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Aprendizagem na perspectiva da

teoria do interacionismo sociodiscursivo


de Bronckart

Neires Maria Soldatelli Paviani*


Quando uma pessoa limita-se à instrução oficial, en-
tão, no fim, torna-se um funcionário do saber.
Bakhtin, 2008, p. 39

O que o ser humano é só pode ser ensinado e


aprendido na relação com o Outro.
Paviani, 2011

Resumo
Introdução
Este artigo examina o conceito
de aprendizagem na perspectiva da Para entender a concepção de
teoria do interacionismo sociodiscur- aprendizagem na obra de Bronckart
sivo (ISD), de Jean-Paul Bronckart Atividade de linguagem, discurso e de-
(2006). Explicita alguns conceitos senvolvimento humano (2006), é pre-
afins na educação, como linguagem, ciso, primeiramente, estabelecer as
ação, atividade social, produção tex-
grandes coordenadas de sua teoria, os
tual, competência, gêneros textuais,
pressupostos epistemológicos, os quais
tipos discursivos, entre outros, que
fazem parte dos processos de ensino/
nos permitem esclarecer seu conceito
aprendizagem. de aprendizagem. E é desse cenário que

Palavras-chave: Aprendizagem. Lin- *


Professora na área de Letras e no Programa
guagem. Educação. Interacionismo de Pós-Graduação em Educação, na Univer-
sociodiscursivo. sidade de Caxias do Sul - Mestrado. E-mail:
npaviani@hotmail.com

Recebido: 22/05/2011 – Aprovado: 06/06/2011

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este texto parte para verificar como a ta conjugar as partes envolvidas nesse
teoria do interacionismo sociodiscur- processo. Muitas vezes esses conceitos
sivo desse autor concebe esse conceito. são entendidos como desvinculados um
Essa teoria, como as demais, tem con- do outro, ou seja, como se o ato de en-
tribuições de vários estudiosos da lin- sinar, uma vez executado, por si só já
guagem, dentre as quais se destacam as assegurasse aprendizagem.
de Bakhtin. A ênfase das pesquisas, no O professor que tem essa concepção
caso desses autores, recai no estudo das de ensinar entende que, se “exerce sua
relações entre linguagem e atividade na função”, “dá o seu recado”, a questão
perspectiva das interações professor/ do aprender fica por conta do aluno, ou
aluno em processos de ensino/aprendi- depende deste: se aprendeu, é porque
zagem. estudou; se não aprendeu, é porque foi
Bakhtin, ao criticar o ensino quan- relapso, não se empenhou o suficiente.
do da fase de sua formação, em uma Assim, o conceito de aprender é um pres-
das conversas com Duvakin, chama a suposto que está implícito nas malhas
atenção para a experiência de aprender de um processo que se confunde com a
que teve: “Eu me formei estudando por própria vida, com a cultura e modo de
conta própria. Tudo e sempre” (2008, ser de cada indivíduo e grupo.
p. 39). Essa declaração autobiográfica Entretanto, a escola possui (a) a ta-
pode parecer um enunciado comum. No refa de ensinar as novas gerações, (b) o
entanto, muitas pessoas devem ter tido objetivo de levá-las a aprender a vida e
semelhantes experiências de aprendiza- o mundo, a sociedade, (c) a possibilidade
gem, ou ainda, em razão dessas, devem (via formação) de criar condições aos jo-
ter proferido enunciados dessa nature- vens e adultos de exercerem ocupações
za: “Aprende-se, apesar dos professores, e profissões. Por isso, o aprender não é
da escola...”, “A vida ensina mais que a apenas um a posteriori do conceito de
escola”. ensinar, mas é um conjunto de ações das
Nesse sentido, parecem ser impor- práticas pedagógicas que se dão conco-
tantes os processos que constituem o ato mitantemente e num continuum.
de aprender em relação ou não com o Ensinar e aprender, no universo da
ato de ensinar. Essas considerações são escola, são conceitos integrados e estrei-
demasiadamente complexas, mas, para tamente relacionados pelas ações das
o desenvolvimento deste trabalho, a partes implicadas a ponto de se pressu-
questão é enfatizar a aprendizagem que porem; são atos que se constituem num
se efetiva em período de escolarização, mesmo evento. Se os propósitos de um
verificando em que sentido é assumida dos lados não interagirem com os propó-
por quem é responsável por ela no ato sitos do outro, o evento ensino-aprendi-
de ensinar. zagem não se efetiva. É necessário que
O conceito de aprendizagem está se aproximem ou que se constituam pon-
vinculado ao conceito de ensinar, que na tos de interseção, por meio da interação,
expressão “ensino-aprendizagem” ten- ligando-os, como duas faces de uma moe-

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da constituindo uma unidade. Trata-se situação enunciativa, porque entende
de partes que se pressupõem colaborati- que no ensino em que se estabelecem
vas nas ações ético-educativas, movidas essas conexões fica claro para o aluno
por interesses comuns ou que estejam que cada enunciado “reflete” as condi-
igualmente interessadas (do latim inter ções específicas e os propósitos de cada
+ essere = estar/ser dentro), caracteri- uma das esferas da atividade humana,
zando-se como um processo de ensino- elaborando seus tipos “relativamente
aprendizagem, envolvendo professor e estáveis” de enunciados – gêneros do
aluno como sujeitos cooptados. discurso – heterogêneos, caracterizados
O que se quer aqui, enfim, e obvia- pelo conteúdo temático, estilo verbal e
mente sem pretender esgotar a questão, construção composicional.
é: (a) expor de modo sucinto os pressu- O autor classifica esses gêneros
postos e as implicações epistemológicas discursivos em “gêneros primários” que
nas teorias de aprendizagem; (b) mos- fazem parte da comunicação verbal es-
trar como esses pressupostos são me- pontânea, os quais, ao passarem por um
diados pelas diferentes concepções de processo de absorção ou de transmuta-
linguagem. ção, ou seja, por uma elaboração, podem
ser identificados como “gêneros secun-

O ato de ensinar
dários”, a exemplo do conto, romance,
ensaio, entre outros.
dependendo de concepções Portanto, na perspectiva de
de linguagem Bakhtin (1997), o enunciado tem um
caráter ideológico, porque, ao materia-
Antes de examinar as contribuições lizar o texto, são feitas as relações entre
de Bronckart (1999, 2006), é oportuno língua, ideologias e visões de mundo.
recordar que para Bakhtin (1997), em Nesse sentido, é mais pertinente um
se tratando de ensino de uma língua ensino que dê ênfase à natureza e à va-
natural, a concepção que se tem dela é riedade dos gêneros ao invés de focar
importante para entender os processos a abstração excessiva da língua, pois,
de aprendizagem. Ele entende que a nesse caso, considera-se a linguagem
competência linguística tem a ver com a como algo inerente ao enunciado e, des-
utilização da língua que permeia todas se modo, procura-se reativar o vínculo
as atividades humanas, efetivando-se entre língua e vida. Exemplo disso é a
em forma de enunciados orais e escritos, afirmação que diz:
não necessariamente sabendo sobre as A língua penetra na vida através dos
normas que a rege, embora essa tenha enunciados concretos que a realizam,
sido a ênfase dada pelas teorias de ensi- e é também através dos enunciados
no de um modo geral. concretos que a vida penetra na língua
Na perspectiva de Bakhtin (1997), (1997, p. 282).
é preciso ficar longe do ensino de pa- Dito de outro modo, o enunciado é
lavras ou frases desconectadas de sua a unidade da comunicação verbal (não a

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oração, pois que esta é da língua formal, Os saberes eram tratados numa pro-
abstrata); a alternância dos falantes, gressão, partiam do mais simples para o
por meio da interação, é que delimita mais complexo. O aprendiz é visto como
a sua escolha, e o propósito discursivo, “um receptáculo vazio (tabula rasa) e a
ou seja, “o querer-dizer”, é o que faz o aprendizagem é concebida como uma
enunciado. Esse querer define, portan- sucessão de ensaios e erros, sancionados
to, a escolha de gênero, levando em con- por recompensas e/ou punições” (2006,
ta as circunstâncias comunicativas, os p. 177).
ambientes discursivos e a posição social Segundo o autor, o behaviorismo
dos sujeitos que interagem. Esses as- retoma o essencial desses princípios, po-
pectos criam condições de produção de rém “apresenta a existência de um saber
enunciados, a escolha de um determina- universal validado” (2006, p. 177), ou
do gênero. seja, não acabado e definitivo. Mantém,
Em síntese, Bakhtin entende a porém, a concepção de aprendiz. E à
linguagem e língua, numa perspectiva concepção de aprendizagem acrescenta
social, como atividades de comunicação os objetivos de aprendizagem, seguindo
nas relações humanas. Acrescenta-se a mesma lógica, do mais simples para o
que seus estudos têm contribuído para mais complexo. O behaviorismo foi mui-
uma revisão das teorias de aprendiza- to criticado pela formação unidirecional
gem e para construir, por meio de suas que imprimiu a si, predominantemen-
concepções teóricas, novas sistemati- te “‘descendente’ e, por conseguinte,
zações e abordagens de ensino. Entre autoritária ou diretiva” (2006, p. 178).
essas revisões e aprofundamentos das Apesar dessas críticas, nada impede,
teorias que destacam a relevância da diz Bronckart, que hoje essa concepção
linguagem para as interações sociais na de aprendizagem não esteja ainda sub-
aprendizagem, merece atenção especial jacente, como pressuposto, à atuação do
a de Bronckart, que por sucessivos estu- professor, seguindo a “lógica diretiva e
dos vem sendo aprofundada. Essa teoria mecanicista”.
é conhecida sob a denominação “intera- Bronckart comenta que na “moder-
cionismo sociodiscursivo” (ISD). nidade” as propostas pedagógicas mais
Bronckart faz uma breve retomada concretas surgiram de influências de
das quatro últimas concepções de ensi- obras de Kant, Rousseau, Dewey, Mon-
no, cujos princípios teóricos orientaram, tessori, Claparède, entre outros, e, prin-
e orientam, epistemologicamente, as cipalmente, da obra de Piaget, “funda-
ações de ensinar e aprender. Destaca dora de um novo paradigma, o constru-
como principais o behaviorismo, o cons- tivismo genético” (BRONCKART, 2006,
trutivismo, o cognitivismo e o interacio- p. 182 - grifos do autor). Essa concepção
nismo social. Retoma a “tradição esco- teórica apresenta três contribuições1 às
lástica”, cuja crença se baseava em um questões de educação: a primeira trata
universo estável e imóvel, constituído de dos “estágios de desenvolvimento” da
conhecimentos completos e definitivos. criança; a segunda, dos “processos di-

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nâmicos” para explicar a evolução cog- “verbais são [...] portadoras de valores
nitiva, não reconhecendo, porém, como históricos e socioculturais” (p. 186), de-
também formadoras as intervenções correntes desse gênero e dessa língua.
sociais as emoções nem os “mecanismos Esse conhecimento se qualifica como
interativos”, que, segundo o autor, se conhecimento tradicional; classificado
dão apenas no plano biológico; a ter- como explícito e generalizado quando
ceira contribuição é a do “esquema do passa por validação científica, assumin-
desenvolvimento e do funcionamento do o estatuto de saber formal.
psicológico geral”, incluindo dimensões Essa abordagem, segundo Bron-
afetivas/emocionais e sociais da lingua- ckart, tem influências de vários auto-
gem, resultantes do conjunto da obra. res. Ele cita, por exemplo, que Hymes
Nessa abordagem é atribuído “um (1973/1991) sustenta a ideia de que, se
papel secundário às aprendizagens: a para Chomsky há uma “competência
aprendizagem é o que é permitido por sintática ideal; esta não é suficiente
um determinado estado de desenvol- para desenvolver um domínio funcional
vimento; ela é uma conseqüência, não da linguagem; esse domínio implica a
uma causa” (p. 184 - grifos do autor). O capacidade de adaptar as produções de
desenvolvimento da criança é evolucio- linguagem aos objetivos comunicativos
nista, portanto,“sem história”, diz Bron- e às propriedades do contexto” (2006,
ckart. p. 189), constituindo-se, portanto, o ato
Por sua vez, o cognitivismo parte de desenvolver competências de comu-
de “uma radicalização inatista da orien- nicação objeto de uma aprendizagem
tação piagetiana; os defensores desse social.
paradigma [...] estão naturalmente afi- Comenta Bronckart (2006) que,
liados às neurociências” (2006, p. 186 diante da retomada, feita pela psicologia
- grifo do autor),2 ao passo que o “intera- cognitivista, do conceito de competência
cionismo social” relaciona modalidades essencialmente biológico na perspectiva
de elaboração dos conhecimentos com chomskiana, Hymes desloca esse con-
tipos de conhecimentos/saberes, ou seja, ceito para outro nível de compreensão,
“os conhecimentos são elaborados pri- ou seja, é visto como “uma capacidade
mariamente no âmbito das atividades adaptativa e contextualizada, cujo de-
coletivas concretas, que organizam e senvolvimento requer um procedimento
mediatizam as interações de cada indi- de aprendizagem formal ou informal”,
víduo singular com o ‘mundo do conhe- em que “a competência é apreendida no
cer’” (2006, p. 186), como conhecimento nível das propriedades de um indivíduo”
prático ou implícito de ordem funcional. (2006, p. 189).
Os conhecimentos práticos são Bronckart comenta que o concei-
constituídos de estruturas verbais, rea- to de competência na formação, de um
lizados no âmbito dos textos, provindos modo geral, tem perdido esse significa-
“de um gênero determinado e de uma do, passando as competências, a partir
língua natural” (p. 186), cujas entidades da análise do trabalho pelos ergono-

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mistas e especialistas, a serem “apre- primeiro, no plano dos pré-construídos,
endidas [...] no nível das performances apresenta um “modelo teórico das con-
exigidas dos agentes, no âmbito de uma dições de funcionamento e da estrutura
determinada tarefa” (p. 189). Fica, nes- interna dos gêneros de textos disponíveis
sa nova concepção, entendido no ambiente linguageiro” (2006, p. 193),
que as capacidades pretendidas per- cujos resultados mostram que: (i) o texto
tencem ao saber-fazer mais do que aos se constitui no correspondente empírico
saberes, e os processos metacognitivos ou linguístico de um agir linguageiro,
mais do que ao domínio de saberes es- que (ii), por sua vez, está articulado ao
tabilizados (2006, p. 189). agir não verbal ou geral. O segundo ní-
vel, no plano do desenvolvimento, trata
Houve, portanto, uma reorienta-
“das condições de emprego dos diferen-
ção: de um lado, “das propriedades do
tes gêneros de textos pela criança”, além
sujeito à adaptação ao meio”, em que as
do domínio das regras de estruturação
competências são vistas como “proprie-
interna (p. 193).
dades do organismo humano”, esten-
O terceiro, no plano dos proces-
didas “às capacidades exigidas” (2006,
sos de transmissão, trata da proposta
p. 190); pelas práticas sociais, devendo
de confecção e experimentação, com
ser ajustadas, pela aprendizagem, aos
professores de unidades de ensino,
modos de interação de um grupo; de
das chamadas de “sequências didáti-
outro lado, “das exigências do meio às
cas” (ver SCHNEUWLY; DOLZ, 1997).
capacidades exigidas dos sujeitos”, em
Nessa nova abordagem teórica, esses
que se parte da análise do trabalho,
autores enfatizam “o estatuto ativo da
cujas atividades coletivas analisadas
linguagem”, mostrando que a produção
servem de parâmetro para avaliar as
textual está articulada ao agir geral,
performances dos indivíduos e a partir
precisando, por sua vez, definir em que
das quais são deduzidas as competên-
consiste esse agir, suas dimensões, seus
cias avaliadas, que definirão, em termos
protagonistas. Os estudos mostram que
de ensino, que competências os sujeitos
as “sequências didáticas”, de um modo
devem ter como satisfatórias.
geral, ainda não foram assimiladas pe-
Nesse entender, segundo Bron-
los professores, revelando, dessa forma,
ckart, fica esquecido o papel das compe-
que é preciso examinar “as condições e
tências para o desenvolvimento da auto-
características efetivas do trabalho dos
nomia das pessoas e da sua capacidade
professores” (2006, p. 194-195).
de “contribuir na transformação dos pré-
Essa constatação a que Bronckart
construídos de sua comunidade” (2006,
chega em relação ao trabalho dos pro-
p. 192). Esses aspectos levantados por
fessores, sujeitos de suas pesquisas,
Bronckart fazem parte das concepções
também se poderia fazer em termos do
de aprendizagem de competências.
trabalho dos professores do Brasil. Em-
Nesse sentido, com base no cam-
bora haja os PCNs e toda uma bibliogra-
po da didática das línguas, Bronckart
fia com orientações teórico-pedagógicas
propõe um trabalho em três níveis. O

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dentro dessa perspectiva, essas não che- dutas humanas devam ser entendidas
garam a se efetivar nas escolas, o que, como ações significativas, portanto si-
acredita-se, seja mais pelo fato de os pro- tuadas e que tenham presente que as
fessores não buscarem esses subsídios do “propriedades estruturais e funcionais
que por não estarem disponíveis a eles. são, antes de mais nada, um produto da
socialização” (1999, p. 13).
Essas orientações, além de outras
Breve contextualização de caráter filosófico e antropológico,
do interacionismo como as de Bakhtin com os gêneros do
sociodiscursivo discurso, em que a linguagem se efeti-
va por meio de enunciados na interação
Entre as tendências teóricas que social, estão na base do interacionismo
fundamentaram os processos de ensino sociodiscursivo. Trata-se de uma teo-
com suas respectivas repercussões na ria adequada a um aluno ativo, a um
aprendizagem, a teoria do interacionis- aprendiz que dispõe de informações que
mo sociodiscursivo, proposta por Bron- ele mesmo tem condições de acessar.
ckart, é uma das mais relevantes. Mas Inicialmente, essa teoria abando-
o que se destaca, inicialmente, é o apro- na a noção de “tipo de texto” e adota a
veitamento das contribuições das ciên- noção de “gêneros de texto e tipos de
cias humanas na solução de problemas discurso” como formas comunicativas.
Esses discursos, também chamados de
como o da aprendizagem, numa tentati-
“sequências”, são formas linguísticas
va de promover movimento inverso, isto
que compõem o texto e traduzem o efeito
é, de romper os limites entre as frontei-
de sentido. Portanto, não é o texto pelo
ras do conhecimento, pois, segundo o
texto que está em questão, nem seus as-
autor, esses problemas envolvem, de um
pectos linguísticos apenas, mas, funda-
lado, relações de interdependência, por
mentalmente, o texto como portador de
exemplo, de estudos fisiológicos, cogni-
sentido, isto é, como algo materializado
tivos, sociais, culturais, linguísticos, e,
do mundo vivido, pensado e sócio-histo-
de outro, os processos culturais, sociais
ricamente construído.
e históricos que “se agregam e se co-
A coerência dessa teoria reside na
constroem”.
proposta de estudar a interação verbal
Os estudos de Bronckart, na obra
efetivada: pelo sujeito ao relacionar-se
Atividade de linguagem, textos e discur-
com o mundo, produzindo conhecimento
sos (1999), investigam os pressupostos
sobre ele; pela capacidade de represen-
construídos com base, de um lado, na
tação lógica desse mundo, derivada das
influência da psicologia da linguagem,
“práticas linguageiras” concomitante-
que toma as unidades linguísticas como
mente de ação e de discurso, isto é, a
condutas humanas, focando as condi-
ação mais o sujeito agente; pelo intera-
ções de sua aquisição e funcionamen-
cionismo sociodiscursivo, voltado para o
to, e, de outro lado, no interacionismo
estudo das práticas de linguagem e das
social, com a orientação de que as con-

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ações de linguagem nelas envolvidas aos conhecimentos, aos saberes, ao de-
como o pensamento consciente, ou seja, senvolvimento de habilidades e compe-
agente dotado de intencionalidade. tências, todos relacionados ao agir e ao
Tem-se, então, a partir da teoria do fazer humanos. Comenta Bronckart que
interacionismo sociodiscursivo uma pro- essa é uma posição chamada por alguns
posta de ensino que espera do professor de “logocêntrica”, mas que, para ele,
que saiba fazer previsões, antecipações, trata-se de um logocentrismo modera-
isto é, que enxergue o contexto do aluno do, pois nega-se neste o “determinismo
e, dessa forma, permita-lhe criar a par- sociolinguageiro” que sustenta as práti-
tir das situações enunciativas, nas se- cas de linguagem como fundamento de
quências didáticas, novos cenários para qualquer agir e fazer humanos.
a aprendizagem, além de possibilitar, por O autor salienta ainda que essa vi-
meio de produções de linguagem, enten- são não deveria nos levar a negar as ca-
didas como atividades humanas, formas pacidades cognitivas que procuram se li-
de agir por meio de ações de linguagem. bertar das restrições sociais, culturais ou
Nessa perspectiva, Bronckart pro- de linguagem, como Piaget as descreveu.
põe uma nova abordagem de ensino- Para Bronckart, a construção de capaci-
aprendizagem para o tratamento das dades cognitivas (universais) é resultado
questões de linguagem, cujos signos de um processo segundo que se aplica às
fundam a constituição do pensamento capacidades de pensamento, marcadas
consciente humano. Entre as conse- pelo sociocultural e pela linguagem.
quências dessa posição, Bronckart, com
razão, por exemplo, contesta a clas-
sificação e a divisão entre as ciências Como nasce uma
humanas e as ciências sociais. Nessa
perspectiva, para ele, o interacionismo
abordagem pedagógica
sociodiscursivo é mais do que uma cor- A postura pedagógica de um profes-
rente linguística, psicológica ou socio- sor é construída lentamente por conta
lógica. Pretende reafirmá-lo como uma de seus estudos, de sua formação, das
corrente da ciência do humano (2006, suas crenças e das experiências de en-
p. 10 - grifos do autor). Sem dúvida, essa sino que caracterizam sua performance
manifestação sobre a teoria, no panora- e que se constituem como pressupostos,
ma do conhecimento atual, aponta para nem sempre conscientes, de sua ação
o caráter interdisciplinar da linguagem docente.
e para a complexidade do fenômeno Em Bronckart (2006), o interesse
da aprendizagem, especialmente para pedagógico desenvolveu-se sob o impac-
quem a deseja entender em seus proces- to de influências teóricas de diversos
sos básicos. autores, destacando-se, inicialmente, os
O interacionismo sociodiscursivo estudos de Skinner, Piaget, Vygotsky;
visa demonstrar que as práticas de lin- da linguística de Saussure, Bloomfield,
guagem ou os textos são formas básicas Chomsky; depois, os de Bakhtin, Adam,
do desenvolvimento humano em relação

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Hymes, dentre outros. Essas influências lisados num quadro textual (1982) levou
se apresentam pontualmente marcadas Bronckart aos estudos de Bakhtin e a
e superadas pelas análises críticas em uma formação em análise dos discursos
pesquisas que o autor (e seus colabora- por meio de debates com Jean Michel
dores) vem realizando sobre atividades Adam. Nesse percurso, passou pelas
de linguagem, chegando ao estágio atual experiências de dar curso de linguística
da teoria do interacionismo sociodiscur- para formadores e professores primá-
sivo, que, por sua vez, também passou rios e de ser professor de psicopedago-
por testagens, revisões e reformulações. gia das línguas. Formou-se em Ciências
Sobre os acréscimos ou complementa- da Educação. Nesse período, Bronckart
ções às propostas teóricas anteriores, depara-se com um problema, que é o da
Bronckart diz sobre as características falta de “[...] condições de adaptação dos
diferenciadoras da sua proposta: modelos teóricos e dos resultados das
pesquisas empíricas à realidade das sa-
Nossa própria abordagem, que clas- las de aula e do trabalho do professor”
sificamos de interacionismo sociodis- (2006, p. 13) – problema depois denomi-
cursivo (conferir Bronckart, 1997), nado de “transposição didática”.
inscreve-se no esquema vygotskyano Diante disso, juntamente com colabora-
evocado anteriormente, integrando,
dores (BAIN; SCHNEUWLY), Bronckart or-
porém, ao esquema, ao mesmo tempo,
ganiza um estudo de formação/pesquisa com
de maneira mais determinada e técni-
vistas a fornecer critérios racionais e didáticos
ca, o papel e as propriedades da ativi-
dade da linguagem (2006, p. 104).
para o “domínio da expressão escrita” (2006,
p. 13). Dessa preocupação didática nasceu
Bronckart realizou várias pesqui- o projeto do interacionismo sociodiscursivo,
sas sobre linguagem. Uma foi sobre a cujos estudos:
compreensão e as estratégias adotadas (a) na primeira fase, “voltaram-se
por crianças para interpretar valores para a criação e a testagem das
funcionais das ordens das palavras seqüências didáticas” (“Pedago-
(SINCLAIR; BRONCKART, 1972); ou- gie du texte”, 1985), procurando
tra, sobre os valores dos tempos verbais elaborar um modelo teórico que
empregados por crianças. Para a análi- sustentasse e esclarecesse essa
se dos dados dessas pesquisas o autor abordagem prática de ensino.
tentou conciliar a abordagem estrutural Esse “modelo” passou por vá-
de Chomsky com a do desenvolvimento rios esboços, além de análises e
de Piaget. No entanto, diz Bronckart, testes (2006, p. 13);
essas referências teóricas se mostraram (b) na segunda, visaram “aperfei-
inapropriadas para a análise dos resul- çoar o modelo teórico inicial e
tados sobre os tempos verbais. Procurou ressituar as questões das con-
respostas na linguística da enunciação dições e características da ati-
sob orientação de Culioli – seu modelo vidade de linguagem no quadro
para o quadro interpretativo (1976). do desenvolvimento humano”
O fato de perceber que os valores (2006, p. 14);
dos tempos verbais só poderiam ser ana-

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Essa preocupação levou Bronckart “atividade discursiva”, porque o termo
a fazer uma nova proposta, ou seja: “discurso” pode sugerir que “a linguagem
(i) reconvocar a abordagem vygotskya- se manifesta de outra maneira que não
na e a questionar sua base filosófica; seja na prática”, e acrescenta que é “o em-
(ii) reexaminar, com fundamento na prego corrente do termo discurso equi-
obra de Saussure, o papel da apropria- valente ao termo atividade de lingua-
ção dos signos na emergência da cons- gem, que utilizamos” (2006, p. 140-141).
ciência humana e, por fim; (iii) estudar Nessa acepção, os discursos são diver-
os efeitos produzidos pelo domínio dos sos; por isso, “Bakhtin introduziu a
gêneros de texto e dos tipos de discur- expressão ‘gêneros do discurso’” (2006,
so no desenvolvimento tanto em suas p. 141), mas as classificações decorren-
dimensões epistêmicas quanto praxeo- tes desses, ou seja, do discurso religioso,
lógicas (2006, p. 14).
literário etc., que, segundo Bronckart,
referem-se “geralmente às produções
Gêneros do discurso e verbais autonomizadas em relação ao
gêneros de discurso agir geral” (p. 141), esquecem as produ-
ções que são dependentes desse agir.
A distinção de sentidos que o em- Bronckart observa que alguns au-
prego das preposições do e de neste tores, dentre os quais “Adam, em par-
subtítulo sugere tem muito a ver com as ticular (1999, p. 81 e ss.), transformam
interpretações que comumente se fazem deliberadamente, a noção bakhtiniana
dos conceitos. Antes, porém, Bronckart de ‘gêneros do discurso’ em ‘gêneros de
chama a atenção para a distinção de discurso’ para, desse modo, poderem de-
significados atribuídos ao conceito “dis- signar as diferentes espécies de textos
curso”: atestáveis”, o que leva “a estabelecer, de
facto, uma relação de correspondência
O termo discurso tal como aparece em biunívoca entre espécies de discurso/
Benveniste e na “face oculta” de Saus- atividades e espécies de texto, o que é
sure (conferir Bouquet, 1999) designa
negado pelos fatos” (2006, p. 141). Com
a operacionalização da linguagem por
o propósito de desfazer esses equívocos,
indivíduos em situações concretas.
Trata-se, portanto, de designar com Bronckart diz:
esse termo as práticas e/ou processos [...] preferimos reservar a noção de “gê-
de linguagem, em oposição ao sistema nero” somente aos textos (“gêneros de
da LÍNGUA (2006, p. 140 - grifos do textos”), propondo utilizar, para outros
autor). níveis, as fórmulas “espécies de ativi-
dade geral” e “espécies de atividades
Nessa perspectiva, o autor, enten-
de linguagem” (ou espécies de discur-
dendo que o sistema é resultado de uma
so) (2006, p. 141).
abstração teórica e que a linguagem é
constituída por práticas situadas, consi- Em seguida, o autor nos fala da
dera mais procedente usar a expressão “complexidade dos textos, que se expli-
“atividade de linguagem” em lugar de ca pelo número e pela heterogeneidade

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de suas modalidades de estruturação” estável e definitiva dos gêneros (2006,
(2006, p. 142) e observa que as diversas p. 144 - grifos do autor). Bronckart diz,
propostas (de autores) de identificar as com base em Bakhtin (1984, p. 285), que
diferentes estruturas constitutivas da os gêneros
textualização salientam a dependência como configurações possíveis dos me-
dessas formas e da própria entidade canismos estruturantes da textualida-
“texto”. Para o autor, de, portadores de indexações sociais,
os textos são produtos da operacionali- constituem os quadros obrigatórios
zação de mecanismos estruturantes di- de qualquer produção verbal (2006,
versos, heterogêneos e por vezes facul- p. 145).
tativos [...] qualquer produção de texto Em síntese, Bronckart tenta tornar
implica [...] escolhas relativas à seleção mais precisa a diferença entre “textos
e à combinação dos mecanismos estru-
pertencentes a um gênero e tipo de dis-
turantes, das operações cognitivas e
curso”: aqueles têm a ver com unidades
de suas modalidades de realização lin-
güística. Nessa perspectiva, os gêneros comunicativas globais, isto é, com um
de textos são produtos de configura- agir de linguagem (artigo, ensaio etc.);
ções de escolhas entre esses possíveis, estes têm a ver com unidades linguísti-
que se encontram momentaneamente cas infraordenadas, isto é, com segmen-
“cristalizados” ou estabilizados pelo tos (narrar, descrever etc.) que não são
uso (BRONCKART, 2006, p. 143 - gri- textos em modalidades variáveis como o
fos do autor). são aqueles.
Essas escolhas a que o autor se re-
fere vão depender do trabalho que “as O conceito de
aprendizagem
formações sociais de linguagem desen-
volvem, para que os textos sejam adap-
tados às atividades que eles comentam,
A aprendizagem, na perspectiva
adaptados a um dado meio comunicati-
de Bronckart, tem relação direta com a
vo, eficazes diante de um desafio social,
concepção de linguagem e de ensino de
etc.” (2006, p. 143-144). Segundo ele,
língua.
os gêneros não são formas fixas; estão,
Dentre as possíveis concepções di-
de acordo com o tempo e a história das
dáticas e sem colocá-las de forma extre-
formações sociais, sujeitos às mudan-
mada, pode-se dizer que há, no mínimo,
ças, além de que poderem estar sujeitos
duas posturas possíveis de ensino com
a avaliações e a outras finalidades que
repercussões distintas nas formas de
não aquelas que lhes deram origem.
aprender. Pode-se ter, de um lado, um
Nesse sentido, vê como não possível “es-
professor que, tendo uma concepção de
tabelecer relação direta entre espécies
ensino de língua na perspectiva de que
de agir de linguagem e gêneros de tex-
pode ser “aprendida por meio de produ-
tos” em virtude da adesão não crítica às
ções verbais”, considerando-se os aspec-
indexações sociais, explicando, por sua
tos diversos, “articuladas a situações de
vez, a impossibilidade de classificação

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comunicação”, entenderá que “essas for- Sempre que nos referirmos ao sis-
mas de realizações empíricas são os tex- tema da língua, estaremos lidando com
tos” (1999, p. 69); de outro lado, um pro- princípios de normatização, que pres-
fessor que, tendo um entendimento de crevem o “padrão” ideal de uso, distan-
que ensinar língua consiste em repassar te, portanto, do real uso, sob influências
aos alunos as normas do sistema dessa de fatores sócio-histórico-culturais, com
língua (regras fonológicas, morfológicas, uma grande variedade de padrões de uso
sintáticas etc.), estará, então, promo- de linguagem, desde o nível coloquial ao
vendo uma aprendizagem fragmentada mais elaborado. Essa postura pedagó-
da língua, desconectada de seu uso nas gica preconiza uma aprendizagem que
situações comunicativas. dificilmente leva a desenvolver compe-
Portanto, dependendo da concepção tências linguístico-textual-discursivas.
que se tem de ensinar, pode-se aprender É uma aprendizagem que não vai além
a usar uma língua, como se pode apren- das anotações e exercícios de identificar
der sobre a língua. São aprendizagens e classificar aspectos da língua regis-
que, na sua gênese, de acordo com as trados no caderno pelo aluno. A apren-
concepções (pressupostos epistemológi- dizagem decorrente dessa abordagem
cos), são orientadas por objetivos e dife- se circunscreve à aquisição de noções
rentes modos de ensinar, fazendo a dife- linguísticas desconectadas das produ-
rença nos objetivos e modos de aprender. ções de linguagem do próprio aluno e
das práticas sociais, ou seja, não levam
Aprender sobre a língua em conta que estas se circunscrevem a
um meio, cujos processos de mediação
A divisão das ciências em discipli-
e interação se constituem de e são vei-
nas e subdisciplinas, segundo Bronckart
culados pela linguagem em situações
(2006), tem contribuído para a fragmen-
enunciativas bem concretas.
tação do conhecimento, que é uma de-
corrência da adesão à epistemologia po-
sitivista de Comte. Essa postura teórica
Aprender a usar uma língua
fundamentou o ensino-aprendizagem Usar uma língua aprende-se desde
por longas décadas e tem repercussões que se nasce. Aqui, porém, entende-se o
até hoje. No caso do ensino da língua aprender em processos de ensino formal,
portuguesa, não se trata de desconhecer efetivados em período de escolarização,
as normas desse sistema, mas da forma e, na proposta do interacionismo socio-
como essas são ensinadas, geralmente discursivo, leva em conta as práticas
como sendo o foco central, tomadas como de linguagem, como uma das práticas
um fim em si e não em razão do uso efe- de interação social (situação enunciati-
tivo da língua nas diferentes situações va e ambiente discursivo), implicando,
comunicativas. Por mais que se queira além de dimensões sociais, as cogniti-
estudar uma língua nessa perspectiva, vas e linguísticas do funcionamento da
isso é quase que impossível, porque linguagem numa determinada situação
como sistema ela é abstrata. comunicativa. Tratando-se de ensino e

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aprendizagem, as práticas de linguagem cias linguístico-textual-discursivas por
precisam ser realizadas do lugar social, meio de várias estratégias de produção
no caso, do interior da sala de aula, con- de linguagem que lhe garantem uma
siderando-se as suas características. Co- produção final, próxima ao desejado, ao
laboradores e seguidores de Bronckart, esperado pelos objetivos e respeitando
os autores Dolz e Schneuwly dizem que, as condições de aprendizagem do aluno,
na escola, são os gêneros textuais que sendo, nesse sentido, ética na avaliação
articulam a atividade do aprendiz às também.
práticas de linguagem. Acrescentam que Bronckart propõe “uma reconceitua-
as capacidades de linguagem ção da noção de ‘competência’, enfati-
são – aptidões requeridas do aprendiz zando sua dimensão ‘dinâmica’” (2006,
para a produção de um gênero numa si- p. 20). Para o autor, o desenvolvimento
tuação de interação determinada: adap- de habilidades e competências de lin-
tar-se às características do contexto e do guagem para atender às aptidões exi-
referente (capacidades de ação), mobili- gidas do aprendiz na recepção (acesso à
zar modelos discursivos (capacidades
discursivas) e dominar as operações psi- informação) e na produção (como meio
colingüístcas e as unidades lingüísticas de construção de conhecimento) de de-
(capacidades lingüístico-discursivas) terminados gêneros discursivos em uma
(SCHNEUWLY; DOLZ, 1997, p. 29). situação de interação específica é um
Os autores destacam como impor- requisito básico.
tante os professores prestarem atenção No Brasil, não obstante estudiosos
às “capacidades de linguagem” dos alu- e pesquisadores já tenham produções na
nos, que podem ser percebidas por meio área, só mais recentemente essa concep-
do comportamento em relação ao que ção de aprendizagem da língua como de-
eles já sabem (“os produtos de apren- senvolvimento de habilidades de lingua-
dizagens sociais anteriores”) e ao que gem foi assumida por entidades oficiais.
aprendem (“fundam novas aprendiza- Temos os PCNs com princípios norteado-
gens sociais”). As sequências didáticas, res para orientar o trabalho do professor
do modo como são propostas, são uni- em relação às questões de linguagem
dades de ensino na abordagem do ISD com vistas à leitura e à produção tex-
que permitem ao professor observar tuais, permitindo situar o aluno em re-
as “capacidades de linguagem” antes e lação às atividades de aprendizagem de
durante o processo de ensino/aprendi- que participa ou de que virá a participar,
zagem, fornecendo-lhes indicações de dando-lhes sentido porque têm uma sig-
possibilidades de execução. nificação para ele. Em outros termos, o
Assim como está concebida e estru- aprendizado, efetivamente, ocorrerá no
turada, visando a produções orais e es- momento em que o aluno passar a dar
critas de gêneros textuais, a “sequência sentido ao que está estudando, porque o
didática” é uma proposta ética de ensi- que estuda lhe é significativo. Mas cabe
no, pois são dadas ao aluno condições de ao professor promover essas condições,
aprender a desenvolver suas competên- estabelecendo, em relação ao que ensi-

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na, mediações significativas de aprendi- Por muito tempo a escola limitou-
zagem por meio de interações sociodis- se a fazer “uma aplicação direta dos sa-
cursivas professor/aluno nas situações beres científicos ao campo educacional”
enunciativas de ensino-aprendizagem. (2006, p. 204). No entanto, tais aplica-
Nesse sentido, aprender a usar ções não trouxeram o resultado espera-
uma língua significa: (a) aprender ati- do por duas razões, segundo Bronckart
vidades de linguagem, trabalhando com (2006): a primeira diz respeito à falta de
a textualização (oral e escrita), tendo observação do “estado” em que se encon-
presentes as situações discursivas; (b) tra a escola, isto é, os sistemas de ensino,
estudar a coesão e coerência entre as os objetivos, os programas, os métodos
unidades linguísticas; (c) estabelecer as de ensino, as características dos alunos,
conexões estruturais, os conteúdos vei- a formação dos professores; a segunda
culados, os propósitos comunicativos; razão é que os novos conhecimentos do
(d) definir os interlocutores da situação campo científico não chegam às escolas,
enunciativa (quem diz / o que / com que porque os procedimentos de aplicação
propósito / para quem), identificando não são eficazes, ou seja, porque não se
os papéis sociais desses, além de ou- efetivou uma adequada transposição di-
tros aspectos. Nessa perspectiva é que dática de conhecimentos científicos para
Bronckart vê como decisivo o papel “da conhecimentos a serem ensinados. Nes-
atividade de linguagem na construção se sentido, Bronckart diz:
das próprias ações e dos conhecimentos Não podemos nunca aplicar direta-
declarativos” (2006, p. 17). mente na Escola os novos conhecimen-
tos científicos, qualquer que seja seu
O papel do professor grau de pertinência e de seu interesse:
primeiro, porque, necessariamente, os
conhecimentos científicos têm de ser
Enfocando o trabalho do profes-
selecionados, transformados e simpli-
sor, Bronckart apresenta as razões por ficados para poderem ser compreendi-
que o “trabalho educacional surge com dos pelos alunos... e pelos professores;
tanta força atualmente” (2006, p. 203). segundo, porque esses conhecimentos,
Os frequentes movimentos de reforma por princípio, são incompletos e hipoté-
dos sistemas de ensino, historicamente ticos, o que faz, inevitavelmente, com
mostrados, explicam a que a Escola tenha de suprir essas la-
cunas e que, pelo menos em parte, te-
necessidade que a escola tem de se
nha de construir um saber cujo estatu-
adaptar permanentemente, conside-
to é de natureza propriamente escolar
rando, de um lado, as novas expecta-
(2006, p. 205 - grifo do autor).
tivas decorrentes das evoluções sociais
e econômicas e, de outro, os novos Os estudos realizados por Bron-
conhecimentos sobre o “conteúdo” das ckart, com base me pesquisa realizada
disciplinas escolares, elaborados prin- com professores e tomando por base
cipalmente no campo científico (2006, estudos de ergonomia, mostram que há
p. 204 - grifos do autor). uma distância entre o que chama de

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“o trabalho real, o trabalho prescrito à constatação de Bronckart sobre essa
e o trabalho de representação” (2006, tendência ao “trabalho representado”,
p. 226) na didática do professor. Resu- implicando o grau de consciência que
midamente, há (a) o “trabalho real”, os professores têm das suas atividades
que “designa as características efetivas de ensinar, pode-se levantar a hipótese
das diversas tarefas que são realizadas de que isso também se aplicaria à nossa
pelos trabalhadores em uma situação realidade brasileira de ensino.
concreta. Assim, a atividade dos profes- O interacionismo sociodiscursivo de
sores em sala de aula pertence a esse Bronckart posiciona-se em relação aos
nível” (2006, p. 208) e requer que os “documentos prescritivos modernos”, en-
professores sejam capazes de “pilotar tendendo que há um equívoco em estes
um projeto de ensino predeterminado, considerarem tanto “o aluno no centro do
negociando permanentemente com as dispositivo pedagógico” quanto “o profes-
reações, os interesses e as motivações sor no centro do dispositivo”. Trata-se,
dos alunos” (2006, p. 226-227); (b) o “tra- segundo o autor, “de dizer que são as in-
balho prescritivo”, que segue instruções, terações professor/aluno que constituem
modelos, programas predeterminados o centro da atividade educacional” (2006,
pelas instituições, e os professores têm p. 228). Essa proposta do interacionismo
de segui-los e aplicá-los; (c) o “trabalho sociodiscursivo enfatiza
representado”, que é mais difícil de ser que a compreensão do trabalho real
apreendido. Com relação a este, a análi- do professor implica (ou é correlativa)
se dos dados da pesquisa do autor mos- a compreensão das características do
tra, tomando por base as declarações funcionamento [...] de alunos concretos
dos professores, a adesão destes “aos em uma efetiva situação de aula (2006,
princípios, à metodologia e aos modelos p. 228).
de agir propostos pelos livros didáticos”,
ou seja, os professores tendem a seguir
mais uma “ideologia presente nos textos
Considerações finais
prescritivos do que por uma tomada de
Mesmo que tenham sido pouco
consciência sobre o que realmente acon-
estudados, até o momento, “os efeitos
tece em sua aula” (2006, p. 227).
da mediação produzidos pela aprendi-
Embora os estudos mostrem que o
zagem e pelo domínio progressivo dos
“trabalho real” se caracteriza pelos seus
mecanismos de textualização e da res-
“diferentes estilos adotados para reali-
ponsabilização enunciativa, eles nos
zar uma mesma tarefa, as astúcias ou os
parecem ser evidentes e importantes”
atalhos que inventam, apesar das pres-
(2006, p. 156), diz Bronckart. Nessa
crições, os recursos cognitivos que mo-
perspectiva, em situações de ensino,
bilizam, as dimensões afetivas, relacio-
quer na recepção, quer na produção de
nais e identitárias de seu trabalho, etc.”
texto, a aprendizagem “da distribuição
(2006, p. 208), o “trabalho representa-
das vozes é, por exemplo, uma oportu-
do” parece ser, ainda, a tendência atual
nidade de se tomar conhecimento das
do trabalho educacional. Com relação

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diversas formas de posicionamento e de Notas
engajamento enunciativos construídos
1
em um grupo, de se situar em relação Aqui são colocados apenas os tópicos. Para
maiores detalhamentos ver Bronckart, 2006,
a essas formas, reformulando-as” (2006, p. 182 e ss.
p. 156), contribuindo, assim, “para o 2
Sobre essa tendência, Bronckart, nessa passa-
desenvolvimento da identidade das pes- gem, não traz maiores detalhes.
soas”, nas diferentes situações de vida.
Das propostas teóricas de aborda- Referências
gens de ensino-aprendizagem, o “inte-
BAKHTIN, Mikhail; DUVAKIN, Viktor.
racionismo sociodiscursivo” parece ser a
Mikhail Bakhtin em diálogo – conversas
que vem ao encontro das necessidades de 1973 com Viktor Duvakin. São Carlos &
atuais, uma vez que dá espaços e con- João Editores, 2008.
dições para que a interação professor BAKHTIN, M. (Voloshinov, V. N. – 1929).
e aluno seja o centro dos processos de Marxismo e filosofia da linguagem. São
ensinar e aprender de forma mais ética, Paulo: Hucitec, 1992.
significativa e eficaz. _____. Os gêneros do discurso. In: _______.
Estética da criação verbal. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 1997. p. 277-357.
Learning from the _____. Esthétique de la création verbale. Pa-
perspective of Bronckart’s ris: Gallimard, 1984.
theory of socio-discursive BRONCKART, J. P. Atividades de lingua-
gem, textos e discurso: por um interacionis-
interactionism mo sócio-discursivo. Trad. de Anna Rachel
Machado e Péricles da Cunha. São Paulo:
Abstract Educ, 1999,
_____. Atividades de linguagem, discurso e
This article examines the learning desenvolvimento humano. Org. e trad. de
concept from the perspective of the Anna Rachel Machado et al. Campinas - SP:
theory of interactions socio discursive Mercado de Letras, 2006. (Coleção Ideias so-
(ISD), Jean-Paul Bronckart (2006). bre linguagem).
It presents some related concepts in HYMES, D. H. Vers la compétence de com-
education such as language, action, munication. Paris: Chedif-Hatier, 1991.
social activity, textual production, (Édition originale, 1973).
competence, genre, discourse types, PAVIANI, J. Formação, aprendizagem e ra-
among others, that are part of the te- cionalidade ética. Caxias do Sul, 2011 (texto
aching/learning. inétido).
Key words: Learning. Language. Edu- SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Les genres sco-
cation. Interactions socio discursive. laires. Des pratiques scolaires aux objets
d’enseignement. Repères, n. 15, p. 27-40, 1997.
SINCLAIR, H.; BRONCKART, J-P. “svo. A
linguistc universal? a study in developmen-
tal psycholinguistics”. Jounal of experimen-
tal Child Psychology, n. 14, p. 329-348, 1972.

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