Você está na página 1de 74

I

A ESTRUTURA JURÍDICO-BANCÁRIA VIGENTE

Secção I
O quadro tipológico das entidades que podem efectuar operações bancárias

1. Nota de evolução histórica


O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF)1, em vigor
desde 01 de Janeiro de 1993, apresenta-se actualmente, por força das sucessivas alterações que lhe têm
sido introduzidas, como uma verdadeira ‘manta de retalhos’, cuja coerência interna se tem diluído, cada
vez mais dificultando a tarefa da interpretação da lei e da sua efectiva aplicação.
Um dos aspectos em que tal situação se reflecte, com maior acuidade, relaciona-se com o
enunciado das categorias de entidades que podem efectuar operações bancárias e o respectivo quadro
tipológico.
Na sua versão original, o Regime apresentava uma categorização desdobrada entre instituições
de crédito (artigo 2º) e sociedades financeiras (artigo 5º), a que, complementarmente, se juntavam as
instituições financeiras, definidas como as empresas com sede no estrangeiro que exercessem, em
Portugal, uma actividade financeira de natureza híbrida, no enquadramento do RGICSF, decompondo-
se o âmbito do respectivo objecto de acordo com o local da sua sede: se em país terceiro, a actividade
permitida era correspondente à actividade desenvolvida pelas sociedades financeiras; se em país
comunitário, a actividade já era mais abrangente, dado poderem, neste caso, praticar operações de
locação financeira e de factoring, entre outras que então estavam vedadas às sociedades financeiras
portuguesas (ponto 4º do artigo 13º).
A esta categorização inicial foram acrescentadas as empresas de investimento, inicialmente
previstas na Directiva n.º 93/22/CEE, do Conselho, de 10 de Maio de 1993, relativa aos serviços de
investimento no domínio dos valores mobiliários2, transposta para o direito interno através do DL n.º
232/96, de 5 de Dezembro, cujo artigo 2º aditou ao RGICSF o Título X–A, então com a epígrafe Serviços
de investimento e empresas de investimento, artigos 199º-A a 199º-H, sucessivamente alterado.
Esta Directiva traduziu o acolhimento, pelas instâncias comunitárias, de uma dupla
preocupação: a de atender ao alargamento dos conceitos de poupança e de banca às emergentes áreas do
direito mobiliário e a de acompanhar a crescente integração verificada entre o sector bancário e o sector
dos valores mobiliários. Assim se compreende que ela tivesse constituído “... à la fois le pendant des

1
Aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro, com sucessivas alterações – a versão actualizada do diploma, com
referenciação das sucessivas alterações, pode ser consultado em https://www.bportugal.pt/sites/default/files/
anexos/legislacoes/rgicsf_pt.pdf.
2
Sucessivamente alterada e, entretanto, revogada pela Directiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21
de Abril de 2004.

1
directives bancaires pour les entreprises d’investissement et le complément de ces directives pour les
activités d’investissement exercées par les établissements de crédit”3.
Subsequentemente, ao proceder à transposição da Directiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, relativa ao acesso à actividade das instituições de crédito e à
supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva
2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, o DL n.º 157/2014, de 24 de Outubro,
introduziu diversas e relevantes alterações no RGICSF, para o mesmo transpondo a generalidade das
normas da referida Directiva, com o propósito, como referido no respectivo preâmbulo, “... de evitar e
corrigir a dispersão legislativa nesta matéria e, desse modo, facilitar o acesso e compreensão por parte
dos cidadãos das normas aplicáveis à atividade das instituições de crédito e empresas de investimento”.
Da versão do RGICSF resultante destas alterações resultou o enunciado do seguinte conjunto
de categorias:
a) «Empresas de investimento», as empresas em cuja actividade habitual se inclua a prestação
de um ou mais serviços de investimento a terceiros ou o exercício de uma ou mais atividades
de investimento e que estejam sujeitas aos requisitos previstos na Diretiva n.º 2004/39/CE,
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, com exceção das instituições
de crédito e das pessoas ou entidades previstas no n.º 1 do artigo 2.º da mesma diretiva
[artigo 2º-A, al. l)];
b) «Instituição de crédito», a empresa cuja atividade consiste em receber do público depósitos
ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria [artigo 2º-A, al.
p)];
c) «Instituições financeiras», com exceção das instituições de crédito e das empresas de
investimento:
i) As sociedades gestoras de participações sociais sujeitas à supervisão do Banco de
Portugal, incluindo as companhias financeiras e as companhias financeiras mistas;
ii) As sociedades cuja actividade principal consista no exercício de uma ou mais das
actividades enumeradas nos pontos 2 a 12 e 15 da lista constante do anexo I à
Diretiva n.º 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de
2013;
iii) As instituições de pagamento;
iv) As sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário na aceção do ponto
6.º do artigo 199.º-A [artigo 2º-A, al. s)];
d) «Sociedades financeiras», as empresas, com exceção das instituições de crédito, cuja
atividade principal consista em exercer pelo menos uma das atividades permitidas aos

3
SOUSI-ROUBI, Blanche, Droit bancaire européen, cit., p. 274 s. ; cfr., também, ANDRADE, Isabel Bustorff Gião de, As
directivas comunitárias sobre prestação de serviços bancários e de investimento, cit., p. 120 s.

2
bancos, com exceção da receção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis do público,
incluindo as empresas de investimento e as instituições financeiras referidas na subalínea
ii) da alínea s) [artigo 2º-A, al. z)].
Com esta arrumação, o Regime passou a identificar como tipos de cada categoria:
(i) Instituições de crédito (artigo 3º): os bancos [al. a)]; as caixas económicas [al.
b)]; a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e as caixas de crédito agrícola
mútuo [al. c)]; as instituições financeiras de crédito; [al. d)]; as instituições de
crédito hipotecário [al. e)]; outras empresas que, correspondendo à definição do
artigo anterior, como tal sejam qualificadas pela lei [al. k)].
(ii) Empresas de investimento (artigo 4º-A): as sociedades financeiras de corretagem
[al. a)]; as sociedades corretoras [al. b)]; as sociedades gestoras de patrimónios [al.
c)]; as sociedades mediadoras dos mercados monetário ou de câmbios [al. d)]; as
sociedades de consultoria para investimento [al. e)]; as sociedades gestoras de
sistemas de negociação multilateral [al. f)]; outras empresas que, correspondendo
à definição de empresas de investimento, como tal sejam qualificadas pela lei [al.
g)]4.
(iii) Sociedades financeiras (artigo 6º, n.º 1): as empresas de investimento referidas no
artigo 4.º-A [al. a)]; as instituições financeiras referidas nas subalíneas ii) e iv) da
alínea s) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem [al. b)]: as sociedades financeiras de
crédito [i)]; as sociedades de investimento [ii)]; as sociedades de locação financeira
[iii)]; as sociedades de factoring [iv)]; as sociedades de garantia mútua [v)]; as
sociedades gestoras de fundos de investimento [vi)]; as sociedades de
desenvolvimento regional [vii)]; As agências de câmbios [viii)]; as sociedades
gestoras de fundos de titularização de créditos [ix)]; as sociedades financeiras de
microcrédito [x)]; outras empresas que, correspondendo à definição de sociedade
financeira, sejam como tal qualificadas pela lei [al. l)]5.

2. O actual quadro geral


Nova e profunda alteração ao RGICSF foi concretizada através do DL n.º 109-H//2021, de 10
de Dezembro, que aprovou o novo Regime das Empresas de Investimento (REI) e, em conformidade,

4
Ainda assiom, as sociedades de consultoria para investimento e as sociedades gestoras de sistemas de negociação multilateral
não estavam sujeitas ao disposto no Regime Geral (artigo 4º-A, n.º 2).
5
O n.º 2 deste artigo 6º, manteve a qualificação da Finangeste - Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A. criada
pelo DL n.º 250/82, de 26 de Junho como sociedade financeira, situação que cessou com a revogação daquele preceito, pelo
DL n.º 89/2015, de 20 de Maio, que alterou o regime jurídico aplicável a essa entidade, adaptando os respetivos estatutos ao
Código das Sociedades Comerciais.

3
revogou os referidos artigo 4º-A e os artigos do Título X–A6 daquele Regime Geral e estabeleceu o
quadro tipológico das entidades que podem efectuar operações bancárias, actualmente em vigor.
A aprovação deste novo regime teve subjacente a transposição, para o ordenamento jurídico
nacional, da Directiva (UE) 2019/2034, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Novembro de
2019, relativa à supervisão prudencial das empresas de investimento e, bem assim, da Directiva (UE)
2021/338, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 2021, que altera a Directiva
dos Mercados de Instrumentos Financeiros7 e da Directiva Delegada (UE) 2021/1269, da Comissão, de
21 de Abril de 2021, que obriga à integração e ponderação do risco e factores de sustentabilidade no
cumprimento dos deveres relativos à governação e distribuição de instrumentos financeiros e depósitos
estruturados.
Foi visada, tal como salientado no Preâmbulo do diploma em referência, a adopção de soluções
de simplificação de regime e de concentração da função supervisional.
Assim, destacam-se as seguintes soluções:
O enquadramento prudencial das empresas de investimento é autonomizado do regime
prudencial das instituições de crédito, excepto nas situações que correspondam às grandes empresas de
investimento ou de carácter sistémico.
Em matéria de simplificação de regime, são eliminadas as anteriores tipologias autónomas de
empresas de investimento, consagrando-se um tipo único: as exigências regulatórias passam a resultar
do âmbito da autorização, que define os serviços e actividades de investimento que a empresa de
investimento poderá exercer, e não da tipologia da entidade, tal como sucedia anteriormente. O registo,
por outro lado, passa a ser oficioso.
Outrossim, o REI concentra, na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, as funções de
supervisão relativas a essas empresas, colocando termo à duplicação e sobreposição que anteriormente
vigoravam.
No entanto, mantém-se um quadro de colaboração institucional entre as diversas autoridades de
supervisão financeira, de que é exemplo a situação em que, na concessão da autorização prévia de que
depende o início de actividade das empresas de investimento em Portugal (artigo 8º, n.º 1 REI), a CMVM
dever consultar previamente o Banco de Portugal ou a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos
de Pensões, nos casos previstos nas al.s a) e b) do nº 1 do artigo 10º.
Esta consulta prévia incide, em especial, sobre a adequação dos accionistas e a idoneidade e
experiência profissional dos membros dos órgãos de administração da empresa de investimento a
constituir e das pessoas envolvidas na gestão de outra entidade do mesmo grupo, devendo a CMVM e
as referidas autoridades trocar todas as informações relevantes (n.º 5).

6
Artigos 199º-A a 199º-L, com excepção do artigo 199º-I, relativo a disposições aplicáveis a empresas de investimento, que
se mantém em vigor.
7
Diretiva 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Maio de 2014.

4
No que ao enunciado das categorias de entidades que podem efectuar operações bancárias e ao
respectivo quadro tipológico diz respeito, as alterações introduzidas no RGICSF pelo DL n.º 109-
H//2021, de 10 de Dezembro, centraram-se ao nível das definições das categorias e aos tipos integrantes
de cada categoria.
Quanto às definições:
a) «Empresa de investimento», uma empresa que exerça e preste serviços e actividades de
investimento, nos termos da legislação aplicável, e não seja uma instituição de crédito
[artigo 2º-A, al. r)];
b) «Instituições de crédito», empresas que recebem do público depósitos ou outros fundos
reembolsáveis e concedem crédito por conta própria [artigo 1º-A, n.º 1] e, ainda, as
empresas que, não sendo um operador em mercadorias e licenças de emissão, um organismo
de investimento colectivo ou uma empresa de seguros, exercem as actividades de
negociação por conta própria, de tomada firme de instrumentos financeiros ou a colocação
de instrumentos financeiros com garantia, caso se verifique uma das seguintes condições:
i. O valor total dos seus ativos consolidados for igual ou superior a 30 mil milhões de
euros;
ii. O valor total dos seus ativos for inferior a 30 mil milhões de euros, mas faz parte de
um grupo cujo valor total dos ativos consolidados de todas as empresas do grupo,
que individualmente tenham um valor total de ativos inferior a 30 mil milhões de
euros e exerçam qualquer das atividades referidas no presente número, é igual ou
superior a 30 mil milhões de euros; ou
iii. O valor total dos seus ativos for inferior a 30 mil milhões de euros, mas faz parte de
um grupo cujo valor total dos ativos consolidados de todas as empresas do grupo que
exerçam qualquer das atividades referidas no presente número é igual ou superior a
30 mil milhões de euros, caso a autoridade responsável pela supervisão em base
consolidada, em consulta com o colégio de supervisão, assim o decida para acautelar
potenciais riscos de contorno das regras e potenciais riscos para a estabilidade
financeira da União Europeia [artigo 1º-A, n.º 2].
Para efeitos das duas últimas condições enunciadas, quando a empresa faz parte de
um grupo de um país terceiro, os ativos totais de cada sucursal do grupo do país
terceiro autorizada na União Europeia são incluídos no valor total combinado dos
ativos de todas as empresas do grupo [artigo 1º-A, n.º 3].
A qualificação destas empresas como instituições de crédito fica dependente de uma
autorização especial, a conceder pelo banco de Portugal, nos termos e condições dos
artigos 21º-A e seguintes.
c) «Instituições financeiras», com exceçpão das instituições de crédito, sociedades gestoras de
participações no sector dos seguros, das sociedades gestoras de participações de seguros

5
mistas e das sociedades gestoras de participações no sector puramente industrial, as
empresas que tenham como actividade principal adquirir ou gerir participações sociais ou
exercer uma ou mais das actividades enumeradas nas alíneas b) a h), j) e r) do n.º 1 do artigo
4º, incluindo instituições de pagamento, empresas de investimento, sociedades de gestão de
activos, companhias financeiras, companhias financeiras mistas e companhias financeiras
de investimento [artigo 2º-A, al. z)];
d) «Sociedades financeiras», as empresas, com exceção das instituições de crédito e das
empresas de investimento, que tenham como atividade principal exercer, pelo menos, uma
das atividades permitidas aos bancos, com exceção da receção de depósitos ou outros fundos
reembolsáveis do público [artigo 2º-A, al. kk)].
Com esta arrumação, o Regime passou a identificar os seguintes tipos de:
(i) Instituições de crédito (artigo 3º): os bancos [al. a)]; as caixas económicas [al.
b)]; a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e as caixas de crédito agrícola
mútuo [al. c)]; as instituições financeiras de crédito; [al. d)]; as instituições de
crédito hipotecário [al. e)]; outras empresas que, correspondendo à definição do
artigo anterior, como tal sejam qualificadas pela lei [al. k)]; as empresas de
investimento que tenham obtido autorização ao abrigo do regime especial de
autorização previsto no artigo 21.º‐A [al. m)].
(ii) Sociedades financeiras (artigo 6º, n.º 1): as instituições financeiras referidas nas
subalíneas ii) e iv) da alínea z) do artigo 2.º-A, nas quais se incluem [al. b)]: as
sociedades financeiras de crédito [i)]; as sociedades de investimento [ii)]; as
sociedades de locação financeira [iii)]; as sociedades de factoring [iv)]; as
sociedades de garantia mútua [v)]; as sociedades de desenvolvimento regional
[vii)]; as agências de câmbios [viii)]; as sociedades financeiras de microcrédito [x)];
outras empresas que, correspondendo à definição de sociedade financeira, sejam
como tal qualificadas pela lei [al. l)]8;
(iii) Instituições financeiras: entre outras, as instituições de pagamento e as instituições
de moeda electrónica, que podem prestar, a título profissional, de acordo com o
respectivo regime jurídico, aprovado pelo DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro,
serviços de pagamento (artigo 4º, n.º 1, al. c) RGICSF) ou emitir moeda electrónica
(artigo 4º, n.º 1, al. r) RGICSF), respectivamente.
Assim encaixam na definição da al. z) do artigo 2º-A RGICSF: “com exceção das
instituições de crédito, sociedades gestoras de participações no setor dos seguros,

8
O n.º 2 deste artigo 6º, manteve a qualificação da Finangeste - Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A. criada
pelo DL n.º 250/82, de 26 de Junho como sociedade financeira, situação que cessou com a revogação daquele preceito, pelo
DL n.º 89/2015, de 20 de Maio, que alterou o regime jurídico aplicável a essa entidade, adaptando os respetivos estatutos ao
Código das Sociedades Comerciais.

6
das sociedades gestoras de participações de seguros mistas e das sociedades
gestoras de participações no setor puramente industrial, as empresas que tenham
como atividade principal adquirir ou gerir participações sociais ou exercer uma ou
mais das atividades enumeradas nas alíneas b) a h), j) e r) do n.º 1 do artigo 4.º,
incluindo instituições de pagamento, empresas de investimento, sociedades de
gestão de ativos, companhias financeiras, companhias financeiras mistas e
companhias financeiras de investimento”.

O emaranhado legislativo que de há muito caracteriza a regulação do direito bancário


institucional potencia lapsos, como o que se detecta na nova redacção do proémio da al. b) do
mencionado artigo 6º, n.º 1 RGICSF, indicando as instituições financeiras referidas nas subalíneas ii)
e iv) da alínea z) do artigo 2.º-A:
Com efeito, a alínea z) do artigo 2º-A passou a definir as instituições financeiras, a partir da
alteração ao RGICSF introduzida pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de Março, que transpôs as Directivas
2014/49/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Abril, relativa aos sistemas de garantia de
depósitos, e 2014/59/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Maio (diploma este a que,
adiante, se fará nova referência, a propósito do mecanismo de resolução). A alteração, neste particular,
traduziu-se no facto de a anterior al. s), contendo a referida definição, ter passado a al. z), mantendo o
respectivo enunciado, de onde constavam quatro subalíneas.
Ora, o lapso assinalado desdobra-se em dois factos relevantes: de um lado, o de a subalínea iv)
da alínea z) do artigo 2º-A RGICSF já ter sido revogada pelo DL n.º 144/2019, de 23 de Setembro; de
outro lado, o de a redacção desta al. z) ter sido, posteriormente, alterada pelo já mencionado DL n.º 109-
H//2021, de 10 de Dezembro, tendo deixado a definição de instituição financeira de conter quaisquer
subalíneas.
Em face do que uma adequada interpretação desta disposição legal só pode acolher o
entendimento de o legislador ter em vista, agora, as instituições financeiras referidas na al. z), sem mais.
Em síntese conclusiva, parece possível concluir que todo este processo evolutivo representou
um regresso às origens, traduzido na recondução essencial do exercício da actividade bancária por
instituições de crédito e sociedades financeiras, de acordo com os elementos definidores de cada uma
destas categorias e a delimitação do âmbito de operações bancárias permitidas a cada tipo integrante das
referidas categorias.
Com expectativa se aguarda a aprovação de um novo Código da Actividade Bancária (CAB),
cujo anteprojecto foi submetido a consulta pública pelo Banco de Portugal, 29 de Outubro de 2020, que
suscitou uma ampla discussão e de onde resultou uma versão revista remetida, em Abril de 2021, à
consideração do Ministério das Finanças. Este novo Código ainda se encontra pendente de aprovação.

7
Com o novo Código visa-se dar cumprimento à obrigação de transposição de algumas Directivas
(como adiante vai assinalado) e, outrossim, renovar, actualizar e uniformizar o regime regulatório base
para a actividade bancária desenvolvida em Portugal.
De facto e como bem assinala o ponto VII. da exposição de motivos do referido anteprojecto,
“..., constantes e sucessivas alterações, muitas vezes decorrentes da transposição de diversas diretivas
europeias, têm tornado o RGICSF cada vez mais difícil de interpretar e aplicar. Por outro lado, importa
também ponderar alterações aos regimes vigentes, atendendo à prática e experiência de supervisão
acumuladas, ao interesse em congregar regimes especiais agora dispersos, bem como às necessidades
do sistema bancário atual”.
Seguramente, a eventual futura aprovação do CAB muito contribuirá, também, para dinamizar
e potenciar o interesse pelo estudo das temáticas do Direito Bancário, na sua vertente institucional.

Subsecção I
Instituições de crédito

3. A intermediação no crédito como traço dominante da definição de instituição de crédito


De acordo com o disposto no artigo 1º-A RGICSF (aditado pelo DL n.º 109-H/2021, de 10 de
Dezembro), a actual definição de instituição de crédito desdobra-se em duas vertentes, reformulando em
certos pormenores as anteriores definições e acolhendo-lhes a nova identificação de determinadas
empresas de investimento, desde que verificadas certas condições.
Assim e por um lado, mantêm-se as coordenadas gerais, já clássicas, do conceito de instituição
de crédito: empresa que recebe do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e concede crédito
por conta própria (n.º 1)9.
Por outro lado, é agora também qualificada como instituição de crédito a denominada empresa
de investimento, isto é, “... a empresa que, não sendo um operador em mercadorias e licenças de emissão,
um organismo de investimento coletivo ou uma empresa de seguros, exerce as atividades de negociação
por conta própria, de tomada firme de instrumentos financeiros ou a colocação de instrumentos
financeiros com garantia, caso se verifique uma das seguintes condições (n.º 2):
a) O valor total dos seus ativos consolidados for igual ou superior a 30 mil milhões de euros;
b) O valor total dos seus ativos for inferior a 30 mil milhões de euros, mas faz parte de um
grupo cujo valor total dos ativos consolidados de todas as empresas do grupo, que
individualmente tenham um valor total de ativos inferior a 30 mil milhões de euros e
exerçam qualquer das atividades referidas no presente número, é igual ou superior a 30 mil
milhões de euros; ou

9
Sobre a evolução histórica da clássica definição de instituição de crédito e a discussão em seu torno suscitada, cfr. António
Pedro A. FERREIRA, Direito Bancário, 2. Ed. Lisboa: Quid Juris, 2009, pp. 155 ss., com referências bibliográficas.

8
c) O valor total dos seus ativos for inferior a 30 mil milhões de euros, mas faz parte de um
grupo cujo valor total dos ativos consolidados de todas as empresas do grupo que exerçam
qualquer das atividades referidas no presente número é igual ou superior a 30 mil milhões
de euros, caso a autoridade responsável pela supervisão em base consolidada, em consulta
com o colégio de supervisão, assim o decida para acautelar potenciais riscos de contorno
das regras e potenciais riscos para a estabilidade financeira da União Europeia.
Para efeitos destas alíneas b) e c), quando a empresa faz parte de um grupo de um país terceiro,
os activos totais de cada sucursal do grupo do pais terceiro autorizada na União Europeia são incluídos
no valor total combinado dos activos de todas as empresas do grupo.
Contudo e neste caso, a qualificação das empresas de investimento como instituições de crédito
depende da obtenção de uma autorização especial, como adiante melhor se verá, a propósito dos tipos
de instituições de crédito.
O conceito-base de instituição de crédito assenta na abordagem da ciência económica e consagra
o acolhimento inquestionável de uma ideia de conexão funcional entre as operações de recepção de
fundos e de concessão de crédito por conta própria, como elemento definidor do próprio conceito. De
facto, a transposição para o sistema jurídico deste conceito económico só se efectiva desde que se assuma
a necessidade, como destino normal, de canalizar os fundos reembolsáveis recebidos do público para
uma utilização, também junto do público, através da concessão de crédito, entendida esta com o sentido
amplo que de há muito lhe vem sendo associado.
Conclui-se, pois, que o traço dominante da definição de instituição de crédito começa por ser,
indubitavelmente, a intermediação no crédito, conceito oriundo da ciência económica que pretende
identificar a actividade de aproximação entre os agentes económicos que detêm excesso de fundos e os
agentes económicos deles carecidos.
Essa actividade, desenvolvida no seio do sistema financeiro por algumas das entidades que nele
operam, consiste fundamentalmente na utilização dos fundos captados junto dos aforradores (aqueles
que gastam menos do que as respectivas disponibilidades) para colocação junto dos utilizadores (aqueles
que necessitam de fundos para aquisição de bens de consumo ou de equipamento, para desenvolvimento
de iniciativas comerciais ou industriais, etc.), assumindo estes o compromisso de devolverem tais fundos
acrescidos do respectivo rendimento10.
Mas esta intermediação não se configura em termos monolíticos, uma vez que os fundos
reembolsáveis recebidos do público podem ser também utilizados na realização de outras operações e
não apenas na concessão de crédito, da mesma forma que na concessão de crédito podem ser utilizados
outros fundos que não, apenas, os recebidos do público. A interligação funcional entre recepção de

10
Cfr., sobre esta questão, R. Glenn HUBBARD, Money, the financial system, and the economy, 3. Ed., Reading, Mass.:
Addison-Wesley, 1999, pp. 36 ss.

9
fundos do público e concessão de crédito apenas é exigida em termos de actividade normal, mas não
exclusiva11.
Também aqui, como em muitas outras áreas do direito bancário, se detecta um genérico reenvio
para a ciência económica, no que se refere à qualificação de conceitos estruturantes. Tal facto, embora
traduzindo uma relativa lacuna da ciência jurídica, não pode deixar de ser analisado à luz do inevitável
fundamento económico e social de toda a expressão jurídica, realçado neste caso pela “... intensa
penetrazione della logica economica nella formulazione e nella costruzione della disciplina giuridica
delle operazioni bancarie”12.
O Direito não pode, pois, ser alheio aos contributos oriundos de outras áreas científicas, das
quais se destaca, neste particular aspecto, a área económica. Os quadros jurídicos que preservam os
elementos estruturais válidos em face da evolução das sociedades não podem constituir um elemento de
cristalização mas, sim, de harmonia na evolução, no desempenho de um papel simultaneamente de
acompanhamento e de influência do desenvolvimento das realidades sociais: “O conhecimento da vida
social, económica e política é também, por isso mesmo, indispensável, não só à formulação dos
princípios gerais de que derivam as normas jurídicas, mas ainda à sua conveniente interpretação”13.

4. A recepção de depósitos como elemento fracturante do conceito de instituição de crédito e


traço definidor essencial do exercício da actividade bancária, em sentido próprio
Na categoria das instituições de crédito devem distinguir-se duas subcategorias: a das IC
depositárias, que recebem do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis; e a das IC não
depositárias, que apenas recebem do público outros fundos reembolsáveis (equiparados a depósitos).

11
Assim, por exemplo, ATHAYDE, Augusto de / ATHAYDE, Augusto Albuquerque de / ATHAYDE, Duarte de, Curso de
Direito Bancário, cit., p. 253 s.; NUNES, Fernando da Conceição, Recepção de depósitos e/ou outros fundos reembolsáveis,
cit., p. 53 s.
12
ALCARO, Francesco, “Soggetto” e “contratto” nell’attività bancaria: contributo allo studio dei contratti bancari, cit., p.
16 s.
13
LEITE (Lumbrales), João Pinto da Costa, Lugar das ciências económicas no ensino do direito, RevFDUL, XVIII, 1964, p.
25 s.; no mesmo sentido, frisando a necessidade de adaptação entre a regra jurídica e a economia, até como condição de
desenvolvimento económico, cfr. MATHIEU, Michel, La règle juridique peut-elle contraindre la réalité économique?, Banque
et Droit 30, 1993, p. 12: “… la règle juridique n’est pas en elle-même créatrice de richesse. Elle la canalise, l’oriente, la
redistribue ou … l’empêche!”.
Discorrendo sobre a utilidade e relevância da investigação interdisciplinar, enquanto instrumento de uma maior unidade do
saber, e chegando a concluir que “l’aspirazione profonda della cultura del nostro tempo è di ricostituire la perduta unità del
sapere; la divisione del lavoro scientifico è, a sua volta, una necessità della moderna organizzazione della ricerca. Non possiamo
deludere l’una, né dobbiamo sacrificare l’altra: il problema sta nel trovare i modi di soddisfare la prima senza nulla togliere
alla seconda”, cfr. GALGANO, Francesco, Trattato di diritto commerciale e di diritto publico dell’economia, I, Padova, 1977,
p. VIII.
Em tese geral, sobre a globalidade do saber e a insatisfatória limitação disciplinar, POPPER, Karl, Conjectures and Refutations.
The Growth of Scientific Knowledge, 5. ed. repr., London / New York, 2000, para quem “there are no ultimate sources of
knowledge. Every source, every suggestion, is welcome; and every source, every suggestion, is open to critical examination”
(p. 27).
Também HART, H. L. A. / HONORÉ, Tony, Causation in the law, 2. ed. repr., Oxford, 1987, ao enunciarem os objectivos do
seu livro (por um lado, identificar as fontes das incertezas e confusões que continuam a rodear o uso legal da linguagem
causal, apesar da vasta intervenção doutrinária dedicada à sua clarificação e, por outro lado, confrontar e avaliar uma
acentuada tendência do pensamento jurídico que entende a causalidade legal mais como um fantasma a ser exorcizado do que
como um conceito a ser analisado), começam por referir que a utilidade de uma investigação conceptual diversificada “... is to
increase our understanding and powers of criticism of the framework within which legal thought moves and to permit the clear
formulation of constantly recurrent factors which count, though not conclusively, for or against decisions” (p. 3).

10
Na primeira subcategoria (IC depositárias) integram-se os bancos, as caixas económicas e as
instituições de crédito agrícola mútuo (CCCAM e CCAM); na segunda subcategoria (IC não
depositárias) integram-se as instituições financeiras de crédito, as instituições de crédito hipotecário e
as empresas de investimento que tenham obtido autorização ao abrigo do regime especial de autorização
previsto no artigo 21.º-A.
A integração da categoria de instituição de crédito por estas duas subcategorias apresenta
elevada dose de formalismo e representa uma solução artificial, na pretensão de assimilar a uma mesma
realidade entidades que recebem depósitos e entidades que apenas recebem outros fundos reembolsáveis
aos mesmos equiparados. A razão, contudo, é só uma e bem simples: uma vez mais a necessidade sentida
pelo legislador de assegurar a fruição do passaporte comunitário, proporcionado directamente pelo
princípio do mútuo reconhecimento apenas às instituições de crédito, a um leque mais alargado de
entidades e não apenas às que, recebendo depósitos e concedendo crédito, satisfaziam
inquestionavelmente os requisitos da qualificação14.
De todo o modo, na primeira subcategoria referenciada, identificam-se as instituições de crédito
que exercem profissionalmente a actividade de intermediação no crédito através da recepção do público
de depósitos (para além de outros fundos reembolsáveis), que aplicam por conta própria mediante a
concessão de crédito.
Ora, parece ser neste elemento da recepção de depósitos que reside o traço distintivo essencial
daquilo que efectivamente se pode designar por actividade bancária. De facto, essa constitui
verdadeiramente a única operação que a lei reserva exclusivamente aos bancos (ou entidades para este
efeito a eles equiparadas15), não podendo ser exercida por nenhuma outra entidade, qualquer que seja a
respectiva natureza. Deve aqui ser realçado o facto de, no quadro legal das instituições de crédito, todas
poderem receber do público outros fundos reembolsáveis, todas aplicarem esses fundos por conta
própria mediante a concessão de crédito, mas apenas os bancos poderem receber do público depósitos,
destinados ao mesmo tipo de utilização. A recepção de depósitos não pode, assim, deixar de ser vista
como o traço característico mais distintivo da actividade dos bancos16.

14
Sobre este ponto cfr. CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito Bancário, cit., p. 788 s.; em apreciação igualmente
crítica, salientando os factos de a expressão fundos reembolsáveis não ter tradição no direito português anterior à adesão à
Comunidade e de a expressão de direito comunitário depósitos ou outros fundos reembolsáveis ser antes equivalente à “…
recepção, sob a forma de depósitos ou outras análogas, de disponibilidades monetárias” a que se referia o artigo 47º do DL n.º
42641, de 12 de Novembro de 1959, com o sentido específico de abranger a actividade económica tradicional de recepção de
depósitos, cfr. DUARTE, Rui Pinto, A regulação pelo RGICSF das anteriormente chamadas instituições parabancárias,
RevBanca 25 (1993), p. 63 s.
15
A solução é facilmente compreensível se atentarmos no facto de as demais instituições de crédito que, no regime actual,
recebem depósitos (recorde-se: as caixas económicas, a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e as caixas de crédito agrícola
mútuo), serem as que, já no regime anterior, também o podiam fazer, por a todas ser reconhecida uma óbvia estrutura bancária
e integrarem, por isso, o conjunto dos estabelecimentos especiais de crédito (cfr. artigo 3º, alínea d) e § 2º do DL n.º 41403, de
27 de Novembro de 1957).
Quanto à anterior consagração da respectiva faculdade de receber depósitos, cfr. artigo 1º do Regulamento das Caixas
Económicas, aprovado pelo DL n.º 136/79, de 18 de Maio; e artigos 26º, alínea a) e 57º, alínea a) do Regime Jurídico do Crédito
Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado pelo DL n.º 24/90, de 11 de Janeiro.
16
A que acresce o facto de constituir, indubitavelmente, a primeira e mais antiga operação bancária, aparecendo ligada à
actividade dos bancos desde as suas origens – BARATA, Carlos Lacerda, Contrato de depósito bancário, cit., p. 12 s.; MOLLE,

11
O ordenamento jurídico italiano apresenta, neste aspecto, uma solução interessante, ao articular
directamente a definição de banco com a definição de actividade bancária: aos bancos é reservado o
exercício da actividade bancária que, por sua vez, é definida como o exercício cumulativo da recepção
de depósitos e da concessão de crédito, embora complementarmente se autorizem os bancos a exercer
outras actividades financeiras, bem como outras actividades acessórias ou instrumentais (artigo 10º
Testo Unico Bancario - TUB)17.
As outras actividades financeiras que os bancos podem exercer (enumeradas no artigo 1º, n.º 2,
alínea f) do mesmo diploma) são, afinal, aquelas cujo exercício em separado, embora proporcionando o
acolhimento ao princípio do mútuo reconhecimento, não constitui rigorosamente actividade bancária.
Tais operações corporizam o objecto dos intermediários financeiros, de cuja noção jurídica
resulta agora mais claro serem as entidades que operam no sector financeiro e exercem actividade
financeira segundo modalidades que não integram a definição de actividade bancária (tomada de
participações, concessão de financiamentos sob qualquer forma e prestação de serviços de pagamento e
de intermediação nas transacções, nos termos conjugados dos artigos 1º, 106º e 107º)18.

Contudo, o que se acaba de afirmar não invalida que, ainda dentro desta subcategoria integrada
pelas instituições de crédito que recebem depósitos do público, seja possível distinguir entre instituições
que exercem uma actividade bancária geral e instituições que exercem uma actividade bancária restrita.
Convém salientar que esta dicotomia entre actividade bancária geral e actividade bancária restrita não
é, de modo algum, nova no tratamento legal dispensado pelo legislador português a esta matéria. Basta
recordar o que, a este propósito, dispunha o artigo 4º do DL n.º 42641, de 12 de Novembro de 1959,
citado: “os bancos comerciais e os estabelecimentos especiais de crédito terão por exclusivo objecto o
exercício da actividade bancária, por forma geral ou restrita, nomeadamente o exercício de funções de
crédito”.
A actual intervenção de novos actores no quadro do exercício da actividade bancária não
impede, de modo algum, que seja retomada a referida dicotomia, naquilo que ela contenha de útil para
ajudar a clarificar quem faz o quê.
Quanto ao sistema português, pode dizer-se que nele sempre assumiram um papel de especial
preponderância os bancos comerciais, cuja amplitude no desenho das respectivas operações chegou

Giacomo, I contratti bancari, cit., p. 4 s.; VALENZUELA GARACH, Fernando, Contratos bancarios de pasivo, em JIMÉNEZ
SÁNCHEZ, Guillermo J. (Coord.) Derecho mercantil, 6. ed., Barcelona, 2000, p. 465 s.
Sobre a essencialidade da presença dos bancos na caracterização jurídica do depósito bancário cfr., supra, p. ………...
17
Aprovado pelo Decreto legislativo n.º 385, de 1 de Setembro de 1993, com alterações, cujo texto, actualizado a Janeiro de
2021, pode ser consultado em https://www.bancaditalia.it/compiti/vigilanza/intermediari/Testo-Unico-Bancario.pdf
[29.05.2022].
18
Sobre esta questão, em geral, cfr. FORESTIERI, Giancarlo / MOTTURA, Paolo, Il sistema finanziario. Istituzioni, mercati
e modelli di intermediazione, 2. ed., Milano, 2000, p. 89 s. que, no entanto, não deixam de frisar “… che la definizione giuridica
di intermediario finanziario è difforme da quella economica che – correttamente e ad altri fini – colloca la banca nella categoria
degli intermediari finanziari, intesi come imprese che intermediano sistematicamente risorse finanziarie” (p. 91).

12
mesmo, no início do século, a justificar a sua qualificação como “institutos bancários não
especializados”, dado praticarem operações da mais variada espécie19. Contudo, não deixavam de
partilhar o exercício da actividade financeira com outras instituições de maior grau de especialização.
Na reforma de finais de 1957 ficou vincado um maior conteúdo de especialização, através da
consagração expressa da divisão entre bancos comerciais e instituições especiais de crédito (nas quais,
por sua vez, se englobavam os bancos de investimento, os bancos de poupança e as caixas de crédito
agrícola mútuo) e no aparecimento das instituições parabancárias.
Com a adesão à Comunidade Europeia e com a necessidade de transposição das directivas
comunitárias relativas ao acesso à actividade bancária e ao respectivo exercício, Portugal avançou no
sentido do acolhimento da integração dos serviços financeiros segundo a perspectiva da bancassurance20
(em solução ancorada na própria legislação comunitária), sendo construído um sistema no qual aos
bancos, transformados agora em instituições de crédito modelares, passou a ser permitido o exercício de
um conjunto alargado de operações, cobrindo vastas áreas do sistema financeiro21.
A concretização progressiva daquela perspectiva, por via dos conglomerados financeiros
estruturados segundo o modelo de banca universal, traduziu a permissão concedida aos bancos de
efectuarem todas as operações financeiras legalmente enunciadas, tenham elas a natureza de banca
comercial, de investimento, de gestão de activos ou, até, operações sobre contratos de seguros. Podendo
exercê-las todas, não é, contudo, obrigatório que os bancos o façam, tratando-se apenas de uma
permissão hipotética que as instituições, de acordo com as suas melhores conveniências, poderão ou não
utilizar.
Um banco universal continua a sê-lo mesmo que, na prática, só exerça a recepção de depósitos
e outros fundos reembolsáveis, conceda crédito por conta própria e exerça mais alguma ou algumas das
operações enunciadas no artigo 4º, n.º 1 RGICSF.
Fundamental mesmo é que a instituição, no adequado enquadramento do princípio da verdade
das firmas e denominações, consagrado no artigo 11º do mesmo diploma, preencha as características e
os requisitos exigíveis a um banco, face ao que a lei lhe disponibiliza a prática de todas as operações
enunciadas como revestindo natureza bancária ou financeira. Não existe, contudo, qualquer
obrigatoriedade de a instituição considerada praticar efectivamente todas as operações permitidas. Aliás,
assiste-se cada vez mais, por opção de estratégia empresarial, a uma nova especialização tendente a
permitir às instituições a intervenção em nichos específicos de mercado (os bancos de negócios,
imobiliários, hipotecários, etc.), especialização esta que, no entanto, continua a operar no quadro de
grupos integrados no sistema universal22.

19
Cfr. LEITE (Lumbrales), João Pinto da Costa, Organização bancária portuguesa, cit., p. 50.
20
Cfr., supra, p. ………………… s.
21
Para uma visão das razões justificativas do abandono da distinção entre bancos comerciais e bancos de investimento, cfr.
Livro Branco …, cit., p. 49 s.
22
Sobre este ponto cfr. ATHAYDE, Augusto de / ATHAYDE, Augusto Albuquerque de / ATHAYDE, Duarte de, Curso de
Direito Bancário, cit., p. 290; CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito Bancário, cit., p. 831; Livro Branco …, cit.,
p. 61; NUNES, Fernando da Conceição, As instituições de crédito: conceito e tipologia legais, …, cit., p. 99.

13
Cabe, no entanto, salientar que o anterior modelo português de especialização bancária,
particularmente no período compreendido entre 1974 e 1983, assistiu a um esbatimento progressivo das
fronteiras entre as actividades desempenhadas pelas instituições especiais de crédito e pelos bancos
comerciais, com uma crescente interpenetração funcional conducente à universalização e
multifuncionalidade das instituições23.
A título exemplificativo podem citar-se as seguintes alterações:
- Quanto aos bancos de investimento, a Lei n.º 1/75, de 2 de Janeiro (alterada pelos DL nºs
544/77 e 282/90, de 31 de Dezembro e de 14 de Agosto, respectivamente), concedeu-lhes a
faculdade de receberem depósitos à ordem, embora apenas a favor de titulares de depósitos
a prazo e no âmbito da actividade própria dessas entidades. Já o DL n.º 173/83, de 2 de
Maio, autorizou-os a conceder crédito a curto prazo;
- Quanto aos bancos comerciais, o DL n.º 353-J/77, de 29 de Agosto autorizou-os a conceder
crédito a médio e a longo prazo, até 10 anos, à exportação e ao investimento em sectores
considerados prioritários pela política de desenvolvimento económico, situação que se
voltou a alterar em 1986, data a partir da qual a generalidade dos bancos passou a poder
contratar créditos até 25 anos, no caso dos empréstimos para habitação (DL n.º 34/86, de 3
de Março). Por outro lado, o DL n.º 36/86, de 3 de Março veio permitir aos bancos
comerciais a recepção de depósitos a mais de um ano.

Retomada que está a diferenciação entre o exercício de uma actividade bancária geral e de uma
actividade bancária restrita, pode afirmar-se que: (i) no primeiro caso, posicionam-se os bancos, a
Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e as caixas de crédito agrícola mútuo associadas ao SICAM e
as caixas económicas bancárias; (ii) no segundo caso, posicionam-se as caixas de crédito agrícola mútuo
não associadas ao SICAM e as caixas económicas anexas.
Com efeito, só no âmbito da actividade bancária geral se verifica o exercício da actividade típica
de intermediação, recebendo do público depósitos e outros fundos reembolsáveis e concedendo crédito.
Mas, por outro lado, às entidades aí referenciadas é, também, permitido efectuar todas as
operações constantes do n.º 1 do artigo 4º RGICSF e, bem assim, prestarem os serviços de investimento
a que se refere o artigo 199º-A não abrangidos por aquelas operações.
O mesmo é dizer que, no quadro da legislação em vigor, as entidades que exercem actividade
bancária geral podem praticar todas as operações que os restantes agentes financeiros praticam, mas

23
Sobre esta matéria da progressiva universalização das instituições bancárias em Portugal, cfr. CORDEIRO, António
Menezes, Direito Bancário, cit., p. 225 s.; também FERNANDES, José D. Vitória / PORTELA, João Luís, O sistema bancário
português, cit., p. 13 s.; NUNES, Fernando Conceição, Direito Bancário, cit., p. 199 s.; idem, As instituições de crédito:
conceito e tipologia legais, … , cit., p. 98 s.

14
nenhuma outra entidade pode praticar a globalidade das operações àquelas permitidas e, bem assim,
também nenhuma outra entidade pode praticar alguma operação que a estas esteja vedada.
Estas entidades constituem, pois, no ordenamento jurídico nacional, as instituições de crédito
por excelência, exercendo uma actividade identificada por um conteúdo cuja amplitude e profundidade
substancial não se associa a qualquer outra entidade24.
Já as caixas de crédito agrícola mútuo não associadas ao SICAM e as caixas económicas anexas,
continuando embora a poder ser identificadas pela recepção de depósitos, vêem a sua actividade
restringida a um conjunto menos alargado de operações, definido pelas normas legais e regulamentares
que regem a respectiva actividade (artigo 4º, n.º 2 RGICSF).

Na subcategoria das IC não depositárias integram-se, como já referido, as instituições


financeiras de crédito, as instituições de crédito hipotecário e as empresas de investimento que tenham
obtido autorização ao abrigo do regime especial de autorização previsto no artigo 21.º-A.
Apesar de não receberem do público depósitos, ainda assim podem receber outros fundos
reembolsáveis aos mesmos equiparados, acolhendo-se ao traço dominante da definição de instituição de
crédito, o qual, como também já referido, começa por ser a intermediação no crédito: utilização dos
fundos captados junto dos aforradores (aqueles que gastam menos do que as respectivas
disponibilidades) para colocação junto dos utilizadores (aqueles que necessitam de fundos para
aquisição de bens de consumo ou de equipamento, para desenvolvimento de iniciativas comerciais ou
industriais, etc.), assumindo estes o compromisso de devolverem tais fundos acrescidos do respectivo
rendimento.
A delimitação do âmbito de actividade que lhes é permitido também se rege, naturalmente, pelo
disposto no artigo 4º, n.º 2 RGICSF: só podem efectuar as operações permitidas pelas normas legais e
regulamentares que regem a sua atividade.

5. Tipos de instituições de crédito


Os diversos tipos de instituições de crédito previstos na lei são, em geral, definidos por um
conjunto de características específicas que, no essencial, têm a ver com (i) a natureza jurídica de que se
revestem, (ii) o seu objecto, enunciando as operações que lhe são permitidas e as que lhe são vedadas e,
finalmente, (iii) o montante mínimo de capital social exigido.
Tais características específicas estão, actualmente, enquadradas pelas disposições constantes do
artigo 14º RGICSF (natureza jurídica), de um conjunto de diplomas legais que dão corpo à estatuição
constante do n.º 2 do artigo 4.º RGICSF, nos termos da qual as instituições de crédito que não sejam
bancos só podem efectuar as operações permitidas pelas normas legais e regulamentares que regem a

24
Não será, pois, exagerado afirmar que os bancos assumem um papel de instituição de crédito modelo, sobre a qual se
demarcam todas as outras, constituindo “...a categoria aglutinadora do actual Direito bancário institucional” – CORDEIRO,
António Menezes, Manual de Direito Bancário, cit., p. 829.

15
sua actividade e, bem assim, pelas disposições relativas ao montante mínimo de capital social exigido,
de entre as quais se destacam as disposições da Portaria n.º 95/94, de 9 de Fevereiro25.
Importa, então, passar agora em revista os traços essenciais do regime específico de cada tipo
de instituição de crédito consagrado na lei26.

5.1 Bancos (alínea a) do artigo 3º RGICSF)


Os bancos apresentam-se como a instituição de crédito modelar, também pelo facto de, na
sequência do acolhimento, pelo ordenamento jurídico nacional, do princípio da banca universal, os
bancos serem o único tipo de instituição de crédito que pode praticar todas as operações enunciadas no
n.º 1 do artigo 4º RGICSF e, além disso, prestar os serviços de investimento a que se refere o artigo
199º-A naquelas não incluídos.
Esta amplitude operacional justifica, por outro lado, que aos bancos não seja consagrado
nenhum regime jurídico específico.
Assim, o acesso à actividade bancária e o respectivo exercício, por parte dos bancos, sujeita-se,
genericamente, às disposições do RGICSF e legislação complementar.
Nestes termos e no que aqui, agora, especialmente interessa, os bancos devem adoptar a forma
de sociedade anónima e ter capital social não inferior ao mínimo legal, representado obrigatoriamente
por acções nominativas (artigo 14º, n.º 1, al.s b) e d), respectivamente).
O montante mínimo do respectivo capital social está fixado em € 17.500.000,00, de acordo com
o disposto na alínea a) do n.º 1º da Portaria n.º 95/94, citada.
Quanto às operações em que a actividade dos bancos se concretiza, estas sujeitam-se aos regimes
próprios que lhes estejam definidos.

5.2 Caixas económicas (alínea b) do artigo 3º RGICSF)


Com origens históricas específicas (produto de uma época em que, não existindo um sistema
bancário minimamente articulado e disciplinado, a actividade de intermediação monetária e financeira
era exercida por particulares que se entregavam, as mais das vezes, a práticas abusivas) e sendo objecto
de um tratamento legislativo enformado por um espírito naturalmente resultante dessas origens, as caixas

25
Este diploma tem sido alterado, sucessivamente, tendo sido republicado pela Portaria n.º 335/2013, de 15 de Novembro; após
esta republicação, o mesmo diploma já sofreu as alterações introduzidas pela Portaria n.º 362/2015, 15 de Outubro e pelo DL
n.º 144/2019, de 23 de Setembro.
26
Para uma pormenorização do objecto de cada um dos tipos enunciados no artigo 3º RGICSF, sugere-se a consulta das
seguintes obras, embora alertando para a necessidade de serem tidas em vista as actualizações das respectivas matérias
entretanto verificadas: ATHAYDE, Augusto de / ATHAYDE, Augusto Albuquerque de / ATHAYDE, Duarte de, Curso de
Direito Bancário, cit., p. 289 s.; CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito Bancário, cit., p. 829 s.; LOPES, J. M.
Gameiro, Introdução ao Direito Bancário, cit., p. 116 s.; MATIAS, Armindo Saraiva, Direito Bancário, cit., p. 51 s.; NUNES,
Fernando Conceição, Direito Bancário, cit., p. 181 s.; PINA, Carlos Costa, Instituições e mercados financeiros, Coimbra, 2005,
p. 209 s.; SILVA, João Calvão da, Direito Bancário. Programa, conteúdos e métodos do ensino, cit., p. 183 s.; VEIGA, Vasco
Soares da, Direito Bancário, cit., p. 69 s.; ..........

16
económicas desde sempre foram delimitadas por um duplo critério: o de serem confinadas a uma
actividade bancária restrita e o de constituírem instituições sem fins lucrativos27.
No entanto, a evolução dos tempos sedimentou o discutível entendimento de as caixas
económicas se poderem caracterizar apenas em função da sua competência bancária restrita, ficando
relegada para segundo plano a sua natureza não lucrativa. Tal facto permitiu, aliás, o aparecimento de
caixas económicas constituídas sob forma de sociedades anónimas28.
Com a diversificação e desenvolvimento da estrutura bancária, a função económico-social
tradicionalmente ligada àquelas caixas foi preenchida por outras instituições, reduzindo as caixas
económicas a uma persistência de formas institucionais que tiveram a sua principal razão de ser em
condicionalismos históricos, hoje em larga medida ultrapassados.
A aproximação progressiva de algumas caixas económicas à actividade bancária universal, entre
outros factores, determinou a aprovação de um novo Regime Jurídico das Caixas Económicas (RJCE),
pelo DL n.º 190/2015, de 10 de Setembro, que revogou o DL n.º 136/79, de 18 de Maio29.
O novo Regime classifica as caixas económicas em duas modalidades: as caixas económicas
anexas e as caixas económicas bancárias, consoante o volume de activos seja inferior a € 50.000.000,00
(no primeiro caso) ou igual ou superior a esse valor (no segundo caso).
Como salientado no próprio preâmbulo do diploma legal em análise, três ideias fundamentais
justificam realce:
• Por um lado, a de que a subsunção da caixa económica a cada uma destas modalidades
permite definir o âmbito da actividade que pode desenvolver, a forma jurídica que deve
assumir e as eventuais especificidades de regime legal que lhe sejam aplicáveis, com
base na dimensão do negócio da instituição;
• Por outro lado, a de que esta divisão se aplica às caixas económicas actualmente
existentes que, assim, passam a ser classificadas de acordo com uma das modalidades
referidas e, naturalmente, às caixas económicas que venham a constituir-se no futuro;
• Finalmente, a de que assim se consagra “... expressamente e de forma transparente a
diferença, perante o mercado e os consumidores, de atuação e posicionamento no setor
bancário entre as caixas económicas que pretendem exercer uma atividade bancária

27
Para uma visão genérica da questão, a nível europeu e nacional, cfr. António Menezes CORDEIRO, Manual de Direito
Bancário, cit., p. 848 s.; também Augusto de ATHAYDE / Augusto Albuquerque de ATHAYDE / Duarte de ATHAYDE,
Curso de Direito Bancário, cit., p. 292 s.; Manuel Januário da Costa GOMES, Natureza jurídica das caixas económicas, BMJ
312, 1982, pp. 23 ss. [23-49]; António Pedro FERREIRA, Caixas Económicas, in Miguel Figueira de FARIA / José Amado
MENDES, Dicionário de História Empresarial Portuguesa. Séculos XIX e XX. Instituições Bancárias, V. I, Lisboa: UAL /
INCM, 2013 [514-518]; Pedro SAMEIRO, A Reforma da Legislação das Caixas Económicas em Portugal, in ROA, 55 / I,
1995 [19-85].
28
De que foram exemplo, entre outras, a Caixa Económica Faialense, S.A.R.L., a Caixa Económica Picoense, S.A.R.L. e a
Caixa Económica da Ribeira Grande – cfr. Pedro SAMEIRO, Novo regime jurídico das caixas económicas, RDS VIII, 2/2016,
pp. 345 s., salientando a distinção que deve ser feita entre o exercício de uma actividade economicamente interessada e o
exercício de uma actividade lucrativa [343-369].
29
Para uma análise desenvolvida dos contornos deste novo regime, Idem, ibidem, pp. 345 ss.

17
delimitada nos termos do presente diploma e aquelas que pretendam atuar sob uma
licença de atividade bancária universal e de forma muito similar aos bancos”.
Assim e em síntese geral:
As caixas económicas são instituições de crédito com personalidade jurídica, autonomia
orgânica, administrativa e financeira, que têm por objecto uma actividade bancária delimitada nos
termos do seu regime jurídico e dos respetivos estatutos (artigo 1º).
Regem-se pelas normas do RJCE e ainda, subsidiariamente, do RGICSF e respectiva legislação
conexa (artigo 2º).
As caixas económicas devem observar, com as devidas adaptações, os princípios orientadores
que regem a actividade das entidades de economia social e, na prossecução do seu objecto e com as
devidas adaptações, devem ainda atender aos princípios mutualistas (artigo 3º).
Apenas as associações mutualistas, misericórdias ou outras instituições de beneficência podem
ser instituições titulares de caixas económicas (artigo 6º).
Refira-se, finalmente, que o actual RJCE tem como destinatárias apenas três entidades30: a Caixa
Económica do Porto, anexa à A Beneficência Familiar – Associação de Socorros Mútuos31; a Caixa
Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A.32; e a Caixa Económica da Misericórdia
de Angra do Heroísmo, Caixa Económica Bancária, S.A.33.

5.2.1 Caixas económicas anexas


As caixas económicas cujo activo seja inferior a € 50.000.000,00 adoptam a modalidade de
caixa económica anexa (artigo 4º, n.º 2).
Só podem ser constituídas para a exclusiva prossecução dos fins de associações mutualistas,
misericórdias ou outras instituições de beneficência (artigo 7º, n.º 1) e dispõem de um capital social ou
têm afecto um património igual ou superior ao valor mínimo fixado por portaria do membro do Governo
responsável pela área das finanças (n.º 2): € 1.000.000,00 – artigo 1º, al. x) da Portaria n.º 95/94, citada.
Merece consenso a ideia de que as caixas económicas anexas se acolhem a uma natureza jurídica
fundacional, embora de natureza especial.
Nos termos dos respectivos estatutos e do regime jurídico em análise, as caixas económicas
anexas podem (artigo 8º, n.º 1):
a) Receber depósitos e outros fundos reembolsáveis;
b) Conceder empréstimos garantidos por penhor ou por hipoteca;

30
Cfr. a lista de caixas económicas autorizadas pelo Banco de Portugal a exercer actividade [https://www.
bportugal.pt/entidades-autorizadas/69/all – 05.04.2022].
31
Alvará Régio de 24 de Agosto de 1905 [https://ceporto.pt/historia/ - 10.04.2022].
32
Iniciou a sua actividade em 24 de Março de 1844 [https://www.bportugal.pt/entidadeautorizada/caixa-economica-montepio-
geral-caixa-economica-bancaria-as].
33
Fundada em 26 de abril de 1896 [https://www.cemah.pt/pt/institucional/not%C3%ADcias/125-anos-com-uma-nova-
imagem/ - 10.04.2022].

18
c) Adquirir e deter títulos de dívida pública dos Estados-Membros da União Europeia da
zona euro;
d) Financiar-se junto de outras instituições de crédito;
e) Fornecer serviços de cobrança, transferências de numerário, aluguer de cofres,
administração de bens imóveis, pagamentos periódicos e outros análogos;
f) Praticar operações cambiais.
No uso da faculdade habilitante conferida pelo n.º 2 deste mesmo artigo 8º, o Banco de Portugal
definiu as condições de concessão de empréstimos pelas caixas económicas anexas e de aquisição e
detenção pelas mesmas de títulos de dívida pública34.
Às caixas económicas anexas apenas é permitido praticar operações cambiais sempre que o
contravalor em euros da moeda estrangeira se destine à constituição de contas de depósito ou ao crédito
de contas já existentes ou, ainda, a liquidar responsabilidades próprias do cedente dos valores perante a
caixa económica anexa (n.º 3), mas podem também, em qualquer caso, comprar e vender notas e moedas
estrangeiras nos termos permitidos às agências de câmbio (n.º 4). De todo o modo, não estão autorizadas
a deter posições que impliquem exposição ao risco cambial (n.º 5).
Como enquadramento geral, a lei determina que as caixas económicas anexas exercem as
atividades referidas no n.º 1 exclusivamente junto, ou em benefício, dos associados ou beneficiários da
respetiva instituição titular (artigo 8º, n.º 6).
Finalmente, as caixas económicas anexas só podem adquirir participações sociais para obter ou
assegurar o reembolso de créditos próprios ou quando especialmente autorizadas pelo Banco de Portugal
(artigo 10º).
Quanto a reservas, as caixas económicas anexas devem constituir, obrigatoriamente (artigo 16º,
n.º 1), uma reserva geral, destinada a ocorrer a qualquer eventualidade e a cobrir prejuízos ou
depreciações extraordinárias [al. a)], com o limite mínimo fixado em 30% da totalidade dos depósitos
(n.º 2) e uma reserva especial, destinada a suportar prejuízos resultantes das operações correntes [al.
b)].
É facultativa a criação de uma reserva livre ou estatutária com a finalidade de permitir a
regularidade e estabilização do nível dos valores a distribuir pelos sócios a título de remuneração do
capital, independentemente da variação anual dos resultados (n.º 3).
Com respeito à afectação de resultados (artigo 17º), depois de realizadas as amortizações e de
constituídas as devidas provisões, a direcção deve propor à assembleia geral, com as contas anuais, o
destino a dar ao saldo que se apurar, em cada exercício, na respectiva conta de resultados (n.º 1).

34
Cfr. Aviso do Banco de Portugal n.º 4/2016, de 2 de Maio, que estabelece os requisitos prudenciais aplicáveis às caixas
económicas anexas.

19
É feita a atribuição mínima de 20% e 5% desse saldo, respetivamente para a reserva geral,
enquanto não atingir o limite fixado no n.º 2 do artigo 19.º [valor correspondente ao capital social
mínimo legal, previsto para os bancos], e para a reserva especial (n.º 2).
Não podem ser distribuídos resultados se as caixas económicas anexas se encontrarem em
situação de incumprimento de rácios e limites prudenciais obrigatórios (n.º 3).
Quanto à forma societária e à representação do capital social, refira-se que as caixas económicas
anexas constituem uma das excepções às regras gerais enunciadas no artigo 14º, n.º 1, alíneas b) e d)
RGICSF, por força do disposto no n.º 2 do artigo 29º do mesmo diploma.

5.2.2 Caixas económicas bancárias


Diversamente do que se verifica com as caixas económicas anexas, as caixas económicas
bancárias beneficiam de um princípio geral de equiparação, nos termos do qual são equiparadas a
bancos e estão sujeitas, enquanto tal, ao RGICSF e respectiva legislação conexa (artigo 18º).
Assim, são constituídas sob forma de sociedade anónima (artigo 19º, n.º 1) e não podem ter um
capital social inferior ao mínimo legal, previsto para os bancos, representado obrigatoriamente por
acções nominativas (n.º 2, complementado pelo disposto na alínea a) do n.º 1º da Portaria n.º 95/94,
citada).

5.3 Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e caixas de crédito agrícola mútuo (alínea c)
do artigo 3º RGICSF)
Com uma longa história de evolução e sedimentação, o actual Regime Jurídico do Crédito
Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola (RJCAM) foi aprovado pelo DL n.º 24/91, de
11 de Janeiro35.
Este regime teve em vista adoptar um modelo organizativo assente na particular ponderação do
conjunto formado pela Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e pelas suas associadas, considerada a
especificidade das cooperativas em causa, que resulta da sua estrutura financeira e grau de organização,
da sua multiplicidade e dimensão heterogénea, do modo de cobertura territorial e da especialidade do
seu objecto.
As principais características da referida solução organizativa (desenvolvida no Capítulo IV do
diploma, artigos 62º a 82º), podem sintetizar-se nas seguintes referências, colhidas directamente do
preâmbulo do diploma em análise:

35
Com várias alterações, consolidado e republicado pelo DL n.º 142/2009, de 16 de Junho; sobre as origens do crédito agrícola
em Portugal e a sua evolução, cfr. Augusto de ATHAYDE / Augusto Albuquerque de ATHAYDE / Duarte de ATHAYDE,
Curso de Direito Bancário, cit., pp. 305 ss.; António Menezes CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, cit., sp. 863 ss.; uma
interessante perspectiva, mais recuada no tempo, pode ser colhida em António Manuel Santos MURTEIRA, As Caixas de
Crédito Agrícola Mútuo Instituições Básicas do Sistema do Crédito Agrícola Português, Alcáçovas: CCAM, 1973; Licínio
Manuel Prata PINA, A Eficiência nas Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, Lisboa: ISCTE, 2012, pp. 5 ss.
[https://repositorio.iscteiul.pt/bitstream/10071/6273/1/ TESE_FINAL_LP.pdf]; Dina Maria Serrano SANTOS, Do Mutualismo
ao Mercado. A Banca Mutualista em Portugal. Estudo de Caso: O Crédito Agrícola Mútuo, Lisboa: FCHS, 2012, pp. 13 ss.
[https://run.unl.pt/bitstream/10362/7355/2/Dissertação%20FINAL%20Dina% 20Santos%202012.pdf].

20
a) A rigorosa definição do conjunto formado pela Caixa Central e pelas suas associadas,
que se denominou Sistema Integrado do Crédito Agrícola Mútuo (SICAM), como
destinatário do regime mais favorável decorrente da valoração positiva da organização
em comum;
b) A liberdade de associação das caixas de crédito agrícola mútuo à Caixa Central,
permitindo-se-lhes optar entre associarem-se ou prosseguirem a sua actividade
desligadas dessa associação, submetendo-se, neste caso, a regras, naturalmente mais
exigentes, similares às que são aplicáveis às demais instituições de crédito;
c) A estabilidade da associação à Caixa Central, traduzida no carácter estatutário dessa
associação, no seu registo e na fixação de um período mínimo pelo qual ela se deve
manter;
d) A designação da Caixa Central como organismo central do SICAM, sendo-lhe
atribuídas, sempre sem prejuízo da competência própria do Banco de Portugal,
importantes funções e poderes em matéria de representação do sistema, de orientação,
fiscalização e intervenção, solução que corresponde ao respeito devido às formas de
auto-organização características do cooperativismo;
e) A supervisão da solvabilidade e da liquidez da Caixa Central e das suas associadas passa
a ser feita com base em contas consolidadas, sem prejuízo, no entanto, de se manterem
mecanismos de supervisão individualizado de cada instituição com relevância para a
definição das regras concretas a que as respectivas garantias devem obedecer;
f) A criação de um regime de co-responsabilidade entre a Caixa Central e as suas
associadas;
g) A atribuição a um conselho de riscos de competência para acompanhar a acção da Caixa
Central, quando dessa acção resultarem grandes riscos para o sistema integrado do
crédito agrícola mútuo, isto como corolário do aludido regime de co-responsabilidade;
h) A atenuação ou dispensa, para as caixas de crédito agrícola mútuo integradas no
sistema, das obrigações de cumprimento de alguns requisitos de organização interna,
de realização de fundos próprios ou de contenção da sua actividade nos limites
quantitativos que resultem da ponderação dos fundos próprios individuais, neste caso,
mediante autorização da Caixa Central, a conceder em condições que serão fixadas pelo
Banco de Portugal.
É, pois, neste enquadramento que as caixas de crédito agrícola mútuo têm por objecto o
exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais
actos inerentes à actividade bancária, sempre nos termos do diploma em análise (artigo 1º).
Para o efeito, estas entidades podem financiar-se através dos meios permitidos às cooperativas
em geral e, bem assim, receber depósitos ou outros fundos reembolsáveis dos seus associados ou de
terceiros [artigo 26º, alínea a)] e ter acesso a outros meios de financiamento que lhes sejam

21
especialmente autorizados pelo Banco de Portugal, ouvida a Caixa Central, se se tratar de caixas suas
associadas [alínea b)].
O artigo 27º consagra que, para efeitos do diploma, são consideradas operações de crédito
agrícola os empréstimos e outros créditos, qualquer que seja a forma, a natureza, o título ou o prazo
destes, quando tenham por objecto, por exemplo, facultar recursos para apoio ao investimento ou
funcionamento de unidades produtivas dos sectores da agricultura, silvicultura, pecuária, caça, pesca,
aquicultura, agro-turismo e indústrias extractivas, ou para formação, reestruturação, melhoria ou
desagravamento do capital fundiário das explorações agrícolas, silvícolas, pecuárias, cinegéticas,
piscícolas, aquícolas, agro-turísticas ou de indústrias extractivas [alínea a)]; financiar a criação, a
montagem, o aperfeiçoamento, a renovação, total ou parcial, e o funcionamento de instalações
destinadas à transformação, ao melhoramento, à conservação, à embalagem, ao transporte e à
comercialização dos produtos agrícolas, silvícolas, pecuários, cinegéticos, piscícolas, aquícolas ou de
indústrias extractivas [alínea b)]; facultar recursos para o apoio ao investimento ou financiamento de
unidades de turismo de habitação ou turismo rural e de produção e comercialização de artesanato [alínea
d)]; financiar as despesas que contribuam para o aumento das condições de bem-estar dos associados
das caixas agrícolas e dos familiares que com eles vivam em economia comum, designadamente através
de crédito à habitação [alínea e)].
O regime jurídico do crédito agrícola mútuo sofreu, entretanto, relevantes alterações,
nomeadamente as introduzidas pelos DL n.ºs 230/95, de 12 de Setembro e 142/2009, de 16 de Junho,
nos termos das quais:
a) O artigo 35º passou a permitir às caixas agrícolas prestar serviços de aluguer de cofres
e guarda de valores, administração de bens imóveis, comercialização de contratos de
seguro, prestação de informações comerciais, colocação de valores mobiliários na
modalidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 125.º do Código do Mercado de
Valores Mobiliários, intermediação em pagamentos e outros de natureza análoga;
b) O artigo 36º passou a consagrar a permissão às caixas agrícolas de comprar e vender
notas e moedas estrangeiras ou cheques de viagem, nos termos permitidos às agências
de câmbios (n.º 1) e à Caixa Central de exercer o comércio de câmbios e realizar
operações cambiais nos mesmos termos que os bancos;
c) O artigo 36º-A alargou as actividades das caixas agrícolas que apresentem condições
estruturais adequadas e meios suficientes, designadamente quanto a fundos próprios,
solvabilidade, liquidez, organização interna e capacidade técnica e humana,
determinando que as mesmas poderão ser autorizadas pelo Banco de Portugal a alargar
o seu objecto a uma ou várias das actividades seguintes (n.º 1): locação financeira a
favor dos associados para financiamento de actividades referidas no artigo 27.º;
factoring a favor dos associados para financiamento de actividades referidas no artigo
27.º; emissão e gestão de meios de pagamento, tais como cartões de crédito, cheques de

22
viagem e cartas de crédito; participação em emissões e colocações de valores
mobiliários e prestações de serviços correlativos; actuação nos mercados
interbancários; consultoria, guarda, administração e gestão de carteiras de valores
mobiliários; gestão e consultoria em gestão de outros patrimónios;
d) As caixas agrícolas que apresentem condições estruturais adequadas e meios suficientes
passaram a poder ser autorizadas pelo Banco de Portugal a efectuar operações de crédito
com finalidades distintas das previstas no artigo 27.º (artigo 36º-A, n.º 6).
Refira-se, entretanto, que tanto as caixas de crédito agrícola mútuo como a própria Caixa Central
de Crédito Agrícola Mútuo são qualificadas por lei como instituições de crédito sob a forma cooperativa
– artigos 1º e 50º, n.º 1 RJCAM, respectivamente36.
Cabe referir, por último, que estas entidades constituem a outra excepção às regras gerais
relativas à forma societária e à representação do capital social, enunciadas no artigo 14º, n.º 1, alíneas
b) e d) RGICSF, por força do disposto no n.º 1 do artigo 29º do mesmo diploma.

5.3.1 A Caixa Central


Após a alteração do RJCAM operada pelo DL n.º 142/2009, a CCCAM passou a poder praticar
todos os actos inerentes à actividade bancária, nos mesmos termos autorizados aos bancos (artigo 50º,
n.º 2), passando a ser titular de uma licença de banco universal, apenas com a particularidade de dever
abster-se de concorrer com as suas associadas (n.º 3)37. Tal facto determinou que o seu capital social
mínimo tivesse passado a ser fixado em € 17.500.000,00, tal como o dos bancos e o das caixas
económicas bancárias38.
A CCCAM é uma caixa de grau superior, pois cabe-lhe representar e coordenar o SICAM (artigo
50º, n.º 7), devendo os seus estatutos incluir o regime de responsabilidade previsto nos artigos 78.º e
seguintes, os seus poderes de fiscalização, intervenção e orientação, bem como as regras de exoneração
e exclusão das caixas agrícolas associadas (artigo 65º). Salvo no caso especial em que seja necessária a
adopção de medidas extraordinárias de saneamento (artigo 81º, n.º 1), só podem ser associadas da
CCCAM as CCAM devidamente registadas no Banco de Portugal e outras entidades ligadas ao crédito
agrícola mútuo que, para o efeito, obtenham autorização expressa do Banco de Portugal [artigo 50º, n.º
8, al.s a) e b)].
A CCCAM, à semelhança de todas as entidades integrantes do sector bancário, também está
sujeita à supervisão do Banco de Portugal, mas a lei delega parte relevante dessas funções na Caixa
Central, relativamente às caixas integrantes do SICAM.

36
E, por isso, constituem uma das excepções às regras gerais relativas à forma societária e à representação do capital social,
enunciadas no artigo 14º, n.º 1, alíneas b) e d) RGICSF, por força do disposto no artigo 29º do mesmo diploma.
37
Para uma análise das alterações introduzidas no RJCAM pelo diploma citado, cfr. Fernanda MAÇÃS, Alterações
introduzidas ao Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo pelo Decreto‐Lei nº 142/2009, de 16 de Junho: entre o fim do
regime cooperativo em prol da liberdade de iniciativa económica sem respeito pelo principio da igualdade?, Revista de Direito
Público e Regulação, 3 / 2009, pp. 54 ss. [43-58].
38
Cfr. o artigo 53º, n.º 1 do RJCAM e o artigo 1º, al. c) da Portaria n.º 95/94, de 9 de Fevereiro.

23
Assim, o Banco de Portugal define as relações e limites prudenciais aplicáveis ao SICAM e
efectua a supervisão do sistema com base em contas consolidadas (artigo 74º, nºs 1 e 2); à Caixa Central
compete assegurar o cumprimento das regras de solvabilidade e liquidez do SICAM e das caixas
agrícolas que o integram (artigo 74º, n.º 3), bem como orientá-las e fiscalizá-las (artigos 75º e 76º),
titulando, ainda, poderes de intervenção e de designação de administradores provisórios, no caso em
que uma caixa agrícola pertencente ao SICAM esteja em situação de desequilíbrio financeiro grave, ou
em risco de o estar, e incumprir as orientações definidas pela Caixa Central (artigos 77º e 77º-A).
A CCCAM garante as obrigações assumidas pelas CCAM suas associadas, mesmo as
emergentes de facto anterior à associação, nos mesmos termos em que o fiador garante as obrigações do
afiançado (artigo 78º n.º 1) e não goza do beneficio de excussão (n.º 2).

5.3.2 O SICAM
Como resulta do anteriormente exposto e de acordo com o quadro legal vigente, o SICAM traduz
o conjunto formado pela Caixa Central e pelas caixas agrícolas suas associadas, organizado em
conformidade com as normas legais aplicáveis (artigo 63º, n.º 1 RJCAM), de cuja constituição foi dado
conhecimento público através do Aviso do Banco de Portugal n.º 11/91, de 2 de Dezembro.
Este conjunto não representa uma simples agregação dos vários elementos que o compõem,
antes também envolve um modelo de solidariedade financeira, intrasistémica e recíproca, entre todas
essas entidades. Todas dotadas de personalidade jurídica própria, no entanto cada uma garante, efectiva
e reciprocamente, as obrigações assumidas pelas demais entidades do Sistema.
De facto, a Caixa Central garante as obrigações assumidas pelas associadas (artigo 78º, n.º 1),
mas, pelo facto de conjuntamente serem titulares da integralidade do capital da Caixa Central, estas
podem ser chamadas a reforçá-lo, no caso de a Caixa Central se encontrar em situação de desequilíbrio
financeiro, traduzido, designadamente, na redução dos fundos próprios a um nível inferior ao mínimo
legal ou na inobservância dos rácios e limites prudenciais que lhe são aplicáveis (artigo 80º, n.º 1)39.
Como já referido, o preâmbulo do diploma que aprovou o actual RJCAM salientou, desde logo,
a rigorosa definição do conjunto formado pela Caixa Central e pelas suas associadas, o SICAM, como
destinatário do regime mais favorável decorrente da valoração positiva da organização em comum.
Do ponto de vista da CCCAM, esse regime mais favorável traduziu-se na sua equiparação a
banco, por via da faculdade que lhe foi conferida de conceder crédito e praticar todos os actos inerentes
à actividade bancária, nos mesmos termos autorizados aos bancos (artigo 50º, n.º 2, na redacção
introduzida pelo DL n.º 142/2009).
Do ponto de vista das CCAM associadas, o referido regime mais favorável pode sintetizar-se,
fundamentalmente, em três níveis:

39
Ricardo CRUZ / Bernardo MARQUES, Caixas agrícolas independentes: custos versus benefícios de adesão ao SICAM,
Porto: UCP, 2017, p. 150.

24
a) Ao nível do capital social mínimo, que lhes está fixado em € 5.000.000,00, montante
bastante inferior ao fixado para as CCAM não associadas40.
b) Ao nível da dispensa de aplicação de determinados requisitos estabelecidos no Regulamento
(UE) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, relativo
aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento:
(i) obter autorização do Banco de Portugal, mediante pedido devidamente fundamentado,
para a redução, recompra ou reembolso de instrumentos de fundos próprios, ainda que não
se encontrem preenchidas as condições estabelecidas nos artigos 78.º e 79.º do Regulamento
(UE) n.º 575/2013, atendendo, designadamente, à estrutura de fundos próprios da
instituição, às perspectivas da sua solvabilidade e à capacidade de a mesma garantir o
cumprimento das suas obrigações (artigo 2º, n.º 2)41; (ii) dispensa do cumprimento, em base
individual, dos requisitos de fundos próprios estabelecidos na Parte III do Regulamento
(UE) n.º 575/2013, devendo assegurar a sua observância a título indicativo (artigo 3º); (iii)
relativamente aos grandes riscos, não sujeição à aplicação de determinados requisitos
estabelecidos na Parte IV do Regulamento (UE) n.º 575/2013 (artigo 4º); (iv) dispensa do
cumprimento, em base individual, dos requisitos estabelecidos na Parte VI do Regulamento
do Regulamento (UE) n.º 575/2013, relativamente à obrigação de reporte em matéria de
liquidez (artigo 5º); (v) cálculo do rácio de alavancagem previsto na Parte VII do
Regulamento (UE) n.º 575/2013, em base individual, a título indicativo (artigo 6º); (vi)
dispensa da aplicação dos requisitos relativos à divulgação de informações previstos na
Parte VIII do Regulamento (UE) n.º 575/2013, em base individual, com exceção do previsto
no artigo 450.º daquele Regulamento, devendo a informação aí referida constar do Relatório
e Contas Anual daquelas instituições de crédito (artigo 7º);
c) Ao nível da possibilidade destas CCAM concederem crédito em contrato de agência com a
CCCAM (artigo 61º RJCAM), por vezes em regime de sindicação, designadamente para
operações que a legislação impedia aquelas de o fazerem directamente42.

5.3.3 As caixas de crédito agrícola mútuo não associadas


Do exposto anteriormente resulta, a contrario sensu, a identificação das características próprias
das CCAM não integradas no SICAM43.

40
Artigo 1º, al. b) da Portaria n.º 95/94, de 9 de Fevereiro.
41
As normas agora referidas reportam-se ao Aviso do Banco de Portugal n.º 5/2014, de 09 de Setembro, que regulamentou esta
matéria.
42
Ricardo CRUZ / Bernardo MARQUES, Caixas agrícolas independentes: custos versus benefícios de adesão ao SICAM, cit.,
p. 157; Licínio Manuel Prata PINA, A Eficiência nas Caixas de Crédito Agrícola Mútuo, cit., pp. 8.
43
No quadro actual, apenas cinco caixas de crédito agrícola mútuo integram esta subcategoria, tendo-se acolhido ao princípio
da liberdade de associação à Caixa Central, consagrado na solução organizativa do SICAM (artigos 62º a 82º do RJCAM):
Bombarral, Chamusca, Leiria, Mafra e Torres Vedras.

25
Desde logo, por as definir como instituições de crédito depositárias que apenas podem exercer
uma actividade bancária restrita, uma vez que não integram o conjunto formado pelo SICAM e,
portanto, não beneficiando do regime mais favorável decorrente da valoração positiva daquela
organização em comum. Por outro lado, por estarem sujeitas a requisitos e condicionalismos específicos
e mais apertados, determinados pela não integração no mencionado conjunto.
As consequências deste posicionamento jurídico assumido pelas CCAM não associadas da
Caixa Central apresenta um conjunto de repercussões que, de seguida, serão sumariamente
referenciadas.

5.3.4 Repercussões da distinção


Assim sendo, as CCAM não associadas não beneficiam do referido regime mais favorável,
situação esta que também se pode sintetizar, fundamentalmente, nos três níveis acima indicados:
a) Ao nível do capital social mínimo, está-lhes fixado o montante de € 7.500.000,00, montante
superior ao fixado para as CCAM associadas, que se cifra em € 5.000.000,0044.
b) Não beneficiam da dispensa de aplicação dos requisitos estabelecidos no Regulamento (UE)
n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, relativo aos
requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento;
c) Estão limitadas ao exercício de uma actividade bancária estrita, só podendo exercer as
actividades que lhe sejam permitidas pelo RJCAM45.
Daqui resulta que as CCAM não associadas podem exercer as seguintes actividades:
• Recepção de depósitos e outros fundos reembolsáveis;
• Realização de operações de crédito agrícola em favor dos associados;
• Prestação de serviços de aluguer de cofres e guarda de valores;
• Administração de bens imóveis;
• Mediação de seguros;
• Prestação de informações comerciais;
• Intermediação em pagamentos e outros de natureza análoga;
• Colocação de valores mobiliários desde que sem vínculo à subscrição de qualquer
parcela que não seja subscrita pelo público;
• Compra e venda de notas e moedas estrangeiras ou cheques de viagem, nos termos
permitidos às agências de câmbios;
• As caixas de crédito agrícola mútuo que reúnam condições estruturais adequadas e
recursos suficientes podem ser autorizadas pelo Banco de Portugal a realizar outras

44
Cfr. o artigo 71º do RJCAM e o artigo 1º, al. b) da Portaria n.º 95/94, de 9 de Fevereiro.
45
Cfr. https://www.bportugal.pt/autorizacao-de-constituicao-inst-credito.

26
operações (relativamente aos respectivos beneficiários e finalidades), tais como,
conforme disposto no artigo 36º-A RJCAM:
i. Locação financeira;
ii. Factoring;
iii. Emissão e gestão de meios de pagamento, entre os quais cartões de crédito,
cheques de viagem e cartas de crédito;
iv. Participação em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de
serviços correlativos;
v. Atuação nos mercados interbancários;
vi. Consultoria, guarda, administração e gestão de carteiras de valores
mobiliários;
vii. Gestão e consultoria em gestão de outros patrimónios.
Este constitui, pois, o quadro das actividades que as CCAM podem exercer, por iniciativa
própria, nos termos legais, ou mediante autorização especial do Banco de Portugal.

5.4 As instituições financeiras de crédito (alínea d) do artigo 3º RGICSF)


Este novo tipo de instituição de crédito foi criado pelo DL n.º 186/2002, de 21 de Agosto,
constituindo seu objecto a prática de todas as operações permitidas aos bancos, com excepção da
recepção de depósitos (artigo 1º). Por outro lado, quanto à emissão de moeda electrónica, a prática desta
operação ficará dependente de autorização específica para o efeito, a conceder pelo Banco de Portugal,
nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 5º do DL n.º 42/2002, de 2 de Março (Regime Jurídico das
Instituições de Moeda Electrónica).
A sua criação visou, fundamentalmente, permitir a concretização de projectos empresariais de
reagrupamento de actividades financeiras numa única entidade jurídica sem, no entanto, forçar a
constituição de redes para captação de depósitos, o que determinaria a assunção do estatuto de banco
pelas entidades em causa.
Por outro lado, como bem realça o preâmbulo do DL n.º 186/2002, citado, a existência de uma
espécie de instituição de crédito que, nomeadamente, possa desenvolver todas as actividades hoje
permitidas às sociedades de locação financeira, às sociedades de factoring e às sociedades financeiras
para aquisições a crédito é um instrumento eficiente de concorrência em mercado aberto.
A al. u) do artigo 1.º da Portaria n.º 95/94, de 4 de Setembro, determina que as IFIC devem
possuir um capital social de montante não inferior a € 10.000.000,00.

5.5 As instituições de crédito hipotecário (alínea e) do artigo 3º RGICSF)


O DL n.º 59/2006, de 20 de Março veio introduzir no ordenamento jurídico nacional um novo
tipo de instituição de crédito, as denominadas instituições de crédito hipotecário (ICH), cujo objecto
consiste na concessão, aquisição e alienação de créditos garantidos por hipoteca sobre bens imóveis a

27
fim de emitir obrigações hipotecárias (artigo 6º, n.º 1). Estas instituições podem, também, conceder,
adquirir e alienar créditos sobre administrações centrais ou autoridades regionais e locais de um dos
Estados membros da União Europeia e créditos com garantia expressa e juridicamente vinculativa das
mesmas entidades, tendo em vista a emissão de obrigações sobre o sector público (n.º 2).
Acessoriamente, podem efectuar os actos de administração dos bens que lhes hajam sido restituídos em
reembolso de créditos, bem como realizar as restantes actividades necessárias à prossecução do seu
objecto (n.º 3).
Nos termos do artigo 2º deste diploma, apenas podem emitir obrigações hipotecárias as
instituições de crédito legalmente autorizadas a conceder créditos garantidos por hipoteca que
disponham de fundos próprios não inferiores a € 7.500.000,00, mas às ICH é permitido financiarem a
sua actividade também através de (artigo 7º): a) Emissão de papel comercial e obrigações de qualquer
espécie nas condições previstas na lei e sem obediência aos limites fixados no Código das Sociedades
Comerciais; b) Obtenção de financiamentos concedidos por outras instituições de crédito ou por
instituições financeiras internacionais; c) Contracção dos financiamentos previstos nas alíneas a) e d)
do n.º 2 do artigo 9.º RGICSF.
Em tudo o mais, é aplicável a este novo tipo de instituições de crédito o RGICSF e legislação
complementar (artigo 8º).

5.6 As empresas de investimento que tenham obtido autorização ao abrigo do regime


especial de autorização previsto no artigo 21.º-A. (alínea m) do artigo 3º RGICSF)
Quanto ao objecto das empresas de investimento, dispõe o artigo 1º do novo regime:
i. São pessoas coletivas que, não sendo instituições de crédito, têm como actividade
principal a prestação de serviços de investimento a terceiros ou o exercício de
actividades de investimento a título profissional previstas no Código dos Valores
Mobiliários (n.º 1);
ii. Podem igualmente prestar serviços auxiliares previstos no Código dos Valores
Mobiliários e de consultoria para investimento em depósitos estruturados (n.º 2);
iii. São intermediários financeiros, sendo-lhes aplicável o disposto no Código dos Valores
Mobiliários, na demais legislação nacional e da União em tudo o que não for contrário
ao disposto no presente regime e, ainda, na legislação da União Europeia relativa à
actividade das empresas de investimento (n.º 3).
Relativamente às suas características societárias (artigo 2º), as empresas de investimento
adoptam a forma de sociedade anónima, podendo, se exercerem exclusivamente a actividade de
consultoria para investimento, adoptar a forma de sociedade anónima ou sociedade por quotas [n.º 1,
al.s a) e b)].
Têm a sede da administração principal e efectiva em Portugal. (n.º 2) e constituem-se e
subsistem com qualquer número de acionistas, nos termos da lei (n.º 3).

28
Dispõem de um capital social mínimo inicial, constituído nos termos da legislação da União
Europeia relativa aos requisitos prudenciais aplicáveis às empresas de investimento, que não pode ser
inferior a (artigo 3º, n.º 1):
i. € 750.000,00, se exercerem actividades ou prestarem serviços de negociação por conta
própria e tomada firme e/ou colocação com garantia de instrumentos financeiros, ou
exercerem cumulativamente actividades de negociação por conta própria e de gestão de
sistemas organizados de negociação [al. a)];
ii. € 75 000,00, se prestarem serviços de receção e transmissão de ordens, por conta de
clientes, relativas a um ou mais instrumentos financeiros, de execução de ordens, por
conta de clientes, relativas a um ou mais instrumentos financeiros, de gestão de carteiras
de instrumentos financeiros, de consultoria para investimento em instrumentos
financeiros e de colocação sem garantia de instrumentos financeiros, e não estiverem
autorizadas a deter fundos de clientes ou valores mobiliários pertencentes aos seus
clientes [al. b)];
iii. € 150 000,00, se exercerem ou prestarem atividades ou serviços não referidos nas
alíneas anteriores [al. c)].
O capital social inicial é integralmente subscrito e realizado na data da constituição da empresa
de investimento (n.º 2).
Do regime de autorização das empresas de investimento destacam-se os seguintes aspectos
(artigo 8º):
O seu início de actividade em Portugal depende de autorização prévia da CMVM (n.º 1).
A autorização define os serviços e actividades de investimento, bem como os serviços auxiliares,
que a empresa de investimento está autorizada a prestar ou exercer (n.º 2).
Estas empresas não podem ser autorizadas para prestar exclusivamente serviços auxiliares (n.º
3).
O pedido de autorização é instruído nos termos da regulamentação da União relativa à
autorização de empresas de investimento.
Previamente à concessão de autorização, a CMVM consulta (artigo 10º, n.º 1):
i. Banco de Portugal, se a autorização respeitar a empresa de investimento filial de uma
instituição de crédito sujeita à sua supervisão ou filial da empresa-mãe de uma
instituição de crédito nestas condições [al. a)];
ii. A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, se a autorização respeitar
a empresa de investimento filial de uma empresa de seguros sujeita à sua supervisão ou
filial da empresa-mãe de uma empresa de seguros nestas condições [al. b)].
Estas informações são prestadas no prazo de dois meses (n.º 2).
A autorização para constituir uma empresa de investimento filial de uma empresa de
investimento, de um operador de mercado ou de uma instituição de crédito autorizada noutro Estado-

29
Membro, ou filial da empresa-mãe de uma empresa de investimento ou de uma instituição de crédito
nestas condições, depende de consulta prévia à autoridade de supervisão do Estado-Membro em causa
(n.º 3).
As disposições referidas são, igualmente, aplicáveis quando (n.º 4):
i. A empresa de investimento a constituir é controlada pelas mesmas pessoas singulares
ou coletivas que controlam uma empresa de investimento ou uma instituição de crédito
autorizada noutro Estado-Membro [al. a)];
ii. A empresa de investimento a constituir é filial de uma empresa de seguros autorizada
noutro Estado-Membro, ou filial da empresa-mãe de uma empresa de seguros nestas
condições, ou é controlada pelas mesmas pessoas singulares ou coletivas que controlam
uma empresa de seguros noutro Estado-Membro [al. b)].
A consulta prévia aqui prevista incide, em especial, sobre a adequação dos accionistas e a
idoneidade e experiência profissional dos membros dos órgãos de administração da empresa de
investimento a constituir e das pessoas envolvidas na gestão de outra entidade do mesmo grupo, devendo
a CMVM e as referidas autoridades trocar todas as informações relevantes (n.º 5).

Como atrás indicado, as empresas referidas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1º-A RGICSF e já autorizadas
como empresas de investimento, devem apresentar ao Banco de Portugal um pedido de autorização, ao
abrigo do regime especial de autorização de instituição de crédito, nos termos dos artigos 14º e 16º, na
data em que o primeiro dos seguintes eventos tenha lugar (artigo 21º-A, n.º 1):
a) A média mensal dos activos totais, calculada durante um período de 12 meses
consecutivos, é igual ou superior a 30 mil milhões de euros; ou
b) A média mensal dos activos totais, calculada durante um período de 12 meses
consecutivos, é inferior a 30 mil milhões de euros, e a empresa integra um grupo cujo
valor total dos ativos consolidados de todas as empresas do grupo, que individualmente
têm um total de ativos inferior a 30 mil milhões de euros e exercem uma das atividades
referidas no n.º 2 do artigo 1º-A, é igual ou superior a 30 mil milhões de euros,
calculados como média durante um período de 12 meses consecutivos.
Nas situações aqui previstas, as empresas podem continuar a exercer as atividades abrangidas
pelo âmbito da sua autorização, até obterem a referida autorização (n.º 2).
O Banco de Portugal assegura que o processo de autorização é tão simples quanto possível e
que são tidas em conta informações constantes de anteriores processos de autorizações (n.º 3).
A autorização para o exercício de actividade como empresa de investimento fica suspensa com
a concessão desta nova autorização (n.º 4), cessando a suspensão com a revogação da autorização como
instituição de crédito, ao abrigo do regime especial previsto no artigo 23º- B (n.º 5).

30
A empresa de investimento, autorizada como instituição de crédito, pode solicitar ao Banco de
Portugal a sua transformação em banco (artigo 21º-B, n.º 1), caso em que será aplicável o regime do
artigo 34º, relativo às alterações estatutárias em geral (n.º 2).

5.7 Outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior, como tal sejam
qualificadas pela lei (alínea k) do artigo 3º RGICSF)
Não se encontram registadas, no Banco de Portugal, quaisquer entidades subsumíveis a este
preceito legal46.

Subsecção II
Sociedades financeiras

6. A não intermediação no crédito como elemento caracterizador: não recepção de depósitos


nem de outros fundos reembolsáveis a eles equiparados
No contexto do sistema financeiro, outro é o enquadramento dispensado às sociedades
financeiras. Estas são legalmente definidas como as empresas, com exceção das instituições de crédito
e das empresas de investimento, que tenham como actividade principal exercer, pelo menos, uma das
actividades permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos ou outros fundos
reembolsáveis do público (al. kk) do artigo 2º-A RGICSF).
Sendo certo que todas as operações permitidas por lei às sociedades financeiras podem
igualmente ser praticadas pelas instituições de crédito, atentas as largas zonas de sobreposição
detectáveis nas actividades desenvolvidas por ambos os grupos, o facto é que uma diferença fundamental
os separa, dado derivar directamente da definição legal a impossibilidade de as sociedades financeiras
exercerem a intermediação no crédito.
Esta conclusão resulta directamente de uma das vertentes do princípio da exclusividade, pela
qual só as instituições de crédito podem exercer a actividade de recepção, do público, de depósitos ou
outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria (artigo 8º, n.º 1 RGICSF); e é reforçada
por uma outra vertente do mesmo princípio, segundo a qual só as instituições de crédito e as sociedades
financeiras podem exercer, a título profissional, as atividades referidas nas alíneas b) a i) e q) a s) do n.º
1 do artigo 4.º, com excepção da consultoria referida na alínea i) (n.º 2).

7. O princípio da especialização como elemento definidor da actividade das demais entidades


financeiras
Como se viu, o segundo subgrupo de instituições de crédito atrás referido, integrado por
entidades que recebem do público apenas outros fundos reembolsáveis para aplicação por conta própria

46
Cfr. https://www.bportugal.pt/entidades-autorizadas/1069/transferwise - 22.05.2022.

31
mediante a concessão de crédito, assenta num princípio de especialização, nos termos do qual cada tipo
de entidades vê a respectiva actividade definida pelas normas legais e regulamentares que lhe digam
respeito, sempre com um enquadramento mais específico (artigo 4º, n.º 2 RGICSF).
São aqui considerados, portanto, tipos de entidades agrupáveis em função da especialização da
actividade prosseguida.
O mesmo se passa com as sociedades financeiras, agrupamento todo ele estruturado em função
de um idêntico princípio de especialização, de acordo com a vocação essencial de cada tipo de entidades
considerado. Também aqui a respectiva actividade é definida pelas normas legais e regulamentares que
lhe digam respeito, num enquadramento específico (artigo 7º RGICSF).
No entanto, é possível identificar neste grande grupo três áreas distintas de actuação, em função
do objecto essencial de cada tipo de entidades47, a saber: a área creditícia, identificada pelo denominador
comum de concessão de crédito, outras formas de financiamento e prestação de garantias a contratos de
crédito48; a área de intermediação, por via da realização de operações de compra e venda de notas e
moedas estrangeiras ou de cheques de viagem, compra de ouro e prata, em moeda ou noutra forma não
trabalhada, bem como moedas para fins de numismática, podendo, ainda, exercer a actividade de agente
de instituição de pagamento ou de instituição de moeda electrónica com sede em Portugal ou noutro
Estado membro da União Europeia49; finalmente, a área de fomento, identificada pela canalização de
investimentos e aplicações para fins determinados50.

8. Tipos de sociedades financeiras


Também para as sociedades financeiras a lei adoptou a solução de apenas poderem efectuar as
operações permitidas pelas normas legais e regulamentares que rejam a respectiva actividade (artigo 7º
RGICSF).
Ao logo do tempo, o elenco legal de tipos de sociedades financeiras, constante do artigo 6º, n.º
1, tem sofrido assinaláveis alterações, passando, nomeadamente, pela requalificação como sociedades
financeiras de entidades anteriormente qualificadas como instituições de crédito (a saber, as sociedades
de investimento; as sociedades de locação financeira; as sociedades de factoring; e as sociedades
financeiras para aquisições a crédito)51 ou pela recondução a outras categorizações de entidades
anteriormente qualificadas como sociedades financeiras (a saber, as sociedades gestoras de fundos de
investimento e as sociedades gestoras de fundos de titularização de créditos)52.

47
Segundo o enunciado de ATHAYDE, Augusto de / ATHAYDE, Augusto Albuquerque de / ATHAYDE, Duarte de, Curso
de Direito Bancário, cit., p. 335 s.; cfr., igualmente, LOPES, J. M. Gameiro, Introdução ao Direito Bancário, cit., p. 120 s.,
agora adaptado ao novo elenco legal.
48
São entidades creditícias: as sociedades financeiras de crédito, as sociedades de investimento, as sociedades de locação
financeira, as sociedades de factoring, as sociedades de garantia mútua e as sociedades financeiras de microcrédito.
49
Como entidades de intermediação são apontadas as agências de câmbios.
50
As sociedades de desenvolvimento regional constituem o exemplo das entidades de fomento.
51
Cfr. as alterações ao RGICSF introduzidas pelo DL n.º 157/2014, de 24 de Outubro.
52
Cfr. as alterações ao RGICSF introduzidas pelo DL n.º 144/2019, de 23 de Setembro, das quais se destacam, neste particular :
i) a revogação dos pontos vi) e ix) da al. b) do mencionado artigo 6º, n.º 1 ; ii) o aditamento de um n.º 5 a esse mesmo artigo,
onde se reitera não serem sociedades financeiras as entidades de titularização de créditos, os organismos de investimento

32
Por outro lado, esse elenco passou a enunciar um tipo geral, enunciado na al. b) - as instituições
financeiras referidas nas subalíneas ii) e iv) da alínea z) do artigo 2º‐A -, no qual se integram diversos
subtipos, alinhados nas subalíneas do mencionado artigo 6º, n.º 1.
Este enunciado, naturalmente, deve ser actualizado em função da nova redacção daquela alínea,
introduzida pelo DL n.º 109-H/2021, de 10 de Dezembro, que já não integra subalíneas.

8.1 Instituições financeiras (proémio alínea b), n.º 1 do artigo 6º RGICSF)


Na sua actual redacção, a al. z) do artigo 2º-A RGICSF define Instituições financeiras, com
excepção das instituições de crédito, sociedades gestoras de participações no sector dos seguros, das
sociedades gestoras de participações de seguros mistas e das sociedades gestoras de participações no
sector puramente industrial, as empresas que tenham como actividade principal adquirir ou gerir
participações sociais ou exercer uma ou mais das atividades enumeradas nas alíneas b) a h), j) e r) do
n.º 1 do artigo 4.º, incluindo instituições de pagamento, empresas de investimento, sociedades de gestão
de activos, companhias financeiras, companhias financeiras mistas e companhias financeiras de
investimento.
Assim53:

8.1.1 As sociedades financeiras de crédito (subalínea i), alínea b), n.º 1 do artigo 6º
RGICSF)
Este novo tipo de sociedades financeiras foi criado pelo DL n.º 157/2014, de 24 de Outubro,
tendo o respectivo regime jurídico sido aprovado pelo DL n.º 100/2015, de 02 de Junho, com o mesmo
se pretendendo, como logo se esclarece no Preâmbulo, que as sociedades financeiras de crédito tenham
um âmbito alargado, podendo prosseguir as actividades permitidas aos bancos, com certas excepções.
Este tipo de sociedades permitirá, assim, reagrupar numa única entidade jurídica a prossecução de
actividades financeiras desenvolvidas de forma dispersa pelas restantes sociedades financeiras,
anteriormente classificadas como instituições de crédito.
O regime desdobra-se em três disposições, a saber:
Quanto ao objecto, o artigo 1º refere que as sociedades financeiras de crédito têm por objecto a
prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos ou outros fundos
reembolsáveis do público e da prestação de serviços de pagamento e de emissão de moeda electrónica
(n.º 1).

colectivo e as entidades de capital de risco, empreendedorismo social e investimento especializado; e iii) a transferência para a
Comissão do Mercado de Valores Mobiliários das competências de supervisão sobre as sociedades gestoras de fundos de
investimento e de fundos de titularização de créditos.
53
Para uma pormenorização do objecto de cada um dos tipos de sociedades financeiras, numa perspectiva de evolução histórica,
cfr. Augusto de ATHAYDE / Augusto Albuquerque de ATHAYDE / Duarte de ATHAYDE, Curso de Direito Bancário, cit.,
p. 336 s.; António Menezes CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, cit., p. 913 s.; J. M. Gameiro LOPES, Introdução ao
Direito Bancário, cit., p. 121 s.; Fernando Conceição NUNES, Direito Bancário, cit., p. 238 s.; João Calvão da SILVA, Direito
Bancário. Programa, conteúdos e métodos do ensino, cit., p. 199 s.; Vasco Soares da VEIGA, Direito Bancário, cit., p. 131 s.;
................

33
Acrescenta-se que, para efeitos do regime em análise, não são considerados como outros fundos
reembolsáveis do público os fundos obtidos mediante a emissão de obrigações de qualquer espécie, nas
condições previstas na lei, em montante que não exceda o quádruplo dos seus capitais próprios,
considerando a soma do preço de subscrição de todas as obrigações emitidas e não amortizadas, bem
como mediante a emissão de papel comercial (n.º 2).
Entende-se por capitais próprios o somatório do capital realizado, deduzidas as acções próprias,
com as reservas, os resultados transitados e os ajustamentos em activos financeiros (n.º 3).
O artigo 2º determina que estas sociedades se regem pelo disposto no presente regime e pelas
disposições do RGICSF.
As sociedades financeiras de crédito adoptam a forma de sociedade anónima (artigo 3º, n.º 1),
devendo incluir na sua denominação a expressão «sociedade financeira de crédito», podendo apenas
estas entidades utilizar esta designação (n.º 2).
Quanto ao respectivo capital social, não pode ser inferior ao montante de € 7.500.000,00 (artigo
1º, al. v) da Portaria n.º 95/94).

8.1.2 Sociedades de investimento (subalínea ii), alínea b), n.º 1 do artigo 6º RGICSF)
Este tipo de sociedades financeiras é regulado pelo DL n.º 260/94, de 22 de Outubro54.
As sociedades de investimento são sociedades financeiras que têm por objecto exclusivo a
realização das operações financeiras e a prestação de serviços conexos definidos no diploma respectivo
(artigo 1º), regendo-se pelo disposto nesse diploma e pelas disposições aplicáveis do RGICSF.
Quanto ao seu objecto, dispõe o artigo 3º, n.º 1 que as sociedades de investimento podem
efectuar apenas as seguintes operações ou prestar os seguintes serviços:
a) Operações de crédito a médio e longo prazo, não destinadas a consumo, incluindo
concessão de garantias e outros compromissos, bem como operações de crédito de
curto prazo diretamente relacionadas com as anteriores;
b) Oferta de fundos no mercado interbancário;
c) Tomada de participações no capital de sociedades, sem a restrição prevista no artigo
101º RGICSF;
d) Subscrição e aquisição de valores mobiliários, bem como participação na tomada
firme e em qualquer outra forma de colocação de emissões de valores mobiliários e
prestação de serviços correlativos;
e) Consultoria, guarda, administração e gestão de carteiras de valores mobiliários;
f) Gestão e consultoria em gestão de outros patrimónios;
g) Administração de fundos de investimento fechados;
h) Serviços de depositário de fundos de investimento;

54
Alterado pelos DL n.ºs 157 /2014, de 24 de Outubro e 100/2015, de 02 de Junho.

34
i) Consultoria de empresas em matéria de estrutura do capital, de estratégia
empresarial e de questões conexas, bem como consultoria e serviços no domínio da
fusão e compra de empresas;
j) Outras operações previstas em leis especiais;
l) Transações por conta dos clientes sobre instrumentos do mercado monetário e
cambial, instrumentos financeiros a prazo e opções e operações sobre divisas ou
sobre taxas de juro e valores mobiliários para cobertura dos riscos de taxa de juro e
cambial associados às operações referidas na alínea a);
m) Outras operações cambiais necessárias ao exercício da sua atividade.
As atividades previstas nas ali.s e) e f) ficam sujeitas às disposições que regulam o respetivo
exercício por sociedades gestoras de patrimónios, carecendo ainda de autorização expressa do cliente as
aquisições de valores mobiliários emitidos ou detidos pela sociedade de investimentos (n.º 2).
Para os efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 3º, entendem-se por operações de crédito destinadas
ao consumo os negócios de concessão de crédito concedidos a pessoas singulares para finalidades
alheias à sua atividade profissional (n.º 3).
As sociedades de investimento adoptam a forma de sociedade anónima (n.º 4).
Estas entidades só podem financiar a sua actividade com fundos próprios e através dos seguintes
recursos (artigo 4º, n.º 1):
i. Emissão de obrigações de qualquer espécie, nas condições previstas na lei, em montante
que não exceda o quádruplo dos seus capitais próprios, considerando a soma do preço de
subscrição de todas as obrigações emitidas e não amortizadas, bem como emissão de papel
comercial [al. a)];
ii. Financiamentos concedidos por instituições de crédito, nomeadamente no âmbito do
mercado interbancário, de acordo com a legislação aplicável a este mercado, bem como
por instituições financeiras [al. c)];
iii. Financiamentos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 9º RGICSF [al. d)].
Para efeitos desta al. a), entende-se por capitais próprios o somatório do capital realizado,
deduzidas as açcões próprias, com as reservas, os resultados transitados e os ajustamentos em activos
financeiros.
O capital social destas sociedades não pode ser inferior ao montante de € 5.000.000,00 (artigo
1º, al. d) da Portaria n.º 95/94).

35
8.1.3 Sociedades de locação financeira (subalínea iii), alínea b), n.º 1 do artigo 6º
RGICSF)
Este tipo de instituições de crédito é regulado pelo DL n.º 72/95, de 15 de Abril55.
São definidas como instituições de crédito que têm por objecto principal o exercício da
actividade de locação financeira (artigo 1º, n.º 1)56, podendo, como actividade acessória, alienar, ceder
a exploração, locar ou efectuar outros actos de administração sobre bens que lhes hajam sido restituídos,
quer por motivo de resolução de um contrato de locação financeira, quer em virtude do não exercício
pelo locatário do direito de adquirir a respectiva propriedade (artigo 1º, n.º 2, alínea a) e locar bens
móveis fora das condições referidas na alínea anterior (artigo 1º, n.º 2, alínea b). Podem, igualmente,
realizar as operações cambiais necessárias ao exercício das suas actividades (artigo 6º) e constituir
consórcios para a realização de operações que constituem o seu objecto (artigo 7º).
Em termos de regime jurídico, as sociedades de locação financeira regem-se pelo disposto no
diploma próprio e pelas disposições aplicáveis do RGICSF (artigo 2º).
Estas entidades só podem financiar a sua actividade com fundos próprios e através dos recursos
provenientes de (artigo 5’, n.º 1):
a) Emissão de obrigações de qualquer espécie, nas condições previstas na lei, em montante
que não exceda o quádruplo dos seus capitais próprios, considerando a soma do preço
de subscrição de todas as obrigações emitidas e não amortizadas, bem como emissão de
papel comercial;
b) Financiamentos concedidos por outras instituições de crédito, nomeadamente no âmbito
do mercado interbancário, se a regulamentação aplicável a este mercado o não proibir,
bem como por instituições financeiras;
c) Financiamentos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 9.º RGICSF57.
Importa referir, ainda, que o artigo 4º do DL n.º 72/95 foi revogado pelo DL n.º 186/2002, de
21 de Agosto, diploma este que introduziu no ordenamento jurídico português a figura das instituições
financeiras de crédito.
Aquela disposição, com efeito, determinava que apenas os bancos e as sociedades de locação
financeira podiam celebrar, de forma habitual, na qualidade de locador, contratos de locação financeira.
Ora, uma vez que o artigo 1.º do referido DL n.º 186/2002 consagrou como objecto das IFIC a prática
das operações permitidas aos bancos, apenas com excepção da recepção de depósitos, foi necessário
revogar aquela disposição de exclusividade consagrada para as sociedades de locação financeira. O
mesmo sucedeu com o DL n.º 100/2015, de 02 de Junho, cujo artigo 1º, n.º 1 conferiu às sociedades
financeiras de crédito a possibilidade de prosseguirem as actividades permitidas aos bancos, com certas

55
Alterado pelos DL n.ºs 285/2001, de 3 de Novembro, 186/2002, de 21 de Agosto, 157 /2014, de 24 de Outubro e 100/2015,
de 02 de Junho.
56
Sobre a locação financeira cfr., infra, p. ……… s.
57
Cfr., supra, p. ………., nota ……………..

36
excepções. com exceção da recepção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis do público e da
prestação de serviços de pagamento e de emissão de moeda eletrónica.
A alínea e) do artigo 1.º da citada Portaria n.º 95/94 determina que estas instituições devem
possuir um capital social de montante não inferior a € 3.000.000,00, se tiverem por objecto apenas a
locação financeira mobiliária, ou € 5.000.000,00, nos restantes casos.

8.1.4 Sociedades de factoring (subalínea iv), alínea b), n.º 1 do artigo 6º RGICSF)
Este tipo de instituições de crédito é regulado pelo DL n.º 171/95, de 18 de Julho 58 e tem como
objecto o exercício da actividade de factoring ou cessão financeira59, que consiste na aquisição de
créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços, nos mercados interno
e externo (artigo 2º, n.º 1), nela se compreendendo as acções complementares de colaboração entre as
entidades habilitadas a exercer tal actividade e os seus clientes, designadamente de estudo dos riscos de
crédito e de apoio jurídico, comercial e contabilístico à boa gestão dos créditos transaccionados (n.º 2).
As sociedades de factoring podem, também, realizar as operações cambiais necessárias ao exercício da
sua actividade (artigo 6º).
As sociedades de factoring só podem financiar a sua actividade com fundos próprios e através
dos seguintes recursos (artigo 5º, n.º 1):
a) Emissão de obrigações de qualquer espécie, nas condições previstas na lei, em montante
que não exceda o quádruplo dos seus capitais próprios, considerando a soma do preço
de subscrição de todas as obrigações emitidas e não amortizadas, bem como emissão de
papel comercial;
b) Financiamentos concedidos por instituições de crédito, nomeadamente no âmbito do
mercado interbancário, se a regulamentação aplicável a este mercado o não proibir, bem
como por instituições financeiras internacionais;
c) Financiamentos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 9.º RGICSF60.
Importa referir, ainda, que a redacção do artigo 4º do DL n.º 171/95 foi alterada pelo mesmo DL
n.º 186/2002, de 21 de Agosto, já referido.
Também neste caso, tal como se verificava relativamente às sociedades de locação financeira,
consagrava o n.º 1 do artigo 4.º do DL n.º 171/95 uma outra vertente do princípio de exclusividade, nos
termos da qual só as sociedades de factoring e os bancos podiam celebrar, de forma habitual, como
cessionários, contratos de factoring. Uma vez mais, dado que as IFIC e, posteriormente, também as SFC,
puderam passar a praticar as operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos
e com excepção da recepção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis do público e da prestação de

58
Alterado pelos DL n.ºs 186/2002, de 21 de Agosto, 157 /2014, de 24 de Outubro e 100/2015, de 02 de Junho.
59
Sobre a cessão financeira, ou factoring, cfr., infra, p. ……. s.
60
Cfr., supra, p. ……….., nota ………………..

37
serviços de pagamento e de emissão de moeda eletrónica, respectivamente, foi necessário revogar a
disposição constante daquele n.º 1.
As sociedades de factoring adoptam a forma de sociedade anónima (artigo 4º, n.º 2),
determinando a alínea f) do artigo 1.º da citada Portaria n.º 95/94 que estas instituições devem possuir
um capital social de montante não inferior a € 1.000.000,00.

8.1.5 Sociedades de garantia mútua (subalínea v), alínea b), n.º 1 do artigo 6º RGICSF)
Este tipo de sociedades financeiras é regulado pelo DL n.º 211/98, de 16 de Julho61, que lhes
consagra como objecto exclusivo a realização de operações financeiras e a prestação dos serviços
conexos previstos no diploma em beneficio de micro, pequenas e medias empresas, ou outras pessoas
coletivas, qualquer que seja a sua natureza jurídica, designadamente associações e agrupamentos
complementares de empresas, bem como pessoas singulares, em especial estudantes e investigadores,
regendo-se pelo disposto no diploma próprio presente, no Código Comercial e demais legislação
comercial e, em particular, pelas disposições aplicáveis do RGICSF (artigo 1º).
Trata-se de um sistema largamente, e desde há muito, difundido por outros países da União
Europeia62.
A razão da definição desta clientela-alvo específica está claramente enunciada no preâmbulo do
diploma e prende-se com o facto de as categorias de empresas visadas assumirem um papel relevante na
estrutura económico-empresarial portuguesa e na dinamização da economia, por exemplo contribuindo
para a atenuação dos ciclos económicos e para a criação e estabilização de emprego e de riqueza, mas,
por outro lado, a sua dimensão determinar que o acesso aos financiamentos necessários e adequados à
prossecução das suas actividades esteja em regra condicionado por um conjunto de factores muito
restritivos, nomeadamente no que se refere às condições de preço e de prazo daqueles financiamentos.
Tais factores, naturalmente, influenciam as suas relações com empresas de maior dimensão, no plano
nacional e no contexto internacional, mas sobretudo com as empresas de semelhante dimensão no
âmbito da União Europeia e influenciam, igualmente, a sua capacidade de expansão e competitividade.
Assim sendo, encetou-se o enquadramento da actividade de caucionamento mútuo e dos seus
intérpretes privilegiados, criando um mecanismo adequado para que a dimensão da empresa possa ser
menos relevante como factor a considerar na obtenção dos respectivos financiamentos: visando, assim,
melhorar a competitividade das empresas mencionadas, especialmente no que se refere às relações com
mercados externos e obtendo, reflexamente, um factor de acréscimo de competitividade da economia
nacional.
As SGM apresentam algumas especificidades dignas de registo, tais como:

61
Com alterações, tendo sido republicado pelo DL n.º 12/2022, de 12 de Janeiro.
62
BERCOVITZ, Alberto, La Sociedad de Garantia Recíproca como Tipo Social Autónomo, em AA. VV., Estudios de derecho
bancario y bursatil. Homenaje a Evelio Verdera y Tuells, I, Madrid, 1994, p. 225 s.

38
Quanto à estrutura accionista (artigo 3º), estas entidades têm accionistas beneficiários e, desde
que os respectivos estatutos o prevejam, podem ter accionistas promotores (n.º 1). Os primeiros são,
forçosamente, pequenas e médias empresas, microempresas ou entidades representativas de qualquer
das categorias de empresas referidas (n.º 2) e, em benefício dos segundos, não podem ser realizadas
pelas SGM operações nem prestados serviços (n.º 3). Os accionistas promotores não podem deter,
individual ou conjuntamente, directa ou indirectamente, uma participação superior a 50% do capital
social ou dos direitos de voto da sociedade de garantia mútua, excepto nos três primeiros anos contados
da data de constituição da sociedade, período durante o qual aquela percentagem será de 75%.
Quanto à representação do capital (artigo 5º), as acções são obrigatoriamente nominativas (n.º
1), devendo as contas de registo ou de depósito nas quais se encontrem registadas ou depositadas acções
de sociedades de garantia mútua revelar a qualidade de accionista beneficiário ou de accionista
promotor, para além das menções e factos exigidos nos termos gerais (n.º 2).
Quanto à realização do capital (artigo 6º), esta só pode ser concretizada através de entradas em
dinheiro, sem prejuízo da possibilidade de serem efectuados aumentos do capital social na modalidade
de incorporação de reservas, nos termos gerais.
Quanto à autorização e sua revogação (artigo 7º), as SGM não podem ser constituídas por um
número de accionistas beneficiários inferior a 20 (n.º 1) e a autorização pode ser revogada, para além
dos fundamentos previstos nos termos gerais, se o número de accionistas beneficiários for inferior a 20,
por um período superior a 18 meses [n.º 2, alínea a)] ou a assembleia geral não aprovar as condições
gerais de concessão das garantias, no prazo de 180 dias contado da data de constituição da sociedade
[n.º 2, alínea b)].
O objecto das SGM consiste na (artigo 2º, n.º 1):
a) Concessão de garantias destinadas a assegurar o cumprimento de obrigações contraídas
por accionistas beneficiários, designadamente garantias acessórias de contratos de
mútuo;
b) Promoção, em favor dos accionistas beneficiários, da obtenção de recursos financeiros
junto de instituições de crédito ou de outras instituições financeiras, nacionais ou
estrangeiras;
c) Participação na colocação, em mercado primário ou em mercado secundário, de acções,
obrigações ou de quaisquer outros valores mobiliários, bem como de títulos de crédito
emitidos nos termos do Decreto-Lei n.º 181/92, de 22 de Agosto, desde que a entidade
emitente seja accionista beneficiário ou se encontrem previstos no n.º 2, e prestação de
serviços correlativos;
d) Prestação de serviços de consultoria de empresas, aos accionistas beneficiários, em
áreas associadas à gestão financeira, designadamente em matéria de estrutura do capital,
de estratégia empresarial e de questões conexas, bem como no domínio da fusão, cisão
e compra ou venda de empresas.

39
No entanto, as sociedades de garantia mútua só podem realizar operações e prestar serviços em
benefício de accionistas beneficiários, para o desenvolvimento das respectivas actividades económicas
(artigo 2º, n.º 5).
As SGM só podem financiar a sua actividade com fundos próprios e através dos seguintes
recursos (artigo 8º, n.º 1):
a) Financiamentos concedidos por instituições de crédito ou por instituições financeiras,
nacionais ou estrangeiras;
b) Suprimentos e outras formas de financiamento concedido pelos accionistas, nos termos
legalmente admissíveis;
c) Emissão de obrigações de qualquer espécie, nas condições previstas na lei, elevando os
limites fixados no Código das Sociedades Comerciais até ao quádruplo dos seus capitais
próprios.
Quanto à prestação de garantias (artigo 10º), importa salientar que as SGM não podem conceder
garantias a favor dos accionistas beneficiários enquanto não se encontrar integralmente realizada a
participação cuja titularidade seja exigida, nos termos do n.º 3 do artigo 13.º, como condição da sua
obtenção (n.º 1) e que entre o momento de concessão da garantia e o da respectiva extinção, as acções
que integrem a participação cuja titularidade seja exigida como condição de obtenção daquela garantia
não poderão ser objecto de transmissão, excepto nos casos previstos no n.º 4, e serão dadas em penhor
em benefício da sociedade de garantia mútua como contragarantia da garantia prestada por aquela
sociedade (n.º 2). As excepções referidas, sempre reguladas pelos termos que os estatutos da sociedade
de garantia mútua venham a estabelecer, têm a ver com o facto de se verificar a cisão ou fusão do
accionista beneficiário [n.º 4, alínea a)], a cessão da posição contratual no negócio do qual resultem as
obrigações garantidas [n.º 4, alínea b)] ou o falecimento do accionista beneficiário [n.º 4, alínea c)].
Em caso de não cumprimento, por algum dos accionistas beneficiários, de obrigação que se
encontre garantida pela SGM, pode esta, nos termos gerais, executar o penhor constituído, nos termos
do n.º 2 do artigo 10.º, sobre as acções do accionista beneficiário (artigo 12º, n.º 1). Contudo,
independentemente de convenção nesse sentido entre a sociedade de garantia mútua e o accionista
beneficiário faltoso, podem as acções objecto do penhor ser adjudicadas àquela sociedade ou ser
vendidas extrajudicialmente (n.º 2), casos em que o valor das acções para efeitos de adjudicação será o
valor de emissão (n.º 3).
As SGM, com a finalidade de oferecer uma cobertura e garantia suficientes para os riscos
contraídos nas suas operações e assegurar a solvência do sistema, devem proceder à contragarantia das
suas operações, através do Fundo de Contragarantia Mútuo63, pelo saldo vivo, em cada momento, das
garantias prestadas e pelo limite máximo de contragarantia admitido por aquele fundo (artigo 17º).

63
Este Fundo, criado pelo DL n.º 229/98, de 22 de Julho, é gerido pela SPGM - Sociedade de Investimento, S.A. e o seu
Regulamento foi aprovado pela Portaria n.º 1354-A/99, de 29 de Dezembro (DR, II, n.º 303, 4º Supl., de 31 de Dezembro de
1999).

40
A alínea s) do artigo 1º da citada Portaria n.º 95/94 determina que as SGM devem possuir um
capital social de montante não inferior a € 2.500.000,00.

8.1.6 Sociedades de desenvolvimento regional (subalínea vii), alínea b), n.º 1 do artigo
6º RGICSF)
Este tipo de sociedades financeiras é regulado pelo DL n.º 25/91, de 11 de Janeiro64, que lhes
define como objecto a promoção do investimento produtivo na área da respectiva região e por finalidade
o apoio ao desenvolvimento económico e social da mesma (artigo 1º).
São constituídas sob a forma de sociedade anónima (artigo 2º, n.º 1), embora as acções
representativas do seu capital social possam ser nominativas ou ao portador registadas (n.º 2). Por outro
lado, quanto à instrução do pedido de autorização, determina-se que os elementos indicados na lei geral
devem ser acompanhados pelo parecer das comissões de coordenação regional das áreas abrangidas pela
actividade da sociedade (artigo 3º).As SDR promovem, através da realização de operações financeiras
e da prestação de serviços complementares, a dinamização do investimento e das relações empresariais,
tendo em vista o aproveitamento dos recursos endógenos e das potencialidades da respectiva área
geográfica de actuação, em conformidade com os objectivos da política de desenvolvimento regional
(artigo 6º, n.º 1), participando, ainda, na medida dos meios técnicos e humanos disponíveis, com os
órgãos competentes do Estado e das autarquias locais na prossecução dos objectivos de interesse
regional, designadamente através das seguintes actividades (n.º 2):
a) Contribuição para a realização do desenvolvimento económico regional, em termos
de preservação do equilíbrio ecológico e do património cultural e artístico da região,
e da promoção de acções no âmbito do ordenamento do território, a par com a
melhoria da qualidade de vida das populações e a criação de emprego;
b) Participação no lançamento de parques industriais e de pólos de desenvolvimento
regional e no fomento da cooperação intermunicipal;
c) Divulgação de informações relevantes para o investimento e o desenvolvimento
económico e social.
No desenvolvimento da sua actividade e segundo as regras específicas fixadas nos n.ºs 2 a 8 do
artigo 7º, podem as SDR efectuar as seguintes operações activas, tendo como beneficiários entidades
com sede, estabelecimento principal ou actividade relevante na sua área geográfica (n.º 1):
a) Participar no capital de sociedades constituídas ou a constituir;
b) Conceder a empresas crédito, a médio e a longo prazos, destinado ao financiamento
do investimento em capital fixo, à recomposição do fundo de maneio ou à
consolidação de passivos, neste último caso em conexão com as acções tendentes à
reestruturação ou recuperação das empresas beneficiárias;

64
Alterado pelo DL n.º 247/94, de 7 de Outubro.

41
c) Conceder crédito, a médio e a longo prazos, a profissionais livres para instalação
na área da SDR ou para modernização ou renovação de equipamentos, quando se
trate de especialidades de marcado interesse para a região;
d) Adquirir créditos, por cessão ou sub-rogação, que hajam sido concedidos para fins
idênticos aos indicados na alínea b);
e) Prestar garantias bancárias que assegurem o cumprimento de obrigações assumidas
para fins idênticos aos indicados na mesma alínea b);
f) Adquirir obrigações e outros títulos de dívida negociáveis;
g) Gerir fundos de capital de risco.
As SDR podem, também, realizar as operações cambiais necessárias ao exercício da sua
actividade (artigo 13º).
Por outro lado e tendo em vista, nomeadamente, a realização das atribuições indicadas no artigo
6.º, podem ainda as SDR prestar os serviços e efectuar as operações seguintes (artigo 8º):
a) Apoiar o lançamento de novas empresas;
b) Participar em acções tendentes à recuperação de empresas em deficiente situação
económica ou financeira;
c) Realizar estudos técnico-económicos de viabilidade de empresas ou de novos
projectos de investimento, incluindo os que visem o acesso a sistemas de incentivos,
a reestruturação e reorganização de empresas existentes, a promoção de mercados
para o escoamento de produções regionais, a melhoria de processos de produção e
a introdução de novas tecnologias, em termos de um eficaz aproveitamento dos
recursos e factores produtivos locais;
d) Proceder ao estudo das modalidades de financiamento mais adequadas à natureza
dos empreendimentos referidos nas alíneas anteriores e promover a obtenção de
crédito a médio e longo prazos junto de instituições de crédito ou estabelecimentos
financeiros nacionais ou estrangeiros;
e) Colaborar na procura dos parceiros mais convenientes para projectos de criação ou
recuperação de empresas;
f) Desenvolver, em colaboração, designadamente, com as comissões de coordenação
regional, associações e núcleos empresariais, universidades e institutos
politécnicos, estudos sectoriais e regionais, bem como a constituição de uma base
de dados sobre as empresas e as oportunidades de negócio na região;
g) Apoiar as autarquias locais que explorem serviços de interesse público, local ou
regional, no estudo dos modelos de financiamento mais adequados, tendo em vista
o lançamento de infra-estruturas e outros empreendimentos que contribuam para o
desenvolvimento económico da respectiva área de actuação;

42
h) Celebrar contratos de prestação de serviços com entidades promotores de
empreendimentos ou responsáveis pela implementação de programas de carácter
regional;
i) Proceder à gestão técnica, administrativa e financeira das intervenções operacionais
incluídas no quadro comunitário de apoio (QCA) para as intervenções estruturais
comunitárias no território português, mediante a celebração de contratos-programa
com o Estado, conforme o disposto no artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 99/94, de 19
de Abril.
As SDR podem complementar os respectivos fundos próprios com a obtenção de recursos
alheios através de (artigo 9º, n.º 1):
a) Emissão de obrigações, de prazo não inferior a dois anos, até ao limite fixado no
Código das Sociedades Comerciais;
b) Financiamentos, por prazo não inferior a dois anos, concedidos por instituições de
crédito ou sociedades financeiras, até ao dobro dos fundos próprios da SDR;
c) Crédito, na modalidade de conta corrente, por prazo inferior a dois anos, concedido
por instituições de crédito, até ao limite máximo de 15% dos fundos próprios da
SDR;
d) Emissão de títulos de dívida de curto prazo regulados pelo Decreto-Lei n.º 181/92,
de 22 de Agosto, com observância do limite fixado às sociedades comerciais,
podendo o montante de crédito não utilizado nos termos da alínea c) acrescer ao
limite fixado na alínea b) (n.º 2).
É especialmente vedado às SDR (artigo 11º):
a) O exercício directo de qualquer actividade agrícola, industrial ou comercial;
b) A participação no capital social, a concessão de crédito e a prestação de garantias a
quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, bem como a sociedades
cujo objecto compreenda a actividade de mediação sobre bens imóveis, a compra e
venda, exploração ou administração de bens imóveis, exceptuada a exploração
agrícola, turística, florestal ou cinegética;
c) A aquisição ou posse de bens imóveis para além dos necessários às suas instalações,
salvo quando lhes advenham por efeito de cessão de bens, dação em cumprimento,
arrematação ou qualquer outro meio legal de cumprimento de obrigações ou
destinado a assegurar esse cumprimento, devendo, em tais situações, proceder à
respectiva alienação em prazo que só pode exceder dois anos se, em casos
excepcionais, o Banco de Portugal o autorizar.
À sociedade em cujo capital participe uma SDR é vedado, sob pena de nulidade do respectivo
negócio, adquirir acções ou obrigações desta última (artigo 12º).

43
A alínea o) do artigo 1º da citada Portaria n.º 95/94 determina que estas entidades devem possuir
um capital social de montante não inferior a € 3.000.000,00.

8.1.7 Agências de câmbios (subalínea viii), alínea b), n.º 1 do artigo 6º RGICSF)
Este tipo de sociedades financeiras é regulado pelo DL n.º 3/94, de 11 de Janeiro65 e o seu
objecto principal consiste a realização de operações de compra e venda de notas e moedas estrangeiras
ou de cheques de viagem (artigo 1º, n.º 1), podendo, acessoriamente, comprar ouro e prata, em moeda
ou noutra forma não trabalhada, bem como moedas para fins de numismática (n.º 2). As agências de
câmbios podem ainda exercer a actividade de agente de instituição de pagamento ou de instituição de
moeda electrónica com sede em Portugal ou noutro Estado membro da União Europeia, nas condições
estabelecidas no Regime Jurídico dos Serviços de Pagamentos e da Moeda Electrónica, aprovado em
anexo ao DL 91/2018, de 12 de Novembro (n.º 5).
As agências de câmbios devem satisfazer os seguintes requisitos (artigo 2º):
a) Adoptar a forma de sociedade anónima ou de sociedade por quotas;
b) Inserir na denominação social a expressão “agência de câmbios”;
c) Preencher as demais condições de que depende a autorização e o exercício da
actividade das sociedades financeiras.
Nos termos do artigo 3º, as operações a que se refere o artigo 1.º, realizadas com residentes ou
com não residentes, só poderão ser efectuadas contra escudos, expressão esta que, actualmente, deve ser
reformulada na unidade monetária euros66.
A al. r) do artigo 1º da Portaria n.º 95/94 determina que estas entidades devem possuir um capital
social de montante não inferior a € 100.000,00.

8.1.8 Sociedades financeiras de microcrédito (subalínea x), alínea b), n.º 1 do artigo 6º
RGICSF)
O DL n.º 12/2010, de 19 de Fevereiro introduziu, no ordenamento jurídico português, a
possibilidade de se constituírem sociedades especificamente vocacionadas para o microcrédito, visando,
tal como salientado no respectivo preâmbulo, “... alargar o acesso à actividade de concessão de
microcrédito a agentes económicos que actualmente não exerçam actividade financeira, permitindo-lhes
enquadrar aquela actividade de financiamento no âmbito de finalidades económicas e sociais que já
prossigam, tendo em vista potenciar o desenvolvimento de novos investimentos e a criação de emprego”.
Do regime em vigor destaca-se:

65
Alterado pelos DL n.ºs 298/95, de 18 de Novembro, 53/2001, de 15 de Fevereiro, 317/2009, de 30 de Outubro e 242/2012,
de 7 de Novembro.
66
Regem aqui, portanto, as disposições do artigo único do DL n.º 136/2002, de 16 de Maio: “Todas as referências monetárias
a escudos contidas em textos legais, em actos administrativos e em decisões proferidas em processos contra-ordenacionais
consideram-se feitas em euros, sendo a sua determinação feita por aplicação da taxa de conversão prevista no Regulamento n.º
2866/98/CE, do Conselho, de 31 de Dezembro, e do disposto no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 117/2001, de 17 de Abril,
quanto ao arredondamento das importâncias em causa”.

44
O objecto das sociedades financeiras de microcrédito consiste na prática de operações de
concessão de crédito de montantes reduzidos, a particulares e a empresas, para desenvolver uma
actividade económica, o aconselhamento dos mutuários e o acompanhamento dos respectivos projectos
(artigo 1º, n.º 1).
Em cumprimento do disposto no n.º 2 deste mesmo artigo, a Portaria nº 1315/2010, de 28 de
Dezembro definiu:
i. Os tipos de actividades económicas que podem ser objecto de financiamento pelas
sociedades financeiras de microcrédito – financiamento de pequenos projectos
empresariais ou profissionais, susceptíveis de criar ou manter postos de trabalho de
forma sustentável, nomeadamente o auto-emprego, promovidos por mutuários cujo
perfil de risco lhes dificulte o acesso ao mercado de crédito tradicional (artigo 1º, n.º
1), bem como financiamento de actividades que se mostrem necessárias à capacitação
do candidato para o exercício da actividade empresarial ou profissional a financiar nos
termos do n.º 1 (n.º 3);
ii. Os montantes máximos de financiamento - até ao valor máximo de (euro) 25 000 por
mutuário, sem prejuízo das normas prudenciais aplicáveis (artigo 2º).
Os financiamentos não podem ser aplicados em finalidade diferente daquela para a qual foram
concedidos (artigo 2º, n.º 1 do DL citado), implicando a violação desta norma o vencimento do
empréstimo, podendo exigir-se imediatamente o seu reembolso e o pagamento dos juros que forem
devidos (n.º 2). Incumbe às sociedades financeiras de microcrédito a fiscalização e acompanhamento da
aplicação dos empréstimos, tendo em vista a finalidade para a qual foram concedidos, ficando os
mutuários obrigados a fornecer as informações solicitadas e autorizar as vistorias e verificações que
forem consideradas adequadas (n.º 3).
A al. t) do artigo 1º da Portaria n.º 95/94 determina que estas entidades devem possuir um capital
social de montante não inferior a € 1.000.000,00.

8.2 Outras empresas que, correspondendo à definição de sociedade financeira, sejam como
tal qualificadas pela lei (alínea l), n.º 1 do artigo 3º RGICSF)
Não se encontram registadas, no Banco de Portugal, quaisquer entidades subsumíveis a este
preceito legal67.

67
Cfr. https://www.bportugal.pt/entidades-autorizadas/1069/transferwise - 22.05.2022.

45
Subsecção III
Instituições financeiras

1. Introdução
No quadro do RGICSF são, por último, indicadas as instituições financeiras, conceito que
agrega as sociedades financeiras e outros tipos de entidades, tais como, por exemplo, as instituições de
pagamento, as instituições de moeda electrónica e as empresas de investimento que não sejam titulares
da autorização ao abrigo do regime especial de autorização previsto no artigo 21.º‐A 68.
O respectivo traço agregador define-se pelo exercício de uma ou mais das atividades
enumeradas nas alíneas b) a h), j) e r) do n.º 1 do artigo 4.º, de acordo com as normas legais e
regulamentares que regem a respectiva atividade.
Os serviços de pagamento e a emissão de moeda electrónica justificam, neste ponto, um
particular destaque, considerando a evolução legislativa da respectiva regulamentação, a nível
comunitário como a nível nacional.

2. O enquadramento comunitário dos serviços de pagamento e da moeda electrónica


As instâncias comunitárias foram aprovando diversos actos, a partir de finais da década de
oitenta do século XX, para colmatar a falta de harmonização das regras de funcionamento do mercado
único de serviços de pagamento, na medida em que a realização do mercado interno implica o
desmantelamento de todas as fronteiras internas da Comunidade, de molde a permitir a livre circulação
de bens, pessoas, serviços e capitais69.
Contudo, essas primeiras iniciativas revelaram-se insuficientes para a obtenção do resultado
pretendido, tendo resultado a verificação de que a coexistência de disposições nacionais e de um
enquadramento comunitário incompleto suscitava confusão e falta de segurança jurídica.
Em sequência evolutiva, foi publicada a Directiva 2007/64/CE do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 13 de Novembro de 2007, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, que
altera as Directivas 97/7/CE, 2002/65/CE, 2005/60/CE e 2006/48/CE e revoga a Directiva 97/5/CE
(Directiva Serviços de Pagamentos – DSP).

68
Cfr. a definição constante da al. z) do artigo 2º-A RGICSF.
Para pormenorizações, cfr. ATHAYDE, Augusto de / ATHAYDE, Augusto Albuquerque de / ATHAYDE, Duarte de, Curso
de Direito Bancário, cit., p. 264 s.; CORDEIRO, António Menezes, Manual de Direito Bancário, cit., p. 931 s.
69
Assim e por sequência de data de publicação: a Recomendação 87/598/CEE da Comissão, de 8 de Dezembro de 1987, relativa
a um código europeu de boa conduta em matéria de pagamento electrónico (relações entre instituições financeiras,
comerciantes-prestadores de serviços e consumidores); a Recomendação 88/590/CEE da Comissão, 17 de Novembro de 1988,
relativa aos sistemas de pagamento, em especial no que diz respeito às relações entre o titular e o emissor dos cartões; a
Directiva 97/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Janeiro de 1997, relativa às transferências transfronteiras;
a Recomendação 97/489/CE da Comissão, de 30 de Julho de 1997, relativa às transacções realizadas através de um instrumento
de pagamento electrónico, nomeadamente em relação às relações entre o emitente e o detentor; e o Regulamento (CE) n.º
2560/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Dezembro de 2001, relativo aos pagamentos transfronteiras em
euros.

46
De acordo com os respectivos considerandos, este diploma visou estabelecer um enquadramento
legal, moderno e coerente, para os serviços de pagamento a nível comunitário, sejam eles compatíveis,
ou não, com o sistema resultante da iniciativa do sector financeiro relativa a um espaço único de
pagamentos em euros.
Tal objectivo assentou em diversas premissas, das quais se podem destacar:
i. A neutralidade desse enquadramento legal, a fim de assegurar condições de
concorrência equitativas para todos os sistemas de pagamento e preservar a escolha
do consumidor, devendo constituir um avanço significativo em termos de custos
para os consumidores, de segurança e de eficácia, em comparação com os sistemas
nacionais então vigentes;
ii. A finalidade de assegurar a coordenação das disposições nacionais em matéria de
requisitos prudenciais, garantir o acesso de novos prestadores de serviços de
pagamento ao mercado, estabelecer requisitos de informação e fixar os direitos e
obrigações dos utilizadores de serviços de pagamento70;
iii. O carácter não exaustivo do referido enquadramento legal: a sua aplicação devia
circunscrever-se aos prestadores de serviços de pagamento que tenham como
actividade principal a prestação de serviços de pagamento a utilizadores desses
serviços; não aplicabilidade a serviços em que a transferência de fundos do
ordenante para o beneficiário, ou o seu transporte, seja executado exclusivamente
em notas e moedas ou em que a transferência se baseie num cheque em suporte de
papel, letra, livrança ou outro instrumento em suporte de papel, talões em suporte
de papel ou cartões cujo levantamento seja efectuado junto de um prestador de
serviços de pagamento ou de outra parte com o objectivo de colocar fundos à
disposição do beneficiário;
iv. A definição de regras relativas à execução de operações de pagamento cujos fundos
sejam constituídos por moeda electrónica, na acepção da alínea b) do n.º 3 do artigo
1º da Directiva 2000/46/CE71, embora a Directiva 2007/64/CE não regule a
emissão de moeda electrónica, nem altere a regulamentação prudencial das
instituições de moeda electrónica, contida na mesma Directiva 2000/46/CE. Daí
resultou que as instituições de pagamento não eram autorizadas a emitir moeda
electrónica.

70
Foram mantidas as disposições do Regulamento (CE) n.o 2560/2001, que criou um mercado único para os pagamentos em
euros, no que diz respeito aos preços que lhes são aplicáveis; por outro lado, as disposições da Directiva 97/5/CE e as
recomendações formuladas nas Recomendações 87/598/ /CEE, 88/590/CEE e 97/489/CE foram integradas no novo diploma
legal único de carácter vinculativo.
71
Esta Directiva foi, entretanto, revogada pela Directiva 2009/110/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de
Setembro de 2009, relativa ao acesso à actividade das instituições de moeda electrónica, ao seu exercício e à sua supervisão
prudencial, que altera as Directivas 2005/60/CE e 2006/48/CE e revoga a Directiva 2000/46/CE.

47
Entretanto, também a matéria da moeda electrónica já tinha sido objecto de intervenção
legislativa comunitária.
Com efeito, foi publicada a Directiva 2000/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18
de Setembro de 2000, relativa ao acesso à actividade das instituições de moeda electrónica e ao seu
exercício, bem como à sua supervisão prudencial, onde se define:
• Instituição de moeda electrónica - uma empresa ou qualquer outra pessoa colectiva, que
não uma instituição de crédito definida na alínea a) do primeiro parágrafo do ponto 1
do artigo 1º da Directiva 2000/12/CE, que emite meios de pagamento sob a forma de
moeda electrónica” [artigo 1º, n.º 3, al. a)]72.
• Moeda electrónica - um valor monetário, representado por um crédito sobre o emitente,
e que seja
i. Armazenado num suporte electrónico;
ii. Emitido contra a recepção de fundos de um valor não inferior ao valor monetário
emitido,
iii. Aceite como meio de pagamento por outras empresas que não a emitente.

Subsequentemente, a Directiva 2000/46/CE foi revogada pela Directiva 2009/110/CE, de 16 de


Setembro de 2009, relativa ao acesso à actividade das instituições de moeda electrónica, ao seu exercício
e à sua supervisão prudencial.
A Directiva 2009/110/CE mantém-se em vigor, tendo sido alterada pela Diretiva
(UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa aos
serviços de pagamento no mercado interno, a que, de seguida, se fará uma breve referência

De facto, a evolução do mercado de pagamentos aumentou o nível de preocupaçoão com os


riscos associados à utilização de meios digitais, por força das mudanças significativas, no âmbito do
aumento da complexidade técnica e volume dos pagamentos eletrónicos e, bem assim, do aparecimento
de novos tipos de serviços de pagamento.
Para fazer face a esse aumento de preocupação, foi publicada a Directiva (UE) 2015/2366 do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2015, relativa aos serviços de pagamento
no mercado interno, que alterou diversos diplomas (as Directivas 2002/65/CE, 2009/110/CE e
2013/36/UE e o Regulamento (UE) n.º 1093/2010) e revogou a Directiva 2007/64/CE (DSP 2).
A actual Diretiva pretendeu fornecer a base legal para o desenvolvimento de um mercado
interno melhor integrado, para pagamentos electrónicos, na UE: por um lado, estabelecendo regras

72
A Directiva n.º 2000/12/CE, do Conselho, de 20 de Março de 2000, relativa ao acesso à actividade das instituições de crédito
e ao seu exercício, foi alterada pela Directiva 2000/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Setembro de 2000,
passando as instituições de moeda electrónica a integrar um tipo de instituição de crédito, consagrado na al. b) do artigo 1º
daquela Directiva n.º 200

48
abrangentes para os serviços de pagamento, com o objetivo de assegurar regras harmonizadas para a
prestação de serviços de pagamento e um elevado nível de proteção do consumidor; por outro lado,
procurando abrir os mercados de pagamento a novos participantes, de modo a proporcionar mais
concorrência, maior escolha e melhores preços para os consumidores73.
Assim, podem identificar-se quatro áreas fundamentais na nova Directiva, estabelecendo regras
relativas:
• A um regime de licenciamento para instituições de pagamento, incluindo aquelas que
oferecem informações sobre contas e serviços de iniciação de pagamentos («banco
aberto»);
• À transparência das condições e requisitos de informação para serviços de pagamento,
incluindo encargos;
• Aos direitos e obrigações dos utilizadores e dos fornecedores de serviços de pagamento;
• A rigorosos requisitos de segurança para pagamentos electrónicos e proteção dos dados
financeiros dos consumidores, a fim de garantir uma autenticação segura e reduzir o
risco de fraude.

Outrossim, a Directiva visa abrir o mercado de pagamentos da UE a empresas que oferecem


serviços de pagamento, orientados para o consumidor ou para empresas, com base no acesso à conta de
pagamento, especialmente:
• Serviços de informação de contas, que permitem a um utilizador de serviços de
pagamento, por exemplo, ter uma visão geral da sua situação financeira a qualquer
momento, permitindo aos utilizadores gerir melhor as suas finanças pessoais;
• Serviços de iniciação de pagamentos, que iniciam uma ordem a pedido do utilizador de
serviços de pagamento, relativamente a uma conta de pagamento detida noutro
prestador de serviços de pagamento.

Em conformidade e na perspectiva de uma melhor integração do mercado de pagamentos da


UE, é estabelecido um conjunto claro e abrangente de regras, que se aplicam a fornecedores, sejam
novos ou já existentes, de serviços de pagamento inovadores. Visa-se, assim, garantir que esses
fornecedores possam competir em igualdade de condições, donde resulte uma maior eficiência, escolha
e transparência dos serviços de pagamento, reforçando a confiança do consumidor num mercado de
pagamentos harmonizado.

73
A informação subsequente sustenta-se em EUR-Lex, Revised rules for payment services in the EU, 06.12.2021 [https://eur-
lex.europa.eu/PT/legal-content/summary/revised-rules-for-payment-services-in-the-eu.html#keyterm_E0001 – 26.05.2022].

49
Também se consagra um reforço dos direitos do consumidor e da respectiva tutela, por exemplo
por via:
• Da redução da responsabilidade por pagamentos não autorizados, de 150 euros para 50
euros;
• De um direito de reembolso incondicional, para débitos directos em euros, por um
período de 8 semanas;
• Da supressão da aplicação de encargos suplementares, pela utilização de um cartão, de
crédito ou de débito, de um consumidor.

Quanto às condições de concessão de autorização às instituições de pagamento, a única


diferença assinalável, relativamente à anterior DSP, respeita ao facto de as instituições de pagamento
que ofereçam serviços de iniciação de pagamentos ou serviços de informação sobre contas serem
obrigadas a ter um seguro de responsabilidade civil profissional ou uma garantia equiparável, como
condição de autorização ou registo, respectivamente. Ainda assim, também são consagradas regras sobre
a supervisão das instituições de pagamento autorizadas, bem como medidas em caso de incumprimento.

Finalmente, é reforçado o papel da ABE, no sentido de:


• Desenvolver um registo central acessível ao público das instituições de pagamento
autorizadas, que deve ser mantido atualizado pelas autoridades nacionais;
• Auxiliar na resolução de disputas entre autoridades nacionais;
• Desenvolver normas técnicas de regulamentação para diversas questões, incluindo:
• A autenticação forte do cliente e de canais de comunicação seguros, cujo
cumprimento deve ser assegurado por todos os provedores de serviços de
pagamento,
• A cooperação e o intercâmbio de informações entre as autoridades de
supervisão.

O novo regime da DSP 2 é complementado por diversos outros normativos:


• Regulamento (UE) n. ° 260/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de
Março de 2012 , que estabelece requisitos técnicos e de negócio para as transferências
a crédito e os débitos directos em euros
• Regulamento (UE) n.º 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril
de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas
em cartões;
• Regulamento Delegado (UE) 2017/2055 da Comissão, de 23 de Junho de 2017, que
completa a Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz

50
respeito às normas técnicas de regulamentação para a cooperação e a troca de
informações entre autoridades competentes relativamente ao exercício do direito de
estabelecimento e da livre prestação de serviços das instituições de pagamento;
• Regulamento Delegado (UE) 2018/389 da Comissão, de 27 de Novembro de 2017, que
complementa a Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho no que
respeita às normas técnicas de regulamentação relativas à autenticação forte do cliente
e às normas abertas de comunicação comuns e seguras;
• Regulamento de Execução (UE) 2019/410 da Comissão, de 29 de Novembro de 2018,
que estabelece normas técnicas de execução no que respeita aos pormenores e à
estrutura das informações a notificar, no domínio dos serviços de pagamento, pelas
autoridades competentes à Autoridade Bancária Europeia nos termos da Diretiva (UE)
2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho;
• Regulamento Delegado (UE) 2019/411 da Comissão, de 29 de Novembro de 2018, que
complementa a Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho no que
respeita às normas técnicas de regulamentação que definem requisitos técnicos para o
desenvolvimento, gestão e manutenção do registo eletrónico central no domínio dos
serviços de pagamento e de acesso às informações dele constantes;
• Regulamento Delegado (UE) 2020/1423 da Comissão, de 14 de Março de 2019, que
complementa a Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho no que
respeita às normas técnicas de regulamentação sobre os critérios aplicáveis à nomeação
de pontos de contacto centrais no domínio dos serviços de pagamento e sobre as funções
desses pontos de contacto centrais;
• Regulamento (UE) 2021/1230, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Julho
de 2021, relativo aos pagamentos transfronteiriços na União, nomeadamente
estabelecendo que os encargos dos pagamentos transfronteiriços em euros sejam os
mesmos dos pagamentos equivalentes no interior de cada Estado-Membro74.

3. A prestação de serviços de pagamento e a emissão de moeda electrónica no enquadramento


legislativo nacional
Parece conveniente fazer, agora, uma súmula dos procedimentos nacionais relativos à
transposição das iniciativas legislativas comunitárias.
O processo iniciou-se com o DL n.º 42/2002, de 2 de Março, que transpôs tanto a Directiva
2000/46/CE como a Directiva 2000/28/CE, que a alterou, estabelecendo o regime jurídico das
instituições de moeda electrónica.

74
Este Regulamento revogou o Regulamento (CE) n.º 924/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de
2009, relativo aos pagamentos transfronteiriços na Comunidade, a que se refere a al. a) do n.º 2 do artigo 1º do DL n.º 91/2018,
de 22 de Novembro, adiante referido.

51
Subsequentemente, a Directiva 2007/64/CE veio a ser transposta para o ordenamento jurídico
nacional pelo DL n.º 317/2009, de 30 de Outubro, aprovando o Regime Jurídico Relativo ao Acesso à
Actividade das Instituições de Pagamento e à Prestação de Serviços de Pagamento.
A Directiva 2009/110/CE foi transposta pelo DL n.º 242/2012, de 7 de Novembro, que revogou
o DL n.º 42/2002, de 2 de Março e alterou e republicou o Regime Jurídico anexo ao DL n.º 317/2009,
de 30 de Outubro, com a denominação Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda
Eletrónica. Bem assim, revogou a al. l) do artigo 3º RGICSF, que enunciava as instituições de moeda
electrónica como um tipo de instituições de crédito.
Finalmente, a Directiva (UE) 2015/2366 foi transposta pelo DL n.º 91/2018, de 12 de
Novembro, que aprova um novo Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica,
revogando os anteriormente referidos (cfr. artigo 3º).
De acordo com o respectivo Preâmbulo, este novo regime mantém a opção de sistematizar o
regime sobre prestação de serviços de pagamento e o regime relativo ao acesso à actividade das
instituições de moeda electrónica, ao seu exercício e à sua supervisão prudencial, atendendo à
aproximação das duas realidades.
Bem assim, é mantida, genericamente, a disciplina do regime em vigor desde 2012, embora lhe
sejam introduza as alterações necessárias à transposição da DSP 2.
Destas alterações, podem referir-se, nomeadamente, as seguintes75:

i. O âmbito de aplicação foi alargado, na medida em que as disposições constantes do


Título III (Prestação e utilização de serviços de pagamento – artigos 75º a 136º) são
aplicáveis76 mesmo no caso de parcelas da operação de pagamento efectuadas em
Portugal, em qualquer moeda, caso um dos prestadores de serviços de pagamento
esteja situado em Portugal e o outro prestador esteja situado fora da União [artigo 3º,
n.º 3, al. c)];
ii. Ao Banco de Portugal continua a competir o exercício da supervisão sobre as
instituições de pagamento e as instituições de moeda eletrónica (artigo 117º-A
RGICSF), nomeadamente conduzindo os processos de autorização de constituição
(artigo 18º) e a organização do respectivo registo público, de cuja inscrição depende a
possibilidade de início da actividade (artigo 34º, n.º 1);
iii. As instituições de pagamento e as instituições de moeda electrónica que actuem em
Portugal através de agentes ou distribuidores de moeda eletrónica, ao abrigo do direito

75
Um comentário transversal ao novo regime aprovado pelo DL n.º 91/2018 pode ser colhido em Rodrigo FORMIGAL / Tomás
JONET / Duarte CASCÃO, Decreto-Lei n.º 91/2018, de 12 de Novembro – Aprova o Regime Jurídico dos Serviços de
Pagamento e da Moeda Eletrónica, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, BDJUR
[http://bdjur.almedina.net/fartigo.php?id=122 - 27.05.2022].
76
Embora com algumas excepções – cfr., por exemplo, o disposto no artigo 76º, n.º 5.

52
de estabelecimento, nomeiam um ponto de contacto central em Portugal, sempre que
estejam verificados os requisitos previstos no Regulamento Delegado (UE) 2020/1423
da Comissão, de 14 de Março de 2019 (artigo 64º, n.º 1);
iv. Previsão da prestação de dois novos tipos de serviços de pagamento (artigo 4º, al.s g)
e h), respectivamente):
• Serviço de informação sobre contas - serviço em linha que consiste em prestar
informações consolidadas sobre uma ou mais contas de pagamento tituladas,
pelo utilizador de serviços de pagamento, junto de outro ou outros prestadores
de serviços de pagamento [artigo 2º, al. tt)];
• Serviço de iniciação do pagamento - serviço de pagamento que consiste em
iniciar uma ordem de pagamento a pedido do utilizador de serviços de
pagamento, relativamente a uma conta de pagamento por si titulada noutro
prestador de serviços de pagamento [artigo 2º, al. uu)];
• Aos prestadores de serviços de iniciação de pagamentos e aos prestadores de
serviços de informação sobre contas, quando prestem exclusivamente esses
serviços, não são impostos requisitos de fundos próprios, na medida em que não
detêm fundos dos clientes (artigo 51º, n.º 1). No entanto, o cumprimento das
suas responsabilidades em relação às actividades que exercem deverá ser
acautelado através da subscrição obrigatória de um seguro de responsabilidade
civil profissional que abranja o território em que oferecem os seus serviços, ou
outra garantia equivalente (artigo 19º, n.º 6);
v. A segurança das transacções de valores monetários foi incrementada, relativamente a
certas operações, através da exigência de uma autenticação forte do cliente (artigo
104º), sendo esta definida como “uma autenticação baseada na utilização de dois ou
mais elementos pertencentes às categorias conhecimento (algo que só o utilizador
conhece), posse (algo que só o utilizador possui) e inerência (algo que o utilizador é),
os quais são independentes, na medida em que a violação de um deles não compromete
a fiabilidade dos outros, e que é concebida de modo a proteger a confidencialidade dos
dados de autenticação” [artigo 2º, al. d)]77;
vi. Também foram reforçados os mecanismos de salvaguarda dos utilizadores de serviços
de pagamento, através da:
• Redução do montante máximo que os utilizadores podem ser obrigados a
suportar, em caso de operações de pagamento não autorizadas (tendo passado
de € 150,00 para € 50,00, salvo em caso de actuação fraudulenta ou de

77
Para informações sobre este procedimento, cfr. Banco de Portugal, Guia sobre a autenticação forte do cliente, Setembro
2019 [https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/guia_autenticacao_forte.pdf – 28.05.2022].

53
incumprimento deliberado de uma ou mais das obrigações previstas no artigo
110º - artigo 115º, n.ºs 1 e 3);
• Obrigação de a instituição reembolsar o ordenante o mais tardar até ao final do
primeiro dia útil seguinte ao do conhecimento da operação não autorizada ou da
comunicação da mesma por parte do ordenante (artigo 114º, n.ºs 1 e 5);
• Determinação de o ordenante não suportar quaisquer perdas relativas a operação
de pagamento não autorizada, caso o seu prestador de serviços de pagamento
não exija a sua autenticação forte, salvo no caso de o ordenante ter agido
fraudulentamente (artigo 115º, n.º 5);
vii. Tanto os prestadores de serviços de pagamento como os emitentes de moeda
electrónica devem definir uma política de remuneração e de avaliação específica para
as pessoas singulares (artigo 75º, n.º 1): (a) que contactam directamente com os
utilizadores de serviços de pagamento no âmbito da comercialização destes serviços
e (b) directa ou indirectamente envolvidas na gestão ou supervisão das pessoas
indicadas na alínea anterior.
Essa política não deve prejudicar a capacidade dessas pessoas para actuar no interesse
dos utilizadores de serviços de pagamento, assegurando, em especial, que as medidas
relativas a remuneração, objectivos de vendas ou de outro tipo não são susceptíveis de
incentivar as pessoas em causa a privilegiar os seus próprios interesses ou os interesses
dos prestadores de serviços de pagamento, em detrimento dos interesses dos
utilizadores de serviços de pagamento (n.º 2).

4. Instituições de pagamento vs. Instituições de moeda electrónica


Foi já referida a opção legislativa de manter a sistematização do regime sobre prestação de
serviços de pagamento e do regime relativo ao acesso à actividade das instituições de moeda electrónica,
ao seu exercício e à sua supervisão prudencial, atendendo à aproximação das duas realidades.
A sua qualificação como instituições financeiras resulta, como já referenciado, da respectiva
integração na definição que é proporcionada pela al. z) do artigo 2º-A RGICSF: “com exceção das
instituições de crédito, sociedades gestoras de participações no setor dos seguros, das sociedades
gestoras de participações de seguros mistas e das sociedades gestoras de participações no setor
puramente industrial, as empresas que tenham como atividade principal adquirir ou gerir participações
sociais ou exercer uma ou mais das atividades enumeradas nas alíneas b) a h), j) e r) do n.º 1 do artigo
4.º, incluindo instituições de pagamento, empresas de investimento, sociedades de gestão de ativos,
companhias financeiras, companhias financeiras mistas e companhias financeiras de investimento”.

De todo o modo, entre as mesmas existem algumas diferenças, que se centram na actividade
exercida e na definição do respectivo capital social mínimo.

54
Assim:

4.1 Instituições de pagamento


São serviços de pagamento [artigo 2º, al. ww) do DL n.º 91/2018] as actividades enumeradas no
artigo 4º, al.s a) a h), tais como, por exemplo, os serviços que permitam depositar numerário numa conta
de pagamento, bem como todas as operações necessárias para a gestão dessa conta [al. a)]; os serviços
que permitam levantar numerário de uma conta de pagamento, bem como todas as operações necessárias
para a gestão dessa conta [al. b)]; a execução de operações de pagamento no âmbito das quais os fundos
são cobertos por uma linha de crédito concedida a um utilizador de serviços de pagamento [al. d)]; ou o
envio de fundos [al. f)].
Por outro lado, são prestadores de serviços de pagamento [artigo 2º, al. pp)] as entidades
enumeradas no artigo 11º, n.º 1, dentre as quais se referem, exemplificativamente: as instituições de
crédito, com sede em Portugal, cujo objecto compreenda o exercício dessa atividade, de acordo com as
normas legais e regulamentares aplicáveis [al. a)]; as instituições de pagamento com sede em Portugal
[al. b)]; as instituições de moeda eletrónica, com sede em Portugal [al. c)]; ou as sociedades
financeiras, com sede em Portugal, cujo objecto compreenda o exercício dessa atividade, de acordo
com as normas legais e regulamentares aplicáveis [al. d)].
De acordo com o n.º 2 deste mesmo artigo 11º, as pessoas, singulares ou colectivas, que prestem,
exclusivamente, o serviço de pagamento a que se refere a alínea h) do artigo 4º (serviço de informação
sobre contas), são equiparadas a instituições de pagamento.
Desta primeira referência se retira, desde logo, a conclusão de que a prestação de serviços de
pagamento tanto pode ser efectuada por instituições de pagamento como por instituições de moeda
electrónica.
As instituições de pagamento devem adoptar a forma de sociedade anónima ou por quotas
[artigo 18º, al. b)] e ter o capital social correspondente aos serviços a prestar, nos termos do artigo 49º:
a) Caso a instituição de pagamento preste exclusivamente o serviço de pagamento indicado
na alínea f) do artigo 4º (envio de fundos), o seu capital não pode, em momento algum,
ser inferior a (euro) 20 000;
b) Caso a instituição de pagamento preste o serviço de pagamento indicado na alínea g) do
artigo 4º (serviço de iniciação do pagamento), o seu capital não pode, em momento
algum, ser inferior a (euro) 50 000;
c) Caso a instituição de pagamento preste um dos serviços de pagamento indicados nas
alíneas a) a e) do artigo 4º, o seu capital não pode, em momento algum, ser inferior a
(euro) 125 000.
De notar que, dado o artigo 49º não fazer qualquer referência ao capital social mínimo das
instituições de pagamento que apenas prestam serviços de informação sobre contas, deve este ser
calculado de acordo com as regras gerais das sociedades comerciais, sendo certo que, relativamente a

55
estas entidades e como já se referiu, o cumprimento das suas responsabilidades em relação às actividades
que exercem deverá ser acautelado através da subscrição obrigatória de um seguro de responsabilidade
civil profissional que abranja o território em que oferecem os seus serviços, ou outra garantia equivalente
(artigo 19º, n.º 6).

4.2 Instituições de moeda electrónica


A moeda eletrónica é definida como “o valor monetário armazenado eletronicamente, inclusive
de forma magnética, representado por um crédito sobre o emitente e emitido após receção de notas de
banco, moedas e moeda escritural, para efetuar operações de pagamento na aceção da alínea ii)78 e que
seja aceite por pessoa singular ou coletiva diferente do emitente de moeda eletrónica” [artigo 2º, al.
ff)]79.
Por outro lado, são emitentes de moeda electrónica [artigo 2º, al. q)] as entidades enumeradas
no artigo 12º, n.º 1, dentre as quais se referem, exemplificativamente: as instituições de crédito, com
sede em Portugal, cujo objecto compreenda o exercício dessa atividade, de acordo com as normas legais
e regulamentares aplicáveis [al. a)]; as instituições de moeda eletrónica, com sede em Portugal [al.
b)]].
Do elenco desta disposição pode concluir-se que o leque de emitentes de moeda electrónica é
substancialmente mais reduzido do que o dos prestadores de serviços de pagamento, dado,
nomeadamente, nem as instituições de pagamento nem as sociedades financeiras poderem emitir moeda
electrónica.
As instituições de moeda electrónica devem adoptar a forma de sociedade anónima ou por
quotas [artigo 18º, al. b)] e deter, no momento da autorização, e a todo o tempo, capital social não inferior
a (euro) 350 000 (artigo 55º).

**********

II
A UNIÃO BANCÁRIA

1. Antecedentes próximos
O Tratado de Maastricht, de 07 de Fevereiro de 1992, significou um importante passo na
concretização dos ideais europeus, introduzindo reformas que determinaram toda a evolução
subsequente.

78
A alínea referida define operação de pagamento como o acto, iniciado pelo ordenante ou em seu nome, ou pelo beneficiário,
de depositar, transferir ou levantar fundos, independentemente de quaisquer obrigações subjacentes entre o ordenante e o
beneficiário.
79
Para uma abordagem do conceito de moeda electrónica, cfr. NUNES, A. J. Avelãs, Economia, I, A Moeda, Coimbra: SAS-
ST, 2001, pp. 80 ss.

56
Com efeito, esse Tratado criou a União Europeia (TUE)80, nela integrando as comunidades
existentes (CEE, CECA e CEEA), sustentada em três pilares fundamentais: i) as Comunidades
Europeias (CE); ii) a Política Externa e de Segurança Comum (PESC); e iii) a Justiça e Assuntos Internos
(JAI).
Por outro lado, criou a cidadania europeia e determinou a criação de uma moeda única, num
conjunto de disposições, alterando os Tratados anteriores. que atribuíram um carácter irreversível à
evolução da Comunidade para a terceira fase da União Económica e Monetária.
Em conformidade, foram aditados ao Tratado de Roma (1957) os artigos 3º-A (moeda única,
então designada ECU – European Currency Unit) e 4º-A, instituindo um Sistema Europeu de Bancos
Centrais (SEBC) e um Banco Central Europeu (BCE), cujos Estatutos lhe ficaram anexos, sob a forma
de Protocolo.
Na versão consolidada do TUE, o euro, enquanto moeda da união económica e monetária
estabelecida pela União, é referenciado no artigo 3º, n.º 4 e, bem assim, o Banco Central Europeu é
identificado como uma das instituições da União (artigo 13º, n.º 1, 2º parágrafo, 6º travessão),
remetendo-se para o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) as disposições que lhe
são relativas (artigo 13º, n.º 3)81.
No TFUE, são dedicados ao Banco Central Europeu (BCE) os artigos 282º a 284º, aí se
definindo que: (i) o BCE e os bancos centrais nacionais constituem o Sistema Europeu de Bancos
Centrais (SEBC); e (ii) o BCE e os bancos centrais nacionais dos Estados-Membros cuja moeda seja o
euro, que constituem o Eurosistema, conduzem a política monetária da União (artigo 282º, n.º 1).
Como objectivo primordial do SEBC é definida a manutenção da estabilidade dos preços
e, complementarmente, o apoio às políticas económicas gerais na União, tendo em vista
contribuir para a realização dos objectivos da União (artigo 127º, n.º 1).
São-lhe cometidas as atribuições fundamentais de (artigo 127º, n.º 2): definir e executar
a política monetária da União; realizar operações cambiais compatíveis com o disposto no
artigo 219.º; deter e gerir as reservas cambiais oficiais dos Estados-Membros; promover o bom
funcionamento dos sistemas de pagamentos.
Finalmente e nos termos do disposto no artigo 129º, n.º 2 do TFUE, os Estatutos do SEBC e
do BCE constam de um Protocolo anexo aos Tratados (Protocolo n.º 4)82.

80
Cfr. artigo A, 1º parágrafo.
81
Refira-se que o euro foi definido como a moeda dos Estados-membros participantes, a partir de 1 de Janeiro de 1999, pelo
Regulamento (CE) Nª 974/98 do Conselho, de 3 de Maio de 1998, relativo à introdução do euro (artigo 2º), estabelecendo um
período de transição até 31 de Dezembro de 2001 (6º travessão do artigo 1º), período durante o qual o euro apenas foi utilizado
para efeitos contabilísticos e para pagamentos eletrónicos e as moedas nacionais continuaram em circulação, para facilitar a
adaptação dos cidadãos e das empresas, embora já como meras denominações nacionais do euro; as notas e moedas expressas
em euros só foram postas em circulação, pelo BCE e pelos bancos centrais dos Estados-membros participantes, a partir de 1 de
Janeiro de 2002 (artigos 10º e 11º). As taxas de conversão entre o euro e as moedas dos Estados-membros que o adoptaram
foram fixadas irrevogavelmente pelo Regulamento (CE) Nº 2866/98 do Conselho, de 31 de Dezembro de 1998.
82
A evolução e a actual consolidação do texto dos Tratados podem ser consultadas em https://eur-lex.europa.eu/collection/eu-
law/treaties/treaties-force.html (15.05.2022).

57
2. Evolução mais recente
A crise do sistema financeiro mundial (2007) e a subsequente crise da dívida soberana (2010)
evidenciaram as fragilidades do sistema financeiro, especialmente derivadas da sua opacidade, da
dispersão das estruturas de supervisão e dos desequilíbrios macroeconómicos83.
Produzindo reflexos negativos de diversa ordem, também do ponto de vista negocial, abalou
profundamente a base de confiança em que costumava assentar a relação entre as instituições financeiras
e a sua clientela (e o público, de forma mais generalizada).
A clientela bancária não só se deu conta, repentinamente, de que algumas instituições teriam
deixado de pautar a sua conduta negocial pelos necessários e tradicionais critérios de legitimidade,
profissionalismo, isenção, rigor técnico e respeito escrupuloso pelos direitos dos seus clientes como, por
outro lado, assistiu à profunda dificuldade com que as autoridades de regulação e de supervisão tomaram
plena consciência dos problemas e procuraram encontrar-lhes as soluções necessárias, com a celeridade
que a gravidade da situação demandava.
Contudo, é geralmente reconhecido que as economias de mercado necessitam de se amparar em
sistemas financeiros sólidos e competitivos, tanto do ponto de vista nacional como do ponto de vista
internacional, capazes de exercer adequadamente a sua função primeira: intermediar entre os que
possuem recursos financeiros e os que pretendem implementar utilizações produtivas e inovadoras para
esses recursos. Os riscos que tal intermediação coloca (o risco do crédito, o risco da taxa de juro e da
liquidez, o risco das operações fora do balanço), fazem depender a efectividade do processo da
existência de uma robusta base de confiança mútua entre os agentes do mercado, sustentada na
integridade das instituições e na continuidade dos mercados.
A busca de um novo enquadramento para a estabilidade financeira, ancorado nesses
pressupostos, passou a estar na primeira linha das preocupações internacionais, como bem o demonstra
o denominado De Larosière Report84.
Em Novembro de 2008, o Presidente da Comissão Europeia encarregou um grupo de peritos,
presidido por Jacques de Larosière, de reflectir sobre uma possível abordagem geral de redefinição dos
métodos operativos do sistema financeiro e da respectiva fiscalização. A incumbência visou a análise
de três questões essenciais: como organizar a supervisão das instituições financeiras e dos mercados na
União Europeia; como reforçar a cooperação europeia na fiscalização da estabilidade financeira e na
definição de mecanismos eficientes de detecção e acompanhamento de situações críticas; e como balizar
a cooperação entre os supervisores da UE, em termos globais. Por iniciativa do grupo e com o acordo
do Presidente da CE, foi igualmente analisada a matéria da regulação dos mercados financeiros e sobre
a mesma também emitidas recomendações específicas.

83
A exposição subsequente sustenta-se em FERREIRA, António Pedro A., Direito Bancário, cit., p. 178 s.
84
Documento disponível em https://ec.europa.eu/economy_finance/publications/pages/publication14527_en.pdf [21.05.2022].
Uma síntese do relatório, que serviu de base à exposição subsequente, pode ser colhida na Comunicação da Comissão,
Supervisão financeira Europeia COM(2009) 252 final, de 27 de Maio de 2009 [https://eur-
lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri= COM:2009:0252:FIN:PT:PDF – 21.05.2022].

58
O Relatório foi apresentado em 25 de Fevereiro de 2009, centrando-se em quatro áreas distintas,
relativas: (I) às causas da crise financeira; (II) à reformulação da orientação política e regulatória; (III)
à reformulação da supervisão na UE; e (IV) à reformulação global, apresentando, a final, um conjunto
de 31 recomendações, com propostas de soluções concretas em matéria de medidas regulamentares, de
supervisão e de correcção a nível mundial.
No âmbito das propostas de reformulação da supervisão na UE, o Grupo enunciou um ambicioso
conjunto de reformas, cuja adopção pareceu ser determinante para garantir uma abordagem bem
sucedida dos desafios que se colocavam ao exercício da actividade financeira e à respectiva supervisão.
Dentre elas salienta-se a criação, concretizada em 2010, de um novo Sistema Europeu de
Supervisão Financeira – SESF (European System of Financial Supervision – ESFS), enquanto sistema
multifacetado de autoridades micro e macroprudenciais, que visa assegurar uma supervisão financeira
consistente e coerente na UE.
Este sistema integra o Comité Europeu do Risco Sistémico – CERS (European Systemic Risk
Board - ESRB) e as três autoridades europeias de supervisão; todas estas entidades iniciaram a respectiva
actividade em Janeiro de 2011.
Quanto ao CERS, compete-lhe a responsabilidade pela supervisão macroprudencial, a nível da
EU, tendo por objectivo prevenir e mitigar os riscos sistémicos de estabilidade financeira, à luz da
evolução macroeconómica.
Os regulamentos fundadores85 conferem várias funções e instrumentos ao CERS, incluindo: a
recolha e análise de informação relevante; identificação e priorização de riscos sistémicos; emissão de
alertas e recomendações e monitorização do respectivo acompanhamento; fornecimento de uma
avaliação ao Conselho, quando o ESRB determinar que pode surgir uma situação de emergência;
cooperação com outras entidades do ESFS; coordenação das suas ações com organizações financeiras
internacionais (como o Fundo Monetário Internacional e o Conselho de Estabilidade Financeira); e
realização de tarefas especificadas noutra legislação da UE.
O CERS é presidido pelo Presidente do BCE e composto por um Conselho Geral, um Comité
de Direcção, dois órgãos consultivos (Comité Científico Consultivo e Comité Técnico Consultivo) e um
secretariado.
Quanto às Autoridades Europeias de Supervisão:

85
A saber: Regulamento (UE) n.o 1092/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro de 2010, relativo à
supervisão macroprudencial do sistema financeiro na União Europeia e que cria o Comité Europeu do Risco Sistémico, alterado
pelo Regulamento (UE) 2019/2176 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro de 2019; e Regulamento (UE)
nº 1096/2010, do Conselho, de 17 de Novembro de 2010, que conferiu ao Banco Central Europeu atribuições específicas no
que se refere ao funcionamento do Comité Europeu do Risco Sistémico, nomeadamente assegurando o seu Secretariado e
prestando apoio analítico, estatístico e logístico.

59
iii. Autoridade Bancária Europeia (European Banking Authority – EBA)86, com sede em
Paris, abrangendo, no seu âmbito de actividade, instituições de crédito, conglomerados
financeiros, empresas de investimento, instituições de pagamento e instituições de
moeda eletrónica, bem como, após 2019, o impedimento da utilização do sistema
financeiro para fins de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo;
iv. Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (European
Insurance and Occupational Pensions Authority – EIOPA)87, com sede em Frankfurt
am Main, está principalmente relacionada com empresas de seguros e resseguros,
mediadores de seguros, conglomerados financeiros e instituições de planos de pensões
profissionais. Contribui para o conjunto único de regras de seguros e pensões
profissionais principalmente através dos regimes Solvência II e IRPJ, respetivamente.;
v. Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (European Securities and
Markets Authority – ESMA)88, com sede em Paris, com actuação nos mercados de
valores mobiliários e seus participantes (bolsas, traders, fundos, etc.). Na UE, a ESMA
tem supervisão directa e responsabilidade exclusiva pelo registo, supervisão e sanção
de agências de classificação de crédito e repositórios de transações. É também
responsável pelo reconhecimento de contrapartes centrais e repositórios de transações
de países terceiros e pela certificação e endosso de agências de notação de risco de
países terceiros.
Por outro lado, foi, ainda, publicada a denominada Directiva Omnibus89 90
, alterando a
legislação existente sobre serviços financeiros, para garantir que as novas autoridades pudessem
trabalhar de forma eficaz. Aí se salientaram duas ideias de relevo: a de que a criação das três Autoridades

86
Regulamento (UE) n.o 1093/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro de 2010, que cria uma
Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária Europeia), altera a Decisão n.o 716/2009/CE e revoga a Decisão
2009/78/CE da Comissão.
87
Regulamento (UE) n.o 1094/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro de 2010, que cria uma
Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma), altera a
Decisão n.o 716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/79/CE da Comissão.
88
Regulamento (UE) n.o 1095/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro de 2010, que cria uma
Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados), altera a Decisão n.o
716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/77/CE da Comissão.
89
Directiva n.º 2010/78/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro de 2010, que altera as Directivas
98/26/CE, 2002/87/CE, 2003/6/CE, 2003/41/CE, 2003/71/CE, 2004/39/CE, 2004/109/CE, 2005/60/CE, 2006/48/CE,
2006/49/CE e 2009/65/CE no que diz respeito às competências da Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária
Europeia), da Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma)
e da Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados), parcialmente
transposta para o ordenamento jurídico nacional pelo DL n.º 18/2013, de 06 de Novembro, o qual introduziu as pertinentes
alterações no RGICSF.
90
Esta Directiva foi complementada pela denominada Directiva Omnibus II, especialmente direccionada à clarificação dos
poderes das autoridades europeias de supervisão dos do sector segurador e do sector dos valores mobiliários - Directiva
2014/51/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Abril de 2014 , que altera as Diretivas 2003/71/CE e 2009/138/CE
e os Regulamentos (CE) n. ° 1060/2009, (UE) n. ° 1094/2010 e (UE) n. ° 1095/2010 no que respeita às competências da
Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma) e da
Autoridade Europeia de Supervisão (Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados), parcialmente transposta
para o ordenamento jurídico nacional pelo DL n.º 124/2015, de 07 de Julho.

60
Europeias de Supervisão deveria ser acompanhada pela elaboração de um código único de regras,
destinado a garantir uma harmonização coerente e uma aplicação uniforme e, assim, contribuir para um
funcionamento mais eficaz do mercado interno (Considerando 8); e a de que a nova arquitectura de
supervisão criada pelo SESF exigirá que as autoridades nacionais competentes cooperem estreitamente
com as referidas autoridades europeias.
O funcionamento do SESF é complementado pela participação de estruturas conjuntas e das
autoridades de supervisão nacionais.
Nas estruturas conjuntas, referem-se:
a) Comité Conjunto das Autoridades Europeias de Supervisão (Joint Committee
of the European Supervisory Authorities) - constitui um fórum visando o
fortalecimento da cooperação entre essas autoridades, através do qual as
mesmas coordenam, regular e estreitamente, as suas atividades de supervisão
no âmbito das respetivas responsabilidades e asseguram a coerência das suas
práticas91.
Em particular, o Comitê Conjunto trabalha nas áreas de análises
microprudenciais de desenvolvimentos intersectoriais, riscos e vulnerabilidades
para a estabilidade financeira, serviços financeiros de retalho e questões de
proteção dos consumidores e investidores e produtos de investimento de retalho,
segurança cibernética, conglomerados financeiros, contabilidade e auditoria.
Ainda, exploram e monitorizam conjuntamente os potenciais riscos emergentes
para os participantes dos mercados financeiros e o sistema financeiro como um
todo.
O Joint Committee também desempenha um relevante papel na troca de
informações com o Comité Europeu do Risco Sistémico e no desenvolvimento
das relações entre este e as autoridades europeias de supervisão.
b) Câmara de Recurso – estrutura independente das três AES, responsável pelos
recursos das partes afectadas pelas decisões das AES, sendo composta por seis
membros e seis suplentes, nomeados pelas AES, para um mandato de cinco
anos, com base numa lista restrita proposta pela Comissão.
As decisões da Câmara de Recurso podem ser impugnadas perante o Tribunal
de Justiça da União Europeia.

Quanto às autoridades supervisoras nacionais, cada Estado-Membro designa as suas próprias


autoridades competentes, que fazem parte do SESF e estão representadas nas AES.

91
Cfr. https://www.eba.europa.eu/about-us/organisation/joint-committee [07.05.2022].

61
3. Concretização da União Bancária
O SESF tem conhecido uma contínua evolução, para ter em conta a evolução do contexto em
que opera, nomeadamente visando a introdução da União Bancária e o objetivo de desenvolver uma
União dos Mercados de Capitais.
A criação de uma União Bancária, como vertente da construção de uma genuína União
Económica e Monetária, que permitisse desenvolver um sector financeiro mais seguro para o Mercado
Único, foi projectada tendo em vista a uniformização das regras prudenciais, a eliminação de
discrepâncias nos critérios de supervisão dos Estados-Membros, o aumento da solidez do sector bancário
europeu e a redução da interdependência entre o sector bancário e a dívida pública (também designada
soberana, como reminiscência da Idade Média, quando eram os monarcas que tomavam os
empréstimos)92.
O projecto funda-se na adopção de um conjunto único de regras (Single Rulebook), onde
assentam três pilares: o Mecanismo Único de Supervisão; o Mecanismo Único de Resolução; e o
Sistema Europeu de Seguro de Depósitos93.

3.1 O conjunto único de regras (Single Rulebook)


O conjunto único de regras (Single Rulebook) designa as iniciativas da Comissão Europeia, em
resposta à crise financeira de 2007, no sentido da criação de um sector financeiro mais seguro para o
Mercado Único, com o objectivo de regular, supervisionar e governar o sistema financeiro, de forma
mais eficiente, aplicando-se a todas as instituições financeiras e a todos os produtos financeiros dos 27
Estados-Membros da UE, assim garantindo que todos são regulados pelas mesmas regras e, portanto,
evitando distorções do mercado único e assegurando a estabilidade financeira em toda a UE.
O Single Rulebook constitui a base fundamental da União Bancária e da regulação do sistema
financeiro, na União Europeia em geral, pretendendo assegurar a aplicação uniforme de Basileia III, em
todos os Estados-Membros e, bem assim, integrar lacunas regulamentares, com vista à definição de um
quadro regulamentar unificado para o sistema financeiro da UE e contribuindo para um funcionamento
mais eficaz do mercado único de serviços financeiros.
Na construção do Single Rulebook, para o sector bancário, a Autoridade Bancária Europeia
desempenha um papel de relevo, no qual se destaca:

92
Andrea DEGHI / Fabio NATALUCCI / Mahvash S. QURESHI, As posições em títulos públicos dos bancos de mercados
emergentes geram riscos para a estabilidade financeira, IMF Blogue, 18 de Abril de 2022 [https://www.imf.org/pt/
News/Articles/2022/04/18/blog041822-gfsr-ch2-emerging-market-banks-government-debt-holdings-pose-financial-stability-
risks – 29.04.2022].
93
Para uma visão de enquadramento desta matéria, cfr., por exemplo, European Commission, What is the banking union, s. d.
[https://ec.europa.eu/info/business-economy-euro/banking-and-finance/banking-union/what-banking-union_en – 30.04.2022]
e Eupportunity, State of Play. União Económica e Monetária. União Bancária. União dos Mercados de Capitais, Maio / 2019,
especialmente pp. 12 ss. [https://eupportunity.eu/assets/files/euppy_papers/EuppyPapper.190516UEM.pdf – 30.04.2022]. APB
............... EBA

62
a) A elaboração de normas técnicas vinculativas para implementação do pacote da CRD
IV (Capital Requirements Directive) e da BRRD (Bank Recovery and Resolution
Directive);
b) A emissão de Orientações, destinadas às instituições ou aos supervisores;
c) A prestação de Esclarecimentos sobre o Single Rulebook.

3.1.1 Normas técnicas vinculativas


As normas técnicas vinculativas (BTS - Binding Technical Standards) são actos normativos que
especificam aspectos do texto legislativo da União Europeia (Directivas ou Regulamentos), tendo em
vista a sua aplicação harmonizada e podem assumir o modelo de normas técnicas de regulamentação
(RTS - regulatory technical standards) ou normas técnicas de execução (ITS - implementing technical
standards).
Os projetos de normas técnicas vinculativas elaboradas pela ABE são adoptados, pela Comissão
Europeia, como regulamentação ou decisões, tornando-se, desta forma, legalmente obrigatórias em
todos os Estados-Membros.

3.1.2 Orientações
As Orientações emitidas pela ABE podem ser destinadas às instituições ou aos supervisores e
podem decorrer, ou não, de mandatos específicos previstos na regulamentação base.
As instituições e as autoridades competentes devem fazer todos os esforços para cumprir as
Orientações, estando definido um procedimento em que as entidades supervisoras envolvidas devem
declarar o cumprimento ou justificar o não cumprimento dessas Orientações (procedimento de comply
or explain).

3.1.3 Esclarecimentos
A EBA coordena as respostas aos pedidos de esclarecimento sobre o Single
Rulebook, formulados pelas partes interessadas sobre a implementação prática do pacote da CRD IV e
da BRRD, incluindo sobre as normas técnicas de regulamentação e as Orientações.

No âmbito do Single Rulebook, a matéria da definição de requisitos de capital das entidades


financeiras tem tido um percurso de evolução assinalável, traduzido nas diversas etapas legislativas a
que tem sido submetida.

63
i. CRD I - Directivas n.º 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de
Junho de 2006 e n.º 2006/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho
de 2006
O Novo Acordo de Adequação de Capital (Basileia II)94 definiu uma metodologia de abordagem
à adequação do capital das instituições bancárias que foi acolhida como o padrão fundamental de capital
para os grandes bancos integrados e os bancos de investimento, constituindo o instrumento sobre o qual
as próprias instituições, as autoridades que asseguram a sua supervisão e o mercado passaram a aferir a
respectiva adequação de capital95.
Na ordem jurídica comunitária, o acolhimento de Basileia II foi concretizado através de dois
diplomas fundamentais: em primeiro lugar, a Directiva n.º 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 14 de Junho de 2006, relativa ao acesso à actividade das instituições de crédito e ao seu
exercício (também geralmente designada por Segunda Directiva de Codificação); em segundo lugar, a
Directiva n.º 2006/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho de 2006, relativa à
adequação dos fundos próprios.
Quanto ao ordenamento jurídico português, a transposição destas Directivas foi,
respectivamente, concretizada através dos DL n.ºs 104/2007 e 103/2007, ambos de 3 de Abril, tendo
introduzido diversas alterações à lei bancária.
Refira-se, por outro lado, a relevante influência da Directiva n.º 2006/48/CE na definição de um
novo quadro de relacionamento entre a supervisão bancária e o governo das sociedades96.
Ambas as Directivas citadas foram objecto de sucessivas alterações, representando outras etapas
de evolução na regulação da matéria dos requisitos de capital.

ii. CRD II - Directiva n.º 2009/111/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de


Setembro de 2009
Esta Directiva, que alterou as Directivas 2006/48/CE, 2006/49/CE e 2007/64/CE, no que diz
respeito aos bancos em relação de grupo com instituições centrais, a determinados elementos relativos
aos fundos próprios, a grandes riscos, a disposições relativas à supervisão e à gestão de crises, introduziu
alterações significativas em áreas como os grandes riscos, os instrumentos híbridos de capital, a gestão
do risco de liquidez, a securitização e os acordos de supervisão transfronteiriça.

94
Concluído em Novembro de 2005, para começar a produzir efeitos a partir de finais de 2006, no que se refere à parte geral,
e de finais de 2007, no que respeita às abordagens mais avançadas de avaliação do risco - informações detalhadas sobre o texto
e os documentos de suporte do Novo Acordo podem ser colhidas em BIS, Basel II: International Convergence of Capital
Measurement and Capital Standards: a Revised Framework [https://www.bis.org/publ/bcbs107.htm – 08.05.2022]; para uma
visão genérica do documento, seus antecedentes, princípios básicos da proposta e requisitos mínimos de fundos próprios, em
termos de risco de crédito, cfr. BANCO DE PORTUGAL, Relatório do Conselho de Administração 2000, Lisboa, 2001, p. 235
s.; para uma síntese das linhas mestras do Acordo, na versão original e nas revisões subsequentes, cfr. MISHKIN, Frederic S.,
The Economics of Money, Banking and Financial Markets, cit., p. 284 s.; SILVA, João Calvão da, Direito Bancário –
Programa, conteúdos e métodos do ensino, Coimbra, 2001, p. 42 s.
95
Assim, CRMPG III, Containing Systemic Risk: The Road to Reform, August 6, 2008, p. 99.
96
Sobre o ponto, mais desenvolvidamente, cfr. FERREIRA, António Pedro A., O Governo das Sociedades e a Supervisão
Bancária. Interacções e Complementaridades, cit., p. 108 s.

64
Foi transposta (entre outras) para o ordenamento jurídico interno pelo DL n.º 140-A/2010, de
30 de Dezembro, daí resultando várias alterações do RGICSF, nomeadamente o acréscimo de um n.º 4
ao artigo 96º, relativo aos fundos próprios.

iii. CRD III - Directiva n.º 2010/76/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de


Novembro de 2010
Esta Directiva, que alterou as Directivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, no que diz respeito aos
requisitos de fundos próprios para a carteira de negociação e para retitularizações, bem como à análise
das políticas de remuneração pelas autoridades de supervisão, introduziu alterações significativas nas
estruturas de remuneração e nos requisitos de capital das instituições de crédito e empresas de
investimento.
Foi transposta (entre outras) para o ordenamento jurídico interno pelo DL n.º 88/2011, de 20 de
Julho, daí também resultando algumas alterações do RGICSF, bem como de outra legislação conexa.

iv. CRD IV - Directiva n.º 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de


Junho de 2013
Esta Directiva, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão
prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, alterou a Directiva n.º 2002/87/CE e
revogou as Diretivas n.ºs 2006/48/CE e 2006/49/CE.
Contém normas relativas ao acesso à actividade das instituições de crédito, entre as quais se
incluem, nomeadamente, normas relativas ao exercício da liberdade de estabelecimento e da liberdade
de prestação de serviços, aos requisitos em matéria de governo societário, incluindo a remuneração dos
colaboradores, ao quadro de supervisão, aos poderes das autoridades competentes, ao regime
sancionatório e à constituição de reservas de fundos próprios.
Foi transposta para o ordenamento jurídico interno pelo DL n.º 157/2014, de 24 de Outubro, daí
também resultando diversas alterações do RGICSF, do CVM e de outra legislação conexa.
Em simultâneo com a Directiva em análise, foi também publicado o Regulamento (UE)
575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativo aos requisitos prudenciais
para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE)
648/201297, visando diminuir a probabilidade de insolvência dos bancos.
Contém os requisitos prudenciais aplicáveis às instituições de crédito e empresas de
investimento, nomeadamente as novas regras relativas ao apuramento dos fundos próprios e ao cálculo
dos respetivos requisitos, à liquidez e à alavancagem, incluindo as disposições transitórias acordadas a

97
Do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Julho de 2012, relativo aos derivados do mercado de balcão, às contrapartes
centrais e aos repositórios de transações.

65
nível internacional, para a progressiva convergência para os novos requisitos previstos no quadro
regulamentar de Basileia III.
Tal como salientado no Preâmbulo do DL n.º 157/2014, a Directiva n.º 2013/36/EU e o
Regulamento (UE) n.º 575/2013 constituem o novo enquadramento jurídico que rege o acesso à
atividade das instituições de crédito e que estabelece o quadro de supervisão e as regras prudenciais
aplicáveis às instituições de crédito e às empresas de investimento, implementando na União Europeia
o quadro regulamentar de Basileia III e substituindo a anterior legislação (Directivas n.ºs 2006/48/CE e
2006/49/CE), já sujeita a diversas alterações.

v. CRD V - Directiva (UE) 2019/878 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de


Maio de 2019
A Directiva (UE) 2019/878 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2019, visa
reforçar e aperfeiçoar os actos jurídicos da União, assegurando requisitos prudenciais uniformes
aplicáveis às instituições da União, tendo procedido à alteração da Diretiva 2013/36/UE no que se refere
às entidades isentas, às companhias financeiras, às companhias financeiras mistas, à remuneração, às
medidas e poderes de supervisão e às medidas de conservação dos fundos próprios. Ficaram excluídos
do âmbito da sua aplicação, entre outros, os bancos centrais.
Esta Directiva (UE) 2019/878 foi, subsequentemente, alterada pela Diretiva (UE) 2021/338 do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 2021, que altera a Diretiva 2014/65/UE
(DMIF II), no que diz respeito aos requisitos de informação, à governação dos produtos e aos limites às
posições, e as Diretivas 2013/36/UE e (UE) 2019/878, no respeitante à sua aplicação às empresas de
investimento a fim de contribuir para a recuperação na sequência da crise de Covid-19.
A Directiva (UE) 2019/879 ainda não foi transposta para o ordenamento jurídico nacional, tal
constituindo um dos objectivos do anteprojecto de Código da Actividade Bancária, já mencionado.
Curiosamente e apesar disso, note-se que a referida Diretiva (UE) 2021/338 já foi transposta, através do
DL n.º 109-H/2021, de 10 de Dezembro, que aprova o regime das empresas de investimento e procede
à transposição de diversas directivas relativas ao seu funcionamento.

Como referido, é sobre o conjunto único de regras (Single Rulebook) que assentam os três pilares
de sustentação da União Bancária: o Mecanismo Único de Supervisão; o Mecanismo Único de
Resolução; e o Sistema Europeu de Seguro de Depósitos.

3.2 O Mecanismo Único de Supervisão


O Mecanismo Único de Supervisão refere-se ao sistema de supervisão bancária da UE,
integrando o Banco Central Europeu e as autoridades de supervisão nacionais dos Estados

66
participantes98, nos termos do disposto no Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho, de 15 de
Outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas
relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito.
Tem como objectivos assegurar a segurança e solidez do sector bancário europeu e aumentar a
integração e a estabilidade financeiras.
Na sua qualidade de instituição europeia independente, o BCE superintende a supervisão
bancária de acordo com uma perspectiva europeia, por via da definição de uma abordagem comum à
supervisão corrente, da adopção de acções de supervisão e de medidas correctivas harmonizadas e da
garantia de aplicação consistente de regulamentos e políticas de supervisão.
Em cooperação com as autoridades supervisoras nacionais (cfr. artigo 6º), o BCE é responsável
por garantir que a supervisão bancária europeia seja eficaz e consistente.
No exercício das suas funções, o BCE está munido da autoridade para, nomeadamente, conceder
ou revogar licenças bancárias, avaliar a aquisição e alienação de participações qualificadas pelos bancos
e estabelecer requisitos de capital mais elevados, para combater quaisquer riscos financeiros.
A supervisão bancária do BCE é exercida em duas formas:
De forma directa, sobre os 115 bancos sistemicamente significativos, no conjunto dos Estados
participantes.
Uma entidade supervisionada pode ser classificada como entidade supervisionada
significativa com base em qualquer um dos critérios enunciados no artigo 39º, n.º 3 do
Regulamento (UE) N.º 468/2014 do Banco Central Europeu, de 16 de Abril de 2014, que
estabelece o quadro de cooperação, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, entre o
Banco Central Europeu e as autoridades nacionais competentes e com as autoridades nacionais
designadas (Regulamento-Quadro do MUS): a) dimensão (o valor total de activos exceda os € 30
mil milhões); b) importância económica (para o país, em concreto ou para a economia da UE,
globalmente considerada); c) actividades transfronteiriças (o valor total dos seus activos seja superior
a € 5 mil milhões e o rácio dos seus ativos/passivos transfronteiriços, em mais do que um outro Estado-
Membro participante, em relação aos seus ativos/passivos totais, seja superior a 20%); d) assistência
financeira pública directa (tenha requerido, ou recebido, fundos do Mecanismo Europeu de Estabilidade
ou do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira); e) a entidade supervisionada ser uma das três
instituições de crédito mais significativas num Estado-Membro participante, determinado nos
termos dos artigos 65º e 66º.

98
Cfr. ECB, Single Supervisory Mechanism, [https://www.bankingsupervision.europa.eu/about/thessm/html/index.en.html –
30.04.2022].

67
A supervisão bancária do BCE também é exercida de forma indirecta. Neste caso, os bancos
que não são considerados sistemicamente relevantes continuam a ser supervisionados pelos respectivos
supervisores nacionais, em estreita cooperação com o BCE, podendo este, a qualquer momento, decidir
supervisionar directamente qualquer um desses bancos, para garantir que elevados padrões de
supervisão sejam aplicados de forma consistente.

A qualificação de todos os bancos autorizados nos países participantes é verificada, no mínimo


anualmente: pelo BCE, para verificar se uma entidade supervisionada significativa ou um grupo
supervisionado significativo continua a preencher algum dos critérios estabelecidos no artigo
6º, n.º 4 do Regulamento do MUS; pelas ANC, para verificarem se uma entidade supervisionada
menos significativa ou um grupo supervisionado menos significativo preenche algum dos
critérios estabelecidos naquela mesma disposição (cfr. artigo 43º, n.ºs 1 e 2).
Essa qualificação pode mudar por duas vias: por meio da actividade comercial normal ou devido
a eventos pontuais, como fusões ou aquisições.
Quando tal se verifique, a transferência das responsabilidades de supervisão é coordenada entre
o BCE e os supervisores nacionais envolvidos (artigo 43º, n.º 6).

Todos os países da área do euro participam automaticamente na supervisão bancária europeia,


podendo os demais optar por participar, através de acordos de estreita cooperação99, celebrados nos
termos da Decisão do BCE de 31 de Janeiro de 2014, relativa à cooperação estreita com as autoridades
nacionais competentes de Estados-Membros participantes cuja moeda não é o euro (BCE/2014/5)
(2014/434/UE).

3.3 O Mecanismo Único de Resolução


O Mecanismo Único de Resolução é um sistema para a resolução eficaz e eficiente de
instituições financeiras não viáveis e entrou em funcionamento em 1 de Janeiro de 2016.
É constituído pela autoridade central de resolução (o Conselho Único de Resolução - CUR) e
pelo Fundo Único de Resolução (FUR), que se destina a ser utilizado em casos de insolvência bancária
e é, inteiramente, financiado pelo sector bancário da Europa.
O CUR partilha, com as autoridades nacionais de resolução dos Estados-Membros da área do
euro e dos Estados-Membros da União Europeia cuja moeda não é o euro, mas decidam participar
no MUS, a responsabilidade pela resolução de instituições de crédito, segundo a mesma estrutura de
divisão de responsabilidades que sustenta este mecanismo.

99
É o caso da Bulgária e da Croácia, que aderiram à supervisão bancária europeia, através de acordos de estreita cooperação,
conforme decisão do Conselho do BCE, de 10 de Julho de 2020, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 2020 [https://www.
bankingsupervision.europa.eu/about/milestones/html/index.pt.html – 15.05.2022].

68
Em termos gerais, o CUR: (i) decide sobre os programas de resolução para bancos em risco ou
situação de insolvência, incluindo sobre a aplicação dos instrumentos de resolução e a utilização do
FUR; (ii) é diretamente responsável pelas fases de planeamento e resolução dos bancos transfronteiriços
e dos bancos da União Bancária que são diretamente supervisionados pelo BCE, no âmbito do MUS;
(iii) é responsável por todos os casos de resolução, independentemente da dimensão do banco, caso a
resolução requeira o recurso ao FUR.
As autoridades nacionais de resolução dos Estados-Membros participantes são responsáveis
pelo planeamento e pela adopção de planos de resolução para os bancos pelos quais o CUR não seja
diretamente responsável. Ainda assim, o CUR pode, a qualquer momento, decidir exercer os seus
poderes relativamente a qualquer banco da União Bancária, independentemente da sua dimensão.
Já o FUR destina-se a apoiar a resolução de bancos em risco ou situação de insolvência, quando
se esgotem as opções de recuperação, tais como a recapitalização interna das instituições.

Em termos gerais, a resolução bancária ocorre quando as autoridades determinam que um banco
falido não pode ser sujeito a um processo normal de insolvência, sem prejudicar o interesse público e
causar instabilidade financeira100.
Define-se, então, uma gestão ordenada da falência da instituição em causa, utilizando
ferramentas de resolução destinadas a (i) garantir a continuidade das funções críticas do banco; (ii)
manter a estabilidade financeira; e (iii) restabelecer a viabilidade de partes ou de todo o banco.
Em face de uma qualquer parte do banco que não retome a viabilidade, será a mesma sujeita ao
processo normal de insolvência.
As medidas adoptadas pela UE visam harmonizar e melhorar as ferramentas que permitem
enfrentar as crises bancárias nos Estados-membros.

A regulação da prevenção e da gestão de insolvências bancárias assenta em dois documentos


fundamentais:

De um lado, a Directiva n.º 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Maio


de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito
e de empresas de investimento, alterando diversos diplomas (DRRB)101.
Ali são previstas regras relativas a requisitos e supervisão prudencial em matéria de planos de
recuperação, de medidas de intervenção correctiva e de apoio financeiro intragrupo.

100
Cfr. https://ec.europa.eu/info/business-economy-euro/banking-and-finance/financial-supervision-and-risk-management/
managing-risks-banks-and-financial-institutions/bank-recovery-and-resolution_en (16.05.2022).
101
Altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE,
2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e
do Conselho.

69
Tais regras visam dotar as autoridades competentes de instrumentos abrangentes e eficazes, para
lidar com bancos falidos a nível nacional, bem como da possibilidade de estabelecer acordos de
cooperação, para combater as falências bancárias transfronteiriças.
A Directiva n.º 2014/59/UE exige que os bancos preparem planos de recuperação para superar
dificuldades financeiras. Também confere às autoridades nacionais poderes para garantir uma resolução
ordenada de bancos em situação de insolvência, com custos mínimos para os contribuintes.
Outrossim, inclui regras para a criação de um fundo nacional de resolução, que deve ser
estabelecido por cada país da UE, devendo todas as instituições financeiras contribuir para esses fundos,
com valores calculados com base na dimensão e perfil de risco da instituição. A Directiva n.º
2014/59/EU é complementada pelo Regulamento Delegado (UE) 2015/63 da Comissão, de 21 de
Outubro de 2014, no que se refere às contribuições ex ante para os mecanismos de financiamento da
resolução.
As regras de resolução bancária da UE garantem que os accionistas e credores dos bancos
suportem a sua parte dos custos (bail-in) e, quando tal não seja suficiente, os fundos nacionais de
resolução, criados neste âmbito, podem fornecer os recursos necessários para garantir que um banco
possa continuar a exercer actividade, na pendência da reestruturação.
A Directiva em análise foi parcialmente transposta para o ordenamento jurídico nacional pelo
DL n.º 114-A/2014, de 01 de Agosto.

De outro lado, o Regulamento (UE) n.º 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15


de Julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições
de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de
um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (RUR).

Das alterações propostas pela Comissão, em 23 de Novembro de 2016, resultou a Directiva (UE)
2019/879 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2019, que altera a Diretiva
2014/59/UE no que diz respeito à capacidade de absorção de perdas e recapitalização das instituições
de crédito e empresas de investimento e a Directiva 98/26/CE (DBBR II).
Estas alterações incluem a harmonização parcial dos desencadeadores dos processos normais de
insolvência, novas categorias para instituições de crédito, alterações aos requisitos de calibração,
subordinação e elegibilidade em relação ao requisito mínimo de fundos próprios e passivos elegíveis
(MREL)102, introduz novos requisitos de reporte e divulgação para requisito mínimo, esclarece as
implicações de uma sua violação, concede proteção adicional aos pequenos investidores, integra a
capacidade total de absorção de perdas (TLAC) para Instituições globais sistemicamente importantes na

102
Na designação inglesa, minimum requirement for own funds and eligible liabilities (MREL), instrumento destinado a
assegurar uma credível e efectiva aplicação da ferramenta bail-in.

70
calibração MREL e clarifica a aplicação das estratégias de ponto único de entrada e de pontos múltiplos
de entrada103.
À semelhança do que se verifica com a Directiva (UE) 2019/878, também esta Directiva (UE)
2019/879 ainda não foi transposta para o ordenamento jurídico nacional, tal constituindo mais um dos
objectivos do anteprojecto de Código da Actividade Bancária, já mencionado.

3.4 Sistema Europeu de Seguro de Depósitos (SESD)


Como se verifica do exposto até agora, os pilares da União Bancária têm sido implementados
faseadamente e, desses, apenas o MUS e o MUR se encontram, já, em pleno funcionamento.
Mais atrasada se encontra, contudo, a implementação do terceiro pilar, relativo à criação de um
sistema europeu de seguro de depósitos (em inglês, EDIS - European Deposit Insurance Scheme) que,
ao oferecer o mesmo nível de proteção para os depósitos constituídos no espaço da União Bancária, com
base num mecanismo de financiamento comum e dissociado do plano nacional, permita aprofundar a
integração europeia e confluir para uma solidariedade reforçada entre os vários Estados-membros104.
O ponto de partida do projecto pode situar-se na Directiva 2014/49/UE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 16 de Abril, relativa aos sistemas de garantia de depósitos105, cujo enquadramento
jurídico europeu que proporcionou, aos sistemas de garantia de depósitos nacionais, serviu de base à
apresentação pela Comissão Europeia, em 24 de Novembro de 2015, de uma proposta de regulamento
para a criação de um Sistema Europeu de Seguro de Depósitos106. Esta Proposta foi acompanhada por
uma Comunicação, da mesma data, onde, entre outras questões, são desenvolvidos os objectivos a atingir
com a adopção do SESD e explicitado o seu modo de funcionamento107.

103
Cfr. MFSA, Amendments introduced by the Bank Recovery and Resolution Directive II, 23 de Fevereiro de 2021
[https://ganado.com/wp-content/uploads/2021/03/Amendments-introduced-by-the-Bank-Recovery-and-Resolution-Directive
-II.pdf – 16.05.2022].
104
Sobre o assunto, cfr. Fundo de Garantia de Depósitos, Sistema Europeu de Garantia de Depósitos, ...........
[https://www.fgd.pt/sistema-europeu-de-garantia-de-depositos – 17.05.2022], que serve de base à exposição subsequente;
também European Commission, Effects Analysis (EA) On The European Deposit Insurance Scheme (EDIS), 11 de Outubro de
2016, especialmente pp. 7 ss. [https://ec.europa.eu/info/sites/default/files/161011-edis-effect-analysis_en.pdf – 18.05.2022];
BCE, Em que consiste um sistema de garantia de depósitos?, 11 de Abril de 2018 [https://www.ecb.europa.eu/ecb/educational/
explainers/tell-me-more/html/deposit_guarantee.pt.html – 18.05.2022]; Filipa Gonçalves LONGRAS, Sistema Europeu de
Seguro de Depósitos: Mind the Gap, Porto: FDUP, 2018, pp. 16 ss. [https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/117443/
2/302668.pdf – 18.05.2022]; Ettore PANETTI, Economia do Sistema Europeu de Seguro de Depósitos, Revista de Estudos
Económicos, V / 4, 2019, especialmente pp. 79 ss. [71-91]; .................
105
A qual, como já referido, foi transposta para o ordenamento jurídico nacional pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de Março.
106
Cfr. Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, que altera o Regulamento (UE) 806/2014 com vista
à criação do Sistema Europeu de Garantia de Depósitos, COM(2015) 586 final [https://eur-lex.europa.eu/legal-content/
PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52015PC0586&from=EM – 17.05.2022]. Refira-se que esta proposta surgiu na sequência de duas
iniciativas: (i) o denominado Relatório do Cinco Presidentes, onde a criação desse sistema foi, inicialmente, recomendada
[Jean-Claude JUNCKER / Donald TUSK / Jeroen DIJSSELBLOEM / Mario DRAGHI / Martin SCHULZ, Concluir a União
Económica e Monetária Europeia, 22 de Junho de 2015, p. 13, em https://ec.europa.eu/info/sites/default/ files/5-presidents-
report_pt.pdf - 17.05.2022]; e (ii) e o compromisso assumido pela Comissão Europeia de apresentar, antes do final de 2015,
uma proposta legislativa sobre os primeiros passos a dar com vista a um Sistema Europeu de Seguro de Depósitos comum
[Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Banco Central Europeu, de 21 de Outubro de 2015,
sobre as medidas a adotar com vista à conclusão da União Económica e Monetária, COM(2015) 600 final, p. 15, em https://eur-
lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52015DC0600&from=EM – 17.05.2022].
107
Cfr. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e
Social Europeu e ao Comité das Regiões, «Rumo à conclusão da União Bancária», COM(2015) 587 final, pp. 6 ss. [https://eur-
lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52015DC0587 – 17.05.2022].

71
Nos termos da proposta regulamentar, o SESD apresentaria as seguintes características:
i. Regulação - um conjunto único de regras para todos os Estados-membros,
correspondente à acima referida Directiva 2014/49/UE, complementada pelo
Regulamento sobre o Mecanismo Único de Resolução [Regulamento (UE) n.º
806/2014, na redacção que dele resultasse das alterações introduzidas pela proposta
da Comissão Europeia relativa ao Regulamento do SESD];
ii. Vinculação – de natureza obrigatória para todos os Estados-membros da área do euro,
ficando aberto aos Estados membros não pertencentes à área do euro dispostos a aderir
à União Bancária;
iii. Composição – assente no actual sistema, sendo composto por um fundo europeu de
seguro de depósitos e pelos sistemas de garantia de depósitos nacionais;
iv. Administração - pelo Conselho Único de Resolução (CUR), em conjunto com os
sistemas de garantia de depósitos nacionais participantes, passando o CUR, já
responsável pelo Fundo Único de Resolução, a gerir o fundo europeu de seguro de
depósitos;
v. Aplicabilidade - aos depósitos de todos os bancos da União Bancária, continuando a
oferecer a garantia até ao limite de cem mil euros, por depositante e por banco;
vi. Intervenção - quando um desses bancos entrasse em insolvência e fosse necessário
proceder ao reembolso dos depositantes garantidos, ou se mostrasse necessário
financiar a proteção desses depositantes no âmbito da aplicação de medidas de
resolução;
vii. Financiamento - por contribuições ao CUR, ajustadas pelo risco, entregues por todas
as instituições de crédito participantes nos Estados-membros, mas calculadas e
cobradas pelos sistemas de garantia de depósitos nacionais, os quais se manteriam
como os interlocutores das respectivas instituições de crédito participantes. Para
alcançar a neutralidade em termos de custos para o sector bancário, essas contribuições
seriam deduzidas às contribuições que essas mesmas instituições entregam aos
sistemas de garantia de depósitos nacionais, de modo que não seriam exigidas
contribuições adicionais aos bancos.
A proposta da Comissão previu três fases sequenciais de implementação do sistema do SESD:
um sistema de resseguro, durante um primeiro período de três anos; um sistema de cosseguro, durante
um segundo período de quatro anos; e, por último, um seguro integral para as instituições de crédito em
estado estacionário.
Em síntese, a proposta inicial da Comissão baseou-se nos sistemas nacionais de garantia de
depósitos já existentes e recomendou a introdução gradual do SESD, na forma de um sistema
genericamente neutro, em termos de custos para o sector bancário (apesar da existência de diferenças,

72
entre os bancos de maior risco e os bancos mais seguros, no valor das contribuições a pagar), tendo
também sido sugeridas salvaguardas e medidas complementares para reduzir os riscos bancários.
Entretanto, a Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu
publicou, em 4 de Novembro de 2016, um projecto de relatório sobre o SESD, com propostas de algumas
alterações à proposta da Comissão108, tendo os subsequentes debates, no Parlamento e no Conselho,
revelado posições divergentes em relação à concepção do sistema, na sua fase final.
A partir de então, têm-se perfilado três alternativas para escolha do modelo de protecção de
depósitos a adoptar109:
i. Modelo de Resseguro – propõe que o resseguro deixe de ser uma mera fase, passando
a constituir a solução definitiva até 2024, após o que será debatida a respectiva
viabilidade110;
ii. Modelo Institucional Único com um Compartimento Institucional Europeu e
Compartimentos Nacionais – propõe a definição de um quadro institucional único, no
qual os seguros de depósitos, após um período de transição, seriam eliminados,
criando-se depois compartimentos nacionais a par de uma entidade única a nível
europeu (em princípio o CUR, com ajustamentos)111;
iii. Modelo de Criação de uma Entidade Europeia Conjunta – propõe a criação de uma
autoridade europeia conjunta, que englobe o pilar da resolução e o pilar do seguro de
depósitos112, segundo o modelo utilizado nos EUA (FDIC – Federal Deposit
Insurance Corporation) e no Japão (DICJ - Deposit Insurance Corporation of Japan).
Segundo esta proposta, a manutenção (permanente) de compartimentos nacionais no
SESD pode revelar-se autodestrutiva, pois esses compartimentos poderão ser
desestabilizadores do mecanismo comum, em tempos de crise.
A proposta assenta na integração dos órgãos de resolução e de garantia de depósitos
num Conselho Único de Resolução e de Seguro de Depósitos (em inglês SRDIB -
Single Resolution and Deposit Insurance Board) e, também, na integração dos fundos
que lhes estão subjacentes num Fundo Único de Resolução e de Seguro de Depósitos
(em inglês, SRDIF - Single Resolution and Deposit Insurance Fund), assim

108
Projeto de Relatório, Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (UE) n.º
806/2014 com vista à criação do Sistema Europeu de Seguro de Depósitos (COM(2015)0586 – C8-0371/2015 – 2015/0270
(COM 2015/0270(COD)), Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários, Relatora: Esther de Lange [https://www.
europarl.europa.eu/doceo/document/ECON-PR-592334_PT.pdf – 18.05.2022].
109
Para desenvolvimentos, cfr. Ettore PANETTI, Economia do Sistema Europeu de Seguro de Depósitos, cit., pp. 82 ss.; Filipa
Gonçalves LONGRAS, Sistema Europeu de Seguro de Depósitos: Mind the Gap, cit., pp. 35 ss.;
110
Daniel GROS, Completing the Banking Union: Deposit Insurance, December 3, 2015, CEPS Policy Brief, 2015, pp. 1-7
[https://ssrn.com/abstract=2721668].
111
Agnès BÉNASSY-QUÉRÉ et al., Reconciling risk sharing with market discipline: A constructive approach to euro area
reform, CEPR Policy Insight 91, 2018, especialmente p. 8 [https://www.bruegel.org/wp-content/uploads/2018/01/Policy
Insight_91.pdf – 18.05.2022].
112
Dirk SCHOENMAKER, Building a Stable European Deposit Insurance Scheme, pp.318 ss., JFR, 4 / 2, 2018 [314–320].

73
simplificando procedimentos de gestão de crises e reduzindo o financiamento
necessário.

Em 11 de Outubro de 2017, a Comissão Europeia endereça, às entidades envolvidas, uma nova


Comunicação, onde salienta a necessidade e a urgência de implementação do SESD, enquanto requisito
do aumento da “... resiliência da União Bancária contra futuras crises financeiras, assegurando uma
cobertura de seguro forte e uniforme para todos os depositantes, independentemente da sua localização
geográfica no território da União Bancária”113.
Reconhecendo que “estão em curso trabalhos técnicos, mas os progressos a nível político são
escassos”, a Comissão salienta o facto de a sua proposta do SESD, apresentada dois anos antes, continuar
inalterada em cima da mesa e sugere que o impasse possa ser ultrapassado por um relançamento das
negociações.
Propõe, para o efeito, propôs algumas opções para a concepção do SESD, por exemplo de o
Parlamento Europeu e o Conselho poderem “... ponderar, no âmbito das negociações em curso, a
introdução do Sistema Europeu de Seguro de Depósitos de forma mais gradual, à escala dos progressos
alcançados no que respeita à redução dos riscos e à resolução dos legados problemáticos, começando
por uma fase de resseguro mais limitada, com uma transição gradual para o cosseguro”114.
Em 16 de Dezembro de 2021, o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a
Comissão Europeia assinaram uma Declaração Conjunta sobre as prioridades legislativas da União
Europeia para 2022, onde mantêm o propósito de trabalharem no sentido de facilitar o acesso das
pequenas e médias empresas ao capital e de se esforçarem por concluir a união bancária, numa referência
óbvia às soluções pendentes relativas ao seguro de depósitos115.

29 de Maio de 2022

António Pedro A, Ferreira

113
Cfr. Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social
Europeu e ao Comité das Regiões sobre a conclusão da União Bancária, COM(2017) 592 final, pp. 10 ss. [https://eur-
lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52017DC0592&from=PT – 19-05.2022].
114
Idem, ibidem, p. 11.
115
Cfr. CONSELHO, Declaração conjunta do Parlamento Europeu, do Conselho da União Europeia e da Comissão Europeia
Prioridades legislativas da UE para 2022 (2021/C 514 I/01), Ponto 3, p. 2 [https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/
PDF/?uri=CELEX:32021C1221(01)&from=EN - 19.05.2022].

74

Você também pode gostar