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Por que o nazismo era de direita.

Por Bertone
Sousa
Por
 Diario do Centro do Mundo
 -
 13 de agosto de 2017
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-o-nazismo-era-de-direita-por-bertone-sousa/

Neonazista
s em Charlottesville, EUA

O historiador Bertone Sousa publicou artigo em seu blog sobre


uma das falácias favoritas da direita brasileira. 

A confusão que se faz em relação ao nazismo e aos conceitos de direita e


esquerda ainda produz muita desinformação na internet. Recentemente,
um importante site de notícias veiculou uma matéria questionando se o
nazismo era de esquerda ou direita. Entre os vários especialistas
entrevistados não houve consenso sobre o assunto, embora ninguém
tenha apontado o regime como “de esquerda”. A falta de consenso se
deveu ao fato de uma professora explicar o nazismo como “terceira via”,
uma alternativa ao socialismo e ao liberalismo. Isso é verdade, mas é
preciso dar nome aos bois: nos anos 1920 e 1930 o que se pode chamar
de terceira via era a extrema-direita.

Embora eu já tenha publicado neste blog e numa revista acadêmica um


artigo de cerca de vinte páginas sobre o tema (ver link ao final), vou
sumariar neste texto as razões pelas quais o nazismo era uma ideologia de
direita:

1. Não faz sentido definir esquerda e direita pela intervenção do Estado na economia,
como costumam fazer aqueles que jogam o nazismo para a esquerda. Esquerda e
direita não se definem pelo tamanho do Estado, mas por suas posições sobre as
hierarquias sociais e a desigualdade. A esquerda historicamente luta pela igualdade, a
universalização de direitos, a inclusão social e contra hierarquias baseadas em
privilégios de nascimento ou do dinheiro. A direita se define por sua posição a favor
das hierarquias; ela é conservadora e não quer mudanças radicais que alterem a
ordem social. O nazismo se enquadra aqui porque o nazismo surgiu para manter
hierarquias sociais, os privilégios da plutocracia econômica e contra as minorias.
Frente à derrocada do capitalismo liberal após a crise de 1929, o nazismo veio com o
capitalismo de Estado para fazer frente ao socialismo soviético e preservar a
propriedade privada. O termo “capitalismo de Estado” foi criado para definir essa
experiência, ou seja, uma economia regida por um Estado totalitário associado a
grupos de empresários e industriais e com imposição de forte disciplina militar sobre
as massas.
2. O partido de Hitler se chamava “Partido nacional-socialista dos trabalhadores
alemães”, mas é importante observar que o “nacional-“ vem antes de “socialista”
porque é o termo que define a ideologia nazista, ou seja, seu princípio norteador vem
do nacionalismo, da crença na superioridade da raça germânica e da necessidade da
conquista do espaço vital. Hitler planejava, após a Segunda Guerra, transformar os
povos eslavos do leste europeu em colônias de escravos da Alemanha; eles
forneceriam a mão de obra e o trabalho que perpetuariam a grandeza alemã. Por
outro lado, o nacionalismo tem raízes conservadoras, apela à tradição, a Deus e ao
passado para restaurar ou manter uma ordem social. Com isso, o nacionalismo rejeita
os valores da esquerda de universalização de direitos e igualdade.
3. Paralelamente a isso, o nazismo está relacionado às teorias raciais do século 19, ou
seja, foi uma ideologia que exacerbou o darwinismo social e a ênfase no imperialismo,
de onde provinha a noção de “comunidade nacional” pensada para exterminar o
elemento judeu e marxista (Hitler chamava de “marxista” praticamente toda a
esquerda política). O desenvolvimento da Biologia forneceu a fundamentação para as
teorias voltadas para a definição de raças melhores ou superiores e o antissemitismo
também se tornou um sentimento cada vez mais cultivado até entre intelectuais
entusiastas dessas teorias. Hitler não inventou a noção de uma oposição cruenta
entre arianos e judeus, ele aprendeu isso com Houston Stewart Chamberlain.
Em Mein Kampf, Hitler sempre enfatiza o racismo como base de seu pensamento.
4. A propaganda era o carro-chefe do nazismo para obter apoio das massas. Hitler
deixou claro em Mein Kampf que era necessário confundir os adversários, copiando
suas estratégias de luta ideológica e de ação. O período entre-guerras é conhecido
como a era das massas. A ascensão das ideologias coletivistas e do rádio como meio
de comunicação deram o tom a uma época marcada pelo extremismo. Nesse sentido,
usar a cor vermelha e até o nome socialismo como forma de atrair o apoio das
massas fazia parte da estratégia adotada por Hitler em sua escalada ao poder.
5. Nazismo e socialismo não podem ser nivelados pela quantidade de vítimas que
fizeram, mas por seus objetivos finais: enquanto o extermínio das “raças inferiores”
era o objetivo último do nazismo, a sociedade sem classes e sem hierarquias de
qualquer teor (racial, econômica, nacional, etc.) era o fim último do socialismo. Hitler
e seus seguidores tinham aversão por todos os movimentos de esquerda. Ainda em
1930, mais de vinte militantes socialistas abandonaram o Partido Nazista quando
perceberam que os ideais do socialismo não tinham lugar ali. O nazismo era uma
ideologia voltada para a exclusão, a perseguição e o extermínio; representou a
negação mais radical dos valores do Iluminismo (do qual o marxismo e as esquerdas
são herdeiros) e nada poderia estar mais à direita do que isso.

Para o leitor que quiser uma leitura mais aprofundada, com referências
teóricas e discussão historiográfica, recomendo meu artigo Nazismo,
socialismo e as políticas de esquerda e direita na primeira metade
do século XX, publicado na Revista Brasileira de História & Ciências
sociais, também publicado neste blog.

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