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de Richard Sennett
Rio de Janeiro : Record, 1999. 204 p.
moral pelo trabalho, está sendo substituída pela pessoas de poder desigual e interesses diferen-
ética do trabalho em equipe. Para Sennett, isso tes. Além disso, para que a confiança se esta-
seria uma vitória para a civilização se o traba- beleça entre as pessoas, é fundamental que elas
lho em equipe não estivesse se transformando sejam necessárias umas às outras.
em um teatro em que as aparências e com- Ironicamente, ser necessário a alguém é jus-
portamentos são manipulados e o conflito é sis- tamente o valor que está sendo depreciado no
tematicamente adiado. Na realidade, o traba- novo mundo do trabalho, no qual se descartam
lho em equipe veio substituir a vigilância do as pessoas, suas identidades e suas chances de
administrador pela pressão dos colegas, tornan- sucesso. Nas palavras de Sennett: Esse é o pro-
do-se uma excelente estratégia para aumentar blema do caráter no capitalismo moderno. Há
a produtividade. Assim, as responsabilidades história, mas não a narrativa partilhada de difi-
são partilhadas e não há uma figura que sim- culdade, e portanto tampouco destino partilha-
bolize a autoridade, mas a dominação conti- do. Nessas condições, o caráter se corrói; a per-
nua permeando as relações entre os indivídu- gunta Quem precisa de mim? não tem respos-
os no trabalho. ta imediata (p. 175-176).
Sennett, então, cita Rorthy para demonstrar Assim, para Richard Sennett, o novo capi-
que o homem motivado está sendo substitu- talismo flexível, em sua ânsia pelos resulta-
ído pelo homem irônico: Richard Rorthy es- dos, está gerando uma sociedade impaciente
creve, sobre a ironia, que é um estado de espí- e concentrada apenas no momento imediato,
rito em que as pessoas jamais são exatamente cujos valores amorais contribuem para cor-
capazes de se levar a sério, porque sabem que roer o caráter humano. E o que é mais inqui-
os termos em que se descrevem estão sujeitos etante: a substituição da rotina burocrática
a mudança, sempre sabem da contingência e pela flexibilidade no trabalho não foi acom-
fragilidade de seus vocabulários finais, e por- panhada pela liberdade e pela emancipação
tanto dos seus eus. Uma visão irônica de si do indivíduo, mas pela elaboração de novas
mesmo é a conseqüência lógica de viver no formas de dominação.
tempo flexível, sem padrões de autoridade e Apesar de suas constatações pessimistas,
responsabilidade (p. 138). E nos provoca: A Sennett reconhece que não há como negar as
clássica ética do trabalho de adiar a satisfação novas realidades históricas nem os avanços que
e provar-se pelo trabalho árduo dificilmente ocorreram no mundo do trabalho. Assim, para
pode exigir nossa afeição. Mas tampouco o compreender sua mensagem, o leitor precisa
pode o trabalho em equipe, com suas ficções e estar atento para o fato de que sua intenção
fingimentos de comunidade (p. 139). não é fazer um resgate do passado, mas ques-
Para Sennett, o comunitarismo resulta de tionar como vamos moldar o nosso futuro em
fortes laços entre pessoas que tiveram tempo uma sociedade na qual os indivíduos não es-
suficiente para enfrentar suas diferenças: a su- tão mais seguros de serem necessários aos seus
posição de que todos os membros de uma equi- semelhantes. Esse convite para tão indispen-
pe de trabalho partilham das mesmas motiva- sável reflexão é suficiente para tornar a leitu-
ções não garante uma comunicação efetiva, tor- ra desse ensaio estimulante para todos aqueles
nando o trabalho em equipe uma forma frágil que procuram compreender as conseqüências
de comunidade. Na sua visão, é o enfrentamen- sociais dessa progressiva corrosão do caráter
to do conflito que oferece a base real para unir humano. m