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Sofrimento Humano?
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Folia de
Reis
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Leandro Gomes de Barros* Um pouco da história e um roteiro desta importante tradição em alguns
(1865-1918) Carnavalesco Milton Cunha fala sobre seu mais recente municípios do estado do Rio de Janeiro
livro e de suas expectativas para o os próximos carnavais
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Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
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Por que é que sofremos tanto
Quando se chega pra cá?
Perguntaria também
Como é que ele é feito
O maior carnaval de
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
todos os tempos
Em 1919 , após um longo periodo de distânciamento social devido a uma
Por que é que ele não fez pandemia, cariocas fizeram uma festa que mudou os costumes
e+
A gente do mesmo jeito?
O “Mulato do Morro
Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto? do Coco” As antigas tradições do carnaval do Rio de Janeiro
Em mais uma reportagem em homenagem aos 200 anos da
Nascemos do mesmo jeito, Independência, conheça a a trajetória de Nilo Peçanha, o primeiro Retrospectiva 2021:
Vivemos no mesmo canto. presidente negro da história do Brasil As realizações da Subdiretoria-Geral de Cultura
Comunicação Social/ ALERJ Foi o apelo dos fãs e dos seus se-
Na primeira quinzena de janeiro de 2022, a
guidores nas redes sociais que transfor-
capital do estado acolheu o Rio Innovation Week,
maram suas falas em livro. Uma criação
um evento dedicado à apresentação de projetos
em meio a disseminação mundial do co-
inovadores aliados às mais novas tecnologias, que
ronavírus (SARS-CoV2) e ao isolamento
reuniu importantes atores dos campos social, cultu-
social. O que não foi nada fácil para nosso
ral, político e econômico. Foi uma singular oportu-
entrevistado, Milton Cunha, o carnavales-
nidade de encontro entre autoridades públicas, di-
co, cenógrafo, historiador e profissional
ferentes representantes da sociedade, da iniciativa
das produções artísticas e das letras que
privada e do terceiro setor, em um esforço coleti-
acabou de lançar “Viva e Aproveite – O
vo de reflexão sobre projetos portadores de futu-
primeiro ano do resto das nossas vidas”,
ro, ou seja, aqueles que aliam desenvolvimento em
já nas principais casas do ramo. Uma pu-
harmonia com a qualidade de vida da população.
blicação da Faro Editoria, “fruto da pande-
mia”, como define o autor.
O Rio de Janeiro é e sempre foi um grande celei- São muitos os caminhos a serem percorridos, muitas
Atualmente comentarista na co-
ro de projetos inovadores, porque foi “desenhado”, adversidades ainda precisam ser enfrentadas e su- te em Johanesburgo, a maior cidade da África do Sul.
bertura do Carnaval feita pela TV Glo-
em toda a sua história, com traços, contornos e o pre- peradas e, por isso, faz-se urgente investir no pleno
bo, continua muito reverenciado pela trajetória
enchimento de uma cultura diversa e plural. A rica di- acesso de toda a sociedade aos meios de comunica- Bacharel em Psicologia pela Universidade Fede-
profissional, com passagens pelas mais tradicionais
versidade de expressão cultural do Rio se fortalece na ção digital, para que, em sua diversidade econômica, ral do Pará (1982), fez doutorado em Teoria Literá-
escolas de samba do Rio de Janeiro e São Pau-
sua originalidade, na pluralidade de seus grupos sociais cultural e social, ela possa ser abastecida pelas mais ria – Ciência da literatura (UFRJ) e pós-doutorado em
lo. Milton foi colunista também de carnaval em
e pelas novas identidades que se constroem a todo o inovadoras plataformas pedagógicas e, assim, se for- História da Arte pela Escola de Belas Artes da Univer-
outras emissoras, como TVE, CNT e Band TV.
tempo. E as últimas novidades em termos de comuni- talecer pela eficácia dos serviços educativos, o que sidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (2017). Tem
cação e transmissão de conhecimento, devem ser uma pode gerar, além de mais produtividade econômica, especialização em Moda e Indumentária pela Univer-
Milton Reis da Cunha Junior, 59 anos, é na-
vigorosa ferramenta de fortalecimento da diversida- mais qualidade de formação técnica, humana e qua- sidade Estácio de Sá (2004) e trabalhou como figuri-
tural da pequena cidade de Peixe-Boi, no nordeste
de de expressão do povo, em toda a sua pluralidade. lidade de vida. A cultura é o bem mais valioso de nista e cenógrafo para shows em Angola e no Brasil
do Pará, cujo número de habitantes chega perto do
uma sociedade, de uma nação, afinal de contas, so- para artistas como Ney Matogrosso e Luan Santana.
número de integrantes de muitas agremiações car-
Mas precisamos ampliar o nosso olhar sobre as mos todos seres culturais, portadores de futuro. E, Cunha é autor de Carnaval é cultura: poética e técnica
navalescas, são 7800 habitantes. Morador de Co-
reais e verdadeiras experiências socioeconômicas na o Rio de Janeiro é, sem sombra de dúvidas, inovador no fazer escola de samba, pela editora Senac/SP, 2015.
pacabana, na zona Sul do Rio, carnavalesco por 16
segunda dezena do século XXI. Um fato de especial e, portanto, a maior vitrine que o Brasil possui para a
anos, Milton atuou na Beija-Flor, São Clemente, Vi-
relevância, antes de qualquer especulação sobre os apresentação de novidades e de projetos inovadores. Em 2013, foi condecorado com Medalha Ti-
radouro, Unidos da Tijuca, Porto da Pedra, União da
cenários do futuro, é reconhecer que as promessas Sem falar que a sua cultura, o seu modo de vida, e, radentes, maior honraria oferecida pela Assembleia
Ilha, Cubango e Leandro de Itaquera (SP). Em 2007
utópicas do início da Revolução Digital, que preconi- principalmente, o seu cenário é muito instagramável! Legislativa do Estado do Rio do Janeiro (ALERJ).
iniciou sua carreira internacional e trabalhou para o
zavam um tempo maior de aproveitamento de vida do Uma iniciativa do deputado Chiquinho da Manguei-
Brazilian Ball de Toronto (Canadá), um baile de car-
trabalhador para a sua melhor formação e para o lazer, “...A diversidade cultural é o patrimônio comum da ra (PSC), então presidente da Escola de Samba Es-
naval no modelo brasileiro, onde esteve até a última
sobretudo o lazer cultural, até agora não se fizeram humanidade...” – Declaração Universal Sobre a Di- tação Primeira de Mangueira. Em julho de 2021, a
edição, em 2012. Levou também sua experiência
sentir na prática. À exceção de uma ínfima minoria versidade Cultural (UNESCO). convite do presidente da ALERJ, deputado André
para o desfile da Unidos de San Luis: a Sierras del
ultra-high tech, o tempo de vida parece cada vez mais Ceciliano (PT), o carnavalesco foi conhecer as no-
Carnaval, na Argentina, defendendo as cores verde,
haver encurtado para a maior parte da humanidade. vas instalações do parlamento fluminense, o edifício
azul e branco, uma parceria do Governo da província
A velocidade dos acontecimentos, infelizmente, não Lúcio Costa, em companhia do Padre Omar, reitor
com a produtora do ator Antônio Pitanga, de 2010
está sendo utilizada para a construção de novos sa- do Santuário Cristo Redentor, e outros religiosos.
Nelson Freitas é subdiretor- a 2013. Ainda no exterior, ele consolidou trabalhos
beres, de mais espaço para o lazer, estudos, ou mes-
geral de cultura da ALERJ relacionados ao carnaval na Europa, como em Esto-
mo de cargas horárias de trabalho mais humanizadas. O cenógrafo lançou em 11 de novembro de 2021,
colmo (Suécia) e Londres (Inglaterra), posteriormen-
Legado - Cadernos de Leitura 6 7
no Hotel Nacional, em São Conrado, “Viva e Apro- processo de criação? te que mora dentro de você a luz. Busca ela por- até aqui! Precisamos honrar as mais de 600 mil
veite”, com texto de contracapa do padre Fábio que, mesmo como terremoto, eu digo: você vai pessoas que morreram com a pandemia. Em res-
de Melo e ilustrações em aquarelas de Marcelo de Meus seguidores, sim. Existe uma rede social se encontrar e saber de você e de seus sonhos. peito a tantas famílias destroçadas, vamos honrar
Cesar, uma publicação de crônicas e textos curtos que chamo de desvairada, uma rede que vende um o milagre que é viver. Tomara que dê tudo certo.
que fala de amizade, perdas, paixões e amor. “Trato padrão de felicidade que é impossível de acompanhar. Num universo de mais de 4 milhões de seguidores
de temas intensos e pensares sobre a vida e sobre É o corpo de uma, o nariz de outra, o botox facial da- nas redes sociais, as mulheres correspondem a 85 % do Como foi deixar a moda e dedicar-se ao carnaval?
o que enfrentamos nos últimos tempos”. O escri- quela. Esquece! Tenta sacar qual é a tua. Qual é a tua seu público. Você fala essencialmente para elas?
tor garante que é um livro esperançoso para fazer beleza, qual é a tua praia. As pessoas precisam apren- Eu bato a cabeça para a chance que o Anísio
com que os leitores sacudam a poeira e comecem der a dizer não. Não quero, não vou, não posso, não É, e elas são cercadas por maridos, padres, vizi- (presidente de honra do Grêmio Recreativo Escola
a fazer o que realmente querem para suas vidas. é minha proposta de vida. O que se assiste nas redes nhos, filhos, médicos, muito tudo. Muitas cobranças. de Samba Beija-Flor de Nilópolis, Anísio Abraão Da-
Depois do lançamento no Rio, com a presença de fa- sociais são projetos individuais de artistas. Não pire na São muitas demandas, sobretudo, para as mulheres de vid,) me deu. Ele foi o meu mecenas. Foi quem me
mosos e personalidades do carnaval carioca, foi a vez lancha, no iate, no jatinho do outro, na praia do Cari- minha geração – as nascidas na década de 1960. Elas tirou da moda e me jogou nessa janela linda que é
do Festival Literário Energia para Ler, em Itaocara, no be e por aí vai, meu amor! Eu falo sempre que se você me contam que mesmo com os adventos da liberação o desfile das escolas de samba. Sou um profissional
Noroeste Fluminense (14/11). Nas semanas seguintes é de Cachoeiro do Itapemirim, por exemplo, apro- sexual, da pílula anticoncepcional, do surgimento da antes do Anísio e outro depois do Anísio. Quando ele
ele partiu para as cidades de Quissamã, Paracambi, Bar- veita seus bosques, seus rios, suas cachoeira e monta- Aids, das loucuras do movimento hippie, por exem- me convidou (1994) para desenvolver na Beija-Flor
ra do Piraí e Campos dos Goytacazes, sob a promessa nhas. Faça com o que você tem o melhor que puder. plo, hoje em dia têm que ter equilíbrio porque as co- os enredos culturais, me dediquei muito. Tive a hon-
de levar sua publicação aos 92 municípios do Estado Este é o verdadeiro conselho de felicidade individual. branças continuam dentro e fora de casa. Por isso, ra de desenvolver enredos como, “Margareth Mee, a
e, em breve, ao Salão Nobre do Palácio Tiradentes. dou força para que comecem a fazer o que realmente dama das bromélias”, (1994); “Bidu Saião e o canto de
Como foi para você a fase de querem. Ouço inclusive do cristal” (1995), uma homena-
Como foi esse processo de reclusão? Você surtou em al- público masculino que de- gem à cantora lírica brasileira
transformar seu discur- gum momento? pois que suas companheiras e “Aurora do Povo Brasileiro”
so oral, com o apelo visual Quando os cientistas passaram a me seguir estão
da internet, em um livro A pandemia veio pra co- mais confiantes, determi- Eu respeito a cultura (1996), que retratava a impor-
tância dos sítios arqueológicos
de crônicas que traz tan- disserem “pode fa- locar a gente dentro de casa e aí nadas. Ótimo isso! Aguenta popular e tenho amor e pré-históricos do Brasil. Foi
tas perguntas e reflexões? zer”, será o estouro muita gente se questionou: Meu tua mulher, eu digo! (risos).
ao povo que faz esta uma grande chance na minha
Deus, o que fiz da minha vida? vida e eu abracei com tudo.
Transformar minha da boiada, vai ser a Se eu morrer nessa pandemia, Dois anos sem carna- festa .
fala em livro foi dificílimo! explosão eu vivi? Muita gente se indagou val no país do carnaval. Qual Valeu a pena?
Nas redes sociais eu tenho e inclusive me escreveu com é a expectativa para este re-
minha cara, meus olhos, mi- essa narrativa. E eu, o tempo começo? Valeu! Eu queria ser
nhas mãos e a força da voz. todo, disse: tomara que a gen- um comunicador. Mas sabia que os anos dentro das
Essa atmosfera visual não é permitida no texto. Mas te sobreviva para que possamos enfrentar o resto. Eu costumo dizer que os tambores silenciaram. agremiações seriam fundamentais para eu ser uma
é um livro para o leitor buscar a sua luz, a sua força. Depois dessa pandemia, todo mundo só tem o resto Tivemos os batuques desde a chegada da família real voz que vinha de dentro dos barracões do carnaval.
Quando me tranquei em casa a partir do dia 15 de de suas vidas. Esses questionamentos eu vivi e tirei e os índios com penas, negros com tambores e os Quando pude sair e falar, já tinha prática e juntei a
março de 2020, finalmente me dediquei a organizar proveito deles. Daí o título do livro. Depois da pan- brancos com renda Frufru. Faz parte do imaginário alegria do folião. Eu respeito a cultura popular e te-
a escrita que tanto me pediam. Apesar de dizer que demia todo mundo ficou com “o resto de suas vidas”. do povo carioca essa coisa do batuque. E, nesse perí- nho amor ao povo que faz esta festa. Estudo muito!
é um fruto da pandemia da Covid 19, eu não que- Viva e aproveite o resto. Mas é um livro esperançoso. odo, os tambores não tocaram para o réveillon, não Mas não sofro do enciclopedismo. Falo uma lingua-
ria que fosse apenas um texto normal, eu queria um tocaram para o início do verão, nos botequins. Foi gem que todos entendam. Eu descrevo o desfile com
livro bem a minha cara e então chamei meu irmão Em nenhum momento seu texto faz alusão à po- estranho viver no Rio de Janeiro sem o batuque nas o olhar de um menino encantado e o público vai ado-
(Marcelo de Cesar) que criou todos os personagens lítica, crença ou religião. Mas faz refletir. Po- quadras das escolas de samba e nas ruas sem os blo- rando, vai vendo que também sou um fã, como ele.
com a expressão de que estão pensando. É um livro demos definir como uma leitura de autoaju- cos. Foi o período das lives. Fui o rei do samba pela
bem animado. Bem coloridão, a minha cara. Eu que- da, um acalanto em pleno isolamento social? internet para angariar cesta básica, para ajudar o povo Milton Cunha é uma figura que já está incor-
ria isso, uma jóia pra ficar na mesa de cabeceira. É que ficou sem trabalhar nos barracões e quadras das porada ao carnaval. Você tem consciência disso?
possível ler todo dia um trechinho. São pensamen- É nada. É autodestruição, isso sim (risos)! Eu escolas. Quando chegou a campanha da vacinação,
tos que vou soltando aos poucos. Chamo de bom- destruo os paradigmas, destruo essa coisa de ser o acendeu uma luz de esperança. Agora, com a queda Eu tenho a consciência do que eu sou e que vou fa-
ba atômica. O objetivo é fazer as pessoas pensarem.
que os outros querem que você seja, entende? Eu dos números de internação, parece que o vírus zer falta um dia. Eu tenho a consciência de que sou um
É o que eu quero. Pensem em si mesmos! Qual é a costumo dizer que a saída é para dentro. A saída maldito vai deixar a gente fazer a folia. Mas falo participante dessa exibição. Fico feliz de estar no meio.
tua verdade? Tu nasceste pra quê? Eu parto do ponto
é você, é o autoconhecimento, a auto responsabi- com certa parcimônia. Quando os cientistas disse- Mas dou um passo atrás se precisar. E, na hora que acabar,
de vista da vida do leitor e não da minha. E provo-
lidade. Política e religião são temas de cunho mui- rem “pode fazer”, será o estouro da boiada, vai ser acabou. Tenho um estilo mambembe. Vou de praça em
co. E indago: qual é a tua verdade? A tua proposta
to pessoal e não toco nisso. Eu dou força para as a explosão ...vou arrancar minha roupa, vou subir praça. Quero ser feliz. Esse é meu comprometimen-
de vida? O que tu gostarias de fazer e não fizestes?
pessoas se procurarem. Não tenho um acalanto em poste, em árvores (risos). Vou me jogar enlou- to. Eu sou “uma poliana”, vejo maravilhas em tudo e
fofinho nem tão pouco apaziguador. Ele é um aca- quecido. É só comemoração. Vai ser o Carnaval da arranco da realidade o que tem de melhor, que é a
As redes sociais foram suas aliadas nesse último lanto terremoto, um acalanto tsunami. Acredi- lágrima no canto do olho. Meu Deus, eu cheguei beleza de estar saudável e sobrevivendo.
Charges dos Jornais de época retratavam as batalhas de entrudo nas ruas do Rio de Janeiro
O entrudo pode ser considerado a primeira gundo estudiosos, se daria com a mudança de regime,
manifestação e adaptação de uma festa (folguedo) euro- onde a Monarquia deu lugar à República e, com esta,
peia, trazida de Portugal no século XVI e já definida por um processo de urbanização que previa a construção de
calendário, pois se dava nos três dia anteriores à Qua- uma nova e reluzente capital. Isto significava na prática a
resma. Nestes três dias os “foliões” arremessavam dos demolição de vários cortiços, onde concentravam-se as
cortiços baldes de água, limões de cheiro, ovos, tangeri- camadas populares da cidade, afastando-as do Centro.
nas, luvas de areia, além de golpearem-se com vassou- Tal fato pode ser compreendido como um processo de
ras e colheres de pau e sujarem-se com farinha e gesso. repressão a manifestações populares, pois, o entrudo
A data do atual carnaval se definiu a partir do Entrudo, passa a ser oficialmente proibido no início do século
no entanto, em finais do século XIX a festa passou a XX, quando a elite carioca cria os Bailes de Carnaval
ser malvista, devido a uma nova mentalidade que, se- fechados em hotéis, clubes e até teatros.
Coisa de gente fina da bossa: para participar da brincadeira era preciso ter uma novidade da época: um carro
Brincar carnaval é coisa de rico?!? Só na histó- folia. O Corso nesse período, início do século XX,
ria dos Corsos pode-se dizer que sim. Para participar era o evento mais importante do carnaval carioca du-
Foliã saúda o desfile do Cordão da Bola Preta que arrasta mais de dois milhões pela Avenida Rio Branco o folião precisava ter uma raridade chamada carro, rante os três dias de festa e os grandes centros ur-
geralmente de luxo e aberto, ou ter condições para banos rapidamente aderiram à moda e começaram
O cordão carnavalesco era um tipo de agre- Bola Preta (leia matéria nesta edição) que essen- alugar um nos dias de carnaval. Isso numa época em apresentar os seus nos mesmos moldes da capital.
miação formado por foliões comuns, gente do povo cialmente nunca foi um cordão, mas foi fundado que a cidade tinha bondes puxados a burro. Com in-
que andava em fila brincando carnaval fantasiados e como um bloco. Esse objetivo já demonstra que o fluência direta de cidades da Europa, como Nice no A decadência, segundo historiadores, se deu
mascarados. Foi muito popular entre o final do sécu- movimento estava no caminho da extinção, dife- sul da França, o movimento foi um tipo de agremia- por vários motivos, como: a popularização dos au-
lo XIX e início do século XX, principalmente no Rio rentemente de São Paulo, onde os cordões ainda ção carnavalesca que começou a acontecer no início tomóveis que afastou os foliões das classes média e
de Janeiro, quando em 1902, aproximadamente 200 sobreviveriam até o final da década de 1960, e do século XX, quando as sociedades carnavalescas alta; o surgimento de bailes exclusivos para a elite,
cordões foram licenciados pela polícia, dando início ainda foram diretamente responsáveis pelo sur- do século XIX se organizaram para promover desfiles como o do Teatro Municipal; e outros, como a di-
à Era dos Cordões na cidade do Rio. Um dos nomes gimento de grandes escolas de samba da capital, em automóveis enfeitados, geralmente, com foliões minuição da fabricação de carros abertos ou con-
mais conhecidos que surgiu em 1918 foi o Cordão da como Vai-Vai e Camisa Verde e Branco. fantasiados pelas ruas da cidade durante o carnaval. versíveis com capotas de lona. Algumas cidades bra-
sileiras ainda revivem o Corso, como uma maneira
Embora o desfile de corso já existisse, mesmo de homenagear o movimento, e Teresina, no Piauí,
antes do surgimento dos carros, em cidades como que realiza o desfile há vários anos, entrou no livro
Recife e Olinda, composto por carros puxados à Guiness Book em 2012, com o maior desfile de car-
cavalos (carruagens leves de duas rodas, charretes ros abertos do mundo.
etc.) foi no Rio de Janeiro, com o ad-
vento dos automóveis, que ele ganhou
enorme dimensão até os anos 1940,
quando foi desaparecendo. E uma das
importantes características do Corso
para a época, foi que as mulheres con-
sideradas honestas, que antes assistiam
a folia de longe, das sacadas de suas
casas, agora podiam participar, por-
que dentro dos carros estavam pro-
tegidas do contato com os foliões das
ruas. E a brincadeira de jogar confetes,
serpentinas e esguichar lança-perfu-
me nos ocupantes dos outros carros
também faziam parte do desfile e da
Após a era dos cordões do Rio, as agremiações permaneceram populares em São Paulo até fim da década de 1960
Legado - Cadernos de Leitura 12 13
Ranchos Marchinhas
Em fins do século XIX, o carnaval cario- Letras pequenas e simples; Compassos biná- ência da música comercial americana da era das ja-
ca começa a ganhar características mais parecidas rios; Sentido ambíguo; Humor; Melodia simples; Crí- zz-bands, a partir da segunda década do século XX,
com o que se vê nos atuais desfiles das Escolas de tica social e política; Ironia e escracho; são algumas quando passaram a ter o seu andamento acelerado, e
Samba. O Rancho tinha como característica o for- características que quando juntas formam o “corpo tiveram o seu auge nos anos 1930, 1940 e 1950. Foi só
mato de cortejo com a presença de reis e rainhas Wikimedia Commons e alma” das tradicionais marchinhas de carnaval, rit- a partir da década de 1960 que começaram a perder
caracterizados ao som da chamada mar- mo que embala os foliões brasileiros desde a déca- espaço para os sambas-enredo das escolas de samba.
cha-rancho que possuía uma cadência mais da de 1920. Só que
pausada que o samba, sendo acompanha- elas chegaram mais As marchinhas
da por instrumentos de sopro e corda cedo no Brasil. Inicial- ainda são lembradas
mente mais lentas, as nos carnavais atuais,
O pernambucano Hilário Jovino marchas populares e algumas cidades do
Ferreira, cria no Rio de Janeiro o “Reis de portuguesas faziam Brasil, ainda mantém
Ouro”, conhecido como o primeiro ran- grande sucesso por como tradição du-
cho carnavalesco da cidade. Essa novidade aqui. Mas, em 1899, a rante os dias de folia
introduziria elementos que se tornariam, maestrina e composi- o seu cantar, como
além de tradicionais, elementares para as tora brasileira Chiqui- nos casos de São
futuras agremiações carnavalescas, as Es- nha Gonzaga, compôs Luís do Paraitinga-SP
colas de Samba. Como o enredo, que de- por encomenda para o e Tiradentes-MG.
pois se tornaria o samba enredo, e o casal cordão Rosa de Ouro, No Rio de Janeiro, o
de mestre sala e porta bandeira foram con- do bairro do Andaraí, famoso carnaval de
tribuição direta dos ranchos carnavalescos, na zona Norte do Rio rua, que conta com
pois o “Reis de Ouro” abriria as portas de Janeiro, a marcha- mais de 400 blocos,
para uma tradição que duraria até a pri- -rancho “ô Abre Alas”, também mantém a
meira metade do século XX. Os ranchos considerada até hoje tradição de conta-
influenciariam também movimentos negros a primeira marchinha giar seus foliões com
de origem africana como os cucumbis, tais tipicamente brasileira. marchinhas antigas
fatos teriam início nas regiões do Rio co- Ela serviu também de revitalizadas e novas
nhecidas como Prainha e Pedra do Sal. Um inspiração para outros composições de cada
fato interessante dos Ranchos é que mes- autores brasileiros que bloco. Existe até um
mo sendo conhecidos como carnavalescos, começaram a criar as concurso nacional
eles desfilavam somente em Dia de Reis. suas próprias marchi- de marchinhas que é
nhas, fazendo do rit- considerado o mais
No início do século XX, os Ranchos passam a mo a cara do nosso tradicional do Brasil,
desfilar no carnaval, tornando-se a grande atração, carnaval. Elas também idealizado pela Fun-
principalmente com o desfilo do Rancho Ameno Re- sofreram grande influ- dição Progresso.
sedá que tinha por característica o formato de uma
grande brincadeira carnavalesca, caracterizadas como
verdadeiras óperas populares, dando um aspecto de
teatro ao ar livre. A popularidade dos ranchos foi tan-
ta que em 1894 o “Reis de Ouro” foi recebido no
Ô ABRE ALAS
Itamaraty pelo então presidente o Marechal Floria- Lançada em 1899 por Chiquinha Gonzaga, é considerada a primeira Marchinha da história do Brasil
no Peixoto e em 1911 o Ameno Resedá seria rece-
Peço licença pra poder desabafar Eu não quero a rosa
bido no Palácio Guanabara pelo Marechal Hermes
A jardineira abandonou o meu jardim Porque não há rosa que não tenha espinhos
da Fonseca. No entanto tais fatos fariam com que os
Só porque a rosa resolveu gostar de mim Prefiro a jardineira carinhosa
ranchos se identificassem mais com a classe média e
A jardineira abandonou o meu jardim A flor cheirosa
manteriam sua influência até meados do século, dan-
Só porque a rosa resolveu gostar de mim E os seus carinhos
do lugar as já proeminentes agremiações conhecidas
Ô abre alas que eu quero passar Ô abre alas que eu quero passar
como escolas de samba.
Peço licença pra poder desabafar Peço licença pra poder desabafar
A jardineira abandonou o meu jardim A jardineira abandonou o meu jardim
Só porque a rosa resolveu gostar de mim Só porque a rosa resolveu gostar de mim
A jardineira abandonou o meu jardim A jardineira abandonou o meu jardim
No alto, casal de mestre-sala e porta-bandeira, novidade introduzida pelos Só porque a rosa resolveu gostar de mim Só porque a rosa resolveu gostar de mim
ranchos. Abaixo o pioneiro Hilário Jovino Ferreira
Legado - Cadernos de Leitura 14 15
Clóvis
Bate- bolas, Clóvis, ou até mesmo Clowns
podem ser os nomes para designar um tradicional
personagem do carnaval carioca, em especial dos
variam a promoção de concorridos concursos de
turmas de bate-bolas, em meados dos anos 80.
A identificação dos bate-bolas com o subúr-
FOI NO CARNAVAL
subúrbios, Baixada Fluminense e Zona Oeste da ci-
dade do Rio, sendo mais uma adaptação de uma fi-
gura de origem europeia ao nosso carnaval. Segundo
bio do Rio se dá pelo fato de historicamente essas
regiões possuírem no começo do século XX vários
matadouros de bois e porcos, pois a bola era feita
QUE PASSOU
a pesquisadora Aline Gualda Pereira, a vestimen- de bexigas destes animais, principalmente na chama- Em 1919 folia mudou os costumes e ainda viu nascer o Cordão da Bola Preta
ta dos Clóvis, como eram chamados em referência da área rural da cidade. Santa Cruz, na Zona Oeste, Fotos:Wikimedia Commons
a clown (palhaço em inglês e alemão) , remetem a foi o grande fornecedor de bexigas para os bate-bo-
fantasias europeias de origem celta. No Brasil seriam las, onde segundo estudiosos do Centro de Refe-
adaptados ao carnaval com máscaras de palhaço e rência do Carnaval do Instituto de Artes da UERJ,
temas assustadores como caveiras e monstros, pois, onde de fato teria começado a ganhar popularidade.
a brincadeira principal sempre foi assustar crianças, Importante ressaltar, além de toda a rique-
principalmente ao bater com força a bola ao chão. za cultural e folclórica que envolve o personagem
Historicamente estes personagens fazem par- bate-bolas/Clóvis, em sua identificação e forma de
te do carnaval carioca desde o começo do século se expressar do subúrbio do Rio, os bate-bolas fo-
XX até meados dos anos 1990, tendo seu apogeu ram usados como forma de protesto. No começo
entre os anos de 1960 a 1980, quando grandes tur- do século XX, escravos libertos vestiam a fantasia e
mas se organizavam, com fantasias elaboradas e batiam as bexigas no chão como forma de protestar
luxuosas, onde se reuniam grupos de mais de cem por injustas perseguições por parte da polícia à épo-
componentes todos vestidos impecavelmente iguais, ca. Em 2012 a Prefeitura do Rio de Janeiro, declarou
desfilando pelas ruas em fila e chamando a atenção os Clovis/Bate-bolas, Patrimônio Cultural Carioca
ao baterem as bolas (bexigas) ao chão, tais fatos le- de Natureza Imaterial.
Divulgação
Por Gabriela Figueiredo e Joeane Ladislau co, mas recebeu esse nome porque a imprensa da Espa-
Muito mais mortal do que a disseminação da nha foi a primeira a noticiá-la. Passados quase dois anos
Covid 19, no século passado uma pandemia do vírus “toureando” o coronavirus, qualquer um hoje pode
influenza infectou cerca de 500 milhões de pessoas imaginar o sentimento de medo e apreensão que correu
em todo o mundo, matando 50 milhões delas – o o mundo entre janeiro e dezembro de 1918, período
que representou um quarto da população mundial da que coincidiu com o fim da Primeira Guerra Mundial.
época. Conhecida como a Gripe de 1918, ou Gripe Tão rápido quanto surgiu, a epidemia desapareceu.
Dupla de bate-bolas, ou clóvis, brinca durante o carnaval pelo Centro da cidade Espanhola, curiosamente não teve origem no país ibéri- E após meses de distanciamentos e isolamento,
Posteriormente,
com a renúncia do pre-
sidente Jânio Quadros,
em 1961, Brizola, com
a campanha da legalida-
de, a partir do governo
do Rio Grande do Sul,
Brizola, carregando uma metralhadora, comanda a resistência pela posse de Jango na Presidência
afirmou a sua lideran-
ça, a sua capacidade de que Brizola seria eleito presidente da república em
mobilizar o povo brasileiro, bem como o destemor 1965 foi a gota d’água, na medida em que sinalizava
com que desafiou as forças golpistas, aliadas, como a continuidade do Projeto Nacional de Desenvolvi-
sempre, aos Estados Unidos da América do Norte. mento, fincado na soberania e nos direitos dos tra-
Garantida a posse do presidente João Goulart, embora balhadores, única forma para alcançar a justiça social.
com a derivação para o parlamentarismo, Brizola veio Ainda houve a tentativa de tornar Brizola inelegível
para o Rio de Janeiro, sendo eleito deputado federal, pelo fato de ser ele casado com a irmã do presi-
em 1962, com estrondosa votação, que garantiu e deu dente João Goulart, dona Neuza Goulart Brizola. O
a mais cabal prova da sua liderança e prestígio popular. slogan “Cunhado não é parente, Brizola Presiden-
te” era proclamado nas ruas pelo povo trabalhador.
A vitória do presidencialismo sobre o parlamen- Veio, em 1964, o golpe militar/empresarial, comprova-
tarismo no plebiscito de 1963, conferiu ao presidente damente patrocinado pelos Estados Unidos, jogando o
Leonel Brizola teve uma trajetória de vida dimento de que só o controle estatal dos setores João Goulart todos os poderes necessários à imple- Brasil na mais inominável ditadura, que ceifou todas as
e de luta marcada por compromissos explícitos estratégicos da economia seria capaz de alavancar o mentação das reformas de base pelas quais até hoje liberdades públicas e individuais, impondo, pelo terro-
que são testemunhados por suas ações concretas. desenvolvimento brasileiro, se distanciando da explo- o povo brasileiro espera, sendo importante citar pelo rismo de Estado, tantos sacrifícios e sofrimentos, como
O compromisso com a educação, com as crianças e jo- ração inaceitável. Quando falava das perdas interna- menos duas: a reforma educacional, tendo como meta banimentos, exílios, prisões, torturas e assassinatos.
vens, e com a soberania nacional, base do seu projeto cionais, muitos riam, se fazendo de desentendidos. imediata a erradicação do analfabetismo através do Mas a luta do povo brasileiro contra a ditadura foi
para o Brasil, fizeram de Brizola o herdeiro mais legítimo Assim, com desassombro encampou a empresa de co- método desenvolvido pelo professor Paulo Freire para alcançando lentamente poucos êxitos, até que algu-
da era Vargas e das reformas de base de João Goulart. municação (telefonia) e a de energia elétrica, deposi- o Plano Nacional de Alfabetização; e a reforma agrá- mas liberdades democráticas fossem reconquistadas,
tando quantia simbólica para configurar o pagamento. ria, enfrentando os latifundiários e, simultaneamente, fazendo com que, depois de anos de exílio, muitos
Não por acaso, como prefeito de Porto Ale- buscando a segurança alimentar, de modo a eliminar brasileiros, inclusive Brizola, retornassem ao Brasil.
gre e governador do Rio Grande do Sul, construiu O suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, cuja obra uma chaga nacional, a fome, até hoje não superada.
e viabilizou mais de seis mil escolas, além da re- até hoje não foi totalmente destruída, fez com que João Goulart ainda procurou dar passos largos na A pequena abertura política, no início da déca-
forma agrária, um dos pontos altos do seu go- Brizola assimilasse a visão da capacidade do imperia- busca da soberania nacional, avançando para ampliar da de 80, com a reformulação partidária e a garan-
verno. (década de 50 e início da década de 60) lismo internacional no sentido de impedir que países o controle estatal dos setores mais estratégicos da tia de eleições diretas para governador em 82, fez
A consciência que tinha do papel da educação e como o Brasil caminhasse na trilha da independência. economia, seguindo os passos de Getúlio Vargas. com que Leonel Brizola experimentasse outro revés.
da atenção devida às crianças está registrada na A carta testamento de Vargas estava gra- A ditadura não permitiu a Brizola a refundação do seu
frase que deixou para a posteridade: “Oportuni- vada na consciência e na alma de Brizola. O governo João Goulart representou a amea- Partido Trabalhista Brasileiro, o partido de Vargas e de
dade para todos, privilégio só para as crianças”. Com o seu suicídio, Vargas pelo menos garantiu a ça aos vendilhões da pátria e aos traidores do povo Jango, entregando a legenda à submissa Ivete Vargas.
Ao governar o Rio Grande do Sul, teve a coragem continuidade democrática da Constituição de 1946, brasileiro, servis como sempre ao domínio dos Es-
de encampar duas multinacionais, a partir do enten- sendo eleito presidente da república em 1955 Jus- tados Unidos da América do Norte. A certeza de O sofrimento de Brizola está registra-
Paz e Amor! Calma. Aqui não vai mais uma re- Nilo Peçanha nasceu em 10 de outubro de 1867
visão bobinha das mais famosas obras de Monteiro em um sítio paupérrimo no hoje distrito do Morro do
Lobato, como muitas das que já foram feitas. Mas, Coco, em Campos dos Goytacazes. Era filho de um
sim, da história do primeiro presidente negro do Bra- padeiro, Sebastião de Souza Peçanha, mais conheci-
sil: Nilo Procópio Peçanha, ou apenas, Nilo Peçanha. do como Sebastião da Padaria, que cedo percebeu
Isso mesmo. O Brasil já teve um presidente negro. Há a inteligência do filho e o incentivou o quanto pôde
quem diga que ele não era exatamente negro, mas um nos estudos. Nilo dizia que foi criado a base de pão
mulato beeeeem mulato. E ao longo de toda sua vida a dormido e paçoca. Mas era esforçado. Tanto que aca-
questão racial foi usada contra ele pela imprensa e ad- bou entrando para a prestigiada Faculdade de Direi-
versários políticos. Porém, basta olhar as fotografias de to da Universidade de São Paulo, berço de inúmeros
época, muitas delas retocadas para embranquecê-lo, políticos brasileiros, mas curiosamente preferiu ter-
que não resta dúvida: apenas 20 anos após a Abolição minar os estudos na Faculdade de Recife, outro his-
da Escravatura, Nilo foi o primeiro e até hoje único tórico polo de ebulição política na história brasileira.
presidente negro da História do Brasil. Mas, apesar
de todas as marcas, uma vida pontuada pelo enfrenta- Em 1895, aos 28 anos, foi protagonista de um
mento a todo o tipo de preconceitos raciais e econô- escândalo digno de capa de revista de celebridades.
micos, ao assumir o cargo máximo da Nação, fez um O “mulato do Morro do Coco”, como era tratado
discurso, no mínimo, 50 anos à frente de seu tempo: pela elite de sua cidade, casou-se com Anita, ou me- Um escândalo na alta sociedade: o casamento da aristocrática Anita de Castro Soares com o jovem “mulato do Morro do Coco”
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também mineiro. A trama, porém, foi descoberta e de Nilo Peçanha na Presidência do Brasil pode sim ser
sofreu fortíssima reação do então ministro da Guerra, considerado positivo. Foi em seu governo que surgiu
Hermes da Fonseca, sobrinho do Marechal Deodo- o Ministério da Agricultura e o Serviço de Proteção
ro da Fonseca, que aplicou o ao Índio, precursor da atu-
Golpe Militar Republicano, e, al Funai, que foi comanda-
pior ainda, do famoso sena- do por um de seus amigos
dor Pinheiro Machado, uma mais íntimos, o futuro ma-
das águias mais astutas do co- rechal Cândido Mariano
meço da República Brasileira Rondon. Ele também criou
– é dele a memorável frase, os primeiros impostos so-
ao se deparar com uma ma- bre territórios e fundou
nifestação contra ele na saída as primeiras Escolas de
do Senado, orientando a seu Aprendizes e Artífices, que
cocheiro que dirigisse: “nem dariam origem aos atuais
tão devagar que pareça afron- Centros Educacionais de
ta, nem tão depressa que pa- Educação Tecnológica, ou
reça medo”. A imprensa da simplesmente CEFETs. “O
época, entretanto, especu- Brasil atual saiu das acade-
lou que, na verdade, a mor- mias. O Brasil do futuro
te de Afonso Pena, além da sairá das oficinas”, dizia.
crise sucessória, teria como Por este ato, é considera- Ruy Barbosa, Pinheiro Machado e Hermes da Fonseca: adversários políticos de Nilo Peçanha
causa uma imensa depres- do Patrono da Educação
são provocada pela morte de Profissional e Tecnológica bol, usou-o como paradigma do mulato
Álvaro, seu filho mais velho. no Brasil, através da Lei que vence usando a malícia e esconden-
12.417/2011, que oficiali- do o jogo mencionando que “o nosso
Nilo assumiu um país zou a homenagem em 2011. estilo de jogar (…) exprime o mesmo
rachado. Mas já havia se tor- mulatismo de que Nilo Peçanha foi até
nado uma raposa felpuda da A questão racial, hoje a melhor afirmação na arte política”.
Afonso Pena: o presidente que morreu de desgosto
política. Foi o primeiro presi- entretanto, sempre des-
dente popular e populista do Brasil. Ao mesmo tem- pertou controvérsias. Para o historiador e membro Ao fim do mandato, Nilo Peçanha
po em que apreciava conversar com as pessoas nos da Academia Brasileira de Letras, Alberto da Costa apaziguara o Brasil, mas surpreendeu ao
cafés e bares da capital e gostava de circular pelas e Silva, Nilo Peçanha foi um dos quatro presidentes trocar de partido e apoiar o militar Her-
lojas mais chiques do Centro brasileiros que esconde- mes da Fonseca contra o intelectual Ruy
da cidade, atacou fortemen- ram os seus ancestrais Barbosa na sucessão presidencial. Anos
te seus adversários e coman- africanos, assim como depois, em 1914, foi eleito novamente
dou com mão de ferro um Campos Sales, Rodrigues Presidente do Rio de Janeiro. Anita e Nilo
país tumultuado. Ele criou o Alves e até mesmo o tiveram quatro filhos: Íris, Nilo, Zulma e
primeiro movimento perso- aristocrático Washington Mário Nilo, mas todos morreram logo
nalista da história do Brasil, o Luís e seu cavanhaque após o nascimento. Afastado da política,
Nilismo. Não, não estamos de romance francês. O Nilo morreu em 1924 com apenas 56
falando de Niilismo, a cor- professor e ex-senador anos de idade. Como prova maior de que
rente filosófica cuja principal Abdias Nascimento, já fa- o político sem sorte nasceu morto, du-
característica é uma visão lecido, também afirmava rante uma das festas de comemoração da
cética radical e, sobretudo, que, apesar de sua “tez posse de seu sucessor, Hermes da Fon-
pessimista em relação às in- escura”, Nilo Peçanha es- seca, chegou a notícia que um marinhei-
terpretações da realidade. condeu ao máximo suas ro chamado João Cândido, à frente de
É Nilismo mesmo. De Nilo. origens africanas e que dois mil marujos, tomara posse dos mais
Papo reto. Assim passaram seus descendentes e famí- poderosos navios de guerra do Brasil e
a se autodenominar seus lia sempre negaram que apontara os canhões na direção à capital
seguidores, que afrontavam Marechal Cândido Rondon, grande amigo de Nilo ele fosse mulato. Mas não ameaçando bombardeá-la caso não fos-
e muitas vezes enfrentavam seus inimigos políticos. era este o retrato que a imprensa fazia em charges sem extintos os castigos físicos na Mari-
e anedotas referentes à cor de sua pele. Certa vez, nha. Era o começo da Revolta da Chibata.
Mas, apesar dos pesares, o saldo dos 17 meses o sociólogo Gilberto Freyre, escrevendo sobre fute-
Paz e amor, bicho! As fotos oficiais de Nilo Peçanha tinham a intenção de embranquecê-lo
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FOLIAS DE REIS:
CONVITE A PAZ E DIVERSIDADE
SE A VIDA É URGENTE,
PRODUZIR CULTURA É
MAIS URGENTE AINDA
Foto:Roger Hitz
Um ano de foco na criação de conteúdo: as quatro edições do “Caderno de Leitura ALERJ, distribuídas a todos os deputados e principais autoridades do estado
O ator Deo Garcez interpreta o abolicionista Luiz Gama nas escadarias do Palácio Tiradentes. Abaixo público acompanha a encenação
A ação é um registro documental da memória parte das celebrações pelo Bicentenário da Inde-
histórica e contemporânea de criadores da Músi- pendência. Na sequência, lançamos a terceira edi-
ca Popular Brasileira, e contou com a participação ção do “Caderno de Leitura Legado ALERJ”, com
de renomados artistas do cenário musical nacional. foco na produção cultural brasileira mais popular.
Dentre os nomes que compõem a primeira tempo-
rada da série já gra-
vada destacam-se o
casal Francis e Olivia
Hime, Zeca Baleiro,
Sandra Sá, Xangai,
Moacyr Franco, Ge- Para celebrar os 95 anos da antiga sede da ALERJ foi organizada a exposição virtual “Meu Palácio Tiradentes”
raldo Azevedo, João coma participação dos fotógrafos da Assessoria de Comunicação da casa
Donato, Joanna, a
dupla gaúcha Klei-
ton e Kledir, Geral- Sentindo, e muito, a falta de contato com o com o Consulado-Geral da Itália no Rio de Janeiro,
do Azevedo, Toni- público, em agosto, com o início do relaxamento de produzimos a exposição “Dante...Vale”, que consiste
nho Horta, Wagner algumas restrições da crise sanitária, realizamos a na reprodução de 17 esboços originais criados para
Tiso, Carlos Dafé, apresentação da peça teatral “Luiz Gama – uma voz carros alegóricos que desfilaram em diferentes anos
entre outros. pela liberdade”. Concebido e organizado pelo man- no carnaval de Viareggio, cidade da região da Toscana,
dato da deputada Renata Souza (PSOL), em parceria onde a festa popular tem 148 anos de tradição. As
Os programas com a Subdiretoria Geral de Cultura, a encenação te- artes satirizam “A Divina Comédia”, uma das obras li-
serão exibidos na atral foi montada nas escadarias do Palácio Tiradentes terárias mais famosas do mundo, e estava inserida nas
TV ALERJ ao longo com o objetivo de celebrar os 139 anos da morte de homenagens ao poeta italiano Dante Alighieri, morto
do primeiro semes- Luiz Gama, o principal líder abolicionista brasileiro. há 700 anos.
tre de 2022, como
Em outubro, numa inédita parceria da ALERJ Desde sua abertura, em 19 de outubro, a mostra
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Divulgação/ANTP
foi vista por cerca de três mil pessoas. O sucesso levou E uma de nossas menina dos olhos, o projeto
à prorrogação da exposição até o dia 26 de fevereiro.
“Caminhos do Brasil-Memória”, despertou atenção
Outubro foi ainda o mês de lançamento da quarta edi-
do secretário municipal de Planejamento Urbano,
ção do “Caderno de Leitura Legado ALERJ”, desta Washington Fajardo, que, a nosso convite, visitou o
vez com destaque para a campanha Outubro Rosa. Palácio Tiradentes. No encontro, o secretário deu
detalhes do projeto “Reviver Centro” e foram inicia-
Nos meses de novembro e dezembro, mais das tratativas para que os “Caminhos” se integrem
ações em parceria com a Fundação Anita Mantu- às iniciativas para a retomada do crescimento eco-
ano de Artes do Estado do Rio de Janeiro (FU- nômico, social e cultural do Centro da cidade.
NARJ) foram realizadas, já em caráter presencial,
graças ao relaxamento das medidas sanitárias Paralelamente, com a transferência das ativi-
contra a pandemia. Dentre elas, o projeto “Viva dades legislativas para o Edifício Lúcio Costa, pude-
o Compositor Brasileiro”, que reuniu Ivan Lins, mos acelerar o projeto do novo equipamento cul-
Wagner Tiso e a dupla Kleiton e Kledir, para a tural da cidade: a “Casa da Democracia”. Além da
apresentação de oito espetáculos – quatro deles realização de um novo inventário de todo o mobili-
no Teatro Armando Gonzaga, em Marechal Her- ário e do levantamento documental, iconográfico e
mes, e outros quatro no Teatro Arthur Azevedo, histórico das obras de arte e dos espaços originais
em Campo Grande. do Palácio Tiradentes, demos o pontapé inicial para
a realização do projeto Oficina-Escola de Restauro e
Em dezembro, também em parceria com a Conservação.
FUNARJ, o projeto “Primavera do Forró” cele-
brou o aniversário do “Rei do Baião” Luiz Gonza- Portanto, parafraseando o saudoso Alcione
ga, com duas apresentações, já com plateia, da Or- Araújo, em seu livro de crônicas “Urgente é a Vida”,
questra Sanfônica e do Grupo Pimenta do Reino no se “urgente é a vida”, produzir, cultura, arte, leitura
Teatro João Caetano, nos dias 7 e 8 de dezembro. se faz mais urgente ainda. Vamos que vamos!
O 441, que levou passageiros pelo Catumbi e Ilha do Governador, hoje circula em Middletown, na Pensilvânia
Tudo o que você queria saber sobre a adaptação do Palácio Tiradentes como o mais novo equipamento cultural do Rio de Janeiro
Comunicação Social/ ALERJ
Tarcisio Meira Paulo José Orlando Drummond Gilberto Braga Luis Gustavo
ator ator, roteirista e diretor ator, dublador e radialista escritor e autor de telenovelas ator
05/10/1935 - 12/08/2021 20/03/1937 - 11/08/2021 18/10/1919 - 27/07/2021 01/11/1945 - 26/10/2021 02/02/1934 - 19/09/2021
Com extensa pesquisa documental e iconográ- Mas para cumprir sua nova função de espaço
fica, já está praticamente encerrada a primeira eta- cultural, o Palácio Tiradentes precisará reformular
pa dos trabalhos que adaptarão o Palácio Tiradentes suas diretrizes de conservação e manutenção. Por-
como mais novo equipamento cultural do estado. tanto, buscando aperfeiçoar o trabalho já realizado
Foram catalogados e registrados mais de 700 itens pelas equipes de limpeza e conservação, a subdire-
de mobiliário, além de lustres e esculturas. Um dado toria Geral de Cultura, através da Superintendência
curioso foi a constatação da relevante quantidade de da curadoria do Palácio Tiradentes, realizará uma
escultores de renome entre as mais diferentes ten- série de Oficinas de capacitação. As primeiras tur-
dências estéticas da década de 1920 que trabalharam mas serão para os ofícios de mobiliário e metais e
no palácio. Foram identificados nada menos que 11 contarão com a participação dos servidores da ALERJ Francisco Weffort Contardo Calligaris Elza Soares Marilia Mendonça Sérgio Mamberti
artistas, oriundos da antiga Escola Nacional de Belas que atuam na área. Nas oficinas os alunos executa- ex-ministro da Cultura ecritor, psicanalista e dramaturgo cantora e compositora cantora e compositora ator, diretor e politico
Artes e do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. 02/06/1948 - 30/03/2021 02/06/1948 - 30/03/2021 23/06/1937 - 20/01/2022 22/07/1995 - 05/11/2021 22/04/1939 - 03/09/2021
rão atividades práticas de conservação orientados
por mestres artífices especialistas nesses ofícios.
Foram realizadas também 12 prospecções para
identificar qual a cor original, após anos e anos de re- As oficinas serão sempre focadas nos materiais
formas e demãos de tinta. De acordo com a pesquisa e sistemas construtivos existentes no Palácio Tiraden-
e os registros de época, o tom original não era o cre- tes, de modo que as competências desenvolvidas nos
me de hoje em dia, mas um cinza mais claro. Foi man- alunos tenham aplicabilidade imediata na melhorai da
tido todo o mobiliário considerado original do Palácio manutenção do edifício. Também serão realizadas pa-
Tiradentes. Depois de uma limpeza geral no edifício, lestras sobre educação patrimonial, abordando temas
começa uma nova etapa pelo Salão Nobre, que terá como a importância histórica do Palácio, patrimônio
suas estátuas reformadas e ganhará novas cortinas cultural, importância da preservação de bens tomba-
em veludo. Dois sofás redondos verdes, que ficavam dos entre outros. As oficinas são o primeiro passo Nelson Freire Cassiano Artur Xexeo Paulo Gustavo Eva Wilma
no Salão Getúlio Vargas, foram localizados em um para a criação da futura Oficina de Restauração, que pianista cantor e compositor jornalista e dramaturgo ator, humorista, roteirista e diretor atriz e bailarina
depósito da ALERJ em Benfica e, estão sendo ava- atenderá não só ao Palácio Tiradentes, como outros 18/10/1945 - 01/11/2021 16/09/1943 - 07/05/2021 05/11/ 1951 - 27/06/2021 30/10/1978 - 04/05/2021 14/12/1933 - 15/05/2021
liados para verificar a possibilidade de recuperação. edifícios de significativo valor histórico do estado.