Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
FRITZ THYSSEN
EU FINANCIEI HITLER
Tradução de
ÉRICO VERÍSSIMO
Porto Alegre
Este livro apareceu originalmente em língua inglesa, nos Estados Unidos, sob o
título de
I PAID HITLER
1942
A HISTÓRIA DESTE LIVRO
ESTE extraordinário livro tem uma história extraordinária, que merece ser
contada.
Sou obrigado a mencionar isso porque, neste caso particular das memórias de
Thyssen, terei de fazer algumas declarações que só poderão ser confirmadas pela
minha situação anterior.
Fui imediatamente procurar M. Paul Reynaud, que era então Ministro dos
Negócios Exteriores, bem como Premier. Expliquei-lhe a importância política da
publicação das memórias de Thyssen e ele concordou enfaticamente comigo. O
problema era descobrir um modo de persuadir Thyssen a escrever e publicar suas
confissões sem mais delongas. Contei a M. Reynaud que conhecia o homem que
me podia apresentar a Thyssen, e que provavelmente conseguiria também
persuadi-lo a me confiar a publicação de suas memórias. Infelizmente esse
amigo de Thyssen achava-se em Londres e era muitíssimo difícil, em vista da
censura existente e da proibição dos chamados telefônicos internacionais, fazer
que ambos se pusessem em comunicação. M. Reynaud deu instruções a um de
seus attachés para que me auxiliasse, permitindo-me usar a linha telefônica do
Quai d’Orsay para o Edifício da Embaixada Francesa de Londres.
Passei um dia dramático e quase uma noite inteira na sala do attaché, no Quai
D’Orsay. Deixei o gabinete de M. Reynaud mais ou menos ao mesmo tempo em
que o expresso Paris-Bruxelas, no qual Thyssen viajava, partia dessa última
cidade. Como não sabíamos onde Thyssen se hospedava em Paris, a Süreté foi
encarregada de nos dar conta de todos os seus movimentos. Recebíamos
mensagens mais ou menos de meia em meia- hora. “Thyssen cruzou a
fronteira...” “Thyssen passou por St. Quentin...” “Thyssen chegou à Gare du
Nord ...” ... e finalmente: “M. e Mme. Thyssen chegaram ao Crillon Hotel...”
Nosso primeiro encontro foi muito cordial e durou quase duas horas. Declarou-
me ele que estava preparado a publicar imediatamente as cartas que endereçara a
Hitler, Göring e às outras autoridades, depois de sua ruptura com os nazis, e nas
quais explicava a razão por que deixara a Alemanha. De fato, já mandara até
cópias dessas cartas a um amigo da América, para que ele as publicasse.
Acrescentou que gostaria de ver as cartas divulgadas também na Inglaterra, na
França e em tantos países mais quanto fosse possível, mas que no momento não
queria fazer novas declarações.
Enquanto Thyssen permaneceu em Paris, estive com ele todos os dias. Perguntei-
lhe um dia a queima roupa: “Quer ajudar-nos a destruir Hitler ou não?” Quando
sua resposta foi um “Sim” incondicional, procurei fazê-lo concordar comigo em
que as coisas que ele tinha a dizer, os documentos e o material que tinha em seu
poder deviam ser publicados durante a guerra e não depois dela, se quiséssemos
que eles produzissem efeito. Depois da terceira ou quarta conversação, Thyssen
veio a compreender que em meio de uma guerra contra o hitlerismo de nada nos
servia possuir armas poderosas se não usássemos delas imediatamente.
Thyssen estava ansioso por reaver alguns documentos seus que depositara na
caixa-forte de um banco de Lucerna, Suíça. Discuti o assunto no Quai D’Orsay e
eles se prontificaram a mandar um correio diplomático especial afim de trazer
esses papéis para a França. Depois da estada de uma semana em Paris, M. e
Mme. Thyssen embarcaram para Monte Carlo. Os documentos chegaram da
Suíça quatro dias mais tarde, e eu desci à Riviera com um de meus
colaboradores, que devia ajudar Thyssen a preparar o livro, e com um secretário.
Thyssen estava hospedado no Hotel de Paris, em Monte Carlo. Coloquei meu
colaborador junto dele, no Beau Rivage Hotel, e para iludir a atenção de
inúmeros espiões italianos, que então se achavam naquela zona, fui parar dez
milhas longe no Grand Hotel de Cap Ferrat, que é um dos lugares mais
tranquilos e o ponto mais encantador da Riviera. Havia poucos hóspedes no
hotel, e entre eles sir Nevile Henderson, antigo Embaixador Britânico na
Alemanha, o qual por aquela época recém havia terminado de escrever seu livro
sobre o fracasso de sua missão em Berlim. Perto do hotel ficava a vila do antigo
Premier Flandin, que muitas vezes tive ocasião de avistar, durante minha estada
em Cap Ferrat. Andava ele muito interessado em saber a razão por que Thyssen
ficara tão inimigo de Hitler.
Passei cerca de três semanas na Riviera, trabalhando com Thyssen dia e noite.
Habitualmente ele começava a trabalhar às nove e meia da manhã e ditava sem
interrupção durante três horas. Ditava com rapidez e fluência, quase sempre em
alemão e às vezes em francês, saltando dum assunto para outro, dando a
impressão de um homem que está cheio, a ponto de explodir, de coisas a contar e
que não sabe como se desembaraçar delas da maneira mais rápida. À uma hora
nós de ordinário íamos almoçar juntos, continuando o trabalho em discussões
prolongadas. O ditado da manhã era datilografado à tarde e submetido à sua
revisão à noite. Thyssen corrigia todas as páginas com a maior meticulosidade,
duas ou três vezes, até que finalmente aprovava os capítulos um por um.
Durante nossa colaboração em Monte Cario, Thyssen me causou uma impressão
inesperada. Era a primeira vez que eu via Thyssen, mas o homem revelou-se
exatamente o oposto do tipo que se podia imaginar para o rei do aço, principal
fabricante de armamentos e financiador do nazismo. Era um cavalheiro idoso e
encantador, de ordinário cheio de espírito, e dotado de um perfeito “sense of
humour”. Gostava da boa mesa e dos melhores vinhos, e nossos almoços
raramente duravam menos de três horas. Levei-o aos famosos restaurantes da
Riviera — ao “Château Madrid” no alto das montanhas, ao “Bonne Aiuberge”,
perto de Antibes, ao “Colombe d’Or” no romântico St. Paul, e a todos os outros
lugares da mais alta cultura gastronômica. Durante esses almoços Thyssen
contava história sobre história, algumas delas incríveis. Nenhum dos chefes
nazis e muito poucos de seus colegas de indústria escapavam a suas observações
agudamente maliciosas. Contou-me dúzias de histórias em torno das vidas
privadas dos lideres alemães, histórias essas que infelizmente não podem ser
reproduzidas neste livro.
Quando falava dos problemas sérios e de suas experiências, ele interrompia seu
monólogo quase todos os dias, batendo com o punho na testa e exclamando para
si mesmo “Ein Dummkopf war ich...! Ein Dummkopf war ich...! (Que tolo eu
fui...! Que tolo eu fui...!) Reafirmava então a esperança de que seu livro fosse
publicado rapidamente na América. “Eu gostaria contar minhas experiências aos
industrialistas americanos”. Era esta uma frase que Thyssen muitas vezes
pronunciava.
Fiquei com a impressão clara de que seu sentimento contra Hitler não era só
sincero, mas apaixonadamente sincero. Thyssen respondeu a todas as perguntas
que eu lhe formulei e contou tudo quanto sabia — com uma exceção. Não quis
me dizer a quantia exata que havia dado aos nazis, embora me declarasse que
tinha guardado em um lugar seguro os recibos de todo o dinheiro que entregara
ao partido. Eu estava um tanto ansioso para conseguir uma cópia fotostática
desses recibos, afim de ilustrar o livro. Mas Thyssen não me quis dizer onde tais
documentos se encontravam.
Lá por fins de maio estávamos com a obra quase terminada. Mais de metade do
livro estava completa, corrigida e aprovada por Thyssen, pronta para a
publicação. Os capítulos restantes tinham sido todos ditados, mas antes dos
cortes e modificações finais, era necessário verificar a correção de datas e fatos,
coisa que não podia ser feita em Monte Carlo. Assim, tornei a Paris com a
intenção de estar de volta a Monte Carlo lá por princípios de junho, afim de
aprontar o livro para imediata publicação.
Ao chegar a Paris, o exército alemão já tinha aberto passagem por Sedan. O que
aconteceu durante os dias seguintes e o que foi a vida em Paris nesse período,
toda a gente sabe. A situação de hora em hora tornava-se mais perigosa, e eu não
podia pensar em deixar meu escritório para nova viagem a Monte Carlo sem
saber se o exército alemão seria ou não detido em alguma parte, ou se devíamos
fugir de Paris.
Desejo ser bem claro e evitar qualquer má interpretação. Não pretendo defender
nem proteger Thyssen. Nunca deixei de saber que ele é um dos homens mais
responsáveis pela ascensão de Hitler e dos nacional-socialistas ao governo da
Alemanha. Também sei que foi Thyssen provavelmente o maior responsável
pelo “torpedeamento”, por parte da Alemanha, da Conferência do
Desarmamento, e que também ainda ele e alguns de seus amigos são
provavelmente mais culpados, até mesmo que Hitler, das misérias que os nazis
desencadearam sobre o mundo. Durante cerca de vinte anos, Fritz Thyssen se
entregou a um jogo político muito grande e muito perigoso, e não creio que ante
o tribunal da História sua confissão resumida na frase “Que tolo eu fui!” seja
defesa suficiente para absolvê-lo.
Mas nada tinha eu a ver com Thyssen perante o foro público. Conheci-o quando
ele era um refugiado. Fiz com ele um acordo entre autor e editor e tive depois a
muito forte impressão de que não devia publicar suas memórias antes de ter a
certeza de que ele estivesse livre ou morto.
Mas, — deixando de lado por completo o efeito que estas confissões possam ter
em sua vida pessoal, — estamos empenhados numa luta de vida e de morte
contra o hitlerismo e o que quer que consiga ferir Hitler, para nós é arma lícita.
Acho que não devemos ter a fraqueza de capitular àquela velha e horrível
chantagem da Gestapo que paralisa as atividades das criaturas livres, torturando-
lhes os amigos e parentes nos campos de concentração.
Acho que devíamos ter a coragem de sacrificar os que estão nas mãos da
Gestapo, por mais chegados quo eles nos sejam pessoalmente, e de continuar
lutando sob todas as circunstâncias. Nunca conseguiremos destruir esse
monstruoso sistema de escravidão humana se, em face dele, nós nos deixarmos
guiar pelo sentimento e não pelo mais frio dos raciocínios.
Foi o ataque de Hitler à Rússia que me forneceu o argumento final para fazer
publicar este livro. Imediatamente depois do início da guerra russo-alemã
ouvimos a voz de pessoas que ocupavam as posições mais altas, dizendo que
Hitler tinha voltado a seu velho programa e que ele é o homem que nos vai
salvar do comunismo. Foi para provar que esta ideia é o maior dos enganos
possíveis do nazismo que Fritz Thyssen havia resolvido apelar para o mundo,
contando às nações livres as suas experiências. O destino de Fritz Thyssen, o
grande nacionalista alemão, o mais poderoso dos industrialistas de sua pátria, e o
católico devotado, é um exemplo notável de como Hitler está protegendo os
patriotas, os industrialistas e os cristãos contra o comunismo.
EMERY REVES
Os capítulos restantes foram ditados por ele, mas não foram corrigidos nem
revisados. Alguns desses capítulos contêm repetições; certos parágrafos não se
acham no lugar devido. Teria sido fácil arranjar esses capítulos, evitando a falta
de fluência em algumas partes, mas achamos que eles deviam ficar na forma em
que Thyssen os deixou.
E. R.
NOTA DO TRADUTOR
O fato de eu traduzir este livro não quer dizer que eu tenha por Fritz Thyssen
uma admiração especial, nem que esteja de acordo com todas as suas ideias.
Significa, apenas, que desejei contribuir para que os leitores brasileiros
pudessem ler em seu idioma as confissões desse industrialista alemão que com
tão dramática veemência nos mostra os perigos, misérias, crueldades e mentiras
do nazismo.
Não seria mau também aproveitar mais esta oportunidade para declarar que o
novo mundo de paz e justiça social que desejo, não só estará fechado aos Hitlers,
Göerings e Himmlers, como também não oferecerá clima propício ao
florescimento dos Thyssens.
Erico Verissimo
PREFÁCIO DO AUTOR
ESTE livro tem em mira ser algo mais que a história de um erro cujas
consequências trágicas conheço tão bem como qualquer outro. Não basta
arrepender-se a gente do passado; devemos tirar proveito das lições recebidas. A
guerra em que Hitler precipitou o mundo, exige que todos os homens dignos
desse nome cinjam a espada e lutem.
Sustentei Hitler e seu partido durante os dez anos que precederam a ascensão de
ambos ao poder. Eu mesmo fui um nacional-socialista, e vou explicar por quê.
Hoje, exilado e fugitivo por ter cumprido o meu dever manifestando-me contra a
guerra, desejo contribuir para a queda de Adolf Hitler, esclarecendo a opinião da
Alemanha e do mundo em geral no que diz respeito ao Führer e aos chamados
lideres menores da Alemanha contemporânea.
Hitler nos ludibriou a todos. Mas, depois de sua ascensão ao poder, conseguiu
iludir também os estadistas estrangeiros, do mesmo modo como iludira os
alemães antes de 1933.
Hitler rearmou a Alemanha num grau incrível e com uma rapidez nunca vista.
As Grandes Potências fecharam os olhos a esse fato. Não teriam mesmo
reconhecido o perigo, ou será que desejavam ignorá-lo? Fosse como fosse, não
tomaram medidas tendentes a evitar o rearmamento ilegal da Alemanha. Nem
mesmo chegaram a armar-se, para em tempo fazer frente ao perigo.
Se não quisermos que a civilização humana pereça, devemos então fazer tudo
para tornar a guerra impossível na Europa. Mas a violenta solução sonhada por
Hitler, criatura primitiva obcecada por reminiscências históricas mal digeridas, é
uma loucura romântica e um anacronismo bárbaro e sangrento.
Deve-se dar à Europa uma segurança política definitiva, tal como existe por
exemplo na América. De outro modo será o fim de nosso velho continente e da
civilização da qual a Europa é o berço. Se a presente provação tiver uma
significação qualquer, ela nos deverá levar à fundação dos Estados Unidos da
Europa, de uma forma ou de outra. Essa e a minha convicção.
Neste livro tentei expender certas ideias a que estou profundamente ligado. Não
são resultado de improvisação. Como chefe de uma das maiores empresas
industriais da Alemanha, durante vinte anos, tive de fazer frente às
consequências duma paz abortiva. Os vagares do exílio me proporcionaram
tempo para refletir numa experiência que às vezes me foi simplesmente dolorosa
e não raro trágica. O resultado de minhas meditações está consignado nestas
páginas. Que elas valham como a contribuição de um homem de boa-vontade à
paz que está para vir!
FRITZ THYSSEN
Monte Carlo.
Fritz Thyssen
PRIMEIRA PARTE
A 15 de agosto de 1939 cheguei com minha mulher a Bad Gastein, nos Alpes
austríacos. Necessitávamos de repouso. Aquele ano tinha sido particularmente
trabalhoso e cheio de aflições.
A situação, além disso, estava perfeitamente clara. Nem a França nem a Grã-
Bretanha podia aceitar um segundo Munich. Como foi que Hitler e Ribbentrop
não compreenderam isso? Um ano antes, o primeiro-ministro britânico, um
homem de setenta anos, tomara um avião pela primeira vez em sua vida e viera
até a Alemanha para negociar com Hitler. O premier francês embarcara para
Munich com o mesmo fim. Chegou-se a uma solução segundo a qual a
Alemanha recebia tudo quanto queria. Foi um sucesso sem precedentes. Nenhum
imperador alemão conseguira coisa que se lhe comparasse. Um grande estadista
como Bismarck haveria compreendido que Munich era uma dádiva excepcional
dos deuses. Teria feito tudo quanto estivesse ao seu alcance para evitar a dois
grandes países ocidentais a sensação de que tinham sido humilhados. Acima de
tudo, Bismarck se teria empenhado na consolidação pacífica dos resultados tão
facilmente obtidos.
Entrementes, meu genro, o conde Zichy, tinha vindo visitar-nos em Gastein, com
minha filha Anita e com o meu neto de dois anos e meio. Pretendiam eles ficar
conosco por uma semana. Era uma visita inteiramente imprevista. Straubing, o
lugar onde eles residem na Bavária meridional, fica apenas a algumas horas de
automóvel de Gastein. Eu ainda achava que não havia motivo para inquietude.
(Assinado) THYSSEN”
Desse modo, não obstante o obstáculo material, senti que tinha cumprido o meu
dever como homem livre e como membro responsável do Reichstag. Informara o
governo de minha absoluta oposição à guerra. Devo acrescentar que naquele
momento não tinha intenção de deixar a Alemanha. Estava alarmado e ao
mesmo tempo enojado ante a perspectiva de um ato de loucura da parte de
Hitler, ato que nem os generais nem ninguém conseguira evitar.
Estava eu a meditar sobre tudo isso enquanto meu genro escutava Hitler pelo
rádio. Alguns minutos mais tarde ele entrou, absolutamente acabrunhado. “Hitler
— contou-me ele — anuncia que o exército alemão entrou na Polônia. Isso
significa guerra. E Hitler diz também que quem não estiver consigo é traidor e
como tal será tratado”.
Essa frase sinistra era a resposta ao meu telegrama. O que ela significava estava
claramente demonstrado pelo fim miserável de meu sobrinho em Dachau.
Não havia para mim possibilidade de permanecer na Alemanha sem expor minha
própria vida e a daqueles que me são caros. De acordo com minha mulher e meu
genro, decidi deixássemos o país. Quis a Providência que todos estivéssemos
juntos naquele momento crítico, porque eu nunca teria partido se tivesse de
abandonar meus filhos como reféns à Gestapo.
MEMORANDUM
3. Encaro essa observação não apenas como uma ameaça, mas também como
uma usurpação dos direitos dum membro do Reichstag que a Constituição me
outorga.
4. Não tenho apenas o direito de exprimir minha opinião, como também é meu
dever fazê-lo, uma vez que tenho a convicção de que a Alemanha está sendo
implacavelmente arrastada para um grande perigo. Hitler não tem o direito de
me ameaçar, quando exprimo minha opinião.
5. Agora, como antes, sou contra a guerra. Uma vez que a guerra foi
deflagrada, a Alemanha tudo deve fazer para que ela termine o mais cedo
possível, porque quanto mais tempo ela durar, mais severos serão para a
Alemanha os termos da paz.
9. Exijo que o povo alemão seja informado do fato de que eu, como membro
do Reichstag, votei contra a guerra. Se outros membros procederam do mesmo
modo, que o público também seja posto ao corrente disso.
Vögler telefonou para Berlim, informando-me depois que eles não queriam
receber nova carta minha. Mesmo assim eu a escrevi. O texto dessa carta será
mais tarde reproduzido. (1)
VÖGLER partiu para Berlim. Não tive mais notícias suas, embora ele tivesse
prometido informar- me dos resultados de seu inquérito em torno da misteriosa
morte de meu sobrinho no conhecido campo de concentração de Dachau. Antes
de sua partida, insistira ele para que eu voltasse à Alemanha, Respondi que
voltaria se o governo alemão publicasse o memorando que eu dirigira ao
Marechal Göring a 20 de setembro. Nenhuma resposta jamais chegou a minhas
mãos, e estou ainda esperando a publicação de meu memorando na Alemanha.
Vögler não foi a única pessoa que exerceu pressão sobre mim. Depois da
declaração de guerra vários alemães, que não se davam o trabalho de esconder
sua falta de entusiasmo pelo regime, vieram ver-me na Suíça. Diziam: “Agora
que a guerra foi declarada, todos nós devemos unir sob o comando de Hitler,
porque ele representa a Alemanha.” A tentativas como essas para me fazer voltar
atrás, eu respondia: “Não; porque esse homem vai levar o povo alemão a um
desastre. Minha resolução é inabalável.”
“Prezado senhor
2. Pode ser que meu telegrama não tenha chegado a tempo, a despeito do fato
de ter sido enviado no momento em que me convocavam para uma reunião do
Reichstag.
Embora possa ser possível que esse telegrama não tenha influído no discurso do
Führer, as circunstâncias não obstante eram de molde a me convencer do
contrário, uma vez que, segundo acredito, só eu, entre todos os membros, ousei
exprimir uma opinião discordante.
“Minha censura de nada serviu. Como protesto, pedi demissão de meu cargo de
conselheiro de Estado. Fiz um requerimento ao ministro das finanças da Prússia
pedindo mandasse cessar o pagamento dos vencimentos correspondentes a esse
cargo. Inútil. Os pagamentos continuaram, mas o dinheiro foi depositado numa
conta especial no Banco Thyssen, onde ainda se encontra disponível.
“E agora, pela terceira vez, quando, para cúmulo de males, a Alemanha uma vez
mais foi levada à guerra, sem nenhuma espécie de consulta ao Parlamento ou ao
Conselho de Estado, eu lhe declaro, de maneira absolutamente definida que me
oponho a essa política, e que manterei essa opinião mesmo que me acusem de
traição. Essa acusação — levando em conta que em 1923, absolutamente inerme,
sem a proteção de nove bilhões de marcos de armamento, organizei a resistência
passiva nas regiões ocupadas pelo inimigo, salvando assim o Reno e o Ruhr —
essa acusação é quase tão grotesca como o fato de o Nacional-socialismo ter-se
desembaraçado de repente de suas doutrinas afim de se acamaradar com o
Comunismo.
“Tudo que posso fazer agora é apelar com a maior urgência a V. e ao Führer para
que se abandone essa política que, no caso de ser hem sucedida, jogará a
Alemanha nos braços do Comunismo; e que, uma vez malograda, significará o
fim da Alemanha. Procurem descobrir a maneira como evitar ainda agora a
catástrofe.
“Em conclusão, desejo exprimir meu pesar pelo fato de que, afim de poder falar-
lhe francamente, eu tenha de escrever do estrangeiro. Mas V. há de ver que para
mim seria uma estupidez deliberada agir de outro modo em vista do destino que
tiveram por exemplo em 1934 os adversários políticos do regime. Que esses
métodos não mudaram é o que desgraçadamente ficou provado com o caso de
Remnitz que, como foi declarado no memorando que acompanhou minha carta
de 22 de setembro, morreu em Dachau, sem que ninguém fosse notificado da
causa de sua morte. O que constitui novidade para mim é o fato de não ter Herr
von Ribbentrop hesitado em anexar a propriedade do morto.
A carta foi posta no correio em Heidelberg e registrada em meu nome por pessoa
de minhas relações.
Essa foi a ruptura final. Daí por diante, conforme informei a Göring, com toda a
franqueza, eu seria o adversário político do regime nacional-socialista que eu
próprio amparara nos seus esforços para subir ao poder na Alemanha.
Permanecerei no estrangeiro afim de manter minha liberdade de opinião e minha
liberdade de ação.
Göring nunca acusou o recebimento de minha carta. Mas dessa vez tive razões
para acreditar em que ele a recebeu, porque a 13 de outubro de 1939, a Gestapo
sequestrou os meus bens na Alemanha. Essa foi, com toda a certeza, a sua
resposta. Herr Reinhardt, gerente do “Banco Particular e Comercial”, e chefe da
“Associação dos Bancos Particulares alemães”, dentro da organização nazi,
expediu a todos os bancos da Alemanha uma circular secreta cujo texto me foi
dado a conhecer. Rezava assim:
“Em virtude duma carta a mim dirigida pela polícia secreta do Estado, de seu
quartel general de Berlim, a 13 de outubro, chamei a atenção de todos os nossos
membros para a seguinte ordem expedida pela polícia estadual de Düsseldorf.
“Uma vez que nos foi impossível chegar a um cálculo exato das propriedades de
Herr Thyssen e de sua esposa, venho requerer-vos deis instrução a todos os
bancos, em circular confidencial, para que, dentro de cinco dias após o
recebimento desta carta, prestem informação quanto a todas as contas, depósitos
e cofres particulares que possuam no nome de Fritz-Thyssen e no de sua mulher,
nascida Amalie zur Helle, a 9 de dezembro de 1877, em Mühlheim-Ruhr. Esta
comunicação deve ser endereçada ao quartel general da polícia estadual de
Düsseldorf, à pessoa do Conselheiro Senhor Dr. Hasselbacher ou de seu
delegado.
Heil Hitler!
“Chefe da Associação Econômica dos Bancos Particulares Alemães”:
(Assinado) REINHARD!’
Essas pequenas histórias podem parecer um tanto ridículas. Mesmo assim são
muito significativas do ponto de vista econômico. Porque meu interesse
financeiro na maior empresa metalúrgica da Alemanha, as “Usinas de Aço
Reunidas”, em vez de ser transferido para o Reich, foi sequestrado pela Prússia?
Göring decerto tinha lá seus planos... Na verdade, a posse de grande número de
ações dessas usinas podia salvar Hermann Göring da bancarrota. Mais tarde
voltarei a falar a respeito dessa empresa metalúrgica.
Senhor,
Regierungspräsident Reeder
“Nenhuma razão foi dada para essa medida. Noto que não me foram movidos
processos legais, administrativos ou de qualquer outra espécie. Até o dia de hoje
não recebi nenhuma comunicação do governo alemão, além do que me trouxe o
dr. A. Vögler, em nome do Gauleiter de Essen, e na qual se me pedia a retirada
do memorando que apresentei, na qualidade de membro do Reichstag, e a
destruição de suas cópias, em troca de garantias de ordem pessoal e econômica.
É sabido que rejeitei essa oferta de paz, porque minha opinião política, como
membro do Reichstag, não está à venda. Além do mais, nunca fui intimado a
responder pela minha atitude pessoal ou política ou por qualquer outra. Vosso
ministério da propaganda se opusera de fato a qualquer ação contra mim.
Portanto, a confiscação de minha propriedade, conforme foi ordenada na Gazeta
oficial, especialmente por ser dirigida contra um membro privilegiado do
Reichstag, é uma transgressão aberta e brutal da lei, ilegal e inconstitucional.
Protesto veementemente contra essa medida, e declaro que o Governo do Reich,
e mais particularmente todos aqueles que tomaram parte nessa confiscação, ou
estão ainda envolvidos, nela, e sobretudo o depositário nomeado, o Barão von
Schröder, de Colônia, são pessoalmente responsáveis perante a lei. Há de chegar
o dia em que terei de defender os meus direitos. E especialmente eu vos advirto a
não deitar mão na propriedade de minha esposa, de meus filhos, do conde e da
condessa de Zichy, e no legado de meu pai, August Thyssen, que foi um dos
primeiros fundadores da grande indústria alemã.
“Minha consciência está limpa. Sei que não cometi nenhum crime. Meu único
erro foi o de, com todo o entusiasmo dum amante apaixonado de minha pátria,
ter acreditado em vós, o nosso líder, Adolf Hitler, e no movimento por vós
iniciado. Desde 1923 tenho feito os maiores sacrifícios pela causa nacional-
socialista. Lutei com palavras e atos sem pedir nenhuma recompensa para mim
mesmo, inspirado simplesmente pela esperança de que nosso infeliz povo
alemão um dia finalmente se reerguesse. Os acontecimentos iniciais que se
seguiram à ascensão dos nacional-socialistas ao poder, pareciam justificar essa
esperança, pelo menos enquanto Herr von Papen foi vice-chanceler — Herr von
Papen que foi o fiador junto a Hindenburg de vossa nomeação como chanceler.
“Denuncio a política dos últimos anos; denuncio, acima de tudo, a guerra a que
vós frivolamente arrastastes o povo alemão, e da qual vós e vossos conselheiros
devem ser os responsáveis. Meu passado me escuda contra a pecha de traição.
Em 1923, sem dispor de armas, organizei a resistência passiva nos territórios
ocupados, com grande perigo para minha pessoa, e desse modo salvei o Reno e o
Ruhr. Compareci diante dum conselho-de-guerra inimigo e destemerosamente
proclamei minha opinião como alemão. Mas é precisamente essa convicção que
me torna impossível renunciar aos ideais verdadeiros e à doutrina original do
Nacional-Socialismo os quais, como vós mesmos explicastes em minha casa, são
em essência idênticos aos princípios da monarquia alemã e capazes de nos
conduzir à paz social e a uma ordem estável. Permito-me relembrar que me
instruístes para constituir nesse sentido o Institut fur Standewesen em
Düsseldorf. Um ano mais tarde, é certo, vós me deixastes muito mais entregue a
meus próprios planos; e aprovastes o internamento do diretor do instituto,
nomeado por mim de acordo com Herr Hess, no mal-afamado campo de
concentração de Dachau. De Dachau, meu chanceler, onde meu sobrinho teve
morte súbita. Seu Schloss Fuschl, perto de Salzburg, foi dado como presente a
Herr von Ribbentrop, que teve o descaramento suficiente para receber nele o
ministro dos estrangeiros da Itália e enviado de Mussolini.
“Lembro-vos ainda que Göring não foi em absoluto mandado a Roma para ver o
Santo Padre nem a Doorn para entrevistar o ex-Kaiser, afim de prepará-los para a
futura aliança com o Comunismo. E no entanto vós concluístes de súbito essa
aliança com a Rússia, ato que ninguém denunciou com mais força do que vós
mesmo em vosso livro Mein Kampf (edições primeiras, págs. 740-750). Nessas
páginas dizeis: “O simples fato de um acordo com a Rússia contém as premissas
da próxima guerra. Seu fim seria o fim da Alemanha”. Ou então: “Os presentes
lideres da Rússia não têm intenção de concluir nenhum pacto sobre base honesta,
ou de manter-se fieis a ele”. Mais ainda: “Não concluímos nenhum tratado com
um parceiro cujo único interesse repousa da destruição do outro.”
“Vossa nova política, Herr Hitler, está impelindo a Alemanha para o abismo e
levando o povo alemão para a ruína. Mude o rumo da máquina enquanto é
tempo! Vossa política significa, no final de contas, “Finis Germaniae”. Lembrai-
vos de vosso juramento de Potsdam. Daí ao Reich um parlamento livre, daí ao
povo alemão liberdade de consciência, pensamento e palavra. Fornecei as
garantias necessárias para o restabelecimento da lei e da ordem, afim de que os
tratados e acordos possam uma vez mais ser feitos com fé e confiança. Porque se
evitarmos novos males e novos derramamentos inúteis de sangue, será então
possível conseguir para a Alemanha uma paz honrosa e a manutenção de sua
unidade.
“A opinião pública internacional insiste para que eu explique por que deixei a
Alemanha. Até aqui tenho permanecido em silêncio. Todos os documentos e
provas escritas de meus quinze anos de combate ainda não foram revelados.
Num tempo em que minha Pátria está empenhada em árdua luta, não desejo
presentear seus inimigos com novas armas morais. Sou alemão e alemão
continuarei com todas as fibras de meu ser. Tenho orgulho de minha
nacionalidade e assim permanecerei até meu último suspiro. E precisamente por
ser alemão, não posso nem quero pronunciar agora, nesta hora de amargas
aflições para meu povo, as palavras que um dia terei de dizer no interesse da
verdade. Mas sinto que dentro de mim a voz abafada do povo alemão está a
clamar: “Voltai atrás e restaurai a liberdade, a lei e a humanidade no Reich
alemão”.
“Aguardarei vossos atos em silêncio. Mas começo com a suposição de que esta
carta não será negada ao povo alemão. Esperarei. Se minhas palavras, as
palavras dum alemão livre e sincero, forem escondidas ao povo, proponho apelar
para a consciência e para o julgamento do resto do mundo. Espero.
Heil Deutschland!
Essa carta a Hitler não significava simplesmente uma ruptura. Significava que eu
não mais me limitaria a uma posição teórica aos lideres nazis. Pretendia declarar-
lhes guerra. Espero que minha atitude não seja mal interpretada. Como membro
do Reichstag, era meu direito e meu dever protestar contra a guerra, uma vez que
estava convencido da injustiça dessa guerra. Eu me teria no entanto curvado a
uma decisão válida da legislatura, se tal decisão houvesse sido tomada. Teria
admitido que numa guerra é o dever comum do cidadão amparar um governo
verdadeiramente representativo da vontade da nação. Teria evitado também uma
ruptura, ou a oposição ativa, se o governo tivesse publicado meu memorando a
Göring, como requeri em minha mensagem de que Vögler foi portador. Nunca,
porém, recebi resposta a esse requerimento. Berlim continuou a esconder o fato
de que a política belicosa do governo nacional-socialista tinha provocado a
oposição formal de pelo menos um patriota alemão.
Tomei nota desse silêncio e resolvi agir. Por algum tempo o público
internacional andou interessado nas razões de minha saída da Alemanha.
Perguntam-me constantemente por que rompi com o Nacional-Socialismo.
Enquanto gozei dos direitos de refugiado no território suíço, mantive-me quieto.
As autoridades federais suíças me concederam permissão de ficar em seu país
até 31 de março de 1940. Mas essa autorização implicava para mim na obrigação
de abster-me de qualquer espécie de atividade política enquanto residisse na
Suíça.
Algum tempo depois de enviar minha carta a Hitler, fiquei sabendo que o
governo do Reich havia expedido uma ordem de prisão contra mim, sob a
acusação de peculato ou coisa que o valha. Era um grosseiro estratagema para
obter minha extradição e para fazer que me passassem às mãos das autoridades
alemãs. O governo suíço, informado das razões de minha partida, recusou-se até
mesmo a examinar o requerimento. Aproveito esta oportunidade para mais uma
vez expressar ao governo da Suíça a minha admiração e o meu agradecimento.
Nego que haja qualquer espécie de justificação para esse último ato, como já
neguei para os anteriores. Exerci simplesmente os direitos que me eram
conferidos como membro do Reichstag. Baseei — e ainda baseio — minhas
ações num mandato parlamentar pelo qual sou responsável apenas perante o
povo alemão. Quanto à cassação da nacionalidade alemã a mim e a minha
mulher, que nunca aderiu a nenhuma demonstração política contra o regime, só
posso explicá-la à luz dos sórdidos motivos aos quais já me referi.
Vejo pelos jornais que declarastes oficialmente que minha esposa e eu perdemos
todo o direito à nossa nacionalidade alemã.
Lanço aqui o meu devido protesto. Cumpri meu dever como membro do
Reichstag, opondo-me à presente política do governo do Reich. Deixei a
Alemanha porque a imunidade conferida aos membros daquela casa pela
Constituição, já não me parecia garantida. Nem a confiscação de minha
propriedade, nem a ordem de prisão, nem a perda de minha nacionalidade,
conseguirá evitar que eu cumpra meu dever como membro do Reichstag, posto
em que me sinto responsável perante o povo da Alemanha.
(Assinado) Fritz Thyssen.
Membro do Reichstag
“A república que tivemos sob o Império foi uma delícia”. Era esta uma frase
comum na França, quando o Império de Napoleão III foi suplantado pela
Terceira República — depois de 1871. Quantos nacional-socialistas na
Alemanha e na Áustria de hoje podem fazer reflexões melancolicamente
semelhantes. Porque o “Nacional-Socialismo” sob Brüning e Schuschnigg era na
realidade uma delícia.
Isso foi na verdade o que eu mesmo senti durante alguns anos. Mas minha
ruptura com o regime não foi simplesmente o resultado dessa desilusão. Os
acontecimentos culminaram numa guerra pela qual Hitler é o responsável.
Afirma-se com frequência que um industrialista, particularmente um mestre de
forjas, é sempre a favor da guerra, uma vez que se supõe seja ela remunerativa
para a indústria pesada. Minha atitude pessoal talvez possa servir como defesa
contra acusações dessa espécie.
Eu também aprovei aquela divisa. Para vencer a crise, era necessário reforçar a
autoridade do Estado. Foi por isso que me pronunciei a favor da restauração da
monarquia, porque o povo alemão havia dado provas claras de que não se
adaptava ao regime republicano. Mas eu acreditava também que, amparando
Hitler e seu partido, podia contribuir para o restabelecimento dum governo real e
das condições de ordem que permitissem a todos os ramos da atividade — e
especialmente os negócios — mais uma vez funcionar dentro da normalidade.
Mas de nada serve chorar quando o mal está feito. O Estado forte com que eu
então sonhava, nada tinha de comum com o Estado totalitário ou, melhor, com a
caricatura de Estado criada por Hitler e seus esbirros. Nem por um instante
cheguei a imaginar que fosse possível, cento e cinquenta anos depois da
Revolução Francesa e da proclamação dos Direitos do Homem, substituir a lei
pela ação arbitrária, num grande país moderno, estrangular os direitos mais
elementares do cidadão, estabelecer a tirania asiática no coração da Europa, e
fomentar aspirações anacrônicas de conquista e domínio do mundo.
Como católico, nascido às margens desse poderoso Reno onde as influências da
cultura ocidental e da lei romana sempre foram mais fortes que em outras partes
da Alemanha, onde o Cristianismo tinha sido implantado muito cedo, e onde a
Revolução Francesa havia deixado seu traço indelével, achava eu impossível
acreditar que em nossa época pudéssemos destruir todas as condições normais da
vida humana e política. Em 1930 eu teria ficado atônito se alguém me chamasse
liberal. Mas essa era, com toda a probabilidade a minha convicção real, embora
eu não o percebesse. Meu desejo de reestabelecer a ordem no Estado e restaurar
a autoridade e a disciplina estava de completo acordo com a dignidade do
indivíduo, com o respeito pelas liberdades fundamentais Na verdade, o exercício
dessas liberdades me parecia tão natural como o ato de respirar.
A crise interna foi agravada pela pressão exercida pelos vencedores. Fez-se ela
sentir não apenas no campo político, como também nos negócios, que ela onerou
com uma formidável hipoteca, a saber: as reparações de guerra. Os círculos
políticos que tinham governado o país por quase um século, e os altos
funcionários competentes e dignos de confiança que tinham estado à testa de
uma administração sã e correta, haviam quase todos desaparecido na comoção
que se seguiu à guerra.
Sócio de meu pai na direção de uma grande empresa industrial, vi-me frente a
frente com o terrível problema de dar à população operária trabalho e pão. Isso
já não era mais uma simples questão de organização econômica e técnica. Era
indispensável que a Alemanha uma vez mais ficasse em condições de exportar,
de reestabelecer seu crédito, de restaurar a ordem interna, de modo a permitir o
reatamento do trabalho.
Para fazer frente à pressão de nossos inimigos, organizei a defesa passiva alemã
durante a ocupação do Ruhr em 1923. Para combater o radicalismo político e as
tendências anárquicas que abundaram nos primeiros anos da República de
Weimar, sustentei várias formações patrióticas semimilitares, entre as quais se
achava o partido Nacional-socialista. Mais tarde, depois das crises iniciais,
quando os fatos pareciam ter tomado um curso mais normal, voltei minha
atenção para os negócios. Minha atividade política subsequente se manifestou
apenas no fazer eu parte dum grupo de oposição parlamentar, o partido Nacional
Alemão, chefiado pelo conde Westarp e mais tarde por Alfredo Hugenberg. Os
nacionais-alemães eram conservadores e monarquistas.
Essa mesma lei, “para a proteção do povo e do Estado”, foi invocada pela
Gestapo como pretexto para a confiscação ilegal de meus próprios bens. A
pretensa lei suspendia todas as garantias fundamentais da constituição quanto à
liberdade individual de consciência e de opinião. Essas garantias ainda hoje se
encontram suspensas. Desse modo, o que era uma medida de emergência tornou-
se um instrumento regular de governo.
Um mês mais tarde, um Reichstag trêmulo, cem de cujos membros haviam sido
presos e internados, votou a lei que conferia plenos poderes ao governo, uma lei
que está na raiz de todos os atos arbitrários cometidos pelo regime desde 1933.
Começou assim uma série de atos revolucionários que teoricamente observavam
as formas da legalidade, mas que de fato se baseavam no crime e na mentira. A
opinião pública dos países estrangeiros nunca protestou contra esses atos.
Hoje não posso mais hesitar: afirmo que todas essas “leis”, todos Esses decretos
observados pelo governo nacional-socialista, são ilegais perante a Lei, são nulos
e ocos, uma vez que se apoiam no crime e no abuso de confiança.
Hoje estou convencido disso; mas durante seis anos fui ludibriado. Göring,
oficial do antigo exército imperial, detentor da Ordem “Pour le mérite”,
mostrou-me as ruínas fumegantes do Reichstag a 1.° de março: “Isso — disse ele
— é um crime comunista; ontem, quase prendi pessoalmente um dos
criminosos.” Dois meses antes havia ele telefonado a minha casa para me
comunicar que estava prestes a irromper uma rebelião no Ruhr, e que meu nome
estava em primeiro lugar na lista dos reféns sugeridos. Disse mais que fora
informado disso pelos seus espiões do partido Comunista. Como podia eu
duvidar de sua palavra?
Em setembro de 1935, fui chamado a Nuremberg para tomar parte numa reunião
extraordinária do Reichstag. Antes da reunião, ouvi dizer que o Reichstag, a
pedido de Hitler e de acordo com o comandante-em-chefe do exército, General
von Blomberg, teria de votar uma lei determinando a substituição da antiga
bandeira do Império, preta-branca e vermelha, pela suástica do nacional-
socialismo. Voltei de trem imediatamente, sem esperar a reunião. Assim, não
votei a favor da lei infame aprovada em Nuremberg, elevando o antissemitismo à
categoria de política do governo. Desde esse dia, mesmo nas circunstâncias mais
solenes, tais como no casamento de minha filha, a que compareceu o Arcebispo
de Colônia (convidei Göring, mas ele não foi), nunca pendurei a suástica na
minha residência de Speldorf, mesmo quando nos davam ordem para hastear
bandeiras.
Algum tempo mais tarde, minha mulher encontrou-se com o general von
Blomberg e deu voz à sua surpresa:
Hitler participava de minha aversão. Pelo menos assim eu acreditava. Seu livro
Mein Kampf contém páginas inteiras de imprecações contra o regime russo. De
súbito, por motivos de conveniência política, o Führer abandonou suas
convicções primitivas e concluiu uma aliança com um país que em outras
ocasiões ele próprio descrevera como sendo o Inimigo N.º 1 da Europa. Uma
tática assim brusca pode ser considerada excelente diplomacia por Hitler e
Ribbentrop; para mim, era apavorante. Significava a mudança completa da
tradicional política doméstica e estrangeira da Alemanha. O governo nacional-
socialista tinha combatido o bolchevismo tanto na frente interna como na
externa. Pactos anticomunistas haviam sido concluídos com a Itália, o Japão, a
Hungria e a Espanha. Hitler pregara a cruzada contra a Rússia bolchevista,
apresentando-a como a inimiga da raça humana. E de súbito se aliava ao
monstro.
Mas os alemães — que como raça nunca tiveram muita agudeza política —
estavam completamente confundidos pelas inúmeras mentiras que lhes
despejavam nos ouvidos. Pensavam que um pacto com Stalin era apenas como
outro pacto qualquer. Não tinha o próprio Bismarck concluído uma aliança com
o Czar? Um dos traços mais grotescos no caso é o de que certos alemães, que de
fato temem o bolchevismo, em vez de protestar contra Hitler, acusaram-me de
encorajar o advento do bolchevismo na Alemanha. Dizem que foi meu protesto
contra Hitler que motivou a confiscação de minha fortuna privada. Isso cria um
precedente perigoso. E esse foi o extremo a que eles chegaram!
Até a última hora pensei que seria possível evitar a guerra. Consolei-me com
imaginar que os generais responsáveis conseguissem conter Hitler. Antes da
Blitzkrieg de 1940 na frente ocidental, eu ainda esperava que fosse possível
evitar o assalto ao Ocidente. Foi por isso que pedi aos chefes nazis publicassem
o memorando em que eu expunha as razões de minha oposição à guerra,
Mas Hitler e seus conselheiros fizeram ouvidos de mercador. Acham que podem
forçar o Destino a lutar de seu lado. O ultraje que eles perpetraram contra a
Europa há de cair sobre eles próprios e — desgraçadamente — sobre o seu
inconsciente instrumento: o povo cego e surdo da Alemanha.
Quanto a mim, tirei minhas conclusões e agi de acordo com elas. Mas espero e
acredito que a paz que se seguirá à queda de Hitler seja concluída à luz da
experiência obtida desde 1918. A história do erro político que me levou a
acreditar em Hitler, e do meu despertar, é a minha contribuição para um futuro
melhor.
NOTAS
FUI oficial na primeira Guerra Mundial. Até o último dia participei dos
sofrimentos e das esperanças que animavam todos os soldados na frente. Havia
muito eu sabia que a população civil da Alemanha estava cansada do gigantesco
esforço que fizera. Na nossa região industrial da Renânia e da Westphalia, onde
se achavam situadas as fábricas de meu pai, os fogos da revolta estavam acesos
fazia muito. Entre 1917 e 1918 houve greves, acompanhadas de desordens tão
graves, que muitíssimas pessoas foram presas nas cidades industriais do Reno.
Essas greves foram motivadas pela falta de alimentos e pelos consequentes
sofrimentos das famílias dos operários; mas a agitação política agravava a
natureza dessas greves.
— Quem é que você pensa que eu sou? — disse o homem, indignado. — Sou
o chefe de Polícia de Berlim.
Fiquei sabendo mais tarde que se tratava de Emil Eichhorn, perigoso agitador
comunista a serviço da Rússia Soviética e que se havia nomeado a se mesmo
chefe de polícia de Berlim durante a revolução. Tinha transformado a estação-
central-da polícia, na Alexanderplatz, comumente conhecida pelo nome de
“Casa Vermelha”, numa fortaleza e havia escolhido seu corpo de guarda-costas
entre os mais obscuros elementos do proletariado de Berlim. A maioria deles era
formada de fugitivos da cadeia. Dizia-se que Eichhorn havia ordenado a prisão
de muitos inimigos políticos e funcionários do velho regime, mandando-os
fuzilar sem julgamento no pátio do quartel-general da polícia. Um mês mais
tarde, esse estranho chefe-de-polícia organizou motins nas ruas de Berlim, e o
governo social-democrático teve de apelar para o exército afim de desalojá-lo da
“Casa Vermelha”, onde ele suportou um cerco regular.
Tal era o homem em cujas mão tínhamos sido entregues. Ele nos levou ao
quartel da Polícia e nos interrogou.
Nenhum de nós tivera o mais leve contato com o exército francês de ocupação.
Protestamos todos contra a acusação.
Eichhorn continuou com insolência:
Olhamos uns para os outros, atônitos. Nenhum de nós tinha ido a Dortmund.
Quanto a mim, eu nada sabia de tal decisão. Mais tarde fui informado de que a
aludida conferência nunca se realizara. Meu pai e eu pudemos apresentar um
álibi. Durante uma semana inteira não havíamos deixado Mühlheim; numerosas
testemunhas podiam confirmar nossas declarações. Eichhorn respondeu
brutalmente:
Fomos levados para fora do gabinete do chefe. Não nos sentíamos seguros.
Teríamos escapado à morte em Mühlheim apenas para sermos fuzilados em
Berlim? Depois de curto intervalo, um empregado veio informar a nossos
guardas que não havia mais lugar para prisioneiros no quartel-general da polícia.
— Não sei nada a respeito deste assunto. Seja como for, para os senhores
talvez seja melhor ficar aqui. Comigo pelo menos estão garantidos.
No quarto dia fui posto em liberdade com os outros. Eichhorn, parece, mandou
verificar as nossas declarações e não pôde sustentar nenhuma acusação contra
nós. Foi assim o meu primeiro contato com a Revolução de 1918.
Disse ao criado que lhes fizesse saber que eu me estava vestindo e lhes pedisse
entrassem para tomar um café, enquanto eu me aprontava. Avisei minha esposa e
lhe pedi fosse com nossa filhinha para Duisburg, que estava ocupada por tropas
belgas. Entrementes, combinamos que eu iria avisar meu pai. Morava ele a cerca
de doze quilômetros de distância de Mühlheim, no Castelo de Landsberg, sobre
o Ruhr. Saí por uma porta secreta e me encaminhei para Landsberg. Meu pai eu
saímos imediatamente a pé, ganhando a estrada. Mas logo conseguimos lugar
num automóvel, o que poupou ao meu velho pai uma caminhada penosa de cerca
de onze quilômetros. Tínhamos boa razão para temer nova prisão. Já se
espalhara o boato de que personalidades conhecidas haviam sido fuziladas pelos
bandos comunistas. A mais conhecida dessas execuções de reféns foi a que se
realizou em Munich, onde o governo revolucionário ordenou que fossem
executados sumariamente os notáveis da cidade que se achavam presos.
Hamborn sempre foi a cidade mais vermelha do distrito industrial. Vários anos
depois da revolução o Partido Nacional Alemão, ao qual eu pertencia, convidou-
me para assistir a uma reunião eleitoral naquela cidadela comunista. Durante
todo o caminho houve demonstrações contra a presença em Hamborn do
candidato reacionário, o que a multidão considerava uma provocação. Por
medida de prudência, eu deixara meu carro a alguma distância do lugar da
reunião. O comitê do partido fora suficientemente inábil para organizar seu
comício eleitoral em local geralmente escolhido para as demonstrações
comunistas. Quando cheguei à porta do salão, achei os lugares ocupados em
grande parte por pessoas que traziam a insígnia do Partido Comunista. A
atmosfera era tempestuosa. No entanto o candidato fez seu discurso sem ser
interrompido. Depois a oposição replicou. Um chefe comunista local passou
todos os industrialistas do distrito em revista, analisando-os um por um. Achava-
me eu sentado na primeira fila, e com toda a certeza ele me havia visto. Seu
discurso foi violento. Esperei que ele me atacasse, provocando assim uma
demonstração hostil. Nada disso aconteceu.
NOTAS HISTÓRICAS
OS MOTINS DE KIEL
A LIGA “SPARTACUS”
2. HUMILHAÇÃO NACIONAL
Versalhes e o Ruhr
Esse foi um erro político capital. Assinando o tratado, nós nos empenhamos no
seu cumprimento. Sabíamos, no entanto, que isso era impossível. Na minha
opinião, a grande mentira política que envenenou a Europa por mais de vinte
anos começou no dia da assinatura do Tratado de Versalhes.
Grupos comandados por antigos oficiais do exército se formavam aqui e ali para
opor um dique aos elementos de desordem. Eram chamados “corpos livres”. O
governo mais ou menos os tolerava, porque os membros socialistas do governo
do Reich, e especialmente Gustav Noske, o ministro do Reichswehr, estavam
convencidos de que era necessário erguer uma sólida barreira à maré montante
da anarquia, afim de que o país pudesse ser levado de volta ao trabalho. O
próprio Ebert, destinado a se tornar mais tarde presidente da República Alemã,
estava longe de ser um extremista. Foi graças à sua influência pessoal e à
completa harmonia existente entre ele e o Marechal von Hindenburg (seu
sucessor eventual na presidência), através desses anos difíceis, que o exército
pôde contribuir para o renascimento da disciplina e do sentido da ordem na
Alemanha.
Logo que a perturbação começou, deixei Mühlheim com minha família, afim de
ir a Krefeld, à margem esquerda do Reno. A ponte que atravessa esse rio estava
guardada por soldados belgas, que permitiram minha passagem. Os
industrialistas alemães observavam o novo movimento revolucionário com
apreensão, porque ele de novo desorganizava toda a vida econômica do distrito.
As desordens duraram uma quinzena. Finalmente, o Reichswehr foi obrigado a
intervir, afim de restabelecer a ordem, e verdadeiras batalhas se travaram em
Duisburg e em Wesel entre a milícia operária e o exército.
Uma família operária não mais podia obter os gêneros de primeira necessidade;
porque era impossível dividir o salário semanal, cujo valor diminuía dia a dia, na
compra dos diversos artigos de consumo diário, durante a semana que se seguia
ao dia do pagamento. Para remediar esse estado de coisas, a indústria do Ruhr
emitiu finalmente uma espécie de dinheiro de emergência com valor estável,
com o objetivo de capacitar as donas de casa a fazer suas compras com
regularidade nas lojas das cooperativas operárias.
Uma segunda sessão se realizou vários dias mais tarde em Essen. Os outros
industrialistas adotaram minha opinião e me pediram fosse seu porta-voz. A
reunião aprovou uma resolução que declarava que os industrialistas só
entregariam carvão aos Aliados de acordo com o consentimento do governo de
Berlim. Ao mesmo tempo mandamos um emissário a essa capital pedir ao
governo nos protegesse, proibindo as entregas. Nem todos amparavam nossa
atitude intransigente. Dois dias depois da ocupação, chegaram engenheiros
franceses, pondo-se em contato com os proprietários das minas. Alguns destes
entraram em negociações. Afim de exigir a observância da resolução votada em
Essen, decidimos então instituir um tribunal secreto para punir os proprietários
transgressores.
Vários dias depois da entrada das tropas francesas, fui chamado pelo general
francês. Recebeu-me ele muito corretamente e perguntou: “Decidiram os
industrialistas efetuar as entregas que a Alemanha combinou fazer nos termos do
Tratado?” Repliquei que a ocupação do território era considerada pelo governo
alemão com uma violação do Tratado, e que em consequência disso tínhamos
recebido ordens de não efetuar tais entregas. Nesse caso, disse-nos o general, os
próprios industrialistas teriam de arcar com as consequências de sua recusa.
Quando voltei para Mühlheim, organizei a resistência passiva, que era a resposta
da Alemanha à ocupação. Em vista de sua idade avançada, meu pai não tomou
absolutamente parte no movimento. O governo havia proibido as entregas de
carvão. Os oficiais tinham recebido instruções para recusar obediência às ordens
das autoridades de ocupação. Os empregados da estrada-de-ferro declararam-se
em greve. A navegação no Reno parou. Os próprios franceses tiveram de
proporcionar os meios de transporte de passageiros e mercadorias, por estrada de
ferro, estrada de rodagem e via fluvial. O exército ocupou as bocas dos poços
das minas que pertenciam ao Estado da Prússia. Quando isso aconteceu, os
mineiros abandonaram o trabalho. Nas outras minas o trabalho continuou, mas o
carvão se acumulava em grandes montões na superfície da terra. Nenhum trem,
nenhum barco transportou a menor parcela dele para a Bélgica ou para a França.
A resistência passiva foi organizada inteiramente por mim. Minha tarefa, porém,
teve a cooperação absoluta da população. O clero católico, particularmente o
Cardeal Arcebispo da Colônia, amparou nossos esforços com a maior devoção.
Graças a eles se pôde conseguir no Ruhr uma verdadeira união nacional, que
tornou possível salvar a integridade do Reich.
Entre os mais importantes dos partidos resultantes de cisões, que muitas vezes
representaram papel decisivo mantendo o equilíbrio do poder, havia o partido do
Povo Bávaro (uma versão bávara do partido Católico do Centro) e o partido
Econômico Alemão, cujos seguidores eram principalmente artesãos e pequenos
proprietários de lojas, convencidos de sua importância econômica e da
inutilidade de tentar conseguir a devida consideração da parte dos grupos
políticos mais importantes.
A “POLÍTICA DE CUMPRIMENTO”
A INFLAÇÃO ALEMÃ
A OCUPAÇÃO DO RUHR
Vários dias mais tarde, fui apresentado a ele na casa do dr. Max Erwin von
Scheubner-Richter, um jovem nobre do Báltico que havia procurado refúgio na
Alemanha depois da revolução bolchevista. Era uma pessoa muito simpática.
Servia de intermediário entre Hitler e Ludendorff, sendo que fora este último
quem arranjara nosso encontro. A conversa se concentrou em tópicos da política.
No meio de todo esse caos, a Baviera parecia ser a última fortaleza da ordem e
do patriotismo. Foi em Munich que a revolução de 1918 causou os maiores
danos. O governo de Kurt Eisner, (1) o Terror Vermelho, e a execução dos reféns
tinham deixado profunda impressão no povo. Mas a Baviera, entre todos os
Estados alemães, fora o primeiro a se refazer. Um governo católico, apoiado pela
maioria dos bávaros, conseguira liquidar a revolução. Munich se tornara o centro
de todos os que desejavam reestabelecer a disciplina e a autoridade. Em Berlim,
Gustav Stresemann havia sucedido o chanceler Cuno; pôs ele fim à resistência
passiva e procurou um acordo com a França. Sua política foi severamente
criticada. As ligas patrióticas classificavam-na de traição à causa alemã. Quanto
aos conservadores e aos católicos da Baviera, observavam apreensivamente o
progresso do radicalismo através de toda a Alemanha.
Tal era a atmosfera dentro da qual se realizou meu primeiro encontro com Hitler.
Não me posso lembrar com certeza da parte exata que cada um de nós tomou na
conversação. No entanto, lembro-me de seu conteúdo geral. Ludendorff e Hitler
concordaram em organizar uma expedição militar contra a Saxônia, afim de
depor o governo comunista do Dr. Zeigener. O fim derradeiro da expedição
proposta era deitar por terra a democracia de Weimar, cuja fraqueza estava
levando a Alemanha para a anarquia.
Além do mais, a esse tempo não era eu sabedor da importância de Adolf Hitler o
chefe nacional-socialista. Sem dúvida, tratava-se de um bom orador — de um
agitador político que sabia como arrastar as massas com suas palavras, mas nada
mais que isso. Para mim, Ludendorff e Kahr eram as duas figuras decisivas. Eu
não tinha a menor ideia do profundo desacordo que os separava na questão da
restauração da monarquia bávara. Ludendorff era inimigo pessoal do Kronprinz
Rupprecht, por motivos que tinham sua origem na Grande Guerra. Mas disso
tudo só fui saber muito mais tarde.
O general von Seeckt, que ainda era chefe do Reichswehr em Berlim, mandara a
esposa para Munich durante aquelas semanas críticas. Ela só voltou para Berlim
depois de 9 de novembro. Seeckt no entanto protestou junto ao governo bávaro,
contra o fato de este último invocar sua autoridade sobre as tropas estacionadas
na Baviera sob as ordens do general von Lossow. Estaria ele fazendo um duplo
jogo? Ele não apoiara o golpe tentado por Kapp em 1920, e que falhara por culpa
do exército. Estaria ele agora — em 1923 — planejando a execução de seu
golpe, procurando o apoio dos bávaros? A presença em Munich de Frau von
Seeckt parece corroborar esta suposição. Se foi assim, a ação precipitada por
Hitler determinou o fracasso de todo o plano.
Hitler decidiu marchar, fosse como fosse. Kahr e Ludendorff se opuseram a esse
plano. É sabido em que circunstâncias Hitler forçou o Comissário Geral do
Estado da Baviera a dar seu consentimento: de revólver em punho. Ludendorff
só foi informado no último minuto, mas colocou-se à frente das forças que
desfilaram em parada pelas ruas de Munich na manhã, seguinte. A aventura
terminou mal. A polícia fez fogo sobre os rebeldes, quatorze dos quais foram
mortos. Entre estes estava Scheubner-Richter, que eu conhecera alguns dias
antes. Ludendorff marchou ereto no meio das balas que lhe sibilavam ao redor
da cabeça. Hitler fugiu para Uffing, perto de Munich, onde foi preso dois dias
depois.
No dia seguinte fui ver Ludendorff. Ele ficou surpreendido. “Que é que lhe dá
coragem de vir-me ver depois do que aconteceu ontem? — perguntou ele ao me
receber. — Toda a gente me acusa de alta-traição.”
Ludendorff nunca me explicou como chegou a ser envolvido na ação que ele
pessoalmente não aprovara. Estou convencido de que não se furtou a ela apenas
porque tinha feito seu juramento de oficial e portanto se considerava obrigado a
cumpri-lo. Além disso, o tribunal de Munich, que julgou os conspiradores do 9
de novembro, absolveu Ludendorff pois não foi possível provar a sua
responsabilidade no plano da conspiração.
O general von Seeckt, o general von Lossow, o Comissário Geral von Kahr e o
governo bávaro desejavam um governo da ala-direita na Alemanha. Sem dúvida,
não estavam inteiramente de acordo quanto aos detalhes da execução do seu
plano. No todo, entretanto, era uma questão de tentar de novo o que Kapp havia
tentado em Berlim. Só que desta vez se evitaria o fracasso começando o golpe
em Munich, onde a população era monarquista. Hitler, entretanto, desejava
apenas uma coisa — tomar conta do poder para se próprio.
Mr. Dillon falou claramente: “Se me permitem dar- lhes um conselho, não
assinem”. Nunca esqueci essas palavras, e sempre senti uma gratidão especial
por esse conselho, porque o homem no-lo deu contra os seus próprios interesses,
e para o bem da Alemanha.
Quem quer que tivesse a faculdade de raciocinar claro veria que o Plano Young
significava o penhor da riqueza inteira da Alemanha, como garantia de suas
obrigações. Como resultado disso, o capital americano fatalmente inundaria o
Reich. Grupos isolados na Alemanha tentaram livrar a tempo sua propriedade
privada dessa enorme hipoteca. Nesse particular, lembro-me especialmente das
seguintes empresas, que faziam parte da indústria elétrica: A. E. G. (uma das
duas principais empresas elétricas alemãs) a S. O. F. I. N. A., e as usinas
elétricas de Felten e Guillaume. As ações dessas companhias foram nessa
conjuntura vendidas a uma “holding company” franco-belga, que ainda hoje as
possui. Isso foi um erro, porque valeu como o início de uma liquidação
financeira da Alemanha. Teria sido muitíssimo melhor para os industrialistas que
estavam metidos no assunto se eles se houvessem declarado em princípio
contrários ao sistema de Versalhes em geral e ao Plano Young em particular.
Deve-se dizer, além do mais, que a ideia americana que teve tão grande
influência sobre os detalhes do Plano Young, tem dado muito maus resultados
também na América. Porque lá igualmente muitas empresas alemãs foram
convertidas em corporações cujas ações foram vendidas ao público. Hoje as
ações dessas companhias americanas valem apenas um quarto do seu preço de
compra. Foi um bom golpe comercial para os banqueiros, mas na realidade
constituiu uma inflação de dinheiro que excedia em muito os lucros normais da
operação industrial. Era um tempo em que as pessoas tinham perdido todo o
senso da normalidade em matéria de algarismos. Não devemos esquecer que os
próprios acordos de Young compreendiam a soma astronômica de vinte bilhões
de dólares.
O Plano Young foi uma das causas principais da ascensão do nacional-
socialismo na Alemanha. Naturalmente, Alfred Hugenberg ajudou-o de modo
considerável com a sua agitação radical; é verdade, também, que a indicação de
Hitler como chanceler do Reich não teria ocorrido — pelo menos assim tão cedo
— sem as intrigas de Franz von Papen. Mas as causas mais profundas foram, não
obstante, o perigo do comunismo na Alemanha, a ocupação do Ruhr pelos
franceses e belgas e finalmente o Plano Young.
Logo depois da liquidação do assunto do Ruhr, fui a Paris. Isso aconteceu muito
antes de Locarno, nos tempos em que o intransigente Raymond Poincaré era
ainda premier da França. Falei repetidamente com vários ministros franceses,
inclusive e especialmente com Aristide Briand, que se tornou ministro do
exterior em 1925. A primeira impressão que tive, foi a do que minha missão
conseguiria um resultado favorável, embora o ministro francês do comércio me
fizesse esperar meia hora. Briand, pelo contrário, mostrou-se muito cordial e
sempre me recebeu sem demora. Desgraçadamente, entretanto, a situação como
um todo estava ainda muito tensa. E corria em Paris a notícia de que o estado-
maior francês se opunha à política de aproximação de Briand.
Se o governo alemão daquele tempo não tivesse aceito o Plano Young, poder-se-
ia conseguir com toda a certeza algum progresso, e ter-se-iam obtido resultados
mais favoráveis. A agitação daquela vez foi causada por um sério erro
psicológico dos alemães. Concordo em que a Alemanha se achava numa situação
difícil exatamente naquela emergência, mas é precisamente nas situações difíceis
que não devemos prejudicar os assuntos fundamentais. Teria sido fácil resistir
quando até mesmo os americanos diziam “Por amor de Deus, não assinem!” O
pagamento em dinheiro era simplesmente impossível, porque dinheiro não se
pode produzir como mercadorias.
A ascensão dos nacional-socialistas foi também auxiliada pela falta de tacto dos
outros partidos. Já contei que fui levado pelos nacional-socialistas a negociar
com o Capacete de Aço com o fim de colocar as tropas SA sob o seu comando
supremo. Conversei durante uma noite inteira com o Major Düsterberg, o chefe
do Capacete de Aço. No fim, o oferecimento dos nacional-socialistas foi
rejeitado por ele. Uma oferta similarmente acomodadora havia sido feita pelos
mesmos nacional-socialistas ao gabinete do chanceler Brüning. Estavam os nazis
decididos a tolerar Brüning, sem ter representante em seu gabinete, se o
chanceler se dispusesse a declarar que romperia com os socialistas. Josef
Goebbels dizia naquele tempo: “Se Brüning romper com os socialistas, nós o
apoiaremos sem entrar no gabinete.” Era o que se ia fazer, mas a proposta não
foi aceita.
Hoje ficou claro que Hitler estava jogando uma cartada pérfida. Mas naqueles
primeiros anos, o Führer frisava repetidamente o fato de haver abandonado a
ideia de vingança contra a França. A despeito de tudo que escrevera em seu
livro, Mein Kampf (o qual — diga-se de passagem — naquele tempo carecia de
qualquer importância) ele não cansava de repetir agora: “Com a França já não há
mais nenhum conflito. Queremos enterrar o passado. É absurdo estar sempre
lembrando o povo da Alsácia e da Lorena. A Alsácia certamente tem uma
população que fala alemão; mas é plausível que renunciemos à Alsácia-Lorena
por motivos superiores”. (Exatamente pela mesma razão Hitler em consideração
à suscetibilidade italiana, renunciou mais tarde ao Tirol Meridional, que é
habitado principalmente por alemães).
NOTAS HISTÓRICAS
O PLANO DAWES
O PLANO YOUNG
Como já disse, vim a conhecer Adolf Hitler em Munich, quando eu era ainda
membro do partido Nacional Alemão. Não entrei em relações mais estreitas com
ele senão algum tempo mais tarde, mas mesmo assim nunca tivemos grande
intimidade.
Rudolf Hess foi o elemento de uma aproximação pessoal maior entre os nazis e
eu. Procurou-me ele lá por 1928, por indicação do velho Geheimrat Kirdorf, que
por muitos anos fora diretor-geral do “Sindicato Renano-Westphaliano do
Carvão”, e com o qual eu mantinha boas relações. Hess me explicou que os nazis
haviam comprado a Casa Parda em Munich e estavam lutando com grandes
dificuldades para pagá-la. Forneci a Hess os fundos necessários para isso, sob
condições que entretanto nunca foram cumpridas. Porque de modo algum eu
desejava fazer um presente aos nazis; consegui apenas um empréstimo no
estrangeiro para o partido Nacional-Socialista, em parte por meio de bancos.
Hess recebeu então o empréstimo, obrigando-se a pagá-lo. Reembolsou porém,
apenas uma pequena parte dele; quanto ao resto, eu tive simplesmente de “acusar
o recebimento”.
Nem com Hitler, o chefe do partido, ele manteve sempre boas relações. Um dia
escreveu ao Führer uma carta de que fui eu pessoalmente o portador. Temia ele
que doutro modo a missiva não chegasse a seu destino, porque os homens que
cercavam Hitler muitas vezes desviavam as cartas que continham assuntos
desagradáveis. Nessa carta Kirdorf protestava contra as perseguições aos judeus
efetuadas na Alemanha em 1933. Porque acontecia que Kirdorf era muito grato
aos judeus aos quais devia o sucesso de sua carreira. A despeito disso, tornou-se
depois o grande apoio financeiro dos nazis. Abandonou também a Igreja do
Estado — mesmo antes de os nazis subirem ao poder. Mas como temia a morte,
deixou que Mathilde von Ludendorff (esposa do general) o convertesse, levando-
o para a igreja neo-pagã (“O Manancial da Força Germânica”) que ela própria
havia fundado.
As preliminares desse discurso “histórico” são dignas de nota. Não foi minha
intenção original fazer Hitler falar naquela assembleia. De fato, não se tomara
nenhuma medida para o pronunciamento desse discurso nacional-socialista. Pelo
contrário, o comitê do “Clube da Indústria” tinha consentido em que um
socialdemocrata falasse, e em virtude disso alguns membros da associação
ficaram muito excitados e vários deles ameaçaram demitir-se. Numa sessão
bastante tempestuosa do comitê, declarei que havia um único meio de remediar o
erro: era convidar também um nacional-socialista para falar à assembleia. A
proposta foi aceita.
Foi durante os últimos anos que precederam a conquista do poder pelos nazis
que as grandes corporações industriais começaram a entrar com as suas
contribuições. Mas elas não davam diretamente a Hitler; davam ao dr. Alfred
Hugenberg, que colocou cerca de um quinto dos donativos à disposição do
partido Nacional-Socialista. Tudo somado, as quantias dadas pela indústria
pesada aos nazis podem ser calculadas em dois milhões de marcos por ano.
Deve-se compreender, entretanto, que nessa quantia estão incluídos apenas os
donativos voluntários, e não as várias somas que as empresas industriais eram
obrigadas a fornecer para as numerosas manifestações especiais do partido.
O fato de eu nunca me ter tornado especialmente íntimo de Hitler deve-se
provavelmente à hostilidade de Rudolf Hess e de Josef Goebbels, o Ministro da
Propaganda. Embora Hess soubesse que eu livrara o partido de um grande
embaraço criado pela compra da “Casa Parda” de Munich, ambos esses homens
trabalhavam contra mim. Membros da Ala Esquerda do partido, suspeitavam
eles de quem, como eu, representava a indústria pesada; sei também que grande
número de outras pessoas não via com bons olhos as relações de Hitler com os
grandes industriais.
Ao fazer esta confissão devo frisar uma vez mais — não como uma desculpa
satisfatória, mas como uma atenuante — que o que havia de mau no nazismo
não estava no partido, mais sim em certos indivíduos que a ele pertenciam. A
culpa disso, é claro, cabe principalmente ao Führer. Ele aceitava todas as figuras
dirigentes do partido sem olhar-lhes o caráter, e deixava-os fazer o que
quisessem. Um Gauleiter, cuja função dentro da organização do partido
corresponde mais ou menos à do Regierungspräsident dentro da organização do
Estado, é hoje em dia uma personalidade sacrossanta. Logo que os Gauleiters
viram de que lado soprava o vento, fundaram um clube para os de sua classe; e
esse clube de Gauleiters é que na realidade governa a Alemanha de hoje.
Isso será a ruína do partido; porque nenhum país pode florescer sob tais
condições. Em todos os sistemas, mesmo sob o Comunismo, o Chefe deve ser o
responsável pela ordem. Na Rússia, Stalin consegue manter a ordem — de
acordo com seus métodos particulares, é claro!
NOTAS HISTÓRICAS
AS FÁBRICAS KRUPP
Gregor Strasser era, como já disse, muito conhecido na Renânia. Naquela época
manteve ele com os principais industrialistas, várias conversações nas quais não
tomei parte. Strasser vivia na Francônia, a parte setentrional da Baviera; no
entanto não era um franconiano, mas sim um genuíno bávaro, e como tal
particularmente popular na Renânia e na Westphalia.
A esse tempo mandei a Rudolf Hess a cópia de uma carta que eu havia dirigido
ao secretário de uma empresa industrial renana, e na qual eu expressava a
opinião de que a maneira como Strasser trabalhava contra Hitler era desprezível.
Hess me respondeu com uma carta muito cordial. Por isso se compreende ainda
menos a razão pela qual o partido Nacional-socialista não me convidou para
comparecer aos encontros aliados.
Herr von Papen tirou vantagem dessa situação. Membro do Reichstag, onde
representava o partido do Centro Católico, era ele antipatizado por grande
número de seus membros por causa de suas intrigas. Na sua juventude tinha sido
oficial ativo de cavalaria; mais tarde casara-se com a filha de um industrialista
muito rico da região do Sarre. Durante a Guerra Mundial de 1914-1918, foi
adido-militar da Embaixada Alemã em Washington. Sua atividade nesse ponto
tornou-o conhecido através do mundo. Um de seus homens perdeu num subway
de Nova York uma pasta que forneceu ao governo dos Estados Unidos elementos
para provar que uma série de perigosos atos de sabotagem tinha sido diretamente
instigada pelo governo do Reich, e que o próprio von Papen havia representado
papel importante em sua execução.
Por alguma razão Herr von Papen nutria um ódio intenso pelo general
Schleicher, que ele planejava derrubar do posto de chanceler do Reich. Seu
candidato para o lugar era Adolf Hitler. Para levar adiante esse plano, Herr von
Papen arranjou um encontro entre Hitler e o banqueiro de Colônia, von Schröder,
primo do conhecido banqueiro londrino, Barão Schröder. A entrevista efetuou-se
em Colônia, na casa bancária de Herr von Schröder. Rudolf Hess estava também
presente.
Só ouvi falar nessa entrevista muito tempo depois que ela se realizou. Parece que
Hess, que a princípio se opunha à minha amizade com Göring, não deixou que
me informassem dela. E Göring, que possivelmente me teria contado alguma
coisa, talvez não tivesse sido consultado a respeito. De fato, não era certo que
Göring soubesse do segredo, especialmente agora, depois que o Ministério da
Polícia da Prússia lhe fora arrebatado. As presentes relações íntimas entre Hitler
e Göring datam do grande massacre de 30 de junho de 1934, no qual o partido
Nacional-Socialista foi expurgado de todos os membros que faziam objeções ao
regime.
Tenho a impressão de que Göring tinha parte tão grande na responsabilidade
desse massacre, que já não mais ousava opor-se ao regime. Seja como for, ele
era muito mais independente antes desse fato. Parece que ele se fez culpado de
tantos crimes, por causa de seus ciúmes pessoais, que ficou inteiramente nas
mãos da Gestapo, que sabe coisas demais a seu respeito. Desde então Göring se
mantém silencioso.
É coisa muito sabida que Papen foi bem sucedido em suas intrigas. A 28 de
janeiro de 1933, o general von Schleicher pediu demissão de seu posto de
chanceler e a 30 de janeiro o Presidente von Hindenburg nomeou Adolf Hitler
para esse cargo. Eu estava bastante satisfeito com o rumo dos acontecimentos,
especialmente porque ouvira dizer que Alfred Hugenberg (apesar de ser um
deputado nacional-alemão) tinha entrado para o gabinete de Hitler, levando
consigo para o governo um certo número de amigos de sua confiança. Além
disso, Hugenberg obtivera de Hitler uma promessa formal, feita pessoalmente a
Hindenburg, de que nos quatro anos seguintes nada seria mudado na composição
do gabinete e na distribuição dos postos “chave”.
Em qualquer caso, achei naquele tempo que o fato de Hitler assumir o cargo de
chanceler era simplesmente um estágio transitório que levaria à restauração da
monarquia alemã. Minha opinião se baseava nas seguintes razões: Em setembro
de 1932 eu convidara um certo número de cavalheiros a vir a minha casa, afim
de que eles interrogassem Hitler. O chanceler respondeu a todas as perguntas que
lhe foram dirigidas, causando a maior satisfação a todos os presentes. Nessa
ocasião afirmou em termos claros e nada ambíguos que ele não passava de “um
pacificador para a monarquia”. Os diretores-gerais Kirdorf e Vögler e outros
grandes industrialistas estavam presentes. A atitude monarquista de Hitler
naqueles dias levou seu partido a conseguir mais adeptos nos círculos industriais.
Quero também lembrar que no outono de 1932 Göring fez uma visita de uma
semana ao ex-Kaiser Guilherme II em Doorn. O fato de Hitler e Göring serem
convidados para jantar pelo Kronprinz parece provar que os próprios
Hohenzollerns alimentavam grandes esperanças àquele tempo. Para falar a
verdade, Göring mais tarde me contou que depois que ele e Hitler saíram, o
Kronprinz fizera vários comentários desfavoráveis na presença dos empregados,
os quais imediatamente foram levar a informação aos nazis. Isso, — conta-se, —
pôs fim à amizade que Hitler tinha pelo Kronprinz.
Hoje infelizmente sou forçado a admitir que eu também julguei mal a situação
política daquela época. Mas, pelo menos posso alegar que agi em boa fé.
Herr von Papen via a situação a uma luz completamente diferente. Através de
seus intermediários, foi ele exatamente informado do jogo que estava sendo
travado em torno do presidente von Hindenburg. Pouco antes, a grande região de
Neudeck, terra natal de Hindenburg, tinha sido dada de presente ao Presidente. A
dádiva se tornara possível principalmente graças a contribuições dos
industrialistas. Assim — com muita habilidade — o próprio presidente fora
elevado à categoria de proprietário de terras, e seu filho, que a esse tempo
trabalhava junto dele, conseguiu fazê-lo compreender como seria difícil
administrar uma propriedade nova e quão pequenos eram os lucros que ela
oferecia. O presidente assim ficou com o espírito preparado para olhar com
simpatia as insinuações dos outros grandes proprietários de terras. Talvez ele não
se opusesse à punição dos atos corruptos que na realidade se haviam verificado,
mas estava convencido de que não era motivo suficiente para interferir com a
classe dos proprietários de terras como um todo, e para criar a desconfiança entre
a população com respeito as propriedades agrárias.
Assim o general Schleicher foi forçado a resignar, e dois dias mais tarde Hitler,
nomeado pelo Presidente von Hindenburg, tomou posse do cargo de chanceler. É
sabido que Hitler decidira obter esse posto sem recorrer a um ato revolucionário.
Desejava trilhar o caminho legal até chegar ao poder. Certo, sempre tivera a
intenção de abandonar a via legal logo que recebesse do Reichstag os desejados
poderes. Teria ele conseguido conquistar por meios legais o lugar de chanceler
do Reich sem o auxílio de von Papen? Assunto a averiguar. Seja como for, as
perspectivas do partido naquela época eram particularmente mui pobres. Os
nacional-socialistas tinham sofrido grandes perdas nas últimas eleições do
Reichstag, realizadas sob o governo de Schleicher. Além disso, o afastamento de
Gregor Strasser e seu grupo teria enfraquecido não só o partido como também as
organizações SA. É certo também que enormes despesas haviam exaurido por
completo os fundos do partido nazi. Essa também foi a razão pela qual Herr von
Papen arranjou o encontro entre Adolf Hitler e o banqueiro de Colônia, von
Schröder. As finanças do partido, que exatamente naquele tempo ameaçavam
reduzi-lo a uma posição insuportável, precisavam ser reajustadas. Seu sucesso
subsequente na obtenção dos fundos necessários foi completo.
NOTAS
(1) Nota do Editor: Kurt Eisner era o premier socialista independente da Baviera.
Em 1919 foi assassinado a sangue-frio pelo Conde von Arco, um jovem
“patriota” nacionalista.
(2) NOTA DO EDITOR: Esse discurso foi pronunciado por Hitler numa reunião
privada dos grandes industrialistas alemães, cerca de um ano antes de o Führer
subir ao poder. A reunião foi arranjada por Fritz Thyssen. Foi nessa ocasião que
Hitler conheceu o corpo de lideres industriais alemães, e foi com esse discurso
que ele os persuadiu a dar apoio às suas aspirações ao poder. Uma vez que a
reunião tinha caráter privado, o discurso não foi publicado nem comentado pela
imprensa, ao tempo em que foi pronunciado. Só mais tarde, quando o chanceler
Brüning se queixou de que os grandes industrialistas tinham encontros secretos
com seu grande inimigo (Hitler) é que os nazis decidiram publicá-lo. Foi ele
então impresso pela Franz Eher, Verlag, editores do Völkischer Beobachter, num
panfleto especial. Não incluímos esse discurso no apêndice a esta obra, porque
ele aparece integralmente no livro Minha Nova Ordem, publicado pelas Edições
Meridiano de Porto Alegre. Em vista de sua grande importância, recomendamos
calorosamente a leitura desse documento histórico, pois hoje em dia parece
incrível que tal discurso pudesse persuadir os cabeças de uma das maiores
potências industriais do mundo. É uma peça oratória cheia de lugares-comuns
econômicos, frases pseudocientíficas e de racismo e de Providência: culmina
com o sofisma: “O paralelo econômico da democracia política é o Comunismo”.
TERCEIRA PARTE
Quanto às estradas-de-ferro, cuja direção por certo não pode ser deixada
inteiramente em mãos de particulares, as suas condições sob a administração do
Estado de modo algum são tão brilhantes como muitas vezes se divulga. É o
caso das estradas-de-ferro alemãs. Pelo que conheço dos caminhos-de-ferro da
França, a direção particular dessas empresas lá, a despeito de muitas
desvantagens, tinha a seu crédito várias coisas em que são mais adiantadas que
na Alemanha. Por exemplo, a França possuía mais estações de carga
mecanizadas, e o sistema de desvios francês era muito mais mecanizado que o da
Alemanha. Sob a administração do governo, a direção de nossas estradas-de-
ferro carece de certa flexibilidade. Há uma constante falta de senso da
responsabilidade da parte dos funcionários superiores, quando não há um
proprietário particular que tome as decisões sob seu próprio risco — coisa que
um funcionário nunca pode fazer com o mesmo alcance.
Isso, certo, às vezes torna necessário evitar que a indústria faça coisas que no
final de contas sejam prejudiciais a se mesma. Permitam-me dar um exemplo
apenas. A construção das Autostrassen (estradas de rodagem estratégicas) fez
que muitos industrialistas construíssem fábricas para a produção de cimento. Eis
aí um caso em que o Estado devia ter previsto que tal coisa não redundaria em
benefício dos negócios em geral nem do trabalho. Porque até mesmo a
construção do mais gigantesco sistema de estradas-de-rodagem um dia teria de
acabar, e então nada mais se poderia fazer se não fechar todas essas numerosas
fábricas de cimento, afim de evitar uma superprodução desse material. Aqui está
um problema extraordinariamente difícil. Porque, uma vez que o próprio Estado
começa a fazer negócio, ele deixa de ser um árbitro insuspeito. Torna-se um
empreendedor de negócios com interesses especiais próprios.
Existem, por exemplo, as “Usinas Hermann Göring”, das quais falarei mais
tarde. Como propriedade do Estado, elas determinaram a priori as decisões do
Reich, em caso de arbítrio, e duma maneira muito parcial.
Meu pai, August Thyssen, que morreu em idade muito avançada, vivia
inteiramente absorvido pelo seu trabalho na fábrica que ele mesmo fundara, e era
um grande favorito entre seus operários. Era um chefe que trabalhava com ardor
e que ao mesmo tempo mantinha hábitos simples de vida. Sempre que tinha uma
meia hora livre, ia às usinas e conversava com seus homens. Mas isso em nada
contribuiu para que ele mudasse suas ideias antiquadas, que manteve até o fim.
Acreditava ele, como Adam Smith, que os salários dos trabalhadores tinham de
ser reduzidos quando os preços baixavam e quando o negócio ia mal. Mas não
pensava assim porque quisesse tirar lucros à custa dos operários, mas sim porque
achava que essa era uma base saudável sobre a qual promover o
desenvolvimento de suas fábricas, e um bom caminho para chegar à admissão de
mais empregados.
August Thyssen começou com uma fábrica muito pequena. Foi em 1873, o ano
em que vim ao mundo. Nasci numa modesta casa perto da fábrica. Toda a
propriedade era muito pequena — apenas o suficiente para acomodar a primeira
oficina. Meu pai dirigia a fábrica, fazia a escrita, exercia as funções de seu
próprio caixeiro-viajante; em suma, ele mesmo fazia tudo. Era bem como nos
primeiros tempos da fábrica Krupp.
Eu não tinha tanto tempo como meu pai para me ocupar com os operários,
embora andasse alerta esperando a primeira oportunidade que se apresentasse
para isso. Talvez eu não tivesse o jeito que meu pai tinha de falar com seus
homens, ou então não gozava da confiança destes no mesmo grau. Por essa razão
— se outras não houvesse — eu desejava a criação dum sistema corporativo,
afim de estabelecer contato com os representantes eleitos dos trabalhadores, que
deviam ter um lugar junto aos representantes do Conselho do Estado, afim de
discutir problemas econômicos, de salário, questões de exportação e coisas dessa
espécie. Porque eu estava firmemente convencido de que um trabalhador
aceitará até mesmo uma redução de ordenado uma vez tenha verificado que ela é
justificável. Mas acho impossível permitir que o trabalhador participe do
negócio. No momento em que se faça co-proprietário duma empresa particular,
essa passará a ser dirigida como um serviço do governo; ao passo que as
empresas industriais devem ser geridas de, maneira muito individual. Um
negócio não pode positivamente ser administrado como o Estado.
Uma das razões pelas quais o Führer se mostrava favorável à ordem corporativa,
parecia-me, era a de que ele se opunha à ideia de fundir numa só as três
federações gerais dos sindicatos de trabalhadores que existiam na Alemanha. O
que ele queria era dividir a Frente do Trabalho; e tinha razão, ao ver a
necessidade disso. Infelizmente, porém, não se manteve firme em suas ideias.
Por algum tempo, é verdade, Adolf Hitler pareceu manter seu ponto de vista
original com relação ao sistema corporativo, particularmente sob a pressão que
lhe fazia o movimento radical dentro do partido. Gregor Strasser também tinha
planos de uma espécie de sistema corporativo. Mas é possível que haja sido
apenas a atitude simpática de Strasser pela ideia corporativa que tenha
eventualmente contribuído para a mudança de opinião de Hitler, isto é: depois da
“traição” de Gregor Strasser (narrada no capítulo anterior). A predição de Ley se
realizava: os trabalhadores, dissera ele, não apoiam Strasser; apoiam Hitler e
Ley.
A fim de fazer frente aos ataques de Ley ao sistema corporativo, levei a Hitler
uma queixa contra o chefe da “Frente do Trabalho”. Disse-lhe que, fosse como
fosse, Ley não era o homem indicado para o posto que ocupava. Em vista disso,
Hitler ficou tremendamente exaltado e me desafiou a provar essa afirmação. E
eu provei; pelo menos julguei que havia provado. Nada, porém, aconteceu.
Como já observei, dum modo geral eu não era um íntimo de Hitler. Não
obstante, pude discutir com ele várias vezes o sistema corporativo. Eu ia
frequentemente a Berlim, e uma vez conversamos sobre o assunto enquanto eu o
levava num passeio ao redor de uma de minhas minas. Nessa ocasião, por sinal,
outro assunto surgiu também, a saber: o do encontro que Hitler tivera com
Wilhelm Furtwängler, o regente de orquestra. Hitler me contou que havia
mandado chamar Furtwängler e lhe dissera que de modo algum ele podia
continuar executando peças de compositores judeus. Isso era tão intolerável
como se ele, Hitler, viesse a se apaixonar por uma bela judia. Tive de rir
interiormente. Porque, na verdade, sempre que Hitler se aproximava de qualquer
mulher, acontecia que essa mulher era judia...
Uma vez até Julius Streicher, diretor da folha antissemita Der Stürmer teve
licença de fazer uma conferência nesse Conselho de Estado prussiano. Streicher
não era nem mesmo prussiano, mas sim franconiano de Nuremberg. Falou sobre
a lei. Relatou algo que lhe havia acontecido não havia muito tempo. Tinha sido
processado quando o governo republicano estava ainda no poder, e não tinha
sido tratado com imparcialidade — coisa em que de minha parte estou disposto a
acreditar. Mas isso não pode certamente constituir razão para que um “estadista”
diga que a lei deva ser abolida! No entanto, esse foi o sentido claro do discurso
de Streicher. E é muito significativo que essa monstruosa ideia nem mesmo
tenha chegado a provocar discussão.
Esses estados não eram criações artificiais; eles se haviam desenvolvido mui
naturalmente, como resultado da atividade econômica. Os nobres proprietários
de terras, bem como os burgueses, haviam organizado associações entre si, e as
decisões a que chegavam os seus representantes facilitavam o levantamento de
impostos. Embora o Terceiro Estado, o dos burgueses, tivesse garantido o seu
devido lugar durante a Revolução Francesa e nas lutas parlamentares inglesas, o
poder econômico dos burgueses, ou classes de cidadãos crescera havia tempo,
muito além de seu status político.
Felicitei-o pelo discurso, e tive a impressão de que ele próprio acreditava em que
havia conseguido muita coisa pronunciando-o. Muitos o interpretaram então
como uma advertência aos nacional-socialistas para que não fizessem mau uso
dos poderes de que dispunham.
Hitler teve uma oportunidade sem precedentes, como nenhum outro homem
jamais terá tão facilmente, de criar alguma coisa inteiramente nova. No entanto,
além do fato de não conhecer absolutamente nada a respeito de assuntos
econômicos, ele não consegue nem entender plenamente os seus conselheiros
econômicos. Hitler é impulsivo e sempre segue suas últimas impressões; mas
não tem energia. Sua preocupação constante é conservar-se no poder. Além
disso, acredita que o grande homem é ele; os outros não passam de nulidades.
O que vemos hoje em dia na política da Alemanha, bem como na sua economia,
é uma manifestação do espírito prussiano. Pode-se objetar que Hitler não ó
prussiano, mas sim austríaco. A única resposta a isso é a de que seu séquito é
inteiramente prussiano, e prussiano no pior sentido possível. Na verdade os
homens que o cercam, que estão sempre perto dele, são quase sargentões. É
preciso uma boa dose de conhecimento da história prussiana para saber o que
está implícito na ideia de “sargentão prussiano”. Significa a transferência da
caserna para o campo da política e da economia. Sempre que novos recrutas
chegam no quartel, eles costumam começar sua nova carreira recebendo açoites,
como meio de esclarecimento quanto ao sentido da disciplina militar e do
respeito que devem aos seus superiores. Isso não é necessariamente uma
expressão de brutalidade particular, mas antes o prolongamento de uma tradição
que veio vindo desde os tempos em que o exército prussiano consistia não de
naturais do país, mas sim de soldados assalariados, que deviam aprender a
respeitar seus chefes desde o princípio.
Assim a população inteira está sendo oprimida por meio do terror, mesmo sem
ter culpa de nada. Querem mostrar ao povo o que o espera se ele um dia quiser
tomar liberdades. Eis a razão por que na Alemanha ninguém tenta criticar
qualquer coisa.
O próprio Göring uma vez me disse da grande discussão que tivera por causa de
um de seus colaboradores, que segundo diziam, era de origem judaica. Tratava-
se nada mais nada menos do que do atual chefe da Força Aérea, general Milch.
Göring me contou que havia convidado a ir a sua casa todos os que tinham
começado a questão; e que a eles se dirigira num discurso impetuoso, ao fim do
qual declarara: “Eu é que decido quem é judeu ou quem não é, e está acabado.”
Mas, a despeito dessa frase, o fato continua inalterado: Milch tem sangue judeu.
Entretanto, afirmou-se simplesmente que sua mãe, que não era judia, concebera-
o fora do matrimônio. Isso é típico da maneira como as coisas são arranjadas na
Alemanha quando não há outra saída. Graças à alegação de adultério duma mãe,
o mundo ganha de presente mais um cidadão cem por cento ariano.
Meu pai, August Thyssen, passou toda a sua vida trabalhando com o propósito
de descobrir e conservar mercados para suas empresas. E eu concordo
plenamente com ele em que a manutenção de um comércio alemão de
exportação suficiente seria a única base segura para o bem-estar do país. A
limitação dos mercados de exportação ao sudeste da Europa se baseia em
fundamentos dúbios que pouco têm a ver com considerações de ordem
comercial. O grito-de-guerra segundo o qual oitenta milhões de pessoas
“precisam de espaço” é inteiramente fora de propósito. Ele corresponde à ideia
dos legionários romanos, quando queriam ser recompensados por seus serviços
com terras dos territórios conquistados. Uma nação de oitenta milhões de
habitantes precisa de comércio de exportação para poder viver no solo onde está
estabelecida. Mas não necessita de mais espaço, como nos tempos das grandes
migrações.
Nem mesmo todas as coisas que o dr. Schacht fez no campo financeiro foram
bem feitas. No final de contas, o que ele fez mesmo foi tirar ao povo alemão o
resto de suas economias. Foi ele que inventou aquelas letras-de-câmbio falsas
com as quais foram pagos os fabricantes de armamentos, letras que os seus
bancos eram forçados a aceitar, e que depois davam ao Reichsbank quando
precisavam de dinheiro para pagar seus clientes. A autoridade do Reichsbank
para descontá-las representava o único valor verdadeiro de tais letras. O que
acontecerá aos depositantes das caixas econômicas depois desta guerra ninguém
sabe. A única solução possível que vejo é tratar separadamente com aqueles
cujas economias não excedam 10,000 marcos. Quanto ao resto, com toda a
certeza nada sobrará.
No dia em que o dr. Schacht foi virtualmente demitido de seu posto, realizou-se
uma reunião do “Conselho Administrativo Central do Reichsbank”. Fui
convidado pelo dr. Funk para tomar parte nela, A princípio não quis ir, mas
depois achei que a sessão podia ser divertida em alguns respeitos. Meu primeiro
pensamento, depois que decidi comparecer à reunião, foi dizer alguma coisa em
louvor do dr. Schacht. Muitos repórteres de jornais estavam presentes, e várias
séries de panegíricos foram dirigidas ao dr. Funk. Ninguém gastou a menor
palavra com Schacht. Por fim achei também que seria mais prudente ficar
calado.
Fui um observador que seguiu de perto todos os esforços que os nazis fizeram no
campo econômico. Nunca tive a impressão de que os lideres fossem senhores de
um plano, nem mesmo que trabalhassem animados por um oportunismo
cauteloso, tendo em vista a reconstrução da economia alemã. Pelo contrário,
fazia-se evidente que procuravam obter resultados imediatos para fins de
propaganda. Suas ideias eram às vezes grandiosas, mas quase sempre
incoerentes.
De fato, todas as ideias econômicas do regime não iam muito além da construção
de estradas de rodagem, de projetos arquitetônicos suntuosos e do rearmamento.
Por quê resolveu Hitler, logo que subiu ao poder, construir uma rede de
gigantescas estradas? Havia poucos automóveis na Alemanha, e fosse como
fosse, as rodovias já existentes em quase todas as partes do país eram suficientes.
Sugeri a esse tempo que todas as estradas-de-ferro alemãs fossem eletrificadas.
Isso teria dado trabalho para as indústrias mecânicas e emprego para muitos
milhares de trabalhadores especializados. Além disso, a vantagem econômica da
empresa era indiscutível.
Mas Hitler, mesmo que o negue, é inspirado pelo exemplo de Napoleão. Isso faz
que seu espírito se volte para projetos como a remodelação e transformação de
cidades como Berlim, Munich e Hamburgo. Ele deseja que o povo fale nas
“estradas de Adolf Hitler”, como falava nas estradas de Napoleão. Essas
rodovias são certamente importantes para facilitar uma rápida comunicação entre
grandes distâncias. Algumas delas são esplêndidas para o turismo. Outras,
satisfazem até mesmo as necessidades econômicas. Mas a rede construída ou
projetada no decorrer dos anos que precederam a guerra, não pode ser justificada
a sério. Viajantes que andaram pelas estradas alemãs antes da guerra, tiveram a
oportunidade de notar que elas eram mais que suficientes para o volume do
tráfego de automóveis, Salvo poucas exceções, teria sido menos dispendioso
reconstruir a rede de caminhos já existente. Isso provavelmente teria custado um
ou dois bilhões de marcos, em vez dos oito bilhões que se gastaram nas
“rodovias de Adolf Hitler”.
A primeira que se construiu foi uma estrada para turistas de Munich à fronteira
da Áustria. Era o “caminho do Führer”, feito especialmente para ele. Depois se
fez a rodovia de Berlim a Munich, com grande pressa. O engenheiro encarregado
da construção, ansioso por ser agradável a Hitler, estava impaciente por vê-lo ir
diretamente de sua propriedade nos Alpes Bávaros a Berlim, sem deixar a nova
estrada. Mas muito menos impaciência revelou na construção da estrada que
devia ligar as cidades industriais do Ruhr, ou do caminho arterial de Hamburgo a
Berlim. Para falar a verdade, até mesmo as necessidades militares foram
negligenciadas. Por exemplo, não há rodovias na parte ocidental do Reno. Uma
estrada a Aix-la-Chapelle mal havia sido começada, quando rompeu a guerra.
Por outro lado, os chefes militares sempre se mostraram céticos quanto ao valor
militar de tais estradas. São elas largas tiras que correm através da paisagem
numa linha reta; podem assim guiar a aviação inimiga de maneira muito melhor
que os rios e outros cursos d’água caprichosamente serpentinos. Além do mais,
são extremamente vulneráveis a raids aéreos por causa das inumeráveis
construções de caráter puramente arquitetônico que se erguem ao longo de suas
margens. Uma simples ponte, quando destruída, pode obstruir a estrada por
centenas de quilômetros, porque os pontos de comunicação com o resto do
sistema são raros e muitas vezes mal projetados.
Na construção das rodovias, como em tudo mais que faz Hitler, não procedeu de
acordo com um plano. Quis criar imediatamente alguma coisa que falasse à
imaginação do povo.
Um dia, o dr. Schacht, cansado de todas essas agitações fúteis e dispendiosas dos
economistas do partido, declarou publicamente que era absurdo, do ponto de
vista econômico, construir pirâmides afim de dar trabalho aos desocupados.
Toda a gente compreendeu o que ele queria dizer. O dr. Schacht atacou também a
construção das estradas de rodagem que custavam bilhões, mas que, como a
propaganda oficial proclamava todos os dias, haviam de ser o futuro monumento
à glória imperecível do Führer e do regime. Com as mesmas palavras o dr.
Schacht denunciou a mania de construção de que estavam possuídos todos os
chefes nazis, desde Hitler até o menor dos burgomestres.
O efeito de frases vazias como essa foi desastroso. Toda a gente começou a
construir, afim de fazer alguma coisa. Em Düsseldorf três altos funcionários
nazis acariciavam cada um o seu projeto: um queria construir um grande salão
de assembleias que oferecesse acomodações para vinte mil pessoas; o outro
desejava um edifício para o governo do município; o terceiro sonhava com um
teatro. Dos três projetos, o da construção dum edifício municipal era o mais
sensato, uma vez que até certo ponto era justificável. Hitler decidiu o assunto.
Mandou que fizessem um teatro. Achou-se, pois, um excesso de dez milhões de
marcos no orçamento da cidade. Os nazis censuraram os socialistas da República
de Weimar por terem malbaratado o dinheiro na construção de piscinas e
departamentos de saúde. Como eram modestos os socialdemocratas, comparados
com os seus sucessores!
Peritos militares declararam que se ela fosse derribada por bombas aéreas, por
exemplo, as consequências seriam desastrosas. O custo do trabalho ia além de
um milhão de marcos. Mas o Führer tinha resolvido e — é lógico — o Führer
nunca pode errar. Se não fosse a guerra, a construção dessa estrutura absurda
teria sido começada. Ninguém ousou submeter a única solução razoável imposta
pela necessidade: Unir as duas margens do Elba por meio de um túnel. Seria
menos dispendioso e não traria as desvantagens da ponte. Os nazis, entretanto,
não gostam das construções subterrâneas, provavelmente porque elas não podem
ser vistas.
Por falar em manteiga, Göring acaba de fazer outra descoberta digna de seu
gênio. Os granjeiros alemães usam certa quantidade de leite para alimentar seus
animais domésticos. Esse leite é indispensável aos animais novos.
Outra história da mesma espécie, mas muito mais irritante no que dizia respeito
às indústrias metalúrgicas, foi a do relatório de um geólogo que pretendia que as
areias do mar Báltico continham grandes quantidades de ferro. Pode ser verdade
que haja traços de ferro na areia do mar. Göring fez estudar a questão com
grande seriedade e mandou-nos um longo memorando, pedindo-nos a opinião.
Imaginava ele, sem dúvida, que o mar ia trazer o minério sueco para as praias da
Alemanha sem que fosse preciso carregá-lo em navios.
Göring é um militar. Imagina que é bastante dar ordens para que a indústria as
cumpra. Quando os industrialistas declaram que é impossível, são acusados de
sabotagem. Em breve a Alemanha não será diferente da Rússia bolchevista; os
chefes das empresas que não preencherem as condições que o “Plano” prescreve,
serão acusados de traição contra o povo alemão e fuzilados.
Fosse como fosse, Dollfuss preparou um documento no qual todos esses fatos
ficaram estabelecidos. Assassinado o chanceler austríaco, o seu sucessor, o dr.
Schuschnigg, ficou na posse do documento. Por meio de seus espiões Hitler foi
informado do inquérito comprometedor. Quando pediu ao novo chanceler da
Áustria para vir a Berchtesgaden em fevereiro de 1938, tinha em mente
apoderar-se do documento. A fim de deitar- lhe a mão, começou ordenando a
prisão da condessa Fugger, a amiga de Schuschnigg que mais tarde — depois
que este foi preso pela Gestapo — se tornou sua esposa. O documento
comprometedor foi então entregue ao Barão von Ketteler, secretário do
embaixador do Führer em Viena, Herr von Papen. É bem possível que Papen
tivesse o cuidado de fotografar os significativos documentos antes de mandá-los
para Berlim por intermédio de Ketteler. É claro que em tais circunstâncias o
desgraçado Schuschnigg, em face do terrível adversário de Berchtesgaden, ficou
privado da única arma que tinha contra ele — a ameaça de publicar o documento
de Dollfuss, o qual teria revelado ao mundo a origem verdadeira do ditador da
Alemanha.
Coisa bastante estranha: o exército não entrou em nenhuma ação imediata, uma
vez que se via desembaraçado de seu principal inimigo, Röhm. Os generais
acharam que a eliminação deste último era suficiente, e depois dela se tornaram
servos fiéis dos nacional-socialistas. Só o velho general von Mackensen tentou a
princípio protestar contra a situação. Hoje, entretanto, seu filho está casado com
a filha do antigo ministro alemão dos negócios estrangeiros, o ex-protetor” da
Boêmia e Moravia, o barão von Neurath. O velho general von Mackensen
recebeu de presente do Reich uma propriedade. Coisa mais que estranha é ter a
família Mackensen aceito dádivas das mãos de Hitler, como se elas viessem do
imperador. Mackensen, por falar nisso, persistia na sua opinião de que os
presentes lhe eram dados como recompensa pelos seus serviços na primeira
Guerra Mundial.
O caso de von Fritsch é também uma boa amostra dos métodos peculiares
usados pelo regime de Hitler. Fritsch era conhecido como um dos elementos
mais eficientes do exército alemão e tinha o apoio de grande número de oficiais
superiores. Mas era preciso “liquidar” von Fritsch. Para conseguir isso, conta-se,
o chefe da Gestapo acusou-o pessoalmente da prática de homossexualismo.
Fritsch, que negou tudo desde o princípio, teve ordem de comparecer à
chancelaria do Reich, onde devia ser desmascarado na presença do Chefe
Supremo. Defrontou-se lá com um jovem que se supunha ser a principal
testemunha da acusação. Esse moço tivera na verdade relações com um
cavalheiro chamado Fritsch, mas teve de confessar que não era o general.
Não obstante, a Gestapo insistiu por longo tempo na afirmação de que o homem
era realmente o General von Fritsch. Para o reabilitar, foi convocado um
conselho-de-guerra sob a presidência de Göring. O marechal teve então a
oportunidade de conquistar o exército inteiro: bastaria pronunciar umas poucas
palavras sensatas. Mas não as pronunciou. E desde esse momento suas relações
com o exército têm estado sempre tensas.
Parece certo que o general von Fritsch mais tarde se suicidou.
Eu pelo menos posso dizer que, qualquer que tenha sido a circunstância
verdadeira de sua morte, a criatura estava ansiosa por morrer. O suicídio,
entretanto, nada teve a ver com o assunto há pouco mencionado, pois a
reabilitação do acusado foi completa. Mas aconteceu que, para sua suprema dor,
Fritsch teve de ser testemunha da submissão de todo o exército alemão a Hitler.
Fritsch nunca foi um partidário sincero do Führer como, por exemplo, o general
Reichenau. Advogou sempre uma aliança com a Rússia, embora não com uma
Rússia comunista. Fizeram-se tentativas para restabelecer as relações entre
Fritsch e o generalíssimo russo, Tuchachevsky. Tinham ambos um traço comum:
cada um desejava derrubar o ditador de sua pátria.
Hitler deve a Himmler a solução final da questão das SA. Himmler havia criado
as organizações das camisas-negras, as SS., e com o seu auxílio levou a cabo
impiedosamente a execução de milhares de membros das SA em junho de 1934.
Agora Himmler é o homem mais poderoso da Alemanha nacional-socialista. Na
verdade tem nas mãos muito mais poder que o próprio Göring. Está em toda a
parte e domina tudo.
É talvez inútil lembrar ao leitor que Herr Himmler e seu ajudante, Herr
Heydrich, que já foi descrito em capítulo anterior, são mais do que ninguém
responsáveis pelos crimes cometidos nos campos de concentração da Alemanha.
É na verdade uma tristeza que tantos grandes industrialistas disputem os favores
do mais poderoso, mesmo quando ele não passa de um carrasco, como no caso
de Himmler.
Talvez tudo isso se pudesse perdoar se a política fosse conduzida com método.
Mas quem quer que pense que isso se faz tem uma concepção inteiramente
errônea do país. Não há uma administração com o centro em Berlim. Com
relação à ordem interna, Hitler não conseguiu absolutamente nada. Pensou que
era uma grande esperteza construir um sistema governamental no qual todas as
forças se anulassem umas as outras. Junto ao prefeito duma, cidade sempre está
um funcionário do partido conhecido como Kreisleiter (chefe do distrito). E
assim se passa com todos os postos importantes. Se os dois homens que foram
colocados lado a lado entram em acordo, a situação é tolerável; caso contrário,
há uma luta perpétua e naturalmente inofensiva no que diz respeito à estrutura
interna do governo. Essas condições são completamente desconhecidas do
público; no entanto são perniciosas.
Hoje, entretanto, “o Partido governa o Estado”. Já não tem mais dívidas. Por
toda a parte estão sendo construídos palácios em seu nome. Até mesmo os seus
lideres menores ficaram milionários. Göring é proprietário de cerca de meia
dúzia de castelos na Alemanha e de uma vila na Suíça. Em 1933 nada tinha além
de dívidas. Goebbels possui uma suntuosa casa, que antigamente pertencia a um
banqueiro judeu, na ilha de Schwanenwerder, perto de Berlim. Himmler é dono
de uma vila em Berlim e adquiriu uma grande propriedade na Baviera.
Ribbentrop é o único que não era pobre, visto como havia casado com a filha de
Henckel, um rico fabricante de champanha alemão. Não obstante isso, tornou-se
ladrão. Depois do assassínio de meu sobrinho, von Remnitz, no campo de
concentração de Dachau, Ribbentrop se apoderou de seu castelo de Fuschl, perto
de Salzburg; e teve o descaramento de convidar o conde Ciano, ministro dos
estrangeiros da Itália, para visitar essa casa roubada.
Nas camadas mais baixas do partido, o quadro que se nos oferece é o mesmo. Os
Gauleiters e os delegados da Frente do Trabalho têm assento à mesa dos
diretores das grandes corporações industriais. Albert Förster, o jovem Gauleiter
de Dantzig, chegou àquela antiga cidade sem um vintém no bolso. Hoje em dia é
um latifundiário riquíssimo.
Além das finanças do Estado há uma multidão de fundos especiais que são
alimentados pelo público sem o conhecimento deste. Tais fundos ficam à
disposição de algum chefe do partido que pode sacar contra eles sem prestar
contas de suas retiradas. Os métodos empregados são de várias espécies. No fim,
entretanto, é o povo alemão quem sempre paga os luxos de todos os seus
sátrapas, maiúsculos e minúsculos.
Mas em meio desse luxo artístico, Göring não se esquece de que o Führer é o pai
de sua riqueza. Quando os visitantes vêm vê-lo na sua residência de Berlim, ele
lhes mostra, com grande emoção, uma pequena aquarela que representa uma
aldeia em ruínas no norte da França. É um presente pessoal do Führer, que a
pintou durante a primeira Guerra Mundial. Göring finge julgá-la superior a um
primitivo flamengo ou a um mestre italiano.
Göring não se limita a nenhum método particular para satisfazer seus gostos
suntuários — ou melhor: emprega todos os métodos. Dispõe das rendas públicas
da Prússia, aceita subornos da indústria, tira vantagens das confiscações — tudo
quanto lhe cai na rede é peixe.
É verdade que suas necessidades são modestas. Não faz caso da boa mesa, não
fuma nem bebe, e não tem amantes. Brüning, o asceta, pelo menos fumava
charutos. Os nazis o censuravam até por isso. Hitler, como Göring, tem um fraco
por pinturas. Ele próprio gosta de dizer que, se não tivesse entrado na política,
teria dedicado sua vida à pintura. Às vezes compra telas dos Velhos Mestres com
seu próprio dinheiro, mas antes de mais nada aceita presentes. Cidades e Estados
já lhe ofereceram espécimes de museu. Numerosos são também os cidadãos
particulares que desejam dar provas de sua gratidão ou de sua admiração por
Hitler. Mas o Führer não vai pessoalmente aos negociantes de objetos de arte,
como faz Göring. Utiliza-se de seu fotógrafo, Hoffmann, como intermediário.
Este último é o único fotógrafo oficial autorizado por Hitler e pelo seu regime.
Tal monopólio lhe traz uma fortuna. Mas Hoffmann não considera coisa indigna
de sua pessoa ganhar comissões na venda de objetos de arte. Seu método é mais
ou menos o mesmo das pessoas que servem Göring, com a diferença de que a
coisa custa à vítima um preço mais alto. Um negociante de objetos-de-arte que
goze de reputação vai a um de seus melhores fregueses e a ele se dirige mais ou
menos da seguinte maneira: “Sei duma certa tela que está à venda. Sei também
que nosso amado Führer gostaria muito de possuí-la. O senhor não quereria dar-
lhe essa tela de presente?” Toda a gente sabe o que isso significa. E a sugestão é
aceita.
Mas acontece também que Hitler dá um quadro de presente a uma pessoa a quem
deseja prestar um favor. Um dia mandou ao Dr. Hjalmar Schacht uma tela do
pintor clássico alemão Spitzweg, numa moldura soberba. Schacht notou
imediatamente que se tratava de uma cópia vulgar de um original muito
conhecido. Pensando que o Führer tinha sido logrado, mandou-lhe o quadro de
volta dizendo que era uma cópia. Furioso, Hitler declarou: “Esta cópia é um
original!” No fim de contas, por que não, uma vez que o axioma do regime é “o
Führer sempre tem razão”? Vários meses mais tarde os visitantes de Schacht
viam-lhe ainda na sala de visitas da residência uma moldura vazia com um
pequeno bilhete escrito pelo punho do proprietário: “Esta moldura continha uma
cópia de Spitzweg que me foi presenteada pelo Führer”.
Tudo isso ainda não basta. O homem que mais se utiliza do orçamento do
Reichsnährstand e consequentemente do tributo que se exige de cada trabalhador
alemão, é Heinrich Himmler, que necessita de dinheiro para a sua Gestapo e seu
exército de pretorianos, espiões e torturadores, A diferença entre os preços
internos e os preços externos podia ser convertida num fundo de compensação
que servisse para o abaixamento do nível do preço de certos gêneros de
primeira-necessidade. Mas nada disso se faz. O povo alemão paga por todos os
comestíveis um preço acima do preço mundial, não para favorecer o
desenvolvimento da agricultura, mas para sustentar os espiões que os vigiam, e
que torturam os seus semelhantes.
Essa honra lhes custa caro, mas serve como uma “recomendação” à Gestapo.
Industrialistas, comerciantes e funcionários competem na obtenção desse título,
especialmente quando não são membros do partido. Acreditam ficar assim
protegidos por Himmler. Isso é uma reminiscência do tributo que os mercadores
e burgueses da Idade-Média costumavam pagar aos “barões feudais” afim de que
estes lhes protegessem os bens e as vidas.
Como dispõe Himmler de todos esses fundos? Paga seus homens, ergue quartéis
e Centros sociais para suas tropas, vilas ou casas de campo para se mesmo e para
outros chefes da Gestapo, e compra armas independentemente do ministério da
guerra. Himmler, como Darré, gosta de dar festas suntuosas. Sustenta seus
espiões na Alemanha e no estrangeiro. Quem sabe? — talvez mesmo os campos
de concentração que dependem do chefe da Gestapo possam ser sustentados pelo
modesto orçamento dos trabalhadores, graças ao nível arbitrário dos preços dos
gêneros alimentícios.
No que diz respeito à sua pessoa, Rosenberg passa por ser desinteressado. Conta-
se que sacrifica seus rendimentos pessoais em favor da causa. Quando Hitler lhe
concedeu o “Grande Prêmio Alemão de Filosofia” (que substituiu o Prêmio
Nobel dentro da Alemanha) afirmou-se que Rosenberg era muito pobre. No
entanto seus livros anticristãos vendem-se bem. As bibliotecas escolares, até
mesmo na Renânia católica, são obrigadas a comprá-los!
Foi Ley quem inventou a organização de férias que traz o estranho nome de
Kraft durch Freude (Força Através da Alegria). Essa organização é proprietária
de grandes e novos barcos de turismo que Ley emprega em “cruzeiros de
operários”. De fato, magnatas nazis, grandes e pequenos, foram os primeiros a
tirar proveito disso. A “Força Através da Alegria” publica várias revistas
ilustradas com incrível prodigalidade e com a mais supina inutilidade. Ela
alugou praias ao longo do Mar Báltico. Na famosa ilha de Rügen, o Dr. Ley
mandou construir um enorme hotel com acomodações para vinte e cinco mil
pessoas. É fácil imaginar como poderá uma pessoa descansar em tamanho
aperto. Mas Ley não os leva a Rügen para descansar. O propósito nacional-
socialista na organização da “Força Através da Alegria” não é proporcionar
horas de ócio ao operário. O ócio seria perigoso ao regime nazi. O povo teria
tempo para pensar e isso é coisa que deve ser evitada. É preciso trazer o povo
sempre ocupado em alguma coisa, sem interrupção. Para evitar que os operários
pensem, dão-lhes passatempos físicos. Nunca ficam entregues a se mesmos. Tal
é, nas palavras do próprio Ley, a ideia que inspirou a construção do hotel na ilha
de Rügen.
Afim de não ficar atrás de Himmler (a quem ele na certa dá também dinheiro)
Ley criou a sua própria milícia operária, chamada a Werkscharen, ou Legião das
Fábricas. São elas compostas de jovens altos de dezoito a vinte anos, metidos
num uniforme azul. Ley tem grande orgulho deles.
Desse modo ele é dono, como qualquer outro grão-senhor nazi, de seu
exércitozinho particular.
Das centenas de milhões de marcos que passam por suas mãos, Ley guarda uma
pequena parcela para suas necessidades pessoais. Construiu para sua residência
particular uma bela vila num bairro aristocrático de Berlim. Um antiquário que é
amigo meu, me contou que fora um dia chamado à casa de Ley. Teve de esperar
cerca de meia hora na sala-de-espera onde os homens da SS que se achavam de
guarda repousavam confortavelmente em grandes poltronas, com os revólveres a
saltar dos cintos. Por fim foi introduzido no apartamento de Frau Ley, que fora
antigamente caxeirinha duma grande loja de Colônia. A dama decidira comprar
uma “tapeçaria”, sem dúvida porque a posse duma tapeçaria era para ela o sinal
seguro duma certa distinção social.
— Eu lhe pedi para vir — explicou ela ao antiquário — porque eu queria uma
tapeçaria.
Tais são os homens que hoje governam a Alemanha. É assombroso como podem
eles proclamar-se socialistas e insultar, no meio de sua corrupção, as
“plutocracias ocidentais” — para usar de suas próprias palavras. A vasta maioria
do povo alemão nada sabe desses métodos refinados de enriquecimento à custa
da comunidade e do suor das massas trabalhadoras. Um dia, quando os alemães
souberem como foram enganados e escarnecidos pelos seus chefes, sua fúria será
tremenda.
6. A CAMPANHA ANTI-JUDAICA E OS CAMPOS
DE CONCENTRAÇÃO
Hitler sentiu que a língua desse homem livre e bravo era um perigo para o seu
regime. Foi ele que deu ordem para que prendessem o pastor. Foi este levado ao
tribunal de Berlim, acusado de quebrar uma velha lei qualquer do tempo de
Bismarck, relativa aos sermões religiosos. O júri absolveu-o. Niemöller, em vista
disso, devia ser posto imediatamente em liberdade. Mas, a despeito da sua
popularidade, a despeito da proclamação da sua honestidade e da sua inocência
pelo júri, Hitler não hesitou em cometer nova iniquidade. Ao deixar o tribunal,
Niemöller foi preso pela Gestapo e internado no campo de concentração de
Oranienburg. Mais tarde, o velho Marechal von Mackensen fez uma comovente
tentativa para obter sua libertação. Hitler recusou.
Católico como sou, e educado nessa tradição, inclino-me perante esse nobre
protestante, Martin Niemöller. Como oficial ele revelou coragem durante a
guerra. Mais, porém, que isso, ele deu aos alemães o exemplo de uma virtude
mais rara: recusando deixar-se silenciar pela Gestapo, o Pastor Martin Niemöller
mostrou aos alemães o que significa “coragem cívica” — essa virtude que, no
dizer de Bismarck, era desconhecida no país.
Ninguém sabe melhor que eu, que sou industrialista, os serviços que prestaram
os judeus à economia nacional alemã depois da guerra. Os nazis acusam os
banqueiros judeus da responsabilidade dos débitos alemães. De acordo com eles,
os judeus haviam conspirado “para tornar a Alemanha preza da finança
internacional”. Uma estupidez sinistra. Os banqueiros judeus salvaram a
economia alemã depois da guerra. Foi graças a esses homens que as empresas
pequenas e médias puderam obter dos bancos americanos os créditos necessários
para o seu reequipamento.
Não sei se o guarda, que recebera de Göring a ordem de preparar minha caça,
descreveu a seu amo as dificuldades por que passei. Não sou bom atirador. O dia
estava chuvoso, e eu não tinha trazido o aparelho de mira e errei três tiros. Por
fim abati um animal, Era já tempo, porque o guarda estava desesperado. O pobre
diabo tinha recebido instruções formais para que eu não deixasse de matar o meu
veado. Esse foi o meu primeiro e, sem dúvida alguma, o último...
Sugeri que Göring mandasse uma missão oficial alemã aos Estados Unidos afim
de tranquilizar o público americano. A pessoa indicada, acrescentei, poderia
dizer ao Presidente Roosevelt que sem dúvida haviam sido perpetrados excessos,
mas que nenhum princípio estava envolvido no assunto, pois a ordem seria
reestabelecida. O próprio Göring não é antissemita. Compreendeu integralmente
o prejuízo que a agitação de Streicher trazia para a Alemanha na América.
Naquele tempo eu andava viajando pela Baviera. Quando tive notícias do que
estava acontecendo no país, concluí que tais horrores não se podiam ter repetido
nas nossas províncias do Reno. Voltando a Düsseldorf no dia seguinte, soube que
o impossível havia acontecido.
Florian, que era autoridade do partido mas não do Estado, organizara esse odioso
ataque pessoal durante as perturbações antijudaicas, sob o pretexto de que a
esposa do presidente tivera uma avó judia. Muitos homens casados com
mulheres de origem semítica divorciaram-se afim de propiciar o partido. Em tais
casos, os tribunais invariavelmente concediam divórcio sob a alegação de que as
pessoas interessadas se haviam consorciado antes das “leis de Nuremberg” terem
sido proclamadas, de sorte que não sabiam a importância da questão étnica. Este
exemplo não foi seguido pelo Presidente S... que acontecia ser um homem de
honra. Ele informara Göring da origem de sua esposa e Göring, de acordo com
Hitler, mesmo assim mantivera a nomeação.
Como em outras cidades alemãs, houve cenas de desordem e pilhagem por toda
a cidade. Magnatas judeus, intelectuais, médicos e comerciantes foram presos e
muitos odiosamente maltratados, mesmo os velhos. O velho conselheiro jurídico
do sindicato de carvão, Heinemann — que tinha setenta e cinco anos de idade e
que era universalmente respeitado — suicidou-se juntamente com a esposa.
Tinha ele uma pequena coleção de quadros que havia dado à cidade de Essen. Os
nazis a destruíram por completo. Florian havia organizado essas atrocidades com
particular selvageria, sob o pretexto de que von Rath, o jovem diplomata
assassinado em Paris, era natural de Düsseldorf.
Tais foram as notícias que recebi em minha volta. Fiquei horrorizado. Como
conselheiro de Estado eu estava autorizado a me dirigir pessoalmente ao
Ministro Presidente Göring. Escrevi-lhe de imediato uma carta explosiva,
dizendo que era intolerável que um alto dignitário do partido organizasse
perturbações e pudesse atacar, de maneira tão odiosa, os judeus e até mesmo um
governo oficial que era a mais alta autoridade administrativa do Estado da
Prússia. Lembrei Göring de que ele próprio havia nomeado o
Regierungspräsident e que S... nunca escondera a ascendência de sua mulher.
Declarei firmemente ao ministro-presidente da Prússia que os excessos
organizados pelo Gauleiter nazi em Düsseldorf eram a ruína de toda a autoridade
e um encorajamento à anarquia e aos instintos mais baixos da população. Nessas
condições, declarei, era-me impossível permanecer como Conselheiro de Estado.
Manter-me eu nesse cargo, em minha terra natal, era o mesmo que aprovar os
fatos que formalmente condenava. Pedi a Göring que aceitasse minha demissão.
Desde 1935, não tenho tido mais contatos com os lideres nacional-socialistas.
Cessei de usar a bandeira suástica e de fato cortei praticamente minhas relações
com o partido. Mas não tomei nenhuma providência para tornar pública a minha
oposição. Os excessos do outono de 1938 me fizeram abandonar essa reserva.
Minha resignação do posto no Conselho de Estado foi uma prova não só de meu
desagrado como também de minha intenção de evitar qualquer suspeita de
solidariedade a um regime que tolerava tais ultrajes. Mas meu protesto foi
recebido em silêncio, bem como seria o caso de minha declaração contra a
guerra um ano mais tarde, se eu tivesse voltado à Alemanha.
Desde então aprendi que Hamburgo era a única cidade da Alemanha onde o
Gauleiter nacional-socialista Kauffmann, de origem renana, não tolerava que os
judeus fossem molestados. No grande centro que Kauffmann administrava na
sua dupla capacidade de Gauleiter do partido e governador do Reich, nem o
incendiarismo nem a pilhagem foram permitidos. Perto de nós, em Mühlheim,
ocorreu um grotesco incidente. A comunidade judaica, sentindo a aproximação
da tormenta, vendera a sinagoga à cidade algumas semanas antes dos distúrbios.
Os nazis atearam fogo ao edifício sem olhar o fato de que ele era agora
propriedade municipal.
É acima de tudo na sua campanha antijudaica que o partido tem dado rédea solta
aos instintos bestiais que são a raiz de sua chamada filosofia. O governo
nacional-socialista teve o miserável privilégio de encorajar e mesmo ordenar
atos que são considerados criminosos por todo o mundo civilizado. Estrangeiros
que estavam na Alemanha ao tempo desses excessos ficaram apavorados ante
tais cenas de sadismo e selvageria; viram os incendiários oficiais das sinagogas
em ação. Na capital do Reich, no centro da cidade a plena vista das embaixadas,
as Tropas de Assalto e os hitleristas mais moços, comandados por seus chefes,
depredavam e saqueavam casas de moradia e lojas. Tolerando — e na realidade
organizando — o roubo, e incendiarismo, a pilhagem e mesmo o assassínio nos
campos de concentração, o regime nacional-socialista, especialmente naquele
outono de 1938, revelou-se ao mundo inteiro como um governo de gangsters.
7. A QUESTÃO CATÓLICA
Essa filosofia está resumida na frase Blut und Boden (sangue e solo). A maioria
das pessoas não compreende a perniciosidade da doutrina que se esconde por
trás dessas duas palavras. Sua abreviação cômica, “Blu-bo”, tem sido muitas
vezes alvo de ridículo. Que vem a ser essa doutrina? Ela ensina que o sangue e o
solo produziram o homem. Este se acha ligado à natureza por todas as fibras de
seu ser. O sangue que lhe corre nas veias dota-o de uma força misteriosa — a
vida dos antepassados dos quais ele é uma reencarnação durante a sua existência.
O homem tem uma profunda afinidade com o solo no qual nasceu e do qual tira
o seu sustento. Ele representa uma fração minúscula da energia do mundo. Seu
propósito orientador deve ser o exercício dessa força no seu grau máximo.
Tais são os princípios de acordo com os quais Hitler governa o povo alemão.
Desgraçadamente, ele conseguiu inculcá-los em grande parte da geração mais
nova. Os jovens partidários dessa filosofia brutal são capazes de coragem,
obediência e devoção ao serviço da personificação compósita da raça, da qual
eles se consideram mero fragmento. Para eles, a raça é representada pela
Alemanha. Sua expressão mais poderosa se encontra na pessoa do Führer, a
quem eles veneram quase como a uma deidade. Mas a juventude materialista —
por assim dizer animalesca — não tem conhecimento de Deus no sentido
espiritual da palavra. O “Deus Alemão” dos nazis é a Natureza, a fonte
misteriosa da qual eles munam. Seu ato de fé consiste no desenvolvimento
máximo das forças naturais acumuladas em cada indivíduo.
Alguns fanáticos, ainda mais insanos — ou talvez mais inocentes do que o resto,
conseguiram acrescentar um pouco de fantasia às doutrinas, ligando-as com as
lendas da antiga mitologia germânica. Esses fervorosos discípulos do Deus
Alemão se entregam a orgias de reminiscências de Wotan, Baldur, Thor e Freya.
Os nomes de seus filhos são tirados da Edda Escandinava, afim de evitar os do
calendário dos santos e, principalmente, os do Velho Testamento. O próprio
Göring seguiu esse exemplo. Eis um dos lados grotescos desta triste história.
Os nazis se propõem destruir a alma. Para uma ditadura, a personalidade não tem
a menor serventia. Uma nação de robôs é mais fácil de governar.
Tal argumento é, pelo que se vê, decisivo. Mas só pode ser válido para bestas
feras como Florian, um grande ignorante que quando muito saberá lidar com
baralho.
Os nazis, que não têm a menor compreensão do zelo religioso, viram nessa
inquietude da população católica uma demonstração de hostilidade política.
Disseram que o partido católico do Centro, embora oficialmente dissolvido,
estava renovando suas intrigas contra os nacional-socialistas através dum
movimento subterrâneo. Göring lançou sua proclamação contra o Cristianismo
político. Não era a religião que estava em discussão, declarou ele. O nacional-
socialismo se baseava no cristianismo positivo. Ele, Göring, era um respeitador
de todas as fés. Mas os inimigos do Estado se estavam utilizando da religião,
afim de esconder seus desígnios sinistros. Ao mesmo tempo, a Gestapo recebeu
instruções para agir com rigor contra, os jovens católicos. Isso causou muita
inquietação, mas não teve resultados importantes imediatos. Os católicos
mantiveram sua resistência passiva.
Os chefes nazis então lançaram mão dum recurso infame. Afim de desgraçar o
clero católico aos olhos de suas congregações, tomaram como pretexto certas
fraquezas pessoais que se sabia existirem numa comunidade local de irmãos
leigos, afim de instigar uma série de processos escandalosos. A imprensa do
partido começou a publicar notas degradantes sobre atos de torpeza moral que se
praticavam em segredo. Através de toda a Renânia, o partido organizou
conferências nas quais os oradores contavam os detalhes mais escandalosos. Em
Düsseldorf, uma autoridade do Reich passou em revista pormenores de casos de
imoralidade e apresentou-os de molde a fazer que eles incriminassem o clero e a
Igreja, quer fossem verdadeiros, quer fossem falsos. O Gauleiter nazi, que estava
bem informado de minhas convicções católicas, absteve-se de me convidar. Os
julgamentos duraram vários meses. Os nazis tiveram a desfaçatez de chamar ao
tribunal Monsenhor Bornewasser, o velho bispo de Treves, e Monsenhor
Sebastian, o bispo de Speyer, de quase oitenta anos de idade. Bürckel, o sinistro
Gauleiter do Palatinado, insultou publicamente o venerável bispo, cuja lealdade
patriótica estava acima de qualquer suspeita. Um tribunal nazi ousou acusar de
perjúrio o bispo de Treves. Este último queixou-se ao Chanceler Hitler, e
publicou seu apelo numa carta à população católica. Mas Hitler aprovou toda a
ação de seus homens.
Enquanto isso, a indignação crescente da população católica da Renânia
começava a causar aborrecimentos aos chefes nazis. Ouviam-se protestos contra
toda a ignomínia e a má fé. Prosseguindo sua odiosa campanha de calúnia, os
nazis correram o risco de provocar uma revolta. Interromperam os julgamentos,
mas não cessaram seus ataques contra a Igreja. A Gestapo continuou suas
intrigas. Padres denunciados por agentes secretos foram presos. Um jovem
vigário de Essen, que tinha uma missão junto à classe operária, foi acusado de
ter fomentado uma conspiração comunista, sendo condenado a dez anos de
prisão. Nessa mesma época, Hitler estava secretamente negociando com Stalin!
Também por esse tempo os nazis estavam tentando fazer que católicos apóstatas
se voltassem contra sua própria Igreja. Um professor do colégio clerical de
Pasing prestou-se a essa traição. Foi suspenso e excomungado pelo Cardeal
Arcebispo de Munich. Durante um mês seus feitos foram contados em reuniões
públicas e a imprensa do partido noticiou seus ataques contra a Igreja, mas sem
sucesso.
Nesse livro, Rosenberg recorre outra vez a todas as velhas tolices que os
anticlericais de todos os tempos escreveram contra a Igreja Católica. Ele tempera
o seu angu com uma filosofia inspirada em Rousseau e numa ingênua espécie de
materialismo romântico. Para ele o homem é naturalmente bom; o dogma cristão
do pecado original e da redenção é um insulto a essa nobreza inerente. Sob o
regime nazi, os campos de concentração são sem dúvida a expressão da bondade
natural da humanidade.
Esse profeta russo, que nunca conseguiu aclimatar-se na Alemanha, foi um dia
levado a exprimir suas ideias exóticas em Münster, a diocese de Monsenhor von
Galen. O bispo pregou um sermão trovejante contra ele e proibiu todos os
católicos de assistir à conferência de Rosenberg. Este, que tinha alugado o maior
salão da cidade, foi obrigado a falar perante algumas filas de gente uniformizada
e muitos bancos vazios. Os nazis ficaram furiosos. O ministro do interior, Frick,
levou pessoalmente o seu protesto ao Bispo de Münster. Mas não ousaram
prendê-lo. O camponês da Westphalia, segundo se diz, é um osso duro de roer.
Os rústicos são perfeitamente capazes de vir em defesa de seus bispos com
tridentes e cacetes.
Por ocasião do Natal de 1939, Monsenhor von Galen usou numa proclamação
palavras das Escrituras: “Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na
cova.” Citando o Evangelho nesse momento crítico, Monsenhor von Galen
respondeu com todo o peso de sua autoridade ao axioma pagão dos nazis: “O
Führer nunca erra.” E o bispo aconselhou seu rebanho a não esquecer a fonte
autêntica da verdade.
Num país normal, não haveria nada fora do comum na construção de uma capela
católica. Mas numa Alemanha nazista, ela foi considerada uma demonstração
contra o regime. Os habitantes de Mühlheim sabiam que eu era o fundador.
Quanto a isso nunca houve dúvida. E a igreja sempre estava cheia.
Eles estão habituados a uma submissão maior. Darei um exemplo. Albert Vögler,
que me sucedeu na chefia das “Usinas de Aço Unidas”, depois de minha partida
da Alemanha, tem um irmão, Eugen Vögler. É ele gerente geral da “Companhia
Construtora Hochtief”, de Essen. Essa empresa, uma das mais importantes da
Alemanha, é na sua maior parte propriedade dos irmãos Vögler.
Há um detalhe que não pode passar despercebido e que não é de menor valor que
os outros para quem procura compreender a psicologia de Adolf Hitler: as
entradas da passagem subterrânea e o acesso à casa são manejados por soldados
e protegidos por ninhos de metralhadoras...
Mas é preciso fazer jus a favores grandes como esse. E o gerente geral da Cia.
Hochtief, Eugen Vögler, mostrou-se digno deles. Em 1938 abandonou
oficialmente a Igreja Protestante. Podia ter dito, como o velho Kirdorf aos
noventa anos, que acreditava em Mathilde Ludendorff, a esposa do general, que
fundara uma religião e alegava ter descoberto o grande segredo da vida. Podia
também ter afirmado que Wotan lhe apareceu em sonho, convertendo-o ao
Germanismo. Para falar a verdade, Vögler não fez nada disso. Um belo dia
escreveu uma carta comercial ao seu pastor. Explicou, sem nenhuma tentativa
para açucarar a pílula, que os interesses de sua firma exigiam que ele
abandonasse a Igreja. Como construtor oficial dos grão-senhores dum regime
hostil ao Cristianismo, ele tinha de renegar sua religião como um dever à sua
pessoa e ao seu negócio.
Tais gestos são apreciados nos domínios nazistas. Eles capacitam o regime a ter
uma ideia de um caráter e a dominar uma consciência. Os nazis encontraram
mais resistência entre os católicos. Mas mesmo em assuntos religiosos eles
utilizam esses traidores que conseguem alistar. O chefe da secção “católica” da
Gestapo de Berlim é um padre sem batina.
A religião católica continua a ser perseguida. Mas, não obstante todos os seus
esforços, Hitler não conseguiu quebrar o espírito da Igreja. Os bispos mantêm-se
firmes. Do púlpito e no confessionário o clero tem sustentado a resistência de
seus rebanhos. A despeito de uns poucos casos de fraqueza individual, a Igreja
Católica emergirá mais forte da luta contra o neopaganismo e o barbarismo nazi.
Durante a última guerra servi como ajudante dum general que comandava uma
divisão na frente ocidental. Um dia, quando estávamos a cavalgar lado a lado, o
general me disse: “Eu o tenho em grande conta, mas preciso tomar cuidado,
porque você é católico e em último recurso obedece ao Papa”.
NOTAS HISTÓRICAS
A EDDA ESCANDINAVA
AS CONCORDATAS
O KULTÜRKAMPF
Este foi o nome dado ao conflito iniciado por Bismarck em 1875 sob o pretexto
de que várias medidas tomadas pela Santa Sé representavam interferências com
os poderes do governo — na Alemanha em geral e na Prússia em particular.
Uma vez que quase metade da população alemã era católica, as medidas de
Bismarck provocaram indignação por toda a parte. Como os católicos obedeciam
à chefia de seus sacerdotes, o conflito gradualmente degenerou em perseguição
ao clero. Poucos anos mais tarde Bismarck foi obrigado a submeter-se a Roma e
a assinar a paz com a Igreja. No entanto o Kulturkampf deixou até hoje vestígios
na Alemanha, na forma do partido Católico do Centro, que foi originalmente
fundado como um meio de proteção aos fiéis, e que, depois de representar papel
essencial na oposição do Reich, se tornou um dos partidos mais importantes do
governo, na Alemanha de após-guerra.
NOTAS
(1) Nota do autor: Ficou provado, durante o júri dos acusados do incêndio do
Reichstag, que uma passagem subterrânea ligava esse edifício com o Reichstag.
Por essa passagem podiam ter sido transportadas as matérias incendiárias...
(2) Nota dos Editores: Thyssen escreveu este livro antes do começo das
hostilidades germano-russas.
QUARTA PARTE:
A ALEMANHA E O FUTURO DO
MUNDO
1. A FRAUDULENTA FINANÇA NAZI
O Equipamento Industrial Alemão se Esgota
UM dia, quando chegar a hora de assinar a paz, um dos problemas não muito
fáceis de resolver será o da reorganização da economia do Reich. A propaganda
alemã não nos deve levar à falsa crença de que a prática econômica nacional-
socialista não foi um fracasso completo. Não há nenhum plano integrado na
Alemanha, como já mostrei em capítulo anterior. Hitler não conhece
absolutamente nada de assuntos econômicos; sempre confiou nos consultores
cujo conselho acontecia ser o mais conveniente para a ocasião. Só insistia num
ponto: conseguir dispor das grandes somas de dinheiro de que necessitava para
levar a cabo seus planos favoritos, a saber: as estradas-de-rodagem e o
rearmamento.
Mesmo as obrigações particulares mais urgentes não podiam mais ser satisfeitas.
Tanto a indústria como o comércio sofreram; ramos de negócios importantes
para a Alemanha como o comércio de peles não conseguiam absolutamente
nenhum câmbio estrangeiro. Por outro lado, a indústria de armamentos obtinha o
que queria.
Além disso, sua tática deflacionária levou o país a uma crise econômica geral.
Assim, os processos econômicos acima mencionados sofreram um aumento
automático.
Para as minhas próprias fábricas sempre fiz compras de minério com um ano de
antecedência. Houve entre 1928 e 1929 uma depressão que nos trouxe um
problema. Devíamos comprar minério? Em que quantidade? Em tal emergência
achamos prudente comprar 80 por cento da quantidade do ano anterior. Mas o
emprego caiu a 25 por cento, e como resultado disso sobraram grandes estoques
de minério não utilizado. Condições semelhantes prevaleceram em muitas
empresas, na indústria do aço e em outras. No seu princípio, a economia nazi
viveu desses estoques acumulados.
É lícito perguntar como Schacht pôde tolerar uma economia tão fraudulenta?
Pessoalmente não duvido de que originalmente ele desejasse conduzi-la com
toda a honestidade. Acontecia apenas que ele não tinha nenhuma concepção
longevidente do desenvolvimento econômico da situação que encontrara. Sua
eliminação da engrenagem governamental ocorreu quando a situação chegou a
um ponto em que ele não mais se sentiu capaz de assumir a responsabilidade.
Entre outras coisas os grandes estabelecimentos industriais tinham sido onerados
com despesas cuja responsabilidade devia caber ao próprio Estado.
A I. G. Farben Industrie, por exemplo, ajudou muito os nazis — entre outras
coisas, pagou seus agentes de propaganda no estrangeiro. Por falar nisso, a
mesma coisa fizeram muitas outras empresas. Todos esses gastos oram
compensados por créditos correspondentes em marcos na Alemanha, de sorte
que os nazistas podiam empregar largas somas de dinheiro estrangeiro que
ficavam no exterior. Essa é, pois, uma das razões por que os governos
estrangeiros tiveram tanta dificuldade em descobrir de que modo a propaganda
nazi era financiada. Está claro que isso tudo era uma carga pesada demais para as
finanças privadas, as quais no fim seriam fatalmente levadas a uma situação
insuportável.
Mas, quando não havia outra saída, os pagamentos eram feitos com falsas letras
de câmbio. Estou precisamente informado a respeito do assunto porque nesse
tempo eu era presidente do “Banco das Obrigações Industriais”. Pediram-nos
para endossar um maço inteiro de letras artificiais. A diretoria do banco recusou,
declarando que isso era contra os estatutos da casa, uma vez que esta não recebia
nenhuma espécie de garantia pelas letras. Em consequência disso a diretoria
recebeu uma declaração do ministro da justiça informando que o banco não seria
chamado a responder pelas aludidas letras. O governo ia descontá-las no
Reichsbank. Podíamos, pois, assiná-las em perfeita paz de espírito — disseram-
nos; não teríamos nenhuma responsabilidade, não obstante nossa assinatura.
O “Banco das Obrigações Industriais” era uma instituição muito poderosa. Entre
outras coisas, havia feito empréstimos de somas enormes à agricultura. Sua
assinatura tinha sempre sido honrada pela indústria em geral. Seu capital era
muito grande. Mas seus diretores finalmente não tiveram outra alternativa senão
a de ceder às exigências do governo.
As letras, conforme mais tarde vim a saber, foram colocadas em sua maioria nas
caixas-econômicas e no sistema de seguros sociais do Estado. Foi justamente
isso que tornou a transação tão criminosa. As gentes pobres da Alemanha são,
em geral, crédulas. O trabalhador goza de certa sensação de segurança; ele sente
que nada lhe pode acontecer na velhice. Fica satisfeito com uma pensão
relativamente pequena quando envelhece. Mas quer pelo menos ter a certeza de
que no fim da vida estará livre de preocupações. Foi exatamente essa classe a
vítima escolhida; as gentes que acreditam cegamente no seu amado Führer são as
que perdem o seu dinheiro.
Toda essa história equivale ao peculato dos quatrocentos marcos que cada
operário alemão paga ao Reich, para o fundo de seguro social. Na realidade,
pois, é a gente simples que paga as enormes despesas da Guerra. Estou
escrevendo isto com ênfase, afim de abrir os olhos do povo alemão.
No outono de 1934 fui à Argentina por alguns meses. Isso foi depois dos
assassínios de Röhm e Schleicher, e eu estava ansioso por poder respirar um
pouco de ar puro. Quero repetir aqui uma vez mais que o caso de Röhm foi
rematada bestialidade. Os chefes das SA se haviam reunido com o
consentimento de Hitler, e essa mesma reunião foi depois apresentada como
prova de seus planos traiçoeiros. É preciso procurar muito longe nas páginas da
História para encontrar um ato tão vil como esse. Pouco depois do assassínio de
Schleicher perguntei a Göring que era que se havia passado com aquele general.
Göring respondeu que ficara provado que ele estava metido em traiçoeira
conspirata com o embaixador francês. Nessa mesma época, entretanto, Hitler
acusava o mesmo Schleicher de manter ligações com Stalin!
Desse modo, eu estava satisfeito por poder fugir durante algum tempo desse
inferno. Continuei minhas viagens até a primavera de 1935, e na Argentina vim a
compreender — através duma série de exemplos — a insensatez da política
comercial alemã, que procurava fazer que o Reich se bastasse a si mesmo
(autarquia). Fui recebido pelo presidente da Argentina, que me disse: “Não quer
o senhor fazer alguma coisa para que a Alemanha compre carne argentina?”
Essas palavras foram pronunciadas em resposta ao meu pedido para que a
Argentina fizesse algumas encomendas de vulto à indústria alemã. O presidente
estava resolvido a aceder uma vez que a Alemanha comprasse mais carne a seu
país. Porque ele estava ansioso para mostrar aos ingleses que outros povos
também compram as carnes argentinas. Relatei o fato a Hitler, ao tornar à
Alemanha. Ele concordou. Mas Darré, ministro da agricultura, disse não a tudo.
Não queria um simples quilo de carne da Argentina. Isso é uma amostra de como
funciona a absurda máquina do governo nazi.
Mais tarde voltei à Argentina. Por esse tempo era muito mais difícil realizar um
acordo comercial. Para nós teria sido melhor comprar carne à Argentina e jogá-la
ao mar, porque pelo menos teríamos assim conseguido negociar um melhor
acordo industrial. Mas o mais prejudicado em todo o negócio foi o operário
alemão, que não teve carne que chegasse, ao passo que os operários ingleses nos
tempos normais contavam com carne abundante e de qualidade excelente. O
erro, naturalmente, reside no princípio de autarquia. Certo, é necessário limitar
as importações, mas uma autarquia imbecil, tal como a com que a Alemanha
sonha, é impossível. Isso é o resultado de ter tipos estúpidos como Darré,
ocupando postos importantes.
Outra coisa a lembrar: os alemães ignoram ainda o fato de que muitas fábricas
terão de ser completamente modernizadas. Nos Estados Unidos uma verdadeira
revolução técnica tem estado a se processar. Isso acontece, por exemplo, na
manufatura de lâminas de lata. Aqui está um artigo de enorme consumo. Os
técnicos americanos inventaram um novo processo. Há vinte e quatro fábricas de
lâminas de folha nos Estados Unidos; existem apenas duas na Alemanha. A
produção alemã de lata laminada exige cinco mil trabalhadores; com o novo
processo, a mesma produção exigiria aponhas quinhentos. Mas a modernização
necessária custará muito dinheiro. Fábricas como as que existem na América,
custam pelo menos dez milhões de dólares para construir e equipar. E se a
indústria alemã não descobrir um novo processo, ela terá de sair fora da
competição. Porque as lâminas de lata produzidas nos Estados Unidos hoje são
de muito melhor qualidade que as nossas.
Tudo isso são problemas do futuro; mas eles têm a maior importância para a
economia da Alemanha. Porque a extrema regimentação da indústria alemã sob
o regime nacional-socialista arruinou por completo suas fábricas através de uma
exploração excessiva. Alguns melhoramentos industriais naturalmente foram
levados a cabo na Alemanha, mas comparados com a América (onde os homens
de negócio não têm as nossas dificuldades!), eles não significam coisa alguma.
O século passado, toda a gente o sabe, foi de um modo geral um século sem
religião. Os cientistas acreditavam que podiam explicar tudo, tanto física como
metafisicamente. Há algum tempo, um escritor holandês chamado Huizinga
escreveu um ótimo livro no qual diz que, sob a influência dos grandes
descobrimentos, as massas convenciam-se de que a ciência podia explicar tudo,
e acreditavam nos seus cientistas. Então, subitamente, vieram novos
descobrimentos científicos. O homem chegou à conclusão de que a menor
molécula, ou electron, é um universo em se mesma. Einstein apareceu com sua
teoria da relatividade. De repente o povo viu que estávamos mais longe da
verdade do que nunca. Tanto Planck o físico alemão, como Huizinga, acreditam
em que devemos voltar à fé. Planck, como se sabe, é amigo de Einstein. Hoje
poucos cientistas estão convencidos de que o homem tenha conseguido descobrir
todos os segredos básicos do universo. Nada nos resta, portanto, senão voltar à
fé.
Entre as gentes comuns, esse desenvolvimento tem dado até aqui diferentes
resultados. Depois de terem ouvido afirmar que todas as coisas podem ser
explicadas, e depois de ouvirem dizer que nada mais resta explicar, eles não
acreditam mais em coisa alguma. Assim, como não sabem no que devem
acreditar, e por quererem ainda acreditar, elas descreem no Cristianismo e
passam a acreditar apenas num deus que podem ver. E esse deus, na Alemanha, é
Hitler.
Quanto a mim, não tenho a menor dúvida, estou certo de que virá um retorno à
religião. Porque o povo alemão vai sofrer uma grande desilusão com o seu deus
Hitler, que não fez a guerra por causa de seu gênio mas porque escorregou para
dentro dela. Em última análise, a guerra veio porque ninguém mais sabia qual
devia ser o próximo passo a dar. Hitler pensava que podia impressionar o povo
alemão com o seu ataque à Polônia, forçando-o assim a uma renovada admiração
pelo seu deus.
Até onde me foi possível, sempre dei minha opinião abertamente, e sempre
tentei atirar o meu conselho na balança, fazendo-a a pender para o lado das
razões contra a guerra. O público, entretanto, imagina que as indústrias pesadas
são sempre fundamentalmente em favor da guerra, porque obtém com ela
grandes lucros. Não obstante, tenho insistido em afirmar que a verdade é
justamente o oposto. Consegui fazer isso apenas porque era industrialista e ao
mesmo tempo deputado ao Reichstag. Como industrialista eu nunca teria tido
licença de dar minha opinião. E se a dei, entretanto, o mérito disso não é meu.
O que tentei mostrar, à parte o aspecto moral da questão, foi que a Alemanha não
estava preparada para a guerra. Por motivos tanto morais como políticos, desejei
evitar a guerra. Mas acreditava também que nas circunstâncias dadas, ela não era
justificável do lado alemão. Foi o que declarei abertamente ao General von
Blomberg, então ministro da defesa, de sorte que meu ponto de vista foi
manifestado com clareza. Em minhas últimas conversações com os homens de
influência no país eu disse: “Se os fatos políticos que ignoro tornam a guerra
inevitável, é necessário fazer tudo que seja humanamente possível para protelar
o seu rompimento.” Isso foi em julho de 1939.
Mesmo se adotarmos o ponto de vista de Hitler, devemos ver que ele cometeu
grave erro, porque nunca devia ter levado a cabo seus planos guerreiros antes de
cinco anos, ou mesmo de dez. Participava da mesma opinião a maioria dos
oficiais superiores do exército. Todos eles queriam continuar lentamente com o
rearmamento, e, nos círculos mais altos do exército, a opinião corrente era a de
que a Alemanha devia esperar pelo menos mais cinco anos. Os jovens tenentes,
entretanto, estavam imbuídos do espírito audacioso do jogador: acreditavam em
que a guerra contra as grandes potências democráticas fosse tão fácil como seria,
e foi, a conquista da Polônia.
Mas é perigoso embalar os soldados com falsas esperanças: não basta vencer
umas poucas batalhas; é preciso ganhar a guerra. Não devíamos esquecer que a
última grande ofensiva de 1918 causou uma mudança na moral do exército.
Antes dessa ofensiva a capacidade de resistência do Reichswehr não tinha sido
abalada. Depois dela, entretanto, tudo mudou, como por milagre. E o exército de
hoje não é o exército da Guerra Mundial de 1914-1918. Seu estado-maior sem
dúvida é muito bom. Mas os corpos de oficiais e os oficiais inferiores constituem
uma história bem diferente. Todos eles hoje são até mesmo menos cultos do que
em 1918. E é muito duvidoso que estejam à altura dos choques emocionais que
— podemos prever — sobrevirão no caso de uma guerra longa.
Os armamentos da Alemanha, por maiores que sejam num sentido absoluto, não
são de modo algum completos. Em certos particulares eles não correspondem às
ideias que a respeito deles correm pelo mundo. Mostrarei isto com alguns
exemplos.
Para principiar, temos a aviação. Nesta arma, indiscutivelmente, foi muito o que
se realizou. Custa-me crer que os outros países não tenham descoberto isso. Se
descobriram, parece que acreditaram — até o último momento — em que
podiam chegar a um entendimento com a Alemanha, numa base tolerável. Anos
antes da guerra, Hitler enganou a Inglaterra afirmando que se estava preparando
para fazer um acordo de limitação quanto às forças aéreas e à força militar em
geral. Propôs um convênio na base de um exército de 360.000 homens. Isso foi
dito por ele publicamente. Acreditei desde o princípio que se tratava dum logro,
mas a coisa foi tomada a sério tanto na Alemanha como nos países aliados. Mais
tarde, e novamente em público, Hitler declarou que os aliados não tinham nem
respondido à sua proposta. Como propaganda alemã, a coisa foi um tremendo
sucesso. Adolf Hitler considerava-se agora completamente autorizado a
continuar armando a Alemanha.
O arame que se emprega nos aeroplanos tem de ser feito dum aço de especial
qualidade, particularmente quando o arame é usado nos controles. Lá por fins de
1934 a reconstrução das Fábricas Junkers estava já tão adiantada, que se lhe
pôde introduzir o sistema da plataforma móvel, de modelo americano.
Koppenberg então rearranjou a produção da Junkers de tal forma, que se
ergueram fábricas especiais para a produção de todas as peças e partes
importantes. Essas várias partes e peças eram reunidas numa oficina especial de
montagem. Esse método é o segredo do sucesso da fabricação americana; desse
modo eles podem continuar a produzir sem interrupção. Certo, a América é
famosa pela qualidade de seus materiais; na Europa há muita coisa que se faz
com imperfeição. Sem dúvida a fabricação de aviões na Alemanha foi muito
longe; é provavelmente o ramo mais avançado da produção bélica alemã.
Mas de que servem os aviões sem gasolina? E aqui chegamos a uma questão de
maior importância para o poder agressivo das armas alemãs. Um periódico
americano publicou um computo da gasolina que o exército alemão consome
num dia. Esse cálculo foi feito de acordo com o consumo de petróleo verificado
na campanha polonesa, e toma como base as condições que prevaleceram na
Polônia. Neste país sessenta divisões alemãs se achavam em luta; até o momento
em que escrevo, calcula-se que o exército alemão tem mais ou menos 100
divisões motorizadas. Na Polônia consumiam-se por dia cerca de 15.000
toneladas de gasolina. Mas isso abrange apenas o exército motorizado. Temos
ainda a força aérea que exige 6.500 toneladas mais. Tudo isso somado perfaz um
total de 30.000 toneladas diárias. Mas a produção de petróleo alemã é de apenas
10.000 toneladas por dia, e toda a produção sintética do país não está adaptada às
necessidades da aviação. Não existem estoques acumulados de gasolina para os
aviões. Até o fim da campanha polonesa a produção de gasolina para a arma
aérea não tinha sido principiada. Era necessário fazer adaptações especiais
dentro da indústria sintética do petróleo para obter uma produção de gasolina
capaz de ser utilizada pelos aeroplanos. É naturalmente possível tirar do carvão
gasolina para esse fim, mas os planos para isso ainda se encontram nos seus
primórdios.
(O exército tem tido muito mais cautela. Os seus chefes estavam cientes da
necessidade de criar um corpo de oficiais tecnicamente bem treinados, tanto
mais que desta vez a Alemanha carecia de grandes quantidades de oficiais
inferiores, que foram de tão decisiva importância na Guerra Mundial de 1914-
1918).
Não obstante, não há dúvida que a maior realização dos nazis é o rearmamento
aéreo. Muito se fez, também, quanto à motorização do exército — o grande
programa das últimas décadas. Mas o que ficou dito dos fornecimentos de
gasolina relativamente à aviação, aplica-se também com respeito aos caminhões
e aos tanques. Antes de a guerra rebentar, não havia experiência real anterior que
provasse que nossas tropas motorizadas podiam funcionar quando chegasse a
hora. Numa palestra que teve comigo, um de nossos generais deu expressão a
certas desconfianças nesse particular: “No princípio — disse ele — não há
dúvida que tudo irá bem. Mas que acontecerá depois? Uma grande dificuldade
muito particular está no fornecimento de gasolina às tropas motorizadas, uma
vez que essas tropas avançam a grande velocidade. Seria necessário mandar uma
coluna de caminhões com tanques de gasolina atrás delas, para reabastecê-las”.
Seja como for ainda não se verificou ao certo até que grau um exército tão
grande como o alemão pode ser efetivamente motorizado. O que se fez, sem
dúvida alguma, foi bem feito. Mas tenho a convicção de que não se pode ganhar
nenhuma batalha de largo alcance só com as divisões Panzer. São elas uma arma
excelente para romper uma frente, mas quando se abre a brecha, outras tropas
também devem avançar na devida ordem. Acredito também que a fraqueza dum
exército 100 por cento mecanizado jaz no alto grau de sua mecanização.
Como é que se vai reparar todo esse material? Para um exército tão altamente
mecanizado seria preciso manter oficinas de reparos por toda a parte, para,
garantir o seu sucesso. E a manutenção de corpos de mecânicos para tais oficinas
deve compreender um número considerável de homens proporcional à
quantidade de tropas de combate. Idealmente falando, devia-se seguir o exemplo
de Henry Ford, cujas oficinas de consertos estão distribuídas através de todo
mundo, tanto na Alemanha como no Brasil.
Algum tempo atrás, quando o Marechal Voroshiloff parecia ser um perigo para o
regime de Stalin, correu na Alemanha a versão de que Stalin só receberia
Voroshiloff se ele deixasse suas armas do lado de fora. Não sei se Hitler hoje em
dia, antes de receber seus generais, manda-os revistar para ver se eles trazem
armas escondidas. Na certa que o Führer já não tem mais confiança absoluta
neles. Seja como for, Hitler anda sempre absurdamente protegido. Sem dúvida
alguma, o leitor conhece a história que o antigo embaixador francês em Berlim,
M. François Poncet costumava contar. Durante uma de suas visitas a Hitler, um
vaso de flores caiu. Instantaneamente dez membros das SS surgiram
precipitadamente na sala, surgidos de todas as portas.
Seja isso verdade ou não, o fato ilustra o quanto Hitler se preocupa com a sua
segurança pessoal. Hitler hoje não pode fazer tudo que quer, sem encontrar
oposição. Por isso precipitou esta guerra. Mas estou certo de que ele não a
vencerá, e de que a responsabilidade de tudo será sua.
Não se pode contestar que um industrialista tão eminente como Fritz Thyssen
está em boa situação para julgar o estado dos armamentos da Alemanha. Embora
em alguns ramos da indústria de guerra alemã se estivessem passando coisas que
não eram trazidas a seu conhecimento, as declarações do autor são dignas de
confiança no que diz respeito à qualidade doe armamentos germânicos. Essa
qualidade, afirma ele, é desigual; quando a guerra começou, uma quantidade de
pré-requisitos econômicos, indispensáveis ao funcionamento regular da máquina
de guerra alemã no caso dum conflito prolongado, ainda não havia sido
preenchida. No entanto, como se viu, o primeiro estádio da guerra no ocidente
ofereceu oportunidades, principalmente de natureza econômica, para o exército
alemão, no decorrer das hostilidades; e com essas oportunidades contavam os
grupos políticos da Alemanha que achavam possível empregar os métodos
aplicados na campanha polonesa numa guerra contra as democracias ocidentais.
Que uma guerra que decide a sorte de milhões não se pode basear em
especulações dessa natureza é coisa que não precisamos levar muito tempo para
demonstrar.
Hitler perderá a guerra; esta é a minha convicção. Mas o niilismo nazi não
trepidou em lançar esse bárbaro assalto à civilização europeia como um todo.
Até o momento em que publiquei os documentos que continham meu protesto
contra a guerra, eu tinha ainda a leve esperança de que conseguiria deter, se não
o próprio Hitler, pelo menos aqueles que não perderam todo o senso de
responsabilidade — de que conseguiria fazê-los estacar à beira desse abismo
para onde a loucura do chefe nazi tinha arrastado todo um povo. Mas haverá
ainda na Alemanha pessoas que pensem no futuro? E, se há, que podem elas
fazer?
Sou no entanto obrigado a admitir que até a presente data ninguém os conseguiu
deter. O exército alemão executa-lhes as ordens. Quanto a mim, este crime pôs
fim a qualquer escrúpulo que eu porventura pudesse ter. A Europa não pode
sobreviver a mais outra guerra moderna. Tudo se deve fazer para tornar a guerra
impossível daqui por diante. É o próprio futuro da humanidade que está em jogo,
porque a destruição e a ruína da Europa ocidental secaria para sempre as fontes
espirituais de que nasceu nossa atual civilização e para a qual ela se volta sempre
e sempre em busca de sustento.
Durante vinte anos o novo império, sob a orientação de seu fundador, pareceu
justificar as esperanças que este último havia depositado nele. Na sua política
estrangeira ele conseguira efetuar a reconciliação com o Império Austro-
Húngaro, garantira a amizade do jovem reino da Itália e impusera-se pela força
ao respeito da França, que acabava de derrotar, ao mesmo tempo que evitava
cuidadosamente toda a provocação. Ao mesmo passo Bismarck procurava
garantir a amizade da Rússia. Evitou a alienação da Inglaterra nos campos navais
e coloniais. Em vinte anos ele colocara a Alemanha na sela e ensinara-a a
cavalgar. A Alemanha progrediu em todos os campos de atividade. Enriqueceu
com o trabalho e tornou-se próspera.
Forçando esse grande ministro a resignar, logo depois do princípio de seu reino,
Guilherme II deitou tudo isso a perder. Ofuscado pelo esplendor de sua
dignidade imperial, imbuído de sua própria autoridade, mostrou-se incapaz de
usar o delicado instrumento constitucional criado por Bismarck. Sob seu reinado,
o sistema prussiano, então estranho às partes ocidentais e meridionais do país,
estendeu sua influência a todo o território da Alemanha. O povo alemão,
esquecendo suas tradições locais, ligou-se a seu jovem imperador. Os céticos,
que mantinham uma atitude reservada, eram olhados como fracalhões de ideias
antiquadas. Muito cedo o povo alemão já não mais estava montado no seu
próprio corcel, de acordo com as palavras de Bismarck; contentava-se com
seguir as instruções do brilhante mestre-de-equitação imperial de armadura e
capacete rebrilhantes. E não perguntava para onde o levavam. As intenções do
Kaiser não eram certamente más. Mas como quase todos os alemães, ele não
tinha cabeça para a política. Os vários erros que cometeu forçaram-no um belo
dia a recorrer à força, afim de manter o seu prestígio. Esse é o perigo que
invariavelmente acompanha a política que se baseia na manutenção do prestígio.
Através de seu reinado, Guilherme II nunca percebeu que política é uma questão
de inteligência e que o recurso da violência só revela falta de inteligência.
Minha maior acusação contra Hitler é a de que ele levou de novo a Alemanha à
guerra. Teria sido tão fácil realizar todos os seus desejos razoáveis por meio de
uma política sensata! Ele devia viver e deixar que os outros também vivessem.
Toda a gente teria concordado em que a guerra de 1914 havia sido a sequela de
uma série de erros políticos. Mas desta vez Hitler recusou-se brutalmente a
examinar qualquer solução baseada numa política sã, e lançou premeditadamente
a Europa neste novo desastre.
Tanto por dentro como por fora, o regime hitlerista, conforme demonstrou
Hermann Rauschning, o mais clarividente dos analistas, nada mais é senão uma
expressão completa de niilismo. Quatro meses antes da guerra, um dos
conselheiros privados de Hitler, o Secretário de Estado Wilhelm Kepler, depois
dum jantar dado pelo Presidente do Reichsbank, disse em minha presença: “É do
nosso interesse manter o máximo de desordem na Europa”. Como princípio
diplomático, isso é uma monstruosidade. Os lideres que estão dispostos a
permitir que a política dum grande país seja guiada por tal princípio, são loucos
e criminosos que merecem ser reduzidos a uma situação em que não possam
causar mais danos.
Mas se refletirmos sobre o que aconteceu, veremos que essa máxima hitlerista é
característica de toda a diplomacia do regime. Desde que subiu ao poder, Hitler
tem procurado lançar a desordem e a luta entre todos os Estados da Europa.
Durante quatro anos fez propostas amistosas à Polônia afim do facilitar o
planejado assalto. Por longo tempo procurou ele — e com sucesso — enganar a
Inglaterra e a França, quanto às suas verdadeiras intenções. Nos primeiros oito
meses da guerra, tentou dividir os dois aliados. Ao anexar a Áustria, deu
garantias formais à Checoslováquia. Quando, por meio de seus métodos de
chantagem, conseguiu o domínio da região dos sudetos, prometeu respeitar a
independência do resto do território checoslovaco. No decorrer dos meses que
antecederam a guerra, e depois da deflagração desta, a Alemanha de Hitler
assumiu a atitude de inflamada protetora da neutralidade dos países fracos. A
Dinamarca, a Holanda, o Luxemburgo e a Suíça receberam garantias reiteradas e
promessas formais. Para despistar ainda mais as suas futuras vítimas, os
diplomatas do Reich lançaram-lhes censuras, acusando-as de não estarem
mantendo a devida neutralidade. Essa tática maquiavélica tornou possível a
Hitler preparar sua agressão de maneira sistemática. Pôde ele assim evitar o
estabelecimento de uma linha eficiente de defesa na frente ocidental, coisa que
só podia ser feita mediante um acordo entre as nações menores e pela
coordenação dos modestos meios de que elas dispunham. Até mesmo planos
mais vagos para uma aliança defensiva de conversações entre os estados-maiores
da Holanda e da Bélgica foram olhadas pelos diplomatas nazis como uma
ameaça ao Reich!
A paz que se seguirá à derrota de Hitler deve garantir a Europa contra uma
renovação dessa política niilista. Os países da Europa ocidental, grandes e
pequenos, merecem gozar de segurança. Nascido às margens do Reno, olho a
minha terra renana como parte dessa Europa ocidental que deve ser protegida
contra qualquer incursão guerreira. A Bélgica foi invadida duas vezes em vinte e
cinco anos, não obstante as garantias que lhe foram dadas. A França pela
segunda vez se viu vítima de uma impiedosa e devastadora guerra moderna.
Hitler atacou-a a despeito da palavra solene empenhada em Paris, em dezembro
de 1938, pelo seu ministro dos estrangeiros, von Ribbentrop.
A nova condição da Alemanha não será uma mera reversão ao passado. Ela não
significará a volta a uma espécie de federação alemã ou de Santo Império
Romano composto de principados minúsculos. Um Estado moderno, para ser
independente e soberano, deve ter uma certa extensão de território. Depois do
Kulturkampf de Bismarck, e depois dos excessos anticatólicos dos nazis, que
foram apoiados pela Rússia propriamente dita, só vejo uma solução e uma
garantia contra a volta de tais abusos: — a Alemanha católica deve tornar-se
uma monarquia católica.
O retorno a um sistema monárquico não seria simples tentativa para reviver uma
tradição histórica respeitável. Entre a última guerra e a presente, o povo alemão
provou que é incapaz de se ajustar às instituições democráticas. Ele não sabe se
utilizar delas. Prosseguindo numa longa série de erros, a Constituição de
Weimar, um modelo em seu gênero, preparou o caminho para um governo
autoritário que, por sua vez, conduziu à ditadura. Não devemos esquecer que foi
o chanceler Brüning que invocou o famoso artigo 48 da Constituição de
Weimar (1) e, contra a sua vontade, governou pelo período de dois anos em
condições contrárias ao espírito dessa Constituição, que já não era mais viável.
A ele e a seus discípulos a Alemanha deve os métodos das “ligas dos sem-deus”
— os métodos da Rússia bolchevista,
Isso não é tarefa para ser executada só pelos alemães, e sujeita apenas ao seu
arbítrio. A guerra é um crime que há de certamente trazer consigo a sua própria
punição. Mas uma solução puramente militar do problema da segurança viria no
final de contas revelar-se tão precária depois desta guerra quanto o foi depois da
anterior. As potências vitoriosas não deviam ocupar o território estrangeiro
indefinidamente. A opinião dos países democráticos se desenvolverá muito como
aconteceu depois da última guerra. Em 1914 a Inglaterra entrou no conflito para
destruir o poder naval da Alemanha. Vinte anos mais tarde essa mesma
Inglaterra sancionava o renascimento da armada alemã e concluía com Hitler um
tratado naval (1935). Até a França acabou consentindo na remilitarização da
Renânia e no reestabelecimento do serviço militar obrigatório na Alemanha. Os
vencedores, portanto, revelariam pouca sabedoria se contassem com a futura
manutenção de seu presente espírito de defesa, uma vez que até o próprio Hitler
conseguiu embalá-los com suas cantigas. O que se deve fazer é inventar um
sistema completamente eficaz, capaz de se sustentar por seus próprios recursos.
O campo econômico talvez se possa mostrar mais fértil em novas soluções. Uma
economia sã, que permita a todos os povos da Europa viver e prosperar, é
fundamentalmente de maior interesse para eles do que as ambições dos ditadores
que primeiro arruínam sua pátria com armamentos excessivos e finalmente
mergulham na desgraça todos os povos, inclusive o seu próprio.
NOTAS
CAP. EHRHARDT — Ehrhardt foi chefe de um dos mais ativos dos Corpos
Livres alemães, isto é, de uma das numerosas formações militares ilegais que se
criaram através de toda a Alemanha, entre 1918 e 1921, com o propósito de
burlar as cláusulas de desarmamento do Tratado de Versalhes.