Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
reflexão metodológica
Carlos Sardinha*
Introdução
1. Parece evidente que um curso de direito visa ministrar aos que o
frequentam os conhecimentos técnicos necessários ao exercício das várias
profissões jurídicas na sociedade em que se inserem. É, por conseguinte,
o conhecimento da ordem jurídica vigente que, antes de mais, deve ser
transmitido aos estudantes de direito. A ciência jurídica tem um cariz
dogmático-prático, ou seja, embora submetido, na sua formação, a um
processo histórico-cultural mais ou menos complexo, o direito, enquanto
tal, é definido pela sua vocação para ser aplicado numa determinada
época, para ser válido, vigente. E esta projecção sobre a realidade social
que caracteriza a essência do jurídico exige que a ciência que o estuda,
a ciência jurídica, adopte uma metodologia muito própria: o jurista ao
utilizar o direito para resolver os problemas que a vida submete à sua
apreciação pressupõe sempre a verdade intrínseca dos valores, princípios
e normas que é chamado a aplicar. No momento eminentemente jurídico
da decisão impõe-se ao aplicador-intérprete a respectiva fundamentação.
Ora esta fundamentação representa sempre um diálogo racional entre
o plano normativo-valorativo – que é pressuposto – e a singularidade
do caso concreto, segundo um método que podemos caracterizar como
normas criadas pela vontade do legislador e que, por isso mesmo, são
garantidas pela força coactiva do Estado. Tende-se, por isso, a colocar
no centro do processo que conduz à génese da norma jurídica a vontade
abstracta do legislador, separando-a dos fundamentos históricos que
necessariamente a condicionam e explicam1. Só a razão pura pode,
por isso, ser aplicada ao conhecimento do direito vigente, no âmbito de
uma metodologia exegética, dogmática. Todos os fenómenos jurídicos
que não cabem neste conceito estrito de vigência não podem, por isso,
integrar o objecto desta ciência (a dogmática jurídica). Devem, neces-
sariamente, constituir um ramo do saber distinto, assente num método
não-jurídico, histórico: a história do direito. Nesta medida, facilmente se
compreende que, mais cedo ou mais tarde, se colocaria de forma intensa
o problema da legitimidade e da utilidade dos estudos histórico-jurídicos
nas faculdades de direito. Quando tais estudos, em razão do seu objecto
e método, tendem a afastar-se do direito vigente e respectiva doutrina,
é evidente que o jurista prático e o estudante não podem deixar de se
interrogar: será o estudo da história do direito mesmo indispensável à
formação do jurista2? Em que medida poderá tal disciplina influenciar o
exercício futuro da sua profissão?
1
Cf. K. Kroeschell, Deutsche Rechtsgeschichte, vol. 1: bis 1250, 13.ª ed., Colónia /
/ Weimar / Viena: Böhlau, 2008, p. 2.
2
Idem, ibidem, p. 8.
3
Para uma panorâmica geral, veja-se H. Thieme, Historische Rechtsschule, in: Han-
dwörterbuch zur deutschen Rechtsgeschichte, vol. II (1978), cols. 170 ss. e bibliografia
aí citada. Sobre o ambiente cultural em que surgiu a Escola Histórica, ver a síntese de
G. Dahm, Deutsches Recht. Die geschichtlichen und dogmatischen Grundlagen des
geltenden Rechts. Eine Einführung, 2.ª ed., Estugarda: Kohlhammer, 1963, pp. 117 s.
416 CARLOS SARDINHA
a) Colocação do problema
1. Não é nem pode ser nossa intenção proceder aqui a uma análise
exaustiva da personalidade e obra do eminente jurista que foi Savigny ou,
sequer, da Escola por ele fundada. Não é esse o objecto do nosso trabalho.
Além disso – como, aliás, teremos ocasião de perceber já a seguir – a
complexidade de tendências e orientações, nem sempre concordantes,
que podemos identificar no seio da Escola Histórica, exige e justifica
um estudo autónomo e exclusivo deste tema. Aqui interessa-nos apenas
perceber, em geral, o contributo de Savigny e dos seus sequazes para a
cientificização da história do direito e o seu papel na formação de uma
renovada ciência do direito enquanto dogmática jurídica. Interessa-nos,
em suma, compreender o sentido em que, precisamente, esta escola do
direito se assume como uma escola histórica. Veremos que tal qualifi-
cação é tudo menos clara ou unívoca.
4
Cf. P. Koschaker, Europa und das römische Recht, Munique / Berlim: Bieders-
tein, 1947, pp. 245 ss. Sobre o jusnaturalismo alemão no século XVIII, veja-se K.-H.
Ilting, Art. Naturrecht, in: O. Brunner (ed.), Geschichtliche Grundbegriffe: Historisches
Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland, vol. IV, Estugarda: Klett-Cotta,
2004, pp. 292 ss.
HISTÓRIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURÍDICA:
REFLEXÃO METODOLÓGICA 417
8
Cf. F. Zwilgmeyer, Die Rechtslehre Savignys. Eine rechtsphilosophische und geis-
tesgeschichtliche Untersuchung (Leipziger rechtswissenschaftliche Studien 37), Leipzig:
Weicher, 1929, p. 2. Não é por acaso que Christian Wolff (1679-1754), um dos principais
representantes da escola jusracionalista, chegou a ensinar simultaneamente direito natural
e matemática. Chamando a atenção para este aspecto, H. Thieme, Die Zeit des späten
Naturrechts. Eine privatrechtsgeschichtliche Studie, in: ZRG.GA 56 (1936), p. 224; G.
Marini, Friedrich Carl von Savigny (Gli Storici 9), Nápoles: Guida Ed., 1978, pp. 13 s.
Para uma síntese do pensamento wolffiano e dos seus principais discípulos, Daniel
Nettelbladt (1719-1791) e Darjes (1714-1791), veja-se St. Buchholz, Art. Christian
Wolff, in: Handwörterbuch zur deutschen Rechtsgeschichte, vol. V (1998), cols. 1511 ss.;
F. Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, unter besonderer Berücksichtigung der
deutschen Entwicklung, 2.ª ed., Gotinga: Vandenhoeck & Ruprecht, 1967, pp. 318 ss.; E.
Landsberg, Geschichte der deutschen Rechtswissenschaft, von R. Stintzing, vol. III, 1,
Munique / Leipzig: Oldenbourg, 1898, pp. 198 ss.; W. Neusüss, Gesunde Vernunft und
Natur der Sache: Studien zur juristischen Argumentation im 18. Jahrhundert (Schriften
zur Rechtsgeschichte 2), Berlim: Duncker & Humblot, 1970, pp. 35-55; C. Peterson,
Zur Anwendung der Logik in der Naturrechtslehre von Christian Wolff, in: J. Schröder
(ed.), Entwicklung der Methodenlehre in Rechtswissenschaft und Philosophie vom 16.
bis zum 18. Jahrhundert: Beiträge zu einem interdisziplinären Symposion in Tübingen,
18.-20. April 1996 (Contubernium 46), Estugarda: Steiner, 1998, pp. 177 ss.
9
Cf. E. Wolf, Das Problem der Naturrechtslehre: Versuch einer Orientierung
(Freiburger rechts- und staatswissenschaftliche Abhandlungen 2), 3.ª ed., Karlsruhe:
Müller, 1964, pp. 181 s.
10
Daí que Koschaker chegue a observar: «Ich glaube daher die nur scheinbar
paradoxe These vertreten zu dürfen: die deutsche Pandektistik war Fortsetzung des
Naturrechts mit anderen Mitteln» (= “Penso, pois, poder defender a tese apenas aparen-
temente paradoxal: a pandectística alemã foi continuação do direito natural com outros
meios”). Cf. Europa..., p. 269. Veremos melhor esta questão um pouco mais adiante.
HISTÓRIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURÍDICA:
REFLEXÃO METODOLÓGICA 419
12
Cf. G. Marini, Friedrich Carl von Savigny, pp. 14 ss.; N. Hammerstein, Jus und
Historie. Ein Beitrag zur Geschichte des historischen Denkens an deutschen Universitäten im
späten 17. und 18. Jahrhundert, Gotinga: Vandenhoeck & Ruprecht, 1972, pp. 309-374. Essa
renovação traduziu-se numa atenção muito peculiar concedida aos métodos histórico-críticos
no domínio das ciências do espírito (Geisteswissenschaften). Semelhante tendência, estranha ao
ambiente cultural dominante na Alemanha de então, explica-se, de algum modo, pela posição
política muito especial do Eleitorado (principado) de Hannover, a que Gotinga pertencia.
Constituído, desde 1714, em união pessoal com a Grã-Bretanha, a influência cultural deste
país fazia-se sentir aí com nitidez, sendo os grandes autores do empirismo e pragmatismo
ingleses bastante lidos nos círculos eruditos do Eleitorado. Esta abertura espiritual facilitou,
igualmente, a introdução nos meios universitários do pensamento de Voltaire e Montesquieu.
13
No domínio do direito privado conhecem-se-lhe apenas uns Elementa juris Ger-
manici privati hodierni, Gotinga, 1748, 2.ª ed., 1776. Ver nota seguinte.
14
Cf. M. Otto, Art. Johann Stephan Pütter, in: Neue Deutsche Biographie 21 (2003),
pp. 1 s. [versão online consultada a 04.04.2014: www.deutsche-biographie.de/sfz75338.
html]; D. Willoweit, Art. Johann Stephan Pütter, in: Handwörterbuch zur deutschen
Rechtsgeschichte, vol. IV (1990), cols. 114 ss.; L. Björne, Deutsche Rechtssysteme im
18. und 19. Jahrhundert (Münchener Universitätsschriften, Juristische Fakultät 59),
Ebelsbach: Rolf Gremer, 1984, pp. 18 ss. e 179; E. Landsberg, Geschichte der deutschen
Rechtswissenschaft, von R. Stintzing, vol. III, 1, pp. 331 ss.; W. Ebel, Der göttinger
Professor Johann Stephan Pütter aus Iserlohn (Göttinger rechtswissenschaftliche Studien
95), Gotinga: Schwartz, 1975, pp. 7 ss., passim; para uma lista dos escritos de Pütter
(publicados e não publicados) ordenados cronologicamente, cf. idem, ibidem, pp. 123 ss.;
sobre a figura e obra de Pütter como publicista, veja-se M. Stolleis, Geschichte des
öffentlichen Rechts in Deutschland, vol. I: Reichspublizistik und Policeywissenschaft,
1600-1800, Munique: C. H. Beck, 1988, pp. 312 ss.
15
E aqui detecta-se uma manifesta influência de Montesquieu, autor amplamente
citado por Pütter. Veja-se F. Zwilgmeyer, Die Rechtslehre Savignys..., pp. 3 s., espe-
cialmente a nota 7.
HISTÓRIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURÍDICA:
REFLEXÃO METODOLÓGICA 421
16
Apesar da sua investigação não ter incidido prioritariamente sobre o direito natural,
Pütter colaborou com o seu mestre Gottfried Achenwall (1719-1772), também professor
em Gotinga, na elaboração de uns Elementa juris naturae (1750). Cf. G. Achenwall / J.
S. Pütter, Anfangsgründe des Naturrechts (Elementa Iuris Naturae), hrsg. und überst.
v. J. Schröder (Bibliothek des deutschen Staatsdenkens 5), Frankfurt am Main / Lei-
pzig: Insel, 1995. A parte da obra da sua responsabilidade revela, de algum modo, a sua
nova concepção do direito natural e do método adequado a descobri-lo. Sobre a obra de
G. Achenwall, ver E. Landsberg, Geschichte der deutschen Rechtswissenschaft, von
R. Stintzing, vol. III, 1, p. 354.
17
Cf. F. Zwilgmeyer, Die Rechtslehre Savignys..., pp. 2 ss.
18
Cf. Art. Johann Stephan Pütter, in: Handwörterbuch…, col. 115.
19
Pütter trata da questão no prefácio aos já referidos Elementa juris Germanici
privati hodierni, juntamente com outros problemas de índole metodológica. A isto se
reduz, praticamente, o valor desta obra. Cf. E. Landsberg, Geschichte der deutschen
Rechtswissenschaft, von R. Stintzing, vol. III, 1, pp. 335 s.
422 CARLOS SARDINHA
20
Cf. H. Thieme, Die Zeit des späten Naturrechts. Eine privatrechtsgeschichtliche
Studie, in: ZRG.GA 36 (1936), p. 252.
21
Cf. W. Neusüss, Gesunde Vernunft und Natur der Sache..., pp. 76 s.
22
Esta expressão foi, possivelmente, usada pela primeira vez com este sentido por
Montesquieu no prefácio do seu Esprit des Lois, como forma de referir a diferença
do seu método histórico-pragmático em relação ao apriorismo lógico-formal típico da
tradicional abordagem jusracionalista. Neste sentido, H. Thieme, Die Zeit des späten
Naturrechts…, p. 231.
HISTÓRIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURÍDICA:
REFLEXÃO METODOLÓGICA 423
von R. Stintzing, vol. III, 2, pp. 2 s.; G. Marini, Friedrich Carl von Savigny, pp. 18 s.;
37; F. Zwilgmeyer, Die Rechtslehre Savignys..., p. 4.
28
Cf. L. Björne, Deutsche Rechtssysteme…, p. 37.
29
Cf. A. Buschmann, Ursprung und Grundlagen der geschichtlichen Rechtswis-
senschaft…, p. 12.
HISTÓRIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURÍDICA:
REFLEXÃO METODOLÓGICA 425
30
Cf. F. Zwilgmeyer, Die Rechtslehre Savignys..., p. 7 s.
31
Cf. G. Hugo, Lehrbuch des Naturrechts, Glashütten im Taunus: Auvermann, 1971,
pp. 1 ss. Trata-se de uma reimpressão da quarta e última edição da obra (Berlim, 1819),
publicada pela primeira vez em 1798. Veja-se, igualmente, a introdução de Th. Viehweg,
Einige Bemerkungen zu Gustav Hugos Rechtsphilosophie, pp. III ss.; F. Wieacker,
Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, pp. 378 ss.; também, Gustav Hugo, in: G. Köbler,
Lexikon der europäischen Rechtsgeschichte, Munique: C. H. Beck, 1997, pp. 242 s.
426 CARLOS SARDINHA
32
Sobre a romanística alemã em finais do século xviii, com uma descrição e comen-
tário às obras mais relevantes, veja-se A. Buschmann, Ursprung und Grundlagen der
geschichtlichen Rechtswissenschaft..., pp. 130 ss. Segundo este Autor (cf. p. 134), tais
obras podem ser arrumadas em três categorias: comentários (Kommentaren), exposições
sistemáticas sob a forma de manual (systematische Lehrbücher) e exposições de índole
histórica (geschichtliche Darstellungen). Mesmo as chamadas exposições históricas
do direito romano estavam, na maior parte dos casos, funcionalizadas às exigências
da prática, tendo por objectivo primordial facilitar a compreensão do direito vigente,
com sacrifício, muitas vezes, do rigor histórico-crítico da exposição. Veja-se, ainda,
F. Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit…, pp. 204 ss.; D. Liebs, Römisches
Recht. Ein Studienbuch, 6.ª ed., Gotinga: Vandenhoeck & Ruprecht, 2004, pp. 114 s.
33
Refiram-se, por exemplo, as suas obras Commentatio de fundamento successionis
ab intestato (1785); De bonorum possessionibus commentatio (1788); Ulpiani Fragmenta
(1788, 5.ª ed., 1834); Pauli sententiae (1795); Römische Literärgeschichte (1812; 3.ª ed.,
1830); Ius civile anteiustinianeum (1815). Em todas estas investigações utiliza Hugo um
método histórico-crítico, segundo a orientação da Escola de Gotinga. Cf. F. Wieacker,
Privatrechtsgeschichte der Neuzeit…, pp. 380 s. Aspecto comum a estas obras é o valor
decisivo que é concedido ao acesso directo às fontes e respectiva crítica como condição
prévia de qualquer exposição científica sobre o direito. Daqui que alguns destes trabalhos
mais não sejam do que edições críticas de fontes (Ulpiani Fragmenta, Pauli Sententiae).
HISTÓRIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURÍDICA:
REFLEXÃO METODOLÓGICA 427
34
Acerca do antiquarismo e dos seus principais representantes, ver E. Landsberg,
Geschichte der deutschen Rechtswissenschaft, von R. Stintzing, vol. III, 2, pp. 48 ss.
Para as críticas de Hugo a esta tendência metodológica, veja-se, por sua vez, H. Weber,
Gustav Hugo: vom Naturrecht zur historischen Schule..., pp. 37 ss.
35
Cf. F. Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit…, p. 379 s.
428 CARLOS SARDINHA
36
Idem, ibidem, p. 381.
37
A bibliografia sobre Savigny é extensíssima. Veja-se, por exemplo, para além das
obras de G. Marini e F. Zwilgmeyer anteriormente citadas, H. Kiefner, Art. Friedrich
Carl von Savigny, in: Handwörterbuch zur deutschen Rechtsgeschichte, vol. IV (1990),
cols. 1313 ss.; Friedrich Carl von Savigny, in: G. Köbler, Lexikon der europäischen
Rechtsgeschichte..., pp. 519 s.; L. Björne, Deutsche Rechtssysteme..., pp. 9 ss., 60 ss. e
77 ss.; E. Landsberg, Geschichte der deutschen Rechtswissenschaft, von R. Stintzing,
vol. III, 2, pp. 186 ss.; F. Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit..., pp. 381 ss.;
H. Thieme, Der junge Savigny, in: Ideengeschichte und Rechtsgeschichte. Gesammelte
Schriften (Forschungen zur Neueren Privatrechtsgeschichte 25), vol. II, Colónia / Viena:
Böhlau, 1986, pp. 1057 ss.; idem, Savigny und das Deutsche Recht, in: ZRG.GA 80 (1963),
pp. 1 ss.; G. Marini, Savigny e il metodo della scienza giuridica (Pubblicazioni della
Facoltà di Giurisprudenza della Università di Pisa 13), Milão: Giuffrè, 1966.
38
Cf. F. C. von Savigny, Vom Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswis-
senschaft, 3.ª ed., Heidelberga: Mohr, 1840. A primeira edição, como referimos, é de
1814 e a segunda de 1828. Veja-se G. Marini, Friedrich Carl von Savigny, pp. 91 ss.
39
Idem, Über den Zweck der Zeitschrift für geschichtliche Rechtswissenschaft, in:
Vermischte Schriften, vol. I, Berlim: Veit, 1850, pp. 105 ss.
40
É famosa a frase de Savigny na sua recensão à obra de G. Hugo, Lehrbuch der
Geschichte des Römischen Rechts: «Bei dem vorliegenden Werke liegt eine höhere
Idee zum Grunde, nach welcher die ganze Rechtswissenschaft selbst nichts anderes ist,
als Rechtsgeschichte (...)» (= “Ao presente trabalho preside uma ideia mais elevada,
segundo a qual toda a ciência do direito, em si mesma, outra coisa não é senão histó-
ria do direito”). Cf. F. C. von Savigny, Recension des Lehrbuchs der Geschichte des
HISTÓRIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURÍDICA:
REFLEXÃO METODOLÓGICA 429
Römischen Rechts von Gustav Hugo, 2te Ausg. Berlin 1799, 3te Ausg. Berlin 1806, in:
Vermischte Schriften, vol. V, Berlim: Veit, 1850, pp. 2 s.
41
Cf. F. Zwilgmeyer, Die Rechtslehre Savignys..., p. 10.
42
Cf. Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit…, p. 389; F. Zwilgmeyer, Die
Rechtslehre Savignys..., p. 10.
43
Cf. D. Strauch, Recht, Gesetz und Staat bei Friedrich Carl von Savigny, Bona:
Bouvier, 1960, pp. 28 s.
44
D. Liebs, Römisches Recht..., p. 116; D. Strauch, Recht, Gesetz und Staat…, p. 27.
45
Sobre o antiquarismo, ver supra.
46
Cf. F. Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit…, p. 385; também, H. Kiefner,
Art. Friedrich Carl von Savigny, in: Handwörterbuch zur deutschen Rechtsgeschichte,
col. 1319. Contra, K. W. Nörr, Eher Hegel als Kant. Zum Privatrechtsverständnis im
19. Jahrhundert (Rechts- und staatswissenschaftliche Veröffentlichungen der Görres-
430 CARLOS SARDINHA
51
Cf. Friedrich Carl von Savigny, Das Recht des Besitzes. Eine civilistische
Abhandlung, 4.ª ed., Gießen: Heyer, 1822. A primeira edição é de 1803. Sobre esta obra,
veja-se G. Marini, Savigny e il metodo della scienza giuridica, pp. 34 ss.
52
Cf. F. Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit, p. 387. Ver, também,
G. Marini, Savigny e il metodo della scienza giuridica, p. 40 s.
53
Cf. W. Neusüss, Gesunde Vernunft und Natur der Sache..., pp. 112 s.
54
Veja-se, a este respeito, o instrutivo índice de fontes que integra esta obra.
Cf. Friedrich Carl von Savigny, Das Recht des Besitzes, pp. 524-539.
55
Cf. Friedrich Carl von Savigny, in: G. Köbler, Lexikon der europäischen
Rechtsgeschichte, p. 519.
432 CARLOS SARDINHA
Chamando a atenção para este ponto, A. Manigk, Savigny..., pp. 197 s, nota 464.
62
64
Esta maneira de ver, ausente das primeiras obras de Savigny, integra-se na inflexão
idealista que marca a produção científica dos seus últimos anos, já sujeita à influência
do seu mais famoso discípulo, Puchta.
65
Cf. P. Koschaker, Europa..., p. 268. Sobre o poder e influência dos professores
de direito na sociedade alemã novecentista, veja-se J. Q. Whitman, The Legacy of
Roman Law in the German Romantic Era: historical vision and legal change, Princeton:
Princeton University Press, 1990, pp. 92 ss.
66
Cf. P. Koschaker, Europa..., p. 275; G. Dahm, Deutsches Recht..., p. 124.
HISTÓRIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURÍDICA:
REFLEXÃO METODOLÓGICA 435
Posição adoptada
1. As concepções de Savigny e da Escola Histórica – podemos dizê-
-lo – moldaram decisivamente a ideia do valor e função da história do
direito que, ainda hoje, predomina entre os práticos e os cultores de disci-
plinas dogmáticas. Na verdade, é comum considerar-se que a legitimidade
da investigação histórico-jurídica depende, de algum modo, da atenção
que dedica aos elementos históricos que integram o direito em vigor68.
O seu objectivo seria, por conseguinte, aprofundar o conhecimento do
direito vigente, estar ao serviço do aperfeiçoamento da respectiva dog-
mática e não apenas reconstruir criticamente as instituições jurídicas
passadas. A investigação histórico-jurídica deveria, por isso, ser cultivada
por verdadeiros e próprios juristas nas faculdades de direito e não apenas
por historiadores. No domínio das ciências histórico-jurídicas esta maneira
de ver é muito comum entre os romanistas, desde logo devido à ligação
existente entre o direito civil vigente e o direito privado romano69, ligação
reforçada, na Alemanha, pela docência conjunta do direito romano e de
uma disciplina dogmática, normalmente o direito civil. Para tanto con-
tribuiu, no pós-guerra, o estado de espírito expresso nas famosas críticas
de Paul Koschaker à por ele designada orientação neo-humanista (neu-
humanistische Richtung)70, crítica tanto mais significativa se recordarmos
67
Sobre o pensamento e obra deste Autor, veja-se, por todos, F. Wieacker, Pri-
vatrechtsgeschichte der Neuzeit, pp. 399 ss.; também, E. Landsberg, Geschichte der
deutschen Rechtswissenschaft, von R. Stintzing, vol. III, 2, pp. 438 ss.
68
Cf. P. Landau, Bemerkungen zur Methode der Rechtsgeschichte, in: Zeitschrift
für Neuere Rechtsgeschichte 2 (1980), p. 118. Landau designa esta forma de legitimar
a história do direito enquanto disciplina por «evolutionstheoretische Legitimation»
(= “legitimação evolutivo-teorética”).
69
Cf. Seb. Cruz, Da «Solutio». Terminologia, conceito e características, e análise
de vários institutos afins, I – Épocas Arcaica e Clássica, Coimbra: Universidade de
Coimbra, 1962, p. XLVI: «Sempre que há uma desorientação entre os civilistas sobre
determinado problema, o Direito Romano tem uma palavra a dizer».
70
Cf. P. Koschaker, Europa..., pp. 290 ss. Veja-se, também, C. Sardinha, Die
rechtsvergleichende Erforschung der antiken Kaufvertragspraxis: Bedeutung, Aufgaben
und Methode. Ein Überblick, in: Zeitschrift für Altorientalische und Biblische Rechts-
geschichte 15 (2009), pp. 1 s.
436 CARLOS SARDINHA
2. Deve dizer-se que, em geral, esta maneira de ver – e não nos refe-
rimos, como é evidente, apenas aos métodos específicos da escola savig-
71
Basta recordar os trabalhos por ele publicados no domínio do direito helenístico e
dos chamados direitos cuneiformes. Cf. Th. Folkers, Liste der Werke Paul Koschakers
zur orientalischen Rechtsgeschichte, in: J. Friedrich (ed.), Symbolae ad iura orientis
antiqui pertinentes Paulo Koschaker dedicatae (Studia et documenta 2), Leiden: Brill,
1939, pp. 243 ss.
72
Cf. Europa..., p. 295.
73
Efectivamente, afirma Koschaker, referindo-se à tendência neo-humanista: «Kein
Zweifel, daß sie die Prüfung vom Standpunkt der modernen Wissenschaft im Sinne
zweckfreier Wahrheitserforschung weit besser besteht als die historische Schule, die
historische und dogmatische Ziele vermengte» (= “Não há dúvida de que resiste muito
melhor ao exame do ponto de vista da ciência moderna, no sentido de uma investiga-
ção da verdade sem nenhum fim específico, do que a Escola Histórica, que misturou
objectivos históricos e dogmáticos”). Cf. Europa..., pp. 305 s.
74
Cf. P. Koschaker, Europa..., pp. 308 ss.
HISTÓRIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURÍDICA:
REFLEXÃO METODOLÓGICA 437
75
Exemplo disto são os esforços do grande mestre da papirologia jurídica H.-J.
Wolff na defesa do estudo do direito grego antigo. Cf. H.-J. Wolff, Zur Bedeutung der
altgriechischen Rechtsgeschichte für die Rechtswissenschaft, in: E. von Caemmerer (et
alii) (ed.), ΞΕΝΙΟΝ. Festschrift für Pan. J. Zepos, anlässlich seines 65. Geburtstages am
1. Dezember 1973, vol. I., Atenas / Freiburg / Colónia: Ch. Katsikalis, 1973, pp. 757 ss.
Com efeito, o fenómeno de decadência cultural a que fizemos referência atingiu de forma
particularmente grave a investigação dos direitos antigos não romanos. Deve dizer-se
que, nos dias de hoje, mesmo na Alemanha, o estudo de tais matérias praticamente
desapareceu das faculdades de direito.
76
Cf. P. Landau, Bemerkungen..., p. 118 s.
438 CARLOS SARDINHA
80
Neste sentido, P. Landau, Bemerkungen..., p. 119. Veja-se, igualmente, H. Coing,
Aufgaben des Rechtshistorikers (Sitzungsberichte der Wissenschaftlichen Gesellschaft an
der Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main 13,5), Wiesbaden: Steiner,
1976, pp. 161 s.
81
Nesta linha, F. Wieacker, Die Provinz..., pp. 224 s.; idem, Zur Methodik der Rechts-
geschichte, in: R. Strasser (et alii) (ed.), Festschrift Fritz Schwind zum 65. Geburtstag.
Rechtsgeschichte, Rechtsvergleichung, Rechtspolitik, Viena: Manz, 1978, p. 359.
440 CARLOS SARDINHA
82
Cf. F. Wieacker, Die Provinz..., p. 225.
83
Sem se excluir, naturalmente, mas a título puramente subsidiário, a possibilidade
e utilidade de outras abordagens, nomeadamente de índole empírico-sociológica ou
económica.
84
Cf. F. Wieacker, Zur Methodik..., p. 360.
85
Nesta linha, F. Wieacker, Die Provinz..., pp. 226 s.
86
Idem, ibidem, p. 227.
HISTÓRIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURÍDICA:
REFLEXÃO METODOLÓGICA 441
91
Na Suécia, por exemplo, não é necessário possuir formação jurídica para se poder
leccionar história do direito. A questão, contudo, não é pacífica. Esta informação foi-me
transmitida através de e-mail (14.05.2014) pelo Prof. Mats Kumlien, Professor de História
do Direito na Univ. de Uppsala. Veja-se, também, P. Letto-Vanamo, Der praktische
Nutzen der Rechtsgeschichte – Eine finnische Variante zum Thema. In: J. Eckert (ed.),
Der praktische Nutzen der Rechtsgeschichte: Hans Hattenhauer zum 8. September
2001, Heidelberga: C. F. Müller, 2003, pp. 315 ss. Entre nós, na Faculdade de Direito
da Universidade Nova de Lisboa, as disciplinas histórico-jurídicas (História do Direito e
História das Instituições) são regidas por uma historiadora de formação. Ver www.fd.unl.
pt/servicos/docentes/Docentes_Principal.asp?Docente=ACS (CV consultado a 04.04.2014).
92
Cf. P. Landau, Bemerkungen..., p. 119.
93
Neste sentido, sublinhando a importância destas disciplinas auxilares, principalmente
as de índole filológica, ver F. Wieacker, Art. Methode der Rechtsgeschichte…, cols. 520 s.
HISTÓRIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURÍDICA:
REFLEXÃO METODOLÓGICA 443
94
Nas universidades alemãs o local adequado à realização destes estudos é o Institut
für Alte Geschichte e não, como resulta do exposto, o Institut für Klassische Philologie.
95
Na Alemanha é possível obter estes conhecimentos através das disciplinas Einführung
in das Akkadische e Einführung in das Sumerische, ou equivalentes, e dos seminários
oferecidos pelo Institut für Altorientalistik (por vezes designado por Institut für Assyriologie
ou Institut für Altorientalische Philologie). O texto do Código de Hammurabi, excluído
o prólogo e o epílogo, serve, habitualmente, de base ao estudo introdutório do dialecto
babilónico antigo, forma clássica da língua acádica.
96
Sobre o carácter essencialmente hermenêutico das ciências históricas e, por conse-
guinte, da história do direito, ver F. Wieacker, Zur Methodik..., pp. 361 ss. Mais do que
descobrir esquemas rigorosos de causa-efeito, é função da história reconstruir o ser do
homem no tempo partindo da interpretação dos textos e sinais não linguísticos herdados
do passado, no contexto de uma abordagem, por isso mesmo, não apenas semântica,
mas também semiótica.
97
Cf. J. Eckert, Die Krise der Rechtsgeschichte und die Frage nach ihrem Nutzen
für die Theorie und die Praxis des Rechts. In: J. Eckert (ed.), Der praktische Nutzen der
Rechtsgeschichte…, pp. 121 ss.
444 CARLOS SARDINHA
98
Cf. H.-J. Wolff, Zur Bedeutung..., p. 757. Refiro-me, a título de exemplo, ao
direito grego antigo e aos chamados direitos cuneiformes. Igualmente importante, neste
contexto, é o estudo do direito hebraico antigo.
99
Neste sentido, J. Brand, «Es ist verboten, alt zu sein». In: J. Eckert (ed.), Der
praktische Nutzten der Rechtsgeschichte..., p. 67. Os efeitos desta orientação continuam,
no entanto, a fazer-se sentir nos nossos dias. Com efeito, a investigação histórico-jurídica
nunca se conseguiu libertar totalmente da sua ligação preferencial ao direito privado,
descurando-se outros importantes sectores da história jurídica, nomeadamente a história
do direito público. Sintoma claro da persistência deste modelo é o facto, já apontado,
de, na Alemanha, se acumular a docência da história do direito com o ensino do direito
civil. Outra consequência nefasta deste estado de coisas é, por exemplo, a dificuldade
que a maioria dos juristas sente em compreender a importância do estudo de outras
experiências jurídicas da antiguidade distintas da romana.
HISTÓRIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURÍDICA:
REFLEXÃO METODOLÓGICA 445
100
Cf. F. Wieacker, Art. Methode der Rechtsgeschichte..., cols. 524 s.
101
Segundo a conhecida sentença ciceroniana. Cf. M. Tullius Cicero, De Oratore,
2, 9, 36: «Historia vero testis temporum, lux veritatis, vita memoriae, magistra vitae.»