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A Nova Extrema-Direita no Ocidente

Ano Letivo: 2021/22


Curso: Licenciatura em Ciência Política
Unidade Curricular: Ideologias Políticas
Docentes: Professor Catedrático Doutor António de Sousa Lara
Professor Auxiliar Convidado Doutor Guilherme Maia de Loureiro
Discente: Luís Miguel da Silva Faria Guimarães – 224686

Lisboa
2022
1. Origem da Extrema-Direita
Como ponto de partida para a análise da nova extrema-direita no Ocidente, é
fundamental sublinhar que qualquer extremismo, seja de direita ou esquerda, emerge como
consequência da degradação da condição socioeconómica dos indivíduos – Grande Depressão
de 1929 no caso. Sempre assim foi e sempre assim será. Posto este determinismo, debrucemo-
nos, então, no objeto de estudo supramencionado, nomeadamente, às suas causas, formatação
e respetivas consequências. No entanto, para tal ser possível é nevrálgico recuar às suas origens,
às suas raízes. Em 1922, Mussolini emergiu como líder de Itália e em 1933, Hitler fez o mesmo
na Alemanha. Após estes fenómenos, uma variedade de movimentos fascistas e nacionais-
socialistas ganharam forma na Europa Ocidental, bem como no Leste Europeu e América do
Sul. Deste então, a procura pelas causas, pelo porquê do surgimento da extrema-direita tem sido
um campo de batalha ideológico (Davies & Lynch, 2002, p. 89). Os autores mencionam que, segundo
a ótica marxista, o fascismo era um produto do capitalismo, inclusive um agente do capitalismo
e da ‘alta finança’. Acrescentam ainda, que numa visão diametralmente oposta, havia quem
argumentasse que o fascismo apresentava traços que remontavam a Platão. Nas vésperas da I
GM, o enquadramento da ideologia fascista, os seus pilares essenciais, encontravam-se já bem
estabelecidos e definidos, pese embora a nomenclatura ainda não existir. Por conseguinte, era
um fascismo embrionário que se concebia na penumbra, um mescla eclética de darwinismo
social, elitismo, mas mormente de revolta contra a razão, contra o legado do Iluminismo e da
Revolução Francesa. Tinha como alvos principais o igualitarismo e o individualismo. Assim
sendo, estava presente um ênfase notório no conceito de superioridade, de desigualdade, bem
como no coletivismo em torno da nação (Davies & Lynch, 2002, pp. 90-91). Portanto, é visível a
complexidade da análise que o fenómeno fascista promove. Contudo, se há algo que pode gerar
consenso, é o seu nascimento enquanto práxis política que data de 1919, do fim da I GM. Aliás,
sobre quais teriam sido os pré-requisitos históricos do fascismo, Epstein afirma o seguinte:
O primeiro e mormente foi o impacto pulverizador da IGM sobre
a sociedade europeia predominantemente liberal do século XIX.
A guerra causou não somente sofrimento inenarrável, tal como abalou
as amarras dum tradicionalismo, em larga medida, ainda intacto. (Davies & Lynch, 2002, p. 95)
Assim, o fascismo enquanto fenómeno ideológico surge conjunturalmente como Sousa
Lara explana, ou seja, “surgido por virtude de posições adesivas e reativas às doutrinas
internacionalista, sindicalista, marxista e nacionalista genérica caldeadas por um líder” (2021, p.
627). No âmbito da extrema-direita é incontornável fazer menção ao nacional-socialismo.
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Embora apresente similitudes com o fascismo, este diverge do nacional-socialismo por distintos
motivos de base. Neste sentido, o valor mais significativo para o primeiro é o Estado, enquanto
para o segundo a primazia é conferida à nação étnica-cultural (Sousa Lara, 2021, p. 629). O nazismo
ideologicamente bebe de diversas fontes, nomeadamente, da escola do darwinismo social, da
escola do conflito de Gumplowicz, bem como da escola do antroporracial. De Gumplowicz
eclode a conceção que o Estado resulta do conflito étnico, mas da escola antroporracial nasce
porventura a vertente mais fundamental do nazismo, o mito da raça ariana (Sousa Lara, 2021, pp.
634-635). Não é despiciendo referir o contributo concedido por um dos teóricos mais
intimamente ligado ao nazismo, Houston Stewart Chamberlain, que na sua obra As raízes do
século XIX – 1899 – faz a apologia ao génio teutónico. Na ótica de Chamberlain, os teutões
eram uma ‘raça’ de alto calibre, capaz de erguer uma civilização proeminente, dada a sua
purificação étnica (Sousa Lara, 2021, p. 636). Contributos vitais para o ideólogo da raça do regime
nazi, Alfred Rosenberg, que não era um germânico puro, sendo de descendência lituana e
estónia (Davies & Lynch, 2002, p. 102).
1.1 A Emergência da Nova Extrema-Direita
Posto este enquadramento histórico, analisemos, então, a nova extrema-direita que,
segundo Cas Mudde (2019, p. 3), entrou numa nova vaga – a quarta – na viragem para o século
XXI. De salientar que o autor divide as vagas da extrema-direita – Lato sensu, far right – no
pós II GM em quatro fases a elencar: (a) neofascismo – 1945-55; (b) populismo de direita –
1955-80; (c) direita radical – 1980-2000; ‘a quarta vaga’ – 2000 em diante. Não obstante a
numeração e a nomenclatura dada a esta vaga em concreto, o facto é que estamos perante uma
nova estirpe de extrema-direita. Esta nova estirpe beneficiou eleitoral e politicamente de três
eventos cruciais, dos ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001 – e os demais ataques que
sucederam –, a crise económica de 2008 e a crise dos refugiados de 2015. Todas as democracias
ocidentais foram afetadas, embora em graus diferentes, tendo abalado o status quo político,
quer ao nível nacional, quer ao internacional. Consequentemente, assistiu-se ao surgimento de
uma onda sem precedentes de islamofobia e de protestos populistas (Mudde, 2019, p. 28). Mudde
afirma inclusive que esta nova extrema-direita ocidental diverge da anterior ao ser mainstream.
Se as políticas de extrema-direita estavam arredadas, em larga medida, após 1945 – salvo certas
exceções como a Europa de Leste na década de 90 e o sul dos EUA nos anos 60 –, atualmente
não se verifica tal exclusão. Acrescenta que é amiúde verificar que partidos desta área política
são percecionados como parceiros válidos de coligação pela direita tradicional. Para além disto,
as ideias da direita radical populista, por vezes também as da extrema-direita – stricto sensu,

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extreme right –, são abertamente debatidas e discutidas no âmago do círculo mainstream.
Contudo, o autor ressalva que as políticas adotadas pelos partidos tradicionais tendem a ser
versões mais moderadas. De notar que o termo extrema-direita é usado indiscriminadamente,
pelo que gera confusão, enquanto na literatura anglo-saxónica é feita a distinção entre far right,
radical right e extreme right. Doravante, quando for referido o termo extrema-direita será em
Lato sensu, ou seja, referindo-se à far right, incluindo nesse conjunto partidos e movimentos
de direita radical populista, bem como os demais grupos deste espaço político.
1.2 Características e Sucesso da Nova Extrema-Direita
Basilarmente, a extrema-direita apresenta três pilares, o nativismo, o populismo e o
autoritarismo. O nativismo é excludente, assenta na noção étnico-nacionalista – atitude
caracterizadora xenófoba e racista – de cidadania que, aliás, fica espelhada no slogan ou chavão
‘os nossos primeiro’. No fundo, advoga que os estados devem ser habitados exclusivamente
por membros do grupo nativo, da mesma nação homogénea e que os não-nativos constituem
uma ameaça aos estados-nação e, portanto, aos autóctones (Muis & Immerzeel, 2017, p. 910). Muis
e Immerzeel acrescentam que a vertente do populismo caracteriza-se por ser uma retórica
divisiva que coloca nos antípodas o ‘nós’ – pessoa comum – e o ‘eles’ – a elite corrupta, o
establishment. Aludindo ao maniqueísmo típico facilitador das agendas políticas, os líderes
populistas assumem-se como porta-vozes da vontade geral popular (Mudde, 2019, p. 37). Quanto
à dimensão do autoritarismo, existe a crença numa sociedade estritamente ordeira na qual o
infringir da Lei e da autoridade deve ser passível de uma punição severa. A larga maioria dum
vasto leque de problemas sociais, da adição do consumo de drogas à profanidade sexual, é visto
como matéria de Lei e Ordem que só pode ser combatida com uma abordagem robusta punitiva
e pela reintrodução da educação moral e tradicional nas escolas (Mudde, 2019, p. 36).
Irremediavelmente, é fulcral entender o porquê do apoio à extrema-direita, que causas
motivam a população a votar e a identificar-se com os partidos que ocupam este espaço político.
O primeiro motivo apresentado é o da aflição económica. Os eleitores de extrema-direita são-
no pelos problemas decorrentes da globalização neoliberal, nomeadamente, da pobreza
provocada, da privação material. Estes eleitores são os perdedores da globalização. Um motivo
adicional é o do choque cultural – cultural backlash –, em larga medida provocado pela
imigração em massa e a emergência da sociedade multicultural, que na ótica deste segmento da
sociedade, ameaçam a sua identidade cultural (Mudde, 2019, pp. 98-99). Estes fatores
complementam-se inclusivamente, ou seja, é uma “translação sociocultural dos receios
socioeconómicos que explicam a maioria do apoio das políticas de extrema-direita”. Tendo por

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base uma narrativa nativista – por exemplo, imigrantes ocupam o emprego e retiram apoios
sociais aos autóctones – os eleitores fazem uma associação entre a imigração e os problemas
económicos. Por conseguinte, acreditam que limitar a imigração irá melhorar as suas condições
socioeconómicas. Tal é visível pelo chauvinismo no Estado de bem-estar social, pelo que é
defendido que apoios sociais sejam apenas uma prerrogativa dos nacionais (Mudde, 2019, p. 99).
Eis de novo um maniqueísmo, o ‘nós’, os ‘bons’ – nacionais – contra os ‘outros’, os ‘maus’ –
imigrantes. Portanto, a extrema-direita tem o imperativo de encontrar um culpado, seja ele o
imigrante, o não-caucasiano, o que é diferente da restante sociedade homogénea.
Concomitantemente, de acordo com Mols e Jetten (2020, p. 5), existe um outro motivo que
explana o crescimento do apoio a estes partidos, o aumento da desigualdade. Determinados
segmentos da população que outrora estavam relativamente ‘bem na vida’ – classes médias –,
começaram a cair na pobreza e em trabalhos precários como resultado da crise financeira e das
adjacentes medidas de austeridade. Portanto, concluem que uma porção considerável da classe
média passou a sentir-se como vítima dum sistema económico viciado em prol dos mais ricos,
que eram granjeados com isenções fiscais, enquanto sofriam a dureza das medidas de
austeridade.
1.3 A Radicalização da Direita
Por fim, pode afirmar-se que a extrema-direita veio para ficar. Tem-se assistido a um
aumento na violência verbal e física de extrema-direita, aliás, no seio das redes sociais são
fenómenos comuns as ameaças de violência por ativistas. Não é despiciendo recordar que a
violência física e verbal cresceu exponencialmente com a eclosão da crise de refugiados de
2015, provocando insultos e violência aos migrantes e aos nacionais que defendiam e apoiavam
os primeiros (Mudde, 2019, pp. 167-169). Além disso, e putativamente o mais significativo, é o
mainstreaming previamente mencionado, a capacidade de a extrema-direita condicionar a
direita tradicional ao ponto de esta adotar posições semelhantes ou iguais no que diz respeito à
imigração, à Lei e Ordem e à colaboração internacional (Mudde, 2019, pp. 158-159). Não se tem
verificado a moderação da extrema-direita, pelo contrário, são os moderados de direita que se
têm radicalizado. A suma consequência da emergência da nova extrema-direita no Ocidente é
ter tornado ténue e difusa a linha que a separa da direita moderada. Tal foi o impacto que
diversos líderes políticos da Europa Central e de Leste fizeram equivaler a crise dos refugiados
a uma invasão muçulmana – islamofobia –, propondo inclusive a monitorização de todos os
muçulmanos no país (Mudde, 2019, p. 160). É caso para dizer que a extrema-direita está mais
normalizada, mais pertencente ao establishment que nunca.

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Bibliografia
Davies, P., & Lynch, D. (2002). The Routledge companion to fascism and the far right
(pp. 89-102). Routledge.
Mols, F., & Jetten, J. (2020). Understanding Support for Populist Radical Right Parties:
Toward a Model That Captures Both Demand-and Supply-Side Factors.
Frontiers In Communication, 5, 5. https://doi.org/10.3389/fcomm.2020.557561
Mudde, C. (2019). The far right today (pp. 3-169). Polity Press.
Muis, J., & Immerzeel, T. (2017). Causes and consequences of the rise of populist radical
right parties and movements in Europe. Current Sociology, 65(6), 910.
https://doi.org/10.1177/0011392117717294
Sousa Lara, A. (2021). Ciência Política Estudo da Ordem e da Subversão
(10ª ed., pp. 627-636). Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

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