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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

RAYANE MINÉIA VENCESLAU FERREIRA

DO MITO PARA OS QUADRINHOS: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE


ADAPTAÇÃO EM THE SANDMAN – A CANÇÃO DE ORFEU

RECIFE
2014
RAYANE MINÉIA VENCESLAU FERREIRA

DO MITO PARA OS QUADRINHOS: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE


ADAPTAÇÃO EM THE SANDMAN – A CANÇÃO DE ORFEU

Trabalho de Conclusão de curso


apresentado à disciplina TCC II
como requisito parcial à conclusão
do curso de Licenciatura em Letras
da Universidade Federal de
Pernambuco.

Orientador: Prof. Dr. José Alexandre


Ferreira Maia.

RECIFE
2014
TERMO DE APROVAÇÃO

RAYANE MINÉIA VENCESLAU FERREIRA

DO MITO PARA OS QUADRINHOS: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE


ADAPTAÇÃO EM THE SANDMAN – A CANÇÃO DE ORFEU

Trabalho de conclusão de curso aprovado como requisito parcial para a


obtenção do grau de Licenciado no curso de Letras da Universidade Federal de
Pernambuco pela seguinte banca examinadora:

Banca examinadora

Prof.Dr. José Alexandre Ferreira Maia (orientador)

Prof.Dr. André de Sena Wanderley

Recife, 15 de Agosto de 2014.


“Palavras são, na minha nem tão
humilde opinião, nossa inesgotável
fonte de magia.”
J. K. Rowling
AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus, Arquiteto da minha existência, a


quem devo a elaborada cadeia de acontecimentos que me trouxe até aqui. Por
Ele ter me mostrado o caminho certo e ter me feito encontrar o meu dom, o
meu propósito e a minha força.
À minha mãe, que indo além do que a palavra “mãe” conota, exerceu
papel fundamental na construção dos meus valores e da minha personalidade,
dando o exemplo máximo de força e dedicação.
Agradeço a toda minha família, inclusive aqueles que já se foram. Avó,
tios e tias, primos e primas, e madrinha Ângela pelo afeto e suporte
incondicional durante estes quatro anos e meio de lutas e sucessos. Agradeço
especialmente aos meus irmãos Ismarck, Gabriel e Mikaele: obrigado pelas
novas percepções da palavra Amor.
Aos meus amigos que entenderam minha ausência e festejaram minha
presença, em especial a aqueles de mais de uma década de amizade, Jéssica,
Marcos, Rosa e Thamiris. Vocês provaram que a amizade verdadeira resiste a
qualquer distância.
Aos moradores e aos sempre queridos convidados da República Inês
Brasil, Ana, Alice, André, Josicleide, e Sinzinando, que foram a alegria e o
suporte dos meus dias independentes. Muito obrigado pelos momentos de
deleite inesquecíveis, sem vocês tudo seria mais difícil.
Às minhas revisoras, que me incentivaram a continuar, mesmo no meio
das tempestades, Clarissa e Claudiana. Obrigada às amigas Mariana e
Niedjha, também discípulas de Jack Bauer, que uniram suas forças às minhas
nas nossas missões impossíveis de 24 horas.
Dedico especialmente este trabalho à Fernanda e ao William que
trouxeram a inspiração primeira para o tema deste trabalho, e por terem me
mostrado que nossas histórias favoritas são muito mais do que fantasia.
Agradeço a meu orientador, Alexandre Maia, por ter acreditado neste
projeto desde o início, me incentivando sempre a prosseguir e me aprofundar
no assunto que tanto me fascina.
Finalmente agradeço a J.R.R. Tolkien, C.S. Lewis e a J.K. Rowling, que
inspiraram minha paixão pelas palavras, “nossa inesgotável fonte de magia”.
RESUMO

O presente trabalho busca compreender e identificar o processo de


adaptação do mito de Orfeu e Eurídice, originalmente cantado pelo poeta
Ovídio, para a história em quadrinhos The Sandman - A Canção de Orfeu, de
Neil Gaiman, fazendo uso da teoria da adaptação proposta por Linda
Hutcheon. Além disso, será feita uma análise da estrutura da narrativa que dá
alicerce à história em quadrinhos. Por último, será problematizado o papel das
adaptações de obras literárias canônicas na sala de aula e sua contribuição
para a formação de leitores.

Palavras-chave: adaptação, narrativa, histórias em quadrinhos, quadrinização.

ABSTRACT

The present study pursues to understand and identify the process of adaptation
of the myth of Orpheus and Eurydice, originally sung by the poet Ovid, to the
comic book The Sandman - The Song of Orpheus, by Neil Gaiman, by making
use of the theory of adaptation tabled by Linda Hutcheon. Furthermore, an
analysis of the narrative structure that gives foundation to the comic book will be
made. Finally, the role of adaptations of canonical literary works in the
classroom and their contribution to the formation of readers will be questioned.

Keywords: adaptation, narrative, comic, cartoonization.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Morfeu ou Oneiros da HQ The Sandman.......................................................21


Figura 2. Os balões de Delírio indicam sua personalidade instável e explosiva,
enquanto os de Sandman revelam seu lado obscuro e soturno...................................25
Figura 3. Os Perpétuos como a família de Orfeu. (da esquerda para a direita) Morte,
Delírio, Destino, Desejo, Desespero e Destruição. Nesta história todos os Perpétuos
ganham nomes gregos e se vestem à moda helênica..................................................27
Figura 3. Orfeu adentra nos domínios de sua tia Tileute..............................................33
Figura 4. Morte muda a aparência de seus domínios...................................................33
Figura 5 – A viagem de Orfeu até a entrada do Inferno de Hades é narrada através de
legendas que agirão como o narrador onisciente.........................................................38
SUMÁRIO

1. Introdução .................................................................................................... 9

1.1 As HQs e a mitologia........................................................................... 11

2. O caráter pedagógico das quadrinizações................................................. 14

3. O projeto Sandman .................................................................................... 19

3.1 Aplicação da teoria da adaptação em “The Sandman – A Canção de


Orfeu”. ........................................................................................................... 22

4. As histórias em quadrinhos e a estrutura da narrativa. .............................. 30

4.1 Analisando os elementos estruturais em “A Canção de Orfeu” ........... 31

5. Conclusões ................................................................................................ 39

6. Referências Bibliográficas ......................................................................... 41


9

1. Introdução

Ao problematizar sobre a influência do mito na sociedade atual, Joseph


Campbell, no livro O Poder do Mito (1990) diz que estamos constantemente a
resignificar a mitologia, associando-a a novos modos de vida.
É inegável a influência exercida pelos mitos greco-romanos nas mais
variadas esferas da sociedade moderna. Podem-se encontrar referências a
eles nas ciências como Antropologia, Psicologia, Semiologia, e em alguns
aspectos da cultura que estão tão integrados ao nosso cotidiano que mal
conseguimos perceber. Ou seja, os mitos são parte importante do nosso
cotidiano e se refletem em nossa cultura. Para entender tamanha influência é
necessário que se conheça e se estabeleça uma definição para mito. Apesar
de muitos teóricos já terem concebido algumas definições, esta tarefa continua
sendo, de fato, muito árdua.
A origem da palavra mito é grega (mÿthos) e pode ser traduzida como
palavra, ação de recitar, de fazer discurso, rumor, anúncio, mensagem,
discurso, uma descrição de algo observado. (CARVALHO JÚNIOR, 2002, p. 8);
(BONEZ, 2009, p. 17).
Campbell (1990, p.6) diz que os mitos são uma forma de busca da
verdade, de sentido, de significação, e de experiência através dos tempos. Ele
acrescenta ainda que os mitos “são pistas para as potencialidades espirituais
da vida humana”.
Brandão (1986, p. 9) afirma que os mitos “delineiam padrões para a
caminhada existencial através da dimensão imaginária”. Segundo ele estes
mitos ensinavam um povo o porquê de sua existência e qual a melhor forma de
conduzir suas vidas através dos “perigos do processo existencial”. Brandão
ainda afirma que o mito “se apresenta como um sistema que tenta, de forma
mais ou menos coerente, explicar o mundo e o homem” e que “expressa o
mundo e a realidade humana”. Para tornar o termo mito ainda mais preciso
Brandão cita Maurice Leenhardt: “O mito é sentido e vivido antes de ser
inteligido e formulado. Mito é a palavra, a imagem, o gesto, que circunscreve o
10

acontecimento no coração do homem, emotivo como uma criança, antes de


fixar-se como narrativa”. (BRANDÃO, 1986, p. 13; 36).
Esses mitos e imagens míticas têm lugar em todas as civilizações,
tratam dos mesmos problemas e têm passado de geração em geração através
dos tempos. Campbell (1990, p. 40) compara os mitos à uma peça que é
levada de um lugar a outro, mudando de roupagem a cada novo lugar, mas
mantendo a mesma essência. Essa onipresença na sociedade talvez seja o
fato que garante a persistência do mito até a atualidade.
Outro fator importante que possibilitou a resistência dos mitos foi a
literatura, pois esta se tornou dos principais meios pelo qual o mito manteve-se
e transfigurou-se. Jean-Claude Carrière apud Bonez (2009, p. 16) afirma que o
mito conservou-se sob a forma original de contos, se tornando assim em uma
narrativa fundadora. Portanto, as principais histórias das mitologias clássicas
que chegaram até nós não foram originalmente concebidas no formato que
conhecemos. A Ilíada e a Odisseia, atribuídas ao poeta Homero, por exemplo,
passaram por um longo processo de adaptação desde os primeiros
cancioneiros nos quais eram intrínsecos à música até chegarem, alguns
séculos depois, à forma escrita. A poesia épica era produzida com tamanha
técnica e repassada de oralmente de forma tão tradicional pelos cantores que
não se fazia necessário tê-los por escrito. Brandão (1986, p.116-117) explica
que “os poemas homéricos resultam, pois, de um longo, mas progressivo
desenvolvimento da poesia oral, em que trabalharam muitas gerações”.
É possível classificar essas narrativas oriundas da tradição oral como
algumas das primeiras adaptações existentes em literatura. Desde esta
primeira transposição do oral para o escrito, os mitos têm sofrido os mais
diversos tipos de adaptação. É possível encontra-los nos mais diversos
idiomas, mídias e gêneros textuais. Por isso a adaptação teve, e continua
tendo, papel vital na sobrevivência do mito na nossa sociedade. É através dela
que foram criadas as mais diversificadas obras, nos mais diferenciados
sistemas de signos.
Ao analisarmos alguns pontos da história da literatura percebe-se que
de tempos em tempos a principal tendência é volta aos modelos e temas
Greco-romanos e que neste processo o uso de adaptações dos mitos é amplo
e alcança cada vez mais leitores. No Classicismo e no Arcadismo, por
11

exemplo, os temas de origem mitológica conseguiram existir nas artes


juntamente com a representação cristã em voga nesses períodos. Um bom
exemplo é a poesia épica do máximo poeta português Luís de Camões.
Primeiramente, em Os Lusíadas tem-se o modelo da poesia épica seguido à
risca: a distribuição em cantos, a interferências dos deuses no enredo do
poema, a invocação às musas. Um ótimo exemplo de imitatio, a “imitação” dos
modelos da Antiguidade.
Já nos dias de hoje, com o advento de novos gêneros textuais e visuais
oriundos da tecnologia, como o cinema e a internet, ficou mais fácil adaptar e
disseminar os mitos para novas mídias, tornando-os ainda abrangentes e
populares devido à agilidade de compartilhamento de informações.
A lista de livros e adaptações cinematográficas de livros que fazem uso
da mitologia em seus enredos e/ou personagens é vasta. Eles fazem um
sucesso estrondoso de público e crítica, e geralmente são encontrados não só
na literatura e no cinemas, mas também em parques temáticos, games e etc. A
série de livros de Percy Jackson, a saga de Harry Potter e a trilogia de O
Senhor dos Anéis, são apenas alguns exemplos de como a presença dos mitos
continua a incitar interesse no grande público.

1.1 As HQs e a mitologia

As histórias em quadrinhos são um dos gêneros que mais bebem nas


fontes das mitologias clássicas. Surgidas no fim do século XVIII, elas
alcançaram nos Estados Unidos um público leitor vasto, e aliando-se ao
cinema as HQs ajudaram na disseminação da cultura americana pelo mundo.
Nelas o arquétipo do herói mitológico foi reconstruído e resignificado resultando
na criação do super-herói: ser com algum tipo de poder fantástico, de moral
inabalável, sempre disposto a ajudar aqueles que se encontram em perigo.
A utilização de ícones mitológicos na construção das adaptações de
mitologia na criação dos super-heróis é muito comum. Tome-se como exemplo
a Mulher Maravilha. Ela é inspirada nas Amazonas, povo guerreiro constituído
apenas por mulheres que descendia diretamente de Ares, o deus da guerra
12

(HACQUARD, 1990, p. 11). Nas HQs da editora americana DC Comics a


guerreira americana foi criada a partir de um pedaço de barro mágico por sua
mãe, Hipólita. Já na mitologia clássica Hipólita é a rainha das Amazonas.
Outro fato importante a ser considerado nesse tipo de adaptação é a
estrutura da narrativa das histórias em quadrinhos que é construída através da
combinação entre imagem e prosa, dos intervalos entre as sequências, dos
balões e das legendas.
A partir dessas reflexões faz-se necessário identificar e compreender
como se dá o processo de adaptação e intertextualidade dessas obras,
visivelmente delimitado aos nossos olhos, porém nem sempre tão obvio aos
leitores tidos como alvo dessas publicações, na construção dos elementos
mitológicos presentes na literatura contemporânea de massa, e sua
transposição para diferentes mídias, suportes e públicos.
O tema escolhido para este trabalho, portanto, recai sobre um estudo
do processo e do produto da adaptação do mito de Orfeu e Eurídice,
originalmente atribuídos aos poetas Virgílio e Ovídio. Entretanto a versão
utilizada por Neil Gaiman para a quadrinização é o Livro X de Metamorfoses,
resultando na história em quadrinhos “A Canção de Orfeu” publicada como
uma edição extra da HQ The Sandman em 1991 pela editora DC Comics. Esta
HQ foi escolhida para análise principalmente por seu conteúdo rico em
referências mitológicas. Por exemplo, o protagonista da série, Sandman, foi
inspirado por muitos mitos diferentes, entre eles os de Morfeu e o de Oneiros
da mitologia clássica e do próprio homem de areia, lenda popular na Europa.
Há uma significativa distância gráfica entre obra de Ovídio e a releitura
de Gaiman, porém há uma profunda proximidade de sentidos. Levando em
consideração o que diz Queluz (2005), é a partir da provocação de um conflito
entre semelhanças e diferenças que se pode construir o reconhecimento do
texto adaptado na adaptação e torna-se possível observar a obra a partir da
intertextualidade, assim “o olhar não se fixa nem na obra nem na releitura,
transita, percebendo as relações de sentido são construídas nas fronteiras”
(QUELUZ, 2005, p. 129).
Segundo a teoria da adaptação de Linda Hutcheon na qual serão
baseadas as análises sobre os processos de adaptação de “A Canção de
Orfeu”, essas inspirações e referências são, na verdade, “recodificações”,
13

“traduções em forma de transposição intersemiótica de um sistema de signos


para o outro”. (HUCTHEON, 2011, p. 40).
À luz desta teoria será verificado qual foi o tipo de engajamento
utilizado para contar e mostrar a história de Orfeu e chegar ao produto final da
HQ.
Também serão destacados quais foram os elementos somados e/ou
subtraídos à narrativa para a construção de sentido da obra adaptada.
Após a análise do processo de adaptação, será feita a análise das
estruturas narratológicas de “A Canção de Orfeu”, segundo a análise estrutural
da narrativa desenvolvida por Rolland Barthes.
Apesar da complexidade e popularidade desse gênero textual, muitos
ainda relutam em acreditar que as HQs possam contribuir para o
desenvolvimento de atividades de leitura e literatura na sala de aula, e por este
motivo os quadrinhos foram, durante muito tempo, ignorados no âmbito
escolar.
No entanto, esta situação está mudando: os HQs já foram sugeridos
nos Parâmetros Curriculares Nacionais para língua portuguesa, publicados nos
fim dos anos 2000. Por isso torna-se necessário, diante da situação atual do
nível de leitura dos alunos brasileiros, a didatização e a adequação desse
gênero ao processo de aprendizado.
Utilizar-se de gêneros populares, neste caso específico da HQ, para
que os mitos em suas fontes originais cheguem de forma clara e crítica às
mãos dos alunos é uma ótima estratégia de ensino, uma vez que este gênero é
mais atrativo e está mais próximo dos estudantes.
Por último, será problematizado o uso desta adaptação na sala de aula,
como forma de aproximar nossos alunos da mitologia clássica e expandir seus
conhecimentos e experiências com a leitura, contribuindo assim, para o
despertar de seus letramentos literários.
Há a necessidade de mostrar para os alunos que os mitos não são
apenas uma leitura canônica distante, reservada apenas para quem tem alto
nível de letramento literário, mas que na verdade faz parte do cotidiano deles.
Se levarmos em consideração o que diz Campbell (1990), utilizar-se de mitos
na escola seria uma forma eficiente de prender a atenção dos jovens e criar
definitivamente a intimidade com a leitura. Além disso, esta é uma forma
14

simples de mostrar que a mitologia está “por trás da literatura e das artes” e
principalmente de mostrar que ela está intimamente ligada com a maioria das
expressões de que eles têm acesso e admiram afinal, quem nunca quis ser um
super-herói?

2. O caráter pedagógico das quadrinizações

Cirne afirma que os quadrinhos “são uma narrativa gráfico visual, com
suas particularidades próprias, a partir do agenciamento de, no mínimo, duas
imagens desenhadas que se relacionam” (2000, p.14). Já Eisner (2001, p.8),
diz que os quadrinhos são uma “interação de palavra e imagem [...], uma
hibridação bem sucedida de ilustração e prosa”.

A função fundamental da arte dos quadrinhos (tira ou revista), que é


comunicar ideias e/ou histórias por meio de palavras e figuras,
envolve o movimento de certas imagens (tais como pessoas e coisas)
no espaço. Para lidar com a captura ou encapsulamento desses
eventos no fluxo da narrativa, eles devem ser de compostos em
segmentos sequenciados. Esses segmentos são chamados
quadrinhos. Eles não correspondem exatamente aos quadros
cinematográficos. São parte do processo criativo, mais do que um
resultado da tecnologia. (EISNER, 2001, p.38).

Alguns teóricos afirmam que a origem do HQ está ligada à origem da


arte sequenciada. Scareli (1999, p. 11) e Oliveira (2008, p. 27) afirmam que se
pode considerar a arte rupestre como a primeira narrativa em imagens que foi
produzida pelo homem. Até mesmo as figuras registradas nas tumbas egípcias,
na verdade, são sequências de imagens e contam uma história. Em Roma, por
exemplo, há a Coluna de Trajano, construída no ano de 113 D.C. a mando
15

deste imperador. A coluna narra por meio de imagens em baixo relevo a


história da conquista da Dácia.
McCloud (2005, p. 22) argumenta que há muitos séculos que as
pessoas contam histórias através de imagens, e dá os exemplos de
manuscritos pré-colombianos e tapeçarias inglesas do século XI que narravam
histórias populares através de imagens justapostas.
Entretanto, alguns autores ainda discutem a origem da história em
quadrinhos no modelo que conhecemos hoje. Couperie apud Oliveira indica
que foi na Europa que as novelas e histórias ilustradas de Rodolphe Topffer
(1799-1846) se tornaram predecessores da HQ atual. Oliveira (2008, p. 29)
ainda acrescenta:

Alguns estudiosos apontam como precursor dos quadrinhos no


formato moderno, ao invés de Topffer, as aventuras bem humoradas
dos moleques traquinas Max und Moritz do alemão Wilhelm Bush
(1832-1909). Outros destacam as estórias do francês Georges
Colomb sobre um casal provinciano e suas duas filhas, a Fammille
Fenouillard, criada em 1889. Independente da sua real origem,
contudo, são nos Estados Unidos que as HQs florescem e encontram
grande sucesso (OLIVEIRA, 2008, p. 29).

Como dito por Oliveira, foi nos Estados Unidos, no fim do século XIX
que foram encontradas as condições apropriadas para a disseminação das
histórias em quadrinhos como uma forma de comunicação em massa. Nesta
época as cadeias jornalísticas encontravam-se em pleno desenvolvimento e
possuíam ampla aceitação do público leitor. Portanto, convêm-se afirmar que
a primeira história em quadrinhos de alcance massivo é a famosa The Yellow
Kid, publicada pela primeira vez em 1896 (VERGUEIRO, 2001, p.10). As
histórias humorísticas do personagem “menino amarelo”, criado por Richard
Outcault, eram contadas de forma breve, e buscavam atingir o público migrante
nos Estados Unidos usando uma linguagem simples e de fácil compreensão.
Assim, The Yellow Kid propagou-se de forma global, juntamente com outras
histórias, com a ajuda syndicates, organizações responsáveis pela distribuição
16

de notícias e entretenimento no mundo todo, difundindo um modelo para as


tiras e histórias em quadrinhos que passou a ser seguido desde então com
pouquíssimas alterações e transformando as HQs em um gênero popular e de
fácil acesso em diversos países.
A partir da década de 1920 surgiu tendência naturalista nos quadrinhos
e com ela desapontaram as publicações periódicas na forma de “comic books”
ou “gibis”. Com essas publicações surgiram também os super-heróis,
protagonistas que alcançaram ainda mais popularidade, principalmente nos
Estados Unidos, com a Segunda Guerra Mundial. O clima de tensão e violência
vivido na época era transmitido às histórias e podia-se encontrar temas como a
espionagem e o nazismo (SCARELI, 1999, p. 14). No entanto, com o fim da
Grande Guerra começaram a surgir críticas em torno das histórias publicadas
pelas editoras de HQs, principalmente as de terror e suspense.
Vergueiro (2006, p. 11) expõe que a principal e mais ferrenha crítica foi
feita pelo psiquiatra alemão radicado nos Estados Unidos Frederic Wertham.
Ele afirmava que as histórias em quadrinhos poderiam ser perigosas para os
jovens e adolescentes que eram o principal público das HQs. A partir daí
surgiram manifestações contrárias aos quadrinhos em várias partes do mundo,
inclusive no Brasil.
Foi apenas na segunda metade do século XX que, juntamente com os novos
meios de comunicação, os quadrinhos foram reavaliados e passaram a ter um
novo status. A partir das novas perspectivas sobre as HQs que surgiram na
Europa, muitos preconceitos foram derrubados, favorecendo novas análises de
acordo com suas especificidades e narrativas. Vergueiro (2006, p. 17) afirma
que a partir daí ficou mais fácil associar as revistas a um fim pedagógico. Ele
diz:

As primeiras revistas de quadrinhos de caráter educacional


publicados nos Estados Unidos, tais como True Comics, Real Life
Comics e Real Facts Comics, editadas durante a década de 1940,
traziam antologias de histórias em quadrinhos sobre personagens
famosos na história, figuras literárias e eventos históricos. [...] Títulos
como o Classics Illlustrated, reproduzidos praticamente no mundo
inteiro, inclusive no Brasil, buscavam aproximar as histórias em
17

quadrinhos das grandes obras literárias, vertendo para a linguagem


dos HQs os livros dos maiores autores da literatura mundial.

Galo (2010, p. 34) concorda que a publicação Classics Illustrated de


1940 foi o marco da quadrinização de obras do cânone literário, e aponta a
Edição Maravilhosa, série publicada também na década de 1940 que tinha o
intuito de publicar apenas quadrinizações de clássicos da nossa literatura e da
literatura mundial como a versão brasileira daquela revista. A partir daí se
inicia a intensa relação dos quadrinhos com os gêneros literários e surge a
tradição de adaptar obras canônicas para a linguagem dos quadrinhos visando
disseminar cultura para os leitores do gênero.
Apesar de sofrer várias dificuldades nas décadas que se sucederam as
quadrinizações de literatura mantiveram-se ativas por muito tempo, ainda que
em uma menor tiragem, até que em 2006 elas foram incluídas nos Parâmetros
Curriculares Nacionais e no Programa Nacional Biblioteca na Escola, e
começaram a ser utilizadas para fins pedagógicos com o intuito de criar um
suporte para o ensino de literatura. Este apoio dos PCNs e do PNBE é
extremamente importante e são oportunidades para “um novo fôlego” das
quadrinizações no país.
Entende-se que a quadrinização é um “recurso de sedução do publico”.
Santos apud Galo (2003) afirma que “o quadrinho torna mais interessante o
conteúdo a ser estudado, e mais: exige do aluno uma percepção maior do meio
empregado”. Unir HQs ao ensino é uma maneira de aproveitar a influência e a
popularidade desse gênero entre os jovens para capturar sua atenção e fazê-
los conhecer a literatura de forma mais aprofundada.
Quanto a isso Passos e Nogueira afirmam:

Mesmo quando o texto das HQs não é uma releitura, as histórias


trazem vários elementos da literatura para sua narrativa, sendo então
válidas para o estudo da linguagem. Os leitores, estando adaptados a
esse gênero, podem passar a ler as HQs adaptadas de obras
literárias como uma forma de preparação (PASSOS; NOGUEIRA,
2009).
18

Galo acrescenta:

Assim como os quadrinhos pertencem à mídia impressa, as


adaptações das obras clássicas assemelham-se ao livro, o que pode
criar entre leitor e livro certa intimidade em relação ao manuseio,
além de favorecer o gosto pela leitura. As quadrinizações podem
contribuir, e muito, para que esse gosto se consolide (GALO, 2010, p.
38).

Ou seja, a quadrinização abrirá portas para que os alunos


aprofundem-se cada vez mais na literatura, uma vez que as revistas
assemelham-se aos livros e criarão nos estudantes o costume e a intimidade,
que possibilitarão o hábito da leitura.
Quando Linda Hutcheon expõe os “prazeres da adaptação” ela diz
que a acessibilidade facilita seu papel tanto na comercialização quanto na
educação. Ela ainda diz que o interesse da criança por uma obra literária pode
surgir a partir do interesse no texto fonte de uma peça, filme ou ainda de uma
história em quadrinhos. Outra importante reflexão apresentada por Hutcheon é
que as adaptações, principalmente as imagéticas, podem prestar um grande
serviço no que se diz respeito à ampliação do público, “eliminando as
diferenças de classe inerentes ao acesso à literatura e a alfabetização”
(HUTCHEON, 2011, p. 162, 165).
A HQ The Sandman – “A Canção de Orfeu” possibilita o
desenvolvimento de atividades específicas para que os alunos conheçam a
linguagem particular dos quadrinhos e consigam perceber os mútuos estímulos
oferecidos pelos dois códigos que atuam em constante interação.
(VERGUEIRO, 2006, p. 38)
Mas além do trabalho para o reconhecimento do gênero em
específico, há uma gama de abordagens que podem ser aproveitadas, como
por exemplo, a análise dos elementos narratológicos e da linguagem da HQ
através de atividades de leitura, e posteriormente o desenvolvimento de uma
atividade de produção textual na qual os alunos poderão ser orientados a
19

desenvolver sua própria história em quadrinhos, atentando para as os


elementos constitutivos como tema, tempo e espaço, personagens e etc.
Mas, talvez, o maior trabalho que a quadrinização de Gaiman pode
realizar na sala de aula é aproximar os alunos do mito de Orfeu e Eurídice.
Geralmente as crianças tendem a achar que mitologia é um tipo de literatura
canônico e inacessível. Essa visão é reforçada quando não existem, ou
existem poucas, atividades de leitura ou de apropriação desse gênero literário
na escola.
Joseph Campbell (1990) traz essa discussão à tona quando diz que
os jovens em geral gostam do assunto, mas as escolas não abordam mais
mitologia como costumavam fazer no passado. É preciso lembrar que,
inicialmente, os mitos possuíam um cunho pedagógico que trazia respostas
para os vários questionamentos que se levantam durante as fases da vida.
Campbell (1990, p.10) ainda afirma que sem mitos servem para guiar os jovens
na nossa sociedade. Sem esta fonte de mitos, eles acabam assumindo seu
próprio sistema de regras, heroísmo e de moralidade.
Por isso que aproximar os jovens da literatura (principalmente da
mitologia) é uma ferramenta para transmitir algo mais que o saber tecnológico,
é uma forma de transmitir sabedoria de vida.
Ainda que se espere que após da leitura da quadrinização o aluno
venha a conhecer a obra original e assim dar mais um passo a caminho do
letramento literário é importante estabelecer que a HQ não é apenas um
recurso secundário ou inferior à obra fonte. Ou seja, as adaptações não são
“derivativas ou de segunda categoria”. Se assim fossem dificilmente teriam
sobrevivido diante de tantas adversidades. (HUTCHEON, 2011, p. 225; 235).

3. O projeto Sandman

Apesar de já ter havido anteriormente um personagem chamado


Sandman publicado pela editora americana especializada em quadrinhos DC
Comics na sua “Era de Ouro”, em 1988, Neil Gaiman criou uma reformulação
20

deste personagem visando outro tipo de público. Surgia assim a graphic novel
The Sandman, publicado pela Vertigo, ramificação da DC Comics que tem a
proposta a publicar histórias em quadrinhos com temas e personagens mais
densos direcionados para um público diferenciado e mais maduro.
Esta nova versão tem início quando, pouco depois de escapar de um
mago que o aprisionou durante 70 anos, Sandman, ou Sonho, volta ao seu
reino, o Sonhar, lugar onde todos os seres vivos – sendo deuses ou homens,
musas ou demônios – têm seus sonhos e capacidades imaginativas
guardados. Lá ele descobre que depois de todo esse tempo, tanto ele próprio
quanto seu reino sofreram drásticas mudanças.
É a partir deste cenário que foram desenvolvidas todas as 75
publicações, organizadas em dez arcos, de The Sandman, publicados entre
1988 e 1996.
Neil Gaiman utilizou-se das mais variadas fontes para compor Sonho e
os outros personagens da série, construindo histórias extremamente
elaboradas, cheias de digressões e contos menores que se interligam tanto
com outros números da própria HQ, com personagens e narrativas de outras
HQs do universo da DC Comics e de outras fontes literárias.
Dentre essas fontes, a combinação de mitologias se sobressai. Há uma gama
de personagens que descendem dos mitos gregos e romanos (como no caso
de “A Canção de Orfeu”, analisada neste trabalho), nórdicos, judaico-cristãos,
egípcios, árabes, dentre outros.
O próprio protagonista da série é fruto de tais combinações: ele é uma
referência a personagens de mitologias presentes no mundo todo. O homem
de areia no conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, Ole Lukoeje ou
“Olavo fecha-olhos” é a entidade responsável por transportar os homens ao
mundo dos sonhos. E.T.A. Hoffman escreveu um célebre conto homônimo
adaptando a famosa lenda do homem de areia (sandman, em inglês) que sopra
areia nos olhos das crianças para fazê-las dormir (MENESES, 2009, p. 146).
Na obra de Hesíodo, Oneiros é o sonho, filho de Nix, a noite. Já Ovídio dá o
nome de Morfeu à personificação dos sonhos (HACQUARD, 1990, p. 108).
Outra característica marcante é a intertextualidade das imagens de The
Sandman. Além de todas as referências literárias, há também muitos
elementos da cultura pop dos anos 80 e 90, como as músicas, as roupas, e até
21

mesmo a aparência de Sandman, que se assemelham ao vocalista da banda


de rock The Cure.

Figura 1 – Morfeu ou Oneiros da HQ The Sandman.

Fonte: GAIMAN, Neil. p. 95

A presença de deuses, demônios e entidades tão diversificadas, é


justificada dentro da lógica de The Sandman pelo fato de que todos os mitos e
deuses só existem por que foram concebidos originalmente pela imaginação
dos humanos (que dentro da lógica literária do HQ seria o domínio do
personagem Sandman), legitimando assim todas essas crenças e tornado-as
verdadeiras.
A personagem Ishtar, que aparece na publicação de número 45,
explica essa concepção. Na realidade ela é deusa do amor, mas passa a
dançar em uma boate como forma de conseguir veneração depois de deixar de
ser adorada pelos humanos com orações e sacrifícios em templos dedicados a
ela. Ishtar diz: “Eu sei como os deuses começam, Roger. Nós começamos
como sonhos. Depois, deixamos os sonhos em direção à terra. Nós somos
idolatrados amados e sorvemos muito poder. Então, certo dia, não resta mais
ninguém nos idolatrando”. (GAIMAN, 2012, p. 218)
Na adaptação de Gaiman, Sandman não é um deus e sim um
Perpétuo, entidade que existe desde primórdios e que não foi fruto da
imaginação ou sonho dos humanos. Os Perpétuos, apesar de onipresentes
22

podem apresentar-se em formas visíveis e interativas, como realizações


antropomórficas de aspectos inerentes a todos os seres humanos.
Segundo o próprio Gaiman apud Carvalho Júnior: “Eles são seres que
não são deuses, que existiam antes da humanidade sonhar com deuses e
existirão depois que o último deus estiver morto. [...] Eles são chamados ‘Os
Perpétuos’” (CARVALHO JÙNIOR, 2002, p. 58-59). Os demais Perpétuos são
os irmãos mais novos de Sandman: Morte, Destino, Destruição, Desespero,
Desejo e Delírio.

3.1 Aplicação da teoria da adaptação em “The Sandman – A Canção de


Orfeu”.

A fidelidade à obra fonte foi por muito tempo o critério utilizado para
decidir se uma adaptação é boa ou ruim. Entretanto Linda Hutcheon (2011, p.
28) afirma que tal fidelidade não deve ser tratada como elemento principal,
julgamento ou foco de análise de uma obra adaptada, pois essa avaliação
baseia-se na suposição implícita de que o adaptador busca apenas reproduzir
o texto a ser adaptado. Segundo a teoria de Hutcheon, uma adaptação é uma
“recodificação” e “tem sua própria aura” (2011, p.27; 40). Huctheon ainda
explica que adaptações são “traduções em forma de transposições
intersemiótica de um sistema de signos para o outro” (2011, p. 40).
Seguindo esta teoria, o fenômeno da adaptação pode ser definido a
partir de três perspectivas distintas: primeiramente, como “uma transposição
anunciada” de uma os mais obras; depois como um “processo de criação” que
envolve tanto uma “(re-)interpretação quanto uma “(re-)criação” e por último
como uma forma de intertextualidade, assim como proposta por Mikhail
Bakhtin.

Em resumo, a adaptação pode ser descrita do seguinte modo:


- uma transposição declarada de uma ou mais obras reconhecíveis;
23

- Um ato criativo e interpretativo de apropriação/recuperação;


- Um engajamento intertextual extensivo com a obra adaptada.
(HUTCHEON, 2011, p. 30)

Como esclarecido no tópico anterior, a HQ The Sandman, bem como a


maioria das obras de seu autor Neil Gaiman, é em grande parte construída por
meio de intertextualidades e adaptações de outras narrativas. Estas
referências estão diretamente conectadas com o enredo e fazem parte da sua
identidade formal (HUTCHEON, 2011, p. 46). Dessa forma, a adaptação na HQ
The Sandman faz uso de uma composição dessas definições para construir
seu significado. Ela pode ser classificada como uma combinação da
transposição declarada, do ato de apropriação interpretativo da obra e ainda do
engajamento intertextual extensivo.
Portanto faz-se necessário analisar os elementos que constituem “A
Canção de Orfeu”, não para compará-la ao mito de Ovídio, mas para
reconhecer suas especificidades, e, principalmente para identificar o modo que
esta adaptação foi realizada, uma vez que este também é o foco de Linda
Hutcheon para a análise de adaptações (HUTCHEON, p. 58). Busca-se aqui
entender quais foram os modos de engajamento realizados pelo autor para que
o mito de Orfeu e Eurídice se enquadrasse em sua história e de como as
adições e/ou subtrações de elementos ajudaram a construir o sentido da
narrativa dentro da lógica da HQ The Sandman.
Para Hutcheon há três modos de engajamento com o texto original
possíveis em adaptações: o modo contar; o modo mostrar e o modo
participativo. O modo contar é comum na literatura narrativa, imerge o público
através da imaginação e é “simultaneamente controlado por palavras
selecionadas, que conduzem o texto”. O modo mostrar, mais comum em filmes
e adaptações teatrais, age através das percepções auditiva e visual. O último
modo, interagir, ou modo “interativo” é comum nos videogames, e faz com que
seu público se engaje fisicamente com o universo da história adaptada.
(HUTCHEON, 2011, p.47,48)
Contudo, na adaptação analisada os versos originalmente construídos
na métrica de hexâmetro heroico, comum às poesias épicas como a Odisseia e
a Eneida, ganham a linguagem híbrida de imagem e prosa das narrativas das
HQs. Será visto que “A Canção de Orfeu” imbrica os modos contar e mostrar,
24

mesmo que estes modos não sejam comuns ao impresso, uma vez que há a
estrutura narratológica pertencente à literatura de cunho narrativo e há também
o apelo da percepção visual.

O contar exige do público um trabalho conceitual; o mostrar solicita


suas habilidades decodificadoras perceptivas. No primeiro
imaginamos e visualizamos um mundo a partir de marcas pretas nas
páginas brancas enquanto lemos; no segundo nossas imaginação é
apropriada enquanto percebemos, e então damos significado a um
mundo de imagens, sons e palavras ouvidas no palco ou na tela.
(HUTCHEON, 2011, p. 178)

Ou seja, quando o público lê a história em quadrinhos pode utilizar-se


tanto da parte escrita tanto das imagens para construir o sentido da narrativa.
Enquanto as legendas e os balões possibilitam a existência do modo contar
controlando através das palavras o que se sabe sobre os fatos ocorridos, sobre
as ações e sobre características dos personagens; as imagens possibilitam a
percepção visual direta que unirá enfoques amplos e detalhes numa mesma
perspectiva.
Esta intersecção entre linguagem escrita e a imagem é a marca mais
forte das histórias em quadrinhos. Por isso a mesma ênfase que é atribuída às
adaptações performativas (cinema, teatro, ópera e etc.) recai também sobre o
HQ: “sobre o visual, sobre a passagem da imaginação para percepção ocular
real” (HUTCHEON, 2011, p. 70, grifo meu).
No que diz respeito a essa mistura dos modos de engajamento Linda
Hutcheon diz que o “contexto [comunicativo] mudará com o modo de
apresentação ou engajamento: o modo contar pode usar uma variedade de
mídias e materiais, e o mesmo pode ser dito do modo mostrar ou mediado, pois
cada mídia pode apresentar uma variedade de gêneros” (HUTCHEON, 2011, p.
48,49).
Quando a adaptação é realizada apenas no modo do mostrar é
“incapaz de se aproximar do jogo verbal complicado da poesia cantada”. Já
quando ela é realizada apenas no modo contar “nunca será o mesmo que
25

mostrá-la visualmente ou auditivamente”. A interseção entre imagem e escrita


potencializa a adaptação e propicia o “entrelaçamento entre descrição,
narração e explicação, que a narrativa em prosa conquista com tanta
facilidade” (HUTCHEON, 2011, p. 48,49).
Outro aspecto que aproxima a adaptação para HQ das adaptações
feitas para mídias performativas é a notável redução na extensão da história,
pois em pouco menos de trinta páginas é possível ler toda a saga de Orfeu.
Contudo, “quando os enredos são condensados e concentrados, eles podem
por vezes se tornar mais fortes” (HUTCHEON, 2011, p. 64). Essa redução
confere mais agilidade a narrativa, o que inclusive pode ajudar em sua
didatização, a ser discutida mais a frente neste trabalho.
Outro recurso importante a ser avaliado nesta adaptação são os
balões, que segundo Ramos (2009, p. 34-35) “representam a fala [...], e é o
que mais identificam os quadrinhos como linguagem”. Em The Sandman eles
agem como mais um aliado à construção de sentido na medida em que os
personagens que possuem algum tipo de poder fantástico (como os Perpétuos,
Hades ou Perséfone) ganham um balão exclusivo. Essas diferenças gráficas
entre os balões passam para o leitor informações sobre a personalidade do
personagem que está falando. Por exemplo, Delírio, a mais jovem dos
Perpétuos tem balões multicoloridos, com letras de tamanhos diferentes. A sua
fala é marcada por muitas gírias e neologismos e, por muitas vezes, chega a
ser desconexa, assemelhando-se à fala de uma criança. Já Sandman, o mais
velho e mais soturno dos perpétuos tem linguagem mais rebuscada e séria
retratada por um balão sóbrio, preenchido de preto com letras brancas.

Figura 2 - Os balões de Delírio indicam sua personalidade instável e explosiva, enquanto os de


Sandman revelam seu lado obscuro e soturno.
26

Fonte: GAIMAN, Neil. p. 53; 64

“A Canção de Orfeu” tem início dentro de um sonho de Orfeu (e, por


conseguinte no reino do Sonhar, domínio de Sandman) no qual ele está se
afogando no mar, chamando por Eurídice. Este sonho serve como uma
premonição dos acontecimentos futuros. O sonho acaba quando ele é
acordado quando seu amigo Aristaeus, personagem que tem a aparência de
um fauno, ou o deus romano Pã geralmente associado à natureza e ao
universo, o recorda que este é o dia do seu casamento com Eurídice, sua
amada.
Em seguida ele encontra sua mãe, Calíope, e seu pai, Sandman, que
em “A Canção de Orfeu” é chamado por um de seus nomes gregos, Oneiros. A
adequação do personagem Sandman é realizada de forma muito natural ao
enredo quando é criado um parentesco entre ele e Orfeu. Para os leitores da
série este processo é ainda mais natural, já que na anteriormente, na
publicação de número 17, fica claro o relacionamento entre Sandman e
Calíope. A paternidade de Orfeu é geralmente atribuída deus trácio Eagro ou a
deus grego Apolo (HACQUARD, 1990, p. 113), mas, ao representá-lo como
filho de Sandman o autor inclui todos os outros principais personagens do
universo de The Sandman na história.
Assim, os irmãos mais novos de Oneiros serão os tios de Orfeu e estão
presentes em seu casamento, Teleute (Morte), Apondia (Desespero), Mania
(Delírio), Epthumia (Desejo), Potimos (Destino), e Olethros (Destruição).

Figura 3 – Os Perpétuos como a família de Orfeu. (da esquerda para a direita) Morte, Delírio,
Destino, Desejo, Desespero e Destruição. Nesta história todos os Perpétuos ganham nomes
gregos e se vestem à moda helênica.
27

Fonte: Fonte: GAIMAN, Neil. p. 52.

Dando sequência à história, todos os tios de Orfeu o cumprimentam


desejando sorte na sua nova vida após o casamento, exceto Potimos, o
Destino, que alega não desejar, apenas saber (GAIMAN, 2012, p. 54).
Após a realização do casamento todos se divertem na festa e Orfeu
toca sua lira para os convidados. Todos os Perpétuos se retiram, exceto Morte,
pois afirma ainda ter “coisas a fazer” (GAIMAN, 2012, p. 56). Nestas duas
passagens é possível perceber que os Perpétuos, principalmente Oneiros e
Tileute, agem como regulares da narrativa, uma vez que eles já sabem com
antecedência dos acontecimentos que se sucederão. Orfeu aqui não é um
herói, nem possui nenhum “aspecto divinizado”, mas é um personagem que
seguirá seu destino previamente estabelecido e do qual ele não exerce
controle.
É neste momento da narrativa que Aristaeus convence Eurídice a
acompanhá-lo até um local afastado da festa onde tenta violentá-la. Fugindo do
fauno, Eurídice encontra a Morte após a mordida de uma víbora. Aristateus
avisa o ocorrido a todos que estão no casamento, mas é tarde demais: Eurídice
está morta.
Orfeu não vai ao enterro da sua esposa e consegue, apenas tocando
sua lira, abrir o portal para o reino do Sonhar onde ele pede ajuda a seu pai
28

para que consiga chegar ao Mundo Inferior e resgatar Eurídice, mas este se
recusa a ajudá-lo.
Pressentindo a tristeza e os pensamentos suicidas de Orfeu, seu tio
Olethros o aconselha a procurar a ajuda de sua tia Tileute, abrindo para ele um
portal até o reino dela.
Chegando lá Orfeu pede a mesma coisa que pediu ao seu pai: uma
maneira de resgatar Eurídice do Mundo Inferior. Diante da insistência do
sobrinho, Tileute aceita a proposta de Orfeu, mas o explica que é impossível
descer até o Inferno de Hades sem que se morra primeiro. Orfeu, irredutível,
continua a insistir e então Tileute decide conceder-lhe o desejo e orienta-o a
viajar até Taenarium para encontrar o portal que enfim o levará ao encontro de
Hades e de Eurídice.
Na história original os papéis cumpridos por Sonho e Morte são na
verdade de Júpiter e Mercúrio (HAQQUARD, 1990, p. 23), mas a introdução
destes personagens nestes dois episódios da jornada de Orfeu também faz
parte da adequação dos personagens dos quadrinhos ao mito, e reforçam seus
papéis de reguladores da narrativa.
Após a longa viagem Orfeu finalmente encontra a entrada do Mundo
Inferior e consegue passar pelo barqueiro que transporta as almas entregando-
lhe um ramo de visco. Tocando sua lira Orfeu emociona o barqueiro e
consegue escapar do Cérbero, cão de três cabeças que guarda a porta do
Inferno.
Passando pela legião de almas condenadas e entoando uma belíssima
canção com ajuda da sua lira Orfeu consegue chegar até Hades e Perséfone.
Então coisas extraordinárias acontecem: a roda de Íxion para, os abutres
param de bicar o fígado de Cicyus, Tantalus para por um instante de tentar
saciar sua fome e sede. Orfeu fez, apenas com sua canção, “as fúrias
chorarem” (GAIMAN, 2012, p.83). Estes três personagens também são
mencionados em Metamorfoses, fazendo alusão a outros mitos. Íxion foi
castigado a girar amarrado em uma roda por Zeus por ter assassinado seu
próprio sogro e por tentar seduzir Hera. Cicyus, ou Prometeu, enganou a Zeus
roubando o fogo e dando-lhe aos humanos para seu benefício. Zeus o castigou
fazendo com que uma ave o bicasse o fígado que voltava a crescer
permanentemente. Também castigado por Zeus, Tântalo passa fome e sede,
29

mas não consegue nunca saciar-se. Ele recebeu esta punição por ter servido
seu próprio filho Pélops, preparado em um guisado num banquete (GRIMAL,
1982, p. 29).
Por conta deste feito incrível, Hades e Perséfone permitem que Orfeu
leve Eurídice ao “mundo de cima” com a única condição de que no caminho de
volta à Trácia ele não fale, nem olhe para trás. Só assim Eurídice poderia voltar
a salvo para o mundo dos mortais. No entanto, durante o caminho, ao
desconfiar ter sido enganado por Hades, Orfeu quebra a regra preestabelecida
e vê Eurídice desvanecer e voltar ao Mundo Abissal.
Inconsolável, Orfeu exila-se em uma floresta onde toca
incessantemente. Algum tempo depois sua mãe, preocupada, vai ao seu
encontro e avisa-lhe que as Bacantes estão no curso da floresta onde ele se
encontra. Orfeu decide ficar e enfrentar as mulheres no frenesi do culto a
Dionísio.
Quando as Bacantes chegam, pedem para que Orfeu se junte ao culto.
Diante da resposta negativa elas o esquartejam violentamente e jogam sua
cabeça ao rio. Entretanto, Orfeu havia pedido um favor à Morte e, uma vez que
já havia descido ao mundo inferior, não poderia mais morrer, ou seja, Morte
não tinha mais poder sobre a vida do seu sobrinho.
A cabeça de Orfeu resiste e é encontrada por seu pai, Oneiros. Ele diz
que fará com que os moradores de uma ilha próxima o abriguem e o protejam
dali em diante. É deste modo que tem fim a publicação “A Canção de Orfeu”,
que coincide com o fim do mito de Orfeu narrado por Ovídio já que ele morre
ao ter sua cabeça arrancada é jogada no rio Hebro pelas bacantes e depois é
encontrada na ilha de Lesbos. Desde então, os habitantes desta ilha têm um
incomum talento para as artes, principalmente para a música.
Entretanto em The Sandman a história de Orfeu se prolonga por
milênios, pois ele permanece até a contemporaneidade na ilha. Ele aparecerá
mais duas vezes em publicações posteriores da HQ. A primeira na edição de
número 41, chamada Vidas Breves, na qual temos conhecimento que uma
família natural da ilha onde Sandman deixou Orfeu recebe o fardo assisti-lo
através dos tempos. Geração após geração todos os membros da família
vivem na ilha para servir a Orfeu, que canta todas as manhãs proporcionando
momentos de deleite e de alegria a seus anfitriões.
30

Na segunda aparição, no número 49, também pertencente ao arco


Vidas Breves, o leitor fica sabendo que Sandman volta até a ilha onde deixou
Orfeu e, misericordiosamente dá fim ao martírio de seu filho. Quando Orfeu
alega estar pronto para este momento seu pai o mata, finalizando sua
existência.
Após a análise de toda a narrativa de “A Canção de Orfeu”, percebe-se
como foi realizado o tipo de adaptação que passa do modo contar para o modo
mostrar. Se levarmos em consideração que o modo mostrar não precisa
necessariamente da performance e da percepção auditiva para existir ele se
encaixará perfeitamente no gênero história em quadrinhos.
Analisando apenas a parte escrita, veremos que a adaptação de “A
Canção de Orfeu” é realizada é na verdade o ato de “recontar” utilizando
gêneros diferentes. Ou seja, adaptação presente na adaptação elaborou outro
modo, que pode ser chamado de “contar → contar”.
Ou seja, ainda que haja muitas adequações para a HQ, o mito de Orfeu
e Eurídice é recontado utilizando-se de recursos peculiares das histórias em
quadrinhos. Esses elementos permitem que a adaptação chegue também até
visual, aliando assim, a adaptação do contar ao modo mostrar.

4. As histórias em quadrinhos e a estrutura da narrativa.

Roland Barthes alega que “a narrativa está presente em todos os


lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da
humanidade; não há em parte alguma povo algum sem narrativa” (2011, p. 19).
Eisner (2005, p.11) explica que o ato de contar histórias dá a possibilidade de
debater morais, difundir ideias e extravasar fantasias. Ele ainda acrescenta:

Uma história tem um início, um fim, e uma linha de eventos colocados


sobre uma estrutura que os matem juntos. Não importa se o meio é
um texto, um filme ou quadrinhos. O esqueleto é o mesmo. O estilo e
31

a maneira de se contar pode ser influenciado pelo meio, mas a


história em si não muda.

Linda Hutcheon chega à conclusão de que a narrativa é “um traço


humano universal” e que talvez seja por isso que as adaptações (geralmente
uma revisitação de outras histórias) sejam tão populares mundialmente. Por
isso será analisada a partir de agora a estrutura da narrativa de “A Canção de
Orfeu” com o propósito de exaltar tanto suas semelhanças quanto suas
particularidades em comparação com a estrutura geral das narrativas, além de
identificar os elementos constituintes da narrativa na sua estrutura e seus
níveis narratológicos, de acordo com o que foi postulado por Roland Barthes.
Segundo Barthes, as narrativas devem ser analisadas a partir de seu
funcionamento e de seu sentido. As narrativas funcionam a partir de um quadro
de constituição comum a todas as narrativas e seu sentido se constrói pela
forma como são constituídos seus diversos níveis. Ele propõe três níveis para
obra narrativa: função, ação e narração ou discurso. Embora considerados
separadamente estes níveis são atrelados um ao outro segundo um “modo de
integração progressiva”. Barthes lembra que “uma função não tem sentido se
não tiver lugar na ação geral de um actante; e a própria ação recebe sua
significação última pelo fato de ser narrada, confiada a um discurso que tem
seu próprio código.” (BARTHES, 2011, p.28).
Sendo assim, este trabalho avançará para uma análise da estrutura
narrativa de “A Canção de Orfeu” a fim de identificar os elementos constituintes
da narrativa na sua estrutura e seus níveis narratológicos, de acordo com o que
foi postulado por Roland Barthes.

4.1 Analisando os elementos estruturais em “A Canção de Orfeu”

Barthes descreve as funções como as unidades de conteúdo que


“semeiam” a narrativa com elementos que vão amadurecer mais adiante “sobre
o mesmo nível, ou além, sobre outro nível” (BARTHES, 20011, p.28). Uma
função ocasiona a outra, até que o objetivo dos personagens seja alcançado ou
32

não haja mais a possibilidade de alcance deste objetivo. De certa forma, uma
função exigirá a outra até que a história chegue ao seu fim.
Em “A Canção de Orfeu”, Aristaeus chama Eurídice em particular para
um conversa, mas ao invés disso, ele tenta violentá-la. Esta função acarretará
na morte de Eurídice, que por sua vez desencadeará na busca de Orfeu por
sua amada. É nesta busca, na qual será baseada a situação-problema, que
deverá ser resolvida no fim desta história, este é o objetivo do personagem
principal. Nota-se claramente que a primeira função foi decisiva para o
aparecimento de uma função sucessora, criando a cadeia de acontecimentos
narrados.
Desse modo as ações formarão um conjunto de acontecimentos que
irão compor o conteúdo da narrativa e se realizarão dentro de certo tempo e
espaço. Assim, as funções formam um conjunto de unidades que seguem uma
lógica causal e resultam ou causam algo dentro do contexto da narrativa. Neste
nível será formada uma organização interna que dará coerência aos sentidos
que virão a se formar.
As funções podem se dividir entre funções cardinais (ou núcleo), que
são as mais relevantes para a história por constituírem um momento decisivo,
que “iniciam ou concluem uma incerteza”; e as funções catálises que
constituem um adorno para história ou “preenchem” algum espaço.
Barthes (2011) ainda explica que existem mais duas classes nas quais
as funções podem encaixar-se: o grupo das funções distributivas (o que chamei
até então apenas de funções) e as funções integrativas (ou índices).
Enquanto as funções distributivas (cardinais e catálises) remetem “um
ato complementar e conseguinte” (NIEL, 1978, p. 55), as funções integrativas
ou (índices ou informações) ajudarão o leitor a caracterizar os personagens, os
cenários, as ideologias dando-lhe as informações necessárias ao sentido geral
da história.
Em “A Canção de Orfeu”, a passagem na qual Orfeu adentra nos
domínios de Tileute é um bom exemplo no qual é possível identificar com
clareza funções cardinais e catálises.

Figura 3 – Orfeu adentra nos domínios de sua tia Tileute.


33

Fonte: GAIMAN, NEIL. p. 69.

Figura 4 – Morte muda a aparência de seus domínios.

Fonte: GAIMAN, Neil. 2012. p.70

Este episódio caracteriza-se como uma função cardinal o que seria o


fato principal que orienta o rumo da historia por um desenrolar especifico, como
uma bússola, funciona como indicador da direção que os acontecimentos da
historia irão tomar. Por que nesse ponto da narrativa Orfeu passa por um
momento crítico e crucial no qual precisa da ajuda da sua tia para adentrar no
34

Inferno de Hades, porém não se sabe se Morte irá conceder o desejo de seu
sobrinho.
A função catálise acontece quando, devido à estranheza sentida por
Orfeu em relação à ambientação do espaço em que adentra nos domínios de
sua tia, a Morte utilizasse de seus poderes para mudar a aparência
contemporânea, incompatível ao mundo da Antiguidade vivido por Orfeu, para
uma estética mais condizente com a qual o personagem conhece e convive.
Esta mudança não é decisiva para a busca de Orfeu, por isso serve como uma
informação adicional para o enredo.
Já a função índice neste quadro é facilmente notada na organização
contemporânea que Orfeu encontra nos domínios de Morte. Há luzes elétricas,
móveis, bichinhos de pelúcia, fotografias, peças de vestuário, e outros objetos
que não pertencem à Era Clássica. Orfeu se sente confuso e não entende os
objetos e a decoração do lugar. Apesar dessas informações não interferirem no
pedido de Orfeu, e muito menos na decisão de Morte, elas informam ao leitor
que os Perpétuos são atemporais e visitam o passado ou o futuro podendo
situar-se no tempo e no espaço livremente.
Quando essas funções (distributivas e integrativas) se unem de forma
lógica e cronológica tem-se o que Barthes chama de sequência:

A cobertura funcional da narrativa impõe uma organização de


substituição, cuja unidade de base não pode ser mais que um
pequeno agrupamento de funções, que se chamará aqui (seguindo C.
Bremond) uma sequência. Uma sequência é uma série lógica de
núcleos, unidos entre si por uma relação de solidariedade: a
sequência abre-se assim que fecha um de seus termos que não
tenha antecedente solidário e se fecha logo que um de seus termos
não tenha mais consequente. (Barthes, 2011, p.40)

Ele ainda afirma:

A sequencia é, portanto, caso se queira, uma unidade lógica


ameaçada: é o que justifica a mínimo. Ela é também fundada a
35

máximo; fechada sobre suas funções, resumida em um nome, a


própria sequência constitui uma unidade nova, prestes a funcionar
como o simples termo de uma outra sequência maior. (BARTHES,
2011, p.42).

O próximo nível proposto é o das ações. Para explicar este nível


Barthes retoma o que foi postulado por Greimas quando especifica as funções
dos personagens (entendendo estes como qualquer indivíduo que realise
alguma ação) na construção da narrativa.

A.J. Greimas propôs descrever e classificar os personagens da


narrativa, não segundo o que são, mas segundo o que fazem (donde
seu nome de actantes), já que participam de três grandes eixos
semânticos que se encontram, além disso, na frase (sujeito, objeto,
complemento de atribuição, complemento circunstancial) e que são a
comunicação, o desejo (ou a busca) e a prova […] (BARTHES, 2011,
p.46).

Ou seja, a proposição é definir os personagens de acordo com o


caráter funcional deles e não segundo seu caráter psicológico ou suas
intenções.
Souza (2013, p. 41) explica que há, dentro do enfoque de Greimas, um modelo
para o eixo dos personagens e suas ações. Neste modelo (ou “esquema
actancial”) há algumas categorias comuns que são necessárias às todas as
tramas nas quais podemos encaixar os actantes:

A partir desta abordagem, Greimas (1987) irá categorizar os actantes


com base no sentido que ele implica a narrativa, o da busca.
Individuará, assim, seis categorias, que se articulam duas a duas,
norteadas segundo eixos de sentido para com a narrativa. O primeiro
eixo é o do desejo, que se define pela relação entre um sujeito e sua
busca por um objeto, de modo que a ação se fundaria então, no
querer do sujeito, consistindo na jornada deste até o objeto. Em
36

segundo lugar, tem-se o eixo do poder, constituído pelo adjuvante e o


oponente, que no decorrer da busca do sujeito, ajudam ou se opõem
a sua jornada. Em último lugar, o eixo da comunicação ou do saber,
em que a busca se estabelece pela relação entre um destinante e um
destinatário, sendo a função de ambos articular e determinar a busca
do sujeito. SOUZA (2013, p. 41)

Pode-se aplicar a mesma lógica na análise de “A Canção de Orfeu”.


Percebe-se que situação que deve ser resolvida na narrativa, ou seja, a busca
de Orfeu é estar ao lado de Eurídice novamente. Este é o primeiro eixo, o do
desejo, definindo-se pela relação entre o sujeito Orfeu e o objeto Eurídice. A
ação realizada por Orfeu é querer de Orfeu que o levará na jornada “desde até”
Eurídice.
Seguindo para o eixo do poder, os principais adjuvantes serão
Olethros que ajuda Orfeu a chegar até Tileute. Esta, por conseguinte, o ajudará
a chegar até o Mundo Abissal, onde, finalmente, receberá a auxílio de Hades e
Perséfone para chegar até o objeto de seu desejo. Já os principais oponentes
serão Aristaeus, pois é o primeiro a afastar Orfeu de Eurídice; e Sonho, ao se
recusar a ser intermediário entre Orfeu e Hades.
Por último, no eixo do saber ou da comunicação, pode-se destacar a
relação estabelecida entre Orfeu e os Perpétuos. Como dito anteriormente, os
Perpétuos por muitas vezes regulam os acontecimentos da narrativa,
realizando a articulação entre Orfeu e outros personagens e determinando os
próximos passos da sua busca. Assim os Perpétuos seriam os destinantes e
Orfeu o destinatário.
Fazendo uso da teoria de Tzvetan Todorov, Barthes explica que o
último nível da narrativa é a narração propriamente dita que é analisada no
nível do discurso. Sendo assim a narrativa será entendida a partir de seu
processo comunicacional que pressupõe um emissor e um receptor. Barthes
afirma que “o nível narracional é, pois ocupado pelos signos da narratividade, o
conjunto de operadores que reintegram funções e ações na comunicação
narrativa, articulada sobre seu doador e seu destinatário.” (BARTHES, 2011,
p.53).
37

Analisando os textos desses dois autores, André Niel sugere que a


análise da estrutura da narração deve esclarecer outras facetas do discurso
além da apresentação em “unidades narrativas”. Estas facetas seriam os
modos da narrativa, seus aspectos e seu tempo (NIEL, 1978, p. 56).
Os modos dizem respeito ao narrador e como ele se expõe na obra. Há
dois modos fundamentais na narrativa: a representação e a narração.
Enquanto a representação é a transposição dos atos e falas dos
personagens, a narração acontece quando o narrador fala em seu próprio
nome. Ou seja, quando o narrador relata todos os acontecimentos e/ou
apresenta o mundo ficcional, há diegese e quando houver mais descrições dos
fatos e falas há mimese.
Nas HQs os modos representação e narração são concebidos de forma
intrínseca, e são expostos ao leitor através das imagens e da linguagem. Silva
(2011, p. 9) explica que:

Nos quadrinhos, o transcorrer dos acontecimentos e o tempo podem


ser mostrados de três formas: através de uma sobreposição de
instantes; através da representação do instante “mais relevante”
(conhecido como “instante pregnante”); e através da sequência dos
quadros. A sequência dos quadros forma a narrativa. Um quadro é
um indicador de leitura, cuja função básica é delimitar uma unidade
narrativa e deixar claro se o conteúdo representado é realidade,
sonho, fantasia ou flash-back.

Os aspectos da narrativa dizem respeito à atitude adotada pelo


narrador em relação aos personagens. Todorov (2011, p. 246) indica três
visões que podem se manifestar nesses aspectos. A primeira delas é a visão
“por trás” na qual o narrador sabe mais que os personagens; depois há a visão
“com” na qual o narrador sabe tanto quanto o personagem, e, a narração pode
acorrer em primeira pessoa; e por ultimo a visão “de fora” na qual o narrador
sabe menos que os personagens.
Aplicando esta análise à “Canção de Orfeu”, percebe-se que há dois
tipos de narração. A primeira é feita através da legenda, recurso amplamente
38

utilizado nas HQs e que pode ser considerada como “o narrador onisciente”
(VERGUEIRO, 2006, p. 62). Ela situará o leitor e indicará mudanças de tempo,
espaço, localização, e etc.

Figura 5 – A viagem de Orfeu até a entrada do Inferno de Hades é narrada através de legendas
que agirão como o narrador onisciente.

Fonte: GAIMAN, Neil. 2012. p. 73.

Assim, o modo como o narrador se comporta também irá determinar o


modo como o leitor irá perceber os fatos narrados. Acrescentam-se aqui as
noções de tempo e de espaço das histórias em quadrinhos.
Segundo McCloud (2005, p. 33), “Os quadros das histórias fragmentam
o tempo e o espaço, oferecendo um ritmo recortado de elementos dissociados.
Mas a conclusão nos permite conectar esses momentos e concluir
mentalmente uma realidade contínua e unificada”. Deste modo a conclusão
realizada pelo leitor ao organizar a sequência de quadros mentalmente é o
segundo tipo de narração presente em “A Canção de Orfeu”.
A transição entre os quadros na HQ é, portanto, fator decisivo para
garantir a construção de sentido e o fluxo da narrativa, tanto no que diz respeito
à composição espacial quanto à temporal. Essa transição pode ocorrer de
várias maneiras, desde uma representação de cada pequena mudança nas
39

cenas ou nos movimentos que constroem determinada ação, até em longas


alterações no tempo, espaço, aspecto, ideias e sentidos.

5. Conclusões

Ao fim da análise de “A Canção de Orfeu” conclui-se a primeira vista


que o tipo de adaptação presente na obra de Gaiman é realizado através do
modo de engajamento contar → mostrar, ou seja, da narrativa fonte de Ovídio,
em Metamorfoses para a narrativa da HQ. É importante destacar que o modo
“mostrar” é um recurso mais utilizado pelo cinema e pelo teatro (HUTCHEON,
2011, p.47), mas como as imagens são parte constitutiva e indissociável das
histórias em quadrinhos, este modo se encaixa perfeitamente nas
quadrinizações.
Contudo, devido às adequações realizadas magistralmente por Neil
Gaiman, pode-se dizer que, juntamente com o primeiro modo de engajamento
contar → mostrar, a adaptação de The Sandman ocorre também num modo
mais próximo do que chamarei de contar ←→ contar uma vez que, tanto o mito
de Orfeu em Metamorfoses quanto sua quadrinização fazem com que o leitor
também realize uma percepção por meio das palavras escolhidas pelo narrador
e realize a construção dos elementos da história através da narração que
acontece através das ações dos personagens, da linguagem escrita e pela
passagem dos quadrinhos, abrangendo ainda mais as abordagens do que a
adaptação poderia ter caso se limitasse apenas à imagem ou apenas às
palavras escritas.
Considerando as estruturas narrativas dos dois textos, conclui-se que
apesar das notáveis semelhanças, pois podemos identificar os mesmos
elementos estruturais narrativos postulados por Barthes também na
quadrinização, a narrativa da HQ não perde suas especificidades. Portanto, ao
considerar os níveis narrativos, atribuí-se mais destaque nas HQs ao nível da
narração e seus aspectos, pois eles constituem uma das características mais
importantes nas histórias em quadrinhos. Estes aspectos dos níveis da
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narração dizem respeito à atitude tomada pelo narrador para com o leitor. Nas
HQs essa relação pode ser estabelecida tanto através das legendas, que
atuarão como o narrador onisciente da “visão por trás”, quanto através da
passagem dos quadrinhos, que prossegue juntamente com a ação dos
personagens e serão parte da “visão com”. Apesar transição ser desenhada de
forma fragmentada o leitor fará a junção das unidades narrativas mentalmente
e assim construirá o sentido e o fluxo da narração.
Assim, a adaptação de “A Canção de Orfeu” dá uma nova roupagem
para o mito, tornando-o numa história imagética mais acessível e aproximando
a mitologia do grande público.
Aproveitar-se da popularidade da HQ é uma boa forma de fazer com
que os alunos adentrem no mundo da mitologia de forma leve, porém eficaz. A
presença de outros personagens míticos além de Orfeu e Eurídice dá vazão a
estudos que direcionem para outros mitos, como o de Perséfone, de Íxion, de
Tântalo e etc., expandindo o conhecimento em mitologia clássica.
Além disso, a rapidez e dinamicidade que a história ganha após de sua
adaptação possibilita um trabalho de leitura e interpretação com o texto integral
de “A Canção de Orfeu” na sala de aula, no lugar de optar por exercícios que
façam uso de excertos, sendo viável até mesmo em situações nas quais os
professores não tenham tempo de trabalhar com versões mais longas.
No entanto, para que as adaptações se tornem um bom recurso
didático de iniciação à literatura mítica é necessário criar um trabalho que
desperte o senso crítico e histórico nos alunos para fazê-los reconhecer as
especificidades tanto da obra fonte quanto da obra adaptada. Também é
importante que os alunos reconheçam as adaptações como adaptações e não
julguem a quadrinização a partir de sua fidelidade para com a obra fonte ou
ainda, como um recurso literário inferior ou de segunda categoria.
Levando em consideração o nível de leitura dos estudantes brasileiros,
principalmente aqueles que estudam em escolas públicas, usar quadrinizações
na sala de aula significa fazer com que os alunos entrem em contato com obras
literárias que eles dificilmente teriam acesso em outra de situação. Significa
aproximá-los dos cânones e fazê-los compreender que a mitologia está
presente na vida deles e que é possível abordar essas obras a partir de
diferentes perspectivas. Por fim, significa despertar o interesse pelas obras
41

fonte e criar um leitor ativo na sociedade, igualando o acesso à literatura nas


diversas camadas da sociedade.

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