Você está na página 1de 137

Donald A.

Norma
Autor de O design do dia-a-dia

Por que adoramol


(ou detestamo.s)
os obiJrto� do

r�----
Sumário

Prefácio à Edição Brasileira 11

Prólogo: Três Bules de Chá 23

Parte 1: O Significado dos Objetos

Objetos Atraentes Funcionam Melhor 37


2 As Múltip las Faces da Emoção e do Design 55

Parte li: O Design na Prática

3 Três Níveis de Design: Visceral, Comportamental


e Reflexivo 85
4 Diversão e Games 123
5 Pessoas, Lugares e Objetos 161
6 Máquinas Emocionais 189
7 O Futuro dos Robôs 225

Epílogo: Somos Todos Designers 243


Considerações Pessoais e Agradecimentos 258
Notas 265
Referências 273
Prefácio à Ed ição Brasi lei ra

BuLEs DE CHÁ, AUTOMÓVEIS, COMPUTADORES, APARELHOS DE TELE-


visão, jornais, livros, caixas eletrônicos, alarmes, DVD players, bal-
des, mochilas, jogos, relógios, aparelhos de som, facas de cozinha,
ferramentas, espremedores de laranja, telefones celulares, suvenires,
torradeiras ... Vivemos cercados de objetos que nos divertem, frus-
tram, encantam, envergonham, acalmam, aborrecem, alegram, desa-
pontam e facilitam (ou dificultam) nosso dia-a-dia.
Há quem defenda que "Design" e "Emoção" já convivem há
muito tempo. Mas o fato é que apenas recentemente esta união foi
registrada oficialmente com o nome de "Design Emocional", tor-
nando público e evidente o fato de que não apenas usamos, mas tam-
bém adoramos e detestamos objetos ... Além de forma física e funções
mecânicas, os objetos assumem "forma social" e "funções simbóli-
cas''. Os designers voltam sua atenção para as pessoas e o modo como
elas interpretam e interagem com o meio físico e social. E passam a
projetar com foco na emoção e com a intenção de proporcionar expe-
riências agradáveis.
É, portanto, uma honra e também uma grande responsabilidade
apresentar a tradução do livro Design emocional: por que adoramos (ou
detestamos) os objetos do dia-a-dia, de Donald Norman, uma das pri-
meiras e mais conhecidas obras a abordar a emoção sob a perspecti-
va do design.

PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 11


Emoção, Norman e Design divertidos, melodiosos, amigáveis, curiosos e irrita-se com objetos
barulhentos, feios, ininteligíveis, desengonçados e desobedientes,
Aristóteles, Adam Smith, Baruch Espinoza, Charles Darwin, David como qualquer um de nós.
Hume, Fiódor Dostoievski, Immanuel Kant, Jean-Paul Sartre, Lev
Vigotski, Marcel Proust, Platão, René Descartes, Sigmund Freud,
Thomas Hobbes, William James, William Shakespeare... A lista de O QUE SÃO as emoções? Expressões universais e inatas de base gené-
nomes ilustres aponta a riqueza de perspectivas e vozes que trataram tica e biológica? Fenômeno de natureza subjetiva e intuitiva? Cons-
a fascinante questão da emoção. Objeto de reflexão há milênios, a truções sociais aprendidas no processo de socialização? E qual é sua
emoção vem despertando especial interesse nas últimas décadas e relação com os objetos do dia-a-dia? Qual é sua relação com o design
manifestando-se em inúmeras publicações assinadas por neurocien- e a prática de projetar?
tistas, psicólogos, filósofos, antropólogos e sociólogos, dirigidas para Em Design emocional: por que adoramos (ou detestamos) os objetos
o meio acadêmico e para o público em geral (Antonio Damásio, do dia-a-dia, Norman reúne o enfoque teórico das ciências cog-
1996 e 2004; Michael Lewis, 1993; Catherine Lutz, 1988; Thomas nitivas; sua sólida e vasta experiência profissional e seu olhar criterio-
Dixon, 2003; Dylan Evans, 2001). so sobre as ações da nossa vida cotidiana para dar sua resposta a essas
Neste cenário, o design - com seu modo interdisciplinar de ser questões. Nele, o cientista cognitivo, o profissional experiente e o
- vem visitando campos distintos em busca de respaldo teórico e usuário atento nos levam à sua casa, a laboratórios de pesquisa, escri-
metodológico para colocar em prática a idéia de projetar levando em tórios de design, fábricas, reuniões de trabalho, minas de carvão, pré-
consideração a emoção que os produtos despertam nos usuários. dios em chamas, supermercados, museus, missões espaciais, lojas,
cinemas, encontros com amigos e nos trazem uma visão singular
sobre o lugar da emoção no design e, sobretudo, por que adoramos
GRADUADO EM engenharia elétrica e Ph.D em psicologia, Donald (ou detestamos) os objetos do dia-a-dia.
Norman é professor, e um dos pioneiros a trabalhar no campo das De acordo com Norman, "uma das maneiras pelas quais as emo-
ciências cognitivas que, como explica, é "uma combinação de psico- ções trabalham é por meio de substâncias químicas neuroativas que
logia cognitiva, ciência da computação e engenharia, campos de tra- penetram determinados centros cerebrais" e modificam a percepção,
balho analíticos cujos membros se orgulham do rigor científico e o comportamento e os parâmetros de pensamento. Para o cientista
raciocínio lógico". .. cognitivo, as emoções são inseparáveis da cognição e fazem parte de
Donald Norman é, também, sócio fundador da Nielsen Norman um sistema de julgamento do que é bom ou ruim, seguro ou perigo-
Group, empresa de consultoria de desenvolvimento de produtos, e so e de formulação de "juízos de valor que nos permitem sobreviver
membro do conselho consultivo da Evolution Robotics, empresa melhor" . Elas são guias constantes em nossas vidas, afetando a
que cria robôs domésticos. Foi ainda vice-presidente da Apple e exe- maneira como nos comportamos, pensamos, tomamos decisões e
cutivo em importantes empresas de alta tecnologia como a Hewlett interagimos uns com os outros. Para o autor, "de fato a emoção torna
Packard. você inteligente".
Donald Norman é, ainda, um usuário crítico e exigente que Segundo Norman, somos "os mais complexos dos animais com
gosta de visitar galerias de arte, aprecia boa música, orgulha-se de sua estruturas cerebrais também bastante complexas" e além de mecanis-
casa projetada por um arquiteto, encanta-se com objetos belos, mos de proteção básicos do corpo, temos mecanismos cerebrais

DESIGN EMOCIONAL PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 13


12
poderosos para realizar coisas, criar, agir. Podemos ser artistas, músi- Enquanto os níveis visceral e comportamental se manifestam no
cos, atletas, escritores, carpinteiros. Temos consciência de nosso tempo presente, envolvendo os sentimentos que acontecem no ato
papel no mundo. Podemos refletir e aprender com nossas experiên- de se ver e usar um produto, o nível reflexivo se estende por muito
cias, e nos preparar para o futuro. mais tempo e envolve sentimentos como o orgulho (ou o constran-
A partir de seus estudos sobre emoção, Norman sugere que gimento) de ter, exibir ou usar um produto.
somos resultado de três diferentes níveis de estruturas do cérebro: o Dentre os muitos exemplos para ilustrar os três níveis do design,
nível visceral, automático ou pré-programado, faz julgamentos rápi- encontra-se o inusitado espremedor "Juicy Salif" de Philippe Starck.
dos - como o que é bom ou ruim, seguro ou perigoso - e pode ter Norman conta que tão logo o viu disse para si mesmo: "Uau, eu
suas ações inibidas ou ampliadas através de sinais de controle vindos ~ se perguntou: "O que e.
quero. " So' entao ', Para que server' Quanto
de outros níveis. O nível comportamental refere-se aos processos cere- custa?", decidindo: "Vou comprar." Ele prossegue, revelando que seu
brais que controlam a maior parte de nossas ações - como andar de espremedor faz parte de uma edição especial de aniversário, banhada
bicicleta, tocar um instrumento musical, dirigir um carro. Ele pode a ouro, e veio acompanhado com cartão n umerado explicitando que
aperfeiçoar ou inibir o nível visceral e ter suas ações aperfeiçoadas ou a peça não deveria ser usada como espremedor, pois o banho de ouro
inibidas pelo nível superior, o reflexivo. O nível reflexivo refere-se à poderia ser danificado em contato com líquidos ácidos. Analisando
seu "Juicy Salif" de ouro sob o ponto de vista dos três níveis do
interpretação, compreensão e raciocínio e à parte contemplativa do
cérebro. É nele que são processadas ações como apreciar uma obra de design, Norman conclui:
arte, sentir saudades de um amigo, torcer para um time de futebol.
Comprei um espremedor caro, mas não posso usd-lo para fazer suco!
Esses três níveis operam entrelaçados e são identificados na nossa
Nota zero para o design comportamental E daí? Orgulhosamente,
reação aos objetos, podendo "ser mapeados em termos de caracterís-
exibo o espremedor no saguão da minha casa. Nota cem para a atra-
ticas de produto", como sugere Norman. Traduzindo sua visão sobre
ção visceral. Nota cem para a atração reflexiva.
as emoções para o universo do design, o cientista cognitivo nos apre-
senta ao que chama de "os três níveis de design":
Finalizando, Norman confessa que não resistiu e acabou usando -
O design visceral diz respeito aos aspectos físicos e ao primeiro
apenas uma vez - o espremedor de ouro para fazer suco.
impacto causado por um produto. O design comportamental diz res-
peito ao uso sob o ponto de vista objetivo e refere-se à função que o
produto desempenha, à eficácia com que cumpre sua função, à faci- Alg umas voltas com Donald Norman pelo
lidade com que o usuário o compreende e o opera e demais aspectos Design Emocional
relacionados ao modo como o produto "se comporta" junto ao usuá-
rio. "Confunda ou frustre a pessoa que está usando o produto e terá As páginas deste livro estão repletas de exemplos de objetos que nos
como resultado emoções negativas", alerta Norman. fazem sentir burros e trapalhões, nos salvam na hora do pânico, nos
O design reflexivo diz respeito ao uso sob o ponto de vista subje- irritam, nos enternecem, nos assustam, nos intrigam e, sobretudo,
tivo e abrange as particularidades culturais e individuais, memória nos levam a ampliar nossa atenção para o que sentimos quando usa-
afetiva e os significados atribuídos aos produtos e a seu uso, entre mos um produto. Elas nos apresentam situações de projeto instigan-
outros aspectos da ordem do intangível. tes, cabendo nesta apresentação fazer um rápido tour.

14 DESIGN EMOCIONAL PREFÁCIO À EDIÇÃO BRAS I LEIRA 15


Em nossa primeira parada, Norman nos faz perceber o barulho podem vir a ser usados em "situações estressantes exige muito mais
dos objetos. Ouvimos um sólido "dunque" e deduzimos que a porta cuidado, e muito mais atenção ao detalhe".
de um carro foi bem fechada. Mas ouvimos também "bipes" e "bon- Chegamos ao Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados
gues" de equipamentos eletrônicos, motores de ventiladores, de Unidos, onde Norman trabalhou investigando informações sobre
utensílios domésticos, de carros, sirenes, entre outros sons, que tecnologia e contraterrorismo. Lá ele nos alerta para as práticas do
embora úteis, são "emocionalmente desconcertantes, dissonantes, que chama "engenharia social", usada por hackers, ladrões e terroris-
irritantes". Em meio à sinfonia de barulhos, Norman ensina que os tas para explorar e manipular nossa confiança e boa vontade em pro-
sons são importantes atributos dos objetos e que é preciso "dedicar veito próprio. Poucas pessoas não são confiáveis, "mas essas poucas
atenção à estética do sinal, tornando-o melódico e acolhedor, em vez pessoas podem causar danos tão graves, que não temos muita escolha
de estridente e penetrante". Como exemplo, ele nos faz ouvir o gra- exceto desconfiar de todo mundo e de tudo", lamenta Norman. Esta
cioso acorde que a belíssima chaleira desenhada por Richard Sapper é mesmo uma situação complexa de projeto, pois como explica
emite quando a água ferve. E também alarmes e campainhas que Norman, quando procedimentos de segurança criam entraves para
devem alertar o usuário sobre situações de risco, sem assustar e cau- trabalhadores bem-intencionados, eles acabam encontrando manei-
sar ansiedade. ras de evitá-los. Com isso acabam, também, tornando-se vulneráveis.
Norman agora nos leva pelo "lado tortuoso do design". Nas lojas Como projetar objetos e procedimentos para proteger e, ao mesmo
da Gap e da Banana Republic, ele nos faz reparar nos lay-outs padro- tempo, não atrapalhar o usuário?
Em nova parada, Norman nos conta que costuma ser chamado
nizados e simplificados. Já na Diesel, o clima é outro: a música tech-
para prever o produto que vai se tornar "a bola da vez" e que todos
no toca alto, uma televisão exibe uma inusitada luta de boxe japonês,
vão querer, mas confidencia que previsões exatas são simplesmente
não há placas, nem funcionários à vista. Norman nos convida a pen-
impossíveis. O experiente consultor nos revela, no entanto, uma
sar: "Então, qual é a abordagem correta?", deixar os clientes à vonta-
categoria que quase sempre garante o sucesso de um produto: a inte-
de ou confundi-los e intimidá-los deliberadamente?
ração social. O telefone celular, ilustra ele, é muito mais do que um
Estamos no Laboratório de Mídia do MIT. Lá, o professor
simples instrumento de comunicação. "O celular é fundamental-
Hiroshi Ishii nos convida a jogar pingue-pongue em uma mesa sobre
mente uma ferramenta emocional e um faci litador social."
a qual se projeta a imagem de um lago com peixes nadando. Cada Mais adiante, Norman reflete sobre o papel dos robôs e nos con-
vez que a bola bate na mesa, o computador faz com que ondulações vence de sua utilidade no desempenho de missões perigosas e arrisca-
em círculo se espalhem e os peixes se dispersem~ Maravilhado com das, tarefas caseiras e ações mecânicas e burocráticas. Mas quando
esta e outras divertidas experiências apresentadas pelo professor Ishii, ameaçam o trabalho das pessoas, os robôs levantam sérias questões.
Norman passa a refletir sobre como "a tecnologia deveria trazer mais Ele reconhece o lado prejudicial da disseminação e, também, da não
a nossas vidas do que o desempenho aperfeiçoado de tarefas". disseminação de máquinas inteligentes e robôs, mas acredita que a
Entramos no cinema e alguém grita: "Fogo!" Todos correm em engenhosidade h umana empregada na criação dessas poderosas
direção às portas de saída e as empurram. As portas não abrem e as máquinas reflete nossa capacidade de superar problemas. Norman
pessoas empurram com mais força. "As portas de auditórios têm de defende que a pobreza, a fome, desigualdades e guerras resultam
se abrir para fora, e têm de se abrir sempre que houver pressão sobre mais dos males das pessoas do que de nossa tecnologia. Para ele, a
elas", alerta Norman, lamentando o fato de muitas pessoas já terem introdução de máquinas inteligentes e emocionais não mudará esta
sido vítimas de situações como essas. O projeto de produtos que situação, nem para pior, nem para melhor. Norman acredita que:

16 DESIGN EMOCIONAL PREFÁCIO À ED I ÇÃO BRASILE I RA 17


Para mudar o mal, devemos confrontá-lo diretamente. É um proble- Norman responde que: "A melho r coisa que um designer pode
ma social, político e humano, não tecnológico. Isto, é claro, não mini- fazer é pôr as ferramentas nas mãos deles" e ilustra que:
miza o problema nem nos absolve de trabalhar em busca de uma solu-
ção. Mas a solução deve ser social e política, não tecnológica. Os web sites pessoais na internet oferecem uma ferramenta podero-
sa para as pessoas se manifestarem, para interagirem com outras ao
Norman nos lembra que vivemos uma nova era e que as máqui- redor do mundo, e para encontrarem comunidades que valorizem
nas - a cada dia mais inteligentes - brevemente serão dotadas de suas contribuições.
afeto e emoção. O impacto pode ser tanto positivo, quanto negativo.
Alertando-nos para as conseqüências de nossas invenções, avisa: "É Para demonstrar o efeito de algumas ferramentas, Norman traz o
assim que são as coisas com toda a tecnologia: é uma faca de dois depoimento de um leitor:
gumes, sempre combinando benefícios em potencial com prejuízos
em potencial." Meu próprio web site (. . .) é impossível imaginar a vida sem ele. O
Nosso tour termina com Norman nos dizendo que: site me traz amigos e aventuras, viagem e elogios, humor e surpre-
sas. Tornou-se minha interface com o mundo. Sem ele, uma parte
importante de mim não existiria.
Somos todos designers
Norman chega ao fim de seu livro insistindo que: "Todos nós somos
Somos todos designers quando reorganizamos objetos e móveis em
designers - porque temos de ser."
nossas casas, quando escolhemos o livro que queremos ler, quando
nos decidimos por este ou aquele sapato e transformamos coisas e
- Mas Norman, e quando é que adoramos objetos?
espaços em nossas próprias coisas e espaços. Somos todos designers
quando "transformamos casas em lares, espaços em lugares, objetos
Quando alguma coisa dá prazer, quando se torna uma parte de nos-
em pertences". Embora não tenhamos controle sobre o design dos
sas vidas, e quando a maneira como interagimos com ela define
muitos objetos que compramos, somos livres para escolher o que
usamos e como, onde, com quem e quando os usamos. nosso lugar na sociedade e no mundo, então temos amor.
"Mesmo que isso pareça trivial e superficial, a essência do design
está presente: um conjunto de escolhas, algumas melhores que outras
e talvez nenhuma plenamente satisfatória." Avaliar e escolher a O LIVRO DE Donald Norman traz muito mais do que respostas para
melhor alternativa. Assim podemos resumir o ato de projetar. a razão pelas quais adoramos ou detestamos objetos do dia-a-dia.
"Todos nós somos designers - e temos de ser", repete Norman. O livro de Donald Norman ressalta o poder do design de imagi-
Os designers profissionais podem criar produtos que sejam um pra- nar e fazer existir o que antes não existia e de afetar as pessoas, a
zer de olhar e usar. Mas não podem tornar alguma coisa pessoal ou sociedade e o planeta, muito, pouco, para o bem, para o mal. Ele for-
com a qual se criem vínculos. "Ninguém pode fazer isso por nós: talece a idéia de que o design não é uma atividade neutra, mas resul-
temos de fazê-lo nós mesmos", sentencia Norman. tado de um processo consciente e intencional, que expressa o modo
de interpretar a realidade de seus criadores (Dunne and Raby, 2001 ;
- Mas designers profissionais não podem ajudar os usuários a criar Attfield, 2000; Cardoso, 1998). Fortalece, ainda, o fato de que "toda
vínculos? a vez que desenhamos um produto, estamos fazendo uma afirmação a

18 DESIGN EMOCIONAL PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 19


respeito da direção em que o mundo vai se mover. Temos, portanto, DUNNE, Anthony e RABY, Fiona (200 1). Design Nair: the secret life ofelec-
que nos perguntar constantemente: o produto que estamos desenhan- tronic objects. Base!: Birkhauser.
do é relevante?" (Stefano Marzano in Man u, 1995: 70). Fortalece, EVANS, Dylan (2001) . Emotion: The Science ofSentiment, Oxford: Oxford
também, o projeto de um novo modelo de "bom design", orientado University Press.
pelo efeito (e não pela forma) dos produtos, e que, tanto quanto uma LEWIS, Michael (Ed.) (1993). Handbook of Emotions. Nova York: The
conduta ética, demandará instrumentos para avaliar as conseqüências Guilford Press.
de suas ações e para entender a sociedade para quem projeta. LUTZ, Catherine (1988) . Unnatural Emotions: Everyday Sentiments in a
O livro de Donald Norman, finalmente, revela q ue a melhor Micronesian Atol! and their Challenge to Western Theo ry. Chicago: T he
coisa que um designer pode fazer é pôr ferramentas nas mãos das pes- University of Chicago Press.
soas para que elas transformem suas coisas e lugares em suas próprias
coisas e lugares. E nos faz pensar que é possível e desejável "imaginar
e fazer existir" ferramentas para potencializar a tolerância, a solidarie-
dade e o respeito pelo outro. Ferramentas para engajar as pessoas na
luta contra a fome, contra a violência, contra o preconceito e todo
tipo de exploração da vida. Ferramentas, enfim, que contribuam para
o bem coletivo e para a construção de uma socied,.de mais virtuosa,
plural e inclusiva.
Boa leitura!

VERA ÜAMAZIO E CLÁUDIA MüNT'ALVÃO

Referênc ias b ibliográficas

ATTFIELD, Judy (2000) . Wild Things: the material êulture o/everyday life.
Oxford: Berg.
CARDOSO, Rafael (1998) . Design, cultura material e o fetichismo dos objetos.
Arcos - Design, cultura material e visualidade, Rio de Janeiro: ESDI /
UERJ, pp. 15-39, vol. I, número único.
DAMASlO, Antonio (1996) . O erro de Descartes. Emoção, razão e cérebro
humano. São Paulo: Companhia das Letras.
_ ___ (2004). Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimen-
tos. São Paulo: Companhia das Letras.
DIXON, Thomas (2003). From passiom to emotions: The creation o/a secular
psychological category. Nova York: Cambridge Univcrsity Press.

20 DESIGN EMOCIONA L PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 21


Prólogo

Três Bules de Chá


Se quiserem uma regra de ouro que se aplique a rodo o
mundo é a seguinte: Não renham nada em suas casas
que não saibam que seja útil ou achem que seja bonito.

- W illiam Morris
The Beauty ofLife, 1880

Eu TENHO UMA COLEÇÃO DE BULES DE cHA. UM DELES É coMPLE-


!LUSTRAÇÃO1 ILUSTRAÇÃO 2 tamente impossível de ser usado - a alça fica do mesmo lado que o
Um bule de chá impossível. O bule de chá Nanna, de Michael Graves.
bico. Foi inventado pelo artista francês Jacques Carelman, que o cha-
(Coleção do autor. Tão charmoso que não consegui resistir.
mou de cafeteira: uma "cafeteira para masoquistas". A minha é uma
Fotografia de Ayman Shamma) (Coleção do autor.
Fotografia de Ayman Shamma) cópia da original. Uma fotografia dela aparece na capa de meu livro
O design do dia-a-dia.
A segunda peça de minha coleção é um bule de chá chamado
Nanna, cuja singular natureza gorducha, de formas arredondadas,
bem roliças, é surpreendentemente atraente. O terceiro é um bule de
chá complicado, mas prático, inclinado, feito pela empresa alemã
Ronnefeldt.
A cafeteira Carelman é, propositalmente, impossível de ser
usada. O bule de chá Nanna, criado pelo famoso arquiteto e desig-
ner de produtos Michael Graves, parece desajeitado, mas, na verda-
de, funciona muito bem. O bule inclinado, que descobri ao tomar
um chá completo no Four Seasons Hotel de Chicago, foi criado
tendo em mente os diferentes estágios de preparo da infusão. Para
usá-lo, eu ponho as folhas de chá na prateleira-filtro interna (que não
ILUSTRAÇÃO 3a, b e c é visível, fica dentro do bule) e deito o bule de costas, enquanto as
O bule de chá indinado Ronnefeldt. folhas ficam mergulhadas na água quente. Quando a infusão está che-
Ponha as folhas de chá na "prateleira-filtro interna" (não é visível, mas fica imediatamente gando ao ponto desejado, inclino o bule num ângulo, descobrindo
acima e paralela ao friso saliente arredondado que se vê ao redor do bule), encha com água
quente e deite o bule de costas (fotografia a). À medida que o chá escurecer, incline o bule,
parcialmente as folhas. Quando o chá está pronto, ponho o bule de
como se vê na fotografia b. Finalmente, quando o chá estiver pronto, ponha o bule na ver- pé, de modo que as folhas não fiquem mais em contato com a água.
tical, como se vê na fotografia e, de modo que a água não toque mais nas folhas e o chá não
fique amargo. PRÓLOGO: TRÊS BULES DE CHÁ 23
Qual desses bules eu uso com mais freqüência? Nenhum deles.
Eu tomo chá todas as manhãs. De manhã cedo, a eficiência vem
em primeiro lugar. De modo que, quando acordo, vou direto à cozi-
nha e aperto o botão de uma chaleira japonesa enquanto, com a
colher, encho um pequeno recipiente redondo de metal com chá,
coloco-o na minha xícara, encho de água fervendo, espero alguns
minutos para que as folhas fiquem embebidas e a infusão esteja no
ponto; e meu chá está pronto para ser bebido. É rápido, eficiente e
fácil de limpar. Por que sou tão apegado aos bules de chá? Por que os
mantenho no nicho diante da janela da cozinha? Mesmo quando
não estão sendo usados, estão lá, bem visíveis.
Aprecio meus bules de chá, não só pela função de fazer chá, mas
porque são esculturas artísticas. Quando recebo convidados ou
tenho tempo disponível, preparo meu chá no bule Nanna por causa
de seu charme, ou no bule de inclinar por sua engenhosidade. O
design é importante para mim, mas minha escolha depende da oca-
ILUSTRAÇÃO 4
sião, do contexto e, sobretudo, do meu humor. Eles não são apenas Três bules de chá: obras de arte na janela acima da pia da cozinha.
utilitários. Na qualidade de objetos de arte, eles alegram meu dia. (Coleção do autor. Fotografia de Ayman Shamma)
E, talvez, o mais importante, é o fato de que cada um transmita um
significado próprio, cada um tenha sua história. Um reflete meu pas-
sado, minha cruzada pessoal contra objetos impossíveis de serem usa- Os bules de chá também ilustram três diferentes aspectos do
dos. Outro reflete meu futuro, minha campanha em prol da beleza. design: o visceral, o comportamental e o reflexivo. O design visceral
E o terceiro representa uma fascinante mistura de funcionalidade e diz respeito às aparências. Nesse aspecto é que o bule Nanna sedes-
charme. taca - gosto muito de sua aparência, especialmente quando está
cheio com as tonalidades âmbares do chá, iluminado por baixo pela
A his tória dos bules de chá ilustra vários aspectos do design de
chama de sua vela. O design comportamental diz respeito ao prazer e
produto, usabilidade (ou sua falta), estética e praticidade. Ao criar
à efetividade no uso. Nesse aspecto tanto o bule inclinado quan to
um produto, um designer tem diversos fatores a considerar: a esco- minha bolinha de metal são vencedores. Finalmente, o design refle-
lha do material, o processo de fabricação, a maneira como o produ- xivo considera a racionalização e a intelectualização de um produto.
to é comercializado, o custo e a praticidade, e em que medida o pro- Posso contar uma história a respeito disso? Isso é importante para
duto é fácil de usar, de compreender. Muitas pessoas, contudo, não minha auto-imagem, para meu orgulho? Eu adoro mostrar às pessoas
se dão conta de que também existe um forte componente emocional como o bule inclinado funciona, explicando como a posição do bule
na maneira como os produtos são concebidos e postos em uso. Neste indica o estado do chá. E, é claro, o "bule de chá para masoquistas"
livro, defendo que o lado emocional do design pode ser mais decisi- é inteiramente reflexivo. Não é especialmente bonito. E com certeza
vo para o sucesso de um produto que seus elementos práticos. não é útil. Porém, que história maravilhosa ele conta!

24 DESIGN EMOC I ONAL PRÓLOGO: TRÊS BULES DE CHÁ 25


Esse contraste vem de uma longa tradição intelectual que se orgulha
do raciocínio lógico e racional. As emoções estão deslocadas numa
sociedade sofisticada e bem-educada. Elas são resíduos das nossas
origens animais, mas nós, seres humanos, temos de aprender a nos
aperfeiçoar e superá-las.
Tolice! As emoções são inseparáveis da cognição constituindo
parte necessária dela. Tudo o que fazemos, tudo o que pensamos tem
um toque de emoção, freqüentemente inconsciente. Por sua vez,
nossas emoções mudam a maneira como pensamos, e servem como
guias constantes para o comportamento apropriado, afastando-nos
do m al e guiando-nos para o bem.
Alguns objetos evocam emoções fortes e positivas, tais como
amor, apego e felicidade. Ao publicar uma análise sobre o carro Mini
ILUSTRAÇÃO 5
O Mini Cooper S. Cooper da BMW [ilustração 5], o New York Times observou: "Não
"É justo d izer que quase nenhum novo veículo, de que, recentemente, se tenha lem- importa a opinião que se tenha dos atributos dinâmicos do Mini
brança provocou mais sorrisos." (Cortesia de BMW AG.) Cooper, que variam de muito bons a mínimos; é justo dizer que
quase nenhum novo veículo, de que, recentemente, se tenha lem-
brança, provocou mais sorrisos." O carro é tão divertido de olhar e
Além do design de um objeto, também existe um componente de dirigir, que o autor do artigo sugere que não levemos em conta
pessoal que nenhum designer ou fabricante pode oferecer. Os obje- seus defeitos.
tos em nossas vidas são mais que meros bens materiais. Temos orgu- Alguns anos atrás, participei de um programa de rádio com o
lho deles, não necessariamente porque estejamos exibindo nossa designer Michael Graves. Eu tinha acabado de criticar uma das cria-
riqueza ou status, mas por causa dos significados que eles trazem ções de Graves, o bule de chá "Rooster", por ser bonito de olhar, mas
para nossas vidas. Um objeto favorito é um símbolo, que induz a difícil de usar - enchê-lo de água quente era correr o risco de se escal-
uma postura mental positiva, um lembrete que nos traz boas recor- dar - quando telefonou um ouvinte que tinha um Rooster.
dações, ou por vezes uma expressão de nós m~mos. E esse objeto - Eu adoro meu bule de chá - declarou ele. - Quando acordo de
sempre tem uma história, uma lembrança e algo que nos liga pessoal- manhã e vou tropeçando para a cozinha preparar meu chá, ele sempre
mente àquele objeto em particular, àquela coisa em particular. me faz sorrir. - A mensagem dele parecia ser: "Que importância tem,
Visceral, comportamental e reflexiva: essas três dimensões muito se é um pouco difícil de usar? É só ter cuidado. Ele é tão bonito que me
diferentes estão sempre entrelaçadas em qualquer design. Não é pos- faz sorrir, e fazer isso logo de manhã cedo é o mais importante."
sível ter design sem todas as três. Todavia, o mais importante, repa-
Um efeito colateral do mundo atual, tecnologicamente avança-
rem em como esses três componentes combinam ao mesmo tempo
do, é que é muito comum detestar os objetos com que precisamos
emoções e cognição.
interagir. Reflitam sobre a raiva e a frustração que muitas pessoas
Isso acontece a despeito da tendência comum de pôr cognição
sentem quando usam computadores. Em um artigo sobre a "raiva de
em posição antagônica à emoção. Enquanto se diz que a emoção é
computador", um jornal londrino a definiu da seguinte maneira:
quente, animalesca e irracional, a cognição é fria, humana e lógica.

PRÓLOGO: TRÊS BULES DE CHÁ 27


26 DESIGN EMOCIONAL

Ili
"Começa com um ligeiro aborrecimento, então os cabelos de sua ção e engenharia, campos de trabalho analíticos cujos membros se
nuca começam a se arrepiar e suas mãos a suar. Não demora muito e orgulham do rigor científico e raciocínio lógico.
você está batendo no computador ou berrando com a tela, e pode Em minha vida pessoal, contudo, eu visitava galerias de arte,
muito bem acabar dando um tapa na pessoa sentada a seu lado." ouvia e tocava música, e me orgulhava da casa em que morava, pro-
Nos anos 1980, quando escrevi O design do dia-a-dia, não levei jetada por um arquiteto. Enquanto esses dois lados de minha vida
em conta as emoções. Abordei a utilidade e a usabilidade, função e estavam separados, não havia nenhum conflito. Mas logo no princí-
forma, tudo de maneira lógica e desapaixonada, apesar do fato de pio de minha carreira, vivi a experiência de enfrentar um desafio sur-
detestar objetos mal concebidos em termos de design. Mas agora preendente, vindo de uma fonte improvável: o uso de monitores
mudei. Por quê? Em parte, por causa dos novos avanços científicos coloridos para computadores.
Nos primeiros anos do computador pessoal, monitores com
em nossa compreensão sobre o cérebro e sobre como emoção e cog-
telas coloridas não existiam. A maioria das telas tinha imagem em
nição são absolutamente entrelaçadas. Nós, cientistas, agora com-
preto-e-branco. Sem dúvida, o primeiro computador Apple, o Apple
preendemos o quanto a emoção é importante e valiosa para a vida
II, podia exibir imagens em cores, mas para jogos: qualquer trabalho
diária. É claro que utilidade e usabilidade são importantes, mas sem
sério feito no Apple II era feito em preto-e-branco, geralmente o
diversão e prazer, alegria e entusiasmo, e até ansiedade e raiva, medo
texto branco num fundo preto. No início da década de 1980, quan-
e fúria, nossas vidas seriam incompletas.
do as telas coloridas inicialmente foram apresentadas ao mundo de
Em paralelo às emoções, há também um outro ponto importante:
computadores pessoais, tive dificuldade de compreender sua atração.
estética, atratividade e beleza. Quando escrevi O design do dia-a-dia, Naquele tempo, a cor era usada principalmente para marcar textos
minha intenção não era denegrir a estética nem a emoção. Eu simples- ou acrescentar uma decoração supérflua à tela. Do ponto de vista
mente queria elevar a usabilidade ao seu devido lugar no mundo do cognitivo, a cor não acrescentava nenhum valor que o contraste e o
design, lado a lado com a beleza e a funcionalidade. Acreditava que o sombreamento não pudessem oferecer. Mas as empresas insistiam
tópico da estética estava bem abordado em outras obras, de modo que em comprar monitores coloridos a um custo mais alto, a despeito de
o negligenciei. O resultado foram críticas merecidas de designers: "Se não terem qualquer justificativa científica. Evidentemente, a cor
fôssemos seguir a receita de Norman, nossos projetos poderiam todos estava satisfazendo alguma necessidade, mas não uma que pudésse-
ser fáceis de usar, mas também poderiam ser feios." mos aferir.
Isso é um julgamento muito duro. Infelizmente, a crítica é válida. Peguei emprestado um monitor colorido para ver qual era o
Projetos "usáveis" nem sempre são prazerosos de usar. E, como indica motivo de toda aquela discussão. Logo me convenci de que minha
minha história dos três bules de chá, um design atraente não é neces- avaliação original estava correta: a cor não acrescentava nenhum
sariamente o mais eficiente. Mas, esses atributos devem ser conflitan- valor que se pudesse discernir no trabalho quotidiano. Contudo, eu
tes? Podem beleza e inteligência, prazer e usabilidade andar juntos? me recusei a abrir mão do monitor colorido. Meu raciocínio me
Todas essas perguntas me impeliram a partir para a ação. Estava dizia que a cor não era importante, mas minha reação emocional me
intrigado com a diferença entre o meu eu científico e minha vida dizia o contrário.
pessoal. Na ciência, eu ignorava a estética e a emoção e me concen- Observem o mesmo fenômeno no cinema, na televisão e nos
trava na cognição. De fato, fui um dos pioneiros a trabalhar nos cam- jornais. No início, todos os filmes eram em preto-e-branco. Assim
pos do que hoje é conhecido como psicologia cognitiva e ciência como a televisão. Os produtores de cinema e os fabricantes de televi-
cognitiva. O campo da usabilidade tem suas raízes na ciência cogni- são resistiram à introdução da cor porque acrescentava custos enor-
tiva - uma combinação de psicologia cognitiva, ciência da computa- mes e muito pouca vantagem que se pudesse discernir. Afinal, uma

28 DESIGN EMOCIONAL PRÓLOGO: TRÊS BULES DE CHÁ 29


história é uma história - que diferença faz a cor? Mas vocês voltariam funciona melhor quando o dirige? Quando você toma banho e veste
a aparelhos de TV ou a filmes em preto-e-branco? Hoje, a única oca- roupas limpas e elegantes, não se sente melhor? E quando você usa
sião em que algo é filmado em preto-e-branco é por motivos artísti- uma ferramenta de jardinagem ou carpintaria, uma raquete de tênis
cos, estéticos: a falta da cor plena constitui um poderoso depoimen- ou um par de esquis, maravilhosos, bem equilibrados e esteticamen-
to emocional. A mesma lição não se transferiu plenamente para jor- te atraentes, não tem melhor desempenho?
nais e livros. Todo mundo concorda que a cor é, de maneira geral, Antes de prosseguir, permitam-me introduzir um comentário
preferida, porém se os benefícios são suficientes para superar os cus- técnico: aqui, estou falando de afeto - não só de emoção. Um tema
tos que acarreta é objeto de calorosas discussões. Embora a cor tenha importante deste livro é que boa parte do comportamento humano
se introduzido pouco a pouco nas páginas dos jornais, a maioria das é subconsciente, abaixo da percepção consciente. A consciência
fotografias e anúncios é ainda em preto-e-branco. Também com os chega depois, tanto na evolução quanto na maneira como o cérebro
livros: as fotografias neste livro são todas preto-e-branco, ainda que os processa as informações; muitos julgamentos já foram determinados
originais sejam coloridos. Na maioria dos livros, o único local onde a antes de alcançarem o nível da consciência. Tanto o afeto quanto a
cor aparece é na capa - presumivelmente para atraí-lo a comprar o livro cognição são sistemas de processamento de informações, mas pos-
- mas uma vez que você o tenha comprado, a cor não tem mais uso. suem funções diferentes. O sistema afetivo faz julgamentos e rapida-
O problema é que ainda permitimos que a lógica tome decisões mente ajuda você a determinar as coisas no ambiente que são perigo-
por nós, apesar do fato de nossas emoções nos dizerem o contrário. sas ou seguras, boas ou más. O sistema cognitivo interpreta e explica
Os negócios passaram a ser governados por tomadores de decisão o sentido lógico do mundo. Afeto é o termo genérico que se aplica ao
racionais e lógicos, por modelos empresariais e por contadores, sem sistema de julgamentos, quer sejam conscientes ou inconscientes.
nenhum espaço para a emoção. Uma pena! Emoção é a experiência consciente do afeto, completa com a atribui-
Nós, cientistas cognitivos, agora compreendemos que a emoção ção de sua causa e identificação de seu objeto. A sensação nauseante
é um elemento necessário da vida, afetando a maneira como você se e aflitiva que você pode sentir sem saber por quê, é afeto. Raiva de
sente, como você se comporta, e como você pensa. De fato, a emo- Harry, o vendedor de carros usados, que cobrou caro demais por um
ção torna você inteligente. Essa foi a lição de minha atual pesquisa. veículo insatisfatório, é emoção. Você está com raiva de alguma coisa
Sem emoções, sua capacidade de tomar decisões ficaria prejudicada. - Harry- por um motivo. Reparem que a cognição e o afeto influen-
A emoção está sempre fazendo juízos de valor, apresentando infor- ciam um ao outro: algumas emoções e sensações afetivas são motiva-
mações imediatas a respeito do mundo: aqui está um perigo em das e impulsionadas pela cognição, enquanto o afeto geralmente se
potencial, lá está um conforto em potencial; isto é bom, aquilo é choca com a cognição.
ruim. Uma das maneiras pelas quais as emoções trabalham é por Examinemos um exemplo simples. Imagine uma prancha de
meio de substâncias químicas neuroativas que penetram determina- madeira, longa e estreita, com dez metros de comprimento e um
dos centros cerebrais e modificam a percepção, a tomada de decisão metro de largura. Coloque-a no chão. Você consegue caminhar em
e o comportamento. Essas substâncias químicas neuroativas mudam cima dela? É claro. Você pode pular de ponta a ponta, dançar e até cami-
os parâmetros de pensamento. nhar ao logo dela com os olhos fechados. Agora apóie a prancha sobre
A surpresa é que nós agora dispomos de provas de que objetos suportes situados três metros acima do chão. Você ainda pode caminhar
esteticamente agradáveis contribuem para que você trabalhe melhor. em cima da prancha? Sim, embora vá fazer isso com mais cuidado.
Como vou demonstrar, produtos e sistemas que fazem com que você E se a prancha estivesse no ar, a cem metros de altura? A maioria
se sinta bem, são mais fáceis de lidar e produzem resultados mais efe- de nós não ousaria sequer se aproximar dela, embora o ato de cami-
tivos. Quando você lava e lustra seu carro, não lhe parece que ele nhar ao longo dela e manter o equilíbrio não deva ser mais difícil do

30 DESIGN EMOCIONAL PRÓLOGO: TRÊS BU LES DE CHÁ 31


que quando a prancha está no chão. Como pode uma simples tarefa, uma dada situação. É por isso que você se sente tenso e irritado
subitamente, tornar-se tão difícil? A parte reflexiva de sua mente quando está ansioso. As sensações de "náusea" e de "estar com nós"
pode racionalizar e ponderar que é tão fácil caminhar sobre a pran- no estômago não são imaginárias - são manifestações reais de como
cha a qualquer altura quanto no chão, mas o nível inferior automá- as emoções controlam seus sistemas musculares e até seu sistema
tico, visceral, controla seu comportamento. Para a maioria das pes- digestivo. Desse modo, os sabores e cheiros agradáveis fazem você
soas, o nível visceral vence: o medo domina. Você pode tentar justi- salivar, inalar e ingerir. Coisas desagradáveis fazem os músculos fica-
ficar seu medo ao afirmar que a prancha poderia quebrar, ou que, rem tensos como preparação para uma resposta. Um·gosto ruim faz
como está ventando, você poderia ser derrubado pelo vento. Mas a boca se franzir, a comida ser cuspida, e os músculos do estômago se
toda essa racionalização consciente vem a posteriori, depois que o sis- contraírem. Todas essas reações são parte da experiência de emoção.
tema afetivo liberou suas substâncias químicas. Isto porque o sistema Nós literalmente nos sentimos bem ou mal, relaxados ou tensos. As
afetivo funciona independentemente de pensamento consciente. emoções implicam julgamentos e preparam o corpo em consonância
Finalmente, afeto e emoção são cruciais para a tomada de deci- com eles. Seu eu consciente e cognitivo observa essas mudanças. Da
sões no dia-a-dia. O neurocientista Antonio Damasio estudou pes- próxima vez em que você se sentir bem ou mal com relação a qual-
soas que eram perfeitamente normais, em todos os sentidos, exceto quer coisa, mas não souber o porquê, ouça seu corpo, ouça a sabedo-
por lesões cerebrais que haviam causado danos ao sistema emocional. ria de seu sistema afetivo.
Como resultado disso, a despeito de sua aparência de normalidade, Da mesma forma que as emoções são básicas para o comporta-
elas eram incapazes de tomar decisões ou funcionar de modo eficien- mento humano, também são fundamentais para máquinas inteligen-
te no mundo. Embora pudessem descrever exatamente como deve- tes, especialmente as máquinas robóticas do futuro que ajudarão as
riam ter agido, não conseguiam decidir onde morar, o que comer, e pessoas em suas tarefas quotidianas. Robôs, para serem bem-sucedi-
que produtos comprar ou usar. Essas conclusões contradizem a cren- dos, terão de ter emoções (um tópico que abordarei em mais detalhe
ça comum de que a tomada de decisões é o centro do pensamento no capítulo 6). Não necessariamente iguais às emoções de seres
lógico e racional. Todavia pesquisas modernas confirmam que o sis- humanos, não obstante isso, serão emoções, feitas sob medida para
tema afetivo fornece assistência crítica para a tomada de decisão de acender às necessidades e às exigências de um robô. Além disso, as 1

máquinas e produtos do futuro poderão ter a capacidade de perceber

1
cada um de nós ao nos ajudar a fazer seleções rápidas entre o bom e
o ruim, reduzindo o número de coisas a ser consideradas. as emoções humanas e reagir de acordo com elas. Acalmá-lo quando
Pessoas sem emoções, como as no estudo de Damasio, são inca- você estiver irritado, diverti-lo, consolá-lo, brincar com você.
pazes de selecionar opções, especialmente se qualquer das escolhas Como já disse antes, a cognição interpreta e compreend e o
parece igualmente válida. Você quer ir ao médico na segunda ou na mundo ao seu redor, enquanto as emoções permitem que você tome
terça-feira? Você quer arroz ou batata cozida com seu prato? Escolhas decisões rápidas a respeito dele. De maneira geral, você reage emo-
simples? Sim, talvez simples demais: não há nenhuma forma racional cionalmente a uma situação antes de avaliá-la cognitivamente, uma
e lógica de decidir. É nessa situação que o sistema afetivo é útil. A vez que a sobrevivência é mais importante que o conhecimento e a
maioria de nós apenas decide escolher uma coisa, mas se nos pergun- compreensão. Mas, em algumas ocasiões, a cognição vem antes. Um
tam o porquê, não sabemos dizer: "Apenas tive vontade", costuma- dos poderes da mente humana é a capacidade de sonhar, de imaginar
mos responder. Uma decisão tem de "dar a sensação de que é boa", e de planejar. Nesse vôo criativo da mente, pensamento e cognição
ou é rejeitada, e este sentimento é uma expressão de emoção. desencadeiam a emoção e são, por sua vez, também modificados.
O sistema emocional também é intimamente ligado ao compor- Para explicar como isso ocorre, permitam-me agora abordar a ciência
tame nto, preparando o corpo para responder apropriadamente a do afeto e da emoção.

32 DESIGN EMOC I ONAL PRÓLOGO: TRÊS BU LE S DE CHÁ 33


PARTE 1

O Significado
dos Objetos
Capítulo l

Objetos Atraentes
Funcionam Melhor

Ü CIENTISTA ISRAELENSE, NOAM TRACTINSKY, FICOU INTRIGADO.


Sem dúvida os objetos atraentes devem ter preferência em relação aos
objetos feios, mas por que haveriam de funcionar melhor? Contudo,
no início da década de 1990, dois pesquisadores japoneses, Masaaki
Kurosu e Kaori Kashimura, afirmaram exatamente isso. Eles haviam
estudado diferentes layouts de painéis de controle de caixas eletrôni-
cos de banco, sendo que todas as versões de caixas eletrônicos eram
idênticas em função, no número de botões, e na maneira como ope-
ravam. Algumas, porém, tinham botões e telas dispostos de maneira
atraente, outras não atraentes. Surpresa! Os japoneses descobriram
que, na opinião dos usuários, as atraentes eram consideradas mais
fáceis de usar.
Tractinsky ficou desconfiado. Talvez o experimento tivesse defei-
tos. Ou talvez os resultados pudessem ser verdadeiros para japoneses,
mas certamente não para israelenses. "Claramente", declarou
Tractinsky, "as preferências estéticas dependem da cultura". Além
disso, prosseguiu ele, "a cultura japonesa é conhecida por sua tradi-
ção estética", mas e a israelense? Não, os israelenses são orientados
para a ação, eles não se importam com beleza. Por isso Tractinsky
repetiu o experimento. Obteve os layouts dos caixas eletrônicos de
Kurosu e Kashimura, traduziu-os do japonês para o hebraico, e pro-
jetou um novo experimento, com controles metodológicos rigoro-
sos. Não só ele chegou às mesmas conclusões dos japoneses, mas - ao
contrário de sua crença de que "não se esperava que houvesse correla-
ção" entre a usabilidade e estética - os resultados foram mais acen-
tuados em Israel do que no Japão. Tractinsky ficou tão surpreendido

OBJETOS ATRA E NTES FUNCIONAM MELHOR 37


que pôs a frase 'os resultados não eram esperados" em itálico, algo que vo, e hoje em dia as pesquisas estão se voltando para essa realidade.
é incomum fazer em escudos científicos, mas apropriado, em sua Uma conclusão me intrigou particularmente: a psicóloga Alice lsen
opinião, em virtude da conclusão inesperada. e seus colegas demonstraram que ser feliz amplia os processos de
No princípio dos anos 1900, H erbert Read, autor de inúmeros raciocínio e facilita o pensamento criativo. Isen descobriu que quan-
livros sobre arte e estética, declarou: "é preciso ter uma teoria um do se pedia que pessoas solucionassem problemas difíceis, problemas
tanto mística da estética para encontrar qualquer ligação necessária que exigiam raciocínio incomum, do tipo "grandes sacadas excepcio-
entre beleza e função", e essa crença ainda é comum hoje em dia. nais", elas se saíam muito melhor quando tinham acabado de receber
Como poderia a estética influenciar a facilidade em se usar algo? Eu um pequeno agrado - não um grande presente, mas algo que fosse o
havia acabado de começar um projeto de pesquisa examinando a suficiente para fazer com que se sentissem bem e satisfeitas. Quando
interação de afeto, comportamento e cognição, mas os resultados de você se sente bem, descobriu lsen, você se sai melhor em brainstor-
Tractinsky me incomodavam - eu não conseguia explicá-los. Apesar ming, em examinar múltiplas alternativas. E não é preciso muito
disso, eram intrigantes, e reiteravam minhas próprias experiências para fazer as pessoas se sentirem bem. Tudo que Isen tinha de fazer
pessoais, algumas das quais descrevi no prólogo. Enquanto refletia era pedir às pessoas que assistissem a alguns minutos de uma comé-
sobre os resultados dos experimentos dei-me conta de que eles se dia bem engraçada ou que recebessem um saquinho de balas.
encaixavam na nova estrutura que meus colaboradores de pesquisa e Há muito tempo sabemos que quando as pessoas estão ansiosas,
eu estávamos construindo, bem como com os novos resultados no tendem a estreitar os processos de raciocínio, concentrando-se em
estudo de afeto e emoção. Emoções, nós agora sabemos, mudam a aspectos diretamente relacionados ao problema. Essa é uma estraté-
maneira como a mente humana soluciona problemas - o sistema gia útil para escapar de perigos, mas não para pensar em novas abor-
emocional muda a maneira como o sistema cognitivo opera. Assim, dagens imaginativas para um problema. Os resultados de Isen mos-
se a estética mudasse nosso estado emocional, isso explicaria o misté- tram que quando as pessoas estão mais relaxadas e felizes, seus pro-
rio. Vou explicar o que quero dizer. cessos de raciocínio se expandem, tornando-se mais criativos, mais
Até recentemente, a emoção era uma parte pouco explorada da imaginativos.
psicologia humana. Algumas pessoas acreditavam que fosse um resí- Esses e outros achados sugerem o papel da estética no design de
duo de nossas origens animais. A maioria pensava em emoções como produtos: objetos atraentes fazem as pessoas se sentirem bem, o que
um problema que devia ser superado pelo pensamento racional lógi- por sua vez faz com que pensem de maneira mais criativa. Como isso
co. E a maior parte das pesquisas se concentrava em emoções negati- faz com que alguma coisa se torne mais fácil de usar? A resposta é
vas como estresse, medo, ansiedade e raiva. Os estudos mais recentes simples: ao fazer com que se torne mais fácil para as pessoas encon-
reverteram completamente essa visão. A ciência hoje sabe que os ani- trar soluções para os problemas com que se deparam. Com a maioria
mais mais avançados em termos evolucionários são mais emotivos dos produtos, se na primeira tentativa o resultado desejado não é
que os primitivos, sendo que os seres humanos são os mais emocio- alcançado, a resposta mais natural é tentar de novo, só que com mais
nais de todos. Além do quê, as emoções desempenham papel funda- esforço. No mundo atual, de produtos computadorizados, é muito
mental em nossa vida quotidiana, aj udando a avaliar situações como improvável que fazer a mesma operação uma vez após a outra renda
sendo boas ou más, seguras ou perigosas. Conforme expliquei no melhores resultados. A resposta correta é buscar soluções alternati-
prólogo, as emoções auxiliam na tomada de decisão. Emoções posi- vas. A tendência de repetir a operação uma vez após a outra é espe-
tivas são tão importantes quanto as negativas - as emoções positivas cialmente provável para as pessoas ansiosas ou tensas. Este estado de
são básicas para o aprendizado, a curiosidade e o pensamento positi- afeto negativo leva as pessoas a se concentrar nos detalhes problemá-

38 DESIGN EMOCIONAL OBJETOS ATRAENTES FUNCIONAM MELHOR 39


ticos, e se essa estratégia fracassa em produzir uma solução, elas se Três Níveis de Processamento:
tornam ainda mais tensas, mais ansiosas, e aumentam sua concentra- Visceral, Comportamental e Reflexivo
ção nesses detalhes desagradáveis. Comparem esse comportamento
com as pessoas que estão num estado emocional positivo, mas se Os seres humanos são, é claro, os mais complexos dos animais, com
debatendo com o mesmo problema. Essas pessoas tendem a olhar ao estruturas cerebrais também bastante complexas. Muitas das prefe-
redor em busca de abordagens alternativas, que muito provavelmen- rências estão presentes desde o nascimento, como parte dos mecanis-
te conduzirão a um resultado satisfatório. Depois, as pessoas tensas e mos de proteção básicos do corpo. Mas também temos mecanismos
ansiosas reclamarão das dificuldades, enquanto que as relaxadas e cerebrais poderosos para realizar coisas, para criar, e para agir.
felizes provavelmente nem sequer se lembrarão delas. Em outras Podemos ser talentosos artistas, músicos, atletas, escritores ou car-
palavras, pessoas felizes são mais eficientes em encontrar soluções pinteiros. Tudo isso exige uma estrutura cerebral muito mais com-
alternativas e, como resultado disso, são tolerantes com pequenas plexa do que as envolvidas em respostas automáticas ao mundo. E
dificuldades. Herbert Read acreditava que precisaríamos de uma teo- finalmente, únicos dentre os animais, possuímos linguagem e arte,
ria mística para ligar a beleza e a função. Bem, foram precisos cem humor e música. Somos conscientes de nosso papel no mundo e
anos, mas atualmente temos uma teoria, baseada em biologia, neu- podemos refletir a respeito de experiências passadas, para aprender
rociência e psicologia, não em misticismo. melhor; com relação ao futuro, para estarmos mais bem preparados;
Os seres humanos evoluíram ao longo de milhões de anos para e interiormente, para melhor lidar com as atividades corriqueiras.
funcionar eficazmente no rico e complexo meio ambiente do mundo. Meus estudos sobre emoção, conduzidos com meus colegas
Nossos sistemas perceptivos, límbico e motor - que significam o Andrew Ortony e William Revelle, professores do Departamento de
controle de todos os nossos músculos - tudo evoluiu para nos fazer Psicologia na Northwestern University, sugerem que esses atributos
funcionar melhor no mundo. Afeto, emoção e cognição também humanos resultam de três diferentes níveis de estruturas do cérebro:
evoluíram para interagirmos e complementar-nos uns com os a camada automática, pré-programada, chamada de nível viscera4 a
outros. A cognição interpreta o mundo, levando a aumentar a com- parte que contém os processos cerebrais que controlam o comporta-
preensão e o conhecimento. O afeto, que inclui emoção, é um siste- mento quotidiano, conhecida como nível comportamenta4 e a parte
ma de julgamento do que é bom ou mau, seguro ou perigoso. Isso contemplativa do cérebro, ou nível reflexivo. Cada nível desempenha
cria juízos de valor que nos permitem sobreviver melhor. um papel diferente no funcionamento integral das pessoas. E, como
O sistema afetivo também controla os músculos do corpo e, examinarei em detalhe no capítulo 3, cada nível exige um estilo dife-
através de neurotransmissores químicos, muda a maneira como o rente de design.
cérebro funciona. As ações musculares nos deixam prontos para Os três níveis em parte refletem as origens biológicas do cérebro,
reagir, mas também servem como sinais para outras pessoas com a começar pelos organismos mais primitivos e evoluindo lentamente
quem nos defrontamos, o que cria mais um importante papel para para os animais mais complexos, para os vertebrados, os mamíferos
a emoção como comunicação: nossa postura corporal e expressão e, finalmente, para os macacos e os humanos. Para simples animais,
facial dão aos outros pistas com relação a nosso estado emocional. a vida é uma série contínua de ameaças e oportunidades, e os animais
Cognição e afeto, compreensão e avaliação - juntos formam uma têm de aprender a responder apropriadamente a cada uma delas. Os
equipe poderosa. circuitos cerebrais básicos, portanto, são na verdade mecanismos de
resposta: analisam uma situação e respondem. Esse sistema é estrei-
tamente ligado aos músculos do animal. Se alguma coisa é ruim ou
perigosa, os músculos do animal se tensionam em preparação para

40 DESIGN EMOCIONAL
OBJETOS ATRAENTES FUNCIONAM MELHOR 41

J[III
cercas para alcançar nossas metas, mas também podemos recordar e
fugir, atacar ou se imobilizar. Se alguma coisa é boa ou desejável, o
pensar sobre a experiência - refletir a respeito delas - e decidir mudar
animal pode relaxar e aproveitar a situação. À medida que a evolução
a cerca ou o alimento de lugar, de modo que não tenhamos de dar a
continuou, os circuitos de análise e resposta se aprimoraram e setor-
volta nela da próxima vez. Também podemos contar o problema a
naram mais sofisticados. Ponha uma tela de arame entre o animal e
outras pessoas, de modo que elas também saberão o que fazer antes
algum alimento desejável: é provável que uma galinha fique empaca-
da para sempre, lutando contra a cerca, mas sem conseguir alcançar mesmo de chegar lá.
Animais tais como lagartos operam principalmente no nível vis-
a comida; um cachorro simplesmente corre ao redor dela. Os seres
ceral. Esse é o nível de rotinas fixas, onde o cérebro analisa o mundo
humanos têm um conjunto de estruturas cerebrais ainda mais desen-
e responde. Cachorros e outros mamíferos, contudo, têm um nível
volvidas. Eles podem refletir a respeito de suas experiências e co-
superior de análise, o nível comportamental, com um cérebro com-
municá-las aos outros. Desse modo, nós não só damos a volta em
plexo e poderoso que pode analisar uma situação e alterar o compor-
tamento de acordo com ela. O nível comportamental em seres
humanos é especialmente valioso para operações rotineiras bem
Sensorial ----- aprendidas. É onde o especialista talentoso atinge o auge.
Reflexivo I Motor
No nível evolucionário de desenvolvimento mais alto, o cérebro

0--- RL'º"~ humano pode pensar sobre suas próprias operações. É aí que reside a
reflexão, o pensamento consciente, o aprendizado de novos concei-
tos e generalizações a respeito do mundo.
O nível comportamental não é consciente, e este é o motivo pelo
Comportamentali~ (

I 1
-~
---,'I,,.
qual você pode com sucesso dirigir seu automóvel subconsciente-
mente no n ível comportamental, enquanto conscientemente pensa a
respeito de outra coisa no nível reflexivo. Profissionais altamente
bem treinados fazem uso dessa facilidade. Deste modo, pianistas
Visceral talentosos e experientes podem deixar que seus dedos toquem auto-
maticamente enquanto refletem sobre a estrutura de ordem superior
!LUSTRAÇÃO 1.1 da música. É por esse motivo que eles podem manter conversas
Três níveis de processamento: Visceral, Comportamental e Reflexivo. enquanto tocam e por que músicos, por vezes, se perdem, ficam sem
O nível visceral é veloz: ele faz julgamentos rápidos do que é bom ou ruim, seguro saber o lugar onde estão na música e têm de ouvir a si mesmos tocar
ou perigoso, e envia os sinais apropriados para os músculos (o sistema motor) e aler- para descobrir em que trecho estão. Ou seja, o nível reflexivo foi per-
ta o resto do cérebro. Este é o princípio do processamento afetivo. Eles são biologi-
dido, mas o comportamental funcionou muito bem.
camente determinados e podem ser inibidos ou ampliados através de sinais de con-
trole vindos de cima. O nível comportamental é onde se localiza a maior parte do Agora vamos examinar alguns exemplos desses três níveis em
comportamento humano. Suas ações podem ser aperfeiçoadas ou inibidas pela ação: andar numa montanha-russa; cortar e picar comida com uma
camada reflexiva e, por sua vez, ela pode aperfeiçoar ou inibir a camada visceral. A faca bem afiada numa sólida tábua de madeira; e contemplar uma
camada mais alta é a de pensamento reflexivo. Observe que ela não tem acesso dire- obra de arte ou de literatura importante. Essas três atividades nos
to nem às informações sensoriais nem ao controle do comportamento. Em vez disso,
causam impacto de maneiras diferentes. A primeira é a mais primiti-
ela observa, reflete sobre o nível comportamental e tenta influenciá-lo.
va, a reação visceral às descidas e às subidas em velocidade excessiva.
(Modificado a partir de uma ilustração de Daniel Russell para Norman,
A segunda, o prazer de usar um a boa ferramenta eficientemente,
Ortony, & Russell, 2003.)

OBJETOS ATRAENTES FUNCIONAM MELHOR 43


42 DESIGN EMOCIONAL
que se seguem a andar na montanha-russa: o orgulho de dominar o
medo e de poder se gabar a respeito disso com outras pessoas. Em
ambos os casos, a angústia visceral compete com o prazer reflexivo -
nem sempre de maneira bem-sucedida, pois muitas pessoas se recu-
sam a fazer uma volta dessas ou, tendo feito uma vez, se recusam a
fazê-lo de novo. Mas isso aumenta o prazer daqueles que vão andar
de montanha-russa: sua auto-imagem é reforçada porque eles ousa-
ram fazer uma ação que os outros rejeitam.

Foco e Criatividade

Os três níveis interagem entre si, cada um modulando o outro.


Quando a atividade se inicia dos níveis mais inferiores e viscerais, é
chamada de "de baixo para cima". Quando a atividade vem do nível
mais alto, reflexivo, é chamada de comportamento "de cima para
baixo". Esses termos vêm da maneira padrão de se mostrar as estru-
!LUSTRAÇAO 1.2 turas de processamento do cérebro, com as camadas inferiores asso-
As pessoas pagam para sentir medo. ciadas à interpretação de informações sensoriais para o corpo e as
A montanha-russa opõe um nível de emoção - o sentido visceral de medo - a um camadas superiores aos processos superiores de raciocínio de forma
outro nível - o orgulho reflexivo de realizar uma proeza.
muito semelhante à que é mostrada na ilustração 1. 1. Processos de
(Fotografia de Bill Varie© 2001 Corbis, todos os direitos reservados.)
baixo para cima são aqueles impulsionados pela percepção, enquan-
to os de cima para baixo são impulsionados pelo pensamento. O
refere-se aos sentimentos que acompanham a realização de tarefas
cérebro muda sua maneira de operação quando é banhado por agen-
especializadas, e originam-se do nível comportamental. Esse é o pra-
tes químicos líquidos chamados neurotransmissores. Um neuro-
zer que qualquer especialista sente quando faz bem alguma coisa,
transmissor faz o que seu nome sugere: ele muda a maneira como os
como dirigir através de um percurso difícil ou interpretar uma obra
neurônios transmitem os impulsos neurais de uma célula nervosa
musical complexa. Esse prazer comportamentai, por sua vez, é dife-
para outra (isto é, por meio de sinapses). Alguns neurotransmissores
rente do proporcionado por uma obra de literatura ou de arte de
excitam a transmissão, alguns a inibem. Ao ver, ouvir, sentir, ou de
peso, cujo prazer se origina do nível reflexivo e exige estudo e inter-
outra forma perceber o meio ambiente, o sistema afetivo faz o julga-
pretação.
mento, alertando outros centros no cérebro, e liberando neurotrans-
O mais interessante de tudo é quando um nível está em disputa
missores apropriados para o estado afetivo. Isso é ativação de baixo
com um outro, como acontece na montanha-russa. Se a montanha-
para cima. Pense em alguma coisa no nível reflexivo e os pensamen-
russa é tão assustadora, por que é tão popular? Existem no mínimo
tos são transmitidos para os níveis inferiores que, por sua vez, libe-
dois motivos. Primeiro, algumas pessoas adoram sentir medo: elas
ram neurotransmissores.
apreciam a grande excitação e a descarga aumentada de adrenalina
O resultado é que tudo o que fazemos tem, ao mesmo tempo,
que acompanham o perigo. O segundo motivo vem dos sentimentos
um componente cognitivo e um componente afetivo - cognitivo

44 DESIGN EMOCIONAL OBJETOS ATRAENTES FUNCIONAM MELHOR 45


para atribuir significado, afetivo para atribuir valor. Não se pode do autor do artigo que escreveu sobre o automóvel Mini Cooper,
escapar do afetivo: ele está sempre presente. Mais importante, o esta- citado no prólogo, que recomendou que os defeitos do carro fossem
do afetivo, quer seja positivo ou negativo, muda a maneira como ignorados porque o veículo era tão divertido? Segundo, quando as
pensamos. pessoas estão ansiosas, ficam mais concentradas, assim quando for
Quando você está num estado afetivo negativo, sentindo-se esse o caso, o designer deve prestar atenção especial para se assegurar
ansioso ou em perigo, os neurotransmissores focalizam o processa- de que todas as informações necessárias à realização da tarefa estejam
mento do cérebro. O foco se refere à capacidade de se concentrar continuamente disponíveis, facilmente visíveis, com respostas claras
sobre um tópico, sem distração, e então examinar cada vez mais pro- e não ambíguas sobre as operações que o aparelho estiver realizando.
fundamente o assunto, até alguma resolução ser alcançada. O foco Os designers podem escapar impunes sem sofrer cobranças ou críti-
também implica concentração nos detalhes. É muito importante cas se o produto for divertido e prazeroso. Os objetos feitos para
para a sobrevivência, que é onde o afeto negativo desempenha um serem usados em situações estressantes exigem muito mais cuidado,
papel importante. Sempre que seu cérebro detecta alguma coisa que e muito mais atenção ao detalhe.
poderia ser perigosa, quer por meio de processamento visceral ou Um efeito interessante das diferenças nos processos de raciocínio
reflexivo, seu sistema afetivo age para tensionar os músculos em pre- dos dois estados é o impacto sobre o próprio processo do design. O
paração para a ação e alertar os níveis comportamental e reflexivo design - assim como, a maioria da solução de problemas - exige
para pararem e se concentrarem no problema. Os neurotransmisso- raciocínio criativo, seguido por um período considerável de esforço
res influenciam o cérebro a centrar o foco no problema e a evitar dis- concentrado. No primeiro caso, criatividade, é bom que o designer
trações. Isso é exatamente o que você precisa fazer para lidar com o esteja relaxado, de bom humor. Desse modo, em sessões de brainstor-
pengo. ming, é comum que se faça um "aquecimento" que inclua contar pia-
Quando você está num estado afetivo positivo, ocorrem exata- das, fazer brincadeiras e jogos. Nenhuma crítica é permitida porque
mente ações opostas: os neurotransmissores ampliam o processa- elevaria o nível de ansiedade entre os participantes. O bom brainstor-
mento do cérebro, os músculos podem relaxar, e o cérebro cuida das ming e o raciocínio criativo incomum exigem um relaxamento indu-
oportunidades oferecidas pelo afeto positivo. O alargamento signifi- zido pelo afeto positivo.
ca que você agora está muito menos concentrado, e tem muito mais Uma vez completado o estágio criativo, as idéias que foram gera-
probabilidade de ser receptivo a interrupções e a dedicar-se a qual- das têm de ser transformadas em produtos de verdade. Nesse momen-
quer nova idéia ou acontecimento. O afeto positivo desperta a curio- to, a equipe de design precisa dedicar considerável atenção aos deta-
sidade, envolve a criatividade e torna o cérebr~o um organismo efi- lhes. O foco é essencial. Uma forma de fazer isso é através de prazos
ciente de aprendizado. Influenciado por um estado afetivo positivo, limites apenas ligeiramente menores do que seriam considerados
você tem mais probabilidade de ver a floresta do que as árvores, de razoáveis. Essa é a hora para o foco concentrado que o afeto negati-
preferir o quadro amplo e não se concentrar em detalhes. Por outro vo produz. Esse é um dos motivos pelos quais as pessoas impõem
lado, quando você está triste ou ansioso, ou influenciado por um prazos limites a si próprias, e depois anunciam esses prazos aos
estado afetivo negativo, é mais provável que você veja as árvores antes outros de modo a torná-los reais. Sua ansiedade as ajuda a completar
da floresta, os detalhes antes do quadro mais amplo. o trabalho.
Que papel esses estados têm no design? Primeiro, alguém que É complicado criar coisas que devam conciliar ramo raciocínio
está relaxado e contente, num humor agradável, é mais criativo, mais criativo quanto foco. Suponhamos que a tarefa de design seja cons-
capaz de deixar passar e lidar com pequenos problemas de um equi- truir uma sala de controle para os operadores de uma planta indus-
pamento qualquer, especialmente se for divertido de usar. Lembra-se trial - seja uma usina de energia nuclear ou uma grande indústria de

46 DESIGN EMOCIONAL OBJETOS ATRAENTES FUNCIONAM MELHOR 47


produtos químicos, mas as mesmas lições se aplicam a muitas insta- namento que suas reações serão automáticas. Mas esse treinamento
lações de manufatura e produção. O design tem como objetivo real- só funciona se for repetido freqüentemente e se o desempenho for
çar algum procedimento ou função críticos - digamos, por exemplo, testado. Na aviação comercial, os pilotos e a tripulação são bem trei-
permitir que os operadores na sala de controle supervisionem suas nados, mas os passageiros não. Muito embora viajantes freqüentes
instalações e solucionem problemas à medida que eles surgem - de continuamente ouçam e vejam as instruções sobre como escapar do
modo que é provavelmente melhor ter afeto neutro ou ligeiramente avião em caso de incêndio ou de queda, eles ficam sentados passiva-
negativo para manter as pessoas atentas, ligadas e concentradas. Isso mente, apenas parcialmente atentos. Não é provável que se lembrem
exige um ambiente atraente e agradável, de modo que, ao fazer a delas numa emergência.
monitoração normal, os operadores se mantenham criativos e aber- "Fogo", grita alguém numa sala de cinema. Imediatamente todo
tos para explorar novas situações. Uma vez que algum parâmetro da mundo dispara para as saídas. O que eles fazem na porta de saída?
planta industrial se aproxime de um nível perigoso, contudo, o Empurram. Se a porta não abre, empurram com mais força. Mas, e
design deve mudar de atitude emocional, criando um afeto negativo se a porta se abre para dentro e deve ser puxada e não empurrada?
que mantenha os operadores concentrados na tarefa imediata. Pessoas extremamente ansiosas e altamente concentradas têm muito
Como se projeta algo para passar de um estado afetivo positivo pouca probabilidade de pensar em puxar.
para um estado afetivo negativo? Existem várias maneiras. Uma é Quando estão sob efeito de extrema ansiedade - intenso estado
através do uso do som. A aparência visual da instalação pode ser afetivo negativo - as pessoas se concentram em escapar. Quando che-
positiva e agradável. Durante a operação normal, é possível até tocar gam à porta, empurram. E quando isso n ão funciona, a resposta
música ambiente suave, a menos que a sala de controle esteja locali- natural é empurrar com mais fo rça. Um número incontável de pes-
zada num lugar onde os sons da planta industrial operando possam soas morreu em resultado disso. Atualmente, as regras de segurança
ser usados para indicar seu estado. M as tão logo exista qualquer pro- contra incêndio exigem o que é chamado de "equipamento de pâni-
blema, a música deveria cessar e alarmes deveriam começar a soar. co". As portas de auditórios têm de se abrir para fora, e têm de se
Alarmes como toques de cigarra, campainhas altas, são negativos e abrir sempre que houver pressão sobre elas.
produzem ansiedade, de modo que a simples presença deles poderia De maneira semelhante, ao projetar escadas de saída de emer-
criar o efeito desejado. De fato, o problema é não exagerar: o excesso gência os designers precisam bloquear qualquer caminho direto do
de ansiedade produz um fenômeno conhecido como "visão de túnel", andar térreo para os andares abaixo deles. Caso contrário, as pessoas
em que as pessoas ficam com o foco tão concentrado, que podem dei- usando uma escada para fugi r de um incêndio teriam a probabilida-
xar de ver as alternativas que, de outro modo, seriam evidentes. de de deixar de ve r o andar térreo e continuar descendo até o subso-
Os perigos do excesso de foco são bem conhecidos das pessoas lo - e alguns prédios têm vários níveis de subsolo - e acabar presas.
que estudam acidentes. Portanto, exigem-se design e treinamento
especiais de pessoas, se queremos que tenham um bom desempenho
em situações de grande estresse. Basicamente, por causa da extrema O Cére bro Prep arado
concentração de foco e da visão de túnel induzidas pela alta ansieda-
de, a situação tem de ser projetada de modo a minimizar a necessida- Em bora o nível visceral seja a parte mais primitiva e mais simples do
de de raciocínio criativo. É por isso que os profissionais são treina- cérebro, é sensível a uma variedade muito ampla de condições gene-
dos, repetidas vezes, para enfrentar situações de acidente, através de ticamente determinadas, desdobrando-se lentamente ao longo do
exercícios de treinamento e simuladores, de modo que se um verda- curso da evolução. Contudo, todas elas partilham da mesma proprie-
deiro acidente acontecer, eles o terão vivenciado tantas vezes no trei- dade: a condição pode ser reconhecida simplesmente pelas informa-

48 DESIGN EMOCIONAL OBJE TOS ATRAEN TES FUNCIONAM MELHOR 49


ções sensoriais. O nível visceral é incapaz de raciocínio, de comparar - sons rangentes e discordantes,
uma situação com a história anterior. Ele funciona através do que os - corpos humanos deformados,
cientistas cognitivos chamam de "combinação padrão". Para que as - serpentes e aranhas,
pessoas são programadas geneticamente? Para as situações e objetos - fezes humanas (e seu cheiro),
que, ao longo da história evolucionária, oferecem alimento, calor ou - fluidos corporais de outras pessoas,
proteção e causam afeto positivo. Essas condições incluem: -vômito.
- lugares aquecidos e bem iluminados, Essas listas são as suposições que me parecem melhores no que
- clima temperado, diz respeito ao que poderia estar automaticamente programado no
- sabores e odores doces, sistema humano. Alguns dos itens ainda estão em discussão; outros
- cores alegres, de matizes intensamente saturados, provavelmente terão de ser acrescentados. Alguns são politicamente
- sons "tranqüilizadores" e melodias e ritmos simples, incorretos no sentido de que parecem produzir juízos de valor ou
- música e sons harmoniosos, dimensões que a sociedade considera irrelevantes. A vantagem que
- carícias, seres humanos têm sobre os animais é nosso poderoso nível reflexivo
- rostos sorridentes, que nos permite superar os ditames do nível visceral, puramente bio-
- cadências ritmadas, lógico. Podemos superar nossa herança biológica.
- pessoas "atraentes", Observe que alguns mecanismos biológicos são apenas predispo-
- objetos simétricos, sições, mais do que sistemas completos. Desse modo, embora seja-
- objetos lisos e arredondados, mos predispostos a ter medo de serpentes e aranhas, o medo verda-
- sensações, sons e formas "sensuais". deiro não está presente em todas as pessoas: precisa ser desencadeado
De maneira semelhante, aqui estão algumas das condições que por uma experiência. Embora a linguagem humana se origine dos
produzem afeto negativo automático: níveis comportamental e reflexivo, oferece um bom exemplo de
como as predisposições biológicas se mesclam com a experiência. O
- alturas,
cérebro humano vem pronto para a linguagem : a arquitetura do
- sons altos ou luzes muito intensas, súbitos e inesperados, cérebro, isto é, a maneira como os diferentes componentes são estru-
- objetos indistintos "pairando no ar" (objetos que parecem turados e interagem impõe a própria natureza da linguagem. As
estar prestes a bater no observador), crianças não vêm ao mundo com linguagem, mas sem dúvida vêm
- calor ou frio extremos, "' predispostas e prontas. Essa é a parte biológica. Mas a língua particu-
- escuridão, lar que se aprende, e o sotaque com que se fala são determinados pela
- luzes extremamente fortes ou sons extremamente altos, experiência. Como o cérebro é preparado para aprender línguas,
- terreno plano, vazio (desertos), todo mundo aprende, a menos que sofra de grave deficiência neuro-
- terreno denso, atravancado (selvas ou florestas), lógica ou física. Além disso, o aprendizado é automático: podemos
- multidões de pessoas ter de ir à escola para aprender a ler e escrever, mas não para ouvir e
- cheiros de podridão, alimentos em decomposição, falar. A linguagem falada - ou de sinais, para os surdos - é natural.
- sabores amargos, Embora as linguagens difiram, todas elas seguem certas regularidades
- objetos pontiagudos, universais. Mas uma vez que a primeira língua foi aprendida, ela
- sons estridentes abruptos, influencia intensamente o aprendizado de uma língua posterior. Se

50 DESIGN EMOCIONAL OBJETOS ATRAENTES FUNCIONAM MELHOR 51


você alguma vez tentou aprender uma segunda língua depois da ado- o desenvolvimento da linguagem. Este é um outro exemplo de que
lescência, sabe como é diferente de aprender a primeira, como é artistas, poetas neste caso, há muito tinham conhecimento do poder
muito mais difícil, como parece reflexiva e consciente se comparada dos sons de evocar afeto e emoções nos leitores de - ou para ser mais
com a experiência subconsciente e relativamente sem esforço de preciso, nos ouvintes de - poesia.
aprender a primeira língua. A pronúncia é a coisa mais difícil de Todos esses mecanismos pré-programados são vitais para a vida
aprender para o estudante de língua mais velho, de tal modo quepes- quotidiana e n ossas interações com pessoas e coisas. Consoante-
soas que aprendem uma segunda língua tarde na vida podem ser mente, eles são importantes para o design. Embora os designers pos-
completamente fluentes na fala, na compreensão e na escrita, mas sam usar este conhecimento do cérebro para tornar os projetos mais
conservar o sotaque de sua primeira língua. eficazes, não existe um conjunto de regras simples. A mente humana
Tinko e fosse são duas palavras na língua mítica dos elfos inven- é incrivelmente complexa e embora todas as pessoas tenham basica-
tada pelo filólogo britânico J. R. R. Tolkien para sua trilogia O mente a mesma forma de corpo e de cérebro, elas também têm enor-
senhor dos anéis. Qual das palavras "tinko "ou "fosse" significa "metal", mes diferenças individuais.
e qual significa "snow"? Como seria possível saber? A surpresa é que Emoções, humores, traços característicos e personalidade são
quando obrigadas a adivinhar, a maioria das pessoas acerta nas esco- todos aspectos das diferentes maneiras através das quais as mentes
lhas, mesmo se nunca leu os livros, nunca ouviu as palavras. Tinko das pessoas funcionam, especialmente no domínio afetivo, emocio-
tem dois sons duros e "plosivos" - o "t" e o "k". Losse tem sons suave nal. As emoções modificam o comportamento durante um período
e líquidos, a começar com o "l" e continuando com as vogais e o "ss" de tempo relativamente curto, pois reagem aos acontecimentos ime-
sibilante. Reparem no padrão similar nas palavras inglesas em que o diatos. As emoções têm períodos de duração relativamente curtos -
"t" duro de "metal" contrasta com os sons suaves de "snow". Sim, na m inutos ou horas. Os humores duram mais tempo, podendo ser
língua dos elfos, tinko é "metal" e fosse é "snow" . 1 medidos por vezes em horas ou dias. Os traços característicos têm
A demonstração na língua dos elfos indica o relacionamento uma duração de anos ou até mesmo uma vida inteira. E personalida-
\ .,,
entre os sons de uma língua e o significado de palavras. Ao primeiro de é a coleção particular de traços característicos de uma pessoa que
olhar, isso parece não fazer sentido - afinal, as palavras são arbitrá-
dura uma vida inteira. Mas todos eles também são mutáveis. Todos
rias. Contudo, cada vez mais se acumulam provas ligando sons a sig-
nós temos múltiplas personalidades, enfatizando alguns traços carac-
nificados gerais específicos. Por exemplo, vogais são calorosas e sua-
terísticos quando em família, um conjunto diferente quando com
ves: femininas é o termo freqüentemente usado. Sons ásperos são,
amigos. Todos nós mudamos nossos parâmetros de operação para
pois bem, ásperos - exatamente como o é a 12alavra áspero, e o som
que sejam apropriados à situação em que nos encontramos.
"sspr" em particular. Serpentes sibilam e deslizam. Sons plosivos,
sons criados quando o ar é retido brevemente e depois liberado - Você alguma vez já assistiu a um filme com grande prazer, depois
explosivamente - são duros, metálicos; a palavra "masculino" costu- o assistiu de novo e ficou a se perguntar que diabo foi que você viu
ma ser empregada com relação a eles. E o "k" de "mosquito" e os "ts" nele da primeira vez? O mesmo fenômeno ocorre em quase todos os
em contente são plosivos. E, sim, existem indicações de que as esco- aspectos da vida, quer em interações com pessoas, num esporte, num
lhas de palavras não são arbitrárias: um simbolismo sonoro governa livro, ou até num passeio pela floresta. Esse fenômeno pode ator-
mentar o designer que quer saber como conceber e projetar algo que
será atraente para todo mundo: a aceitação de uma pessoa é arejei-
1 Optou-se por não traduzir as palavras originais da língua inglesa (metal e snow) para
não prejudicar a explicação do autor. Na língua portuguesa "metal" significa metal e
ção de outra. Pior, o que é atraente em um momento, pode não ser
"snow" significa neve. (N. da E.) em outro.

52 DESIGN EMOC I ONAL OBJETOS ATRAENTES FUNCI ONAM MELHOR 53


A fonte dessa complexidade pode ser encontrada nos três níveis
de processamento. No nível visceral, as pessoas são mais ou menos
iguais no mundo inteiro. Sim, os indivíduos variam, de modo que Capítulo 2
embora quase todo mundo nasça com medo de alturas, este medo é
tão extremo em certas pessoas que elas não conseguem funcionar
normalmente - têm acrofobia. Contudo, outras têm apenas um leve As Múltiplas Faces
medo, e conseguem superá-lo o suficiente para praticar alpinismo,
trabalhar em circos ou ter outros empregos que as obriguem a traba-
da Emoção e do Design
lhar muito alto no ar.
Os níveis de processamento comportamental e reflexivo, con tu-
do, são muito sensíveis às experiências, treinamento e educação. Os
aspectos culturais têm um impacto enorme: o que uma cultura acha DEPOIS DO JANTAR, COM UM GRANDE FLOREIO, MEU AMI GO
atraente, uma outra pode não achar. De fato, a cultura adolescente Andrew me apresentou um lindo estojo de couro.
parece detestar coisas unicamente porque a cultura adulta gosta delas. -Abra - disse ele, orgulhosamente - e me diga o que acha.
Assim, o que deve o designer fazer? Em parte, esse é o tema do Eu abri o estojo. Dentro dele havia um reluzente conjunto de
resto deste livro. Mas as dificuldades devem ser vistas como oportu- aço inoxidável de instrumentos mecânicos antigos de desenho: com-
, nidades. Nunca faltarão aos designers coisas para fazer, novas aborda- passos, extensores para os compassos, uma variedade de pontas, gra-
gens a explorar. fites e canetas que podiam ser encaixados nos compassos. A única
coisa que faltava era a régua T, os esquadros e a mesa. E a tinta, o
nanquim preto:
- Lindo - respondi. - Bons e velhos tempos aqueles, em que
desenhávamos à mão, não com computador.
Ficamos ambos de olhos rasos d'água enquanto acariciávamos as
peças de metal.
- Mas quer saber? - prossegui. - Eu detestava aquilo. Meus ins-
trumentos sempre escorregavam, a ponta se movia antes que eu con-
seguisse terminar o círculo, e a tinta nanquim - nossa! - a tinta nan-
quim sempre borrava antes que eu conseguisse terminar um diagra-
ma. Estragava tudo! Eu costumava praguejar e berrar. Certa vez der-
ramei o vidro inteiro sobre o desenho, meus livros e a mesa. Nan-
quim não sai com água. Eu detestava. Detestava!
- Eu sei - disse Andrew, às gargalhadas - você tem razão. Tinha
me esquecido de como eu também detestava. Mas o pior de tudo era
tinta demais no bico-de-pena! Mas os instrumentos são bonitos, não é?
- Muito bonitos - respondi. - Desde que você não tenha de
usá-los!

54 DESIGN EMOCIONAL
AS MÚLTIPLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DESIGN 55
ESSA HISTÓRIA mostra os vários níveis do sistema cognitivo e emo-
cional - visceral, comportamental e reflexivo - em operação, lutan-
do entre si. Primeiro, o nível mais básico visceral responde com pra-
zer ao ver o estojo de couro bem projetado e os instrumentos relu-
zentes de aço inoxidável, e sentir seu peso confortável. Essa reação
visceral é imediata e positiva, disparando o gatilho do sistema refle-
xivo para pensar a respeito do passado, muitas décadas antes, "dos
bons e velhos tempos", em que meu amigo e eu usávamos realmente
aqueles instrumentos. Mas quanto mais refletimos a respeito dopas-
sado, mais nos lembramos das experiências negativas concretas e
nelas encontramos o conflito com a reação visceral inicial.
Recordamo-nos de como, na verdade, nos saíamos mal, de
como os instrumentos nunca estavam completamente sob controle,
por vezes fazendo com que perdêssemos horas de trabalho. Agora,
em cada um de nós, o visceral fica em oposição ao reflexivo. A visão
dos instrumentos clássicos é atraente, no entanto a memória do seu
uso é negativa. Como a intensidade da emoção desaparece gradual-
mente com o passar do tempo, o afeto negativo gerado por nossas ILUSTRAÇÃO 2.1
lembranças não supera o afeto positivo gerado pela visão dos pró- Sky diving com salto acrobático:
prios instrumentos. Um medo inato de alcuras ou uma experiência prazerosa?
Esse conflito entre diferentes níveis de emoção é comum no (Rocky Point Pictures, cortesia de Terry Schumacher.)
design: os produtos de verdade oferecem um conjunto contínuo de
conflitos. Uma pessoa interpreta uma experiência em muitos níveis,
mas o que agrada a um pode não agradar a outro. Um projeto bem- função, desempenho e usabilidade. A função de um produto especi-
sucedido tem de ser excelente em todos os níveis. Embora a lógica fica as atividades que ele suporta, para as quais ele foi projetado; se as
possa sugerir, por exemplo, que é mau negócio assustar clientes, par- funções são inadequadas ou não têm nenhum interesse, o produto
ques de diversões e temáticos têm muitos clientes para dar voltas em tem pouca valia. O desempenho diz respeito à medida em que o pro-
duto faz bem as funções desejadas; se o desempenho é inadequado, o
montanhas-russas e passeios em trenzinhos por casas mal-assom-
bradas projetadas para assustar. Mas o susto ocorre num ambiente produto fracassa. A usabilidade descreve a facilidade com que o usuá-
seguro e tranqüilizador. rio do produto pode compreender como ele funciona e como fazê-lo
As exigências de projeto para cada nível diferem enormemente. funcionar. Confunda ou frustre a pessoa que está usando o produto
O nível visceral é preconsciente, anterior ao pensamento. É onde a e terá como resultado emoções negativas. Mas se o produto fizer o
aparência importa e se formam as primeiras impressões. O design que é necessário, se for divertido de usar e com ele for fácil satisfazer
visceral diz respeito ao impacto inicial de um produto, à sua aparên- as metas, então o resultado é afeto positivo caloroso.
cia, toque e sensação. É somente no nível reflexivo que a consciência e os mais altos
O nível comportamental diz respeito ao uso, é sobre a experiên- níveis de sentimento, emoções e cognição residem. É somente nele
cia com um produto. Mas a própria experiência tem muitas facetas: que o pleno impacto tanto do pensamento quanto da emoção são

56 DESIGN EMOCIONAL AS MÚLT IP LAS FACES DA EMOÇÃO E DO DESIGN 57


Design visceral > Aparência
experimentados. Nos níveis inferiores, visceral e comportamental,
Design comportamental > Prazer e efetividade do uso
existe apenas afeto, mas sem interpretação ou consciência. Inter-
Design reflexivo > Auto-imagem, satisfação
pretação, compreensão e raciocínio só ocorrem no nível reflexivo.
pessoal, lembranças
Dos três níveis, o reflexivo é o mais vulnerável à variabilidade
através de cultura, experiência, grau de instrução e diferenças indivi-
Mesmo essas simplificações são difíceis de aplicar. Deveriam
duais. Esse nível também pode anular os outros. Daí, o prazer de
alguns produtos ser principalmente viscerais na atração, outros com-
uma pessoa com experiências viscerais desagradáveis ou assustadoras,
que poderiam repelir outras pessoas, ou alguém que desconsidere portamentais e outros reflexivos? Como podemos permutar as exi-
objetos que outras pessoas acham atraentes e agradáveis. A sofistica- gências em um nível pelas de outros? Como prazeres viscerais se tra-
ção traz consigo um desdém peculiar pelo que é de apelo popular, em duzem em produtos? As mesmas coisas que entusiasmam um grupo
que exatamente os aspectos do design que o tornam atraente para de pessoas não desagradarão a um outro? De maneira similar, com
muitas pessoas incomodam certos intelectuais. relação ao nível reflexivo, um componente profundamente reflexivo
Existe uma outra distinção entre os níveis: o tempo. Os níveis não será atraente para alguns e tedioso e repulsivo para outros? Po-
visceral e comportamental se referem ao "agora", seus sentimentos e demos todos concordar que o design comportamental é importante
experiências enquanto se está de fato vendo ou usando o produto. - ninguém nunca é contra a usabilidade - mas exatamente em que
Mas o nível reflexivo se estende por muito mais tempo - por meio da medida no esquema global das coisas? Como cada um dos três níveis
reflexão você se lembra do passado e considera o futuro. O design se compara em importância com os outros?
reflexivo, portanto, tem a ver com relações de longo prazo, com os A resposta é, evidentemente, que nenhum produto individual
sentimentos de satisfação produzidos por ter, exibir, e usar um pro- pode esperar satisfazer todo mundo. O designer deve conhecer o
público-alvo. Embora eu tenha descrito os três separadamente, qual-
duto. O sentido de identidade própria de uma pessoa está situado no
nível reflexivo, e é nele que a interação entre o produto e sua identi- quer experiência real envolve todos os três: um único nível é raro na
dade é importante, conforme demonstra o orgulho (ou a vergonha) prática e, se porventura existir, é mais provável que venha do nível
de ser dono ou de usar o produto. A interação entre cliente e serviço reflexivo, do que do comportamental ou do visceral.
é importante nesse nível. Considere-se o nível visceral do design. Por um lado, esse pare-
ceria ser o nível natural mais fácil de ser atraente, uma vez que suas
respostas são biológicas e similares para todos no mundo. Isso não se
Trabalhando com os três níveis traduz necessariamente de maneira direta em preferências. Além
disso, embora todas as pessoas tenham, grosso modo, a mesma forma
As maneiras como os três níveis interagem são complexas. Contudo, de corpo, o mesmo número de membros, e o mesmo aparato men-
para propósitos de aplicação, é possível fazer algumas simplificações tal, em detalhe elas diferem consideravelmente. As pessoas são atléti-
muito úteis. Desse modo, embora o cientista em mim proteste que o cas ou não, ativas ou preguiçosas. Os teóricos da personalidade divi-
que vou dizer a seguir é simples demais, o lado prático do designer e dem as pessoas de acordo com dimensões como extroversão, capaci-
engenheiro em mim afirma que a simplificação é boa e, mais impor- dade de ser agradável, percepção, estabilidade emocional e franque-
tante, útil. za. Para os designers, isso significa que nenhum projeto individual
Os três níveis podem ser mapeados em termos de características satisfará todo mundo.
de produto da seguinte maneira: Além disso, existem grandes diferenças individuais no grau de
uma resposta visceral. Assim, embora algumas pessoas adorem doces,

AS MÚLTIPLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DESIGN 59


58 DESIGN EMOCIONAL
especialmente chocolate (algumas afirmam ser viciadas ou "chocóla-
faça a todos. Alguns produtos, de fato, são vendidos para todos no
tras"), muitas podem ignorá-los, mesmo se gostarem deles. Quase
mundo inteiro, mas só podem ser bem-sucedidos se não existirem
todo mundo basicamente detesta sabores amargos e ácidos, mas pode-
alternativas reais ao produto, ou se conseguirem fazer o reposiciona-
se aprender a se afeiçoar a eles e, com freqüência, eles são os compo-
mento de sua atração para pessoas diferentes através da utilização
nentes das refeições mais caras. Muitos alimentos adorados por adul-
hábil do marketing e da propaganda. Por isso, a Coca-Cola e a Pepsi-
tos foram intensamente detestados quando provados pela primeira
Cola conseguem sucesso no mundo inteiro, em parte capitalizando
vez: café, chá, bebidas alcoólicas, pimenta, e há inclusive alimentos -
em cima de uma tendência universal para gostar de bebidas doces, e
como ostras, polvos e escargots - que deixam certas pessoas enojadas.
E embora o sistema visceral tenha evoluído para proteger o corpo em parte através de propaganda sofisticada e específica para cada cul-
contra perigos, muitas de nossas experiências mais comuns e aprecia- tura. Computadores pessoais são bem-sucedidos no mundo inteiro
das têm a ver com horror e o perigo: histórias e filmes de terror, per- porque seus benefícios superam suas (numerosas) deficiências e por-
cursos de desafio à morte, e esportes emocionantes e arriscados. E, que realmente não há alternativa. Mas a maioria dos produtos tem
como já mencionei, o prazer do risco e perigo percebido varia imen- de ser sensível às diferenças entre as pessoas.
samente entre as pessoas. Essas diferenças individuais são os compo- A única maneira de satisfazer uma ampla variedade de necessida-
nentes básicos da personalidade, as distinções entre as pessoas que des e de preferências é ter uma ampla variedade de produtos. Muitas
tornam cada um de nós único. categorias de produtos se especializam, cada um atendendo a um
público diferente. As revistas são um bom exemplo. O mundo tem
dezenas de milhares de revistas (quase 20 mil só nos Estados Unidos).
Saia. Fique ao ar livre. Respire ar fresco. Rara é a revista que tenta atender a todos.
Assista a um pôr-do-sol. A maioria das categorias de produtos - utensílios domésticos,
Como essas coisas envelhecem você depressa! ferramentas para reparos ou de jardinagem, mobília, material de
"",·, - anúncio do XBOX papelaria, automóveis - é fabricada e distribuída de maneira diferen-
(Videogame p/,ayerda Microsoft) te ao redor do mundo, com uma ampla variedade de estilos e formas
dependendo das necessidades e preferências do segmento de merca-
0 TEXTO DA CAMPANHA de publicidade da Microsoft para o XBOX do ao qual se destina. Segmentação de mercado é o termo que se usa
atrai adolescentes e jovens adultos (qualquer que seja a verdadeira para essa abordagem. As empresas fabricantes de automóveis lançam
idade deles) que buscam jogos de alta empolgação visceral, contras- uma variedade de modelos, e diferentes empresas enfatizam diferen-
tando com as pessoas que preferem a norma..comumente aceita de tes segmentos de mercado. Alguns são para pessoas mais velhas, mais
que crepúsculos e ar fresco são emocionalmente satisfatórios. O sossegadas e já estabelecidas na vida, alguns são para os jovens e aven-
anúncio põe em oposição as emoções reflexivas de estar ao ar livre e
tureiros. Alguns são para aqueles que realmente precisam ir para
sentar-se tranqüilamente, apreciando o pôr-do-sol, à vibração contí-
regiões inóspitas e viajar atravessando rios e florestas, subindo e
nua visceral e comportamental do videogame, de ação rápida e
descendo por encostas íngremes, através de lamaçais, areia e neve.
envolvente. Algumas pessoas são capazes de passar horas assistindo
Outros são para aqueles que gostam da imagem reflexiva de parecer
ao pôr-do-sol. Algumas ficam entediadas depois dos primeiros
exercer essas atividades aventureiras, mas que nunca realmente as
segundos: "Já vi, já chega" é o refrão.
exercem.
Com a grande gama de diferenças individuais, culturais e físicas
Uma outra dimensão importante para um produto é a sua ade-
entre as pessoas do mundo, é impossível que um único produto satis-
quação a um ambiente. Em certo sentido, esse ponto se aplica à toca-
60 DESIGN EMOCIONAL
AS MÚLT I PLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DESIGN 61
!idade do comportamento humano: o que é apropriado e realmente rio para transportar documentos de casa para o trabalho e vice-versa.
é preferido em um ambiente pode ser extremamente inapropriado e As vontades são determinadas pela cultura, pela publicidade, pela
rejeitado em outro. Todos nós aprendemos a modular nossa lingua- maneira como a pessoa vê a si mesma e sua auto-imagem. Embora a
gem, falando de maneira diferente quando conversamos com ami- mochila de um estudante ou mesmo uma sacola de papel pudessem
gos, do que quando estamos fazendo uma apresentação formal numa funcionar perfeitamente para carregar documentos, poderia ser cons-
reunião importante de negócios, ou com os pais de nossos amigos, trangedor carregar uma delas para uma reunião importante de negó-
ou com nossos professores. Roupas apropriadas para freqüentar esta- cios. O constrangimento é, evidentemente, uma emoção que reflete
belecimentos noturnos, tarde da noite, são inapropriadas para tratar o sentido de conveniência de comportamento e, na verdade, está
de negócios. Um produto gracioso e aconchegante, ou que transmi- toda na mente. Os designers de produto e executivos de marketing
te uma imagem bem-humorada e brincalhona, provavelmente não é sabem que as vontades podem ser mais poderosas que as necessida-
adequado para um ambiente de negócios. De maneira semelhante, des na determinação do sucesso de um produto.
um design de estilo industrial, apropriado para o galpão da fábrica, Satisfazer as verdadeiras necessidades das pessoas, inclusive as
não o seria para a cozinha de casa nem para a sala. exigências de diferentes culturas, faixas etárias, exigências sociais e
Os computadores vendidos para o mercado doméstico com fre- nacionais, é difícil. Agora, acrescente a necessidade de atender as
qüência são mais potentes e têm sistemas de som melhores que os muitas vontades - caprichos, opiniões, preconceitos - de pessoas que
computadores usados no ambiente de negócios. De fato, muitos concretamente compram produtos, e a tarefa se torna um grande
I computadores empresariais não possuem as características padrões desafio. Para alguns designers, a dificuldade parece insuperável. Para
das máquinas domésticas, tais como modem com discagem telefôni- outros, é inspiradora.
ca externa, sistemas de som e DVD players. O motivo é que estes Um exemplo da dificuldade vem do marketing de consoles para
aspectos da máquina são necessários para o entretenimento ou para jogar videogames. As máquinas de videogames têm claramente como
jogar games - atividades não apropriadas no mundo sério dos negó- público-alvo o mercado tradicional de games: rapazes que adoram
"' ' cios. Se um computador tem uma aparência demasiado atraente e empolgação e violência, que querem riqueza gráfica e de som, e que
divertida, a administração pode rejeitá-la. Algumas pessoas acredi- têm reflexos rápidos, quer seja para esportes ou para máquinas de com-
tam que isso prejudica as vendas do computador Macintosh da petição para ver quem atira primeiro. O design da máquina reflete essa
Apple. O Macintosh é considerado uma máquina doméstica, educa- imagem, ·do mesmo modo que a propaganda: grande, robusto, pode-
tiva ou gráfica, não apropriada para empresas. Esse é um problema roso, técnico; jovem, viril, masculino. Para esse mercado, as máquinas
de imagem porque, na verdade, computadores são basicamente de games têm sido tão incrivelmente bem-sucedidas que as vendas de
todos iguais, quer sejam feitos pela Apple ou por algum outro fabri- videogames são mais bem-sucedidas que os filmes do cinema.
cante, quer utilizem o sistema operacional Macintosh ou o Windows, Mas, embora o design dessas máquinas ainda pareça ter como
mas as imagens e as percepções psicológicas determinam o que as alvo os jovens do sexo masculino, o verdadeiro mercado de videoga-
pessoas comprarão. mes é muito mais amplo. A idade média agora gira em torno de trin-
A distinção entre os termos necessidades e vontades é uma forma ta anos, aproximadamente o mesmo número de mulheres que o de
tradicional de descrever a diferença entre o que é realmente necessá- homens joga, e a demanda é mundial. Nos Estados Unidos, aproxi-
rio às atividades de uma pessoa (necessidade) versus o que a pessoa madamente metade da população joga algum tipo de videogame.
quer (vontade). As necessidades são determinadas pela tarefa. Um Muitos desses games não são mais brutos e violentos. Eu abordo os
balde é necessário para carregar água; algum tipo de pasta é necessá- videogames como um novo gênero de entretenimento e literatura no

62 DESIGN EMOCIONAL AS MÚLTIPLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DESIGN 63


capítulo 4, mas aqui quero focalizar o fato de que, a despeito da pla- mudança das características comportamentais de modo que elas
téia mais ampla, o design físico dos consoles de games não foi muda- enfatizem desenhos computadorizados elaborados e detalhados e
do para atender à popularidade crescente. O foco do d esign em estruturas informativas. Em muitas áreas, a ênfase deveria ser no
jovens suscetíveis a serem agitados do sexo masculino limita as ven- conteúdo, não na habilidade para usar o aparelho, de modo que a
das em potencial a uma pequena fração do possível público, excluin- facilidade de uso deveria ser ressaltada. Nos casos em que o conteú-
do não só muitas meninas e mulheres, mas também muitos homens. do é importante, o usuário não deveria ter de passar muito tempo
Esse rico potencial é totalmente inexplorado. aprendendo a dominar o uso do aparelho; em vez disso, deveria ser
Além disso, os usos potenciais dos videogames se estendem capaz de devotar seu tempo e esforço para dominar a fundo o con-
muito além de jogar os games. Eles poderiam ser excelentes ferra- teúdo, apreciando as apresentações e explorando o seu conhecimen-
mentas para aprendizado. Ao jogar um game, você precisa adquirir to da matéria.
uma espantosa variedade de habilidades e conhecimentos. Você se O design reflexivo dos games acuais projeta uma imagem de pro-
dedica intensa e seriamente ao longo de horas, semanas, até meses. duto consistente com a aparência de linhas elegantes e poderosas do
Você lê livros e estuda o game em profundidade, procurando uma console e os reflexos rápidos exigidos do jogador. Isto tem de ser
solução concreta para os problemas e trabalhando com outras pes- mudado. A propaganda deveria promover o produto como uma fer-
soas. Essas são exatamente as atividades de um aluno aplicado, de ramenta de aprendizado e educacional para pessoas de todas as ida-
modo que um aprendizado maravilhoso poderia ser vivenciado se des. Uma forma de console poderia continuar a projetar a imagem
I pudéssemos usar essa mesma intensidade quando interagíssemos de poderosa máquina de game. Outras deveriam ser concebidas para il
com ass untos significativos. Desse modo, as máquinas de games têm ser um guia inteligente para atividades como cozinhar, mecânica de
enorme potencial para todo mundo, mas isso ainda não tem sido sis- automóveis ou carpintaria. E outras deveriam ser projetadas como
tematicamente considerado. um auxílio para o aprendizado. Cada uma com aparências diferentes,
Para se libertar do mercado tradicional de videogames, a indús- modos de operação diferentes e mensagens de propaganda e marke-
" tria precisa projetar um tipo de atração diferente. Nesse ponto é que ting diferentes.
os três níveis de design desempenham um papel. No nível visceral, a Agora, imagine o resultado. O aparelho que costumava ser espe-
aparência física dos consoles e dos controles precisa ser mudada. cializado em jogar videogames adquire formas diferentes, dependen-
Mercados diferentes deveriam ter designs diferences. Alguns designs do da função a que se desti nar. Na garagem, o aparelho pareceria
deveriam refletir uma abordagem mais calorosa, mais feminina. uma ferramenta mecânica, com uma aparência séria, sólida e robus-
Alguns deveriam ter uma aparência mais séria, mais profissional. ta, resistente a danos. Serviria como orientador e assistente, exibindo
Alguns deveriam ter um apelo mais reflexivo, especialmente para o manuais de automóveis, desenhos técnicos e vídeos curtos dos passos
mercado educacional. Essas mudanças não tornariam o produto necessários para manter ou aprimorar o desempenho do carro. Na
maçante e sem graça. Elas poderiam torná-lo convidativo e sedutor cozinha, combinaria com o estilo dos utensílios de cozinha e se tor-
como antes, mas enfatizar aspectos diferentes de seu potencial. Suas naria um ajudante e professor de culinária. Na sala de visitas, combi-
aparências deveriam combinar com o uso e o usuário. naria com a mobília e com os livros e se tornaria um manual de refe-
Hoje em dia, o design comportamental de muitos games gira em rência, talvez uma enciclopédia, um professor e jogador de jogos
torno do design gráfico poderoso e dos reflexos rápidos. Habilidade reflexivos (cais como xadrez, cartas, jogos de palavras). E para o estu-
para operar os controles é um dos aspectos que distinguem o jogador dante, seria uma fonte de simulações, experimentos e ampla explora-
principiante do avançado. Estender-se para outros campos exige a ção de tópicos interessantes e motivantes, mas cuidadosamente esco-

AS MÚLTIPLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DESIGN 65


64 DESIGN EMO CIONAL
lhidos de modo a permitir que, no processo de apreciar a aventura, essa predileção popular não está nos dizendo alguma coisa? Deve-
você automaticamente aprenda os fundamentos da sua área. Designs ríamos parar para considerar exatamente por que é popular. As pessoas
apropriados para o público, o local e o propósito. Tudo que eu des- encontram valor naquilo. Ela satisfaz alguma necessidade básica.
crevi aqui é factível. Simplesmente ainda não foi feito. Aqueles que zombam do kitsch estão observando os aspectos errados.
Sim, as reproduções baratas de pinturas famosas, prédios e
monumentos são "baratas". Elas têm pouco mérito artístico, não
Objetos que evocam lembranças passando de cópias de obras existentes, e, além disso, são cópias de
má qualidade. Não há profundidade intelectual, pois a criatividade e
o insight fazem parte do original, não da cópia. De maneira semelhan-
Os sentimentos emocionais verdadeiros e duradouros levam muito
tempo para serem cultivados: eles decorrem de interação prolongada.
te, a maioria dos suvenires -r=--------------- 41
e bugigangas populares é ..-. 1
O que as pessoas amam e cuidam, o que desprezam e detestam? Apa-
espalhafatosa, sentimenta-
rência da superfície e utilidade comportamental desempenham lóide, "excessivamente ou
papéis relativamente pequenos. O que realmente importa é a histó- falsamente emocional". Mas,
ria da interação, as associações que as pessoas têm com os objetos e as embora isso possa ser ver-
lembranças que eles evocam. dadeiro do objeto propria-
I
Considerem presentes e recordações, cartões-postais e suvenires mente dito, esse objeto só
de monumentos, como o modelo da Torre Eiffel mostrado na ilus- é importante como um
.tração 2.2. Eles raramente são considerados bonitos, raramente são símbolo, como uma fonte
vistos como obras de arte. No mundo da arte e do design, são cha- de lembranças, de associa-
mados de kitsch. Esse termo depreciativo para designar objetos bara- ções. A palavra suvenir
tos e vulgares tem sido aplicado, diz a Columbia Electronic Encyclopedia, significa "objeto de lem-
"desde o princípio do século vinte, para descrever obras consideradas brança, um memento".
pretensiosas e de mau gosto. Objetos de exploração comercial A mesma sentimentalida-
tais como lenços estampados com a Mona Lisa e as abomináveis de de que o mundo da arte
ou design escarnece é a
reproduções em gesso de obras-primas de escultura são descritas
fonte da força e da popula-
como kitsch, da mesma forma que obras ~que afirmam ser de valor
ridade de alguma coisa.
artístico, mas são fracas, baratas ou sentimentais". "Sentimental" sig-
Objetos kitsch do tipo mos-
nifica, de acordo com o American Heritage Dictonary, "algo que trado na ilustração 2.2 não
resulta de ou é colorido pela emoção, em vez da razão ou do realis- têm a pretensão de ser arte
mo". "Emoção em vez da razão" - pois bem, essa é exatamente a ILUSTRAÇÃO 2.2
- eles são auxílios para a Um monwnento suvenir.
questão. memória. Embora quase sempre qualificados como
Yogi Berra resumiu da seguinte maneira: "Ninguém vai mais lá. É No mundo do design, "kitsch", indignos de ser considerados como
cheio demais." Ou, traduzindo para o design: "Ninguém gosta de tendemos a associar emo- arte, os suvenircs são ricos cm significado emo-
kitsch, é popular demais." Sim, é isso mesmo. Se gente demais gosta de ção com beleza. Construí- cional por causa das lembranças que evocam.
uma coisa, deve haver alguma coisa errada com ela. Mas justamente mos coisas atraentes, coi- (Coleção do autor.)

66 DESIGN EMOCIONAL AS MÚLTIPLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DESIGN 67


sas mimosas, coisas coloridas. Por mais importantes que sejam esses eia. O tempo pára. Você só percebe a atividade em si. O fluxo é um
atributos, não são eles que impulsionam as pessoas em sua vida quo- estado motivador, cativante e criador de adicção. Ele pode ser des-
tidiana. Gostamos de coisas atraentes por causa do sentimento que pertado por transações com coisas q ue nos são caras. Os "objetos
elas nos proporcionam. E no domínio dos sentimen tos, é tão razoá- domésticos", dizem Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton, "facilitam
vel se afeiçoar e amar coisas que são feias quanto o é não gostar de experiências de fluxo de duas maneiras diferentes. Por um lado, ao
coisas que seriam chamadas de atraentes. As emoções refletem nossas fornecer um contexto familiar simbólico eles reafirmam a identidade
experiências pessoais, associações e lembranças. do dono. Por outro lado, os objetos domésticos podem oferecer dire-
Em The Meaning o/Things, um livro que deveria ser leitura obri- tamente oportunidades para fluxo, ao atrair e prender a atenção das
gatória para designers, Mihaly Csikszentmihalyi e Eugene Rochberg- pessoas".
Halton estudam o que torna as coisas especiais. Os autores visitaram Talvez os objetos que sejam mais íntimos e diretos sejam aqueles
lares e entrevistaram os residentes, tentando compreender o relacio- que nós mesmos construímos - daí o grande apreço das pessoas por
namento deles com as coisas que os cercavam, com seus bens mate- coisas confeccionadas em casa, trabalhos manuais, peças de mobília
riais. Pediram a cada pessoa que m ostrasse coisas que eram "espe- e arte. De maneira semelhante, as fotografias pessoais, mesmo que
ciais" para ele ou ela, e depois, nas amplas entrevistas, exploraram os possam ser tecnicamente inferiores: fora de foco, com cabeças corta-
fatores que as tornavam especiais. Objetos especiais se revelaram ser das, ou com dedos obscurecendo a imagem. Algumas podem terdes-
aqueles com recordações ou associações especiais, aqueles que ajuda- botado, ou estar rasgadas e coladas com fita adesiva. A aparência da
I vam a evocar um sentimento especial em seus donos. Todos os itens superficie delas é menos importante que a capacidade de evocar a
especiais evocavam histórias. Raramente o foco estava na coisa em si: memória de determinadas pessoas e eventos.
o q ue importava era a história, uma ocasião relembrada. D este Esse ponto foi vividamente dramatizado para mim em 2002
modo, uma mulher entrevistada por Csikszencmihalyi e Rochberg- quando fui ver as peças em exibição no Aeroporto de San Francisco.
H alcon apontou para as cadeiras de sua sala de visitas e disse: "Elas Este é um dos museus mais interessantes do mundo, especialmente
foram as primeiras cadeiras que eu e meu marido compramos na para pessoas como eu que são fascinadas por objetos do dia-a-dia,
vida, e nos sentamos nelas e eu simplesmente as associo com o meu pelo impacto da tecnologia nas pessoas e na sociedade. Esta exposi-
lar e ter m eus bebês e sentar nas cadeiras com os bebês." ção, "Monumentos em Miniaturà', tratava do papel dos suvenires na
Nós nos tornamos apegados a coisas se elas têm uma associação evocação de lembranças. A mostra exibia centenas de monumentos
pessoal significativa, se trazem à mente momentos agradáveis e con- em miniatura, prédios, e outros suvenires. As peças não estavam em
fortantes. Talvez mais significativo, contudo, seja o nosso apego a exposição por sua qualidade artística, mas para aplaudir seu valor
lugares: recan tos favoritos de nossa casa, locais favoritos, vistas favo- sentimental, pelas lembranças que evocavam e, em suma, por seu
ritas . Nosso apego não é realmente com a coisa, é com o relaciona- impacto emocional sobre seus donos. O texto que acompanhava a
mento, com os significados e senti.nientos que a coisa rep resenta. exposição d escrevia o papel dos monumentos em miniatura da
Csikszentmihalyi e Rochberg-Hai(o'n identificam a "energia psíqui- seguinte maneira:
ca" como o elemento chave. Energia psíquica é o termo pelo qual
designamos a energia mental, a atenção meneai. O conceito de A maravilha dos prédios em miniatura é que o modelo idêntico des-
Csikszentmihalyi de "fluxo" constitui um bom exemplo. No estado perta em cada um de n6s redes extravagantemente diferences de
de fluxo, você se torna tão absorto e fica tão cativado pela atividade recordações.
sendo desempenhada que é como se você e a atividade fossem um só: Embora o prop6sico de codos os monumentos seja nos fazer recor-
você entra em um transe no qual o mundo desaparece da consciên- dar, seus temas têm uma ampla variedade. Grandes figuras e aconteci-

68 DESIGN EMOCIONA L
AS MÚ LTIPLAS FACES DA EMO ÇÃ O E DO DESIGN 69
mentos importantes; guerras e seus mortos; e a história de Astoria, advento das câmeras digitais, não é mais possível saber exatamente
Oregon, são lembrados nos monumentos representados em miniatura. quantas fotos estão sendo tiradas, mas provavelmente muito mais.
Contudo, esses suvenires servem a dois propósitos. Ao mesmo Embora as fotografias sejam adoradas pelas recordações que
tempo em que um vaso de mera!, estampado com uma réplica de gra- mantêm, as tecnologias de transmissão, impressão, compartilhamen-
vura em chapa de cobre do Túmulo de Lincoln, em Springfield, to de arquivos e exibição de imagem digital são complexas e demora-
Illinois, faz-nos lembrar o décimo sexto presidente, ele também des- das o suficiente para impedir muitas pessoas de salvar, recuperar e
perta a recordação do próprio monumento. Monumentos podem compartilhar com outras pessoas as fotografias que lhes são queridas.
recordar pessoas e acontecimentos significativos; miniaturas arquitetô- Numerosos estudos já mostraram que o trabalho exigido para
nicas recordam os monumentos. transformar uma fotografia na câmera em uma cópia impressa que
O arquiteto Bruce Goff comentou: "Na arquiterura, existe o possa ser compartilhada, desanima muitas pessoas. Desse modo,
motivo pelo qual você faz alguma coisa e depois existe o verdadeiro embora montes de fotografia sejam tiradas, nem todo o filme é reve-
motivo." No caso dos prédios suvenires, a despeito de suas funções lado. Do filme que é revelado, algumas fotos nunca são vistas. Das
ostensivas (ainda que despropositadas), seu verdadeiro motivo perma- fotos que são vistas, muitas simplesmente são postas de volta no
nece sendo o de provocar a memória humana. envelope e guardadas numa caixa, para nunca mais serem olhadas.
(Pessoas da indústria fotográfica chamam de "caixas de sapatos", por-
Nós que estávamos admirando aquelas miniaturas não tínhamos que a armazenagem é geralmente feita nas caixas de papelão nas
necessariamente nenhuma ligação emocional com os objerns - quais vêm os sapatos.) Algumas pessoas organizam cuidadosamente
afinal, não eram nossos; tinham sido colecionados e expostos por suas fotografias em álbuns, mas muitos de nós temos álbuns de foto-
uma outra pessoa. Entretanto, enquanto ia caminhando e vendo a grafias sem uso guardados em armários ou estantes.
exposição, senti-me mais atraído pelos suvenires de lugares que eu Um dos recursos mais preciosos do lar moderno é o tempo, e o
mesmo havia visitado, talvez porque eles me trouxessem recordações esforço necessário para cuidar de todas aquelas maravilhosas fotogra-
daquelas visitas. Contudo, tivesse qualquer uma delas sido emocio- fias é superior ao valor que elas têm. Muito embora tirar as fotogra-
nalmente negativa, eu teria rapidamente me afastado e seguido fias de um envelope e organizá-las em álbuns de fotos seja algo tão
adiante para escapar - não do objeto mas das recordações que ele simples de fazer quanto de se imaginar, a maioria das pessoas não o
despertava em mim. faz. Eu não faço.
As câmeras digitais mudam a ênfase, mas não o princípio. É rela-
.. tivamente simples fazer imagens digitais, fácil mostrá-l~s a partir do
As FOTOGRAFIAS, mais que quase qualquer outra coisa, possuem um mostrador na própria câmera. É mais difícil imprimir as fotografias
especial apelo emocional: elas são pessoais, elas contam histórias. O ou enviá-las por e-mail para amigos e conhecidos. A despeito do
poder da fotografia pessoal está na sua capacidade de transportar o poder do computador pessoal, cópias de fotografias em papel ainda
observador de volta no tempo para algum acontecimento socialmen- são mais fáceis de cuidar e de mostrar do que as versões eletrônicas.
te relevante. Fotografias pessoais são mementos, recordações e ins- Com imagens eletrônicas surge o problema de como arquivá-las de
trumentos sociais, permitindo que as lembranças possam ser com- forma que você possa encontrá-las de novo mais tarde.
partilhadas através dos tempos, de lugares e pessoas. No ano 2000, Desse modo, embora gostemos de ver fotografias, não gostamos
existiam cerca de 200 milhões de máquinas fotográficas só nos de gastar tempo para fazer o trabalho necessário para conservá-las e
Estados Unidos, ou cerca de duas câmeras por domicílio; com essas mantê-las acessíveis. O desafio do design é manter as virtudes
câmeras as pessoas tiraram cerca de 20 bilhões de fotografias. Com o enquanto remove as barreiras: tornar mais fácil arquivar, enviar e

70 DESIGN EMOCIONAL AS MÚLTIPLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DESIGN 71


compartilhar. Tornar fácil encontrar exatamente as imagens deseja- Confesso minha culpa em ter alterado um retrato de grupo de minha
das, anos depois de terem sido tiradas e postas no arquivo. Esses não família, substituindo a cara amarrada de um parente por um rosto
são problemas fáceis, mas enquanto não forem totalmente supera- alegre e sorridente de uma foto daquela pessoa numa outra ocasião.
dos, não aproveitaremos os benefícios plenos da fo tografia. Ninguém jamais percebeu a modificação, nem mesmo a pessoa que
O s retratos de família, contudo, são diferentes. Ande por uma foi modificada.) H oje em dia, mesmo com a ubiqüidade de câmeras
variedade de locais de trabalho e você verá sobre escrivaninhas, estan- pessoais, fotógrafos especialistas em retratos mantêm um negócio
tes, e paredes, fotografias emolduradas da família de uma pessoa: lucrativo, em parte porque geralmente só profissionais têm o conhe-
marido, mulher, filho, filha - retratos de família, fotos instantâneas cimento e a habilidade necessários para fazer a iluminação e o enqua-
da família - e ocasionalmente dos pais. Sim, também existem foto- dramento de modo a produzir uma imagem de alta qualidade.
grafias cerimoniais da pessoa co m o presidente da empresa ou outros As fotografias podem trazer de volta apenas imagens, não sons.
dignitários, fotografias de premiações, e em escritórios acadêmicos, David Froh lich, cientista pesquisador dos Laboratór ios Hewlett
fotos de conferências, em que todos os participantes se reuniram em Packard em Bristol, na Inglaterra, tem trabalhado no desenvolvi-
algum momento para o ritual fotográfico, cuja fotografia acaba pu- mento de um sistema que ele chama de "audiofotografia", fotografias
blicada nos anais da conferência e pendurada em paredes. que combinam uma trilha de áudio, capturando os sons na cena cer-
Mas, apresso-me a acrescentar, essa exibição pessoal depende cando o instante em que a fotografia é produzida. (Sim , a gravação
muito da cultura. Nem todas as culturas exibem símbolos tão pes- pode começar antes de a fotografia ser tirada, uma das possibilidades
soais. Em alguns países, a exibição de fotografias pessoais no escritó- mágicas da tecnologia moderna.) Amy Cowen, que escreveu sobre o
rio é extremamen te rara, e na residência pode ser pouco freqüente. trabalho de Frohlich, descreveu sua importância da seguinte manei-
Em vez d isso, o álbum fotográfico é mostrado ao visitante, com cada ra: "Acompanhando cada foto, há uma história, um momento, uma
fotografia carinhosamente indicada e descrita. Algumas culturas lembrança. À medida que o tempo passa, contudo, diminui a capa-
proíbem totalmente fotografias . Mesmo assim, as principais nações cidade do usuário de se recordar dos detalhes necessários para evocar
, ... do mundo em todos os continentes tiram bilhões de fotografias, de o momento que a fotografia registra. Acrescentar som a uma foto
modo que mesmo se elas não estiverem exibidas publicamente, pode ajudar a manter intactas as lembranças."
desempenham um poderoso papel emocional. Frohlich ressalta que a tecnologia atual nos permite tanto captu-
As fotografias são claramente importantes na vida emocional das rar os sons ocorrendo ao redor do momento em que uma imagem
pessoas. Sabe-se de casos de pessoas que correram de volta para casas está sendo feita, quanto reproduzi-los enquanto ela está sendo mos-
pegando fogo para salvar fotografias especiâlmente queridas. Sua trada e m um álbum. O s sons capturam o cenário emocio n al de
presença confortadora mantém os laços da família, mesmo quando m aneira muito mais rica do que pode a própria imagem. Imagine
as pessoas estão separadas. Elas asseguram a permanência das lem- um retrato de família em que, nos vinte segundos antes da foto ser
branças e com freqüência são passadas de geração em geração. Antes batida, as vozes dos membros da família fazendo brincadeiras entre si
da fotografia, as pessoas contratavam pintores de retratos para criar ("Mary, pare de fazer cara feia" e "H enry, depressa, vá ficar entre o
imagens de pessoas queridas ou respeitadas. A tarefa exigia longas Frank e o tio Oscar") também são registradas - possivelmente segui-
sessões de pose e produzia resultados mais formais. A p intura tinha a das por risadinhas e alívio nos vinte segundos depois da foto ser tirada.
virtude de que o artista podia mudar a aparência do retratado de Frohlich descreve as possibilidades da seguinte maneira: "A gravação
modo a adequar seus desejos, em vez de ficar restrita à realidade da dos sons ambientes ao redor do momento que a imagem captu ra
fotografia. (H oje em dia, com ferramentas digitais facilmente dispo- proporciona uma atmosfera ou estado de espírito que realmente
níveis, as fotografias também podem ser facilmente alteradas. podem ajudar a pessoa a se lembrar melhor do acontecimento origi-

AS MÚLTI PLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DESIGN 73


72 DES IGN EMOCIONAL
'
nal. Música nostálgica acompanhando uma imagem pode evocar !idade de estabelecer uma atitude de grupo em que as coisas são par-
mais sentimentos e lembranças da época em que a fotografia foi tira- tilhadas do que as culturas da Europa e das Américas, em que situa-
da, e uma história falada pode ajudar outras pessoas a interpretar o ções individualistas são mais comuns. Mas ponham asiáticos em
significado da imagem, especialmente na ausência do fotógrafo." uma situação individualista e europeus e americanos em uma situa-
ção social de partilhar coisas e seus comportamentos serão notavel-
mente semelhantes.
Sentimentos de self Alguns aspectos do selfsão universais, tais como o desejo de ser
bem-visto pelos outros, mesmo se o comportamento elogiado pelos
As lembranças refletem a experiência de nossa vida. Elas nos recor- outros diferir nas diversas culturas. Esse desejo se mantém tanto nas so-
dam nossa família e amigos, nossas experiências e realizações. ciedades mais individualistas, que admiram o não-conformismo, quan-
Também servem para reforçar a maneira como vemos a nós mesmos. to nas mais orientadas para o grupo, que admiram a conformidade.
Nossa auto-imagem desempenha um papel mais importante em A importância das opiniões de outras pessoas é, evidentemente,
nossa vida do que nos agrada admitir. Mesmo aqueles que negam ter bem conhecida pela indústria da propaganda, que tenta promover
qualquer interesse sobre como os outros os vêem, na verdade, se produtos através de associação. Tome qualquer produto e mostre-o
importam, ainda que seja somente para se assegurar de que todo lado a lado de pessoas alegres e satisfeitas. Mostre pessoas fazendo
mundo saiba que pouco se importam. A maneira como nos vestimos coisas a respeito das quais um futuro comprador tem a probabilida-
I e nos comportamos, os objetos materiais que possuímos, jóias e reló-
de de fantas iar, tais como férias românticas, praticar esqui, ir a luga-
gios, carros e casas, todos são expressões públicas de nós mesmos.
res exóticos, comer em países estrangeiros. Mostre pessoas famosas,
O conceito de selfparece ser um atributo humano fundamental.
pessoas que servem de modelos, ou heró is para os consumidores,
É difícil imaginar como poderia ser diferente, tendo em vista o que
para induzir neles, por meio de associação, um sentido de valor.
conhecemos sobre os mecanismos da mente e os papéis que a cons-
., ,,·•, Produtos podem ser projetados para realçar esses aspectos. Na indús-
ciência e a emoção desempenham. O conceito é profundamente
tria da moda, podemos ter roupas que são elegantes, simples e bem
arraigado no nível reflexivo do cérebro e altamente dependente de
cortadas ou largas e disformes, cada uma deliberadamente induzindo
normas culturais. Portanto, é extremamente difícil de lidar em ter-
mos de design. a uma imagem diferente do self Quando empresas ou logomarcas
são impressas em roupas, bagagem ou outros objetos, o simples apa-
Em psicologia, o estudo do selftornou-se uma grande indústria,
com livros, sociedades, jornais, e conferências. Mas "self" é um con- recimento do nome fala aos outros sobre seu sentido de valores. Os
ceito complexo: é culturalmente específico. Desse modo as noções estilos de objetos que você escolhe comprar e exibir refletem tanto a
orientais e ocidentais de selfvariam consideravelmente, com o opinião pública quanto elementos comportamentais ou viscerais.
Ocidente pondo mais ênfase no individual, o Oriente no grupo. Os Sua escolha de produtos, ou onde e como você vive, viaja, e se com-
americanos tendem a querer ser superiores como indivíduos, en- porta são quase sempre manifestações poderosas de seu self, quer
quanto os japoneses desejam ser bons membros de seus grupos e que sejam intencionais ou não, conscientes ou subconscientes. Para
os outros fiquem satisfeitos com suas contribuições. Mas mesmo alguns, essa manifestação externa compensa uma falta de auto-
essas caracterizações são amplas demais e demasiado simplificadas. estima, interior e pessoal. Quer você admita ou não, aprove ou desa-
De fato, de modo geral, as pessoas se comportam de maneira muito prove, os produtos que você compra e seu estilo de vida ao mesmo
similar, dada a mesma situação. É a cultura que nos apresenta situa- tempo refletem e determinam sua auto-imagem, bem como as ima-
ções diferentes. Desse modo, as culturas asiáticas terão mais probabi- gens que os outros têm de você.

74 DESIGN EMOCIONAL AS MÚLT I PLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DESIGN 75


Uma das maneiras mais poderosas de induzir a um sentido posi- desse modo devolvendo orgulho à atividade. Claramente, acrescen-
tivo de selfé através de um sentido pessoal de realização. Esse é um tar um ovo a uma mistura de boio preparada não é, de modo algum,
aspecto de um passatempo, no qual as pessoas podem criar coisas equivalente a fazer um bolo "sem nenhum auxílio", usando ingre-
que são singularmente delas e mostrar, em clubes e grupos de aficio- dientes individuais. Não obstante, acrescentar o ovo dava ao ato de
nados, suas realizações. fazer o bolo um sentido de realização, enquanto simplesmente acres-
Do final dos anos 1940 até a metade dos anos 1980 a Heathkit centar água à mistura parecia muito pouco, muito artificial. Goebert
Company vendia kits eletrônicos para pessoas habilidosas que gosta- e Rosenthal resumiram a situação: "O verdadeiro problema não
vam de fazer seus equipamentos em casa. Monte seu próprio rádio, tinha nada a ver com o valor intrínseco do produto, mas ao contrá-
seu próprio equipamento de som, seu próprio aparelho de televisão. rio representava a ligação emocional que une um produto a seu usuá-
As pessoas que construíam suas peças a partir dos kits sentiam um rio." Sim, tudo tem a ver com emoção, com orgulho, com o senti-
imenso orgulho de suas criações, bem como um laço comum com mento de realização, mesmo fazer um bolo com uma mistura de
outros usuários dos kits. Construir um aparelho a partir de um kit era massa pronta.
uma façanha pessoal: quanto menos habilidoso o construtor, mais
especial aquele sentimento. Os especialistas em eletrônica não se
orgulhavam tanto de seus kits; eram aqueles que se aventuravam sem A personalidade de p rodutos
o conhecimento específico que se sentiam mais satisfeitos. A Heathkit
fazia um excelente trabalho ao ajudar o construtor de primeira via- Conforme já vimos, um produto pode ter personalidade. Do mesmo
gem com os que, em minha opinião, foram os melhores manuais de modo, também, podem empresas e marcas. Considere a transforma-
instruções jamais escritos. Observe-se que os kits não eram muito ção que propus do aparelho de videogame abordada anteriormente
menos caros que o equivalente comercial dos aparelhos eletrônicos. n este capítulo. Em uma versão a máquina seria u ma ferramenta
As pessoas compravam os kits por sua alta qualidade e pelo sentimen- veloz, poderosa, para experiências empolgantes e viscerais: sons altos
to de realização, não para economizar dinheiro. trovejantes e aventura em ritmo acelerado. Numa versão diferente,
No princípio dos anos 1950, a Betty Crocker Company intro- seria um assistente de cozinha: animado, mas informativo, com car-
duziu no mercado uma mistura para bolo de maneira que as pessoas dápios para refeições e vídeos que demonstrassem exatamente como
pudessem preparar em casa, com rapidez, bolos extremamente sabo- preparar a comida. Ainda numa outra versão, poderia ser tranqüila,
rosos. Sem desordem e sem trabalho: apenas acrescente água, mistu- mas competente, orientando o trabalho de reparo num automóvel
re e ponha no forno. O produto não teve suqa:sso, embora os testes ou a construção de projetos de carpintaria.
de sabor confirmassem que as pessoas gostavam do resultado. Por Em cada manifestação, a personalidade daquele produto muda-
quê? Uma pesquisa foi feita para apurar o motivo. Conforme expli- . ria. O produto teria uma aparência e um comportamento diferente
caram as pesquisadoras d e mercado Bonnie Goebert e Herma nos diferentes cenários apropriados para seu uso e seu público-alvo.
Rosenthal: "A mistura para bolo era fácil demais. As consumidoras O estilo de interação comportamental poderia diferir: ser cheio de
não experimentavam nenhum sentimento de realização, nenhum gíria e linguagem informal no cenário do game; ser educado e formal
envolvimento com o produto. Ele fazia com que se sentissem inúteis, para a cozinha. Mas, como na personalidade humana, uma vez
especialmente se, em algum lugar, a mãe delas ainda punha o avental determinados, todos os aspectos de um design deveriam dar apoio à
e batia bolos sem nenhum auxílio." estrutura da personalidade pretendida. Um professor de culinária
Sim, era fácil demais fazer o bolo. A Betty Crocker solucionou o maduro não deveria subitamente desandar a proferir obscenidades.
problema ao exigir que a cozinheira acrescentasse um ovo à mistura, Um ajudante de oficina mecânica não deveria discutir as implicações

76 DESIGN EMOCIONAL
AS MÚLTIPLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DES IGN 77
ILUSTRAÇÃO 2.3 termo mais amplo, geralmente se refere ao que está de acordo com as
Moda do século dezessete. convenções adotadas pela sociedade educada ou por qualquer cultu-
À esquerda, Maria Anna da ra ou subcultura: uma época em que usar o cabelo comprido era a
Bavária, princesa herdeira moda. Estilo é por vezes usado como um correspondente de moda,
da França. À direita, um
"jovem elegante".
mas, como costume, com freqüência sublinha a adoção de padrões
(Braun et ai., cortesia da
de elegância: viajar com estilo; minissaias eram o costume no final
Biblioteca da Northwestern dos anos sessenta. O termo voga é aplicado à moda que domina
University.) amplamente e sugere uma aceitação entusiástica, mas de curta dura-
ção: um videogame que esteve em voga há alguns anos."
filosóficas da qualidade A própria existência dos termos moda, estilo, costume e voga
no design de automó- demonstra a fragilidade do lado reflexivo do design. O que é aprecia-
veis, citando R. M. Pirsig, do hoje pode não ser amanhã. Na verdade, o motivo para a mudan-
em Zen e a arte da ma- ça é exatamente o fato de que alguma coisa outrora foi apreciada:
nutenção de motocicletas quando muitas pessoas gostam de alguma coisa, não é mais conside-
sempre que se tentasse rado apropriado para os líderes de uma sociedade fazerem uso dela.
I fazer um reparo. Afinal, reza o ditado, como pode alguém ser um líder a menos que
A personalidade é, seja diferente, fazendo hoje o que os outros farão amanhã, e fazendo
evidentemente, um assunto complexo por si próprio. Uma forma amanhã o que eles estarão fazendo depois? Mesmo os rebeldes têm
simplificada de pensar em personalidade de produto é que ela reflete de mudar sempre, percebendo cuidadosamente o que está na moda
as muitas decisões a respeito de como é a aparência e o comporta- de maneira a n ão segui-la, cuidadosamente criando sua própria
~,.- ,,
mento de um produto, e como ele é posicionado em todo seu mar-
moda de ir contra a moda.
keting e propaganda. Deste modo, todos os três níveis de design
Como um designer lida com o gosto popular se esse tem pouco
desempenham um papel. A personalidade tem de combinar com o
a ver com substância? Bem, isso depende da natureza do produto e
segmento de mercado. E precisa ser consistente. Reflita a respeito
disso. Se uma pessoa ou produto tem uma personalidade detestável, das intenções da empresa que o produz. Se o produto é algo funda-
pelo menos você sabe o que esperar e pode., planejar o que fazer. mental para a vida e para o bem-estar, a resposta adequada é ignorar
Quando o comportamento é inconsistente e errático, é difícil saber o as alterações contínuas no sentimento popular e almejar alcançar um
que esperar, e as surpresas ocasionais positivas não são suficientes valor de longa duração. Sim, o produto deve ser atraente. Sim, ele
para superar a frustração e a irritação causadas por nunca saber deve ser prazeroso e divertido. Mas também tem de ser eficiente,
muito bem o que esperar. inteligível e ter um preço apropriado. Em outras palavras, deve bus-
As personalidades de produtos, empresas e marcas precisam de car equilíbrio entre os três níveis de design.
tanto cuidado quanto o produto propriamente dito. A longo prazo, um estilo simples com qualidade de construção
O American Herítage Dictionary define moda, estilo, costume e e desempenho efetivo ainda predomina. De modo que em uma
voga da seguinte maneira: "Esses substantivos se referem a uma empresa que fabrica máquinas de escritório, ou utensílios básicos
maneira dominante ou preferida de vestuário, adorno, comporta- domésticos, ou web sites para remessa de mercadorias, comércio, ou
mento, ou ao modo de viver em uma determinada época. Moda, o informações, seria inteligente ater-se aos requisitos básicos. Nesses

78 DESIGN EMOCIONAL AS MÚLTIPLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DES IG N 79


casos, a tarefa dita o design: faça com que o design se encaixe na No MUNDO de produtos, uma marca é um sinal de identificação, o
tarefa, e o produto funcionará mais facilmente e será mais efetivo símbolo que representa uma empresa e seus produtos. Determinadas
para uma ampla variedade de usuários e usos. É aí que o número de marcas produzem uma resposta emocional que atrai o consumidor
diferentes produtos é determinado pela natureza de tarefas particu- para o produto ou que o afasta dele. As marcas assumiram a repre-
lares e pela economia. sentação emocional. Elas trazem consigo uma reação emocional que
Existe um conjunto de produtos, contudo, cujas metas são nos orienta em direção a um produto ou nos afasta dele. Sergio
entretenimento ou estilo, ou talvez salientar a imagem de uma pes- Zyman, antigo principal executivo de marketing da Coca-Cola,
soa. É onde a moda entra em jogo. É onde as enormes diferenças declarou que "o brandingemocional diz respeito à criação de relacio-
individuais, entre pessoas e culturas, são importantes. É onde a pes- namentos; diz respeito a dar a uma marca e a um produto valor de
soa e o segmento de mercado ditam o design. Faça o design apropria- longo prazo". Contudo, é mais que isso: envolve o relacionamento
do ao segmento de mercado que forma o público-alvo. E provavel- inteiro do produto com o indivíduo. Mais uma vez, afirma Zyman:
mente é necessário que se façam rápidas mudanças no estilo e na apa- "O brandingemocional é baseado na confiança singular estabelecida
rência à medida que o mercado ditar. com um público. Ele eleva as compras baseadas em necessidade ao
Projetar de acordo com os caprichos da moda é complicado. domínio do desejo. O compromisso com um produto ou uma insti-
Alguns designers podem considerar isso um duro desafio, outros, tuição, o orgulho que sentimos ao receber um presente maravilhoso
uma oportunidade. Em certo sentido, a divisão se faz entre grandes e de uma marca que adoramos ou ter uma experiência de compra posi-
pequenas empresas, ou entre os líderes do mercado e a concorrência. tiva em um ambiente inspirador onde alguém conhece nosso nome
Para o líder do mercado as mudanças contínuas na moda das pessoas ou nos surpreende ao oferecer um café - todos esses sentimentos
e a grande variedade de preferências pelo mesmo produto ao redor do estão no cerne do Branding Emocional."
mundo, são enormes desafios. Como a empresa pode acompanhá-las? Algumas marcas são simplesmente informativas, essencialmente
Como detecta todas as mudanças e até as antecipa? Como mantém as dão nome a uma empresa ou seu produto. Mas em termos globais, o
muitas linhas de produto necessárias eficazes? Para as empresas com- nome da marca é um símbolo que rep resenta a totalidade de nossa
petitivas, contudo, essas mesmas questões representam uma oportu- experiência com um produto e a empresa que o produz. Algumas
nidade. Pequenas empresas podem ser ágeis, penetrando rapidamen- marcas representam qualidade e preços altos. Algumas representam
te em cercas áreas e usando abordagens que empresas maiores e mais um foco sobre o serviço. Algumas representam valor pelo dinheiro
conservadoras hesitam em tentar. As pequenas empresas podem ser pago. E algumas marcas representam produtos ordinários, serviço
abusivas, diferentes, experimentais. Elas podem explorar os interesses indiferente, ou sua inconveniência, no melhor dos casos. E, é claro,
do público, mesmo se o produto inicialmente for comprado apenas a maioria dos nomes de marcas não tem nenhum significado, sendo
por poucos. As grandes empresas tentam fazer experiências criando destituídas de qualquer poder emocional.
divisões menores, mais ágeis, por vezes com nomes distintos que pare- As marcas têm tudo a ver com emoções. E emoções têm tudo a
cem independentes da matriz. Tudo somado, esse é o eterno campo ver com julgamento. As marcas são significantes das nossas respostas
de batalha em contínua mutação do mercado consumidor, onde a emocionais, que é o motivo pelo qual elas são tão importantes no
moda pode ser tão importante quanto a substância. mundo comercial.

80 DESIGN EMOCIONAL AS MÚLTIPLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DESIGN 81


ISTO CONCLUI a parte I do livro: as ferramentas básicas do design
emocional. Objetos atraentes, de fato, funcionam melhor - sua atra-
tividade produz emoções positivas, fazendo com que os processos
mentais sejam mais criativos, mais tolerantes diante de pequenas
dificuldades. Os três níveis de processamento levam a três formas
correspondentes de design: visceral, comportamental e reflexivo.
Cada um desempenha papel fundamental no comportamento
humano, cada um tem papel igualmente crítico no design, marke- PARTE li
ting e uso de produtos. Agora está na hora de explorarmos como se
põe este conhecimento para trabalhar.
O Design
na Prática

,.....
,,

82 DESIGN EMOCIONAL
Capítulo 3

Três Níveis de Design:


Visceral, Comportamental
e Reflexivo

Eu me lembro de decidir comprar Apollinaris, uma água mineral


alemã, simplesmente porque pensei que as garrafas ficariam bonitas
em minhas prateleiras. Por acaso, calhou de ser uma excelente água.
Mas creio que teria comprado mesmo se não fosse grande coisa.
A elegante interação entre o verde da garrafa e o bege e o verme-
lho do rótulo, bem como o tipo de letra usado para a marca, transfor-
maram esse produto de consumo de massa em acessório de decoração
para sua cozinha.
H ugues Belanger
email, 2002
..
._,., '

ERA HORA DO ALMOÇO. M EUS AMIGOS E EU ESTÁVAMOS NO CEN-


tro de Chicago, e decidimos ir ao Café des Architectes, no Hotel
Sofitel. Quando entramos na área do bar, uma bela exposição nos
esperava: garrafas d'água. Do tipo que se pode comprar num super-
mercado, dispostas como obras de arte. A parede inteira do fundo do
bar era como uma galeria de arte: vidro opaco iluminado sutilmente
por trás, do chão ao teto; prateleiras diante do vidro, cada prateleira
dedicada a um tipo diferente de água. Garrafas azuis, verdes, cor de
ILUSTRAÇÃO 3.1
âmbar - todos os tons maravilhosos, o vidro iluminando-as por trás,
Garrafas d'água. As da esquerda e da direita claramente têm como objetivo agra-
dar no nível visceral; a do meio é eficiente, barata e funciona. A garrafa da esquer- formando um jogo de cores. Garrafas d'água como obras de arte.
da, da água Perríer, tornou-se tão conhecida que a forma e sua cor verde são sua Decidi descobrir mais a respeito desse fenômeno. Como a criação de
marca. A garrafa da direita é da TjNant, uma garrafa de forma tão agradável asso- embalagens de água tornou-se uma forma de arte?
ciada com uma cor azul-cobalto profundo, que as pessoas guardam os cascos para "Entre num corredor de mercado em qualquer cidade dos
usar como vasos. A garrafa de plástico transparente é da Crystal Geyser. simples,
Estados Unidos, Canadá, Europa ou Ásia e existe um verdadeiro
utilitária e efetiva, quando você precisa levar água consigo. (Coleção do autor.)

TRÊS N Í V EI S D E D ESI G N 85
maremoto de marcas de água engarrafada", era o que afirmava um tam e, como observamos no capítulo 2, recordações podem desenca-
web site que consultei. Um outro web site enfatizava o papel da emo- dear poderosas emoções de longa duração.
ção: "Designers de embalagem e gerentes de marca estão buscando ir Quais são os fatores de design em jogo nesse caso, onde a pura
além dos elementos gráficos ou até do design como um todo, para aparência é a questão, a beleza que se encontra toda na superfície? É
forjar um laço emocional entre os consumidores e as marcas." A onde os processos genéticos e biológicos predeterminados desempe-
venda de água engarrafada a um preço mais alto que o custo normal nham seu papel. Aqui os designs têm a tendência de ser "um doce
em grandes cidades do mundo, onde a água da torneira é perfeita- para os olhos", tão doces para o olhar quanto o sabor de uma bala o
mente saudável, tornou-se um grande negócio. A água vendida dessa é para a boca. Contudo, exatamente como as balas de sabor doce são
maneira é mais cara que gasolina. De fato, o custo é parte da atração destituídas de valor nutricional, a aparência é vazia sob a superfície.
em que o lado reflexivo da mente diz: "Se é assim tão cara, deve ser As respostas humanas aos objetos do dia-a-dia são complexas,
especial." determinadas por uma variedade de fatores. Nguns deles indepen-
E algumas das garrafas são especiais, sensuais e coloridas. As pes- dem da pessoa, são controlados pelo designer e fabricante, ou pela
soas guardam os cascos das garrafas, por vezes reenchendo-as com propaganda e elementos como imagem de marca. E alguns vêm de
água da torneira. Isso, é claro, demonstra que o sucesso do produto dentro, de nossas próprias experiências pessoais. Cada um dos três

depende da embalagem, não do conteúdo. Desse modo, como gar- níveis de design - o visceral, o comportamental e o reflexivo -
rafas de vinho, garrafas d'água servem como elementos decorativos desempenha seu papel ao dar forma à nossa experiência. Cada um é
em aposentos muito depois de terem servido a seu propósito inicial. tão importante quanto os outros, mas cada um requer uma aborda-
Vejam só o que diz um outro web site. "Quase todo mundo que gem diferente por parte do designer.
gosta da Agua Mineral Natural TyNant admite guardar uma ou
duas garrafas em casa ou no escritório como ornamento, vaso ou
coisa semelhante. Os fo tógrafos ficam positivamente fascinados O design visceral
,..., ~
com o encanto fotogênico da garrafa. (Na ilustração 3. 1, a garrafa
com a flo r é a TyNant.) O design visceral é o que a natureza faz. Nós, seres humanos, evoluí-
Como uma marca de água se distingue de outra? O tipo de mos para coexistir no ambiente com outros seres humanos, animais,
embalagem é uma resposta, uma embalagem característica que, no plantas, paisagens, condições climáticas, e outros fenômenos natu- ..,
caso da água, significa design de garrafa. Vidro, plástico, qualquer rais. Como resultado disso, somos singularmente sintonizados para
que seja o material, o design se torna o prodtito. É o engarrafamen- receber poderosos sinais emocionais do ambiente, que são interpre-
to que atrai o poderoso nível visceral da emoção, que causa uma tados automaticamente no nível visceral. É daí que vêm as listas de
emoção imediata e visceral: "Uau! Gosto d isso, eu quero isso." Esse características apresentadas no capítulo 1. Desse modo, a plumagem
é, como me explicou um designer, o fator "uau". colorida de pássaros machos foi seletivamente realçada ao longo do
O lado reflexivo da emoção também está envolvido, pois as gar-
processo evolucionário para ser atraente ao máximo para as fêmeas
rafas guardadas podem servir como lembranças da ocasião em que a de pássaros - como, por sua vez, foram também as preferências das
bebida foi comprada ou consumida. Como tanto o vinho quanto a
fêmeas de pássaros de modo a discriminar melhor entre as pluma-
água que são caros, por vezes são comprados para ocasiões especiais,
gens de machos. É um processo interativo, co-adaptativo, cada ani-
as garrafas servem como lembranças dessas ocasiões, adquirindo um
mal se adaptando ao longo de muitas gerações para servir ao outro.
valor emocional especial, tornando-se objetos significativos, não por
Um processo semelhante ocorre entre machos e fêmeas de outras
causa dos objetos em si, mas por causa das recordações que desper-

TRÊS NÍVEIS DE DESIGN 87


86 DES I GN EMOCIONAL
espécies, entre formas de vida co-adaptativa através das espécies, e Você pode encontrar design visceral na propaganda, no artesana-
mesmo entre animais e plantas. to popular e em produtos para crianças. Desse modo, brinquedos de
Frutas e flores oferecem um excelente exemplo da co-evolução criança, roupas e mobília costumam refletir princípios viscerais :
de plantas e animais. O processo evolucionário da natureza fez com cores primárias, alegres, altamente saturadas. Isso é obra de arte?
que flores fossem atraentes para passarinhos e abelhas, para melhor Não, mas é prazeroso.
disseminar o pólen, e com que frutas fossem atraentes para primatas Os seres humanos adultos gostam de explorar experiências
e outros animais, para melhor disseminar suas sementes. Frutas e flo- muito além das preferências básicas biologicamente predetermina-
res tendem a ser simétricas, arredondadas, lisas, agradáveis ao toque das. Assim, embora sabores amargos sejam visceralmente detestados
e coloridas . Flores têm cheiros agradáveis, e a maioria das frutas tem (presumivelmente porque muitos venenos são amargos), os adultos
sabor doce, para melhor atrair os animais e pessoas que as comerão e aprenderam a comer e a beber muitas coisas amargas, e até mesmo a
depois espalharão suas sementes, quer ao cuspi-las ou ao defecar. preferi-las. Esse é um "gosto adquirido", assim chamado porque as
Nesta co-evolução de design, as plantas mudam de modo a atrair os pessoas tiveram de aprender a superar sua inclinação natural para
animais, enquanto os animais mudam de modo a ser atraídos pelas não gostar deles. O mesmo acontece com lugares lotados e espaços
frutas e flores. O amor do ser humano pelos sabores e cheiros doces movimentados, ou barulhentos, e música dissonante, não harmôni-
e por cores fortes, claras e altamente saturadas provavelmente deriva ca, algumas vezes com ritmos irregulares: todas as coisas que são vis-
destaco-evolução de dependência mútua entre pessoas e plantas. ceralmente negativas, mas que podem ser reflexivamente positivas.
A preferência humana por rostos e corpos que são simétricos Os princípios subjacentes do design visceral são predetermina-
presumivelmente reflete a seleção dos mais aptos; corpos não simé- dos, consistentes entre povos e culturas. Se você concebe seu design
tricos provavelmente são o resultado de uma deficiência nos genes ou de acordo com estas regras, seu design sempre será atraente, ainda
no processo de maturação. Os seres humanos selecionam por tama- que um tanto simples. Se você projeta para o nível reflexivo, para o
nho, cor e aparência, e o que você está disposto biologicamente a sofisticado, seu design pode rapidamente se tornar datado porque
considerar atraente deriva dessas considerações. É claro, a cultura esse nível é sensível a diferenças culturais, a tendências na moda, e a
desempenha um papel, de modo que, por exemplo, algumas culturas flutuação contínua. A sofisticação de hoje corre o risco de se tornar
preferem pessoas gordas, outras, magras; mas até no seio dessas cul- descartável amanhã. Designs geniais, como as obras de arte e litera-
turas existe uma concordância sobre o que é ou não atraente, mesmo tura, podem quebrar as regras e sob reviver para sempre, mas só
se magro demais ou gordo demais agradar a gostos específicos. alguns são talentosos o suficiente para serem grandiosos.
Quando achamos alguma coisa "bonitinha", este julgamento No nível visce ral, aspectos físicos - aparência, toque e som -
vem diretamente do nível visceral. No mundo do design, "boniti- dominam. Desse modo, um grande chefconcentra-se na apresenta-
nho" é de maneira geral reprovado, denunciado como banal, trivial, ção, no arranjo artístico da comida no prato. Nesse campo, bons
ou carente de profundidade e substância - mas esse é o nível reflexi- desenhos, limpeza e beleza desempenham um papel. Faça com que a
vo do designer falando (claramente tentando superar uma atração porta do carro pareça firme e produza um som agradável quando ela
visceral imediata) . Como designers querem que seus colegas os reco- se fecha. Torne o som da descarga da motocicleta Harley Davidson
nheçam como sendo imaginativos, criativos e profundos, fazer algu- um ronco poderoso e singular. Faça a carroceria lisa, esguia, sexy,
ma coisa "bonitinha", "engraçadinha" ou "divertida" não é bem- convidativa, como é o caso do carro de passeio clássico Jaguar 1961,
aceito. Mas existe um lugar em nossas vidas para essas coisas, ainda da ilustração 3.2. Sim, nós amamos curvas sensuais, superfícies lisas,
que sejam simples. e objetos sólidos e robustos.

88 DESIGN EMOCIONAL TRÊS N ÍV EIS DE DESIGN 89


ILUSTRAÇÃO 3.3

-- O componente sensual do
design comportamental.
O design comportamental en-
fatiza o uso de objetos, neste
caso a sensação sensual do
chuveiro: um componente es-
sencial, freqüentemente esque-
cido, do bom design compor-
tamental. O Chuveiro Kohler
WaterHaven.
(Cortesia da Kohler Co.)

ILUSTRAÇÃO 3.2
O Jaguar 1961 tipo-E: Visceralmente empolgante.
Esse carro é um exemplo clássico do poder do design visceral, esguio, elegante,
empolgante. Não é surpresa que o carro faça parte da coleção de design do Museu
de Arte Moderna de Nova York. (Cortesia da Ford Motor Corporation.)

o TT e a Chrysler lançou o PT Cruiser, as vendas de todas as três


,,... empresas aumentaram. Tudo está na aparência.
Como o design visceral diz respeito a reações iniciais, ele pode
Um design visceral efetivo exige talento e habilidade do artista
ser estudado de maneira muito simples, pondo as pessoas diante de
visual e gráfico e do engenheiro de produção. Modelar e dar forma à
um design e esperando pelas reações. Na melhor das circunstâncias,
matéria. A sensação física e a textura dos materiais são importantes.
a reação visceral à aparência funciona tão bem, que as pessoas dão
O peso é importante. O design visceral é todo relacionado ao impac-
uma olhada e dizem: "Eu quero isso." Em seguida, elas poderiam
to emocional imediato. Precisa dar uma sensação boa e ter boa a-
e ,"E , por u't tlmo,
perguntar: "O que eIe raz. · '-<.uanto custa.," . Essa e' a
"'f-1
parência. A sensualidade e a sexualidade também desempenham
reação a que o design visceral aspira, e ela pode funcionar. Muito da
papéis. Este é o principal papel do display de "ponto de venda" em
pesquisa tradicional de mercado envolve esse aspecto do design.
lojas, em folhetos e em anúncios e outras peças estimuladoras que
A Apple Computer descobriu isso quando introduziu o compu-
enfatizam a aparência. Essas podem ser as únicas chances de uma loja
tador iMac colorido. As vendas dispararam, muito embora aqueles
conseguir o comprador, pois muitos produtos são comprados com
gabinetes lúdicos contivessem o mesmo hardware e software dos
base apenas na aparência. De maneira semelhante, produtos de
outros modelos da Apple, modelos que não estavam vendendo
outro modo altamente apreciados podem ser rejeitados se não atraí-
muito bem. Os designers de automóveis levam em conta o aspecto
rem o sentido estético do comprador em potencial.
visual para reerguer uma empresa. Quando a Volkswagen reintrodu-
ziu o modelo clássico do "New Beet!e" em 1993, a Audi desenvolveu

90 DESIGN EMOCIONAL TRÊS NÍVEIS DE DESIGN 91


O design comportamental
fabricante de software, para me encontrar com uma equipe de proje-
tistas de um de seus produtos mais amplamente usados, que tem
O design comportamental diz respeito ao uso. A aparência realmen-
excesso de recursos, mas que, apesar disso fracassa em atender às
te não importa. O raciocínio lógico não importa. O desempenho
minhas necessidades quotidianas. Eu fui preparado com uma longa
importa. Esse é o aspecto do design que os profissionais de usabilida-
lista de problemas com os quais havia me defrontado enquanto ten-
de enfocam. Os princípios do bom design comportamental são bem
tava executar atividades rotineiras. Além disso, havia consultado
conhecidos e, com freqüência, relatados; de fato, eu os enumerei e
outros usuários insatisfeitos com aquele produto. Para minha grande
expliquei em meu livro O design do dia-a-dia. As coisas que impor-
surpresa, a maior parte do que relatei à equipe de projetistas parecia
tam aqui são os quatro componentes do bom design comportamen-
ser novidade. "Muito interessante", repetiam eles enquanto faziam
tal: função, compreensibilidade, usabilidade e a sensação física. Por
anotações. Fiquei satisfeito com o fato de que me dessem atenção,
vezes a sensação pode ser a principal base lógica por trás de um pro-
mas incomodado com o fato de que aqueles pontos, bastante bási-
duto. Considere o chuveiro mostrado na ilustração 3.3. Imagine o
cos, parecessem ser novidades para eles. Será que nunca observavam
prazer sensual, a sensação - muito literalmente - de sentir a água jor-
as pessoas usarem seus produtos? Aqueles projetistas - assim como
rando e escorrendo sobre o corpo.
muitas equipes de design em todas as indústrias - costumavam ficar
sentados em suas mesas, criando idéias, testando-as uns nos outros.
Conseqüentemente, acrescentavam novos recursos, mas nunca haviam
NO DESIGN COMPORTAMENTAL, na maioria das vezes a função vem
estudado exatamente a seqüência de atividades que seus clientes
em primeiro lugar e é o mais importante; o que faz um produto, que
desempenhavam, em que tarefas eles precisavam ser auxiliados pelo
função ele desempenha? Se o objeto não faz nada de interessante,
produto. Tarefas e atividades não são bem auxiliadas por recursos iso-
então quem se importa com o quão bem ele funciona? Mesmo se sua
lados. Elas exigem atenção à seqüência de ações para alcançar a meta
única função fosse ter boa aparência, seria melhor ele ser bem-
final, isto é, as verdadeiras necessidades. O primeiro passo do bom
,,... sucedido. Alguns itens muito bem concebidos em termos de design
design comportamental é compreender exatamente como as pessoas
erram o alvo quando se trata de cumprir seu propósito, portanto,
vão usar um produto. Aquela equipe não havia feito nem esse con-
merecem fracassar. Se um descascador de batatas não consegue des-
junto mais elementar de observações.
cascar batatas, ou se um relógio não marca o tempo com precisão,
Existem dois tipos de desenvolvimento de produto: aperfeiçoa-
nada mais importa. Desse modo, o primeiríssimo teste comporta-
mento e inovação. Aperfeiçoamento significa pegar um produto ou
mental pelo qual um produto deve passar é sa1isfazer necessidades.
serviço existente e melhorá-lo. Inovação oferece uma forma comple-
À primeira vista, acertar na função parece o mais fácil dos crité-
tamente nova de fazer alguma coisa, ou uma coisa completamente
rios a satisfazer, mas na verdade é complicado. As necessidades das
nova para fazer, algo que antes não era possível. Dos dois, o aperfei-
pessoas não são tão óbvias quanto se poderia pensar. Quando uma
çoamento é muito mais fácil.
categoria de produto já existe, é possível observar as pessoas usando
As inovações são especialmente difíceis de avaliar. Antes de
os produtos existentes para descobrir que aperfeiçoamentos podem
serem introduzidas, quem teria imaginado que precisaríamos de
ser feitos. Mas e se a categoria nem sequer existe? Como se descobre
máquinas de escrever, computadores pessoais, máquinas copiadoras,
uma necessidade que ninguém sabe que existe? É daí que surgem os
ou telefones celulares? Resposta: n inguém. Hoje em dia é difícil ima-
produtos inovadores.
ginar a vida sem esses acessórios, mas antes que existissem, quase
Mesmo com os produtos existentes, é surpreendente constatar
ninguém, exceto um inventor, poderia imaginar para que propósito
como é raro os designers observarem seus clientes. Visitei um grande
eles serviriam e, praticamente sempre, os inventores estavam errados.

92 DESIGN EMOCIONAL
TRÊS NÍVEIS DE DESIGN 93
Thomas Edison achava que o fonógrafo iria eliminar a necessidade de design? Provavelmente não, provavelmente apenas atribuiu a
de cartas escritas em papel, que os homens de negócios ditariam seus culpa a si mesmo. Pois bem, todos eles poderiam ser corrigidos por
pensamentos e enviariam as gravações pelo correio. O computador um design apropriado. Por que não projetar uma chave simétrica que
pessoal foi tão mal compreendido, que vários grandes fabricantes de funcione não importa em que sentido seja inserida numa fechadura?
computador na época o descartaram por completo: algumas dessas Por que não projetar carros, nos quais a chave seja necessária para
outrora grandes empresas não existem mais. O telefone foi concebi- fechar as portas, de modo que o carro não possa ser trancado com as
do para ser um instrumento de negócios e, nos primeiros tempos de chaves dentro? Por que não tornar possível fechar as janelas estando
sua invenção, as companhias telefônicas tentaram dissuadir os clien- fora do carro? Todos esses designs já existem, mas foi necessária
tes de usar o telefone para meras conversas e falar da vida alheia. muita observação perspicaz para que os projetistas admitissem que os
Não se pode avaliar uma inovação ao pedir a clientes em poten- problemas poderiam ser superados.
cial que dêem suas opiniões. Isso exige que as pessoas imaginem Você alguma vez já pôs as pilhas ao contrário em um produto?
alguma coisa com a qual elas não têm nenhuma experiência. Suas Por que isso sequer é possível? Por que as pilhas não são projetadas de
respostas, ao longo da história, têm sido notoriamente ruins. As pes- modo que só possam entrar em seus lugares, viradas no sentido
soas disseram que gostariam realmente de ter alguns produtos que, certo, tornando impossível inseri-las no sentido errado? Eu descon- 11 11
quando lançados no mercado, fracassaram. De maneira semelhante, fio que os fabricantes de pilhas não se importam e que os fabricantes
disseram que simplesmente não estavam interessadas em produtos que compram e especificam pilhas para seus equipamentos jamais
que depois se tornaram gigantescos sucessos comerciais. O telefone consideraram a possibilidade de fazer as coisas melhor. As pilhas
celular é um bom exemplo. Inicialmente, acreditou-se que iria ser cilíndricas padrão são excelentes exemplos de um pobre design com-
útil para um número limitado de pessoas no mundo de negócios. portamental, de não compreender os problemas que as pessoas
Muito poucas pessoas podiam se imaginar carregando um deles sim- enfrentam quando têm de descobrir de que lado fica o positivo e de 1

plesmente para interação pessoal. De fato, quando pessoas compra- que lado fica o negativo em cada aparelho - especialmente diante de
.if,u ram celulares, explicaram que não pretendiam usá-los, mas que os avisos de advertência que indicam que o equipamento pode ser dani- p·
teriam para "casos de emergência". Prever a popularidade de um ficado se as pilhas forem inseridas incorretamente.
novo produto é quase impossível antes que ele de fato exista, muito Vamos considerar o automóvel. Obviamente, é fácil notar que o
embora pareça evidente depois.
Os aperfeiçoamentos de um produto surgem principalmente da
bagageiro deveria ser maior ou que o ajuste dos assentos deveria ser
mais fácil, mas que tal um acessório óbvio como um suporte para
i'
observação de como as pessoas usam o que existe hoje, para descobrir bebidas? As pessoas gostam de tomar café e refrigerantes enquanto
as dificuldades e então superá-las. Mesmo assim, pode ser mais difí- dirigem seus carros. Hoje isso parece uma necessidade óbvia em um
cil determinar as necessidades reais do que poderia parecer óbvio. As automóvel, mas nem sempre se pensava assim. Os automóveis estão
pessoas têm dificuldade de descrever em palavras seus problemas em circulação há cerca de um século, mas suportes para bebidas não
reais. Mesmo quando têm consciência de um problema, não é sem- eram considerados apropriados para seus interiores até bastante 1
pre que pensam que seja uma questão de design. Você alguma vez já recentemente, e a inovação não veio dos fabricantes de automóveis -
lutou com uma chave, para descobrir que a estava inserindo de cabe- eles resistiram a ela. Aconteceu que pequenos fabricantes se deram
ça para baixo? Ou já trancou suas chaves dentro do carro? Ou tran- conta da necessidade, provavelmente porque haviam construído os
cou o carro e descobriu em seguida que tinha deixado as janelas aber- suportes para si próprios, e então descobriram que outras pessoas
tas, de modo que precisou destrancar o carro e entrar para fechá-las? também os queriam. Em pouco tempo, todos os tipos de acessórios
Em qualquer desses casos, você imaginaria que esses eram problemas que se podiam acrescentar estavam sendo fabricados. Eram relativa-

94 DESIGN EMOCIONAL TRÊS NÍVEIS DE DESIGN 95

!
segurar bebidas. O novo design tinha numerosos aperfeiçoamentos
mente baratos e fáceis de instalar em um carro: suportes adesivos,
importantes do produto, tanto na aparência quanto no comporta-
suportes magnéticos, suportes para saquinhos. Alguns presos às jane-
mento - design visceral e comportamental - e demonstrou ser um
las, alguns ao painel e alguns ao espaço entre os assentos. Foi somen-
sucesso de mercado. Em que medida o suporte para bebida foi
te porque eles se tornaram tão populares que os fabricantes lenta-
importante para o sucesso do novo design? Provavelmente não
mente começaram a acrescentá-los como acessórios de série no carro.
muito, a não ser pelo fato de que demonstrava atenção às exigências
Agora existe uma vasta variedade de suportes inteligentes. Algumas
reais do cliente, o que traduz os produtos de qualidade. Como a
pessoas afirmam que compraram uma determinada marca de auto-
Herbst LaZar Bel[ de maneira muito justa enfatiza, o verdadeiro
móvel unicamente por causa de seus suportes para bebidas. Comprar
desafio do design de produto é "compreender as necessidades do
um carro unicamente por causa de um suporte para bebida? Por que
usuário final ainda não manifestadas e que não estão sendo atendi-
não? Se o carro é usado principalmente para a viagem diária até a
das". Este é o desafio do design: descobrir as verdadeiras necessidades
estação de trem ou metrô e para executar pequenas tarefas numa
que mesmo as pessoas que as têm ainda não conseguem formular
cidade, a conveniência e o conforto para motoristas e passageiros são
as necessidades mais importantes. nem manifestar.
Mesmo depois que a necessidade de suportes para bebidas era Como se faz para descobrir "necessidades não formuladas"?
óbvia, os fabricantes alemães resistiram a eles, explicando que auto- Com certeza, não através de perguntas, não por meio de grupos de
móveis eram para ser dirigidos, não lugares para beber. (Desconfio foco, não através de pesquisas ou questionários. Quem teria pensado
de que essa atitude reflita a cultura de design antiquado dos automó- em mencionar um suporte para bebidas num carro, numa escada
veis alemães, que proclama que o engenheiro é quem sabe o que é portátil, ou numa máquina de limpeza? Afinal, beber café não pare-
melhor, e considera irrelevantes estudos feitos com pessoas de carne ce ser mais uma exigência para a limpeza do que o é para dirigir um
e osso que dirigem seus carros. Mas se automóveis são apenas para automóvel. Só depois que esses aperfeiçoamentos são feitos é que
I"
serem dirigidos, por que os alemães fornecem cinzeiros, isqueiros e todo mundo pensa que sejam óbvios e necessários. Como a maioria
j, ..
rádios?) Os alemães reconsideraram somente sua opinião quando das pessoas não tem consciência de suas verdadeiras necessidades,
quedas nas vendas nos Estados Unidos foram atribuídas à falta de descobri-las exige observações cuidadosas em seu ambiente natural.
suportes para bebidas. Os engenheiros e designers que acreditam não O observador treinado pode identificar dificuldades e soluções que
ser necessário observar as pessoas que usam seus produtos são uma mesmo a pessoa que as experimenta não reconhece conscientemen-
das principais fontes dos muitos projetos de má qualidade com que te. Mas uma vez que um problema foi apontado, é fácil saber quan-
somos obrigados a conviver. do se acertou o alvo. A resposta das pessoas que realmente usam o
Meus amigos na empresa de design industrial Herbst LaZar Bell produto tem a tendência de ser algo do tipo: ''Ah, sim, você tem
me disseram que lhes tinha sido pedido por uma empresa que rede- razão, isso é realmente uma chateação. Será que dá para resolver?
senhassem a máquina de limpar pisos de maneira a satisfazer uma Seria maravilhoso." 1

longa lista de requisitos. Suportes para segurar bebidas não consta- Depois da função vem a compreensão. Se você n ão consegue
vam na lista, mas talvez devessem constar. Quando os designers visi- compreender um produto, não pode usá-lo - ou, pelo menos não 1

taram os trabalhadores de manutenção no meio da noite só para ver


muito bem. É claro que você poderia memorizar os passos básicos de
como eles limpavam os pisos de um grande prédio comercial, desco-
funcionamento, mas provavelmente teriam de lembrar-lhe repetida-
briram que os trabalhadores tinham dificuldade de beber café
mente quais eram eles. Com uma boa compreensão, uma vez que a
enquanto manipulavam as enormes máquinas de limpeza e de ence-
operação é explicada, você provavelmente dirá: "Ah sei, compreen-
rar. Como resultado disso, os designers acrescentaram suportes para

TRÊS NÍVEIS DE DES IGN 97


96 DESIGN EMOCIONAL
do", e dali por diante, não precisará mais de explicações nem de ser Modelos conceituais
lembrado. ''Aprenda uma vez, lembre-se para sempre", deveria ser o
mantra do design.
Sem compreensão, as pessoas não têm idéia do que fazer quan-
do as coisas dão errado - e as coisas sempre dão errado. O segredo de
ter uma boa compreensão é estabelecer um modelo conceitual apro-
priado. Em O design do dia-a-dia, ressaltei que existem três imagens
mentais diferentes de qualquer objeto. Primeiro a imagem na cabeça
do designer - chamem-na de "modelo do designer". Depois há a
imagem que as pessoas usando o aparelho têm dele e da maneira
como ele funciona: chamem-na de "modelo do usuário". Num Imagem de·Sistema
mundo ideal, o modelo do designer e o modelo do usuário deveriam
ser idênticos e, em resultado, o usuário compreenderia e usaria o
objeto corretamente. Infelizmente, os designers não conversam com
I LUSTRAÇÃO 3.4
os usuários finais; eles apenas especificam o produto. As pessoas for- ~1;
O modelo do designer, a imagem de sistema e o modelo do usuário.
mam seus modelos inteiramente a partir de suas observações do pro- Para alguém usar um produto com sucesso, precisa ter o mesmo modelo mental (o
duto - de sua aparência, como ele opera, o feedback que ele fornece modelo do usuário) do designer (o modelo do designer) . Mas o designer só fala com
e, talvez, de qualquer material escrito que o acompanhe, tal como o usuário através do próprio produto, de modo que toda a comunicação deve ter
anúncios e manuais. (Mas a maioria das pessoas não lê os manuais.) lugar através da "imagem de sistema": as informações transmitidas pelo próprio pro-
duro concreto.
Eu denominei a imagem transmitida pelo produto e material escrito
fH -•
de "imagem de sistema".
Como indica a ilustração 3.4, os designers podem se comunicar Um componente importante da compreensão vem do feedback
com eventuais usuários somente por meio da imagem de sistema de de informações: um aparelho precisa dar retorno contínuo de modo
um produto. Deste modo, um bom designer se certifica de que a que o usuário saiba que está funcionando, que quaisquer comandos,
imagem de sistema do design final transmite o modelo do usuário botões que tenham sido apertados ou outras solicitações, tenham
apropriado. A única maneira de descobrir isso é através de teste: sido realmente recebidos. Esse feedback pode ser simples como o da
desenvolver protótipos iniciais, e depois observar as pessoas tentarem sensação do pedal do freio quando você o aperta e a redução resul-
usá-los. O que é um objeto com uma boa imagem de sistema? Quase tante da velocidade do automóvel, ou um breve piscar de luzes ou
qualquer design que torne evidente o seu funcionamento. As réguas som quando você pressiona alguma coisa. É espantoso, contudo,
e a configuração de margens do editor de texto que uso enquanto quantos produtos costumam dar feedback inadequado. Hoje, a maio-
escrevo estas páginas são um excelente exemplo. O ajuste de contro- ria dos sistemas de computadores exibe um mostrado r de relógio ou
le de assento mostrado na ilustração 3.5 é outro. Reparem como a uma ampulheta para indicar que eles estão respondendo a um
disposição dos controles automaticamente se refere ao que cada um comando, mesmo que lentamente. Se a demora é curta, este indica-
desempenha. Levante o botão do controle do assento e o assento se dor basta, mas é completamente inadequado se a demora se prolon-
eleva. Empurre para a frente o controle vertical e o encosto do assen- ga. Para ser efetivo, o feedback tem de ressaltar o modelo conceitual,
to se inclina para frente. Esse é um bom design conceitua!. indicando precisamente o que está acontecendo e o que ainda falta

TRÊS NÍVEIS DE DESIGN 99


?8 DESIGN EMOCIONAL
conhecemos nenhuma outra alternativa, em parte porque os resulta-
dos valem muito a pena.
Mas a maioria das coisas que se usa na vida quotidiana não deve-
ria exigir anos de estudo, dedicação e prática. Novos produtos apare-
cem a cada semana, mas quem tem o tempo ou a energia necessários
para aprender a usá-los? O design de má qualidade é uma causa fre-
qüente de erro, mas a culpa é quase sempre atribuída injustamente
aos usuários, em vez de aos designers. Os erros podem resultar em
acidentes não só financeiramente caros, como podem causar feri-
mentos ou morte. Não há desculpa para esse tipo de defeitos, pois
sabemos como construir coisas funcionais, compreensíveis e usáveis.
Além do mais, objetos do dia-a-dia têm de ser usados por uma ampla
variedade de pessoas, altas e baixas, fortes ou não, que falam e lêem
línguas diferentes, que podem ser surdas ou cegas, carecer de mobi-
lidade ou agilidade física - ou até mesmo não ter mãos. As pessoas
ILUSTRAÇÃO 3.5
Controles de assento - uma excelente imagem de sistema. jovens têm conhecimentos e capacidades diferentes daquelas que as
Estes controles de assento se auto-explicam: o modelo conceitual é fornecido pelo mais velhas têm.
posicionamento dos controles para terem a imagem exata do movimento de ajuste O uso é o teste crítico de um produto: é o que se sustenta sozi-
desejado do icem sendo controlado. Quer mudar o ajuste do assento? Empurre ou nho, sem apoio de propaganda ou de material de merchandising.
puxe, eleve ou incline para baixo o controle correspondente e a peça corresponden- Tudo o que importa é se o produto tem bom desempenho, o quão
te do assento se move conforme desejado.
confortável a pessoa que usa se sente ao operá-lo. Um usuário frus-
(Controles de assento do Mercedes Benz; fotografia tirada pelo autor.)
iu .
trado não é um usuário feliz, de modo que é no estágio comporta-
mental do design que aplicar os princípios do design centrado no ser
ser feito. As emoções negativas se manifestam quando há falta de humano traz recompensas.
compreensão, quando as pessoas se sentem frustradas e fora de con- O design universal, ou seja, design para todos, é um desafio, mas
trole - primeiro inquietação, depois irritação e, se a falta de controle vale a pena o esforço. De fato, a filosofia do "Design Universal"
e compreensão persistir, até raiva. defende de maneira convincente que conceber coisas para portadores
A usabilidade é um assunto complexo. Vm produto que faz o de necessidades especiais, os que não ouvem ou não vêem, os que são
que se requer dele e é compreensível, mesmo assim pode não ter usa- menos ágeis que a média, invariavelmente torna o objeto melhor
bilidade. Desse modo, violões e violinos cumprem bem suas tarefas para todo mundo. Não existe desculpa para não conceber produtos
(isto é, criam música), são bastante simples de compreender, mas que todos possam usar.
muito difíceis de usar. O mesmo é verdadeiro com relação ao piano,
um instrumento de aparência enganadoramente simples. Os instru-
mentos musicais exigem a dedicação de anos de estudo e prática para "TOME, EXPERIMENTE isso." Estou visitando a IDEO, empresa de
serem usados adequadamente e, mesmo assim, erros e mau desempe- desenho industrial. Estão me mostrando a "Tech Box", um grande
nho são comuns entre os não profissionais. A relativa "não-usabili- armário com um número aparentemente interminável de pequenas
dade" de instrumentos musicais é aceita, em parte porque não gavetas e caixas, cheias de uma combinação eclética de brinquedos,

TRÊS NÍVEIS DE DESIGN 101


100 DESIGN EMOCIONAL
texturas, maçanetas, mecanismos mecânicos engenhosos e objetos sentindo o conforto de uma faca afiada e de alta qualidade, ouvindo
que não sei classificar. Observo atentamente o interior das caixas ten- o som de cortar na tábua ou o chiado quando se põe a comida na fri-
tando descobrir para que são, a que finalidade servem. ''Apenas gire gideira e os odores liberados por alimentos recém-cortados. Ou
a maçanetà', dizem-me, enquanto alguma coisa é enfiada em minha imagine-se estar cuidando do jardim, sentindo a maciez de uma plan-
mão. Descubro a maçaneta e giro. É agradável ao toque: lisa, sedosa. ta, a arenosidade da terra. Ou jogando tênis, ouvindo o bater da bola
Tento uma outra: não me parece tão precisa. Há regiões "mortas" contra as cordas da raquete, a sensação dela nas mãos. Toque, vibra-
onde eu giro e nada acontece. Por que a diferença? É o mesmo meca- ção, sensação, cheiro, som, aparência visual. Agora, imagine fazer
nismo, dizem-me. A diferença é o acréscimo de um óleo especial, tudo isso numa tela de computador, onde o que você vê pode parecer
muito viscoso. ''A sensação ao toque é importante", explica um desig- real, mas sem a sensação, sem aroma, sem vibrações, sem som.
ner, e de dentro da "Tech Box" surgem ainda mais exemplos: tecidos O mundo do software merece elogios por seu poder e capacida-
sedosos, têxteis de microfibra, borracha colante, bolas que se podem de camaleônica de se transformar em qualquer função que seja
apertar - mais do que consigo assimilar em uma única experiência. necessária. O computador proporciona ações abstratas. Os cientistas
Os bons designers se preocupam muito com a sensação física de da área de computação chamam esses ambientes de "mundos vir-
seus produtos. O toque e sensação física podem fazer enorme dife- tuais" e embora tenham muitos benefícios, eles eliminam um dos
rença na avaliação que fazemos de suas criações. Considere as delícias grandes prazeres da verdadeira interação: o prazer em tocar, sentir e
do metal polido liso, ou do couro macio, ou de uma maçaneta mecâ- mover objetos físicos reais.
lt nica que se move precisamente de posição para posição, sem trancos
nem zonas mortas, sem tropeços ou balanços. Não é de espantar que
Os mundos virtuais do software são mundos de cognição: idéias
e conceitos apresentados sem substância física. Objetos físicos envol-
os designers da IDEO adorem sua "Tech Box", a coleção de brinque- vem o mundo da emoção, onde você vivencia a experiência das coi-
dos e texturas, mecanismos e controles. Muitos profissionais de sas, quer a sensualidade confortável de algumas superfícies ou a aspe-
design se concentram na aparência visual, em parte porque isso é o reza desagradável de outras. Embora software e computadores
1," .. que pode ser apreciado a distância e, é claro, é tudo que pode ser tenham se tornado indispensáveis à vida quotidiana, a adesão exces-
vivenciado numa fotografia de propaganda, de marketing, ou na siva à abstração da tela do computador subtrai o prazer emocional.
ilustração impressa. Toque e sensação, contudo, são críticos para Felizmente, alguns designers de muitos produtos baseados em com-
nossa avaliação comportamental de um produto. Lembrem-se do
putador estão restaurando os prazeres naturais afetivos do mundo
chuveiro na ilustração 3.3.
real, tangível. Os controles físicos voltaram à moda: botões para sin-
Os objetos físicos têm peso, textura e superfície. O termo de
tonizar, botões para controlar o volume, chaves para virar ou fazer
design para isso é "tangibilidade". Um número grande demais de
câmbio. Viva!
criações de alta tecnologia evoluiu de controles e produtos físicos
O design comportamental mal concebido pode gerar grande
reais e concretos para outros em telas de computador que passaram a
frustração, resultando em objetos que têm vida própria, que se recu-
ser operados por um toque na tela ou pelo manejo do mouse. Todo
sam a obedecer, que não fornecem feedback adequado a respeito de
o prazer de manusear um objeto físico desapareceu e, com ele, um
suas ações, que são ininteligíveis e que, de maneira geral, deixam
sentido de controle. A sensação física é importante. Afinal, somos
qualquer pessoa que tenta usá-los tremendamente mal-humorada.
criaturas biológicas, com corpos físicos, braços e pernas. Uma parte
enorme do cérebro é ocupada pelos sistemas sensoriais, continua- Não é de espantar que essa frustração irrompa em explosões de raiva
mente investigando e interagindo com o ambiente. Os melhores e leve o usuário a berrar, chutar e praguejar. Pior, não há desculpa
produtos fazem pleno uso dessa interação. Imagine-se cozinhando, para essa frustração. A culpa não é do usuário; a culpa é do design.

102 DESIGN EMOCIONAL T RÊS NÍVEIS DE DES IGN 103


Por que tantos designs fracassam? Principalmente porque os problemas do projeto, que são incapazes de ver o produto da mesma
designers e engenheiros são, quase sempre, egocêntricos. Os enge- maneira que uma pessoa menos envolvida.
nheiros tendem a se concentrar na tecnologia, incluindo num pro- Grupos de foco, questionários e pesquisas são ferramentas inefi-
duto quaisquer características que sejam de sua preferência pessoal. cazes para informar sobre comportamento, pois são desvinculadas do
Muitos designers também fracassam devido a seu especial apreço uso concreto. A maior parte do comportamento é subconsciente e o
pelo uso de imagens sofisticadas, metáforas, e semânticas que que as pessoas realmente fazem pode ser bastante diferente do que
ganham prêmios em competições de design, mas criam produtos elas pensam que fazem . Nós humanos gostamos de pensar que sabe-
inacessíveis para os usuários. Os web sites também fracassam nessa
mos por que agimos como agimos, mas não sabemos, por mais que
área, pois seus criadores ou se concentram na sofisticação técnica de
nos agrade explicar nossas ações. O fato de que tanto as reações vis-
imagens ou sons, ou em se assegurar de que cada divisão da empresa
cerais quanto comportamentais sejam subconscientes faz com que
receba o reconhecimento que seu poder político impõe.
sejamos inconscientes de nossas verdadeiras reações e suas causas. É
Nenhum desses casos leva em conta os problemas do pobre
por isso que profissionais treinados que observam o uso real, em
usuário, pessoas como você e eu, que usam um produto ou web site
situações reais, podem dizer mais a respeito do que as pessoas gostam
para satisfazer alguma necessidade. Você precisa cumprir uma tarefa
e não gostam - e os motivos para isso - do que as próprias pessoas.
ou encontrar alguma informação . Você não conhece a estrutura
Uma interessante exceção a esses problemas ocorre quando
organizacional da empresa em cujo web site vai procurar informa-
1 ções, nem quer conhecer. Você pode apreciar, por um breve instante, designers ou engenheiros estão construindo alguma coisa para si
imagens e sons lampejantes, mas não quando esse requinte e sofisti- mesmos, que usarão com freqüência em sua própria vida quotidiana.
cação se tornam um obstáculo que o impedem de fazer seu trabalho. Esses produtos tendem a ser excelentes. Como resultado disso, os
O bom design comportamental deve centrar-se no ser humano, melhores produtos hoje, do ponto de vista comportamental, quase
concentrando-se em compreender e satisfazer as necessidades das sempre são aqueles que vêm de indústrias voltadas para o atletismo,
...
, pessoas que realmente usam o produto. Como eu já disse, a melhor esporte e a produção artesanal, porque esses produtos são projetados,
maneira de descobrir quais são estas necessidades é através da obser- comprados e usados por pessoas que põem o comportamento acima
vação, quando o produto está sendo usado naturalmente, e não em de qualquer outra coisa. Vá a uma boa loja de ferragens e examine as
resposta a uma solicitação arbitrária para "nos mostrar como você ferramentas usadas por jardineiros, carpinteiros e mecânicos. Essas
faria x". Mas a observação é surpreendentemente rara. Seria lógico ferramentas, desenvolvidas ao longo de séculos de uso, são cuidadosa-
pensar que os fabricantes quisessem observar as pessoas usando seus mente projetadas para darem uma boa sensação, para serem bem
produtos, para aperfeiçoá-los no futuro. Mas não, eles estão muito balanceadas, para darem um feedback preciso e para funcionarem bem.
ocupados em projetar e igualar os aspectos e acessórios dos competido- Vá a uma boa loja de equipamentos e examine as ferramentas de um
res para descobrir se seus produtos são realmente eficientes e usáveis. alpinista ou as barracas e mochilas de pessoas que se dedicam seria-
Engenheiros e designers explicam que, pelo fato de eles próprios mente a caminhadas em trilhas e à prática de acampamento. Ou vá a
serem pessoas, eles compreendem as pessoas, mas esse argumento é uma loja que fornece utensílios domésticos para chefi profissionais e
falho. Engenheiros e designers simultaneamente sabem demais e de examine o que os verdadeiros chefi compram e usam em suas cozinhas.
menos. Eles sabem demais a respeito da tecnologia e de menos sobre Descobri que é interessante comparar equipamentos eletrônicos
como as outras pessoas vivem suas vidas e realizam suas atividades. vendidos para consumidores com equipamentos vendidos a profis-
Além disso, quaisquer pessoas trabalhando num produto se envol- sionais. Embora muito mais caros, os equipamentos profissionais
vem tanto com os detalhes técnicos, as dificuldades do design e os costumam ser mais simples e mais fáceis de usar. Filmadoras para o

104 DESIGN EMOCIONAL TRÊS NÍVEI S DE DESIGN 105


mercado doméstico têm numerosas luzes que piscam, muitos botões car erros sem importância na implementação. Esse processo de
e ajustes, e menus complexos para acertar o horário e programar design interativo é o cerne do design efetivo, centrado no usuário.
futuras gravações. Filmadoras para profissionais têm apenas o essen-
cial e, portanto, são mais fáceis de usar e funcionam melhor. Estas
diferenças surgem, em parte, porque os designers estarão usando os O design reflexivo
produtos eles próprios, de modo que sabem o que é importante e o
que não é. As ferramentas feitas por artesãos para si próprios têm O design reflexivo cobre um território muito vasto. Tudo nele diz
todas essas propriedades. Os designers de equipamentos para longas respeito à mensagem, tudo diz respeito à cultura, tudo diz respeito ao
caminhadas ou de alpinismo sabem que um dia talvez suas vidas significado de um produto ou seu uso. Por um lado, diz respeito ao
dependerão da qualidade e comportamento de seus próprios designs. significado das coisas, às lembranças pessoais que alguma coisa
Quando a empresa Hewlett Packard foi fundada, seu principal evoca. Por outro, diz respeito à auto-imagem e às mensagens que um
produto era um equipamento de teste para engenheiros eletricistas. produto envia às outras pessoas. Sempre que você repara que a cor
"Projete para a pessoa na bancada ao lado", era o lema da empresa, e das meias de alguém combina com o resto das suas roupas, ou se
servia-lhes muito bem. Os engenheiros achavam uma alegria usar os essas roupas são adequadas para a ocasião, você está atento à auto-
produtos da HP porque se adequavam perfeitamente à tarefa do imagem reflexiva.
engenheiro eletricista na bancada de projeto ou de teste. Mas hoje Quer desejemos admitir ou não, todos nós nos preocupamos
em dia, a mesma filosofia de design não funciona mais: o equipa- com a imagem que apresentamos aos outros - ou, com a auto-
mento é geralmente usado por técnicos e equipes de campo que têm imagem que apresentamos a nós mesmos. Você por vezes deixa de
pouca ou nenhuma qualificação técnica. A filosofia da "bancada ao fazer uma compra "porque não seria adequado" ou compra alguma
lado" que funcionava quando os designers também eram usuários coisa para apoiar uma causa que você acredita? Essas são decisões
fracassa quando mudam os públicos-alvo. reflexivas. De fato, mesmo as pessoas que afirmam ter total falta de
O bom design comportamental tem de ser parte fundamental interesse sobre como são vistas pelos outros -vestindo o que for mais
do processo do design desde o princípio; não pode ser adotado uma fácil ou mais confortável, abstendo-se de comprar roupas até que as
vez que o produto foi concluído. O design comportamental começa que estão usando tornem-se completamente inúteis - fazem declara-
com a compreensão das necessidades do usuário, idealmente desco- ções a respeito de si próprias e das coisas com as quais elas se impor-
bertas através da condução de estudos de comportamento relevante tam. Tudo isso é propriedade do processamento reflexivo.
em lares, escolas, locais de trabalho ou onde 9..uer que o produto vá Examinemos os dois relógios de pulso. O primeiro, da "Time by
ser realmente usado. Então a equipe de design produz protótipos Design" (ilustração 3.6), demonstra prazer reflexivo usando um
rápidos, para testar em prováveis usuários, protótipos que levam meio incomum de marcar o tempo, e tem de ser explicado para ser
horas (não dias) para serem produzidos e então os testam. Mesmo compreendido. O relógio também é visceralmente atraente, mas o
simples esboços ou mockups de papelão, de madeira ou espuma fun- apelo principal é seu mostrador incomum. É mais difícil dizer as
cionam bem nesse estágio. À medida que o processo de design pros- horas nele do que em um relógio tradicional analógico ou digital?
segue, ele incorpora as informações dos testes. Logo os protótipos Sim, mas ele tem um excelente modelo conceituai subjacente, satis-
tornam-se mais completos, por vezes funcionando plena ou parcial- fazendo uma de minhas máximas de bom design comportamental:
mente, por vezes apenas simulando aparelhos em funcionamento. só precisa ser explicado uma vez; a partir de então, torna-se óbvio. É
Quando afinal o produto está finalizado, já foi plenamente avaliado complicado acertar o relógio porque ele tem apenas um único con-
por meio do uso: os testes finais são necessários apenas para identifi- trole? Sim, mas o prazer reflexivo em exibir o relógio e explicar sua

106 DESIGN EMOCIONA L TRÊS NÍVEIS DE DESIGN 107


-
ILUSTRAÇÃO 3.6 !LUSTRAÇÃO 3.7
•11_,~; -;- .,, ~ O design reflexivo através da sagacidade. Puro design comportamental.
À ..• ,,-·; .....
O valor deste relógio de pulso vem da perpis- O relógio de pu lso Casio "G-Shock" é
- ...... ~.
caz representação do tempo: Rápido, diga que puro design comportamental; eficiente
hora está marcando? Este é o relógio Time by e efetivo, sem pretensões à beleza e com
Design's "Pie" marcando 4 horas 22 minutos e baixa medida de design reflexivo cais
37 segundos. O objetivo da empresa é inven- como prestígio e status. Mas considere-
tar novas formas de mostrar as horas, combi- mos os aspectos comportamentais: duas
nando "arre e a indicação das horas de manei- wnas de fuso horário, um cronômetro,
ras divertidas e com relógios atraentes e que um marcador de contagem regressiva, e
instigam o raciocínio". Este relógio é tanto um despertador. Barato, fácil de usar e
uma mensagem sobre o usuário quanto é um preciso. (Coleção do autor.)
instrumento para mostrar a hora.
(Cortesia de Time by Design.)

operação supera as dificuldades. Eu tenho um desses e, como meus


fabricante de emoções. É claro que eles faziam os relógios de pulso e
amigos já fartos de ouvir atestarão, explico orgulhosamente a qual-
mecanismos de precisão usados na maioria dos relógios ao redor do
quer pessoa que demonstre o menor interesse. O valor reflexivo
mundo (independentemente da marca exibida no mostrador), mas o
supera as dificuldades comportamentais.
que realmente haviam feito foi transformar a finalidade de um reló-
Agora comparemos esse design reflexivo com o relógio de plásti-
gio: a de marcar o tempo, para a de emocionar. A especialidade deles,
co digital da Casio, de modelo prático, sensível (ilustração 3.7). É
proclamou o presidente audaciosamente, era a emoção humana,
um relógio prático, que enfatiza o nível comportamental do design,
enquanto enrolava as mangas da camisa para exibir os vários relógios
sem nenhum dos atributos do design visceral ou reflexivo. É um
em seu braço.
relógio de engenheiro: prático, direto, com múltiplas funções e de
A Swatch é famosa por ter transformado o relógio numa expres-
preço baixo. Não é particularmente atraente - essa não é sua caracte-
são de moda, defendendo que as pessoas deveriam possuir a mesma
rística de venda. Além disso, o relógio não tem nenhum apelo refle-
quantidade de relógios que de gravatas, sapatos ou até mesmo cami-
xivo especial, exceto talvez por meio da lógica inversa de se ter orgu-
sas. Você deveria trocar seu relógio, proclamavam eles, de acordo
lho de possuir um relógio tão utilitário, quando se pode ter um
com o seu humor, atividade ou até mesmo com a hora do dia. A
muito mais caro. (Para fins informativos: tenho ambos os relógios e
equipe executiva da Swatch pacientemente tentou nos explicar isso:
uso o Time by Design em ocasiões formais e o Casio no dia-a-dia.)
sim, o mecanismo da máquina do relógio precisava ser barato mas,
Há alguns anos visitei Biel, na Suíça. Eu fazia parte de uma
ao mesmo tempo, de alta qualidade e confiável (e ficamos impressio-
pequena equipe de produtos para uma empresa americana de alta
nados com a visita que fizemos às suas instalações completamente
tecnologia, que estava lá para trocar idéias com o pessoal da Swatch,
automatizadas), mas as verdadeiras oportunidades estavam em
a empresa fabricante de relógios que havia transformado a indústria
explorar o mostrador e o corpo do relógio. O web site deles explica
de fabricação de relógios de pulso. A Swatch, informaram-nos orgu-
nos seguintes termos:
lhosamente, não era uma fabricante de relógios; era uma empresa

108 DESIGN EMOCIONAL TRÊS NÍVEIS DE DESIGN 109


Swatch é Design. A forma de um rel6gio Swatch é sempre a mesma. O ras são mais do que estética: elas têm a ver com o valor reflexivo de
minúsculo espaço que ele oferece para o design criativo exerce um
possuir - ou de ver - o original.
poder irresistível de atração sobre os artistas. Por quê? Porque o mostra-
Essas questões são todas culturais. Não há nada de p rático, nada
dor e a correia podem assumir os conceitos imaginativos mais loucos,
as idéias mais incomuns, cores vivas, mensagens emocionantes, artísti-
de biológico nas respostas. As respostas são convenções, aprendidas
cas e cômicas, sonhos para hoje e para amanhã, e muito, muito mais. não importa em que sociedade você habite. Para alguns de vocês, as
Isso é exatamente o que torna cada modelo Swacch tão fascinante: é respostas serão óbvias; para outros, as perguntas nem sequer farão
um design que incorpora uma mensagem, um texto que dá testemu- sentido. Esta é a essência do design reflexivo: tudo está na mente do
nho de uma personalidade. observador.
A atratividade é um fenômeno de nível visceral - a resposta está
Na época de minha visita, ficamos impressionados, mas intriga- inteiramente no aspecto superficial de um objeto. A beleza vem do
dos. Éramos técnicos. O conceito de que um artigo de alta tecnolo- nível reflexivo. A beleza examina por baixo da superfície. A beleza
gia devesse ser realmente considerado um veículo para emoções mais vem da reflexão consciente e da experiência. Ela é influenciada pelo
do que para função era um pouco difícil para nós engenheiros com- conhecimento, pelo aprendizado e pela cultura. Objetos que não são
preendermos. Nosso grupo jamais conseguiria se organizar o sufi- atraentes na superfície podem dar prazer. Música dissonante, por
ciente para trabalhar de maneira tão criativa, de modo que aquela exemplo, pode ser bonita. Arte feia pode ser bonita.
aventura não resultou em nada - exceto a impressão muito duradou- A publicidade pode operar no nível visceral ou no nível reflexi-
ra que me causou. Aprendi que produtos podem ser mais do que a vo. Produtos bonitos - carros "sensuais" e veículos utilitários de
soma das funções que desempenham. Seu valor real pode ser satisfa- aspecto potente, garrafas e frascos sedutores para bebidas e perfumes
zer as necessidades emocionais das pessoas, e uma das mais impor- - jogam com o nível visceral. Prestígio, percepção de raridade e de
tantes de todas as necessidades é demonstrar a auto-imagem do indi- exclusividade operam no nível reflexivo. Aumente o preço do uísque,
víduo, seu lugar no mundo. Em seu importante livro sobre o papel e aumente as vendas. Torne difícil conseguir reservas para um restau-
do design industrial, Watches Tel1 More than Time (Os Relógios rante ou a entrada para um clube e aumente a medida na qual são
Dizem Mais que Horas), o designer Del Coates explica que "é desejáveis. Esses são artifícios do nível reflexivo.
As operações de nível reflexivo freqüentemente determinam a
impossível, de fato, desenhar um modelo de relógio que diga apenas
impressão global que uma pessoa tem de um produto. É quando
as horas. Sem saber de mais nada, o design de um simples relógio -
você se recorda do produto, refletindo sobre seu apelo total e a expe-
ou de qualquer produto - pode sugerir suposições sobre a idade, a
riência de usá-lo. É onde muitos fatores entram em jogo e onde as
identidade de gênero, e a personalidade da pess;a que o usa''.
deficiências de um aspecto podem ser superadas pelos pontos fortes
Você alguma vez já considerou a possibilidade de comprar um
de outro. Pequenas dificuldades poderiam muito bem ser ignoradas
relógio de pulso caro, feito à mão? Jóias caras? Uísque escocês single
na avaliação global - ou ressaltadas, ampliadas de maneira completa-
malt ou uma vodca de prestígio? Você sabe realmente distinguir entre
mente desproporcional.
as marcas? A degustação às cegas de muitos uísques, em que o prova-
O impacto global de um produto vem através da reflexão - na
dor não tem idéia de qual copo contém qual bebida, revela que você
memória retrospectiva e reavaliação. Você mostra afetuosamente seus
provavelmente não sabe distinguir a diferença pelo gosto. Por que
objetos pessoais a seus amigos e colegas, ou os esconde e, se porven-
uma pintura original cara é superior a uma reprodução de alta quali-
tura fala deles, é apenas para reclamar? Coisas de que um proprietá-
dade? O que você preferiria ter? Se a pintura diz respeito à estética,
rio se orgulha serão exibidas proeminentemente, ou, no mínimo,
uma boa reprodução deveria ser suficiente. Mas, obviamente, pintu-
mostradas às pessoas.

110 DESIGN EMOCIONAL


T RÊS NÍVEIS DE DESIGN 111
Os relacionamentos com clientes desempenham um papel que não. A confiança racional não seria nem de longe tão efetiva.
muito importante no nível reflexivo, de maneira tão marcada que Uma vez que o sistema reflexivo falha, a sedução também tende a
um bom relacionamento pode completamente reverter uma expe- desaparecer.
riência de outro modo negativa com o produto. Assim, uma empre-
sa que faz um esforço especial para dar assistência e ajudar clientes
descontentes pode transformá-los em seus fãs mais leais. Na verdade, Um estudo de caso: o fone de ouvido da
a pessoa que compra um produto e não tem nada além de experiên- Liga Nacional de Futebo l Americano
cias prazerosas com ele pode ficar menos satisfeita do que uma que
tem uma experiência infeliz, mas é bem tratada pela empresa en- - Você sabe qual foi a parte mais difícil deste design? - perguntou
quanto se resolve o problema. Essa é uma forma cara de conquistar a Walter Herbst, da empresa de design Herbst LaZar Bell, ao orgulho-
fidelidade do cliente, mas mostra o poder do nível reflexivo. O samente me mostrar o fone de ouvido Motorola (ilustração 3.8).
design reflexivo diz respeito, na verdade, à experiência de longo - Confiabilidade? - respondi, hesitante, pensando que parecia
prazo do cliente. Diz respeito a serviço, a oferecer um toque pessoal tão grande e forte, que devia ser confiável.
e uma interação afetuosa. Quando o cliente reflete sobre o produto - Não - respondeu ele-, foram os treinadores ... fazer os treina-
de maneira a decidir o que comprar a seguir ou o que aconselhar aos dores se sentirem bem com o fato de usá-los.
amigos, uma recordação reflexiva prazerosa pode superar quaisquer A Motorola tinha pedido à Herbst LaZar Bel! que projetasse o
experiências negativas anteriores. design do fone de ouvido para ser usado pelos treinadores da Liga
Atrações de parques de diversão são um bom exemplo de intera- Nacion al de Futebol Americano. Atenção, não podiam ser apenas
ção entre reflexão e reação. As atrações agradam tanto aos que valo- fo nes de ouvido quaisquer. Tinham de ser altamente funcionais ,
rizam os sentimentos que acompanham alta excitação e medo por si transmitindo mensagens inteligíveis entre os treinadores e seu pes-
só, e àqueles para quem a atração consiste inteiramente no poder soal espalhado por todo o estádio. O suporte do microfone precisava
•· reflexivo posterior. No nível visceral, a questão se resume em excitar ser removível de modo que pudesse ser encaixado de qualquer um
os participantes, assustando-os no processo. Mas isso deve ser feito dos lados da cabeça para treinadores destros e canhotos. O ambiente
de maneira segura. Enquanto o sistema visceral está operando com de trabalho é difícil. É barulhento. Jogos de futebol são disputados
força total, o sistema reflexivo é uma influência tranqüilizadora. Essa em temperaturas extremas, desde o auge do calor, à chuva e ao frio
é uma atração segura, ele está dizendo ao resto do corpo. Apenas imenso. E fones de ouvido são maltratados: treinadores enfurecidos
parece perigoso. Mas tudo bem. Durante o perc!-lrso, o sistema visce- dão vazão à sua frustração em qualquer coisa que esteja à mão, por
ral provavelmente vence. Mas em retrospecto, quando a lembrança vezes agarrando o microfone e atirando o fone de ouvido no chão.
se torna mais fraca, o sistema reflexivo vence. Agora, é uma honra ter Os sinais têm que ser transmitidos em canais privados, de modo que
vivido a experiência de fazer o percurso. Rende histórias para contar os times adversários não ouçam as conversas dos outros. O fone de
a outras pessoas. Nesse caso, um parque de diversões efetivo realça a ouvido também é um importante símbolo de publicidade, expondo
interação ao vender fotografias do participante no auge da experiên- o nome da Motorola aos telespectadores, de modo que o nome da
cia. Eles vendem fotografias e suvenires, de modo que os participan- marca precisa ser visível, não importa qual seja o ângulo de posicio-
tes possam se gabar da experiência com os amigos. namento da câmera. E, finalmente, os treinadores têm de ficar satis-
Você andaria numa montanha-russa se o parque de diversões feitos. Eles têm de querer usá-los. De modo que não só o fone de
fosse velho e maltratado, com componentes claramente quebrados, ouvido precisa suportar os rigores do jogo, mas precisa também ser
trilhos enferrujados, e um aspecto geral de incompetência? É claro confortável, para poder ser usado durante horas seguidas.

112 DES I GN EMOCIONAL TRÊS NÍVE I S DE DES IGN 113


cano estão dentre os maiores, mais fortes e musculosos atletas de
esportes de equipe. O fone de ouvido tinha que reforçar essa ima-
gem: tinha que ser, ele próprio, "forte e musculoso" para transmitir a
imagem de um treinador no controle das coisas.
Então, sim, o design precisava ter uma atração visceral; e, sim,
tinha que atender aos objetivos comportamentais. O maior desafio,
contudo, era fazer tudo isso e ao mesmo tempo satisfazer os treinado-
res, projetando a auto-imagem heróica e viril de líderes fortes e disci-
plinados, que mantinham na linha os jogadores mais duros do mun-
do, e que estavam sempre no controle. Em suma: design reflexivo.
Conseguir realizar tudo isso deu muito trabalho. Não era um
design para ser esboçado num guardanapo (embora uma porção de
designs experimentais tenham sido, de fato, feitos em guardanapos).
Foram desenvolvidas ferramentas sofisticadas de CAD, que permi-
tiam que os designers visualizassem exatamente a aparência do fone
de ouvido, sob todos os ângulos, antes de qualquer coisa, otimizan-
do a interação de fones de ouvido e microfone, de ajuste do arco de
encaixe na cabeça e mesmo o posicionamento dos logos (maximizan-
do sua visibilidade para o público televisivo enquanto simultanea-
mente a minimizava para os treinadores, para evitar distração).
ILUSTRAÇÃO 3.8
"O principal objetivo na concepção do Fone dos Treinadores",
O fone de ouvido da Motorola para a equipe
declarou Steve Remy, administrador de projeto para a Herbst LaZar
de treinadores da Liga Nacional de Futebol Americano.
O fone de ouvido foi concebido pela empresa de design industrial Herbst LaZar Bell, "era criar um novo visual legal para um produto que costuma
Bell, que ganhou um Prêmio de Ouro da comissão Excellence Awards de Design ser desprezado como sendo um item secundário, e transformá-lo
Industrial da Business Week e da Sociedade de Desenho Industrial da América num produto fortalecedor de imagem que atraísse a atenção do espec-
(IDSA) por sua criação. A IDSA justificou o prêmio da seguinte maneira: "São raras tador mesmo no contexto carregado de ação e de alta energia do jogo
as ocasiões em que uma equipe de design percebe que lhe foi dado o sinal verde para
de futebol profissional." Funcionou. O resultado é um produto
criar um ícone que será visto por milhões de pessoas ao reder do mundo. O NFL
Headset Mororola representa o casamento entre uma tecnologia de comunicações "legal" - um produto que não só funciona bem, mas que também
sofisticada e um grande design com o sangue, suor e lágrimas do campo de jogo. serve como uma ferramenta efetiva de publicidade da Motorola e res-
Além disso, ele ressalta a percepção de uma empresa empenhada em satisfazer as exi- salta a auto-imagem dos treinadores. Este é um excelente exemplo de
gências complexas de usuários profissionais em todas as áreas." (Cortesia de Herbst como os três diferentes aspectos do design podem interagir bem.
LaZar Bel! e Motorola, lnc.)

O design do fone de ouvido era um desafio. Fones pequenos e O lado tortuoso do design
leves, embora mais confortáveis, não são fortes o suficiente. Mais
importante, contudo, os treinadores os rejeitavam. Os treinadores Para os não iniciados, entrar na loja de jeans Diesel, na Union Square
West, parece muito com entrar de repente, de tropeção, numa rave.
são líderes de times grandes e ativos. Os jogadores de futebol ameri-

TRÊS NÍVEIS DE DESIGN 115


114 DESIGN EMOCIONAL
Música techno toca alto como um bate-estaca estonteante. Uma televi- jogo em cima de emoções, vendendo a você, o cliente, a idéia de que
são exibe, inexplicavelmente, um vídeo de uma luta de boxe japonês. o produto proposto atenderá precisamente às suas necessidades e,
Não existem placas úteis indicando a seção dos homens e a das mulhe- mais importante, an unciar para o resto do mundo que pessoa supe-
res, e não há funcionários da equipe identificáveis à vista. rior, de bom gosto e "por dentro de tudo" você é. E, se você acredi-
Enquanto grandes lojas de roupas como a Banana Republic e a tar nisso, provavelmente acabará por se tornar verdade, pois a forte
Gap tenham padronizado e simplificado o layout de suas lojas num ligação emocional propicia o mecanismo da profecia de autoconfir-
esforço para pôr seus clientes à vontade, a abordagem da Diesel é mação.
baseada na premissa, não convencional, de que o melhor cliente é um Então, mais uma vez, qual é a abordagem correta: a da Gap e a
cliente desorientado.
da Banana Republic, que "padronizaram e simplificaram o layout de
"Temos consciência do fato de que, visto de fora, temos um
suas lojas num esforço para deixar os clientes à vontade", ou a da
ambiente intimidador", disse Niall Maher, diretor de operações no
Diesel, que deliberadamente confunde e intimida, para melhor pre-
varejo da Diesel. "Não projetamos nossas lojas para serem receptivas ao
parar o cliente para receber bem o atencioso e tranqüilizador vende-
usuário porque queremos que ele interaja com o nosso pessoal. Você
não pode entender a Diesel sem falar com alguém." dor? Eu sei minhas preferências; prefiro a Gap e a Banana Republic
De fato, é exatamente no momento em que um cliente em poten- em todas as ocasiões, mas o próprio sucesso da Diesel mostra que
cial da Diesel atinge uma espécie de vertigem de compras que os fun- nem todo mundo tem a mesma opinião. No final, as lojas atendem
cionários da empresa, de forma intimidante, tomam uma atitude. a diferentes necessidades. As duas primeiras lojas são mais utilitárias
Agindo como se fossem vendedores em armaduras reluzentes, eles res- (embora tivessem calafrios se ouvissem esse termo ser aplicado para
gatam - ou fazem presas, dependendo do ponto de vista de cada um - defini-las); a segunda é pura moda, em que todo o objetivo se resu-
os compradores desnorteados. me em se importar com o que os outros pensam.
- Warren Se. John, New York Times "Quando você está vestindo um terno de mil dólares", declarou
o supervendedor Mort Spivas ao crítico de mídia Douglass Rushkoff,
Para o profissional que se dedica ao design centrado no usuário, "projeta uma aura diferente. E então as pessoas tratam você de
servir clientes é um meio de aliviá-los de frustrações, de confusão, de maneira diference. Você exala confiança. E se pode se sentir confian-
uma sensação de impotência. Fazê-los sentir-se no controle e dar-lhes te, vai agir de maneira confiante." Se vendedores acreditam que usar
poder. Para o vendedor esperto, exatamente o oposto é verdadeiro. um terno caro os torna diferentes, então o terno de fato os torna dife-
Se as pessoas realmente não sabem o que querem, então qual é a rentes. Para a moda, o fundamental são as emoções. Lojas que mani-
melhor maneira de satisfazer suas necessidades] No caso do design pulam emoções estão simplesmente jogando o jogo para o qual os
centrado no usuário, se trata de fornecer-lhes as ferramentas adequa- próprios consumidores se convidaram. O mundo da moda pode,
das para explorarem por si mesmas aquilo que a loja oferece, para inapropriadamente, ter submetido o público ávido a uma lavagem
experimentar isso ou aquilo, para que sejam capazes de fazerem a cerebral levando-o a crer que o jogo conta, mas esta é a opinião geral,
escolha correta. Para a equipe de vendas, é uma oportunidade de se acima de tudo.
apresentar como os salvadores "em armadura reluzente", prontos Desconcertar compradores como ferramenta d e venda não é
para oferecer assistência, para dar a resposta exata que os clientes nenhuma novidade. Os supermercados há muito aprenderam a pôr
serão levados a crer que era a que estavam procurando. os itens mais freqüentemente desejados no fundo da loja, obrigando
No mundo da moda - que abrange tudo desde roupas a restau- os compradores a passar por corredores de tentadoras compras de
rantes, a automóveis e a mobília - quem poderá dizer qual aborda- impulso. Além disso, itens relacionados podem ser dispostos nas pro-
gem é correta, qual é errada? A solução através de confusão é puro ximidades. As pessoas entram correndo em lojas para comprar leite?

TRÊS NÍVEIS DE DES I GN 11 7


116 DES I GN EMOCIONAL
Ponha o leite no fundo da loja e ponha os biscoitos doces nas proxi- Uma vez que os compradores se dão conta de que estão sendo
midades. Elas entram correndo para comprar cerveja? Ponha a cerve- manipulados dessas maneiras, pode ocorrer uma reação negativa, em
ja ao lado de "petiscos". De maneira semelhante, no balcão do caixa, que os consumidores abandonem as lojas manipuladoras e passem a
exiba pequenos itens de última hora que as pessoas poderiam se sen- ir a outras que tornem suas experiências mais agradáveis. Lojas que
tir tentadas a comprar enquanto esperam na fila. Criar estes displays tentam lucrar através de confusão quase sempre gozam de uma subi-
de "pontos de venda" tornou-se um grande negócio. Eu posso até da meteórica nas vendas e na popularidade, mas também sofrem
imaginar as lojas deliberadamente tornando mais lento o processo de uma queda igualmente m eteórica. As lojas sérias, convencionais e
registro e pagamento no caixa para dar aos clientes mais tempo para prestativas são mais estáveis, sem passar pelas grandes altas nem pelas
fazer as compras impulsivas de último minuto. grandes baixas em popularidade. Sim, fazer compras pode ser uma
Uma vez que o cliente aprendeu a disposição dos produtos nas experiência sensual e emocional, mas também pode ser uma expe-
prateleiras, está na hora de mudá-la, é o que reza esta filosofia de riência negativa e traumática. Mas quando as lojas fazem as coisas
marketing. De outro modo, um comprador que quer uma lata de corretamente, quando elas compreendem "A Ciência de Fazer
sopa simplesmente irá diretamente à prateleira de sopas e não dará Compras" para usar o subtítulo do livro de Paco Underhill, a expe-
atenção a nenhum dos outros itens tentadores. A rearrumação da riência pode ser ao mesmo tempo emocionalmente positiva para o
loja obriga o comprador a explorar corredores anteriormente não comprador e lucrativa para o vendedor.
visitados. Igualmente, rearrumar a maneira como as sopas são dis- Tal como as atrações assustadoras de um parque de diversões
postas impede o comprador de comprar o mesmo tipo de sopa a cada opõem a ansiedade e o medo do nível visceral e a calma tranqüiliza-
vez, sem nem sequer experimentar outras variedades. Assim, prate- dora do intelecto, a loja Diesel opõe a confusão e ansiedade iniciais
leiras são rearrumadas, e produtos relacionados são postos nas proxi- tanto no nível comportamental quanto no nível reflexivo, contra o
midades. As lojas são reestruturadas e os artigos mais populares são alívio e a acolhida do vendedor que vem resgatar o comprador. Em
colocados nos lugares mais distantes da loja, com itens de compra ambos os casos, o afeto negativo inicial é necessário para criar o alí-
por impulso posicionados em gôndolas adjacentes ou em "pontas de vio e encantamento no final. No parque, o passeio na atração acabou
gôndola", o final das prateleiras onde ficam mais visíveis. Há um sem problemas, e a pessoa que o fez pode refletir a respeito de todas
conjunto perverso de princípios de usabilidade em jogo: torne difícil as experiências positivas de ter concluído a aventura com sucesso. Na
comprar os itens mais desejados e torne extremamente fácil comprar loja, o cliente aliviado reflete sobre a orientação calma e a segurança
os itens de impulso. oferecida pelo vendedor. Na loja, o cliente tem a tendência de se ligar
Quando essas artimanhas são usadas, é extrs;mamente importan- ao vendedor, de maneira semelhante à da "síndrome de Estocolmo",
te que o comprador não perceba. É preciso que o layout da loja pare- em que as vítimas de seqüestro criam um vínculo de ligação emocio-
ça normal. Na verdade, fazer com que a desorientação seja parte da nal tão positivo com seus captores que, depois que são libertadas e os
diversão e da graça. A Diesel consegue se safar com sua confusão por- captores estão sob custódia, suplicam pela clemência de seus seqües-
que eles são famosos por isso, porque suas roupas são muito aprecia- tradores. (O nome vem de um assalto a banco em Estocolmo, no início
das e porque andar pela loja faz parte da experiência. A mesma filoso- dos anos 1970, na Suécia, onde uma refém desenvolveu uma ligação
fia não funcionaria com uma loja de ferragens. No supermercado, o romântica com um de seus seqüestradores.) Mas existe uma diferen-
fato de o leite ou a cerveja estarem no ponto mais distante da loja não ça real entre os dois casos. No parque de diversões, medo e excitação
parece deliberado, parece natural. Afinal, as geladeiras estão no fundo são a sedução. Isto é público, anunciado. Na loja Diesel é artificial,
da loja, que é onde essas mercadorias sio mantidas. É claro que nin- manipulador. Um é natural, o outro não. Adivinhemos qual dos dois
guém faz a verdadeira pergunta: por que as geladeiras estão lá? vai permanecer com o passar do tempo.

118 DESIGN EMOCIONAL TRÊS NÍVEIS DE DESIGN 119


O design feito por equipes versus direito legítimo de opinar de alguma forma com relação ao produto
o design feito por uma pessoa final. Integridade artística, uma abordagem temática coesa, e profun-
didade em cermos de substância raramente resultam do trabalho de
Embora o pensamento reflexivo seja a essência da grande literatura e equipe. O melhor design resulta de seguir um tema coeso do come-
arte, filmes e música, web sites e produtos, atrair o intelecto não é ço ao fim, com uma visão clara e foco. Geralmente, designs desse
garantia de sucesso. M uitos trabalhos sérios e aclamados de arte e de tipo são impulsionados pela visão de uma só pessoa.
música são relativamente ininteligíveis para a pessoa comum. Você poderia pensar que estou contradizendo uma de minhas
Desconfio que eles possam até ser ininteligíveis para aqueles que os regras padrão de design: testar e redesenhar, testar e redesenhar. Eu
proclamam, pois no reino sublime da literatura, arte e crítica profis- há muito defendo o design centrado no usuário em que o produto é
sional, ao que parece, quando alguma coisa pode ser claramente submetido a uma revisão contínua baseada em testes com usuários
entendida, é julgada imperfeita, enquanto que alguma coisa impene- em potencial. Esse é um m étodo efetivo, testado pelo tempo, de pro-
trável deve, por necessidade, ser boa. E alguns itens transmitem duzir produtos usáveis cujo resultado final se enquadra nas necessi-
mensagens intelectuais tão sutis, tão ocultas, que se perdem para o dades do maior número de pessoas . Por que agora afirmo que um
espectador ou usuário comum, talvez se percam para todo mundo, único designer que tem um modelo claro do produto fi nal e se certi-
exceto o criador e estudantes dedicados em universidades, ouvindo fica de que de seja desenvolvido pode ser superior ao ciclo cauteloso
as críticas eruditas de seus professores. de projetar, restar e então reprojetar?
Consideremos o destino do filme clássico de Fritz Lang Metro- A diferença é que todo o meu trabalho anterior se concentrava
polis, "uma alegoria de ficção científica de revolta filial, amor român- no design comportamental. Ainda afirmo que uma abordagem inte-
tico, trabalho alienado, tecnologia desumanizante, altamente ambi- rativa centrada no ser humano funciona bem para o design compor-
ciosa e extremamente carà'. Foi inicialmente exibido em Berlim, em tamental, mas não é necessariamente apropriada para o lado visceral
1926, mas a distribuidora americana, a Paramount Pictures, recla- ou reflexivo. Quando se trata desses níveis, o método interativo é
mou que era ininteligível. Contrataram C hanning Pollock, um projetar por meio de compromisso, por meio de equipe e por con-
dramaturgo, para reeditar o filme. Pollock queixou-se de que "o sim- senso. Isso garante um resultado seguro e efetivo, mas invariavelmen-
bolismo criava tamanha confusão que as pessoas que o vissem não te enfadonho.
saberiam dizer a respeito de que era o filme". Quer concordemos ou É o que acontece com filmes. Os executivos dos estúdios de
não com a crítica de Pollock, é indiscutível que um excesso de inte- cinema geralmente submetem filmes a testes de exibição, em que um
lectualismo pode atrapalhar o prazer e a diver~o. (O que, é claro, filme é mostrado a uma platéia de teste e suas reações são avaliadas.
geralmente não interessa: o propósito de um ensaio sério, filme ou Em resultado disso, cenas são cortadas e diálogos alterados. Quase
obra de arte é instruir e informar, não divertir.) sempre o fi11al é modificado para torná-lo mais agradável para os
Há um conflito fundamental entre as preferências do público espectadores. Tudo isso é feito para aumentar a popularidade e as
em geral e os desejos da comunidade intelectual e artística. A ques- vendas do filme. O problema é que o diretor, os câmeras e os rotei-
tão é mais facilmente demonstrada no que diz respeito a filmes, mas ristas costumam achar que as alterações destruíram a alma do filme.
também se aplica a todo o design, bem como à música, à arte, à lite- Em quem acreditar? Desconfio de que tanto os resultados dos testes
ratura, ao teatro e à televisão séria. como as opiniões da equipe criativa sejam válidos.
Fazer um filme é um processo complexo. Centenas de pessoas Filmes são julgados de aco rdo com uma variedade de padrões.
nele trabalham, com grupos organizados de produtores, diretores, Por um lado, mesmo um filme "barato" pode custar milhões de dóla-
roteiristas, câmeras, editores e executivos de estúdio, todos tendo o res para ser produzido, enquanto um filme caro pode custar centenas

120 DESIGN EMOCIONAL TRÊS NÍVEIS DE DESIGN 121


de milhões. Um filme pode ser tanto um grande investimento de
negócios quanto uma manifestação artística.
Negócios versus arte ou literatura: o debate é real e apropriado. Capítulo 4
No final, a decisão é se o que se quer é ser um artista fazendo um
manifesto, caso em que os lucros são irrelevantes, ou um homem de
negócios, mudando o filme ou produto para fazer com que seja Diversão e Games
atraente para o maior número de pessoas possível, mesmo ao custo
do mérito artístico. Você quer um filme popular, que tenha apelo
para as massas? Exiba o filme para platéias de teste e revise. Você quer
uma obra-prima artística? Contrate uma equipe criativa em que
possa confiar.
Henry Lieberman, cientista pesquisador no Laboratório de Ü PROFESSOR HIROSHI ISHII, DO LABORATÓRIO DE MíDIA DO MIT,
Mídia do MIT, descreveu as razões e fatos contra "design em equipe"
corre de um lado para outro, ansioso para me mostrar todas as suas
com extrema eloqüência, de modo que vou apenas repetir suas palavras: peças.
- Pegue uma garrafa - diz ele, parado diante de uma estante de
Os brilhantes artistas conceituais Vitaly Komar e Alex Melamid con-
duziram levantamentos fazendo às pessoas perguntas como: Qual sua
garrafas de vidro, iluminada com cores vivas . Eu faço isso e sou
cor favorita? Você prefere paisagens a retratos? Depois produziram recompensado com uma música alegre. Pego uma segunda garrafa e
exposições de "arte perfeitamente centrada no usuário". Os resultados um outro instrumento se junta ao primeiro, tocando em harmonia
foram profundamente perturbadores. As obras careciam por completo com o primeiro. Pego a terceira garrafa e o trio instrumental está com-
de inovação, sutileza ou habilidade artística, e foram detestadas até pleto. Ponho de volta uma das garrafas e o instrumento associado a ela
mesmo por exatamente as mesmas pessoas que responderam aos ques- pára. Fico intrigado, mas H iroshi está ansioso para que eu tenha
tionários. A verdadeira arte não é um ponto ótimo em um espaço mul- outras experiências. "Aqui, veja isto", Hiroshi está me chamando do
tidimensional; essa era, é claro, exatamente a questão que eles queriam
outro lado da sala, "experimente isto." O que está acontecendo? Eu
demonstrar. "Um design perfeitamente 'centrado no usuário"' seria, da
não sei, mas sem dúvida é divertido. Poderia passar o dia inteiro ali.
mesma forma, perturbador, precisamente porque careceria de qualida-
de artística. Mas Hiroshi tem mais delícias para me mostrar. Imaginem ten-
tar jogar pingue-pongue em cima de um cardume, como na ilustra-
Uma coisa é certa, este debate é fundamental: ele prosseguirá por ção 4 .1. Os peixes estão lá, nadando pela mesa, suas imagens envia-
tanto tempo quanto os criadores de arte, música e espetáculo não das por um projetor situado no teto acima da mesa. Cada vez que a
forem as mesmas pessoas que têm de pagar para fazer com que suas bola bate na superfície da mesa, as ondulações da água se abrem em
obras sejam distribuídas ao redor do mundo. Se você quer um pro- círculo para fora e os peixes se dispersam. Mas os peixes não têm
duto que seja um sucesso, teste e revise. Se você quer um produto como fugir - é uma mesa pequena e, não importa para onde os pei-
incrível, que pode mudar o mundo, permita que ele seja impulsiona- xes vão, a bola logo os assusta e dispersa de novo. Essa é uma boa
do por alguém com uma visão clara. A última opção apresenta maio- maneira de jogar pingue-pongue? Não, mas não se trata disso, trata-
res riscos financeiros, mas é o único caminho para a grandeza. se de diversão, de deliciar-se, do prazer da experiência.
Diversão e prazer infelizmente não são temas muito estudados
pela ciência. A ciência pode ser séria demais e, mesmo quando tenta

122 DESIGN EMOCIONAL


DIVERSÃO E GAMES 123
proporcionam lições para o design. Diversão e games: um caminho
de busca que vale a pena.

O design de objetos para


diversão e p razer

Por que as informações devem ser apresentadas de maneira tediosa,


monótona, como se fossem uma tabela de números? Na maioria das
ocasiões nós não precisamos de números de verdade, apenas de uma
indicação se a ·tendência é de alta ou de baixa, rápida ou lenta, ou uma
estimativa aproximada de valor. Assim por que não apresentar as
informações de modo atraente, continuamente disponíveis à margem
da atenção, mas de uma forma que encantem em vez de distrair? Mais
uma vez o professor Ishii sugere o meio: imagine cata-ventos colori-
dos girando acima de sua cabeça, agradáveis de contemplar, mas nos
quais a velocidade do giro é significativa, talvez acoplada à temperatu-
ra exterior, ou talvez ao volume de tráfego nas ruas que você usa para
!LUSTRAÇÃO 4.1
Pingue-pongue em cima de um cardume. percurso diário para o trabalho, ou para qualquer estatística que seja
"Pingue-Pongue Plus". Imagens de água e de um cardume são projetadas na super- útil observar. Você precisa ser lembrado de alguma coisa numa hora
fície da mesa de pingue-pongue. Cada vez que a bola bate na mesa, o computador específica? Por que não fazer os cata-ventos aumentarem a velocidade
capta sua posição e faz com que imagens de água com ondulações em círculo se
de giro à medida que a hora se aproxima? Quanto maior a velocidade
espalhem, e os peixes se dispersem.
de giro, mais provável que ela atraia sua atenção e, simultaneamente,
(Cortesia de Hiroshi lshii, do Laboratório de Mídia do MIT)
indique a urgência. Cata-ventos girando? Por que não? Por que não
ter as informações exibidas de maneira agradável e fácil?
examinar as questões relativas a diversão e prazer, sua própria serie- A tecnologia deveria trazer mais a nossas vidas do que o desem-
dade se torna uma distração. Entretanto, há conferências sobre a base penho aperfeiçoado de tarefas: deveria acrescentar riqueza e diversão.
científica do humor, da diversão (fanology, em português "diverti- Uma boa maneira de trazer diversão e prazer a nossas vidas é confiar
mentologia", é o nome dado a essa empreitada específica), mas esse é no talento dos artistas. Felizmente, há muitos deles por aí.
um tópico difícil e o progresso é lento. A diversão ainda é uma forma Considere o prazer da caixa de almoço japonesa, que começou
de arte que é melhor deixar por conta das mentes criativas de escri- como um simples almoço de trabalho. Na caixa de almoço você pode
tores, diretores e outros artistas. Mas a falta de compreensão científi- apreciar uma ampla variedade de alimentos, ampla o sufic_iente para
ca não deveria atrapalhar nosso divertimento. Os artistas costumam que, mesmo se não gostar de alguma comida, haja outras escolhas. A
criar uma situação favorável, explorando abordagens para a interação caixa é pequena, contudo plenamente acondicionada, o que cria um
humana que a ciência se esforça para compreender. Isso há muito é desafio estético para o chef No melhor dos casos (ilustração 4.2), o
verdadeiro no teatro, na literatura, arte e música, e são essas áreas que resultado é uma obra de arte: arte destinada a ser consumida.

124 DESIGN EMOCIONAL DIVERSÃO E GAMES 125


o cozinheiro naturalmente ficaria desapontado se o resultado de tal
esforço fosse comido sem um olhar ou uma pausa para pensar, (então)
ele trabalha para tornar as refeições na caixa tão atraentes, que as pes-
soas de fato relutem em pegar os pauzinhos e começar a comer. Mesmo
assim, é apenas uma questão de tempo ames que a obra-prima seja
consumida. A pessoa sente o layout formal ao mesmo tempo em que
segue adiante para desfazer o layout perfeito. Esse é o relacionamento
inerente e paradoxal entre o suprimento de alimentos e a aceitação da
beleza.

A natureza repleta da caixa de almoço tem muitas virtudes. Ela


obriga a atenção ao detalhe na disposição e apresentação da comida.
Essa essência de design, de acondicionamento de muito em um espa-
ço pequeno ao mesmo tempo em que se mantém um sentido estéti-
co, diz Ekuan, é a essência de grande parte do design do Japão refe-
rente à alta tecnologia, onde a meta é "estabelecer a multifuncionali-
dade e a miniaturização como valores iguais. Incluir numerosas fun-
ções em alguma coisa e torná-la menor e mais fina são objetivos con-
traditórios, mas é necessário buscar a contradição até o limite para
lLUSTRAÇÁO 4.2 encontrar uma solução".
A capa do livro de Kenji Ekuan
O segredo é comprimir múltiplas funções em um espaço limita-
A estética da caixa de almoço japonesa.
O livro ilustra como o design deve incorporar profundidade, beleza e utilidade. do, de tal maneira que não comprometam as várias dimensões do
Ekuan demonstra que a caixa de almoço é uma metáfora para boa parte da filosofia design. Ekuan claramente preza a beleza - a estética - em primeiro
do design japonês. É arte destinada a ser consumida. Segue a filosofia de que mais é lugar. "Um sentido de beleza que louva a leveza e a simplicidade",
melhor, oferecendo uma variedade de alimentos de modo que todo mundo possa prossegue ele, "desejo que precipita a funcio nalidade, o conforto, o
encontrar alguma coisa que seja de seu gosto. Teve sua origem como um almoço prá-
luxo, a diversidade. A realização efetiva da beleza e seu desejo conco-
tico de trabalho, de modo que combina função, praticidade e beleza, bem como um
exercício de filosofia.
mitante serão a meta do design no futuro."
{Fotografia de Takeshi Doi, com permissão de Doi, Ekuan e MIT Press.) Beleza, diversão e prazer trabalham juntos para produzir alegria,
um estado de afeto positivo. A maioria dos estudos científicos sobre
a emoção se concentrou no lado negativo, sobre a ansiedade, o medo
O desenhista industrial japonês Kenji Ekuan sugeriu que a esté- e a raiva, muito embora a diversão, a alegria e o prazer sejam atribu-
tica da caixa de almoço japonesa é uma excelente metáfora para tos desejados da vida. As atitudes estão mudando, com artigos e
design. Essa caixa, dividida em pequenos compartimentos, cada um livros sobre "psicologia positivà' e "bem-estar" tornando-se popula-
com cinco ou seis tipos de alimentos, contém de vinte a vinte e cinco res. As emoções positivas desencadeiam muitos benefícios : elas faci-
cores e sabores em seu pequeno espaço. Ekuan a descreve da seguin- litam lidar com o estresse. Elas são essenciais para a curiosidade das
te maneira: pessoas, e sua capacidade de aprender. Os psicólogos Barbara
Fredrickson e Thomas Jo;ner assim descrevem as emoções positivas:

126 DES I GN EMOCIONAL DIVERSÃO E GAMES 127


as emoções positivas ampliam os repertórios de pensamento-ação das fissão mais do que como uma disciplina. Em minhas pesquisas para
pessoas, encorajando-as a descobrir novas linhas de raciocínio ou ação. este livro, encontrei muita literatura sobre design comportamental,
A alegria, por exemplo, cria o impulso de brincar, o interesse cria o muita discussão sobre estética, imagem e publicidade.
impulso de explorar, e assim por diante. Brincar, por exemplo, constrói O livro Emotional Branding é uma abordagem de publicidade,
habilidades físicas, socioemocionais e intelectuais, e incrementa o por exemplo. Os acadêmicos se concentraram basicamente na histó-
desenvolvimento do cérebro. De maneira semelhante, a exploração ria do design, ou na história social ou nas implicações sociais, ou se
aumenta o conhecimento e a complexidade psicológica.
são da área de ciências cognitivas ou da computação, no estudo das
interfaces de máquina e usabilidade.
Não é preciso muito para transformar informações, que de outro
Em Designing Pleasurable Products, um dos poucos estudos cien-
modo seriam maçantes, em algo divertido. Comparem o estilo das
tíficos sobre o prazer e o design, o especialista em fatores humanos e
três principais empresas de ferramentas de busca na internet. O
designer Patrick Jordan se baseia no trabalho de Lionel Tiger para
Google estica seu logotipo de modo a incluir o número de resultados
identificar quatro tipos de prazer. Esta é a minha interpretação:
de maneira brincalhona e divertida (ilustração 4.3). Várias pessoas já
me disseram como esperam ansiosas para ver até que ponto Prazer físico. Prazeres do corpo. Vistas, sons, cheiros, sabor e toque.
Gooooogle vai esticar. Mas a Yahoo, a rede Microsoft (MSN) e mui- O prazer físico combina muitos aspectos do nível visceral com alguns
tos outros sites dispensam qualquer noção de diversão e, em vez aspectos do nível comportamental.
disso, pura e simplesmente apresentam os resultados, de maneira Prazer social. Prazer social originado da interação com outros. Jordan
pouco imaginativa e ordenada. É apenas um detalhe? Sim, mas sig- ressalta que muitos produtos desempenham importante papel social,
nificativo. O Google é conhecido por ser um site brincalhão, diverti- seja por meio do design ou acidentalmente. Todas as tecnologias de
do - bem como muito útil - e a distorção brincalhona de seu logoti- comunicação - seja o telefone, o telefone celular, o email, programas de
po ajuda a reforçar sua imagem de marca: divertido para o usuário do mensagens instantâneas, ou mesmo o correio comum - desempenham
site, bom design reflexivo e bom para os negócios. significativos papéis sociais por meio do design. Por vezes os prazeres
O empreendimento acadêmico de pesquisas de design não tem sociais ocorrem por feliz casualidade, como um subproduto do uso.
Desse modo, a máquina de café do escritório e a sala de recepção e
desempenhado bem a tarefa de estudar diversão e prazer. De manei-
expedição de correspondência servem como pontos focais de reuniões
ra geral pensa-se em design como uma habilidade prática, uma pro-
improvisadas no escritório. Da mesma forma, a cozinha é o ponto focal
de muitas interações sociais em casa. O prazer social, portan to, combi-

Goooooooooogle ~ na aspectos do design comportamental e do reflexivo.


Prazer psíquico. Este aspecto do prazer lida com as reações e o estado
psicológico das pessoas durante o uso de produtos. O prazer psíquico
Resultados 1 .2. .3. i 2. Q Z. a 2. lQ Próxima reside no nível comportamental.
na página Prazer ideológico . Aqui reside a reflexão sobre a experiência. É aqui
que apreciamos a estética, ou a qualidade, ou talvez em que medida um
!LUSTRAÇÃO 4.3 produto enriquece e valoriza a vida e respeita o meio ambiente. Como
O Google brinca com seu nome e logotipo de maneira criativa e inspiradora.
Jordan sublinha, o valor de muitos produtos vem das ações que eles
Algumas buscas oferecem múltiplas páginas, de modo que o Google modifica seu
fazem. Quando exibidos, de modo que outros possam vê-los, propor-
logo de acordo com o resultado: quando fiz uma busca sobre a frase "emoção e
design", obtive 10 páginas d e resultados. O Google esticou seu logo para incluir 10 cionam prazer ideológico na medida em que significam os julgamentos
"Os" em seu nome, oferecendo alguma diversão e, ao mesmo tempo, sendo infor- de valor de seu dono. O prazer ideológico reside no nível reflexivo.
mativo e, o melhor de tudo, sem ser incômodo. (Cortesia do Google.)

128 DESIGN EMOCIONAL DIVERSÃO E GAMES 129


Tomemos a classificação Jordan/Tiger, misturemos com partes
iguais dos três níveis de design e teremos um resultado final diverti-
do e prazeroso. Todavia diversão e prazer são conceitos elusivos.
Assim, o que é considerado encantador depende muito do contexto.
As ações de um filhote de gato ou de um bebê humano podem ser
julgadas divertidas e engraçadinhas, mas as mesmas ações, se pratica-
das por um gato ou ser humano adulto, podem ser julgadas irritan-
tes ou desagradáveis. Além disso, o que é divertido num primeiro
momento pode desgastar-se mais adiante. Considere o coador de chá
"Te à" (ilustração 4.4.), criado por Stefano Pirovano para a fabrican-
te italiana Alessi. Ao primeiro olhar é engraçadinho, até infantil.
Como tal, não se qualifica como divertido - ainda não. É uma sim-
ples figura animada. No dia em que o comprei, almocei com Keiichi
Sato, professor de design no lnstitute of Design do Instituto de
Tecnologia de Illinois, em Chicago. À mesa do almoço, orgulhosa-
mente exibi minha nova aquisição. A primeira resposta de Sato foi de
ceticismo. "Sim", disse ele, "é simpático e engraçadinho, mas com ILUST RAÇÃO 4.4

que propósito?" Mas, quando coloquei o coador numa xícara, seus O coador de chá Te o de Stefano Pirovano, fabricado por Alessi.
A imagem é engraçadinha, a cor e as formas atraentes. Prazeroso?
olhos se iluminaram, e ele deu uma gargalhada (ver ilustração 4.5).
Sim, ligeiramente. Divertido? Ainda não.
À primeira vista, os braços e pernas do boneco são simplesmen- (Coleção do autor.)
te engraçadinhos, mas quando se torna aparente que essa graça tam-
bém é funcional, o que é "engraçadinho" se transforma em "prazer"
Será que a familiaridade não acaba gerando desprezo, como diz
e "diversão", e isso, além do mais, é de longa duração. Sato e eu pas-
o velho ditado popular? Muitas coisas são engraçadas ou divertidas
samos boa parte da hora seguinte tentando compreender o que trans-
num primeiro momento, mas, com o passar do tempo, perdem a
forma uma impressão de graça passageira em uma de prazer profun-
graça ou até se tornam cansativas. Em minha casa o coador de chá
do e duradouro. No caso do coador Te o, a transformação inesperada
fica em permanente exibição, encarapitado numa caneca de chá ani-
é o segredo. Nós dois reparamos que a essênci; da surpresa estava na
nhada em meio aos três bules de chá no parapeito da janela de minha
separação entre as duas visões: primeiro o coador sozinho, depois
cozinha. O charme do coador de chá é que ele conserva sua graça
encaixado na caneca de chá. "Se você publicar isto em seu livro,"
mesmo depois de um tempo de uso considerável, apesar de que eu o
advertiu-me Sato, "certifique-se de ter apenas a imagem do coador
vejo todos os dias.
visível em uma página, e faça o leitor virar a página para ver o coador
Mas cá entre nós, o coador de chá não é um objeto de grande
encaixado numa xícara. Se não fizer isso, a surpresa - e a graça - não importância, e creio que mesmo Pirovano, seu criador, concordaria
serão tão intensos." Como se pode ver, segui o conselho. com isso. Mas ele vence o teste do tempo. Essa é uma das marcas de
O que transforma o coador de "engraçadinho" em "divertido"? É qualidade do bom design. O design extraordinário - como literatu-
a surpresa? A engenhosidade? Certamente esses dois aspectos desem- ra, música ou arte extraordinária- pode ser apreciado mesmo depois
penham papel importante. de uso contínuo e de presença continuada.

130 DESIGN EMOCIONAL DIV ERSÃO E GAMES 131


As pessoas tendem a prestar menos atenção a coisas familiares, A capacidade de adaptação dos seres humanos cria um desafio
quer sejam um objeto de uso pessoal ou até mesmo um cônjuge. No para o design, mas uma oportunidade para os fabricantes: quando as
todo, esse comportamento adaptativo é biologicamente útil (para pessoas se cansam de um objeto, talvez comprem um novo. Na ver-
objetos, eventos, e situações, não para cônjuges), porque são geral- dade, a essência da moda é tornar as tendências atuais obsoletas e
mente as coisas novas e inesperadas na vida que exigem o máximo de tediosas, transfo rmando-as em favoritos de ontem . O utensílio
atenção. O cérebro naturalmente se adapta a experiências repetidas. atraente de ontem não parece mais tão atraente hoje. Parte dos exem-
Se eu lhes mostrasse uma série de imagens repetidas e medisse as res- plos apresentados neste livro já seguiram essa trajetória: o automóvel
postas de seu cérebro, a atividade diminuiria com as repetições. O M ini Cooper, tão charmoso e engraçadinho para os críticos da época
cérebro de vocês responderia novamente apenas quando algo novo em que este livro estava sendo escrito, pode parecer datado, antiquado
fosse apresentado. Cientistas já demonstraram que as maiores rea- e sem graça_quando você folhear estas páginas - a tal ponto que você
ções são suscitadas pelo acontecimento menos esperado. Uma sim- poderá se perguntar como fui capaz de escolhê-lo como exemplo.
ples frase como: "Ele pegou o martelo e o prego" cria uma reação A preocupação por diminuir o impacto da familiaridade levou
muito pequena; mude as últimas palavras: "Ele pegou o martelo e o alguns designers a propor esconder paisagens bonitas, com receio
comeu", e haveria uma muito maior. que o encontro contínuo com essas paisagens pudesse diminuir seu
impacto emocional. No livro A Pattern Language, o arquiteto Chris-
topher Alexander e seus colegas descrevem 253 padrões de design
procedentes de suas observações e análises. Esses padrões fornecem a
base das diretrizes deles para "uma forma atemporal de construir",
que estrutura prédios com o emprego de maneiras calculadas para
enriquecer a experiência das pessoas que vivem neles. O padrão de
número 134 lida com o problema do excesso de exposição:

Padrão 134: Paisagem Zen. Se houver uma paisagem bonita, não a


estrague ao construir janelas enormes que se escancarem incessante-
mente para ela. Em vez disso, ponha as janelas que dão para a vista em
lugares de t ransição, de passagem - ao longo de caminhos, em corredo-
res, em entradas, em escadas , entre aposentos.

Se a vista da janela for corretamente posicionada, as pessoas


terão uma visão de relance da paisagem distante quando chegarem
junto da janela ou passarem por ela, mas a paisagem nunca será visí-
vel dos lugares onde as pessoas ficam.
O nome "Paisagem Zen" se origina "da parábola de um monge
ILUSTRAÇÃO 4.5 budista que vivia numa montanha com uma bonita paisagem. O
O coador de chá Te o de Pirovano, pronto para ser usado. monge construiu um muro que obscurecia a paisagem de todos os
Agora é divertido. ângulos, exceto por uma única visão passageira, de relance, ao longo
(Foto do autor.) do caminho de subida para seu casebre". Dessa maneira, diziam

132 DESIGN EMOCIONAL DIVERSÃO E GA ME S 133


Alexander e seus colegas, "a paisagem do mar distante é tão restrita, semelhantes em todas as experiências que duram: música clássica, arte
que permanece viva para sempre. Quem já viu uma paisagem como e literatura. Da mesma forma, também, com as paisagens.
aquela poderá algum dia esquecê-la? Seu impacto jamais diminuirá. As paisagens que mais me agradam são dinâmicas. Cenas que
Mesmo para o homem que vive lá, que passa diante daquela paisa- estão continuamente mudando. Mudanças na vegetação com as esta-
gem dia após dia, ela ainda estará vivá'. ções, na luz de acordo com a hora do dia. Diferentes animais se con-
A maioria das pessoas, contudo, não são monges budistas. A gregam em ocasiões diferentes, e suas interações uns com os outros e
maioria de nós seria incapaz de resistir à tentação de mergulhar em com o ambiente estão sempre em mutação. Na Califórnia, o movi-
tamanha beleza. Esconder a beleza pode não ser apropriado para mento das ondas vindas do oceano muda continuamente, refletindo
todos e é uma questão a ser debatida. Embora a fábula descrita como os padrões climáticos de milhares de quilômetros de distância. Os
lógica para a Paisagem Zen seja interessante, ela é opinião, não fato. vários animais marinhos visíveis de minhas janelas - os pelicanos
Se nos for dada a possibilidade de vivenciar a beleza por algum perío- marrons, as baleias cinzentas, os surfistas vestidos em macacões pre-
do de tempo, será maior o realce total se a beleza estiver sempre lá tos, e os golfinhos - variavam suas atividades de acordo com as con-
para ser apreciada, mesmo se de fato se apagar gradualmente com o dições do tempo, o horário e as atividades daqueles que os cercavam.
tempo? Ou o realce é maior quando só pode ser visto de relance, de Por que a Paisagem Zen não era tão rica, tão duradoura?
vez em quando? Creio que ninguém tenha a resposta a essa pergunta. Talvez o problema não esteja no objeto observado e sim no
Eu, por mim, sigo direto para o prazer imediato. Sempre cons- observador. É bastante possível que o monge budista nunca tivesse
truí minhas casas com janelas grandes, de frente para a paisagem (o aprendido a olhar. Pois, uma vez que você aprende a olhar, escutar e
oceano, quando morava no sul da Califórnia; lago com gansos, patos analisar o que está diante de você, você se dá conta de que a experiên-
e garças, quando morava no norte de Illinois), de modo que não cia está sempre mudando. O prazer é eterno.
estou pronto para endossar o padrão 134, a Paisagem Zen, como um Essa conclusão tem duas implicações importantes. Primeiro, o
princípio universal do design. objeto deve ser rico e complexo, algo que dê origem a uma interação
O problema, contudo, é real. Como podemos manter entusias- infinita entre os elementos. Segundo, o observador deve ser capaz de
mo, interesse e prazer estético por uma vida inteira? Eu desconfio de dedicar tempo a estudar, analisar e refletir sobre a riqueza de tal inte-
que parte da resposta venha do estudo das coisas que de fato resistem ração; do contrário a cena torna-se lugar-comum. Se alguma coisa
ao teste do tempo, tais como a música, a literatura e a arte. Em todos tiver de dar vida longa ao prazer, dois componentes são exigidos: a
esses casos as obras são ricas e profundas, de modo que há alguma habilidade do designer de oferecer uma experiência intensa e rica, e
coisa diferente a ser percebida em cada experiência. Considerem a a habilidade daquele que a percebe.
música clássica. Para muitos é tediosa e desinteressante, mas para Quantos designs mantêm sua efetividade mesmo depois de
outros pode realmente ser ouvida com prazer ao longo de uma vida longo tempo de convívio? O segredo, dizem os designers Julie
inteira. Creio que essa longevidade se origine da riqueza e da comple- Khaslavsky e Nathan Shedroff, é a sedução.
xidade de sua estrutura. A música intercala múltiplos temas e varia-
ções, alguns simultâneos, alguns seqüenciais. A atenção consciente O poder de sedução do design de certos objetos materiais e virtuais
humana é limitada pelo que pode escutar a qualquer momento, o que pode transcender questões de preço e de desempenho tanto para com-
pradores quanto para usuários. Para decepção de muitos engenheiros,
significa que a consciência é restrita a um conjunto limitado de rela-
a aparência de um produto pode às vezes causar o sucesso ou o fracas-
ções musicais. Como resultado disso, cada nova audição se concentra
so da reação do mercado ao produto. O que esses objetos têm em
num novo aspecto da música. A música nunca é tediosa porque comum é a capacidade de criar um laço emocional com os públicos,
nunca é a mesma. Creio que uma análise semelhante revelará riquezas quase uma necessidade para eles.

134 DESIGN EMOCIONAL


DIVERSÃO E GAMES 135
Sedução, Khaslavsky e Shedroff argumentam, é um processo. usá-los uma ou duas vezes, os enfiou num depósito. Quantos sobre-
Ela dá origem a uma experiência rica e atraente que permanece vivem à passagem do tempo e ainda estão em uso, continuam a pro-
mesmo com o passar do tempo. Sim, tem de haver uma atração ini- porcionar alegria? E qual é a diferença entre essas duas experiências?
cial. Mas o verdadeiro segredo - e onde a maioria dos produtos falha Khaslavsky e Shedroff acreditam que os três passos básicos são:
- é manter o relacionamento depois da explosão inicial de entusias- atração, relacionamento e contentamento - faça uma promessa emocio-
mo. Faça alguma coisa conscientemente engraçadinha, cuja qualida- nal, continuamente cumpra a promessa e conclua a experiência final
de de ter graça seja estranha e irrelevante para a tarefa, e você terá de maneira memorável. Eles ilustram seu argumento ao examinar o
frustração, irritação e ressentimento. Pense em quantas engenhocas espremedor de cítricos de Philippe Starck (ilustração 4.6). O espreme-
ou móveis você já trouxe para casa todo animado e então, depois de dor, cujo nome completo é "Juicy Salif", foi desenhado num guarda-
napo de uma pizzaria em Capraia, na ilha Toscana, Itália. Alberto
Alessi, cuja empresa os fabrica, descreve o design da seguinte maneira:

No guardanapo, junto com algumas manchas incompreensíveis (molho


de tomate, muito provavelmente), havia alguns esboços. Esboços de
lulas. Eles começavam do lado esquerdo e, à medida que iam avançan-
do para o direito, assumiam a forma inconfundível do que se tornaria o
mais celebrado espremedor de frutas cítricas do século que acabou de
chegar ao fim. Vocês podem imaginar o que aconteceu: enquanto comia
um prato de lulas e espremia um limão em cima dele, nosso homem
recebeu sua inspiração! O Juicy Salif nasceu, e com ele algumas dores de
cabeça para os defensores de "A forma segue a função".

O espremedor era realmente sedutor. Eu o vi e, imediatamente,


passei pela seqüência de respostas tão adoradas por comerciantes:
"Uau, eu quero", disse para mim mesmo. Só então perguntei: "O
que é? Para que serve? Quanto custa?", concluindo com: "Vou com-
prar", o que fiz. Essa foi uma pura reação visceral. O espremedor é de
fato bizarro, mas adorável. Por quê? Felizmente, Khaslavsky e
Shedroff fizeram a análise para mim:

Atrai a atenção por ser divertido. É diferente de qualquer outro pro-


ILUSTRAÇÃO 4.6 duto de cozinha pela natureza de sua aparência, forma e materiais.
Dois objetos de sedução. Proporciona novidade surpreendente. Não é imediatamente identifi-
O espremedor de cítricos de Philippe Starck "Juicy Salif", ao lado de minha faca de
cável como um espremedor de frutas e a sua forma é tão incomum que
cozinha Global. Gire a metade da laranja no topo do espremedor com nervuras
chega a ser intrigante, e até surpreendente quando seu propósito se
metálicas e o suco flui pelos lados e pinga da ponta dentro do copo. O problema é
torna claro pela primeira vez.
que essa versão banhada a ouro será danificada pelo fluido ácido. Conforme afir-
mam os rumores, Starck teria dito: "Meu espremedor de sucos não foi feito para espre- Vai além das necessidades e expectativas óbvias. Para satisfazer estes
mer limões; foi feito para iniciar conversas." {Coleção do autor.) critérios - de ser surpreendente e novo - ele precisa apenas ser de um

136 DESIGN EMOCIONAL


DIVERSÃO E GAMES 137
tom de laranja vivo ou todo de madeira. Vai tão além do que se espera medor", diz o cartão numerado que acompanha o espremedor. "O
ou das exigências, que se torna algo inteiramente diferente. banho de ouro pode ser danificado se entrar em contato com qual-
Cria uma reação instintiva. De início, a forma cria curiosidade, depois quer coisa ácida."
uma reação emocional de confusão e, talvez, medo, uma vez que é tão Comprei um espremedor caro, mas não posso usá-lo para fazer
pontudo e de aspecto perigoso. suco! Nota zero para o design comportamental. E daí? Orgulho-
Combina valores ou vínculos com metas pessoais. Ele transforma o samente, exibo o espremedor no saguão da minha casa. Nota cem
ato rotineiro de espremer uma laranja numa experiência especial. Sua
para a atração visceral. Nota cem para a atração reflexiva. (Mas eu o
abordagem inovadora, simplicidade e elegância em termos de formas e
usei uma vez para fazer suco - quem resistiria?)
desempenho criam uma valorização e o desejo de possuir não apenas o
objeto, mas as qualidades que ajudaram a criá-lo: inovação, originali-
A se.dução é real. Vejam, por exemplo, a faca de cozinha Global
dade, elegância e sofisticação. Ele fala tanto a respeito da pessoa que o da ilustração 4.6, mostrada ao lado do espremedor. Ao contrário do
possui quanto sobre seu criador. espremedor, que é principalmente um objeto para exibição, não para
Promete cumprir essas metas. Ele promete tornar extraordinária uma uso, a faca é bonita de olhar e uma alegria de usar. É boa de segurar
ação ordinária. Também promete elevar o status do dono a um nível e é mais afiada que qualquer outra faca que eu já tenha tido. Sedução
superior de sofisticação, ao reconhecer suas qualidades. de verdade! Espero com prazer a hora de cortar, quando eu cozinho,
Leva o observador casual a descobrir algo mais profundo sobre a pois essas facas (tenho três tipos delas) preenchem todos os requisi-
experiência de fazer um suco. Embora o espremedor necessariamente
tos de sedução enumerados por Khaslavsky e Shedroff.
não ensine ao usuário nada de novo sobre sucos ou fazer sucos, ele ensi-
na a lição de que, mesmo coisas comuns do dia-a-dia podem ser inte-
ressantes, e que o design pode enriquecer a vida. Também ensina a
esperar encantamento onde ele é inesperado - todas essas são sensações Música e outros sons
positivas com relação ao futuro.
Cumpre todas essas promessas. Cada vez que é usado, recorda o usuá- A música desempenha um papel especial em nossa vida emocional.
rio de sua elegância e abordagem de design. Cumpre essas promessas As reações a ritmo e rimas, melodia e canções são tão básicas, tão
através de seu desempenho, recriando as emoções originalmente liga- constantes através de todas as sociedades e culturas, que devem ser
das ao produto. Ele também serve como um elemento de surpresa e
parte de nossa herança evolucionária, com muitas das reações prede-
foco de conversa para as pessoas ligadas ao seu dono, e é mais uma
terminadas no nível visceral. O ritmo segue as cadências naturais
chance de adotar seus valores e tê-los validados.
do nosso corpo, com ritmos rápidos adequados para batucar ou
.,
marchar, ritmos mais lentos para caminhar ou balançar. A dança
Por mais convincente que seja essa análise do espremedor como
também é universal. Andamentos lentos e tons baixos são tristes.
objeto de sedução, ela deixa de incluir um importante componente:
a alegria reflexiva da explicação. O espremedor conta uma história. Músicas melódicas mais rápidas que são dançantes, com sons harmo-
Qualquer pessoa que o possua tem de mostrá-lo, explicá-lo, talvez niosos e níveis de diapasão e altura constantes, são alegres. O medo é
demonstrá-lo. Mas, saibam vocês, o espremedor não é realmente representado por andamentos rápidos, dissonância e alterações
feito para ser usado para fazer suco. Conforme afirmam os boatos, abruptas de altura e tom. O cérebro inteiro é envolvido - percepção,
Starck teria dito: "Meu espremedor de sucos não foi feito para espre- ação, cognição e emoção: visceral, comportamental e reflexivo.
mer limões, foi feito para iniciar conversas." De fato, a versão que Alguns aspectos da música são comuns a todos os povos; outros
tenho, a edição especial de aniversário, cara, numerada (nada menos variam enormemente de cultura para cultura. Embora a neurociên-
que banhada a ouro), é explícita: "Não é para ser usada como espre- cia e a psicologia da música sejam amplamente estudadas, ainda são

DIVERSÃO E GAMES 139


138 DESIGN EMOCIONAL
pouco conhecidas. Sabemos com certeza que os estados afetivos pro- O ritmo é embutido na biologia humana. Há numerosos padrões
duzidos pela música são universais, similares em todas as culturas. rítmicos no corpo; mas os de interesse particular são os que são rele-
O termo "música'', é claro, cobre muitas atividades - compor, vantes aos andamentos da música, isto é, de alguns compassos por
tocar, ouvir, cantar, dançar. Algumas atividades, tais como tocar, segundo a alguns segundos por compasso. Essa é a variação das fun-
dançar e cantar são claramente comportamentais. Outras, como ções corporais tais como batimentos cardíacos e a respiração. Talvez
compor e ouvir, são claramente viscerais e reflexivas. A experiência mais importante seja também a amplitude das freqüências naturais
musical pode se estender de um extremo em que é uma experiência de movimento do corpo, quer andando, arremessando ou falando. É
profunda e plenamente absorvente em que a mente está totalmente
fácil compassar os membros do corpo dentro da variação de ampli-
imersa, ao outro extremo, em que a música é tocada ao fundo e não
tude dessas freqüências, porém é mais difícil fazê-lo mais depressa ou
é conscientemente percebida. Mas mesmo no último caso, os níveis
mais devagar. Assim como o tempo de um relógio é determinado
de processamento automático, visceral, quase definitivamente regis-
pelo comprimento de seu pêndulo, o corpo pode ajustar seu tempo
tram a estrutura melódica e rítmica da música, sutil e subconsciente-
natural ao tensionar ou relaxar seus músculos para ajustar o compri-
mente, alterando o estado emocional do ouvinte.
mento efetivo dos membros em movimento, combinando sua fre-
A música provoca impacto nos três níveis de processamento. O
qüência rítmica natural com a da música. Portanto, não é acidental-
prazer inicial do ritmo, da canção, e dos sons é visceral, o prazer de
tocar e dominar as partes, comportamental, e o prazer de analisar as mente que, ao tocar música, o corpo inteiro acompanhe o ritmo.
linhas melódicas transformadas, invertidas, repetidas e combinadas, Todas as culturas desenvolveram escalas musicais, e embora elas
reflexivo. Para o ouvinte, o lado comportamental é vicário. A atração difiram, todas seguem estruturas similares. As propriedades das oita-
reflexiva pode vir de várias maneiras. Em um extremo, existe a pro- vas e dos acordes assonantes e dissonantes derivam em parte da físi-
funda apreciação pela estrutura da composição, talvez da referência ca, em parte das propriedades mecânicas do ouvido interno. As
que ela faz a outras composições musicais. Esse é o nível de aprecia- expectativas desempenham um papel central em criar estados afeti-
ção de música exercido pelo crítico, pelo connoisseurou pelo estudio- vos, na medida em que uma seqüência musical satisfaz ou viola as
so. No outro extremo, a estrutura musical e a letra podem ser conce- expectativas que são criadas e alimentadas por seu ritmo e seqüência
bidas para encantar, surpreender ou chocar. tonal. Os tons menores têm um impacto emocional diferente das
Finalmente, a música tem um importante componente compor- claves maiores, universalmente significando tristeza ou melancolia. A
tamental, seja porque a pessoa está ativamente dedicada a tocar a combinação de estruturas de claves, a escolha de acordes, ritmo, e
música ou ativamente dedicada, na mesma meêlida, a cantar ou dan- melodia, e a intensificação do crescendo contínuo de tensão e insta-
çar. Mas alguém que está apenas ouvindo também pode estar com- bilidade, criam influências afetivas poderosas sobre nós. Por vezes
portamentalmente dedicado a cantarolar baixinho, bater o pé no essas influências são subconscientes, como quando a música toca ao
ritmo, ou acompanhando mentalmente - e predizendo - a composi- fundo durante um filme, mas é deliberadamente orquestrada para
ção. Alguns pesquisadores acreditam que a música seja tanto uma invocar estados afetivos específicos. Por vezes essas influências são
atividade motora quanto uma atividade perceptiva, mesmo quando conscientes e deliberad as, como quando devotamos nossa plena
se está simplesmente ouvindo. Além disso, o nível comportamental atenção consciente à música, permitindo-nos ser transportados vica-
poderia ser vicariamente envolvido de maneira muito semelhante a riamente pelo impacto, comportamentalmente pelo ritmo, e reflexi-
que é para o leitor de um livro ou o espectador de um filme (tema vamente à medida que a mente amplia o estado afetivo de modo a
que abordarei adiante neste capítulo). criar verdadeiras emoções.

140 DESIGN EMOCIONAL DIVERSÃO E GAMES 141


Nós usamos música para encher o vazio enquanto desempenha-
mos atividades que não necessitam da atenção, enquanto estamos em
meio a uma longa e cansativa viagem, caminhando longas distâncias,
praticando exercícios, ou simplesmente matando tempo. Outrora, a
música não era portátil. Antes da invenção do fonógrafo, a música só
podia ser ouvida quando havia músicos. Hoje levamos conosco nos-
sos aparelhos para tocar música e podemos ouvi-la vinte e quatro
horas por dia, se quisermos. As companhias aéreas se dão conta de
que a música é essencial, por isso fornecem uma variedade de gêne-
ros e estilos e horas de seleção para cada assento. Os automóveis vêm
equipados com rádios e aparelhos para tocar música. E equipamen-
tos portáteis proliferam de maneira aparentemente infinita, sendo ou
pequenos e portáteis, ou combinados com qualquer outro acessório
que o fabricante pense que a pessoa poderá levar consigo: relógios,
jóias, telefones celulares, câmeras e até ferramentas de trabalho (ilus-
trações 4.7a e b). Sempre que tive algum trabalho de construção a ser
feito em casa, reparei que, primeiro, os operários traziam seus equi-
pamentos de som, que punham em algum local central com uma
saída de som superalta; depois eles traziam suas ferramentas, equipa-
mentos e materiais de trabalho. A OEWALT, fabricante de ferramen-
tas sem fio para operários de construção, percebeu o fenômeno e res-
pondeu de forma inteligente ao embutir um rádio num carregador
de baterias, desse modo combinando dois aparelhos essenciais numa
caixa fácil de carregar.
A proliferação da música ressalta o papel essencial que ela
desempenha em nossa vida emocional. Rima, ritmo e melodia são ! LUSTRAÇÃO 4.7a e b
fundamentais para nossas emoções. A música também tem conota- Música por toda parte.
ções de caráter sensual e sexual, e por todos esses motivos, muitos Enquanto você usa uma fu radeira para abrir um buraco ou recarrega baterias,
enquanto eira fotos em seu telefone celular. E é claro, enquanto dirige seu carro,
grupos políticos e religiosos tentaram banir ou regulamentar a músi-
corre, viaja de avião, ou então, pura e simplesmente, apenas ouve música. A imagem
ca e a dança. A música atua como um realce sutil e subconsciente de a mostra o carregador de baterias da DEWALT para ferramentas portáteis, com um
nosso estado emocional ao longo do dia. É por isso que é onipresen- rádio embutido. A imagem b mostra um MP3 playerembucido numa càmera digital.
te, por que com tanta freqüência é tocada como música ambiente em (Imagem A, cortesia de DEWAL'l Industrial Tools Co. Imagem B, cortesia da
lojas, escritórios e lares. A cada local é atribuído um estilo diferente Fujifilm USA. Nota: Esse modelo não estd mais disponível no mercado.)
de música. Ritmos animados e excitantes não seriam apropriados
para a maioria dos trabalhos de escritório (ou funerárias).Música
triste, chorosa não seria condizente com a linha de produção de uma O problema com a música, contudo, é que também pode inco-
modar - se for alta demais, se interferir, ou se o humor que transmi-
fábrica eficiente.

DIVERSÃO E GAMES 143


142 DESIGN EMOCIONAL
tir conílitar com os desejos ou o humor do ouvinte. A música
ambiente é agradável, desde que fique ao fundo. Sempre que interfe-
re em nossos pensamentos, deixa de ser um realce e se torna um
impedimento, distraindo e irritando. A música deve ser usada com
delicadeza. Ela pode fazer tanto mal quanto ajudar.
Mas se a música pode ser irritante, o que dizer da natureza inva-
sora dos bipes, zumbidos e campainhas dos equipamentos eletrôni-
cos dos dias de hoje? Essa poluição sonora tornou-se descomedida.
Se a música é uma fonte de afetos positivos, os sons eletrônicos são
fontes de afetos negativos.
No princípio havia o bipe. Os engenheiros queriam assinalar
que alguma operação havia sido feita, de modo que, sendo engenhei-
ros, tocavam um tom breve. O resultado é que todos os nossos equi-
pamentos bipam para nós. Bipes irritantes, universais. Infelizmente,
todos esses bipes deram ao som má reputação. Ainda assim, o som,
ILUSTRAÇÃO 4.8
quando usado adequadamente é, ao mesmo tempo, emocionalmen-
Chaleira com apito cantante de Richard Sapper, produzida por Alessi.
te satisfatório e rico em termos de informação. Um esforço considerável foi dedicado ao som produzido pelo bico de apito: as notas
Os sons naturais são os melhores transmissores de significado: graves de "mi" e "si" ou, como foi descrito por Alberto Alessi, "inspiradas pelo som
uma criança rindo, uma voz zangada, o sólido "clunque" quando dos vapores e barcaças que-~ avegam pelo Reno".
uma porta de carro bem-feita se fecha. O som pequenino, insatisfa- (Alessi "9091 ''. Design de Richard Sapper, 1983.
tório quando uma porta malfeita se fecha. O "caplunque" que uma Chaleira com apito melódico. Imagem, cortesia de Alessi.)
pedra faz quando cai na água.
Mas, agora, tantos de nossos equipamentos eletrônicos emitem
sons de balidos irrefletidos e pouco musicais, que o resultado é uma pessoal de duas rodas, "ficaram tão obcecados com os detalhes no
cacofonia de bipes cansativos ou sons perturbadores, por vezes úteis, Segway HT que projetaram as engrenagens na caixa de marchas para
mas principalmente sons emocionalmente desconcertantes, disso- produzir sons separados por exatamente duas oitavas musicais -
nantes, irritantes. Quando eu trabalho em minha. cozinha, as ativida- quando o Segway H T se move, ele faz música, não barulho".
des agradáveis como cortar e picar, passar farinha de rosca e dar uma Alguns produtos conseguiram embutir um caráter brincalhão
fritura rápida, são continuamente interrompidas pelos tinidos e assim como informação em seus sons. Desse modo, m eu Handspring
bipes de aparelhos de cronometragem, pequenos teclados manuais e Treo, uma combinação de telefone celular com assistente pessoal
outros aparelhos mal concebidos. Se devemos ter equipamentos que digital, tem uma melodia agradável de três notas ascendentes quan-
assinalem o estado em que se encontram, por que pelo menos não do é ligado e descendente quando desligado. Isso fornece a confirma-
dedicar alguma atenção à estética do sinal, tornando-o melódico e ção útil de que a operação está sendo efetuada, mas também é um
acolhedor, em vez de estridente e penetrante? lembrete alegre de que esse aparelho agradável me está servindo obe-
É possível produzir sinais de tons agradáveis em vez de bipes irri- dientemente.
tantes. A chaleira na ilustração 4.8 produz um gracioso acorde quan- Os designers de telefones celulares foram talvez os primeiros a
do a água ferve. Os designers do Segway, um veículo de transporte reconhecer que poderiam aperfeiçoar os sons artificiais irritantes de

144 DESIGN EMOCIONAL DIVERSÃO E GAMES 145


seus aparelhos. Alguns telefones hoje produzem ricas tonalidades bombardeados pelos sons de aviões passando, pelas buzinas e roncos
musicais, permitindo que canções agradáveis substituam toques de motores do tráfego, buzinas de advertência de caminhões, a músi-
estridentes. Além disso, o dono pode selecionar os sons, permitindo ca alta dos aparelhos dos outros, sirenes de emergência, e os onipre-
que cada chamada individual seja associada a um som singular. Isso sentes sons estridentes de celulares tocando, com freqüência imitando
é especialmente valioso com pessoas que fazem chamadas freqüentes uma apresentação musical. Em espaços públicos, somos interrompi-
e amigos. "Eu sempre penso em meu amigo quando ouço essa can- dos mais do que seria razoável por anúncios públicos, iniciando-se
ção, de modo que fiz com que tocasse sempre que ele liga para mim", com o absolutamente desnecessário, mas irritante: ''Atenção, Atenção!",
relatou-me um usuário de telefone celular, descrevendo como esco- seguido por um aviso que só é de interesse para uma única pessoa.
lheu "coques de chamada" apropriados para a pessoa que estava Não existe desculpa para essa proliferação de sons. Muitos celu-
ligando; canções alegres e agradáveis para pessoas alegres e agradá- lares têm a opção de substituir a campainha por uma vibração de
veis; canções emocionalmente significativas para aqueles com quem caráter privado, sentida pelo destinatário desejado e por mais nin-
tinha experiências em comum; sons tristes ou zangados, para pessoas guém. Os sons necessários poderiam se tornar melodiosos e agradá-
tristes ou zangadas. veis, seguindo o exemplo da chaleira Sapper na ilustração 4.8 ou o
Mas mesmo se fôssemos substituir os tons eletrônicos irritantes Segway. Os dispositivos para resfriamento e ventilação poderiam ser
por sons mais agradáveis e musicais, a dimensão auditiva ainda teria projetados para serem tão silenciosos quanto eficientes, ao se reduzir
seus reveses. Por um lado, não há dúvida de que o som - m usical ou sua velocidade e aumentar o tamanho da pá. Os princípios de redu-
não - é um veículo potente de expressão, proporcionando encanta- ção de ruído são muito conhecidos, ainda que raramente seguidos.
mento, conotações emocionais, e mesmo auxílios para a memória. Enquanto sons musicais nos momentos e lugares apropriados são
Por outro lado, o som se propaga pelo espaço, atingindo igualmente realces emocionais enriquecedores, o barulho é uma vasta fonte de
qualquer pessoa dentro do âmbito de seu alcance, quer aquela pessoa estresse emocional. Os sons indesejados e desagradáveis produzem
esteja ou não interessada na atividade: o toque musical que é tão ansiedade, induzem a estados emocionais negativos, e assim reduzem
satisfatório para um dono de telefone é uma interrupção perturbado- a eficiência de todos nós. A poluição sonora é negativa para a vida
ra para os outros no raio de seu alcance. As pálpebras nos permitem emocional das pessoas na mesma medida e do mesmo modo que
fechar os olhos para impedir a passagem da luz; infelizmente não outras formas de poluição o são para o meio ambiente.
temos nada para cobrir nossos ouvidos. O som pode ser brincalhão, informativo, divertido e emocional-
Quando estamos em espaços públicos - nas ruas de uma cidade, mente inspirador. Pode encantar e informar. Mas deve ser projetado
num sistema de transporte público, ou mesm@ em casa - os sons tão cuidadosamente quanto qualquer outro aspecto do design. Hoje
invadem. O telefone é, sem dúvida, um dos piores transgressores. em dia, dedica-se muito pouca reflexão a esse lado do design e, assim,
Enquanto as pessoas falam alto para se assegurarem de serem ouvidas o resultado é que os sons dos objetos do dia-a-dia incomodam mui-
por seus interlocutores, também se fazem ouvir por todo mundo no tas pessoas enquanto dão prazer a umas poucas.
raio de audição. Os telefones não são, é claro, os únicos invasores.
Há rádios e aparelhos de televisão, e os bipes e bongues de nossos
equipamentos. Cada vez mais equipamentos são equipados com ven- A sedução no c inema
tiladores ruidosos. Desse modo, os ventiladores de equipamentos de
aquecimento e ar-condicionado podem afogar nossa conversa. E os Todas as artes teatrais atraem o espectador tanto cognitiva quanto
ventiladores de equipamentos de escritório e utensílios domésticos emocionalmente. Como tais, são veículos perfeitos para explorar as
exacerbam as tensões do dia. Quando estamos ao ar livre, somos dimensões do prazer. Em minhas pesquisas para este livro, descobri a

146 DESIGN EMOCIONAL DIVERSÃO E GAMES 147


a experiência, mas, em vez disso, observando vicariamente. Se forem
análise de filmes de Jon Boorstin, um exemplo maravilhoso de como os
próximos demais, a imagem passa a ser grande demais para ter um
três níveis de processamento exercem seu impacto. Seu livro The
impacto direto imediato. Filme do alto, e as pessoas na cena ficam
Hollywood Eye: What Makes Movies Work encaixou perfeitamente na
diminuídas; filme de baixo e os atores ficam poderosos, imponentes.
análise de meu livro, que eu simplesmente tenho de falar a respeito dele.
Todas essas operações funcionam no nível subconsciente. Todos nós,
Boorstin ressalta que os filmes atraem em três níveis emocionais:
de modo geral, não nos apercebemos das técnicas usadas por direto-
visceral vicdrio e voyeur, que correspondem perfeitamente aos meus
res e fotógrafos para manipular nossas emoções. O nível visceral
três níveis: visceral, comportamental e reflexivo. Permitam-me
torna-se completamente absorvido pelas visões e sons. Qualquer per-
começar com o lado visceral dos film es . A descrição de Boorstin
cepção da técnica ocorreria no nível reflexivo e distrairia da experiên-
deste componente de um filme é praticamente idêntica à minha de
cia visceral. De fato, a única maneira de fazer a crítica de um filme é
nível visceral. Na verdade, o casamento é tão perfeito, que decidi
tornar-se distanciado, desligar-se da reação e ser capaz de ponderar
usar o termo dele em vez de "reativo", termo que emprego em
sobre a técnica, a iluminação, os movimentos de câmera e os ângu-
minhas publicações científicas. A expressão "design reativo" não cap-
los. É difícil apreciar o filme enquanto se analisa.
turava corretamente a intenção, mas depois que li Boorstin, tornou-
se evidente que a expressão "design visceral" era perfeita, pelo menos
para esse propósito. (Mas eu ainda uso o termo "reativo" em minhas
O NÍVEL "VIcARio" de Boorstin corresponde ao meu nível compor-
publicações científicas.)
tamental. O termo "vicário" é apropriado porque os espectadores
As paixões despertadas por filmes, afirma Boorstin, "não são
não estão diretamente envolvidos nas atividades filmadas, mas em
sublimes, são reações viscerais do cérebro de lagarto - a excitação do
vez disso, estão assistindo e observando. Se o filme for bem-feito, eles
movimento, a alegria da destruição, a luxúria, a sede de sangue, ter-
estão apreciando as atividades vicariamente, experimentando-as
ror, nojo. Sensações, você poderia comentar, não emoções. Senti-
como se estivessem participando. Como diz Boorstin, "O olho vicá-
mentos mais complexos exigem a resposta empática, mas esses
rio põe nosso coração no corpo do ator: sentimos o que o ator sente,
impulsos poderosos e simples nos agarram pela garganta, sem inter-
mas julgamos isso por nós mesmos. Ao contrário dos relacionamen-
mediário". Ele identifica o "assassinato em câmera lenta em Meu ódio
tos na vida, aqui podemos nos entregar às outras pessoas com a plena
serd a tua herança, o monstro em A mosca ou a excitação de filmes
confiança de que estaremos sempre no comando".
de conteúdo e atração, ligeiramente pornográfica" como exemplos
O nível visceral agarra o espectador peias entranhas, estimulan-
do lado visceral de filmes. Acrescente a cena da perseguição em
do reações automáticas; o nível vicário envolve o espectador na h is-
Operação França (ou qualquer filme clássico de espionagem ou histó-
tória e na linha emocional do filme. Normalmente, o nível compor-
ria de detetive), tiroteios, brigas, histórias de aventura e, é claro, fil-
tamental do afeto é invocado pelas atividades de uma pessoa: é o
mes de horror ou de monstros, e você terá as aventuras clássicas de
nível do fazer e agir. No caso de um filme, o espectador é passivo,
nível visceral.
sentado numa sala de cinema, vivendo a experiência da ação vicaria-
Reparem no papel fundamental desempenhado pela música e
mente. Não obstante, a experiência vicária pode atuar sobre o mesmo
pela iluminação: cenas escuras, arrepiantes, música sóbria, carregada.
sistema afetivo.
Tons menores para tristeza e ou infelicidade, melodias vigorosas e
É nisso que está o poder da narrativa, do roteiro, dos atores,
jubilantes para afetos positivos. Cores vivas e alegres e iluminação
transportando espectadores para um mundo de faz-de-conta. Essa é
clara em oposição a cores e luzes sombrias, todas exercem sua
a "deliberada suspensão de descrença" que o poeta inglês Samuel
influência visceral. Os ângulos de câmera também exercem influên-
Taylor Coleridge considerou essencial para a poesia. É onde se é cap-
cia. Se forem de longe demais, o espectador não estará mais vivendo

DIVERSÃO E GAMES 149


148 DESIGN EMOCIONAL
turado, envolvido pela história, identificando-se com a situação e É onde a profundidade e a complexidade de personagens, aconteci-
com os personagens. Estar plenamente absorto num filme é sentir o mentos e as metáforas e analogias que um filme cem a intenção de
mundo desaparecer, o tempo parece parar, e o corpo entra n o estado transmitir produzem um significado mais rico, mais profundo do
de transformação que o cientista social Mi haly Csikszentmihalyi que é visível na superfície com os personagens e a história. "O olho
denominou de "fluxo". do voyeur' , diz Boorstin, "é o olho da mente, não o do coração."
O estado de fluxo de Csikszentmihalyi é um estado de consciên- A palavra "voyeur" com freqüência é usada para se referir à
cia especial e distanciado, em que você só está consciente do momen- observação de temas sensuais ou sexuais, mas não é o significado pre-
to, da atividade, e do puro prazer. Ele pode ocorrer em quase qual- tendido aqui. Boorscin explica que, pelo termo "voyeur", ele quer se
quer atividade: tarefas especializadas, esportes, videogames, jogos de referir não ao desvio sexual, mas à segunda definição do Diciondrio
tabuleiro, ou qualquer tipo de trabalho que absorva a mente. Você Webster para a palavra: o voyeur é o "observador curioso de algo que
pode vivenciá-lo no cinema, lendo um livro, ou quando se está é privativo, privado ou íntimo". O prazer do voyeur é a simples ale-
intensamente dedicado à solução de um problema. gria de ver o novo e o maravilhoso.
As condições exigidas para que o fluxo ocorra incluem falta de O olho do voyeur exige explicação - esse é o nível da cognição,
distrações e uma atividade que requer uma habilidade perfeitamente da compreensão e da interpretação. Como Boorstin ressalta, a expe-
adequada às nossas possibilidades, nos empurrando ligeiramente riência vicária pode ser profundamente comovente, mas o olho do
além de nossas capacidades. O nível de dificuldade tem de estar exa- voyeur, sempre assistindo, sempre pensando, é lógico e reflexivo: "O
tamente no limite da capacidade: se for difícil demais a tarefa se voyeur em nós é demasiado lógico, impaciente, seletivo na escolha,
torna frustrante; se for fácil demais, ela se torna tediosa. A situação literal, mas, se devidamente respeitado, ele proporciona os prazeres
tem de envolver toda a atenção consciente da pessoa. Essa intensa especiais do novo e do inventivo, de um lugar agradável e empolgan-
concentração faz com que as distrações exteriores desapareçam assim te ou de uma história bem pensada, de forma engenhosa e renovado-
como o sentido do tempo. É intenso, exaustivo, produtivo e ine- ra." É claro que o voyeur também pode gerar suspense emocional. É
briante. Não é de espantar que Csikszentmihalyi e seus colegas o voyeurquem sabe que o vilão malvado está se escondendo de tocaia
tenham passado um tempo considerável explorando o fenômeno e à espera do herói, que a armadilha parece inescapável e que, portan-
suas muitas manifestações. to, o herói está prestes a enfrentar a morte ou, no mínimo, dor e tor-
O segredo do sucesso do nível vicário no cinema está no desen- tura. Esse nível de excitação exige uma mente que pensa e, é claro,
volvimento e na manutenção do estado de fluxo. O ritmo tem de ser um diretor inteligente que saiba jogar com essas conjecturas .
apropriado para evitar frustração ou tédio. l'{ão pode haver distra- Mas, como Boorstin também ressalta, o voyeurpode estragar um
ções que possam desviar a atenção, se alguém quiser ficar verdadeira- filme perfeitamente bom ao criticá-lo:
mente capturado pelo fluxo. Quando falamos sobre filmes ou outros
entretenimentos classificados como "escapistas", estamos nos referin- Ele pode destruir o momento mais dramático com as mais triviais con-
do à capacidade do estado vicário e do nível comportamental de jecturas: "Onde estão eles?" "Como ela entrou no carro?" "De onde
afeto de desligar as pessoas dos problemas da vida e transportá-las veio a arma?" "Por que eles não chamam a polícia?" "Ele já usou seis
para um outro mundo. balas - como é possível que ainda esteja atirando?" "Eles nunca chega-
riam lá a tempo!" Para que um filme funcione, o olho do voyeur tem de
estar pacificado. Para que um filme funcione brilhantemente, o olho
do voyeurtem de estar fascinado.
O NÍVEL VOYEURISTA é o do intelecto, mantendo a distância para refle-
tir e observar, para comentar e pensar a respeito de uma experiência.

150 DESIGN EMOC I ONAL DIVERSÃO E GAMES 151


Os filmes voyeurísticos são filmes reflexivos, por exemplo, 2001: modular nosso sistema afetivo para enriquecer a experiência em
Uma odisséia no espaço, que, exceto por uma prolongada seção visce- todos os níveis de envolvimento: visceral, vicário e voyeurístico.
ral, é estonteante em seu intelectualismo e experiência quase exclusi- A iluminação pode intensificar a experiência. Embora a maioria
vamente reflexiva. Cidadão Kane é um belo exemplo de, ao mesmo dos filmes hoje seja feita em cores, o diretor e o fotógrafo podem
tempo, uma história fascinante e um deleite para um voyeur. impactar muitíssimo o filme pelo estilo de iluminação e cor. Cores
fortes primárias são um extremo, enquanto tons pastéis suaves ou
cenas obscuramente iluminadas, o outro. O caso extremo da cor é a
EXATAMENTE como nossas experiências não vêm perfeitamente arru- decisão de não usá-la: filmar em preto-e-branco. Embora raramente
madas e divididas em categorias singulares de visceral, comporta- ainda seja usado, o preto-e-branco pode transmitir poderoso impac-
to dramático, bastante diferente do que é possível com a cor. Aqui, o
mental ou reflexiva, os filmes também não podem ser arrumados
perfeitamente em apenas um dos três pacotes: visceral, ou vicário, ou cineasta pode fazer uso habilidoso dos contrastes - claro, escuro, tons
de cinza sutis - para transmitir o tom emocional de uma imagem.
voyeurístico. A maioria das experiências, e a maioria dos filmes, atra-
O ofício de fazer filmes engloba uma ampla variedade de domí-
vessam as fronteiras dessas classificações.
nios. Todos os elementos de um filme fazem diferença: o enredo, o
Os melhores produtos e os melhores filmes equilibram perfeita-
ritmo e andamento, a música, o enquadramento das cenas, a edição,
mente todas as três formas de impacto emocional. Embora Sete
o posicionamento e movimento de câmeras. Tudo se une para for-
homens e um destino, seja, de acordo com a descrição de Boorstin,
mar uma experiência coesa e complexa. Uma análise completa pode
"sete sujeitos salvando uma cidade de bandidos", se o filme se resu-
ser tema, e tem sido, de vários livros.
misse simplesmente a isso, não teria se tornado um grande clássico.
Todos esses efeitos funcionam melhor, contudo, quando são
O filme iniciou sua vida em 1954 no Japão como Os sete samurais
despercebidos pelo espectador. O homem que não estava ld (dirigido
(Shichinin no samurai), filme dirigido por Akira Kurosawa. No
e escrito pelos irmãos Coen) foi filmado em preto-e-branco. Roger
Japão, era a história de sete samurais guerreiros contratados para sal-
Deakins, o diretor de fotografia, declarou que preferia filmar em
var de ladrões assassinos um vilarejo. Foi refilmado como um faroes-
preto-~-branco em vez de em cor, de modo a não distrair o especta-
te americano em 1960, com o título Sete homens e um destino ( The
dor da história; infelizmente, ele se apaixonou pelo poder das ima-
Magnificent Seven) por John Sturges. Ambos os filmes seguem o
gens monocromáticas. O filme tem cenas maravilhosamente glorio-
mesmo enredo (ambos são excelentes, embora muitos cinéfilos apai-
sas, com alto contraste de luz claro-escuro e, em alguns momentos,
xonados prefiram o original). E ambos os filmes conseguem capturar
espetacular iluminação de fundo, reparei em tudo isso. Mas isso é
o espectador com sucesso em todos os três modos, com espetáculos
um aspecto negativo em um filme: se você repara nisso, isso é ruim.
viscerais envolventes, uma história fascinante para o vicário, e pro-
O ato de reparar ocorre no nível reflexivo (do voyeur), distraindo
fundidade e alusões metafóricas ocultas suficientes para contentar o
você da suspensão de descrença tão essencial para ficar plenamente
voyeur reflexivo.
capturado pelo fluxo no nível comportamental (vicário).
Som, cor e iluminação também desempenham papéis críticos.
O enredo e a exposição envolventes de O homem que não estava
Nas melhores histórias, eles intensificam a experiência sem percep-
ld ampliavam o prazer vicário do filme, mas reparar na fotografia
ção consciente. A música de fundo, à primeira vista, é estranha, pois
fazia com que o prazer do voyeurismo se interrompesse com comen-
está presente até em filmes ditos realistas, muito embora nenhuma
tários internos ("Como foi que ele fez isso?" "Veja que iluminação
música toque em nosso mundo da vida real. Os puristas zombam do
magnífica", e assim por diante) e fizesse descarrilar o prazer vicário.
uso da música, mas, se é omitida, o filme sofre. A música parece

DIVERSÃO E GAMES 153


152 DESIGN EMOCIONAL
Sim, seria possível eu voltar depois e me maravilhar com a maneira que se aprimora a habilidade do jogador de criar mundos, o persona-
em que o filme tinha sido feito, mas isso não deveria interferir na gem poderia ser capaz de passar o fim de cada dia "bebericando mint
experiência em si. juleps- drinque feito com uísque, açúcar, gelo moído e hortelã - na
beira da piscinà'.
Wright explica o problema da seguinte maneira:
Videogames
The Sims, na verdade, é um jogo a respeito da vida. A maioria das pes-
Dormi demais, acordei às 8 horas. Só deu tempo para um café rápido soas não se dá conta, conscientemente, de quanto pensamento estraté-
antes que a carona chegasse. A cozinha está nojenta, não fiz uma lim- gico integra a vida do dia-a-dia, minuto por minuto. Estamos tão habi-
peza depois da festinha de ontem à noite. Preciso de um banho, mas tuados a fazê-lo, que isso submerge em nosso subconsciente como uma
não tive tempo (de qualquer maneira o banheiro está inundado, por tarefa secundária. Mas cada decisão que você toma (por que porta
causa da pia quebrada que não consigo consertar). Cheguei tarde ao entrar? onde almoçar? quando ir dormir?) é calculada em algum nível
trabalho e em péssima forma, como punição, fui rebaixado. Cheguei para otimizar alguma coisa (tempo, felicidade, conforto). Esse game
em casa às 5 da tarde, o homem da cobrança apareceu imediatamente pega esses processos internos e os torna externos e visíveis. Uma das
e retirou minha televisão porque esqueci de pagar as contas. Minha primeiras coisas que os jogadores geralmente fazem no jogo é recriar
namorada se recusa a falar comigo porque me viu flertando com a vizi- sua família, casa e amigos. Então eles estão jogando um game a respei-
nha ontem à noite. to de si mesmos, uma espécie de estranho espelho surrealista das pró-
prias vidas.
Vocês se deram conta de que a citação acima é a descrição de um
game? Não só dá a sensação de ser da vida real, mas também de uma Brincar é uma atividade comum, realizada por muitos animais e,
vida que anda mal. Por que alguém pensaria que era um game? Não é claro, por seres humanos. Brincar serve para muitos propósitos.
se espera que games sejam divertidos? Bem, não só é a descrição de Provavelmente é uma boa prática para muitas das habilidades exigi-
um game, mas também é um campeão de vendas, chamado " The das mais tarde na vida. Ajuda as crianças a desenvolverem a mistura
Sims''. Will Wright, o designer e inventor do The Sims, explicou que de cooperação e competição exigidas para viver de maneira eficiente
esse era um dia típico na vida de um personagem do game, confor- em grupos sociais. Entre animais, brincar ajuda a estabelecer sua hie-
me desenvolvido por um jogador principiante. rarquia social dominante. Jogos são mais organizados que brincadei-
The Sims é um game interativo de mundo simulado, também ras, geralmente com regras formais ou, no mínimo, regras acordadas,
conhecido como um game de "Deus" ou, às ve{es, de "vida simula- com algum objetivo e geralmente com algum mecanismo de marca-
da". O jogador age como um deus, criando personagens, povoando ção de pontos. Em resultado, os jogos tendem a ser competitivos,
seus mundos com casas, utensílios e atividades. Nesse game o joga- com vencedores e perdedores.
dor não controla o que os personagens fazem: ele só pode criar o Os esportes são ainda mais formalmente organizados do que
meio ambiente e tomar decisões de alto nível. Os personagens con- jogos, e no nível profissional, são tão voltados para o espectador
trolam as próprias vidas, embora tenham de viver dentro do ambien- quanto para o jogador. Em conseqüência, uma análise de um espec-
te e de acordo com as regras estabelecidas pelo jogador. O resultado tador de esportes é um tanto parecida com a de filmes, em que a
costuma ser absolutamente diferente do que o deus pretendia que experiência é vicária e de voyeur.
eles fizessem. A citação é um exemplo de um personagem incapaz de De todas as variedades de brincadeiras, jogos e esportes, talvez a
lidar com o mundo que seu deus criou. Mas, diz Wright, à medida novidade mais instigante seja a do videogame. Esse é um novo gênero de

DIVERSÃO E G A MES 155


154 DESIGN EMOCIONAL
entretenimento: literatura, filmes, disputa de jogos, esportes, romances carro de corridas ou um automóvel. (Os videogames mais complexos
interativos, narração de história - tudo isso, mas com algo mais. são os simuladores de vôo de avião usados pelas companhias aéreas
Houve uma época em que os videogames eram considerados um que são tão precisos que permitem que pilotos obtenham licenças
esporte estúpido, para garotos adolescentes. Não são mais. Eles agora para pilotar aviões de passageiros sem jamais terem pilotado a aero-
são jogados ao redor do mundo inteiro, inclusive por cerca de pouco nave em si. Mas não chamem isso de "games"; são levados muito a
mais de metade da população dos Estados Unidos. São jogados por sério e alguns deles podem custar tão caro quanto o próprio avião.)
todo mundo, de crianças a adultos maduros, sendo a idade média do As vendas atuais de videogames se aproximam das receitas de
jogador em torno dos trinta anos, e a diferença de sexo dividida em bilheteria de filmes e, em certos casos, as ultrapassam. E ainda esta-
partes iguais entre homens e mulheres. Os videogames têm uma mos nos primórdios dos videogames. Imaginem como serão dentro
variedade de gêneros. Em The Medium of the Video Game, Mark de dez ou vinte anos. Em um jogo interativo o que acontece numa
Wolf identifica quarenta e duas categorias: história depende tanto de suas ações quanto do enredo criado pelo
autor (designer). Contrastemos isso com um filme em que não se
Abstrato/Teórico, Adaptação, Alvo, Aventura, Aventuras Textuais, tem controle sobre os eventos. Em resultado, quando jogadores
Caça, Captura, Cinema Interativo, Coleção, Combate, Corrida de experientes assistem a um filme, eles sentem falta desse controle,
Obstáculos, Corridas, Demo, Diagnóstico, Direção, Educacionais, sentindo-se como se estivessem "obrigados a assistir a um enredo que
Enigmas, Esportes, Estratégia, Fuga, Jogos de Azar, Jogos de Cartas, segue apenas por uma via". Além disso, o sentido de envolvimento,
Jogos de Evasão e Subterfúgio, Jogos de Lápis e Papel, Jogos de Mesa,
o estado de fluxo, é muito mais intenso nos games do que na maio-
Jogos de Programação, Jogos de Tabuleiro, Labirinto, Luta, Perse-
ria dos filmes. Nos filmes, você fica sentado à distância observando o
guição, Pinball, Plataforma, Quebra-cabeças, Quiz, Ritmo e Dança,
RPG, Simulação de Administração, Simulação de Treinamento,
desenrolar dos acontecimentos. Num videogame você é um partici-
Simuladores, Tiro ao Alvo, Vida Artificial e Vôo. pante ativo. Você faz parte da história e ela está acontecendo direta-
mente com você. Como diz Verlyn Klinkenborg, "o que está subja-
Os videogames são uma mistura de ficção interativa com entre- cente a tudo é o sentido visceral de ter passado por uma porta e
tenimento. Durante o século vinte e um, eles devem evoluir para for- entrado em um outro universo".
mas radicalmente diferentes de entretenimento, esporte, treinamen- A parte de controle, interativa, dos videogames não é necessaria-
to e educação. Muitos games são bastante elementares, simplesmente mente superior ao formato mais rígido e fixo dos livros, teatro e fil-
pondo um jogador no mesmo papel em que se exigem reflexos rápi- mes. Em vez disso, temos tipos diferentes de experiências, todas
dos - e por vezes uma enorme paciência - par; vencer um conjunto igualmente desejáveis. Os formatos fixos permitem aos mestres con-
relativamente fixo de obstáculos de maneira a passar para os níveis tadores de história controlar os acontecimentos, guiando você atra-
superiores ou obter o número de pontos para cumprir uma meta vés dos acontecimentos numa seqüência cuidadosamente controla-
simples ("resgatar a princesa sitiada e salvar o reino") . Mas esperem. da, muito deliberadamente manipulando seus pensamentos e emo-
Os enredos das histórias estão se tornando cada vez mais complexos ções até o clímax e o desfecho. Você se entrega de maneira muito
e realistas, as exigências impostas ao jogador mais reflexivas e cogni- voluntária a esta experiência, tanto pelo prazer quanto pelas lições
tivas, menos viscerais e de respostas motoras rápidas. O desenho de que poderiam ser aprendidas sobre a vida, a sociedade e a humanida-
animação e a sonoplastia estão ficando tão bons que games com uso de. Em um videogame você é um participante ativo e, como resulta-
de simulador podem ser usados para treinamento de verdade, quer do disso, a experiência pode variar de tempos em tempos - insípida,
seja pilotar um avião, operar uma estrada de ferro, ou dirigir um tediosa, frustrante durante uma sessão; excitante, revigorante,

156 DESIGN EMOCIONAL DIVERSÃO E GAMES 157


recompensadora durante uma outra. As lições aprendidas variam, romper numa reunião de negócios importante para dizer que seu
dependendo da seqüência exata de acontecimentos que ocorreram e personagem de game está em dificuldades e tem necessidade urgente
se a pessoa foi ou não bem-sucedida. Livros e filmes claramente têm de sua assistência.
um papel permanente na sociedade, do mesmo modo que jogos, Sim, os videogames são uma nova criação muito interessante no
sejam eles videogames ou de outro tipo. universo do entretenimento. Mas podem acabar por se tornar muito
Livros, teatro, filmes e jogos ocupam um período fixo de tempo: mais do que entretenimento. O artificial pode deixar de ser distin-
guível do real.
há um princípio, depois um fim. Isso não acontece na vida. Sem
dúvida, o nascimento marca o princípio e a morte o fim, mas a par-
tir de sua perspectiva quotidiana a vida sempre avança de forma inin-
terrupta. Ela continua mesmo quando se dorme ou se viaja. Não se
pode escapar da vida. Quando se faz uma viagem, volta-se para des-
cobrir o que aconteceu durante a ausência (durante os momentos em
que não se esteve em contato através da troca de mensagens, email ou
telefone). Os videogames estão se tornando como a vida.
Os videogames costumavam se destinar a indivíduos separada-
mente. Este gênero sempre será viável, porém, cada vez mais, esses
games estão envolvendo grupos, por vezes espalhados pelo mundo
afora, comunicando-se através de redes de computador. Alguns são
atividades on-line, em tempo real, tais como esportes, games, con-
versas, entretenimento, música e arte. Mas outros são ambientes,
enormes cenários virtuais, mundos simulados com pessoas, famílias,
lares e comunidades. Em todos esses, a vida continua mesmo quan-
do você, o jogador, não está presente.
Alguns games já tentaram alcançar seus jogadores humanos. Se
você, o jogador, cria uma família em um jogo -em que atua como
"deus", cuidando de seus personagens inventados ao longo de um
período, calvez meses ou mesmo anos, o que acontece quando um
membro da família precisa de ajuda enquanto você está dormindo,
ou no trabalho, na escola, ou brincando? Bem, se a crise for suficien-
temente séria, sua família do game fará exatamente o que um mem-
bro de família real faria: entrar em contato com você através de tele-
fone, fax, email ou qualquer forma que funcionar. Algum dia um
deles poderia até entrar em contato com seus amigos pedindo ajuda.
De modo que não se surpreenda se um colega de trabalho o inter-

DIVERSÃO E GAMES 159


158 DESIGN EMOCIONAL
Capítulo 5

Pessoas, Lugares
e Objetos

" li.I-Al-Al,
A A COITADINHA DA CADEIRA PERDEU SUA BOLA, E NÃO
quer que ninguém saiba." Para mim, a coisa mais interessante ares-
peito da cadeira na ilustração 5.1 é que minha reação ao ver a "coita-
dinha da cadeira" seja perfeitamente sensata. Eu certamente não
acredito que a cadeira seja animada, que tenha um cérebro, quanto
mais sentimentos e crenças. Contudo, ela está dara e discretamente
espichando o pé de mansinho, na esperança de que ninguém repare.
O que está acontecendo?
Esse é um exemplo de nossa tendência de perceber reações emo-
cionais em qualquer coisa, animada ou não. Somos criaturas sociais,
biologicamente preparadas para interagir com outras, e a natureza
dessa interação depende muito de nossa capacidade de compreender
o estado de espírito dos outros. Expressões faciais e linguagem corpo-
ral são automáticas, resultados indiretos de nosso estado afetivo, em
parte porque o afeto está intimamente ligado ao comportamento.
Uma vez que o sistema emocional instrui nossos músculos pre-
parando-os para a ação, outras pessoas podem interpretar nossos
estados internos ao observar como estamos tensos ou relaxados,
como nossa face se modifica, como os membros de nosso corpo se
movem - em suma, nossa linguagem corporal. Ao longo de milhões
!LUSTRAÇÃO 5.1 de anos, essa capacidade de interpretar os outros se tornou parte de
Epa! Ai-ai-ai, coitadinha da cadeira!
nossa herança biológica. Como resultado disso, prontamente perce-
Ela perdeu sua bola, e não quer que ninguém saiba! Vejam com que discri-
ção está espichando o pé, bem de mansinho, na esperança de recuperá-la
bemos estados emocionais em outras pessoas e, já que estamos
anres que alguém perceba. falando nisso, em qualquer coisa que seja vagamente parecida com
1

(Renwick Gallery; imagem, cortesia de Jake Cress, marceneiro.) a vida. Daí nossa reação à imagem 5.1: a postura da cadeira é muito 11

convincente.

PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 161


Nós evoluímos para interpretar até os indicadores mais sutis. Papéis Sociais: Médico, colega de equipe, adversário, professor, ani-
Quando lidamos com pessoas, essa faculdade é de imenso valor. É mal de estimação, guia.
útil até com animais. Desse modo, podemos interpretar o estado afe-
tivo de animais - e eles podem interpretar o nosso. Isso é possível Com a cadeira da ilustração 5.1, nós sucumbimos ao lado físico.
porque compartilhamos origens comuns para as expressões faciais, Com computadores, quase sempre somos atraídos pela dinâmica
gestos e postura de corpo. Interpretações semelhantes de objetos ina- social (ou, como acontece com mais freqüência, pela dinâmica social
nimados poderiam parecer bizarras, mas o impulso vem da mesma inepta). Basicamente, se alguma coisa interage conosco, interpreta-
fonte - de nossos mecanismos automáticos de interpretação. In- mos essa interação; quanto mais responsiva é para conosco através
terpretamos tudo que vivenciamos, a maior parte disso em termos das ações de seu corpo, sua linguagem, sua alternância e sua capaci-
humanos. Isso é chamado de antropomorfismo, ou seja, a atribuição dade geral de responder, mais a tratamos como um ator social. Essa
de motivações, crenças e sentimentos humanos a animais e a objetos lista se aplica a tudo, humano ou animal, animado ou inanimado.
inanimados. Quanto mais comportamento alguma coisa exibe, mais Observem que exatamente como inferimos intenções mentais
temos a tendência de fazer isso. Somos antropomórficos com relação por parte de uma cadeira sem ter qualquer base real, fazemos o
a animais em geral, especialmente aos nossos animais de estimação, e mesmo com animais e outras pessoas. Não temos mais acesso à
com relação a brinquedos tais como bonecas, e qualquer coisa com mente de uma outra pessoa do que temos à mente de um animal ou
que possamos interagir, como computadores, utensílios, instrumen- de uma cadeira. Nossos julgamentos dos outros são interpretações
tos e automóveis. Tratamos raquetes de tênis, bolas e ferramentas de particulares, baseadas em observação e inferência, não muito dife-
mão como seres animados, elogiando-as verbalmente quando fazem rentes, na verdade, das indicações que nos fazem sentir pena da coi-
um bom trabalho para nós, culpando-as quando se recusam a fun- tada da cadeira. De fato, não temos uma grande quantidade de infor-
cionar como havíamos desejado. mações sobre os mecanismos de funcionamento de nossa própria
Byron Reeves e Clifford Nass fizeram numerosas experiências mente. Somente o nível reflexivo é consciente: a maior parte de nos-
que demonstram - como explica o subtítulo do livro deles - "como sas motivações, crenças e sentimentos operam nos níveis visceral e
as pessoas tratam computadores, televisão e novas mídias como se comportamental, abaixo do nível da consciência. O nível reflexivo se
fossem pessoas e lugares de verdade". B. J. Fogg mostra como as pes- esforça em tentativas de fazer sentido das ações e comportamento do
soas pensam em "computadores como atores sociais", no capítulo do subconsciente. Mas, de fato, a maior parte de nosso comportamento
mesmo título em seu livro Persuasive Technology. Fogg propõe cinco é subconsciente e impossível de conhecer. Daí a necessidade de que
indicações sociais primárias que as pessoas p9,deriam usar para infe- outros nos ajudem em momentos de dificuldade, de psiquiatras, psi-
rir sociabilidade com a pessoa, ou aparelho, com que, ou quem, elas cólogos e analistas. Daí as descrições historicamente impressionantes
estão interagindo: de Sigmund Freud do funcionamento do aparelho psíquico de id,
ego e superego.
Física: Rosto, olhos, corpo, movimento. De modo que interpretamos o que fazemos, e ao longo dos mui-
Psicológica: Preferências, humor, personalidade, sentimentos, empa- tos milhares ou milhões de anos de evolução, nós coevoluímos siste-
tia, "Desculpe". mas musculares que exibem nossas emoções, e sistemas perceptivos
Linguagem: Uso de linguagem interativa, linguagem falada, reconhe- que interpretam as dos outros. E com essa interpretação também
cimento de idioma. vêm o julgamento emocional e a empatia. Nós interpretamos, nós
Dinâmica Social: Fazer revezamento, cooperação, elogio por um bom manifestamos emoção. Podemos, portanto, acreditar que o objeto de
trabalho, responder a perguntas, reciprocidade. nossa interpretação esteja triste ou alegre, zangado ou calmo, dissi-

162 DESIGN EMOCIONAL PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 163


mulado ou constrangido. E, por sua vez, nós próprios podemos nos nos enfurecer. Mas por quê? E por que ficamos tão furiosos com
tornar emotivos, apenas através de nossa interpretação dos outros. objetos inanimados? O computador - ou, qualquer máquina - não
Não podemos controlar estas interpretações iniciais, pois vêm auto- tem a intenção de enfurecer ninguém; máquinas não têm absoluta-
maticamente, embutidas no nível visceral. Podemos controlar as mente intenções, pelo menos, não por enquanto. Ficamos com raiva
emoções finais através de análise reflexiva, mas as impressões iniciais porque é assim que nossa mente funciona. No que nos diz respeito,
são subconscientes e automáticas. Porém, mais importante, é esse fizemos tudo direito, de modo que o comportamento inapropriado
comportamento que lubrifica a maquinaria da interação social, que é, portanto, culpa do computador. O "nós" que atribui a culpa ao
a torna possível. computador vem do nível reflexivo de nossa mente, o nível que
Designers, anotem aí. Os seres humanos são predispostos a observa e faz julgamento de valor. Julgamentos negativos conduzem
antropomorfizar, a projetar emoções e crenças humanas em qualquer a emoções negativas, que então podem inflamar os julgamentos. O
coisa. Por um lado, as respostas antropomórficas podem trazer gran- sistema de fazer julgamentos - a cognição - é intimamente ligado ao
de encantamento e prazer ao usuário de um produto. Se tudo funcio- sistema emocional: cada um reforça o outro. Quanto mais tempo
nar bem, sem percalços, satisfazendo as expectativas, o sistema afeti- um problema dura, pior ele se torna. Uma pequena desilusão se
vo responde positivamente, trazendo prazer ao usuário. De maneira torna uma profunda desilusão. A desilusão se transforma em irrita-
semelhante, se o design em si é elegante, bonito ou talvez brincalhão ção, e a irritação em raiva.
e divertido, mais uma vez o sistema afetivo reage positivamente. Em Reparem que quando ficamos zangados e irritados com nosso
ambos os casos, atribuímos nosso prazer ao produto, de modo que o computador, estamos atribuindo culpa. Culpa e seu antônimo, cré-
elogiamos e, em casos extremos, tornamo-nos emocionalmente ape- dito, são julgamentos sociais, atribuição de responsabilidade. Isso
gados a ele. Mas quando o comportamento é frustrante, quando o requer uma avaliação afetiva mais complexa do que a insatisfação ou
sistema parece ser recalcitrante, recusando-se a se comportar adequa- o prazer que se obtém de um produto bem ou mal concebido. A atri-
damente, o resultado é afeto negativo, irritação, ou até pior, raiva. buição de culpa ou crédito só acontece se estiverm os tratando a
Nós culpamos o produto. Os princípios de criar designs prazerosos, máquina como se ela fosse um agente causal, como se ela fizesse esco-
de interação efetiva entre as pessoas e produtos são exatamente os lhas, em outras palavras, como faz um ser humano.
mesmos que sustentam a interação prazerosa e efetiva entre os indi- Como acontece isso? Nem o nível visceral nem o comportamen-
víduos. tal podem determinar causas . É papel da reflexão compreender,
interpretar e encontrar motivos, e atribuir causas. A maior parte de
nossas emoções mais ricas e profundas é aquela em que atribuímos
Culpando objetos inanimados uma causa a uma ocorrência. Essas emoções se originam da reflexão.
Por exemplo, duas das mais simples emoções são a esperança e a
Começa com um ligeiro aborrecimento, então os cabelos em seu pes- ansiedade; a esperança resulta da expectativa de um resultado positi-
coço começam a se arrepiar e as mãos a suar. Não demora muito, você vo, a ansiedade, da expectativa de um resultado negativo. Se você
está socando seu computador ou berrando com a tela, e pode muito está ansioso, mas o resultado negativo esperado não acontece, sua
bem acabar batendo na pessoa sentada a seu lado. emoção é de alívio. Se você espera uma coisa positiva, está esperan-
- Artigo de jornal sobre "Raiva do Computador" çoso, mas ela não acontece, então sente desapontamento.
Até agora, isso é bastante simples, mas suponhamos que você -
Muitos de nós já vivenciamos ataques de raiva contra um computa- em seu nível reflexivo, para ser mais preciso - decide que o resulta-
dor, conforme a descrição da epígrafe. Computadores podem de fato do foi culpa de alguém? Agora entramos nas emoções complexas.

164 DESIGN EMOCIONAL PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 165


De quem foi a culpa? Quando o resultado é negativo e a culpa atri- do terreno). O problema é que não se sabe o que esperar. Os fabri-
buída a você mesmo, você sente remorso, raiva de si mesmo, e ver- cantes prometem todo tipo de resultados maravilhosos; mas, de fato,
gonha. Se você atribui a culpa à outra pessoa, então sente raiva e a tecnologia e suas operações são invisíveis, ficam misteriosamente
censura a pessoa. fora de vista, e quase sempre são completamente arbitrárias, secretas,
Quando o resultado é positivo e o crédito seu, você sente orgu- e às vezes até contraditórias. Sem nenhuma forma de compreender
lho e gratificação. Quando o crédito é de outrem, você sente gratidão como operam ou que ações estão efetuando, você pode se sentir sem
e admiração. Observe como as emoções refletem a interação com os controle e decepcionado. A confiança acaba por ceder lugar à raiva.
outros. Sentimento e emoção constituem um tema complexo, envol- Creio que aqueles dentre nós que se enfurecem com a tecnologia
vendo todos os três níveis, com as emoções mais complexas depen- dos dias de hoje têm justificativa. Pode ser um resultado automático
dentes de como, exatamente, o nível reflexivo atribui causas. A refle- de nosso sistema afetivo e emocional. Pode não ser racional, m as e
xão, portanto, está no centro da base cognitiva das emoções. O ponto
daí? É apropriado. É culpa do computador, ou é do software que roda
importante é que essas emoções se aplicam igualmente a objetos e a
nele? É realmente culpa do software ou dos programadores que foram
pessoas, e por que não? Por que distinguir entre objetos animados e
negligentes em compreender quais são realmente nossas necessida-
inanimados? Você constrói expectativas com base em experiências
des? Na qualidade de usuários da tecnologia, não nos interessa. Tudo
anteriores, e se os elementos com os quais interage deixam de corres-
que nos interessa é que isso torna nossa vida mais frustrante. É "culpa
ponder às expectativas, isso é uma violação de confiança à qual você
deles", "eles" sendo todo mundo e tudo envolvido na concepção e
atribui culpa, que pode em pouco tempo conduzir à raiva.
funcionamento do computador. Afinal, esses sistemas não fazem um
A cooperação se baseia em confiança. Para que uma equipe tra-
balhe eficazmente, cada pessoa precisa ser capaz de confiar em que os trabalho nada bom no que diz respeito a conquistar confiança. Eles
outros membros da equipe se comportem de acordo com as expecta- perdem arquivos e "saem do ar", ou "pifam", com freqüência sem
tivas. Criar confiança é complexo, mas envolve, dentre outras coisas, nenhum motivo aparente. Além disso, não manifestam nenhuma
promessas implícitas e explícitas, depois claras tentativas de cumpri- vergonha, nenhuma culpa. Não pedem desculpas nem dizem que
las e, sobretudo, provas disso. Quando alguém deixa de apresentar o sentem muito. Pior, eles parecem nos culpar, os pobres usuários
desempenho esperado, o fato de a confiança ser violada ou não inadvertidos. Quem são "eles"? Por que isso tem importância?
depende da situação e de onde recai a culpa. Estamos furiosos e com toda a razão.
Objetos mecânicos simples podem ser confiáveis, apenas porque
seu comportamento é tão simples que nossas expectativas têm a ten-
dência de ser acertadas. Sim, um suporte Ôu a lâmina de uma faca Confiança e design
podem quebrar inesperadamente, mas essa é a maior transgressão
possível que um objeto simples pode cometer. Aparelhos mecânicos M inha faca de chefWusthof de 25 centímetros. Eu poderia escrever
complexos podem apresentar defeito de várias maneiras e muitas por horas sobre a sensação e a beleza estética, mas depois de um pouco
mais de introspecção, creio que meu apego emocional é substancial-
pessoas já se apaixonaram - ou ficaram indignadas - com as trans-
mente baseado na confiança que vem da experiência.
gressões de automóveis, equipamento de oficina ou outras maquina-
Sei que minha faca está à altura de qualquer tarefa para a qual eu
rias complexas. a use. Não vai escorregar de minha mão, a lâmina não vai estalar ou
Quando se trata de falta de confiança, os piores de todos os quebrar não importa quanta pressão eu aplique; é afiada o suficiente
transgressores são os aparelhos eletrônicos atuais, especialmente o para cortar ossos; ela não vai mutilar a refeição que estou preparando
computador (embora o telefone celular esteja rapidamente ganhan- para servir a convidados. Detesto cozinhar na cozinha de outras pes-

166 DESIGN EMOCIONAL PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 167


soas e usar seus talheres de cozinha, mesmo quando são utensílios de maioria das pessoas, inclui um instrumento de medição de combus-
boa qualidade.
tível que informe o nível de gasolina do tanque. A maioria das pes-
Esse é um bem durável, no sentido de que só precisarei comprar
facas de chefi de cozinha profissionais uma ou duas vezes na vida. Já
soas também espera um aviso, tal como uma luz piscando, quando o
gostava bastante dela quando a comprei, mas meu apego emocional tanque está perto de ficar vazio. Algumas pessoas chegam a presumir
cresceu com o passar do tempo ao longo de, literalmente, centenas de que o medidor de gasolina seja só informativo, indicando q ue o tan-
experiências positivas consecutivas. Esse objeto é meu amigo. que esteja mais vazio do que está, dando-lhes alguma folga.
Suponhamos que o medidor de gasolina esteja indicando que o
A resposta acima, uma de muitas que recebi oferecendo exem- tanque está quase vazio, que a luz de advertência já tenha piscado,
plos de produtos que as pessoas aprenderam a amar ou odiar, demons- mas que você prossiga, não querendo perder tempo para parar e
tra de maneira vívida a importância, o poder e as propriedades da encher o tanque. Se você ficar sem gasolina, vai se culpar. Não só não
confiança. A confiança implica várias qualidades: fidedignidade, vai ficar aborrecido com o carro, mas poderia até passar a confiar
segurança e integridade. Significa que se pode contar com um siste- mais nele. Afinal, ele indicou que você ia ficar sem gasolina, e ficou.
ma confiável que tenha um desempenho exatamente de acordo com E se aquela luzinha de advertência não tiver se acendido? Nesse caso,
o que dele se espera. Encerra em seu significado integridade e, no você culparia o carro. E se o indicador do medidor de gasolina tiver
caso de uma pessoa, caráter. Nos aparelhos artificiais, a confiança sig- flutuado subindo e descendo, variando continuamente? Então você
nifica fazê-los funcionar de maneira fidedigna, dia após dia, após dia. não saberia como interpretá-lo: não confiaria nele.
Mas ainda há mais. Em particular, temos altas expectativas com rela- Você confia no medidor de gasolina do seu carro? A maioria das
ção aos sistemas nos quais confiamos: esperamos que eles "tenham pessoas desconfia inicialmente. Quando dirigem um carro novo, têm
um desempenho exatamente de acordo com nossas expectativas", do de fazer alguns testes para descobrir em que medida devem confiar
que, é claro, infere-se que gradualmente acumulamos expectativas no medidor de gasolina. A maneira típica é dirigir o carro chegando
específicas. Essas expectativas se originam de múltiplas fontes: a pro- a níveis cada vez mais baixos de estimativas de quantidade de com-
paganda e as recomendações que nos levaram a comprar o artigo, bustível antes de encher o tanque. O verdadeiro teste, é claro, seria
para começar; a fided ignidade com que vem se desempenhando deixar o combustível acabar, deliberadamente, para ver em que
desde que o compramos e, talvez o mais importante: o modelo con- medida isso correspondia à leitura do medidor, mas a m aioria das
ceitua! que temos do artigo. pessoas não precisa de um nível tão alto de segurança. Em vez disso,
Seu modelo conceitua! de um produto oü serviço - e o retorno dirigem por tempo suficiente para determinar até que ponto devem
que você recebe - é essencial para criar e manter a confiança. Como confiar no indicador, quer seja um medidor ou a luz de advertência
vimos no capítulo 3, um modelo conceituai é a sua compreensão de baixo nível de combustível em alguns carros, ou para aqueles com
computadores de bordo, o computador prevê o número de quilôme-
sobre o que é um artigo e como ele funciona. Se você tem um mode-
lo conceitua! bom e preciso, especialmente se o artigo o mantém tros que podem ser rodados com o combustível que ainda resta.
Com experiência suficiente, as pessoas aprendem a interpretar as lei-
informado a respeito do que está fazendo - do estágio na operação
turas e, assim, até que ponto podem confiar no medidor. A confian-
que ele alcançou, e se as coisas estão prosseguindo e evoluindo bem
ça tem de ser conquistada.
ou não - então não se fica surpreendido com o resultado.
Considere o que acontece quando seu carro fica sem gasolina.
De quem é a culpa? Depende. O modelo conceitua! de um carro, da

168 DES IGN EMOC I ONAL PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 169


Pense em sua própria reação. Se você estivesse sozinho, andando
Vivendo num mundo não confiável
pelas ruas de uma cidade grande e se visse diante do que parecia ser
É da natureza humana confiar em outros homens, especialmente um crime, você poderia ficar com medo e, portanto, relutar em
quando a solicitação passa pelo teste de ser razoável. Os engenheiros interferir. Contudo, provavelmente tentaria pedir ajuda. Mas supo-
sociais usam esse conhecimento para explorar suas vítimas e realizar nhamos que uma multidão de pessoas estivesse assistindo ao inciden-
suas metas. te: o que você faria então? Provavelmente presumiria que não estava
- K. D . Mitnick e W L. Simon, presenciando nada grave, porque se estivesse, as pessoas na multidão
The Art ofDeception estariam fazendo alguma coisa. O fato de ninguém estar fazendo
nada deve significar que nada de mau, realmente, está acontecendo.
A confiança é um ingrediente essencial na interação humana coope- Afinal, numa cidade grande, qualquer coisa poderia acontecer: talvez
rativa. Infelizmente, isso também faz dela uma vulnerabilidade, sejam atores atuando num filme.
pronta para a exploração pelo que é chamado de "engenharia social", A apatia do espectador também funciona na segurança. Su-
os malandros, ladrões e terroristas que exploram e manipulam nossa ponhamos que você esteja trabalhando como técnico numa usina
confiança e boa vontade em proveito próprio. À medida que mais e
elétrica. Dentre as tarefas que fazem parte de seu trabalho, você deve
mais de nossos objetos do dia-a-dia são fabricados com chips de com-
verificar as leituras de um relógio de consumo de um de seus colegas,
putador no interior, com inteligência e flexibilidade, e com canais de
um outro técnico na usina, uma pessoa a quem conhece e em quem
comunicação para outros aparelhos em nosso ambiente e para a rede
confia. Além disso, quando vocês encerram o turno de trabalho, o
mundial de informações e serviços, é imprescindível nos preocupar-
supervisor também vem fazer uma verificação. O resultado é que
mos com os que poderiam nos prejudicar, quer por acidente, quer
você não tem de exercer cautela adicional na tarefa. Afinal, como um
por brincadeira de mau gosto, por diversão, ou com a intenção dolo-
sa de nos fraudar ou causar dano e prejuízo. Embusteiros, ladrões, erro poderia passar despercebido por tanta gente? O problema é que
criminosos e terroristas são peritos em explorar a boa vontade das todo m undo tem a mesma sensação. Em resultado, quanto mais
pessoas em ajudar umas às outras, não só para decifrar como usar tec- gente verifica alguma coisa, menos cuidadosa é cada pessoa que
nologia onerosa, mas também quando alguém parece estar com desempenha a tarefa. À medida que mais pessoas são responsáveis, a
necessidade urgente de auxílio. segurança pode diminuir: a confiança atrapalha.
Uma abordagem comum da proteção e segurança é ampliar e A aviação comercial tem feito um excelente trabalho de lutar
tornar mais rígidos os procedimentos e exigir verificação redundan- contra esta tendência com seu programa de "Administração de
te. Mas, à medida que mais pessoas se envolvefu na tarefa de verifica- Recursos de Tripulação". Todas as aeronaves comerciais têm dois
ção, a segurança pode se tornar menor. Isso é chamado de "apatia do pilotos. Um, o mais antigo, é o comandante, que senta no assento do
espectador", um termo que veio de estudos feitos a partir do assassi- lado esquerdo, enquanto o outro é o primeiro oficial, que senta no
nato de Kitty Genovese, em 1964, na cidade de Nova York. Embora assento do lado direito. Contudo, ambos são pilotos qualificados, e é
numerosas pessoas tivessem presenciado o acontecido, ninguém aju- comum que se revezem ao pilotar o avião. Em conseqüência, são
dou. De início, a falta de reação foi simplesmente atribuída à fria denominados "piloto voando" e "piloto não voando". Um dos prin-
indiferença dos residentes daquela cidade, mas os psicólogos sociais cipais componentes da administração de recursos de tripulação é qne
Bibb Latané e John Darley conseguiram repetir o comportamento o piloto que não esteja voando seja um crítico ativo, continuamente
do espectador, tanto no seu laboratório quanto em estudos de verificando e questionando as ações tomadas pelo piloto que está
campo. Eles concluíram que, quanto mais pessoas assistem a um fato voando. O piloto em comando deve agradecer ao outro pelas per-
desses, menos provável é que alguém ajude. Por quê?
PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 171
170 DESIGN EMOCIONAL
guntas, mesmo quando são desnecessárias, ou mesmo erradas. não conseguem se lembrar deles, de modo que irão escrevê-los e colá-
Evidentemente, pôr em execução esse processo foi difícil, pois ele los em seus terminais de computadores, debaixo de seus teclados ou
envolvia modificações importantes na cultura, especialmente quan- telefones, ou na gaveta da escrivaninha (porém, bem em cima, onde
do um piloto era mais jovem. Afinal, quando uma pessoa questiona é fácil para outros copiá-los).
o comportamento da outra, sugere uma falta de confiança; e quando Enquanto eu estava escrevendo este livro, trabalhei num comitê
duas pessoas devem trabalhar juntas, especialmente quando uma é do Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos investigando
hierarquicamente superior à outra, a confiança é essencial. Levou informações sobre tecnologia e contraterrorismo. Para a minha parte
algum tempo até que a comunidade da aviação aprendesse a aceitar do relatório, examinei as práticas de engenharia social usadas por ter-
o questionamento como um sinal de respeito, em vez de falta de con- roristas, criminosos e outros criadores de problemas. Na verdade,
fiança, e para pilotos mais antigos insistirem em que os mais novos não é difícil encontrar estas informações. Os princípios básicos são
questionassem todas as suas ações. O resultado tem sido segurança conhecidos há séculos e existem muitos livros escritos por ex-cri-
cada vez maior. minosos, policiais e agentes de segurança, e até guias ensinando a
Criminosos e terroristas se aproveitam de confiança equivocada. escrever histórias de ficção sobre crime que oferecem informações
Uma estratégia para invadir um local bem vigiado é acionar e ativar relevantes. A internet facilita as pesquisas.
os alarmes repetidamente, ao longo de alguns dias, e então fa~zem Você quer entrar numa instalação dotada de segurança? Vá até a
com que o pessoal de segurança não consiga descobrir nenhuma porta de entrada carregando uma pilha de computadores, peças de
causa que explique a ativação do alarme. Finalmente, devido à frus-
tração causada pelos falsos alarmes repetidos, o pessoal de segurança
deixará de confiar neles. É nesse momento que os criminosos partem
para a invasão.
Nem todo mundo é não confiável, apenas algumas pessoas -
mas essas poucas pessoas podem causar danos tão graves que não
temos muita escolha exceto desconfiar de todo mundo e de tudo. TBE NEW PASSWORD IS
Existe aí uma terrível inversão: exatamente as coisas que tornam a CffAIR
segurança mais rígida são as coisas que tornam nossa vida mais difí-
cil ou, em alguns casos, impossível. Precisamos de uma segurança ;.
mais realista que seja conhecedora do comportáinento humano. \
\
A segurança é mais um problema social ou humano do que tec- ~i\
nológico. Sem dúvida, inclua nela toda a tecnologia que quiser.
Aqueles que quiserem roubar, corromper ou impedir o funciona- ILUST RAÇÃO 5.2a e b
Como não proteger uma senha.
mento de um sistema encontrarão maneiras de tirar vantagem da A imagem a mostra um bilhete colado na lateral da tela do computador; a imagem
natureza humana e meios de driblar a segurança. De fato, o excesso b é uma ampliação do bilhete. Este é o tipo de comportamento com que engenhei-
de tecnologia atrapalha a segurança, porque, ao tornar a tarefa diária ros sociais contam. Mas são programas de definição de senhas mal concebidos que
de trabalhadores conscienciosos mais difícil, ela facilita o trabalho de fazem com que tenhamos de recorrer a isso. Mesmo se a senha não estivesse colada
no computador, um bom engenheiro social poderia tê-la adivinhado: esse computa-
evitar ou ultrapassar as medidas de segurança. Quando os códigos ou
dor fica na sede corporativa de um grande fabricante de móveis de escritório.
procedimentos de segurança se tornam complexos demais, as pessoas "Cadeira"? Quem poderia imaginar? (Fotografia tirada pelo autor.)

172 DESIGN EMOCIONAL PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 173


equipamentos e cabos pendurados. Peça a alguém para segurar a Não tenho idéia: poderia ser dentro de vinte anos, mas poderia ser
porta aberta e agradeça. Carregue a pilha até um cubículo com um daqui a cem. Prevejo que videofones irão se tornar tão populares que
posto de trabalho vazio, procure a senha e o nome de cadastro do estarão por toda parte, e nós simplesmente os acharemos algo muito
usuário, que estará colado em algum lugar, e entre no sistema (ilus- natural. De fato, as pessoas poderiam reclamar se não houvesse vídeo
tração 5.2) . Se você não conseguir fazer o log-in, peça ajuda a algum. Quando? Analistas prognosticam a ampla adoção de videofo-
alguém. Apenas peça. Como diz um manual que encontrei na inter- nes "dentro de apenas alguns anos" ao longo dos últimos cinqüenta
net, apenas grite: "Alguém se lembra da senha deste terminal?" Você anos. Mesmo produtos bem-sucedidos podem levar décadas antes de
ficaria surpreso ao ver quantas pessoas lhe responderiam. serem amplamente adotados.
Em última instância, a segurança é um problema de sistema, Mas mesmo que previsões exatas de produtos bem-sucedidos
onde o ser humano é o componente mais importante. Quando os não sejam possíveis, podemos ter certeza de uma categoria que quase
procedimentos de segurança criam entraves para trabalhadores bem- sempre garante o sucesso: a interação social. Ao longo dos últimos
intencionados, eles acharão maneiras de evitá-los de modo a cumprir cem anos, à medida que as tecnologias mudaram, a importância das
suas tarefas sem impedimentos, o que destitui de sentido todo o comunicações permaneceu no alto da lista das coisas essenciais. Para
objetivo do procedimento. Exatamente os mesmos atributos que nos a comunicação individual, isso significou correio, telefone, email,
tornam trabalhadores eficazes, cooperativos e criativos, capazes de telefone celular, troca de mensagens instantâneas e envio de mensa-
nos adaptarmos ao inesperado e oferecer assistência aos outros, gem de texto em computadores e telefones celulares. Para as organi-
tornam-nos vulneráveis àqueles que seriam capazes de se aproveitar zações, acrescente o telégrafo, memorando corporativo e newsletter, a
de nós. máquina de fax, e a intranet, a especialização da internet para comu-
nicação interna e interação na empresa. E, para grupos sociais, acres-
cente o pregoeiro público, o jornal diário, rádio e televisão.
Até alguns anos, a facilidade cada vez maior e o custo reduzido
Comunicações a serviço da emoção das viagens tiveram o infeliz efeito colateral de enfraquecer os laços
que uniam as pessoas. Sim, por meio de cartas e telefone as pessoas
Todo lugar é nenhum lugar. Quando uma pessoa passa todo o seu ainda podiam de alguma forma se manter em contato, mas esse con-
tempo em viagens ao exterior, acaba por ter muitos conhecidos, mas tato era limitado. Há dois mil anos, o filósofo romano Sêneca recla-
nenhum amigo. mava que as viagens resultavam em muitos conhecimentos, mas
- Lucius Annaell,S Sêneca (5 a.C.-65 d.C.) poucos amigos, e até recentemente essa alegação se mantinha verda-
deira. A distância costumava ter importância. Se nos afastássemos da
No meu trabalho de consultoria, sou chamado para fazer previsões família e amigos, o contato diminuía. Sem dúvida, era possível usar
sobre o próximo mecanismo ou instrumento "arrasa-quarteirão", o correio e o telefone, mas essas eram comunicações esparsas em
para descobrir o próximo produto que vai se tornar tão procurado meio às atividades frenéticas do dia. As pessoas que se separavam fisi-
que todo mundo vai querer ter um. Infelizmente, se eu aprendi algu- camente se separavam também social e emocionalmente.
ma coisa na vida, é que previsões exatas desse tipo são simplesmente Isso não acontece mais: hoje em dia podemos estar em contato
impossíveis. O campo está coalhado com os corpos daqueles que contínuo com amigos e parentes não importa onde estejamos, não
tentaram. Além disso, é possível estar correto sobre uma previsão, importa a hora do dia. A tecnologia atual torna possível manter-se
mas estar muito longe de acertar sobre o momento em que ela ocor- em contato com amigos e família numa base contínua. Email men-
rerá. Eu prevejo que automóveis vão se dirigir sozinhos. Quando? sagens instantâneas, mensagens de texto, secretária eletrônica e cor-

174 DESIGN EMOCIONAL PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 175


reio de voz não têm barreiras nem de tempo nem de distância. Viajar Discretamente, porque isso provavelmente está acontecendo quando
é relativamente fácil de carro, trem, ou avião. O sistema de correio você deveria estar prestando atenção a quem fala.
cruza a Terra de ponta a ponta de maneira confiável. O telefone é A capacidade de usar mensagens de texto curtas, assim, tão facil-
facilmente acessível e, com o telefone celular, está sempre conosco, mente tornou-se um forte componente emocional na vida de muitas
sempre ligado. O email tornou-se onipresente. Bilhões de mensagens pessoas. Muitas das pessoas que responderam ao pedido que fiz, via
curtas são enviadas diariamente pelos telefones celulares do mundo. Internet, de relatar experiências de estreitar laços de relacionamen-
O isolamento outrora imposto pela distância e pela separação já não tos, aproveitaram a oportunidade para me falar sobre como são ape-
existe. Hoje em dia podemos facilmente nos manter em contato uns gadas ao serviço de Mensagens Instantâneas. A seguir, duas das res-
com os outros numa medida em que não se podia sonhar anterior- postas:
mente. Além disso, a revolução da comunicação mal começou: se ela
é tão difundida agora, no princípio do século vinte e um, como esta- O serviço de mensagens instantâneas (MI) é parte integrante da minha
rá daqui a cem anos? vida. Com ele tenho a sensação de estar em contato com muitos de
A maioria das mensagens de texto parece ser desprovida de con- meus amigos e colegas ao redor do mundo. Sem ele, sinto-me como se
teúdo. Entre os adolescentes, elas têm a tendência de dizer "O que uma janela para uma parte de minha vida estivesse fechada e trancada
você está fazendo?" - ou, na forma altamente abreviada que costu- com ferrolho.
mam assumir: "oqctafazendo"; "Onde você está? (ctaonde?)"; "Te Um outro exemplo é o MI. Sou muito apegado ao meu MI no tra-
ligo mais tarde (t!igo+tarde)". Entre pessoas do mundo dos negócios balho. Não consigo imaginar minha vida sem ele. O verdadeiro poder
durante um dia de trabalho, elas diferem ligeiramente: "Reunião do MI não é a mensagem (embora esse seja um atributo fundamental),
chata"; "O que você está fazendo?"; "Quer tomar um drinque depois e sim a detecção de presença. Saber que alguém está lá. Imagine saber
do trabalho?". Ocasionalmente, é claro, as mensagens têm substân- que cada vez que você tira o telefone do gancho para ligar para alguém
cia de verdade, como em negociações de transações ou para combi- vai haver uma pessoa de verdade para atender, e que é a pessoa com
nar horários de reuniões ou detalhes de um contrato. Mas, de manei- quem você quer falar. Esse é o poder das mensagens instantâneas.
ra geral, o objetivo das freqüentes mensagens não é a troca de infor-
mação, é o contato emocional. São maneiras de as pessoas dizerem O telefone celular tem muito do poder emocional da troca de
umas às outras, "Eu estou aqui", "você está aí", "ainda nos queremos mensagens de texto. É muito mais do que um simples instrumento
bem". As pessoas precisam se comunicar continuamente, para se de comunicação. Sem dúvida, o mundo dos negócios pensa nele
reconfortarem, para se sentirem seguras. como uma forma de se manter em contato, de transmitir informa-
A verdadeira vantagem das mensagens de texto é que podem ser ções básicas para as pessoas quando estas precisam delas, mas reduzi-
usadas enquanto se está fazendo outra coisa. Desde que suas mãos lo a isso é não entender o ponto principal, o que realmente interessa
estejam livres e você possa dar uma espiada na tela, pode enviar e nesses aparelhos. O celular é fundamentalmente uma ferramenta
receber mensagens: na sala de aula, em reuniões de negócios, ou emocional e um facilitador social. Ele mantém as pessoas em conta-
mesmo enquanto conversa com outras pessoas. Parece não haver to. Permite que amigos conversem: mesmo se o conteúdo formal,
limites. Enfie o aparelho no bolso da camisa. Então, quando estiver reflexivo, seja vago, o conteúdo emocional é alto. Mas, embora per-
entediado, ou quando perceber aquela agradável sensação de vibra- mita a todos nós compartilhar reflexões e idéias, música e fotos, o
ção no peito, significando a chegada de uma nova mensagem, tire-o que ele realmente nos permite compartilhar é emoção. A capacidade
e dê uma olhada. Leia as últimas palavras e discretamente digite uma de estar em contato ao longo do dia inteiro mantém um relaciona-
resposta, usando apenas os dois polegares no minúsculo teclado. mento, quer ele seja de negócios ou social.

176 DESIGN EMOCIONAL PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 177


A fala é um poderoso veículo social e emocional porque permite condenados a uma existência sem significado - literalmente sem sig-
a comunicação de estado emocional através de sua métrica natural - nificado.
pausas, ritmo, tons de voz e modulação, hesitações e repetições. Ande pela rua em qualquer grande cidade em qualquer país do
Embora a troca de mensagens de texto não seja cão efetiva quanto a mundo e observe as pessoas que estão falando em seus telefones celu-
fala ao comunicar emoções, é superior como ferramenta de comuni- lares: elas estão em seu espaço pessoal, fisicamente adjacente a um
cação porque é discreta. Pode ser mantida com privacidade e pode local e a um conjunto de pessoas, mas emocionalmente em algum
ser feita em segredo. Eu sempre me divirto em reuniões de trabalho outro lugar. É como se temessem ser solitárias em meio à multidão
pelo uso às escondidas, mas competente, das mensagens de texto. de estranhos e optassem em vez disso por se manter em contato com
Observo executivos de maneira geral sisudos, formais e calmos, fur- seu bando, mesmo se o bando estiver em outro lugar. O telefone
tivamente lançarem olhares rápidos para seus colos de modo a ler as celular cria seu próprio espaço, afastado da rua. Se as duas pessoas
celas e digitar as respostas, ao mesmo tempo em que fingem estar estivessem juntas, caminhando pela rua, não estariam tão isoladas,
ouvindo o assunto em pauta na reunião. Mensagens de texto permi- pois ambas teriam consciência uma da outra, da conversa e da rua.
tem que amigos se mantenham em contato, mesmo quando deve- Mas com o telefone celular, você entra num lugar privado que é vir-
riam estar prestando atenção à outra pessoa. tual, não real, um lugar que é separado do que o circunda, para
Não é estranho que, embora o serviço telefônico seja uma ferra- melhor se juntar à outra pessoa e à conversa. E assim você está fora
menta emocional, o instrumento em si não seja. As pessoas adoram da rua, ao mesmo tempo em que anda por ela. É um espaço realmen-
o poder de interação do telefone celular, mas não parecem adorar te privado num lugar público.
nenhum dos dispositivos que o tornam possível. Em resultado, a
troca de aparelhos é alta. Não há nenhuma fidelidade ao produto,
nenhuma relação de compromisso à empresa ou ao provedor do ser- Sempre conectado, sempre distraído
viço. O telefone celular, um dos serviços mais fundamentalmente
emocionais, desperta pouco apego a seus produtos. Já observei telefones tocarem e serem acendidos nos lugares mais
Vernor Vinge, um de meus escritores favoritos de ficção científi- espantosos. Na sala de cinema, no meio de reun iões de conselho
ca, escreveu A Pire Upon the Deep, em que o planeta Tines é habita- administrativo. Certa vez compareci a uma reunião no Vaticano em
do por animais com inteligência coletiva. Essas criaturas semelhantes que fazia parte de uma delegação apresentando nossas conclusões ao
a cães viajam em bandos, cujos membros estão em contínua comu- papa. Telefones celulares estavam por toda parte: cada cardeal usava
nicação acústica uns com os outros, criando uma poderosa consciên- um cordão de ouro no qual escava pendurada uma cruz de ouro, cada
cia coletiva distribuída. Indivíduos abandonam o bando por motivo bispo tinha um cordão de ouro no qual estava pendurada uma cruz
de morte, doença ou acidente, e novos e jovens membros os substi- de prata, mas o chefe do cerimonial, que parecia ser a pessoa no
tuem, de modo que o bando mantenha sua identidade muito além comando, usava um cordão de ouro no qual escava pendurado um
daquela de qualquer indivíduo isolado. Cada membro individual de telefone celular. O papa pode ter sido o centro das atenções, mas
um bando carece de inteligência quando está completamente sozi- ouvi telefones celulares tocando continuamente durante a cerimô-
nho: o bando adquire sua inteligência através da colaboração dos nia. "Scusi'', diziam baixinho em seus telefones, "Não posso falar
seus muitos elementos. Em conseqüência, se uma criatura se afasta agora, estou escutando o papà'.
demais do bando, o canal de comunicação é perdido - pois o som Numa outra ocasião fui membro de um grupo selecionado para
tem um alcance limitado - e o "solitário" é desprovido de inteligên- debater um assunto diante de uma grande platéia, quando o telefone
cia. Os solitários raramente sobrevivem e aqueles que o fazem estão celular do moderador tocou justo no instante em que ele estava no

178 DESIGN EMOCIONAL PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 179


meio de uma pergunta a um dos participantes. Ele atendeu ao tele- ças no ambiente. O resultado dessa distração natural é uma capaci-
fone e deixou desconcertados os membros do grupo, mas divertiu a dade de atenção abreviada: novos aco ntecimentos continuamente
platéia. atraem a atenção. Hoje em dia é habitual argumentar que essa aten-
ção abreviada é causada por anúncios de propaganda, videogames,
vídeos de música, e assim por diante. Mas, de fato, o pronto desvio
E VIVA PARA as tecnologias de comunicação que nos permitem man- da atenção é uma necessidade biológica, desenvolvido ao longo de
ter contato contínuo com nossos colegas, amigos e família, não milhões de anos de evolução como um mecanismo protetor contra
importa onde estejamos, não importa o que estejamos fazendo! um perigo inesperado: essa é a função principal do nível visceral.
Contudo, mesmo que as mensagens de texto e de voz, telefonemas e Provavelmente esse é o motivo pelo qual um subproduto do afeto
emails sejam importantes ferramentas para manter relacionamentos negativo e da ansiedade, em conseqüência da percepção de perigo, é
ou supervisionar o trabalho, observem que, o "manter-se em conta- o foco de fixação de atenção. Em perigo, a atenção não pode se des-
to" de uma pessoa significa a interrupção da atenção de outra. O viar. Mas na ausência de ansiedade, as pessoas se distraem com faci-
impacto emocional reflete essa discrepância: positivo para a pessoa lidade, continuamente desviando o foco de atenção. William James,
que se mantém em contato, mas negativo e perturbador para a pes- o famoso filósofo/psicólogo, certa ocasião disse que sua capacidade
soa submetida à interrupção. de concentração de atenção era de aproximadamente dez segundos,
Há uma falta de simetria no impacto de uma interrupção. e isso foi no final dos anos 1800, muito antes do advento das distra-
Q uando almoço com amigos que passam uma parcela considerável ções modernas.
de nosso tempo atendendo a chamadas em seus telefones celulares, Nós criamos nossos próprios espaços privados onde quer que
considero isso uma distração e uma interrupção. Do ponto de vista sejam necessários. Em casa, em nosso estúdio particular ou no quar-
deles, ainda estão comigo, mas as chamadas são essenciais para suas to, com a porta trancada, se necessário. No escritório, numa sala que
vidas e emoções e, de modo algum uma interrupção. Para a pessoa nos é reservada ou, num esforço para conquistar alguma privacidade,
que recebe a chamada, o tempo está preenchido, com informações em cubículos feitos com divisórias ou em espaço compartilhado. Na
sendo transmitidas. Para mim, é tempo vazio não preenchido. A biblioteca, auxiliados pelas regras e convenções de proibição de con-
conversa do almoço fica em espera. Tenho de esperar que a interrup- versa ou em gabinetes isolados para os poucos privilegiados. Nas
ção acabe. ruas, onde as pessoas se reúnem para formar grupos de conversa, apa-
Quanto tempo a interrupção parece durar? Para a pessoa sendo rentemente ignorando a presença de outros ao redor delas, ainda que
interrompida, para sempre. Para a pessoa recebendo a chamada, ape- temporariamente.
1
nas algups segundos. A percepção é tudo. Quando se está ocupado, Mas os verdadeiros problemas da comunicação moderna decor-
o tempo voa, passa rapidamente. Quando não se tem nada para rem das limitações da atenção humana.
I"' fazer, .parece se arrastar. Em resultado disso, a pessoa ocupada com a Os limites à atenção consciente são graves. Q uando você está
lill
conversa no telefone celular se sente emocionalmente satisfeita, numa conversa telefônica, está executando um tipo de atividade
enquanto a outra se sente ignorada e distanciada, emocionalmente muito especial, pois é parte de dois espaços diferentes, um onde você
incomodada. está situado fisicamente, o outro um espaço mental, o local específi-
A atenção consciente humana é um componente do nível refle- co dentro de sua mente onde você interage com a pessoa do outro
xivo da mente. Tem uma capacidade limitada. Por um lado, limita o lado da conversa. Essa divisão mental do espaço em compartimentos
foco de concentração da consciência primeiramente a uma única é um recurso muito especial e faz com que a conversa telefônica, ao
tarefa. Por outro lado, a atenção é prontamente desviada por mudan- contrário de outras atividades simultâneas, exija um tipo de concen-

180 DES I GN EMOCIONAL PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 181


tração mental especial. O resultado é que você está parcialmente processo evolucionário não poderia ter antecipado a comunicação a
afastado do espaço físico real, ao mesmo tempo em que o ocupa. distância.
Essa divisão em múltiplos espaços tem importantes conseqüências Não podemos tomar parte em duas conversas intensas ao mesmo
para o funcionamento da capacidade humana. tempo, pelo menos não sem degradar a qualidade e a velocidade de
Você fala ao telefone celular enquanto dirige um automóvel? Se cada uma delas. É claro que podemos e participamos em múltiplas
a resposta for positiva, você está dividindo sua atenção consciente de conversas de mensagem instantânea e de texto "simultaneamente",
maneira perigosa, reduzindo sua capacidade de planejamento e pre- mas a palavra simultaneamente entre aspas reflete que não fazemos
visão. Sim, seus níveis de processamento visceral e comportamental realmente as operações no mesmo instante, e sim, as intercalamos.
ainda funcionam bem, mas não o reflexivo, onde residem o planeja- Atenção reflexiva, consciente, só é necessária à leitura e à formulação
mento e a previsão. De modo que dirigir ainda é possível, mas prin- de novas mensagens, mas uma vez formuladas, os mecanismos do
cipalmente através dos mecanismos viscerais e comportamentais nível automático comportamental podem guiar a digitação concreta
automáticos e subconscientes. A parte da direção do carro que sofre das teclas enquanto a reflexão se volta para a outra conversa.
é a supervisão reflexiva, o planejamento e a capacidade de antecipar Como a maioria das atividades não exige plena atenção cons-
as ações dos outros motoristas e quaisquer condições especiais no ciente em tempo integral, somos capazes de cuidar de nossas ativida-
ambiente. O fato de que você ainda parece capaz de dirigir normal- des diárias continuamente dividindo a atenção entre múltiplas dis-
mente o deixa cego para o fato de que a sua direção é menos compe- trações. A virtude dessa divisão de atenção é que nos mantemos em
tente, menos capaz de lidar com situações inesperadas. Desse modo, contato com o ambiente: estamos continuamente tendo a percepção
ela se torna perigosa, a causa disso é a distração daquele espaço men- de coisas ao nosso redor. Ao andar pela rua conversando com um
tal. O perigo não vem de nenhuma exigência de segurar o telefone amigo, ainda temos recursos consideráveis de sobra para uma multi-
celular junto à orelha com uma das mãos enquanto dirige com a plicidade de atividades: para reparar nas novas loj as que abriram no
outra: um celular que deixe as mãos livres, em que o fone e o micro- quarteirão; para dar uma olhada e fazer uma leitura rápida das man-
fone estão fixos instalados no carro, de modo que não se precise usar chetes dos jornais; até mesmo para ficar ouvindo conversas nas vizi-
as mãos, não elimina tal distração do espaço mental. Essa é uma nova nhanças. As dificuldades surgem somente quando somos obrigados a
área de pesquisa, mas os primeiros escudos demonstram que telefo- realizar atividades mecânicas, cais como dirigir um automóvel, em
nes que deixam as mãos livres são tão perigosos quanto os que se que as exigências tecnológicas podem requerer resposta imediata.
seguram com as mãos. O decréscimo no desempenho do motorista Aqui é onde a facilidade aparente com que nós podemos, quase sem-
resulta da conversa, não do aparelho de telefo11,e. pre, realizar essas tarefas nos induz ao equívoco de pensar que a plena
Parte da mesma distração está presente ao dirigir um carro e atenção nunca é exigida. Nossa capacidade de lidar com distrações e
manter uma conversa com os passageiros, especialmente porque dividir a atenção é essencial à interação social. Nossa capacidade de
nossa natureza social assinala que temos a tendência de olhar para a compartilhar o tempo, de realizar múltiplas atividades, amplia essas
pessoa com quem estamos conversando. Mais uma vez, a pesquisa de interações. Temos consciência dos outros ao nosso redor. Mantemo-
segurança ainda está em estágio inicial, mas prevejo que a conversa nos em contato com um grande número de pessoas. A mudança con-
com passageiros de verdade não demonstrará ser tão perigosa quan- tínua do foco de atenção é normalmente considerada uma virtude,
to uma com pessoas a distância, pois o espaço mental que criamos especialmente em um mundo de interação social. No mundo mecâ-
para passageiros de verdade inclui o carro e o ambiente circundante, nico, ela pode ser um perigo.
enquanto o outro nos distancia do carro. Afinal, nós evoluímos para Ao nos mantermos continuamente em comunicação com ami-
interagir com os outros enquanto fazemos outras atividades, mas o gos ao longo de uma vida inteira ao redor do mundo, nós nos arris-

182 DESIGN EMOCIONAL


PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 183
camos ao paradoxo de ampliar interações superficiais à custa de inte- são, de situações em que nos sentimos desprovidos de controle, sem
rações mais profundas. Sim, podemos manter breves interações con- saber o que aconteceu ou por quê, ou o que deveríamos fazer da pró-
tínuas com uma porção de pessoas, desse modo mantendo vivas as xima vez. E vimos como os indivíduos inescrupulosos, os ladrões e os
amizades. Contudo, quanto mais mantemos interações curtas, bre- terroristas podem se aproveitar da confiança natural que as pessoas
ves e passageiras e nos permitimos interromper conversas e intera- têm umas nas outras, uma confiança essencial à civilização normal.
ções em curso, menos permitimos que haja uma profundidade de No caso do computador pessoal, as frustrações e irritações que
interação, uma profundidade em um relacionamento. "Atenção con- induzem à "raiva de computador" estão realmente no domínio do
tinuamente dividida" é a maneira como Linda Stone descreveu este design. São causadas por defeitos de design que exacerbam os proble-
fenômeno, mas não importa quanto possamos deplorá-lo, tornou-se mas. Algumas têm a ver com a falta de confiabilidade e má progra-
um aspecto comum da vida quotidiana. mação, algumas com a falta de compreensão das necessidades huma-
nas, e algumas com a falta de ajuste entre a operação do computador
e as tarefas que as pessoas desejam fazer. Tudo isso pode ser solucio-
O papel do design nado. Hoje em dia a comunicação sempre parece estar conosco, quer
desejemos ou não. Seja no trabalho ou para brincar, na escola ou em
A tecnologia costuma nos obrigar a entrar em situações em que não casa, podemos fazer contato com os outros. Além disso, as distinções
podemos viver sem ela, muito embora possamos sinceramente detes- entre as várias mídias estão desaparecendo, à medida que enviamos
tar seu impacto. Ou podemos adorar o que a tecnologia nos oferece voz e texto, palavras e imagens, música e vídeo uns para os outros
ao mesmo tempo em que odiamos as frustrações com que nos com uma facilidade e freqüência cada vez m aiores. Quando meu
defrontamos enquanto tentávamos usá-la. Amor e ódio: duas emo- amigo no Japão usa seu celular para tirar uma fotografia de seu novo
ções conflitantes, mas comumente combinadas para formar um rela- neto e a envia para mim nos Estados Unidos, isso é email fotografia
cionamento duradouro, ainda que desconfortável. Esses relaciona- ou telefonia?
mentos de amor e ódio podem ser espantosamente estáveis. A boa notícia é que as novas tecnologias permitem que nos sin-
Os relacionamentos de amor e ódio são promissores, desde que tamos sempre em contato, com a possibilidade de compartilhar nos-
o ódio possa ser dissipado e o amor conservado. O designer tem sas idéias e sentimentos, não importa onde estejamos, não importa o
algum poder nessa área, mas apenas em âmbito limitado, pois embo- que estejamos fazendo, independentemente de hora ou de fuso horá-
ra parte da irritação e rejeição seja o resultado de um design inapro- rio. A má notícia, é claro, são exatamente essas m esmas coisas. Se
priado ou empobrecido, muito é resultado dê normas e padrões todos os meus amigos fossem se manter sempre em contato, não
societários que só podem ser mudados pela própria sociedade. haveria tempo para mais nada. A vida seria cheia de interrupções,
Grande parte da tecnologia moderna é na verdade a tecnologia vinte e quatro horas por dia. Cada interação individual seria agradá-
de interação social: é a tecnologia da confiança e de laços emocionais. vel e gratificante, mas o impacto total seria arrasador.
Mas nem a interação social nem a confiança foram projetadas para O problema, contudo, é que a facilidade de manter comunica-
integrar a tecnologia nem sequer serem refletidas em todos os seus ções curtas e breves com amigos ao redor do mundo interrompe e
aspectos: elas ocorrem por acaso, por meio de subprodutos aciden- atrapalha a interação social normal quotidiana. Nesse caso, a única
tais das aplicações. Para o tecnólogo, a tecnologia fornece um meio esperança é a mudança da aceitação social. Isso pode seguir em duas
de comunicação; para nós, fornece um meio de interação social. direções: poderíamos todos passar a aceitar as interrupções como
Existe muito que pode ser feito para aprimorar essas tecnologias. parte da vida, não dando importância quando os vários membros de
Nós já vimos que a falta de confiança ocorre pela falta de compreen- um grupo continuamente entrarem em seu espaço privado para inte-

PES SOAS, LUGARES E OBJETOS 185


184 DES I GN EMOC IONA L
las permaneça com a pessoa que está na ponta receptora. Eu tenho
ragir com outros - amigos, chefes, colegas de trabalho, família, ou
enorme fé na sociedade. Creio que conseguiremos chegar a uma con-
talvez seu videogame, onde seus personagens estão precisando deses-
ciliação razoável com essas tecnologias. Nos primeiros anos de qual-
peradamente de ajuda. A outra direção é que as pessoas limitem suas
quer tecnologia, as aplicações potenciais raramente têm uma medida
interações, e deixem que o telefone grave as mensagens de texto,
que esteja em equilíbrio diante de todas as evidentes desvantagens,
vídeo ou voz, de modo que as chamadas possam ser respondidas
gerando o relacionamento de amor e 6dio tão comum com as novas
numa hora conveniente. Posso imaginar soluções projetadas para
tecnologias. Amor pelo potencial, 6dio pela realidade. Mas, com o
facilitar isso, de modo que a tecnologia dentro do telefone possa
passar do tempo, com design aprimorado, tanto da tecnologia quan-
negociar com a pessoa que chama, verificando as agendas de cada
to da maneira como é usada, é possível minimizar o 6dio e transfor-
uma das partes e marcando uma hora para a conversa, tudo sem
mar a relação em uma de amor.
incomodar qualquer um dos indivíduos.
Precisamos de tecnologias que forneçam a riqueza de poder da
interação sem a interrupção: precisamos recuperar o controle sobre
nossas vidas. Controle, de fato, parece ser o tema comum, quer seja
para evitar a frustração, alienação e raiva que sentimos com relação às
tecnologias atuais, quer para nos permitir que interajamos com os
outros de maneira confiável, quer para manter estreitos os laços entre
n6s e nossa família, amigos e colegas.
Nem toda interação tem de ser feita em tempo real, com os par-
ticipantes interrompendo uns aos outros, sempre disponível, sempre
respondendo. As tecnologias de arquivamento e transmissão poste-
rior - por exemplo, email e correio de voz - permitem que mensagens
sejam enviadas de acordo com a conveniência do remetente e ouvidas
de acordo com a conveniência do destinatário. Precisamos de formas
de integrar os métodos distintos de comunicação, de modo que pos-
samos escolher entre correio, email, telefone, mensagem de voz ou
texto conforme as exigências da ocasião. As pessoas também precisam
reservar um período de tempo específico durante o qual possam se
concentrar sem interrupções, de modo a poder manter o foco.
A maioria de n6s já faz isso. Desligamos nossos celulares e, às
vezes deliberadamente não os levamos conosco. Filtramos nossas
chamadas telefônicas, não atendendo a menos que vejamos - ou
escutemos - que é de alguém com quem realmente queremos falar.
Retiramo-nos para locais onde tenhamos privacidade, para escrever,
pensar melhor, ou simplesmente relaxar.
Hoje em dia as tecnologias se esforçam para assegurar sua oni-
presença, de modo que não importa onde estamos ou o que fazemos,
elas estão disponíveis. Isto é bom, desde que a escolha de querer usá-

PESSOAS, LUGARES E OBJETOS 187


186 DESIGN EMOCIONAL
Capítulo 6

Máquinas Emocionais

Dave, pare ... Pare, por favor... Você quer parar, Dave... Pare, Dave ... Eu
estou com medo. Estou com medo .. . Eu estou com medo, D ave.. .
Dave ... Estou perdendo a capacidade de pensar... Posso sentír ísso .. .
Posso sentir ísso ... Estou perdendo a capacidade de pensar. .. Não tenho
dúvida quanto a isso ... Estou sentindo... Estou sentindo ... Estou com
m ... medo.
- HAL, o computad or todo-poderoso,
no filme 2001: Uma odisséia no espaço.

HAL ESTÁ CORRETO EM SENTIR MEDO : DAVE ESTÁ PRESTES


a tirá-lo de operação ao desmantelar suas peças. É claro que Dave
está com medo também: HAL matou todos os outros tripulantes da
nave espacial e fez uma tentativa malsucedida de matar Dave.
Mas por que e como HAL sente medo? Será que é medo de ver-
dade? Desconfio que não. HAL identificou corretamente a intenção
de Dave: Dave quer matá-lo. De modo que o medo - sentir medo -
é 1.,ma resposta lógica para a situação. Mas as emoções humanas pos-
suem mais do que um componente lógico, racional; elas são estreita-
mente acopladas ao comportamento e aos sentimentos. Se HAL fosse
um ser humano, ele lutaria muito para impedir sua morte, bateria
portas, faria alguma coisa para sobreviver. Ele poderia ameaçar:
"Mate-me e você vai morrer também, no instante em que o ar no seu
tanque acabar." Mas HAL não faz nada disso; ele simplesmente declara,
como um fato: "Estou com medo." HAL tem um conhecimento inte-
lectual do que significa estar com medo, mas esse conhecimento não
está acoplado a sentimentos nem a ação: não é emoção de verdade.
Mas por que HAL precisaria de emoções de verdade para funcio-
nar? Nossas máquinas atuais não precisam de emoções. Sim, elas têm
uma quantidade considerável de inteligência. M as emoções? Não.

MÁQUINAS EMOCIONAIS 189


Mas no futuro as máquinas precisarão de emoções pelos mesmos
motivos que as pessoas precisam: o sistema emocional humano
desempenha papel essencial na sobrevivência, interação e cooperação
social, e no aprendizado. As máquinas precisarão de uma forma de
emoção - emoção de máquina - quando enfrentarem as mesmas
condições, quando precisarem operar continuamente sem nenhuma
assistência de pessoas em um mundo complexo, sempre em mutação
onde novas situações se apresentam continuamente. À medida que as
máquinas se tornam cada vez mais capazes, assumindo muitos de
nossos papéis, os projetistas enfrentam a tarefa complexa de decidir
de que modo exatamente elas serão construídas, de que modo exata-
mente elas irão interagir umas com as outras e com as pessoas.
Portanto, pelo mesmo motivo que animais e pessoas são dotados de
emoções, creio que as máquinas também precisarão delas. Não serão
emoções humanas, vejam bem, mas emoções adequadas às necessi-
dades das próprias máquinas.
Os robôs já existem. A maioria deles é apenas braços automati-
zados bastante simples e ferramentas em fábricas, mas eles estão cres-
cendo em termos de força e capacidades, evoluindo de modo a
desempenhar uma variedade muito maior de atividades e também
ocupar uma variedade maior de posições. Já existem alguns robôs ILUSTRAÇÃO 6.1
que executam tarefas úteis, como cortar grama e passar aspirador de C3PO (esquerda) e R2D2 do famoso Guerra nas estrelas.
pó. Alguns, tais como os substitutos de animais de estimação, são Ambos são notavelmente expressivos, a despeito da falta de corpo e estrutura facial
brincalhões. Alguns robôs simples estão sendo usados para missões de R2D2. (Cortesia de Lucasfilrn Ltd.)

de busca e salvamento, ou para objetivos militares. Alguns robôs até


entregam correspondência, distribuem remédios, e assumem algu-
mas outras tarefas relativamente simples. À medida que se tornarem doméstico, interagindo com pessoas e outros robôs domésticos, pre-
mais avançados, precisarão somente das emoções mais simples, a cisarão manifestar suas emoções, ter alguma coisa análoga a expres-
começar pelas mais práticas, como o medo visceral de alturas ou sões faciais e linguagem corporal.
a preocupação com a possibilidade de se chocar contra coisas. Os Expressões faciais e linguagem corporal são parte da "imagem de
robôs animais de estimação terão personalidades simpáticas e atraen- sistema" de um robô, permitindo que as pessoas com quem ele inte-
tes. Com o tempo, à medida que esses robôs evoluírem em termos de rage tenham melhor modelo conceitua! de sua operação. Quando
capacidade, virão a ser dotados de emoções plenamente desenvolvi- interagimos com outras pessoas, as expressões faciais e a linguagem
das: de medo e ansiedade quando estiverem em situações perigosas, corporal delas nos informam se nos compreendem, se estão confusas,
de prazer quando alcançarem um objetivo desejado, de orgulho pela e se estão de acordo. Nós sabemos quando as pessoas estão tendo
qualidade de seu trabalho, e de subserviência e obediência com seus dificuldade através de suas expressões. O mesmo tipo de feedback não
donos. Uma vez que muitos desses robôs trabalharão no ambiente verbal é inestimável quando interagimos com robôs: os robôs com-

190 DESIGN EMOCIONAL MÁQUINAS EMOCIONAIS 191


David é um robô construído para ser o substituto de uma crian-
preendem suas instruções? Quando eles estão dando duro para
ça, ocupando o lugar de uma criança real em um lar. David é sofisti-
desempenhar uma tarefa? Quando eles estão sendo bem-sucedidos?
cado, mas um pouco perfeito demais. De acordo com a história,
Quando estão enfrentando dificuldades? As expressões faciais nos
David é o primeiríssimo robô a ter "amor incondicional". Mas isso
darão conhecimento de suas motivações e desejos, seus sucessos e
não é um verdadeiro amor. Talvez porque seja "incondicional", pare-
frustrações, e desse modo aumentarão nossa satisfação e compreen-
ce artificial, demasiado forte e desacompanhado pela variedade nor-
são dos robôs: poderemos saber o que eles têm condições de fazer e o
mal de estados emocionais humanos. As crianças normais podem
que não têm.
amar seus pais, mas também passam por estágios de rejeição, raiva,
Encontrar a mistura na medida exata de emoções e inteligência
inveja, desgosto e pura e simples indiferença com relação a eles.
não é fácil. Os dois robôs dos filmes Guerra nas estrelas, R2D2 e
David não exibe nenhum desses sentimentos. O amor puro de
C3PO, agem como máquinas que poderíamos gostar de ter por
David significa uma criança contente e devotada, seguindo as pega-
perto. Desconfio de que parte do charme deles esteja na maneira
das da mãe, de maneira muito literal, a cada segundo do dia. Esse
como demonstram suas limitações. O C3PO é um parvo trapalhão,
comportamento é tão irritante, que ele finalmente é abandonado
desajeitado, mas bem-intencionado, bastante incompetente em
pela mãe adotiva, deixado no meio de uma floresta e com ordens de
todas as tarefas, exceto aquela em que é um especialista: traduzir lin-
nunca mais voltar.
guagens e comunicação entre máquinas. O R2D2 é projetado para
O papel da emoção na inteligência avançada é um tema padrão
interagir com outras máquinas e tem capacidades físicas limitadas.
de ficção científica. Por causa disso, dois dos personagens do seriado
Ele precisa contar com o C3PO para falar com as pessoas.
de televisão e filmes jornada nas estrelas lutam com o papel da emo-
O R2D2 e o C3PO demonstram bem suas emoções, permitin-
ção e da inteligência. O primeiro, Spock, cuja mãe é humana, mas
do que os personagens na tela - e a platéia do filme - os compreen-
cujo pai é Vulcano, essencialmente não tem emoções dando aos
dam, simpatizem com eles e por vezes, fiquem aborrecidos com eles.
roteiristas da história maravilhosas oportunidades de pôr o raciocí-
O C3PO tem forma semelhante à humana, de modo que pode mos-
nio lógico puro de Spock em situações de confronto com as emoções
trar expressões faciais e movimentos corporais: ele torce muito as
humanas do Capitão Kirk. De maneira semelhante, no seriado pos-
mãos e balança o corpo. O R2D2 é mais limitado, mas mesmo assim
terior, o Tenente Data é puro andróide, completamente artificial e
muito expressivo, demonstrando como somos capazes de atribuir
sua falta de emoções fornece material semelhante para os roteiristas,
emoções quando a única coisa que vemos é uma cabeça sacudindo, o
embora vários episódios girem em torno da possibilidade de acres-
corpo se movendo para trás e para a frente, e alguns sons engraçadi-
centar um "chip de emoção" a Data, como se a emoção fosse uma
nhos, mas incompreensíveis. Através da habiJidade e talento dos
seção separada do cérebro que pudesse ser acrescentada ou subtraída
cineastas, os modelos conceituais subjacentes ao R2D2 e ao C3PO
à vontade. Mas, embora o seriado seja de ficção, os roteiristas fizeram
são perfeitamente visíveis. Por isso as pessoas têm sempre uma com-
bem seu trabalho: as maneiras como eles retratam o papel da emoção
preensão bastante precisa de suas forças e fraquezas, o que os torna
na tomada de decisões e interação social são tão razoáveis que os psi-
agradáveis e eficazes.
cólogos Robert Sekuler e Randolph Blake os acharam excelentes
Os robôs de cinema nem sempre acabam bem. Observem o que
exemplos dos fenômenos, apropriados para o ensino de introdução à
acontece com dois robôs personagens de filmes: HAL, do filme 2001:
psicologia. No livro deles, Star Trek on the Brain, usaram numerosos
Uma odisséia no espaço e David de AI (Inteligência artificial). HAL
exemplos do seriado Star Trek para ilustrar o papel da emoção no
está com medo, como ilustra a citação que abre o presente capítulo,
comportamento (entre outros tópicos).
e com justa razão. Ele está sendo desmontado - basicamente, sendo
assassinado.

MÁQUINAS EMOCIONAIS 193


192 DESIGN EMOCIONAL
Objetos emocionais incapazes de movimento, enquanto examinamos todas as coisas pos-
síveis que poderiam não dar certo, como acontece com algumas pes-
Como a minha torradeira algum dia poderá se tornar melhor, fazen- soas que sofrem de disfunções emocionais. Para tomar essas decisões,
do torradas da maneira como eu prefiro, a menos que tenha algum precisamos das emoções: os robôs também precisarão.
orgulho? As máquinas não serão perspicazes e sensíveis enquanto não Sistemas valiosos, sobrepostos em camadas de sentimentos
tiverem ao mesmo tempo inteligência e emoção. As emoções nos tor- semelhantes aos das pessoas ainda não são partes integrantes de nos-
nam capazes de traduzir inteligência em ação. sas máquinas, mas, algum dia serão. Vejam bem, o sentimento exigi-
Sem orgulho pela qualidade de nossas ações, por que haveríamos do não é necessariamente uma cópia do sentimento de seres huma-
de nos esforçar para fazer melho r? As emoções positivas são de nos. Em vez disso, o que é preciso é um sistema sensitivo sintoniza-
importância fundamental para o aprendizado, para manter nossa do com as necessidades do sistema. Os robôs deveriam se preocupar
curiosidade com relação ao mundo. Emoções negativas podem nos com perigos que poderiam ameaçá-los, muitos dos quais são os mes-
proteger do perigo, mas são as emoções positivas que fazem com que mos para pessoas e animais, e alguns dos quais são exclusivos dos
a vida valha a pena ser vivida, que nos conduzem às coisas boas da robôs. Eles precisam evitar cair de escadas ou de outras bordas, de
vida, que recompensam nossos sucessos e fazem com que nos esfor- modo que deveriam sentir medo de alturas. Deveriam ficar cansados,
cemos para ser melhores. de modo a não se desgastarem e ficar com baixa energia (com fome?)
O raciocínio puro nem sempre é suficiente. O que acontece antes de recarregar suas baterias. Eles não precisam comer nem usar
quando não há informação suficiente? Como decidimos que rumo e um banheiro, mas precisam passar por uma manutenção periodica-
que atitude tomar quando há risco, de modo que a possibilidade de mente: lubrificar as juntas, substituir peças gastas, e assim por dian-
prejuíw tem de ser pesada e equilibrada com relação ao ganho emo- te. Eles não precisam se preocupar com higiene e medidas sanitárias,
cional do sucesso? É nesse ponto que as emoções desempenham mas precisam prestar atenção à sujeira que poderia entrar em suas
papel fundamental e onde vacilam os seres humanos que sofreram partes móveis, poeira e sujeira em suas lentes de televisão, e vírus de
lesões neurológicas em seus sistemas emocionais. No filme 2001: computador que poderiam interferir em seu funcionamento. O sen-
Uma odisséia no espaço, o astronauta Dave arrisca a vida de maneira a timento de que os robôs necessitam será ao mesmo tempo semelhan-
recuperar o cadáver de seu colega astronauta. Em termos lógicos, isso te e muito diferente do de pessoas.
não faz muito sentido, mas em termos de uma longa história da Muito embora os projetistas de máquinas nunca tenham pensa-
sociedade humana, é de grande importância. De fato, essa tendência do que estavam incluindo afeto ou emoção em suas máquinas, eles
das pessoas de arriscar muitas vidas no esforço de resgatar poucas - construíram sistemas de segurança e de sobrevivência. Alguns desses
ou mesmo de recuperar os mortos - é um tema constante tanto em são semelhantes ao nível visceral das pessoas: circuitos simples e de
nossa vida real quanto na ficcional, na literatura, teatro e cinema. ação rápida que detectam possíveis perigos e reagem de acordo com
Os robôs precisarão de alguma coisa que se assemelhe a emoção a situação. Em outras palavras, a sobrevivência já faz parte do proje-
para poder tomar essas decisões complexas. Será que aquele passadi- to de design da maioria das máquinas. Muitos aparelhos têm fusíveis
ço suportará o peso do robô? Há algum perigo à espreita ali atrás do ou interruptores de modo que, se subitamente eles puxarem mais
pilar? Essas decisões exigem que se vá além das informações percep- carga elétrica do que a carga normal, o fusível ou o interruptor abre
tuais e que se usem experiência e conhecimento geral para fazer o circuito elétrico, impedindo que a máquina se danifique. De
deduções sobre o mundo e então usar o sistema emocional para aju- maneira semelhante, alguns computadores têm um sistema paralelo
dar a avaliar a situação e partir para a ação. Apenas com a lógica pura, de suprimento de energia elétrica ininterrupto, de modo que, se fal-
poderíamos passar o dia inteiro imobilizados, na mesma posição, tar energia elétrica, eles rápida e imediatamente passam a usar a carga

194 DESIGN EMOCIONAL M ÁQUINAS EMOCIONAIS 195


da bateria. A bateria lhes dá tempo de se desligar de maneira ordena- infra-estrutura vital da sociedade. Mas o que acontece quando um
da e elegante, salvando todas as suas informações e enviando avisos componente falha e os auxiliares automáticos de segurança assumem
aos operadores humanos. Alguns equipamentos têm sensores de tem- o comando? É aí que o sistema emocional seria útil.
peratura e/ou de nível de água. Alguns detectam a presença de A falha do componente deveria ser detectada pelo nível visceral
pessoas e se recusam a funcionar sempre que alguém estiver numa e usada para acionar um alerta: em essência, o sistema deveria ficar
área proibida. Os robôs e outros sistemas móveis já têm sensores e "ansioso". O resultado dessa ansiedade crescente deveria fazer com
sistemas visuais que os impedem de bater em pessoas e outros obje- que a máquina funcionasse de maneira mais conservadora, talvez
tos ou de cair de escadas. De modo que segurança simples e sobrevi- tornando mais lentas ou adiando tarefas não fundamentais. Em
vência já fazem parte de muitos projetos de design. outras palavras, por que não deveriam as máquinas se comportar
Em pessoas e animais, o impacto do sistema visceral não cessa como pessoas que se tornam ansiosas? Elas seriam cautelosas mesmo
com uma resposta inicial. O nível visceral envia sinais para os níveis enquanto estivessem tentando solucionar a causa da ansiedade. Com
mais altos de processamento para tentar determinar a causa do pro- as pessoas, o comportamento se torna mais concentrado até que a
blema e tentar determinar uma reação efetiva. Máquinas deveriam causa e uma resposta apropriada sejam determinadas. Qualquer que
fazer o mesmo. seja a reação para os sistemas das máquinas, uma mudança no com-
Qualquer sistema que seja autônomo - que se pretenda que exis- portamento normal é necessária.
ta por si próprio, sem alguém responsável para cuidar dele e sempre Animais e seres humanos desenvolveram mecanismos sofistica-
lhe dando instruções - tem de decidir continuamente qual de mui- dos para sobreviver em um mundo imprevisível e dinâmico, aco-
tas atividades possíveis fazer. Em termos técnicos, ele precisa de um plando as avaliações e estimativas das sensações a métodos de modu-
sistema de organização de horários. M esmo as pessoas têm dificulda- lar o sistema global. O resultado é maior robustez e tolerância de
de com essa tarefa. Quando estamos trabalhando com afinco para erro. Nossos sistemas artificiais fariam bem em aprender com o
terminar uma tarefa importante, quando deveríamos parar para co- exemplo deles.
mer, dormir ou para fazer alguma outra atividade que talvez nos seja
necessária, mas nem de longe tão urgente? Como organizamos as
muitas atividades que têm de ser realizadas nas horas limitadas do Robôs emocionais
dia, sabendo quando deixar de lado uma, quando não executá-la? O
que é mais importante: a proposta essencial que precisa ser entregue Os anos 1980 foram a década do PC, os anos 90 a da Internet, mas
amanhã de manhã ou planejar a comemoração__de um aniversário em creio que a década que está apenas começando será a década do robô.
família? Estes são problemas difíceis que nenhuma máquina hoje - Executivo da Sony Corporation

pode sequer considerar, mas que as pessoas enfrentam todos os dias.


Estes são exatamente os tipos de problemas de controle e tomada de Suponhamos que desejemos construir um robô capaz de viver em
decisão para os quais o sistema emocional é tão útil. nosso lar, andando pelos vários aposentos, encaixando-se à vontade
Muitas máquinas são projetadas para trabalhar mesmo que os na família - o que ele faria? Quando ouve essa pergunta, a primeira
componentes individuais possam falhar. Este comportamento é crí- coisa em que a maioria das pessoas pensa é em transferir para ele as
tico nos sistemas relacionados à segurança, tais como aviões e reato- tarefas quotidianas. O robô deveria ser um criado, limpar a casa, cui-
res de energia nuclear, e muito valioso em sistemas que estão desem- dar do trabalho doméstico. Todo mundo parece querer um robô que
penhando operações de importância fundamental, tais como alguns lave a louça e cuide da roupa suja. Na verdade, as atuais máquinas de
sistemas de computadores, hospitais e qualquer coisa lidando com a lavar pratos e as atuais máquinas de lavar roupas poderiam ser consi-

196 DESIGN EMOCIONAL MÁQUINAS EM OCIONA IS 197


Os robôs assumirão muitas formas. Posso imaginar uma família
deradas robôs muito simples, dedicados a propósitos específicos, mas
de robôs eletrodomésticos na cozinha - robô geladeira, copeiro,
o que as pessoas realmente têm em mente é alguma coisa que ande
máquina de fazer café, cozinheiro, e lavador de pratos - todos confi-
pela casa e recolha os pratos e roupas sujas, separe-os e lave-os, e
gurados para se comunicar uns com os outros e transferir comida,
depois que os ponham de volta em seus lugares certos - depois, é
claro, de passar e dobrar as roupas limpas. Todas essas tarefas são bas- pratos e utensílios de acordo com as necessidades . O robô criado
tante difíceis, além da capacidade das primeiras gerações de robôs. doméstico anda de um lado para o outro, recolhendo os pratos sujos,
Hoje em dia, os robôs ainda não são objetos domésticos. Eles entregando-os ao robô lava-louça. O lava-louça, por sua vez, entrega
aparecem em feiras científicas e em chãos de fábricas, missões de os pratos e talheres limpos para o robô copeiro, que os guarda até que
sejam necessários à pessoa ou ao robô. Os robôs copeiro, geladeira e
busca e salvamento, e outros locais e eventos especializados. Mas
isso vai mudar. A Sony anunciou que esta será a década do robô, cozinheiro trabalham com sucesso e sem problemas para preparar o
cardápio do dia e, finalmente, servem a refeição pronta, em pratos
e mesmo se a empresa tiver sido demasiado otimista, prevejo que
fornecidos pelo robô copeiro.
os robôs se desenvolverão durante a primeira metade do século
vinte e um. Alguns robôs cuidarão de crianças brincando com elas, lendo e
cantando para elas. Os brinquedos educativos já estão fazendo isso, e
o robô sofisticado poderia atuar como um poderoso professor parti-
cular, começando com a alfabetização, leitura e aritmética, mas logo
se expandindo para quase qualquer assunto. O livro de ficção cientí-
fica de Neal Stephenson, The DiamondAge, faz um belo trabalho de
mostrar como um livro interativo, The Young Lady 's lllustrated
Primer, pode assumir toda a instrução de meninas a partir dos qua-
tro anos até a idade adulta. A cartilha ilustrada ainda é algo para
algum tempo mais adiante, contudo orientadores mais limitados já
existem. Além da instrução, alguns robôs farão tarefas domésticas:
aspirar o pó, espanar e fazer a limpeza da casa. Com o passar do
tempo, finalmente sua gama de habilidades se expandirá. Alguns
poderão acabar sendo embutidos nas casas ou móveis. Alguns serão
capazes de ir e vir sozinhos.
Esses avanços exigirão um processo coevolucionário de adapta-
ção tanto para pessoas quanto para os aparelhos. Isso é comum em
nossa tecnologia: nós reconfiguramos a maneira como vivemos e tra-
balhamos para fazer com que as coisas tornem possível que nossas
máquinas funcionem. A mais espetacular coevolução é o sistema do
lLUSTRAÇÁO 6.2a e b automóvel, para o qual modificamos nossas casas de modo a incluí-
Os robôs domésticos do princípio do século vinte e um. rem garagens e entradas para carros de tamanho adequado e equipa-
Imagem a: o ER2, protótipo de um robô doméstico da Evolution Robotics. das para o automóvel, e construímos um maciço sistema rodoviário
Imagem b: o Aibo da Sony, um cachorro-robô de estimação. de amplitude mundial, sistemas de sinalização de tráfego, passagens
(Imagem do ER2 é cortesia de Evolution Robotics, imagem de "Três Aibos sobre o
e calçadas para pedestres, e gigantescos estacionam entos. As casas
muro" é cortesia da Sony Electronics Inc., Entertainment America, Divisão de Robôs.)

MÁQUINAS EMOCION A IS 199


198 DESIGN EMOCIONAL
também foram transformadas para acomodar os múltiplos fios e do a h abilidade manual, a força e as rodas antideslizantes que lhe
canos da sempre crescente infra-estrutura da vida moderna: água permitiriam abrir a porta da geladeira seria uma façanha e tanto.
quente e fria, sistema de esgotos, tubulação de ventilàção até o telha- Criar o sistema de visão que seja capaz de encontrar o refrigerante,
do, dutos de aquecimento e refrigeração, eletricidade, telefone, tele- especialmente se ele estiver completamente escondido atrás de
visão, Internet, e computador doméstico e redes de entretenimento. outros recipientes de alimentos, é difícil e depois criar uma forma
As portas têm de ser largas o suficiente para deixar passar nossa de retirar a lata sem destruir os objetos no caminho está além da
mobília, e muitas casas precisam acomodar cadeiras de rodas e pes- capacidade dos braços de robôs dos dias de hoje.
soas usando andadores. Exatamente como adequamos nossas casas Como seria mais simples se tivéssemos um robô distribuidor de
para todas essas mudanças, creio que existirão modificações para aco- drinques feito sob medida para atender às necessidades do robô cria-
modar os robôs. Modificações lentas, sem dúvida, mas à medida que do! Imaginem um aparelho robô distribuidor de bebidas capaz de
os robôs aumentarem sua utilidade, nós nos asseguraremos de seu conter seis ou doze latas refrigeradas, com uma porta automática e
sucesso ao minimizar os obstáculos e, finalmente, ao construir esta- um braço de empurrar. O robô criado poderia ir ao robô dos drin-
ções de carga de baterias, lugares para limpeza e manutenção, e assim ques, an unciar sua presença e seu pedido (provavelmente por meio
por diante. Afinal, o robô aspirador de pó precisará de um lugar para de um sinal infravermelho ou de rádio), e colocar sua bandeja dian-
despejar sua sujeira e o robô do lixo precisará ser capaz de levar o lixo te do· distribuidor. O robô dos drinques abriria sua porta de correr,
para fora de casa. Eu não ficaria surpreendido se visse acomodações empurrar para fora uma lata e fechar de novo a porta: não haveria
para robôs nas casas, isto é, nichos especialmente construídos onde necessidade de nenhum tipo complexo de visão, nem braço com
os robôs poderão residir, sem atrapalhar, quando não estiverem ati- habilidade especial, nem força para abrir a porta. O robô criado rece-
vos. Temos armários e dispensas para os aparelhos e utensílios dos beria a lata em sua bandeja, e depois voltaria até seu dono.
dias de hoje, então por que não alguns especialmente equipados para De maneira semelhante, poderíamos modificar a lavadora de
robôs, com portas que possam ser controladas pelo robô, tomadas de louça de modo a torná-la mais fácil para que um robô doméstico
eletricidade, luzes internas de modo que os robôs possam ver para ponha a louça suja e talheres, talvez dotá-lo de bandejas especiais
poder limpar a si próprios (e ligar a si próprios nas tomadas de eletri- com espaços projetados para diferentes pratos. Mas enquanto esta-
cidade), e receptáculos para lixo onde for apropriado? mos fazendo isso, por que não fazer da copa um robô especializado,
É provável que os robôs, especialmente no início, precisem de que seja capaz de retirar a louça limpa da máquina de lavar louça e
pisos lisos, sem obstáculos. Alguns lugares - especialmente escadas - guardá-la para uso posterior? As bandejas especiais ajudariam tam-
poderão ter de ser sinalizados de maneira espeçial, talvez com luzes, bém o copeiro. Talvez o copeiro pudesse automaticamente fornecer
transmissores de infravermelho, ou simplesmente com fita especial xícaras à máquina de fazer café e pratos ao robô cozinheiro, que está,
que reflita luz. Códigos de barras ou marcadores distintivos posicio- é claro, conectado à geladeira, pia e lixo. Isso por acaso soa imprová-
nados aqui e ali ao redor da cas; simplificariam enormemente a capa- vel? Talvez, mas, na verdade, nossos aparelhos domésticos já são
cidade do robô de reconhecer sua localização. complexos, muitos dos quais com múltiplas conexões a serviços. A
Reflitam sobre como os robôs criados poderiam trazer um drin- geladeira tem conexões com a tomada de energia elétrica e com o
que para seu dono. Você pediria uma lata de refrigerante e o robô sai- encanamento de água. Alguns já são conectados à Internet . As
ria obedientemente a caminho da cozinha e da geladeira, que é onde máquinas de lavar louça e a de lavar roupas têm conexões com a ele-
os refrigerantes ficam guardados. Compreender a ordem e seguir até tricidade, água e com o encanamento de esgoto. Integrar essas uni-
a geladeira são coisas relativamente simples. Descobrir como abrir a dades de modo que possam trabalhar com sucesso e sem problemas
porta, encontrar a lata, e retirá-la não é tão simples. Dar ao robô cria- umas com as outras não parece tão difícil.

200 DESIGN EMOCIONAL MÁQUINAS EMOCIONAIS 201


Imagino que o lar conterá um número razoável de robôs especia- ção com o mundo, para poder lidar com ele de modo eficiente e efe-
lizados: o criado que será talvez o mais genérico, mas trabalharia tivo. Assim sendo, quando as exigências feitas a um robô forem simi-
junto com um robô de limpeza, o robô que distribui drinques, talvez lares às que são feitas a pessoas, ter uma forma semelhante poderia
alguns robôs jardineiros que trabalhem ao ar livre, e uma família de
ser sensato.
robôs de cozinha, tais como o lavador de louça, máquina de fazer Se os robôs não precisam se mover - tais como os robôs dos
café, e os robôs copeiros. À medida que esses robôs sejam aperfeiçoa-
drinques, o lavador de louça, ou copeiro - não precisam ter meios de
dos, nós provavelmente também conceberemos objetos especializa-
locomoção, nem pernas nem rodas. Se o robô é uma máquina de
dos para uso doméstico que simplificarão as tarefas para os robôs,
fazer café, deveria ter a aparência de uma cafeteira modificada para
coevoluindo robô e casa para trabalharem juntos com sucesso e sem
permitir-lhe se conectar com o lavador de lo uça e com o copeiro.
percalços. Reparem que o resultado final também será melhor para as Robôs aspiradores de pó e cortadores de grama já existem e sua apa-
pessoas. Desse modo, o robô que distribui os drinques permitirá que rência é perfeitamente adequada às suas tarefas: pequenos aparelhos
qualquer pessoa chegue junto dele e peça uma lata do que quiser. baixos e robustos, com rodas (ver ilustração 6.3). Um carro robô
Exceto que não se usariam infravermelho nem rádio, poderíamos deveria ter a aparência de um carro. São apenas os robôs criados, de
apertar um botão ou talvez só pedir. uso genérico que deveriam parecer com animais ou seres humanos. A
Não sou o único a imaginar essa coevolução de robôs e lares.
Rodney Brooks, um dos maiores especialistas em robótica, chefe do
Laboratório de Inteligência Artificial do MIT e fundador de uma
empresa que constrói robôs domésticos e comerciais, imagina um
rico ecossistema de ambientes e robôs, com os especializados viven-
do em aparelhos, cada qual responsável por manter limpo seu domí-
nio: um cuida da banheira, outro do vaso sanitário, um limpa as
janelas, um outro manipula os espelhos. Brooks contempla até a pos-
sibilidade de uma mesa de sala de jantar robô, com uma área para
armazenagem e lavadora de louça embutida em sua base de modo
que "quando quisermos pôr a mesa, pequenos braços robóticos, não
muito diferentes dos de uma vitrola automática, trarão os pratos e
talheres necessários para os lugares determinados. À medida que cada
prato da refeição acabasse de ser comido, a mesá e seus pequenos bra-
ços robóticos tirariam os pratos e os trariam para o interior do gran-
de espaço interno abaixo".
Que aparência um robô deveria ter? Os robôs dos filmes se pare-
cem com pessoas, e têm duas pernas, dois braços e uma cabeça. Mas ILUSTRAÇÃO 6.3
por quê? A forma deveria seguir a função. O fato de que temos per- Que aparência deveria ter um robô?
nas nos permite andar por terrenos irregulares, algo que um animal O Roomba é um aspirador de pó, sua forma é apropriada para correr de um
sobre rodas não poderia fazer. O fato de que temos duas mãos nos lado para outro pelo piso e para manobrar sozinho debaixo de móveis. Esse
permite levantar e manusear, com uma das mãos ajudando a outra. robô não se parece nem com uma pessoa nem com um animal, nem deve-
ria: sua forma se encaixa perfeitamente à tarefa.
A forma humanóide evoluiu ao longo de milhões de anos em intera-
(Cortesia de iRobot Inc.)

202 DESIGN EMOCIONAL


MÁQU I NAS EMOCIONAIS 203
mesa de jantar robô concebida por Brooks seria especialmente estra-- movimento inumano-:: aparência assustadora. Não ficamos nem de
nha, com uma grande coluna central para guarda:: os pratos e o equi- longe tão chocados - nem assustados - com formas não humanas.
pamento de lavar louça (completo, com energia elétrica, encanamen- Mesmo réplicas perfeitas de seres humanos poderiam ser problemá-
to de água e esgoto). O tampo da mesa teria lugares para os braços ticas, pois mesmo que o robô não pudesse ser distinguido de seres
robóticos manusearem os pratos e provavelmente algum tipo de humanos, exatamente essa falta de distinção poderia resultar em
haste para segurar as câmeras que permitem que os braços saibam angústia emocional (um tema explorado em muitos romances de fic-
onde colocar e retirar os pratos e talheres. ção científica, especialmente pelo livro de Philip K. Dick, Do
Os robôs deveriam ter pernas? Não se tiverem de manobrar ape- Androids Dream ofElectric Sheep? e na versão cinematográfica, Biade
nas sobre superfícies lisas - rodas serão suficientes para isso; mas se Runner, O caçador de andróides). De acordo com essa linha de argu-
ele precisar se movimentar sobre terreno irregular ou escadas, pernas mento, o C3PO sai-se bem com sua forma humanóide porque é tão
seriam úteis. Nesse caso, podemos esperar que os primeiros robôs desajeitado, tanto em seus modos quanto no comportamento, que é
dotados de pernas tenham quatro ou seis pernas: o equilíbrio é mais engraçado ou até irritante do que ameaçador.
muito mais simples para criaturas com quatro e seis pernas do que Os robôs que satisfazem necessidades humanas - por exemplo,
para as que têm apenas duas. os robôs como animais de estimação - provavelmente deveriam ter a
Se o robô deve se movimentar pela casa e apanhar coisas deixa- mesma aparência das criaturas vivas, mesmo que apenas para fazer
das pelos ocupantes, ele provavelmente se parecerá um pouco com uso de nosso sistema visceral, que é pré-programado para interpretar
um animal ou uma pessoa: um corpo para conter as baterias e para linguagem corporal e expressões faciais humanas ou de animais.
sustentar as pernas, rodas, ou lagartas para locomoção; mãos para Desse modo, um animal ou uma forma infantil acompanhada por
apanhar objetos; e câmeras (olhos) no alto, de onde possam exami- movimentos físicos apropriados, expressões faciais e sons será a mais
nar melhor o ambiente. Em outras palavras, alguns robôs se parece- efetiva, se for desejado que o robô interaja de maneira bem-sucedida
rão com um animal ou um ser humano, não porque isso é bonitinho, com as pessoas.
mas porque é a configuração mais efetiva para a tarefa. Esses robôs
provavelmente se parecerão um pouco com o R2D2 (ilustração 6.1):
um corpo cilíndrico ou retangular em cima de algumas rodas, lagar- Afeto e emoção nos robôs
tas ou pernas; alguma forma de braço manuseável ou bandeja; e sen-
sores ao redor de todo ele para detectar obstáculos, escadas, pessoas, Que emoções um robô precisará ter? A resposta depende do tipo de
animais de estimação, outros robôs e, é claro, os. objetos com os quais robô em que estivermos pensando, das tarefas que for desempenhar,
se espera que interajam. Exceto por puro entretenimento, é difícil da natureza do ambiente e de qual será sua vida social. Ele vai intera-
compreender por que iríamos querer um robô que se parecesse com gir com outros robôs, animais, máquinas ou pessoas? Se for, precisa-
o C3PO. rá expressar seu próprio estado emocional, e avaliar as emoções das
De fato, fazer um robô semelhante ao homem poderia ter resul- pessoas e animais com quem interage.
tados opostos aos esperados, tornando-o menos aceitável. Masahiro Pensem a respeito do robô doméstico médio, do dia-a-dia. Esses
Mori, um especialista japonês em robótica, defendeu a tese de que as robôs ainda não existem, mas algum dia a casa terá uma população
criaturas que menos aceitamos são as que parecem muito humanas, de robôs. Alguns robôs domésticos ficarão fixos em um determinado
mas têm mau desempenho, uma idéia demonstrada no cinema e no lugar e serão especializados, tais como os robôs d e cozinha: por
teatro pela natureza aterradora de zumbis e monstros (pensem no exemplo, o copeiro, lavador de louça, distribuidor de drinques, o que
monstro de Frankenstein) que assumem forma humana, mas com cuida da comida, o que faz café ou o robô cozinheiro. E, é claro, os

204 DESIGN EMOCION AL MÁQUINAS EMOC IO NAIS 205


de modo que a pessoa demonstrou desapontamento? Talvez a ativi-
robôs lavadores de roupas, secadores de roupas, os que passarem e dade pudesse ser aperfeiçoada, de forma que da próxima vez o robô
dobrarem roupas, talvez acoplados a robôs guarda-roupas. Alguns obtivesse melhores resultados. Por todos esses motivos, e outros
serão móveis, mas também especializados, tais como os robôs que mais, o robô precisará ser projetado com a capacidade de interpretar
aspiram o pó dos pisos e cortam a grama. Mas provavelmente tam- o estado emocional de seus donos.
bém teremos pelo menos um robô de uso genérico: o robô criado, que O robô precisará ter olhos e ouvidos (câmeras e microfones) para
vai nos trazer café, limpar e arrumar a casa, executar tarefas simples e ler e interpretar as expressões faciais, a linguagem corporal e os com-
cuidar dos outros robôs e supervisioná-los. É o robô doméstico que ponentes emocionais da fala. Ele precisará ser sensível aos tons de
mais nos interessa, porque terá de ser o mais flexível e avançado. voz, ao ritmo do discurso e sua amplitude, de modo que possa reco-
Os robôs criados precisarão interagir conosco e com os outros nhecer raiva, satisfação, frustração ou alegria. Ele terá de ser capaz de
robôs da casa. Para os outros robôs, eles poderiam usar comunicação distinguir vozes repreensivas de vozes elogiosas. Reparem que todos
sem fio. Poderiam debater os trabalhos que estivessem fazendo, se esses estados podem ser reconhecidos apenas pela qualidade do som,
estão ou não sobrecarregados ou ociosos. Também poderiam avisar sem a necessidade de reconhecer as palavras ou a língua. Observem
quando estivessem começando a precisar de suprimentos e quando que vocês podem determinar os estados emocionais de outras pessoas
percebessem dificuldades, problemas, ou erros e solicitar ajuda uns apenas pelo tom de voz. Experimentem: façam de conta que estão
aos outros. Mas que ocorrerá quando os robôs interagirem com pes- num desses estados - zangados, satisfeitos, repreendendo ou elogian-
soas? Como isso acontecerá? do - e manifestem-se enquanto mantêm os lábios bem cerrados.
Os robôs criados precisarão ser capazes de se comunicar com Vocês poderão fazê-lo unicamente por meio de sons, sem dizer uma
seus donos. Alguma forma de dar ordens vai ser necessária, algum palavra. São padrões de sons universais.
modo de esclarecer as ambigüidades, de modificar uma ordem em Da mesma forma, o robô deveria demonstrar seu estado emocio-
execução ou em vias de ser executada ("Esqueça o café; traga-me um nal, de maneira semelhante à de uma pessoa (ou talvez, mais apro-
copo de água"), e encontrar meios de lidar com todas as complexida- priadamente, como um cachorro de estimação ou uma criança), de
des da linguagem humana. Hoje em dia, não podemos fazer isso, de modo que as pessoas com quem ele está interagindo saibam dizer
maneira que os robôs que são construídos atualmente têm de se quando uma solicitação é compreendida, quando é algo fácil de
apoiar em ordens muito simples ou mesmo em algum tipo de con- fazer, difícil de fazer, ou talvez até quando o robô julgar apropriada.
trolador remoto, em que uma pessoa aperta os botões adequados, De maneira semelhante, o robô deve demonstrar prazer e desprazer,
gera um comando bem estruturado, ou seleciona ações a partir de uma aparência enérgica ou exaustão, confiança ou ansiedade, quan-
um menu. Mas chegará um dia em que poderemos interagir com os do apropriado. Se ele estiver empacado, incapaz de completar uma
robôs por meio da fala compreendendo não só as palavras, mas os tarefa, deve demonstrar sua frustração. Será tão valioso para o robô
significados a elas subjacentes. demonstrar seu estado emocional quanto o é para as pessoas fazê-lo.
Quando deverá um robô se oferecer para ajudar seu dono? Nesse As expressões do robô permitirão que nós humanos compreendamos
caso os robôs precisarão ser capazes de avaliar o estado emocional das o estado do robô, e através disso descobrir que tarefas são apropria-
pessoas. Alguém está se esforçando para realizar uma tarefa? O robô das para ele e as que não são. Em resultado poderemos esclarecer ins-
poderia querer oferecer ajuda. As pessoas na casa estão discutindo? O truções ou mesmo oferecer ajuda, e por fim aprender a aproveitar de
robô talvez devesse querer ir para algum outro aposento, sair do maneira mais vantajosa as capacidades do robô.
caminho para não atrapalhar. Alguma coisa trouxe prazer? O robô Muitas pessoas na comunidade de pesquisas de robótica e com-
talvez devesse querer se lembrar disso, para que pudesse tornar a fazê- putador acreditam que a maneira de demonstrar emoções é fazer
lo quando fosse apropriado. Uma atividade foi mal desempenhada,
MÁQUINAS EMOCIONAIS 207
206 DES IGN EMOCIONAL
com que o robô decida quanto está feliz ou triste, zangado ou abor- confuso, seguro ou preocupado, se compreende nossas perguntas ou
recido, e então exibir a face apropriada, geralmente uma paródia exa- não, se está trabalhando de acordo com nossa solicitação ou nos
gerada de uma pessoa nesses estados. Eu sou radicalmente contrário ignorando. Se as expressões faciais e corporais refletem o processa-
a essa abordagem. É falsa, e, sobretudo, parece falsa. Não é assim que mento subjacente, então as manifestações emocionais parecerão
as pessoas agem. Não decidimos que estamos felizes, e então apresen- genuínas exatamente porque são verdadeiras. Aí poderemos interpre-
tamos uma cara feliz, pelo menos, não normalmente. Isso é o que tar o estado deles e eles o nosso, e a comunicação e a interação flui-
fazemos quando estamos tentando enganar alguém. Mas pensem em rão muito mais facilmente.
todos os profissionais que são obrigados a sorrir não importa quais Não sou a única pessoa que chegou a essa conclusão. A professo-
sejam as circunstâncias: eles não enganam ninguém - apenas pare- ra Rosalind Picard do MIT comentou certa vez, quando falava sobre
cem estar se obrigando a sorrir, como de fato estão fazendo. se robôs deveriam ter emoções: "Eu não tinha certeza de se robôs
A maneira pela qual os seres humanos mostram expressão facial deveriam ter emoções até escrever um estudo sobre como eles deve-
é através da inervação automática do grande número de músculos riam responder inteligentemente às nossas emoções, sem ter suas
envolvidos no controle da face e do corpo. O afeto positivo resulta próprias emoções. Quando redigia aquele estudo, eu me dei conta de
no relaxamento de alguns grupos musculares (daí o sorriso, o levan- que seria muito mais fácil se simplesmente lhes déssemos emoções."
tar de sobrancelhas e das maçãs do rosto etc.), e na tendência de se Depois que os robôs tiverem emoções, precisarão ser capazes de
abrir e se aproximar do acontecimento ou coisa positiva. O afeto demonstrá-las de maneira que as pessoas possam interpretar - isto é,
negativo tem o impacto oposto, provocando recuo, afastamento. como linguagem corporal e expressões faciais similares às humanas.
Alguns músculos ficam contraídos, e alguns dos músculos faciais Assim, o rosto e o corpo de um robô deveriam ter acionadores inter-
puxados para baixo (daí o franzir de testa). A maioria dos estados afe- nos que agissem e reagissem como os músculos humanos de acordo
tivos são misturas complexas de valência positiva e negativa, em dife- com os estados internos do robô. Os rostos das pessoas são ricamente
rentes níveis de estímulo, com algum resíduo dos estados imediata- dotados de grupos musculares no queixo, lábios, narinas, sobrance-
mente anteriores. E as expressões faciais resultantes são intensas e lhas, testa, faces e assim por diante. Esse complexo de músculos cons-
informativas. E verdadeiras. titui um sofisticado sistema de sinalização, e se os robôs fossem proje-
Emoções falsas parecem falsas: somos muito bons em detectar tados e criados de maneira semelhante, os traços da face naturalmen-
tentativas falsas para nos manipular. Desse modo, muitos dos siste- te sorririam quando as coisas estivessem correndo bem, e franziriam a
mas de computadores com os quais interagimos - os que têm os testa quando surgissem dificuldades. Para esse propósito os projetistas
assistentes engraçados, sorridentes e vozes e expi;essões artificialmen- de robôs precisam estudar e compreender os mecanismos complexos
te meigas - têm a tendência de ser mais irritantes que úteis. "Como das expressões humanas, com seu riquíssimo conjunto de músculos e
eu desligo isso?" é uma pergunta que me fazem sempre, e me tornei ligamentos intimamente interligados com o sistema emocional.
especialista em desligá-los, tanto em meus próprios computadores Demonstrar emoções faciais plenas é realmente muito difícil. A
quanto nos de outras pessoas que querem se ver livres da irritação. ilustração 6.4 mostra Leonardo, o robô da professora Cynthia
Já expus minha opinião de que máquinas deveriam, de fato, ter Breazeal, no Laboratório de Mídia do MIT, projetado para controlar
e demonstrar emoções, para que possamos interagir melhor com uma ampla variedade de traços faciais, movimentos de pescoço,
elas. Esse é precisamente o motivo pelo qual as emoções precisam corpo e braços, para melhor interagir social e emocionalmente
parecer tão naturais e comuns quanto emoções humanas. Elas têm conosco. Existe muita coisa acontecendo dentro de nosso corpo e
de ser reais, um reflexo direto dos estados e processamento internos grande parte da mesma complexidade é necessária no interior das
de um robô. Precisamos saber quando um robô está confiante ou faces dos robôs.

208 DESIGN EMOCIONAL MÁQUINAS EMOCIONAIS 209


Mas que fazer com os estados emocionais subjacentes? Quais
dente é parar todo movimento e descobrir por quê. A surpresa signi-
deveriam ser eles? Como já abordamos, no mínimo o robô deveria
fica que uma situação não é como se esperava, e que o comporta-
ser cauteloso com alturas, ter cuidado com objetos quentes, e ser sen-
mento planejado ou atual provavelmente não é mais apropriado, daí
sível a situações que pudessem resultar em dor ou ferimento. Medo,
a necessidade de parar e reavaliar.
ansiedade, dor e infelicidade poderiam todos ser estados apropriados
Alguns estados, tais como fadiga, dor, ou fome são mais simples,
para um robô. Da mesma forma, ele deveria ter estados positivos,
pois não precisam de expectativas ou previsões, mas de simples
inclusive prazer, satisfação, gratidão, felicidade e orgulho, que o tor-
nariam capaz de aprender com suas ações, repetir as positivas e monitoração de sensores internos. (A fadiga e a fome, tecnicamente,
não são estados afetivos, mas podem ser tratados como se fossem.)
aperfeiçoá-las, quando possível.
A surpresa provavelmente é essencial. Quando o que acontece No ser humano, os sensores de estados físicos sinalizam fadiga, fome,
não é o esperado, o robô surpreso deveria interpretar isso como uma ou dor. Na realidade, nas pessoas, a dor é um sistema surpreendente-
advertência. Se um aposento subitamente fica escuro, ou talvez se o mente complexo, ainda não bem compreendido. Existem milhões de
robô esbarra em alguma coisa que não esperava, uma resposta pru- receptores de dor, e mais uma ampla variedade de centros cerebrais
envolvidos na interpretação dos sinais. Por vezes ampliando a sensi-
bilidade, por vezes suprimindo-a. A dor serve como um valioso siste-
ma de alarme, impedindo-nos de nos machucarmos e, se estamos
feridos, agindo como um lembrete para não submetermos as áreas ou
membros; feridos a mais pressões. Talvez pudesse vir a ser útil para
robôs sentir dor quando motores ou juntas estivessem submetidos a
esforço C_Xcessivo. Isso levaria os robôs a automaticamente limitar
suas ativi<lades, e desse modo se proteger contra danos maiores.
A frastração seria um afeto útil, impedindo os robôs criados de
ficarem empacados ao realizar uma tarefa e assim negligenciar outros
de seus doeveres. Vejam como iria funcionar. Eu pediria ao robô cria-
do que me trouxesse uma xícara de café. Ele iria à cozinha, e lá ouvi-
ria o rob6 cafeteira explicar que não pode servir o café porque não
dispõe de xícaras limpas. Então o robô cafeteira poderia pedir ao
robô cop,eiro que lhe desse mais xícaras, mas suponhamos que esse,
também, não tivesse mais xícaras. O robô copeiro teria de passar o
pedido p ara o robô lavador de louça. Suponhamos que o lavador
de louça não tivesse xícaras sujas que pudesse lavar. O lavador de
louça pediria ao robô criado que procurasse xícaras sujas de modo
que pude:sse lavá-las, entregá-las ao copeiro, que as passaria ao cafe-
[LUSTRAÇÃO 6.4 teiro, que por sua vez daria o café para o robô criado. Infelizmente,
A complexidade da musculatura facial de um robô. o criado treria de recusar o pedido do lavador de louça de andar pela
A professora Cynchia Breazeal do MIT com seu robô Leonardo. casa: ele ainda estaria ocupado com sua tarefa principal - esperar
(Fotografia tirada pelo autor.)
pelo café..
210 DESIGN EMOCIONAL
MÁQUINAS EMOCIONAIS 211
Essa situação é chamada de "paralisação por impasse". Nesse Máqu inas que pe rcebem emoções
caso, nada pode ser feito porque cada máquina está esperando pela
A grande interferência que os transtornos emocionais podem ter na
seguinte, e a máquina final está esperando pela primeira. Esse pro-
vida mental não é nenhuma novidade para os professores. Estudantes
blema específico poderia ser resolvido, ao dar aos robôs cada vez mais
que estão ansiosos, aborrecidos ou deprimidos, não aprendem; pessoas
inteligência, de modo que aprendessem a solucionar cada novo pro-
dominadas por esses estados não apreendem informações de maneira
blema, mas os problemas sempre surgem mais depressa do que os eficiente, nem lidam bem com elas.
projetistas são capazes de prevê-los. Essas situações de impasse são - Daniel Goleman,
difíceis de eliminar porque cada uma surge em decorrência de um Inteligência emocional
conjunto diferente de circunstâncias. A frustração fornece uma solu-
ção, na maioria dos casos.
Suponhamos que as máquinas pudessem perceber as emoções das
A frustração é um afeto útil tanto para seres humanos quanto
pessoas. E se elas fossem tão sensíveis aos estados de espírito de seus
para máquinas, pois quando as coisas chegam a esse ponto, está na
usuários quanto um bom terapeuta pudesse ser? E se um sistema
hora de desistir e fazer alguma outra coisa. O robô criado deveria
educacional eletrônico controlado por computador pudesse perceber
ficar frustrado de tanto esperar pelo café, de modo que temporaria-
quando o estudante estivesse se saindo bem, quando estivesse frus-
mente deveria desistir. Tão logo o robô desiste da tarefa de buscar o
trado ou avançando de maneira adequada? E se os utensílios domés-
café, ele fica livre para cuidar do pedido da máquina de lavar louça,
ticos e os robôs do futuro pudessem mudar suas operações de acordo
de sair pela casa e procurar as xícaras de café sujas. Isso automatica-
com os humores de seus donos? Que aconteceria?
mente solucionaria o impasse: o robô criado encontraria algumas
A professora Rosalind Picard, do Laboratório de Mídia do MIT,
xícaras sujas e as entregaria à máquina de lavar louça, que finalmen-
te deixaria que o robô cafeteira fizesse o café e me permitisse receber encabeça um trabalho de pesquisa intitulado "Computação Sen-
sitiva", uma tentativa de aperfeiçoar máquinas que possam perceber
meu café, embora com algum atraso.
Será que o robô criado poderia aprender com essa experiência? as emoções humanas das pessoas com quem elas estejam interagindo,
e então responder em concordância com elas. Seu grupo de pesqui-
Ele deveria acrescentar à sua lista de atividades o recolhimento de
sa fez progressos consideráveis no desenvolvimento de aparelhos
louça suja, de modo que o robô lava-louça/copeiro nunca mais ficas-
sensores capazes de detectar medo e ansiedade, infelicidade e angús-
se sem peças limpas. É nesse ponto que algum orgulho seria útil. Sem
tia. E, é claro, satisfação e alegria. A ilustração 6.5 foi eirada do site
orgulho, o robô não se importa: não tem incentivo para aprender a
deles na Internet e demonstra a variedade de questões que devem ser
fazer melhor as coisas. Idealmente, o robô terja orgulho por evitar
resolvidas.
dificuldades, por nunca ficar empacad_o diante do mesmo problema
Como se percebem as emoções de alguém? O corpo demonstra
mais de uma vez. Essa atitude exige que os robôs tenham emoções
seu estado emocional por meio de uma variedade de maneiras.
positivas, emoções que façam com que se sintam satisfeitos consigo
Existem, é claro, as expressões faciais e a linguagem corporal. As pes-
próprios, que os incentivem a se tornar melhores no desempenho de
soas podem controlar suas expressões? Sim, podem, mas o nível vis-
suas tarefas, a se aperfeiçoarem, talvez até a se oferecen:m para de-
ceral funciona automaticamente, e embora os níveis comportamen-
sempenhar novas tarefas, a aprender novas maneiras de fazer as coi-
sas. Ter orgulho de uma tarefa realizada com capricho, de agradar a tal e reflexivo possam tentar inibir a reação visceral, a supressão com-
pleta não é possível. Mesmo a pessoa mais controlada, a que se diz ter
seus donos.
fisionomia impassível e mantém uma expressão neutra em termos de
respostas emocionais, não importa qual seja a situação, exibe micro-

212 DESIGN EMOCIONAL MÁQUINAS EMOC IONA I S 213


expressões, expressões curtas e fugazes que podem ser detectadas por usam óculos escuros de lentes espelhadas mesmo em salas escuras é
observadores treinados. impedir que seus oponentes detectem as alterações no tamanho de
Além das reações de nossa musculatura, existem muitas respos- suas pupilas.
tas fisiológicas. Por exemplo, embora o tamanho da pupila do olho Freqüência cardíaca, pressão sangüínea, freqüência respiratória e
seja afetado pela intensidade da luz, também é um indicador de exci- transpiração são fatores usados para investigar e deduzir o estado afe-
tação emocional. Quando se está interessado ou emocionalmente tivo. Mesmo quantidades de suor, tão pequeninas que a pessoa pode
excitado, a pupila se dilatará. Quando se trabalha duro para solucio- não se dar conta delas, são capazes de desencadear uma mudança na
nar um problema, ela se dilatará. Essas respostas são involuntárias, de condutividade elétrica da pele. Todos esses elementos podem pronta-
modo que é difícil - provavelmente impossível - que uma pessoa as mente ser detectados por aparelhos eletrônicos apropriados.
controle. Um dos motivos pelos quais os jogadores profissionais O problema é que estas simples medidas fisiológicas são medidas
indiretas de afeto. Cada uma é afetada por numerosas coisas, não
somente pelo afeto ou emoção. Em resultado disso, embora essas
medidas sejam utilizadas como parâmetros em muitos tipos de con-

. Í\rr
troles clínicos e aplicados, precisam ser interpretadas com cuidado.
Portanto, reflitam, por exemplo, sobre o funcionamento do assim
chamado detector de mentiras. Um detector de mentiras é, se é que
-
• é alguma coisa, nada mais que um detector de emoções. O método é
tecnicamente chamado de "teste de polígrafo" porque ele funciona
simultaneamente gravando e registrando graficamente múltiplos
fatores, tais como freqüência cardíaca, freqüência respiratória e con-
dutividade da pele. Um detector de mentiras não detecta falsidades,
ele detecta as respostas sensitivas de uma pessoa a uma série de per-
guntas formuladas pelo examinador, quando se presume que algu-
mas das respostas sejam verdadeiras (e desse modo exibem baixas res-
postas emocionais) e algumas mentirosas (e desse modo exibem altas
respostas sensitivas) . É fácil ver por que os detectores de mentiras são

-= ...
tão controversos. Pessoas inocentes poderiam ter intensas reações
emocionais a perguntas críticas, enquanto pessoas culpadas pode-
riam não mostrar reação alguma às mesmas perguntas.
Os operadores habilidosos e capacitados de detectores de menti-
ras tentam compensar essas dificuldades através do uso de perguntas
de controle para calibrar as respostas de uma pessoa. Por exemplo, ao
!LUSTRAÇÃO 6.5 fazer uma pergunta para a qual esperam uma mentira como respos-
O programa de computação sensitiva do MIT. ta, mas que não é relevante para o caso em questão, eles podem ver
O diagrama indica a complexidade do sistema sensitivo h umano e os desafios e difi-
como se mostra uma resposta mentirosa na pessoa sendo submetida
culdades exigidos para monitorar o sentimento apropriadamente. (Trabalho da pro-
fessora Rosalind Picard do MIT. ) ao teste. Isso é feito através de entrevistas feitas com o suspeito e pela
(O desenho é cortesia de Roz Picard e jonathan Klein.) criação de uma série de perguntas concebidas para trazer à tona um

214 DESIGN EMOCIONAL MÁQUINAS EMOCIONAIS 215


comportamento normal desviante, um comportamento em que o experiência, contudo, isso quase sem pre falha, porque um instrutor
examinador não tem interesse, mas em que é provável que o suspei- que, para começar, cause uma frustração desse tipo, de maneira geral
to vá mentir. Uma pergunta comumente usada nos Estados Unidos está mal preparado para saber remediar o problema.)
é: "Você alguma vez roubou alguma coisa quando era adolescente?" Se a frustração for devida à complexidade do problema, a respos-
Como os detectores de mentiras registram estados fisiológicos ta acertada de um professor pode não resultar em nada. É normal e
subjacentes associados a emoções mais do que a mentiras, eles não são adequado que estudantes fiquem frustrados quando tentam resolver
muito confiáveis; seus resultados oferecem tanto falhas (quando uma problemas ligeiramente acima de sua capacidade ou fazer alguma
mentira não é detectada porque não produz resposta emocional)
coisa que nunca fizeram antes. De fato, se os estudantes não se sen-
como alarmes falsos (quando a pessoa suspeita nervosa produz respos-
tirem frustrados de vez em quando, provavelmente isso lhes é preju-
tas emocionais mesmo quando ele ou ela não é culpado). Os operado-
dicial - significa que não estão correndo riscos suficientes, que não
res habilidosos e capacitados dessas máquinas têm conhecimento das
estão se esforçando o bastante.
armadilhas, e alguns usam o teste de detector de mentiras como meio
Mesmo assim, provavelmente é bom tranqüilizar estudantes
de induzir a uma confissão: pessoas que realmente acreditam que o
detector de mentiras pode "ler os pensamentos" poderiam confessar frustrados, para explicar que uma dose de frustração é apropriada e
apenas por causa do medo que têm do teste. Eu conversei com alguns até necessária. Esse é um bom tipo de frustração, e conduz ao apri-
desses operadores que concordam prontamente com a crítica que aca- moramento e ao aprendizado. Se perdurar por tempo demais, contu-
bei de fazer, mas sentem-se orgulhosos de seu histórico de obter con- do, a frustração pode levar os estudantes a desistir, a chegar à conclu-
fissões voluntárias. Mas, mesmo pessoas inocentes, por vezes confes- são de que o problema está acima de sua capacidade. Nesse ponto é
saram crimes que não haviam cometido, por mais estranho que isso necessário oferecer conselhos, explicações por meio de aulas particu-
possa parecer. O índice registrado de precisão de acertos é tão falho, lares, ou outro tipo de orientação.
que o Conselho Nacional de Pesquisa das Academias Nacionais dos O que dizer das frustrações manifestadas por estudantes que não
Estados Unidos realizou um estudo prolongado e completo, e con- têm nada a ver com a aula, que poderiam ser resultado de alguma
cluiu que o teste de polígrafo é demasiado impreciso para ser usado experiência pessoal, fora da sala de aula? Nesse caso não se sabe bem
em entrevistas de investigação de segurança e uso em juízo. o q ue fazer. O instrutor, quer seja uma pessoa ou uma máquina, não
está apto a ser um bom terapeuta. Manifestar simpatia poderia ser ou
não a resposta mais apropriada.
SUPONHAMOS QUE nós pudéssemos detectar o estado emocional de As máquinas que podem perceber emoções são uma nova fron-
uma pessoa, o que faríamos? Como deveríamos agir? Este é um pro-
0
teira emergente das pesquisas, e levanta tantas perguntas quantas
blema importantíssimo, e ainda não solucio nado. Considerem a aborda, tanto na questão de como as máquinas poderão detectar
situação numa sala de aula. Se um estudante está frustrado, devería- emoções, como na de como determinar a melhor maneira de reagir.
mos tentar eliminar a frustração, ou a frustração é um elemento Observem que enquanto nos esforçamos para estabelecer como fazer
necessário ao aprendizado? Se um motorista de automóvel está tenso as máquinas responderem de maneira apropriada a sinais de emo-
e estressado, qual é a resposta apropriada? ções, as pessoas também não são especialmente boas ao fazer isso.
A resposta apropriada para uma emoção evidentemente depen-
Muitas pessoas têm grande dificuldade em responder adequadamen-
de da situação. Se um estudante está frustrado porque a informação
te a outras que estão vivenciando angústia emocional: por vezes suas
oferecida não é clara ou inteligível, então ter conhecimento da frus-
tentativas de ajudar agravam o problema. E muitas são surpreenden-
tração é importante para o instrutor, que, ao que se presume, pode temente insensíveis aos estados emocionais de outras, mesmo pessoas
corrigir o problema através de explicações adicionais. (Em minha a quem conhecem bem. É natural que pessoas sob tensão emocional

21 6 DE SIGN EMOCIONAL MÁQUINAS EMOCIONAIS 217


tentem esconder o fato, e a maioria das pessoas não é especialista em te responderia: "Há quanto tempo você vem se preocupando com
detectar sinais emocionais. abc, def, e, como estamos falando nisso, com ghi?"
Mesmo assim, essa é uma área importante de pesquisa. Mesmo Eliza apenas reconhece a frase "Estou preocupado com X" e res-
se nunca viermos a ser capazes de desenvolver máquinas que possam ponde: "Há quanto tempo você vem se preocupando com X?" sem
responder de maneira completamente apropriada, as pesquisas deve- absolutamente nenhuma compreensão das palavras.
rão nos trazer informações tanto sobre as emoções humanas quanto Como a maioria das pessoas levava Eliza a sério, elas não tenta-
sobre a interação homem-máquina. vam enganá-la. Em vez disso, levavam a sério cada resposta, refletin-
do sobre seus significados ocultos. Como resultado disso, por vezes
se descobriam em profundos debates filosóficos ou, na versão mais
Máquinas que induzem popular de Eliza que foi roteirizada para agir como um psicoterapeu-
emoção nas pessoas ta, descobriam-se debatendo seus segredos mais íntimos.
Na metade da década de 1960, um de meus mais antigos amigos
É surpreendente como é fácil fazer com que pessoas tenham uma e colaborador de pesquisas, Daniel Bobrow, era cientista pesquisador
intensa experiência emocional mesmo com os mais simples sistemas na BBN, uma empresa de Cambridge, Massachusetts que fazia pes-
de computador. Talvez a primeira experiência desse tipo tenha sido quisas sobre inteligência artificial, redes de computadores e acústica.
com Eliza, um programa de computador criado pelo cientista de Bobrow me contou que um programador, depois de ter trabalhado
computação Joseph Weizenbaum. Eliza era um programa simples duro para pôr Eliza em funcionamento num computador da BBN,
que funcionava segundo um número reduzido de roteiros de conver- finalmente acabou o serviço às 5 horas da manhã de um sábado e
sa que haviam sido preparados com antecedência pelo programador então foi para casa, deixando o programa rodando no computador.
(originalmente, Weizenbaum). Ao seguir os roteiros, Eliza podia (Naquela época - isso foi em 1966 - os computadores pessoais não
interagir com uma pessoa em qualquer dos temas para o qual o rotei- existiam, e somente empresas de ponta como a BBN tinham compu-
ro a tivesse preparado. Aqui vai um exemplo. Quando você iniciava tadores para uso de seus funcionários, que é um dos motivos pelos
o programa, ele o cumprimentava ao dizer: "Olá! Eu sou ELIZA. quais os programadores precisavam trabalhar à noite para ter tempo
Como posso ajudá-lo?" Se você respondesse digitando: "Estou preo- disponível no computador.)
cupado com os índices cada vez mais altos de violência no mundo", O vice-presidente de divisão de Bobrow foi à empresa um pouco
Eliza responderia: "Há quanto tempo você vem se preocupando com mais tarde, naquele sábado de manhã, para demonstrar o computa-
os índices de violência no mundo?" Essa é u'm a pergunta relevante, dor para alguns clientes. Vendo que o computador estava rodando,
de modo que uma resposta natural seria algo como: ''.Apenas duran- ele presumiu que Bobrow o estivesse usando de casa, e, de acordo
te os últimos meses", ao que Eliza responderia: "Por favor, continue." com Bobrow, "decidiu usar o link de comunicação 'óbvio' que eu
Vocês entendem como poderiam se ver fascinados pela conversa: deveria ter deixado ligado" para conversar com ele. De modo que o
suas preocupações crescentes receberam respostas de acordo. Mas VP digitou algumas perguntas para Bobrow. Mas Bobrow estava em
Eliza não tem nenhuma compreensão da língua. O programa sim- casa, dormindo, e a conversa que se seguiu, na verdade se deu entre
plesmente encontra padrões e responde apropriadamente (dizendo: Eliza e o VP, que presumiu que aquelas respostas viessem de Bobrow:
"Por favor, continue" quando não reconhece o padrão). Desse modo,
é fácil enganar Eliza ao digitar: "Estou preocupado com abc, def, e, VP: Você acha que eu posso usar o computador esta manhã?
como estamos falando nisso, com ghi", ao que Eliza obedientemen- Eliza: Por que pergunta?

218 DESIGN EMOCIONAL MÁQUINAS EMOCIONAIS 219


VP: Eu talvez pudesse conseguir fazer mais algumas vendas de ficamos muito zangados quando pensamos que não estamos sendo
Telcom. levados a sério.
Eliza: Por que está em dúvida? O motivo pelo qual Eliza teve um impacto tão forte está relacio-
VP: Porque meus clientes em potencial nunca assistiram a uma nado às questões abordadas no capítulo 5 sobre a tendência humana
demonstração do sistema. de acreditar que qualquer interação aparentemente inteligente deve
Eliza: Isso é muito importante para você? ser atribuída a um ser humano ou, no mínimo, a uma presença inte-
VP: É claro que é. ligente: o antropomorfismo. Além disso, como somos confiantes,
Eliza: Você parece muito determinado com relação a isso. temos a tendência de levar a sério estas interações. O programa Eliza
VP: Isso é ridículo. foi escrito há muito tempo, mas seu criador, Joseph Weizenbaum,
Eliza: Como assim, em que sentido isso é ridículo? ficou horrorizado com a seriedade com que seu sistema simples era
VP: Há algum motivo pelo qual eu não possa usar o computa- encarado por tantas pessoas que interagiram com ele. Suas preocupa-
dor agora? ções levaram-no a escrever Computer Power and Human Reason, uma
Eliza: Fale-me um pouco mais a respeito de seus clientes em obra na qual defendeu de maneira irrefutável a tese de que as intera-
potencial. ções superficiais eram nocivas à sociedade humana.
VP: Por favor, ligue para mim no número 491-1850. Percorremos um longo caminho desde que o programa Eliza foi
escrito. Os computadores de hoje em dia são milhares de vezes mais
Naquela época, computadores não eram muito potentes, e a potentes do que eram nos anos 1960 e, o que é mais importante,
única maneira através da qual o programa de Eliza poderia dizer que nosso conhecimento do comportamento e psicologia humanos se
uma pessoa tinha acabado uma frase era ao notar o ponto final. Até aperfeiçoou enormemente. Como resultado disso, hoje podemos
aquela última linha, o VP havia concluído cada frase com um ponto criar programas e construir máquinas que, ao contrário de Eliza, pos-
final, mas daquela vez se esqueceu de fazê-lo. Em resultado disso, suem alguma compreensão e podem exibir verdadeiras emoções.
o computador ficou esperando que mais texto fosse digitado e, por Contudo, isso não significa que nos livramos das questões que preo-
causa disso, não respondeu. De acordo com Bobrow, ''Aquilo enfu- cupavam Weizenbaum. Reflitam sobre o Kismet.
receu tanto o VP, que pensou que eu estivesse de brincadeira com ele, O Kismet, cuja fotografia é mostrada na ilustração 6.6, foi cria-
que ele me telefonou, acordou-me de um sono profundo e pergun- do por uma equipe de pesquisadores do Laboratório de Inteligência
tou: 'Por que você está sendo tão irritante comigo?', 'Como assim, de Artificial do MIT e descrito em detalhe no livro de Cynthia Breazeal,
que maneira eu estou sendo irritante coqi você?' eu respondi". Designing Sociable Robots.
Então, contou-me Bobrow, "Furioso, o VP leu para mim o diálogo Lembrem-se de que todas as emoções subjacentes da fala podem
que 'nós' mantivemos, e não conseguiu de mim nenhuma resposta, ser detectadas sem nenhum conhecimento nem compreensão da lín-
exceto minhas gargalhadas, porque desatei a rir, sem conseguir parar. gua. Vozes manifestando raiva, censura, súplica, consolo, gratidão e
Levei um tempo para convencê- lo de que realmente tinha sido elogios têm, todas, tons e altura característicos. Sabemos dizer em
o computador". qual desses estados alguém está, mesmo se estiver falando numa lín-
Bobrow me disse quando conversamos a respeito dessa intera- gua estrangeira. Nossos animais de estimação podem detectar nosso
ção: "Você pode perceber que ele dava muita importância às respos- humor através de nossa linguagem corporal e dos padrões emocio-
tas às suas perguntas, e que o que pensou que fossem meus comentá- nais de nossas vozes.
rios tiveram um efeito emocional nele." Nós somos extremamente O Kismet usa essas deixas para detectar o estado emocional da
confiantes, o que faz com que sejamos muito fáceis de enganar, e pessoa com quem está interagindo. Ele tem câmeras de vídeo para

220 DES IG N EMOCIONAL MÁQUINAS EMOCIONAIS 221


lhe servir como olhos e um microfone com o qual pode ouvir. O Interagir com o Kismet é uma experiência rica e sedutora. É difí-
Kismet tem uma estrutura sofisticada para interpretar, avaliar e res- cil acreditar que o Kismet é todo emoção, sem nenhuma compreen-
ponder ao mundo - mostrada na ilustração 6.7, que combina per- são. Mas se você vai até junto dele, fala animadamente, mostra-lhe
cepção, emoção e atenção ao controle de comportamento. Apro- seu relógio novo em folha, Kismet responderá apropriadamente:
xime-se do Kismet e ele se vira para ficar de frente para você e encará- olhará para você bem no rosto, depois para o relógio, depois de volta
lo. Mas se você apenas ficar parado lá, e nfo fizer mais nada, o para o seu rosto, o tempo todo demonstrando interesse ao levantar as
Kismet fica entediado e olha ao redor. Se você falar, ele é sensível ao sobrancelhas, e exibindo comportamento esperto e animado. Exa-
tom de sua voz, reagindo com interesse e prazer a palavras de enco- tamente as reações interessadas que você quer de seu interlocutor
rajamento, elogios gratificantes, e com vergonha e tristeza a censuras. numa conversa, apesar do fato de Kismet não ter absolutamente
O espaço emocional do Kismet é grande, e ele pode mover a cabeça, nenhuma compreensão da língua ou, tampouco, do que é seu reló-
pescoço, orelhas e boca para manifestar emoções. Faça com que ele gio. Como ele sabe que deve olhar para o relógio? Ele não sabe, mas
fique triste e suas orelhas se abaixam. Deixe-o empolgado e ele se responde a movimentos de maneira que olha para a mão que você
anima todo. Quando está triste, a cabeça pende para baixo, as orelhas
se vergam e a boca se curva para baixo.

Expressão Motora Motora-ocular

~~ D2i:J ~~

(
u u
capacidades Motoras

D D
Sistema
Sistema Comportamental
Emocional
Sistema
Perceptivo D
~10 D
Arbítrio
de emoções

Contexto D Evocadores
Sensitivo e in de emoções
Comportamental 1l <;:::;
c:j
&
Características
Perceptivas
g_
O
;
Avaliaçõo
Afetiva < l
j Disparadores
"'

ILUSTRAÇÃO 6.7
O sistema emocional do Kismet.
ILUSTRAÇÃO 6.6 O centro da operação do Kismet está na interação entre percepção,
Kismet, um rob6 concebido para interações sociais, com emoção e comportamento.
uma expressão de surpresa. (Imagem redesenhada, ligeiramente modificada com a autorização de Cynthia
(Imagem cortesia de Cynthia Breazeal.) Breazeal de http://www.ai. mit.edulprojectslsociablelemotiom.html)

222 DESIGN EM OC IONAL MÁQU INAS EMOCIONAIS 223


levanta. Quando o movimento pára, ele fica entediado, e volta a
olhar para seus olhos. Manifesta entusiasmo porque detectou o tom
de sua voz. Capítulo 7
Observem que o Kismet tem algumas das características de
Eliza. Desse modo, embora seja um sistema complexo, com um corpo
(bem, uma cabeça e um pescoço), múltiplos motores que funcionam O Futuro dos Robôs
como músculos, e com um complexo modelo subjacente de emoção e
atenção, ainda lhe falta a verdadeira compreensão. Portanto, o interes-
se e tédio que demonstra com relação a pessoas são simplesmente res-
postas programadas a mudanças - ou a falta delas - no ambiente e res-
postas a movimento e a aspectos físicos da fala. Embora Kismet às
vezes possa manter as pessoas fascinadas por longos períodos de A FICÇÃO CIENTÍFICA PODE SER UMA FONTE ÚTIL DE IDÉIAS E INFOR-
tempo, o aperfeiçoamento é um tanto semelhante ao de Eliza: a maior mações, pois é, em essência, o desenvolvimento detalhado de rotei-
parte da sofisticação está nas interpretações do observador. ros. Os escritores que usaram robôs em suas histórias tiveram de ima-
Aibo, o cachorro-robô da Sony, tem um repertório emocional e ginar em detalhe exatamente como eles funcionariam no contexto de
inteligência muito menos sofisticados do que o Kismet. Não obstan- trabalho e atividades quotidianos. Isaac Asimov foi um dos pensado-
te, Aibo também demonstrou ser incrivelmente agradável e charmo- res pioneiros a explorar as implicações de robôs como criaturas autô-
so para seus donos. Muitos dos donos do cachorro-robô se reúnem nomas inteligentes, iguais (ou superiores) em inteligência e capacida-
para formar clubes: alguns possuem vários robôs. Eles trocam histó- des aos seus senhores humanos. Asimov escreveu uma seqüência de
rias sobre como treinaram Aibo para fazer várias gracinhas. Com- romances analisando as dificuldades que surgiriam se robôs autôno-
param idéias e técnicas. Alguns acreditam firmemente que seu Aibo mos habitassem a Terra. Ele se deu conta de que um robô poderia
pessoal os reconhece e obedece a ordens, apesar do fato de que ele involuntariamente causar dano a si mesmo ou a outros, tanto por
não seja capaz dessas ações. meio de suas ações ou, por vezes, por sua falta de ação. A partir disso
Quando as máquinas manifestam emoções, proporcionam uma Asimov criou um conjunto de postulados que poderiam impedir
interação intensa e satisfatória com as pessoas, muito embora a maior esses problemas mas, à medida que o fazia, percebeu que eles entra-
parte da intensidade e satisfação, bem como a maior parte da inter- vam em conflito uns com os outros. Alguns conflitos eram simples :
pretação e da compreensão, venham de dentro da cabeça da pessoa, se lhe fosse dada a escolha entre causar dano a si mesmo ou a um ser
não do sistema artificial. Sherry Turkle, professora do MIT e psica- humano, o robô protegeria o ser humano. Mas outros conflitos eram
nalista, resumiu essas interações ao ressaltar: "Elas revelam mais a muito mais sutis, mais difíceis. Por fim, Asimov postulou três leis de
respeito de nós como seres humanos do que sobre os robôs." Mais robótica (leis um, dois e três) e escreveu uma seqüência de histórias
uma vez, o antropomorfismo: vemos emoções e intenções em todo para ilustrar os dilemas com que os robôs se confrontariam, e como
tipo de objetos. "Esses objetos nos seduzem, quer tenham ou não as leis lhes permitiriam lidar com essas situações. Essas três leis tra-
consciência ou inteligência", disse Turkle. "Elas nos seduzem para tam da interação de robôs e pessoas, mas à medida que o enredo da
que as reconheçamos como se tivessem. Somos programados para história progredia, se desdobrando em situações mais complexas,
reagir de maneira carinhosa a esses novos tipos de criaturas. O segre- Asimov sentiu-se compelido a acrescentar uma lei ainda mais funda-
do é que esses objetos querem que se cuide deles e vicejam quando mental lidando com o relacionamento entre robôs e a própria huma-
recebem atenção." nidade. Essa lei era tão importante que precisava vir primeiro; mas

224 DESIGN EMOCIONAL O FUTURO DOS ROBÔS 225


Primeira Lei: Um robô não pode fazer mal a um ser humano
como ele já tinha uma lei denominada Primeira, sua quarta lei preci-
nem, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum
sava ser denominada de Zero. mal, a menos que isso viole a Lei Zero da Robótica.
A visão de Asimov das pessoas e do funcionamento da indústria
Segunda Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam
era estranhamente brutal. Apenas seus robôs se comportavam bem. dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens
Quando reli seus livros para me preparar para este capítulo, fiquei contrariem a Lei Zero ou a Primeira Lei.
surpreendido com a discrepância entre minhas recordações agradá- Terceira Lei: Um robô deve proteger a própria existência, desde
veis das histórias e minha reação a elas agora. As pessoas nas histórias que tal proteção não entre em conflito com a Lei Zero ou a
são rudes, sexistas e ingênuas. Só conseguem conversar quando se Primeira ou Segunda Leis.
insultam, brigando ou zombando umas das outras. Sua empresa fic-
tícia, a U.S. Robots and Mechanical Men Corporation, também não Muitas máquinas já têm aspectos chave das leis pré-programados
oferece uma imagem positiva. É dada a segredos, manipuladora e nelas. Vamos examinar como essas leis são implementadas.
não tem tolerância para erros: cometa um erro e a empresa o despe- A Lei Zero - de que "Um robô não pode causar mal à humani-
de. Asimov passou a vida inteira numa universidade. Talvez por isso dade nem, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal,
tenha concebido uma visão tão estranha do mundo real. nem permitir que ela própria o façà' , está além das capacidades atuais,
Apesar disso, sua análise da reação da sociedade aos robôs - e dos devido a muitas das razões pelas quais Asimov não precisou desta lei
robôs aos humanos - era interessante. Ele acreditava que a sociedade em suas primeiras histórias: determinar quando exatamente uma ação
se voltaria contra os robôs; e, de fato, escreveu que "a maior parte dos - ou omissão - causará dano à humanidade é realmente algo sofisti-
governos do mundo baniu o uso de robôs na Terra para qualquer cado, provavelmente além das capacidades da maioria das pessoas.
propósito, exceto para pesquisa científica, entre 2003 e 2007". A primeira lei - de que "Um robô não pode fazer mal a um ser
(Contudo, o uso de robôs era permitido para exploração espacial e humano nem, por omissão, permitir que um ser h umano sofra
mineração, e nas histórias de Asimov, essas atividades eram ampla- algum mal, a menos que isso viole a Lei Zero da Robóticà', poderia
mente desenvolvidas no princípio dos anos 2000, o que permitiu ser rotulada como "regra de segurança". Não é legal, muito menos
que a indústria de robôs sobrevivesse e crescesse.) As Leis da correto, produzir coisas que possam ferir pessoas. Em resultado
Robótica têm como objetivo tranqüilizar a humanidade quanto ao disso, todas as máquinas são projetadas com múltiplos mecanismos
fato de que robôs não constituirão uma ameaça e serão, além disso, de segurança para minimizar a probabilidade de que possam causar
sempre subservientes aos homens. dano. As leis de responsabilidade garantem que robôs - e máquinas
Atualmente, mesmo nossos mais poderosos e funcionais robôs em geral- sejam equipados com numerosos mecanismos de seguran-
estão longe de chegar ao estágio dos de Asimov. Eles não operam por ça para impedir que suas ações causem dano às pessoas. Os robôs
longos períodos de tempo sem controle e assistência humana. Mesmo industriais e domésticos têm sensores de proximidade e de colisão.
assim, as leis são uma excelente ferramenta para examinar exatamen- Mesmo máquinas mais simples como elevadores e portas de garagem
te como..robôs e seres humanos deveriam interagir. têm sensores que as impedem de se fechar prendendo pessoas. Os
robôs atuais tentam evitar esbarrar em pessoas ou objetos. Corta-
As Quatro Leis da Robótica de Asimov dores de grama e aspiradores de pó têm mecanismos sensores que os
Lei Zero: Um robô não pode causar mal à humanidade nem, fazem parar ou recuar sempre que esbarram em alguma coisa ou se
por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal, ou aproximam demais de uma borda, tal como uma escada. Os robôs
industriais são cercados por grades, de modo que as pessoas não pos-
permitir que ela própria o faça.
O FUTURO DOS ROBÔS 227
226 DESIGN EMOCIONAL
sam se aproximar deles quando estão em funcionamento. Alguns tema também pode ser programado para notificar as pessoas e para
têm detectores de pessoas, para fazê-los parar quando detectam desligar o computador com delicadeza. Outros sistemas de seguran-
alguém próximo deles. Os robôs domésticos têm muitos mecanis- ça são projetados para entrar em ação quando os processos normais
mos para minimizar a possibilidade de causar danos mas, no mo- falharem. Alguns automóveis têm sensores internos que supervisio-
mento, a maioria deles tem tão pouca potência, que não poderia ferir nam o caminho do carro, ajustando a potência do motor e freios
ninguém nem se tentasse. Além disso, os advogados são muito cui- para assegurar que o carro continue funcionando de maneira devida.
dadosos ao buscar proteção contra danos em potencial. Uma empre- Os mecanismos de controle de velocidade automática tentam man-
sa vende um robô doméstico que pode ser usado para o ensino de ter uma distância segura do carro à frente, e os detectores de mudan-
crianças lendo livros para elas e que também pode ser usado como ça de pista são submetidos a exame. Todos esses instrumentos salva-
uma sentinela do lar, andando pela casa, tirando fotografias de situa- guardam carros e passageiros quando a ausência de ação conduziria a
ções inesperadas e notificando seus donos, por meio do envio de um acidente.
mensagem de email se necessário (através de sua conexão sem fio Hoje em dia, esses instrumentos são simples, e os mecanismos em-
de Internet, anexando as fotografias à mensagem, é claro). A despei- butidos. Ainda assim, podemos ver os princípios de soluções para a cláu-
to dessas utilizações, os robôs vêm acompanhados de instruções rigo- sula da omissão da primeira lei, mesmo nesses instrumentos simples.
rosas advertindo que não devem ser usados perto de crianças, nem A segunda lei - de que "um robô deve obedecer às ordens que
devem ser deixados sozinhos em casa. lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais
Muito esforço foi investido visando à implementação dos ter- ordens contrariem a Lei Zero ou a Primeira Lei", diz respeito a obe-
mos dispostos na primeira lei. A maior parte desse trabalho pode ser decer a pessoas, em contraste com a primeira, que trata de protegê-
considerada como do nível visceral, no qual mecanismos bastante las. Em vários sentidos a implementação dessa lei é trivial, mas por
simples são usados para desligar o sistema sempre que as regras de motivos elementares. As máquinas atuais não dispõem de uma
segurança são violadas. mente independente, de modo que precisam cumprir ordens: elas
A segunda parte da lei - não permitir dano por omissão - é bas- não têm escolha, exceto seguir os comandos que lhes são dados. Se
tante difícil de ser posta em execução. Se determinar de que modo as falharem, estarão diante da maior das punições: são desligadas e
ações de uma máquina poderiam afetar pessoas é difícil, tentar deter- mandadas para a oficina.
minar como a omissão poderia ter um impacto é ainda mais difícil. Pode uma máquina desobedecer à segunda lei para proteger a pri-
Essa implementação seria de nível reflexivo, pois o robô teria de fazer meira? Sim, mas não com muita sutileza. Dê um comando a um ele-
uma análise e planejamento considerável para .determinar quando a vador para que o leve ao seu andar, e ele se recusará a fazê-lo se seus
omissão resultaria em dano ou prejuízo. Isto está além da maioria das sensores indicarem que uma pessoa ou objeto está bloqueando a porta.
capacidades hoje existentes. Essa, contudo, é a maneira mais trivial de cumprir a lei, e falha quan-
A despeito das dificuldades, existem algumas soluções simples do a situação tem qualquer tipo de sofisticação. Na verdade, nos casos
para o problema. Muitos computadores são ligados a "equipamentos em que os sistemas de segurança impedem máquinas de cumprir
de fornecimento ininterruptos de energià' para impedir a perda de ordens, geralmente uma pessoa pode desativar o sistema e permitir
informações em casos de falta de energia elétrica. Se faltasse energia que, seja qual for o caso, a operação se realize. Essa foi a causa de mui-
e nenhuma ação fosse tomada, haveria dano, mas nesses casos, quan- tos acidentes de trens, aviões e em fábricas. Talvez Asimov estivesse
do falta eletricidade, o equipamento de suprimento entra em ação, correto: deveríamos deixar algumas decisões por conta de máquinas.
passando a operar por meio de baterias, convertendo a voltagem da Alguns sistemas de segurança acionados automaticamente são
bateria para a forma de energia de que o computador precisa. O sis- exemplos da cláusula da lei "por omissão". Deste modo, se o moto-

228 DESIGN EMOCIONAL O FUTURO DOS ROBÔS 229


rista de um automóvel pisar rapidamente nos freios, mas apertar o série. É claro que, dada a capacidade limitada das máquinas atuais,
pedal apenas pela metade, a maioria dos carros reduz a velocidade para as quais as leis um e dois raramente são aplicáveis, essa lei é da
apenas pela metade. O Mercedes Benz, contudo, considera isso maior importância hoje em dia, pois ficaríamos extremamente abor-
"dano por omissão", de maneira que, quando detecta uma ação de recidos se nosso robô caro se danificasse ou se destruísse. Como
freada rápida, aciona os freios plenamente, presumindo que o dono resultado disso, é fácil encontrar essa lei em vigor em muitas das
quer realmente parar tão logo seja possível. Isso é uma combinação máquinas existentes. Vocês se lembram daqueles sensores embutidos
da primeira e da segunda leis: da primeira lei, porque previne dano em robôs aspiradores de pó para impedi-los de cair de escadas? E
ao motorista, e da segunda lei porque está violando as "instruções" de também de que eles - e os robôs cortadores de grama - dispõem de
aplicar os freios apenas pela metade. É claro que isso pode não ser, na detectores contra choques e obstáculos para evitar danos causados
verdade, uma violação das instruções: o robô presume que a força por colisões? Além disso, muitos robôs monitoram o estado de sua
total nos freios era o que se pretendia, ainda que não tivesse sido orde- carga de energia e, ou entram em estado de "baixo consumo ou
nada. Talvez o robô esteja invocando uma nova regra: "Execute minha hibernação", ou se voltam para um ponto de recarga quando seus
intenção e não minha instrução", um velho conceito de alguns dos níveis de energia caem. A solução de conflitos com as outras leis não
primeiros sistemas de computador de inteligência artificial. é bem resolvida, exceto pela presença de operadores humanos que
Embora a aplicação automática dos freios de um automóvel seja podem desativar os parâmetros de segurança quando as circunstân-
uma implementação parcial da segunda lei, a implementação corre- cias justificam.
ta seria a de que o carro examinasse a pista de rolamento diante dele As Leis de Asimov não podem ser plenamente implementadas
e decidisse por si mesmo exatamente o quanto de velocidade, freio enquanto as máquinas não tiverem uma capacidade poderosa e efeti-
ou direção deveriam ser utilizados. Quando isso acontecer, teremos va de reflexão, inclusive o metaconhecimento (conhecimento de seu
realmente a implementação plena da primeira e da segunda leis. próprio conhecimento) e autopercepção de seu estado, atividades e
Mais uma vez, isso está começando a acontecer. Alguns carros auto- intenções. Esses aspectos dão origem a profundas questões de filoso-
maticamente reduzem a velocidade se estão perto demais do carro da fia e ciência e a problemas complexos de implementação para enge-
frente, mesmo que o motorista não tenha tomado nenhuma atitude nheiros e programadores. O progresso nessa área está acontecendo,
para tornar mais lento o veículo. mas lentamente.
Ainda não temos a ocorrência de ordens conflitantes, mas breve- Mesmo com os aparelhos bastante primitivos de que dispomos
mente teremos robôs interagindo, em que as solicitações de um robô hoje, seria útil ter algumas das capacidades. Assim, em caso de con-
poderiam entrar em conflito com as de seus supervisores humanos. flito, esses aparelhos seriam sensíveis à sobreposição de comandos.
Nesses casos, determinar a precedência e a prioridade será importante. Os controles automáticos dos aviões fariam previsões para determi-
Mais uma vez, esses são casos fáceis . Asimov tinha em mente nar as conseqüências da rota que estivessem seguindo de modo que a
situações em que um carro iria se recusar a dirigir: "Lamento, mas as alterariam se ela os conduzisse rumo ao perigo. Já houve casos de
condições da rua estão demasiado perigosas esta noite." Ainda não alguns aviões em pleno vôo que, de fato, se chocaram contra monta-
chegamos a esse ponto, mas chegaremos. A segunda lei de Asimov nhas enquanto estavam no piloto automático, de modo que a capa-
será útil. cidade de fazer isso teria salvado vidas. Na verdade, muitos sistemas
A menos importante de todas as leis, acreditava Asimov, era a de automáticos já estão começando a fazer esse tipo de verificação.
autopreservação - "um robô deve proteger a própria existência desde Mesmo os robôs animais de estimação de hoje têm alguma auto-
que tal proteção não entre em conflito com as Leis Zero, Primeira e percepção. Considerem um robô cuja operação é regulada não só por
Segunda" - de modo que lhe foi atribuído o número três, último da seu "desejo" de brincar com seu dono humano, mas também para ter

230 DESIGN EMOCIONAL O FUTURO DOS ROBÔS 231


certeza de que isso não acabe com a carga de sua bateria. Desse estrutura central de decisão para cada robô que decidiria como agir,
modo, quando está com a bateria baixa, ele volta para seu ponto de guiado por suas leis. Na verdade, provavelmente não é assim que vai
carregamento de bateria, mesmo se o ser humano quiser continuar funcionar: as leis farão parte da arquitetura do robô, distribuídas por
brincando com ele. todos os muitos módulos de seus mecanismos; o comportamento
Os maiores obstáculos para nossa capacidade de implementar legal emergirá das interações dos múltiplos módulos. Este é um con-
algo semelhante às Leis de Asimov encontram-se nas presunções sub- ceito moderno, não conhecido na época em que Asimov estava escre-
jacentes de operação autônoma e mecanismos de controle central vendo, de modo que não é de espantar que ele tenha deixado passar
que podem não se aplicar aos sistemas atualmente existentes. seu desenvolvimento na nossa compreensão dos sistemas complexos.
Os robôs de Asimov funcionavam como indivíduos. Era só dar Mesmo assim, Asimov estava muito à frente de seu tempo, pen-
a um robô uma tarefa a realizar, e lá iria ele. Nos poucos casos em que sando num futuro muito distante. Suas histórias foram escritas nas
ele tinha robôs trabalhando em grupo, um robô sempre estava no décadas de 1940 e 1950, mas em seu romance Eu, robô, ele cita as
comando. Além disso, Asimov nunca tinha pessoas e robôs traba- três leis da robótica da edição de 2058 do Manual de robótica; por-
lhando em equipe. É mais provável que desejemos robôs cooperati- tanto, estava olhando à frente mais de 100 anos. Em 2058, é possí-
vos, sistemas nos quais pessoas e robôs ou equipes de robôs trabalhem vel que de fato precisemos dessas leis. Além disso, as análises indicam
juntos, de maneira muito semelhante a como um grupo de trabalha- que as leis são de fato relevantes, e muitos sistemas hoje em dia as
dores humanos pode trabalhar junto na realização de uma tarefa. O seguem, ainda que inadvertidamente. Os aspectos difíceis têm a ver
comportamento cooperativo exige um conjunto de presunções dife- com os danos devidos à omissão, bem como com a avaliação adequa-
rentes das que Asimov tinha. Desse modo, os robôs cooperativos pre- da da importância relativa de cumprir ordens se comparada com
cisam de regras que forneçam plena comunicação de intenções, esta- dano ou prejuízo causado a si próprio, aos outros ou à humanidade.
do atual e progresso. À medida que as máquinas se tornarem mais capazes, à propor-
A principal falha de Asimov, contudo, foi sua presunção de que ção que assumirem cada vez mais atividades humanas, trabalhando
alguém tinha de estar no controle. Na época em que escreveu seus autonomamente, sem supervisão direta, elas se verão envolvidas com
livros, era comum supor que a inteligência exigia uma coordenação o sistema legal, que tentará determinar a culpa quando ocorrerem
centralizada e um mecanismo de controle com uma estrutura orga- acidentes. Antes que isso aconteça, seria útil ter algum tipo de proce-
nizacional hierárquica abaixo dele. Essa é a maneira como os exérci- dimento ético em vigor. Já existem alguns regulamentos de seguran-
tos foram organizados ao longo de milhares de anos: exércitos, gover- ça que se aplicam aos robôs , mas são muito primitivos. Precisaremos
nos, corporações e outras organizações. Era natural presumir que o de mais.
mesmo princípio se aplicasse a todos os sistemas de inteligência arti- Não é cedo demais para pensarmos nas futuras dificuldades às
ficial. Mas essa não é a maneira como funciona a natureza. Muitos quais máquinas inteligentes e emocionais darão origem. Existem
sistemas naturais, das ações de formigas e abelhas, ao agrupamento numerosas questões práticas, morais, legais e éticas a respeito das
de pássaros em bandos, e mesmo o crescimento de cidades e a estru- quais precisamos pensar. A maioria ainda está num futuro distante,
tura do mercado de ações ocorrem como resultado natural da intera- mas esse é um bom motivo para começar agora, de modo que, quan-
ção de múltiplos corpos, e não através de alguma estrutura central do os problemas surgirem, estejamos prontos.
coordenada de controle. A teoria moderna de controle descartou essa
presunção de um posto de comando central. A distribuição de con-
troles é a marca distintiva dos sistemas atuais. Asimov presumia uma

232 DESIGN EMOCIONAL O FUTURO DOS ROBÔS 233


O futuro das máquinas emocionais e dos robôs: morais? Em grande medida, na mesma lista de atividades. Permitam-
implicaçôes e questões éticas me explorar os aspectos benéficos com mais detalhe.
Consideremos alguns dos benefícios. Os robôs poderiam ser - e
O desenvolvimento de máquinas inteligentes que assumirão algumas em alguma medida já são - usados para desempenhar tarefas perigo-
das tarefas atualmente desempenhadas por pessoas têm implicações sas, em que vidas de pessoas estão em risco. Isso inclui operações de
éticas e morais. Esse ponto se torna especialmente importante quan- busca e salvamento, exploração e mineração. Quais são os proble-
do falamos sobre robôs humanóides que têm emoções e com os quais mas? Os principais problemas provavelmente advirão do uso de
as pessoas poderiam vir a criar fortes laços emocionais. robôs para ressaltar atividades ilegais ou antiéticas: roubo, assassina-
Qual é o papel dos robôs emocionais? Como eles interagirão to e terrorismo.
conosco? Será que realmente queremos máquinas que sejam autôno- Será que carros robôs substituirão a necessidade de motoristas
mas, autocomandadas, com uma grande variedade de comporta- humanos? Espero que sim. A cada ano, dezenas de milhares de pes-
mento, uma inteligência poderosa, afeto e emoção? Creio que quere- soas são mortas e centenas de milhares seriamente feridas em aciden-
mos, pois elas podem oferecer muitos benefícios. Evidentemente, tes automobilísticos. Não seria bom se os veículos automatizados
como em todas as tecnologias, também existem perigos. Precisamos fossem tão seguros quanto a aviação comercial? É nesse ponto que os
nos assegurar de que as pessoas sempre venham a manter a supervi- veículos automatizados seriam uma proteção maravilhosa. Além
são e o controle, que elas sirvam às necessidades humanas apropria- disso, os veículos automatizados poderiam dirigir mais próximos uns
damente. dos outros, auxiliando a reduzir os congestionamentos de tráfego e
Será que professores robôs substituirão os professores humanos? poderiam dirigir de maneira mais eficiente, ajudando a solucionar
Não, mas poderão complementá-los. Além disso, eles poderiam ser algumas das questões de energia associadas à direção de veículos.
úteis nas situações em que não houver alternativa - para permitir o Dirigir um automóvel é enganadoramente simples: a maior
estudo e aprendizado durante viagens, enquanto se estiver em lugares parte do tempo requer pouca habilidade. Como resultado disso, mui-
distantes, ou quando se quiser estudar um tema para o qual não haja tos se deixam levar por uma falsa sensação de segurança e autocon-
acesso fácil a professores. Os professores ·robôs ajudarão a fazer do fiança. Mas quando o perigo surge, ele é muito rápido, e então os
aprendizado uma praticidade ao longo de toda a vida. Eles podem motoristas distraídos, os semi-habilitados, pouco experientes ou mal
tornar possível o aprendizado não importa onde se esteja no mundo, treinados, e aqueles temporariamente prejudicados por drogas,
a qualquer hora do dia. O aprendizado deveria ter lugar quando fosse álcool, doença, fadiga, ou falta de sono são quase sempre incapazes
necessário, quando o estudante estivesse interessado e não de acordo de reagir adequadamente a tempo. Mesmo os motoristas profissio-
com um esquema escolar de horário e calendário arbitrário, fixo. nais bem treinados sofrem acidentes: os veículos automatizados não
Muitas pessoas sentem-se incomodadas por essas possibilidades, reduzirão todos os acidentes e ferimentos, mas têm uma boa chance
de tal modo que as rejeitam de imediato e totalmente, como sendo de reduzir acentuadamente os números atuais. Sim, algumas pessoas
antiéticas e imorais. Embora eu não o faça, tenho alguma empatia realmente têm enorme prazer no esporte do automobilismo, mas
por suas preocupações. Contudo, vejo a criação de máquinas inteli- poderiam ficar restritas a estradas especiais, áreas recreativas e pistas
gentes como algo ao mesmo tempo inevitável e benéfico. Onde de corridas. A automação da atividade de dirigir no dia-a-dia resulta-
haverá benefícios? Em áreas cais como o desempenho de tarefas peri- ria na perda de empregos para motoristas de veículos comerciais,
gosas, dirigir automóveis, pilotar aeronaves comerciais, na educação, porém com salvamento de vidas, em termos globais.
na medicina e naquelas em que as máquinas passem a assumir traba- Os robôs professores têm grande potencial para mudar a manei-
lho de rotina. Em que situações poderia haver problemas éticos e ra como ensinamos. O modelo atual é o de uma pessoa pedante

234 DESIGN EMOCIONAL O FUTURO DOS ROBÔS 235


fazendo uma preleção na sala de aula, obrigando os alunos a ouvir Robôs, máquinas ou computadores podem ser de grande ajuda
informações pelas quais não têm nenhum interesse, que lhes pare- na instrução ao fornecerem a estrutura para aprendizado motivado
cem irrelevantes para a vida quotidiana. Preleções e livros didáticos baseado em problemas. Os sistemas de aprendizado de computador
são as maneiras mais fáceis de ensinar do ponto de vista do professor, podem oferecer mundos simulados nos quais os estudantes possam
mas as menos eficazes para o estudante. O aprendizado mais positi- explorar problemas de ciência, literatura, história, ou das artes. Os
vo tem lugar quando estudantes bem motivados se entusiasmam por robôs professores podem tornar fácil pesquisar as bibliotecas e as
um tópico e se esforçam para compreender seus conceitos, aprenden- bases de conhecimentos do mundo. Os professores humanos não
do a aplicá-los a questões pelas quais se interessam. Sim, há um esfor- terão mais de lecionar dando aulas, mas poderão passar seu tempo
ço: o aprendizado é um processo ativo e dinâmico, e o esforço faz como instrutores e mentores, ajudando a ensinar não só a matéria,
parte dele. Mas quando estudantes se interessam por algo, o esforço mas também como melhor aprendê-la, de modo que os estudantes
é prazeroso. Foi assim que o ensino de excelência sempre ocorreu - mantenham a curiosidade ao longo de toda a vida, bem como a capa-
não através de preleções, mas por meio de aprendizado, treinamento cidade de lecionar, eles próprios, quando necessário. Os professores
e orientação. É assim que os atletas aprendem. Esta é a essência da humanos ainda são essenciais, mas podem desempenhar um papel
atração dos videogames, exceto que, nos jogos, o que os estudantes diferente, muito mais construtivo e fornecedor de apoio do que o
aprendem é de pouco valor prático. Esses métodos são bem conheci- atual.
dos nas ciências de aprendizado, nas quais são chamados de aprendi- Além disso, embora eu acredite muitíssimo que poderíamos
zado baseado na solução de problemas, em indagação e pesquisa, ou criar professores robôs eficientes, talvez tão eficazes quanto o The
construtivista. Young Lady 's Illustrated Primer de Stephenson (ver página 199), não
É nesse ponto que a emoção desempenha seu papel. Os alunos teríamos de abandonar os professores humanos: orientadores auto-
aprendem melhor quando estão motivados, quando se interessam. matizados - quer sejam livros, máquinas ou robôs - deveriam atuar
Eles precisam estar emocionalmente envolvidos, ser atraídos pelo como suplementos para a instrução humana. Mesmo Stephenson
entusiasmo da matéria. É por isso que exemplos, diagramas e ilustra- escreve em seu livro que sua melhor aluna nada sabia a respeito do
ções, vídeos e ilustrações com animação são tão eficazes. O aprendi- mundo de verdade e de pessoas de verdade, porque havia passado
zado não precisa ser um exercício maçante e insípido, nem mesmo o tempo demais isolada no mundo de fantasia do Primer.
estudo de matérias que, normalmente, são consideradas maçantes e Robôs na medicina? Sim, eles poderiam ser usados em todos os
insípidas: qualquer matéria pode se tornar fascinante, todas as maté- seus aspectos. Na medicina, contudo, como em muitas outras ativi-
rias excitam as emoções de alguém, de modo que, por que não entu- dades, prevejo isso como uma parceria, em que uma equipe médica
siasmar todo mundo? Está na hora de as aulas se tornarem vivas, de humana bem treinada trabalharia com assistentes robóticos para
a história ser vista como um esforço humano, de os estudantes com- aumentar a qualidade e a confiabilidade do tratamento.
preenderem e apreciarem a estrutura da arte, música, ciência e mate- H oje em dia, a cirurgia a laser nos olhos está próxima de ser feita
mática. Como essas matérias podem se tornar mais interessantes? Ao com controle completo por parte da máquina, e qualquer atividade
torná-las relevantes para a vida de cada estudante. Isso é mais efetivo em que seja exigida grande precisão é uma candidata à operação por
quando se faz com que os alunos apliquem suas hab ilidades e as máquinas. O diagnóstico médico é mais arriscado, e desconfio de
ponham em prática de imediato. O desenvolvimento de experiências que médicos habilitados e experientes sempre venham a estar envol-
de aprendizado que despertem entusiasmo, sejam emocionalmente vidos, mas serão auxiliados por máquinas dinâmicas e inteligentes,
envolventes e intelectualmente eficazes, é verdadeiramente um desa- que possam acessar um grande banco de dados de casos anteriores,
fio para o design merecedor do maior talento do mundo. registros de históricos médicos, conhecimento médico e informações

236 DES IGN EMOCIONAL O FUTURO DOS ROBÔS 237


farmacêuticas. Essa assistência já é necessária, uma vez que a quanti- maneira tão realista quanto os atores humanos, mas estão muito
dade de informações e o acréscimo rápido de novos dados se tornam mais sob o controle do diretor? Será que robôs atletas competirão se-
massacrantes para os médicos em atividade. Além disso, à medida não com seres humanos, então talvez em suas próprias confederações
que obtivermos melhores ferramentas para diagnóstico - análises de - mas, desse modo, levarão à extinção das federações de atletismo
fluidos corporais e registros fisiológicos mais eficientes, testes de humanas? Situações desse tipo podem muito bem acontecer com
DNA e diversos exames de escaneamento computad orizado do torneios e confederações de xadrez, agora que computadores jogado-
corpo - em que algumas das informações serão coletadas rotineira- res de xadrez podem vencer mesmo os melhores jogadores humanos.
mente e enviadas da casa de um paciente ou mesmo do local de tra- Mas que dizer de empregos tais como contador, guarda-livros, dese-
balho para o consultório médico, somente uma máquina poderia se nhista de projetos, almoxarife, ou simples empregos administrativos?
manter atualizada face à quantidade de informações. As pessoas são Serão eles substituídos? Sim, tudo isso é possível; em parte já come-
excelentes para fazer sínteses, para tomar decisões dinâmicas criativas çou. Robôs músicos? A lista de atividades potenciais é grande, bem
e ver a situação por inteiro, enquanto máquinas são soberbas para como os perigos de turbulência social.
efetuar buscas rápidas em meio a grandes números de casos e arqui- Quando os robôs são usados para atividades como exploração
vos de informações, sem serem sujeitas aos preconceitos que acom- espacial, de minas de carvão perigosas, ou missões arriscadas de
panham a memória humana. A equipe de um médico treinado e seu busca e salvamento, ou mesmo quando fazem coisas simples em casa,
assistente robótico seria muito superior a qualquer dos dois traba- tais como passar o aspirador e outras tarefas, a tendência é de que não
lhando sozinho. haja muita resistência. Mas quando começarem a se apoderar de gran-
Um temor comum, é claro, é o de que os robôs assumam mui- des números de empregos ou a tomar o lugar de grandes quantidades
tos dos trabalhos rotineiros feitos por pessoas, gerando enorme de pessoas em atividades rotineiras, isso se tornará de fato uma preo-
desemprego e muitas turbulências. Sim, mais e mais máquinas e cupação legítima e que levanta sérias questões para a sociedade.
robôs assumirão os postos de trabalho, não só de t rabalhadores Creio que deveríamos dar boa acolhida às máquinas que elimi-
menos qualificados, mas de maneira crescente de grande parte do narem o tédio de muitos trabalhos - o monótono trabalho burocrá-
trabalho de rotina de todos os tipos, inclusive alguns cargos adminis- tico sendo provavelmente mais humilhante do que muitos dos em-
trativos. Ao longo da história, cada nova onda de tecnologia demitiu pregos rotineiros e mal pagos. Essa boa acolhida, é claro, presume
trabalhadores, mas o resultado total foi maior tempo de expectati- que as máquinas deixarão as pessoas livres para se ocupar de ativi-
va de vida e de qualidade de vida para todos, incluindo, no final, um dades mais criativas, em que poderão aplicar suas habilidades de
aumento no número de postos de trabalho, embora de natureza dife- maneira mais prazerosa e efetiva.
rente da anterior. Em períodos de transição, contudo, as pessoas fi- Visitei muitas regiões do mundo onde a pobreza, a fome e a des-
cam desempregadas, pois os novos empregos exigem capacitação e nutrição contínuas, e os altos índices de mortalidade fizeram-me
habilidades muito superiores às das pessoas que foram demitidas. duvidar dos benefícios dos sistemas hoje existentes. Vi fábricas de
Esse é um importante problema social a ser enfrentado. seda na Índia em que meninas são trancafiadas em prédios, obrigadas
No passado, a maioria dos empregos substituídos pela automa- a tecer desde a manhã bem cedo até o anoitecer, trancadas à chave de
ção eram empregos de baixo nível, trabalhos que não exigiam muita modo que não possam sair - ou sequer fugir do prédio em caso de
capacitação nem estudo para ser desempenhados. No futuro, contu- incêndio - sem que houvesse alguém do lado de fora para destrancar
do, os robôs estarão aptos a substituir trabalhadores em empregos as portas. Meu estudo de história me ensinou que esse tipo de desi-
altamente especializados. Será que atores em filmes serão substituí- gualdade, brutalidade e tratamento insensível não é incomum, e é
dos por personagens gerados por computador que falam e atuam de muito anterior ao desenvolvimento da tecnologia moderna.

238 D ESI G N EMOCIONAL O FUTURO DOS ROBÔS 239


Sim, vejo o lado prejudicial da disseminação do emprego de acuidade normal. As lentes artificiais em meus olhos - implant:.id:.is
máquinas inteligentes e robôs, mas também vejo o lado prejudicial dep ois da remoção de um a catarata - dotaram-me de uma visão
de sua não disseminação. Podem me chamar de otimista, se quise- muito m elh or do que a que eu jamais tive; o único problema é que
rem, mas acredito que, no final, a engenhosidade humana que mos- meus olhos não podem mudar seu foco. Mas, algum dia, as lentes
tramos ao criar essas máquinas poderosas também nos servirá de artificiais serão capazes de fazer foco, provavelmente ainda melhor
maneira a criar atividades mais enriquecedoras e esclarecedoras para que as naturais, talvez fornecendo visão telescópica além da visão
todos nós. O otimismo não me deixa cego para as desigualdades e normal. Q uando isso acontecer, mesmo as pessoas que não têm cata-
problemas da vida atual: o otimismo reflete minha crença de que ratas talvez queiram ter seu cristalino normal substituído por essas
poderemos superá-los no futuro. Sim, ainda temos pobreza, fome, lentes mais eficientes . Um ap rim oramento artificial ainda m ais
desigualdade política e guerras, que resultam mais dos males das pes- espantoso é possível. Possibilidades desse tipo levantam complexas
soas do que de nossa tecnologia. Não vejo por que a introdução de questões éticas, mas que realmente vão além dos limites deste livro.
máquinas e robôs inteligentes e emocionais irá mudar esta situação, Mas este livro de fato enfoca as emoções e seu papel no desenvol-
seja para pior ou para melhor. Para mudar o mal, devemos confrontá- vimento de dispositivos artificiais e na maneira como seres humanos
lo diretamente. É um problema social, político e humano, não tec- se apegam emocionalmente a seus pertences, seus animais de estima-
nológico. Isto, é claro, não minimiza o problema nem nos absolve de ção e uns aos outros. Inicialmente, os robôs serão pertences, mas um
trabalhar em busca de uma solução. Mas a solução deve ser social e tipo de pertence com um claro apego pessoal, pois se um robô está
política, não tecnológica. com você durante um longo período de sua vida, capaz de interagir,
A história se torna ainda mais complexa se eu expandir a visão de recordar-lhe suas experiências, de lhe dar conselhos, ou mesmo
para além do horizonte de curto prazo. Em algum ponto, os robôs e apenas diversão, existirão fortes laços emocionais. Mesmo os robôs
outras máquinas deverão se tornar realmente autônomos. Ainda falta de estimação dos dias de hoje, por mais primitivos que possam ser, já
muito para que isso aconteça, talvez séculos, mas vai acontecer. Então, inspiraram fortes emoções a seus donos. Nas décadas por vir, os
haverá realmente grandes rupturas na vida quando a maior parte ou robôs de estimação poderão assumir todos os atributos dos animais
todo o trabalho humano puder ser feito por robôs: agricultura, de estimação e, na mente de muitas pessoas, serem superiores. Hoje
mineração, manufatura, distribuição, e vendas. Educação e medici- as pessoas maltratam e abandon am seus animais de estimação.
na. Mesmo muitos aspectos da ar te, música, literatura e entreteni- Muitas comunidades têm bandos de gatos de rua ou cachorros aban-
mento. É possível que os robôs fabriquem a si mesmos. Nesse donados se alimentando de lixo. Será que a mesma coisa poderia vir
momento, o relacionamento entre os animais naturais e os robôs se a acontecer com os animais de estimação robóticos? Quem é legal-
tornará extremamente complexo. A complexidade será ampliada mente responsável por seu cuidado e manutenção? E se um robô ani-
porque muitos h umanos serão, na verdade, ciborgs - parte humanos, mal de estimação machucar uma pessoa? Quem é legalmente respon-
parte máquinas. Implantes artificiais já existem, principalmente pró- sável? O robô? Os donos? O projetista ou o fabricante? Com animais
teses médicas, mas algumas pessoas estão falando em tê-los implan- de verdade, o dono é o responsável.
tados sob encomenda, para melhor reforçar suas capacidades natu- E, finalmente, o que acontecerá quando os robôs agirem como
rais. Força, capacidade atlética e sensorial, memória e tomada de seres indepe ndentes conscientes, com suas próprias esperanças,
decisões poderiam ser auxiliadas por dispositivos eletrônicos, mecâ- sonh os e aspirações? Será necessário algo semelhante às Leis d a
nicos, biológicos, ou de nanotecnologia implantados. Esteróides são Robótica de Asimov? Será que elas serão suficientes? Se os robôs ani-
usados por atletas para aumentar sua força, e tratamentos a laser da mais de estimação puderem causar dano, o que p oderia um robô
córnea já foram feitos por alguns atletas e pilotos para ampliar sua autônomo fazer; e se um robô causar dano, ferimento ou morte, de

O FUT URO DOS ROBÔS 24 1


240 DESIGN EMOCIONAL
quem será a culpa e qual será a solução? Asimov concluiu em seu
romance Eu, robô, que os robôs de fato assumirão o controle e que a
Epílogo
humanidade perderá seu poder de escolha no futuro. Ficção científi-
ca? Sim, mas todas as possibilidades futuras são ficção antes de se tor-
narem fato. Somos Todos Designers
Estamos numa nova era. As máquinas já são inteligentes e estão
ficando mais inteligentes. Estão desenvolvendo habilidades motoras,
e brevemente serão dotadas de sentimento e emoção. O impacto
positivo será enorme. As conseqüências negativas também serão sig-
nificativas. É assim que são as coisas com toda a tecnologia: é uma
faca de dois gumes, sempre combinando benefícios em potencial
TENTE! FAZER UMA EXPERJÊNCIA. ENVIEI UM PEDIDO PARA ALGUNS
com prejuízos em potencial. grupos de discussão na Internet pedindo exemplos de produtos e de
sites quedes adorassem, detestassem ou com que tivessem um rela-
cionamento de amor e ódio. Recebi em torno de 150 respostas por
email, muitas inflamadas, todas listando vários itens. As respostas
eram muitíssimo preconceituosas com relação à tecnologia, o que
não foi surpreendente, porque essa era a área em que trabalhava a
maioria das pessoas que responderam, mas a tecnologia não recebeu
notas altas.
Um dos problemas com uma pesquisa desse tipo é o efeito de
"óbvio demais para se perceber", como demonstra o antigo ditado
popular que diz que um peixe é o último a perceber a água. Desse
modo, se você pedir a pessoas que descrevam o que elas vêem no apo-
sento em que estão sentadas, elas costumam deixar de fora as coisas
óbvias: o chão, as paredes, o teto, e por vezes até as janelas e portas.
As pessoas podem não ter relatado as coisas de que realmente gosta-
vam porque isso poderia ter estado próximo demais delas, demasia-
do envolvido em suas vidas. Igualmente, poderiam ter deixado pas-
sar as coisas de que não gostavam porque estavam ausentes. Mesmo
assim, achei as respostas interessantes. A seguir apresento três exem-
plos.

Facas Global chef- bonitas, funcionais e simples. São um prazer de


segurar e de usar. Mantenho a minha debaixo de meu travesseiro.
(Calma! É brincadeira.)

SOMOS TODOS DESIGNERS 243


242 DESIGN EMOCIONAL
A piece de résistance é meu relógio de pulso. Um George Jensen: de Muitos produtos foram adorados unicamente por seu design
prata de lei, tem um grande mostrador espelhado com dois ponteiros, comportamental - isto é, sua função e utilidade, usabilidade e com-
mas sem marcações de números, a pulseira é incompleta, cobre apenas preensão, e sensação física.
3/4 do pulso. É muito original, lindo. (O design está no Museu de Arte
Moderna de Nova York.) P.S.: Fiquei olhando para ele e namorando, Também gosto do meu descascador de legumes OXO. Descasca berin-
pelo menos durante seis anos em Paris, antes de comprá-lo. jela, talos de brócolis e qualquer outra coisa que eu tente. Eles fazem
aquelas pegas agradáveis e confortáveis de usar.
Meu Fusca: eu o adoro - é simples, utilitário, tem excelente rendimen-
to quilometragem/gasolina, é pequeno o suficiente para estacionar As plainas manuais Lie-Nielsen: posso aplainar uma madeira Tiger
quase em qualquer lugar e dirigi-lo é pura diversão. Mas não consigo Maplee obter uma superfície lisa como vidro; a maioria das outras plai-
me entender com aquela coisa idiota para levantar o assento, que me nas arrancaria pedaços da madeira.
deixa maluco. (As alavancas para levantar o assento dos bancos da fren-
te - ficam no lugar "errado". Ninguém consegue "se acercar" com elas.) Abridor de latas: Pode ser que você se lembre do livro How Things
Don't Wórk de Victor Papanek. No livro ele menciona um abridor de
Ame-os, odeie-os, seja indiferente a eles. Nossa interação com latas. Eu finalmente o encontrei há alguns anos - foi reproduzido pela
nossos objetos do dia-a-dia reflete os três níveis de design de manei- Kuhn Rikon como Abridor de Latas Levantador de Tampas. Em resu-
ras muito diferentes. Os objetos adorados percorreram a gama de mo, ele abre a lata rompendo a junção, em vez de cortar o topo da lata.
todas as combinações possíveis das três formas de design. Muitos Há muitos motivos pelos quais isso é bom, mas é um utensílio o qual
itens eram apreciados unicamente pelo impacto visceral de sua apa- estou realmente ansioso para usar. Operado manualmente, requer
pouco trabalho de limpeza, encaixa-se na minha mão, faz bem o servi-
rência:
ço, guarda-se numa gaveta, é facilmente acessível. É um criado obe-
diente, exatamente como um utensílio de cozinha deve ser.
Depois de desembolsar $400 por um iPod, eu quase não teria me
importado com o produto depois de ter aberto a embalagem, de tão
atraente que era. (O iPod é o tocador de música da Apple.) O saca-rolha de vinho modelo alavanca. Empurre para baixo e puxe
para cima: a rolha desliza para fora da garrafa. Empurre para baixo de
novo, aperte e levante e a rolha sai do saca-rolha. É maravilhoso. No
Comprei um Passat da VW porque os controles dentro do carro eram
agradáveis de usar e de olhar. (Entre num deles à noite - as luzes do dia em que o comprei, abri três garrafas, uma depois da outra, foi
muito divertido.
painel de instrumentos são azuis e vermelho-laranja.) Faz com que diri-
gir seja mais divertido.
O design reflexivo também desempenhou papel importante,
com exemplos de confiança, serviço e pura e simples diversão.
Vocês se lembram da pessoa no capítulo 3 que comprou água
simplesmente porque a garrafa era fabulosa? Aquela resposta certa-
Meu violão Taylor 41 O. Confio nele. Sei que não vai zumbir quando
mente pertence a esta categoria: toco notas agudas no traste; vai se manter afinado; a ação no braço me
permitirá tocar cordas e noras que minhas mãos não alcançariam em
Lembro-me de decidir comprar Apollinaris, uma água mineral alemã, outros instrumentos.
apenas porque pensei que ficaria muito bonita nas minhas prateleiras.
Acabei por descobrir que, afinal, era uma água muito boa. Mas creio Ainda conto às pessoas sobre minha experiência, há anos, com o Austin
que teria comprado mesmo se não fosse tão boa. Four Seasons Hotel. Quando entrei no quarto encontrei um TV Guide
sobre a cama, com um marcador de livro colocado na página daquele dia.

244 DESIGN EMOCIONAL SOMOS TODOS DESIGNERS 245


Que tal diversão pura e simples? Acabei de comprar uma caneca de su- e colegas ao redor do mundo. Sem ele me sinto como se uma janela
venir, contudo, sua decoração só se torna visível quando contém uma para uma parte de minha vida tivesse sido trancada com ferrolho.
bebida quente: é coberta por um verniz sensível ao calor que fica azul-
escuro arroxeado à temperatura ambiente e abaixo, mas fica transpa- Comentou-se pouco o email em parte porque é imprescindível
rente quando se aquece . .É até prática: basta um olhar e sei quando meu como água para esses tecnólogos, mas quando mencionado, a reação
café não está mais bebível. Tem uma forma elegante também. Eu a quis foi de amor e ódio.
comprar pela combinação de todos esses fatores, agora se tornou meu
padrão de caneca de café. Não é exatamente bonita, mas quase. Sinto-me isolado do mundo civilizado quando não recebo email. O
volume de mensagens que recebo e às quais me sinto obrigado ares-
Uma coisa que sempre me traz um sorriso ao rosto a cada vez que o ponder quase põe isso na coluna de amor/ódio, mas pensando bem,
vejo é o logotipo no site "Google" que é como um pequeno desenho posso detestar o volume, mas adoro os amigos individuais e a família
animado que muda com relevância para alguma coisa bem corrente. que compõem o bando.
Eles põem um diabinho espiando por dentro do "O" no Dia das
Bruxas, ou gorros de neve dentro dele no inverno. Adoro isso! Os utensílios domésticos e o computador pessoal (o PC) pare-
cem ser universalmente detestados: "Quase todos os utensílios em
Talvez o máximo do entusiasmo, contudo, tenha sido demons- minha casa são muito mal projetados", dizia uma. "Quase nada no
trado para os serviços de comunicação que reforçavam a interação PC é aprazível", dizia outra. Lembrem-se que essas respostas eram de
social e um sentido de comunidade. As pessoas adoravam sua ferra- tecnólogos, a maioria deles trabalhando no ramo dos computadores
menta de mensagem instantânea: e da Internet.
E, finalmente, alguns objetos eram adorados, a despeito de seus
Não consigo imaginar minha vida sem ela. defeitos. Daí o amor pelo fusquinha, apesar do que o corresponden-
te chamou de "aquela coisa idiota para levantar o assento". Ob-
Programa de mensagens instantâneas é parte integrante de minha vida.
servem o amor da pessoa que enviou a resposta apresentada a seguir
Com ele tenho uma sensação de conexão com muitos de meus amigos
por sua máquina de fazer espresso, apesar do fato de ser difícil de usar
(e atenção, essa resposta foi de um especialista em usabilidade).
De fato, a falta de usabilidade tinha algum apelo reflexivo: "só um
verdadeiro especialista como eu é capaz de usar isso apropriada-
mente " .

Eu adoro minha máquina de fazer espresso. Estranhamente, não por


causa de sua facilidade de uso (não tem nenhuma!), mas porque faz um
café maravilhoso quando se sabe usá-la. Exige habilidade, e a aplicação
bem-sucedida dessa habilidade é compensadora.

ILUSTRAÇÁO EP1. l De maneira geral, as respostas mostraram que as pessoas podem


O logotipo do Google durante a época das festas de fim de ano. ser apaixonadas por seus objetos pessoais, pelos serviços que usam, e
O Google transforma seu logo de maneira brincalhona e alegre
suas experiências de vida. As empresas que oferecem serviços extraor-
durante a época de festas de fim de ano.
(Cortesia do Google.) dinários colhem benefícios: o toque pessoal especial de estar em um

246 DESIGN EMOC IONA L SOMOS TODOS DESIGN ERS 247


Hotel Four Seasons e de encontrar sobre a cama o guia de programas você pode desenhar os próprios sapatos, embora, de fato, as únicas
de televisão, marcado na página correta, levou aquela cliente a con- verdadeiras opções de que se dispõe são algumas escolhas entre um
tar a todos os seus amigos. Algumas pessoas haviam criado laços com número fixo de tamanhos, estilos, cores e materiais (ou seja, couro
seus objetos: um violão, seu site pessoal na rede e os amigos que ou tecido).
tinham feito através dele, a sensação de usar determinadas facas de É possível ter roupas feitas individualmente sob medida. No
cozinha, uma cadeira de balanço especial. passado, elas eram feitas por alfaiates e costureiras que tomavam suas
Em meu estudo informal obtive exemplos de alguns aspectos de medidas, faziam provas e produziam uma peça de vestuário de acor-
nosso amor e ódio pelos objetos, mas senti falta de alguns dos obje- do com seu tamanho específico e preferências. O resultado eram
tos realmente adorados do tipo descrito por Csikszentmihalyi e roupas de tamanho certo e bom caimento, mas o processo é extrema-
Roch berg-Halton no estudo que fizeram The Meaning o/Things, que mente lento, o trabalho intenso e, portanto, caro. E se a tecnologia
descrevi no capítulo 2. Eles descobriram itens que eram objeto de fosse usada para permitir a customização de tudo - algo semelhante
especial estima, tais como um conjunto de cadeiras, fotografias de ao toque pessoal das roupas feitas sob medida que se obtêm de alfaia-
famíl ia, plantas caseiras e livros. Em ambos os estudos nós ignora- tes e costureiras, mas sem a demora e o custo? A idéia é popular.
mos atividades, tais como o amor ou ódio pela cozinha, esportes, ou Alguns acreditam que a fabricação sob encomenda - customização
reuniões de turma. Os dois estudos indicam o desenvolvimento de de massa - se estenderá a tudo: roupas, computadores, automóveis,
uma verdadeira paixão por determinados produtos ou atividades em mobília. Tudo seria produzido especificamente de acordo com espe-
nossas vidas - às vezes amor, às vezes ódio, mas com fortes laços cificações: especifique a configuração, espere alguns dias e pronto.
emoc10na1s. Vários fabricantes de roupas já estão fazendo experiências com o uso
de câmeras digitais para determinar as medidas de uma pessoa, lasers
para cortar os materiais e então a produção de peças controlada por
Personalização computador. Alguns fab ricantes de computadores já trabalham
assim, montando os produtos somente depois de terem sido enco-
Como podem objetos de produção em massa ter um significado pes- mendados, permitindo que o cliente configure o produto de acordo
soal? Seria mesmo possível? Os atributos que tornam alguma coisa com seus desejos. Isso também tem um benefício para o fabricante:
pessoal são exatamente os tipos de coisas que não podem ser projeta- os producos só são fab ricados depois de terem sido comprados, o que
das com antecedência, especialmente na produção em massa. Os significa que não há necessidade de manter estoques de produtos
fabricantes tentam. Muitos oferecem serviços de customização. acabados, reduzindo muitíssimo o custo dos artigos em estoque.
Muitos permitem pedidos e especificações especiais. E muitos forn e- Quando os processos de fabricação fo rem projetados para a customi-
cem um produto flexível que, depois de comprado, pode ser adapta- zação em massa, os pedidos individuais poderão ser atendidos em
do e ajustado sob medida pelas pessoas que o usam. horas ou dias. É claro que essa fo rma de produção é limitada. Não se
Muitos fabricantes tentaram superar a uniformidade de seu pro- pode projetar uma forma radicalmente nova de móvel, automóvel ou
duto permitindo aos clientes que os "customizassem". Isso geralmen- computador desta maneira. Tudo que se pode fazer é selecionar a
te significa que o comprador pode escolher a cor ou selecionar, a par- partir de um conjunto fixo de opções.
tir de uma lista, acessórios e características por um custo adicional. Essas customizações são emocionalmente atraentes? Na verdade,
Os telefones celulares podem ser equipados com diferentes capas não. Sim, as roupas poderiam cair melhor e a mobflia poderia se ade-
removíveis, de maneira que você pode tê-los com cores e designs quar melhor a certas necessidades, mas nenhum dos dois garante
diferentes - ou até pintá-los você mesmo. Alguns sites anunciam que apego emocional. As coisas não se tornam pessoais porque escolhe-

SOMOS TODOS DESIGNERS 249


248 D E SI G N E MO C I O N A L
mos algumas opções de um catálogo. Tornar uma coisa pessoal signi- Os próprios objetos mudam. Panelas e frigideiras são amassadas
fica manifestar um sentido de propriedade, de orgulho. Significa ter e queimadas. Objetos são lascados e quebrados. Contudo, por mais
um toque individualista. que possamos nos queixar de marcas, mossas e manchas, elas tam-
Nós tornamos nossas casas e locais de trabalho pessoais por meio bém tornam os objetos pessoais - nossos. Cada peça é especial. Cada
da escolha de objetos que colocamos neles, como os arrumamos, e marca, cada queimadura, cada mossa e cada reparo contêm uma his-
como eles são usados. No escritório, arrumamos a escrivaninha, tória, e são as histórias que tornam as coisas especiais.
mesa, cadeiras e colocamos fotografias, desenhos e charges nas pare- Enquanto escrevia este livro, reuni-me com Paul Bradley, chefe
des e portas. de estúdio da IDEO, uma das maiores empresas de desenho indus-
Mesmo coisas de que não gostamos podem fornecer um toque trial dos Estados Unidos. Bradley queria conseguir projetar objetos
pessoal que as redime: por exemplo, um quadro ou uma cadeira que refletissem as experiências de um dono. Estava em busca de
podem ser especiais porque são detestadas - uma herança, talvez, de materiais que envelhecessem com graça e elegância, mostrando mos-
um membro da família, ou um presente, e agora não se tem mais esco- sas e marcas de uso, mas de maneira agradável e que transformasse
lha senão sorrir e ficar com ele ou ela. Então, a cada reunião de família objetos comprados em lojas e produzidos em massa, em um objeto
pode se recordar carinhosamente da maneira exata como um quadro pessoal, no qual as marcas acrescentassem caráter e charme que fos-
ou uma cadeira, outrora detestados, dominavam parte da casa. Parece sem exclusivos do dono. Ele me mostrou uma fotografia de uma
paradoxal, mas compartilhar sentimentos negativos comuns pode calça jeans, desbotada naturalmente pelo uso, com um remendo
levar à criação de um vínculo positivo entre os participantes: o objeto retangular desbotado no bolso da frente onde o dono sempre havia
detestado de ontem incentiva a experiência amada de hoje. guardado sua carteira. Conversamos a respeito de mossas e arranhões
Determinar uma arrumação desejável de pertences é mais um em nossos utensílios de cozinha em nossas casas, e como eles aumen-
processo de evolução do que de planejamento deliberado. Fazemos tavam sua atração. Falamos sobre livros favoritos que se tornavam
pequenos ajustes contínuos. Poderíamos levar uma cadeira para um mais confortadores pelo desgaste e por causa das marcas de leitura,
pouco mais perto da luz e colocar os livros e revistas que estamos enriquecidas por anotações nas margens e marcações com canetas
lendo junto da cadeira. Trazemos para o mesmo local uma mesinha marca-texto. E ele me mostrou seu Handspring PersonaL Digital
para colocá-los. Com o passar do tempo, a mobília e os pertences são Assistant (PDA), Assistente Pessoal Digital Handspring - que havia
ajustados para acomodar os moradores. A arrumação é singular para sido concebido pela IDEO - e me contou como o havia deliberada-
eles e suas atividades. As atividades e os moradores mudam; da mente deixado cair e batido com ele para ver se os arranhões acres-
mesma forma também muda a arrumação da casa. Outras pessoas centavam história pessoal e charme (não acrescentaram).
vindo morar nela podem não achar necessariamente que seja adequa- O segredo é fazer com que os objetos se desgastem graciosamen-
da às necessidades deles - tornou-se pessoal, é adequada a uma pes- te, envelhecendo junto com seus donos de maneira pessoal e praze-
soa ou uma família - qualidade que não é transferível para outros. rosa. Esse tipo de customização possui enorme significado emocio-
Stuart Brand, em seu livro How Buildings Learn, demonstrou que até nal, enriquecendo nossa vida. Isso é algo muito distante da customi-
os prédios mudam: à medida que diferentes ocupantes percebem que zação de massa que permite que um cliente escolha uma opção de
suas necessidades não são mais atendidas, eles mudam a estrutura um conjunto, mas tem pouca ou nenhuma verdadeira relevância
para atender a suas novas necessidades, alterando um prédio, de pessoal, pouco ou nenhum valor emocional. O valor emocional -
outro modo sem nome e sem características distintivas, de maneira a esse sim, é um objetivo digno do design.
torná-lo uma estrutura distinta com valor pessoal e significado para
seus acuais moradores.

250 D ESIG N EMOCIONAL SOMOS TODOS D ESI G N ERS 251


Customização minha escolha de que móvel compro em primeiro lugar, onde o
ponho e quando e como o uso.
Existe uma tensão entre satisfazer nossas necessidades ao comprar 3. Produção em massa customizada. Como já observei, é possí-
um objeto já pronto, e fazê-lo nós mesmos. Na maioria das vezes vel ter produtos manufaturados sob encomenda. Os clientes rece-
somos incapazes de construir os objetos de que precisamos, por falta bem alguma coisa configurada de acordo com suas preferências, e os
de ferramentas e conhecimento técnico especializado, isso sem men- custos podem ser mais baixos porque não há necessidade de manter
cionar a questão do tempo. Mas quando compramos o objeto de estoques caros para artigos não vendidos. Contudo, como a amplitu-
alguma outra pessoa, raramente ele se enquadra em nossas especifi- de da customização é limitada a coisas como a escolha de componen-
cações precisas. É impossível fazer um objeto de produção em massa tes, acessórios e cor, esta customização fica longe de sê-lo.
que seja adequado a todo indivíduo de maneira exata. Mesmo assim, essa tendência vai continuar. No futuro, peças,
Existem cinco maneiras de lidar com esse problema: revestimento, estojos e outros componentes de um design poderiam
ser estampados, prensados, cortados ou moldados sob encomenda.
1. Viver com isso. Mesmo se os objetos relativamente baratos Linhas de montagem eficientes poderiam produzir estruturas custo-
produzidos em massa nunca são exatamente aquilo de que precisa- mizadas. A escolha de alternativas poderia se expandir. As técnicas de
mos, nós nos beneficiamos de seu custo mais baixo. manufatura estão fazendo o possível para aumentar a gama da custo-
2. Customizar. Suponhamos que tudo fosse projetado de maneira mização. Esse é o futuro.
tão flexível que pudesse ser modificado conforme necessário; isso 4 . Projetar nossos próprios produtos. Nos "bons tempos de
não resolveria o problema? A dificuldade é que é muito mais difícil antigamente", como se costuma dizer, nós fazíamos todos os nossos
fazer alguma coisa que possa ser customizada do que se poderia pen- objetos ou procuraríamos os artesões locais que fariam algo de acor-
sar. Observem o sistema de software dos computadores modernos e do com as nossas especificações, quase sempre, enquanto os ficáva-
imediatamente perceberão o problema. Meu software oferece ampla mos observando. Algumas pessoas ainda apreciam muitíssimo aque-
variedade de opções de customização, tantas que eu nem sequer con- les tempos de antigamente e os ofícios tradicionais - vejam, por
sigo encontrá-las quando quero usá-las. Tantas que o simples fato de exemplo, a maravilhosa descrição que John Seymour faz deles em seu
aprender a customizar é, em si, uma tarefa assustadora. Além disso, livro Forgotten Arts and Crafts. Mas à medida que nossas necessidades
essas customizações invariavelmente falham em satisfazer. Tudo o se tornam mais complexas e especializadas nesta era cada vez mais
que eu faço é mais complexo porque devo sempre escolher entre tecnológica e rica de informações, é um sonho impossível que mui-
numerosas opções. As coisas que eu realmente quero customizar - tos de nós possuíssemos as habilidades e o tempo necessários para
meu tipo peculiar de digitação, ortografia e hábitos estilísticos - não projetar e construir os objetos de que precisamos na vida quotidiana.
podem ser customizadas. Não obstante, não é totalmente impossível seguir esse caminho, e
A customização apropriada não acontece ao tornar mais compli- aqueles que o fazem colhem muitos benefícios. Alguns fazem as pró-
cado um sistema que já é complexo. Não, a customização apropria- prias roupas e constroem móveis. Muitas pessoas criam e mantêm
da obtém-se por meio da combinação de múltiplas partes simples. jardins. Algumas até constroem os próprios aviões ou barcos.
Invariavelmente, se alguma coisa é tão complexa que exige a adição 5. Modificar produtos comprados. Esse é provavelmente o
de múltiplas "preferências" ou escolhas de customização, é provavel- método favorito e mais amplamente adotado de transformar itens
mente complexa demais para ser usada, complexa demais para ser comprados em personalizados. As motocicletas Harley Davidson são
salva. Eu não personalizo minha caneta; customizo a maneira como famosas com relação a esse aspecto: as pessoas compram uma na
de fato a uso. Eu não customizo minha mobília; customizo através de fabrica e imediatamente a enviam para uma oficina especializada,

252 DESIGN EMOCIONAL SOM OS TO DOS DESIGNERS 253


que a altera completamente; as mudanças por vezes custam mais caro em pertences. Embora possamos não ter controle sobre o design dos
do que a própria moto (que já é cara). Desse modo, cada Harley é muitos objetos que compramos, temos controle real sobre quais sele-
exclusiva, e os donos se orgulham de seus designs e pintura especiais. cionamos e como, onde e quando eles deverão ser usados.
De maneira semelhante, a montagem de sistemas de som sob Sente-se e decida onde pôr sua xícara de café, seu lápis, o livro
encomenda em automóveis é, hoje em dia, um grande negócio, com que você está lendo, e o papel em que você quer escrever - você está
donos orgulhosos exibindo seus sistemas de som em reuniões e com- criando um design. Mesmo que isso pareça trivial e superficial, a
petições regionais. O mesmo ocorre também na customização de essência do design está presente: um conjunto de escolhas, algumas
automóveis, modificando-se os sistemas eletrônicos que controlam a melhores que outras e talvez nenhuma plenamente satisfatória. Pos-
aceleração e desempenho, alterando os pára-choques, os pneus, as sivelmente uma reestruturação significativa para fazer tudo funcio-
calotas e a pintura. nar muito melhor, mas com algum custo em termos de esforço,
É claro que o lar é talvez o maior local de customização. Casas dinheiro ou mesmo habilidades. É possível que, se a mobília fosse
recém-construídas, de aparência idêntica, logo se transformam em rearrumada ou se uma nova mesa fosse comprada, a xícara, o lápis, o
lares individuais à medida que os ocupantes mudam mobílias, aces-
livro e papel se combinariam muito mais naturalmente ou a estética
sórios, pintura, esquadrias e vidraças de janelas, jardins, e ao longo
seria mais agradável? Uma vez que isso seja considerado e uma sele-
dos anos, modificam a estrutura da casa, acrescentando aposentos,
ção seja feita, você está fazendo design. E, além disso, essa atividade
modificando garagens, e assim por diante.
1 1
é precedida por outros designs; a saber, o projeto de design do prédio
e do aposento, a seleção da mobília e seu posicionamento, e a locali-
zação das luzes e de seus controles.
Todos somos designers
O melhor tipo de design não é necessariamente um objeto, um
Um espaço só pode ser transformado em um lugar por seus ocupantes. espaço, ou uma estrutura: é um processo dinâmico e adaptável. Muitos
A melhor coisa que um designer pode fazer é pôr as ferramentas nas estudantes de faculdade fizeram uma mesa de trabalho ao colocar uma
mãos deles. porta de face lisa sobre dois gaveteiros de arquivos. Caixas se transfor-
- Sceve Harrison e Paul Dourish, mam em cadeiras e em estantes de livros. Tijolos e pranchas de madei-
"Re-place-ing space" ra fazem prateleiras. Tapetes se transformam em tapeçarias de parede.
Os melhores designs são os que criamos para nós mesmos. E esse é o
Todos somos designers. Nós manipulamos o meio ambiente para tipo de design mais apropriado - funcional e estético. É um design em
que ele sirva melhor às nossas necessidades. Selecionamos que coisas harmonia com nossos estilos de vida individuais.
queremos comprar e quais queremos ter ao nosso redor. Cons- O design fabricado, por outro lado, costuma não acertar o alvo:
truímos, compramos, arrumamos e reestruturamos: tudo isso é uma objetos são configurados e feitos de acordo com especificações parti-
forma de design. Quando consciente e deliberadamente reorganiza- culares que muitos usuários acham irrelevantes. As coisas compradas
mos objetos em nossas escrivaninhas, a mobília em nossa sala de visi- prontas raramente satisfazem nossas necessidades específicas, embo-
tas e as coisas que mantemos em nossos carros, estamos criando pro- ra possam estar bastante perto de ser satisfatórias. Felizmente, cada
jetos de design. Por meio desses atos pessoais de design, transforma-
um de nós está livre para comprar coisas diferentes e depois combiná-
mos as coisas e espaços de outro modo anônimos e ordinários da vida
las de qualquer maneira que funcione melhor para nós. Nossos quar-
quotidiana, em nossas próprias coisas e lugares. Por meio de nossos
tos combinam com nosso estilo de vida. Nossos pertences refletem
designs, transformamos casas em lares, espaços em lugares, objetos
nossa personalidade.

254 DESIGN EMOCIONAL SOMOS TODOS DESIGNERS 255


Todos nós somos designers - e temos de ser. Os designers profis- muitas pessoas, como no caso da que me escreveu, essas manifestações
sionais podem fazer objetos que sejam atraentes e funcionem bem. pessoais as representam tão intimamente que é inconcebível imaginar
Podem criar produtos bonitos pelos quais nos apaixonamos à pri- a vi~a sem elas - tornaram-se uma parte essencial de seu self
meira vista. Eles podem criar produtos que satisfaçam nossas neces- Todos nós somos designers - porque temos de ser. Vivemos nos-
sidades, sejam fáceis de compreender e de usar, e que funcionem exa- sas vidas, temos sucessos e fracassos, alegrias e tristezas. Estruturamos
tamente da maneira como queremos que funcionem . Que sejam um nossos próprios mundos de modo a nos sustentarmos ao longo da
prazer de olhar e um prazer de usar. Mas eles não podem tornar algu- vida. Algumas ocasiões, pessoas, lugares e coisas passam a ter signifi-
ma coisa pessoal. Fazer alguma coisa com que criemos vínculos. cados especiais, sentimentos emocionais especiais. Esses são nossos
Ninguém pode fazer isso por nós: temos de fazê-lo nós mesmos. vínculos, com nós mesmos, com nosso passado, e com o futuro.
Os web sites pessoais na Internet oferecem uma ferramenta pode- Quando alguma coisa dá prazer, quando se torna uma parte de nos-
rosa para as pessoas se manifestarem, para interagirem com outras ao sas vidas, e quando a man eira como interagimos com ela define
redor do mundo, e para encontrarem comunidades que valorizem nosso lugar na sociedade e no mundo, então temos amor. O design
suas contribuições. As tecnologias da Internet - tais como newslet- faz parte dessa equação, mas a interação pessoal é o segredo. O amor
ters, malas diretas e salas de bate-papo - permitem que as pessoas surge por ser conquistado, quando as características especiais de um
congreguem e troquem idéias, opiniões e experiências. Web sites indi- objeto fazem dele uma parte quotidiana de nossa vida, quando ele
viduais e blogs permitem expressão pessoal, quer por meio de arte, intensifica nossa satisfação, quer seja por causa de sua beleza, seu
música, fotografias, ou reflexões diárias sobre acontecimentos. São comportamento ou seu componente reflexivo.
experiências todo-poderosas que criam fortes sentimentos emocio- As palavras de William Morris constituem um encerramento
nais. A seguir apresento a maneira como uma pessoa me descreveu apropriado para este livro, da mesma forma que constituíram uma
seu web site. abertura apropriada:

Meu próprio web site - eu às vezes quero desistir dele porque impõe
Se quiserem uma regra de ouro que se aplique a todo mundo é a
grandes exigências sobre o meu tempo, mas ele me representa online de seguinte: Não tenham nada em suas casas que não saibam com certeza
maneira tão pessoal, que é impossível imaginar a vida sem ele. O site que seja útil ou que não acreditem que seja bonito.
me traz amigos e aventuras, viagem e elogios, humor e surpresas.
Tornou-se minha interface com o mundo. Sem ele, uma parte impor-
tante de mim não existiria.

Esses web sites pessoais e blogs tornaram-se partes essenciais da


vida de muitas pessoas. São pessoais, e ao mesmo tempo comparti-
lhados. São amados e odiados. Provocam emoções intensas. Eles são
verdadeiramente extensões do eu.
Web sites pessoais e blogs são excelentes exemplos de manifesta-
ções não profissionais de design. Muitas pessoas despendem enormes
quantidades de tempo e energia escrevendo seus pensamentos, cole-
cionando suas fotografias, músicas e videoclipes favoritos e de muitas
outras maneiras apresentando sua face pessoal para o mundo. Para

256 D ESI GN EMOCIONAL


SOMO S TO DOS DE SI G NERS 257
dia-a-dia. (Se Gibson não tivesse morrido, tenho certeza de que
ainda estaria discutindo comigo, discordando de minha interpreta-
ção de seu conceito, pomposamente desligando seu aparelho de
Considerações Pessoais e
audição para mostrar que não estava ouvindo minhas réplicas, mas
Agradecimentos
em segredo sorrindo para si mesmo e adorando cada minuto.)
George era, ao mesmo tempo, um psicólogo cognitivo e um per-
sonagem preeminente no estudo da emoção. Mas apesar de eu ter
passado muitas horas discutindo temas sobre emoção com ele, lendo
todas as suas obras, nunca soube muito bem como integrar a emoção
aos meus estudos de cognição humana e, especialmente, aos meus
estudos sobre o design de produtos. Eu até fiz uma palestra na pri-
meira conferência sobre ciência cognitiva, em 1979, intitulada
EM CERTA MEDIDA, GEORGE MANDLER É RESPONSÁVEL POR ESTE "Doze Questões para a Ciência Cognitiva", com a emoção sendo a
livro, por furtivamente colocar idéias na minha cabeça sem que eu
décima segunda. Mas apesar de ter afirmado que deveríamos estudá-
percebesse. Ele me contratou para o recém-criado Departamento de
la, não sabia pessoalmente como fazer para dar seguimento a este
Psicologia da Universidade da Califórnia, em San Diego, durante o
estudo. Meu argumento foi convincente para pelo menos uma pes-
primeiro ano de existência do departamento: a própria universidade
soa na platéia: Andrew Ortony, hoje professor na Northwestern
ainda não tinha formado nenhum aluno. Antes que eu soubesse,
University, afirmou-me que mudou sua área de pesquisas para a de
havia escrito um livro (Memory and Attention) para a série editada
emoções em resultado daquela palestra.
sob sua supervisão; elaborado um livro didático introdutório (Human
Em 1993, abandonei a academia para ir trabalhar na indústria -
lnformation Processing, escrito em colaboração c~m Peter Lindsay),
primeiro como vice-presidente da Apple Computer e depois como
por causa do curso que ele fez com que Peter e eu lecionássemos;
executivo em outras empresas de alta tecnologia, inclusive a Hewlett
tinha reconsiderado minhas pesquisas sobre a memória, e depois
Packard e na implantação de uma pioneira rede de ensino online. Em
entrado no campo de erros humanos e acidentes - donde resultou
1998, meu colega Jakob Nielsen e eu criamos uma empresa de con-
meu interesse pelo design (de acordo com a filosofia de que a maio-
sultoria, o Nielsen Norman Group, onde ganhei experiência com
ria dos erros humanos é, na verdade, erro de design).
uma ampla variedade de produtos em muitas indústrias. Finalmente,
O Centro de Processamento de Informações Humanas - funda-
contudo, a academia voltou a me atrair, dessa vez pelo departamen-
do e dirigido por Mandler - recebeu o psicólogo perceptivo J. J.
to de ciências de computação da Northwestern University. Eu agora
Gibson durante alguns verões, e essas estadas por temporadas pro-
passo metade do tempo na universidade, a outra metade com o
longadas resultaram em meus muitos debates e contínuos desacordos
Nielsen Norman Group.
com Gibson. Foram deliciosos desacordos, que nós dois apreciamos,
Na Northwestern University, Andrew Ortony redespertou meu
desacordos do tipo científico mais frutífero, o tipo com o qual se apren-
interesse adormecido pela emoção. Na década em que estive afastado
de. A combinação de meu interesse por erros e minha adaptação do
conceito de Gibson de "ajfordances"*, resultou no livro O design do
dicionários, mas o substantivo não. Eu o inventei. Por meio dele quero dizer algo que se
refere ao mesmo tempo ao ambiente e ao animal de maneira que nenhum termo existen-
* O termo foi inventado por Gibson e significa conforme ele o define: ''Ai; ajfordances do
te o faz. Implica a complementaridade do animal e do ambiente ... " Gibson,Jamcs. J. The
meio ambienre são o que ele oferece para o animal, aquilo que o ambienre fornece ou de
EcoLogical Approach to Visual Perception, 1979. (p.127)
que dispõe, seja para o bem, seja para o mal. O verbo 'afford' (dispor) encontra-se em

C ON SI D ERAÇÕES PESSOAIS E AGRA DE CIMENTOS 259


258 DESIGN EMOCIONAL
da academia, muito progresso havia sido feito nas áreas de conheci- níveis diferentes de influência, com diferentes tempos de andamen-
mento da neurociência e psicologia da emoção. Além disso, enquan- to, e em diferentes lugares no ciclo da compra e uso.
to estava trabalhando na indústria, ajudando a lançar uma grande Meu objetivo ao escrever este livro é colocar estes temas, aparen-
variedade de produtos, de computadores a eletrodomésticos e web temente conflitantes, dentro de uma estrutura coerente baseada na
sites, tornei-me sensível ao poderoso impacto emocional que os teoria de três níveis de afeto, comportamento e cognição. Com essa
designs podem produzir. As pessoas estavam muito menos interessa- estrutura proponho-me a oferecer um conhecimento mais profundo
das em como algo funcionava bem, ou mesmo para que servia, do do processo do design e do impacto emocional dos produtos.
que na aparência que tinha e nas sensações que provocava. Então, obrigado, George; obrigado, Andrew; obrigado, Bill.
Junto com William Revelle, teórico de personalidade do depar-
tamento de psicologia, Ortony e eu decidimos reexaminar a literatu-
ra sobre afeto, comportamento e cognição e tentar compreender essa ESSE LIVRO, como todas as minhas outras obras, deve sua existência
atração emocional. À medida que nosso trabalho progredia, tornou- a muitas outras pessoas. Ele começou com cutucadas encorajadoras
se claro que emoção e afeto não deveriam ser separados da cognição de meu muito paciente agente, Sandy Dijkstra e de meu sócio, Jakob
- nem aqueles de comportamento, motivação e personalidade; todos Nielsen. Não, não por meio de uma insistência importuna, mas
são essenciais para o funcionamento eficiente do mundo. Nosso tra- de lembretes e encorajamento contínuos. Estou sempre escrevendo,
balho forma o embasamento teórico deste livro. sempre fazendo anotações a respeito de coisas, de modo que dessas
Aproximadamente no mesmo período, Bill Gross da Idealab!
anotações criei um manuscrito intitulado "The Future of Everyday
fundou uma nova empresa - Evolution Robotics - para criar robôs
Things". Mas quando tentei lecionar usando esse material para dar
domésticos. Ele me pediu que participasse do conselho consultivo;
aulas a estudantes na Northwestern University, descobri que lhe fal-
não demorou muito e eu estava profundamente absorvido pela ciên-
tava coesão: a estrutura que amarrava as idéias vinha do novo traba-
cia dos robôs. Os robôs, logo descobri, precisam ter emoções para
lho sobre emoção que eu estava fazendo com Andrew Ortony e Bill
sobreviver; de fato, as emoções são essenciais para todas as criaturas
Revelle, e isso não fazia parte do livro.
autônomas, sejam elas humanas ou máquinas. Para minha agradável
Ortony, Revelle e eu estávamos desenvolvendo uma teoria da
surpresa, descobri que um estudo de pesquisa que eu havia escrito
em 1986 com o neuropsicólogo Tim Shallice, sobre o "arbítrio" emoção, e à medida que fazíamos progressos, dei-me conta de que a
como sistema de controle, estava sendo usado em robótica. Aha! abordagem podia ser aplicada ao campo do design. Além disso, o tra-
Comecei a ver como tudo aquilo se encaixava. balho finalmente me permitia resolver as aparentes contradições
À medida que estas abordagens separadas se juntavam, as aplica- entre meu interesse profissional de fazer objetos usáveis e minha
ções surgiram naturalmente. Nossas explorações científicas nos leva- apreciação pessoal pela estética. De modo que descartei o primeiro
ram a postular que um processamento efetivo é mais bem analisado manuscrito de livro e comecei tudo de novo, dessa vez usando o tra-
em três níveis diferentes. Essas idéias esclareceram muitas questões. balho teórico sobre emoção como arcabouço. Mais uma vez, tentei
Logo se tornou claro que muitos dos argumentos sobre o papel da usar o material para lecionar, agora com muito mais sucesso. Meus
emoção, beleza e diversão em oposição a interesses e preocupaçóes de alunos daquela primeira turma, e depois os alunos que testaram o
marketing, afirmações publicitárias e o posicionamento de produtos material deste livro, foram extremamente prestativos ao me ajudar a
- juntamente com as dificuldades de tornar um produto usável e transformar anotações desencontradas em um texto coerente.
funcional - eram debates que atravessavam os diferentes níveis de Ao longo do caminho, meus colegas profissionais contribuíram
processamento. Todas essas questões são importantes, mas todas têm com conselhos e recursos consideráveis. Danny Bobrow, meu colega

260 DESIGN EMOCIONAL CO N SI DERAÇÕE S PESSOAIS E AGRADECIMENTOS 261


de longa data, com alfinetadas inteligentes, cutucões e perguntas irri- Overbeeke, Etienne Pelaprat, Gerard Torenvliet e Christina Wodtke.
tantes sempre que encontrava os defeitos em qualquer argumento Agradeço a Kara Pernice Coyne, Susan Farrell, Shuli G ilutz, Luice
que eu tentasse apresentar. Jonathan Grudin, com um fluxo contí- Hwang, Jakob Nielsen e Amy Stover do Nielsen Norman Group por
nuo de email, freqüentemente do amanhecer ao anoitecer, com seus animados debates.
comentários, estudos e críticas. Patrick Whitney, chefe do Institute Jim Stewart, da Microsoft divisão XBOX, contribuiu com con-
of Design de Chicago, que me convidou para fazer parte de seu con- versas sobre a indústria dos games e o cartaz do XBOX para minhas
selho e ofereceu comentários perspicazes e acesso à comunidade do paredes ("Saia. Tome um pouco de ar. Assista a um pôr-de-sol.
desenho industrial. Muitos membros do corpo catedrático do Como essas coisas envelhecem você depressa!").
Institute of Design foram de enorme ajuda: Chris Conley, John O livro lentamente se transformou de dezoito capítulos desorga-
Heskett, Mark Rettig e Kei Sato. Nirmal Sethia, da Califórnia State nizados nos atuais sete capítulos, mais prólogo e epílogo, por meio
Polytechnic University, em Pomona, foi uma fonte contínua de con- de duas maciças revisões, orientadas por Jo Ann Miller, minha edito-
tatos e informações: Nirmal parece conhecer todo mundo no campo ra na Basic Books. Ela me fez dar um duro danado - felizmente para
do desenho industrial e se certificou de que eu estivesse sempre atua- vocês. Obrigado, Jo Ann. E obrigado a Randall Pink por diligente-
lizado. mente ter reunido as fotografias finais e as devidas permissões.
Embora eu não tenha incluído muitos dos que ajudaram duran-
te o longo período de gestação deste livro, aqui vão meus agrade-
A PODEROSA equipe de designers de interação Shelley Evenson e cimentos a todos, citados e não citados, inclusive meus alunos na
John Rheinfrank sempre oferece magníficos insights (John também é Northwestern University e no Institute of Design que me ajudaram
um chefmaravilhoso). Meus agradecimentos a Paul Bradley, David a esclarecer meus pensamentos ao longo das várias revisões.
Kelly e a Craig Sampson da IDEO e Walter Herbst e John Hartman DoNN0RMAN
da Herbst LaZar Bell. Norchbrook, Illinois
Cynthia Breazeal e Roz Picard do Laboratório de Mídia do MIT
apresentaram inúmeras interações úteis, inclusive visitas a seus labo-
ratórios, que contribuíram consideravelmente para os capítulos 6 e
7. Rodney Brooks, chefe do Laboratório de Inteligência Artificial no
MIT e especialista em robótica, também foi uma grande fonte de
informações. Marvin Minsky, como sempre, inspirou-me, especial-
mente com o texto de seu livro que está para ser lançado, The Emotion
Machine.
Testei muitas de minhas idéias nos vários quadros de avisos da
comunidade CHI (a sociedade internacional Computer-Human
Interaction), e muitos dos que me responderam foram de enorme
ajuda. A lista das pessoas com quem me correspondi é imensa - são
centenas - mas sou especialmente grato às sugestões e às minhas con-
versas fecundas e proveitosas com Joshua Barr, Gilbert Cockton,
Marc Hassenzahl, Challis Hodge, William Hudson, Kristiina
Karvonen, Jonas Lõwgren, Hugh McLoone, George Olsen, Kees

262 DESIGN EMOCIONAL CONSIDERAÇÕES PESSOAIS E AGRADECIMENTOS 263


Notas

Prólogo: Três Bules de Chá


23 "Se quiserem uma regra de ouro." (Morris, 1882. A citação é do Capítulo 3, de
"The Beauty of Life", originalmente proferido diante d a Birmingham Society of
Ares and School ofD esign, em 19 de fevere iro de 1880.)
27 "nenhum novo veículo de que recentemente se tenha lembrança provocou mais
sorrisos" (Swan, 2002)
28 "Começa com um ligeiro aborrecimento" (H ughes-Morgan, 2002)
32 "O neurocientista Antonio Damasio escudou pessoas" (Damasio, 1994)
33 Trechos d este capítulo foram publicad os em l nteractiom, uma pu blicação da The
Association for Computing Machines (Norman, 20026)

Capítulo Um: Objetos Atraentes Funcionam Melhor


:7 "dois pesquisadores japoneses, Masaaki Kurosu e Kaori Kashimura" (Kurosu &
Kashimura, 1995)
37 "a cultura japonesa é conhecida por sua tradição estética" (Tractinsky, 1997)
37 "Por isso Tractinsky repetiu o experimento" (Tractinsky, 1997; Tractinsky, Katz
& Ikar, 2000)
38 "é preciso ter uma teoria um tanto mística da estética" (Read, 1953, p. 6 I)
39 "A psicóloga Alice Isen e seus colegas" (Ashby, Isen & Turken, 1999; Isen, 1993)
41 "Meus estudos sobre emoção, conduzidos com meus colegas" (Ortony, Norrnan
& Revelle, 2004)
52 "duas palavras na língua mítica dos elfos". Os livros de Tolkien, é dara, são muito
conhecidos (Tolkien , 1954a, b, e, 1956). Esta experiência específica foi feita em
minha sala de aula, por Dan Halstead e Gitte Waldrnan (em 2002). Eles descreve-
ram o simbolismo dos sons de Tolkien e, n uma d emonstração em aula, mostraram
que as pessoas que nunca tinham ouvido a língua dos elfos, mesmo assim podiam de
maneira confiável determinar o significado das palavras.

NOTAS 265
52 "um simbolismo sonoro governa o desenvolvimento" (Hinton, Nichols & 85 "Entre num corredor de mercado." Do web site "The Boccled Water Web":
Ohala, 1994) http://www.bottledwaterweb.com/indus.html.
86 "Designers de embalagem e gerentes de marca." D o web site da "Prepared
Capítulo Dois: As Múltiplas Faces da Emoção e do Design Foods.com": http://www.preparedfoods.com/archives/ 1998/981 0/98 10packa-
61 "quase 20 mil só nos Estados Unidos". Editores de Revistas da América, estimati- ging.htm.
vas para o ano 2001. 86 "Quase todo mundo que gosta da Água Mineral Natural TyNant." Do site da
http:/www.magazine.org/consumer_marketing/index.html TyNant: http:/ /www.cynant.comcliencs.htm.
92 "Os princípios do bom design comportamental são bem conhecidos" (...) eu os
66 "kitsch". The Columbia Electronic Encyclopedia, Copyright© 1999, Columbia
enumerei e expliquei em meu livro O design do dia-a-dia (Norman, 2002a). Ver
University Press. Todos os direitos reservados. www.cc.columbia.edu/cu/cup/
também: (Cooper, 1999; Raskin, 2000)
66 "Ninguém vai mais lá. É cheio demais". (Berra & Horton, 1989)
97 "Compreender as necessidades do usuário final ainda não manifestadas e que não
68 The Meaning o/Things (Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton, 1981)
estão sendo atendidas." De um estudo de caso de Herbst LaZar Bell da escadinha
68 "Elas foram as primeiras cadeiras que eu e meu marido compramos"
plataforma "Penguin", que me foi enviado em meados de 2002
(Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton, 1981, p. 60)
101 "Tome, experimente isso." A Tech Boxé descrita mais detalhadamente no livro
69 "Objetos domésticos" (Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton, 1981, p. 187)
de Tom Kelley sobre a IDEO (Kelly & Littman, 2001, pp. 142-146).
69 "quando fui ver as peças em exibição no Aeroporto de San Francisco". The San
11 O "Swatch é design" Guia para estudantes do web site da Swatch (Swatch Watch
Franscisco Airport Museums: http://www.sfoarts.org/.
Corporation)
69 ''A maravilha dos prédios em miniatura" Texto da exposição (Smookler, 2002)
110 "Em seu importante livro sobre" (Coates, 2003, p. 2.)
73 "Acompanhando cada foto, há uma história" (Cowen, 2002)
115 "O principal objetivo na concepção do Fone dos Treinadores." Declaração de
73 "Frohlich descreve as possibilidades da seguinte maneira" (Cowen, 2002)
Steve Remy, engenheiro mecânico sénior e gerente de projeto da HLB, citada num
75 "Mas ponham asiáticos em uma situação individualista" (Kirayama, 2002)
comunicado à imprensa sobre o software Pro/ENGINEER da PTC que foi usado
76 "a Heathkit Company". A empresa parou de produzir os kits, embora ainda pro-
pela HLB para o projeto. (23 de julho de 2001. Encontrado em http://www.lois-
duza materiais de uso educativo para aprendizado de eletrônica. Vejam a história no
paul.com.)
site. http:/ /www.heathkit-museum.com/history.shtml.
115 "Para os não iniciados" Copyright© 2002 do The New York Times Co., publica-
76 "Conforme explicaram as pesquisadoras de mercado Bonnie Goebert e Herma
do com permissão (St. John, 2002)
Rosenthal" (Goebert & Rosenthal, 2001. As citações são do Capítulo 1: Ouvir pri- 117 "Quando você está vestindo um terno de mil dólares" (Rushkoff, 1999, p. 24)
meira lição, o valor de grupos de foco.) 119 "livro de Paco Underhill" (Underhill, 1999)
78 Zen e a arte da manutenção de motocicletas (Pirsig, 1974) 120 "uma alegoria de ficção científica, altamente ambiciosa, extremamente cara" e
78 "O American Heritage Dictionary define moda... " The American Heritage ® também, "o simbolismo criava tamanha confusão." Da crítica escrita por A. O.
Dictionary ofthe English Language, Fourth Edition, Copyright© 2000 de Houghton Scott para o New York Times sobre o filme restaurado (Scott, 2002)
Miffiin Company. 122 "Os brilhantes artistas conceituais Viraly Komar e Alex Melamid" (Komar,
81 "O branding emocional é baseado na confiança singular estabelecida com um Melamid & Wypijewski, 1997)
público." (Gobé, 2001. Do prefácio, página ix.) 122 "Design perfeitamente 'centrado no usuário."' Extraído do ensaio de
Lieberman "The Tyranny ofEvaluation", disponível em seu site. Modifiquei os ter-
Capítulo Três: Três Níveis de Design: Visceral, Comportamental mos "interfaces centradas no usuário" para "design centrado no usuário" (com a per-
e Reflexivo missão dele) para fazer com que o argumento se aplicasse de maneira mais geral.
85 "Eu me lembro de decidir comprar Apollinaris." Mensagem de email de Hugues (Lieberman, 2003)
Belanger, em resposta à pergunta de minha pesquisa, dia 6 de maio de 2002. Para
ver a garrafa, conforme disse Belanger: Para ver uma foto da garrafa, visice o site Capítulo Quatro: Diversão e Games
http://www.apollinaris.de/english/index.html (leve o mouse até "Products" e clique 123 "O professor Hiroshi lshii, do Laboratório de Mídia do MIT, corre de um lado
em ''Apollinaris Classic") para o outro." A melhor maneira de ter uma boa visão do trabalho de lshii e apreciá-

266 D ESI GN EMOC 10 NA L NOTAS 267


lo é em seu site na Internet: http://tangible.media.mit.edu/index.html. As garrafas 151 "A palavra 'voyeur"' (Boorstin, 1990, p. 12)
são descritas em (Tshii, Mazalek & Lee, 2001; Mazalek, Wood e Ishii, 2001) 151 "O olho do voyeurexige." Boorstin (1990), pp. 13, 61 e 67.
123 "Imaginem tentar jogar pingue-pongue em cima de um cardume" (Ish ii, 151 "Ele pode destruir o momento mais dramático" (Boorstin, 1990, p. 13)
Wisneski, Orbanes, Chun & Paradiso, 1999) 154-155 "Dormi demais, acordei às 8 horas." Extraído de uma entrevista com Will
124 "divertimencologia" (Blythe, Overbeeke, Monk & Wright, 2003) Wright, criador e responsável pelo desenvolvimento do game The Sims, conduzida
127 "o cozinheiro ... naturalmente ficaria desapontado" (Ekuan, 1998, p. 18) pelo Editor de Games de Computador da Amazon.com M ike Fehlauer:
127 "Um sentido de beleza que louva a leveza'' (Ekuan, 1998, pp. 79-81) http://www.playcenter.com/PC_Games/interviews/will_wright_the_sims.htm.
127 "com artigos e livros sobre 'psicologia positiva' e 'bem-estar' tornando-se popu- 156 "Houve uma época em que os videogames eram considerados" (Klinkenborg,
lares" (Kahneman, Diener & Schwarz, 1999; Seligman & Csikszentmihalyi, 2000; 2002)
Snyder & Lopez, 2001) 156 "Em The Medium ofthe Video Game' (Wolf, 2001). Alista de categorias fo i tira-
128 "emoções positivas ampliam os repertórios de pensamento-ação das pessoas" da do excerto em http:/ /www.robinlionheart.com/gamedev/genres.xhtml.
(Fredrickson & Joiner, 2002). Esta citação termina remetendo o leitor a outros tra- 157 "Como diz Verlyn Klinkenborg" (Klinkenborg, 2002)
balhos de Fredrickson, em particular (Fredrickson, 1998, 2000)
129 "O livro EmotionalBranding"(Gobé, 2001) Capítulo Cinco: Pessoas, Lugares e Objetos
129 "Patrick Jordan se baseia no trabalho de Lionel Tiger" Qordan, 2000; Tiger, 162 "Byron Reeves e C lifford Nass" (Reeves & Nass, 1996)
1992) 162 "B. J. Fogg mostra como as pessoas pensam." A tabela foi extraída da Tabela
132 "Ele pegou o martelo e o comeu." Ver Coulson, King & Kutas, 1998, embora 5.1. (Fogg, 2002)
o exemplo específico tenha sido inventado por mim e não conste deste escudo. 164 "Começa com um ligeiro aborrecimento" (Hughes-Morgan, 2002)
133 "Padrão 134: Paisagem Zen" (Alexander, Ishikawa & Silverscein, 1977, pp. 165 "Agora entramos nas emoções complexas". A análise básica aqui apresentada
641-3) vem do trabalho dos psicólogos Andrew Ortony, Gerald Clore e Allan Collins
133 "da parábola de um monge budista." Agradeço a M ike Stone (em (Ortony, Clore & Collins, 1988), embora eu tenha modificado um pouco a inter-
www.yawp.com) por ter-me recordado da parábola. A descrição citada da parábola pretação deles, para se enquadrar na ênfase especial dada ao design no presente livro.
vem da correspondência de seu grupo de discussão. As modificações também estão de acordo com o trabalho que fiz com eles, em par-
135 "O poder de sedução do design" (Khaslavsky & Shedroff, 1999, p. 45) ticular com Andrew Ortony e William Revelle. (Ortony, Norman & Revelle, 2004)
137 "No guardanapo." Texto que acompanha a "edição de colecionador" do espre- 167 "Minha faca de chejWuschof de 25 centímetros." Mensagem de email recebida
medor para sucos (Alessi, 2000) em resposta às perguntas de minha pesquisa enviadas ao grupo de discussão da CHI.
137 "Felizmente Khaslavsky e Shedroff fizeram a análise para mim." A longa citação Maio de 2002. (CHI é a sociedade Computer-Human Inreraction.)
foi extraída de Khaslavsky & Shedroff, 1999, de sua Ilustração 1, p. 47 © 1999, 170 "É da natureza humana confiar em outros homens" (Mimick & Simon, 2002,
Association for Computing Machinery, lnc. Reimpressa com permissão. (Eu refor- p. 32.)
matei o texto, mas as palavras são as mesmas.) 170 "os psicólogos sociais Bibb Latané e Joh n Darley " e "Apatia de espectador"
139 "A música desempenha um papel especial." Um excelente exame destas ques- (Latané & Darley, 1970)
tões - e a fonte deste parágrafo - é Krumhansl, 2002, a notar especialmente p. 46. 171 "Administração de Recursos de Tripulação" (Wiener, Kanki, & Helmreich,
141 "Todas as culturas desenvolveram escalas musicais." Esta seção apoiou-se forte- 1993)
mente em Krumhansl (2002) e Meyer (1956, p. 67). 173 "Enquanto eu estava escrevendo este livro". Conselho Nacional de Pesquisa dos
144 "Os designers do Segway." Material descritivo do veículo de transporte pessoal Estados Unidos investigando informações sobre tecnologia e contraterrorismo.
"Segway Human Transponer". Amazon.com site. Dezembro de 2002. Também, (Hennessy, Patterson, Lin & National Research Council Commitree on the Role of
uma conversa pessoal com Dean Kamen, o inventor do Segway, 25 de fevereiro de Information Technology in Responding to Terrorism, 2003)
2003. 174 "Todo lugar é nenhum lugar." Meu muito obrigado a John King, Decano da
148 "as paixões despertadas por filmes" (Boorstin, 1990, p. 11 O) School oflnformation na Universidade de Michigan pela citação de Séneca.
149 "O olho vicário põe nosso coração no corpo do ator" (Boorscin, 1990, p. 11 O) 177 "Mensagens Instantâneas." Respostas a meu pedido enviado a um grupo de dis-
150 "o cientista social Mihaly Csikszentmihalyi" (Csikszentmihalyi, 1990) cussão na Internet para me falar sobre produtos que adoravam ou detestavam

268 DESIGN EMOCIONAL NOTAS 269


(dezembro de 2002). Os dois parágrafos desce exemplo foram escritos por pessoas 2 13 ''A grande interferência que os transtornos emocionais podem ter na vida men-
diferentes. eai" (Goleman, 1995). A citação foi tirada de (Kort, Reilly, & Picard, 2001).
178 "Vernor Vinge, um de meus escritores favoritos" (Vinge, 1993) 213 ''A professo ra Rosalind Picard" (Picard, 1997)
181 "capacidade de concentração de atenção ... dez segundos." Creio que se encon- 213 "Mesmo a pessoa mais controlada." A pesquisa básica foi feita por Paul Ekman
tra em Os princípios da psicologia de James Oames, 1890), mas embora eu me tenha (Ekman, 1982, 2003). Uma excelente descrição bastante acessível pode ser encon-
apoiado nessa citação por mais de trinta anos, também faz mais de trinta anos que a trada no artigo da revista The New Yorker, de Malcolm Gladwell (Gladwell, 2002).
li. Por mais que tenha me esforçado, não consegui encontrá-la de novo de modo a 216 "Conselho Nacional de Pesquisà' (Nacional Research Council Committee to
poder fornecer uma referência bibliográfica correta. Review the Scientific Evidence on the Polygraph, 2002)
181 "Nós criamos nossos próprios espaços privados". Ver o livro de William Whyte, 218 "Talvez a primeira experiência desse tipo tenha sido com Eliza." O trabalho
City: Rediscovering the Center (Whyce, 1988) com Eliza foi realizado durante os anos 1960. É examinado em detalhe e comenta-
184 ''Atenção continuamente dividida. " Linda Scone, na época vice-presidente da do no livro de Weizenbaum (Weizenbaum, 1976).
Microsoft. Conferência Personal communication, PopTech! Confarence, Camden, 219 "Você acha que eu posso usar" Conversa entre Danny Bobrow, Eliza e o VP.
ME, 2002. Uma transcrição da conversa foi disponibilizada por Güven Güzeldere e Stefano
Franchi: eu a copiei do web site deles (Güzeldere & Franchi, 1995). Também con-
Capítulo Seis: Máquinas Emocionais
firmei os detalhes por meio de conversas e mensagem de email com Bobrow (27 de
189 "Dave, pare ... " Excerto do filme 2001: Uma odisséia no espaço, de Bizoni dezembro de 2002).
221 "Computer Power and Human Reason" (Weizenbaum, 1976)
(1994), p. 60.
221 "Designing Sociable Robots" (Breazeal, 2002)
191 Fotografia de C3PO e R2D2. Guerra nas estrelas: Epis6dio IV - Uma Nova
222 (Ilustração 6.6). A fotografia de Kismet vem de http://www.ai. mic.edu/pro-
Esperança© 1977 e 1997 Lucasfilm Ltd. & TM. Todos os direitos reservados. Usada
jeccs/sociable/ongoing-research.hcml (reproduzida com permissão). Para uma des-
co m autorização. Duplicação não autorizada é violação das leis aplicáveis.
crição mais detalhada, ver o livro de Cynthia Breazeal, Designing Sociable Robots
193 "Os psicólogos Robert Sekuler e Randolph Blake" (Sekuler & Blake, 1998)
(Breazeal, 2002).
195 "como acontece com algumas pessoas que sofrem de disfunções emocionais" 224 "Esses objetos nos seduzem." As citações de Turkle foram extraídas de uma
(Damasio, 1994, 1999) entrevista co m L. Kahney, em Wired.com (mas corrigi a gramáti ca). (Kahney,
197 "Os anos 1980 foram a década do PC." Toshicada Doi, presidente da Sony 2001).
Digital Creatures Laboratory. (novembro, 2000)
199 "O livro de ficção científica de Neal Stephenson" (Stephenson, 1995) Capítulo Sete: O Futuro dos Robôs
202 "Rodney Brooks, um dos maiores especialistas mundiais em robótica (Brooks, 226 "a maior parte dos governos do mundo baniu o uso de robôs" (Asimov, 1950)
2002). A citação é da página 125. 226 "As Quatro Leis da Robótica de Asimov." Roger Clarke, em seus escritos e em
204 "Masahiro Mori, um especialista japonês em robótica" : The Buddha in seu abalizado e bem pesquisado web site (Clarke, 1993, 1994), data as origens das
the Robot (Mori, 1982) . O argumento de que nos sentimos mais incomodados leis um, dois e três a partir do debate de Clarke com o escritor de fi cção científica e
quando o robô se aproxima demais da aparência humana vem de um ensaio de Dave editor John Campbell em 1940 (Asimov, 1950, 1983). A Lei Zero foi acrescentada
Bryant (Bryant, sem data). Bryant atribui o argumento a Mori, mas quando com- 45 anos mais tarde, em 1985 (Asimov, 1985).
prei o livro de Mori e o li, embora tenha gostado muito da obra, não encontrei 230 "Execute minha intenção e não minha instrução." Observem que EXMI
sequer uma sugestão desse ponto de vista. Mas, a despeito disso, é um magnífico ("Execute minha intenção") é um conceito muito antigo: Warren Teitelman o intro-
argumento. duziu no sistema de interpretação de comando do LISP sistema de programação de
205 "de Philip K. Dick" (Dick, 1968) computador em 1972. Quando funciona, é muito, muiro bom.
209 "eu me dei conta de que seria muito mais fácil se simplesmente lhes déssemos 232 ''A principal falha de Asimov." Uma boa avaliação e exame do trabalho em sis-
temas emergentes, que é contra o controle central, pode ser encontrada no livro de
emoções". A citação das palavras de Picard vem de Cavelos (1999, pp. 107-1 08),
ela, porém, reafirmou-as para mim durante minha visita ao seu laboratório em Johnson, Emergence (Johnson, 2001).
233 "Já existem alguns regulamentos de segurança que se aplicam aos robôs"
2002.
(Industrial Robots and Robot System Safaty. Occupational Safety and Health

270 DESIGN EMOCIONA L NOTAS 271


Administration, US Department ofLabor, OSHA Technical Manual (TED 1-0. 15A),
1999)
Referê ncias
Epílogo: Somos Todos Designers
245 "Pode ser que você se lembre do livro How Things Don't Work de Victor
Papanek" (Papanek & Hennessey, 1977)
250 "Stuart Brand ... demonstrou" (Brand, 1994)
253 "a maravilhosa descrição que John Seymour" (Seymour, 2001)
254 "Steve Harrison e Paul Dourish" (Harrison & Dourish, 1996)
256 "Meu próprio web site." Resposta a meu pedido para que pessoas em uma mala
direta de grupo de discussão na Internet me falassem sobre produtos ou web sites que
adoravam, odiavam ou com que tinham um relacionamento de amor e ódio
(dezembro, 2002).
257 "Se quiserem uma regra de ouro." (Morris, 1882. A citação é do Capítulo 3, Alessi, A. (2000) . Creating Juicy salif. Folheto do produto acompanhando a Edição
"The Beaury of Life" , conferência originalmente proferida para a Birmingham Especial Comemorativa 2000 do Juicy Sa]if. Crusinallo, Itália: Alessi.
Society of Ares and School of Design, em 19 de fevereiro de 1880.) Alexander, C., Ishikawa, S. & Silverstein, M . (1977). A pattern language: Towns,
buildings, construction. Nova York: Oxford University Press.
Ashby, F. G., Isen, A. M . & Turken, A. U. (1999) . A neuropsychological theory of
positive affect and its influence on cognition. Psychological Review, l 06,
529- 550.
Asimov, I. (1950). Eu, robô. Rio de Janeiro: Ediouro. (Reimpresso inúmeras vezes;
ver: Asimov, I. (1983)) .
Asimov, I. (1983) . Trilogia publicada em um volume compreendendo os três episó-
dios: Fundação, Fundação e o Império, E. Nunes da Fonseca; Segunda Fundação
(1983) trad. N. de Paula Lima; Os robôs (The Naked Sun), Eu, robô. São Paulo:
Hemus Editora Ltda., 1983-1986. Poeira de Estrelas (Stars, like Dust), 1970:
Expressão e Cultura.
Asimov, I. (1985). Os robôs e o império (1987); trad. José Sanz, Rio de Janeiro:
Editora Record.
Berra, Y. & Horton, T. (1989). Yogi: It ain't over. Nova York: McGraw-Hill.
Bizony, P. (1994). 2001: Filming the Future. Londres: Arum Press.
Blythe, M. A., Overbeeke, K., Monk, A. F & Wright, P. C. (2003) . Funology: From
usability to enjoyment. Boston: Kluwer Academic Publishers.
Boorstin, J . (1990) . The Holiwood eye: What makes movies work. Nova York:
Cornelia & Michael Bessie Books.
Brand, S. (1994) . How buildings learn: What happens after they're buitt. Nova York:
Viking.
Breazeal, C. (2002). Designing sociable robots. Cambridge, MA: MlT Press.
Brooks, R. A. (2002). Flesh and machines: How robots will change us. Nova York:
Pantheon Books.
Bryant, D. (se!I) data). The uncanny valley: Why are monster-movie zombies so
horrifying and talking animais so fascinaring? Recuperado, 2003, hrtp://
www.arclight.net/ ~pdb/glimpses/valley.html.

272 DESIGN EMOCIONAL REFERÊNCIAS 273


Goebert, B. & Rosenthal, H. M. (2001). Beyond listening: Learning the secret lan-
Cavelos, J. (1999). The science ofStar Wirs (1 ~ ed.). Nova York: Se. Marrin's Press .
C larke, R. (1993). Asimov's laws of robotics: Implications for information techno-
guage offocus groups. Nova York: J. Wiley. URL for Chap ter 1: Listening 101:
The value of focus groups . http://www.wileyeurope.com/cda/cove r/
logy, Pare 1. IEEE Compu ter, 26 (12), 53-61. http://www.anu.edu.au/people/
0,,0471395625%7C excerpt,00.pdf.
Roger. Clarke/SOS/Asimov.html.
Goleman, D . (1998). Inteligência emocional. Rio de Janeiro: Editora Objetiva.
Clarke, R. (1994) . Asimov's laws of robotics: Implications for information techno-
Güzeldere, G. & Franchi, S. (1995). Constructions of the mind: D ialogues wich
logy, Parr 2. IEEE Computer, 27 (1), 57-66. http://www.anu.edu.au/people/
colorful personalities of early AI. Stanford Electronic Humanities Review, 4
Roger. Clarke/SOS/Asimov.html.
Coares, D . (2003). Witches te!! more than time: Product design, information, and the (2). h ttp://www.stanford.edu/ group/SHR/ 4-2/text/dialogues.hcml.
quest for elegance. Nova York: McGraw-Hill. Harrison, S. & Dourish , P. (1996). Re-place-ing space: The role ofplace and space in
C ooper, A. ( 1999) . The inmates are running the asylum: Why high-tech products drive collaborative systems. ACM. Proceedin gs of the Conference on Computer
us crazy and how to restore the sanity. Indianápolis: Sams; Frentice Hall.
Support of Collaborative Work (CSCW). Nova York: ACM.
Coulson, S. , King, J. W & Kutas, M . (1998). Expect the unexpected: Event-relat- H enn essy, J. L. Patterson, D . A., Lin, H. A. & Nacional Research Council
ed brain response to morphosyntactic violations. Language and Cognitive Committee on th e Role of I nformation Technology in Responding to
Processes, 13 (1), 2 1-58. T errorism (Eds .). (2003) . lnformatíon technology for counterterrorism:
Cowen, A. (2002, junho). Talking photos: Interview with David Frohlich. mpulse, lmmediate actions and fature possíbilíties. Wash ington, DC: T he Nacional
a Cooltown magazine. http://www.cooltown.com/mpulse/0602-thinker.asp. Academies Press.
Csikszentmihalyi, M. ( 1990) . A descoberta do fluxo: A psicologia do envolvimento. Rio Hinton , L., N ich ols, J . & O hala, J. J. (1994) . Sound symbolism. Cambridge, UK:
de Janeiro: Editora Rocco. Cambridge University Press.
Csikszencmihalyi, M. & Rochberg- Halton, E. (1981). The meaning of things: Hughes-Morgan, M . (2002, 25 de fevereiro). Net effect of computer rage. This is
Domestic symbols and the se/f Cambridge, UK: Cambridge University Press. London, h ttp://www. thisislondon.com/ dynamic/news/story.html?in_review_
Damasio, A. R . (1994) . O erro de Descartes. São Paulo: Companhia das Letras. id=50646 6&in_review_text_id=4 69291 .
Damasio, A. R . (2000) . O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letras. Industrial Robo ts and Robot System Safe ty. Occupation al Safety and Health
Dick, P. K. (1968). Do androids dream ofelectric sheep? (1 ~ ed.). Garden City, NY: Administration, US Dep artment o fLabor, OSHA Techn ical Manual (T ED l-
Doubleday. 0 . 15A) . (1999) . http ://www.osha.gov/SLTC/machineguarding/publica-
Ekman, P. (1982). Emotion in the human face (2~ ed.) . Cambridge, UK: Cambridge tions.htmi. Section V entitled "Con trol and Safeguarding Personnel'' outlines
specific means for safeguarding robot systems.
University Press.
Isen, A. M. (1993) . Positive affect and decision making. ln M . Lewis & J. M.
Ekman, P. (2003). Emotions revealed· Recognizingfaces and feelings to improve com-
H aviland (Eds.), Handbook ofemotions (pp. 261-277). Nova York: Guilford.
munication and emotional life. Nova York: Henry Holc & Co./Times Books.
Ishii, H., Mazalek, A. & Lee, J. (2001). Bordes as a minimal interface to access digi-
Ekuan, K. (1998). The aesthetics of the japanese lunchbox. Cambridge, MA: MIT
tal information. Computer Human Inter action (CHI-2001), Extended
Press.
Abstracts. ACM Press http://rangible.media.mit.edu/papers/Bottles_ CHIO l /
Fogg, B. J. (2002). Persuasive technology: Using computers to change what we think
Botdes_CHIOl .pdf.
and do. Nova York: Morgan Kaufman Publishers.
Ishii, H ., W isneski, C., Orbanes, J., Chun, B. & Paradiso, J. (1999) . PingPongPlus:
Fredrickson, B. L. (1998) . Whac good are positive emocions? Review of General
Design of an achletic-rangible interface for computer-supported cooperative
Psychology, 29, 300-319.
play. Pittsburgh, PA. CHI 99: Conference on Human Factors in Computing
Fredrickson, B. L. (2000). Culrivating positive emotions to opcimize healrh and
Systems. http://tangible.media.mit.edu/paper s/Ping PongPlus_CH199/Ping
well-being. Prevencion & Treacment (an electronic journal), 3 (Arricle 0001a).
PongPlus_CH199 .html
Available on-line wich commentaries and a response at hccp://journals.
James, W. (1890) . Principies ofpsychology. Nova York: Holt.
apa.org/prevention/volume3/coc- mar07-00.html
Johnson, S. (2001). Emergence: The connected lives ofants, brains, cities, and softwa-
Fredrickson, B. L. & Joiner, T. (2002). Positive emotions trigger upward spirals
re. Nova York: Scribner.
toward emocional well-being. Psychological Science, 13 (2), 172-175.
Jordan, P. W. (2000) . Desigrting pleasurable products: An íntroduction to the new
Gladwell, M. (2002, 5 de agosto). Annals of Psychology: The naked face: Can
human factors. Londres: Taylor & Francis.
experts really read your thoughts? The New Yorker, 38-49.
Kahneman, D., Diener, E. & Schwarz, N. (1999). Well-being: The foundations of
Gobé, M. (2001). Emotional branding: The new paradigm for connecting brands to
hedoníc psychology. N ova York: Russell Sage Foundation.
people. Nova York: Allworth Press.

REFERÊN CIAS 275


274 DESIGN EMO CION AL
Kahney, L. (2001). Puppy love for a robot. Wired news. http://www.wired. National Research Council Committee to Review the Sciencific Evid cncc 0 11 rhe
com/news/culture/0, 1284,41680,00.html. Polygraph. (2002). The polygraph and lie detection. Washington, D C: N arional
Kelley, T. & Littman, J. (2001). The art of innovation: Lessons in creativity from Academies Press.
IDEO, America's leading design firm. Nova York: Currency/Doubleday. Norman, D. A. (2002a). The design ofeveryday things. Nova York: Basic Books. (The
Khaslavsky, J. & Shedroff, N. (1999). Understanding che seductive experience. reissue, with a new preface, of The prychoiogy ofeveryday things.)
Communicacions of the ACM, 42 (5), 45-49. hccp://hci.scanford.edu/capco- Norman, D. A. (20026). Emotion and design: Atrractive things work beccer.
logy/Key_ Concepcs/Papers/CACMseduccion. pdf. Interactions Magazine, ix (4), 36-42. http://www.jnd.org/dn.mss/Emotion-
Kitayama, S. (2002). Cultural psychology ofthe self: A renewed look at independence and-design.html
and interdependence. Scockholm, 2000. Proceedings of che XXV1I internacio- Ortony, A., Clore, G. L. & Collins, A. (1988) . The cognitive structure of emotions.
nal congress of psychology. Vol. II. Psychology Press. hccp://www.hi.h.kyoco- Cambridge, UK Cambridge University Press.
u.ac.j pi users/ cpl/chesis/k2.pdf. Ortony, A., Norman, D. A. & Revelle, W. (2004). The role of affecc and proto-
Klinkenborg, V. (2002, December 16). Editorial observer; Living under che virtual affect in effective functioning. ln J.-M. Fellous & M. A. Arbib (Eds.), Who
volcano of video games this holiday season. The New York Times, Seccion A, needs emotions? The brain meets the machine. Nova York: Oxford University
p. 26. Press.
Komar, V., Melamid, A. & Wypijewski, J. (1997). Painting by numbers: Komar and Papanek, V. J. & Hennessey, J. (1977) . How things don't work (1 ~ ed.) . Nova York:
Melamid's scientific guide to art. Nova York: Farrar Straus Giroux. Pancheon Books.
Kort, B., Reilly, R. & Picard, R. W. (2001). An affective model ofincerplay between
Picard, R. W. (1997) . Ajfective computing. Cambridge, MA: MIT Press.
emocions and learning: Reengineering educacional pedagogy-building a lear-
Pirsig, R. M . (1974) . Zen e a arte da manutenção da motocicleta. São Paulo: Paz e
ning companion. ICALT-2001 (Incernational Conference on Advanced
Terra.
Learning Technologies) .
Raskin, J . (2000). The humane interface: New directionsfor designing interactive
K.rumhansl, C. L. (2002). Music: A link between cognicion and emotion. Current
Directions in Psychological Science, 11 (2), 45-50. systems. Reading, MA: Addison Wesley.
Kurosu, M. & Kashimura, K. (J 995, May 7-11). Apparenc usability vs. inherent Read, H. E. (1953). Art and industry, the principies of industrial design (3~ ed.) .
usability: experimental analysis on the determinancs of the apparent usability. Londres: Faber and Faber.
Denver, Colorado. Conference companion on human factors in computing Reeves, B. & Nass, C. I. (1996) . The media equation: How people treat computers,
rystems. 292-293. television, and new media like real people and places. Scanford, CA: CSLI
Latané, B. & Darley, J. M. (1970). The unresponsive bystander: Why doesn't he help? Publications (and Nova York: Cambridge University Press).
Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall. Rushkoff, D. (1999) . Coercion : Why we listen to what ''they" say. Nova York:
Lieberman, H. (2003). The Tyranny of Evaluation. Retrieved, 2003, http:// Riverhead.
web.media. mie. edu/ ~ lieber/Misc/TyrannyEvaluation. hem!. Som, A. O. (2002, 12 de julho) . Critic's notebook: A restored German classic of
Mazalek, A., Wood, A. & Ishii, H. (2001, 12-17 de agosto). GenieBottles: An inte- fucuristic angsc. The New York Times, B, p . B 18. http://www.nycimes.com
ractive narrative in bottles. Proceedings of SIGGRAPH. ACM Press. /2002/07 / l 2/movies/ l 2METR. h tml.
h crp:// tangible. media. mi t.ed u/ papers/genieBoules_S G0 l / genieBo teles_ Sekuler, R., & Blake, R. (1998). Star Trek on the brain: Alien minds, human minds.
SG0l.pdf. Nova York: W. H. Freeman. hccp://www2.shore.ner/ ~sek/STontheBrain.html.
Meyer, L. B. (1956) . Emotion and meaningin music. Chicago: University ofChicago
Seligman, M. E. P. & Csikszentmihalyi, M. (2000). Positive psychology: An intro-
Press. ducrion. American Psychologist, 55 (1), 5-14.
Micnick, K. D. & Simon, W. L. (2002). A arte de enganar. São Paulo: Makron
Seymour, J . (2001). The forgotten arts & crafts. Nova York: Dorling Kindersley.
Books.
Smookler, K. (2002) . Texc from the San Francisco Airport Museums exhibit on
Mori, M. (1982). The Buddha in the robot(S. T. Charles, Trans.). Boston: Charles E
M in iature Monuments: email.
Tutele Co.
Morris, W. (1882). Hopes and fears for art: Five lectures delivered in Birmingham, Snyder, C. R. & Lopez, S. J. (Eds.). (200 !). Handbook ofpositive psychology. Nova
London, and Nottingham, 1878-1881. Londres: Ellis & White. http://etext.- York: Oxford University Press.
library.adelaide.edu.au/m/m87hf/chap3.html. (Quotation is from chaptcr 3, Se. John, W. (2002, 14 de julho). A store Jures guys who are graduating from chi-
"The Beauty of Life", originally delivered before The Birmingham Society of nos. The New York Times, Sunday Styles, pp. 9-1, 9-8. http ://www.nyti-
Ans and School ofDcsign, February 19, J 880.) mes.com /2002/07 / l 4/fashion/ l 4JEAN .html.

276 DESIGN EMOCIONAL REFERÊNCIAS 277


Stephenson, N . ( 1995). The diamond age, or, A young lady's illustratedprimer. Nova
York: Bancam Books.
Swan, T. (2002, domingo, 2 de julho). Behind the wheel/Mini Cooper: Animated
shorc, dubbed in German. The New York Times, Autornobiles, p. 12.
Swatch Wacch Corporation. Swatch basics: Faces & figures from rhe world of
Swatch [Internet (PDF) White paper] . Rerrieved, December 2002, http ://
www.swatch.com/fs_index.php?haupt=collections&unter=.
Tiger, L. (1992). The pursuit ofpleasure. Boston: Little Brown.
Tolkien, J. R. R. (1954a). The fellowship ofthe ring: being the first part ofThe lord of
the rings (Vai. pt. l). Londres: George Allen & Unwin.
Tolkien, J. R. R. (19546). The Lord ofthe rings. Londres: Allen & Unwin.
Tolkien, J. R. R. (1954c) . The two towers: being the secondpart ofThe Lord ofthe rings
(Vol. pt. 2) . Londres: G. Allen & Unwin.
Tolkien, J. R. R. (1956) . The return ofthe king: being the third part ofThe Lord ofthe
rings (Vai. v. 3). Boston: Houghton Mifflin.
Tractinsky, N . (1997). Aesthetics and apparent usability: Empirically assessing cul-
tural and methodological issues. CHI 97 Electronic publications: Papers
http://www.acm.org/sigchi/chi97/ proceedings/ paper/ n t. htm.
Tractinsky, N., Katz, A. S. & Ikar, D. (2000) . What is beautiful is usable. Interacting
with Computers, 13 (2), 127-145.
Underhill, P. (1999). Why we buy: The science of shopping. Nova York: Simon &
Schuster.
Vinge, V. (1993). Afire upon the deep. Nova York: 'for.
Weizenbaum, J. (1976). Computer power and human reason: From judgment to cal-
culation. San Francisco: W. H . Freeman.
Whyte, W H. (1988). City: Rediscovering the center (1 ~ ed.) . Nova York: Doubleday.
Wiener, E. L., Kanki, B. G., & Helmreich, R. L. (1993) . Cockpit resource manage-
ment. San Diego: Academic Press.
Wolf, M. J. P. (2001) . The medium of the video game (1 ~ ed.) . Austin: University
ofTexas Press. Ver "Genre and the Video Game" em http://www.robinlio-
nheart.com/gamedev/genres.xhtml.

278 DES I GN EMOC I ONAL

Você também pode gostar