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Luiz Henrique Vieira da Silva

Acadêmico do curso de Licenciatura em Matemática

IFB – Instituto Federal de Brasília – Campus Estrutural

INTRODUÇÃO

A escola e o processo de escolarização durante o século XX e agora no início


do século XXI sofre com a influência do Estado e de quem está a sua frente. Sua
autonomia por vezes foi totalmente sabotada em diversos lugares pelos seus
governantes, impondo formas de viver e pensar e privando a construção crítica
e livre de seus estudantes.
Este artigo pretende analisar e compreender o poder de influência da ideologia
de um governo sobre a formação do aluno, além de exaltar a importância da
autonomia da escola. Adorno, comenta sobre Auschwitz, o maior campo de
concentração durante a época nazista e como uma escola com autonomia e
possibilidade de pensamento crítico poderia ter evitado que Auschwitz
ocorresse.
Louis Althusser fala sobre o Aparelho ideológico de Estado escolar (AIE), o
sistema que inclui instituições, escolas, organizações, que influenciam e passam
a ideologia do governo para a sociedade. O AIE nazista foi extremamente bem
implantado numa Alemanha que sofria com as restrições impostas pelo Tratado
de Versalhes após a I Grande Guerra. E neste artigo, busco analisar como Hitler
conseguiu fazer com que alemães acreditassem ser um povo escolhido, os
arianos, e como soldados, jovens, tiveram seus pensamentos sabotados a tal
ponto de não demonstrarem remorso ou empatia pelos que sofriam com o
holocausto.
Gramsci no mesmo pensamento que Adorno, traz uma resposta a esses
problemas, falando sobre a autonomia das escolas e neste estudo, pretendo
demonstrar a importância do livre e instigado pensamento dos alunos através de
uma realidade paralela onde as escolas na Alemanha nazista possuíam
autonomia e seus alunos não eram afetados pelo AIE de Hitler.
O acesso a diferentes visões e opiniões, análises do micro e macrossocial,
munidos de muitos embasamentos, com a liberdade de construir seu
pensamento e emitir sua opinião, sem censura e repressão, dos jovens alemães,
poderiam ter impedido Auschwitz?

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Um painel sobre a Alemanha pós Primeira Guerra Mundial.

Após o fim da Primeira Guerra Mundial (1917), com a derrota da Tríplice Aliança,
formada pela Alemanha, Áustria e Itália, foi assinado pelos países o Tratado de
Versalhes, em 1919, tratado este que discorria sobre a reorganização da Europa
após a guerra, tratando dos territórios antes dominados, dos acordos de paz e
uma de suas grandes marcas, as imposições feitas a Alemanha: a limitação do
poder bélico e militar, a perda de territórios na África, além da obrigação de
desocupar territórios ocupados na guerra e pagamento de aproximadamente 33
bilhões de dólares em indenizações pelas vidas perdidas. Além dessas,
houveram outras que não são necessárias para o objetivo desse esboço.
Em 1918 começou de forma muito conturbada o período chamado de República
de Weimar, onde o sistema monárquico foi deixado de lado e instaurou-se uma
república parlamentarista. Em agosto de 1919, na cidade de Weimar, foi
promulgada a nova constituição da Alemanha, no mesmo período em que foi
assinado o Tratado de Versalhes, deixando o país germânico em estado de
abatimento e humilhação. Os anos seguintes foram muito conturbados e em
1920 foi fundado o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães que
no ano seguinte seria liderado por Hitler.
Nesse período a Alemanha aos poucos começa a se recompor, principalmente
com os investimentos feitos pelos Estados Unidos da América, contudo, com a
quebra da bolsa de valores, em 1929, houve um impacto alto na economia
alemã. Mas voltando um pouco na história, em 1923 ocorreu o Putsch de
Munique, que foi uma tentativa de golpe de estado feita por Hitler e seu partido,
o que culminou em sua prisão. E durante a prisão, publicou o primeiro volume
do seu tão famoso livro “Mein Kampf” (Minha luta), onde disseminava seus ideais
radicais como o antissemitismo, a luta contra o comunismo e o marxismo, mas
um dos pontos importantes era sua valorização da nacionalidade alemã, esta
que ele mesmo não possuía por nascença, tendo nascido na Áustria.
O livro foi muito bem sucedido e disseminado entre o povo alemão e após sair
da prisão, em 1925, sem cumprir toda a pena imposta pelo tribunal (5 anos),
começa a ampliar sua influência entre os alemães, criando associações em
diversos meios. Com base nos escritos do historiador Lionel Richard em seu livro
República de Weimar (1919 – 1933), sabe-se que em julho de 1926, nasce a
Juventude Hitlerista. Pouco tempo depois, nas universidades, a Associação dos
Estudantes Nacional-Socialistas. Em 1928, uma liga de combate pela cultura
alemã, a fim de valorizá-la. Diversos outros setores também tiveram suas ligas,
professores, estudantes e também mulheres, com a Ordem Feminina da Cruz
Gamada Vermelha.
Assim, o partido nazista antes pouco visado, tomou proporções muito grandes e
mesmo com a derrota de Hitler nas eleições em 1925 para o marechal Paul von
Hindenburg, o partido continuou em ascensão como visto no parágrafo anterior.

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Por fim em 1933, ainda num período conturbado, agora com a Alemanha
sofrendo as consequências da quebra da bolsa de valores dos EUA, as crises
políticas e manifestações, Hitler é nomeado Chanceler da Alemanha dando fim
a República de Weimar e dando início ao chamado Terceiro Reich, período
compreendido entre 1933 e 1945 onde Hitler governou, controlou e levou uma
Alemanha fragilizada e humilhada a se tornar uma Alemanha militarizada,
nacionalista e preparada para a guerra que eclodiria em 1939 e perduraria até
1945, após a derrota do exército alemão com a invasão do Exército Vermelho da
União Soviética em Berlim e com o suicídio de Hitler.

O Aparelho Ideológico do Estado escolar nazista, os ideais de


Hitler e a propaganda de Goebbels.

Louis Althusser define o Aparelho Ideológico do Estado escolar (AIE) como um


sistema de instituições, organizações e as suas práticas interligadas que muito
através da persuasão passam a ideologia do governo aos jovens nas escolas.
Muitas vezes através de repressões e conforme essa vai tendo seu sucesso, a
sociedade se torna um ambiente onde não há espaço para outros pensamentos
e quando esses surgem, se manifestados, são oprimidos e colocados como
ideais revolucionários ou ideais que não buscam o bem comum.
Ainda Althusser fala sobre três teses quanto a ideologia, a primeira diz: “A
ideologia é uma ‘representação’ da relação imaginária dos indivíduos com suas
condições reais de existência”, nota-se a ideia de Hitler diante de uma Alemanha
com problemas econômicos e uma população revoltada e manchada pela
humilhação, ele surge com a ideia de soberania e valorização, abandona o
Tratado de Versalhes e começa a investir no seu poder bélico, no exército,
propaga a ideia de um povo escolhido e assim os alemães que antes não
conseguiam enxergar um futuro para a nação em meio a tanto caos, começam
a enxergar uma ordem, um propósito e passam a acreditar nos ideais de Hitler.
A segunda diz que “A ideologia tem uma existência material”, o que realmente
ocorria, ao se verem no meio das greves e revoluções e de uma república
fracassada como foi a República de Weimar, mas aos poucos o Chanceler
começa a impor ordem e trazer de volta o orgulho pela nação, a ideologia de
Hitler se torna palpável, possível. Por fim, a terceira fala diz que “A ideologia
interpela os indivíduos enquanto sujeitos”, fazendo uma análise superficial do
psicológico da população alemã após perderem uma guerra e sofrerem
imposições duríssimas por conta do Tratado de Versalhes, uma ideia que
valoriza o próprio ser e o exalta se torna uma ideia extremamente atrativa. E
assim Hitler conseguiu em um ambiente conturbado, colocar ordem e cativar a
população aos seus ideais.
Joseph Goebbels não pode ser deixado em branco, ministro da propaganda do
Terceiro Reich, foi responsável por elevar Hitler a um estado de veneração pelos
alemães, com suas publicidades massivas. Também pela propagação dos ideais

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nazistas, valorizando a cultura alemã e reprimindo fortemente quaisquer ideais
contrários.
Ainda, foi um dos principais responsáveis pela disseminação intensa do
antissemitismo. O professor de História alemão Peter Longerich traz a fala de
Goebbels: “Estou do lado nacionalista: odeio o judeu por instinto e pela razão.
Para mim, no fundo da alma, ele é detestável e repulsivo [...].” Essa ideia era
passada aos generais, que passavam aos seus subordinados até chegarem aos
soldados.
Aqui entramos no ponto principal desse tópico, os soldados alemães, que em
uma grande parte eram formados por jovens adultos, que nas escolas não
podiam ter contato com pensamentos antinazistas, pois era proibido. Eram
educados a se acharem superiores e se rendiam aos ideais nazistas para serem
motivo de orgulho. Pois em suas casas os ideais já estavam impregnados, nas
ruas os soldados marchavam e estampavam a suástica nazista, na rádio ouviam
sobre um Hitler magnífico, que falava sobre uma Alemanha magnífica. Os jovens
adultos, cresceram dentro de um AIE que não dava brechas para o crescimento
de qualquer pensamento contrário. Judeus eram pessoa repugnantes aos olhos
dos jovens, a grande maioria nem mesmo saberia dizer o motivo.
Dessa forma, quando Hitler invade a Polônia causando o início da Segunda
Guerra Mundial, seus soldados já não sentiam remorso algum e estavam
preparados para isso. Não temiam e não tinham piedade, os campos de
concentração já estavam em funcionamento e os soldados dominados pelos
ideais cheios de preconceitos impostos por Hitler, não enxergavam humanidade
nos judeus, negros, deficientes e todos que morreram nas atrocidades do
holocausto.
E só teria fim, em 1945, com o fim da guerra após o suicídio de Hitler ao ver sua
capital sendo invadida e tomada pelo Exército Vermelho da URSS. O governo
alemão estimou, em 2005, que 7,39 milhões de pessoas morreram com a guerra
do lado alemão. E cabe aqui perguntar, quantos desses tiveram a oportunidade
de pensar de forma contrária? De sentir empatia pelos que morriam nos campos
de concentração? Quantos ao menos tiveram contanto com o pensamento de
pensadores que não apoiavam os ideais nazistas? Esse foi o poder do Aparelho
Ideológico de Estado Nazista.

Uma realidade onde a escola na Alemanha não fosse sabotada

Theodor W. Adorno faz o seguinte comentário, “o único poder efetivo contra o


princípio de Auschwitz seria autonomia [...] o poder para a reflexão, a
autodeterminação, a não participação”. (artigo a, página 171).
Nesse pensamento, especulando um cenário hipotético onde embora Hitler
tenha chegado ao poder, ele não tivesse restringido o país aos ideais nazistas.

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Dessa forma seu AIE não seria totalmente dominante e, embora o nazismo ainda
existisse, os jovens estudantes e possíveis soldados teriam contato com ideais
divergentes, aprenderiam com diversos filósofos, sociólogos e poderiam
livremente escolher e formar sua opinião crítica.
Adorno continua ainda demonstrando a importância de se ter autorreflexão
crítica, algo que é aprendido e instigado no ambiente escolar, principalmente
durante a fase de adolescência, momento esse marcado por intensos
questionamentos do jovem a respeito de si mesmo e do mundo. Desta forma
essa liberdade dada ao jovem de poder pensar por si só é algo interessante, pois
dela resultam ideais e reflexões.
A escola pública, como diz no artigo a respeito de Gramsci e a educação é uma
instituição que pertence ao Estado, mas que sofre influências da sociedade civil.
Ou seja, embora haja ideais baseados no AIE do governo, os estudantes
convivem em um meio que pode não condizer com os ideais do Estado. Muitos
estudantes convivem diariamente com tráfico explícito de drogas, violência nas
ruas, até mesmo em suas próprias casas. Sofrem pelo mal funcionamento do
transporte público, pelas condições precárias de saneamento básico e pela falta
de renda, o que os levam muitas vezes a terem de procurar um trabalho. Tudo
isso é levado em conta no momento de construção dos seus ideais e o mais
comum é que um jovem que não vive em ambientes como esse tenha uma visão
totalmente diferente. E nesse ponto cabe ser mencionado as classes sociais.
No contexto social da Alemanha, em 1932, muitos conflitos estavam instaurados,
greves, desemprego, crise econômica. As classes sociais mais baixas eram as
que mais sofriam com tudo o que estava acontecendo e com a falta de proteção
contra o trabalho infanto-juvenil, era muito comum que os jovens dessas classes
não se preocupassem com a educação, pois precisavam ajudar a prover renda
para suas famílias. Assim, muitos, mesmo não sofrendo a influência do nazismo,
se encontrariam em situações onde a necessidade toma o lugar da razão.
Contudo, ainda teriam acesso as influências da sociedade, não só do Chanceler
que prega o antissemitismo e o extremo nacionalismo. E nesse ponto deve-se
procurar entender a realidade da sociedade. Nesse período, o capitalismo
começava a despontar e o capital já se tornava essencial, os centros urbanos já
começavam a se encher, as áreas rurais produziam para o consumo da cidade
e não cada um para o consumo próprio. Desta forma, juntando esses fatores, o
jovem de classe baixa, sendo introduzido numa sociedade capitalista, teria no
exército de Hitler uma chance de conseguir algum soldo e poder sair um pouco
da miséria que se encontrava e mesmo, talvez, não acreditando nos ideais de
Hitler, a necessidade seria suficiente para que as mortes massivas dos judeus e
demais fosse tolerável.
Ainda, olhando para as classes mais abastardas, onde talvez a crise não
interferisse tanto, a educação é mais possível e os jovens não são levados a sair
da escola por necessidade. Assim, concluindo seus estudos, teriam contato com
filosofias diferentes das ditas por Hitler, teriam contato com o pensamento de
Karl Marx, por exemplo, e poderiam criar visões muito mais amplas da

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sociedade. Embora ainda exista o ponto onde seus pais, muitas vezes
dominados já pela ideia do acúmulo de capital influenciasse seus filhos a
estarem estudando para cursos superiores visados na época, como a medicina
e novamente esses encontrariam no exército uma ótima oportunidade, ganhando
ótimas remunerações pela alta patente.
Desta forma nota-se que no final de tudo, fora a dominação ideológica de Hitler,
existe ainda acima uma dominação ideológica do capitalismo e a sociedade
acaba por ficar à mercê das classes altas, que por dominarem o cenário público
com seu poder de influência, acabam dominando o cenário político. As classes
baixas não possuem estrutura para ascender socialmente com a mesma
facilidade que as classes mais altas. Seus jovens não possuem liberdade para
estudarem Marx e outros filósofos a fundo, suas noções de sociedade são
formadas pela realidade que vivem e oportunidades de ascensão social são
extremamente atrativas, não importando o que é necessário ser feito.
Herbert Marcuse a respeito da sociedade industrial (1979), traz justamente essa
organização da sociedade onde a tecnologia embora aumente a possibilidade
de conhecimento, os humanos acabam apenas aumentando ainda mais sua
necessidade de consumo. Ainda, sendo a tecnologia produzida e possuída
principalmente pelas classes sociais mais altas, estas definem e produzem os
conhecimentos e ideais, não dando espaço para que as classes baixas possam
de alguma forma produzir conhecimento e ideais divergentes.
A Escola de Frankfurt, da Alemanha, no entanto, tendo surgido nesse período,
em 1924, foi responsável pela construção da Teoria Crítica e esta poderia ser
uma chave importantíssima para se evitar Auschwitz, tendo princípios marxistas
e buscando criticar e modificar a sociedade através do pensamento reflexivo.
Quantos jovens não poderiam ter tido ideais melhores se tivessem tido a
oportunidade de ter esses pensamentos?
Por fim, chega-se à conclusão que mesmo havendo uma escola livre das
influências de Hitler, a influência do capital numa sociedade empobrecida
economicamente ainda seria uma realidade e tornaria possível Auschwitz,
embora talvez, não em sua totalidade. Contudo, ainda assim, a autonomia da
escola deve-se ser visada, principalmente em escolas públicas onde a
concentração de alunos de baixa renda é maior, para que tenham acesso e a
possibilidade de produzirem, exporem ideais e pensamentos críticos e também
tenham acesso as tecnologias, para que essas não fiquem concentradas nas
altas classes. A educação com espaço para todas as ideologias deve ser
presada pelo Estado, ao invés desse limitá-la ao seu próprio pensamento como
fez Hitler e outros regimes totalitários.

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REFERÊNCIAS

LASTÓRIA, L.A.C.N., SILVEIRA, B.P. de, STEFANUTO, J.R.R., PIMENTA,


J.C.F., DUCI, J.R. Teoria crítica da sociedade: um olhar sobre a educação em
tempos de sociedade tecnológica. Caxias do Sul, 2013. (artigo a)
CASSIN, Marcus. Louis Althusser e sua contribuição à Sociologia da Educação.
São Paulo, 2003. (artigo b)
MAGRONE, Eduardo. Gramsci e a educação: a renovação de uma agenda
esquecida. Campinas, 2006. (artigo c)

ACESSOS DIGITAIS

BEZERRA, Juliana. <https://www.todamateria.com.br/primeira-guerra-


mundial/>. Acesso em: 28/10/2020.
<https://www.todamateria.com.br/republica-de-weimar/>. Acesso em:
28/10/2020.
NEVES, Daniel. <https://brasilescola.uol.com.br/biografia/joseph-
goebbels.htm>. Acesso em: 29/10/2020.

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