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A luta pela despenalizaçã o do aborto em Portugal

Unidade Curricular: Movimentos Sociais e Cidadania


Docente: Ricardo Marcchi
Discente: Teresa Osó rio
Mestrado: Histó ria Moderna e Contemporâ nea
Foi em 1974 que a primeira reivindicação a favor da despenalização do aborto
veio a público numa brochura do Movimento de Libertação das Mulheres (MLM),
dando origem, um ano depois, ao Movimento pela Contracepção, Aborto Livre e
Gratuito (MCLAG). Entretanto, em junho de 1975, foi também lançado o livro
Aborto, Direito Ao Nosso Corpo, da autoria de Maria Teresa Horta, Célia Metrass e
Helena Sá de Medeiros (Alves, Santos, Barradas e Duarte, 2009)
Após o 25 de abril e pela necessidade de alterar os rumos dos país, de modo a
que este se consagrasse definitivamente como uma democracia, promolgou-se em
1976 uma nova constituição. Apesar dos direitos e liberdades que garantia, a
Contituição de 1976 não cobria o direito à interrupção voluntária da gravidez (IVG)
Ora, na década de 1970 estimava-se que eram realizados em Portugal entre
100 000 a 200 000 abortos clandestinos por ano e o aborto era a terceira causa de
morte das mulheres portuguesas (Monteiro, 2012). Foi também nesta década e, de
certo modo influenciada por estes número e por outras questões mais alinhadas com a
desigualdade de género, que se criaram várias organizações feministas em Portugal: a
União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), a Associação para o
Planeamento Familiar (APF) e o Movimento Democrático de Mulheres (MDM)
(Duarte, 2007).
Uma série de campanhas e episódios como o de 1977, em que foi entregue, na
Assembleia da República, uma petição com 5 mil assinaturas exigindo a
despenalização do aborto ou a campanha pelo Aborto e Contracepção realizada em
1979, juntamente com a cobertura pela imprensa, do julgamento da jornalista Maria
Antónia Palla, devido à realização da reportagem “Aborto, o crime está na lei”,
culminam no anúnico pelo Partido Socialista e pelo Partido Comunista Português de
que iriam preparar propostas de lei para a despenalização do aborto.
A primeira proposta de lei aconteceu em 1980 pela UDP e propunha que a
mulher pudesse interromper voluntariamente a gravidez até às doze semanas (Duarte,
2007). Foi chumbada. Em 1982, o PCP apresentou nova proposta de legislação
propondo a despenalização do aborto até às 12 semanas por motivos “socio-
económicos” (Alves, Santos, Barradas e Duarte, 2009), sendo que, segundo Monteiro
(2012), o quadro interpretativo (“frame”) em que a lei era apresentada, relacionava-se
com questões de “natureza social” e não com o “direito das mulheres”, o que levou a
que a discussão em torno da lei se centrasse nos partidos políticos e não nas
associações e movimentos de mulheres.
Foi ainda durante a discussão desta lei que a Igreja Católica revelou
publicamente a sua oposição à legalização do aborto e a proposta de lei acabou por ser
chumbada na Assembleia da República, ficando para a posteridade a imagem das
doze mulheres da Campanha Nacional pelo Aborto e Contracepção nas galerias do
Parlamento vestidas com t-shirts que diziam: “Nós abortámos”.
Em 1983, foi a vez do Partido Socialista apresentar a sua proposta de lei,
gerando um debate aceso, no âmbito do qual associações e partidos de esquerda
tomaram posições públicas contra o documento, assegurando que este não tinha em
conta situações de aborto clandestino. Monteiro (2012) volta a confirmar que o
quadro interpretativo dos argumentos para a despenalização do aborto tinham mais

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que ver com a questão da saúde da mulher e com os problemas do aborto clandestino,
do que propriamente com o direito feminino em decidir o que fazer com o seu corpo.
Esta proposta de lei foi mesmo assim aprovada em 1984, dando origem à
primeira lei (Lei nº 6/84, de 11 de maio de 1984) que despenalizava o aborto em
algumas situações. No momento da aprovação, nova manifestação foi realizada nas
galerias da Assembleia da República, desta vez através de uma faixa que dizia: “Lei
do PS mantém o aborto clandestino. A luta continua”. Este protesto estava
relacionado com o facto da lei promulgada penalizar a mulher que abortava e a pessoa
que lhe fazia o aborto, excepto nos casos em que fosse o único meio de evitar a morte
da mãe, houvesse risco para a saúde mental e física da mãe (permitido até às 12
semanas), a gravidez resultasse de uma violação (permitido até às 16 semanas),
houvesse malformação do feto ou se o recém nascido viesse a sofrer de doença grave
(até às 24 semanas). Assim, as formas de contestação continuaram, não pela anulação
da lei, mas para a tornar mais abrangente.
Nos anos subsequentes registou-se um enfraquecimento dos movimentos a
favor da despenalização do aborto e dos debates centrados no tema. Porém, com a
publicação de algumas notícias sobre a investigação que a Polícia Judiciária estava a
realizar a 1200, que tinham abortado clandestinamente numa clínica de Lisboa,
começou a dar-se uma nova vaga de protesto, quer por parte da sociedade civil, quer
no seio dos partidos políticos.
Assim, em 1994 o Movimento de Opinião Pela Despenalização do Aborto em
Portugal (MODAP), do qual faziam parte outras associações de mulheres e
departamentos de partidos ligados à esquerda, abriu uma nova onda de debates e
seminários acerca do tema e agiu com os meios que tinha à sua disposição,
escrevendo cartas aos partidos e realizando conferências de imprensa e petições
(Monteiro, 2012).
Dois anos mais tarde, o tema do aborto voltou à agenda política com a
Juventude Socialista e o Partido Comunista Português a apresentarem propostas de lei
que autorizavam a interrupção voluntária da gravidez até às 12 semanas a pedido da
mulher. Estava então lançado de novo o debate na sociedade civil.
Os movimentos que não concordavam com a despenalização do aborto,
ligados a sectores da Igreja Católica (Duarte, 2007 e Baum e Freire, 2001),
organizaram-se no movimento Juntos Pela Vida e criaram a campanha “Não Mates o
Zézinho”, enquanto a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), um dos
rostos dos movimentos a favor da despenalização, lançou a linha SOS-Aborto.
O desenlace da votação das duas propostas de lei foi o chumbo de ambas,
ainda que a proposta da Juventude Socialista tenha sido chumbada apenas por um
voto. No rescaldo destes acontecimentos, dias depois dos chumbos da Assembleia da
República, no dia Internacional da Mulher do ano de 1997, morreu uma mulher de 36
anos por ter realizado um aborto clandestino e os deputados do PCP e do PS acusaram
os restantes de terem contribuído para que tal tivesse acontecido. (Duarte, 2007).
No início do ano de 1998, aproveitando a celeuma do ano transacto, para além
de ser criada a plataforma Pelo Direito de Optar com base no Movimento de Opinião
pela Despenalização do Aborto em Portugal, são apresentadas três propostas de lei,

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uma pelo Partido Comunista, outra pela Juventude Socialista e ainda uma terceira dos
deputados socialistas António Braga e Eurico de Figueiredo. Mais tarde, a proposta
destes dois deputados fundiu-se na da Juventude Socialista, que propunha a
despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas e que foi
aprovada na Assembleia da República (a proposta do Partido Comunista Português
seria chumbada por três votos).
No mesmo dia da aprovação do projecto lei da Juventude Socialista, o Partido
Socialista e o Partido Social Democrata anunciavam um acordo para a realização de
um referendo sobre o tema, decisão para a qual terá contribuído o facto do à época
Primeiro-Ministro, António Guterres, ser católico praticante e, por isso, claramente
oposicionista à despenalização do aborto, ideologia partilhada pelo líder da oposição,
Marcelo Rebelo de Sousa (Baum e Freire 2001).
O referendo à despenalização do interrupção voluntária da gravidez em
Portugal ficou agendado para o dia 28 de junho de 1998 e a questão era a seguinte:
“Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada,
por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas, em estabelecimento de saúde
legalmente autorizado?”. A resposta “não” foi a vencedora.
Muitas são as causas (comuns a todos os autores lidos no âmbito deste
trabalho) apontadas para a derrota do sim no primeiro referendo realizado em
Portugal. Em primeiro lugar, a fusão de todos os movimentos a favor da
despenalização, num único movimento, o Movimento Sim Pela Tolerância; depois a
falta de comprometimento do Partido Socialista cujos militantes se encontravam
divididos nesta matéria e, por último, a maior união e mais recursos da direita
portuguesa (apoiada na Igreja Católica).
Monteiro (2012) e Alves, Santos, Barradas e Duarte (2009), Freire (2009) e
Tavares (2003) referem que a escolha da designação do movimento pró-escolha foi
desadequada dado que dava a entender que despenalizar o aborto era uma questão de
tolerância e de apelo à absolvição de mulheres que o tinham praticado, e não uma
questão abrangente e relativa aos direitos humanos.
Relativamente à falta de envolvimento do Partido Socialista durante a
campanha que durou 10 dias (de 16 a 26 de junho de 1998) Baum e Freire (2001)
consideram que este foi um factor decisivo no nível de abstenção (de 8 milhões de
eleitores, só 3 milhões votaram, sendo que os resultados foram de 16,5 % para o
“não” e de 15,5 % para o “sim”), o mesmo apuraram Alves, Santos, Barradas e Duarte
(2009) através de entrevistas realizadas no seu artigo. A falta de organização dos
movimentos a favor da despenalização do aborto, devido à escassez de experiência e à
pluralidade de vozes que os integravam também foi apurado, através de entrevistas,
como determinante para a derrota do “sim”.
Do lado dos quatro movimentos contra a despenalização do aborto houve um
envolvimento mais coeso dos vários atores como cidadãos, alguns militantes do
Partido Social Democrata e do Partido Popular, médicos, juristas e Igreja Católica.
Esta última teve, segundo Baum e Freire (2001), um papel fundamental no resultado
do referendo, uma vez que apesar da ter aconselhado os padres a não se envolverem
directamente em nenhum dos movimentos, instigou-os a servirem-se dos seus púlpitos

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para levarem a sua comunidade a optar pelo “não”. Também movimentos de cariz
religioso como o Movimento dos Estudantes Católicos, a Juventude Operária
Católica, o Nós Somos Igreja e o Movimento Internacional das Mulheres Cristãs se
organizaram para moldar a opinião pública portuguesa.
Quanto aos quadros interpretativos usados por cada um dos sectores, Monteiro
(2012), Duarte (2007) e Alves, Santos, Barradas e Duarte (2009) apontam como
principal argumentos do Movimento Sim pela Tolerância, a luta contra a penalização
das mulheres, que por razões várias tinham que recorrer ao aborto e a manutenção da
saúde pública. Neste ponto, Monteiro (2012) defende que um dos principais
problemas da campanha a favor da despenalização foi o facto de não se ter utilizado,
devido em grande parte ao alheamento da Comissão para a Cidadania e Igualdade do
Género, o direito da mulher como bandeira propangandística. A mesma opinião têm
Alves, Santos, Barradas e Duarte (2009) que sugerem que o Movimento Sim Pela
Tolerância teria tido mais capacidade argumentativo se tivesse juntado à sua
campanha a questão do direito das mulheres ao livre-arbítrio, apesar de no final do
seu artigo sublinharem que o facto de se ter optado por um quadro interpretativo
moderado na campanha de 2007, alinhado com a sociedade conservadora portuguesa,
foi uma das chaves para a vitória do “sim”.
Do lado dos movimentos contra a despenalização do aborto os argumentos
apelaram à protecção da vida e à alegação de que já não existiam julgamentos de
mulheres por prática de aborto.
O “não” saiu vitorioso, com 50,09 % dos votos, num referendo em que houve
uma abstenção de 68,1 % da população portuguesa e que, por isso, não teve carácter
vinculativo (Baum e Freire, 2001).
Do rescaldo do referendo de 1998 foi criado um novo partido político à
esquerda, o Bloco de Esquerda, que fez da despenalização do aborto um dos seus
principais estandartes. As organizações envolvidas no Movimento Sim Pela
Tolerância continuaram a fazer campanhas junto das suas comunidades e começaram
a fazer-se os primeiros julgamentos do século XXI a mulheres que praticaram o
aborto. Sendo o julgamento da Maia, em 2001, o facto mais marcante do período pós-
referendo (Tavares, 2003). Com cobertura mediática internacional (BBC, The
Independent e El País), este julgamento voltou a trazer o tema do assunto à discussão.
Como consequência, foi entregue, em janeiro de 2004, na Assembleia da
República uma petição com mais de 120 mil assinaturas exigindo um novo referendo
sobre esta matéria e, dias depois, num contra-movimento, nova petição chega à AR,
desta vez, com mais de 120 mil assinaturas, proclamando a “defesa das famílias” e
“contra o aborto” (Alves e Santos, 2009). Dois meses depois, num debate
parlamentar, os partidos recusaram-se a discutir novamente o tema e um grupo de
activistas usou burkas nas galerias do parlamento para simbolizar a opresão sobre as
mulheres. Importa aqui referir que, depois das eleições legislativas de 2002, o novo
governo de coligação Partido Social Democrata e Partido Popular informou que não
iria alterar a lei do aborto.
Num esforço conjunto, com o objectivo de relançar nos media o debate acerca
da despenenalização do aborto, a Acção Jovens para a Paz, Clube Safo, Não te Prives

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e UMAR sugerem à organização holandesa Woman on Waves (WoW) que lançasse
uma campanha de sensibilização para os malefícios do aborto clandestino e para a
necessidade de despenalização do aborto em Portugal. A WoW, como organização
que desenvolve campanhas em países onde o aborto é ilegal e que já tinha estado na
Irlanda e na Polónia (2001 e 2003) para o mesmo efeito, aceitou a proposta.
Começaram então a criar-se todas as diligências para a vinda do barco da
WOW a Portugal. Este barco, com o nome “Borndiep”, possuía no seu interior uma
clínica genecológica montada para se poder fazer abortos até às 6 semanas a mulheres
portugueses. Estes abortos eram realizados a 12 mil milhas da costa portuguesa,
território que já não pertencia a Portugal e onde, por isso, mesmo, não era aplicada a
legislação nacional. As características desta campanha colocavam-na no limiar da
radicalização, uma vez que conjugava normas nacionais com normas internacionais.
(Duarte, 2007)
Depois do anúncio público da Campanha Fazer Ondas, em Agosto de 2004, as
autoridades marítimas informaram a WoW que a entrada do “Borndiep” em Portugal
estava vedada, alegando que se iriam distribuir medicamentos ilegais em Portugal;
publicitar práticas ilícitas; desenvolver serviços médicos sem licença das autoridades
e que a vinda do barco constituia um atentado à soberania do Estado Português
(Duarte, 2007). Perante a interdição, a WoW e as associações portuguesas envolvidas
na campanha, resolveram alugar um pequeno barco que pudesse transportar pessoas e
mantimentos até ao “Borndiep” e, simultaneamente, moveram um processo urgente
contra o Estado Português.
A intransigência do governo português acicatou a opinião pública e os meios
noticiosos, que levaram o caso para as páginas de jornais, ecrãs de televisão e
microfones da rádio. Vários partidos políticos portugueses, o parlamento europeu e o
governo holandês tentaram que o governo português recuasse na sua decisão, mas a 6
de Setembro o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra deu razão ao Ministério
da Defesa Nacional e de Assuntos do Mar e ao Instituto Portuário e dos Transportes e
o “Borndiep” acabou por regressar ao seu país no dia 12 de setembro de 2004.
Segundo Duarte (2007) a legislação acerca da interrupção voluntária da
gravidez, assim como a interdição do barco Borndiep em águas portuguesas servia
para manter o status quo. Perante esta tentativa de conservar a realidade, a Campanha
Fazer Ondas ao invés de se ter estagnado e restringido nos limites da legislação ou de
ter adpatado a sua agenda ao andamento do processo levantado contra o Estado,
serviu-se da legislação internacional para continuar a sua campanha dentro dos termos
legais e continuou a realizar, ainda que em terra, as actividades previstas no programa
(workshops, debates, conferências). Paralelamente, primeiro a interdição do barco e
depois o levantamento do processo ao estado português movido pela Woman on
Waves e algumas associações portuguesas, em vez de terem o efeito de legar o
assunto para as salas dos tribunais e assim esmorecê-lo, fizeram com que a Campanha
Fazer Ondas se mediatizasse e a sociedade civil falasse sobre o assunto.
Foram várias as consequências da Campanha Fazer Ondas para a luta pela
despenalização do aborto apontadas pela generalidade dos autores. Em primeiro lugar,
a criação do Movimento Médicos Pela Escolha que integrou voluntários da campanha

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e que veio a ter um papel fundamental no referendo de 2007, depois a centralidade
que a interrupção voluntária da gravidez obteve nas eleições legislativas de 2005 e
ainda, as mudanças que suscitou na opinião pública: segundo uma sondagem
telefónica realizada pela TSF e pelo Diário de Notícias 80 % dos inquiridos eram a
favor de um novo referendo e 60 % defendiam a despenalização do aborto.
Santos e Alves (2009) apontam mais duas características que diferenciaram
esta campanha de todas as outras realizadas até então: o seu carácter global, obtendo
apoios de organizações polacas, brasileiras e do parlamento europeu e o seu carácter
plural, integrando profissionais da área do direito, saúde, activistas e mulheres que já
tinham interrompido uma gravidez.
Depois da partida do barco, os julgamentos a mulheres que haviam feito
interrupção involuntária da gravidez continuaram, ainda que em número reduzido,
tendo em conta o número total de abortos clandestinos que se faziam em Portugal.
Santos, Santos, Duarte, Barradas, Alves (2010) alegam que a lei nº 6/84 foi aplicada
muito selectivamente quer nos casos em que poderia haver crime, quer nos casos em
que o aborto poderia ser realizado legalmente, pois o Estado não forneceu condições
suficientes ao Serviço Nacional de Saúde para actuar condignamente.
Nas eleições legislativas de 2005, José Sócrates, que durante a campanha tinha
prometido realizar novo referendo, saiu vencedor com maioria absoluta. Cavaco
Silva, presidente da República à época, marcou novo referendo para o dia 11 de
fevereiro de 2007. De 1998 para 2007 registou-se um aumento de 12 % na
participação no referendo (Santos e Alves, 2009 e Freire, 2008).
Na campanha para o referendo de 2007, registaram-se 14 grupos de cidadãos
contra a despenalização e 5 a favor. Sendo que desta vez, os grupos pelo “sim” não se
reuniram num só. Ao contrário dos do “não”, que apesar de gozarem de alguma
autonomia, tinham na Plataforma Não Obrigada a ligação entre os vários grupos, por
centralizar em si os recursos financeiros e logísticos.
Outra das diferenças entre a campanha de 1998 e a de 2007 foi a criação de
três grupos pró-depenalização direccionados a três sectores diferentes da sociedade:
jovens (Jovens pelo Sim), médicos e profissionais de saúde (Médicos Pela Escolha) e
eleitores, artistas e cidadãos dos mais variados quadrantes (Movimento Voto Pelo
Sim). Quanto aos partidos políticos, 3 estavam alinhados no “não” (CDS-PP, PNR e
PPM) e 6 pelo “sim” (Bloco de Esquerda, PCP, PEV, POUS e PS) e um sem posição
oficial (PSD).
Um dos factores determinantes e com influência directa nos argumentos
usados pelas duas partes foram os julgamentos da Maia, Lisboa, Aveiro e Setúbal a
mulheres que tinham feito abortos clandestinamente.
De acordo com Santos, Santos, Duarte, Barradas, Alves (2010) as primeiras
reivindicações exigindo a legalização do aborto, na década de 70, usaram
principalmente argumentos femistas, denunciando a instrumentalização do corpo da
mulher e apelando ao direito à opção sexual e reprodutiva das mesmas. Mas, ao longo
do tempo, este tipo de discurso da “mulher-decisora”, tranformou-se num discurso da
“mulher-vítima”, como se pôde constatar nos debates surgidos pelos projectos-lei
apresentados desde 1982 até aos resultados de 2007. Esta moderação do discurso está

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relacionada com a necessidade de adequá-lo ao carácter ainda bastante partriarcal e
conservador da sociedade portuguesa. Assim, o Partido Socialista também se mostrou
moderado no tipo de retórica utilizada na campanha de 2007. Frontalmente a favor da
despenalização, o PS mobilizou-se em peso sob o comando de José Sócrates que se
imiscuiu pessoalmente na campanha, mas sempre optando (líder e militantes) por
atgumentos moderados: sublinhando os julgamentos inapropriados de centenas de
mulheres, a importância de combater os abortos clandestinos para melhor a saúde
pública e ainda a necessidade de adequar a nossa legislação à grande maioria da dos
países europeus.
Os partidos Bloco de Esquerda e PCP organizaram as suas próprias
campanhas, sendo que alguns dos seus militantes participaram em movimentos
independentes, mas tal como referido supra, sempre optando por argumentos
contidos. Já o Partido Social Democrata voltou a não assumir posição oficial por
considerarar que este era um assunto de carácter pessoal. Simultaneamente, ao
contrário do que havia acontecido em 1998, o dirigente do PSD à época, Marques
Mendes, também não se manifestou formalmente acerca do seu voto. O Partido
Popular, por seu lado, realizou campanha em torno do “não”.
A Igreja Católica, se no início da campanha parecia não estar tão empenhada
como estivera em 1998, rápido se organizou com Dom José Policarpo a apelar a que
se reunissem esforços a favor do voto “não” e com o Episcopado a convocar
encontros com os sacerdotes de todas as dioceses para a delineação de estratégias para
a campanha de 2007. Concumitantemente, alguns católicos integrados no Movimento
Cidadania e Responsabilidade pelo Sim expressaram abertamente o seu
descontentamento relativamente à posição da Igreja.
O “sim” acabou por sair vitorioso com 59,3 % de votos expressos, mas o
referendo voltou a não ter carácter vinculativo, pois só 43,6 % dos eleitores
portugueses participaram no referendo. Ainda assim e conforme tinha anunciado
previamente, o Partido Socialista resolveu mudar a lei vigente e despenalizar o aborto.

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Bibliografia

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