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Ressurreição, um ato de insurreição – 1Pedro 1.

17-23

1. De repente você chega em casa meio cabisbaixo porque alguma coisa lhe entristeceu e a sua
esposa ou o seu marido se volta para você e pergunta: “O que foi? O que houve? Talvez você
jovem enfrente alguma situação complexa e se fecha porque não quer trazer uma nova
preocupação para os pais, mesmo assim, o pai ou a mãe se aproxima e pergunta se está
acontecendo alguma coisa!

O fato é que quanto mais nos relacionamos com as pessoas, mais nos tornamos conhecidos e por
isso, fica difícil disfarçar quando as coisas não estão bem. Porque o outro conhece o nosso jeito e
de certo modo, a nossa personalidade. Fulano é tão extrovertido, por que que ele está assim
retraído? Sicrano é tão calmo, por que que ele está assim, fora de si, tão nervoso? Eu já passei por
situações em que algumas pessoas se achegaram para mim e disseram: você não está bem, né!
Parece que não tem nada a ver, mas esse texto bíblico me levou a pensar sobre isso!

2. Essa passagem bíblica me levou também a reflexão da importância não apenas das outras
pessoas nos conhecerem, mas de nós também nos conhecermos. A frase “conhece-te a ti mesmo”
que estava inscrita no templo de Apolo na Grécia antiga, era constantemente repetida por Sócrates
aos seus discípulos. Essa frase apontava e ainda aponta para a necessidade do autoconhecimento.
Nos relacionamentos interpessoais vamos nos conhecendo mutuamente, no relacionamento
intrapessoal nos tornamos conhecedores de nós mesmos.

3. Mas até que ponto os outros nos conhecem? Até que ponto nos conhecemos? Essa passagem
bíblica me levou por fim, a refletir sobre o quanto somos conhecidos por Deus. No livro de Gênesis
encontramos o relato de dois irmãos “Caim e Abel”, cada qual com o seu jeito com a sua
personalidade decide adorar a Deus, mas por algum motivo, Deus se agradou mais do culto
prestado por Abel do que do culto prestado por Caim. O relato bíblico nos apresenta o Deus Criador
que conhece o ser humano, a sua criação na essência e portanto, Ele se voltou para Caim e lhe
disse: “Por que você está com essa cara fechada? Por que você está carrancudo? Se você fizer a
coisa certa, não tem motivo para ficar assim. Eu te conheço por dentro e sei que você quer resolver
o problema do seu egoísmo, do seu narcisismo sujando as suas mãos com o sangue do seu irmão,
mas apesar dessa solução pensada por você e a ponto de ser executada, eu posso lhe garantir
que existe outro caminho. Este seu caminho é uma furada e o levará ao abismo”.

O que o texto de gênesis está me dizendo é que em minha natureza humana eu posso me
comportar como Abel, mas também eu posso me comportar como Caim. Eu posso ser vítima, mas
também posso ser algoz. Eu posso ser o bonzinho da história, mas também posso ser o vilão.

O evangelho de João no capítulo 2. 23-25, nos diz que muitas pessoas se aproximaram de Jesus
em vista dos sinais/milagres que Ele realizava, mas também nos diz que o próprio Jesus não se
confiava a elas, porque ele sabia o que era a natureza humana.
Eu paro para pensar na profundidade existencial dessa passagem bíblica. Jesus sabe o que é a
minha natureza humana, meu Deus! Jesus sabe quem eu sou! Eu posso me vestir com a roupa da
formalidade! Eu posso me vestir com a roupa da religiosidade! Para mudar de metáfora, eu posso
utilizar as mais diferentes e variadas máscaras, mas Jesus conhece a minha natureza humana.
Jesus sabe que é de dentro do meu coração que procedem os maus desejos que me levam a
agredir de diferentes maneiras o outro.

4. Mas eu quero livrar a minha barra e a barra de vocês, por isso, quero refletir um pouco sobre o
que Jesus nos revela da natureza humana de Pedro. Pedro foi um homem comum, um pescador,
um pai de família, alguém que como eu e vocês trabalhava para pagar os boletos no final do mês.
Mas ao se deparar com Jesus algo mudou na vida de Pedro! A experiência que a vivência com
Jesus lhe possibilitou mudou drasticamente a sua vida.

Pedro se tornou entre os discípulos de Jesus a voz mais potente, mais contundente. Nos momentos
cruciais era a sua voz que sobressaia. Jesus perguntava: Quem as pessoas dizem que eu sou?
Pedro respondia: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!” – Onde Jesus estava orando, ali estava
Pedro como amigo nas horas difíceis – na transfiguração, experimentando o sobrenatural, Pedro
foi quem disse: “é muito bom estarmos aqui, façamos três tendas para o Senhor, para Elias e para
Moisés – vamos ficar aqui, as tendas são para vocês, nós podemos ficar ao relento, mas por favor,
vamos ficar aqui”.

Quando Jesus anunciou que subiria a Jerusalém para ser maltratado e morto pelas autoridades,
Pedro, o amigo solidário tentou convencê-lo do contrário – não suba, não morra! Quando por fim,
ele percebeu que não poderia barrar Jesus que estava determinado a fazer o que deveria fazer,
Pedro se voltou para Jesus e disse: eu vou com você até a morte, ainda que todos te abandonem
eu jamais o abandonarei.

Ai, meus irmãos e minhas irmãs, Pedro se viu traído por suas próprias palavras porque foi traído
por sua natureza humana. Natureza que Jesus conhecia muito bem e, por isso mesmo, não julgou
Pedro em sua humanidade. Os evangelhos compartilham conosco que antes que o galo cantasse,
Pedro negou a Jesus por três vezes. Na última negação de Pedro, o evangelista Lucas nos diz que
Jesus fixou os olhos em Pedro, Pedro se lembrou das palavras do Mestre, saiu dali e chorou
amargamente, porque a sua natureza humana falou mais alto que o seu amor pelo Mestre! O seu
medo prevaleceu sobre a fidelidade!

Jesus nunca condenou a humanidade daquele que dentre os discípulos era o mais ousado, pelo
contrário, foi a Pedro que Jesus disse: Simão, Simão, eis que Satanás pediu para peneirar vocês
como trigo! Eu, porém, orei por você, para que a sua fé não desfaleça. E você quando voltar para
mim, fortaleça os seus irmãos.
Após ressuscitado, Jesus se apresentou a Pedro que estava envergonhado e a partir da tríplice
pergunta “tu me amas?” – lhe designou – apascenta as minhas ovelhas. A partir da ressurreição de
Jesus, deu-se início em Pedro, uma revolução copernicana (uma grande mudança), de tal modo
que o medo não pode mais dominá-lo e ele pode prosseguir vivendo o proposito de servir a Cristo
com integridade e com integralidade.

5. A ressurreição de Jesus foi determinante para que Pedro pudesse trabalhar alguns aspectos
negativos da sua natureza humana. Por isso, eu penso que a ressurreição de Jesus é um ato de
insurreição contra a nossa natureza humana, porque Pedro, somos nós! Há um pouco de Pedro
em cada um de nós! Nós também podemos jurar fidelidade eterna a Jesus e trai-lo na primeira
esquina!

Mas de maneira sobrenatural a ressurreição de Jesus confronta a nossa natureza humana e na


ressurreição de Jesus a nossa natureza humana vai sendo aperfeiçoada, até que a imagem de
Jesus seja plenamente forjada em nós. É a partir dessa convicção de eu leio a exortação de Pedro,
não em tom condenatório, não em tom intimidatório, mas em tom pastoral. No tom pastoral de
alguém que reconhece as próprias fragilidades, no tom pastoral de alguém que não esconde as
próprias limitações, no tom pastoral de alguém que está no caminho com outros tantos caminhantes
e neste caminho, ele diz:

Nós temos uma jornada de peregrinação na terra: Nessa jornada permitam-se serem
constantemente transformados pelo Espírito Santo. Nessa jornada nós temos um Pai que é também
juiz, portanto, esperemos inteiramente na graça que nos será trazida na revelação de Jesus.

Não negue a natureza humana de vocês, mas não se conformem a ela: não sejamos
dominados pela síndrome de Gabriela. Somos o que somos por causa da nossa ancestralidade em
Adão, em Caim, mas também encontramos em Cristo nossa ancestralidade espiritual, de modo que
Nele é sempre possível melhorarmos enquanto seres humanos. Alguém já disse: “não somos tão
maus como poderíamos ser e nem tão bons como deveríamos ser” – mas nessa nossa
ambiguidade existencial devemos agradecer a Jesus, porque Ele é quem nos livra da maldade
plena e também é Ele quem nos possibilita caminhar na direção da bondade que nos caracteriza
como seres verdadeiramente humanos.

Não perca de vista que você é amado por Deus: porque antes mesmo de criar o mundo, Ele,
conhecedor que era do que viria a ser a natureza humana, plantou não apenas uma arvore da vida
no jardim, mas também uma árvore da vida no Calvário. Essa árvore é Jesus que morreu e
ressuscitou por cada um de nós, demonstrando o infinito, o incompreensível, o inigualável, o
incondicional amor de Deus por cada um de nós! Esse amor de Deus, conclui Pedro, deve nos
impulsionar a amar o outro de maneira fraternal, não fingida, porque é tão somente por meio do
amor que o mundo é curado e que a nossa natureza humana é transformada.

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