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Quero iniciar a reflexão de hoje que faz parte da série de mensagens “Ressurreição, um ato de
insurreição” compartilhando com vocês um texto que escrevi em maio do ano passado. Enquanto
leio, vocês podem olhar a pintura em tela, pois foi dela que me veio a inspiração para escrever.
Começo pelo título: DEVANEIOS DIANTE DE UMA PINTURA
Quem convive comigo sabe que sou admirador de belas pinturas. Ontem, participei de uma palestra
online e quando um dos palestrantes apresentou essa pintura, imediatamente printei a tela para
que pudesse admirar com calma essa preciosidade (se alguém descobrir o autor da pintura, me
ajudem a dar o crédito).
O artista nos presenteia com um cenário amplo que reúne diferentes personagens. O amplo cenário
que contemplo graças a habilidade do artista, me permite refletir sobre os possíveis sentidos que
emergem da cena. Permitam-me o devaneio, pois como o texto é polissêmico, a arte também o é.
OS SOLDADOS, estão ansiando pelo final de mais um dia de trabalho duro. Precisam esperar a
liturgia do ofício, os criminosos precisam morrer, para que o expediente termine. Não consigo
perscrutar os sentimentos que os envolvem e nem sei se são extremamente sádicos como os
pintam os filmes hollywoodianos, mas ainda que a contragosto sei que são os braços da
necropolítica do Império Romano.
OS TRÊS CRIMINOSOS, estão suspensos no madeiro. Não consigo ver seus rostos, mas o
imaginário que a Bíblia nos legou, me faz crer que o do meio é Jesus de Nazaré, dentre os três, a
personagem em evidência. Sob a sua cabeça consta o motivo que o levou à crucificação (Rei dos
Judeus). O Império foi convencido de que ele planejava ocupar um lugar de poder e pela pretensão
que aos olhos do império era sedição, a pena máxima veio, a crucificação. Alguns dizem que os
companheiros laterais zombavam, outros dizem que apenas um deles zombava e que o outro,
repelia a zombaria.
Aos pés das cruzes, as PESSOAS, familiares que choram, transeuntes que passam por ali sem
expressar qualquer sentimento frente a um evento rotineiro, outros tantos que assistiam
entusiasmados desde o início as cenas de horror e que não sairiam dali até verem os corpos serem
retirados e jogados pela ribanceira, outros que estavam deliberadamente ali para zombar do
crucificado Mor, que dizia ter poder, mas se mostrava plenamente frágil e indefeso.
Ao fundo, o TEMPLO, local onde segundo a crença popular, Deus habitava, mas qual a relação
entre Templo e o crucificado Mor? Foram os agentes do templo que o destinaram a crucificação,
por meio dos falsos testemunhos, motivados por inveja, ambição, sede de poder, revolta porque
tiveram tantas vezes que ouvir do crucificado palavras indigestas que desmascaravam a
religiosidade meramente de aparência.
No fundo mais amplo a CIDADE DE JERUSALÉM, a cidade santa que gestou pecadores e
crucificadores. A cidade amada pelo crucificado que respondeu ao amor com ódio cruento. A cidade
cuja economia não pode parar, cujos impostos precisa pagar, cuja lei precisa acatar. A cidade
matou um dos seus filhos sob a argumentação de que é melhor que “um pereça do que a nação
inteira”.
Contemplo a pintura de fora, mas no contexto real que deu vazão a imaginação do artista, estava
o crucificado de Nazaré como “motivo principal” que de onde estava contemplava a tudo e a todos,
os SOLDADOS, as PESSOAS, o TEMPLO e a CIDADE. Antes de sucumbir, dizem que ele disse:
PAI, PERDOA-LHES PORQUE NÃO SABEM O QUE FAZEM.
Meus irmãos e minhas irmãs, os religiosos que habitavam em Jerusalém arquitetaram a morte de
Jesus, o império Romano a executou por meio dos soldados, muitas pessoas sarcasticamente
desdenhavam da sorte de Jesus e ao desdenharem elas estavam se posicionando ao lado de todos
que direta ou indiretamente provocaram a morte. Até mesmo aqueles que enfrentavam a mesma
sorte não se furtaram de ofender o crucificado.
Olhando para o cenário da morte de Jesus tendo a concordar com Freud que em “O mal-estar da
cultura” afirma que o ser humano é uma besta selvagem a quem é estranha a proteção da própria
espécie”. Por nós mesmos estamos condenados a morte em seus múltiplos aspectos: a morte por
meio da violência física de um ser humano contra o seu semelhante; a morte espiritual quando o
ser humano se volta contra o seu criador; a morte em seus aspectos subjetivos, pois mesmo vivos
nos vemos reféns da morte, quando morrem relacionamentos saudáveis, quando morre a alegria,
o amor, a amizade, a solidariedade.
Mas a morte em seus vários aspectos perde a sua força a partir da ressurreição de Cristo e é por
isso, que afirmo que a ressurreição é um ato de insurreição, é uma desobediência a ordem
natural das coisas. Desobediência de Deus por meio da qual somos abençoados com a sua vida –
Leiam comigo o texto de Mateus 27. 45 – 56:
Olhando para este texto em quais aspectos a ressurreição é um ato de insurreição?
Aplicação
Aquela pintura me envolveu de tal modo, que fez com que eu me sentisse naquele cenário, vendo
tudo, participando de tudo. Ao final daquele texto inspirado pela pintura eu escrevi o seguinte de
maneira agradecida ao artista: “O artista fez bem-feito e nós como vamos fazer?”.
O texto bíblico nos diz que ali, aos pés da cruz estavam algumas mulheres, observando, não como
observavam os soldados, os religiosos, as pessoas que iam e vinham e os malfeitores ao lado. Ao
permanecerem ali, aquelas mulheres estavam também se insurgindo contra todo um sistema, pois
todos estavam contrários a Jesus, todos carregavam nos olhares e palavras o ódio que mata, mas
elas traziam em seus olhares o amor como dom daquele que elas contemplavam na cruz.
Ao permanecerem ali, mesmo sem se darem conta da ressurreição que estava por acontecer, elas
se insurgiram contra tudo e todos permanecendo ao lado de Jesus, em condições desfavoráveis.
E nós, como vamos fazer? Como vamos nos portar? Como comunidade de fé devemos nos
alegrar e celebrar a ressurreição como ato de insurreição contra toda forma de religiosidade que
mata, que não gera vida, afirmando a todos que estão ao nosso alcance que o véu foi rasgado e
que como filhos e filhas amados e amadas, temos em Cristo, o acesso a Deus para
experimentarmos do seu perdão, da sua companhia e da sua salvação.
Como comunidade de fé devemos nos alegrar e celebrar a ressurreição como ato de insurreição
contra a nossa própria finitude. Dentre os seres vivos, somos os únicos que possuem consciência
da própria finitude e talvez, por isso mesmo, muitos se desesperavam da vida. No entanto, a
convicção de que a nossa vida está guardada em Cristo, deve ser motivo de inspiração para
vivermos aqui e agora, uma vida mais significativa, mais ousada, mais afetuosa, mais solidária,
mais amorosa, sabendo que porque o nosso redentor vive, podemos crer no hoje e sobretudo, no
amanhã.
Como comunidade da fé devemos nos alegrar e celebrar a ressurreição como ato de insurreição
contra o ceticismo, pois mesmo na realidade mais sombria, mais difícil, mais desumana podemos
olhar para Jesus na certeza de que a vida Dele produzirá vida em nós.