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Unidade 3

A Cultura

Introdução
Bem vindo à III unidade de estudo, na disciplina da Antropologia Cultural. Nesta unidade você
vai aprender aspectos relacionados com a Cultura Humana, tocando um dos conceitos
largamente usados e, frequentemente, de forma distorcida. Aliás, esta unidade é de capital
importância em virtude de ser aqui onde pode ser entendida toda a natureza do ser Humano.

Objectivo Geral
• Conhecer a natureza da cultura.

Objectivos Específicos
• Conhecer o conceito antropológico de Cultura;
• Distinguir as diferentes características da Cultura;
• Explicar a unidade e a diversidade da cultura;
• Conhecer os factores sincrônicos e diacrônicos da cultura;
• Saber identificar os aspectos que derivam do uso inadequado dos conceitos ligados à
diversidade cultural.

O Conceito de Cultura
O termo Cultura tem múltiplas aplicações e foi usado em diferentes épocas e sentidos, tal como
ocorre na fase actual. Ele é usado em várias ciências, desde as físicas às sociais. Mesmo na
Antropologia, o seu uso conheceu várias significações nas diferentes escolas ou correntes.
Contudo, o termo tem a sua origem do Grego, para significar cultivar. O termo Cultura teve a
sua definição antropológica clássica com Edward Tylor. Segundo este, a Cultura é “Complexo
unitário que inclui o conhecimento, a crença, a arte, a moral, as leis e todas as outras
capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”(Bernardi, 1978, p.
24). Há ainda quem entende a cultura como “uma estrutura de significados, transmitidos
historicamente, encarnados simbolicamente, para comunicar e desenvolver o conhecimento
humano e as atitudes para com avida, uma lógica informal da vida real e do sentido comum de
uma sociedade, que funciona também como controlo” (Martinez, 2004, p. 23). Várias definições
existem que não seriam esgotadas neste módulo. Traremos ainda, mais do que uma definição,
uma caracterização da própria cultura, dada pela UNESCO. Segundo esta organização, a cultura
é“um conjunto de traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afectivos, que
caracterizam umasociedade ou um grupo social. Ela abrange, além das artes e as letras, os
modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemasde valores, as tradições e as
crenças. A cultura dá ao homem acapacidade de reflexão sobre si mesmo. A cultura faz de nós
seres especificamente humanos, racionais, críticos e eticamente comprometidos. Através da
cultura discernimos os valores e fazemos opções. Por meio dela a pessoa se expressa, toma
consciência de si, se reconhece como projecto inacabado, põe em questão as suas realizações,
procura incansavelmente novos significados e cria obras que o transcendem”(Ibid., p. 24).

Como pode ver, os três conceitos põem em relevo: o carácter humano da Cultura; o facto de ela
ser transmitida e adquirida historicamente pelo Homem entanto que membro de um grupo social;
ter um carácter simbólico, característico de cada grupo humano; ser um sistema complexo; que
evolui; etc. Assim, no seu sentido antropológico, a cultura encerra vários aspectos.
Importa saber que a Cultura é um produto da actividade mental do Homem, esta diferente da
actividade animal pela sua codificação dentro de um grupo social. A sua transmissão é feita
segundo regras pré estabelecidas, de geração em geração, por um processo de socialização, com
agentes e instituições bem identificados.

Componentes e Níveis de Cultura


Tal como depreendeu da definição da própria cultura, esta envolve vários elementos tais como
atitudes, valores, conhecimentos, costumes. Contudo, é necessário frisar que a Cultura é uma
totalidade e não um aspecto particular ou parcial da actividade mental ou de uma manifestação
humana. Você não pode identificar, por exemplo, a simples forma de comer, como um padrão
cultural, dado que esta é uma expressão cultural, integrada num vasto complexo. Por detrás da
forma de comer há outros significados. Ou a maneira como você e a sua comunidade pensam
sobre a infância ou em relação ao papel e ao lugar da mulher, não é a mesma que as outras
sociedades. O mesmo acontece com as crenças e todos os outros componentes culturais, tais
como: símbolos; ideologias; atitudes; usos de um determinado complexam cultural.

Todos estes elementos da Cultura são aprendidos normativamente. A Cultura tem valores-chave
ou essenciais, organizados num sistema. A conduta humana governa-se por padrões culturais,
isto é, é a Cultura que orienta a vida das pessoas. Quando na sua comunidade diz-se que não faça
isto e aquilo, porque as pessoas não admitem, é prova dessa orientação das pessoas pela cultura.

Contudo, é necessário enfatizar que o comportamento individual apesar de estar sujeito a regras
culturais, nem sempre segue o ditado ou as regras. Aí surge o que podemos chamar de: nível
ideal da cultura (o que os indivíduos deveriam fazer ou o que dizem estar a fazer) e nível real
da cultura (o que fazem realmente no seu comportamento observável). Mas, nem por isso o
nível ideal deixa de pertencer à realidade. Com esta realidade, a cultura mesmo na condição de
normalizadora, pode ser a base da emergência de um conflito. De facto, sempre que as pessoas se
sentem insatisfeitas sobre uma determinada conduta, elas violam-na. (Ex: quando alguém
ultrapassa a limitação de velocidade num determinado local). E esses atropelos existem na sua
comunidade, não é verdade?

Ainda a cultura pode ser subjectiva, ao expressar o conjunto de valores, conhecimentos e


experiências presentes nos indivíduos como membros de uma sociedade, isto é, quando ela é
interpretada de forma individual e objectiva, quando o conjunto dos valores e significados é
exteriorizado, formando o património cultural de um povo.

Sumário
Tome Nota!
A cultura é um sistema complexo de práticas características da sociedade humana. A cultura
compreende vários elementos, desde atitudes, valores, conhecimentos, costumes, símbolos,
ideologias, usos. Existem vários níveis de cultura, desde o ideal ao real. A cultura pode ser
também objectiva e subjectiva.

As Características da Cultura
A Cultura apresenta várias características. Se por um lado há um mundo visível, palpável,
constituído por artefactos, fazendo parte da cultura e do carácter material, por outro existe o
invisível, expresso de forma simbólica. Assim, a outra natureza é o seu carácter simbólico. De
facto, a acção humana está geralmente carregada de símbolos que reflectem acções, objectos,
espaços, instituições, isto é, tudo o que está ligado ao homem. Um simples gesto pode significar
algo, mas um mesmo gesto pode variar de um complexo cultural para o outro, daí a necessidade
de nem sempre ser tangível este mundo, precisando, por isso, de uma aprendizagem. O próprio
símbolo, uma vez integrado num padrão cultural acaba desempenhando a função comunicativa
entre os membros de um determinado grupo.

Você já fez algo que não seja praticado por um outro ser humano? Ao reflectir há-de notar que
não há nada que você faça e não seja praticado por um ser humano ou pelo grupo social onde
você se integra. É por causa disso que se diz que a Cultura é social, na medida em que ela se
forma, se partilha e se transmite no interior de um grupo social e nunca em indivíduos separados.
Uma norma de comportamento só pode ser concebida como tal se envolver um grupo social
determinado e localizável num espaço. É por causa disso que os processos de transmissão são
também sociais, seja qual for a sociedade. Se olhar atentamente vai notar ainda que as práticas
sociais e culturais são algo que duram no tempo. Nada é passageiro, mesmo que varie a forma da
sua manifestação. É por causa disso que se diz que a Cultura é estável. Mas também ela é
dinâmica. À primeira vista parece haver uma contradição entre a estabilidade e o dinamismo.
Mas eles estão intrinsecamente ligados.
Normalmente, cada grupo social procura preservar os valores que o torna autêntico e diferente
dos outros. Essa procura da demarcação do espaço cultural leva, de certa maneira, a uma
estabilidade das normas que regem um determinado grupo. Hoje tem-se em conta que este
pressuposto, não pode ser visto como um bloqueio aos comportamentos de outras culturas, dado
que isso só podia significar, de certa maneira, a exclusão cultural dos outros grupos e falta de
uma comunicação intercultural.

A Cultura é dinâmica, na medida em que está em constante transformação, sempre que existir
uma causa para o efeito. Essa dinâmica pode ser encontrada no interior de um grupo de pessoas
ou no seu conjunto. Por exemplo, uma classe de idades ou uma faixa etária, segundo as
sociedades, tem um certo conjunto de normas, que vão sendo complementados à medida em que
esse grupo passa para estágios superiores. Mas com a própria dinâmica temporal, fruto da
evolução material de uma sociedade ou da acção directa dos membros, de contactos com outros
grupos, certos elementos que antes eram considerados integrantes podem ser excluidos. Ela
transforma-se consciente ou inconscientemente.

A cultura é também selectiva, na medida em que integra os valores, códigos, sistemas que um
determinado grupo acha pertinentes. Assim, há uma avaliação inicial dos novos elementos, que
culmina com a aceitação ou rejeição dos mesmos numa cultura determinada. Essa selecção pode
ocorrer ainda na sucessão das gerações. Muitas vezes, as novas gerações têm considerado
algumas normas das gerações precedentes como “fora da moda”. Contudo, quando os factores
exógenos são fortes, persistentes ou põem em causa a sobrevivência de um grupo, pode ocorrer
que haja uma integração de certos elementos novos sem a respectiva selecção. É isso
que ocorre entre os países do “Terceiro Mundo” em relação aos de técnicas muito avançadas.

A Cultura é universal, regional e local. É universal na medida em que todo o ser humano é um
ser cultural. Não há um homem que não tenha cultura. Os Universais Culturais, que você verá
mais adiante, são o sinónimo dessa universalidade da Cultura, mesmo que se saiba que a maneira
de expressá-los é muitas vezes diferente. Essa diferença surge na resposta que cada grupo dá
localmente a um certo impulso. Mas por outro, pode ser que haja certas práticas específicas de
determinados locais, circunscritas em função das condições existentes ou criadas localmente.
Nesse âmbito estar-se-ia na presença de manifestações particulares da Cultura. Estamos a falar
da manifestação regional ou local da Cultura. A Cultura é determinante e determinada: Se por
um lado a Cultura é fruto da actividade mental do Homem, este acaba sendo o produto da
Cultura. O Homem depois de nascer é circunscrito a um ambiente cultural, regendo-se por
comportamentos e normas pré-estabelecidas.

Contudo, isso não significa que este homem não tem algum papel na modificação desse mesmo
ambiente, na medida em que ele é um agente activo no interior do seu meio cultural, através de
vários processos: económicos, políticos, sociais, etc.
Sumário
Tome Nota!
A cultura tem várias características. Ela é simbólica e material, selectiva, social, determinante e
determinada, local e universal, estável e dinâmica.

Exercícios
Sobre o conceito, componentes e níveis da cultura
1. Indique o conceito de cultura
2. Identifique os elementos da Cultura
3. Diferencie Cultura objectiva da subjectiva
4. Procure identificar as expressões do nível ideal e real da Cultura da sua comunidade.
5. Entre a forma de vestir de um indivíduo e a forma de comer da sua comunidade, identifique o
que expressa a Cultura objectiva e a Cultura subjectiva.

Sobre as características da cultura


1. Em que consiste cada característica da Cultura?
2. Apresente as formas da transmissão da cultura na sua comunidade.
3. Como é que o Homem é capaz de influenciar a dinâmica da sua cultura?

A Totalidade da Cultura: Unicidade, Diversidade e Etnicidade


Vamos aprofundar a natureza da Cultura Humana. Não é novidade que os diferentes ambientes
bioclimáticos condicionam diferentes reacções do ser humano a essas adversidades. Surgem
diferentes formas de vestir, de construir as casas, de se alimentar. À primeira vista, parece
existirem diversidades inconciliáveis. Contudo, se pegarmos nas acções veremos que todos os
homens se vestem, constroem casas e alimentam-se. Assim, vamos ver como a Cultura pode ser,
ao mesmo tempo total e diversa e como, às vezes, essa diversidade é usada por certos grupos
humanos.
Se concebermos o Homem como uma espécie distinta das demais espécies do reino animal, a sua
particularidade será: o facto de ter sem desligado de forma considerável da natureza, conseguir
padronizar as aquisições materiais e transmiti-las num determinado contexto. Este aspecto é
comum a todo o ser humano. Você pode observar ainda que, em todas as sociedades humanas, há
estruturas mentais comuns a todos os indivíduos, estruturas organizacionais fundamentais
comuns a todas as sociedades e a todas as culturas, mas ao mesmo tempo existe uma variedade
de culturas e de sociedades. Assim, essa realidade leva-nos a dizer que todos os grupos humanos
têm cultura, do mais pequeno ao mais complexo grupo que se conheça. Você já viu que por onde
anda todo o grupo humano tem alguns pontos tais como:

− Uma linguagem padronizada, usada como veículo de transmissão do que é legado pelos grupos
predecessores;
− Viver em grupos sociais definidos segundo determinadas regras como, por exemplo, a família,
mesmo que não implique que a organização familiar seja igual em todos os grupos sociais;
− A prática da exogamia e o tabu do incesto, ou melhor a proibição de casamento e da prática de
relações sexuais entre parentes próximos;
− O matrimónio, entendido como relação social estável e duradoura, entre pessoas e
− A divisão social do trabalho.

Neste caso, poderíamos dizer que a Cultura é universal, porque seja para que sociedade fossem
aplicados estes termos, iriamos encontrar a sua aplicabilidade. Estes traços culturais que existem
em todas ou em quase todas as sociedades denominam-se universais culturais. Os universais
culturais têm a particularidade de distinguirem os seres humanos das outras espécies animais,
isto é, são tipicamente manifestas pelo Homem.

Contudo, se num sentido geral a Cultura é universal ao Homem, no seu sentido mais restrito ela
descreve um conjunto de diferenças de um grupo humano específico em relação aos outros. De
facto, a Cultura ao ser partilhada pelas pessoas, é feita em função dos membros de um grupo que
vive num determinado meio. A Cultura converte-se, assim, num sinal de identidade grupal. Por
exemplo, as mesmas práticas anteriormente indicadas como universais culturais ao serem
analisadas em função das diferentes áreas culturais têm manifestações díspares. Nesse caso
falaríamos de diversidade cultural.

A diversidade cultural apareceu a partir do momento em que cada grupo social se adequou a um
ambiente específico, teve uma história particular ou conheceu um certo desenvolvimento
diferenciado em relação aos outros grupos, aparentados ou não. Você imagine, por exemplo, os
grupos Bantu que migraram para a África Austral. Se nos primórdios todos os Bantu eram
caracterizados pela prática da actividade agrícola, as diversas migrações posteriores para os
diferentes meios ecológicos levaram a uma certa diferenciação entre eles. Hoje individualizaram-
se ao ponto de identificarem-se como diferentes uns dos outros. É nessa identificação de um
grupo, em relação aos outros, que emergem certos fenómenos ligados à diversidade cultural,
como, por exemplo, o Etnocentrismo Cultural.

O Etnocentrismo Cultural é a tendência para aplicar os próprios valores culturais no julgamento


do comportamento e das crenças de pessoas de outras culturas. Quando um grupo cultural X diz
que os membros da etniaY alimentam-se mal, só pelo facto destes últimos comerem um alimento
que não é característico na zona do primeiro grupo, está-se em presença de um etnocentrismo
cultural.

Etnocentricamente, os indivíduos pensam que os seus costumes são os únicos que são correctos,
apropriados e morais. As pessoas pensam que as suas normas representam a forma “natural” de
comportamento, daí que os outros são julgados como negativos. As visões etnocênctricas
entendem o comportamento diferente como estranho e “selvagem”, mas também como inferior.
O etnocentrismo é uma visão de acordo com a qual o próprio grupo é o centro de tudo: todos os
outros se medem por referência a ele. Cada grupo alimenta o seu próprio orgulho e a sua
vaidade, proclama a sua superioridade, exalta as suas próprias divindades e olha com desprezo
para os outros.

O Etnocentrismo pode manifestar-se em diferentes níveis: aldeia, tribo, minoria étnica, área
cultural. Com o Etnocentrismo surgiu o termo de alteridade, isto é, o outro, considerado como
estranho a um determinado grupo de referência. Os sistemas coloniais usaram esta alteridade em
função de dois pressupostos: geográfico e histórico. Desta forma, a noção de Cultura foi usada
politica e etnocentricamente, para separar grupos humanos. De facto, foi com a colonização que
surgiram os termos Grupos Étnicos ou a etnicidade.
Um Grupo Étnico é definido por semelhanças entre os seus membros (crenças, valores, hábitos,
normas, substrato histórico comum, etc.) e por diferenças em relação aos outros (língua, religião,
história, geografia, território, etc.). Todos estes aspectos são referentes simbólicos que estão mais
na mente das pessoas que na realidade objectiva. Pode existir sem ter um nível de consciência de
identidade étnica.

Sumario
Tome nota!
Os universais culturais são aqueles que apenas constituem o manifesto das práticas humanas. Por
exemplo, o acasalamento não é universal cultural porque ele ocorre também entre os animais.
Apesar de a Cultura Humana ser universal ela é diversificada. Essa diversidade dá origem à
alteridade, isto é, à formação do outro.

Exercícios
1. Identifique três universais culturais para além dos que estão apontados no texto.
2. Mostre que a Cultura Humana é total mas também diversificada. Certamente que na sua zona
existirão práticas etnocêtricas. Identifique-as.

Da Diversidade à Relatividade Cultural

Na lição anterior vimos que o facto de os diferentes grupos sociais expressarem de forma
específica os mesmos aspectos culturais leva a sugerir a existência de diversas culturas. Nesta
lição vai aprender, por um lado, os aspectos que emergem dessa diferenciação cultural e, por
outro lado, que essas diversas formas não são em si absolutas ou umas melhores que as outras.

Desde a origem do Homem, as diferenças foram sempre demarcadas. Na fase primitiva podiam
ser identificados os grupos humanos das savanas e das florestas densas. A história deixou
exemplos concretos de delimitação de grupos sociais. Por exemplo, na Grécia antiga o “éthnos”
era um conceito que definia um grupo de pessoas diferentes do povo grego. Nesse caso o
“éthnos” representava o “outro”, o “estrangeiro” ou o “étnico”. Face ao “éthnos”, existia o génos,
que queria dizer nós.
Quando estes elementos identitários são frequentemente usados, formamse como estereótipos.
Os estereótios surgem para apreender a realidade organizando-a em categorias: negros, brancos,
os macuas, os mulatos, os
Machel. Surgem da categorização social, como um processo de simplificação e sistematização da
informação. Por acaso, nunca lhe ocorreu simplificar algo para uma fácil memorização?

Os estereótipos também surgem por comparação social. Os estereótipos exageram as diferenças


entre categorias, comparam e organizam a informação. Inventam-se diferenças para criar
processos de identificação.
Os estereótipos podem surgir ainda por atribuição de características a determinadas categorias,
gerando expectativas e condutas. Estes esterótipos são estruturas cognitivas partilhadas, debaixo
das quais estão sistemas de valores transmitidos pelos agentes de socialização (família, escola,
órgãos de comunicação social : por exemplo, é notícia nos canais televisivos extra-africanos, a
fome, a seca, a nudez, as guerras emm África).

Estes estereótipos funcionam por meio de um favoritismo endogrupal. Geralmente valorizamos


mais positivamente o nosso grupo e desfavorecemos os outros. Acentuam-se as diferenças
intergrupais e reforçam-se as diferenças face aos pensados como “outros”, por meio da
homogeneidade interna exagerada, na procura de uma coesão interna.

Com os estereótipos homogeneiza-se o outro grupo, desindividualizando os seus membros. Ex.:


Já ouviu falar, por exemplo, que “Todos os negros são iguais”! Que o grupo X é avarento. Mas
quantas vezes essa informação não reflecte a verdade! Neste caso, pode permitir rivalidades ou
concorrências.

Sumário
Tome Nota!
A identificação do outro é tão antiga como a origem da própria humanidade. Tal diferenciação é
acompanhada pela introdução de estereótipos que, de certa forma, servem para fragilizar o
“outro” e favorecer o grupo de pertença.
Exercícios
1. Como surgem os estereótipos nos seres humanos?
2. Qual é a finalidade dos estereótipos?

A Aplicação do Etnocentrismo
Se certos grupos sociais ocupando espaços sociais diferentes comungam a fraternidade,
geralmente, quando os homens se consideram importantes em relação aos outros grupos, têm o
impulso de aplicar os seus interesses para esses outros. Às vezes, tal impulso é manifesto de
forma violenta, pondo em questão a sobrevivência do outro.

Na lição anterior você viu como surgem os estereótipos, na relação entre grupos diferentes, cuja
finalidade é de rotular os outros com aspectos pejorativos. Quando tal processo ocorre ao nível
de um grupo étnico, estamos em presença de um etnocentrismo. O etnocentrismo é concebido
como sendo o uso da própria cultura como base de explicação ou de descrição da cultura de
outros grupos étnicos ou povos. Há termos relacionados com o etnocentrismo e que são
estudados pela Antropologia, tais como: Etnicidade, Etnogénese e Tolerância Étnica.

A Etnicidade tem como base um sentimento colectivo de identidade. Implica identificar-se,


afirmar-se como grupo étnico, sentir-se parte dele. Serve como elemento de inclusão e de
exclusão.

A Etnogénese é o processo de afirmação, revitalização e autoconsciência da identidade étnica de


um grupo humano, numa situação de confronto das diferenças socio-culturais para com outros
grupos. A África oferece exemplos concretos de práticas etnocêntricas extremas, como o
genocídio que resultou no confronto entre os Hutu e os Tutsi.

Contudo, a mesma África oferece múltiplos exemplos de convivência entre diferentes grupos
étnicos, já que, geralmente, muitos países têm mais do que uma etnia, resultante da formação
histórica desses países. Nesse caso tem se a Tolerância Étnica, um processo que se manifesta no
reconhecimento das diferenças culturais mas convivendo num mesmo espaço. Contudo, a
Antropologia, do ponto de vista humanístico, deve servir para melhorar a convivência e construir
uma sociedade democraticamente justa. Neste uso positivo das diferenças culturais estaríamos a
falar do relativismo cultural.

O Relativismo Cultural afirma que uma cultura deve ser estudada e compreendida em termos dos
seus próprios significados e valores, e que nenhuma crença ou prática cultural pode ser entendida
separada do seu sistema ou contexto cultural. O comportamento, numa cultura particular, não
pode ser julgado com os padrões de outra cultura. O Relativismo Cultural é tanto uma teoria
antropológica como uma atitude e uma prática antropológica, uma forma de lidar com os outros,
respeitando a diversidade. Assim, nenhuma cultura, ou grupo social é mais importante que o
outro.

A linguagem antropológica é baseada no multicultural, isto é, no reconhecimento da existência


de diversas culturas, cada uma é importante dentro no seu território. É o Relativismo Cultural.
Entretanto, nessa perspectiva do Relativismo Cultural ético, há e deve haver limites válidos para
toda a humanidade. Que não se tolerem aspectos imundos. (Ex. mutilação de clítoris nas
mulheres, frequente na África Sahariana). Existe, por isso, uma referência moral e valores
internacionais e humanos de justiça e moralidade que nos fazem mais humanos.

Mas também o Relativismo Cultural mais extremo equivale à eliminação de toda a


regulamentação do comportamento humano e pode cair no risco de justificar e/ou permitir a
violência. É por causa disso que existem por exemplo documentos normativos como, “A Carta
dos Direitos Humanos”. Neste caso, poderíamos afirmar como fundamentos antropológicos da
cultura:

O carácter local de toda a cultura, isto é, aplicada a uma certa realidade social; A equivalência de
todas as culturas, sendo que nenhum ser humano é mais cultural que o outro. Assim, tudo o que é
etnocentrista, elitista, o ocidentalismo, acaba sendo banal.

A cultura diz respeito a todas as manifestações humanas.


Sumário
Tome Nota!
A história humana foi marcada pela criação do outro, em parte como forma de marcar a
identidade própria ou de identificar o próximo.n Essa alteridade, nem sempre, é introduzida de
forma positiva, levando à emergência, por exemplo, de etnocentrismos. Contudo, é necessário
saber que as diferenças culturais enquadram-se no contexto da multiculturalidade, não havendo,
por isso, alguma cultura mais importante que a outra.

Exercícios
1. Qual é a etimologia da palavra etnocentrismo?
2. Em que se fundamenta a Tolerância Étnica?
3. Que elementos e acções devem ser postos em consideração no país para dissipar processos
etnocêntricos?

O Dinamismo Cultural

Tal como se afirmou nas características da Cultura, apesar de ela ser estável, é também dinâmica.
O dinamismo surge como resultado do seu carácter eminentemente humano e social,
caracterizado por constantes mudanças, quer como resultado da evolução bio-cultural do próprio
Homem, quer pelas mudanças que podem ocorrer no interior de um grupo social. Vários são os
factores que condicionam o Dinamismo Cultural, tais como: a descoberta, a invenção, a difusão,
a aculturação, a desculturação e a globalização.

A DESCOBERTA E INVENÇÃO
Você já se inteirou de que a Humanidade vive de descobertas e invenções. É verdade. Essas
descobertas e invenções acumuladas vão fazendo parte de um repertório cultural de
determinados grupos sociais, senão de toda a humanidade, em função da sua absorção nos
diversos quadrantes do Mundo. Todos os novos elementos descobertos ou inventados podem
condicionar o início de um processo que pode culminar numa mudança cultural. Ao se
constituirem como novidade no grupo em que tais processos ocorrem, eles podem, por um lado,
ser incorporados num procedimento já existente, melhorando o anterior estágio ou então
condicionar o abandono de anteriores práticas. Quer seja num ou no outro sentido, há uma
mudança de uma prática. Esse processo surge a partir do momento em que as práticas individuais
são socializadas pela comunidade onde os inventos ocorreram.

Ao lado da descoberta e da invenção, considerados factores locais, existe a difusão, que também
participa no processo da dinâmica cultural. A difusão de uma técnica participa sobremaneira na
dinâmica cultural.
Certamente você sabe que não há cultura que não tome por empréstimo elementos de outras
culturas. Pode mesmo afirmar-se que não existe alguma cultura que seja constituída só por
elementos originários. Por outro, a difusão contribui para o diálogo inter-cultural, estimulando o
alargamento dos universais culturais e, também, enriquecendo as culturas locais. A transmissão
de um elemento cultural de um ponto para o outro pode condicionar, ao mesmo tempo,
reformulações, na medida em que esse processo nem sempre é pacífico. Jogam nesta influência
os contactos entre as sociedades. Mas nem todos os processos culturais, como por exemplo os
elementos religiosos, são de fácil difusão.

A ENCULTURACÃO
Define-se como Enculturação, o processo educativo pelo qual os membros duma cultura se
tornam conscientes e comparticipantes da própria cultura (Bernardi, 1978, p. 92). Ela pressupõe
a transmissão da cultura já estabelecida. Ela ocorre de maneira formal, quando transmitida em
instituições e modos rigidamente estabelecidos e, de maneira informal, na vida quotidiana, com a
familia, grupo de amigos, clubes, etc.
Entretanto, esses dois processos não estão dissociados, dado que a família está enquadrada num
complexo sócio-cultural e os pais foram educados nas instituições formais de um determinado
grupo social. Você pode aperceber-se de que ninguém ensina nada em casa que não seja prática
social local. A iniciação instrutiva, como por exemplo os ritos de puberdade, faz parte da
Enculturação. A adesão implica um certo conformismo às regras existentes, mas, às vezes, o
processo de transmissão pode ser seguido por uma recusa dessas práticas por parte do membro
que a recebe. De facto, nesse processo enculturacional, a recepção dos valores não é aceite de
forma passiva, dado que a individualidade ou a capacidade de interpretação autónoma do que é
recebido tem o seu lugar. A Enculturação tem fins normativos: as normas sociais (leis, tradições,
usos e costumes); função de controlo social e carácter institucional numa determinada área
cultural.

ACULTURAÇÃO
A Aculturação é um processo que resulta das relações existentes entre várias culturas e aos
efeitos que derivam dessas relações. A Aculturação é uma transformação cultural em curso, dos
etnemas de um determinado grupo sob a influência de um outro. Quando os contactos entre dois
grupos ocorrem entre povos que partilham a mesma fronteira resulta uma osmose cultural, com
o entrelaçamento de certos etnemas das duas áreas culturais marginais. Quando essa
compenetração for maior tem-se o caso de fusão cultural, isto é, quando duas ou mais culturas
estão inseridas e são comungadas numa área cultural de forma harmoniosa. O sincretismo
mesmos traços culturais, manifestam-nos em determinadas ocasiões, mas sem entrar em choque
com a cultura dominante, da área em que se encontra a urbe. Este pode ser um exemplo de uma
subcultura.

Sumário
Tome Nota!
Como pode notar, a cultura nunca é estável. Ela está em constante movimento, quer por factores
internos, como por factores externos. O tipo de mudança depende do tipo do agente, do tempo, a
aceitabilidade do grupo que é pressionado, etc. Contudo, nas relações que se estabelecem entre
os diferentes grupos sociais surgem as culturas dominantes e as subculturas.

Exercícios
1. Identifique os factores do dinamismo cultural na sua área de residência.
2. Diferencie Enculturação da Aculturação.
3. Como foi conduzido o processo de aculturação em Moçambique no período colonial?
4. Procure alguns exemplos de regiões ou épocas em que houve a tentativa de se conduzir um
processo de desculturação na humanbidade.

Os Factores da Cultura
Até aqui, você apercebeu-se de que a cultura não só é o resultado da mente humana. Viu também
que ela evolui e mesmo sendo universal, manifesta-se de diferentes maneiras nos diferentes
ambientes sociais e naturais. Na verdade, é na relação que se estabelece entre o Homem
(Anthropos), a Sociedade (Ethnos), o Ambiente (Oikos) e o Tempo (Chronos), que se
manifesta a própria cultura. Estes constituem os factores da cultura. Nesta lição, com uma
duração de duas horas, você vai aprender como é que cada um dos factores acima indicados
influencia na emergência da cultura.

Tal como viu na introdução, existem quatro factores de cultura, nomeadamente, o próprio
Homem (Anthropos), a Sociedade (Ethnos), o Ambiente (Oikos) e o Tempo (Chronos). Tais
factores participam, de formas diferentes, na emergência da cultura. Veja como cada um
participa.

O Anthropos
O Anthropos, ou o Homem, na sua realidade individual contribui no aspecto cultural, como ser
biológico e social. No aspecto biológico, você nota que em muitos grupos sociais ou culturais
ordenam-se em função do carácter sexual e etário dos seus membros. Observe na sua
comunidade e vai notar este aspecto. De facto, este carácter natural produz efeitos estruturais na
ordenação social e tem um impacto sobre a personalidade e o comportamento adequados a cada
um daqueles parâmetros. Mas também, no processo de enculturação, o Homem não é um simples
ser passivo, podendo introduzir certas inovações na própria cultura. Um génio, num determinado
meio cultural, é um exemplo da função do simples indivíduo como factor de cultura e às vezes
torna-se herói cultural. E pode ser que figuras carismáticas, como por exemplo um presidente,
consigam introduzir algumas mudanças culturais, fruto do seu empenho pessoal. É aí onde
podemos identificar o lugar do Anthropos como factor da cultura.

O Ethnos
A Cultura resulta, como se afirmou nas lições anteriores, num contexto grupal. As acções dos
indivíduos só têm significado se elas estiverem circunscritas numa colectividade. Você tem
notado que as normas de uma comunidade são emanadas em referência a ela. É a socialização e a
padronização de certas aquisições individuais que torna a cultura como resultado de uma
colectividade. É da interacção dos vários princípios de homens vivendo num determinado meio
que resulta um sistema cultural. Por um processo normativo, o Ethnos (a sociedade), passa a
constituir-se como um dos factores da cultura, por ser através dele que esta é veiculada.

O Oikos
Oikos vem do grego “casa”. Expressa o ambiente onde se insere om Homem. O ambiente, como
factor de cultura, condiciona a actividade exterior e material do homem. É inegável que o
ambiente condiciona, por exemplo, a maneira de vestir, mas ele não pode ser visto numa vertente
determinista. Se você puder ler literaturas, como por exemplo as de carácter histórico, vai
perceber que para os primórdios da humanidade as culturas foram definidas em função da
natureza, como por exemplo, a cultura paleolítica, neolítica, etc.
Essa denominação era feita em referência ao uso alargado da pedra. Ou, se em certos momentos
foram empregues termos como culturas ou povos primitivos, em referência a sistemas culturais
com uma dependência acentuada à natureza, hoje ouvimos, por exemplo, falar-se de sociedades
urbanas, da era da cibernética, etc. Este facto remete-nos a considerar que se, numa primeira
fase, o modelo da intervenção do Homem e a sua sobrevivência estiveram muito ligados às
condições naturais, hoje ele depende mais de factores que resultaram basicamente da natureza
humana ou cultural.

Não só é um facto assente nas teorias antropológicas, mas também é uma realidade que o grau
civilizacional ou material define a forma de estar dos diferentes grupos sociais na face da Terra.
Assim, se essa dependência do Homem sobre a natureza foi mais notória nos primórdios da
humanidade, o Homem vem dependendo mais de factores fundamentalmente culturais. Contudo,
apesar disso, o Homem nunca pode dissociar-se completamenten da natureza e viver
completamente da cultura.

Se o Homem não se pode dissociar completamente do que a natureza oferece, é lógico que o
gráfico só pode espelhar uma evolução ideal, mas nunca totalmente possível. Seja qual for o
nível cultural, a vida do homem vai estar sempre ligada ao ambiente que o rodeia.
O chronos
Você pode constatar que nada se escapa ao tempo. A cultura é um processo e, de forma
intrínseca, está ligada ao tempo. Ela desenvolve-se e manifesta-se no tempo. O tempo é
assumido nas suas três dimensões: passado, presente e futuro, mas com mais ênfase para as
primeiras duas.

Mas é necessário saber que para além do tempo cronológico, que acaba de ser mencionado,
existe um tempo ecológico e outro social. O primeiro é organizado em função dos ciclos anuais e
o segundo em função dos ritmos de factos sociais, como por exemplo, a passagem de um grupo
etário de uma categoria social para outra. Assim, seja o tempo cronológico, o ecológico ou o
social, eles interferem na cultura de um grupo social.

Sumário
Tome Nota!
A cultura resulta como um processo em que participam, de forma específica, o Homem, como
indivíduo biológico e cultural, a Sociedade, entanto que reguladora das acções individuais e
colectivas, o Ambiente, pelo facto de ser neste onde se assentam os grupos sociais, influenciando
de certa forma o comportamento dos
Homens e o Tempo, necessário para o desenvolvimento de toda a matriz cultural.

Exercícios
Identifique o tipo de factor da cultura presente nas seguintes situações:
1. Construção de casas de caniço junto dos ribeiros cuja formação vegetal é dominantemente
herbácea.
2. Construção de casas de blocos num local onde habitualmente se construiam casas de caniço.
3. Invenção do voleibol
4. O processo de transmissão de normas de comportamento.

A Interacção dos Factores


Como viu na lição anterior, a natureza da cultura depende da influência de quatro factores:
Anthropos, Ethnos, Chronos e Oikos. Nesta lição, você vai perceber que estes quatro factores
não agem de forma isolada. É da sua acção combinada que há uma dinâmica cultural. Veja como
o processo ocore.

A dinâmica cultural resulta da interacção dos quatro factores. Contudo, às vezes e em função de
diferentes escolas ou correntes, há uma acentuação de um ou de outro factor no processo da
dinâmica cultural. Neste contexto, na explicação da dinâmica cultural, uns privilegiam a
personalidade humana, outros realçam o aspecto social, enquanto um terceiro grupo é pelos
aspectos ambientais e o último pelas ligações causais entre os seus acontecimentos (no aspecto
temporal). Não obstante, o carácter global da própria cultura força que, em última instância, haja
a consideração dos quatro factores num processo interactivo. Nessa interactividade privilegiam-
se, entretanto, as relações entre anthropos e ethnos, por um lado e entre o oikos e o chronos, por
outro lado.

A relação entre o anthropos e o ethnos na cultura resulta pelo facto da convergência de


indivíduos em sociedade condicionar a vitalidade do ethnos e este gerar o anthropos. Essa
interacção constante conduz à uma dinâmica cultural. Mas por outro, toda a cultura desenvolve-
se no espaço e num determinado tempo, daí que estes estão também intimamente ligados. Fora
dessas relações bipolares, é necessário ter em conta que o homem e a sociedade, como seres
culturais vivem num determinado ambiente e tempo, daí que não se pode falar da primeira
interacção fora destes últimos dois factores. E quantas vezes, a própria dinâmica cultural não
conduz a aceleração de processos que em princípio podiam ocorrer, num determinado local,
depois de longos períodos, a ponto de mudar a natureza do ambiente? De facto, essa interacção
recíproca dos quatro factores constitui o motor da dinâmica da própria cultura.

Para todos os efeitos, é necessário ter em consideração que a cultura tem a especificidade
humana, por ter dois daqueles factores o próprio Homem e a comunidade. É com o Homem,
entanto que indivíduo e com a comunidade, entanto que grupo de homens vivendo num
determinado ambiente e tempo onde emergem as formas particulares da cultura. O
Homem, através da sua acção individual, pode dar origem a formas culturais. A estes aspectos
individuais da cultura chamam-se Antropemas.
Define-se Antropemas como, “(...) as expressões capilares da cultura, originadas pela intuição
inventiva dum indivíduo, e que, portanto, se especificam como raízes da etrutura cultural e
social”(Bernardi, 1978, p.
83). Aqui incluem-se os aspectos simples, isto é, aspectos particulares da cultura humana, vistos
de forma isolada, como por exemplo a invenção do fogo, do motor, etc. Mas estes elementos
isolados só são culturalmente válidos quando não normalizados ou socializados pela própria
comunidade onde o indivíduo vive.

Essa normalização ocorre quando os feitos individuais são enquadrados em outros fenómenos
culturais mais extensos. Por exemplo, a invenção do motor pode ser enquadrada nas inovações
tecnológicas que ocorreram na mesma altura ou que foram sendo acumuladas desde épocas
anteriores.

Assim, quando fenómenos individuais são incorporados num conjunto mais vasto, isto é, quando
eles são regulados no interior de uma determinada comunidade, tornam-se colectivos. São os
Etnemas. Os Etnemas constituem a articulação dos diferentes Antropemas ou a normalização e
socialização de Antropemas, formando um corpo. Como aponta Bernardi, “Os Etnemas são o
resultado dos Antropema constituídos em estruturas, isto é, articulados entre si,
sistematicamente”(Id.).

Em função de um objecto em análise, um Etnema pode ser simples ou complexo. O complexo é


aquele que envolve vários Etnemas, como por exemplo o parentesco, que resulta da articulação
de várias famílias, estas consideradas como Etnemas simples. De facto, a família é um Etnema
pelo facto de resultar da aglutinação dem vários membros que, para este caso, desempenham a
função de Antropemas.

Sumário
Tome Nota!
A dinâmica cultural resulta da interacção dos quatro factores: Anthropos, Ethnos, Chronos e
Oikos. Assim, nenhum factor actua de forma isolada, não obstante, os primeiros dois serem
fundamentais, para dar esta natureza tipicamente humana à cultura. É por causa desse domínio
do Anthropos e do Ethnos na dinâmica cultural que emergem os Antropemas, estes definidos
como aspectos particulares mda cultura e os Etnemas, que constituem o conjunto de Antropemas,
constituídos em sistemas.

Exercícios
1. Por que razão na dinâmica cultural é necessário considerar a combinação dos quatro factores?
2. Apresente as relações bipolares privilegiadas entre os diferentes factores da dinâmica cultural.
3. Dê exemplos de Etnemas e de Antropemas que conhece.

A Interacção entre a Cultura e a Natureza, a Sociedade e a Civilização

Nem sempre é fácil identificar o limite entre o que é natural e cultural. Uma das preocupações da
Antropologia é encontrar as bases de contacto entre aqueles dois universos. Assim, nesta lição
você vai perceber a complexidade que se forma na relação entre a natureza e a cultura. Mas
também vai saber da discussão que existe à volta de dois conceitos, que, à primeira vista,
parecem expressar a cultura: Sociedade e Civilização

Numa primeira apreensão, entende-se a natureza como a totalidade do universo, dentro do qual o
Homem se encontra, incluindo todas as forças, conhecidas e desconhecidas. Num sentido
restrito, entende-se como ambiente ecológico. Contudo, o Homem procura dar um novo
significado. De facto, até aqui você já se apercebeu de que o Homem está ligado à natureza de
forma multifacetada: pela procura de subsistência, de matérias-primas, pelos condicionalismos
que esta proporciona àquele. Por causa desta realidade, o Homem procura dar uma outra
significação da Natureza, ele é impelido a pensar à volta desta. Assim, apesar de se regerem por
leis totalmente diferentes, com a natureza a reger-se por leis físicas, constantes, universais e a
actividade cultural a reger-se por padrões complexos, muitas vezes indefinidos, há pontos de
contacto entre os dois universos.

O Homem socializa ou torna culturais alguns aspectos naturais, como a actividade sexual
humana, com a introdução de certas prescrições à volta dela, como por exemplo o incesto. De
outra forma, a actividade sexual humana torna-se diferente da dos outros animais, em virtude de
serregrada, saíndo do instinto natural que reina nas espécies animais. A linguagem, que na
essência é natural, a sua culturalização ocorre com a criação das línguas, apesar de se saber que
estas envolvem, por sua vez, aspectos tipicamente naturais. Por exemplo, aos sons e gestos, que
são naturais, mas que caracterizam a linguagem, é atribuído um valor simbólico. Assim, mesmo
que seja difícil determinar os pontos de contacto entre a natureza e a cultura, esta última assenta
sobre a primeira, daí que é sempre necessário considerá-la nas análises culturais.

Uma outra vertente de correlacção encontra-se entre a cultura e civilização. Em certas ocasiões,
estes termos foram usados de forma indiscriminada. Mas em certas escolas, como a Alemã
acentuou-se o usom do termo Cultura no lugar de Civilização.

Alguns autores usam o termo Civilização para indicar uma manifestaçãom territorialmente
importante da cultura, quando esta última é identificada como a forma mais simples e localmente
circunscrita daquela. Contudo,m como afirma Bernardi, (1978, p. 31) é importante especificar
que não existe uma escala de classificação da cultura. Para alguns ultrapassarem este problema,
procuraram situar a cultura no aspecto ideológico e a civilização no aspecto concreto, isto é, a
expressão material de uma comunidade concreta.
Outros estudos, procuraram correlacionar os termos a partir do seu sentido etimológico, mesmo
que, também para esta vertente, o uso de um dos termos tenha carregado consigo aspectos
pejorativos, na medida em que foi usado para opôr os povos colonizadores aos outros. Nestem
contexto, Bernardi (1978, p. 33) aponta que o termo Civilização pode ser usado entanto que parte
de uma cultura, não no seu sentido de superioridade, mas em relação à forma de estar
característica da vida urbana.
Finalmente, uma outra interacção existe entre a cultura e a sociedade. Toda a concepção cultural
emerge do interior de um grupo social determinado, com um modo de organização e
comportamento. Mas ao mesmo tempo, a sociedade é uma manifestação tipicamente cultural.

Sumário
Tome Nota!
A cultura humana está intrinsecamente ligada à natureza. Ela pode expressar até a continuidade
de factos naturais, mas num contexto tipicamente humano. Há ainda o contacto entre a cultura e
a civilização, na medida em que esta última expressa uma área cultural mais restrita, tipicamente
urbana, de um complexo cultural mais vasto, existente num grupo social.

Exercícios
1. Dê exemplos de contacto entre a natureza e a cultura.
2. Em que difere a cultura da civilização?
3. Indique os pontos de contacto entre a cultura e a sociedade.

A Identidade Cultural

Certamente já ouviu falar de identidade, como por exemplo, a identidade moçambicana. Nesta
lição, você vai aprender como surge a identidade e os vários tipos de identidades. Vai também
aprender como é que ela pode
ser objectiva e subjectivamente expressa.

Já notou que as pessoas gostam de se identificar com algo que acham que as inclui ou está mais
perto delas? Quando alguém diz que é Docente ou Estudante; Jornalista; Shangana, Português ou
Chinês; é Cristão, é
Feminista ou Machista, a que se está a referir? Estas expressões antecipam-se a um conjunto de
diferentes níveis de Identidade: Identidade Colectiva, Identidade Étnica, Identidade de Género,
Identidade Profissional, Identidade Nacional, Identidade Pessoal, Identidade Comportamental,
Identidade Religiosa, etc.

Como pode ver, existem vários tipos de identidade. Todos eles expressam a pertença a um grupo
ou categoria de pessoas. Contudo, nem sempre essa identidade é formada em função do
comportamento dominante num determinado território. De facto, em função do âmbito de
análise, é possível ter-se um tipo de identidade que não seja, à priori, aliada a uma só área
cultural, apesar de, por questões operacionais, a primeira poder estar inscrita nesta última. Se
dissemos que somos do espaço lusófono, este espaço é descontínuo e constituído por várias
outras identidades espaciais: moçambicanos, cabo-verdeanos, são-tomenses, brasileiros,
portugueses, timorenses, angolanos. Contudo, apesar de ser inclusiva, nem todos os membros do
grupo se comportam da mesma maneira: os portugueses, pertencentes ao espaço cultural
europeu, são diferentes dos povos africanos falantes do Português. Por sua vez, estes diferem
entre si.

Mas todos eles podem identificar-se, num certo momento, como sendo homogéneos, isto é,
reclamarem a mesma identidade, ao identificarem-se como lusófonos, ou seja, falantes do
Português, neste caso, diferentes dos falantes de uma outra língua, como o Inglês.
Se analisarmos os diferentes tipos de identidade, veremos que eles respondem a certos padrões.
Há um espírito que define essa identidade como: disposições psíquicas comuns, por exemplo,
certas normas de comportamento de base pelas quais os grupos se identificam ou são
identificados. Por exemplo, os estudantes têm uma predisposção idêntica: todos frequentam a
escola.

A identidade é a alma colectiva, é a sobrevivência de uma referência gloriosa do passado.


Geralmente a identidade procura a permanência ou a afirmação de um grupo ou de uma pessoa.
Muitas vezes, os traços ressaltados são escolhidos de entre os que são considerados positivos ou
vantajosos para a afirmação dos grupos. Nenhum grupo quer projectar aspectos negativos ou que
lhe proporcionem uma posição subalterna.
A identidade é também negociada, porque pode ser firmada na diversidade. Por exemplo, a
Comunidade Lusófona, a Comunidade Europeia). Por exemplo, esta última procura projectar-se
através de uma concórdia, uma democracia, uma moeda e um mercado comum, mesmo que isso
não signifique que todos os europeus se comportem da mesma maneira. A identidade é uma
definição de “nós” em função dos conteúdos das relações para com os “outros”. A identidade
constrói-se historicamente, portanto, está em constante mudança, apesar da sua aparente
permanência no tempo. Ex: os Zulus de ontem não são os mesmos de hoje. A identidade constrói
socioculturalmente a semelhança interna de um grupo pensado como homogéneo (mesmo que
não o seja, como ficou vincado com o exemplo da Comunidade Europeia), e a diferença
(heterogeneidade e diversidade) face a outros grupos. A identidade alimenta-se da alteridade, isto
é, a identidade é sempre firmada pela presença de um grupo diferente, mas com referenciais
idênticos. O médico o é, em relação ao enfermeiro.

A identidade pode ser objectivada, isto é, pensada como continuidade da base ecológica
(território, meio natural), da base social (população), da base temporal (história) e da base
cultural (traços culturais). Mas também pode ser subjectivada, através da construção da
diferença, na auto definição da imagem endógena ou interna, na definição da imagem exógena e
no sentimento de identificação e pertença. Neste segundo processo podem ser utilizados
instrumentos de autoreconhecimento (ex.: bandeira, escudos, mitos, ícones, folclore, leis, etc.).
Como você pode notar, muitos destes elementos têm uma grande força comunicativa e
condensam ideias, imagens e significados interiorizados por um dado grupo. Assim, enquanto a
cultura é modo de vida de um grupo humano, a identidade é a representação da cultura de um
grupo humano.

Sumário
Tome Nota!
A identidade expressa o sentimento de pertença de uma pessoa a algo. Por isso, existem
diferentes tipos de identidade, definidos pelo tipo de pertença: profissional, territorial, étnica,
linguística, religiosa, etc. A identidade é construída e procura formar as bases de sobrevivência
de um grupo em relação aos outros, daí que sejam escolhidos os aspectos positivos. Ela é
objectiva quando os traços até aí existentes são objectivamente imutáveis, como o território de
origem ou a história de um povo e subjectiva, quando os elementos postos em consideração são
permutáveis.

Exercícios
1. O que é uma identidade?
2. O que está subjacente à formação de uma identidade?
3. Poderá a identidade carregar consigo aspectos negativos?
4. Por que se afirma que a identidade é negociada?

Leituras aconselhadas
1. BERNARDI, B. Introdução aos Estudos Etno-Antropológicos. Lisboa, Edições 70,
1974, p. 19-119.
2. MARCONI, A. & LAKATOS, E. Mª. Sociologia Geral, 7ª edição. SP, Edição Atlas,
130-148.
3. MARTÍNEZ. Pe. Francisco Lerma. Antropologia Cultural. SMSto. Agostinho da
Matola: S/Ed, 2004, p. 21-54.
4. MELLO, Luis Gonzaga de., Antropologia Cultural. Iniciação, Teorias e Temas.
Petrópolis, Editora Vozes, 2005, p. 79-168.
5. OLIVEIRA, Mª da Luz et al. Sociologia. Lisboa, Textos Editora, 1989, p. 111-128.

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