunião tinham mudado de partido. Um cavalheiro, que havia pouco
tinha elogiado o dr. Funk de maneira particular, mais tarde aproximou-se de
mim, para conversar. Descobri nele uma absoluta falta de caráter. Antigamente,
todos os que entendiam alguma coisa de negócio costumavam dizer: “Enquanto
o dr. Schacht estiver no seu posto, haverá esperança”. Agora tinham esquecido
tudo isso.

3. A CHARLATANICE ECONÔMICA DOS NAZIS


A Caminho da Bancarrota Nacional
HITLER e os lideres nazis vangloriam-se de haver libertado o povo alemão da
miséria, reconstruindo-lhe a economia e dando trabalho a todos. Quando Hitler
subiu ao poder, a Alemanha tinha de seis a sete milhões de desempregados.
Havia uma terrível crise econômica, e era necessário fazer parar um movimento
que ia levando a Alemanha a uma miséria pavorosa — tanto econômica como
moral.

Mas o chamado reerguimento econômico do regime nazi não passa de uma


ilusão. Na realidade, Hitler não criou riqueza alguma. Exauriu todos os recursos
da Alemanha, Malgastou os impostos e roubou as economias do povo. Toda a
estrutura econômica do regime está hoje a ruir sob o esforço da guerra. Para falar
a verdade, Hitler recorreu à guerra porque compreendeu, a despeito de sua
ignorância, que muito em breve seus métodos econômicos haviam de levar o
país à inflação e à ruína total.

Fui um observador que seguiu de perto todos os esforços que os nazis fizeram no
campo econômico. Nunca tive a impressão de que os lideres fossem senhores de
um plano, nem mesmo que trabalhassem animados por um oportunismo
cauteloso, tendo em vista a reconstrução da economia alemã. Pelo contrário,
fazia-se evidente que procuravam obter resultados imediatos para fins de
propaganda. Suas ideias eram às vezes grandiosas, mas quase sempre
incoerentes.

De fato, todas as ideias econômicas do regime não iam muito além da construção
de estradas de rodagem, de projetos arquitetônicos suntuosos e do rearmamento.

Por quê resolveu Hitler, logo que subiu ao poder, construir uma rede de
gigantescas estradas? Havia poucos automóveis na Alemanha, e fosse como
fosse, as rodovias já existentes em quase todas as partes do país eram suficientes.
Sugeri a esse tempo que todas as estradas-de-ferro alemãs fossem eletrificadas.
Isso teria dado trabalho para as indústrias mecânicas e emprego para muitos
milhares de trabalhadores especializados. Além disso, a vantagem econômica da
empresa era indiscutível.

Mas Hitler, mesmo que o negue, é inspirado pelo exemplo de Napoleão. Isso faz
que seu espírito se volte para projetos como a remodelação e transformação de
cidades como Berlim, Munich e Hamburgo. Ele deseja que o povo fale nas
“estradas de Adolf Hitler”, como falava nas estradas de Napoleão. Essas
rodovias são certamente importantes para facilitar uma rápida comunicação entre
grandes distâncias. Algumas delas são esplêndidas para o turismo. Outras,
satisfazem até mesmo as necessidades econômicas. Mas a rede construída ou
projetada no decorrer dos anos que precederam a guerra, não pode ser justificada
a sério. Viajantes que andaram pelas estradas alemãs antes da guerra, tiveram a
oportunidade de notar que elas eram mais que suficientes para o volume do
tráfego de automóveis, Salvo poucas exceções, teria sido menos dispendioso
reconstruir a rede de caminhos já existente. Isso provavelmente teria custado um
ou dois bilhões de marcos, em vez dos oito bilhões que se gastaram nas
“rodovias de Adolf Hitler”.

A primeira que se construiu foi uma estrada para turistas de Munich à fronteira
da Áustria. Era o “caminho do Führer”, feito especialmente para ele. Depois se
fez a rodovia de Berlim a Munich, com grande pressa. O engenheiro encarregado
da construção, ansioso por ser agradável a Hitler, estava impaciente por vê-lo ir
diretamente de sua propriedade nos Alpes Bávaros a Berlim, sem deixar a nova
estrada. Mas muito menos impaciência revelou na construção da estrada que
devia ligar as cidades industriais do Ruhr, ou do caminho arterial de Hamburgo a
Berlim. Para falar a verdade, até mesmo as necessidades militares foram
negligenciadas. Por exemplo, não há rodovias na parte ocidental do Reno. Uma
estrada a Aix-la-Chapelle mal havia sido começada, quando rompeu a guerra.
Por outro lado, os chefes militares sempre se mostraram céticos quanto ao valor
militar de tais estradas. São elas largas tiras que correm através da paisagem
numa linha reta; podem assim guiar a aviação inimiga de maneira muito melhor
que os rios e outros cursos d’água caprichosamente serpentinos. Além do mais,
são extremamente vulneráveis a raids aéreos por causa das inumeráveis
construções de caráter puramente arquitetônico que se erguem ao longo de suas
margens. Uma simples ponte, quando destruída, pode obstruir a estrada por
centenas de quilômetros, porque os pontos de comunicação com o resto do
sistema são raros e muitas vezes mal projetados.

Na construção das rodovias, como em tudo mais que faz Hitler, não procedeu de
acordo com um plano. Quis criar imediatamente alguma coisa que falasse à
imaginação do povo.

A construção de grandes estradas era evidentemente um de seus passatempos


prediletos. Ele anunciou seu programa a l.° de maio de 1933, por ocasião do
primeiro Dia do Trabalho Nacional-Socialista. Acrescentou que esmagaria toda a
oposição que se fizesse a esse projeto. As pessoas que apoiavam o partido e que
se encontravam sem dinheiro e passando fome, começaram a fazer secretas
objeções. “Eles constroem estradas para os ricos,” — diziam — “são os ricos
que têm automóveis. Os operários nunca são beneficiados com as estradas”. De
fato, as rodovias eram úteis principalmente para os chefes do partido, que são
proprietários de luxuosos carros, adquiridos pelos meios que descreverei num
capítulo posterior.

Afim de acalmar o descontentamento, Hitler concebeu uma nova ideia. Cada


alemão ia ter o seu carro! Pediu à indústria que criasse um modelo de carro
popular construído a um preço tão baixo, que milhões pudessem adquiri-lo. O
Volkswagen (carro do povo) foi muito falado nos cinco últimos anos, mas
nenhum auto desse tipo foi visto no mercado. “Esses carros serão construídos
para as novas estradas” — diziam os propagandistas do partido; — “uma família
inteira poderá andar neles a 100 quilômetros por hora. É o Carro do Führer para
a Rodovia do Führer.” Os chefes do partido afirmavam que as estradas eram
construídas para o Carro do Povo. Mas o Carro do Povo é uma das ideias mais
estranhas que os nazis jamais conceberam. A Alemanha não é os Estados
Unidos. Os salários lá são baixos. A gasolina é cara. Os trabalhadores alemães
nunca sonharam com comprar um carro. Não têm recursos para o manter; para
eles o automóvel é um luxo. Se os sonhos pretensiosos dos nazis se realizassem,
onde se iriam buscar os milhões de toneladas de gasolina necessária para pôr
Esses veículos em movimento?

Hitler é totalmente ignorante em matéria de economia. Deixa-se levar por noções


que julga entender e que não têm o menor sentido. Um dia, o grande
“economista” do partido, Bernard Koehler, pronunciou grandiloquentemente em
sua presença a divisa — “trabalho é capital”. Isto não significa absolutamente
nada. No entanto Hitler repetiu essa tolice, de vários modos parafraseada, em
pelo menos vinte discursos. Como desgraçada consequência disso, a divisa foi
posta em prática e o povo na Alemanha começou a fazer simplesmente tudo,
uma vez que “trabalho é capital”!

Um dia, o dr. Schacht, cansado de todas essas agitações fúteis e dispendiosas dos
economistas do partido, declarou publicamente que era absurdo, do ponto de
vista econômico, construir pirâmides afim de dar trabalho aos desocupados.
Toda a gente compreendeu o que ele queria dizer. O dr. Schacht atacou também a
construção das estradas de rodagem que custavam bilhões, mas que, como a
propaganda oficial proclamava todos os dias, haviam de ser o futuro monumento
à glória imperecível do Führer e do regime. Com as mesmas palavras o dr.
Schacht denunciou a mania de construção de que estavam possuídos todos os
chefes nazis, desde Hitler até o menor dos burgomestres.

A crítica de Schacht causou sensação. Hitler se sentiu pessoalmente atacado e no


seu discurso de Primeiro de Maio, berrou: “Os homens que há vários milênios
impuseram a seu povo a tarefa do construir pirâmides sabiam bem o que
queriam. Realizando esse monumento gigantesco, eles escreveram quatro mil
anos de História.” Era uma paráfrase em estilo nazi do discurso de Bonaparte aos
soldados do exército do Egito: “Do alto dessas pirâmides, quarenta séculos vos
contemplam”. Mas Hitler se imagina um Faraó. Suas grotescas declarações dão a
medida de seus conhecimentos em matéria de economia.

Todas essas fórmulas redundantes do tipo de “trabalho é capital” contribuíram


para a ruína da economia alemã. Como eles incessantemente as repetiam, as
pessoas que podiam ser consideradas sensatas acabaram acreditando nelas.
Durante uma viagem ao Brasil, até mesmo o embaixador Ritter me disse que
“trabalho é capital”. Fiquei estupefato, porque esse homem fora durante anos
chefe da secção econômica do ministério das relações exteriores. Como podia
ele endossar tamanha insensatez?

O efeito de frases vazias como essa foi desastroso. Toda a gente começou a
construir, afim de fazer alguma coisa. Em Düsseldorf três altos funcionários
nazis acariciavam cada um o seu projeto: um queria construir um grande salão
de assembleias que oferecesse acomodações para vinte mil pessoas; o outro
desejava um edifício para o governo do município; o terceiro sonhava com um
teatro. Dos três projetos, o da construção dum edifício municipal era o mais
sensato, uma vez que até certo ponto era justificável. Hitler decidiu o assunto.
Mandou que fizessem um teatro. Achou-se, pois, um excesso de dez milhões de
marcos no orçamento da cidade. Os nazis censuraram os socialistas da República
de Weimar por terem malbaratado o dinheiro na construção de piscinas e
departamentos de saúde. Como eram modestos os socialdemocratas, comparados
com os seus sucessores!

Hitler vive em constante temor de não ter as coisas em proporções


suficientemente grandes. Pirâmides, estradas napoleônicas, caminhos romanos
constituem para ele uma obsessão. O Führer planeja suas estradas tendo em vista
os séculos vindouros. Em Nuremberg construiu um auditório congressional com
capacidade para várias centenas de milhares de pessoas. Deitou abaixo metade
de Berlim para depois reconstruir. Dinheiro? Não importa! O infeliz dr. Schacht
tinha de torturar o cérebro para descobrir um meio de financiar esses projetos
improdutivos. Depois de se esgotar em protestos, pediu demissão. No entanto
cabe-lhe parte da responsabilidade. Foi ele, na verdade, que no princípio do novo
regime mostrou aos nazis como jogar com o crédito. Sem dúvida Schacht
desejava manter-se dentro de limites razoáveis. Mas Hitler, vendo que “se podia
criar crédito” — de acordo com a fórmula incauta do dr. Schacht — seguiu
adiante e não quis parar mais.

Um dos projetos mais incríveis de Hitler foi o da construção de uma gigantesca


ponte em Hamburgo. O Führer vira fotografias da ponte de George Washington
em Nova York e sonhou com ter uma estrutura assim imponente na Alemanha.
Um dia, acompanhado de um séquito de dignitários nazis, ele caminhava ao
longo das margens do Elba. De súbito parou e disse: “Aqui é que a ponte deve
ser construída!” O projeto foi submetido aos peritos. Era necessária a construção
de uma imensa ponte suspensa com pilares de cerca de mil pés de profundidade,
por causa da má qualidade do terreno. Além do mais, a ponte teria de obstruir o
porto,

Peritos militares declararam que se ela fosse derribada por bombas aéreas, por
exemplo, as consequências seriam desastrosas. O custo do trabalho ia além de
um milhão de marcos. Mas o Führer tinha resolvido e — é lógico — o Führer
nunca pode errar. Se não fosse a guerra, a construção dessa estrutura absurda
teria sido começada. Ninguém ousou submeter a única solução razoável imposta
pela necessidade: Unir as duas margens do Elba por meio de um túnel. Seria
menos dispendioso e não traria as desvantagens da ponte. Os nazis, entretanto,
não gostam das construções subterrâneas, provavelmente porque elas não podem
ser vistas.

O empreendimento "de estimação” do regime foi o famoso Plano Quadrienal.


Sempre desejei saber por quê lhe deram o nome de “plano”. O regulamento do
comércio e da indústria na Alemanha havia redundado num total controle dos
mesmos pelo Estado; e Hitler aproveitou a ideia russa do “Plano Quinquenal”.
No entanto a diferença é considerável. Os russos desejavam criar uma produção
industrial em larga escala num país onde ela ainda não existia. O “Plano
Quadrienal” de Hitler, ao contrário, não tinha objetivo algum, a não ser o efeito
demagógico. Todos os empreendimentos incoerentes atribuídos ao chamado
“Plano Quadrienal” acham-se tão longe de ser o fruto dum conceito lógico e
dum plano preconcebido, quanto as grandes rodovias, o Carro do Povo ou as
pirâmides contra os quais o Dr. Schacht protestou. Quando Hitler anunciou o
“Plano Quadrienal” nem Nuremberg, os industrialistas alemães ficaram
grandemente surpresos. O Führer não havia consultado ninguém e ninguém
sabia o que ele queria dizer com aquilo.

As rodovias, os uniformes, o rearmamento, as empresas construtoras em grande


escala e mais o luxo dos chefes eram a causa de vastas despesas. A exportação
alemã não era suficiente para fazer face à importação dos artigos necessários. A
exportação decresceu. Ela não trazia o câmbio estrangeiro suficiente para
proporcionar alimento para o povo alemão e matérias primas para a indústria.

"Isso não há de nos embaraçar” — disse Hitler para se mesmo — “A Alemanha


produzirá tudo de que necessita. Ela tem cientistas, técnicos e inventores. A
Alemanha será explorada em suas profundidades. É uma questão de força-de-
vontade, inteligência e energia. O regime nacional-socialista há de vencer todas
as dificuldades”. E confiou a Göring a missão de levar a cabo o plano.

Göring não conhece absolutamente os problemas econômicos. Ele próprio é o


primeiro a confessar isso. Mas tem receitas que julga infalíveis. A primeira delas
é mandar. Göring diz: “Construam uma fábrica que produza cem mil toneladas
de gasolina por ano!” E a fábrica tem de ser construída. De repente ele declara:
“A produção deve ser duplicada!” E acha que é bastante ordenar para vencer.

Teve um dia uma grande ideia: tornar a Alemanha independente do mundo


externo no que diz respeito ao minério de ferro. Existem apenas umas poucas
minas de ferro na Alemanha, e seu minério é de qualidade inferior. Quase todo o
minério necessário para as indústrias metalúrgicas tem de ser importado do
estrangeiro. Um dia os técnicos nazis declararam: “Há minério de ferro em
abundância na Alemanha. Mas os industrialistas não querem extraí-lo da terra”.
Na verdade, esses peritos pretendiam ter descoberto consideráveis depósitos em
Salzgitter, ao pé das montanhas de Harz, nos Instado de Baden e em vários
outros lugares de cujo nome agora não me lembro. Para falar a verdade, todos
esses depósitos já eram conhecidos. O mais popular deles é o de Salzgitter. O
minério é bastante rico, mas contém grandes quantidades de Silício. Para ser
extraído de maneira conveniente, o minério de ferro deve ser magnético. É
necessário primeiro ser esmagado; as partículas de ferro são depois extraídas por
meio de um magneto elétrico. Mas o minério de Salzgitter não é magnético. Suas
condições não são idênticas às das minas da Lorena, onde se encontra tanto o
minério de Silício como o de cálcio, que são misturados ambos em fornos de alta
tensão.

Os industrialistas, é claro, havia muito sabiam da existência de minério em


Salzgitter. Pertencia ele ao Estado da Prússia, e o Estado o havia vendido durante
o ano anterior. De repente, Göring ficou novamente interessado nele, e foi
necessário operar milagres. Consultou-se Mr. Brassert, um engenheiro teuto-
americano. Declarou ele que se tratava de um negócio esplêndido e que se devia
erguer uma grande fábrica. Um representante do partido, um tal Pleiger,
começou a atacar a indústria que, na sua opinião, não quisera fazer nada no caso.
Hoje em dia é ele diretor geral das “Usinas Hermann Göring”, pois este foi o
nome que recebeu a nova empresa.

Depois de consultar os homens do partido, Göring deu ordem para que se


construíssem em Salzgitter as maiores usinas metalúrgicas do mundo. Mr.
Brassert devia levar a cabo a ordem. Seu ofício era construir fábricas. Para ele,
portanto, isso significava um excelente negócio. Os metalurgistas alemães não
haviam sido consultados — sem dúvida porque sabiam demais. Agora, no
entanto, eram convidados para tomar parte na empresa, de sorte que decidiram
intervir. Declararam a Göring que o minério não prestava, mas que, não obstante
isso, estavam de acordo em explorá-lo. Se as declarações de Mr. Brassert fossem
verdadeiras, acrescentaram, eles construiriam fornos de alta tensão e uma usina
metalúrgica em Salzgitter. Isso custaria cerca de meio bilhão de marcos. Os
industrialistas mais importantes se uniram para redigir o memorando que
pretendiam endereçar ao marechal Göring. Este último lhes conhecia a intenção.
No momento em que o memorando ia ser assinado, Göring telegrafou a duas das
firmas envolvidas no caso, fazendo-lhes saber que considerava qualquer
oposição ao seu projeto (e consequentemente a assinatura do memorando) um
atentado de sabotagem contra a produção de ferro alemã, o que constituía um ato
de traição. Nessas condições, era natural que ninguém assinasse. Mr. Brassert
ergueu a sua fábrica com a participação das principais empresas metalúrgicas da
Alemanha: Krupp, Klöckner, as “Usinas de Aço Unidas”, Mannesmann, etc....
Não havia outra saída. Göring ordenara.

Isso, entretanto, não evitou que a empresa redundasse em completo fracasso. O


minério de Salzgitter não pode ser usado no seu estado puro. Tem de ser
misturado com minério sueco, de acordo com uma fórmula que exige muito
pouco minério alemão e a maior quantidade possível de minério sueco.
Somas incalculáveis de dinheiro gastaram-se na construção da “Usina Hermann
Göring”. Encomendou-se dos Estados Unidos o melhor equipamento
imaginável. Construíram-se acomodações para operários e ferrovias; canais
provavelmente tiveram de ser abertos. Mas a todas essas a fábrica não funciona.

A indústria metalúrgica é, antes de mais nada, uma questão de transporte. Suas


matérias primas são pesadas e pouco maneáveis, e o mesmo se passa com o
produto acabado. O ponto ideal para uma usina metalúrgica é a vizinhança de
uma mina de carvão e de uma mina de ferro. Antes de construir uma nova
fábrica meu pai sempre costumava estudar o problema dos transportes com o
mais extremado cuidado. Os fornos de alta-tensão e as usinas de aço do Ruhr
estão localizados na vizinhança imediata das minas de carvão e o minério chega
até elas pelo rio ou pelo canal. Pela mesma razão, as fábricas que trabalham com
ferro e aço devem estar próximas dos lugares onde se produzem ferro e aço.

À luz desses princípios lógicos, corroborados pela experiência, as fábricas de


Salzgitter são um absurdo. Estão localizadas bem no centro da Alemanha. Não
existe nenhum carvão nas vizinhanças. Para falar a verdade, há ali algum
minério, mas ele nunca pode ser utilizado no seu estado puro. Consequentemente
todo o carvão e os minérios necessários para a mistura têm de ser trazidos de
lugares distantes, e o ferro em lingotes tem de ser transportado para as regiões
industriais. Nunca será possível fazer uma engrenagem dessas funcionar
devidamente.

Aí temos uma das grandes realizações do “Plano Quadrienal”. Sob o pretexto de


tornar a Alemanha independente do minério de ferro estrangeiro, eles
estabeleceram uma fábrica que não pode funcionar e que, não obstante isso, é
forçada a utilizar o minério importado. Tais considerações, entretanto, não
detiveram os nazis. Um dos motivos alegados para a construção das usinas de
Salzgitter foi o de dotar a Alemanha de ferro, no caso de uma guerra. No
entanto, os fornos de alta tensão do Ruhr nem se aproximaram ainda do ponto
máximo de sua capacidade de produção. Os fornos do Ruhr terão de se manter
frios afim de fazer que os de Salzgitter continuem a produzir, trazendo carvão e
levando seus produtos num vai vem desnecessário. É preciso também encontrar
operários, tirá-los de outras ocupações. É uma verdadeira teia de insensatezes.

Um dia Göring declarou: “Cobre? Ora, temos cobre em grande quantidade na


Alemanha, Durante anos estivemos a importá-lo; consequentemente, temos
estoques consideráveis”.
Esse é o tipo de raciocínio que guia o chefe da economia alemã. É verdade, não
há dúvida, que existem milhares de toneladas de cobre na Alemanha. Mas esse
cobre está empregado em várias coisas. Depois que a guerra começou, Göring
confiscou todos os utensílios de cobre que não fossem de uso essencial. Essa
colheita, entretanto, representa muito pouco. O cobre está empregado em
máquinas, fábricas, fios elétricos, etc., e para recapturá-lo, todas as usinas
elétricas da Alemanha teriam de ser demolidas. Isso é uma infantilidade. Essa
gente tem uma noção tão primitiva de tecnologia e de economia, quanto os
aborígenes da Austrália. Um simples operário é mais inteligente em tais assuntos
que esses “lideres”.

Todos os disparates foram cometidos.

Em Düsseldorf havia um mistificador que se declarava capaz de fazer ouro. Toda


a gente sabia que ele era um charlatão desonesto. Mas esse homem conhecia o
proprietário do famoso hotel de Godesberg, onde o Führer decidira matar Röhm
e onde mais tarde recebera Mr. Neville Chamberlain. Dreesen é o nome do
hoteleiro; e Dreesen, que conhece todos os dignitários do partido, falou-lhes a
respeito do fazedor de ouro. Assim, Düsseldorf recebeu um dia a visita de Herr
Wilhelm Keppler, o conselheiro técnico particular do Führer; veio ele com três
peritos afim de estudar o extraordinário fenômeno.

Um industrialista e proprietário de mina tinha um químico que certa vez lhe


submeteu um relatório em que provava ser possível tirar do carvão uma gordura
comestível capaz de substituir a manteiga. O mencionado industrialista se
encontra em ótimas relações com Göring. A base dessa amizade merece ser
relatada. Havia em Düsseldorf uma espécie de pintor, de tipo um tanto boêmio,
que costumava caçar com um falcão. O industrialista apresentou o artista a
Göring, que decidiu imediatamente que essa forma de caça, que era praticada
pelos cavaleiros medievais, devia ser revivida. O industrialista, então, foi ver
Göring e conversou com ele sobre o projeto miraculoso que consistia em tirar
manteiga do carvão. “Enfim — declarou ele — descobrimos o meio de tapar o
maior buraco na nossa provisão de alimentos.” Devo inserir aqui a explicação de
que a Alemanha é obrigada a importar cerca de metade das gorduras comestíveis
de que necessita. Göring ordenou que se instalasse grande laboratório afim de
estudar as possibilidades de fazer manteiga com carvão. Parece que o laboratório
conseguiu extrair uma espécie de graxa um tanto sólida. Conta-se mesmo que se
fizeram experiências com os presos da cadeia de Ploetzensee, nas proximidades
de Berlim. Todos os que comeram pão com a manteiga de carvão caíram
imediatamente doentes duma moléstia parecida com o escorbuto.

Por falar em manteiga, Göring acaba de fazer outra descoberta digna de seu
gênio. Os granjeiros alemães usam certa quantidade de leite para alimentar seus
animais domésticos. Esse leite é indispensável aos animais novos.

Desnatando o leite — disse Göring lá com suas medalhas — pode-se conseguir


mais manteiga da nata. No fim de contas, criaturas humanas tomam leite
desnatado. Pondo essa brilhante ideia em prática, logo que foi concebida, Göring
ordenou que se desse leite desnatado a todos os bezerros. Esse episódio teve
provavelmente para os bezerros a mesma consequência que para os prisioneiros
de Ploetzensee.

O “Plano Quadrienal” prevê a exploração de todos os recursos naturais da


Alemanha. Um dia, os nazis do conselho econômico de Göring descobriram o
ouro do Reno. É verdade que há alguns traços mal e mal perceptíveis de ouro na
areia do rio. Segundo o testemunho dos Niebelung — e o de Richard Wagner —
esse ouro estava sendo explorado na Idade Média, ou pelos alemães pré-
históricos. Os peritos nazis puseram-se a lavar a areia do Reno. O resultado,
naturalmente, foi nulo.

Outra história da mesma espécie, mas muito mais irritante no que dizia respeito
às indústrias metalúrgicas, foi a do relatório de um geólogo que pretendia que as
areias do mar Báltico continham grandes quantidades de ferro. Pode ser verdade
que haja traços de ferro na areia do mar. Göring fez estudar a questão com
grande seriedade e mandou-nos um longo memorando, pedindo-nos a opinião.
Imaginava ele, sem dúvida, que o mar ia trazer o minério sueco para as praias da
Alemanha sem que fosse preciso carregá-lo em navios.

Os nazis vivem a trombetear para o mundo tudo quanto julgam haver


descoberto. Fizeram muito barulho com as chamadas “novas matérias primas”
inventadas sob o “Plano Quadrienal”. Engenhosamente lhes deram o nome neue
Werkstoffe — novos materiais de produção — afim de evitar a palavra Ersatz
que soa tão mal desde a última guerra. Na realidade descobriram-se substitutos
muito úteis. O uso do alumínio e de metais leves (misturas à base de magnésio)
foi ampliado. O emprego de resinas artificiais foi também enriquecido. O que
eles fizeram, não foi tanto inventar, mas, dum modo geral, transformar a
necessidade numa virtude.
Tudo isso, entretanto, não interessa a indústria pesada. Os únicos dois produtos
que apresentam um certo interesse, são a lã e a borracha artificiais. Quanto à
borracha, os químicos obtiveram resultados não lá muito satisfatórios no que diz
respeito à qualidade. Mas o custo da produção excede a tal ponto o preço do
produto natural, que será preciso ainda muito tempo para que o substituto possa
ser produzido numa base econômica racional.

Quanto às fábricas de celulose, o assunto é diferente. A diretoria das indústrias


químicas alemãs convenceu Göring de que para os químicos tudo é possível.
Assim, produziram um material fibroso ao qual conseguem dar a aparência de
lã-de-carneiro. Essa pseudo-lã tem, entretanto, dois defeitos. Não é sólida, e
consequentemente, não obstante o seu preço tão baixo, é muito cara. E,
sobretudo, não é quente. O cabelo de carneiro é, como todo o cabelo, um tubo.
Parece que é principalmente o canal desse tubo que torna a lã um mau condutor
de calor. A despeito de sua habilidade, os químicos da I. G. Farben não
conseguiram ainda abrir canais nas suas fibras de celulose. Não obstante,
grandes fábricas se ergueram por toda a Alemanha para transformar troncos de
arvore em lã. É preciso importar madeira mas isso parece não ter importância.
Göring declara que é mais barato que importar lã. No princípio do regime,
chamei a atenção para o fato de não ser de bom aviso meter toda a gente em
uniforme. Isso levava a um grau injustificavelmente alto o consumo de lã. Hoje
até mesmo os uniformes do exército contêm uma grande percentagem de lã
artificial. Durante o inverno de 1937, em minha cidade natal de Mühlheim, não
conseguimos obter roupas-de-baixo de lã para a população operária. Afim de por
as ideias dos químicos em prática, o regime não hesitou em arruinar toda a
indústria têxtil do país.

Em tudo a incoerência é manifesta. As “Usinas de Aço Unidas” construíram uma


grande destilaria afim de produzir gasolina artificial tirada do carvão. A fábrica
foi terminada e a produção devia começar. Esperávamos receber as felicitações
de Göring. Longe disso! Um dia tivemos ordem de transformar a fábrica inteira.
Ela havia sido construída para destilar carvão mas devia ser adaptada para a
destilação de petróleo. A razão disso é em si uma história. Acabava de ser
descoberto um novo poço de petróleo cujo rendimento era maior do que o
conseguido pelas sondagens anteriores feitas na Alemanha. Diante disso, os
homens de Berlim imaginaram que iam descobrir campos de petróleo
comparáveis aos do Texas! Foi por essa razão que Göring subitamente desejou a
transformação de nossa fábrica, aplicando uma espécie de raciocínio que é
absolutamente típico de sua pessoa. Uma vez ele dissera: “Há petróleo em nosso
país; temos apenas de procurar para achá-lo”. E no momento em que um novo
poço era descoberto, o marechal, sem levar em conta a mediocridade do achado,
fica-se a imaginar quantidades fabulosas de petróleo a esguichar do solo alemão.

A mesma coisa aconteceu com relação à produção de gasolina sintética. Göring


decidiu que ela devia subir a cinco milhões de toneladas. Declarou-se que nesse
caso não se fazia questão de dinheiro; o governo providenciaria para conseguir
todos os créditos necessários. De fato, tudo quanto havia a fazer era construir
novas fábricas e aumentar as antigas. Sem dúvida, tinham razão nesse ponto,
mas a produção de uma tonelada de gasolina requer dez toneladas de carvão.
Consequentemente, seria preciso aumentar a produção de carvão de maneira
proporcional. Mas em Berlim o raciocínio deles não tinha chegado tão longe.

Göring é um militar. Imagina que é bastante dar ordens para que a indústria as
cumpra. Quando os industrialistas declaram que é impossível, são acusados de
sabotagem. Em breve a Alemanha não será diferente da Rússia bolchevista; os
chefes das empresas que não preencherem as condições que o “Plano” prescreve,
serão acusados de traição contra o povo alemão e fuzilados.

As “Usinas de Aço Unidas” eram proprietárias dum pequeno estaleiro em


Emden. Um dia Hitler deu ordens para transformar o estaleiro numa grande
fábrica de construções navais. Respondemos que carecíamos de fundos.
Imediatamente nos deram vinte e quatro milhões de marcos. Isso foi dois anos
antes da guerra. Hitler havia resolvido subitamente construir uma grande
armada.

Tomadas como um todo, as realizações nazis são um pandemônio de absurdos


econômicos. Durante sete anos, tive de lutar com todos esses homens ignorantes
e incapazes. Era uma perda de tempo discutir seus estúpidos projetos ou refutar
seus argumentos especiosos. De fato, o regime nazi arruinou a indústria alemã.
Todas as experiências acima mencionadas com produtos artificiais se tornarão
inúteis logo que o comércio internacional for restaurado. A Alemanha então terá
em suas mãos imensas fábricas que engoliram bilhões de marcos e com as quais
nada se poderá fazer a não ser entregá-las aos compradores de ferro-velho.
Indústrias que não têm mais dinheiro suficiente para acompanhar o progresso
técnico e conservar seu equipamento modernizado, encontram-se numa posição
desfavorável, em face da competição estrangeira, principalmente a americana.

Não tentarei descrever a teoria do sistema econômico nazista. Seria mais


verdadeiro dizer que os nazis não têm sistema econômico. Recorreram — nesse
campo como em muitos outros — a todos os expedientes que aconteceu vir-lhes
às cabeças, no propósito de fabricar em tempo recorde os armamentos
formidáveis com os quais atacaram o mundo para fugir à bancarrota.
Sacrificaram conscientemente a economia de tempo de paz à produção de
guerra. O grande problema para a indústria alemã depois da guerra será
readaptar- se a uma produção normal afim de poder exportar e dar alimento aos
operários. Se isso não se puder fazer, não haverá seis ou sete milhões de
desempregados, como quando o nazismo subiu ao poder. Haverá quinze milhões.

4. ADOLF HITLER FALHOU


A Todo-poderosa Gestapo — Os Casos do General Fritsch e do General
Brauchitsch

COM Adolf Hitler tudo é propaganda. A Alemanha nacional-socialista


desenvolveu métodos de propaganda inteiramente novos, e usou-os com grande
efeito e com profundo conhecimento da psicologia das massas. No entanto Hitler
despreza o homem do povo. Não tem simpatia pelo operário e é inteiramente
despido de qualquer sentimento social. O que ele faz não é pelo povo, mas para a
publicidade. Sua política “social”, portanto, é fundamentalmente falsa.

Hitler chegou mesmo a começar esta guerra por amor da propaganda. Eu e


muitos outros fizemos grandes esforços para conservar a Alemanha pacífica.
Mas hoje ninguém, nem mesmo os generais, ousam discordar. O terror nazi
impõe a todos um silêncio fatal.

Hitler acreditava, a princípio, que nem a Inglaterra nem a França tomaria


qualquer decisão relacionada com a invasão da Polônia. É verdade que, a
despeito da consternação causada pela chocante quebra de palavra de Hitler
depois de Munich, algumas pessoas na Inglaterra ainda acreditavam que a paz
pudesse ser mantida. Tinham uma confiança particular, parece, em Heinrich
Himmler, chefe da Gestapo, por ser ele membro do “Grupo de Oxford” e,
implicitamente, um pacifista. Mesmo assim, Hitler com toda a probabilidade não
ousaria atacar se Winston Churchill, então membro ordinário do Parlamento, não
tivesse revelado em público as deficiências das armas aéreas da Inglaterra. É em
motivos como esses que se baseiam as decisões da Alemanha.

Em qualquer caso é difícil para qualquer estrangeiro compreender o caráter de


Adolf Hitler. Algumas vezes, não se pode negar, sua inteligência é pasmosa. Há
momentos em que esse filho dum camponês (pois isso, pelo menos, é o que ele
pretende ser) dá mostras duma intuição política milagrosa, destituída de todo o
sentido moral, mas extraordinariamente precisa. Mesmo nas situações mais
complexas ele sabe discernir o que é possível do que não é. Difícil se nos torna
acreditar que o rebento duma família austríaca de campônios seja dotado de tanta
inteligência. A nossa surpresa talvez diminua ao descobrirmos uma falha
importante na linha ancestral de Hitler.

De acordo com o que já se publicou, a avó de Hitler teve um filho ilegítimo, e


esse filho veio a ser o pai do atual líder da Alemanha. Mas o inquérito que certa
vez o falecido chanceler austríaco, Engelbert Dollfuss, mandou fazer, produziu
alguns resultados interessantes, devido ao fato de os dossiês do departamento de
polícia da monarquia austro-húngara serem notavelmente completos. De acordo
com Esses registros, a avó do Führer ficou grávida durante o tempo em que
trabalhava como criada de uma família vienense. Por essa razão mandaram-na de
volta para a casa de seus pais, no campo. E a família na qual a desgraçada
rapariga (mais tarde Frau Schickelgruber) servira, não era outra senão a do
Barão de Rothschild. Essa circunstância lança uma nova luz sobre a história. Os
Rothschild, que no decorrer de um século tinham subido do nada à posição de
uma das grandes famílias da Europa, certamente não eram destituídos de uma
inteligência presciente — pelo menos nos negócios! E esse é exatamente o tipo
de inteligência que Hitler tem revelado na política. Além do mais, essa
presumível ascendência judaica de Hitler pode também dar-nos uma explicação
psicanalítica de seu antissemitismo. Perseguindo os judeus, diriam os
psicanalistas, Hitler está procurando lavar-se da “mancha” judaica.

Fosse como fosse, Dollfuss preparou um documento no qual todos esses fatos
ficaram estabelecidos. Assassinado o chanceler austríaco, o seu sucessor, o dr.
Schuschnigg, ficou na posse do documento. Por meio de seus espiões Hitler foi
informado do inquérito comprometedor. Quando pediu ao novo chanceler da
Áustria para vir a Berchtesgaden em fevereiro de 1938, tinha em mente
apoderar-se do documento. A fim de deitar- lhe a mão, começou ordenando a
prisão da condessa Fugger, a amiga de Schuschnigg que mais tarde — depois
que este foi preso pela Gestapo — se tornou sua esposa. O documento
comprometedor foi então entregue ao Barão von Ketteler, secretário do
embaixador do Führer em Viena, Herr von Papen. É bem possível que Papen
tivesse o cuidado de fotografar os significativos documentos antes de mandá-los
para Berlim por intermédio de Ketteler. É claro que em tais circunstâncias o
desgraçado Schuschnigg, em face do terrível adversário de Berchtesgaden, ficou
privado da única arma que tinha contra ele — a ameaça de publicar o documento
de Dollfuss, o qual teria revelado ao mundo a origem verdadeira do ditador da
Alemanha.

Casualmente a cópia do documento aludido, segundo se diz, acha-se agora em


mãos do Serviço Secreto britânico. De qualquer modo, pode-se presumir que o
assassínio do chanceler Dollfuss tenha ligações com esse inquérito em torno da
genealogia de Hitler.

Detalhes como esses, que se ajustam admiravelmente numa história de mistério,


explicam muitos dos movimentos da política externa nazista. A política interna
de Hitler, entretanto, pode ser largamente interpretada à luz de suas relações com
as SA. Por não ter conseguido dissolver no devido momento a sua milícia parda,
que exigia a recompensa habitual dos mercenários (bem como os legionários da
antiga Roma) Hitler nunca pode conseguir um corpo político bem organizado.
Os membros das Tropas de Assalto sempre afirmaram que seu grande mérito era
o de ter feito demonstrações junto com Hitler à frente do Feldherrnhalle em
Munich. Consideravam isso um grande feito de heroísmo. A situação culminou
finalmente nos massacres de junho de 1934. Durante essas “purgações” Hitler
foi obrigado a mandar assassinar Röhm, o organizador das SA, porque temia
estivesse eminente um conflito com o exército. Depois da morte de Röhm, a
chefia das SA passou para um tal Herr Lutze, um sujeito grosseiramente
estúpido. Não era o chefe indicado para esses bandos; não tinha domínio sobre
eles.

Coisa bastante estranha: o exército não entrou em nenhuma ação imediata, uma
vez que se via desembaraçado de seu principal inimigo, Röhm. Os generais
acharam que a eliminação deste último era suficiente, e depois dela se tornaram
servos fiéis dos nacional-socialistas. Só o velho general von Mackensen tentou a
princípio protestar contra a situação. Hoje, entretanto, seu filho está casado com
a filha do antigo ministro alemão dos negócios estrangeiros, o ex-protetor” da
Boêmia e Moravia, o barão von Neurath. O velho general von Mackensen
recebeu de presente do Reich uma propriedade. Coisa mais que estranha é ter a
família Mackensen aceito dádivas das mãos de Hitler, como se elas viessem do
imperador. Mackensen, por falar nisso, persistia na sua opinião de que os
presentes lhe eram dados como recompensa pelos seus serviços na primeira
Guerra Mundial.

Certos oficiais superiores provavelmente foram também comprados. Conta-se,


por exemplo, a seguinte história sobre o general von Brauchitsch. O general, que
já passava dos cinquenta anos, apaixonara-se por uma jovem dama e desejava
desposá-la. Para tanto precisava divorciar-se, mas acontecia que a primeira
esposa exigia uma quantia muito alta para consentir nisso. O general não possuía
meios de satisfazer essa exigência porque — em contraste com o partido — a
corrupção ainda era desconhecida no exército. A história de Brauchitsch foi
levada ao conhecimento de Adolf Hitler, que se mostra sempre ávido de
informações sobre toda a sorte de assuntos privados. Foi ele quem deu ao
general von Brauchitsch a soma de que ele necessitava. Esse episódio é bastante
típico do caráter de Hitler. Ele não perde oportunidade de comprar gente
importante, ou a consciência dessa gente.

O caso de von Fritsch é também uma boa amostra dos métodos peculiares
usados pelo regime de Hitler. Fritsch era conhecido como um dos elementos
mais eficientes do exército alemão e tinha o apoio de grande número de oficiais
superiores. Mas era preciso “liquidar” von Fritsch. Para conseguir isso, conta-se,
o chefe da Gestapo acusou-o pessoalmente da prática de homossexualismo.
Fritsch, que negou tudo desde o princípio, teve ordem de comparecer à
chancelaria do Reich, onde devia ser desmascarado na presença do Chefe
Supremo. Defrontou-se lá com um jovem que se supunha ser a principal
testemunha da acusação. Esse moço tivera na verdade relações com um
cavalheiro chamado Fritsch, mas teve de confessar que não era o general.

Não obstante, a Gestapo insistiu por longo tempo na afirmação de que o homem
era realmente o General von Fritsch. Para o reabilitar, foi convocado um
conselho-de-guerra sob a presidência de Göring. O marechal teve então a
oportunidade de conquistar o exército inteiro: bastaria pronunciar umas poucas
palavras sensatas. Mas não as pronunciou. E desde esse momento suas relações
com o exército têm estado sempre tensas.
Parece certo que o general von Fritsch mais tarde se suicidou.

Eu pelo menos posso dizer que, qualquer que tenha sido a circunstância
verdadeira de sua morte, a criatura estava ansiosa por morrer. O suicídio,
entretanto, nada teve a ver com o assunto há pouco mencionado, pois a
reabilitação do acusado foi completa. Mas aconteceu que, para sua suprema dor,
Fritsch teve de ser testemunha da submissão de todo o exército alemão a Hitler.
Fritsch nunca foi um partidário sincero do Führer como, por exemplo, o general
Reichenau. Advogou sempre uma aliança com a Rússia, embora não com uma
Rússia comunista. Fizeram-se tentativas para restabelecer as relações entre
Fritsch e o generalíssimo russo, Tuchachevsky. Tinham ambos um traço comum:
cada um desejava derrubar o ditador de sua pátria.

Fritsch, além do mais, era um dos generais que se opunham a um ataque à


Bélgica e à Holanda, e é a ele que se deve positivamente o fato de a Alemanha
não ter ocupado esses países antes do deflagrar da presente guerra. Casualmente,
o nacional-socialista Reichenau se opunha também a esse plano. Fritsch ficou
desesperado quando começou o ataque à Polônia. Sempre fora contrário a ele.

Hitler deve a Himmler a solução final da questão das SA. Himmler havia criado
as organizações das camisas-negras, as SS., e com o seu auxílio levou a cabo
impiedosamente a execução de milhares de membros das SA em junho de 1934.
Agora Himmler é o homem mais poderoso da Alemanha nacional-socialista. Na
verdade tem nas mãos muito mais poder que o próprio Göring. Está em toda a
parte e domina tudo.

Himmler tem o seu próprio círculo pessoal de industrialistas. O diretor geral


Vögler, entre outros, pertence ao seu séquito. Toda a gente na Alemanha está
literalmente fazendo espionagem para descobrir quem enfeixa maior soma de
poder no momento, para se tornar o mais íntimo colaborador do potentado.

Himmler tem revelado fortes inclinações pelos estudos germânicos. Patrocinou a


busca das cinzas do antigo rei Saxão, Henrique I (o “Passarinheiro”). Esses
restos foram enterrados com uma grande cerimônia, para a qual multidões foram
convidadas; no meio delas se encontravam algumas altas figuras da indústria.
Um dos presentes me relatou a solenidade da maneira que segue.

À noite, à luz de tochas e chamas, uma estranha procissão se pôs em movimento


na direção da catedral de Quedlinburg. Heinrich Himmler marchava à frente,
seguido do estado-maior das SS, que trazia os seus “Capacetes da Morte”, e de
industrialistas metidos em compridos casacões. Toda a coisa parecia uma
imitação das cerimônias levadas a efeito pela Igreja Católica, quando se
descobre uma relíquia sagrada. O cortejo desceu à cripta, onde oficiais da SS
montavam guarda diante dum esquife aberto. Os participantes da procissão se
mantinham a uma distância respeitosa. Himmler sozinho aproximou-se do
caixão do régio protagonista de sua raça. O chefe das tropas SS formadas em
parada, o homem que havia dirigido a escavação, leu um relatório. “Eu aqui vos
apresento — disse ele — dentro deste ataúde, os restos mortais de Henrique, o
Passarinheiro”.

Heinrich Himmler examinou os ossos e declarou-os autênticos. Na Alemanha


nacional-socialista a decisão do chefe da Gestapo é naturalmente infalível,
mesmo em assuntos como esse. Assim, o ataúde foi fechado, selado e
solenemente enterrado na cripta.

É talvez inútil lembrar ao leitor que Herr Himmler e seu ajudante, Herr
Heydrich, que já foi descrito em capítulo anterior, são mais do que ninguém
responsáveis pelos crimes cometidos nos campos de concentração da Alemanha.
É na verdade uma tristeza que tantos grandes industrialistas disputem os favores
do mais poderoso, mesmo quando ele não passa de um carrasco, como no caso
de Himmler.

Seja-me permitido mencionar de passagem que Alfred Rosenberg se interessa


menos pelos restos mortais dos reis saxões medievais do que pelos ossos dos
escandinavos na Alemanha. Herr Rosenberg, o autor do livro intitulado O Mito
do Século Vinte, é o representante da educação e da cultura da Alemanha
nacional-socialista. Não é alemão legítimo; foi educado nas universidades russas
e pertencia a sociedades lituanas de estudantes. É no entanto um dos super-
arianos do Reich nacional-socialista.

Pouco antes de rebentar a guerra fui convidado para ir à Pomerânia. Lá ouvi,


com surpresa, que nas vizinhanças se estavam fazendo escavações que de fato
haviam sido coroadas de sucesso. Encontraram-se ossos de escandinavos. Isso
“provava” a velha teoria de Rosenberg segundo a qual a província prussiana da
Pomerânia tinha sido sempre puramente ariana. Exprimi a minha surpresa,
porque até onde iam meus conhecimentos, a Pomerânia havia sido colonizada
inicialmente por eslavos. Mas esse fato tão sabido nada significa hoje em dia,
porque Rosenberg quer que a coisa seja diferente. Todas essas escavações são,
naturalmente, infantis; no entanto na Alemanha existe método até mesmo nas
criancices mais absurdas.

Talvez tudo isso se pudesse perdoar se a política fosse conduzida com método.
Mas quem quer que pense que isso se faz tem uma concepção inteiramente
errônea do país. Não há uma administração com o centro em Berlim. Com
relação à ordem interna, Hitler não conseguiu absolutamente nada. Pensou que
era uma grande esperteza construir um sistema governamental no qual todas as
forças se anulassem umas as outras. Junto ao prefeito duma, cidade sempre está
um funcionário do partido conhecido como Kreisleiter (chefe do distrito). E
assim se passa com todos os postos importantes. Se os dois homens que foram
colocados lado a lado entram em acordo, a situação é tolerável; caso contrário,
há uma luta perpétua e naturalmente inofensiva no que diz respeito à estrutura
interna do governo. Essas condições são completamente desconhecidas do
público; no entanto são perniciosas.

Na verdade esse mútuo cancelamento de forças é perceptível em todos os


campos. Teoricamente, por exemplo, o proprietário de uma fábrica é também o
seu gerente; no entanto um representante da Frente do Trabalho é posto ao lado
dele, e vive constantemente a interferir nos negócios, a menos que se deixe
subornar.

O primeiro ministro nacional-socialista da economia, o dr. Schmidt, que antes


tinha sido um dos mais estimados diretores de seguros, e que mais tarde foi
demitido pelos nacional-socialistas, contou-me várias particularidades do
assunto. Segundo ele, é algumas vezes o ministro da economia quem governa e
às vezes uma outra pessoa. O poder central já não funciona mais. Durante dois
anos, o gabinete alemão não se reuniu. Não se dá nenhuma direção em parte
alguma. A única instituição que existe hoje na Alemanha, em lugar da ordem, é
um colossal sistema de corrupção. Darei no capítulo seguinte exemplos da
técnica e dos novos métodos dessa corrupção sem paralelos, de acordo com o
que vim a descobrir através de minha experiência pessoal.

5. A NEGOCIATA ORGANIZADA DOS NAZIS


A Exploração do Estado

QUANDO O partido Nacional-socialista subiu ao poder em 1933, seus chefes


eram pobres. Hitler vivia uma vida ascética em sua modesta casa de
Berchtesgaden. Empregou quase todos os resultados de seus trabalhos literários
no financiamento de sua atividade política. O partido estava carregado de
dívidas. Sua caixa se esvaziara com as despesas da campanha eleitoral de 1932.

Hoje, entretanto, “o Partido governa o Estado”. Já não tem mais dívidas. Por
toda a parte estão sendo construídos palácios em seu nome. Até mesmo os seus
lideres menores ficaram milionários. Göring é proprietário de cerca de meia
dúzia de castelos na Alemanha e de uma vila na Suíça. Em 1933 nada tinha além
de dívidas. Goebbels possui uma suntuosa casa, que antigamente pertencia a um
banqueiro judeu, na ilha de Schwanenwerder, perto de Berlim. Himmler é dono
de uma vila em Berlim e adquiriu uma grande propriedade na Baviera.
Ribbentrop é o único que não era pobre, visto como havia casado com a filha de
Henckel, um rico fabricante de champanha alemão. Não obstante isso, tornou-se
ladrão. Depois do assassínio de meu sobrinho, von Remnitz, no campo de
concentração de Dachau, Ribbentrop se apoderou de seu castelo de Fuschl, perto
de Salzburg; e teve o descaramento de convidar o conde Ciano, ministro dos
estrangeiros da Itália, para visitar essa casa roubada.

Nas camadas mais baixas do partido, o quadro que se nos oferece é o mesmo. Os
Gauleiters e os delegados da Frente do Trabalho têm assento à mesa dos
diretores das grandes corporações industriais. Albert Förster, o jovem Gauleiter
de Dantzig, chegou àquela antiga cidade sem um vintém no bolso. Hoje em dia é
um latifundiário riquíssimo.

Onde estão os tempos em que o nacional-socialismo lutava contra o


“apodrecimento do sistema de Weimar?” Nessa época o partido exigia o limite
máximo de mil marcos para os vencimentos dos funcionários do Estado. Em
todos os comícios-monstros Goebbels expunha a “corrupção” dos Bonzen
(Mogóis) detentores de postos de governo. Um antigo ministro socialdemocrata,
atacado por Goebbels e acusado de ter enriquecido a expensas do Estado, foi
obrigado a explicar que a modesta casa em que vivia perto de Berlim, havia sido
construída por uma sociedade predial de casas-baratas, à qual ele continuava a
pagar anuidades.

Naqueles tempos do passado distante, os nacional-socialistas se apresentavam ao


público como os campeões da virtude e do desinteresse. Logo que subiram ao
poder, elevaram a negociata à categoria de instituição oficial.

Desde 1933 não há prestação-de-contas pública e regular na Alemanha. Os


orçamentos do Reich, dos Estados individuais, das municipalidades, do partido e
das organizações públicas são secretos e incontroláveis. Explicarei mais tarde
como estão sendo dirigidas as finanças públicas da Alemanha.

Além das finanças do Estado há uma multidão de fundos especiais que são
alimentados pelo público sem o conhecimento deste. Tais fundos ficam à
disposição de algum chefe do partido que pode sacar contra eles sem prestar
contas de suas retiradas. Os métodos empregados são de várias espécies. No fim,
entretanto, é o povo alemão quem sempre paga os luxos de todos os seus
sátrapas, maiúsculos e minúsculos.

Cada um tem o que merece. Göring, marechal-de-campo e primeiro ministro da


Prússia, encarna a corrupção do regime. Pratica a negociata numa escala que se
mede mais pela bitola das operações do governo, do que pela dos negócios
particulares. Göring é soberano da Prússia; é ele quem administra seus domínios
estatais (as antigas propriedades da coroa). O Estado prussiano lhe concede a
liberdade de dispor de suas terras para seu uso particular. O marechal distribui
essas terras como compensações por serviços que lhe são prestados. O velho
Presidente von Hindenburg não se negou a aceitar um castelo e várias centenas
de hectares de terras e florestas das mãos de Göring, a quem ele acabara de fazer
general. Isso pareceu o pagamento de uma dívida de gratidão. Mas o velho
marechal-de-campo e sobretudo seu filho, Oscar, famintos de terras como todos
os Junkers, acharam a coisa absolutamente normal, como se Göring fosse o rei
da Prússia. O marechal-de-campo von Mackensen, que tinha então mais de
oitenta anos, foi presenteado com um domínio mais modesto, que também lhe
veio de Göring, como um mimo em nome do Estado da Prússia. No entanto
Mackensen estava longe de aprovar todos os atos dos atuais governantes da
Alemanha, para com os quais sua atitude era definidamente de frieza —
especialmente depois que se levaram a cabo perseguições religiosas.

Göring, porém, é generoso especialmente consigo mesmo. Acumula os


vencimentos de vários cargos públicos; recebe o soldo de marechal-de-campo,
um ordenado como presidente do Reichstag, outro como ministro do ar e ainda
outro na qualidade de primeiro ministro da Prússia. Menciono de passagem só os
seus títulos de “Grande Senhor das Florestas” e “Chefe da Caça do Reich e da
Prússia”: e quanto aos proventos desses cargos, Göring não é homem que recuse
um ordenado mensal. Os vencimentos de suas funções públicas excedem com
toda a certeza a soma de dois milhões de marcos anuais, a qual vem dos
orçamentos do Reich e do Estado da Prússia. Onde está o limite de mil marcos
ao qual os nazis no passado prometeram reduzir os ordenados mensais de todos
os funcionários e administradores públicos?

Mas Göring não se contenta com desorganizar e empobrecer o orçamento com


seus ordenados. Como primeiro ministro é ele virtualmente proprietário do
Estado da Prússia. Hitler se vangloria de ter unificado a Alemanha e suprimido
os antigos Estados federados. Mas no que diz respeito a Göring, o Estado
prussiano continua a existir. É o domínio que ele explora: e nunca nenhum rei da
Prússia viveu de seus súbditos de maneira mais magnífica do que o marechal-de-
campo! O que quer que pertença à Prússia a ele pertence. Göring fez presente a
se mesmo — para seu uso particular — de vários milhares de hectares de terras
com matos, na bela floresta de Schorfheide, ao norte de Berlim. Essa
propriedade constitui soberbo parque natural, onde Göring cria alces o bois
selvagens. Não falarei do pessoal-de-caça, o que é uma coisa extravagante. Os
guarda-caças são naturalmente funcionários do Estado; porque Göring, diferente
dos reis da Prússia, não mantém o pessoal da “casa real” com dinheiro de seu
próprio bolso. Dentro dessa paisagem magnífica ele construiu a sua mansão de
Karinhall. Comparado com ela, o palácio de Sans Souci não passa duma
choupana, embora Frederico o Grande tivesse passado todo o seu reinado a
embelezá-lo.

Göring é proprietário de outro palácio em Berlim. Depois do incêndio do


Reichstag ele deixou a casa do presidente dessa assembleia onde vivera até
então. (1) Não há dúvida que o ambiente já não mais lhe agradava. Mandara
construir uma nova residência nos jardins da antiga Casa dos Lords da Prússia,
próxima do novo Ministério do Ar. Todo um trecho de Berlim, no próprio centro
da metrópole, está ocupado por uma verdadeira cidade — a “Cidade de Göring”,
com seu palácio particular, a Casa dos Lords, a Casa dos Aviadores e o
impressionante edifício do Ministério do Ar, terminado em 1935.

Na qualidade de segundo homem em importância na Alemanha, Göring sentiu


que se devia a si mesmo, bem como o Führer, uma vila nos Alpes Bávaros.
Sabendo desse desejo, o primeiro ministro da Baviera ofereceu-lhe em
Obersalzberg, terras fronteiras à propriedade de Hitler. As rendas públicas de
Göring, embora sejam importantes, não seriam suficientes para financiar todos
esses luxos. Vários anos depois de subir ao poder, o marechal continuou
endividado, e foi necessário que Hitler interviesse pessoalmente para fazer que
ele pagasse os credores.

Göring também aceita subornos. Foi nomeado comissário do “Plano Quadrienal”


e ditador econômico da Alemanha. Os industrialistas vivem ansiosos por
permanecer em boas relações com ele. Ofereceram-lhe presentes em ocasiões
como a de seu casamento ou de seu aniversário. Esta última data se repete
inevitavelmente todos os anos; e para ela a generosidade dos doadores se
organiza com grande antecedência. Vários meses antes do grande dia, o chefe
desta e daquela corporação industrial recebe sugestões para um presente em
dinheiro ou em espécie. Um emissário de Göring vem informá-lo discretamente
de que certo quadro, uma estátua ou uma tapeçaria antiga, seria do agrado do
marechal. O local onde se encontra o aludido objeto e o endereço do antiquário é
dado nessa ocasião. Às vezes o próprio antiquário vem ver pessoalmente a
vítima escolhida. Essa vítima não pode fugir à honra que se lhe confere. O
antiquário e Göring sempre conseguem arranjar uma boa negociata.

O primeiro ministro da Prússia é dono de várias coleções de quadros. Alguns


deles vieram de vários museus públicos da Prússia. Um dia foi tirada uma tela do
Museu de Colônia. Quando seu diretor pediu explicações, declarou-se-lhe que a
pintura ia ser trocada em Paris por uma tapeçaria. A tapeçaria devia pelo menos
ser trazida para o museu; mas a resposta às perguntas do diretor era: “Não se
impressione, ela está na casa de Göring”.

Também eu tive a satisfação de contribuir de maneira modesta para o


enriquecimento da galeria de quadros do marechal; porque ele levou as telas de
minha propriedade, que estavam em minha casa de Mühlheim; ficou também
com as que pertenciam a meus filhos, na Baviera.

Mas em meio desse luxo artístico, Göring não se esquece de que o Führer é o pai
de sua riqueza. Quando os visitantes vêm vê-lo na sua residência de Berlim, ele
lhes mostra, com grande emoção, uma pequena aquarela que representa uma
aldeia em ruínas no norte da França. É um presente pessoal do Führer, que a
pintou durante a primeira Guerra Mundial. Göring finge julgá-la superior a um
primitivo flamengo ou a um mestre italiano.

O marechal também revela outros traços pitorescos de seu caráter. Gosta de


joias. Costumava ter um agente, o conhecido joalheiro judeu Friedlaender, de
Berlim. Conta-se até que Göring lhe devia grande soma de dinheiro. Depois que
os judeus foram expulsos do comércio alemão, Göring tornou-se proprietário da
joalheria de Friedlaender.

Göring não se limita a nenhum método particular para satisfazer seus gostos
suntuários — ou melhor: emprega todos os métodos. Dispõe das rendas públicas
da Prússia, aceita subornos da indústria, tira vantagens das confiscações — tudo
quanto lhe cai na rede é peixe.

Perto dele, o Führer é um modelo de virtudes. Quando se fez chanceler do Reich,


Hitler renunciou ao salário habitual com um gesto nobre. Nunca seus
predecessores, Stresemann ou o dr. Brüning, fizeram coisa que se lhe
aproximasse! Não sei se esse gesto tem sido mantido até hoje. Não obstante,
Hitler é o homem mais rico da Alemanha. É verdade que não enriqueceu com as
rendas do Estado. Deve toda a sua riqueza à própria pena. Na verdade Hitler é
um homem de letras. Se não é o mais lido é pelo menos o mais comprado de
todos os escritores do mundo. Mein Kampf atingiu uma venda de sete ou oito
milhões de volumes. Por uma decisão do ministério do interior do Reich, esse
livro foi distribuído à custa das municipalidades a todos os pares recém-casados.
E os casamentos aumentaram muito na Alemanha desde que Hitler tomou o
governo, embora o próprio Führer tenha continuado celibatário.

Hitler é proprietário da maioria das ações da casa editora do partido — a de


Franz Eher, de Munich, Berlim e Viena. Franz Eher edita o Völkischer
Beobachter e todos os jornais do partido. Essas folhas oficiais nazistas têm larga
circulação. Porque para todos os funcionários e notáveis, e para todos os que
dependem mais ou menos da autoridade pública, a assinatura delas é moralmente
obrigatória; constituo uma prova de lealdade para com o regime. Os funcionários
do partido solicitam assinaturas de porta em porta, através dos campos e das
cidades. É difícil recusar. O Völkischer Beobachter, o diário nazista mais lido,
conseguiu monopolizar todos os anúncios que antigamente apareciam nos órgãos
do comércio e da indústria. Tudo isso produz grande lucro. Herr Hitler, homem
de letras, editor, dono de vários jornais, ganha vários milhões de marcos por ano
com seus próprios negócios, como acaba de ser demonstrado. Pode, portanto,
renunciar no ordenado que se lhe deve como chanceler. Além disso, recebe os
emolumentos de presidente do Reich.

É verdade que suas necessidades são modestas. Não faz caso da boa mesa, não
fuma nem bebe, e não tem amantes. Brüning, o asceta, pelo menos fumava
charutos. Os nazis o censuravam até por isso. Hitler, como Göring, tem um fraco
por pinturas. Ele próprio gosta de dizer que, se não tivesse entrado na política,
teria dedicado sua vida à pintura. Às vezes compra telas dos Velhos Mestres com
seu próprio dinheiro, mas antes de mais nada aceita presentes. Cidades e Estados
já lhe ofereceram espécimes de museu. Numerosos são também os cidadãos
particulares que desejam dar provas de sua gratidão ou de sua admiração por
Hitler. Mas o Führer não vai pessoalmente aos negociantes de objetos de arte,
como faz Göring. Utiliza-se de seu fotógrafo, Hoffmann, como intermediário.
Este último é o único fotógrafo oficial autorizado por Hitler e pelo seu regime.
Tal monopólio lhe traz uma fortuna. Mas Hoffmann não considera coisa indigna
de sua pessoa ganhar comissões na venda de objetos de arte. Seu método é mais
ou menos o mesmo das pessoas que servem Göring, com a diferença de que a
coisa custa à vítima um preço mais alto. Um negociante de objetos-de-arte que
goze de reputação vai a um de seus melhores fregueses e a ele se dirige mais ou
menos da seguinte maneira: “Sei duma certa tela que está à venda. Sei também
que nosso amado Führer gostaria muito de possuí-la. O senhor não quereria dar-
lhe essa tela de presente?” Toda a gente sabe o que isso significa. E a sugestão é
aceita.

Mas acontece também que Hitler dá um quadro de presente a uma pessoa a quem
deseja prestar um favor. Um dia mandou ao Dr. Hjalmar Schacht uma tela do
pintor clássico alemão Spitzweg, numa moldura soberba. Schacht notou
imediatamente que se tratava de uma cópia vulgar de um original muito
conhecido. Pensando que o Führer tinha sido logrado, mandou-lhe o quadro de
volta dizendo que era uma cópia. Furioso, Hitler declarou: “Esta cópia é um
original!” No fim de contas, por que não, uma vez que o axioma do regime é “o
Führer sempre tem razão”? Vários meses mais tarde os visitantes de Schacht
viam-lhe ainda na sala de visitas da residência uma moldura vazia com um
pequeno bilhete escrito pelo punho do proprietário: “Esta moldura continha uma
cópia de Spitzweg que me foi presenteada pelo Führer”.

Pobre Schacht! Ele costumava controlar as finanças do regime, mas nunca


conseguiu que seus senhores lhe fizessem uma prestação de contas correta. Não
acho que seja possível encontrar em outro Estado moderno processos
semelhantes aos que correm na Alemanha para o financiamento de despesas
irregulares. O partido tem o seu exército particular. Não me refiro às Tropas de
Assalto — as SA — porque desde a purgação de Röhm elas foram rebaixadas
para a segunda linha. As secções locais vivem à custa dos fundos centrais do
partido, ou do resultado de seus saques, especialmente depois da confiscação da
propriedade dos judeus. Mas os SS, a Milícia Negra de Himmler, que serve
como Guarda Pretoriana de Hitler e dos grandes do regime, têm os seus meios
próprios de subsistência. Nesse caso particular, a negociata representa papel
político importante. É Walter Darré, ministro da agricultura, quem financia
Himmler e seus SS. Em troca, Himmler e a Gestapo protegem Darré contra seus
inimigos. Isso explica o fato de manter-se ele ainda em sua posição, a despeito
de sua insignificância.

Pode-se também perguntar: de onde vêm esses fundos? A resposta é simples.


Nos primeiros anos do regime, Darré estabeleceu o chamado controle dos preços
internos, afim de proteger a agricultura alemã. A finalidade dessa medida é, de
acordo com Darré, encorajar os agricultores a plantar tudo quanto o povo alemão
necessita. Esse empreendimento é absurdo, mas representa papel importante na
fraseologia nazi. Ele mergulhou a Alemanha numa crise de alimentos muito
antes da presente guerra, e reduziu-a ao uso de cartões de racionamento. Em
tempo de paz, e mesmo agora em tempo de guerra, a despeito das restrições
severíssimas, a Alemanha é obrigada a importar parte dos produtos necessários à
sua manutenção.

No decorrer dos últimos anos essas importações subiram a cerca de um bilhão e


meio de marcos por ano. As compras no estrangeiro são feitas por conta da
Reichsnährstand, a “Corporação Nacional da Alimentação” dirigida por Darré,
na sua qualidade de ministro do Reich, e chefe da organização dos agricultores,
que depende do partido. A mercadoria comprada no exterior ao câmbio corrente
é revendida no mercado alemão numa base fixada por Herr Darré. A diferença é
apreciável: chega a várias centenas de milhões de marcos, de acordo com o ano.
Um cálculo de meio bilhão de marcos anual não seria alto demais. O
Reichsnährstand é consequentemente muito rico. Com as somas assim
adquiridas ele financia o seu aparelho “político-agrário”, como eles lhe chamam.
Essa organização tem um Representante em cada região, em cada distrito e em
cada aldeia; e cada representante é pago do acordo com a sua categoria. Herr
Walter Darré adquiriu e renovou o castelo medieval imperial de Goslar, uma
antiga e pitoresca cidade do centro da Alemanha. Foi lá que ele instalou sua
repartição, longe de Berlim e da administração central. Na escolha do local ele
revelou inclinações românticas; mas seu romantismo também serve para
mascarar a corrupção.

Darré mantém fazendas experimentais para a criação do bicho-da-seda, para a


plantação do cânhamo, do linho, da amora, da soja, e para vários outros projetos
exóticos e inúteis. Subvenciona Alfred Rosenberg, o originador do culto ariano
neo-pagão, e suas pesquisas históricas e pré-históricas.

As quantias são tiradas dos orçamentos domésticos de cada trabalhador alemão,


uma vez que estes são o produto do nível arbitrário dos preços dos gêneros na
Alemanha. Essa é a maneira pela qual os bufões arianos do regime estão sendo
alimentados. Ao comprar as suas escassas porções de alimento racionado, cada
dona de casa alemã pode sentir-se satisfeita com sua modesta contribuição para a
exumação dos ossos de vikings das areias da Pomerânia, ou com o auxílio que
está prestando à pseudociência arqueológica com a qual os nazis enchem os
ouvidos do povo.

Tudo isso ainda não basta. O homem que mais se utiliza do orçamento do
Reichsnährstand e consequentemente do tributo que se exige de cada trabalhador
alemão, é Heinrich Himmler, que necessita de dinheiro para a sua Gestapo e seu
exército de pretorianos, espiões e torturadores, A diferença entre os preços
internos e os preços externos podia ser convertida num fundo de compensação
que servisse para o abaixamento do nível do preço de certos gêneros de
primeira-necessidade. Mas nada disso se faz. O povo alemão paga por todos os
comestíveis um preço acima do preço mundial, não para favorecer o
desenvolvimento da agricultura, mas para sustentar os espiões que os vigiam, e
que torturam os seus semelhantes.

Esses cavalheiros têm ainda outra fonte acessória de rendimento. Certas


personalidades ricas são convidadas a entrar com uma contribuição regular para
as SS. Em compensação, recebem um diploma e um pregador com duas iniciais
da Milícia Negra. São chamados os “protetores das SS”.

Essa honra lhes custa caro, mas serve como uma “recomendação” à Gestapo.
Industrialistas, comerciantes e funcionários competem na obtenção desse título,
especialmente quando não são membros do partido. Acreditam ficar assim
protegidos por Himmler. Isso é uma reminiscência do tributo que os mercadores
e burgueses da Idade-Média costumavam pagar aos “barões feudais” afim de que
estes lhes protegessem os bens e as vidas.
Como dispõe Himmler de todos esses fundos? Paga seus homens, ergue quartéis
e Centros sociais para suas tropas, vilas ou casas de campo para se mesmo e para
outros chefes da Gestapo, e compra armas independentemente do ministério da
guerra. Himmler, como Darré, gosta de dar festas suntuosas. Sustenta seus
espiões na Alemanha e no estrangeiro. Quem sabe? — talvez mesmo os campos
de concentração que dependem do chefe da Gestapo possam ser sustentados pelo
modesto orçamento dos trabalhadores, graças ao nível arbitrário dos preços dos
gêneros alimentícios.

Já mencionei um freguês particular de Darré — Alfred Rosenberg. Este pseudo-


filósofo de origem russa dirige uma organização chamada “Bureau de Política
Estrangeira do Partido Nacional-Socialista”. Essa organização compreende um
equipo completo de conspiradores que espalham suas ramificações até mesmo
pelo estrangeiro. É Alfred Rosenberg quem subvenciona os Russos Brancos que
residem na Alemanha. Sustenta uma milícia composta de jovens russos que estão
resolvidos a fazer tudo para derrubar Stalin. Não sei se o pacto com o ditador
russo pôs fim a essa atividade subterrânea. (2)

No que diz respeito à sua pessoa, Rosenberg passa por ser desinteressado. Conta-
se que sacrifica seus rendimentos pessoais em favor da causa. Quando Hitler lhe
concedeu o “Grande Prêmio Alemão de Filosofia” (que substituiu o Prêmio
Nobel dentro da Alemanha) afirmou-se que Rosenberg era muito pobre. No
entanto seus livros anticristãos vendem-se bem. As bibliotecas escolares, até
mesmo na Renânia católica, são obrigadas a comprá-los!

Baldur von Schirach e sua “Juventude de Hitler” são também subvencionados


pelo orçamento das donas-de-casa, através do ministro do abastecimento. Assim
Baldur von Schirach custeia as despesas de seu estado-maior, paga suas viagens
ao estrangeiro e conserva todo o seu exército de rapazes e raparigas. Darré,
Himmler e Baldur von Schirach formam o grupo radical do partido nacional-
socialista; sua influência é considerável. Sua aliança repousa na sua
cumplicidade nas negociatas. Essa é uma das consequências dos curiosos
métodos de financiamento que existem na Alemanha hoje em dia.

Depois dos de Darré, os fundos considerados mais “negros” são provavelmente


os do Dr. Ley, esse gago beberrão que é chefe da Frente alemã do Trabalho.
Controla ele os quatro ou cinco milhões de marcos provenientes dos impostos
pagos todos os anos pelos trabalhadores à Frente do Trabalho.
Não afirmo que ele ponha todo esse dinheiro no próprio bolso. Mas as cifras
certamente transtornaram- lhe a cabeça. Ley se acha na situação do homem que
ganhou um milhão em “sweepstakes”. Anda em busca de oportunidades para
gastar o seu dinheiro. Ordenou a construção de uma frota inteira. Um dos barcos
tem o seu nome e foi afundado, parece, quando transportava tropas para a
Noruega, Com esses navios, Ley costumava organizar viagens à ilha da Madeira
e aos fiordes escandinavos. Tinha uma fábrica de automóveis que fora construída
para a produção do Carro do Povo. Nessa ocasião inventou ele uma forma de
velhacaria nova em folha.

Os candidatos à aquisição do Carro do Povo foram convidados a comprá-lo


antecipadamente, pagando prestações antes da entrega. Isso é uma inversão do
sistema de prestações. É um golpe que revela gênio. Ley embolsou cerca de cem
milhões de marcos quando a guerra rebentou, porque a fábrica do Carro do Povo
teve então de começar a produzir tanques e motocicletas para o exército.

Foi Ley quem inventou a organização de férias que traz o estranho nome de
Kraft durch Freude (Força Através da Alegria). Essa organização é proprietária
de grandes e novos barcos de turismo que Ley emprega em “cruzeiros de
operários”. De fato, magnatas nazis, grandes e pequenos, foram os primeiros a
tirar proveito disso. A “Força Através da Alegria” publica várias revistas
ilustradas com incrível prodigalidade e com a mais supina inutilidade. Ela
alugou praias ao longo do Mar Báltico. Na famosa ilha de Rügen, o Dr. Ley
mandou construir um enorme hotel com acomodações para vinte e cinco mil
pessoas. É fácil imaginar como poderá uma pessoa descansar em tamanho
aperto. Mas Ley não os leva a Rügen para descansar. O propósito nacional-
socialista na organização da “Força Através da Alegria” não é proporcionar
horas de ócio ao operário. O ócio seria perigoso ao regime nazi. O povo teria
tempo para pensar e isso é coisa que deve ser evitada. É preciso trazer o povo
sempre ocupado em alguma coisa, sem interrupção. Para evitar que os operários
pensem, dão-lhes passatempos físicos. Nunca ficam entregues a se mesmos. Tal
é, nas palavras do próprio Ley, a ideia que inspirou a construção do hotel na ilha
de Rügen.

Ley é também responsável pela construção de um imenso palácio para a “Frente


de Trabalho”, na parte ocidental de Berlim. O edifício é maior que o de qualquer
outro ministério, mesmo que o do “Ministério do Ar” de Göring, que já tem
proporções grandiosas. Milhares de funcionários ali “trabalham”. Esse palácio
compreende também suntuosos salões de reunião. Um dia fui convidado a uma
das recepções de Ley. Foi magnífica. No saguão, um homem gordo andava de
cima para baixo, ostentando um belo uniforme com numerosas condecorações.
Era o porteiro do hall. Alguns operários convidados para a recepção tomaram-no
por Göring e saudavam-no da maneira mais respeitosa.

Afim de não ficar atrás de Himmler (a quem ele na certa dá também dinheiro)
Ley criou a sua própria milícia operária, chamada a Werkscharen, ou Legião das
Fábricas. São elas compostas de jovens altos de dezoito a vinte anos, metidos
num uniforme azul. Ley tem grande orgulho deles.

Desse modo ele é dono, como qualquer outro grão-senhor nazi, de seu
exércitozinho particular.

Das centenas de milhões de marcos que passam por suas mãos, Ley guarda uma
pequena parcela para suas necessidades pessoais. Construiu para sua residência
particular uma bela vila num bairro aristocrático de Berlim. Um antiquário que é
amigo meu, me contou que fora um dia chamado à casa de Ley. Teve de esperar
cerca de meia hora na sala-de-espera onde os homens da SS que se achavam de
guarda repousavam confortavelmente em grandes poltronas, com os revólveres a
saltar dos cintos. Por fim foi introduzido no apartamento de Frau Ley, que fora
antigamente caxeirinha duma grande loja de Colônia. A dama decidira comprar
uma “tapeçaria”, sem dúvida porque a posse duma tapeçaria era para ela o sinal
seguro duma certa distinção social.

— Eu lhe pedi para vir — explicou ela ao antiquário — porque eu queria uma
tapeçaria.

— Estou à sua disposição, madame. Tem algum tipo especial em vista?

— Não. O que eu quero é uma tapeçaria legítima.

Nesse momento entrou o dr. Ley e resolveu o problema:

— É muito fácil... compraremos a mais cara!

Frau Himmler, a esposa do chefe da Gestapo, é mais ou menos do mesmo nível


cultural.

Frau von Mackensen, filha do Barão von Neurath e esposa do embaixador em


Roma, achou um dia que seria de bom aviso visitar a esposa do homem mais
poderoso da Alemanha. Um embaixador pode achar necessário tomar certas
precauções... Frau von Mackensen chegou e prestou sua homenagem a Frau
Himmler quase como se ela fosse a rainha da Itália. Mas Frau Himmler, sem se
dar o trabalho de retribuir às cortesias, aproximou-se da visitante para apalpar a
fazenda de seu vestido, exclamando: “Mas como? Tu ainda usas seda legítima?”
As esposas dos novos cavalheiros que governam a Alemanha apreciam as coisas
“legítimas”.

Perto de Göring, Himmler, Darré e Ley, o dr. Goebbels parece quase um


indigente. Não tem exército particular e seus fundos “negros” sobem
escassamente acima de duzentos milhões de marcos por ano. Os de Darré e os de
Ley excedem meio bilhão. Os duzentos milhões de Goebbels são as
contribuições mensais dos ouvintes de rádio. Com essas quantias, Goebbels tem
de manter as despesas do programa. Não obstante, uma bela soma ainda sobra
para seus gastos pessoais. Para suas necessidades particulares ele tem, além
disso, os produtos de sua pena — uma cifra apreciável — porque no regime nazi
a prosa dos autores encontra muitos compradores compulsórios. Além disso,
Goebbels é proprietário de ações duma companhia cinematográfica. Seu luxo,
entretanto, é de caráter mais modesto que o de Göring ou Himmler. Goebbels
não tem o físico dum senhor feudal. Contenta-se com uma vila suntuosa mas
discretamente escondida em Schwanenwerder, sobre o Pão Havei (perto de
Berlim). Em vez de comprar terras na Alemanha, ele cautelosamente converte
suas economias em valores internacionais, depositados em bancos estrangeiros.

É interessante notar que a população de Berlim tolera com certa dose de


indulgência as extravagâncias de Göring, mas não perdoa nada ao dr. Goebbels.
Um dia este último mandou exibir um filme num cinema de Berlim; o filme
representava sua família em sua bela casa de Schwanenwerder. O público vaiou-
o energicamente no escuro. O filme foi imediatamente retirado.

Tais são os homens que hoje governam a Alemanha. É assombroso como podem
eles proclamar-se socialistas e insultar, no meio de sua corrupção, as
“plutocracias ocidentais” — para usar de suas próprias palavras. A vasta maioria
do povo alemão nada sabe desses métodos refinados de enriquecimento à custa
da comunidade e do suor das massas trabalhadoras. Um dia, quando os alemães
souberem como foram enganados e escarnecidos pelos seus chefes, sua fúria será
tremenda.
6. A CAMPANHA ANTI-JUDAICA E OS CAMPOS
DE CONCENTRAÇÃO

DESDE o momento em que subiram ao poder, os chefes nazis passaram a


professar o maior desprezo pelo indivíduo. Grande número de conservadores
alemães, ignorando os fatos e apavorados pelo incêndio do Reichstag, consentiu
no encarceramento dos inimigos políticos do regime sem julgamento prévio.
Podem eles ter olhado essa medida como puramente preventiva, e justificada
pelo perigo da guerra civil. Estavam convencidos também de que os nacional-
socialistas em breve restabeleceriam os meios legais. Estavam enganados. Os
campos de concentração, chamados com mais propriedade “campos de tortura”,
são, até hoje, uma instituição do Estado. A despeito de todos os meus inquéritos,
nunca pude saber em que circunstâncias morreu em Dachau meu sobrinho von
Remnitz.

Um dos casos mais importantes, que eu achei particularmente chocante, foi o da


prisão do pastor protestante, Martin Niemöller, no campo de concentração de
Oranienburg. Martin Niemöller tinha sido oficial de marinha. Durante a guerra
de 1914-1918, comandou um submarino. Depois da guerra, tornou-se pastor.
Quando os nacional-socialistas tentaram dominar a Igreja Protestante,
compelindo-a a curvar-se ao espírito anticristão do regime, Niemöller encabeçou
a resistência no campo religioso. Durante muito tempo esse tipo alto e
imponente, com sua fisionomia pálida de asceta manteve-se ereto no púlpito de
sua igreja em Dahlem, perto de Berlim. Defendeu corajosamente a lei do
Evangelho contra os planos ultrajantes dos nazis. Foi o campeão da liberdade de
consciência contra a opressão. Sua igreja era pequena demais para conter as
numerosas pessoas que se amontoavam para ouvi-lo, a despeito da vigilância da
Gestapo. Entre os partidários fiéis do impávido sacerdote achava-se o ministro
das finanças do Reich, o conde Lutz von Schwerin-Krosigk. A irmã de Göring,
Frau Rigle, fizera Niemöller confirmar seu filho. E o próprio Göring e o exército
protegeram por algum tempo esse pastor, porque Frau Rigle intercedera por ele
junto do irmão. Mas chegou o dia em que Göring a proibiu de mencionar o nome
do reverendo Niemöller.

Hitler sentiu que a língua desse homem livre e bravo era um perigo para o seu
regime. Foi ele que deu ordem para que prendessem o pastor. Foi este levado ao
tribunal de Berlim, acusado de quebrar uma velha lei qualquer do tempo de
Bismarck, relativa aos sermões religiosos. O júri absolveu-o. Niemöller, em vista
disso, devia ser posto imediatamente em liberdade. Mas, a despeito da sua
popularidade, a despeito da proclamação da sua honestidade e da sua inocência
pelo júri, Hitler não hesitou em cometer nova iniquidade. Ao deixar o tribunal,
Niemöller foi preso pela Gestapo e internado no campo de concentração de
Oranienburg. Mais tarde, o velho Marechal von Mackensen fez uma comovente
tentativa para obter sua libertação. Hitler recusou.

Privada de sua casa, Frau Niemöller e os oito filhos do pastor encontraram-se em


situação muito difícil. Um amigo da família veio-lhe ao socorro. Como ele
mesmo não estivesse em boa situação financeira, procurou alguns industrialistas
da Westphalia — Niemöller era natural de Elberfeld — e pediu-lhes auxílio.
Todos concordaram com alacridade — menos Albert Vögler, que prometeu seu
apoio, mas retirou-o no último momento, com medo de cair no desagrado do
regime.

Católico como sou, e educado nessa tradição, inclino-me perante esse nobre
protestante, Martin Niemöller. Como oficial ele revelou coragem durante a
guerra. Mais, porém, que isso, ele deu aos alemães o exemplo de uma virtude
mais rara: recusando deixar-se silenciar pela Gestapo, o Pastor Martin Niemöller
mostrou aos alemães o que significa “coragem cívica” — essa virtude que, no
dizer de Bismarck, era desconhecida no país.

A perseguição aos judeus atingiu seu auge no outono de 1938 e provocou


protestos universais. Até 1933, eu não dera muita importância às agitações
antissemíticas do partido nacional-socialista. Os habitantes das províncias
católicas do Reno não são antissemitas. Pode haver regiões na Alemanha onde
um certo grau de estupidez da população pode ter tornado possível aos judeus o
representarem um papel exagerado. Esse nunca foi o caso da Renânia. Nós
sempre consideramos o judeu Heinrich Heine como um de nossos poetas
nacionais. Os nazis podem destruir a estátua de Heine na sua cidade natal de
Düsseldorf, mas eles nunca conseguirão impedir que as pessoas cantem “Die
Lorelei” nos barcos que se fazem de velas Reno abaixo.
Alguns meses depois de subir ao poder, o partido nacional-socialista organizou
turbulentas demonstrações antijudaica através de toda a Alemanha. Para agradar
aos seus partidários, os pequenos proprietários de loja que sofriam as
consequências da depressão econômica, e para dar a suas Tropas de Assalto, que
amam os combates de rua, alguma coisa a fazer, os chefes nazis ordenaram que
se pintassem epítetos grosseiros e insultuosos nas vitrinas das casas comerciais
judaicas. Essa iniciativa não foi levada a sério nos grandes centros renanos. Em
todas as nossas cidades de grande população operária, os magazines
permaneceram abertos. O povo não poderia dispensá-los. Mais tarde, quando os
judeus foram expulsos do comércio, as lojas semitas não foram suprimidas,
como se anunciou no programa nazi. Os judeus foram apenas roubados em suas
posses. Quanto aos pequenos varejistas, que acreditavam estupidamente em que
a diminuição de seus negócios era devido à concorrência dos judeus, ficaram
depois arruinados pela desastrosa política de armamento e foram mandados
trabalhar nas fortificações da fronteira ocidental.

Ninguém sabe melhor que eu, que sou industrialista, os serviços que prestaram
os judeus à economia nacional alemã depois da guerra. Os nazis acusam os
banqueiros judeus da responsabilidade dos débitos alemães. De acordo com eles,
os judeus haviam conspirado “para tornar a Alemanha preza da finança
internacional”. Uma estupidez sinistra. Os banqueiros judeus salvaram a
economia alemã depois da guerra. Foi graças a esses homens que as empresas
pequenas e médias puderam obter dos bancos americanos os créditos necessários
para o seu reequipamento.

Algumas das grandes firmas conseguiram empréstimos flutuantes na América, e


por sua própria conta. Mas em sua maioria as outras, desconhecidas dos lideres,
só podiam conseguir dinheiro através dos bancos judeus. Para garantir os
empréstimos contraídos no estrangeiro, Esses bancos semitas arcaram com
certos riscos. Mas, procedendo assim, os banqueiros judeus deram testemunho
de sua confiança no futuro do comércio alemão. O Banco Simon Hirschland, de
Essen, por exemplo, obteve créditos na importância de pelo menos cinquenta
milhões, para os estabelecimentos pequenos e médios de nossa região. Seu
capital não ia além de oito milhões de marcos. Os grandes bancos alemães não
ousaram assumir o risco de tais créditos. Além disso, lá por 1930, no momento
da crise econômica, a falta de câmbio causou dificuldades nos pagamentos.
Outra vez os banqueiros judeus intervieram; conseguiram obter moratórias ou
reformas dos credores estrangeiros. Os próprios nazis foram obrigados a
reconhecer os serviços prestados por esse pequeno banco judeu de Essen. Foi ele
que negociou o importante empréstimo americano para Krupp, em colaboração
com outro banco judeu, Goldman Sachs & Co., de New York. Por muito tempo
ninguém ousou pôr a mão no banco de Simon Hirschland, não obstante a pressão
dos elementos extremistas do partido. Foi o último banco judeu da Alemanha
sob o regime nazi. Devido aos créditos estrangeiros, era impossível suprimi-lo.

Os círculos financeiros e econômicos da Alemanha estavam bastante


preocupados com o desenvolvimento das tendências antissemitas do nacional-
socialismo. O dr. Schacht, num discurso por ocasião da inauguração da Feira de
Konigsberg, em 1935, não hesitou em protestar contra a agitação que ele
considerava um sério perigo para a economia alemã. Eu mesmo, voltando da
América naquele mesmo ano, tive a oportunidade de tratar da questão com
Göring. Já nesse tempo, o general, que era ministro-presidente da Prússia, havia
assumido ares de soberano. Um dia convidou-me para uma caçada de veados em
Schorfheide. Aceitei o convite na esperança de poder achar uma ocasião para
conversar sobre certos assuntos de importância.

Não sei se o guarda, que recebera de Göring a ordem de preparar minha caça,
descreveu a seu amo as dificuldades por que passei. Não sou bom atirador. O dia
estava chuvoso, e eu não tinha trazido o aparelho de mira e errei três tiros. Por
fim abati um animal, Era já tempo, porque o guarda estava desesperado. O pobre
diabo tinha recebido instruções formais para que eu não deixasse de matar o meu
veado. Esse foi o meu primeiro e, sem dúvida alguma, o último...

Göring e eu depois jantamos juntos num pavilhão rústico que estava em


harmonia com o local. Foi só mais tarde que Göring construiu o seu famoso
palácio, o Karinhall, nas profundidades da floresta. Nunca estive lá. Mas
contaram-me que um francês, que foi hóspede de Göring, e que depois visitou o
antigo pavilhão imperial de caça, não pôde deixar de observar: “Nunca imaginei,
antes de vir aqui, como eram simples os reis da Prússia”.

Depois do jantar mantive longa conversação com Göring sobre as questões


judaicas e religiosas. O interesse de Göring em assuntos religiosos estava
confinado ao ângulo político dos mesmos. Foi esse princípio que o levou o verão
anterior a lançar sua proclamação contra o catolicismo político das províncias do
Reno. Desconfiado da hostilidade da população católica a seus métodos de
governo, os nazis interpretaram essas tendências como um renascimento do
velho partido do Centro. Tentei explicar a Göring o que o catolicismo realmente
significava. Fiquei com a impressão de que seu conhecimento dos problemas
religiosos era virtualmente nulo. Contou-me ele que nas igrejas bávaras vira
oferendas votivas na forma de braços e pernas, testemunho de gratidão de
pessoas que haviam recuperado a saúde. “É tudo superstição e estupidez” —
concluiu ele. Mostrou-se incapaz de compreender a gratidão e a fé profunda do
povo católico, que dá graças a Deus por meio dessas oferendas ingênuas.
Preferia sem a menor dúvida substituir a religião das massas por uma fé cega em
Hitler e no gênio do Führer. Para os nazis isso não é superstição!

Falei também a Göring a respeito da questão judaica. Durante minhas viagens na


América, pude avaliar a má impressão que tem causado à opinião pública alemã
o tratamento que os alemães dão aos judeus. Expliquei isso a Göring. Ele
compreendeu plenamente que era necessário cultivar as boas relações com a
América. “Mas — disse ele — que é que vamos fazer? Será que devemos
suprimir o Stürmer?”

O Stürmer é uma folha pornográfica, publicada pelo chefe dos antissemitas,


Julius Streicher, de Nuremberg. Ele recém havia começado a divulgá-la nas ruas
e praças, apesar dos protestos dos pais e do clero católico contra tal exibição de
indecência diante das crianças. Depois da guerra, parece que Streicher foi
finalmente considerado lunático e internado num sanatório. Se ao menos isso
tivesse acontecido antes!

Sugeri que Göring mandasse uma missão oficial alemã aos Estados Unidos afim
de tranquilizar o público americano. A pessoa indicada, acrescentei, poderia
dizer ao Presidente Roosevelt que sem dúvida haviam sido perpetrados excessos,
mas que nenhum princípio estava envolvido no assunto, pois a ordem seria
reestabelecida. O próprio Göring não é antissemita. Compreendeu integralmente
o prejuízo que a agitação de Streicher trazia para a Alemanha na América.

“Quem havemos de mandar?” — perguntou ele. “Herr Schmidt?” Schmidt era o


ministro da economia, ex-diretor de seguros, e totalmente desconhecido na
América. O pobre homem podia conhecer muito o assunto “seguros”. Mas as
questões econômicas eram fortes demais para ele. Foi Schmidt que sugeriu a
criação da “Câmara Suprema da Economia Alemã” que só se reuniu uma vez.
Propus que a missão fosse confiada ao dr. Schacht. Mas o assunto ficou nisso.
Göring não é onipotente, e os nazis do séquito mais próximo de Hitler são tão
limitados e presunçosos que desprezam a América, da qual nada conhecem.

Eu devia comparecer à famosa reunião do Reichstag que em Nuremberg votaria


as leis antissemitas. Mas, quando cheguei, fui informado de que os nazis
pretendiam mudar a bandeira alemã, de sorte que apanhei o próximo trem para
voltar. Outros membros do Reichstag e mesmo do governo, Schacht em
particular, também se opunham a essa lei infame, mas tomaram-se medidas para
esconder essa oposição aos olhos do público.

Foi em novembro de 1938 que os nazis, a pretexto do assassínio de von Rath,


secretário da embaixada em Paris, por um jovem judeu polonês organizaram
uma perseguição sistemática dos judeus alemães. As circunstâncias exatas do
assassínio nunca foram estabelecidas. O curioso da coisa é que, durante um ano
inteiro, o governo nacional-socialista não fez nenhuma tentativa para apressar a
ação dos tribunais franceses com relação ao assassino. É algo de invulgar. Por
ocasião do assassínio de Gustloff, um chefe nazi, morto por um estudante judeu
em Davos, a imprensa nazi escreveu vitupérios, protestando contra as demoras e
contra a benevolência dos tribunais suíços. Para falar a verdade, a questão da
justiça nesse caso significava muito pouco para eles, O que queriam era um
pretexto para criar a desordem e despojar os judeus de sua propriedade. A multa
coletiva então decretada pelo governo nazi equivaleu a uma confiscação. Mas
isso não foi o pior. As cenas mais escandalosas ocorreram em todas as cidades
alemãs. As organizações oficiais do partido que se mantinha no poder, foram
transformadas, sob o olhar de uma polícia complacente, em bandos de
incendiários. Entre eles se encontravam até altos magistrados do Reich,
geralmente encarregados da repressão, e não da perpetração de crimes. Para cair
nas graças do partido eles haviam cerrado fileiras com os membros das Tropas
de Assalto e com os guardas das SS.

Em Berlim, Nuremberg, Düsseldorf, Munich e Augsburg, em quase todas as


cidades alemãs, colunas que levavam a bandeira da suástica pilharam as moradas
dos judeus, quebrando o mobiliário, rasgando os quadros, roubando tudo quando
podiam carregar. À noite, e mesmo em plena luz do dia, encharcavam as
sinagogas de gasolina e ateavam fogo nelas. Os bombeiros recebiam instruções
para não extinguir os incêndios, para se limitarem a salvar os edifícios vizinhos.

Naquele tempo eu andava viajando pela Baviera. Quando tive notícias do que
estava acontecendo no país, concluí que tais horrores não se podiam ter repetido
nas nossas províncias do Reno. Voltando a Düsseldorf no dia seguinte, soube que
o impossível havia acontecido.

O mais alto dignitário do grupo nacional-socialista local, um homem chamado


Florian, o Gauleiter, (na linguagem do partido, isso equivale à categoria de
prefeito) organizou pessoalmente os motins. Não contento com atacar os judeus,
planejou o assassínio do funcionário mais alto da administração prussiana local,
o Regierungspräsident S... Eu conhecia este homem pessoalmente. Era um
excelente administrador e tinha, talvez por essa razão, chamado sobre se a
hostilidade de Florian. Era bem relacionado com Göring, que lhe devia
obrigações passadas e que o nomeara para aquele importante posto em
Düsseldorf.

Florian, que era autoridade do partido mas não do Estado, organizara esse odioso
ataque pessoal durante as perturbações antijudaicas, sob o pretexto de que a
esposa do presidente tivera uma avó judia. Muitos homens casados com
mulheres de origem semítica divorciaram-se afim de propiciar o partido. Em tais
casos, os tribunais invariavelmente concediam divórcio sob a alegação de que as
pessoas interessadas se haviam consorciado antes das “leis de Nuremberg” terem
sido proclamadas, de sorte que não sabiam a importância da questão étnica. Este
exemplo não foi seguido pelo Presidente S... que acontecia ser um homem de
honra. Ele informara Göring da origem de sua esposa e Göring, de acordo com
Hitler, mesmo assim mantivera a nomeação.

A 9 de novembro, automóveis, equipados com alto-falantes do departamento de


propaganda, foram mandados por Florian através de toda Düsseldorf para
convocar o povo a uma demonstração contra os judeus e seus simpatizantes.
Todos os nazis sabiam que isso se dirigia ao Regierungspräsident. Elementos
extremistas do partido, recrutados da escória da população, puseram-se a destruir
e a saquear as habitações e as lojas dos judeus, injuriando e torturando todos os
em que podiam deitar a mão. Mas para o ignóbil propósito que tinha em vista,
Florian achou que não podia confiar nas Tropas de Assalto de Düsseldorf.
Chamou portanto um destacamento de Elberfeld. Esses destacamentos, armados
de barras de ferro, foram lançados contra o edifício do governo local, que foi
danificado e saqueado. O presidente escapou por um triz de ser assassinado em
seu gabinete, e só conseguiu fugir por um milagre.

Como em outras cidades alemãs, houve cenas de desordem e pilhagem por toda
a cidade. Magnatas judeus, intelectuais, médicos e comerciantes foram presos e
muitos odiosamente maltratados, mesmo os velhos. O velho conselheiro jurídico
do sindicato de carvão, Heinemann — que tinha setenta e cinco anos de idade e
que era universalmente respeitado — suicidou-se juntamente com a esposa.
Tinha ele uma pequena coleção de quadros que havia dado à cidade de Essen. Os
nazis a destruíram por completo. Florian havia organizado essas atrocidades com
particular selvageria, sob o pretexto de que von Rath, o jovem diplomata
assassinado em Paris, era natural de Düsseldorf.

Tais foram as notícias que recebi em minha volta. Fiquei horrorizado. Como
conselheiro de Estado eu estava autorizado a me dirigir pessoalmente ao
Ministro Presidente Göring. Escrevi-lhe de imediato uma carta explosiva,
dizendo que era intolerável que um alto dignitário do partido organizasse
perturbações e pudesse atacar, de maneira tão odiosa, os judeus e até mesmo um
governo oficial que era a mais alta autoridade administrativa do Estado da
Prússia. Lembrei Göring de que ele próprio havia nomeado o
Regierungspräsident e que S... nunca escondera a ascendência de sua mulher.
Declarei firmemente ao ministro-presidente da Prússia que os excessos
organizados pelo Gauleiter nazi em Düsseldorf eram a ruína de toda a autoridade
e um encorajamento à anarquia e aos instintos mais baixos da população. Nessas
condições, declarei, era-me impossível permanecer como Conselheiro de Estado.
Manter-me eu nesse cargo, em minha terra natal, era o mesmo que aprovar os
fatos que formalmente condenava. Pedi a Göring que aceitasse minha demissão.

Deve-se acrescentar que o povo de Düsseldorf, como o de muitas outras cidades,


desaprovava os excessos organizados pelos nazis contra os judeus. Alguns dias
mais tarde estava eu jantando com Schacht em Berlim. Um ministro, que
conservarei no anonimato, porque ele ainda ocupa cargo oficial, congratulou-se
comigo pela minha atitude. “Por fim — disse ele — alguém ousou protestar
contra essas atrocidades”. Ajuntou que eu devia exigir a punição de Florian e a
libertação de todos os judeus que haviam sido presos. Dei mais alguns passos
junto a Göring. Alguns dias mais tarde o marechal me mandou um mensageiro.
Censurava-me amargamente pelo pedido de demissão, dizendo que ele lhe
causara aborrecimentos pessoais. Se eu queria protestar, por que não pedia
demissão de meu posto no Reichstag? Respondi que minha intervenção estava
baseada no fato de ser eu conselheiro de Estado, e de que o assunto dizia respeito
à administração prussiana. Repeti meu pedido de punição para Florian. O
emissário de Göring respondeu: “Ninguém pode fazer nada contra um Gauleiter,
nem mesmo o próprio Göring”. Florian é amigo de Rudolf Hess, e Hess não
gosta de Göring, que ele considera um rival.

Afim de terminar o assunto, informei o ministro das finanças da Prússia do que


eu não mais me considerava conselheiro de Estado. Pedi-lhe, portanto, que
cessasse o pagamento de meus vencimentos. Essa carta, indubitavelmente por
ordem de Göring, foi considerada como não existente, e meus ordenados de
conselheiro continuaram a ser pagos ao Banco Thyssen, para onde eu os
transferira para uma conta especial, colocada à disposição do ministro-presidente
da Prússia.

Numa carta que enviei a Göring depois da declaração da guerra, lembrei-o de


meu protesto contra as perseguições aos judeus.

Desde 1935, não tenho tido mais contatos com os lideres nacional-socialistas.
Cessei de usar a bandeira suástica e de fato cortei praticamente minhas relações
com o partido. Mas não tomei nenhuma providência para tornar pública a minha
oposição. Os excessos do outono de 1938 me fizeram abandonar essa reserva.
Minha resignação do posto no Conselho de Estado foi uma prova não só de meu
desagrado como também de minha intenção de evitar qualquer suspeita de
solidariedade a um regime que tolerava tais ultrajes. Mas meu protesto foi
recebido em silêncio, bem como seria o caso de minha declaração contra a
guerra um ano mais tarde, se eu tivesse voltado à Alemanha.

Desde então aprendi que Hamburgo era a única cidade da Alemanha onde o
Gauleiter nacional-socialista Kauffmann, de origem renana, não tolerava que os
judeus fossem molestados. No grande centro que Kauffmann administrava na
sua dupla capacidade de Gauleiter do partido e governador do Reich, nem o
incendiarismo nem a pilhagem foram permitidos. Perto de nós, em Mühlheim,
ocorreu um grotesco incidente. A comunidade judaica, sentindo a aproximação
da tormenta, vendera a sinagoga à cidade algumas semanas antes dos distúrbios.
Os nazis atearam fogo ao edifício sem olhar o fato de que ele era agora
propriedade municipal.

É acima de tudo na sua campanha antijudaica que o partido tem dado rédea solta
aos instintos bestiais que são a raiz de sua chamada filosofia. O governo
nacional-socialista teve o miserável privilégio de encorajar e mesmo ordenar
atos que são considerados criminosos por todo o mundo civilizado. Estrangeiros
que estavam na Alemanha ao tempo desses excessos ficaram apavorados ante
tais cenas de sadismo e selvageria; viram os incendiários oficiais das sinagogas
em ação. Na capital do Reich, no centro da cidade a plena vista das embaixadas,
as Tropas de Assalto e os hitleristas mais moços, comandados por seus chefes,
depredavam e saqueavam casas de moradia e lojas. Tolerando — e na realidade
organizando — o roubo, e incendiarismo, a pilhagem e mesmo o assassínio nos
campos de concentração, o regime nacional-socialista, especialmente naquele
outono de 1938, revelou-se ao mundo inteiro como um governo de gangsters.

7. A QUESTÃO CATÓLICA

A perseguição aos judeus e o ataque à liberdade de consciência dos protestantes


alemães são atos de alta significação moral. Eles lançam o descrédito sobre o
governo nazi aos olhos do mundo. Mas por esses métodos inumanos Hitler
conseguiu pouco a pouco eliminar os judeus da vida alemã, sem consequências
políticas sérias dentro do país. A minoria judaica na Alemanha era pequena
demais e se achava demasiadamente espalhada. Os excessos antissemitas, do
ponto de vista da política geral, podem ser olhados como uma série de crimes
individuais pelos quais seus perpetradores terão de um dia responder, ao passo
que aqueles que roubaram os judeus de sua propriedade terão de ser forçados a
restituir o roubo. Mas as consequências econômicas da ação antijudaica será
mais séria e duradoura. É difícil agora calcular-lhes o alcance.

A perseguição aos protestantes é menos espetacular mas tem uma significação


mais profunda. Os chefes nazis não se preocupavam com estabelecer uma
espécie de ordem entre as numerosas seitas e igrejas protestantes existentes na
Alemanha. Não foi por causas religiosas nem por motivos de Estado legítimos
que eles tentaram unificar o Protestantismo, nomeando um chefe para a igreja
com o título pouco comum de Reichsbischof — Bispo do Reich. (Por sinal esse
Ludwig Müller era um homenzinho comovente. Tinha sido empregado de Hugo
Stinnes em Mühlheim e tornara-se depois pastor — ninguém sabe por quê). Não,
o alvo dos nazis era absolutamente diferente. Eles desejavam fazer do
Protestantismo alemão uma espécie de religião do Estado, depois de despi-lo de
todos os princípios cristãos. Para ludibriar os simples de espírito, deram-lhe o
nome de “Cristianismo Alemão”. Uma vez perguntei a um honesto camponês da
Prússia Oriental qual era a sua religião. “Sou cristão alemão — respondeu ele —
porque sou alemão”. Estava convencido de que isso era algo de superior.
Para falar a verdade, o nacional-socialismo não é um sistema político. Pretende,
antes, ser uma filosofia e um sistema de moral — um Weltanschammg, como lhe
chamam pretensiosamente os nazis.

Essa filosofia está resumida na frase Blut und Boden (sangue e solo). A maioria
das pessoas não compreende a perniciosidade da doutrina que se esconde por
trás dessas duas palavras. Sua abreviação cômica, “Blu-bo”, tem sido muitas
vezes alvo de ridículo. Que vem a ser essa doutrina? Ela ensina que o sangue e o
solo produziram o homem. Este se acha ligado à natureza por todas as fibras de
seu ser. O sangue que lhe corre nas veias dota-o de uma força misteriosa — a
vida dos antepassados dos quais ele é uma reencarnação durante a sua existência.
O homem tem uma profunda afinidade com o solo no qual nasceu e do qual tira
o seu sustento. Ele representa uma fração minúscula da energia do mundo. Seu
propósito orientador deve ser o exercício dessa força no seu grau máximo.

Um filósofo meu amigo considera essas lucubrações uma filosofia de bestas


feras. Os nazis degradam o homem ao nível de um animal; o processo de
educação deve ser observado de perto; a criatura deve ser domesticada,
alimentada e exercitada segundo um plano bem calculado afim de produzir a
“performance” prescrita. É um método de cavalariça. Uma técnica de coudelaria.
Os nazis querem produzir o super-homem de Nietzsche por um sistema de
criação animal. As regras estritas impostas para o casamento ou, melhor, para a
amigação, nos SS de Himmler (Guarda Costas) são um índice desse propósito. É
uma infelicidade que o próprio Hitler não possa participar disso. Nesse caso
talvez se pudesse obter o resultado almejado! Essa concepção do homem não
deixa lugar para a moral individual no que diz respeito à responsabilidade de
cada ser humano para com sua própria consciência e, acima de tudo, para com
uma religião que reconhece a existência do sobrenatural.

Tais são os princípios de acordo com os quais Hitler governa o povo alemão.
Desgraçadamente, ele conseguiu inculcá-los em grande parte da geração mais
nova. Os jovens partidários dessa filosofia brutal são capazes de coragem,
obediência e devoção ao serviço da personificação compósita da raça, da qual
eles se consideram mero fragmento. Para eles, a raça é representada pela
Alemanha. Sua expressão mais poderosa se encontra na pessoa do Führer, a
quem eles veneram quase como a uma deidade. Mas a juventude materialista —
por assim dizer animalesca — não tem conhecimento de Deus no sentido
espiritual da palavra. O “Deus Alemão” dos nazis é a Natureza, a fonte
misteriosa da qual eles munam. Seu ato de fé consiste no desenvolvimento
máximo das forças naturais acumuladas em cada indivíduo.

Alguns fanáticos, ainda mais insanos — ou talvez mais inocentes do que o resto,
conseguiram acrescentar um pouco de fantasia às doutrinas, ligando-as com as
lendas da antiga mitologia germânica. Esses fervorosos discípulos do Deus
Alemão se entregam a orgias de reminiscências de Wotan, Baldur, Thor e Freya.
Os nomes de seus filhos são tirados da Edda Escandinava, afim de evitar os do
calendário dos santos e, principalmente, os do Velho Testamento. O próprio
Göring seguiu esse exemplo. Eis um dos lados grotescos desta triste história.

Mas há outros aspectos diferentes e mais sombrios. Um dia fui convidado a


visitar uma das escolas onde os nacionais-socialistas se propõem educar a futura
elite do partido. Essas escolas se chamam Ordenstnirgen — castelos da ordem.
Na confusão das ideias que caracteriza o regime nacional-socialista, elas são
uma espécie de reminiscência dos Cavaleiros Católicos da Ordem Teutônica que
deixaram a Alemanha ocidental para converter e conquistar as tribos eslavas
selvagens da região do Báltico outrora chamada Prússia. Isso porque Alfred
Rosenberg meteu-se na cabeça reviver a Ordem Teutônica!

A escola está instalada nas pitorescas ruínas de um velho castelo fortificado do


distrito de Eifel. Foi ele reparado, aumentado e luxuosamente modernizado. Os
meninos, conhecidos como Junkers, são educados como se fossem cavaleiros em
botão. Ali, pois, está um partido que se chama partido do trabalho alemão, e que
no entanto se propõe reviver o sistema feudal! Os Junkers são exercitados nos
esportes e no uso das armas. Aprendem a dançar; entregam-se a empresas
perigosas e à caça. Não sei se têm muito tempo para lições de verdade, mas pelo
que contam, essa é a única escola do mundo que não tem biblioteca!

O diretor, ou, antes, o führer dessas Ordensburg é um antigo engenheiro. Um dia


ele nos traçou um esboço de suas ideias sobre educação. Para ele, o homem não
passa de uma máquina; o objetivo da educação é ajudar o aluno a cumprir sua
função de máquina humana. O treinamento substitui o intelecto. Fiquei
estupefato. Uma das acusações levantadas contra a indústria moderna é a de que
ela, criando o sistema da plataforma móvel, transformou os homens em
máquinas. Os industrialistas foram os primeiros a fazer todo o possível para
reduzir ao mínimo as desvantagens de um processo que é indispensável à
produção moderna. E aqui encontramos um pedagogo nacional-socialista a quem
se confiou a missão de educar a chamada elite, disposto a desenvolver não
indivíduos dotados de inteligência e senso de responsabilidade, mas sim
máquinas.

Os partidários de Karl Marx nunca pregaram um materialismo dessa ordem.

Os nazis se propõem destruir a alma. Para uma ditadura, a personalidade não tem
a menor serventia. Uma nação de robôs é mais fácil de governar.

Esse é o princípio básico da chamada filosofia do “sangue e do solo.” É fácil ver


que instrumento político útil isso podia ser nas mãos de lideres sem escrúpulos
que sentem o maior desprezo pelo povo que governam, especialmente pelas
gentes simples e pelos operários.

Tal doutrina é completamente incompatível com os princípios do cristianismo.


Afim de inculcá-lo nas massas, os nazis acharam que podiam utilizar-se da Igreja
Protestante — depois de esvazia-la de seu conteúdo cristão. Durante o curso de
sua História, na Alemanha, o Protestantismo como religião do Estado muitas
vezes se mostrou complacente para com os príncipes alemães, e sempre
proporcionou súbditos leais para a casa reinante. Mas nenhum príncipe jamais
exigira de sua Igreja, por mais domesticada que ela estivesse, a renúncia dos
princípios essenciais do cristianismo. Hitler, entretanto, tentou fazer exatamente
isso. Sua empresa foi frustrada graças à heroica resistência de pastores como
Martin Niemöller e de suas congregações.

Não obstante, os nacional-socialistas conseguiram persuadir muitos a retratar-se,


especialmente nas regiões protestantes onde a indiferença religiosa é muitas
vezes a regra geral. Na Alemanha, o pertencer a gente a uma seita religiosa é
coisa normal. Quando queremos abandonar a igreja, temos de dar alguns passos
de ordem formal por meio das autoridades civis. Os nazis simplificaram o
processo. Praticamente todos os moços que fazem parte das SS abjuraram o
Cristianismo. O mesmo acontece com relação aos chefes dos destacamentos da
juventude hitlerista. Muitos são partidários do novo paganismo alemão e, se não
adoram formalmente a Hitler, fazem rituais em honra de Wotan, do Sol ou da
Natureza, a mãe de toda a vida.

A doutrina do sangue e do solo é empregada como argumento contra o uso da


inteligência. No princípio do regime, um de meus amigos havia escrito um livro
sobre a questão judaica, e mandara-o aos mais importantes funcionários do
partido. Florian, o Gauleiter de Düsseldorf, proibiu a circulação dessa obra que
pretendia discutir objetivamente o importante problema. Os motivos da
supressão são destituídos de interesse. O Gauleiter cortou pela raiz toda a
discussão com as palavras “Este livro é inútil porque nossos cidadãos
conscientes de seu sangue e de seu solo, nunca seriam capazes de se enganar.”

Tal argumento é, pelo que se vê, decisivo. Mas só pode ser válido para bestas
feras como Florian, um grande ignorante que quando muito saberá lidar com
baralho.

Os ataques do nacional-socialismo à Igreja Católica têm um escopo mais largo e


são totalmente diferentes em caráter da tentativa para escravizar o
Protestantismo. Hitler, católico de nascimento, era um admirador da sagacidade
política da Igreja Católica, se é que devemos dar crédito a Mein Kampf. No
princípio do regime, tentou chegar a um acordo com a Igreja. Concluiu uma
Concordata com o Vaticano. Nela, o vice-chanceler von Papen foi o espírito
animador. A concordata foi o primeiro tratado concluído pelo novo regime.
Como os outros, foi violado. Mas Hitler viu nele uma considerável vantagem
política. O novo e revolucionário governo nacional-socialista fora aceito como
parceiro por uma das mais respeitadas autoridades morais do mundo. Fora
considerado capaz de assinar um tratado!

Do ponto de vista da política interna, a concordata foi o penacho com que se


enfeitou o novo regime. A Igreja relaxou o rigor de sua hostilidade ao novel
partido que estava no poder, sem se retratar de todo das acusações dos bispos
alemães a certas doutrinas nazis. Durante cerca de um ano, pareceu que o regime
estava inclinado a manter fidelidade às cláusulas do acordo. Hitler declarou
publicamente que as obras anticristãs de Alfred Rosenberg eram criações
puramente pessoais, que não envolviam de modo oficial o partido Nacional-
Socialista. A despeito disso, as ideias do pseudo-filósofo nazista continuaram a
servir como base de instrução para a Juventude de Hitler e para as outras
organizações partidárias. Hitler, como de costume, jogava com pau de dois
bicos.

A crise ocorreu no verão de 1935. Em minha Renânia natal, a atitude


antirreligiosa das organizações da Juventude de Hitler e de seu chefe, Baldur von
Schirach, tinham provocado agudo descontentamento entre os pais católicos. O
clero havia lançado advertência, contra o novo espírito que o regime estava
tentando disseminar nos meios da juventude do país. Além do mais, uma política
geral de descontentamento tinha principiado a fazer-se sentir. Os nazis
verificaram inquietos que os antigos socialdemocratas, que haviam cessado de ir
à igreja durante a era republicana, tornavam agora ao aprisco. Ocorreram nas
aldeias de Yvesterwald, perto de Coblenza, incidentes nos quais jovens
campônios católicos tinham esmurrado os pagãos da Juventude de Hitler, que
estavam celebrando o solstício. A tensão ameaçava tornar-se séria. Em todas as
províncias do Reno completamente católicas, a atmosfera era tempestuosa.

Os nazis, que não têm a menor compreensão do zelo religioso, viram nessa
inquietude da população católica uma demonstração de hostilidade política.
Disseram que o partido católico do Centro, embora oficialmente dissolvido,
estava renovando suas intrigas contra os nacional-socialistas através dum
movimento subterrâneo. Göring lançou sua proclamação contra o Cristianismo
político. Não era a religião que estava em discussão, declarou ele. O nacional-
socialismo se baseava no cristianismo positivo. Ele, Göring, era um respeitador
de todas as fés. Mas os inimigos do Estado se estavam utilizando da religião,
afim de esconder seus desígnios sinistros. Ao mesmo tempo, a Gestapo recebeu
instruções para agir com rigor contra, os jovens católicos. Isso causou muita
inquietação, mas não teve resultados importantes imediatos. Os católicos
mantiveram sua resistência passiva.

Os chefes nazis então lançaram mão dum recurso infame. Afim de desgraçar o
clero católico aos olhos de suas congregações, tomaram como pretexto certas
fraquezas pessoais que se sabia existirem numa comunidade local de irmãos
leigos, afim de instigar uma série de processos escandalosos. A imprensa do
partido começou a publicar notas degradantes sobre atos de torpeza moral que se
praticavam em segredo. Através de toda a Renânia, o partido organizou
conferências nas quais os oradores contavam os detalhes mais escandalosos. Em
Düsseldorf, uma autoridade do Reich passou em revista pormenores de casos de
imoralidade e apresentou-os de molde a fazer que eles incriminassem o clero e a
Igreja, quer fossem verdadeiros, quer fossem falsos. O Gauleiter nazi, que estava
bem informado de minhas convicções católicas, absteve-se de me convidar. Os
julgamentos duraram vários meses. Os nazis tiveram a desfaçatez de chamar ao
tribunal Monsenhor Bornewasser, o velho bispo de Treves, e Monsenhor
Sebastian, o bispo de Speyer, de quase oitenta anos de idade. Bürckel, o sinistro
Gauleiter do Palatinado, insultou publicamente o venerável bispo, cuja lealdade
patriótica estava acima de qualquer suspeita. Um tribunal nazi ousou acusar de
perjúrio o bispo de Treves. Este último queixou-se ao Chanceler Hitler, e
publicou seu apelo numa carta à população católica. Mas Hitler aprovou toda a
ação de seus homens.
Enquanto isso, a indignação crescente da população católica da Renânia
começava a causar aborrecimentos aos chefes nazis. Ouviam-se protestos contra
toda a ignomínia e a má fé. Prosseguindo sua odiosa campanha de calúnia, os
nazis correram o risco de provocar uma revolta. Interromperam os julgamentos,
mas não cessaram seus ataques contra a Igreja. A Gestapo continuou suas
intrigas. Padres denunciados por agentes secretos foram presos. Um jovem
vigário de Essen, que tinha uma missão junto à classe operária, foi acusado de
ter fomentado uma conspiração comunista, sendo condenado a dez anos de
prisão. Nessa mesma época, Hitler estava secretamente negociando com Stalin!

Também por esse tempo os nazis estavam tentando fazer que católicos apóstatas
se voltassem contra sua própria Igreja. Um professor do colégio clerical de
Pasing prestou-se a essa traição. Foi suspenso e excomungado pelo Cardeal
Arcebispo de Munich. Durante um mês seus feitos foram contados em reuniões
públicas e a imprensa do partido noticiou seus ataques contra a Igreja, mas sem
sucesso.

Enquanto se desenvolvia uma série de julgamentos escandalosos, os nazis


atacavam a Igreja em outro campo. As ordens religiosas, afirmavam eles, tinham
violado sistematicamente as leis que proibiam a exportação de câmbio
estrangeiro. Durante meses a imprensa continuou cheia de histórias de monges e
freiras que haviam sido presos na fronteira e que levavam escondidos sob suas
vestes maços de notas-de-banco. O Bispo de Meissen, Monsenhor Legge, foi
envolvido por uma dessas acusações, que naturalmente podia ter sido imputada a
qualquer cidadão alemão que tivesse relações com países estrangeiros. O
monsenhor só escapou da prisão com grande dificuldade.

Depois de tentar difamar o clero com Esses meios detestáveis, os nazis


começaram a alienar as crianças de sua influência. Em todas as regiões católicas
da Alemanha, organizaram o chamado “plebiscito de pais católicos” a favor das
escolas seculares. Nas aldeias agrícolas os nazis aproveitaram a ausência dos
homens, que estavam a trabalhar nos campos, para coligir assinaturas durante o
dia. A ausência de um nome era tomada como um sinal de aquiescência. Os
bispos alemães protestaram corajosamente contra esses métodos fraudulentos. O
Bispo de Treves os denunciou do púlpito. Os nazis tiveram de se retirar. Não
ousaram fazer uso desse plebiscito falsificado. Não ousaram suprimir as escolas
católicas, nem mesmo nas aldeias onde, de acordo com os nazis, os votos tinham
sido 100 por cento a favor das escolas seculares.
Não obstante, o partido continuou, por métodos subterrâneos, particularmente
nas cidades, a agitar o problema da educação sem religião. Autoridades católicas
foram sujeitas a constante pressão para tirar seus filhos da escola católica e
mandá-los à escola secular. Nos colégios, os professores nazis escarneciam o
dogma e a moral do Cristianismo. As classes de religião se tornaram facultativas,
e os alunos que quisessem em vez delas podiam ter uma hora de esporte e
ginástica. Os sermões são supervisados pela Gestapo, e os pregadores são presos.
A imprensa católica foi suprimida. Os periódicos semanais religiosos e os
boletins paroquiais não têm mais licença de circular. O fim disso é abafar toda a
expressão do pensamento católico.

Mas, atacando a religião católica, os nacional-socialistas encontraram


adversários muito superiores a eles. Os bispos, o clero e a população resistem
com uma coragem silenciosa mas tenaz. A despeito de todos os esforços, o
regime nacional-socialista não conseguiu destronar o catolicismo na Alemanha.
Pelo contrário, pode-se dizer que essa perseguição o fortaleceu.

Monsenhor von Galen, Bispo de Münster, na Westphalia, um dia fez uma


profunda observação sobre o sentido da luta entre o mito pagão do sangue e solo
e a religião tradicional da Westphalia católica. “Fala-se” — disse o bispo — “de
sangue e de solo. Se essas palavras tivessem o menor sentido, eu, mais do que
qualquer outro, teria o direito de invocar essa doutrina, porque meus
antepassados estiveram estabelecidos neste país durante mais de quinhentos
anos. Aqui, nesta terra renana„ estamos em nosso solo e não temos necessidade
de falsos profetas que vêm do estrangeiro.”

O bispo fazia alusão ao porta-estandarte das forças anticristãs, Alfred Rosenberg.


Rosenberg é um intelectual russo. Não tem uma gota de sangue alemão nas
veias. Seu pai era professor dum colégio russo durante o regime czarista. Nos
círculos intelectuais russos o “racionalismo” do século dezoito e as ideias de
Rousseau ainda tinham alguns aderentes antes da última guerra. Como estudante,
Rosenberg se imbuíra desse “racionalismo”. Além do mais, é curioso notar que
em Riga ele pertencia a uma associação de estudantes lituanos e não alemães.
Conta-se que durante a guerra de 1914, o irmão de Rosenberg estava no serviço
secreto francês. E esse é o homem que os nazis queriam nos impingir como o
grande filósofo alemão dos tempos modernos.

Alfred Rosenberg escreveu um livro contra o Cristianismo, intitulado O Mito do


Século Vinte. É o produto laborioso de um Voltaire sem massa cinzenta. Göring
me perguntou um dia o que achava eu dessa obra. “Para mim — acrescentou ele
— ela é completamente idiota”. Eu não o contradisse.

Nesse livro, Rosenberg recorre outra vez a todas as velhas tolices que os
anticlericais de todos os tempos escreveram contra a Igreja Católica. Ele tempera
o seu angu com uma filosofia inspirada em Rousseau e numa ingênua espécie de
materialismo romântico. Para ele o homem é naturalmente bom; o dogma cristão
do pecado original e da redenção é um insulto a essa nobreza inerente. Sob o
regime nazi, os campos de concentração são sem dúvida a expressão da bondade
natural da humanidade.

Esse profeta russo, que nunca conseguiu aclimatar-se na Alemanha, foi um dia
levado a exprimir suas ideias exóticas em Münster, a diocese de Monsenhor von
Galen. O bispo pregou um sermão trovejante contra ele e proibiu todos os
católicos de assistir à conferência de Rosenberg. Este, que tinha alugado o maior
salão da cidade, foi obrigado a falar perante algumas filas de gente uniformizada
e muitos bancos vazios. Os nazis ficaram furiosos. O ministro do interior, Frick,
levou pessoalmente o seu protesto ao Bispo de Münster. Mas não ousaram
prendê-lo. O camponês da Westphalia, segundo se diz, é um osso duro de roer.
Os rústicos são perfeitamente capazes de vir em defesa de seus bispos com
tridentes e cacetes.

Por ocasião do Natal de 1939, Monsenhor von Galen usou numa proclamação
palavras das Escrituras: “Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na
cova.” Citando o Evangelho nesse momento crítico, Monsenhor von Galen
respondeu com todo o peso de sua autoridade ao axioma pagão dos nazis: “O
Führer nunca erra.” E o bispo aconselhou seu rebanho a não esquecer a fonte
autêntica da verdade.

No momento presente, a Igreja Católica é a única forma de resistência


organizada ao espírito do nacional-socialismo. É o único adversário que o nazis
são obrigados a reconhecer. Os generais, por exemplo, não têm a coragem dos
bispos. Um dia, em Düsseldorf, encontrei o general comandante da guarnição de
Münster. No decorrer de nossa conversação, perguntei-lhe: “Que pensa de nosso
bispo?”

“Nunca o vi — respondeu o general. — “Como imagina que eu o possa visitar


nas presentes circunstâncias?” Esta simples frase vale por volumes e volumes
sobre o assunto.
De minha parte, nunca escondi minha hostilidade à política religiosa dos nazis.
Depois de minha partida da Alemanha, eles espalharam o boato de que toda a
minha atitude fora ditada pela Igreja Católica. Isso, naturalmente, é um absurdo.
Mas a coisa me deixa indiferente. No entanto, não quero esconder o fato de que
a revolta de minha consciência de católico contribuiu grandemente para minha
hostilidade ao nacional-socialismo. Não faço segredo disso.

Em minha paróquia de Mühlheim havia um velho sacerdote que era um modelo


perfeito de devoção. Dava tudo quanto tinha aos pobres. Fazia suas refeições
com os mais humildes, na cantina do povo que ele abrira em nossas fábricas para
as famílias dos desempregados. Eu tinha a maior admiração por esse homem.
Perguntei- lhe um dia: “Posso ser-lhe útil em alguma coisa?” Ele respondeu:
“Meu maior desejo é ter uma linda capela batismal em minha igreja.” Alguns
meses depois de sua morte, satisfiz-lhe o desejo. E mandei vir dos Beneditinos
da famosa Abadia de Maria Laach uma bela pedra lavrada para a pia. Esses
monges reviveram a arte religiosa na Alemanha; redescobriram os velhos
segredos da escultura eclesiástica medieval. O entalhe da pedra levou dois anos.
Mas ficou uma obra de arte. A capela foi consagrada em 1937 e meu neto foi o
primeiro a ser batizado nela.

Num país normal, não haveria nada fora do comum na construção de uma capela
católica. Mas numa Alemanha nazista, ela foi considerada uma demonstração
contra o regime. Os habitantes de Mühlheim sabiam que eu era o fundador.
Quanto a isso nunca houve dúvida. E a igreja sempre estava cheia.

Por ocasião do falecimento do Papa Pio XI, mandei ao cardeal arcebispo de


Colônia um telegrama público de condolências no qual eu lhe assegurava minha
devoção inabalável e a de minha família à fé católica. Isto também nada teria de
extraordinário num país normal. Mas pouco depois desse telegrama, Heydrich, o
sinistro lugar-tenente de Himmler, foi mandado a Essen para fazer uma
investigação pessoal a meu respeito, especialmente no que se relacionava com
minha atitude em assuntos religiosos. Foi talvez devido à intervenção do
Gauleiter Terboven que nada me aconteceu por essa ocasião. Mas o fato de ter
um dos mais destacados industrialistas da região manifestado abertamente suas
convicções religiosas havia causado desagrado aos nazis.

Eles estão habituados a uma submissão maior. Darei um exemplo. Albert Vögler,
que me sucedeu na chefia das “Usinas de Aço Unidas”, depois de minha partida
da Alemanha, tem um irmão, Eugen Vögler. É ele gerente geral da “Companhia
Construtora Hochtief”, de Essen. Essa empresa, uma das mais importantes da
Alemanha, é na sua maior parte propriedade dos irmãos Vögler.

O regime nacional-socialista faz construções, e a Cia. Hochtief é uma de suas


principais construtoras. Ela trabalhou nas novas estradas de rodagem; construiu a
nova chancelaria do Reich, que custou mais de vinte milhões de marcos. Ergueu
em Nuremberg aquelas imensas edificações de concreto e pedra que, durante
uma semana cada ano, abriga o Congresso do Partido Nazista. Mas Eugen
Vögler também foi chamado a cumprir ordens de caráter mais privado.
Construiu a grande usina geradora de força que fornece corrente elétrica para a
residência de Hitler em Obersalzberg e para as repartições vizinhas, para o
teatro, para as vilas e para os hotéis. O maior elogio do Führer à Cia. Hochtief
foi mandar que ela construísse o seu “eyrie”, o seu castelo de Parsifal nos
rochedos de Obersalzberg. Nunca visitei esse santuário wagneriano do Santo
Gral, mas ninguém o descreveu melhor que o embaixador francês François
Poncet numa carta reproduzida no Livro Amarelo Francês, e da qual cito um
trecho:

Visto de longe, o lugar parece uma espécie de observatório ou pequena ermida


encarapitada numa altura de 2.000 metros, no ponto mais alto dum espinhaço de
rocha. Chega-se a ele por um caminho serpentino de cerca de quinze quilômetros
de comprimento, talhado audaciosamente na rocha; a audácia dessa construção
muito depõe em favor da capacidade do engenheiro Todt como também do
trabalho árduo e incansável dos operários que em três anos levaram cabo essa
tarefa gigantesca. A estrada termina à frente de uma comprida passagem
subterrânea, que leva ao interior da montanha, e fechada por uma pesada porta-
dupla de bronze. Na extremidade da passagem subterrânea, um largo elevador,
forrado de cobre, espera o visitante. Através dum túnel vertical de 100 metros,
aberto em plena rocha, ele sobe até o nível da residência do chanceler. Aí se
chega a uma surpreendente culminância. O visitante se vê num edifício forte e
maciço, que contém uma galeria com pilares romanos, um imenso hall circular
com janelas a seu redor, uma vasta lareira aberta onde grandes achas ardem, uma
mesa cercada por umas trinta cadeiras, e várias salas-de-visita, agradavelmente
mobiliadas com confortáveis poltronas. Dos dois lados, olhando através das
janelas salientes, a gente tem a impressão de estar vendo dum aeroplano em
pleno voo um imenso panorama de montanhas. Na extremidade de um vasto
anfiteatro avistamos Salzburg e as aldeias circunvizinhas, dominadas, até onde o
olhar alcança, por um horizonte de cadeias de montanhas e picos, por prados e
florestas que sobem as encostas. Na vizinhança imediata da casa, que dá a
impressão de estar suspensa no espaço, um paredão a pique de rocha nua se
ergue abruptamente. Tudo isso, banhado no crepúsculo duma tarde de outono, é
grandioso, selvagem, quase alucinante. O visitante não sabe se está dormindo ou
acordado. Ele deseja saber onde está — se no Castelo de Monsalvat onde viviam
os Cavaleiros do Gral, num novo Monte Athos, que abriga a meditação dos
cenobitas, ou no palácio de Antinéia que se ergue no coração do Monte Atlas. É
a materialização de um daqueles desenhos fantásticos com que Vítor Hugo
adornava as margens de seu manuscrito de Les Burgraves, a fantasia de um
milionário, ou simplesmente um refúgio onde os salteadores vêm descansar e
esconder seus tesouros? Será a concepção de um espírito normal, de um homem
atormentado pela megalomania, por um desejo implacável de dominação e de
solitude, ou simplesmente a de uma criatura presa do medo?

Há um detalhe que não pode passar despercebido e que não é de menor valor que
os outros para quem procura compreender a psicologia de Adolf Hitler: as
entradas da passagem subterrânea e o acesso à casa são manejados por soldados
e protegidos por ninhos de metralhadoras...

Mas é preciso fazer jus a favores grandes como esse. E o gerente geral da Cia.
Hochtief, Eugen Vögler, mostrou-se digno deles. Em 1938 abandonou
oficialmente a Igreja Protestante. Podia ter dito, como o velho Kirdorf aos
noventa anos, que acreditava em Mathilde Ludendorff, a esposa do general, que
fundara uma religião e alegava ter descoberto o grande segredo da vida. Podia
também ter afirmado que Wotan lhe apareceu em sonho, convertendo-o ao
Germanismo. Para falar a verdade, Vögler não fez nada disso. Um belo dia
escreveu uma carta comercial ao seu pastor. Explicou, sem nenhuma tentativa
para açucarar a pílula, que os interesses de sua firma exigiam que ele
abandonasse a Igreja. Como construtor oficial dos grão-senhores dum regime
hostil ao Cristianismo, ele tinha de renegar sua religião como um dever à sua
pessoa e ao seu negócio.

Tais gestos são apreciados nos domínios nazistas. Eles capacitam o regime a ter
uma ideia de um caráter e a dominar uma consciência. Os nazis encontraram
mais resistência entre os católicos. Mas mesmo em assuntos religiosos eles
utilizam esses traidores que conseguem alistar. O chefe da secção “católica” da
Gestapo de Berlim é um padre sem batina.
A religião católica continua a ser perseguida. Mas, não obstante todos os seus
esforços, Hitler não conseguiu quebrar o espírito da Igreja. Os bispos mantêm-se
firmes. Do púlpito e no confessionário o clero tem sustentado a resistência de
seus rebanhos. A despeito de uns poucos casos de fraqueza individual, a Igreja
Católica emergirá mais forte da luta contra o neopaganismo e o barbarismo nazi.

Por meio de ataques ao catolicismo, e em particular nas nossas regiões renanas,


Hitler reabriu velhas feridas. O Kulturkampf de Bismarck deixou recordações
dolorosas. Elas só foram vencidas nos últimos anos. Católicos e protestantes
cumpriram o seu dever para com a Pátria, ombro a ombro. No tempo da
resistência passiva no Ruhr, os católicos deram provas cabais de sua inabalável
lealdade. O Cardeal Arcebispo e o clero de Colônia encorajaram nossa ação
patriótica. Hitler é portanto um monstro de ingratidão por perseguir os católicos
renanos sob o pretexto mentiroso de que não se pode ser um bom católico e um
bom alemão ao mesmo tempo.

É verdade, está claro, que os nazis tornaram isso impossível.

Eu e muitos outros católicos conservadores esperávamos que os nacional-


socialistas permanecessem fiéis a seu programa e respeitassem o Cristianismo.
Tentei exercer minha influência nesse sentido. Sugeri que Göring nomeasse para
o conselho de Estado Dom Hildefonse Herwegen, o abade beneditino de Maria
Laach, uma das personalidades mais veneráveis do catolicismo alemão. Göring
preferiu nomear Monsenhor Berning, o Bispo de Osnabrück. Mas o fato de ter
ele nomeado uma alta autoridade da igreja mostra que no princípio do regime
alguns dos chefes nazis consideravam a Igreja Católica um fator positivo para a
nova Alemanha.

A atitude anticristã de Rosenberg, Hitler e Goebbels, e a imoral brutalidade de


todo o sistema nacional-socialista, arruinou as possibilidades que porventura
existissem depois da concordata. Os métodos ignóbeis que os nazis não tinham
vergonha de empregar, e seu ódio a tudo quanto é católico, causaram revolta
entre a população renana. As feridas reabertas dessa maneira são incuráveis.

Um profundo abismo se abriu entre a Alemanha católica e o resto do país. Nunca


os católicos hão de tolerar uma volta a tais métodos. Eles se recusam a ser
tratados pelo governo de Berlim como se fossem cidadãos de segunda-classe ou
maus alemães. Eu, de minha parte, nunca admitiria isso. Essa mentalidade
anticatólica deve ser eliminada duma vez por todas.
Nos meus tempos de estudante protestei contra um professor de História que
insultou os papas. O professor respondeu que o que ensinava estava de acordo
com os livros. Repliquei que nem tudo que se continha num livro de História
prussiano era necessariamente verdadeiro. Fui punido com severidade por causa
dessa observação. A situação em breve se me tornou impossível e meu pai teve
de me tirar da escola. Mas encontrou a maior dificuldade em achar outro colégio
prussiano que concordasse em aceitar um aluno católico réu de crime de
rebelião.

Durante a última guerra servi como ajudante dum general que comandava uma
divisão na frente ocidental. Um dia, quando estávamos a cavalgar lado a lado, o
general me disse: “Eu o tenho em grande conta, mas preciso tomar cuidado,
porque você é católico e em último recurso obedece ao Papa”.

Era a desconfiança prussiana com relação ao catolicismo que estava na raiz da


Kulturkampf de Bismarck. Os nazis, que inventaram o Estado totalitário, não só
retiveram essa tradicional hostilidade prussiana ao catolicismo, como também a
tornaram pior.

Desta vez, a taça está transbordando. Os católicos renanos recusam-se a começar


de novo toda essa dolorosa experiência. Uma vez que Berlim acha que nossa
religião é incompatível com o patriotismo e com a devoção à nossa pátria, nós
podemos tirar as nossas conclusões lógicas.

NOTAS HISTÓRICAS

NIETZSCHE E O SEU SUPERHOMEM

O nacional-socialismo tentou falsificar a obra de Nietzsche, e apresentar esse


grande filósofo alemão como o precursor da doutrina racial nazista e da teoria do
“sangue e do solo”. Na verdade, Nietzsche não encontrou em muitas de suas
obras maior objeto de escárnio que o fátuo espírito de pangermanismo. O
“superhomem”, conforme ele o apresenta na sua mais famosa obra — Assim
Falava Zaratustra — tem um aspecto absolutamente diferente desses chefes em
perspectiva produzidos pelas escolas de führers (Ordeneburgen) do nacional-
socialismo. O “superhomem” de Nietzsche era o homem que vivia em solidão
nas culminâncias, porque pela sua superioridade espiritual havia vencido todas
as coisas que Nietzsche considerava como sendo preconceitos o tolices
tradicionais.

A EDDA ESCANDINAVA

É a coleção de sagas ou narrativas lendárias alemãs que constituem a base da


mitologia germânica. Edda deu a Richard Wagner o material para o seu Anel dos
Nibelungen.

OS CAVALEIROS DA ORDEM TEUTÔNICA

Uma ordem religiosa de cavaleiros prussianos, que foi estabelecida afim de


disseminar o cristianismo nos territórios da Prússia Oriental. Os Cavaleiros
Teutônicos colonizaram vastas áreas nas regiões bálticas, onde governaram com
particular crueldade. Penetraram também na Polônia e na Rússia.

AS CONCORDATAS

“Concordata” era o nome originalmente dado a um tratado entre a Sé Papal e os


Imperadores da Alemanha. Nos tempos recentes, as concordatas entre o Vaticano
e a Prússia ou a Alemanha estabeleciam a regulamentação dos direitos dos
Católicos na Alemanha quanto ao exercício de sua religião. Elas resolviam, em
particular, a maneira pela qual os bispos e certos professores de teologia católica
deviam ser nomeados de acordo com a Corte Papal. Além disso, regulavam o
exercício da lei canônica e limitavam a liberdade de pregação. O presente Papa
Pio XII, quando ainda sob seu nome de família, Pacelli, foi núncio papal em
Berlim, conseguiu negociar uma concordata com Otto Braun, então Premier da
Prússia. O acordo foi fielmente cumprido enquanto a Prússia teve um governo
democrático.

O KULTÜRKAMPF

Este foi o nome dado ao conflito iniciado por Bismarck em 1875 sob o pretexto
de que várias medidas tomadas pela Santa Sé representavam interferências com
os poderes do governo — na Alemanha em geral e na Prússia em particular.
Uma vez que quase metade da população alemã era católica, as medidas de
Bismarck provocaram indignação por toda a parte. Como os católicos obedeciam
à chefia de seus sacerdotes, o conflito gradualmente degenerou em perseguição
ao clero. Poucos anos mais tarde Bismarck foi obrigado a submeter-se a Roma e
a assinar a paz com a Igreja. No entanto o Kulturkampf deixou até hoje vestígios
na Alemanha, na forma do partido Católico do Centro, que foi originalmente
fundado como um meio de proteção aos fiéis, e que, depois de representar papel
essencial na oposição do Reich, se tornou um dos partidos mais importantes do
governo, na Alemanha de após-guerra.

NOTAS

(1) Nota do autor: Ficou provado, durante o júri dos acusados do incêndio do
Reichstag, que uma passagem subterrânea ligava esse edifício com o Reichstag.
Por essa passagem podiam ter sido transportadas as matérias incendiárias...

(2) Nota dos Editores: Thyssen escreveu este livro antes do começo das
hostilidades germano-russas.
QUARTA PARTE:

A ALEMANHA E O FUTURO DO
MUNDO
1. A FRAUDULENTA FINANÇA NAZI
O Equipamento Industrial Alemão se Esgota

UM dia, quando chegar a hora de assinar a paz, um dos problemas não muito
fáceis de resolver será o da reorganização da economia do Reich. A propaganda
alemã não nos deve levar à falsa crença de que a prática econômica nacional-
socialista não foi um fracasso completo. Não há nenhum plano integrado na
Alemanha, como já mostrei em capítulo anterior. Hitler não conhece
absolutamente nada de assuntos econômicos; sempre confiou nos consultores
cujo conselho acontecia ser o mais conveniente para a ocasião. Só insistia num
ponto: conseguir dispor das grandes somas de dinheiro de que necessitava para
levar a cabo seus planos favoritos, a saber: as estradas-de-rodagem e o
rearmamento.

Naturalmente é possível para um governo gastar dinheiro com empreendimentos


improdutivos. Ele pode empregar, nisso, digamos, 20 por cento das rendas, mas
não 80 %, como se fez na Alemanha. Porque no fim de contas o dinheiro que
não vem de impostos tem de ser amortizado. Mas na Alemanha ninguém pensa
nesses pormenores.

É também necessário que as questões econômicas mais importantes sejam


livremente discutidas pelas pessoas que entendem alguma coisa da matéria.
Entre essas pessoas estão, além de outros, os lideres da indústria. Que me
lembre, isso só se fez com propriedade num único caso, e de menor importância:
a da regulamentação do comércio de drogas. Nessa conjuntura Göring pediu o
nome dos três melhores farmacêuticos do país, os quais lhe deram uma opinião
de entendidos, e como resultado disso o assunto foi resolvido de maneira
satisfatória. Mas quando se tratava de coisas mais importantes, de questões de
significado econômico fundamental, não se seguia esse processo. Em tais casos
o caminho escolhido era sempre o que no momento parecesse mais simples.

Antes de mais nada, havia o problema da inflação. Um dia a monstruosa inflação


que há muito existe na Alemanha nazista há de se fazer manifesta, e enormes
dificuldades resultarão disso. Para principiar, os camponeses compreenderão que
o dinheiro já não tem mais nenhum valor e hão de se recusar a vender seus
produtos. Nesse momento tudo estará acabado. Uma solução comunista só seria
possível se, como na Rússia, os camponeses constituíssem 80 por cento da
população. Uma vez que tal não é o caso da Alemanha, o sistema comunista é
absolutamente impraticável. Na Rússia, as condições são completamente
diferentes. Lá os operários industriais, que compreendem 20 por cento da
população, fornecem aos restantes 80 por cento os produtos de que eles tanto
necessitam.

É impossível imaginar o quanto fica difícil para um industrialista, nas


circunstâncias que prevalecem na Alemanha hoje, dirigir suas fábricas. O dia
evidentemente consiste de um número limitado de horas, e metade do tempo dos
proprietários é gasto em discussões com pessoas que ignoram todos os fatos
relativos aos negócios. Nem mesmo Göring tem esses conhecimentos, embora
ocupe o posto de supremo chefe da economia da Alemanha moderna. Só o que
ele sabe fazer é gastar dinheiro. Como ministro da economia, o dr. Hjalmar
Schacht, deixou-se levar longe demais pelas exigências do governo nazi. Não há
dúvida: no princípio ele organizou em boa fé os famosos acordos de moratória
com os países estrangeiros. Sua intenção definida era a de pagar eventualmente
os créditos estrangeiros que foram assim suspensos. Mas Schacht não contava
com o seu chefe: Seu primeiro erro foi evitar que os industrialistas alemães, que
tinham recebido créditos particulares, pagassem suas dívidas. Por exemplo, as
“Usinas de Aço Unidas”, à qual eu estava intimamente ligado, teriam podido
indubitavelmente cumprir suas obrigações se o governo não as tivessem proibido
de fazer isso. No estrangeiro sempre se pensou que Schacht agia com o
beneplácito da indústria alemã, mas a coisa não era positivamente assim.

A maneira como se conseguiram as moratórias me parece particularmente


interessante, principalmente no que diz respeito à falta de previsão revelada
pelos círculos econômicos dirigentes — mesmo antes do regime de Hitler, O
primeiro grande erro foi permitir que o Instituto de Crédito Geral (Allgemeine
Kreditanstalt) de Viena quebrasse. O diretor-geral Vögler e eu nesse tempo
estávamos em Viena como representantes dos credores estrangeiros. O
administrador holandês dos bancos na Áustria (representante da Liga das
Nações) nos preveniu expressamente, e nos pediu contássemos ao ex-chanceler
dr. Luther, que naquela época era presidente do Reichsbank, de que o desastre
bancário ocorrido em Viena se repetiria em Berlim. O dr. Luther, porém,
respondeu “Nada absolutamente nos pode acontecer; temos muito dinheiro.” Na
realidade naquele momento ele tinha a mui considerável reserva de ouro de dois
bilhões de marcos. Mas quando o Banco de Darmstädter se viu em dificuldades,
por terem os países estrangeiros exigido o reembolso de seus empréstimos, o dr.
Luther entregou a maior parte dessa reserva.

As falências dos bancos do Reich que se seguiram, foram no seu tempo


consideradas uma consequência das obrigações alemãs relativas às reparações.
Tal, no entanto, não foi de modo algum a razão. Porque a todas essas a América
tinha emprestado particularmente à Alemanha, vastas somas, as quais com toda a
certeza não foram empregadas no pagamento das reparações. Os débitos
aludidos eram de ordem particular, nada tinham a ver com as reparações.

Imediatamente depois da falência dos bancos, o governo da Alemanha resolveu


exercer rigoroso controle sobre o câmbio estrangeiro. Sob as condições dessa
economia dirigida, todas as iniciativas comerciais privadas tiveram de entregar
todo o seu estoque de espécie estrangeira. E como a produção de armamentos se
expandia, o dinheiro estrangeiro se foi tornando aos poucos escasso,
especialmente os fundos que estavam reservados para gêneros alimentícios e
matérias primas para as indústrias não armamentistas. Lembro-me ainda de um
tempo em que se faziam ofertas de minério a certos fabricantes. Estes recorriam
ao Reichsbank, mas não se lhes dava nenhum câmbio estrangeiro. Eram eles
portanto obrigados a desistir da transação. Dificuldades da mesma ordem se
encontraram na consecução dos créditos necessários. Sei dum caso em que um
crédito foi obtido, e parte dele depois saldado. Mas após o acordo de moratória,
o Reichsbank não atendeu mais aos pedidos de licença para fazer remessas de
dinheiro para o exterior. Havia simplesmente uma escassez de câmbio
estrangeiro, devida à excessiva, produção de armamentos.

Mesmo as obrigações particulares mais urgentes não podiam mais ser satisfeitas.
Tanto a indústria como o comércio sofreram; ramos de negócios importantes
para a Alemanha como o comércio de peles não conseguiam absolutamente
nenhum câmbio estrangeiro. Por outro lado, a indústria de armamentos obtinha o
que queria.

Lembro-me, também, dum caso em que certa quantidade regularmente grande de


ferro-velho foi comprada aos Estados Unidos. A. firma americana fez a
transação através de uma empresa judaica de Londres. O ferro havia sido
prometido porque não se sabia em Londres que ele se destinava à Alemanha.
Quando os negociantes judeus descobriram a verdade, a princípio não quiseram
levar a cabo a transação; mas a ideia de um pagamento à vista lhes pareceu tão
sedutora que no fim a indústria armamentista alemã conseguiu o ferro-velho
americano.

O estado de coisas na Alemanha teria tido um desenvolvimento ainda mais


desfavorável se os nazis não houvessem tomado a seus predecessores grandes
capitais industriais, bem como uma absolutamente respeitável reserva de ouro.
Brüning, como chanceler, tinha seguido uma política deflacionária que
transformara a Alemanha numa terra de mercadorias abarrotadas. O grande fluxo
de empréstimos estrangeiros que inundara c país naquele tempo teve o efeito de
uma inflação de fundos. Os dólares dos empréstimos particulares da indústria e
dos bancos foram para o Reichsbank, ao passo que uma soma correspondente em
marcos foi creditada aos tomadores dos empréstimos. Esses marcos foram
prontamente empregados no maior aprovisionamento possível de mercadorias.
Desse modo Brüning deixou a situação muito bem preparada para os nazis —
tão bem, mesmo, que os nacional-socialistas deviam ter erguido um monumento
em sua honra. Destarte tornou-se ele o pioneiro da política de gastos do nazismo.

Além disso, sua tática deflacionária levou o país a uma crise econômica geral.
Assim, os processos econômicos acima mencionados sofreram um aumento
automático.

Para as minhas próprias fábricas sempre fiz compras de minério com um ano de
antecedência. Houve entre 1928 e 1929 uma depressão que nos trouxe um
problema. Devíamos comprar minério? Em que quantidade? Em tal emergência
achamos prudente comprar 80 por cento da quantidade do ano anterior. Mas o
emprego caiu a 25 por cento, e como resultado disso sobraram grandes estoques
de minério não utilizado. Condições semelhantes prevaleceram em muitas
empresas, na indústria do aço e em outras. No seu princípio, a economia nazi
viveu desses estoques acumulados.

É lícito perguntar como Schacht pôde tolerar uma economia tão fraudulenta?
Pessoalmente não duvido de que originalmente ele desejasse conduzi-la com
toda a honestidade. Acontecia apenas que ele não tinha nenhuma concepção
longevidente do desenvolvimento econômico da situação que encontrara. Sua
eliminação da engrenagem governamental ocorreu quando a situação chegou a
um ponto em que ele não mais se sentiu capaz de assumir a responsabilidade.
Entre outras coisas os grandes estabelecimentos industriais tinham sido onerados
com despesas cuja responsabilidade devia caber ao próprio Estado.
A I. G. Farben Industrie, por exemplo, ajudou muito os nazis — entre outras
coisas, pagou seus agentes de propaganda no estrangeiro. Por falar nisso, a
mesma coisa fizeram muitas outras empresas. Todos esses gastos oram
compensados por créditos correspondentes em marcos na Alemanha, de sorte
que os nazistas podiam empregar largas somas de dinheiro estrangeiro que
ficavam no exterior. Essa é, pois, uma das razões por que os governos
estrangeiros tiveram tanta dificuldade em descobrir de que modo a propaganda
nazi era financiada. Está claro que isso tudo era uma carga pesada demais para as
finanças privadas, as quais no fim seriam fatalmente levadas a uma situação
insuportável.

Mas, quando não havia outra saída, os pagamentos eram feitos com falsas letras
de câmbio. Estou precisamente informado a respeito do assunto porque nesse
tempo eu era presidente do “Banco das Obrigações Industriais”. Pediram-nos
para endossar um maço inteiro de letras artificiais. A diretoria do banco recusou,
declarando que isso era contra os estatutos da casa, uma vez que esta não recebia
nenhuma espécie de garantia pelas letras. Em consequência disso a diretoria
recebeu uma declaração do ministro da justiça informando que o banco não seria
chamado a responder pelas aludidas letras. O governo ia descontá-las no
Reichsbank. Podíamos, pois, assiná-las em perfeita paz de espírito — disseram-
nos; não teríamos nenhuma responsabilidade, não obstante nossa assinatura.

O “Banco das Obrigações Industriais” era uma instituição muito poderosa. Entre
outras coisas, havia feito empréstimos de somas enormes à agricultura. Sua
assinatura tinha sempre sido honrada pela indústria em geral. Seu capital era
muito grande. Mas seus diretores finalmente não tiveram outra alternativa senão
a de ceder às exigências do governo.

As letras, conforme mais tarde vim a saber, foram colocadas em sua maioria nas
caixas-econômicas e no sistema de seguros sociais do Estado. Foi justamente
isso que tornou a transação tão criminosa. As gentes pobres da Alemanha são,
em geral, crédulas. O trabalhador goza de certa sensação de segurança; ele sente
que nada lhe pode acontecer na velhice. Fica satisfeito com uma pensão
relativamente pequena quando envelhece. Mas quer pelo menos ter a certeza de
que no fim da vida estará livre de preocupações. Foi exatamente essa classe a
vítima escolhida; as gentes que acreditam cegamente no seu amado Führer são as
que perdem o seu dinheiro.

Toda essa história equivale ao peculato dos quatrocentos marcos que cada
operário alemão paga ao Reich, para o fundo de seguro social. Na realidade,
pois, é a gente simples que paga as enormes despesas da Guerra. Estou
escrevendo isto com ênfase, afim de abrir os olhos do povo alemão.

Depois da resignação de Schacht tais métodos foram usados de maneira


exclusiva. Considero esse dinheiro perdido, e na minha opinião o sistema de
seguro dos operários terá de ser reconstruído sob uma nova base. Porque quando
um dia o povo compreender que foi assim espoliado vai ficar presa de desespero.
Por essa razão alguns dos empregadores criaram garantias particulares para seus
empregados. Estabeleceram caixas econômicas nas fábricas. Nelas todo o
dinheiro pago é reembolsado, e grandes reservas são acumuladas por essas
instituições no decorrer dos anos. Tal é a razão pela qual muitos operários já se
mostram gratos para com as firmas a que estão ligados. Começaram a
compreender que o Estado os abandonou, ao passo que ainda protege suas
fábricas.

No outono de 1934 fui à Argentina por alguns meses. Isso foi depois dos
assassínios de Röhm e Schleicher, e eu estava ansioso por poder respirar um
pouco de ar puro. Quero repetir aqui uma vez mais que o caso de Röhm foi
rematada bestialidade. Os chefes das SA se haviam reunido com o
consentimento de Hitler, e essa mesma reunião foi depois apresentada como
prova de seus planos traiçoeiros. É preciso procurar muito longe nas páginas da
História para encontrar um ato tão vil como esse. Pouco depois do assassínio de
Schleicher perguntei a Göring que era que se havia passado com aquele general.
Göring respondeu que ficara provado que ele estava metido em traiçoeira
conspirata com o embaixador francês. Nessa mesma época, entretanto, Hitler
acusava o mesmo Schleicher de manter ligações com Stalin!

Desse modo, eu estava satisfeito por poder fugir durante algum tempo desse
inferno. Continuei minhas viagens até a primavera de 1935, e na Argentina vim a
compreender — através duma série de exemplos — a insensatez da política
comercial alemã, que procurava fazer que o Reich se bastasse a si mesmo
(autarquia). Fui recebido pelo presidente da Argentina, que me disse: “Não quer
o senhor fazer alguma coisa para que a Alemanha compre carne argentina?”
Essas palavras foram pronunciadas em resposta ao meu pedido para que a
Argentina fizesse algumas encomendas de vulto à indústria alemã. O presidente
estava resolvido a aceder uma vez que a Alemanha comprasse mais carne a seu
país. Porque ele estava ansioso para mostrar aos ingleses que outros povos
também compram as carnes argentinas. Relatei o fato a Hitler, ao tornar à
Alemanha. Ele concordou. Mas Darré, ministro da agricultura, disse não a tudo.
Não queria um simples quilo de carne da Argentina. Isso é uma amostra de como
funciona a absurda máquina do governo nazi.

Mais tarde voltei à Argentina. Por esse tempo era muito mais difícil realizar um
acordo comercial. Para nós teria sido melhor comprar carne à Argentina e jogá-la
ao mar, porque pelo menos teríamos assim conseguido negociar um melhor
acordo industrial. Mas o mais prejudicado em todo o negócio foi o operário
alemão, que não teve carne que chegasse, ao passo que os operários ingleses nos
tempos normais contavam com carne abundante e de qualidade excelente. O
erro, naturalmente, reside no princípio de autarquia. Certo, é necessário limitar
as importações, mas uma autarquia imbecil, tal como a com que a Alemanha
sonha, é impossível. Isso é o resultado de ter tipos estúpidos como Darré,
ocupando postos importantes.

As considerações seguintes mostrarão o quanto está errada essa política. Em


todos os países europeus, a fertilização do solo com estrume animal é ainda
necessária, e todos os camponeses criam gado para esse fim. É, portanto, um
princípio fundamental de qualquer política agrária proporcionar os meios de
obter forragem mais barata. Não se pode conseguir forragem barata e abundante
a não ser importando-a do estrangeiro. Não é de admirar que os camponeses
estejam desgostosos: se dependesse deles, toda essa patifaria nazi terminaria
numa semana. Por ora, entretanto, os camponeses não ousam dizer uma única
palavra e muito menos arriscar-se a uma ação aberta.

Os famosos acordos de permuta de mercadorias que a Alemanha fez com outros


países durante anos (e segundo os quais, mercadorias são trocadas por
mercadorias, em vez de por dinheiro) mais uma vez vieram provar que são um
absurdo. Na Itália, por exemplo, a gente pode comprar por um marco livros que
na Alemanha custam dez. Mas esse não é de modo algum a pior amostra. A
Alemanha por exemplo, exportava livros para a Hungria, em troca de milho.
Mas os húngaros não queriam livros . . . Que faziam, então? Aumentavam o
preço do milho que mandavam para a Alemanha, proporcionalmente ao preço
que lhes cobravam pelos livros! Na Romênia, também, a Alemanha tinha de
pagar o dobro do preço do milho no mercado de trocas. Há muitos outros
exemplos que eu podia citar.

Na futura ordem econômica, não será certamente possível deixar a indústria


dirigir-se de maneira absolutamente independente. O Estado terá sempre de
exercer um meio de controle. Mas, por outro lado, é errado pensar que a
indústria queira apenas obter lucros. Na realidade nós os industrialistas temos
apenas uma preocupação: conservar nossas fábricas em atividade. Se os preços
sobem, a procura diminui. E a produção é mais importante que o preço. Nas
reuniões dos industrialistas, palavras enérgicas foram muitas vezes pronunciadas
no interesse da baixa dos preços. Não, está claro, porque os industrialistas sejam
altruístas ou estejam ansiosos por vender barato os seus produtos, mas sim
porque eles sabem por experiência que os preços altos prejudicam o negócio.

Logo, porém, que haja superprodução se verificará uma queda desvantajosa de


preços. Porque quando existem fábricas em quantidade demasiada, os preços
caem tanto, que se seguem inevitáveis reduções dos salários, e desse modo
começa a espiral descendente que leva à depressão. Muitos proprietários de
indústrias, infelizmente, acreditam que tudo está bem uma vez que suas
máquinas estejam funcionando. Mas na minha opinião — e isso será de grande
importância para o futuro da Europa —certas indústrias devem fazer acordos
entre si, não apenas nacional mas também internacionalmente. Sou partidário
dos grandes cartéis, a fim de eliminar a competição exagerada e a inimizade
entre as empresas. O resultado de tais rivalidades se manifesta no fato de que, de
tempos em tempos, os trilhos de aço são vendidos por preços mais baixos que os
dos lingotes de ferro. A baixa irracional de preços é tão errada quanto a sua alta
injustificada.

No entanto, os cartéis só servem para as grandes indústrias — as indústrias


pesadas, a indústria química, as minas de carvão e as fábricas de tecidos. O
operário está sempre inclinado a acreditar que os cartéis são dirigidos contra ele,
mas isso não é verdade. Só se pode conseguir a estabilidade dos salários quando
o preço do produto também é estável. Em geral, entretanto, o governo se mostra
muito menos sensato que o operário. Porque o Estado gostaria de privar os
comerciantes de tudo — e isso é verdade particularmente no Estado Nazi. O
trabalhador, por outro lado, compreendeu que é preciso haver um superávit
suficiente para promover o desenvolvimento de sua fábrica.

Não devemos esquecer que o equipamento industrial da Alemanha está


completamente gasto, especialmente o da indústria pesada, onde as máquinas
têm um desgaste maior e mais rápido do que, por exemplo, nas fábricas têxteis.
Nestas últimas, a máquina pode durar vinte anos, ao passo que na indústria
pesada a vida média duma máquina está limitada a cinco. E isso acontece
especialmente em certas espécies de oficinas, como as das máquinas
laminadoras.

Outra coisa a lembrar: os alemães ignoram ainda o fato de que muitas fábricas
terão de ser completamente modernizadas. Nos Estados Unidos uma verdadeira
revolução técnica tem estado a se processar. Isso acontece, por exemplo, na
manufatura de lâminas de lata. Aqui está um artigo de enorme consumo. Os
técnicos americanos inventaram um novo processo. Há vinte e quatro fábricas de
lâminas de folha nos Estados Unidos; existem apenas duas na Alemanha. A
produção alemã de lata laminada exige cinco mil trabalhadores; com o novo
processo, a mesma produção exigiria aponhas quinhentos. Mas a modernização
necessária custará muito dinheiro. Fábricas como as que existem na América,
custam pelo menos dez milhões de dólares para construir e equipar. E se a
indústria alemã não descobrir um novo processo, ela terá de sair fora da
competição. Porque as lâminas de lata produzidas nos Estados Unidos hoje são
de muito melhor qualidade que as nossas.

Naturalmente teremos de tratar dos operários sem emprego e descobrir-lhes


novas ocupações. Seja como for, para se achar uma solução é necessário tomar
deliberações cuidadosas. Pode ser possível, por exemplo, encontrar lugar para
eles na indústria automobilística. Mas não será simples. Há distritos na
Alemanha, tais como a Siegerland, onde em sua maioria os operários têm casa
própria com jardim. São eles metade trabalhadores de fábrica e metade
agricultores. Em tais casos seria até necessário criar uma nova indústria, afim de
não ter de tirar as pessoas de seu pedaço de terra. Mas se nada se fizer, a
indústria alemã de lata laminada estará morta em cinco anos.

Tudo isso são problemas do futuro; mas eles têm a maior importância para a
economia da Alemanha. Porque a extrema regimentação da indústria alemã sob
o regime nacional-socialista arruinou por completo suas fábricas através de uma
exploração excessiva. Alguns melhoramentos industriais naturalmente foram
levados a cabo na Alemanha, mas comparados com a América (onde os homens
de negócio não têm as nossas dificuldades!), eles não significam coisa alguma.

Não obstante, tenho esperanças no futuro desenvolvimento da Europa. Creio,


também, que podemos esperar muito desse futuro num sentido espiritual. Haverá
seguramente algo semelhante a uma ressurreição da democracia. Acho, porém,
que isso terá de ser acompanhado por um reavivamento da fé.

O século passado, toda a gente o sabe, foi de um modo geral um século sem
religião. Os cientistas acreditavam que podiam explicar tudo, tanto física como
metafisicamente. Há algum tempo, um escritor holandês chamado Huizinga
escreveu um ótimo livro no qual diz que, sob a influência dos grandes
descobrimentos, as massas convenciam-se de que a ciência podia explicar tudo,
e acreditavam nos seus cientistas. Então, subitamente, vieram novos
descobrimentos científicos. O homem chegou à conclusão de que a menor
molécula, ou electron, é um universo em se mesma. Einstein apareceu com sua
teoria da relatividade. De repente o povo viu que estávamos mais longe da
verdade do que nunca. Tanto Planck o físico alemão, como Huizinga, acreditam
em que devemos voltar à fé. Planck, como se sabe, é amigo de Einstein. Hoje
poucos cientistas estão convencidos de que o homem tenha conseguido descobrir
todos os segredos básicos do universo. Nada nos resta, portanto, senão voltar à
fé.

Entre as gentes comuns, esse desenvolvimento tem dado até aqui diferentes
resultados. Depois de terem ouvido afirmar que todas as coisas podem ser
explicadas, e depois de ouvirem dizer que nada mais resta explicar, eles não
acreditam mais em coisa alguma. Assim, como não sabem no que devem
acreditar, e por quererem ainda acreditar, elas descreem no Cristianismo e
passam a acreditar apenas num deus que podem ver. E esse deus, na Alemanha, é
Hitler.

Quanto a mim, não tenho a menor dúvida, estou certo de que virá um retorno à
religião. Porque o povo alemão vai sofrer uma grande desilusão com o seu deus
Hitler, que não fez a guerra por causa de seu gênio mas porque escorregou para
dentro dela. Em última análise, a guerra veio porque ninguém mais sabia qual
devia ser o próximo passo a dar. Hitler pensava que podia impressionar o povo
alemão com o seu ataque à Polônia, forçando-o assim a uma renovada admiração
pelo seu deus.

2. A ALEMANHA NA GUERRA: AS FALHAS NA


SUA ARMADURA
O que eu temia e o que eu quis evitar à última hora, publicando minha
correspondência com o governo do Reich, finalmente aconteceu. A guerra total
contra a civilização europeia começou, com todas as suas consequências
devastadoras para o Ocidente, inclusive para a minha província natal, do Reno.
A responsabilidade dela cai sobre os ombros dos chefes nazis, que estão jogando
sua última cartada. Seu interesse pessoal e o interesse de seu partido não são
compatíveis com o bem-estar da Alemanha.

Até onde me foi possível, sempre dei minha opinião abertamente, e sempre
tentei atirar o meu conselho na balança, fazendo-a a pender para o lado das
razões contra a guerra. O público, entretanto, imagina que as indústrias pesadas
são sempre fundamentalmente em favor da guerra, porque obtém com ela
grandes lucros. Não obstante, tenho insistido em afirmar que a verdade é
justamente o oposto. Consegui fazer isso apenas porque era industrialista e ao
mesmo tempo deputado ao Reichstag. Como industrialista eu nunca teria tido
licença de dar minha opinião. E se a dei, entretanto, o mérito disso não é meu.

O que tentei mostrar, à parte o aspecto moral da questão, foi que a Alemanha não
estava preparada para a guerra. Por motivos tanto morais como políticos, desejei
evitar a guerra. Mas acreditava também que nas circunstâncias dadas, ela não era
justificável do lado alemão. Foi o que declarei abertamente ao General von
Blomberg, então ministro da defesa, de sorte que meu ponto de vista foi
manifestado com clareza. Em minhas últimas conversações com os homens de
influência no país eu disse: “Se os fatos políticos que ignoro tornam a guerra
inevitável, é necessário fazer tudo que seja humanamente possível para protelar
o seu rompimento.” Isso foi em julho de 1939.

Mesmo se adotarmos o ponto de vista de Hitler, devemos ver que ele cometeu
grave erro, porque nunca devia ter levado a cabo seus planos guerreiros antes de
cinco anos, ou mesmo de dez. Participava da mesma opinião a maioria dos
oficiais superiores do exército. Todos eles queriam continuar lentamente com o
rearmamento, e, nos círculos mais altos do exército, a opinião corrente era a de
que a Alemanha devia esperar pelo menos mais cinco anos. Os jovens tenentes,
entretanto, estavam imbuídos do espírito audacioso do jogador: acreditavam em
que a guerra contra as grandes potências democráticas fosse tão fácil como seria,
e foi, a conquista da Polônia.

Mas é perigoso embalar os soldados com falsas esperanças: não basta vencer
umas poucas batalhas; é preciso ganhar a guerra. Não devíamos esquecer que a
última grande ofensiva de 1918 causou uma mudança na moral do exército.
Antes dessa ofensiva a capacidade de resistência do Reichswehr não tinha sido
abalada. Depois dela, entretanto, tudo mudou, como por milagre. E o exército de
hoje não é o exército da Guerra Mundial de 1914-1918. Seu estado-maior sem
dúvida é muito bom. Mas os corpos de oficiais e os oficiais inferiores constituem
uma história bem diferente. Todos eles hoje são até mesmo menos cultos do que
em 1918. E é muito duvidoso que estejam à altura dos choques emocionais que
— podemos prever — sobrevirão no caso de uma guerra longa.

Os armamentos da Alemanha, por maiores que sejam num sentido absoluto, não
são de modo algum completos. Em certos particulares eles não correspondem às
ideias que a respeito deles correm pelo mundo. Mostrarei isto com alguns
exemplos.

Para principiar, temos a aviação. Nesta arma, indiscutivelmente, foi muito o que
se realizou. Custa-me crer que os outros países não tenham descoberto isso. Se
descobriram, parece que acreditaram — até o último momento — em que
podiam chegar a um entendimento com a Alemanha, numa base tolerável. Anos
antes da guerra, Hitler enganou a Inglaterra afirmando que se estava preparando
para fazer um acordo de limitação quanto às forças aéreas e à força militar em
geral. Propôs um convênio na base de um exército de 360.000 homens. Isso foi
dito por ele publicamente. Acreditei desde o princípio que se tratava dum logro,
mas a coisa foi tomada a sério tanto na Alemanha como nos países aliados. Mais
tarde, e novamente em público, Hitler declarou que os aliados não tinham nem
respondido à sua proposta. Como propaganda alemã, a coisa foi um tremendo
sucesso. Adolf Hitler considerava-se agora completamente autorizado a
continuar armando a Alemanha.

Os industrialistas não tinham muita influência no país, e, como relatei, eu


pessoalmente entrei em conflito com o governo do Reich desde 1935. O
principal erro foi cometido pelo dr. Hjalmar Schacht, porque nesse momento ele
era o homem mais forte, tanto no partido como no exército. Se naquela época ele
tivesse advertido os nazis de que o caminho em que se haviam metido era
perigoso, os grupos que dirigiam os negócios teriam tomado tento. Schacht não
estava de modo algum de acordo com as medidas que sabia o governo estava
tomando; mas julgava que as coisas ainda podiam ser arranjadas antes que fosse
tarde demais. Os altos círculos oficiais se achavam tomados de profunda
depressão. Sempre sentiram que o rearmamento se processava com exagerada
rapidez, à custa da qualidade que eles reputavam indispensável.

Até a data da ocupação da Áustria, esses oficiais tinham conseguido observar de


perto a confusão geral que se ia desenvolvendo. Mais tarde, realizaram-se as
manobras gerais na região de Eifel, ao leste do Reno. Durante as mesmas um
general ficou em grande desespero, porque tudo saiu errado.

Quando os nacional-socialistas subiram ao poder, a Alemanha tinha talvez


quatro aeroplanos militares ao todo. Todas as fábricas de aviões estavam
quebradas. Só a Heinkel e a Junkers estavam funcionando. O fundador das
Fábricas Junkers não era na verdade um fabricante profissional. Era antes um
professor muito competente que estava preocupado com novos modelos; e suas
fábricas estavam constantemente ocupadas na experiência dos novos tipos que
ele desenhava. Isso, naturalmente, provocou uma reação na sua capacidade de
produção. As Fábricas Junkers sempre tiveram de receber subvenção do Estado,
porque era preciso conservar as poucas fábricas de aeroplanos que existiam no
país.

Naturalmente, desde o princípio do regime nazi o reavivamento da aviação foi


uma coisa que sempre esteve muito perto do coração do então capitão — hoje
marechal-de-campo — Göring. Fora ele aviador durante a Guerra Mundial de
1914-1918. Göring me pediu que o auxiliasse. Assim, pusemos junto dele um
cavalheiro que lhe submetia planos em grande escala. Tratava-se de Herr
Koppenberg, que foi colocado no departamento técnico das Fábricas Junkers, e
que em breve fez o estabelecimento trepidar ao ruído de suas máquinas. O que
ele conseguiu em dois anos foi realmente notável. Koppenberg, que tinha estado
na América, aplicou às Fábricas Junkers o sistema que havia observado nos
Estados Unidos. Desse medo a oficina que até então tinha sido uma espécie de
laboratório, se transformou numa autêntica fábrica produtiva. Mas Göring nunca
pôs os pés lá dentro, fato esse que fazia Koppenberg muito infeliz. Este levava a
cabo, dum modo brilhante, a ordem que o marechal lhe dera de produzir
principalmente bombardeiros. Na verdade, esse tinha sido sempre o tipo de avião
favorito da própria Junkers. Koppenberg empregava motores Diesel em larga
escala em seus aeroplanos.

Um dos materiais essenciais para o fabrico de aeroplanos é o arame. No


princípio esse arame era importado da Inglaterra. Mas uma das primeiras coisas
que fizemos foi encorajar a indústria alemã de arame, para que ela produzisse no
país esses materiais essenciais para a aviação. Nesse particular se conseguiu
grande sucesso até certo ponto, de sorte que a importação de arame da Inglaterra
cessou quase por completo. O fato de não chegarem à Inglaterra novos pedidos
do artigo, deu aos ingleses uma ideia errada do que se estava passando na
Alemanha. . .

O arame que se emprega nos aeroplanos tem de ser feito dum aço de especial
qualidade, particularmente quando o arame é usado nos controles. Lá por fins de
1934 a reconstrução das Fábricas Junkers estava já tão adiantada, que se lhe
pôde introduzir o sistema da plataforma móvel, de modelo americano.
Koppenberg então rearranjou a produção da Junkers de tal forma, que se
ergueram fábricas especiais para a produção de todas as peças e partes
importantes. Essas várias partes e peças eram reunidas numa oficina especial de
montagem. Esse método é o segredo do sucesso da fabricação americana; desse
modo eles podem continuar a produzir sem interrupção. Certo, a América é
famosa pela qualidade de seus materiais; na Europa há muita coisa que se faz
com imperfeição. Sem dúvida a fabricação de aviões na Alemanha foi muito
longe; é provavelmente o ramo mais avançado da produção bélica alemã.

Mas de que servem os aviões sem gasolina? E aqui chegamos a uma questão de
maior importância para o poder agressivo das armas alemãs. Um periódico
americano publicou um computo da gasolina que o exército alemão consome
num dia. Esse cálculo foi feito de acordo com o consumo de petróleo verificado
na campanha polonesa, e toma como base as condições que prevaleceram na
Polônia. Neste país sessenta divisões alemãs se achavam em luta; até o momento
em que escrevo, calcula-se que o exército alemão tem mais ou menos 100
divisões motorizadas. Na Polônia consumiam-se por dia cerca de 15.000
toneladas de gasolina. Mas isso abrange apenas o exército motorizado. Temos
ainda a força aérea que exige 6.500 toneladas mais. Tudo isso somado perfaz um
total de 30.000 toneladas diárias. Mas a produção de petróleo alemã é de apenas
10.000 toneladas por dia, e toda a produção sintética do país não está adaptada às
necessidades da aviação. Não existem estoques acumulados de gasolina para os
aviões. Até o fim da campanha polonesa a produção de gasolina para a arma
aérea não tinha sido principiada. Era necessário fazer adaptações especiais
dentro da indústria sintética do petróleo para obter uma produção de gasolina
capaz de ser utilizada pelos aeroplanos. É naturalmente possível tirar do carvão
gasolina para esse fim, mas os planos para isso ainda se encontram nos seus
primórdios.

Tira-se gasolina do carvão por um processo patenteado pela I. G. Farben


Industrie (Fiseher-Brop). Mas a gasolina obtida desse modo é leve demais. Não
pode ser consumida nem pelos automóveis por causa de sua leveza. O processo
da I. G. Farben baseava-se originalmente na invenção de Bergius. Ele produz a
gasolina com um conteúdo de apenas 800 octanas, ao passo que é preciso um
conteúdo de 1.000 octanas para os motores da aviação. A fábrica construída para
a produção de gasolina sintética é muito bonita, mas a secção que deve produzir
a gasolina para a aviação mal começou a funcionar, no instante em que escrevo
estas linhas.

Outro problema importante para o funcionamento regular de um corpo de


aviação é o pessoal, isto é, os aviadores. O treinamento dos pilotos alemães tem
sido rápido demais. Só no ano de 1936 é que a Alemanha principiou a construir
aeroplanos em grandes quantidades. Tive certa vez uma palestra com um dos
nossos melhores pilotos civis. Disse ele: “O treinamento de um bom piloto de
bombardeiro requer de três a cinco anos. Não acredito na excelência do
treinamento que se está dando na Alemanha; é apressado demais.”

(O exército tem tido muito mais cautela. Os seus chefes estavam cientes da
necessidade de criar um corpo de oficiais tecnicamente bem treinados, tanto
mais que desta vez a Alemanha carecia de grandes quantidades de oficiais
inferiores, que foram de tão decisiva importância na Guerra Mundial de 1914-
1918).

No assunto aviação, eu gostaria de acrescentar que, também como o chefe da


Luftwaffe, Göring, sempre dava sua atenção ao que lhe convinha, e a nada mais.
(Já contei que ele nunca visitou as Fábricas Junkers). Do mesmo modo, o seu
primeiro ajudante, o Marechal do Ar Milch, só se preocupava com os campos de
pouso e nada mais. Criar bons aeródromos na Alemanha não é uma arte difícil.
Porque dinheiro não se leva em conta. O melhor terreno pode ser requisitado
para esse fim, sem se olhar condição alguma. (Por outro lado, os proprietários
que vendiam terras para nele se fazerem os campos de pouso, podiam propor as
condições que lhes aprouvesse. Por exemplo, meu genro manteve os direitos de
plantar relva nas terras que vendeu à administração militar).

Há alguns bons exemplos da prodigalidade geral do tesoureiro militar da


Alemanha. Na cidade de Krefeld os campos de parada tinham se tornado
supérfluos depois da última guerra. Haviam sido convertidos em belos campos
de golfe. Quando chegou a hora do rearmamento da Alemanha, Krefeld de novo
teve de se transformar numa cidade guarnecida. Assim, foram restaurados os
campos de parada. O exército exigiu particularmente os campos de golfe, cuja
topografia teria de ser adaptada às necessidades dos exercícios. Construíram-se
desse modo novos campos de golfe, perto dos antigos; entregaram-nos ao dono
dos antigos, e fizeram um campo de paradas no lugar onde estava situado o
velho “link” de golfe. Essa coisa toda, naturalmente, é uma insensatez, mas
ninguém faz caso de dinheiro, como já observei. Do mesmo modo, a academia
de equitação de Hanover foi simplesmente transferida para Berlim.

Mas não é só em matéria de rearmamento que o dinheiro é malgasto.

Por exemplo, em Colônia os quartéis do regimento de couraceiros haviam sido


reconstruídos para se transformarem na sede de um muito bonito museu. Esse
museu ficava fronteiro à Catedral de Colônia. Nesse local, à frente da grande e
venerável igreja, os nazis ergueram — por assim dizer como meio de competição
espiritual — um enorme salão de assembleia. Pouco lhes importou demolir o
museu, cuja reconstrução naturalmente havia comido uma soma gigantesca.
Tudo isso são apenas exemplos tirados das coisas que se passavam perto de mim
e que eu podia observar com minuciosidade.

Não obstante, não há dúvida que a maior realização dos nazis é o rearmamento
aéreo. Muito se fez, também, quanto à motorização do exército — o grande
programa das últimas décadas. Mas o que ficou dito dos fornecimentos de
gasolina relativamente à aviação, aplica-se também com respeito aos caminhões
e aos tanques. Antes de a guerra rebentar, não havia experiência real anterior que
provasse que nossas tropas motorizadas podiam funcionar quando chegasse a
hora. Numa palestra que teve comigo, um de nossos generais deu expressão a
certas desconfianças nesse particular: “No princípio — disse ele — não há
dúvida que tudo irá bem. Mas que acontecerá depois? Uma grande dificuldade
muito particular está no fornecimento de gasolina às tropas motorizadas, uma
vez que essas tropas avançam a grande velocidade. Seria necessário mandar uma
coluna de caminhões com tanques de gasolina atrás delas, para reabastecê-las”.

Seja como for ainda não se verificou ao certo até que grau um exército tão
grande como o alemão pode ser efetivamente motorizado. O que se fez, sem
dúvida alguma, foi bem feito. Mas tenho a convicção de que não se pode ganhar
nenhuma batalha de largo alcance só com as divisões Panzer. São elas uma arma
excelente para romper uma frente, mas quando se abre a brecha, outras tropas
também devem avançar na devida ordem. Acredito também que a fraqueza dum
exército 100 por cento mecanizado jaz no alto grau de sua mecanização.

Como é que se vai reparar todo esse material? Para um exército tão altamente
mecanizado seria preciso manter oficinas de reparos por toda a parte, para,
garantir o seu sucesso. E a manutenção de corpos de mecânicos para tais oficinas
deve compreender um número considerável de homens proporcional à
quantidade de tropas de combate. Idealmente falando, devia-se seguir o exemplo
de Henry Ford, cujas oficinas de consertos estão distribuídas através de todo
mundo, tanto na Alemanha como no Brasil.

Em contraste com a aviação e as armas motorizadas, a artilharia alemã é


decididamente má. Há, naturalmente, grandes canhões motorizados em
quantidade considerável. Mas o modelo 88 comumente usado pela artilharia de
campanha é pesado demais e demasiadamente grande. Cinco anos não são um
período de tempo muito longo para o aperfeiçoamento e a produção de canhões.
E os alemães se concentraram durante esse tempo principalmente em canhões
antiaéreos. Mas a última guerra mostrou de maneira decisiva a grande
importância da artilharia leve. É a artilharia que dá à infantaria a confiança
necessária no terreno. O modelo 88 é excelente em si: tem longo alcance e
grande poder destrutivo, mas, como disse, é pesado demais para ser usado em
campanha.

Até onde vão as informações que possuo, só em 1938 é que a Alemanha


começou a fazer peças de artilharia em grande escala. De fato, essa manufatura
só começou depois que os nazis tomaram o controle das Fábricas Skoda da
Boêmia, depois da crise checa de 1938. Já na primeira Guerra Mundial, as
Usinas Skoda foram de grande importância no equipamento dos exércitos da
Alemanha e de seus aliados austríacos. Os morteiros nunca foram fabricados por
Krupp, mas por Skoda.

Em conclusão, eu gostaria de dizer o seguinte relativamente ao armamento


alemão. A Alemanha possui hoje em dia um aço especial muito bom, que pode
ser trabalhado nas fábricas de maneira muito mais rápida que antes. Mas faltam-
lhe muitas máquinas essenciais. Deviam ter sido fabricadas antes do rompimento
da guerra, mas não houve tempo suficiente. Nessa falha na produção de armas da
Alemanha está provavelmente a explicação do esforço nazi para fazer uma
Blitzkrieg absoluta. O desejo de aplicar a outros países o método de uma
penetração, duma invasão rápida, que com tanto êxito foi levado a cabo na
Polônia, revelou-se de maneira ampla. Prova puramente externa disso é o fato de
as esquadrilhas de bombardeiros alemães terem ordem de levar a cabo suas
missões sem considerações de ordem humana, bem como Göring sempre quis
que se fizesse. Para mim, o exemplo mais horrendo disso é Rotterdam. Essa
grande cidade comercial sempre teve relações íntimas com a Alemanha e muitos
de seus edifícios eram de propriedade de alemães. O que se perpetrou na
destruição dessa cidade, é indescritível. Não posso imaginar que os franceses
jamais pudessem destruir Strasburgo duma maneira tão impiedosa. Tudo isso
mostra simplesmente a necessidade urgente dum avanço rápido; essa é a razão
por que os alemães procuram espalhar o terror por todos os quadrantes. Nenhum
alemão no futuro poderá encarar o mundo sem sentir vergonha.

Algum tempo atrás, quando o Marechal Voroshiloff parecia ser um perigo para o
regime de Stalin, correu na Alemanha a versão de que Stalin só receberia
Voroshiloff se ele deixasse suas armas do lado de fora. Não sei se Hitler hoje em
dia, antes de receber seus generais, manda-os revistar para ver se eles trazem
armas escondidas. Na certa que o Führer já não tem mais confiança absoluta
neles. Seja como for, Hitler anda sempre absurdamente protegido. Sem dúvida
alguma, o leitor conhece a história que o antigo embaixador francês em Berlim,
M. François Poncet costumava contar. Durante uma de suas visitas a Hitler, um
vaso de flores caiu. Instantaneamente dez membros das SS surgiram
precipitadamente na sala, surgidos de todas as portas.

Seja isso verdade ou não, o fato ilustra o quanto Hitler se preocupa com a sua
segurança pessoal. Hitler hoje não pode fazer tudo que quer, sem encontrar
oposição. Por isso precipitou esta guerra. Mas estou certo de que ele não a
vencerá, e de que a responsabilidade de tudo será sua.

NOTA DOS EDITORES

Não se pode contestar que um industrialista tão eminente como Fritz Thyssen
está em boa situação para julgar o estado dos armamentos da Alemanha. Embora
em alguns ramos da indústria de guerra alemã se estivessem passando coisas que
não eram trazidas a seu conhecimento, as declarações do autor são dignas de
confiança no que diz respeito à qualidade doe armamentos germânicos. Essa
qualidade, afirma ele, é desigual; quando a guerra começou, uma quantidade de
pré-requisitos econômicos, indispensáveis ao funcionamento regular da máquina
de guerra alemã no caso dum conflito prolongado, ainda não havia sido
preenchida. No entanto, como se viu, o primeiro estádio da guerra no ocidente
ofereceu oportunidades, principalmente de natureza econômica, para o exército
alemão, no decorrer das hostilidades; e com essas oportunidades contavam os
grupos políticos da Alemanha que achavam possível empregar os métodos
aplicados na campanha polonesa numa guerra contra as democracias ocidentais.
Que uma guerra que decide a sorte de milhões não se pode basear em
especulações dessa natureza é coisa que não precisamos levar muito tempo para
demonstrar.

No entanto Adolf Hitler conseguiu conquistar de fato a Bélgica o a Holanda


numa Blitzkrieg, forçando a França a assinar um armistício não muito honroso.
Fez tudo isso com um exército cujo equipamento era incompleto, como Fritz
Thyssen talvez tenha querido insinuar. Esses fatos parecem corroborar a teoria
de que até agora a guerra de Hitler na Europa ocidental foi decidida não pela
força das armas, mas muito antes pelo trabalho inescrupuloso e subterrâneo dos
quinta-colunistas e pela traição de seus aliados na, Bélgica, na Holanda e na
França.

3. O LUGAR DAS DUAS ALEMANHAS NUMA


EUROPA UNIDA

QUANDO a Alemanha declarou guerra à Polônia, Hitler e seu conselheiro,


Joachim von Ribbentrop, não tinham previsto que desta vez a França e a Grã-
Bretanha aceitariam o desafio. Mesmo depois da campanha polonesa, até o
derradeiro momento que precedeu o ataque na frente ocidental, Hitler teve a
esperança de que conseguiria manejar as duas potências aliadas por meio da
diplomacia e da propaganda. Mas quando compreendeu a futilidade de seus
esforços, arriscou tudo num único golpe. Ignorando os compromissos mais
solenes, invadiu três países neutros afim de atirar contra as duas grandes
potências ocidentais o mais formidável ataque que a História conhece. A “guerra
total” foi deflagrada com todas as suas pavorosas consequências para a Europa
ocidental, inclusive para a minha Renânia natal.

Hitler perderá a guerra; esta é a minha convicção. Mas o niilismo nazi não
trepidou em lançar esse bárbaro assalto à civilização europeia como um todo.
Até o momento em que publiquei os documentos que continham meu protesto
contra a guerra, eu tinha ainda a leve esperança de que conseguiria deter, se não
o próprio Hitler, pelo menos aqueles que não perderam todo o senso de
responsabilidade — de que conseguiria fazê-los estacar à beira desse abismo
para onde a loucura do chefe nazi tinha arrastado todo um povo. Mas haverá
ainda na Alemanha pessoas que pensem no futuro? E, se há, que podem elas
fazer?

A responsabilidade desta guerra total, deste assalto contra os valores humanos e


cristãos da civilização ocidental, cai sobre os chefes nazis, e só sobre eles. Foram
eles que apostaram todo o futuro da Alemanha numa única cartada. O que os
preocupa é o seu interesse pessoal, o interesse de seu partido, a manutenção do
domínio tirânico, mas não o bem da pátria cujo governo usurparam.

Sou no entanto obrigado a admitir que até a presente data ninguém os conseguiu
deter. O exército alemão executa-lhes as ordens. Quanto a mim, este crime pôs
fim a qualquer escrúpulo que eu porventura pudesse ter. A Europa não pode
sobreviver a mais outra guerra moderna. Tudo se deve fazer para tornar a guerra
impossível daqui por diante. É o próprio futuro da humanidade que está em jogo,
porque a destruição e a ruína da Europa ocidental secaria para sempre as fontes
espirituais de que nasceu nossa atual civilização e para a qual ela se volta sempre
e sempre em busca de sustento.

Ao fundar o império, Bismarck comparou o povo alemão a um cavaleiro:


“Ponha-se ele numa sela — dizia — e ele saberá cavalgar”. Eram palavras dum
estadista audaz que tinha confiança no povo da sua terra. Mas a audácia do
fundador do império se combinava com prudência e cautela. Durante vinte anos
ele constantemente observou o cavaleiro — mostrando-lhe, na verdade, como
livrar-se dos obstáculos, mas ao mesmo tempo evitando que ele caísse ou se
perdesse nos caminhos da aventura. A cada passo Bismarck tinha consciência da
dificuldade que encontrava para dar uma existência razoável a seu novo império,
dentro da estrutura europeia. Nunca teria aplicado a máxima de Nietzsche do
“viver perigosamente” à política de um grande Estado. Havia tomado todas as
precauções para assegurar a estabilidade política do Reich. Ele próprio lhe
bosquejou a constituição. A monarquia prussiana devia aguentar o peso do
Estado federado, mas a forma federal de governo limitava a influência da Prússia
dentro da Alemanha, e compelia o imperador a tomar conta dos interesses de
cada um dos estados individuais. Na câmara superior federal, o Conselho
Imperial, o voto dos príncipes reinantes dos vários Estados contrabalançavam o
do rei-imperador. Por outro lado, o Reichstag, eleito por sufrágio universal,
estava destinado a amparar e controlar o governo central segundo a vontade do
povo. Em comparação com uma república unificada e centralizada como a
França, essa espécie de instituição parece complicada em suas funções. Mas ela
corresponde ao desenvolvimento histórico e à diversidade da Alemanha, dessa
Alemanha que a manobra audaz e vitoriosa de Bismarck havia unido num grande
Estado moderno.

Durante vinte anos o novo império, sob a orientação de seu fundador, pareceu
justificar as esperanças que este último havia depositado nele. Na sua política
estrangeira ele conseguira efetuar a reconciliação com o Império Austro-
Húngaro, garantira a amizade do jovem reino da Itália e impusera-se pela força
ao respeito da França, que acabava de derrotar, ao mesmo tempo que evitava
cuidadosamente toda a provocação. Ao mesmo passo Bismarck procurava
garantir a amizade da Rússia. Evitou a alienação da Inglaterra nos campos navais
e coloniais. Em vinte anos ele colocara a Alemanha na sela e ensinara-a a
cavalgar. A Alemanha progrediu em todos os campos de atividade. Enriqueceu
com o trabalho e tornou-se próspera.

Forçando esse grande ministro a resignar, logo depois do princípio de seu reino,
Guilherme II deitou tudo isso a perder. Ofuscado pelo esplendor de sua
dignidade imperial, imbuído de sua própria autoridade, mostrou-se incapaz de
usar o delicado instrumento constitucional criado por Bismarck. Sob seu reinado,
o sistema prussiano, então estranho às partes ocidentais e meridionais do país,
estendeu sua influência a todo o território da Alemanha. O povo alemão,
esquecendo suas tradições locais, ligou-se a seu jovem imperador. Os céticos,
que mantinham uma atitude reservada, eram olhados como fracalhões de ideias
antiquadas. Muito cedo o povo alemão já não mais estava montado no seu
próprio corcel, de acordo com as palavras de Bismarck; contentava-se com
seguir as instruções do brilhante mestre-de-equitação imperial de armadura e
capacete rebrilhantes. E não perguntava para onde o levavam. As intenções do
Kaiser não eram certamente más. Mas como quase todos os alemães, ele não
tinha cabeça para a política. Os vários erros que cometeu forçaram-no um belo
dia a recorrer à força, afim de manter o seu prestígio. Esse é o perigo que
invariavelmente acompanha a política que se baseia na manutenção do prestígio.
Através de seu reinado, Guilherme II nunca percebeu que política é uma questão
de inteligência e que o recurso da violência só revela falta de inteligência.

O resultado da infeliz política de Guilherme II foi a guerra de 1914, com suas


desastrosas consequências, não apenas para Alemanha como também para o
mundo inteiro.

Minha maior acusação contra Hitler é a de que ele levou de novo a Alemanha à
guerra. Teria sido tão fácil realizar todos os seus desejos razoáveis por meio de
uma política sensata! Ele devia viver e deixar que os outros também vivessem.
Toda a gente teria concordado em que a guerra de 1914 havia sido a sequela de
uma série de erros políticos. Mas desta vez Hitler recusou-se brutalmente a
examinar qualquer solução baseada numa política sã, e lançou premeditadamente
a Europa neste novo desastre.

Concordo em que Hitler, em Mein Kampf, reviveu as aspirações insanas do


pangermanismo. Mas nem mesmo os círculos mais direitistas da Alemanha
jamais tomaram a sério ideias tão histéricas. Hitler estava perdendo o seu latim.

Os métodos de conquista hitleriana da Polônia, segundo a descrição feita pelos


documentos oficiais, mostram que o que estamos presenciando é uma volta ao
barbarismo em pleno século vinte. As agressões contra a Dinamarca, a Noruega,
a Holanda, a Bélgica, o Luxemburgo fornecem mais provas, se necessário, de
que no exercício do direito do mais forte, a Alemanha hitlerista, sem se deixar
deter pelo respeito à palavra empenhada e à lei, ri abertamente ante a indignação
e o desprezo de todos os povos civilizados. Estendendo o teatro da guerra até a
Holanda, a Bélgica e a França, o exército alemão, sob o comando de Hitler,
atacou alguns dos países mais antigos e mais altamente desenvolvidos da
Europa, senhores das mais velhas e ricas tradições espirituais. Tudo isso se
encontrava sob a ameaça da guerra total, e essa ameaça se estende à minha terra
natal, a Renânia.

Estou convencido de que os ataques das hordas bárbaras ao ocidente serão


finalmente detidos. Mas devemos tirar uma conclusão desta nova experiência.
Os termos de paz devem ser de tal natureza, que tornem impossível qualquer
agressão ao ocidente. Nenhum dos países atacados alimentava ideias
expansionistas; nenhum deles ameaçava a existência do Reich alemão. A
Inglaterra de hoje, primus inter pares, já não é mais a conquistadora colonial dos
tempos passados. É agora um país como os outros, à frente de uma comunidade
de povos livres de todas as partes do mundo. Ajustou-se de maneira
perfeitamente natural às condições da vida contemporânea e não sonha com
abusar de seu poderio industrial para aterrorizar os vizinhos. A França renunciou
definitivamente a qualquer ideia de conquista. Sua conduta é a prova sempre
renovada de quem quer que abrigue maus desígnios suspeita invariavelmente de
que os outros são como ele.

Estendendo a guerra ao ocidente, atacando pequenas nações neutras e indefesas


em face do colosso alemão, Hitler desmentiu de maneira definida a profecia do
fundador do império. O povo alemão não justificou as esperanças de Bismarck.
Não conseguiu refrear o ginete. Sob o domínio de Hitler, a existência da Grande
Alemanha uma vez mais revelou ser um perigo mortal para a vida dos povos
livres da Europa. Seria loucura correr pela terceira vez o risco de uma aventura
tão perigosa.

Tanto por dentro como por fora, o regime hitlerista, conforme demonstrou
Hermann Rauschning, o mais clarividente dos analistas, nada mais é senão uma
expressão completa de niilismo. Quatro meses antes da guerra, um dos
conselheiros privados de Hitler, o Secretário de Estado Wilhelm Kepler, depois
dum jantar dado pelo Presidente do Reichsbank, disse em minha presença: “É do
nosso interesse manter o máximo de desordem na Europa”. Como princípio
diplomático, isso é uma monstruosidade. Os lideres que estão dispostos a
permitir que a política dum grande país seja guiada por tal princípio, são loucos
e criminosos que merecem ser reduzidos a uma situação em que não possam
causar mais danos.

Mas se refletirmos sobre o que aconteceu, veremos que essa máxima hitlerista é
característica de toda a diplomacia do regime. Desde que subiu ao poder, Hitler
tem procurado lançar a desordem e a luta entre todos os Estados da Europa.
Durante quatro anos fez propostas amistosas à Polônia afim do facilitar o
planejado assalto. Por longo tempo procurou ele — e com sucesso — enganar a
Inglaterra e a França, quanto às suas verdadeiras intenções. Nos primeiros oito
meses da guerra, tentou dividir os dois aliados. Ao anexar a Áustria, deu
garantias formais à Checoslováquia. Quando, por meio de seus métodos de
chantagem, conseguiu o domínio da região dos sudetos, prometeu respeitar a
independência do resto do território checoslovaco. No decorrer dos meses que
antecederam a guerra, e depois da deflagração desta, a Alemanha de Hitler
assumiu a atitude de inflamada protetora da neutralidade dos países fracos. A
Dinamarca, a Holanda, o Luxemburgo e a Suíça receberam garantias reiteradas e
promessas formais. Para despistar ainda mais as suas futuras vítimas, os
diplomatas do Reich lançaram-lhes censuras, acusando-as de não estarem
mantendo a devida neutralidade. Essa tática maquiavélica tornou possível a
Hitler preparar sua agressão de maneira sistemática. Pôde ele assim evitar o
estabelecimento de uma linha eficiente de defesa na frente ocidental, coisa que
só podia ser feita mediante um acordo entre as nações menores e pela
coordenação dos modestos meios de que elas dispunham. Até mesmo planos
mais vagos para uma aliança defensiva de conversações entre os estados-maiores
da Holanda e da Bélgica foram olhadas pelos diplomatas nazis como uma
ameaça ao Reich!

A paz que se seguirá à derrota de Hitler deve garantir a Europa contra uma
renovação dessa política niilista. Os países da Europa ocidental, grandes e
pequenos, merecem gozar de segurança. Nascido às margens do Reno, olho a
minha terra renana como parte dessa Europa ocidental que deve ser protegida
contra qualquer incursão guerreira. A Bélgica foi invadida duas vezes em vinte e
cinco anos, não obstante as garantias que lhe foram dadas. A França pela
segunda vez se viu vítima de uma impiedosa e devastadora guerra moderna.
Hitler atacou-a a despeito da palavra solene empenhada em Paris, em dezembro
de 1938, pelo seu ministro dos estrangeiros, von Ribbentrop.

Pouco depois do acordo franco-alemão, diante de todos os operários e


empregados das fábricas de August Thyssen que festejavam os seus vinte e cinco
anos de trabalho no estabelecimento fundado por meu pai, eu elogiei esse pacto
com as seguintes palavras: “É um dia de regozijo para as mães alemãs. Não
haverá mais guerra entre a Alemanha e a França”. Todos aplaudiram, apenas
alguns delegados do partido nazi pareceram não gostar muito daquilo; mas
tiveram o cuidado de não fazer comentários. Os alemães são um povo pacífico.
Mas nunca compreenderam que as outras nações também vivem inspiradas por
um desejo de paz. A propaganda fê-los acreditarem que a França e a Inglaterra
planejavam atacá-los.

Como ficou mostrado acima, o regime de Hitler procurou estender o seu


domínio niilista sobre as almas e as consciências do povo.
Profundo abismo mais uma vez se abriu entre a verdadeira Alemanha, a do
ocidente, onde o Kulturkampf de Bismarck (seu grande e possivelmente seu
único erro) nunca foi completamente esquecido ou perdoado, e a Alemanha
prussianizada do oriente. A escravização das consciências e a tentativa para
destruir o Cristianismo são as formas assumidas pela guerra total no plano
espiritual. O que Hitler quer é o aniquilamento da alma. No momento atual as
populações católicas do ocidente não estão em condições de se rebelar. Mas elas
nunca esquecerão o ultraje cometido contra a sua religião, os seus sacerdotes, os
seus sentimentos mais sagrados, particularmente no tempo das escandalosas
perseguições por causa dos pseudocrimes de imoralidade de que foi acusado o
clero católico. Esse abismo entre as duas Alemanhas nunca poderá ser
transposto.

O que devemos salvar é a verdadeira Alemanha, a Alemanha do ocidente, que


deve continuar a representar seu papel numa civilização para a qual ela
contribuiu largamente através dos séculos, e que ela enriquecerá com valores
preciosos nos anos que hão de vir. Os alemães do ocidente devem exigir a
garantia dos direitos fundamentais que são o patrimônio de todos os povos do
ocidente: e o da liberdade de consciência acima de todos. Devem estar em
condições de se defender contra a volta da tirania estrangeira. A segurança da
Europa contra a guerra e a garantia da liberdade de consciência — eis as duas
grandes ideias morais que devem constituir a base de uma paz futura justa c
estável.

A nova condição da Alemanha não será uma mera reversão ao passado. Ela não
significará a volta a uma espécie de federação alemã ou de Santo Império
Romano composto de principados minúsculos. Um Estado moderno, para ser
independente e soberano, deve ter uma certa extensão de território. Depois do
Kulturkampf de Bismarck, e depois dos excessos anticatólicos dos nazis, que
foram apoiados pela Rússia propriamente dita, só vejo uma solução e uma
garantia contra a volta de tais abusos: — a Alemanha católica deve tornar-se
uma monarquia católica.

O retorno a um sistema monárquico não seria simples tentativa para reviver uma
tradição histórica respeitável. Entre a última guerra e a presente, o povo alemão
provou que é incapaz de se ajustar às instituições democráticas. Ele não sabe se
utilizar delas. Prosseguindo numa longa série de erros, a Constituição de
Weimar, um modelo em seu gênero, preparou o caminho para um governo
autoritário que, por sua vez, conduziu à ditadura. Não devemos esquecer que foi
o chanceler Brüning que invocou o famoso artigo 48 da Constituição de
Weimar (1) e, contra a sua vontade, governou pelo período de dois anos em
condições contrárias ao espírito dessa Constituição, que já não era mais viável.

Uma volta ao Estado monárquico tornaria desnecessário recorrer no futuro a


expedientes como esse. Tomemos o caso da Bélgica. Durante os últimos anos
esse país teve de enfrentar sérias dificuldades internas. Onde estaria ele hoje, se
a autoridade do rei não se impusesse aos partidos, acima dos quais ele encarna a
pátria como um todo?

Além disso, o reestabelecimento das duas monarquias alemãs, uma no ocidente e


a outra no oriente, tornaria possível a cada um desses dois estados assim
constituídos, desenvolver uma “personalidade” política própria. A Alemanha
ocidental, tão rica em tradições históricas e tão moderna em espírito, voltaria
muito naturalmente às velhas tradições alemãs dentro da estrutura do
Cristianismo. No seu oriente, a Prússia podia uma vez mais reassumir o seu
caráter especial próprio de território colonial, estabelecido pelos eleitores de
Brandenburgo e pelos seus sucessores, os reis da Prússia. Quem sabe? Uma vez
liberta dessa chama de conquista que a tem consumido, esse país podia exercer
uma influência útil e pacífica a Europa Oriental.

Não há nada de utópico nesta sugestão. Ela corresponde a uma necessidade


europeia e às realidades presentes da Alemanha. A diferença entre as duas
regiões alemãs que acabo de descrever não é suficientemente compreendida no
estrangeiro. A unidade conseguida por Bismarck deve-se a um ato deliberado de
força; apesar disso ela foi aprovada pelas populações que estavam nela
implicadas. A alegada unificação definitiva da Alemanha que Hitler se vangloria
de ter conseguido é, como todos os atos do regime, simplesmente uma fraude.
Os antigos Estados alemães desapareceram em teoria; mas de fato foram
substituídos pelas satrapias do partido. Certos Gauleiters têm em seus distritos
um poder maior do que tiveram os príncipes aos quais sucederam. O fato de a
Áustria se chamar o Ostmark (A Fronteira do Leste) não pode privar esse país de
sua individualidade política e regional. Acima de tudo, o fato de o nome Baviera
ter sido oficialmente abolido, não significa que a Baviera desapareceu.

Mas o que é novo na Alemanha de hoje é a revolta íntima da consciência


católica contra as perseguições religiosas. Durante o século dezesseis, depois da
Reforma, a Alemanha foi talada pelas guerras religiosas. Isso finalmente acabou
redundando na instituição de um regime de tolerância e de uma certa liberdade
de consciência no que dizia respeito à religião. A forma moderna de intolerância
inventada pelos nacional-socialistas e sua intromissão estúpida nos domínios da
consciência individual, estão em completa contradição com o espírito alemão e
com a tradição histórica da Alemanha. Mesmo na Prússia do século dezoito,
Frederico o Grande costumava dizer: “Jeder soll nach seiner Fasson selig
werden”. (“Para cada homem o seu próprio Céu”).

Rosenberg, o grande “intelectual” do nacional-socialismo é uma importação da


Rússia. Não tem uma gota de sangue alemão nas veias.

A ele e a seus discípulos a Alemanha deve os métodos das “ligas dos sem-deus”
— os métodos da Rússia bolchevista,

Há ainda um outro aspecto do nacional-socialismo que tem servido para mostrar


a diferença entre as duas Alemanhas. O absolutismo dos lideres, seu desejo
insistente de reduzir à obediência passiva e ao servilismo todos os governados —
mesmo os que ocupam os postos mais altos — são coisas completamente
estranhas à nossa Alemanha ocidental. Em dias passados o carnaval renano, com
seu alegre desrespeito às pessoas, tinha métodos próprios para castigar de certo
modo a mentalidade exageradamente oriental de certos oficiais prussianos. A
álacre risada dos renanos foi abafada pela tirania do regime, ou no mínimo foi
posta a serviço da polícia oficial. Mas essas populações do ocidente recebem
como um ultraje à sua dignidade pessoal a supressão de todos os direitos
humanos — da liberdade de consciência e da liberdade de opinião. A revolta está
a arder num fogo secreto e contido: ela apenas espera a oportunidade para
romper em chamas. Por outro lado, parece que na Alemanha oriental a
população se ajustou com maior facilidade ao regime hitlerista. A extensão da
disciplina militar prussiana a todas as fases da vida (“Parieren, nicht
räsonnieren!” — “Obedeça, não raciocine!”) foi aceita com absoluta
naturalidade como condição necessária à realização de grandes planos de
conquista.

“O Führer sempre tem razão” — eis a forma modernizada do “Parieren, nicht


räsonnieren!” Será este servilismo, do qual dei tantos exemplos nestas páginas,
um traço do caráter eslavo? Estou inclinado a acreditar que sim. Porque
certamente ele não é europeu. Nunca na Europa ocidental, mesmo antes da
revolução francesa, houve um desprezo tão grande pelo homem como indivíduo.

Reduzida à sua expressão essencial, o problema não se resume na divisão da


Alemanha em duas partes, ou na criação forçada de duas Alemanhas. É preciso
simplesmente redescobrir a fronteira que separa a Europa do ocidente da Europa
do oriente — uma linha que a Alemanha tem procurado apagar durante um
período de quase um século. A verdadeira Alemanha, com suas tradições
ocidentais, deve ser separada da Prússia, que pertence ao oriente.

Isso não é tarefa para ser executada só pelos alemães, e sujeita apenas ao seu
arbítrio. A guerra é um crime que há de certamente trazer consigo a sua própria
punição. Mas uma solução puramente militar do problema da segurança viria no
final de contas revelar-se tão precária depois desta guerra quanto o foi depois da
anterior. As potências vitoriosas não deviam ocupar o território estrangeiro
indefinidamente. A opinião dos países democráticos se desenvolverá muito como
aconteceu depois da última guerra. Em 1914 a Inglaterra entrou no conflito para
destruir o poder naval da Alemanha. Vinte anos mais tarde essa mesma
Inglaterra sancionava o renascimento da armada alemã e concluía com Hitler um
tratado naval (1935). Até a França acabou consentindo na remilitarização da
Renânia e no reestabelecimento do serviço militar obrigatório na Alemanha. Os
vencedores, portanto, revelariam pouca sabedoria se contassem com a futura
manutenção de seu presente espírito de defesa, uma vez que até o próprio Hitler
conseguiu embalá-los com suas cantigas. O que se deve fazer é inventar um
sistema completamente eficaz, capaz de se sustentar por seus próprios recursos.

Além do mais, a proposta separação da Alemanha da Prússia devia ser


empreendida dentro de um novo espírito político. Na Europa de hoje não há
lugar para disputas em torno de questões de supremacia. Os tratados da
Westphalia estão fora de moda. A manutenção de guarnições fortificadas no solo
estrangeiro são coisas dos últimos cinquenta anos. Acreditar que um grande país
possa por muito tempo ser mantido num estado de impotência é uma ilusão
perigosa. A hora terrível do despertar, que acaba de soar para a Europa, é uma
prova definida do caráter obsoleto do Tratado de Versalhes. O que se deve fazer
hoje é remover todos os obstáculos que se opõem à futura fundação dos Estados
Unidos da Europa.

O campo econômico talvez se possa mostrar mais fértil em novas soluções. Uma
economia sã, que permita a todos os povos da Europa viver e prosperar, é
fundamentalmente de maior interesse para eles do que as ambições dos ditadores
que primeiro arruínam sua pátria com armamentos excessivos e finalmente
mergulham na desgraça todos os povos, inclusive o seu próprio.

NOTAS

(1) Nota dos Editores: O Artigo 48 da Constituição de Weimar concedia plenos


poderes ao executivo no decurso de um período de emergência proclamado pelo
presidente. Durante tais períodos de emergência, o governo podia promulgar
decretos-leis, que seriam ratificados pelo Reichstag em data posterior.
APÊNDICE
Rápidos Esboços Biográficos das Principais Pessoas Mencionadas Neste Livro

AXELROD — Este comunista russo foi delegado do governo soviético em


Munich; ajudou a estabelecer um governo dos "conselhos de operários e
soldados" na Baviera, em princípios de 1919.

OTTO BRAUN — Antes da Guerra Mundial, foi secretário do partido Social-


Democrático. Depois da Revolução, tornou-se ministro da agricultura, no
gabinete de Estado prussiano. Em 1920, foi feito Primeiro Ministro da Prússia,
permanecendo nesse posto até 20 de junho de 1932, quando o chanceler von
Papen ordenou a prisão de todos os ministros de Estado prussianos. Seus méritos
são numerosos. Braun foi um bom servidor do partido Socialdemocrata.

CONDE BROCKDORFF-RANTZAU — Rebento de uma velha família


aristocrática, foi ministro alemão na Dinamarca durante a primeira Guerra
Mundial. Estadista de espírito liberal, manteve relações amistosas com o partido
Social-Democrático alemão. Depois da Revolução alemã, o chanceler
Scheidemann nomeou-o ministro das relações exteriores. Em 1919 Brockdorff-
Rantzau recusou-se a assinar o Tratado de Versalhes, depois de tentar em vão
obter o consentimento dos aliados para que a Alemanha tomasse parte nas
negociações de paz em Paris. Depois da assinatura do Tratado de Rapallo, entre
a Alemanha e a Rússia Soviética, foi nomeado embaixador alemão em Moscou,
onde morreu vários anos mais tarde.

HEINRICH BRÜNING — Como membro do partido Católico do Centro,


Brüning estava intimamente ligado ao movimento trabalhista católico. De 1921 a
1930 foi presidente ativo do Gewerkschaftsbund alemão — a organização
central dos sindicatos católicos de operários. No Reichstag Brüning tinha a seu
cargo a organização dos relatórios anuais sobre o orçamento. Em 1930 foi eleito
chefe do partido Católico. No mesmo ano, a 31 de março, o Presidente
Hindenburg chamou-o para organizar o novo gabinete. É fora de dúvida que
Brüning tomou posse do cargo na mais difícil das situações imagináveis: o
desemprego havia chegado a seu auge; os bancos alemães se declaravam
incapazes de cumprir suas obrigações para com os credores estrangeiros; os
nacional-socialistas ameaçavam a paz interna. Brüning se viu obrigado a
governar com decretos de emergência, restringindo a autoridade do Reichstag,
política essa que se baseava nas determinações da Constituição (Artigo 48)
relativas às situações de emergência. Sem querer, Brüning criou desse modo um
precedente para Hitler, tornando- lhe possível eliminar o parlamento sem violar a
Constituição. Em 1932 o Presidente Hindenburg, capitulando às intrigas de von
Papen, pediu a Brüning, em palavras rápidas e incisivas que deixasse o cargo.

DR. HEINRICH CLASS — Antes da Guerra, Class era advogado de Berlim, e


presidente da “Velha Liga Alemã”. Sob a influência de Class, a Liga adotou uma
política nacionalista ainda mais radical, que não deixou de influir nos rumos do
governo imperial; atingiu ela o seu auge nas crises marroquinas de 1908 e 1911.
Em 1913, sob o pseudônimo de "Daniel Fryman”, Class publicou um livro
intitulado "Se Eu Fosse Imperador: Verdades e Necessidades Políticas”. É
notável verificar quantas das sugestões de Class foram incorporadas quase
textualmente à plataforma do partido Nacional-Socialista, tendo sido depois
cumpridas em detalhe por Adolf Hitler.

WILHELM CUNO — No reinado do Kaiser Guilherme II, Cuno era Geheimrat


do Tesouro do Reich. Albert Ballin, fundador e diretor geral da Hamburg
América Line, fê-lo diretor dessa companhia; e depois do suicídio de Ballin em
1918, Cuno ocupou-lhe o lugar. Nessa qualidade, compareceu à Conferência de
Genebra como conselheiro econômico da delegação alemã. Cuno pertenceu ao
partido Alemão do Povo até o Putsch de Kapp, em 1920; desta data em diante se
afastou de todos os partidos. Em 1922, o Presidente Ebert nomeou-o Chanceler
do Reich, posição em que ele substituiu o chanceler Wirth. Seu gabinete, que se
compunha quase exclusivamente de não-parlamentares, revelou pouca
habilidade diplomática ao negociar com os Aliados sobre a questão das
reparações de guerra. Em consequência disso, a Comissão de Reparações, em
1922, de acordo com as cláusulas do Tratado de Versalhes, declarou que a
Alemanha cometera uma infração — coisa que levou a França e a Bélgica
ocupar com suas tropas os distritos industriais do Ruhr.

MAJOR DÜSTERBERG — Foi membro do estado-maior alemão durante a


Guerra Mundial. Como íntimo que era do General Ludendorff, organizou, depois
do colapso alemão, uma liga dos veteranos da Guerra Mundial, chamada
Stahlhelm (Capacete de Aço). A Stahlhelm, organização nacionalista,
representou papel importante nos anos que se seguiram. Düsterberg sofreu
severa derrota como candidato às eleições presidenciais em 1932. Quando Hitler
se tornou chanceler do Reich, Düsterberg teve de deixar a presidência do
Stahlhelm devido ao fato de ter meio-sangue judeu.

FRIEDRICH EBERT — Este ex-aprendiz de seleiro no Reino de Württenberg,


cedo chegou a uma posição importante, tanto no movimento trabalhista alemão
como no partido Socialdemocrata. Depois da morte de August Bebel, ele o
substituiu como presidente do diretório do partido Socialdemocrata. Em 1918, o
príncipe Max de Baden, então chanceler do Reich, nomeou-o secretário de
Estado, logo depois que o Kaiser cedera à vontade do Reichstag, adotando um
sistema parlamentar responsável. Quando a República alemã foi proclamada,
Ebert foi feito presidente do governo provisório dos "Comissários do Povo”.
Esse governo, que incluía três representantes de cada uma das duas alas do
partido Socialista, ficou no poder até a reunião da Assembleia Nacional
Legislativa. Essa assembleia elegeu Ebert Presidente da República alemã e ele
ficou nesse posto até sua morte, em 1925. Durante os últimos anos de sua vida,
Ebert foi vítima de repetidos e maliciosos ataques da parte de elementos
nacionalistas que o acusavam de ter encorajado, em 1917, a greve dos
trabalhadores duma fábrica de munições alemã, tendo assim contribuído para a
derrota da Alemanha.

CAP. EHRHARDT — Ehrhardt foi chefe de um dos mais ativos dos Corpos
Livres alemães, isto é, de uma das numerosas formações militares ilegais que se
criaram através de toda a Alemanha, entre 1918 e 1921, com o propósito de
burlar as cláusulas de desarmamento do Tratado de Versalhes.

MATTHIAS ERZBERGER — Antes da primeira Guerra Mundial, Erzberger


representava o partido Católico do Centro no Reichstag. Durante a guerra, fez
várias viagens ao estrangeiro, com o fim de preparar possíveis negociações de
paz. Em 1917 representou papel importante, na tentativa de conseguir a
resolução do Reichstag que levou o Papa a oferecer seus bons ofícios como
mediador da paz. Isso e mais a sua crítica violenta à política financeira do
governo imperial, chamaram sobre ele o ódio dos grupos nacionalistas. Depois
do colapso alemão, teve ordem de seu governo para negociar os termos do
armistício com o Marechal Foch, na floresta de Compiègne, onde foi forçado a
assinar os termos ditados pelos Aliados. Isso não só aumentou a impopularidade
de Erzberger perante os nacionalistas, como também foi uma prova de que o
governo republicano tinha cometido o erro de arcar com a responsabilidade da
derrota. O Dr. Helfferich, antigo secretário Imperial de Estado, acusou Erzberger
até de corrupção. Em 1921 Erzberger, então ministro das finanças, foi morto a
tiros por vários nacionalistas jovens, quando passava umas curtas férias em
Württenberg.

WALTHER FUNK — Foi redator da secção econômica do Berliner


Borsenzeitung, um diário que, muito antes de Hitler subir ao poder, era
considerado o órgão político do ministério da guerra. A principal função de Funk
era manter as relações sociais do jornal com a alta finança e a indústria. Nem
mesmo seus amigos sabiam que ele era nacional-socialista e, muito menos, que
ele obtinha fundos para seu partido nos círculos industrialistas ao qual tinha
acesso. Para surpresa geral, Funk revelou-se membro do partido Nacional-
Socialista logo que Hitler subiu ao poder. A surpresa se transformou em
embasbacamento quando esse mediocríssimo jornalista substituiu o dr. Hjalmar
Schacht como ministro da economia em 1 938, e como presidente do Reichsbank
em 1939.

JOHANN GIESBERTS — Era membro dos sindicatos de trabalhadores


católicos e nos anos de 1919-22 chegou ao posto de secretário-geral dos
sindicatos de trabalhadores católicos da Alemanha. Como tal, exerceu ele grande
influência sobre a política do partido Católico do Centro, no Reichstag, do qual
ele fora membro durante muito tempo. Era considerado um dos principais
representantes da ala esquerda, com inclinações socialistas, do partido do
Centro. Tentou manter boas relações entre seu partido e os socialdemocratas. Foi
ministro das comunicações postais em vários gabinetes. Depois que Hitler tomou
o poder, Giesberts foi preso por membros das Tropas de Assalto e arrastado em
triunfo pelas ruas. Depois de ficar preso por algum tempo num campo de
concentração, foi por fim posto em liberdade, depois de sofrer humilhações
terríveis.

MAX HOELZ — Agitador comunista, Max Hoelz representou papel importante


na revolta trabalhista de 1921, que ele próprio organizou na Alemanha Central,
especialmente na Turíngia. Esse levante foi na sua essência uma resposta à
revolta nacionalista que tão inglório fim tivera no Putsch de Kapp. Hoelz, um
aventureiro idealista, gozou por algum tempo duma reputação romântica
semelhante à dos banditi do século dezoito e dos princípios do século dezenove,
na Alemanha. Como a revolta fosse abafada pela intervenção do exército, Hoelz
foi capturado e condenado a prisão perpétua. Libertado por uma anistia do
governo republicano, foi para a Rússia. Nada mais se soube dele.

ALFRED HUGENBERG — Tendo alimentado quando moço pretensões


literárias, Hugenberg entrou depois para o serviço civil da Prússia, desenvolveu
suas tendências políticas reacionárias, e casou-se com a filha dum influente de
Frankfort-sobre-o-Meno, Adickes. Isso lhe acelerou a carreira; tornou-se um
Geheimrat e prestou grandes serviços ao Reino da Prússia quando seu governo
expropriou os polacos que viviam na província prussiana de Posen. Seu êxito
nesse assunto fez dele um dos lideres mais destacados do movimento anti-
polonês da Alemanha. Durante a primeira Guerra Mundial, Herr Krupp von
Bohlen und Halbach contratou-o como administrador das fábricas de munição
Krupp. Depois do colapso alemão, Hugenberg entrou para o partido Nacional do
Povo Alemão, o partido dos Junkers Prussianos, que se reorganizava. Por suas
mãos passavam os fundos que vinham dos industrialistas alemães, com o fim de
combater a República alemã. Além disso, Hugenberg fundou a firma de
publicidade ALA, que aos poucos conseguiu o completo controle sobre a
distribuição dos anúncios industriais, tanto nos jornais alemães como nos
estrangeiros; criou também uma série de agências jornalísticas que vendiam
notícias e editoriais a preços baixos à imprensa nacional-socialista, que era muito
deficiente então. Pouco a pouco tornou-se chefe de uma cadeia de jornais que
comprara durante o período da inflação e à qual dera uma coloração nacional-
socialista. Exerceu grande influência sobre a casa editora berlinense de August
Scherl, e praticamente se fez proprietário da maior empresa cinematográfica
alemã, a Ufa. Tendo-se tornado chefe absoluto do partido Nacional do Povo
alemão, concluiu uma aliança oficial com os nacional-socialistas em 1932. Certo
de sua posição e da do seu partido, e confiando na promessa de Hitler de lhe dar
os ministérios da economia e da agricultura, tornou-se um dos partidários mais
ativos da ascensão de Hitler ao poder. Na verdade o próprio Hitler se empenhara
junto ao Presidente Hindenburg para que este não mudasse sua política de
gabinete dentro dos próximos quatro anos sem o consentimento de Hugenberg.
Hitler “manteve” suas promessas da maneira habitual, e forçou Hugenberg a
resignar todos os seus postos a 27 de junho de 1933. O partido de Hugenberg foi
declarado fora-da-lei com todos os outros. Oficialmente membro do Reichstag,
Hugenberg é hoje um dos numerosos velhos silenciosos e desapontados que
levaram Hitler à posição de Führer.
DR. WOLFGANG KAPP — Como diretor geral do Banco Agrícola Hipotecário
de Konigsberg, Kapp fundou durante a Guerra Mundial o partido Patriótico
Alemão, cujo programa se opunha a todas as tentativas de paz e exigia vastas
anexações territoriais na França, na Bélgica e na Rússia. Sob pseudônimo,
publicou suas opiniões num panfleto agressivo. Depois da proclamação da
República Alemã, Kapp conspirou com todos os grupos nacionalistas que
existiam e, em março de 1920, proclamou a queda do governo socialdemocrata,
faz-se chanceler do Reich e formou o seu próprio gabinete. Depois de alguns
dias, entretanto, esse golpe, conhecido pelo nome de “Putsch de Kapp”,
redundou num fracasso, quando os altos funcionários do Estado se recusaram a
colaborar com o "governo” usurpador, ao passo que os trabalhadores de toda a
Alemanha proclamavam greve geral. O governo, legalmente constituído,
presidido por Gustav Bauer, voltou de Stuttgart para Berlim, de onde havia
fugido, e retomou o controle doe negócios alemães.

EUGENE LEVINÉ — Este revolucionário russo havia emigrado para a


Alemanha no tempo da República alemã. Quando Kurt Eisner, o Primeiro
Ministro socialdemocrata da Baviera, foi assassinado em Munich pelo jovem
conde Arco, os trabalhistas bávaros reagiram violentamente. Quando, além
disso, correu o boato de que o Reichswehr estava pronto a marchar sobre
Munich, a ala esquerda radical dos socialistas proclamou a República Soviética
da Baviera (Raterepublik), Leviné foi membro destacado de seu governo. Depois
que esse governo caiu, Leviné foi condenado à morte.

ROBERT LEY — Ley é o chefe da Frente Alemã do Trabalho, à qual todos os


trabalhadores alemães são obrigados a pertencer. É um homem muito dado ao
álcool, fato esse que lhe deu má reputação, no tempo em que ele foi o delegado
alemão á Terceira Conferência do Trabalho, em Genebra. Antigo redator dum
jornal de Colônia, goza ele hoje duma posição de poder irrestrito. A “Frente
Alemã do Trabalho” tem vinte milhões de membros entre os trabalhadores. Suas
contribuições anuais são empregadas no financiamento de várias empresas.
Além disso, a Frente do Trabalho se apoderou, sem compensações, do "Banco
dos Operários e Empregados Alemães”, que antes do governo de Hitler, era o
Banco dos Sindicatos Alemães. Uma das empresas mais rendosas de Ley, a do
Carro do Povo, foi explicada com pormenores neste livro. Ligada à Frente do
Trabalho está também a instituição chamada “Força através da Alegria”, que
proporciona a seus membros viagens de férias baratas, entrada em teatros e
concertos a preços reduzidos, e cruzeiros baratos em vapores que foram
construídos expressamente para esse propósito, mas que hoje são empregados
pela Armada no transporte de tropas.

HERMANN MULLER — Originalmente presidente do diretório da União dos


Aprendizes Alemães, Müller tornou-se um dos lideres do partido
Socialdemocrata. Foi um dos signatários do Tratado de Versalhes e participou de
vários gabinetes alemães, como ministro dos negócios estrangeiros. Em 1920, e
de 1930 a 1938, Müller foi chanceler do Reich. Juntamente com Stresemann,
tentou estabelecer relações de amizade com os países vitoriosos e tornar o
Tratado de Versalhes mais suportável para a nação alemã. No entanto, quando
chefiou a delegação alemã à Assembleia da Liga das Nações, em 1928, durante a
primeira doença de Stresemann, sua falta de diplomacia criou uma séria tensão
entre ele, Briand e Austen Chamberlain, situação essa que Stresemann mais
tarde teve de aliviar. Müller foi substituído por Heinrich Brüning em 1930,
morrendo algum tempo depois.

GUSTAV NOSKE — Durante muitos anos Noske foi redator-chefe do


Volksstimme em Chemnitz, Saxônia, um jornal socialdemocrata moderado.
Eleito para o Reichstag, criticou o Alto Comando durante a primeira Guerra
Mundial, e por essa razão foi nomeado ministro da guerra pelo governo
republicano depois da revolução. Enquanto se manteve nesse posto, Noske foi
um adversário decidido dos radical-socialistas e dos comunistas, o que lhe valeu
o ódio de ambos os grupos. Por outro lado, ficou cada vez mais sobre a
influência aos oficiais reacionários que o cercavam no Ministério da Guerra.
Mais tarde teve uma decepção: esses oficiais, nos quais depositava tanta
confiança, se voltaram contra a república, por ocasião do Putsch de Kapp.
Quando o governo democrático voltou a Berlim, depois do Putsch, Noske teve
de resignar.

KARL RADEK — Este socialdemocrata polonês emigrou para a Alemanha


antes da primeira Guerra Mundial. Na Alemanha colaborou ele em vários jornais
democráticos. Durante a Guerra, foi à Suíça, onde se tornou amigo íntimo de
Lenine, a quem acompanhou até a Rússia, em 1917. Depois do colapso alemão,
o governo soviético mandou Radek para a Alemanha, como emissário da Rússia.
De volta a este país, Radek se distinguiu em atividades jornalísticas. Na
purgação soviética de 1937, foi condenado a dez anos de prisão.

ERICH H. A. RAEDER — Oficial de marinha de longa experiência, Raeder foi


promovido a almirante e nomeado Chefe do Comando da Armada pelo governo
alemão em 1928. Em 1935 Hitler renovou essa comissão, e em 1939 fê-lo
Grossadmiral. Desde 1938 Raeder tem sido membro do Conselho de Gabinete
secreto de Hitler.

HERMANN RAUSCHNING — Por muitos anos Rauschning era, entre os


homens de confiança de Hitler, um dos mais jovens. O Führer nomeou-o
presidente do Senado da Cidade Livre de Dantzig. Depois de ter pertencido por
muitos anos ao partido Nacional-Socialista, a despeito de seus crimes e horrores,
Rauschning de súbito fugiu da Alemanha e tentou justificar sua conversão em
vários livros. Sua obra — A Voz da Destruição — é de particular interesse, pois
contém conversações com Hitler que, antes do rompimento da guerra, pareciam
artificiais e não muito dignas de confiança, mas cuja veracidade foi confirmada
pelos fatos verificados na Bélgica, na Holanda e na França.

ERNST RÖHM — No princípio da carreira de Hitler, Röhm, oficial do antigo


exército imperial, ajudou a financiar o partido nacional-socialista fazendo para
isso uso do tesouro do exército alemão. Depois de passar alguns anos na
República da Bolívia, onde esteve empenhado na reorganização do exército,
Röhm voltou à Alemanha e começou sua amizade íntima com Hitler. Inspirado
pelos métodos mais violentos usados nas revoluções sul-americanas, criou as
tropas SA, como uma preparação para a luta interna que se aproximava na
Alemanha. Depois que Hitler subiu ao poder, Röhm alargou o escopo das suas
tropas; encontrou por isso a oposição do Reichswehr, cujos oficiais o acusavam
de estar planejando a elevação das SA a uma posição superior à do exército
regular. Acontecimentos misteriosos levaram Hitler — certamente não sem a
influência dos círculos militares — a vislumbrar perigo no espírito que animava
as Tropas de Assalto. A 30 de junho de 1934, o Führer seguiu às pressas para
Munich, onde lhe "contaram” que Röhm estava preparando uma revolta. Adolf
Hitler matou seu amigo, depois de mandá-lo despertar de seu sono. Os horrores
que se seguiram a esse assassínio são conhecidos de todos; inúmeros nacional-
socialistas leais perderam a vida nessa ocasião apenas porque alguns dos
camaradas de partido abrigavam vagas suspeitas ou tinham queixas contra eles.

DR. HJALMAR SCHACHT — Tendo estudado economia nacional na


Universidade de Berlim, Schacht fez uma rápida carreira bancária e foi
nomeado, a despeito de sua pouca idade, diretor do "Banco Nacional da
Alemanha”, que mais tarde fez fusão com o "Banco de Darmstädter”. Durante a
primeira Guerra Mundial, Schacht ocupou importante posto na administração
dos bancos na Bélgica ocupada. Depois da Guerra, foi um dos fundadores do
partido Democrático e um dos mais veementes advogados da democracia. Logo
depois do período da inflação, o Reichstag encarregou-o de controlar o dinheiro
alemão. Quando o Reichsbank foi reestabelecido, o poderoso Banco Central da
Alemanha — graças aos acordos Dawes — Schacht foi feito presidente dessa
instituição, a despeito da oposição da alta finança e da diretoria que administrava
o Reichsbank. Vários anos mais tarde, Schacht, de maneira absolutamente
inesperada, abandonou o partido democrático, sob a alegação de que se opunha à
decisão que esse partido tomara de recusar uma compensação para os antigos
príncipes reinantes da Alemanha, pelos fundos que eles haviam deixado no país;
Schacht alegou mais que, na sua qualidade de presidente do Reichsbank, não
podia explicar a nenhum governo estrangeiro a declaração de seu partido em
favor da confiscação de propriedades privadas. Em 1928, Schacht foi a Paris,
mandado como perito pelo governo alemão, afim de tomar parte numa
conferência em que seria discutida uma suavização das obrigações da Alemanha
relativamente às reparações. A atitude de Schacht foi tão agressiva que a
conferência quase fracassou. Depois que o governo alemão aceitou o Plano
Young, Schacht deixou a presidência do Reichsbank, mas foi chamado ao seu
posto por Hitler, em 1933. Em 1934 foi nomeado também ministro da economia.
Foi ele quem inventou os métodos subtis que tornaram possível ao regime nazi
aumentar o escopo da inflação na Alemanha, sem que o público alemão o
percebesse. Em 1936 o dr. Schacht abandonou a presidência do Reichsbank e, no
ano seguinte, o seu posto de ministro da economia. Sua resignação, segundo
parece, foi motivada pela sua oposição ao Marechal Göring, que então tomou a
chefia total da economia alemã. Não obstante, o Dr. Schacht colabora ainda com
o governo, a serviço do qual fez várias viagens ao estrangeiro.

SCHLAGETER — Este jovem tomou parte ativa em vários "Corpos Livres’’


alemães. (Vide Ebrhardt) Durante a ocupação do Ruhr, foi acusado de sabotagem
pelas autoridades francesas e fuzilado. Desde então os nacional-socialistas o têm
entre os seus santos nacionais.

DR. KURT SCHMIDT — Permaneceu por breve período como ministro da


economia do governo nacional-socialista; resignou porque não desejou ficar
responsável pelo fato de, sob regime nazi, terem os ministérios de receber ordens
dos membros graduados do partido nacional-socialista, no tocante a decisões
políticas e econômicas. Depois de resignar, voltou à sua antiga posição de diretor
geral de uma grande companhia alemã de seguros.

HUGO STINNES — Figura preeminente das indústrias de carvão, ferro e aço da


região do Ruhr. Durante a primeira Guerra Mundial, ele não só recebeu enormes
pedidos do exército como também conseguiu exercer grande influência sobre o
general von Ludendorff. Estava particularmente interessado no plano de anexar a
região industrial belga de Campine. Depois da derrota alemã, Stinnes tornou-se
membro do Partido do Povo, no qual fez oposição feroz a Stresemann, seu
fundador. Convenceu-se depois de que o governo alemão não pretendia terminar
com a inflação, cessando a impressão de notas de banco. Decidiu combater o
dinheiro alemão em larga escala, e comprou todas as empresas que pôde no
momento. Ficou assim proprietário não só das minas de carvão e das usinas de
ferro e aço que já tinha, como também duma cadeia de usinas cuja variedade ia
desde as fábricas de papel até às refinarias de petróleo e à indústria
cinematográfica. Além do mais, Stinnes era proprietário também do Deutsche
Allgemeine Zeitung, importante diário de Berlim. Depois que o dinheiro alemão
foi estabilizado, faltou-lhe o capital suficiente para manter em funcionamento
todas essas empresas. Uma morte súbita ajudou-o a sair desse problema, cuja
solução ficou entregue a seus filhos. Estes fracassaram nas suas tentativas de
conseguir dos banqueiros o capital que necessitavam, e assim as grandes
empresas de Stinnes sofreram um colapso.

GREGOR STRASSER — Natural da Westphalia, Gregor Strasser se instalou na


província bávara de Francônia, como proprietário de farmácia. Alistou-se no
movimento Nacional-Socialista, quando este se encontrava ainda nos seus
primórdios. Tornou-se um dos colaboradores mais chegados de Hitler. Em 1932
surgiu entre ambos um desacordo, porque Strasser não aprovou a intenção de
Hitler de tomar o poder sem a participação de nenhum outro partido. Strasser
iniciou negociações com o general Schleicher, com o fim de entrar no gabinete
deste e tornar possível ao general o estabelecimento dum governo apoiado por
todos os elementos do trabalho alemão. Strasser contava com muitos adeptos no
caso de haver cisão no partido nacional-socialista. Hitler, entretanto, conseguiu
isolar Strasser e em seguida vingou-se dele. (Gregor entrementes se tornara
administrador de uma grande empresa de produtos químicos) Mandou-o matar
na noite de 30 de junho de 1934.

JULIUS STREICHER — Já nos tempos imperiais Julius Streicher publicava o


Stürmer, um semanário de Nuremberg notoriamente antissemita e de caráter
pornográfico. Atacava ele também todas as pessoas que Streicher suspeitasse de
simpatias republicanas. No entanto nunca puderam chamar seu diretor à
responsabilidade, embora uma vez ele tivesse sido processado por sadismo,
porque Streicher sempre podia apresentar uma declaração oficial de que sofria
das faculdades mentais. Isso, entretanto, não evitou, que, na qualidade de amigo
íntimo de Hitler, ele ficasse com o domínio absoluto da província de Francônia.
O “Czar da Francônia" ainda publica o seu jornal sanguissedento, que tem a
sanção oficial do governo. Streicher é o líder da política alemã do programa. Seu
semanário, naturalmente, tem larga distribuição nos países agora ocupados pela
Alemanha.

DR. GUSTAV STRESEMANN — Stresemann era membro do partido Nacional


Liberal, que ele representava no Reichstag antes da primeira Guerra Mundial.
Durante o conflito ele foi partidário duma guerra submarina sem restrições. No
último ano da Guerra, mudou de opinião, pediu reformas políticas e combateu os
reacionários Junkers da Prússia. Depois do colapso alemão, os fundadores do
novo partido Democrático não lhe perdoaram a atitude anterior e recusaram-se a
dar-lhe uma posição de destaque em seu partido. Isso o obrigou a fundar o
Partido Alemão do Povo. Quando a ocupação do Ruhr causou o colapso total das
finanças e da economia alemãs, Stresemann foi chamado para formar o novo
gabinete, o que fez na base duma coalizão de partidos. A política exterior de
Stresemann levou aos acordos Dawes, à conferência de Locarno em 1925, e, em
1926, à admissão da Alemanha no conselho da Liga das Nações.

Stresemann conquistou a amizade de Austen Chamberlain e especialmente de


Aristide Briand, amizades essas que duraram até a morte de Stresemann. Tendo
conseguido mais para a Alemanha do que qualquer outro homem
individualmente, e encontrando, não obstante, oposição à sua política da parte
dos membros de seu próprio partido, Stresemann sucumbiu a uma moléstia grave
no outono de 1929.

ALBERT VÖGLER — Na Alemanha imperial Vögler era já um dos diretores


mais influentes da região industrial do Ruhr. Subsequentemente tornou-se diretor
geral da Usinas de Aço Unidas, Inc., a mais poderosa e mais extensa das
empresas industriais na Alemanha, e cujo presidente era Fritz Thyssen. Depois
da revolução que se seguiu à Guerra Mundial, Vögler foi eleito para o Reichstag
pelo partido conservador de Povo Alemão, e tornou-se membro do Conselho
Econômico do Reichstag. Em todos os tempos apoiou ele todos os grupos que se
opunham aos gabinetes republicanos. Não obstante, foi enviado pelo governo,
junto com o dr. Schacht, às discussões preliminares do plano Young, que se
realizaram em Paris. Enquanto as discussões prosseguiam, ele subitamente se
voltou à Alemanha para consultar os amigos, os industrialistas do Ruhr, e
resignou seu mandato pela razão de não lhe agradarem as propostas de Paris.
Nas deliberações subsequentes no Reichstag sobre o Plano Young, foi o líder da
oposição nacionalista que recusou aceitar o plano.

WILHELM VON GRÖNER — Como chefe da Divisão de Transporte do Alto


Comando alemão, Gröner distinguiu-se durante a primeira Guerra Mundial
organizando transportes militares por estrada-de-ferro. Em vista de seu talento
organizador, o Kaiser nomeou-o chefe do Departamento de Abastecimento.
Dotado de espírito democrático, Gröner levou sua missão a cabo com sucesso,
em colaboração com os lideres dos sindicatos de trabalhadores alemães e com o
partido socialdemocrata. Chamado de volta ao Alto Comando, foi um dos
generais que aconselharam o Imperador a abdicar. Depois do colapso alemão, foi
o responsável pela boa ordem na qual os exércitos alemães voltaram a seus lares.
Gröner tornou-se ministro da defesa, no gabinete de Brüning, e por fim assumiu
também o ministério do interior. Enquanto permaneceu na direção dos negócios
do interior, proibiu o uso de uniformes "políticos”, medida que visava as
organizações nazis SA e SS. Pouco depois, foi derrubado pelas intrigas do
general von Schleicher, seu antigo subordinado no ministério da defesa.

GUSTAV VON KAHR —- Foi líder do movimento federalista de independência


da Baviera, que tinha por fim levar o Kronprinz Rupprecht da Baviera no trono
bávaro. Sendo nomeado Comissário do Estado Bávaro em 1922, sua atitude
encorajou o então incipiente movimento nacional-socialista em Munich. Quando
Hitler, em causa comum com Ludendorff, proclamou seu próprio governo numa
cervejaria de Munich (o “Bürgerbräu”) a 9 de novembro de 1923, estava ele
certo de que Kahr se achava de seu lado. Durante aquela mesma noite,
entretanto, Kahr reconheceu o perigo e a inutilidade do novo movimento e
ordenou à polícia que fizesse fogo contra os nacional-socialistas que,
comandados por Hitler e Ludendorff, marchavam solenemente para o
Feldberrhall de Munich. Como seu golpe falhasse, Hitler foi acusado de alta
traição e condenado à prisão na Fortaleza de Landsberg. Logo que subiu ao
poder, o Führer, como vingança, ordenou o assassínio de Kahr.

ERICH VON LUDENDORFF — Considerado, mesmo antes da Guerra


Mundial, um dos melhores generais da Alemanha, Ludendorff revelou sua
capacidade na tomada das fortalezas belgas de Liège. Como chefe do estado-
maior do marechal Hindenburg, gozava ele da reputação de ter ganho a batalha
dos Lagos Masurianos, na frente russa. Quando Hindenburg assumiu o Alto
Comando, em 1916, Ludendorff se associou a ele. A conduta de Ludendorff na
guerra na frente ocidental foi assunto de larga controvérsia entre peritos
militares. Quando a última ofensiva de Hindenburg, em 1918, redundou em
fracasso, Ludendorff insistiu em que o governo do Príncipe Max of Baden
pedisse ao inimigo um armistício. Esperando que os acontecimentos tomassem
um rumo diferente do verificado, Ludendorff temeu, depois do estabelecimento
da República alemã, que o pudessem chamar à responsabilidade perante um
tribunal militar, e fugiu disfarçado para a Suíça. Descobriu, porém, que seus
temores eram infundados e em breve voltou à Alemanha, onde a princípio se
conservou silencioso, enquanto escrevia ativamente suas memórias. Mudando-se
para Munich, reentrou na vida pública, conspirando com Kapp, conseguindo
fundos para Hitler e participando do Putsch de 1923. Embora tivesse sido
absolvido do crime de alta traição, Ludendorff, parece, começou daí por diante a
sofrer duma doença mental. Em breve ficou inteiramente dominado pela segunda
esposa, Dra. Mathilde Ludendorff, a qual, apesar de ser especialista de doenças
mentais, fundou uma nova religião “ariana” que ela chamava “a Fonte da Força
Alemã”. Ludendorff tornou-se seu profeta e assim perdeu a maioria de seus
antigos amigos. Quando Hitler, com quem ele também teve uma discussão, lhe
ofereceu repetidamente o comando dos exércitos alemães, Ludendorff recusou.

FRANZ VON PAPEN — Como adido militar alemão em Washington, durante a


Guerra Mundial, Papen teve grande parte da responsabilidade nos notórios atos
de sabotagem verificados através dos Estados Unidos, os quais contribuíram
para que a América entrasse na guerra. Depois que a guerra terminou, von Papen
adquiriu grande fortuna, casando-se com a filha dum rico industrialista da região
do Sarre. Como católico, entrou para o Reichstag, eleito pelo partido do Centro.
Fez entretanto intrigas contra o seu próprio partido, que ele tentou jogar para a
direita. Quando as suas intrigas e as do general Schleicher deitaram por terra o
gabinete de seu colega de partido Brüning, em 1932, Papen tornou-se chanceler
do Reich. Uma vez nesse posto, não só tentou introduzir a ditadura na Alemanha
como também organizou um golpe na Prússia, ordenando a prisão de todos os
membros do gabinete prussiano. Durante o curto tempo em que permaneceu
nesse cargo, Papen foi extremamente bem sucedido na sua política estrangeira,
porque na conferência de Lausanne conseguiu o consentimento dos Aliados para
a cancelação das reparações, depois do pagamento final de um bilhão de
Reichsmarks em contado. O governo de Papen foi derrubado pelas maquinações
do general Schleicher. Vários meses mais tarde Papen vingou-se, causando a
queda de Schleicher, que foi substituído por Adolf Hitler. A 30 de junho de 19
34, quando Röhm e muitos outros, foram assassinados, tropas armadas
penetraram no gabinete de Papen e mataram seu secretário. Papen, no entanto,
permaneceu nas boas graças de Hitler, que o utilizou em várias missões
diplomáticas. Como embaixador da Alemanha em Viena, Papen preparou o
Anschluss austríaco; subsequentemente foi nomeado embaixador de sua pátria
em Ankara, Turquia.

KURT VON SCHLEICHER — Antigamente membro do estado-maior do


exército Imperial, recebeu um importante posto administrativo no ministério da
defesa da República alemã. Foi logo promovido ao posto de coronel e depois ao
de general. Como gostasse de política, favoreceu os chamados ‘‘Reichswehr
Negro” — as divisões ilegais do exército cuja existência ele habilidosamente
escondia tanto do Reichstag como dos Aliados. Schleicher simpatizou com o
movimento nacional-socialista desde o princípio; quando o general Gröner,
ministro da defesa no gabinete de Brüning, proibiu o uso de uniforme às milícias
nacional-socialistas, Schleicher conspirou para derrubar o general Gröner, seu
superior. Quando conseguiu fazer cair o gabinete de Brüning, Schleicher achou
que sua hora não tinha chegado, e utilizou-se de von Papen como testa-de-ferro.
Papen foi subitamente demitido pelo Presidente von Hindenburg, sob a
influência das intrigas renovadas de Schleicher. Por desejo expresso do
Presidente, Schleicher entrou abertamente no campo da política e aceitou o
encargo de formar novo gabinete. Embora pretendesse governar ditatorialmente,
desejou dar ao regime uma aparência de popularidade e para isso encorajou o
trabalho. Sua intenção verdadeira, entretanto, era separar os sindicatos de
operários dos seus partidos afiliados. Simultaneamente pretendia provocar uma
cisão no partido nacional-socialista, puxando para seu lado um de seus lideres,
Gregor Strasser. Mas antes que essas preparações pudessem trazer o resultado
desejado, Schleicher já não era mais chanceler. Papen se havia vingado; voltara o
presidente von Hindenburg contra Schleicher, contando-lhe que o general estava
planejando uma revolta armada contra ele e que suas tropas se achavam
estacionadas em Potsdam, prontas a marchar sobre Berlim. Schleicher foi
demitido pelo presidente e substituído por Hitler. A 30 de junho de 1934,
Schleicher e sua esposa, que tentou protegê-lo, foram mortos a tiros por um
grupo de membros das Tropas de Assalto. A explicação semioficial dessa morte
foi a de que Schleicher havia conspirado com o embaixador francês François
Poncet. Na realidade M. François Poncet, amigo de Schleicher, tinha apenas
contado em Paris que era praticamente certo de que o exército poria fim ao
regime antes do fim do ano. Além disso, Schleicher, segundo se dizia, possuía
documentos que provavam a corrupção do marechal Göring e também guardava
consigo a prova de que Hitler tinha obtido a Ordem da Cruz de Ferro por meios
irregulares.

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