Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Norma
Autor de O design do dia-a-dia
r�----
Sumário
ATTFIELD, Judy (2000) . Wild Things: the material êulture o/everyday life.
Oxford: Berg.
CARDOSO, Rafael (1998) . Design, cultura material e o fetichismo dos objetos.
Arcos - Design, cultura material e visualidade, Rio de Janeiro: ESDI /
UERJ, pp. 15-39, vol. I, número único.
DAMASlO, Antonio (1996) . O erro de Descartes. Emoção, razão e cérebro
humano. São Paulo: Companhia das Letras.
_ ___ (2004). Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimen-
tos. São Paulo: Companhia das Letras.
DIXON, Thomas (2003). From passiom to emotions: The creation o/a secular
psychological category. Nova York: Cambridge Univcrsity Press.
- W illiam Morris
The Beauty ofLife, 1880
Ili
"Começa com um ligeiro aborrecimento, então os cabelos de sua ção e engenharia, campos de trabalho analíticos cujos membros se
nuca começam a se arrepiar e suas mãos a suar. Não demora muito e orgulham do rigor científico e raciocínio lógico.
você está batendo no computador ou berrando com a tela, e pode Em minha vida pessoal, contudo, eu visitava galerias de arte,
muito bem acabar dando um tapa na pessoa sentada a seu lado." ouvia e tocava música, e me orgulhava da casa em que morava, pro-
Nos anos 1980, quando escrevi O design do dia-a-dia, não levei jetada por um arquiteto. Enquanto esses dois lados de minha vida
em conta as emoções. Abordei a utilidade e a usabilidade, função e estavam separados, não havia nenhum conflito. Mas logo no princí-
forma, tudo de maneira lógica e desapaixonada, apesar do fato de pio de minha carreira, vivi a experiência de enfrentar um desafio sur-
detestar objetos mal concebidos em termos de design. Mas agora preendente, vindo de uma fonte improvável: o uso de monitores
mudei. Por quê? Em parte, por causa dos novos avanços científicos coloridos para computadores.
Nos primeiros anos do computador pessoal, monitores com
em nossa compreensão sobre o cérebro e sobre como emoção e cog-
telas coloridas não existiam. A maioria das telas tinha imagem em
nição são absolutamente entrelaçadas. Nós, cientistas, agora com-
preto-e-branco. Sem dúvida, o primeiro computador Apple, o Apple
preendemos o quanto a emoção é importante e valiosa para a vida
II, podia exibir imagens em cores, mas para jogos: qualquer trabalho
diária. É claro que utilidade e usabilidade são importantes, mas sem
sério feito no Apple II era feito em preto-e-branco, geralmente o
diversão e prazer, alegria e entusiasmo, e até ansiedade e raiva, medo
texto branco num fundo preto. No início da década de 1980, quan-
e fúria, nossas vidas seriam incompletas.
do as telas coloridas inicialmente foram apresentadas ao mundo de
Em paralelo às emoções, há também um outro ponto importante:
computadores pessoais, tive dificuldade de compreender sua atração.
estética, atratividade e beleza. Quando escrevi O design do dia-a-dia, Naquele tempo, a cor era usada principalmente para marcar textos
minha intenção não era denegrir a estética nem a emoção. Eu simples- ou acrescentar uma decoração supérflua à tela. Do ponto de vista
mente queria elevar a usabilidade ao seu devido lugar no mundo do cognitivo, a cor não acrescentava nenhum valor que o contraste e o
design, lado a lado com a beleza e a funcionalidade. Acreditava que o sombreamento não pudessem oferecer. Mas as empresas insistiam
tópico da estética estava bem abordado em outras obras, de modo que em comprar monitores coloridos a um custo mais alto, a despeito de
o negligenciei. O resultado foram críticas merecidas de designers: "Se não terem qualquer justificativa científica. Evidentemente, a cor
fôssemos seguir a receita de Norman, nossos projetos poderiam todos estava satisfazendo alguma necessidade, mas não uma que pudésse-
ser fáceis de usar, mas também poderiam ser feios." mos aferir.
Isso é um julgamento muito duro. Infelizmente, a crítica é válida. Peguei emprestado um monitor colorido para ver qual era o
Projetos "usáveis" nem sempre são prazerosos de usar. E, como indica motivo de toda aquela discussão. Logo me convenci de que minha
minha história dos três bules de chá, um design atraente não é neces- avaliação original estava correta: a cor não acrescentava nenhum
sariamente o mais eficiente. Mas, esses atributos devem ser conflitan- valor que se pudesse discernir no trabalho quotidiano. Contudo, eu
tes? Podem beleza e inteligência, prazer e usabilidade andar juntos? me recusei a abrir mão do monitor colorido. Meu raciocínio me
Todas essas perguntas me impeliram a partir para a ação. Estava dizia que a cor não era importante, mas minha reação emocional me
intrigado com a diferença entre o meu eu científico e minha vida dizia o contrário.
pessoal. Na ciência, eu ignorava a estética e a emoção e me concen- Observem o mesmo fenômeno no cinema, na televisão e nos
trava na cognição. De fato, fui um dos pioneiros a trabalhar nos cam- jornais. No início, todos os filmes eram em preto-e-branco. Assim
pos do que hoje é conhecido como psicologia cognitiva e ciência como a televisão. Os produtores de cinema e os fabricantes de televi-
cognitiva. O campo da usabilidade tem suas raízes na ciência cogni- são resistiram à introdução da cor porque acrescentava custos enor-
tiva - uma combinação de psicologia cognitiva, ciência da computa- mes e muito pouca vantagem que se pudesse discernir. Afinal, uma
1
cada um de nós ao nos ajudar a fazer seleções rápidas entre o bom e
o ruim, reduzindo o número de coisas a ser consideradas. as emoções humanas e reagir de acordo com elas. Acalmá-lo quando
Pessoas sem emoções, como as no estudo de Damasio, são inca- você estiver irritado, diverti-lo, consolá-lo, brincar com você.
pazes de selecionar opções, especialmente se qualquer das escolhas Como já disse antes, a cognição interpreta e compreend e o
parece igualmente válida. Você quer ir ao médico na segunda ou na mundo ao seu redor, enquanto as emoções permitem que você tome
terça-feira? Você quer arroz ou batata cozida com seu prato? Escolhas decisões rápidas a respeito dele. De maneira geral, você reage emo-
simples? Sim, talvez simples demais: não há nenhuma forma racional cionalmente a uma situação antes de avaliá-la cognitivamente, uma
e lógica de decidir. É nessa situação que o sistema afetivo é útil. A vez que a sobrevivência é mais importante que o conhecimento e a
maioria de nós apenas decide escolher uma coisa, mas se nos pergun- compreensão. Mas, em algumas ocasiões, a cognição vem antes. Um
tam o porquê, não sabemos dizer: "Apenas tive vontade", costuma- dos poderes da mente humana é a capacidade de sonhar, de imaginar
mos responder. Uma decisão tem de "dar a sensação de que é boa", e de planejar. Nesse vôo criativo da mente, pensamento e cognição
ou é rejeitada, e este sentimento é uma expressão de emoção. desencadeiam a emoção e são, por sua vez, também modificados.
O sistema emocional também é intimamente ligado ao compor- Para explicar como isso ocorre, permitam-me agora abordar a ciência
tame nto, preparando o corpo para responder apropriadamente a do afeto e da emoção.
O Significado
dos Objetos
Capítulo l
Objetos Atraentes
Funcionam Melhor
40 DESIGN EMOCIONAL
OBJETOS ATRAENTES FUNCIONAM MELHOR 41
J[III
cercas para alcançar nossas metas, mas também podemos recordar e
fugir, atacar ou se imobilizar. Se alguma coisa é boa ou desejável, o
pensar sobre a experiência - refletir a respeito delas - e decidir mudar
animal pode relaxar e aproveitar a situação. À medida que a evolução
a cerca ou o alimento de lugar, de modo que não tenhamos de dar a
continuou, os circuitos de análise e resposta se aprimoraram e setor-
volta nela da próxima vez. Também podemos contar o problema a
naram mais sofisticados. Ponha uma tela de arame entre o animal e
outras pessoas, de modo que elas também saberão o que fazer antes
algum alimento desejável: é provável que uma galinha fique empaca-
da para sempre, lutando contra a cerca, mas sem conseguir alcançar mesmo de chegar lá.
Animais tais como lagartos operam principalmente no nível vis-
a comida; um cachorro simplesmente corre ao redor dela. Os seres
ceral. Esse é o nível de rotinas fixas, onde o cérebro analisa o mundo
humanos têm um conjunto de estruturas cerebrais ainda mais desen-
e responde. Cachorros e outros mamíferos, contudo, têm um nível
volvidas. Eles podem refletir a respeito de suas experiências e co-
superior de análise, o nível comportamental, com um cérebro com-
municá-las aos outros. Desse modo, nós não só damos a volta em
plexo e poderoso que pode analisar uma situação e alterar o compor-
tamento de acordo com ela. O nível comportamental em seres
humanos é especialmente valioso para operações rotineiras bem
Sensorial ----- aprendidas. É onde o especialista talentoso atinge o auge.
Reflexivo I Motor
No nível evolucionário de desenvolvimento mais alto, o cérebro
0--- RL'º"~ humano pode pensar sobre suas próprias operações. É aí que reside a
reflexão, o pensamento consciente, o aprendizado de novos concei-
tos e generalizações a respeito do mundo.
O nível comportamental não é consciente, e este é o motivo pelo
Comportamentali~ (
I 1
-~
---,'I,,.
qual você pode com sucesso dirigir seu automóvel subconsciente-
mente no n ível comportamental, enquanto conscientemente pensa a
respeito de outra coisa no nível reflexivo. Profissionais altamente
bem treinados fazem uso dessa facilidade. Deste modo, pianistas
Visceral talentosos e experientes podem deixar que seus dedos toquem auto-
maticamente enquanto refletem sobre a estrutura de ordem superior
!LUSTRAÇÃO 1.1 da música. É por esse motivo que eles podem manter conversas
Três níveis de processamento: Visceral, Comportamental e Reflexivo. enquanto tocam e por que músicos, por vezes, se perdem, ficam sem
O nível visceral é veloz: ele faz julgamentos rápidos do que é bom ou ruim, seguro saber o lugar onde estão na música e têm de ouvir a si mesmos tocar
ou perigoso, e envia os sinais apropriados para os músculos (o sistema motor) e aler- para descobrir em que trecho estão. Ou seja, o nível reflexivo foi per-
ta o resto do cérebro. Este é o princípio do processamento afetivo. Eles são biologi-
dido, mas o comportamental funcionou muito bem.
camente determinados e podem ser inibidos ou ampliados através de sinais de con-
trole vindos de cima. O nível comportamental é onde se localiza a maior parte do Agora vamos examinar alguns exemplos desses três níveis em
comportamento humano. Suas ações podem ser aperfeiçoadas ou inibidas pela ação: andar numa montanha-russa; cortar e picar comida com uma
camada reflexiva e, por sua vez, ela pode aperfeiçoar ou inibir a camada visceral. A faca bem afiada numa sólida tábua de madeira; e contemplar uma
camada mais alta é a de pensamento reflexivo. Observe que ela não tem acesso dire- obra de arte ou de literatura importante. Essas três atividades nos
to nem às informações sensoriais nem ao controle do comportamento. Em vez disso,
causam impacto de maneiras diferentes. A primeira é a mais primiti-
ela observa, reflete sobre o nível comportamental e tenta influenciá-lo.
va, a reação visceral às descidas e às subidas em velocidade excessiva.
(Modificado a partir de uma ilustração de Daniel Russell para Norman,
A segunda, o prazer de usar um a boa ferramenta eficientemente,
Ortony, & Russell, 2003.)
Foco e Criatividade
54 DESIGN EMOCIONAL
AS MÚLTIPLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DESIGN 55
ESSA HISTÓRIA mostra os vários níveis do sistema cognitivo e emo-
cional - visceral, comportamental e reflexivo - em operação, lutan-
do entre si. Primeiro, o nível mais básico visceral responde com pra-
zer ao ver o estojo de couro bem projetado e os instrumentos relu-
zentes de aço inoxidável, e sentir seu peso confortável. Essa reação
visceral é imediata e positiva, disparando o gatilho do sistema refle-
xivo para pensar a respeito do passado, muitas décadas antes, "dos
bons e velhos tempos", em que meu amigo e eu usávamos realmente
aqueles instrumentos. Mas quanto mais refletimos a respeito dopas-
sado, mais nos lembramos das experiências negativas concretas e
nelas encontramos o conflito com a reação visceral inicial.
Recordamo-nos de como, na verdade, nos saíamos mal, de
como os instrumentos nunca estavam completamente sob controle,
por vezes fazendo com que perdêssemos horas de trabalho. Agora,
em cada um de nós, o visceral fica em oposição ao reflexivo. A visão
dos instrumentos clássicos é atraente, no entanto a memória do seu
uso é negativa. Como a intensidade da emoção desaparece gradual-
mente com o passar do tempo, o afeto negativo gerado por nossas ILUSTRAÇÃO 2.1
lembranças não supera o afeto positivo gerado pela visão dos pró- Sky diving com salto acrobático:
prios instrumentos. Um medo inato de alcuras ou uma experiência prazerosa?
Esse conflito entre diferentes níveis de emoção é comum no (Rocky Point Pictures, cortesia de Terry Schumacher.)
design: os produtos de verdade oferecem um conjunto contínuo de
conflitos. Uma pessoa interpreta uma experiência em muitos níveis,
mas o que agrada a um pode não agradar a outro. Um projeto bem- função, desempenho e usabilidade. A função de um produto especi-
sucedido tem de ser excelente em todos os níveis. Embora a lógica fica as atividades que ele suporta, para as quais ele foi projetado; se as
possa sugerir, por exemplo, que é mau negócio assustar clientes, par- funções são inadequadas ou não têm nenhum interesse, o produto
ques de diversões e temáticos têm muitos clientes para dar voltas em tem pouca valia. O desempenho diz respeito à medida em que o pro-
duto faz bem as funções desejadas; se o desempenho é inadequado, o
montanhas-russas e passeios em trenzinhos por casas mal-assom-
bradas projetadas para assustar. Mas o susto ocorre num ambiente produto fracassa. A usabilidade descreve a facilidade com que o usuá-
seguro e tranqüilizador. rio do produto pode compreender como ele funciona e como fazê-lo
As exigências de projeto para cada nível diferem enormemente. funcionar. Confunda ou frustre a pessoa que está usando o produto
O nível visceral é preconsciente, anterior ao pensamento. É onde a e terá como resultado emoções negativas. Mas se o produto fizer o
aparência importa e se formam as primeiras impressões. O design que é necessário, se for divertido de usar e com ele for fácil satisfazer
visceral diz respeito ao impacto inicial de um produto, à sua aparên- as metas, então o resultado é afeto positivo caloroso.
cia, toque e sensação. É somente no nível reflexivo que a consciência e os mais altos
O nível comportamental diz respeito ao uso, é sobre a experiên- níveis de sentimento, emoções e cognição residem. É somente nele
cia com um produto. Mas a própria experiência tem muitas facetas: que o pleno impacto tanto do pensamento quanto da emoção são
68 DESIGN EMOCIONA L
AS MÚ LTIPLAS FACES DA EMO ÇÃ O E DO DESIGN 69
mentos importantes; guerras e seus mortos; e a história de Astoria, advento das câmeras digitais, não é mais possível saber exatamente
Oregon, são lembrados nos monumentos representados em miniatura. quantas fotos estão sendo tiradas, mas provavelmente muito mais.
Contudo, esses suvenires servem a dois propósitos. Ao mesmo Embora as fotografias sejam adoradas pelas recordações que
tempo em que um vaso de mera!, estampado com uma réplica de gra- mantêm, as tecnologias de transmissão, impressão, compartilhamen-
vura em chapa de cobre do Túmulo de Lincoln, em Springfield, to de arquivos e exibição de imagem digital são complexas e demora-
Illinois, faz-nos lembrar o décimo sexto presidente, ele também des- das o suficiente para impedir muitas pessoas de salvar, recuperar e
perta a recordação do próprio monumento. Monumentos podem compartilhar com outras pessoas as fotografias que lhes são queridas.
recordar pessoas e acontecimentos significativos; miniaturas arquitetô- Numerosos estudos já mostraram que o trabalho exigido para
nicas recordam os monumentos. transformar uma fotografia na câmera em uma cópia impressa que
O arquiteto Bruce Goff comentou: "Na arquiterura, existe o possa ser compartilhada, desanima muitas pessoas. Desse modo,
motivo pelo qual você faz alguma coisa e depois existe o verdadeiro embora montes de fotografia sejam tiradas, nem todo o filme é reve-
motivo." No caso dos prédios suvenires, a despeito de suas funções lado. Do filme que é revelado, algumas fotos nunca são vistas. Das
ostensivas (ainda que despropositadas), seu verdadeiro motivo perma- fotos que são vistas, muitas simplesmente são postas de volta no
nece sendo o de provocar a memória humana. envelope e guardadas numa caixa, para nunca mais serem olhadas.
(Pessoas da indústria fotográfica chamam de "caixas de sapatos", por-
Nós que estávamos admirando aquelas miniaturas não tínhamos que a armazenagem é geralmente feita nas caixas de papelão nas
necessariamente nenhuma ligação emocional com os objerns - quais vêm os sapatos.) Algumas pessoas organizam cuidadosamente
afinal, não eram nossos; tinham sido colecionados e expostos por suas fotografias em álbuns, mas muitos de nós temos álbuns de foto-
uma outra pessoa. Entretanto, enquanto ia caminhando e vendo a grafias sem uso guardados em armários ou estantes.
exposição, senti-me mais atraído pelos suvenires de lugares que eu Um dos recursos mais preciosos do lar moderno é o tempo, e o
mesmo havia visitado, talvez porque eles me trouxessem recordações esforço necessário para cuidar de todas aquelas maravilhosas fotogra-
daquelas visitas. Contudo, tivesse qualquer uma delas sido emocio- fias é superior ao valor que elas têm. Muito embora tirar as fotogra-
nalmente negativa, eu teria rapidamente me afastado e seguido fias de um envelope e organizá-las em álbuns de fotos seja algo tão
adiante para escapar - não do objeto mas das recordações que ele simples de fazer quanto de se imaginar, a maioria das pessoas não o
despertava em mim. faz. Eu não faço.
As câmeras digitais mudam a ênfase, mas não o princípio. É rela-
.. tivamente simples fazer imagens digitais, fácil mostrá-l~s a partir do
As FOTOGRAFIAS, mais que quase qualquer outra coisa, possuem um mostrador na própria câmera. É mais difícil imprimir as fotografias
especial apelo emocional: elas são pessoais, elas contam histórias. O ou enviá-las por e-mail para amigos e conhecidos. A despeito do
poder da fotografia pessoal está na sua capacidade de transportar o poder do computador pessoal, cópias de fotografias em papel ainda
observador de volta no tempo para algum acontecimento socialmen- são mais fáceis de cuidar e de mostrar do que as versões eletrônicas.
te relevante. Fotografias pessoais são mementos, recordações e ins- Com imagens eletrônicas surge o problema de como arquivá-las de
trumentos sociais, permitindo que as lembranças possam ser com- forma que você possa encontrá-las de novo mais tarde.
partilhadas através dos tempos, de lugares e pessoas. No ano 2000, Desse modo, embora gostemos de ver fotografias, não gostamos
existiam cerca de 200 milhões de máquinas fotográficas só nos de gastar tempo para fazer o trabalho necessário para conservá-las e
Estados Unidos, ou cerca de duas câmeras por domicílio; com essas mantê-las acessíveis. O desafio do design é manter as virtudes
câmeras as pessoas tiraram cerca de 20 bilhões de fotografias. Com o enquanto remove as barreiras: tornar mais fácil arquivar, enviar e
76 DESIGN EMOCIONAL
AS MÚLTIPLAS FACES DA EMOÇÃO E DO DES IGN 77
ILUSTRAÇÃO 2.3 termo mais amplo, geralmente se refere ao que está de acordo com as
Moda do século dezessete. convenções adotadas pela sociedade educada ou por qualquer cultu-
À esquerda, Maria Anna da ra ou subcultura: uma época em que usar o cabelo comprido era a
Bavária, princesa herdeira moda. Estilo é por vezes usado como um correspondente de moda,
da França. À direita, um
"jovem elegante".
mas, como costume, com freqüência sublinha a adoção de padrões
(Braun et ai., cortesia da
de elegância: viajar com estilo; minissaias eram o costume no final
Biblioteca da Northwestern dos anos sessenta. O termo voga é aplicado à moda que domina
University.) amplamente e sugere uma aceitação entusiástica, mas de curta dura-
ção: um videogame que esteve em voga há alguns anos."
filosóficas da qualidade A própria existência dos termos moda, estilo, costume e voga
no design de automó- demonstra a fragilidade do lado reflexivo do design. O que é aprecia-
veis, citando R. M. Pirsig, do hoje pode não ser amanhã. Na verdade, o motivo para a mudan-
em Zen e a arte da ma- ça é exatamente o fato de que alguma coisa outrora foi apreciada:
nutenção de motocicletas quando muitas pessoas gostam de alguma coisa, não é mais conside-
sempre que se tentasse rado apropriado para os líderes de uma sociedade fazerem uso dela.
I fazer um reparo. Afinal, reza o ditado, como pode alguém ser um líder a menos que
A personalidade é, seja diferente, fazendo hoje o que os outros farão amanhã, e fazendo
evidentemente, um assunto complexo por si próprio. Uma forma amanhã o que eles estarão fazendo depois? Mesmo os rebeldes têm
simplificada de pensar em personalidade de produto é que ela reflete de mudar sempre, percebendo cuidadosamente o que está na moda
as muitas decisões a respeito de como é a aparência e o comporta- de maneira a n ão segui-la, cuidadosamente criando sua própria
~,.- ,,
mento de um produto, e como ele é posicionado em todo seu mar-
moda de ir contra a moda.
keting e propaganda. Deste modo, todos os três níveis de design
Como um designer lida com o gosto popular se esse tem pouco
desempenham um papel. A personalidade tem de combinar com o
a ver com substância? Bem, isso depende da natureza do produto e
segmento de mercado. E precisa ser consistente. Reflita a respeito
disso. Se uma pessoa ou produto tem uma personalidade detestável, das intenções da empresa que o produz. Se o produto é algo funda-
pelo menos você sabe o que esperar e pode., planejar o que fazer. mental para a vida e para o bem-estar, a resposta adequada é ignorar
Quando o comportamento é inconsistente e errático, é difícil saber o as alterações contínuas no sentimento popular e almejar alcançar um
que esperar, e as surpresas ocasionais positivas não são suficientes valor de longa duração. Sim, o produto deve ser atraente. Sim, ele
para superar a frustração e a irritação causadas por nunca saber deve ser prazeroso e divertido. Mas também tem de ser eficiente,
muito bem o que esperar. inteligível e ter um preço apropriado. Em outras palavras, deve bus-
As personalidades de produtos, empresas e marcas precisam de car equilíbrio entre os três níveis de design.
tanto cuidado quanto o produto propriamente dito. A longo prazo, um estilo simples com qualidade de construção
O American Herítage Dictionary define moda, estilo, costume e e desempenho efetivo ainda predomina. De modo que em uma
voga da seguinte maneira: "Esses substantivos se referem a uma empresa que fabrica máquinas de escritório, ou utensílios básicos
maneira dominante ou preferida de vestuário, adorno, comporta- domésticos, ou web sites para remessa de mercadorias, comércio, ou
mento, ou ao modo de viver em uma determinada época. Moda, o informações, seria inteligente ater-se aos requisitos básicos. Nesses
,.....
,,
82 DESIGN EMOCIONAL
Capítulo 3
TRÊS N Í V EI S D E D ESI G N 85
maremoto de marcas de água engarrafada", era o que afirmava um tam e, como observamos no capítulo 2, recordações podem desenca-
web site que consultei. Um outro web site enfatizava o papel da emo- dear poderosas emoções de longa duração.
ção: "Designers de embalagem e gerentes de marca estão buscando ir Quais são os fatores de design em jogo nesse caso, onde a pura
além dos elementos gráficos ou até do design como um todo, para aparência é a questão, a beleza que se encontra toda na superfície? É
forjar um laço emocional entre os consumidores e as marcas." A onde os processos genéticos e biológicos predeterminados desempe-
venda de água engarrafada a um preço mais alto que o custo normal nham seu papel. Aqui os designs têm a tendência de ser "um doce
em grandes cidades do mundo, onde a água da torneira é perfeita- para os olhos", tão doces para o olhar quanto o sabor de uma bala o
mente saudável, tornou-se um grande negócio. A água vendida dessa é para a boca. Contudo, exatamente como as balas de sabor doce são
maneira é mais cara que gasolina. De fato, o custo é parte da atração destituídas de valor nutricional, a aparência é vazia sob a superfície.
em que o lado reflexivo da mente diz: "Se é assim tão cara, deve ser As respostas humanas aos objetos do dia-a-dia são complexas,
especial." determinadas por uma variedade de fatores. Nguns deles indepen-
E algumas das garrafas são especiais, sensuais e coloridas. As pes- dem da pessoa, são controlados pelo designer e fabricante, ou pela
soas guardam os cascos das garrafas, por vezes reenchendo-as com propaganda e elementos como imagem de marca. E alguns vêm de
água da torneira. Isso, é claro, demonstra que o sucesso do produto dentro, de nossas próprias experiências pessoais. Cada um dos três
•
depende da embalagem, não do conteúdo. Desse modo, como gar- níveis de design - o visceral, o comportamental e o reflexivo -
rafas de vinho, garrafas d'água servem como elementos decorativos desempenha seu papel ao dar forma à nossa experiência. Cada um é
em aposentos muito depois de terem servido a seu propósito inicial. tão importante quanto os outros, mas cada um requer uma aborda-
Vejam só o que diz um outro web site. "Quase todo mundo que gem diferente por parte do designer.
gosta da Agua Mineral Natural TyNant admite guardar uma ou
duas garrafas em casa ou no escritório como ornamento, vaso ou
coisa semelhante. Os fo tógrafos ficam positivamente fascinados O design visceral
,..., ~
com o encanto fotogênico da garrafa. (Na ilustração 3. 1, a garrafa
com a flo r é a TyNant.) O design visceral é o que a natureza faz. Nós, seres humanos, evoluí-
Como uma marca de água se distingue de outra? O tipo de mos para coexistir no ambiente com outros seres humanos, animais,
embalagem é uma resposta, uma embalagem característica que, no plantas, paisagens, condições climáticas, e outros fenômenos natu- ..,
caso da água, significa design de garrafa. Vidro, plástico, qualquer rais. Como resultado disso, somos singularmente sintonizados para
que seja o material, o design se torna o prodtito. É o engarrafamen- receber poderosos sinais emocionais do ambiente, que são interpre-
to que atrai o poderoso nível visceral da emoção, que causa uma tados automaticamente no nível visceral. É daí que vêm as listas de
emoção imediata e visceral: "Uau! Gosto d isso, eu quero isso." Esse características apresentadas no capítulo 1. Desse modo, a plumagem
é, como me explicou um designer, o fator "uau". colorida de pássaros machos foi seletivamente realçada ao longo do
O lado reflexivo da emoção também está envolvido, pois as gar-
processo evolucionário para ser atraente ao máximo para as fêmeas
rafas guardadas podem servir como lembranças da ocasião em que a de pássaros - como, por sua vez, foram também as preferências das
bebida foi comprada ou consumida. Como tanto o vinho quanto a
fêmeas de pássaros de modo a discriminar melhor entre as pluma-
água que são caros, por vezes são comprados para ocasiões especiais,
gens de machos. É um processo interativo, co-adaptativo, cada ani-
as garrafas servem como lembranças dessas ocasiões, adquirindo um
mal se adaptando ao longo de muitas gerações para servir ao outro.
valor emocional especial, tornando-se objetos significativos, não por
Um processo semelhante ocorre entre machos e fêmeas de outras
causa dos objetos em si, mas por causa das recordações que desper-
-- O componente sensual do
design comportamental.
O design comportamental en-
fatiza o uso de objetos, neste
caso a sensação sensual do
chuveiro: um componente es-
sencial, freqüentemente esque-
cido, do bom design compor-
tamental. O Chuveiro Kohler
WaterHaven.
(Cortesia da Kohler Co.)
ILUSTRAÇÃO 3.2
O Jaguar 1961 tipo-E: Visceralmente empolgante.
Esse carro é um exemplo clássico do poder do design visceral, esguio, elegante,
empolgante. Não é surpresa que o carro faça parte da coleção de design do Museu
de Arte Moderna de Nova York. (Cortesia da Ford Motor Corporation.)
92 DESIGN EMOCIONAL
TRÊS NÍVEIS DE DESIGN 93
Thomas Edison achava que o fonógrafo iria eliminar a necessidade de design? Provavelmente não, provavelmente apenas atribuiu a
de cartas escritas em papel, que os homens de negócios ditariam seus culpa a si mesmo. Pois bem, todos eles poderiam ser corrigidos por
pensamentos e enviariam as gravações pelo correio. O computador um design apropriado. Por que não projetar uma chave simétrica que
pessoal foi tão mal compreendido, que vários grandes fabricantes de funcione não importa em que sentido seja inserida numa fechadura?
computador na época o descartaram por completo: algumas dessas Por que não projetar carros, nos quais a chave seja necessária para
outrora grandes empresas não existem mais. O telefone foi concebi- fechar as portas, de modo que o carro não possa ser trancado com as
do para ser um instrumento de negócios e, nos primeiros tempos de chaves dentro? Por que não tornar possível fechar as janelas estando
sua invenção, as companhias telefônicas tentaram dissuadir os clien- fora do carro? Todos esses designs já existem, mas foi necessária
tes de usar o telefone para meras conversas e falar da vida alheia. muita observação perspicaz para que os projetistas admitissem que os
Não se pode avaliar uma inovação ao pedir a clientes em poten- problemas poderiam ser superados.
cial que dêem suas opiniões. Isso exige que as pessoas imaginem Você alguma vez já pôs as pilhas ao contrário em um produto?
alguma coisa com a qual elas não têm nenhuma experiência. Suas Por que isso sequer é possível? Por que as pilhas não são projetadas de
respostas, ao longo da história, têm sido notoriamente ruins. As pes- modo que só possam entrar em seus lugares, viradas no sentido
soas disseram que gostariam realmente de ter alguns produtos que, certo, tornando impossível inseri-las no sentido errado? Eu descon- 11 11
quando lançados no mercado, fracassaram. De maneira semelhante, fio que os fabricantes de pilhas não se importam e que os fabricantes
disseram que simplesmente não estavam interessadas em produtos que compram e especificam pilhas para seus equipamentos jamais
que depois se tornaram gigantescos sucessos comerciais. O telefone consideraram a possibilidade de fazer as coisas melhor. As pilhas
celular é um bom exemplo. Inicialmente, acreditou-se que iria ser cilíndricas padrão são excelentes exemplos de um pobre design com-
útil para um número limitado de pessoas no mundo de negócios. portamental, de não compreender os problemas que as pessoas
Muito poucas pessoas podiam se imaginar carregando um deles sim- enfrentam quando têm de descobrir de que lado fica o positivo e de 1
plesmente para interação pessoal. De fato, quando pessoas compra- que lado fica o negativo em cada aparelho - especialmente diante de
.if,u ram celulares, explicaram que não pretendiam usá-los, mas que os avisos de advertência que indicam que o equipamento pode ser dani- p·
teriam para "casos de emergência". Prever a popularidade de um ficado se as pilhas forem inseridas incorretamente.
novo produto é quase impossível antes que ele de fato exista, muito Vamos considerar o automóvel. Obviamente, é fácil notar que o
embora pareça evidente depois.
Os aperfeiçoamentos de um produto surgem principalmente da
bagageiro deveria ser maior ou que o ajuste dos assentos deveria ser
mais fácil, mas que tal um acessório óbvio como um suporte para
i'
observação de como as pessoas usam o que existe hoje, para descobrir bebidas? As pessoas gostam de tomar café e refrigerantes enquanto
as dificuldades e então superá-las. Mesmo assim, pode ser mais difí- dirigem seus carros. Hoje isso parece uma necessidade óbvia em um
cil determinar as necessidades reais do que poderia parecer óbvio. As automóvel, mas nem sempre se pensava assim. Os automóveis estão
pessoas têm dificuldade de descrever em palavras seus problemas em circulação há cerca de um século, mas suportes para bebidas não
reais. Mesmo quando têm consciência de um problema, não é sem- eram considerados apropriados para seus interiores até bastante 1
pre que pensam que seja uma questão de design. Você alguma vez já recentemente, e a inovação não veio dos fabricantes de automóveis -
lutou com uma chave, para descobrir que a estava inserindo de cabe- eles resistiram a ela. Aconteceu que pequenos fabricantes se deram
ça para baixo? Ou já trancou suas chaves dentro do carro? Ou tran- conta da necessidade, provavelmente porque haviam construído os
cou o carro e descobriu em seguida que tinha deixado as janelas aber- suportes para si próprios, e então descobriram que outras pessoas
tas, de modo que precisou destrancar o carro e entrar para fechá-las? também os queriam. Em pouco tempo, todos os tipos de acessórios
Em qualquer desses casos, você imaginaria que esses eram problemas que se podiam acrescentar estavam sendo fabricados. Eram relativa-
!
segurar bebidas. O novo design tinha numerosos aperfeiçoamentos
mente baratos e fáceis de instalar em um carro: suportes adesivos,
importantes do produto, tanto na aparência quanto no comporta-
suportes magnéticos, suportes para saquinhos. Alguns presos às jane-
mento - design visceral e comportamental - e demonstrou ser um
las, alguns ao painel e alguns ao espaço entre os assentos. Foi somen-
sucesso de mercado. Em que medida o suporte para bebida foi
te porque eles se tornaram tão populares que os fabricantes lenta-
importante para o sucesso do novo design? Provavelmente não
mente começaram a acrescentá-los como acessórios de série no carro.
muito, a não ser pelo fato de que demonstrava atenção às exigências
Agora existe uma vasta variedade de suportes inteligentes. Algumas
reais do cliente, o que traduz os produtos de qualidade. Como a
pessoas afirmam que compraram uma determinada marca de auto-
Herbst LaZar Bel[ de maneira muito justa enfatiza, o verdadeiro
móvel unicamente por causa de seus suportes para bebidas. Comprar
desafio do design de produto é "compreender as necessidades do
um carro unicamente por causa de um suporte para bebida? Por que
usuário final ainda não manifestadas e que não estão sendo atendi-
não? Se o carro é usado principalmente para a viagem diária até a
das". Este é o desafio do design: descobrir as verdadeiras necessidades
estação de trem ou metrô e para executar pequenas tarefas numa
que mesmo as pessoas que as têm ainda não conseguem formular
cidade, a conveniência e o conforto para motoristas e passageiros são
as necessidades mais importantes. nem manifestar.
Mesmo depois que a necessidade de suportes para bebidas era Como se faz para descobrir "necessidades não formuladas"?
óbvia, os fabricantes alemães resistiram a eles, explicando que auto- Com certeza, não através de perguntas, não por meio de grupos de
móveis eram para ser dirigidos, não lugares para beber. (Desconfio foco, não através de pesquisas ou questionários. Quem teria pensado
de que essa atitude reflita a cultura de design antiquado dos automó- em mencionar um suporte para bebidas num carro, numa escada
veis alemães, que proclama que o engenheiro é quem sabe o que é portátil, ou numa máquina de limpeza? Afinal, beber café não pare-
melhor, e considera irrelevantes estudos feitos com pessoas de carne ce ser mais uma exigência para a limpeza do que o é para dirigir um
e osso que dirigem seus carros. Mas se automóveis são apenas para automóvel. Só depois que esses aperfeiçoamentos são feitos é que
I"
serem dirigidos, por que os alemães fornecem cinzeiros, isqueiros e todo mundo pensa que sejam óbvios e necessários. Como a maioria
j, ..
rádios?) Os alemães reconsideraram somente sua opinião quando das pessoas não tem consciência de suas verdadeiras necessidades,
quedas nas vendas nos Estados Unidos foram atribuídas à falta de descobri-las exige observações cuidadosas em seu ambiente natural.
suportes para bebidas. Os engenheiros e designers que acreditam não O observador treinado pode identificar dificuldades e soluções que
ser necessário observar as pessoas que usam seus produtos são uma mesmo a pessoa que as experimenta não reconhece conscientemen-
das principais fontes dos muitos projetos de má qualidade com que te. Mas uma vez que um problema foi apontado, é fácil saber quan-
somos obrigados a conviver. do se acertou o alvo. A resposta das pessoas que realmente usam o
Meus amigos na empresa de design industrial Herbst LaZar Bell produto tem a tendência de ser algo do tipo: ''Ah, sim, você tem
me disseram que lhes tinha sido pedido por uma empresa que rede- razão, isso é realmente uma chateação. Será que dá para resolver?
senhassem a máquina de limpar pisos de maneira a satisfazer uma Seria maravilhoso." 1
longa lista de requisitos. Suportes para segurar bebidas não consta- Depois da função vem a compreensão. Se você n ão consegue
vam na lista, mas talvez devessem constar. Quando os designers visi- compreender um produto, não pode usá-lo - ou, pelo menos não 1
O design do fone de ouvido era um desafio. Fones pequenos e O lado tortuoso do design
leves, embora mais confortáveis, não são fortes o suficiente. Mais
importante, contudo, os treinadores os rejeitavam. Os treinadores Para os não iniciados, entrar na loja de jeans Diesel, na Union Square
West, parece muito com entrar de repente, de tropeção, numa rave.
são líderes de times grandes e ativos. Os jogadores de futebol ameri-
que propósito?" Mas, quando coloquei o coador numa xícara, seus O coador de chá Te o de Stefano Pirovano, fabricado por Alessi.
A imagem é engraçadinha, a cor e as formas atraentes. Prazeroso?
olhos se iluminaram, e ele deu uma gargalhada (ver ilustração 4.5).
Sim, ligeiramente. Divertido? Ainda não.
À primeira vista, os braços e pernas do boneco são simplesmen- (Coleção do autor.)
te engraçadinhos, mas quando se torna aparente que essa graça tam-
bém é funcional, o que é "engraçadinho" se transforma em "prazer"
Será que a familiaridade não acaba gerando desprezo, como diz
e "diversão", e isso, além do mais, é de longa duração. Sato e eu pas-
o velho ditado popular? Muitas coisas são engraçadas ou divertidas
samos boa parte da hora seguinte tentando compreender o que trans-
num primeiro momento, mas, com o passar do tempo, perdem a
forma uma impressão de graça passageira em uma de prazer profun-
graça ou até se tornam cansativas. Em minha casa o coador de chá
do e duradouro. No caso do coador Te o, a transformação inesperada
fica em permanente exibição, encarapitado numa caneca de chá ani-
é o segredo. Nós dois reparamos que a essênci; da surpresa estava na
nhada em meio aos três bules de chá no parapeito da janela de minha
separação entre as duas visões: primeiro o coador sozinho, depois
cozinha. O charme do coador de chá é que ele conserva sua graça
encaixado na caneca de chá. "Se você publicar isto em seu livro,"
mesmo depois de um tempo de uso considerável, apesar de que eu o
advertiu-me Sato, "certifique-se de ter apenas a imagem do coador
vejo todos os dias.
visível em uma página, e faça o leitor virar a página para ver o coador
Mas cá entre nós, o coador de chá não é um objeto de grande
encaixado numa xícara. Se não fizer isso, a surpresa - e a graça - não importância, e creio que mesmo Pirovano, seu criador, concordaria
serão tão intensos." Como se pode ver, segui o conselho. com isso. Mas ele vence o teste do tempo. Essa é uma das marcas de
O que transforma o coador de "engraçadinho" em "divertido"? É qualidade do bom design. O design extraordinário - como literatu-
a surpresa? A engenhosidade? Certamente esses dois aspectos desem- ra, música ou arte extraordinária- pode ser apreciado mesmo depois
penham papel importante. de uso contínuo e de presença continuada.
Pessoas, Lugares
e Objetos
" li.I-Al-Al,
A A COITADINHA DA CADEIRA PERDEU SUA BOLA, E NÃO
quer que ninguém saiba." Para mim, a coisa mais interessante ares-
peito da cadeira na ilustração 5.1 é que minha reação ao ver a "coita-
dinha da cadeira" seja perfeitamente sensata. Eu certamente não
acredito que a cadeira seja animada, que tenha um cérebro, quanto
mais sentimentos e crenças. Contudo, ela está dara e discretamente
espichando o pé de mansinho, na esperança de que ninguém repare.
O que está acontecendo?
Esse é um exemplo de nossa tendência de perceber reações emo-
cionais em qualquer coisa, animada ou não. Somos criaturas sociais,
biologicamente preparadas para interagir com outras, e a natureza
dessa interação depende muito de nossa capacidade de compreender
o estado de espírito dos outros. Expressões faciais e linguagem corpo-
ral são automáticas, resultados indiretos de nosso estado afetivo, em
parte porque o afeto está intimamente ligado ao comportamento.
Uma vez que o sistema emocional instrui nossos músculos pre-
parando-os para a ação, outras pessoas podem interpretar nossos
estados internos ao observar como estamos tensos ou relaxados,
como nossa face se modifica, como os membros de nosso corpo se
movem - em suma, nossa linguagem corporal. Ao longo de milhões
!LUSTRAÇÃO 5.1 de anos, essa capacidade de interpretar os outros se tornou parte de
Epa! Ai-ai-ai, coitadinha da cadeira!
nossa herança biológica. Como resultado disso, prontamente perce-
Ela perdeu sua bola, e não quer que ninguém saiba! Vejam com que discri-
ção está espichando o pé, bem de mansinho, na esperança de recuperá-la
bemos estados emocionais em outras pessoas e, já que estamos
anres que alguém perceba. falando nisso, em qualquer coisa que seja vagamente parecida com
1
(Renwick Gallery; imagem, cortesia de Jake Cress, marceneiro.) a vida. Daí nossa reação à imagem 5.1: a postura da cadeira é muito 11
convincente.
Máquinas Emocionais
Dave, pare ... Pare, por favor... Você quer parar, Dave... Pare, Dave ... Eu
estou com medo. Estou com medo .. . Eu estou com medo, D ave.. .
Dave ... Estou perdendo a capacidade de pensar... Posso sentír ísso .. .
Posso sentir ísso ... Estou perdendo a capacidade de pensar. .. Não tenho
dúvida quanto a isso ... Estou sentindo... Estou sentindo ... Estou com
m ... medo.
- HAL, o computad or todo-poderoso,
no filme 2001: Uma odisséia no espaço.
. Í\rr
troles clínicos e aplicados, precisam ser interpretadas com cuidado.
Portanto, reflitam, por exemplo, sobre o funcionamento do assim
chamado detector de mentiras. Um detector de mentiras é, se é que
-
• é alguma coisa, nada mais que um detector de emoções. O método é
tecnicamente chamado de "teste de polígrafo" porque ele funciona
simultaneamente gravando e registrando graficamente múltiplos
fatores, tais como freqüência cardíaca, freqüência respiratória e con-
dutividade da pele. Um detector de mentiras não detecta falsidades,
ele detecta as respostas sensitivas de uma pessoa a uma série de per-
guntas formuladas pelo examinador, quando se presume que algu-
mas das respostas sejam verdadeiras (e desse modo exibem baixas res-
postas emocionais) e algumas mentirosas (e desse modo exibem altas
respostas sensitivas) . É fácil ver por que os detectores de mentiras são
-= ...
tão controversos. Pessoas inocentes poderiam ter intensas reações
emocionais a perguntas críticas, enquanto pessoas culpadas pode-
riam não mostrar reação alguma às mesmas perguntas.
Os operadores habilidosos e capacitados de detectores de menti-
ras tentam compensar essas dificuldades através do uso de perguntas
de controle para calibrar as respostas de uma pessoa. Por exemplo, ao
!LUSTRAÇÃO 6.5 fazer uma pergunta para a qual esperam uma mentira como respos-
O programa de computação sensitiva do MIT. ta, mas que não é relevante para o caso em questão, eles podem ver
O diagrama indica a complexidade do sistema sensitivo h umano e os desafios e difi-
como se mostra uma resposta mentirosa na pessoa sendo submetida
culdades exigidos para monitorar o sentimento apropriadamente. (Trabalho da pro-
fessora Rosalind Picard do MIT. ) ao teste. Isso é feito através de entrevistas feitas com o suspeito e pela
(O desenho é cortesia de Roz Picard e jonathan Klein.) criação de uma série de perguntas concebidas para trazer à tona um
~~ D2i:J ~~
(
u u
capacidades Motoras
D D
Sistema
Sistema Comportamental
Emocional
Sistema
Perceptivo D
~10 D
Arbítrio
de emoções
Contexto D Evocadores
Sensitivo e in de emoções
Comportamental 1l <;:::;
c:j
&
Características
Perceptivas
g_
O
;
Avaliaçõo
Afetiva < l
j Disparadores
"'
ILUSTRAÇÃO 6.7
O sistema emocional do Kismet.
ILUSTRAÇÃO 6.6 O centro da operação do Kismet está na interação entre percepção,
Kismet, um rob6 concebido para interações sociais, com emoção e comportamento.
uma expressão de surpresa. (Imagem redesenhada, ligeiramente modificada com a autorização de Cynthia
(Imagem cortesia de Cynthia Breazeal.) Breazeal de http://www.ai. mit.edulprojectslsociablelemotiom.html)
Meu próprio web site - eu às vezes quero desistir dele porque impõe
Se quiserem uma regra de ouro que se aplique a todo mundo é a
grandes exigências sobre o meu tempo, mas ele me representa online de seguinte: Não tenham nada em suas casas que não saibam com certeza
maneira tão pessoal, que é impossível imaginar a vida sem ele. O site que seja útil ou que não acreditem que seja bonito.
me traz amigos e aventuras, viagem e elogios, humor e surpresas.
Tornou-se minha interface com o mundo. Sem ele, uma parte impor-
tante de mim não existiria.
NOTAS 265
52 "um simbolismo sonoro governa o desenvolvimento" (Hinton, Nichols & 85 "Entre num corredor de mercado." Do web site "The Boccled Water Web":
Ohala, 1994) http://www.bottledwaterweb.com/indus.html.
86 "Designers de embalagem e gerentes de marca." D o web site da "Prepared
Capítulo Dois: As Múltiplas Faces da Emoção e do Design Foods.com": http://www.preparedfoods.com/archives/ 1998/981 0/98 10packa-
61 "quase 20 mil só nos Estados Unidos". Editores de Revistas da América, estimati- ging.htm.
vas para o ano 2001. 86 "Quase todo mundo que gosta da Água Mineral Natural TyNant." Do site da
http:/www.magazine.org/consumer_marketing/index.html TyNant: http:/ /www.cynant.comcliencs.htm.
92 "Os princípios do bom design comportamental são bem conhecidos" (...) eu os
66 "kitsch". The Columbia Electronic Encyclopedia, Copyright© 1999, Columbia
enumerei e expliquei em meu livro O design do dia-a-dia (Norman, 2002a). Ver
University Press. Todos os direitos reservados. www.cc.columbia.edu/cu/cup/
também: (Cooper, 1999; Raskin, 2000)
66 "Ninguém vai mais lá. É cheio demais". (Berra & Horton, 1989)
97 "Compreender as necessidades do usuário final ainda não manifestadas e que não
68 The Meaning o/Things (Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton, 1981)
estão sendo atendidas." De um estudo de caso de Herbst LaZar Bell da escadinha
68 "Elas foram as primeiras cadeiras que eu e meu marido compramos"
plataforma "Penguin", que me foi enviado em meados de 2002
(Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton, 1981, p. 60)
101 "Tome, experimente isso." A Tech Boxé descrita mais detalhadamente no livro
69 "Objetos domésticos" (Csikszentmihalyi e Rochberg-Halton, 1981, p. 187)
de Tom Kelley sobre a IDEO (Kelly & Littman, 2001, pp. 142-146).
69 "quando fui ver as peças em exibição no Aeroporto de San Francisco". The San
11 O "Swatch é design" Guia para estudantes do web site da Swatch (Swatch Watch
Franscisco Airport Museums: http://www.sfoarts.org/.
Corporation)
69 ''A maravilha dos prédios em miniatura" Texto da exposição (Smookler, 2002)
110 "Em seu importante livro sobre" (Coates, 2003, p. 2.)
73 "Acompanhando cada foto, há uma história" (Cowen, 2002)
115 "O principal objetivo na concepção do Fone dos Treinadores." Declaração de
73 "Frohlich descreve as possibilidades da seguinte maneira" (Cowen, 2002)
Steve Remy, engenheiro mecânico sénior e gerente de projeto da HLB, citada num
75 "Mas ponham asiáticos em uma situação individualista" (Kirayama, 2002)
comunicado à imprensa sobre o software Pro/ENGINEER da PTC que foi usado
76 "a Heathkit Company". A empresa parou de produzir os kits, embora ainda pro-
pela HLB para o projeto. (23 de julho de 2001. Encontrado em http://www.lois-
duza materiais de uso educativo para aprendizado de eletrônica. Vejam a história no
paul.com.)
site. http:/ /www.heathkit-museum.com/history.shtml.
115 "Para os não iniciados" Copyright© 2002 do The New York Times Co., publica-
76 "Conforme explicaram as pesquisadoras de mercado Bonnie Goebert e Herma
do com permissão (St. John, 2002)
Rosenthal" (Goebert & Rosenthal, 2001. As citações são do Capítulo 1: Ouvir pri- 117 "Quando você está vestindo um terno de mil dólares" (Rushkoff, 1999, p. 24)
meira lição, o valor de grupos de foco.) 119 "livro de Paco Underhill" (Underhill, 1999)
78 Zen e a arte da manutenção de motocicletas (Pirsig, 1974) 120 "uma alegoria de ficção científica, altamente ambiciosa, extremamente cara" e
78 "O American Heritage Dictionary define moda... " The American Heritage ® também, "o simbolismo criava tamanha confusão." Da crítica escrita por A. O.
Dictionary ofthe English Language, Fourth Edition, Copyright© 2000 de Houghton Scott para o New York Times sobre o filme restaurado (Scott, 2002)
Miffiin Company. 122 "Os brilhantes artistas conceituais Viraly Komar e Alex Melamid" (Komar,
81 "O branding emocional é baseado na confiança singular estabelecida com um Melamid & Wypijewski, 1997)
público." (Gobé, 2001. Do prefácio, página ix.) 122 "Design perfeitamente 'centrado no usuário."' Extraído do ensaio de
Lieberman "The Tyranny ofEvaluation", disponível em seu site. Modifiquei os ter-
Capítulo Três: Três Níveis de Design: Visceral, Comportamental mos "interfaces centradas no usuário" para "design centrado no usuário" (com a per-
e Reflexivo missão dele) para fazer com que o argumento se aplicasse de maneira mais geral.
85 "Eu me lembro de decidir comprar Apollinaris." Mensagem de email de Hugues (Lieberman, 2003)
Belanger, em resposta à pergunta de minha pesquisa, dia 6 de maio de 2002. Para
ver a garrafa, conforme disse Belanger: Para ver uma foto da garrafa, visice o site Capítulo Quatro: Diversão e Games
http://www.apollinaris.de/english/index.html (leve o mouse até "Products" e clique 123 "O professor Hiroshi lshii, do Laboratório de Mídia do MIT, corre de um lado
em ''Apollinaris Classic") para o outro." A melhor maneira de ter uma boa visão do trabalho de lshii e apreciá-