Você está na página 1de 27
pessoas que levam a vida sem serem capazes de expressar essa aptiddio no discurso. No caso das emogGes, entretanto, a resposta corporal constitui parte integrante do processo global da emogio. Como certa vez observou William James, pai da psicologia americana, é dificil imaginar as emogSes sem a presenca de suas expresses corporais.57 Conhecemos nossas emogées por suas intromissdes (bem-vindas ou ndo) em nossa mente consciente. Mas as emogées nao surgiram como sentimentos conscientes, Elas se desenvolveram como especializages fisiolégicas e comportamentaais, reacGes fisicas controladas pelo cérebro que possibilitaram aos organismos ancestrais a sobrevivéncia em ambientes hostis e a procriagdo. Se a maquina biolégica da emocdo, endo da cognigéo, envolve fundamentalmente o corpo, ent&o so necessarios diferentes tipos de maquina para processar as emogées e a cogniggo. Mesmo se a argumentac&o funcionalista (de que o hardware é irrelevante) pudesse ser aceita para os aspectos cognitivos da mente (0 que nao estd claro), ao que parece ela néo iria funcionar nos aspectos emocionais da mente (pois o hardware parece fazer uma grande diferenca quando se trata das emogées). © primeiro passo fundamental para a obtenco de uma experiéncia emocional plena é programar o computador para que ele esteja consciente; Pporquanto os sentimentos, por meio dos quais conhecemos nossas emocées, afloram quando tomamos consciéncia da atuac&o inconsciente dos sistemas emocionais no cérebro. Contudo, ainda que fosse possivel programar um computador para que ele se tornasse consciente, ele ndo poderia ser programado para ter uma emocSo, pois 0 computador ndo tem a composi¢go apropriada, a qual provém ndo de um conjunto engenhoso de artefatos humanos, mas sim de muitas eras de evolugo biolégica, 35 SANGUE, SUOR E LAGRIMAS GSD “Tao ardente e pujante era o meu amor que me fazia entrar em ebuligéo.” David Crockett, A Narrative of the Life of David Crockettt NAO OBSTANTE A DESATENCAO despreocupada com que a ciéncia cognitiva tratou © tema da emocio, os cientistas que se dedicam ao estudo das emogdes em nenhum momento ignoraram a cognico. Na verdade, os psicdlogos que se interessam pela emog3o, seduzidos pelo cardter intelectualmente estimulante € pela atracdo despertada pela ciéncia cognitiva, durante algum tempo buscaram explicar as emogées em termos de processos cognitivos, Segundo essa maneira de pensar, a emog&o nao é diferente da cognicio — as emocGes constituem tdo- somente pensamentos acerca de situacdes em que nos encontramos. Embora esse enfoque tenha alcangado um relativo sucesso, 0 prego foi muito alto. Trocando o arrebatamento de uma emogio por reflexdes a respeito, as teorias cognitivas transformaram as emogdes em estados de espirito frios e sem vida. Desprovidas de som e furia, as emogées enquanto cognicdes nada significam, ou ao menos no guardam um significado especialmente emocional. Nossas emocées séo repletas de sangue, suor e lagrimas, mas isto nao seria evidente apés a andlise da moderna pesquisa cognitiva das emogbes. Nem sempre essa espécie de pesquisa foi assim; portanto, vejamos como e por que ocorreu uma tal transformacao. 36 Calor Corporal Por que fugimos se percebemos que estamos correndo perigo? Porque temos medo do que podera acontecer se no escaparmos. Essa resposta dbvia (e incorreta) para uma pergunta aparentemente insignificante encontra-se no centro de uma polémica secular sobre a natureza de nossas emocées. Tudo comecou em 1884, quando William James publicou um artigo intitulado “O que a Emocéo?"2 numa revista de filosofia chamada Mind (Mente), pois ainda no existiam revistas de psicologia. A publicacdo desse artigo foi importante ndo apenas por ter oferecido uma resposta definitiva & questo levantada, mas também pela maneira como James formulou sua resposta. Para ele, a emoso constituia uma seqiiéncia de acontecimentos que tém inicio com a ocorréncia de um estimulo excitante e termina com um sentimento arrebatado, uma experiéncia emocional consciente. A finalidade maior da pesquisa das emagées continua sendo 0 esclarecimento dessa seqiiéncia estimulo-atésentimento — definindo quais séo 9s processos encontrados entre o estimulo e 0 sentimento. James procurou responder a essa pergunta fazendo uma outra: nés fugimos de um urso porque sentimos medo ou sentimos medo porque fugimos? Ele sustentou que a resposta dbvia, qual seja, que fugimos porque sentimos medo, estava errada, e demonstrou que, ao contrario, sentimos medo porque fugimos: ‘A maneira mais natural de pensar (...) as emogdes é que a percepcio mental de certos fatos estimula a disposicgo mental chamada emog0, ¢ que este estado de espirito dé origem & expresso corporal. Minha tese, pelo contrario, sustenta que as mudangas corporais decorrem diretamente da PERCEPCAO do fator estimulante, e que nossa sensaco das mesmas mudangas no momento em que ocorrem E a emociio.? Em esséncia, a proposicio de James era simples, estabelecendo como premissa 0 fato de que, comumente, as emogdes so acompanhadas de reacées corporais (coragdo acelerado, contragdo do estémago, palmas das maos suadas, misculos tensos e assim por diante) e nds podemos sentir tanto o que esta acontecendo no interior de nosso corpo como no mundo externo. Segundo James, as emogGes provocam sensagées diferentes de outros estados de espirito porque apresentam essas reagdes corporais, as quais do origem a sensacGes internas; e emocies diferentes provocam sensagdes diversas porque séo acompanhadas de reages fisicas e sensagdes variadas. Por exemplo, ao vermos 0 urso de James, batemos em retirada. Durante essa atitude de fuga, 0 corpo sofre um cataclismo fisiolégico: a press%io sangiiinea dispara, aumenta a velocidade dos batimentos cardiacos, as pupilas dilatam-se, as palmas ficam Umidas, os miisculos sofrem certas contracées. Outras situagdes emocionais produziro diferentes reacdes a7 corporais. Em cada caso, as respostas fisiolégicas retornam ao cérebro na forma de sensagées fisicas, e 0 padrdo Unico de feedback sensorial confere a cada emogao uma qualidade singular. O medo produz uma sensacdo diferente da raiva ou do amor porque possui uma caracteristica fisiolégica diferente. O aspecto mental da emogio, o sentimento, & escravo de sua fisiologia, e n&o o contrério: n&o trememos porque sentimos medo, nem choramos porque estamos tristes; sentimos medo porque trememos e ficamos tristes porque choramos. ESTIMULO. 2 ‘SENTIMENTO FIGURA 3-1 Sequéncia Estimulo-Sentimento ‘A identificacao dos processos entre a ocorréncia de um estimulo capaz de despertar uma emocdo ‘as emogées conscientes (sentimentos) que ela suprime constitui uma das metas primordiais da pesquisa das emogées. Infelizmente, essa meta tem sido buscada via de regra & custa de um certo nidimero de outros propésitos igualmente importantes. esTiMuio ‘SENTIMENTO. REsosTA | (Uso) = ec) raga) | esTiMULo RESPOSTA sentento | (Ui) (Fuge) nese) FIGURA 3-2 ‘As Duas Sequéncias da Emogao Segundo William James A pesquisa sobre as emogées teve inicio, na época moderna, quando James questionou se os sentimentos provocavam reages emocionais ou se as reagdes é que ocasionavam sentimentos. Ao responder que as reagdes provocam sentimentos, James langou as bases para uma polémica centenéria sobre a origem dos sentimentos. Infelizmente, a indagaco acerca da causa original das reagdes tem sido sistematicamente negligenciada, Luta ou Fuga A teoria de James influenciou a psicologia das emogées até a década de 20, quando foi questionada por Walter Cannon, importante fisiologista que estivera pesquisando as reagées fisicas resultantes de estados de fome e emogio intensos.4 A investigaco de Cannon levou-o a apresentar o conceito de “reagéo de emergéncia”, resposta fisiolégica especifica do corpo que acompanha qualquer estado em que seja necessério dispéndio de energia fisica. Segundo a hipdtese de Cannon, o fluxo sangilineo é redistribuido para as areas do corpo que estarao ativas durante uma situacéo de emergéncia, de modo que o suprimento energético, transportado pelo sangue, alcancard os misculos e érgdos 38 fundamentais. Por exemplo, numa luta os musculos necessitam de mais energia do que os érgios internos (a energia utlizada na digesttio pode ser sacrificada em favor da energia muscular durante um combate). Portanto, a reacéo de emergéncia, ou “reagio de luta-ou-fuga’, constitui uma resposta adaptativa que se antecipa e favorece 0 consumo de energia, o que costuma ocorrer em estados emocionais. ESTiMULO.. RESPOSTA ——, FEEDBACK —.. si AgAO FIGURA 3-3 Teoria do Feedback de James A solucao oferecida por James para o problema da sequéncia estimulo-sensagao foi de que 0 feedback das respostas determina as sensacées. Como emocoes diferentes produzem respostas diferentes, 0 feedback para o cérebro sera diferente e, segundo James, serd o responsavel por nossa maneira de sentir em tals situagées. Cannon acreditava que as respostas corporais que compdem a reagéo de emergéncia eram mediadas pelo sistema nervoso simpatico, um ramo do sistema nervoso auténomo (SNA). O SNA é uma rede de neurénios e fibras nervosas, localizada no corpo, que controla a atividade de érggos e glindulas internas, o chamado meio interno, em resposta aos comandos do cérebro. Os sinais fisicos caracteristicos da estimulacdo emocional — como, por exemplo, coracdo disparado e suor nas palmas das maos — foram considerados, na época de Cannon, 0 resultado da ativaco do ramo simpatico do SNA, cuja atuagdo era uniforme, segundo se acreditava, independentemente de como ou por que era ativado. Tendo em vista essa suposta peculiaridade do mecanismo de resposta simpatica, Cannon propés que as reagGes fisiolégicas resultantes de diferentes emoces deveriam ser as mesmas, qualquer que fosse 0 estado emocional experimentado. Por conseguinte, James nao poderia estar certo em relacdo ao porqué de emogies diferentes produzirem sensacdes diferentes, visto que todas as emogées, segundo Cannon, possuem as mesmas caracteristicas SNA.5 Cannon observou igualmente que as respostas do SNA so demasiado lentas para produzirem sensagées — nés jé estamos sentindo a emogo quando essas reagBes acontecem, Assim, ainda que emogées variadas apresentassem caracteristicas fisicas diferentes, elas seriam lentas demais para levar-nos a sentir amor, édio, medo, alegria, raiva ou averséo em determinada situacdo. A chave para o enigma da emocdo, de acordo com Cannon, encontra-se inteiramente dentro do cérebro, e no exige que este “lela” a reacao fisica, como afirmara James.6 Discutiremos as concepgées neurais 39 advogadas por James e Cannon no préximo capitulo, e retornaremos ao tema das contribuigdes dadas pelo feedback corporal a experiéncia emocional no Capitulo 9. Cannon acreditava que, embora o feedback corporal néio pudesse ser responsabilizado pelas diferencas existentes entre as emogées, ele tinha um papel fundamental, visto que proporcionava as emocées urgéncia e intensidade caracteristicas. Conquanto James e Cannon divergissem no que se refere as diferengas entre emogées distintas, aparentemente eles concordaram que as emogées produzem sensagées diferentes de outros estados de espirito (n&oemocionais) em razao de suas reagées fisicas. As Paixées como Razao Durante o reinado dos behavioristas na psicologia, as emogées, assim como outros processos mentais, foram consideradas uma maneira de agir em determinadas situagées.7 Pouco ou nada se fez para explicar qual a otigem das experiéncias emocionais conscientes, pois que estas néo eram consideradas fendmenos legitimos para a investigacdo cientifica. A seqliéncia estimulo-atésensacdo simplesmente nao era vista como um tépico relevante, Na verdade, o conceito de emogéo enquanto estado subjetivo costumava ser citado pelos behavioristas como © principal exemplo de idéia obscura que deveria ser rejeitada pela psicologia cientifica. Constitufa uma das principais invengSes mentais, fantasmas na maquina, criada pelos psicdlogos com o objetivo de superar a propria incapacidade de explicar o comportamento.8 Entretanto, no principio da década de 60, esse quadro comecou a mudar. Stanley Schachter e Jerome Singer, psiclogos sociais da Columbia University, retomaram a questao da origem de nossos sentimentos e propuseram uma nova solugdo para a polémica James-Cannon.9 A semelhanga de James, Schachter e Singer sugeriram que a excitagSo ou feedback corporal realmente era crucial na génese de uma experiéncia emocional, embora no tomasse exatamente a forma apresentada por James. E, assim como Cannon, acreditavam faltar especificidade ao feedback fisiolégico. Acompanhando a tendéncia da revolucio cognitiva, que naquele momento comecava a mergulhar fundo na esséncia das principais areas da psicologia, sustentavam que as cognigdes (pensamentos) superavam a lacuna existente entre a ndo-especificidade do feedback e a especificidade de experiéncias vivenciadas. Schachter e Singer deram a partida com a suposigSo de que as reacdes fisiolégicas na emoggo (suor nas palmas das méos, aceleragdo dos batimentos cardiacos, tensdo muscular) informam nosso cérebro da presenca de um estado de excitagio acentuada. Todavia, como essas respostas sdo similares nas emocgdes mais diferentes, elas nao indicam em que tipo de estado de excitac3o estamos. Schachter e Singer sugeriram que, tomando como base as informacées sobre o contexto fisico e social em que nos encontramos e a percepcdo de quais 40 manifestagées emocionais acontecem em cada uma dessas situagées, rotulamos o estado de excitagéo como medo, amor, tristeza, raiva ou alegria. Segundo Schachter e Singer, essa classificagéo do estado de excitacio dé origem a especificidade da emocdo sentida. Em outras palavras, somos tomados por emogées quando explicamos a nds mesmos estados fisicos emocionalmente ambiguos, tomando como base interpretagées cognitivas (as chamadas atribuigdes) para as possiveis causas externas e internas de condicées fisicas. A principal contribuig&o da teoria de Schachter-Singer foi perceber que, se a excitagao fisioldgica ambigua era produzida em sujeitos humanos, deveria ser possivel influenciar o tipo de emoc&o vivenciada por meio da organizacio do contexto social em que ocorre a excitagdo. Schachter e Singer verificaram essa hipétese ministrando nos sujeitos injegdes de adrenalina, droga que produz excitacdo fisiolégica ativando artificialmente o ramo simpatico do SNA. Em seguida eles foram expostos a uma situac&o agradavel, desagradavel ou emocionalmente neutra, Conforme a previséo, o humor variou de acordo com o contexto no caso dos sujeitos que haviam recebido adrenalina, mas no no grupo de controle, que recebeu injegdes de placebo: os sujeitos com adrenalina expostos a uma situac3o prazerosa sairam sentindo-se felizes; aqueles expostos a uma situacéo desagradavel demonstraram tristeza; e aqueles da situaco neutra no sentiram nada em particular, Emogées especificas foram produzidas pela combinagdo de excitacao artificial e sugestées sociais. Condui-se, entdo, que a excitacéo fisiolégica emocionalmente ambigua, que ocorre naturalmente na presenca de estimulos emocionais reais, é classificada com base em sugestées sociais. Em resumo, as emogées resultam da interpretagdo cognitiva das situacdes. Stuart Valins, outro psicélogo social, realizou uma série de experiéncias para tentar esclarecer a natureza da interacdo cognigo-excitago-emocao.10 Sujeitos receberam informagées incorretas sobre a maneira como seus corpos estavam reagindo a determinada situacdo. Por exemplo, Valins mostrou aos homens fotografias de mulheres semidespidas. Ao mesmo tempo eles ouviam um som que supostamente indicaria a velocidade de seus batimentos cardiacos. Valins manipulou os sons, independentemente do verdadeiro ritmo cardiaco, de modo que algumas fotografias fossem associadas & falsa aceleragéo da pulsagdo e outras, a um ritmo mais lento. Posteriormente, os sujeitos passaram a considerar mais atraentes as imagens que haviam sido associadas aos sons de batimentos acelerados, embora os batimentos nao estivessem realmente rapidos quando eles foram expostos aquelas fotografias. Valins concluiu que a atividade fisiolégica deve ter uma representag&o cognitiva para que possa influenciar uma experiéncia emocional. Ele argumentou que & a representac3o cognitiva da excitacio fisiolégica, e ndo a excitacdo em si, que interage com as idéias sobre a situagSo de modo a produzir sentimentos, a esTIMULO—_.. EXGITAGAO —. GOBNiGAO. FIGURA 3-4 Teoria da Excitagio Cognitiva de Schachter-Singer Schachter e Singer, assim como Cannon, aceltaram que o feedback néo tem uma especificidade suficiente para determinar que emogo sentiremos em determinada situagéo; no entanto, assim como James, perceberam que continuava a ter sua importncia. Concluiram que o feedback da excitagio fisica é um bom indicador de que algo importante esta acontecendo, embora ele ndo seja capaz de determinar exatamente o que esta se passando. Quando detectamos a excitagao fisica {por meio do feedback), sentimo-nos motivados a analisar nossa situac3o. A classificagio. da excitagao é que determina a emogo que sentimos. Assim, as cognigées preenchem a lacuna entre a ndo-especificidade do feedback corporal e os sentimentos, segundo Schachter e Singer. A teoria Schachter-Singer e a pesquisa que se seguiu foram criticadas em muitos aspectos.11 Contudo, o verdadeiro impacto desse trabalho nao residiu propriamente na explicacdo da origem de nossas emosdes, mas sim na revitalizago de um antigo conceito, que jé estava implicito nas obras filoséficas de Aristételes, Descartes e Spinoza — o de que as emogées poderiam ser interpretagées cognitivas de situagées.12 Schachter e Singer deram a essa idéia uma forma que combinou perfeitamente com o pandeménio cognitivo que se disseminava pela psicologia. O sucesso dessa tentativa é exemplificado pelo fato de, até os dias de hoje, a psicologia da emocGo tratar fundamentalmente do papel da cognico nas emogdes. O Grande Calafrio Estava faltando alguma coisa na teoria cognitiva advogada por Schachter e Singer. Eles procuraram explicar de que maneira lidamos com as reagées emocionais no momento em que estas ocorrem (quando percebe seu coracao acelerado, suor na testa e foge em disparada de um urso na floresta, vocé classifica a experiéncia como medo), mas n&o demonstraram qual a causa primeira das reacdes. Evidentemente, 0 cérebro tem de perceber que o urso & uma fonte de perigo e organizar respostas apropriadas ao perigo. A tarefa emocional do cérebro, portanto, jé estd bastante avancada quando o mecanismo de Schachter e Singer disparado. Mas 0 que acontece antes? O que nos faz fugir do perigo? O que acontece entre o estimulo e a resposta? Segundo alguns teéricos, avaliacdes cognitivas preenchem essa lacuna. O conceito de avaliacao foi elucidado por Magda Arnold em importante livro sobre as emogdes, publicado aproximadamente na mesma época em que Schachter e Singer estavam realizando suas experiéncias.13 Ela definiu a avaliacdo como a apreciaggo mental do dano ou beneficio potencial de uma situacéo, e argumentou que a emogao é a 42 “tendéncia sentida” para qualquer coisa que seja avaliada como boa ou distante de algo que seja caracterizado como mau. Embora o processo de avaliagao em si seja inconsciente, seus efeitos so registrados pela consciéncia como uma emoco. A interpretagao de Arnold para a histéria do urso na floresta de James seria mais ou menos esta: nds percebemos o urso e fazemos uma avaliagio inconsciente, e nossa experiéncia consciente do medo é conseqiiéncia de uma tendéncia 4 fuga. Ao contrario de James, para Arnold nado é necessdrio que a reago ocorra para que o sentimento se instale — um sentimento exige apenas uma tendéncia & ago, e néo uma aco em si mesma. Assim, as emogées diferem de estados de espiritos n&o-emocionais pela presenca de avaliagdes em sua seqiiéncia causal, e emogdes diferentes so discriminadas porque avaliagdes diferentes suprimem tendéncias 8 aco diversas, que do origem a sentimentos diferentes. Na opinigo de Amold, t&o logo o resultado da avaliagdo é registrado pela consciéncia como um sentimento, torna-se possivel refletir sobre a experiéncia e descrever 0 que se passou durante o processo de avaliacdo. Isto se torna exeqilivel, segundo Arnold, porque as pessoas possuem acesso introspectivo ao (percepc&o consciente do) funcionamento interno de sua vida mental, e em particular as causas de suas emogdes. O ponto de vista de Amold supde que somos capazes, em seguida a uma experiéncia emocional, de obter acesso aos processos inconscientes que originam a emocdo. Como veremos, essa suposicio & passivel de contestagéo. O conceito de avaliagéo veio a ser adotado por outros pesquisadores ao longo da década de 60, dentre eles Richard Lazarus, psicdlogo clinico que fez uso do conceito para entender como as pessoas reagem a e enfrentam situagdes de tens&o.14 Estudos de Lazarus demonstraram claramente que as interpretacées de uma situago constituem uma influéncia marcante para a emoco vivenciada. Por exemplo, em experiéncia classica, sujeitos assistiram a um filme medonho de um ritual de circunciséo em adolescentes de uma tribo australiana aborigine. Para alguns sujeitos, a audic8o das vozes acentuou os detalhes sangrentos, enquanto para outros 0 episddio foi minimizado ou intelectualizado pela omissdo das vozes. © primeiro grupo, no qual os detalhes terriveis foram ressaltados, tiveram respostas do SNA mais intensas e os relatos indicam que eles se sentiram pior, depois da experiéncia, do que os outros, embora as partes mais estimulantes do filme fossem as mesmas para todos. Lazarus sugeriu que a diferenga nos sons fez com que os sujeitos avaliassem o filme de maneiras diferentes, 0 que levou & produgéo de sentimentos diferentes sobre a situacio. Ele argumentou que as emogées podem ser deflagradas automatica (inconscientemente) ou conscientemente, mas ressaltou o papel dos processos de pensamento superiores e da consciéncia, em especial quando se trata de lidar com reages emocionais que se apresentam. Resumindo sua posigao, Lazarus observou recentemente que a “cogni¢ao é uma condig&o ao mesmo tempo necessaria e suficiente da emocdo"."* 43 eTiMuLo—___ Avatiagho TENDBICA sexier FIGURA 3-5 Teoria da Avaliacao de Arnold ‘Amold argumentou que, para um estimulo produzir uma reacao ou sensacao emocional, o cérebro deve, em primeiro lugar, avaliar 0 significado do estimulo. Assim, as avaliagdes promovem tendéncias a acdo. A tendéncia sentida de ir na direcdo de objetos e situagées desejéveis e de distanciar-se dos indesejaveis é a responsdvel pelos sentimentos conscientes neste modelo, Embora a avaliagées possam ser conscientes ou inconscientes, temos acesso consciente aos processos de avaliagao depois de ocorrido 0 fato. A avaliago continua a ser a pedra angular das abordagens cognitivas contemporaneas para a emocio.16 Na tradic&o iniciada por Arnold, grande parte dos trabalhos realizados nesse campo adotaram o pressuposto de que a melhor maneira de descobrir as avaliages é a maneira antiga — pedir aos sujeitos para fazerem a introspeccio e perceberem o que se passou em suas mentes no momento em que tiveram alguma experiéncia emocional no passado. Por exemplo, em estudo pioneiro sobre esses processos de avaliagdo emogio-antecedente, realizado por Craig Smith e Phoebe Ellsworth, as pessoas foram convidadas a recordar alguma experiéncia do passado, estimuladas por palavras que denotavam emogao (orgulho, raiva, medo, repulsa, felicidade etc,), e a avaliar essas experiéncias em diferentes dimensdes (intensidade de satisfacdo, esforco necessério, envolvimento com outrem, atividade atenta, controle etc.).17 Os pesquisadores descobriram que a recordacdo de experiéncias, estimulada pela reflexo acerca de palavras de cunho emocional, poderia ser ocasionada pela interacaio das mais diferentes avaliagées. Por exemplo, o orgulho configurou-se em situagées de satisfacio e foi associado a pequeno esforco e muita concentragéo da atencao e responsabilidade pessoal, enquanto a raiva foi associada ao desprazer e a muito esforgo, falta de controle e responsabilidade de outra pessoa. Smith e Ellsworth concluiram que as emog6es esto intimamente relacionadas a avaliacdo cognitiva individual das circunstdncias, e que é possivel identificd-las pedindo as pessoas para recordarem como séo as diferentes emogdes. Alm desses, outros pesquisadores admitiram que o tipo de informacio manipulada pelos sujeitos durante a lembranga de experiéncias emocionais é da mesma classe daquela utilizada pelo cérebro para a produgio de experiéncias emocionais."* ‘A meu ver, as teorias da avaliagao aproximaram-se sensivelmente do alvo: a avaliacio de um estimulo sem duvida constitui o primeiro passo num episédio emocional; as avaliagdes acontecem inconscientemente; a emogo envolve tendéncias & ago e reagées corporais, bem como experiéncias conscientes. Mas essas teorias desviaram-se em dois momentos da trilha rumo ao entendimento da 44

Você também pode gostar