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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N.02, 2022, p.698-722.
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Resumo
Este artigo analisa como a produção teórica de Carl Schmitt, especialmente o
“pensamento da ordem concreta”, influenciado pelo institucionalismo, contribuiu para as
transformações nazistas do direito alemão. Por meio de análise bibliográfica, demonstro
que a combinação entre institucionalismo e decisionismo na obra de Schmitt ofereceu
sustentação à ordem jurídica nazista e conferiu um papel de destaque aos métodos de
interpretação jurídica antiformalistas e antipositivistas como instrumentos para a
nazificação do direito.
Palavras-chave: Carl Schmitt; Nazismo; Institucionalismo.
Abstract
This article analyzes how Carl Schmitt’s theoretical work, especially the “concrete order
thought”, influenced by institutionalism, contributed to the Nazi transformations of
German law. Through a bibliographic analysis, I demonstrate that the combination of
institutionalism and decisionism in Schmitt’s work supported the Nazi legal order and
gave a prominent role to anti-formalist and anti-positivist methods of legal interpretation
as instruments for the nazification of law.
Keywords: Carl Schmitt; Nazism; Institutionalism.
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Introdução
1 No original, na biografia sobre Carl Schmitt, Bendersky relata que ele teria dito na entrevista: “I am a
theorist”, “a pure scholar and nothing but a scholar”.
2 A esse respeito, ver o trabalho de Bernardo Ferreira sobre o pensamento antiliberal de Schmitt: (FERREIRA,
2004).
3 É o caso, por exemplo, de Chantal Mouffe, que se apropria dos referenciais de Schmitt críticos à democracia
liberal para resgatar a relação entre política e conflito, em defesa da ideia de pluralismo agonístico.
Diferentemente de Schmitt, Mouffe não entende que democracia e liberalismo são incompatíveis, mas que
se relacionam na forma de um paradoxo necessário (MOUFFE, 2000: 9). Andrea Kalyvas também se propõe a
investigar as contribuições do pensamento de Schmitt à teoria democrática. Amenizando os rótulos a ele
atribuídos de conservador, niilista e anti-normativista, Kalyvas ressalta o papel central que Schmitt confere
ao povo como soberano, sujeito do poder constituinte e núcleo da legitimidade democrática (KALYVAS, 2008:
97).
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compreender a obra de Carl Schmitt no seu tempo e a partir de seus objetivos e conflitos.
É valiosa, a esse respeito, a observação de Gilberto Bercovici:
O grande problema dessa “recepção” de Schmitt é a tendência em amenizar
ou ignorar sua atividade política anterior e, especialmente, em meio ao
nazismo. Não se pode ignorar o fato de que sua obra foi toda elaborada
visando justificar certas correntes político-ideológicas, bem como as suas
próprias posições em relação à turbulenta conjuntura histórica e política da
Alemanha do século XX. Isso sem esquecer que, como jurista, Carl Schmitt era
voltado também para a solução de problemas concretos e conjunturais, não
podendo ter sua obra compreendida isoladamente da sua atuação política e
pessoal no decorrer de sua vida (BERCOVICI, 2002: 193).
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E. Scheuerman, consideram que tal escolha política era consistente com as linhas
doutrinárias já defendidas pelo jurista.
Essa discussão também impacta no tratamento dado à produção de Schmitt
durante o período nacional-socialista, que pode se orientar, por um lado, para
desconsiderá-la como mero artifício de legitimação do Terceiro Reich ou, por outro, para
reconhecer nela um valor teórico merecedor de uma investigação séria, ainda que não
possa ser dissociada dos objetivos de justificação e de sustentação jurídica de um domínio
político totalitário. Uma terceira chave de leitura propõe, ainda, que Schmitt teria se
movido pelo intuito de exercer uma influência sobre Hitler e, com isso, moderar a
radicalidade das transformações nazistas à ordem jurídica e política alemã.
Partindo desses questionamentos, busco analisar como o chamado pensamento
da ordem concreta de Schmitt contribuiu para as transformações nazistas do direito
alemão. O texto está estruturado em três partes: a primeira se dedica a traçar a influência
institucionalista e a adesão de Schmitt ao nazismo; a segunda parte aborda a formulação
do jurista sobre o pensamento da ordem concreta e sua relação com o decisionismo; por
fim, o terceiro tópico trata dos métodos de interpretação apresentados por Schmitt a
partir da concepção do direito como ordem concreta e tendo em vista a nazificação do
sistema jurídico alemão.
No contexto da crise final da República de Weimar, até 1933, Schmitt não apoiava a
ascensão nazista ao poder, mas defendia, em outra linha, uma solução autoritária de
direita que envolvia o fortalecimento do presidente do Reich e a manutenção das
instituições. Após o golpe do Estado alemão contra a Prússia, em 1932, Schmitt participou
ao lado do governo do processo que analisava a legitimidade da intervenção estatal,
atuando no sentido de justificar as medidas de exceção que tinham sido adotadas. Não
obstante, ainda que manifestasse até então a preferência por uma via mais conservadora
para enfrentar a crise, tão logo o Partido Nacional-Socialista ascendeu ao poder4, Schmitt
4 Dois decretos marcaram a consolidação nazista no poder. O primeiro chamado Decreto do Incêndio do
Reichstag foi aprovado pelo presidente, sob a pressão de Hitler, em 28 de fevereiro de 1933, em resposta ao
incêncio do prédio do Parlamento, prevendo, entre outras medidas, a suspensão de diversos direitos e
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garantias. O segundo é conhecido como a Lei de Concessão de Plenos Poderes de 1933 ou Lei habilitante de
28 de março de 1933, que conferiu plenos poderes a Hitler.
5 Tradução livre do original: “The technical formula behind this essay may be described briefly as: a. a
continuous repetition to reach saturation, past the audience’s expected ceiling of endurance; b. simple
wording so that the ordinary man (...) could understand, and yet, c. the contente should de interesting enough
so as to make everytbody else give it careful atention”.
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identidade entre governantes e governados que, por sua vez, seria essencial para a
unidade política. Nesse sentido, Schmitt afirmaria, em 19236, que a “democracia requer
(...) primeiro homogeneidade e segundo – se a necessidade surgir – eliminação ou
erradicação da heterogeneidade” (SCHMITT, 1994: 9). É razoável, portanto, entender que
a tomada de posição em apoio ao nazismo foi coerente com as teses que Schmitt já
defendia e que, portanto, a sua adesão envolvia também afinidade teórica, mais do que
mero oportunismo político (BERCOVICI, 2002: 192).
A produção de Schmitt no período nazista, lançada a partir da formulação da
estrutura triádica Estado, Movimento, Povo, se desdobra na sua concepção do
pensamento da ordem concreta. Em 1934, no prefácio à segunda edição da obra Teologia
Política, Schmitt passa a distinguir, não apenas dois, mas três tipos de pensamento
jurídico: para além do normativismo e do decisionismo, reconhece também o
pensamento institucional. Segundo explica, tal entendimento resulta de suas reflexões
sobre as “garantias institucionais” no direito alemão e de seus estudos sobre a teoria das
instituições de Maurice Hauriou (SCHMITT, 1934b: 2). Percebe-se, assim, que a influência
institucionalista sobre o pensamento de Schmitt já estava presente na sua produção
desde o período de Weimar, sendo possível identificar, como afirma Bercovici, mais
continuidade do que ruptura na passagem para os anos 1930 (BERCOVICI, 2002: 191).
De fato, na obra Teoria da Constituição, publicada em 1928, Schmitt já estabelecia
uma distinção entre direitos fundamentais e garantias institucionais, sendo que estas
últimas faziam referência à proteção constitucional conferida a certas instituições “com a
finalidade de tornar impossível uma supressão pela via legislativa ordinária” (SCHMITT,
1982: 175). A distinção contrapõe, portanto, as garantias institucionais à noção liberal de
direitos individuais oponíveis ao Estado. Para Schmitt, ainda que envolvesse direitos
subjetivos, a essência da garantia institucional não era a defesa desses direitos, mas a
proteção da instituição.
Alguns exemplos de instituições juridicamente protegidas são citados no texto,
como a administração municipal autônoma, a família e a burocracia estatal. Entre elas,
Schmitt destaca a proteção da burocracia como “um exemplo autêntico de garantias
institucionais” (SCHMITT, 1982: 177). Nesse sentido, a Constituição de Weimar previa a
manutenção de uma burocracia estatal que servisse à comunidade e fosse assegurada
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contra investidas do Parlamento. Tal previsão abarcava direitos dos servidores públicos,
desde pretensões econômicas até garantias de progressão na carreira. No entanto,
segundo Schmitt, esses direitos não estavam “a serviço do interesse privado do
funcionário, mas sim da instituição da burocracia profissional enquanto tal” (SCHMITT,
1982: 177).
A partir dessas reflexões iniciais de Schmitt, é possível depreender o caráter
antiliberal e anti-individualista das garantias institucionais, que buscam proteger as
instituições, e não as pessoas. Há também um forte elemento conservador de
manutenção do status quo presente na proteção jurídica voltada a resguardar as
instituições, suas práticas e estruturas, contra a ação política e as eventuais mudanças por
ela promovidas. Além disso, como demonstra Bercovici, uma vez que os direitos
subjetivos ficam protegidos apenas se, e na medida em que estiverem ligados a alguma
instituição, as garantias institucionais prevalecem sobre as garantias de liberdade. Assim
segue o raciocínio do autor:
Ao separar os direitos fundamentais em três categorias (direitos de liberdade,
garantias institucionais e garantias de instituto), fazendo prevalecer as duas
últimas sobre a primeira, Schmitt deixa muito claro o que ele considera objeto
de proteção na Constituição de Weimar: as instituições mais tradicionais e
conservadoras do sistema jurídico-político, em detrimento dos direitos
fundamentais propriamente ditos (BERCOVICI, 2002: 192).
7 Tradução livre do original: “Whereas the pure normativist thinks in terms of impersonal rules, and the
decisionist implements the good law of the correctly recognized political situation by means of a personal
decision, institutional legal thinking unfolds in institutions and organizations that transcend the personal
sphere. And whereas the normativist in his distortion makes of law a mere mode of operation of a state
bureaucracy, and the decisionist, focusing on the moment, always runs the risk of missing the stable content
inherent in every great political movement, an isolated institutional thinking leads to the pluralism
characteristic of a feudal-corporate growth that is devoid of sovereignty”.
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De acordo com o próprio Schmitt, o texto Sobre os três tipos de pensamento jurídico serviu
de fundamento para discursos que ele proferiu, nos meses de fevereiro e março de 1934,
perante organizações de juristas nacional-socialistas, especificamente a Sociedade
Imperador Guilherme para o Fomento das Ciências e a Federação de Juristas Alemães
Nacional-Socialistas (SCHMITT, 1934: 132). O público-alvo ao qual Schmitt se dirigia e os
objetivos políticos concretos que estavam em jogo são de importância central para
compreender o texto. Sabe-se que Schmitt buscava, então, tornar-se um jurista influente
e intervir na elaboração de um projeto constitucional para o sistema político nazista.
Outro aspecto relevante é que o livro foi publicado em 1934 pela Hanseatische
Verlagsanstalt, editora conhecida pela orientação nacionalista de direita e por contar com
uma clientela de escritores e leitores nazistas. A obra também foi lançada como uma
publicação da Academia Nazista de Direito Alemão, sob a responsabilidade editorial do
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8No original: “Or cette totalité supérieure est la vision du monde national-socialiste, l’ordre global völkisch
ou encore la communauté populaire raciale”.
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Para Schmitt, tais cláusulas gerais poderiam ser utilizadas como mecanismos para
a nazificação do direito alemão por meio de um processo de reinterpretação das leis,
dispensando modificações legislativas e permitindo a afirmação de um novo tipo de
pensamento jurídico, que ele identifica como o pensamento da ordem concreta:
H. Lange reconheceu essas cláusulas gerais como veículos do direito natural,
portadoras de novas ideias, “ovos de cuco” no sistema jurídico liberal,
intepretando-as como sinais da superação do pensamento jurídico
positivista surgido no séc. XIX. No momento em que conceitos como “boa-
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O trecho citado começa com uma referência a Heinrich Lange, outro jovem jurista
ligado ao nazismo que, em 1933, tinha publicado o texto “Liberalismo, Nacional-
socialismo e Direito Burguês”9, no qual sustentava que as cláusulas gerais serviriam para
colocar os “ovos de cuco” nazistas no direito alemão (SCHMITT, 1934: 170). Para Schmitt,
esses “ovos de cuco” podiam ser colocados em todos os ramos do direito.
No direito penal, por exemplo, tipos penais indeterminados “tais como
infidelidade, traição contra o povo e contra a economia nacional” introduziam
apreciações valorativas e políticas na interpretação das normas. No direito tributário, por
sua vez, o código alemão de 1919 determinava a interpretação das leis tributárias de
acordo com “a sua finalidade, o seu significado econômico e o desenvolvimento das
relações [sociais e econômicas]”. Esses conceitos, para Schmitt, “se referem sem
mediações à realidade concreta de uma relação vital” e “conduzem necessariamente a
uma nova espécie de pensamento que faz justiça aos ordenamentos dados ou novos
crescentes da vida” (SCHMITT, 1934: 173). Os princípios genéricos permitiriam, assim,
interpretar as normas jurídicas de acordo com a realidade das ordens concretas que
tinham suas disciplinas próprias impregnadas pelas concepções nazistas.
Outros ramos do direito também sofreram mudanças com a introdução de
princípios e conceitos abertos, suscetíveis de interpretação segundo os preceitos do
nacional-socialismo. Assim, “o novo Direito Público e Direito Administrativo impuseram o
princípio da liderança [Führergrundsatz], com ele conceitos como fidelidade, obediência
[Gefolgschaft], disciplina e honra, que só podem ser compreendidos a partir de um
ordenamento e uma comunidade concretos” (SCHMITT, 1934: 174).
O legislador nacional-socialista alterou, ainda, a legislação trabalhista, para
romper com uma visão jusprivatista e individualista do direito do trabalho. A própria
nomenclatura adotada é significativa nesse sentido: no lugar de “contrato coletivo de
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supremo prova o seu valor [bewährt sich] e manifesta-se o grau mais elevado
da realização judicantemente vingativa desse direito (SCHMITT, 1934a: 178-
179).
10 No original: “Disregard of original legislative intent by ideologically guided judges became far more
significant in the ev-eryday legal life of National Socialism than injustice directly commanded by the law-
maker”.
11 No original: “the training of young jurists was centralized and made uniform. No applicant for judicial service
is accepted unless he undergoes a specified course of education in a ‘training camp’, not in legal matters, but
in National Socialist spirit. Before admission, he is subjected to a searching investigation as to proper
allegiance and subservience”.
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Segunda Guerra Mundial, por Gustav Radbruch, que tinha sido perseguido e afastado da
universidade pelo regime nazista. Para Radbruch, ao obrigar o cumprimento de leis
manifestamente injustas e criminosas, o positivismo não só teria conferido uma aparência
de legalidade aos atos nazistas, como teria tornado “impotente toda defesa possível
contra os abusos da legislação nacional-socialista” (RADBRUCH, 2006: 8). Com isso, tal
entendimento, por um lado, culpava o positivismo e, por outro, inocentava os juristas.
Somente após vinte anos, especialmente a partir da publicação do livro
“Interpretação Ilimitada” de Bernd Rüthers, em 1968, é que avançaram os estudos sobre
a relação entre direito e regime totalitário. 12 A obra de Rüthers foi precursora em
demonstrar que o principal mecanismo para a nazificação da ordem jurídica não tinha
sido a mudança das leis, mas a reinterpretação do direito existente à luz do espírito
nacional-socialista (STOLLEIS, 2007: 221; SEELAENDER, 2009: 427). Inclusive porque não
seria possível alterar de imediato todas as leis herdadas da República de Weimar, a
proposta de “renovação do direito” deveria “fornecer a metodologia que permitiria aos
juízes utilizar o corpo jurídico antigo em um sentido favorável ao novo regime” (ROQUES,
2006: §11).
Em uma análise minuciosa sobre a obra de Bernd Rüthers, Christian Roques
explica que haveria um dualismo metodológico no campo da interpretação jurídica
durante o nazismo. De um lado, os juízes deviam reinterpretar o direito anterior de acordo
com a visão de mundo nacional-socialista. Do outro lado, no caso de aplicação de normas
criadas pelo regime nazista, os juízes estariam vinculados à letra da lei (ROQUES, 2006:
§30). No mesmo sentido Loeweinstein argumenta que, no primeiro momento, os juízes
foram incentivados a se afastar do direito legislado para fazer valer os valores nazistas.
Posteriormente, recuperou-se o ideal de obediência cega da lei, uma vez que a lei
representava o comando infalível do Führer (LOEWENSTEIN, 1936: 803).
Nesse ponto, um institucionalismo de cunho nazista seria útil para orientar a
atividade de interpretação e de aplicação do direito pelos juízes, como explica Airton
Seelaender:
Tendencialmente conservador, o institucionalismo podia, contudo, ser
instrumentalizado pelo projeto nazista, desde que se nazificasse a própria
compreensão da instituição. Como os demais institucionalistas, os adeptos da
versão schmittiana dessa corrente ("konkretes Ordnungsdenker”) partiam da
idéia de que certos âmbitos da vida social (a família, a empresa, o
12Sobre as razões da demora desses estudos e, entre elas, a resistência dos próprios juristas para encarar
seus posicionamentos no passado, ver (STOLLEIS, 2001).
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As cláusulas gerais abriam espaço, portanto, para que os conteúdos das ordens
concretas fossem determinados de forma decisionista e interpretados de acordo com os
preceitos do nacional-socialismo. Para Schmitt, tal abertura no campo da aplicação do
direito permitia que fossem dadas respostas concretas para situações concretas. Ao
mesmo tempo, como afirma Ingeborg Maus, cláusulas como “boa-fé” ou “bons-
costumes” já não se referiam à ordem jurídica individual burguesa, mas eram
ressignificadas sob a nova ordem nazista (MAUS, 1997: 135).
4. Considerações finais
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Sobre a autora
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 13, N.02, 2022, p.698-722.
Claudia Paiva Carvalho
DOI:10.1590/2179-8966/2020/51724| ISSN: 2179-8966