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Lição 4

Classificação das normas jurídicas 36

S um ário : 1.Normas primárias e normas secundárias. Critérios


históricos de distinção: 1.1 O critério temporário ou neutro: a
concepção tradicional; 1.2 O critério axiológico-funcional: a tese
inovadora do Rudolf von lhering (1818-1892) em polêmica com
o Karl Binding (1841-1920). A postura kelseniana; 1.3 A teoria
conciliadora do H. L. A. Hart no Conceito de direito. Classes
de normas secundárias; 1.4 O critério axiológico-hierárquico:
a diferenciação no Direito constitucional - 2. Outros critérios
de classificação das normas jurídicas: 2.1 Pela eficácia material:
2.1.1 Normas gerais e normas individuais; 2.1.2 Normas abstratas
e normas concretas; 2,1.3 Norma regular, norma excepcional - o
privilégio - e norma especial; 2.1.4 Normas taxativas e normas
dispositivas; 2.1.5 Normas completas e normas incompletas
(explicativas - as definições legais - , restritivas e remissivas - as
ficções legais): 2.2 Pela eficácia no tempo: normas permanentes,
normas temporárias e normas transitivas; 2.3 Pela eficácia no
espaço: normas universais, normas gerais ou comuns e normas
particulares ou locais; 2.4 Distinção entre as normas de Direito
público e as de Direito privado: 2.4.1 A distinção do ponto de
vista da relação jurídica; 2.4.2 A distinção do ponto de vista da
norma jurídica; 2.4.3 Conclusão crítica.

1. Normas primárias e normas secundárias. Critérios históricos de


distinção

A distinção entre as normas jurídicas primárias e secundárias é empregada,


frequentemente, tanto na teoria geral do Direito como nas disciplinas jurídicas
particulares.37Já Hart falava do ordenamento jurídico como um conjunto de
normas primárias e secundárias. Mas o uso que da distinção se faz é tudo menos
constante, variando de autor para autor e de disciplina para disciplina.
C lassificação das n o r m a s jurídicas 73

Como assinala o filósofo do Direito italiano Norberto Bobbio, em sua obra


Contribuição à teoria do Direito,38já na linguagem comum existem vários critérios
para distinguir o primário do secundário.
Um primeiro elemento distintivo seria o cronológico ou temporário. Segundo
ele, primário é o que vai primeiro no tempo e secundário, o que vai depois; por
exemplo, o ensino fundamental e o secundário, era primário e secundário. Este
critério é axiologicamente neutro, pois se limita a constatar um dado empírico,
a maior ou menor proximidade no tempo, a criação anterior ou posterior.
Um segundo ponto de vista é o axiológico ou vodorativo, que já não é neutro,
mas se refere a valores. Este, por sua vez, subdivide-se no critério axiológico-
-funcional e o critério axiológico-hierárquico.
O critério axiológico-funcional leva em conta a maior ou menor importância
da função desempenhada. Segundo ele, primário será o principal e secundário,
o acessório, marginal, subsidiário, acidental ou auxiliar; por exemplo, estrada
primária e secundária.
Da perspectiva axiológico-hierárquica, o relevante é a posição dos termos
dentro de um conjunto. Assim, o primário seria o superior e o secundário, o
inferior, o que hierarquicamente está em um estado de subordinação ou depen­
dência; por exemplo, em uma peça de teatro, personagens de um ou outro tipo,
primários ou secundários.
Estes critérios não necessariamente coincidem. Assim, o ensino funda­
mental vai primeiro no tempo que o secundário, mas, funcionalmente, é menos
importante que ele. Do mesmo modo, uma estrada funcionalmente secundária
pode ter sido construída antes da estrada principal e ser, portanto, temporalmente
primária. Igualmente, demonstra esta disparidade o aforismo jurídico segundo
o qual “a lei posterior derroga a anterior”, com independência da importância
funcional, de qual seja principal e qual acessória.

1.1 O critério temporário ou neutro: a concepção tradicional

Transladando estes critérios do campo da linguagem comum ao âmbito


jurídico, obtemos várias teorias em torno da distinção entre as normas primárias
e as secundárias. Em primeiro lugar, encontra-se a concepção tradicional ou
clássica, que segue o ponto de vista temporário ou neutro. Segundo ela, regras
primárias seriam as que regulam a conduta, são anteriores, quanto ao momento
de promulgação, e seus destinatários são os cidadãos. Pelo contrário, as normas
secundárias seriam aquelas cujo conteúdo é uma sanção para o caso de descum-
primento de uma norma primária; sua formulação é, portanto, obviamente,
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posterior no tempo, e seus destinatários são os órgãos do poder judicial, que


aplicam a sanção.

1.2 O critério axiológico-funcional: a tese inovadora do Rudolf von


lhering ( 1818-1892) em polêmica com o Karl Binding (1841-1920).
A postura kelseniana

Uma segunda doutrina é a denominada teoria inovadora ou revolucionária,


de pensadores como Rudolf von lhering - em polêmica com o Karl Binding -,
Hans Kelsen ou Alf Ross. A mesma segue o critério axiológico-funcional de dis­
tinção. Parte da ideia de que o Direito é fundamentalmente um ordenamento
coativo, que impõe sanções para o caso de descumprimento das condutas or­
denadas, sendo a coercitividade sua característica mais importante. Se isto for
assim, as normas jurídicas principais, as primárias funcionalmente, seriam as
que estabelecem a sanção, e não as de conduta, que poderiam chegar inclusive
a suprimir-se. As regras secundárias cronologicamente seriam primárias fun­
cionalmente e vice-versa. Inverte-se a ordem da classificação em relação à tese
tradicional.

1.3 A teoria conciliadora do H. L A. Hart no Conceito de direito. Classes


de normas secundárias

A distinção entre normas primárias e secundárias foi particularmente


destacada pela teoria do Direito do pensador anglo-saxão H. L. A. Hart. Segundo
o mencionado autor, o ordenamento jurídico se distingue de todos os outros
sistemas normativos por ser o resultado de uma combinação de ambos os tipos
de normas, primárias e secundárias. Hart segue, neste ponto, uma postura
conciliadora entre as concepções tradicional e inovadora. Para ele, o secundário
funcionalmente o é também temporalmente e o primário funcionalmente, primário
temporalmente. Esta solução é possível se se conceberem as normas secundárias
como aquelas que resolvem um defeito das normas primárias de um ordenamento
primitivo ou pré-jurídico. No tocante ao seu conteúdo, as normas secundárias
se caracterizam pelo fato de que não criam obrigações, como as regras primárias,
mas, sim, outorgam poderes, com o que Hart quer dizer que são supletivas ou
integradoras, em relação às normas primárias.
As normas secundárias, assim concebidas, poderiam ser de três tipos,
segundo o defeito das normas primárias que corrijam: “normas de reconheci­
mento”, quando solucionam a falta de certeza de uma norma primária; “normas
de mudança”, quando emendam a ausência de dinamismo; e “normas de ad­
judicação”, que reparam a falta de efetividade. Um exemplo de cada um destes
três supostos normativos seriam no Direito espanhol, respectivamente, o art. 1
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do Código Civil, que estabelece quais são as fontes do Direito: a lei, o costume e os
princípios gerais do Direito; o art. 2 do mesmo corpo legal, que dispõe a existencia
de limites espaço-temporais de entrada em vigor das leis; e o art. 3 do Código Civil,
que se refere aos critérios de aplicação e interpretação.mn Vê-se que as normas
secundárias são assim consideradas, tanto temporalmente, porque vão necessaria­
mente depois da norma cujo defeito trata de corrigir, comofuncionalmente, pois são
menos importantes que ela.
Não obstante, o critério que não aparece coordenado na teoria de Hart é
o hierárquico, porque em um sistema jurídico evoluído as normas de reconhe­
cimento, mudança e adjudicação são habitualmente normas hierarquicamente
superiores, são primárias combase no critério hierárquico. O que ocorre é que tal
objeção é menos relevante, ao estar o critério hierárquico pouco consolidado no
mundo do Direito, no qual duas normas, em relação hierárquica entre si, deno­
minam-se respectivamente superior e inferior, mais que primária e secundária.

1.4 O critério axiológico-hierárquico: a diferenciação no Direito


constitucional

Além das doutrinas de distinção das normas primárias e secundárias ante­


riormente vistas, existe a teoria constitucionalista, que aplica o outro critério em
jogo na diferenciação entre o primário e o secundário, o axiológico-hierárquico.
Segundo esta tese, norma primária seria a que em uma hipotética pirâmide
normativa estaria situada em um plano, degrau ou nível, superior, e norma se­
cundária a que se acha em um estrato inferior. Assinala Amato que esta relação
de subordinação se manifesta na medida em que o primário pode modificar o
secundário e, entretanto, não pode ser modificado por este.
Segue o critério hierárquico também Von Wright, quando fala de normas de
primeiro e de segundo grau, embora para designar, contra o que poderia parecer,
respectivamente, as normas secundárias e as primárias. A causa desta investida
pode ser encontrada no relativismo da distinção entre superior e inferior. Trata-
-se em ambos os casos de conceitos relativos. Uma norma pode ser superior em
relação à outra e inferior em relação a uma terceira. Tudo depende do ponto
que tomemos como referência. Em sua estrutura hierárquica, cabe comparar o
ordenamento jurídico com uma escada, que pode ser vista de cima para baixo
ou de baixo para cima. Em uma escada de cima para baixo, o degrau superior é
seguido pelo inferior. Em toda escada, olhando de baixo para cima, o primeiro
degrau é seguido pelo segundo. Deste modo, o mesmo degrau, e como ele uma
norma jurídica, pode ser inferior, partindo de baixo, e superior, partindo de
cima. O que acontece é que estamos acostumados ao modelo kelseniano, que
olha sempre do vértice da pirâmide para baixo.
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2. Outros critérios de classificação das normas jurídicas

2. / Pela eficácia material

Uma das características da norma jurídica é a generalidade.39A norma é um


mandato geral (“Ius est communepraeceptum. luranon insingulas... sedgenerali-
ter”). Isto implica que na norma há abstração, uma hipótese não individualizada
para uma pessoa particular ou para um caso ou relação determinada. Quando
falta a generalidade não há norma ou disposição, mas sim ato ou resolução,
embora adote a forma de lei, em sentido verdadeiro ou material.
Daí a distinção doutrinária entre “Ids em sentido material”, as autentica­
mente normativas, as que têm um conteúdo geral, que são a maioria, e “leis em
sentido formaV\ as não normativas, de alcance concreto, cujo conteúdo é um
mero ato administrativo individual, embora externamente revistam a forma de
leis. Por exemplo, seria uma hipótese legal, neste segundo sentido, formal, a
que concede uma pensão extra à viúva X ou o decreto nomeando governador Y.

2.1,1 Normas gerais e normas individuais

Pelo grau de generalidade, cabe distinguir vários tipos de regras. Em


primeiro lugar, encontra-se a classificação entre normas gerais e individuais,40
segundo a extensão do preceito por razão do sujeito. As primeiras se dirigem a
toda classe de indivíduos que se encontrem na mesma situação (“Se for A - a + b
+ c +... deve ser B - a' + b’ + c’ +...”). As segundas, pelo contrário, destinam-se a
um sujeito determinado. Denominam-se também mandatos ou ordens. São da
forma “Se for A - a, b, c ,... deve ser B - a’, b\ c\ ...”. Note-se que o elo de união,
no primeiro caso, é um signo de adição, a conjunção copulativa “e”. Pelo con­
trário, as segundas estariam em uma relação excludente, sendo o vínculo uma
vírgula; a alternativa “ou”
A generalidade responde a uma exigência de igualdade diante de possíveis
arbitrariedades e injustiças. Exemplos de normas gerais seriam: a Constituição,
as leis ordinárias, as leis orgânicas, os tratados internacionais e, em geral, a maior
parte delas. Exemplos de disposições individuais seriam os contratos - que em
nosso Direito, segundo o art. 1.091 do Código Civil, são leis entre as partes con­
tratantes; as disposições administrativas - com efeitos entre a Administração e
os administrados; ou uma sentença judicial - de eficácia “inter partes”, entre o
demandante e o demandado.
Cada ato de concreção, cada degrau que descemos em uma imaginária
pirâmide normativa, estabelece um “plus” de especificidade sobre a regra mais
geral, de tal maneira que acrescenta algo à norma geral da qual é concreção.
C lassificação das n o r m a s jurídicas 77

A existência de normas individuais foi doutrinariamente muito discutida.


Assim, por exemplo, Francisco Suárez não as considerava normas e exigia a
generalidade como caráter de toda norma jurídica. Pelo contrário, as regras
individuais tiveram grande transcendência histórica na elaboração do Direito
pretòrio, em Roma, perante o Ius civile. Mas a sua aceitação é, sobretudo, mérito
de Kelsen. Também teve importância em sua recepção a chamada Escola do Di­
reito Livre, na medida em que concebe a prática judicial, as sentenças dos juizes,
como autênticas fontes do Direito, do mesmo modo que poderia ser uma lei.41

2.7.2 Normas abstratas e normas concretas

Desse modo, cabe diferenciar pelo grau de generalidade entre as normas


abstratas e as concretas. A distinção se faz não em atenção ao sujeito, mas em
relação ao objeto, conforme o preceito regule toda classe de ações que tenham
o mesmo conteúdo ou uma ação particular. A abstração já não responde à exi­
gência de igualdade - das pessoas -, mas à certeza - dos casos - do Direito. A
igualdade se prega dos sujeitos. Quando a igualdade se refere aos casos objeto
de regulação jurídica, falamos de certeza.

2.7.3 Norma regular, norma excepcional - o privilégio - e norma


especial

Da mesma maneira, o grau de generalidade permite diferenciar a norma


normal - valha a redundância -, ou regular, perante o Direito excepcional ou
singular, por uma parte; e a norma comum ou geral perante a norma ou Direito
especial, por outra.
Historicamente, seguiram-se vários critérios de distinção do Direito excep­
cional perante o Direito regular.
Por um lado, ensaiou-se o critério da quantidade ou afrequência, segundo
o qual o Direito comum seria a regra, diante do Direito excepcional, que consti­
tuiria, valha a redundância, a exceção. Este é o método utilizado, por exemplo,
nas ciências naturais e, como tal, é válido mais nesse âmbito que no jurídico.
Outro critério ensaiado na distinção entre o Direito normal ou regular e
o excepcional é o cronológico. Segundo ele, a norma excepcional vai depois do
Direito comum, ao qual derroga. Mas este método falha também se levarmos
em conta a possível existência paralela no tempo destes dois tipos de normas,
a regra e a exceção, que podem ser fixadas pelo legislador, simultaneamente.
Diante destes critérios falidos, possivelmente seja de utilidade aquele
outro, já clássico, enunciado por Paulo no Digesto, e conhecido como critério
da racionalidade. Segundo ele, o “Ius commune” - Direito comum - constitui o
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elemento racional do Direito, enquanto o “Ius singulare”- Direito excepcional


- seria o elemento não racional, introduzido contra o sentido da razão, por cau­
sa de alguma utilidade - “contra tenorem rationis propter aliquant utilitatem”,42
Contudo, inclusive aqui, pode ser realizada observação contrária de que todas
as leis, incluídas as excepcionais, têm sua “ratio”
O que certamente está claro, para a generalidade da doutrina, é que o Di­
reito excepcional expressa uma ideia de relação, no sentido de que algo não é
excepcional, a não ser em respeito à outra entidade, que se considere a regra da
que determinado “algo” é exceção.
A distinção Direito comum-Direito excepcional se produziu historicamen­
te, pois desde o começo a divergência entre o “Ius commune” e o “Ius singulare”
deu lugar a um conflito perene, pela intenção do segundo de transpassar seus
princípios ao primeiro e de fundir-se com ele, transformando-o. Esta luta entre
o “Ius commune” e o “Ius singulare” é um reflexo do conflito existente entre a
tradição de um Direito dogmático e as novas exigências da realidade social. Este
processo já se manifestou no Direito romano entre o Direito civil e o Direito pre­
tòrio, o qual foi paulatinamente penetrando e se convertendo no “Ius commune”
Mais tarde, na Idade Média, este conflito se plasmou na contraposição do Corpus
Iuris dojustiniano, como Direito comum, com o Direito estatutário das cidades,
pouco a pouco recebido, até consagrar-se com a afirmação do Direito estatal
recolhido pela codificação, no século XVIII. Posteriormente, unificadas subs­
tancialmente as fontes normativas, o conflito continua presente entre as normas
sistematizadas nos Códigos e as leis especiais que as derrogam, embora, como
veremos, nunca se devem confundir o Direito especial e o Direito excepcional.
E aqui surge a questão de qual é a relação entre o Direito especial propria­
mente dito e o chamado Direito excepcional, a questão sobre a qual os autores
discrepam. Assim, por exemplo, há quem chega a negar a distinção alegando
que em ambos os casos não se trata mais do que a relação entre uma classe e uma
subclasse. Entretanto, grande parte da doutrina considera que tal distinção é
possível e inclusive conveniente. A diferença entre o Direito especial e o Direito
excepcional se pode fazer, segundo estes autores, fundamentalmente com base
em três critérios: o qualitativo, o quantitativo e o da extensibilidade.
Segundo o primeiro de ditos critérios, a norma excepcional derroga a nor­
ma geral, opõe-se frontalmente a ela, enquanto a especial só se aparta, dando
um rodeio, da hipótese ordinária para melhor aplicar o princípio que a preside.
Do ponto de vista quantitativo, as normas excepcionais são, como seu próprio
nome indica, a exceção, quer dizer, uma ou poucas regras à margem, enquanto
as especiais podem ser um grupo fortalecido, um pequeno subsistema dentro do
sistema geral, por exemplo, a Lei Hipotecária dentro do Direito civil. Quanto
à extensibilidade, as normas excepcionais podem se ampliar por interpretação
C lassificação das n o r m a s jurídicas 79

extensiva, mas não por analogia. Pelo contrário, as normas especiais admitem
também a aplicação analógica.
A diferença entre interpretação extensiva e interpretação analógica resi­
diria, em grandes traços, em que, enquanto a primeira se limita a esclarecer lei
escura, mas sem nunca sair de seu âmbito, sem criar nada novo, limitando-se a
dar uma interpretação mais extensa possível dentro do sentido da lei, pelo con­
trário, a interpretação analógica vai mais à frente, criando algo novo, que não
estava contido nem na letra nem no espírito da lei, inovando-a. Por exemplo,
uma interpretação extensiva da palavra “espanhol” poderia incluir também as
espanholas. É uma interpretação ampla, mas que não transborda os contornos
normais do conceito. Por sua parte, uma interpretação analógica de “espanhol”
seria a que inclui, junto aos nascidos na Espanha, os hispanos. Neste caso, acres­
centamos um “plus”de conteúdo que não se encontrava no significado originário
do termo. Isto se reflete em algumas línguas, como o inglês, na existência de
dois vocábulos distintos para designar o espanhol da Espanha - “Spaniard”- e
o da Hispanoamérica ou hispano - “Spanish”
O fundamento da proibição da analogia no Direito excepcional se encontra,
segundo a Exposição de Motivos do Código Civil espanhol, no fato de que nas leis
excepcionais não existiriam lacunas, dado que, ao derrogar o Direito geral, os
casos não expressamente previstos têm de ser acolhidos por este último. Não
obstante, nem todos os autores concordam em não admitir a analogia para as
normas excepcionais ou, ao menos, não para todas as normas excepcionais. Sobre
estes temas voltaremos mais adiante, ao nos ocuparmos do argumento analógico.
Um tipo particular de norma excepcional é o privilégio. Existem duas
acepções possíveis do termo privilégio.
Em sentido amplo, significa uma norma jurídica/avoravel, seja por concessão
de uma vantagem, seja por isenção de uma carga, por exemplo, determinadas
isenções fiscais. Vemos assim como o privilégio é uma infração do princípio de
igualdade, mediante o qual se deve tratar igual aos iguais e desigualmente aos
desiguais, mas sempre em proporção à sua desigualdade e não, como no caso
do privilégio, arbitrariamente.
Em sua vertente estrita, o privilégio supõe uma disposição individual (“lex in
privos data”) , seja favorável ou odiosa. Há autores que sustentam que o privilégio
não é Direito, por lhe faltar generalidade, apesar de que, às vezes, revista a forma
de norma - na distinção feita, em linhas anteriores, seria lei formal, não material.
O Direito medieval se apoiava nos privilégios, em uma sociedade estamen­
tal, claramente desigual, e em que se nascia em um estamento e se permanecia
nele por toda a vida. É a distinção entre o tradicional conceito de estamento e
a moderna noção de classe social que, ao não se apoiar em vínculos de sangue,
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mas sim na posse da riqueza econômica, como esta pode trocar de mãos, admite
a ascensão e a queda de umas classes a outras, a mobilidade social. Depois da
Revolução Francesa, com seu lema “liberdade, igualdade, fraternidade”, os
privilégios foram formalmente abolidos e, hoje em dia, são de caráter cada vez
menos frequente.

2.1.4 Normas taxativas e normas dispositivas

Normas taxativas são as que mandam ou imperam independentemente


da vontade das partes, de maneira que não é lícito derrogá-las, nem absoluta
nem relativamente, por nenhum fim determinado que as partes se proponham
alcançar. Entretanto, as normas dispositivas valem somente quando não exista
vontade contrária das partes. Algumas vezes, estas normas se apresentam como
elucidação da vontade das partes e se chamam “normas interpretativas”. Outras,
entretanto, pressupõem a falta ou carência de declaração de tal vontade, falta que
elas tratam de integrar ou preencher, e então se denominam “normas supletivas”
Toda norma jurídica, em realidade, tem um sentido imperativo, preceptivo,
prescritivo. O que ocorre é que este pode ser visível ou dissimulado. No primeiro
caso, estamos diante das normas taxativas; no segundo, diante das dispositivas.
As normas taxativas têm a estrutura comum: “se for A deve ser B”. As normas
dispositivas, pelo contrário, possuiriam a seguinte forma: “se for A deve ser B, a
não ser que as partes interessadas ou o juiz disponham que deve ser C”
Diz Enneccerus que as normas taxativas floresceram nos primeiros tempos
da História, enquanto as normas dispositivas preponderam hoje, salvo em deter­
minadas matérias. A distinção entre normas taxativas e dispositivas se estabelece
em atenção ao papel da autonomia da vontade. Daí sua maior importância no
Direito privado que no público.
As normas taxativas se denominam também “Ius cogens”- de Direito neces­
sário - ou normas irrenunciáveis. Nelas a norma jurídica determina diretamente
a hipótese de fato e a conseqüência jurídica. As normas dispositivas são também
conhecidas como “lus supletivum ou dispositivum”, de caráter renunciável. Nelas,
existe a possibilidade de que varie a hipótese de fato ou a conseqüência jurídica.
O preceito e a imperatividade existem, mas transladados à norma individual.
Um exemplo de norma dispositiva seria a que estabelece o que se deve fazer com
os filhos menores de determinada idade, em caso de divórcio dos pais, pois esta
regulação rege apenas com caráter geral - normalmente os meninos ficam aos
cuidados da mãe -, mas não quando na sentença, apreciadas as circunstâncias
do caso concreto, estabelece-se outra coisa.43
C lassificação das n o r m a s jurídicas 81

2 .1.5 Normas completas e normas incompletas (explicativas - as


definições legais - restritivas e remissivas - as ficções legais)

Outra classificação das normas jurídicas é a que distingue entre as completas


ou autônomas e as incompletas ou não autônomas, conforme por si sós integrem
uma proposição jurídica - no primeiro caso - ou não tenham sentido a não ser
em combinação ou conexão com outras normas as que tratam de determinar ou
limitar - na segunda hipótese.44
Dentro das normasjurídicas incompletas, podem-se distinguir basicamente
três espécies: as explicativas, as restritivas e as remissivas.
Entendemos por normas jurídicas aclaratorias, explicativas ou interpre­
tativas, “aquelas que ou delimitam mais concretamente um conceito ou tipo
empregado em outras normas jurídicas (normas jurídicas delimitadoras), ou
especificam ou completam o conteúdo de um determinado termo utilizado, em
sentido geral, com respeito às distintas configurações do caso (normas jurídi­
cas complementares). Enquanto as normas jurídicas delimitadoras se referem,
na maior parte das vezes, a elementos da hipótese de fato, as normas jurídicas
complementares esclarecem, na maioria das vezes, uma conseqüência jurídica”
O caso típico de norma jurídica incompleta explicativa são as “definições
legais” Um exemplo de definição legal seria o art. 1.445 do CC espanhol, que
dá um conceito de compra e venda: “pelo contrato de compra e venda um dos
contratantes se obriga a entregar uma coisa determinada e o outro a pagar por ela
um preço certo em dinheiro ou bem que o represente” Outro exemplo seria o art.
1.538 do mesmo corpo legal, no que se define legalmente a permuta, já não como
coisa em troca de preço, mas sim como coisa em troca de coisa: “A permuta é o
contrato pelo qual cada um dos contratantes se obriga a dar uma coisa para receber
outra” O mesmo se poderia dizer da doação, definida no art. 618 de nosso CC
como “um ato de liberalidade pelo qual uma pessoa dispõe gratuitamente de uma
coisa emfavor de outra, que a aceita”- dá-se algo sem contraprestação em troca;
ou do arrendamento de coisas, pelo qual “uma das partes se obriga a dar à outra o
gozo ou uso de uma coisa por tempo determinado e preço certo”(art. 1.543 do CC).
Neste caso, cede-se o uso de uma coisa em troca de uma renda.NT13
As normas jurídicas incompletas podem ser, além de explicativas, restritivas
- também chamadas limitantes, modificativas ou negativas. Estas se produzem
com frequência naqueles casos em que a hipótese de fato de uma norma se con­
cebe, primeiro, com tanta amplitude que segundo seu sentido literal abrange
também eventos para os quais não deve valer. Então, esta norma é por sua vez
restringida por uma segunda norma que contém uma ordem negativa de validade
(“não vale”). Trata-se de uma norma incompleta de tipo restritivo. Na hipótese
de fato de uma norma não só pode pertencer a presença, mas também a ausência,
82 Lições de T eoria G eral d o D ireito

de certos eventos. Neste caso, falamos de “notas distintivas negativas da hipótese


de fato” O legislador é livre para incluir estas notas diretamente, na hipótese
de fato da norma que se trata de restringir ou indiretamente, por meio de uma
norma restritiva. A razão da existência de normas restritivas é evitar que a nor­
ma que trata de restringir se torne defasada, feia e totalmente incompreensível.
Finalmente, entendemos por normas jurídicas remissivas aquelas que re­
enviam, em relação com um elemento da hipótese de fato ou da conseqüência
jurídica, a outra norma jurídica. A remissão é uma técnica legal que serve para
evitar incômodas repetições. Assim, na permuta, pode-se realizar um reenvio à
regulação da compra e venda; no uso e a habitação ao usufruto etc.
Um tipo de remissão é o que se realiza mediante a técnica das “ficções
legais” 45 Estas consistem em igualar voluntariamente algo que se sabe que é
desigual. Na ficção legal, trata-se um caso “como se” fosse outro. Diferentemente
da identificação errônea ou falsa, que se serve a ficção conhece o que se equipara
como desigual.
Um exemplo de ficção, em nosso ordenamento jurídico, seria a que se
produz com o “nasciturus”, isto é, com o concebido não nascido. O art. 29 do CC
espanhol estabelece que “o nascimento determina apersonalidade; mas o concebido
se tem por nascido para todos os efeitos que lhe sejamfavoráveis, sempre que nascer
com as condições que expressa o artigo seguinte” Diz a respeito o art. 30: “Para
os efeitos civis só se reputará nascido ofeto que tiverfigura humana e viver vinte e
quatro horas inteiramente desprendido do seio materno” Este requisito de viver
ao menos 24 horas desprendido do seio materno é conhecido como viabilidade,
quer dizer, aptidão ou capacidade para a vida, e tem sua explicação porque se
entendia, sobretudo quando a Medicina estava menos desenvolvida, que, neste
prazo de tempo, era fácil que se interrompesse a vida do feto por causas involun­
tárias e se produzisse a sua morte. Do art. 29, em relação ao art. 30, desprende-se
a ficção jurídica de considerar o “nasciturus”,já antes do nascimento, como pes­
soa para aqueles efeitos produzidos em seu benefício. Estima-se artificialmente
acontecido o fato do nascimento, que em realidade não teve lugar, com o fim de
aplicar o tratamento jurídico que com a sua existência lhe corresponderia.NT14
As ficções legais foram muito frequentes na experiência jurídica de épocas
pretéritas. As causas de seu emprego são, entre outras, o receio a modificar aber­
tamente uma lei existente, com o fim de dar uma aparência de continuidade, e
não de ruptura. Também a existência de um costume jurídico que equipara os
termos que se fingem iguais. Do mesmo modo, às vezes, o legislador emprega a
ficção em casos duvidosos, quando não há segurança sobre se o tratamento que
se der a determinada hipótese, de fato, deve se estender a outra. Para resolver
definitivamente essa dúvida, o legislador ordena a equiparação de ambas as
hipóteses.
C lassificação das n orm a s jurídicas 83

Distinta da ficção legal, de caráter geralmente inofensivo, é a chamadaficção


judicial. Trata-se, nestes casos, da ficção empregada como meio de fundamentar
a sentença de um tribunal. Neste contexto, a ficção significa que um elemento da
hipótese de fato, da qual o juiz deriva uma conseqüência jurídica, é falsa, quer
dizer, é declarada por ele como presente, apesar de que se sabe que, de fato, não
é assim. Deste modo, a ficção encobre a verdade e é, portanto, reprovável, salvo
que se justifique por razões de equidade. A ficção judicial foi muito utilizada
nas falhas judiciais, por exemplo, quando o juiz queria chegar a uma exclusão
de responsabilidade e não sabia bem por que meios consegui-lo.

2.2 Pela eficácia no tem po: normas permanentes, normas temporárias e


normas transitivas

Até aqui, referimo-nos às classificações das normas em atenção a seu âm­


bito material, quer dizer, a seu conteúdo ou substância, segundo seja mais ou
menos geral ou determinado. Mas as normas também podem ser classificadas
de acordo com outros critérios. Um deles é o do âmbito temporário ou, o que
é o mesmo, a eficácia no tempo. Seguindo este ponto de vista, cabe distinguir
entre as normas permanentes, as temporais e as transitivas.
Em realidade, este enfoque é, em certo modo, enganoso, pois, em verdade,
se seguirmos o critério ao pé da letra, veríamos que todas as normas são tem­
porárias, assim que sua vigência é limitada no tempo. Embora em princípio a
norma tenha uma vocação de perpetuidade, na prática, não há nenhuma norma
que tenha durado, dure ou vá durar, indefinidamente. Uma nota do ser humano
é precisamente sua provisoriedade no tempo.
Por isso, quando fazemos referência a esta classificação das normas, por
seu âmbito temporário, referimos a algo distinto. Assim, embora, de certo
modo, todas as leis sejam temporárias, de modo especial, deve-se entender por
tais aquelas que já “ao nascer” têm prefixado de antemão um prazo de vida
limitado, pela persistência de determinadas circunstâncias ou pelo anúncio de
sua provisoriedade.
Pelo contrário, seriam normas permanentes as que inicialmente não têm
fixada esta provisoriedade no tempo, e entendem-se instituídas com uma vigência
indefinida. O determinante seria o momento de nascimento da norma, segundo
marque ou não a duração posterior do preceito.
Também pela eficácia no tempo, pode-se falar de um terceiro tipo de normas,
as transitivas, também chamadas intertemporais, que são aquelas que regulam
conflitos originados no trânsito de uma legislação a outra. Por exemplo, na Es­
panha as leis que regeram no passado do regimefranquista à situação democrática
posterior à Constituição de 1978. Em verdade, e a cabo do que foi dito, as normas
84 Lições de T eoria G eral do D ireito

transitivas ou intertemporais seriam uma modalidade de normas temporárias na


medida em que, desde seu nascimento, prega-se sua duração provisória no tempo.

2.3 Pela eficácia no espaço: normas universais, normas gerais ou comuns


e normas particulares ou locais

Também esta divisão tem algo de fictício na medida em que não se pode
dizer que haja normas absoluta e totalmente universais, ao menos não as normas
positivas. Em realidade, quando dizemos que uma norma é universal, designa­
mos o fato de que seu âmbito de aplicação no espaço transcende os limites de
um Estado, sendo comum a uma pluralidade, mais ou menos extensa, deles.
Assim, poder-se-ia incluir aqui, por exemplo, o Direito internacional, especial­
mente o Direito internacional em sentido estrito, ou seja, aquele praticado pela
comunidade internacional, mais que em sentido amplo e algo impróprio, como
sinônimo de Direito estrangeiro, quer dizer, o não nacional de um Estado. Tam­
bém transcenderia o âmbito de um Estado, constituindo, de certo modo, Direito
universal, na esfera europeia, o chamado Direito comunitário. O mesmo caberia
pregar do Direito canônico, como aquele comum à Igreja Católica e, portanto,
extensível a uma grande pluralidade de Estados que compartilham este credo
religioso. Já na Idade Média existia essa ideia de cosmos, de universalidade, em
relação com o Império, na esfera laica, e com a Cristandade, no âmbito religioso;
com o Imperador e o Pontífice, como cabeças visíveis em cada uma das ditas
ordens. Assim, sendo praticado por uma pluralidade de Estados, o Direito da
Igreja Católica é Direito universal.
O Direito geral ou comum seria aquele que, embora de âmbito limitado a
um Estado, rege em todo o seu território. Seriam Direito deste tipo, por exem­
plo, no âmbito privado, os distintos Códigos, e na esfera pública, a Constituição.
Finalmente, entende-se por Direito particular ou local o aplicado em
parte do território de um Estado, por exemplo, em uma determinada região ou
comarca ou em uma Comunidade Autônoma concreta. São Direito deste tipo,
no âmbito privado, as distintas Compilações forenses e, na esfera pública, os
Estatutos de Autonomia.

2.4 Distinção entre as normas de Direito público e as de Direito privado

De Roma - Ulpiano - vieram-se separando dentro do Direito positivo dois


ramos: o Direito público e o privado. O problema estriba em como as diferen­
ciar, qual é o critério e o alcance da distinção. Os elementos diferenciadores
que a doutrina seguiu são múltiplos. Para maior claridade expositiva, podemos
C lassificação das n o r m a s jurídicas 85

enquadrá-los em dois grandes grupos: 1) Do ponto de vista subjetivo ou da


relação jurídica; 2) Do ponto de vista objetivo ou da norma jurídica.

2.4.1 A distinção do ponto de vista da relação jurídica

A) Pelos sujeitos

a) Pela natureza dos sujeitos

Por sua vez, do ponto de vista da relação jurídica, podemos fazer a distinção,
segundo os elementos da mesma: em primeiro lugar, os sujeitos e logo o objeto.
Dentro do critério dos sujeitos, cabe diferenciar dois aspectos: a natureza dos
mesmos e a posição que ocupam.
Pela “natureza do sujeito”, o Direito público seria aquele no qual o sujeito
que intervém na relaçãojurídica regulada pela norma é o “Estado ou outros entes
públicos dotados de imperium”, isto é, de poder - “potestas" - público. Pelo
contrário, o Direito privado é o conjunto de normas que regulam as relações
entre “particulares”, quer dizer, entre sujeitos em posição de igualdade entre si.
Não obstante, em que pese ser frequentemente acolhido pela jurisprudên­
cia, este critério de distinção não se pode aceitar, ao menos não por si só, porque
às vezes entes públicos dotados de “imperium” - o próprio Estado - realizam
seus encargos sem utilizar sua prerrogativa ou poder de comando, como meros
particulares, em um plano de igualdade e de Direito privado. Assim, podem atuar
como comprador ou vendedor, ou como locatário. Por outro lado, cabe uma rela­
ção jurídica de Direito público que se dê entre particulares, por exemplo, quando
se concede a um particular poder para expropriar os bens de outro particular.
Também não seria adequado o critério do sujeito, se o contemplarmos do
ponto de vista de quem é o sujeito que cría anormajurídica. Assim, dizer-se-ia que
é Direito público aquele cujas normas são dadas pelo Estado - leis, regulamentos
etc. -, enquanto o Direito privado seria o criado pelos particulares para regular
suas próprias relações: normas nascidas de contratos, de negócios jurídicos etc.
Mas esta distinção também não é inteiramente exata, porque, por exemplo,
em que pese ser o Direito civil ou o mercantil, sem dúvida, Direito privado, entre­
tanto, o Código Civil ou o Código Comercial, que os recolhem, são normas criadas
pelo Estado, as quais, por conseguinte, devem se qualificar como Direito público.

b) Pela posição dos sujeitos

Por isso, o critério da natureza do sujeito tem que ser completado com
o da “posição” que adote dito sujeito. Segundo esta nova perspectiva, que se
88 Lições de T eoria G eral d o D ireito

preponderaría o polo passivo da relação jurídica, quer dizer, o dever jurídico,


e, na definição do direito subjetivo, adotar-se-ia a postura de lhering, conce-
bendo-o como um interesse juridicamente protegido. Em outras palavras, no
Direito privado, preponderaría a ideia de coordenação e no Direito público,
a de subordinação.
Todavia, uma vez mais, podem-se encontrar também objeções a esta tese.
Assim, por exemplo, o Direito de família é Direito privado e, entretanto, nele
não se tem essa posição de supremacia. Para começar, não se nasce no seio de
uma família porque se queira. A gente não tem controle sobre seu próprio nas­
cimento; é um fato fortuito. Como todo mundo sabe, há berços de primeira, de
segunda e de terceira; e não só no aspecto econômico.

2.4.2 A distinção do ponto de vista da norma jurídica

A) Pelo caráter de Direito necessário ou de Direito dispositivo

Para se resguardar dos obstáculos das posições antes indicadas, propõem-


-se outra fórmula, a da origem ou função da norma ou, em outras palavras, a de
sua possibilidade de derrogação ou não pelas partes.
Segundo este critério, o Direito público seria Direito necessário - “Ius co­
gens” - e o Direito privado Direito dispositivo - “Ius dispositivum” O primeiro
é o Direito da necessidade. No segundo, domina a autonomia dos particulares.
Este critério se apoia em um texto romano de Papiniano: “Ius publicum privato-
rum pactis mutare non potest”- o Direito público não pode ser modificado por
pactos privados.
Mas este critério também não é definitivo. Em primeiro lugar, porque
contradiz a realidade legislativa: há normas de Direito privado que não são
dispositivas, mas necessárias - quase todo o Direito da pessoa e o Direito de
família, e inclusive, no Direito patrimonial e sucessório, a responsabilidade
por dolo, ou o regime da legítima hereditária. Além disso, a teoria anterior é
criticável do ponto de vista da essência mesma do Direito, porque não se pode
deixar “completamente” ao arbítrio ou autonomia individual não apenas o
genuinamente civil, como é a tutela da pessoa - menor ou incapaz - , mas tam­
bém os requisitos essenciais do negócio jurídico, que é o campo mais amplo da
autonomia da liberdade. Do mesmo modo, pela possibilidade de renúncia em
algumas situações de Direito público; assim, no sufrágio, ao menos na Espanha,
e diferentemente de outros países, pode-se renunciar ao exercício do direito ao voto
e não ocorre nada.NT15
86 Lições de T eoria G eral do D ireito

acrescentaria, mais que substituir, a anterior, o Direito público seria o conjunto


de normas que regulam a organização e a atividade do Estado e demais entes
públicos e suas relações assim como tais, quer dizer, “oficialmente”, entre si ou
com os particulares, mas - is to é o importante - com caráterpúblico ou oficial, isto
é, quando atuam dotados de “imperium”, “auctoritas”, “potestas”ou soberania,
ou seja, em uma situação de superioridade. Pelo contrário, seria Direito privado
o conjunto de normas que regulam o que se refere às pessoas particulares e às
relações destas entre si, ou em que, embora intervenham entes públicos, o façam
com o caráter de particulares, quer dizer, despojados do “imperium”, “potestas”
ou “auctoritas” ou, o que significa dizer, em um plano de igualdade.
Em outras palavras, as relações de Direito público seriam de “subordina­
ção” e as de Direito privado, de “coordenação”. Assim, seria Direito público: o
Direito político - que regula a organização e estrutura do Estado -, o Direito
administrativo - que rege as relações entre a Administração e os administrados -,
o direito penal e o direito processual - que contemplam a defesa da comuni­
dade, por meio do poder punitivo estatal - , ou o direito financeiro e,tributário
- que rege as relações entre o Fisco e os contribuintes. Nem as penas - direito
penal -, nem os impostos - direito financeiro e tributário - , nem as relações
Administração-administrado, dão-se em um plano de igualdade. Muito poucos
pagariam a Fazenda ou não escapariam à sanção se pudessem escolher. Entre­
tanto, seriam Direito privado o direito civil - entre simples “eives” ou cidadãos
- ou o direito mercantil - nas relações de comércio -, em um plano de igualdade
ou coordenação.
Entretanto, também este modo de pensar pode ser um fácil espaço para a
crítica. Assim, embora este critério parecesse indicá-lo, não seria possível quali­
ficar de Direito público relações de família, como a filiação ou a tutela, em que a
autoridade e a subordinação existem. Por outro lado, no mundo da contratação,
de caráter privado, a igualdade entre os contratantes não passa muitas vezes de
ser, na realidade, uma quimera.

B) Pelo objeto

Outro ponto de vista que se pode ensaiar na distinção entre o público e


o privado é o do objeto da relação jurídica protegida pelo direito ou, o que é o
mesmo, o do interesse protegido.
Assim, em um primeiro momento, pode-se afirrnar que, enquanto o Direi­
to público regula e protege os interesses gerais, o Direito privado se volta mais
para os interesses particulares. O Direito privado é, há de ser dito, o direito da
utilidade dos particulares, perante o Direito público, que realizaria a utilidade
geral. Este critério tem sua origem no famoso texto romano do Ulpiano (Digesto
C lassificação das n o r m a s jurídicas 87

1-1-2): “Publicum ius est quod ad statum rei romanae spedai; privatum quod ad
singulorum utilitatem pertinetn
Mas este critério também não é de todo convincente, pois o interesse de
toda norma é, em última instância, o interesse geral. Assim, por exemplo, na su­
cessão hereditária se trata de interesses particulares - do testador, dos herdeiros,
dos terceiros -, mas a regulação total do fenômeno se fará sempre no patamar
do interesse geral - daí a reserva da legítima, porção da herança a que o testador
não pode dispor a seu livre desejo, mas sim deve ser destinada a determinadas
pessoas. Por outra parte, a realidade nos mostra também relações jurídicas de
Direito público, nas quais estão presentes interesses particulares. Desse modo,
por exemplo, as normas que preveem o acesso a um emprego público, em que há
interesses particulares de cada um dos que concorrem a tal posto; ou as normas
de Direito público que estabelecem uma redução ou uma isenção no pagamento
de determinado imposto, nas que concorrem também, como é lógico, os inte­
resses particulares das pessoas afetadas pelo pagamento de dito tributo e por
essa possível isenção fiscal.
Neste contexto, do interesse objeto de amparo na relação jurídica e, ao
final, na norma, podemos fazer uma segunda distinção conforme a proteção
seja um interesse patrimonial, material ou econômico - Direito privado - ou um
interesse não patrimonial, mas simpessoaí-Direito público. A distinção entre os
interesses patrimoniais e os não patrimoniais repousa em ser ou não suscetíveis
de avaliação econômica.
No entanto, esta tese tampouco é de todo aceitável porque contradiz tanto a
realidade legislativa como a essência mesma do Direito. Dizemos que contradiz a
realidade legislativa porque o direito da pessoa - assim a tutela - e o denominado
Direito de família “puro” são ambos, Direito privado, incluídos no Código Civil
e, entretanto, não são Direito patrimonial. Nem todo Direito privado é Direito
patrimonial. Dizemos que contradiz a essência do Direito porque, devendo ser
o fim de cada norma servir ao bem comum, o dar a cada um - a comunidade e a
pessoa - o seu, não se pode considerar Direito uma norma que sirva só ao egoís­
mo, ao interesse individual ou de uma classe - os proprietários, os burgueses...

C) A tese do Cica

Além do exposto até aqui sobre os sujeitos e o objeto da relação jurídica


“com caráter geral”, a seguir vamos nos referir à tese particular defendida por
Antonio Cicu.
Diz Cicu que é Direito privado aquele no qual prepondera o polo ativo
da relação jurídica, isto é, o direito subjetivo, entendido, ao modo de Savigny
e Windscheid, como poder da vontade. Pelo contrário, no Direito público
C lassificação das n o r m a s jurídicas 89

B) Pela forma de tutela

August Thon distingue o Direito público do privado em função de que a


forma de tutela seja uma ação pública-p o r exemplo, administrativa ou penal-,
e, assim como tal, exercitável pelo Estado de ofício; ou se trate de uma ação
privada - assim as ações civis -, assim como tal exercitável pelo titular lesado,
a instância de parte.
No entanto, este critério recebeu também objeções, por exemplo, aquela
que nega oportunidade a este ponto de vista com base em que a ação não precede
a norma, mas sim é uma conseqüência dela; além da possível utilização, às vezes,
de ofício de uma ação privada.

C) Pelo nível da norma jurídica

Finalmente, há quem diferencia o Direito público do privado com base


em que o primeiro é um Direito de organização efuncionamento e o segundo um
Direito de coordenação de interesses contrastantes.
Ou estão os posicionamentos de quem indica que, enquanto as normas
jurídicas públicas sãoformais ou adjetivas, as de Direito privado são substanciais
ou nomas.
Mas nenhum destes dois critérios é definitivo, existindo em ambos exce­
ções à regra.

2 A 3 Conclusão crítica

Os civilistas Albaladejo, Díez-Picazo e Gullón, seguindo neste ponto Fede­


rico de Castro, precisam o alcance da distinção e afirmam que o Direito positivo é
único. Não haveria dois direitos - público e privado-com caracteres exclusivos
e contrapostos, como sustentam as “teorias dualistas” Mas - acrescentam -,
dentro de sua unidade, que o Direito positivo tampouco é tão uniforme como
afirmam as chamadas “teorias negativas”
A nosso julgamento, as teorias negativas têm razão quando rechaçam a
cisão ou contraposição antinómica entre o Direito público e o privado, mas
se equivocam ao negar também a mera distinção ou diferenciação. Acreditam
que cabe fazer uma diferenciação conforme “prepondere” na norma o interesse
ou princípio de comunidade - norma de Direito público - ou o princípio de
personalidade - norma de Direito privado. Portanto, “unidade” sim, mas não
“uniformidade”. Cabe distinguir entre os tipos de Direito, segundo o predomínio
de um ou outro princípio.
90 Lições de T eoria G eral do D ireito

Finalmente, queremos deixar consignada a existência de outra solução


no que se refere à relação entre o Direito público e o privado. Perante as teorias
monistas e dualistas, há a “tese tripartida”
Com efeito, perante as teses que negam a distinção - teorias negativas,
como o normativismo de Kelsen (para quem a norma jurídica só pode ser uma,
como produto emanado do critério do Estado); o solidarismo de Duguit; e
as doutrinas totalitárias comunistas ou nazistas - e perante as que afirmam a
bipartição - teorias dualistas - , há outras posições tripartidas que incluem em
um “tertium genus”certos grupos de normas que não reúnem nem os caracteres
do Direito privado, nem os do Direito público. Para uns, este terceiro gênero
é o Direito de família - tese de A. Cicu - , para outros, o Direito do trabalho
- Albaladejo. Mas, em realidade, como reconhece o próprio Albaladejo, este
hipotético terceiro gênero é uma espécie de cajón de sastrem16 que engloba
normas públicas e privadas, mas sem a homogeneidade própria para formar
um terceiro grupo de Direito.

Notas
36. Sobre o tema, ver nosso trabalho: Algunas clasificaciones de las normas jurídicas.
Iu r is T a n tu m . R e v is ta d e la F a c u lta d d e D e r e c h o . U n iv e r s id a d A n a h u a c ,
M éxico, 10,
primavera-verano 1999, p. 137-157.
37 Sobre o tema, destacamos: Giuliano Amato. R a p p o r ti f r a n o r m e p r i m a r i e e se c o n d a r ie
( A s p e tti p r o b le m a tic i) . Milano: Giuffrè, 1962. R. A. Armstrong. P r im a r y a n d S e c o n d a r y
P re c e p ts in T h o m is tic N a tu r a l L a w T eaching. The Hague: MartinusNijhoff, 1966. Chris­
topher Cherry. Regulative rules and constitutive rules. T h e P h ilo s o p h ic a l Q u a r te r ly ,
XXIII, 1973, p. 301-315. Giacomo Gavazzi. N o r m e p r im a r ie e n o r m e se c o n d a ry . Torino:
Giappichelli, 1962. Letizia Gianformaggio. Norme primarie e norme secondarie.
R iv is ta d i D i r i t to P r o c e s s u a le , XXIII, 1968, p. 563-572. Juan Ramón de Páramo. H. L.
A . H a r t y la te o r ia a n a litic a d e l derech o . Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,
1984. K. K. Lee. Hart’s primary and secondary rules. Mind, LXXVII, 1968, p. 561-564.
Antonio Anseimo Martino. En torno a la norma fundamental. L a L e y , XXXIV, 1970,
p. 4-9. Constantin M. Stamatis. La systématicité du droit chez Kelsen et les apories
de la norme fondamentale. S y s te m e (L e) J u r id iq u e . A rc h iv e s d e P h ilo s o p h ie d u D r o it , t.
31 ,1 9 8 6, p. 45-56.
38. Seguimos a continuação de Norberto Bobbio. C o n tr ib u c ió n a la te o r ia d e l d e rech o ...
cit.,p. 317 ss.
NT 12. [Nota d a tr a d u ç ã o 1 2 ] Na atual ordem jurídica brasileira, as fontes do direito podem
ser encontradas no art. 4.° da LINDB:
“Art. 4.° Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito”
Também podem os encontrar os critérios de interpretação e entrada em vigor das
normas brasileiras nos arts. l.° ao 6.° da LINDB.
C lassificação das n o r m a s jurídicas 91

39. Sobre o tema, v.: Alberto Montoro Ballesteros. Significación y límites del carácter
general y abstracto de la norma jurídica. F ilo s o fía y D e re ch o . E s tu d io s en h o n o r d e l
P ro fe so r f o s é C o r ts G r a u , II, Universidad de Valencia, 1977, p. 1-30.
40. Giuseppe Lumia. P rin c ip io s d e te o r ía e id e o lo g ía d e l d erech o . Madrid: Debate, 1973, p.
38-40.
41. Em que pese o caráter normativo polémico das normas individuais, assinala Legaz y
Lacambra que são possíveis e plausíveis como verdadeiras normas jurídicas, já que a
norma individual não seria senão o estabelecimento para uma pessoa concreta daquilo
que se considera injusto para a generalidade dos sujeitos em situações afins. A norma
jurídica seguiria sendo geral, mas, em sentido qualitativo, não quantitativo. A norma
jurídica individual regularia assim a situação de uma só pessoa, mas não enquanto
pessoa individualmente determinada, e sim como representante ou encarnação de uma
situação jurídica determinada. O gênero contém várias espécies. A norma individual
dá validade a uma delas. Toda pessoa que se encontre em uma situação semelhante
à do destinatário da norma individual pode se acolher, ao menos “a p r i o r i ”, à mesma
regulação jurídica.
42. D. 1 ,3 ,1 6.
43. Temos seguido, nesta exposição, a distinção existente entre normas taxativas e dis­
positivas de: Giorgio del Vecchio. F ilo s o fia d e l d e re c h o . 9. ed. rev. por Luis Legaz y
Lacambra. Barcelona: Bosch, 1969. A distinção entre normas taxativas e dispositivas
não deve nos induzir a engano sobre o caráter do Direito, que é sempre imperativo. O
caráter imperativo se verificaria inclusive nas normas dispositivas se levássemos em
conta que a norma jurídica é um imperativo hipotético ou condicionado, no qual só se
dão as conseqüências jurídicas previstas na norma quando se verificam as condições
expressas na hipótese de fato. Pois bem, uma espécie de tais condições pode consistir
precisamente em que as partes não tenham manifestado uma determinada vontade
contrária, como nas normas dispositivas. Ao ter fixado tais premissas como condição
de entrada em vigor da norma pertencente à vontade expressa na norma mesma e não
é um elemento que se oponha a ela nem que diminua ou anule seu caráter imperativo.
44. Seguimos em nossa exposição destes tipos de normas a Karl Larenz. M e to d o lo g ia d e
la c ie n c ia d e l d e rech o . Trad, e rev. Marcelino Rodríguez Molinero. Barcelona: Ariel,
1984. Especialmente a parte destinada à norma jurídica incompleta.
NT 13. [ N o ta d a tr a d u ç ã o 1 3 ] A compra e venda está disciplinada no Título VI, Várias Especies
de Contrato, Capítulo I, nos arts. 481 ss. do CCbrasileiro, enquanto a permuta ou troca
está disciplinada no Capítulo II, no art. 533. O instituto da doação está estabelecido
no Capítulo i y art. 538 ss.
45. Carlos Eduardo Alchourron e Eugenio Bulygin. Definiciones y normas. E l le n g u a je
d e l d erech o . H o m e n a je a G e n a r o R u b én G a r r ió . Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1983, p.
11-42. Gianpaolo Azzoni. Il c o n c e tto d i c o n d iz io n e n e lla tip o lo g ia d e lle reg o le. Tesi di
laurea. Università di Pavia, 1985. Juan Ramón Capella. Notas sobre la definición legal.
A n u a r io d e F ilo s o fia d e l D e re ch o , X, 1963, p. 37-50. Vincenzo Gueli. Il “d ir itto sin g o la r e ”
e i l s is te m a g iu r id ic o . Milano: Giuffrè, 1942. José F. Lorca Navarrete. E l d e re ch o n a tu r a l
hoy. A p r o p ó s ito d e la s f ic c io n e s ju r íd ic a s . Prólogo de Francisco Elias de Tejada. Madrid:
Pirámide, 1976. E. Mari. Du’s ouffle pestilentiel de la fiction’dans le droit, à la theorie
du droit comme fiction. A c tu a lité d e la p e n s é e j u ñ d iq u e d e J e r e m y B e n th a m . Bruxelles:
92 L ições de T eoria G eral do D ireito

Facultés Universitaires Saint-Louis, 1987, p. 353-390. Antonio Anselmo Martino. L e


d e fin iz io n i le g is la tiv e . Torino: Giappichelli, 1975. Alf Niels Christian Ross. Definition
in legal language. L o g iq u e e t A n a ly s e , 1958, p. 139-149. Legal fictions. L aw , R e a so n
a n d J u s tic e . E s s a y s in L e g a l P h ilo so p h y . New York: New York University Press, 1 969,p.
217-234. Csaba Varga. Concepts as fictions in the law. R e a so n in L a w Ed. E. Pattaro e
Carla Faralli. Milano: Giuffrè, 1988. voi. 2, p. 351-360. W .CC. L e s p r é s o m p tio n s e t les
f ic tio n s en d ro it. Bruxelles: Bruylant, 1974 (com artigos de Perelman, Foriers, Weser
etc.). D e fin iz io n e g iu r id ic h e e id e o lo g ie , de A. Belvedere, M. Jori e Lantella. Milano:
Giuffrè, 1979.
NT14. [Nota d a tr a d u ç ã o 14] O Código Civil brasileiro de 2002, seguindo uma tendência
de repersonalização, dedica um capítulo, em sua parte geral, à tutela dos direitos da
personalidade.
0 art. 2.° do CC dita que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento
com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (pessoa
por nascer, já concebida no útero materno). Onde o nascimento com vida caracteriza-
-se pelo ato de o nascituro respirar. Desde a concepção, o nascituro tem seus direitos
assegurados pelo ordenamento jurídico, com a condição de que nasça com vida. Antes
do nascimento o nascituro não tem personalidade jurídica, mas tem natureza humana
(humanidade), razão de ser de sua proteção jurídica pelo Código Civil.
No Livro I - Das Pessoas - , Título I - Das Pessoas Naturais - , Capítulo I, art. 2.° esta­
belece que:
“Art. 2.° A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”
Ver N. NeryJunior, N.; R. M. A. Nery. C ó d ig o C iv il a n o ta d o e le g is la ç ã o e x tr a v a g a n te .
2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2003, p. 8-9.
NT 15. [N o ta d a tr a d u ç ã o 15] No Brasil, o voto obrigatório está previsto na legislação brasi­
leira desde o Código Eleitoral de 1932, tendo a norma sido mantida na Constituição
Federal, em seu art. 14:
“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto
e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(...)
§ l.° O alistamento eleitoral e o voto são:
1 - obrigatórios para os maiores de dezoito anos (...).”
NT16. [ N o ta d a tr a d u ç ã o 16] A tradução literal do termo c a jó n d e s a s t r e seria gaveta de
alfaiate. O termo significa um conjunto de coisas diversas e desorganizadas.

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