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O Diálogo com Motovilov

Serafim de Sarov

O Diálogo com Motovilov

Tradução do francês, notas e introdução


Fr. José Luís de Almeida Monteiro, OP

ti...
Ícone popular representando S. Serafim de Sarov,
finais do século XIX, Rússia
Tradução: Pe. José Luís de Almeida Monteiro, OP
(a partir da edição francesa:
L'Entretien avec Motovilov
Abril 2002, Éditions Arfuyen- França)
Capa: Departamento Gráfico Paulinas
Fotocomposição, paginação e fotolitos: Paulinas- Prior Velho
Impressão e acabamentos:
Artipol -Artes Tipográficas, Lda. -Águeda
Depósito Legal n.0 210 598/04
ISBN 972-751-610-6
(Edição original 2 84590 010 4)

© Maio 2004, lnst. Miss. Filhas de São Paulo


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Introdução

A 19 de julho de 1759 - ano da expulsão dos jesuítas


de Portugal e quatro anos após o terrível terramoto que des­
truiu uma grande parte da cidade de Lisboa -, a vários mi­
lhares de quilómetros do nosso país, na Rússia (onde se re­
fugiaram alguns membros da Companhia de jesus), nascia
um menino, baptizado com o nome de Prokhore, cuja exis­
tência viria a ser de uma imensa irradiação espiritual no
mundo cristão ortodoxo e que, mais tarde, se estenderia por
outros lugares. Reinava, então, sobre a terra russa, Isabel,
filha de Pedro, o Grande, cuja governação tinha deixado
profundas feridas que a população tentava ainda cicatrizar.
O pai de Prokhore chamava-se Isidoro Mochnine I, e fa­
lecera tinha o menino três anos. Foi sua mãe, Águeda, que
lhe inculcou o amor ao trabalho e o horror à preguiça.
Aos sete anos, na companhia da sua mãe, ao entrar nu­
ma igreja em construção, caiu de um andaime, que rodeava
a torre da igreja, mas, surpreendentemente, levantou-se ile­
so. Com dez anos teve uma doença que quase o vitimou.
Nessa altura, a mãe andava desesperada, até ao dia em que
Prokhore partilhou com ela o belo sonho que acabava de ter:

' Os elementos essenciais que aqui resumi sobre a vida e a obra de


Serafim de Sarov são extraídos de Séraphim de Sarov, Sa vie, por Irina Go­
ralnoff, col. Théophanie, Desclée de Brouwer, Paris, 1995.
8 SERAFIM DE SAROV

a Virgem Maria tinha-lhe aparecido para lhe anunciar pes­


soalmente que o viria curar. Alguns dias depois, um ícone de
Nossa Senhora de Kursk, considerado milagroso, foi levado
em procissão pelas ruas da cidade. Ao chegarem perto da
casa da família Mochnine, veio uma trovoada, acompanha­
da por uma chuva diluviana. Para protegerem o ícone, colo­
caram-no no pátio da casa. Águeda aproveitou para trans­
portar o seu filho para junto do ícone, tendo ficado curado.
Certa ocasião, um desses «loucos em Cristo» (salo'i}, que
tinha a reputação de conhecer o futuro (povoaram Bizâncio
e a Rússia e assemelhavam-se aos antigos profetas}, numa
rua da cidade, disse a Águeda: «Feliz és tu por teres um filho
que se tornará um poderoso intercessor diante da Santíssima
Trindade, um homem de oração para o mundo inteiro.»
A cidade de Kursk fica numa zona que faz fronteira com
a imensa estepe. Por isso, os seus habitantes sempre tiveram
de lutar ao longo dos tempos contra toda a espécie de invaso­
res, o que forjou neles um tipo de carácter viril e lutador. Po­
rém, o jovem Prokhore sonhava com outros combates. Foi
assim que, após vários conselhos e após ter ido a Kiev em pe­
regrinação, um monge chamado Dositeu o aconselhou a ir
até ao deserto de Sarov. Este monge disse-lhe: «Vai para lá
sem temor. É lá que tu salvarás a tua alma. É também lá
que tu terminarás a tua peregrinação terrestre. Familiariza­
-te com o pensamento constante em Deus. Chama o seu
Santo Nome. E o Santo Espírito virá habitar em ti e guiará
a tua vida na santidade.»
Tomou o caminho, acompanhado de dois amigos, após se
ter separado da sua mãe e de seus irmãos. Esta entregou-lhe
uma cruz que ele levará sempre com ele até à morte. A ci-
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 9

dade de Kursk fica a mais ou menos seiscentos quilómetros


de Sarov.
O «deserto» , na Rússia, é sobretudo o espaço das grandes
florestas. A floresta de Sarov ficava a norte da província de
Tambov e a sul de Nizhni-Novgorod, no centro da Rússia.
Ursos, raposas, martas e, à beira das ribeiras Satis e Sarov­
ka, castores e lontras. Era uma região frequentada por ca­
çadores finlandeses da tribo dos Mordva. Quando os Russos
ali penetraram, impelidos pelos Tártaros, os autódones reti­
raram-se. Nesta altura, estava pejada de bandidos.
A política imperial, durante o século XVIII, tinha man­
dado fechar todos os mosteiros, mas nem todas as ordens ti­
nham sido cumpridas. Foi dessa forma que o mosteiro de
Sarov não só foi fundado nessa época como prosperou. E, em

1774, durante uma fome na região, o mosteiro tinha acolhi­


do centenas de refugiados.
No dia 20 de Novembro de 1778, Prokhore e os seus
companheiros chegaram finalmente a Sarov. No dia seguin­
te, apresentou-se ao higumene2• Tinha 19 anos e era es­
belto: grande, delgado, largo de ombros, pele clara, as maçãs
do rosto ligeiramente salientes, o nariz afilado, os olhos mui­
to azuis. Assumirá vários trabalhos: padeiro, carpinteiro,
sacristão, mas será sobretudo como carpinteiro que ele ficará
mais conhecido.
Zeloso no seu trabalho, ao longo dos anos de noviciado,
Prokhore ficará doente e sofrerá de uma hidropisia, durante
uns três anos, que acabará numa grave crise. Repentina­
mente, porém, o jovem Prokhore é curado. O que terá acon-

2 O higumene é o superior do mosteiro da Igreja Ortodoxa.


10 SERAFIM DE SAROV

tecido ? A Santíssima Virgem que, na meninice, tinha vindo


sob o aspecto de um ícone, desta vez veio pessoalmente,
acompanhada dos Apóstolos Pedro e João. Voltando-se para
eles, ela pronunciou estas palavras estranhas: «Ele é da nos­
sa raça>> e, apontando para o jovem moribundo com o seu
ceptro, curou-o, tocando-o na anca direita.
Oito anos após a entrada no deserto de Sarov, aos 27
anos, a 13 de Agosto de 1786, foi acolhido na comunidade,
recebendo o hábito monástico. Foi-lhe dado o nome de Sera­
fim, que em hebraico significa «flamej ante». Em breve foi
ordenado diácono e, em 1793, foi ordenado presbítero. O seu
zelo, as suas orações e as vigflias contínuas faziam-no por
vezes permanecer para além do que previa a regra monásti­
ca. Um dia, permaneceu imóvel durante três horas. O padre
Serafim entrava aos poucos nesse mundo invisível ao qual
poucos têm acesso.
Após todas estas experiências e tendo consciência que a
humildade é o cimento da peifeição espiritual, pediu ao seu
higumene, padre Isaías, para deixar o mosteiro e se insta­
lar numa pequena cabana na floresta. Com uma autoriza­
ção oficial, saiu a 20 de Novembro de 1794, vigília da
Apresentação no Templo da Vzrgem Maria, exactamente de­
zasseis anos após a sua entrada. Tinha então 35 anos.
A floresta que serviu de «deserto» ao padre Serafim era
imensa e sombria. Alguns pinheiros tinham vários metros de
perímetro. A sua cabana ( isba), situada à beira de uma
margem escarpada da ribeira Sarovka, a cerca de seis quiló­
metros do mosteiro, servia-lhe de eremitério. Um ícone num
canto, uma lareira no outro, uma pilha de lenha servindo-
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-lhe de cadeira e era tudo. Nem sequer uma cama. Deu um


nome a este conjunto: Monte Atós3•
A sua jornada começava à meia-noite. Seguia a Regra
de São Pacómio, o Magno, própria dos Padres do Deserto.
Tinha um pequeno quintal. No Inverno cortava a lenha
a golpes de machado.
Os animais faziam parte do seu ambiente natural. Uma
testemunha ocular conta o seguinte: «Por volta da meia­
-noite, ursos, lobos, lebres, raposas, lagartos e répteis de toda
a espécie, rodeavam o eremitério. Depois de terminar as suas
orações, segundo a Regra de São Pacómio, o asceta saía da
sua cela e punha-se a alimentá-los. » E sempre encontrava
alimento para todos os animais.
Naturalmente, o demónio não deixou de o tentar; pois
isso jaz parte da experiência da vida espiritual.
A 12 de Setembro de 1804, o padre Serafim estava a
cortar lenha na floresta, quando sobrevieram três homens e
exigiram dele, de forma grosseira, dinheiro. Tendo respondi­
do que não tinha, um deles começou a bater-lhe e, apesar de
ter o machado nas mãos, não se quis defender. Perdeu os sen­
tidos. Revistaram a sua cabana e naturalmente nada encon­
traram. Finalmente fugiram.
Um monge que passava por ali foi prevenir o higume­
ne do mosteiro, e foram buscá-lo, ferido, para lá. De novo e
hesitando na presença dos médicos sobre que tipo de trata­
mento lhe dariam, e tendo Serafim já perdido muito sangue,
a Virgem apareceu-lhes, dizendo de novo: «Ele é da nossa

3 Ilha da Grécia povoada exclusivamente por um conjunto impres­


sionante de mosteiros ortodoxos de população masculina.
12 SERAFIM DE SAROV

raça. » Após alguns dias, começou finalmente a alimentar-se.


Entretanto, os culpados foram encontrados. Eram três cam­
poneses de uma aldeia vizinha, Kremenok. O padre Serafim
recusou firmemente que lhes fosse dado qualquer castigo.
Porém, um desses incêndios que se propagam nas ísbas das
aldeias russas atingiu Kremenok. As casas dos malfeitores
arderam totalmente, e os pobres malfeitores acorreram para
pedir perdão ao homem que eles tinham tentado assassinar.
O perdão das ofensas sempre foi para um crente russo a pe­
dra de toque de um cristianismo autêntico. O gesto de Sera­
fim foi com frequência citado como um exemplo. Um escritor
russo contemporâneo, André Siniavsky, que esteve sete anos
num campo de concentração, escreveu o seguinte: «Basta
perdoar àqueles que nos ofenderam e a alma se alegra como
se um nó que nenhum esforço pudesse desatar se tivesse que­
brado. »
É neste espírito que o testemunho de Serafim de Sarov
vai atrair muitas pessoas, testemunho alimentado pelo silên­
cio, pela oração, adquirindo acima de tudo a paz interior,
pois como ele diz: «Adquire a paz interior e milhares, ao teu
redor, encontrarão a salvação. »
A 8 de Maio de 18 1 O, a comunidade do mosteiro exigiu
que ele regressasse. Serafim obedeceu, sabendo que o mostei­
ro, barulhento, cheio de visitantes, seria uma provação para
ele. Na cela do mosteiro, permaneceu encerrado durante 16
anos, apenas abrindo para receber o sustento necessário.
Ocupava o seu tempo essencialmente na leitura e meditação
da Palavra de Deus e comentando esses textos e, aos poucos,
outros monges vinham pedir-lhe conselho. Posteriormente,
também leigos e visitantes farão o mesmo. O número au-
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 13

mentava, a multidão não cessava. Só à noite é que podia


respirar um pouco e sair. Finalmente, pediu e obteve do seu
higumene autorização para sair da sua reclusão no mos­
teiro e voltar de novo para a floresta.
Em 1825, com 66 anos, Serafim vai, a partir de então,
na sua cabana da floresta, desenvolver o seu ministério espi­
rituat multiplicando-o até à morte, durante os oito anos
seguintes.
Por essa altura terminava o reinado de Alexandre I, neto
de Catarina II. Conhece-se mal o fim deste soberano. Mui­
tas fontes levam a pensar que terá visitado Serafim de Sa­
rov, no último ano do seu reinado, em 1825.
Nenhum desses acontecimentos modificavam a ascese e a
vigilância de Serafim, que gostava de comparar a vida
espiritual a uma vela: «Ao olharmos para uma vela acesa -
sobretudo na igreja - pensemos sempre no início, no desen­
rolar e no fim da nossa vida: da mesma forma que uma vela
se vai fundindo diante da face de Deus, assim a cada ins­
tante diminui a nossa vida, aproximando-se do seu termo.
Este pensamento nos ajudará a não nos distrairmos na
igreja, a rezarmos com mais ardor e a jazermos o possível
para que a nossa vida se assemelhe a uma vela fabricada
com a cera pura, ardendo e apagando-se sem mau cheiro. »
O padre Serafim discernia os espíritos, predizia o futuro,
mantinha contactos telepáticos com eremitas que viviam a
milhares de quilómetros de distância, respondia a cartas sem
nunca as abrir. Tinha o dom de bilocação e de levitação e, fi­
nalmente, também o dom de cura lhe foi dado.
Tendo curado um leigo, Miguel Manturov, Serafim en­
carregá-Zo-á do necessário para fundar um mosteiro femini-
14 SERAFIM DE SAROV

no, dando continuidade ao projecto de uma piedosa viúva da


região, Águeda Melgunov, que tinha deixado uma herança
com esse objectivo. Este projecto deixará muito exasperados
os monges do seu mosteiro do deserto de Sarov, mas a igreja
será consagrada em 1829.
Um ano e nove meses antes da sua morte, o staretz 4 teve
a felicidade de receber por uma última vez - a décima se­
gunda- a Virgem Maria. Foi a 25 de Março de 183 1, dia
da Anunciação. Uma das monjas foi testemunha deste acon­
tecimento.
A 1 de janeiro de 1833, um domingo, e sabendo de an­
temão que a hora da sua morte era chegada, nesse dia ele ti­
nha recebido muitas pessoas. O seu comportamento foi, como
habitualmente, tranquilo e alegre. Por três vezes, durante
esse dia, tinha ido até à beira da igreja da Dormição 5 da
Virgem, junto do lugar que tinha designado para sua sepul­
tura e permanecia ali, pensativo, olhando para a terra. Com
a sua cela cheia de velas, um dos noviços, frei Paulo, sentiu
um cheiro anormal de fumo. Um jovem noviço, Anikita,
acorreu e forçou a entrada da porta. Eram seis da manhã e,
enquanto na igreja se cantava a liturgia da aurora dizendo:
«Tu és digna de ser bendita e louvada eternamente, ó Mãe
de Deus>>, vários monges correram para verem a cela do sta­
retz. Na sua obscuridade, finalmente, descobrem o padre
Serafim. Pegaram numa candeia e viram o homem de Deus
dejoelhos diante do ícone da Virgem de Ternura, «A Alegria

• Staretz significa ancião (do grego, <<yerontas»). Em sentido monásti­

co, significa pai espiritual.


'O título Dormição, no Cristianismo ortodoxo, corresponde à Assun­
ção de Nossa Senhora, no Cristianismo católico.
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 15

de todas as alegrias», como ele lhe chamava, e o Evangelho


estendido na sua frente. O seu rosto pacificado e sereno. De
joelhos, diante da Rainha celeste, Serafim tinha adormecido
para sempre.
A Igreja Ortodoxa Russa canonizou-o em 1903.

***

Ouvi falar de Serafim de Sarov, há mais de vinte anos,


mas pouco conhecia realmente da sua vida.
Um amigo francês, poeta e editor, Gérard Pfister, que di­
rige as Edições Arfuyen, em França, em Maio de 2002,
lançou vários livros no mesmo dia e o lançamento teve lugar
num dos nossos conventos dominicanos em Paris, onde fim­
cionam as Edições du Ceif, fundadas e dirigidas pelos Do­
minicanos da minha Província de França. É esta editora que
tem o encargo de distribuir as obras produzidas pelas Edi­
ções Arfuyen.
Dias depois de tomar conhecimento do teor deste texto,
logo contaáei este amigo editor para lhe pedir a autorização
para o traduzir.
Pouco conhecemos, em Portugal, da espiritualidade orto­
doxa. Aáualmente, milhares de emigrantes dos países de
Leste, que foram baptizados na Igreja Ortodoxa, vivem no
nosso país. Não podemos continuar indiferentes ou igno­
rantes perante a riqueza e a profundidade da tradição cristã
dos nossos irmãos ortodoxos. Se é verdade que as relações
entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa são bastante di­
fíceis e tensas, esta situação tem a sua origem, em grande
parte, na falta de contados e na ignorância do outro. Só
16 SERAFIM DE SAROV

mergulhando, com simpatia e amor fraterno, na cultura do


outro, é que poderemos vencer as barreiras e poderemos ten­
tar compreender o porquê das reacções viscerais dos nossos
irmãos cristãos ortodoxos. A Igreja Una e Indivisível de
Cristo precisa de respirar com os «dois pulmões», o do
Oriente e o do Ocidente, para que muitos recebam a paz de
Deus e vivam plenamente no Espírito de Cristo.
A insistência de Serafim de Sarov sobre o papel do Espí­
rito e o equilíbrio do seu pensamento teológico reforçam a
força do seu testemunho. Mas parece-me sobretudo que o seu
Diálogo com Motovilov deve ser conhecido com grande ur­
gência. Porquê ? O tom persuasivo e paciente do seu diálogo
diz-nos muito sobre aquilo em que deve consistir toda e
qualquer actividade pastoral. Em seguida, Serafim de Sarov
tem o dom de falar das realidades da fé, das mais essenciais,
com uma extrema sabedoria, clareza e simplicidade. Por
outro lado, ele vai ao encontro das principais interrogações
do seu interlocutor que são também as nossas. Só indo ao
encontro do essencial - a finalidade da vida cristã - é que
nós poderemos separar o trigo do joio e poderemos canalizar
as nossas energias para aquilo que verdadeiramente vale a
pena. Nesse sentido, a aquisição do Espírito Santo é a bata­
lha principal que engloba todos os outros combates. Ou seja,
o Espírito Santo é a abóbada na construção do homem cris­
tão, o homem novo, modelado em Cristo.

Fr. José Luís de Almeida Monteiro, OP


O Diálogo com Motovilov
1

Era uma quinta-feira. O dia estava cinzento. A neve co­


bria a terra numa espessura de mais de quinze centímetros.

Uma espessa poalha branca ainda caía quando o padre


Serafim começou a falar comigo.

Estávamos numa clareira, junto do seu pequeno eremité­


rio, num lugar em que a montanha desce até às margens da
ribeira Sarovka.

Fez-me sentar sobre o tronco de uma árvore que tinha


acabado de abater e pôs-se de cócoras à minha frente.

- O Senhor revelou-me disse o padre Serafim


- -

que você, desde a infância, desej a saber qual é a fina­


lidade da vida cristã e que, muitas vezes, interrogou
personalidades importantes da hierarquia da Igrej a
sobre este ponto.

De facto, desde os doze anos, andei incessantemente ator­


mentado por esse pensamento e é verdade que questionei
20 SERAFIM D E SAROV

numerosas personalidades eclesiásticas, sem nunca obter so­


bre isso uma resposta satisfatória. O staretz evidentemente
não podia sabê-lo.

- Mas ninguém continuou o padre Serafim lhe


- -

deu a definição dessa finalidade.


Alguns diziam-lhe: Vai à Igreja, reza a Deus, age se­
gundo os mandamentos, Jaz o bem. Eis a finalidade da vida
cristã!

E outros até, achando estranha a sua curiosidade,


responder-lhe-iam: Não procures acima do que te é dado
a compreender.

Mas não é assim que lhe deveriam ter respondido.


Eis porque, eu, pobre Serafim, lhe vou explicar em
que é que consiste verdadeiramente essa finalidade.
2

A oração, o jej um, as vigílias e outras boas práti­


cas cristãs, por mais excelentes que sej am, não cons­
tituem a finalidade da vida cristã, embora sej am in­
dispensáveis para a obter.

A verdadeira finalidade da vida cristã consiste na


aquisição do Espírito S anto de Deus.

O j ej um, a oração, a caridade e qualquer boa


acção realizada em nome de Cristo, apenas são
meios para a adquirir.

E tome bem nota disto, caro amigo : só uma boa


acção feita em nome de Cristo traz os frutos do S an­
to Espírito. Todo o bem que não sej a feito em nome
de Cristo não terá recompensa no Além e não traz, a
este mundo, a graça divina. É por isso que o Senhor
Jesus disse: «Aquele que não j unta comigo, disper­
sa!» (Lc 1 1 , 23).
Sem dúvida, uma boa acção só pode ser frutuosa:
mesmo que não s ej a feita em nome de Cristo, ela
continua a ser boa. A Escritura diz : «Em qualquer
povo, quem o teme e põe em prática a j ustiça, lhe é
22 SERAFIM DE SAROV

agradável» (Act 1 0, 35). Isto é tão verdadeiro que, a


Cornélia , o centurião que temia a Deus e agia se­
gundo a verdade, o Anjo de Deus apareceu durante a
sua oração e disse-lhe: «Envia alguém ajope e man­
da chamar S imão, cuj o sobrenome é Pedro, ele dir­
-te-á palavras que hão-de trazer a salvação, a ti e a
toda a tua casa» (Act 1 1 , 13- 1 4).

Deus emprega todos os meios divinos para dar a


possibilidade a este homem de não perder, na vida
futura, a recompensa das suas boas acçõ es. Mas é
necessário, a partir daqui, começar por uma fé ver­
dadeira em nosso S e nhor Jesus Cristo, Filho de
Deus, que veio ao mundo salvar os pecadores, e pela
aquisição do Espírito Santo, o qual introduz, no nos­
so coração, o Reino de Deus e prepara o caminh o
para obter a bem-aventurança n a vida do mundo
que há-de vir.

Mas a satisfação que Deus tem com as boas obras


que não são realizadas em nome de Cristo tem os
seus limites. O Criador dá ao homem os meios para
uma perfeita realização: cabe ao homem aproveitá­
-los ou não. Eis porque o S enhor disse aos Hebreus:
«Se fôsseis cegos, não estaríeis em pecado; mas co­
mo dizeis que vedes, o vosso pecado permanece»
(Jo 9, 41 ) .

Se o homem, como fez Cornélia, tira proveito da


obra que é agradável a Deus, embora não seja reali-
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 23

zada em nome de Cristo, se acreditar no seu Filho,


então a obra realizada ser-lhe-á contada, por causa
da sua fé em Jesus, como se a tivesse feito em seu
nome. Caso contrário, o homem não se pode lamen­
tar de que o bem que realizou não tenha produzido
frutos.

Isso nunca acontece nos casos em que um qual­


quer bem é praticado em nome de Cristo. O bem fei­
to em seu nome, não so mente merece a coroa da
verdade na vida futura, mas enche o homem, desde
j á, da graça do Espírito Santo e isto como foi dito:
«Deus dá o Espírito sem medida. O Pai ama o Filho
e tudo põe na sua mão» ao 3, 34-35) .

Amigo de Deus, é assim desta maneira. É na aqui­


sição do Espírito de Deus que reside o verdadeiro
objectivo da vida cristã. A oração, o j ejum, as vigílias,
a caridade e todas as outras práticas feitas em nome
de Cristo, apenas são meios para adquirir o Espírito
de Deus.
3

- O que é que quer dizer quando fala da aquisição? ­


perguntei-lhe, então. - Eu não compreendo bem essa pa­
lavra.

- A aquisição é como uma compra. Você com­


preende o que significa adquirir dinheiro? Ora bem,
trata-se da mesma coisa, e m relação ao Es pírito
Santo!

S abe o que, no mundo, significa adquirir: você


compreende que, para cada pessoa, o objectivo da
vida secular é adquirir dinheiro, enriquecer ou então,
para a aristocracia, obter honrarias, distinções e ou­
tras recompensas por serviços prestados ao Estado.

Pois bem, nesse caso, você pode compreender


que a aquisição do Espírito S anto de Deus constitui,
também ela, um capital: mas é um capital eterno e
cheio de graça, mesmo que sej a obtido por meios se­
melhantes aos utilizados no entesouramento dos ca­
pitais mundanos.

D eus, o Verbo, nosso S e nhor D eus-homem, o


Cristo Jesus, compara a nossa vida a um mercado e a
26 SERAFIM D E SAROV

nossa actividade sobre a terra a um comércio. Ele


diz-nos a todos: «Faz ei render a mina até que eu vol­
te, aproveitando o tempo pois os dias são maus»
(L c 1 9, 1 3; Ef 5 , 1 6). G anhai tempo para a aquisição
dos bens celestes, utilizando os bens terrestres - sen­
do estes representados pelas virtudes praticadas em
nome de Cristo, que nos trazem a graça do Espírito
Santo.

Na parábola das virgens sensatas e das virgens in­


sensatas, quando a estas lhes falta o azeite, é preciso
irem comprá-lo ao mercado (Mt 25, 1 - 1 3). Ora, en­
quanto elas o foram comprar, as portas do quarto
nupcial foram fechadas e já não p uderam nele
entrar.

Alguns dizem que a falta de azeite das virgens in­


sensatas simbo liza a ins uficiência das suas boas
acções. Mas esta explicação não é inteiramente j usta:
de que falta de boas obras é que elas poderiam ser
censuradas? Embora sej am insensatas, elas são cha­
madas virgens. Ora a virgindade é a maior virtude:
é um estado que se assemelha ao dos anjos e pode­
ria, por si só, substituir todas as outras virtudes.

Quanto a mim, humilde S erafim, penso que o


que lhes faltava, era precisamente a graça do Espírito
Santo. Atentas às virtudes, estas virgens, no seu de­
sarrazoado espiritual, apenas acreditavam nesta prá­
tica: «Tendo feito uma boa acção, pensavam elas, nós
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 27

fizemos dessa maneira a obra de D eus. » Quanto à


graça do Santo Espírito, elas não se preocupavam em
obtê-la.

É sobre esse modo de vida, unicamente fundado


sobre a prática das virtudes, sem terem examinado mi­
nuciosamente se elas levam em si a graça do Espírito
Santo - e quanto exactamente -, que nos foi dito nas
Escrituras: «Há caminhos que ao homem parecem
rectos, e, no fim, conduzem à morte» (Pr 1 4, 1 2).

Santo Antão, nas suas Epístolas aos Monges, diz so­


bre estas virgens: «Muitos monges e muitas virgens
ignoram totalmente as diferenças entre as vontades
que agem no homem. Eles não sabem que nós so­
mos o campo de acção de três vontades: a de Deus,
perfeitíssima e salvadora para todos; a nossa própria
vontade humana, a qual, por si, não é nem má nem
salutar; a do demónio, que nos conduz à perdição. »

E é exactamente esta terceira vontade - a d o ini­


migo - que ensina ao homem, seja a não praticar ne­
nhuma espécie de virtude, seja a fazê-lo pela vaidade
ou somente pelo bem, e nunca em nome de Cristo.

A segunda - a nossa própria vontade - ensina­


-nos a fazer tudo para favorecer os nossos maus ins­
tintos ou, então, igualmente a do inimigo. Ensina­
-nos a fazer o bem em nome somente do bem, sem
nos preocuparmos com a graça que nós poderemos
adquirir assim.
28 SERAFIM DE SAROV

Quanto à primeira vontade - a de Deus, salvadora


- ela consiste essencialmente na prática do bem,
unicamente em nome de Cristo, para a aquisição do
Espírito Santo, esse tesouro eterno inesgotável que
não pode, aqui, ser apreçado pelo seu j usto valor.

Esta aquisição do S anto Espírito é s imbolizada


pelo azeite que faltava às virgens insensatas. É por
isso que se lhes chama insensatas, porque esquece­
ram o essencial, o fruto indispensável da virtude - a gra­
ça do Espírito S anto - sem a qual não pode haver
salvação para ninguém.

Pois «pelo Espírito S anto toda a alma é vivificada,


pela pureza ela é elevada, pelo mistério sagrado da
U nidade trinitária ela é iluminada» * . Esta habitação
do Espírito S anto todo-poderoso nas nossas almas e
a coexistência da sua unidade trinitária com o nosso
próprio espírito, nos é dada somente se nós nos es­
forçarmos em adquirir, por todos os meios, a sua
graça. Esta aquisição da graça prepara, na nossa alma
e no nosso corpo, o trono onde Deus vem para coe­
xistir com o nosso próprio espírito num acto criador.

Segundo a palavra imutável de Deus - «Estabele­


cerei a minha morada no meio de vós, serei o vosso
Deus e vós sereis o meu povo» (L v 26, 1 1 -1 2; Jo 1 4,
23 e Ap 21, 3) -, é este azeite que ardia com força e

* Antífona das matinas para os dias de festa.


O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 29

claridade nas lâmpadas das virgens sensatas, e elas


puderam assim esperar o Noivo até à meia-noite
e penetrar com Ele no quarto nupcial da alegria.

As virgens sensatas, vendo que as suas lâmpadas


se apagavam, foram, em vão, comprar azeite ao mer­
cado. Ao regressarem, as portas já estavam fechadas.
O mercado simboliza a nossa vida e as portas fecha­
das do quarto nupcial - que impedem o acesso ao
Noivo - a nossa morte. As virgens insensatas e as
virgens sensatas representam as almas cristãs.

O azeite não simboliza as acções, mas antes a gra­


ça do Santíssimo Espírito de Deus que transforma
isto naquilo: o corruptível em incorruptível, a morte
psíquica em vida espiritual, as trevas em luz, o nosso
estábulo existencial - onde as paixões estão presas
como animais - em templo de Deus, em quarto nup­
cial da alegria inefável em Cristo nosso Senhor, cria­
dor, redentor, eterno noivo das nossas almas.

Como a misericórdia divina para com a nossa in­


felicidade é grande! A nossa infelicidade é nós estar­
mos desatentos ao cuidado que Ele tem para con­
nosco: sim, ei-la, a nossa verdadeira infelicidade!

Deus diz: «Eu estou à porta e bato! » (Ap 3, 20), e


pela palavra porta é preciso entender o decorrer da
nossa vida, enquanto ela ainda não terminou na
morte.
30 SERAFIM DE SAROV

Ó, como eu gostaria, amigo de Deus, que nesta


vida estivesses sempre na graça do Espírito Santo!

« E u vos j u lgarei no estado em que vos encon­


trar», diz o Senhor (cf. Mt 24, 42; Me 13, 33-37). I n­
felicidade, grande infelicidade, se nos encontrar aba­
tidos com as preocupações e com as dores terrestres!
«Quem poderá resistir na tua presença, quando se
inflama a tua ira? » (Sl 76, 8). E ele diz ainda: «Vigiai
e orai para não caírdes em tentação» (Mt 26, 41), ou
sej a, a fim de não perdermos a graça do Espírito
Santo; pois as vigílias e a oração são os meios para a
adquirir.
4

Sem dúvida que toda a virtude praticada em no­


me de Cristo dá a graça do Espírito Santo, mas a ora­
ção, mais do que qualquer outra, pois ela é como
uma arma sempre à mão para obtermos a graça.

I maginemos, por exemplo, que você tenha vonta­


de de ir à igreja: mas ela encontra-se demasiado afas­
tada ou a celebração do ofício divino já terminou!
Que teria vontade de dar esmolas, mas não encontra
nenhum pobre ou, então, não tem dinheiro... Gos­
taria de permanecer casto, mas não tem força sufi­
ciente para isso, seja devido à sua constituição, seja
por causa das armadilhas do inimigo ao qual a fra­
queza da sua carne humana não lhe permite resis­
tir... Desej aria fazer esta ou aquela boa acção em no­
me de Cristo, mas não tem força suficiente para isso,
ou, então, a ocasião não se proporciona.

Mas, à oração, todos esses impedimentos não a


atingem. Cada um tem sempre a possibilidade de a
fazer: tanto o rico como o pobre, o notável como o
simples, o forte como o fraco, o saudável como
o doente, o virtuoso como o pecador.
32 SERAFIM DE SAROV

Aquilo que é a força da oração - mesmo a de um


pecador - quando ela é dirigida do fundo do cora­
ção, nós podemo-lo saber através deste exemplo que
nos dá a santa tradição : «Quando ela encontrou a
mãe desolada do adolescente que a morte tinha leva­
do, a cortesã, que ainda não tinha sido purificada do
pecado cometido, exclamou, cheia de piedade: "Se­
nhor, não por causa de mim, pobre pecadora, mas
por esta mãe dolorosa que acredita no teu poder e na
tua misericórdia, Senhor Jesus Cristo, permite que
sej a ressuscitado o seu filho! "» E Jesus ressuscita-o.

Grande é a força da oração, amigo de Deus: me­


lhor do que nenhum outro meio, ela dá-nos o Espí­
rito de Deus, pois ela está próxima de cada um.
Bem-aventurados seremos nós quando o S e nhor
Deus nos encontrar vigiando na plenitude dos dons
do seu Espírito S anto! Nós, então, poderemos espe­
rar com uma santa audácia sermos conduzidos nos
ares sobre uma nuvem ao encontro do Senhor que
virá com glória e poder para j ulgar, segundo as suas
obras, os vivos e os mortos.

Você considera como uma grande felicidade, ami­


go de Deus, poder falar comigo, pois está conven­
cido de que o pobre S erafim não está totalmente
desprovido de graça. Que diríamos nós, então, da
alegria de falarmos com o próprio Senhor Deus, fon­
te inesgotável das graças celestes e dos bens ter­
restres!
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 33

Ora, pela oração, nós tornamo-nos dignos de


conversar com Ele, o nosso Deus bondosíssimo, a
Fonte vivificante e o Redentor. Porém, também neste
caso, devemos rezar até ao momento em que o Espí­
rito S anto, descendo sobre nós, nos dá, numa certa
medida conhecida dele, a sua graça celeste. Quando
Ele se digna visitar-nos, é necessário, então, cessar­
mos de rezar. De facto, para quê implorá-lo: «Vem e
permanece em nós, purifica-nos de toda a mancha!
Ó Deus bondoso, salva as nossas almas ! » *, visto que
Ele já se dignou vir até nós para nos salvar, confian­
tes e implorantes na humildade e no amor do seu
santo Nome, a fim de o recebermos no templo inte­
rior das nossas almas sedentas e esfomeadas pela sua
vinda?

Eu lh e explicarei isso através de um exemplo. Su­


ponhamos que você me convidou para a sua casa.
Aceitei o seu convite e desej ei conver s ar cons igo.
Mas, apesar disso, você continuava a implor ar-me:
«Por favor, queira aceitar vir até minha casal» Eu di­
ria a mim mesmo: «Mas o que é que ele tem ? Será
que perdeu a cabeça? Eu vim até à casa dele e eis
que ele exorta-me a visitá-lo ! » Pois b em, é a m esma
coisa com o Senh or Deus, o Espírito Santo.

É por isso que é dito : «Parai! Re conhe cei que Eu


sou Deus: dominarei sobre os povos e sobre toda a

* Oração ao Espírito Santo pela qual começam todos os ofícios na


liturgia ortodoxa.
34 SERAFIM DE SAROV

terra» (Sl 46, 1 1 ) . Isto significa: aparecerei àquele que


acredita em mim e me chama e conversarei com ele
como conversei com Adão no Paraíso, com Abraão,
Jacob e com os meus o utros servidores, Moisés,
Josué e com aqueles que com eles se assemelhavam.

Muitas pessoas explicam que a palavra apagamento


se refere somente aos negócios deste mundo: para
conversar com Deus na oração, é necessário afastar­
-se de qualquer coisa terrestre. Mas eis que eu, se­
gundo Deus, vos direi: sem dúvida, sim, é necessário
apagar e anular os negócios do mundo, mas quando,
chamado pela força da fé e da oração, o Senhor Deus
Espírito S anto nos visita e vem a nós na plenitude
inefável da sua graça, então é necessário suprimir a
própria oração.

A alma fala e exprime-se através de palavras


quando ela se encontra em oração. Mas, quando
desce o Espír ito Santo, convém estar absolutamente
silencioso, escutar atentamente e instruir-se com as
palavras da vida eterna que Ele desej a comunicar­
-lhe. Convém estar plenamente despertado na sua
alma, no seu espírito e na pureza do seu corpo.

Eis porque, no monte Horeb, foi dito aos Hebreus


para nã o tocarem nas suas mulheres durante três dias,
antes da aparição de Deus no monte S inai: «Ü S e­
nhor, teu Deus, é um fogo devorador; Ele é um Deus
ciumento» (Dt 4, 24) - e nenhuma impureza de corpo
ou de espírito deve entrar em contacto com Ele.
5

- Mas, Padre, como praticar em nome de Cristo as ou­


tras virtudes para a obtenção da graça do Espírito Santo ?
Até agora, só me falou da oração.

- Negocie igualmente a graça do Espírito Santo


em tod as as o utras virtudes que você praticar em
nome de Cristo ! Mas negocie da melhor maneira
esses bens espirituais, empregando, de preferência,
aqueles que lhe dão um benefício mais forte! E o ca­
pital tirado dos excelentes benefícios da graça divina
deposite-o na caixa de poupança do D eus eterno a
taxas imateriais : não de quatro ou de seis por cento,
mas de cem por cento e até infinitamente mais do
.
1
que ISSO ....

U m exemplo: Você pensa que vigiar, orando, lhe


traz muita graça? Muito bem: vigie e ore! O j ej um
traz-lhe mais graça? Então j ej ue ! A caridade ainda
lhe traz mais? Faça a caridade! Considere desta ma­
neira cada boa acção que fará em nome de Cristo.

Permita que eu lhe dê o exemplo da minha pró­


pria vida, a do humilde Serafim. Sou de uma família
36 SERAFIM DE SAROV

de comerciantes da cidade de K ursk. Antes de entrar


para o convento, nós negociávamos mercadorias que
nos davam muitos benefícios. Muito bem, faça pelo
menos isso, caro amigo ! Da mesma for ma que no
comércio não basta realizar transacções, mas é pre­
ciso sobretudo realizar benefícios, o objectivo da sua
vida cristã não é apenas o de rezar ou de fazer o bem,
mas o de obter a maior quantidade possível de graça.

É bem verdade que o Apóstolo diz : «Orai sem


cessar» (1 Tess 5 , 1 7), mas você também se lembra
que ele acrescenta: «Prefiro dizer cinco palavras com
a minha inteligência, do que dez mil, em línguas»
(1 Cor 1 4, 1 9).

E o S enhor diz- n o s : «Nem todo o que me diz:


"Senhor, S e nhor! " entrará no Reino do Céu, mas
sim aquele que faz a vontade de meu Pai» (Mt 7, 2 1).
Ou sej a, aquele que realiza a obra de Deus com pie­
dade, pois é « maldito o que executa com negligência
o mandato do Senhor» (Jr 48, 1 0); e «a obra de Deus
é esta: crer naquele que Ele enviou» ( ]o 6 , 29), Jesus
Cristo.

Se nós reflectimos sobre aquilo que Cristo e os


seus Apóstolos nos mandam, apercebemo-nos que a
nos sa actividade cristã não consiste em aumentar
sem cessar o número das nossas boas acções - as
quais são apenas meios para chegar ao obj e ctivo
principal -, mas para aum entar o ganho que nós re-
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 37

tiramos delas, ou sej a, adquirir os dons superabun­


dantes do Espírito Santo.

Desejaria tanto, amigo de Deus, que você encon­


trasse esta fonte inesgotável de graça e que, constan­
temente, colocasse a si mesmo esta questão: «Ü
Espírito Santo está ou não comigo? Se Ele está co­
migo, que Deus sej a bendito! »

D e quê, então, n ó s nos deveríamos inq uietar?


Num estado assim podemos apresentar-nos imedia­
tamente para o Juízo Derradeiro de Cristo, pois foi
dito: «Eu vos j ulgarei segundo o estado em que vos
encontrar» (cf. Lc 1 9, 22) .

Mas se o Espírito S anto não está connosco, de­


vemos encontrar a causa pela qual E le nos deixou
e procurá-lo sem descanso até o encontrarmos e
para que Ele permaneça de novo connosco pela sua
graça.

Os inimigos que nos impedem de irmos até Ele,


devemos persegui-los até os aniquilarmos. Como o
disse o profeta David: «Persegui os meus inimigos e
alcancei-os; não retrocedi sem os ter derrotado. Bati­
-lhes e não puderam levantar-se; caíram debaixo de
meus pés» (Sl 1 8 [1 7] , 38-39).

Assim, caro amigo, faça o comércio espiritual com


as suas virtudes. Distribua os dons da graça e do Es-
38 SERAFIM DE SAROV

pírito S anto a quem os pedir. Sej a como uma vela


acesa: o fogo com que ela arde é apenas um fogo ter­
restre e, no entanto, a sua chama pode comunicar-se
a outras vel as - que iluminarão outros lugares - sem
nada perderem do seu bril ho. Se são assim as pro­
priedades do fogo terrestre, o que dizer do fogo da
graça do Santíssimo Espírito de Deus?

Pois, enquanto a riqueza terrestre diminui quan­


do a distrib uem, a riqueza celeste da graça divina,
pelo contrário, aumenta quando a espalham. É o que
expl ica o próprio Senhor à Samaritana: «Todo aque­
le que bebe desta água voltará a ter sede; mas, quem
beber da água que Eu lhe der, nunca mais terá sede:
a água que Eu lhe der há-de tornar-se nele em fonte
de água que dá a vida eterna» (Jo 4, 1 3- 1 4).
6

- Meu Padre - disse eu - você repete sem cessar que a


aquisição da graça do Espírito Santo é a finalidade da vida
cristã. Mas, essa graça, como é que eu a posso reconhecer,
através de que sinal ? As boas acções são reconhecíveis, sem
dúvida, mas o Espírito Santo, a Ele, como é que o podemos
ver? Como é que eu poderia saber se Ele está ou não co­
migo ?

- Nos tempos actuais - respondeu o staretz -, de­


vido ao arrefecimento da fé em nosso Senhor Jesus
Cristo, devido à nossa falta de atenção à acção em
nós da sua divina Providência e da perda do contacto
do homem com Deus, chegámos a um tal estado
que a nossa existência está bem afastada da verda­
deira vida cristã!

Hoj e, quando escutamos o testemunho das Sa­


gradas Escrituras, é com frequência que nos aconte­
ce termos um sentimento de estranheza. Por exem­
plo, quando o Espírito de Deus, pel a boca de M oisés,
fala nestes termos: «Ouviram, então, a voz do Senhor
Deus, que percorria o j ardim pel a brisa da tarde»
(G n 3 , 8), ou quando lemos, a respeito do Apóstolo
40 SERAFIM DE SAROV

Paulo: «Paulo e S ilas atravessaram a Frígia e o terri­


tório da Galácia, pois o Espírito Santo impediu-os de
anunciar a Palavra na Á sia. Chegando à fronteira da
M ísia, tentaram dirigir-se à Bitínia, mas o Espírito de
Jesus não lho permitiu. [ . . ] Procurámos partir para a
.

M acedónia, persuadidos de que Deus nos chamava,


para aí anunciar a Boa-Nova» (Act 1 6, 6-1 0) .

Da mesma maneira e noutras numerosas passa­


gens da Escritura, se fala da aparição de Deus ao ho­
mem. E alguns admiram-se: Estes escritos são incom­
preensíveis! Será que o homem pode verdadeiramente ver a
Deus como a uma evidência?

Porém, isso nada tem de incompreensível. A nos­


sa inco mpreensão vem somente de que nó s nos
af astámos da s implicidade do saber dos primeiros
cristãos. Com o pretexto de nos instruirmos, entrá­
mos nas trevas da ignorância.

Os Antigos mencionavam muitas vezes nas suas


conversas habituais a aparição de Deus entre os ho­
mens e nada ali encontravam de estranho. Assim Job,
quando os seus amigos se queixavam de ele maldizer
a Deus, ele responde simplesmente: «Enquanto em
mim houver um sopro de vida e Deus me conservar
a respiração, os meus lábios não pronunciarão uma
maldade, e a minha língua jamais dirá uma mentira»
Gb 27, 3-4). Ou seja: como é que eu poderia insultar
o Senhor se o seu Espírito Santo está comigo? Se eu
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 41

tivesse insultado a D eus, o seu Espírito S anto ter­


-me-ia abandonado, mas eu sinto-o presentemente
nas minhas narinas !

Da mesma forma, nos é dito que Abraão e Jacob


viram a Deus. Ambos conversaram com Ele. E Jacob
até lutou com Ele!

Moisés viu Deus, e todo o povo com ele, quando


teve a graça de receber as Tábuas da Lei, na monta­
nha do S inai. A coluna de nuvens e de fog o - ou
seja, a graça manifesta do Espírito Santo - servia co­
mo guia ao povo de D eus no deserto. Os homens
viam Deus e a graça do seu Espírito S anto, não no
seu sono ou em sonhos, ou num estado de exaltação
- que é o fruto de uma imaginação doente - mas
verdadeiramente, com toda a real idade.

Tornámo-nos de tal modo desatentos à obra da


nossa salvação! Muitas palavras das S agradas Escri­
turas, nós compreendemo-las ao contrário do seu
sentido ! Porque não procuramos na graça divina,
porque o orgul ho da nossa razão a impede de v ir ha­
bitar as nossas almas. Consequentemente, j á não
possuímos o ensinamento verdadeiro que Deus ofe­
rece aos corações dos homens esfomeados e seden­
tos da sua verdade.

Esta palavra da B íblia: «Então o Senhor De us for­


mou o homem do pó da terra e insuflou-l he pel as
42 SERAFIM DE SAROV

narinas o sopro da v ida» (G n 2, 7) , significav a, se­


gundo alguns, que Adão era apenas, até então, uma
carne model ada na argil a, sem al ma nem espírito.
M as não, não é nada disso : essa expl icação não é
j usta! Quando o Senhor Deus criou A dão da argila
do solo, deu-l he uma constituição, conforme à pala­
vra do Apóstol o Paul o : «Que o Deus da paz vos san­
tifique total mente, e todo o v osso ser - espírito, alma
e corpo - se conserv e irrepreensív el para a v inda de
nosso Senhor Jesus Cristo» (1 Tes 5, 23).

Cada uma dessas três partes do nosso ser foi cria­


da a p artir da argil a da terra: Adão não fo i criado
morto, mas como uma criatura animada e inteligen­
te, igual a o utras criaturas de Deus v iv endo nesta
terra. M as eis a coisa essencial : se Deus não tiv esse
insufl ado, em seguida, no corpo de Adão, o seu so­
pro de v ida - ou sej a, a graça do Senhor Deus Espí­
rito Santo, procedente do Pai, e repousando no Fi­
lho, e env iado ao mundo por causa do Fil ho -, então
Adão, por superior que ele fosse a toda a criação, da
qual é o coração, nunca teria possuído no seu inte­
rior o Espírito Santo, o qual o eleva à dignidade de
um ser semel hante a D eus. Teria permanecido igual
a todas as outras criaturas que têm corpo, al ma e es­
pírito, cada uma segundo a sua espécie, mas não
possuem no seu interior o Espírito Santo.

Q uando o S enhor D eus insufl o u o Espírito de


Deus nas narinas de Adão, então, segundo a expres-
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 43

são de Moisés, ele tornou-se: «um Adão com a Alma


de vida», ou sej a, igual a Deus em tudo, e como Ele
imortal pelos séculos dos séculos !

Até então, Adão tinha sido criado invulne rável:


nenhum elemento criado tinha acção sobre ele. A
água não o podia submergir, o fogo não o podia
queimar, a terra não o podia engolir, o ar não lhe po­
dia fazer nenhuma espécie de mal. T udo lhe era sub­
misso como ao favorito de Deus, como ao rei mestre
da criação. E todos o consideravam como a coroação
da criação de Deus.

Mas quando o Espírito foi insuflado nas narinas


de Adão pela boca de Deus Criador poderosíssimo,
Adão ficou cheio de uma incomparável sabedoria.
Jamais um homem sobre a terra pôde, pode ou po­
derá ser-lhe comparado, de tal forma a sua sabedoria
e o seu saber eram grandes. Deus ordenou a Adão
que nomeasse todas as criaturas, e Adão de u-l hes a
cada uma o nome que convinha, caracterizando to­
das as propriedades, a força e as qualidades que cada
espécie possuía, conforme o dom que Deus lhe ti­
nha dado durante a criação.

É por causa desse dom sobrenatural da graça di­


vina do sopro de vida que Adão pôde compreender
e ver Deus quando Ele passeava no Paraíso.

O Verbo de Deus foi-lhe inteligível, assim como a


conversa dos Anj os e a linguagem de todos os ani-
44 SERAFIM DE SAROV

mais, aves e répteis, vivendo sobre a terra. Todas


essas coisas que, por agora, nos estão escondidas, a
nós pecadores, tudo isso era claro e compreensível
para Adão, antes da sua queda.

E Deus deu também a Eva a mesma sabedoria, a


mesma força e o mesmo poder, assim como outros
atributos, da bondad e e da santidade, após tê-la cria­
do, não da argila, mas da costela de Adão, nesse É den
de doçura, esse Paraíso que Deus plantou no meio
da terra.

A fim de que Adão e Eva pudessem manter neles


as propriedades divinas, imortais e perfeitas de graça,
desse sopro de vida, Deus plantou no meio do Paraí­
so a Á rvore da Vida . E nos seus frutos encerrou
Deus a própria essência e a plenitude dos dons do
seu sopro divino.

Se Adão e Eva não tivessem pecado, eles e toda a


sua descendência, teriam assim podido, ao comerem
os frutos da Ár vore de Vida, manter neles a força eter­
namente vivificante da graça de Deus e conservar
uma plenitude imort al de força e de juventude da car­
ne, da alma e do espírito, sem nenhuma decadência.
Um estado de bem-aventurança eterna e infinita que
a nossa imaginação hoje nem sequer pode conceber. . .

Mas, quando Adão e Eva, contrariamente aos


mandamentos de Deus, provaram do fruto da Ár vo-
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 45

re, aprenderam a diferença entre o Bem e o Mal e


sucumbiram a todas as viciss itudes que acompa­
nham a transgressão dos mandamentos de Deus. Foi
então que perderam o dom inapreciável da g raça do
Espírito de Deus: até à incarnação do Homem-Deus
Jesus Cristo, o Espírito de Deus «j á não estava no
mundo, porque Jesus ainda não tinha sido gl orifi­
cado» ! (cf. Jo 7, 3 9).

Isto não significa que o Espírito de Deus estivesse


compl etamente ausente do mundo, mas que a sua
presença não tinha a pl ena medida que tinha em
Adão ou que pode ter em nós, verdadeiros cristãos.
Ela manifestou-se sempre parcialmente, e a humani­
dade conheceu os seus sinais sem interrupção.

A Adão, após o seu pecado, assim como a Eva, fo­


ram revelados os numerosos mistérios relativos à
salvação ulterior do género humano; e Caim, apesar
da sua iniquidade, pôde compreender a voz de Deus
que o censurava pelo seu crime; N oé pôde conversar
com Deus; quanto a Abraão, ele viu D eus e o seu
Dia, e alegrou-se por isso.

A graça do Espírito S anto, agindo do exterior, re­


fl ectiu-se em todos os profetas e em todos os santos
de Israel. Os Judeus, em seguida, instalaram escolas
especiais de profecia; ali aprendiam a discernir os si­
nais da aparição de Deus e dos anjos e as diferenças
entre as manifestações do Espírito Santo e as mani­
festações naturais do mundo criado.
46 SERAFIM DE SAROV

O santo e j usto Simeão, os antepassados Joaquim


e A na, inumeráveis servos de Deus, tiveram frequen­
temente diversas revelações, vozes, aparições divinas,
acompanhadas de milagres evidentes a confirmá-las.

Com uma força menor que no povo de Deus, a


presença do Espírito S anto também se manifestou
entre os pagãos ignorantes do Deus verdadeiro: até
nas suas fileiras, Deus encontrou homens e mulhe­
res conforme o seu apelo. Tais foram, por exemplo, as
virgens sibilinas, dotadas com o dom de profecia. Elas
conservavam a sua virgindade para um Deus desco­
nhecido, todo-poderoso, Criador e Ordenador do
Universo, como o reconheciam os próprios pagãos.

Do mesmo modo, os filósofos pagãos - embora


errantes na sua busca da Verdade através das pro­
fundas trevas do não-conhecimento de D eus - po­
diam, por esta procura que lhes era agradável, per­
manecer, numa certa medida, em comunhão com o
Espírito Santo.

Pois foi dito: «Com efeito, quando há gentios que,


nã o tendo a L ei, praticam, por inclinação natural, o
que está na Lei, embora não tenham a Lei, para si
próprios sã o lei» (Rm 2, 1 4) . Deus ama de tal manei­
ra a verdade que proclama, pelo Espírito S anto: «Da
terra vai brotar a verdade (Istina) e a j ustiça descerá
do Céu» (Sl 8 5 [84] , 1 2) .
7

No Povo H ebraico, sagrado e amado por Deus,


como entre os povos pagãos, ignorando Deus, sem­
pre se conservou um certo conhecimento de Deus -
o que significa uma compreensão inteligente e clara
da acção do Espírito Santo no homem. Todos esses
povos sabiam como - segundo quais sinais exterio­
res e com quais sentimentos interiores - podemos
reconhecer com certeza que se trata da obra do Es­
pírito Santo ou, pelo contrário, duma possessão do
Inimigo. F oi assim no mundo, a partir de Adão e até
à incarnação do Senhor Jesus Cristo.

Se este conhecimento directo da acção do Espí­


rito Santo não tivesse sido considerado sempre pela
humanidade, teria sido impossível, amigo de Deus,
saber verdadeiramente se o fruto da semente da mu­
lher, que devia esmagar a cabeça da serpente, tinha
efectivamente vindo ao mundo, como havia sido
prometido a Adão e a Eva.

Pela graça do Espírito S anto de D eus, o santo e


j u sto S imeão viveu ai nda trezentos anos, após ter
recebido, aos sessenta e cinco anos, a revelação do
48 SERAFIM DE SAROV

mistério da puríssima conceição da Virgem Maria


e da natividade do Senhor. Por ocasião da apresenta­
ção de Jesus ao Templo, ele estava com 365 anos.
E proclama que, pela graça do Espírito Santo, reco­
n heceu nesta criança o Cristo Redentor, cuj a concep­
ção sobrenatural e o nascimento pelo Espírito S anto
lhe foram anunciados pelo Anj o três séculos antes . . .

Do mesmo modo, a profetisa A na, filha d e Fanuel


e viúva desde há oitenta anos, considerada por todos
como serva de Deus devido aos dons particulares de
pureza e de respeito pela verdade, recebidos pela gra­
ça, proclama que em verdade este é o Messias, o ver­
dadeiro Cristo, Deus e homem, rei de Israel, vindo
para salvar A dão e todos os homens.

Q uando nosso S enhor Jesus Cristo, após a sua


Ressurreição, quis realizar a obra inteira de redenção,
soprou sobre os A póstolos, renovando neles esse
mesmo sopro de vida perdido por A dão e comuni­
cando-lhes a graça do Espírito de Deus.

Mais do que isso, Jesus anuncia-lhes que vai para


o seu Pai e que, se Ele não for, o Espírito Santo não
virá ao mundo. D iz-lhes que, pelo contrário, quando
Ele tiver ido para o Pai, enviará ao mundo o Espírito
Santo e que o Consolador lhes ensinará toda a ver­
dade, assim como a todos aqueles que estarão com
eles, e que Ele lhes recordará tudo o que Cristo lhes
ensinou durante o tempo em que estava neste mun-
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 49

do (cf. ]o 1 6, 7. 1 3) . Assim, j á estava prometida pela


sua voz esta «graça sobre graça», a qual em seguida foi
perdida.

E eis o dia de Pentecostes: solenemente Ele envia­


-lhes o Espírito S anto, num sopro de tempestade,
sob a forma de línguas pousadas, uma sobre cada
um deles, penetrando-os e enchendo-os da força fla­
mej ante da graça divina. S opro que, semelhante a
um orvalho verdej a nte, recria em alegria todas as
coisas nas almas que comungam pela sua força e
pela sua actividade.

Quando ela nos é dada a todos nós, fiéis de Cris­


to, no sacramento do Baptismo, esta mesma graça do
sopro do fogo do Espírito S anto é selada sa cramen­
talmente pela unção dos lugares essenciais do nosso
corpo, indicados pela Igreja, depositária eterna desta
graça. E pronuncia-se então esta fórmula: «A marca
(o selo) do dom do Espírito Santo. »

A migo de Deus, sobre o que é que nós colocaría­


mos esses sinais, miseráveis como nós somos, senão
sobre cofres contendo j óias de um altíssimo valor? E
o que é que pode existir de mais precioso neste
mundo senão os dons do Espírito Santo, dispensa­
dos do alto, no sacramento do Baptismo?

Esta graça, recebida pelo Baptismo, é tão grande,


tão indispensável, tão vivificante para o homem, que
50 SERAFIM D E SAROV

não lhe pode ser retirada até à sua morte, mesmo


que ele cometa uma heresia. A morte é o fim que a
Providência Divina estabelece à provação existencial
do homem sobre a terra, a fim de avaliar os feitos
que ele realiza com a aj uda da graça, durante o lapso
de tempo que lhe é concedido por Deus.

Se, após o nosso Baptismo, nos acontecesse nun­


ca pecarmos, nós permaneceríamos sempre perfeitos
e santos servidores de Deus, inacessíveis às manchas
da carne e do espírito.

Mas eis a nossa infelicidade: ao envelhecermos,


nós não crescemos em sabedoria e em graça divina,
como o fazia nosso Senhor Jesus Cristo. Pelo contrá­
rio, nós corrompemo-nos, dia após dia, e perdemos a
graça do santíssimo Espírito de Deus. Tornamo-nos
pecadores, por vezes até abomináveis.

Mas quando, exaltado pela S abedoria divina - a


qual por todas as vias procura a nossa salvação - um
homem decide voltar-se para Deus e decide tentar
obter a salvação eterna, é-lhe necessário, na escuta
da Sabedoria, praticar um verdadeiro arrependimen­
to e as virtudes opostas aos pecados cometidos. Pela
prática das virtudes, em nome de Cristo, ele chegará
a adquirir o Espírito S anto, que age em nós e nele
prepara o Reino de Deus. A palavra de D eus não o
diz em vão: «Ü Reino de Deus está entre vós» (Lc 1 7,
2 1 ) , e adquire-se pela violência do esforço.
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 51

O s homens que, desprezando esses laços d e peca­


do que sempre nos empurram em direcção de nova
iniquidade e nos impedem de irmos até ao nosso Re­
dentor com um verdadeiro arrependimento e de nos
imolarmos com Ele, consagram todas as suas forças
para tentar quebrá-las, esses homens, quando final­
mente forem purificados pela graça, aparecerão pe­
rante a face de Deus revestidos de uma brancura
mais imaculada do que a neve.

«Vinde agora, entendamo-nos - diz o S enhor.


Mesmo que os vossos pecados sejam como escarla­
te, tornar-se-ão brancos como a neve» (Is 1 , 1 8) . É
também o que descreve o vidente do Apocalipse, São
João Evangelista, quando nos mostra esses homens
de vestes brancas - ou seja, com vestes de justifica­
ção -, com palmas na mão em sinal de vitória, can­
tando a Deus o maravilhoso canto do Aleluia: a be­
leza dos seus cânticos não podia ser imitada por
ninguém.

E eis o que o Anj o de Deus diz a esses homens:


«Estes são os que vêm da grande tribulação; lavaram
as suas túnicas e as branquearam no sangue do Cor­
deiro» (A p 7, 1 4). Eles foram lavados pelo sofrimen­
to e embranquecidos pela comunhão nos santíssi­
mos e vivificantes mistérios da Carne e do S angue
do Cordeiro imaculado: de Cristo voluntariamente
imolado antes dos séculos pela salvação do mundo,
desde sempre, até este dia, s acrificado, partilhado
52 SERAFIM D E SAROV

sem nunca se esgotar; de Cristo, fonte eterna e ines­


gotável de salvação à hora da nossa partida para a
vida eterna e que, na hora terrível do Juízo, nos dará
enfim uma resposta favorável.

É o bem preciosíssimo, ultrapassando todo o en­


tendimento, que nos é dado em troca desse fruto da
Árv ore da Vida, cuj o inimigo do homem, Lúcifer, de­
caído do Céu, quis despoj ar a humanidade.

Embora o inimigo, S atanás, tenha seduzido Eva e


Adão tenha caído junto com ela, o Senhor nos deu o
Redentor, gerado no seio da mulher, que pela sua
morte venceu a Morte. Mas isso não é tudo: na pes­
soa de Maria, a Mãe de Deus, sempre Virgem, que
esmagou em si mesma e destruiu em todo o género
humano a cabeça da Serpente, Ele nos deu a todos
uma advogada a quem nada pode afugentar, que
ganha sempre, mesmo quando se trata da causa dos
mais abomináveis pecadores.

É por esta razão que a Mãe de Deus é chamada


Flagelo dos Demónios: sempre que os homens recor­
rem à Mãe de Deus, o diabo nada pode para os fazer
fraquej ar.
8

Devo explicar-lhe ainda, amigo de Deus, em que é


que consiste a diferença entre a operação do Espírito
Santo, por um lado, o qual vem, num santo mistério,
habitar o coração daqueles que acreditam no Senhor
Deus, nosso S alvador Jesus Cristo e, por outro lado,
essa Treva do Pecado, que se infiltra em nós como uma
ladra, por instigação do demónio, e, inflamada por
ele, desenvolve a sua acção.

O Espírito de Deus rememora-nos constante­


mente as palavras do Senhor Jesus Cristo e age sem­
pre em nós com a sua aj uda: faz nascer a alegria nos
nossos corações e dirige os nossos passos no cami­
nho da paz.

Mas, o espírito satânico é hábil para nos atrair a


uma via que é contrária à de Cristo. A s suas acções
em nós são tumultuosas, revoltadas, cheias do prazer
da carne e dos olhos, da vaidade e do orgulho.

«Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê


tem a vida eterna» (Jo 6 , 47). Sim, aquele que graças
a uma fé verdadeira possui a graça do Espírito S anto,
54 S ERAFIM DE SAROV

mesmo se a fraqueza humana lhe faz cometer um


pecado que conduz à morte espiritual, na verdade
não conhecerá a morte: ele será ressuscitado p ela
graça de Cristo Senhor que toma sobre ele os peca­
dos do mundo e dispensa gratuitamente «graça sobre
graça>>.

D esta graça, manifestada ao mundo inteiro e a


toda a humanidade no Homem-Deus, é-nos dito no
Evangelho: «Nele é que estava a Vida de tudo o que
veio a existir. E a Vida era a luz dos homens» , e o
Evangelista acrescenta: «A Luz brilhou nas trevas,
mas as trevas não a receberam» Go 1 , 4-5). Isso signi­
fica que, apesar das quedas do homem e das trevas
que rodeiam a nossa alma, a graça do Espírito S anto
dada pelo Baptismo, em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, continua a brilhar, no fundo do nos­
so coração, com uma luz divina - que existiu desde o
começo e a qual é a luz dos méritos infinitos de
Cristo.

Perante o endurecimento do pecador, esta Luz de


Cristo clama ao Pai: «Abba, Pai! Que a tua cólera
não sej a sem remissão contra o não-arrependimen­
to ! » Depois, quando o pecador caminha pelas vias
do arrependimento, Ele apaga as marcas mais ínfi­
mas dos crimes que foram cometidos e o antigo cri­
minoso é revestido de uma veste imaculada, tecida
pela graça do Espírito S anto.
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 55

A aquisição do Espírito S anto é a finalidade da


vida cristã, como eu não me canso, amigo de Deus,
de vo-lo fazer compreender. Para que você entenda
melhor isso, eu vou dizer-lhe, agora, o que é necessá­
rio compreender por graça de Deus e, em particular,
como reconhecê-la e em que é que se manifesta a sua
acção sobre os homens que são iluminados por ela.

A graça do Espírito S anto é luz. É ela que dá a luz


aos homens, é dela que nos falam todas as S agradas
Escrituras.

Eis o que diz D avid, o antepassado de Deus:


«A tua palavra é farol para os meus passos e luz para
os meus caminhos. A minha vida está continua­
mente em perigo, mas não me esqueço da tua lei»
(Sl 1 1 9[1 1 8] , 1 05 . 1 0 9) . O que significa isto : a graça
do Espírito S anto, exprimida na Lei pelas palavras
dos mandamentos de Deus, é a nossa lâmpada e a
nossa luz. E se não houvesse esta graça do Espírito
Santo - que adquiro com paciência e aplicação, sete
vezes por dia, esforçando-me por conhecer os cami­
nhos da tua verdade -, se esta graça não me tivesse
sempre iluminado na multidão das preocupações
que me acompanham necessariamente na minha
função de rei, onde é que eu teria apanhado ao me­
nos uma chispa de luz para me iluminar no caminho
desta vida que é obscurecida pela hostilidade dos
meus adversários?
56 SERAFIM DE SAROV

Tantas vezes o Senhor manifestou a acção da gra­


ça do seu Espírito S anto sobre os homens que que­
ria iluminar e instruir através de grandes revelações!

Recorde-se de Moisés após a sua conversa com


Deus, no monte S inai (Ex 34, 3 0-35) ! Os homens
não podiam olhar para ele, de tal maneira o seu rosto
estava nimbado de uma luz extraordinária; ele foi
obrigado a aparecer ao seu povo coberto com um
véu.

Recorde-se da Transfiguração do S enhor, no


monte Tabor! Uma grande luz o rodeia: «As s uas
vestes tornaram-se brancas como a luz. E, quando
entraram na nuvem, ficaram atemorizados». E quan­
do Moisés e Elias apareceram banhados pela mesma
luz, é-nos dito que uma nuvem escondeu a irradiação
da luz divina, a fim de proteger os olhos encadeados
dos discípulos (Mt 1 7, 1 -8; Lc 9, 28-37) .

Assim, a graça d o S anto Espírito aparece como


uma luz inefável a todos aqueles a que Deus desej a
manifestá-la.
9

- Mas - perguntei eu, - paizinho * Serafim, de que


maneira posso reconhecer que me encontro verdadeiramente
na graça do Santo Espírito ?

- Amigo de Deus - respondeu ele - é muito sim­


ples, o próprio Deus o disse: «Para o prudente é fácil
encontrar o conhecimento» (Pr 1 4, 6) .

A nossa infelicidade é que a esta S abedoria de


Deus, não a procurávamos verdadeiramente. Não
sendo deste mundo, ela não é presunçosa. Cheia de
amor para com Deus e para com o próximo, ela re­
cria cada homem para sua salvação.

É ao falar desta S abedoria que o S enhor disse:


«que quer que todos sejam salvos e cheguem ao co­
nhecimento da Verdade» (1 Tm 2, 4) . E é também ao

* A língua russa recorre a diminutivos como este, de grande carga


afectiva, que aqui traduzimos por paizinho. Este mesmo termo é empre­
gue por Serafim de Sarov para com Motovilov, mas que nós aqui tra­
duzimos como caro amigo, para melhor compreensão da origem das duas
personagens do diálogo e após aconselhamento com o padre ortodoxo
Michel Evdokimov. a quem agradeço a sugestão deste termo.
58 SERAFIM DE SAROV

falar da falta desta Sabedoria que o Senhor disse aos


seus Apóstolos: « " Ó homens sem inteligência e len­
tos de espírito para crer em tudo quanto os profetas
anunciaram! " E explicou-lhes, em todas as Escrituras,
o que lhe dizia respeito» (Lc 24, 25.27) . Desta Sabe­
doria, é-nos dito ainda nos Evangelhos, ao falarem
dos Apóstolos : «Abriu-lhes, então, o entendimento
para compreenderem as Escrituras» (Lc 24, 45) .

Consequentemente, os Apóstolos sabiam sempre


se o Espírito de Deus estava com eles ou não; pene­
trados por Ele, reconheciam a sua presença neles;
podiam afirmar que a sua causa era santa e agradável
a Deus.

Isto explica porque, nas suas Epístolas, eles escre­


viam: «Ü Espírito Santo e nós próprios resolvemos»
(Act 1 5 , 28) . Reconhecendo em si próprios, de uma
maneira que lhes era tangível a presença do Espírito
Santo, podiam propor as suas Epístolas como verda­
de infalível, útil para todos os crentes. Vej a, meu
amigo, como é simples !

- No entanto - insistia eu - ainda não compreendo co­


mo é que posso ter a certeza de estar no Espírito Santo! Co­
mo é que eu posso reconhecer, em mim mesmo, que a sua
presença é verdadeira ?
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 59

- Amigo de Deus - atalhou o padre Serafim não -

existe coisa mais fácil! Já lhe expliquei muito preci­


samente como os homens podem entrar na pleni­
tude do Espírito S anto e como eles podem reco­
nhecer em si próprios a sua aparição. Pois bem, caro
amigo, o que é que você quer mais?

- Desejaria - disse-lhe eu - poder compreender ainda


melhor!

Então, o padre Serafim apertou-mefortemente os ombros


e disse:

- Vede! Nós estamos, neste preciso instante, am­


bos, na plenitude do Espírito S anto ! Porque é que
você não olha para mim?

- Paizinho - disse-lhe eu - não consigo! Raios saem


dos seus olhos! O vosso rosto está mais resplandecente do
que o sol! Os olhos ardem-me como uma fornalha!

- Não tenha medo - disse o padre Serafim. - Você


tornou-se tão luminoso como e u . Você também
está, neste momento, na plenitude do Espírito Santo.
Se não fosse assim, não me poderia ter visto dessa
forma . .

Ele inclinou a sua cabeça para mim e murmurou-me


docemente ao ouvido:
60 SERAFIM DE SAROV

- Agradeça ao Senhor por nos ter dado essa gra­


ça inefável. Você notou? Não precisei de fazer ne­
nhum sinal da cruz. S implesmente, no meu coração,
no meu pensamento, orei ao Senhor: Meu Deus, tor­
na-o digno de ver com os seus próprios olhos a vinda do teu
Espírito Santo, como Tu o fizeste ver aos teus servos eleitos
quando te dignastes aparecer-lhes na magnificência da tua
glória!

E eis, caro amigo: Deus respondeu imediatamente


à humilde oração do pobre Serafim! Como não
agradecer por esse dom inexprimível que Ele nos
deu a ambos? Veja, não é sempre aos grandes eremi­
tas que Deus manifesta a sua graça! Como uma mãe
compadecida, a graça de Deus quis consolar o seu
coração doloroso pela intercessão da própria Mãe de
Deus!

Pois bem! Porque é que você não me olha nos


olhos? Ouse, sim, ouse olhar-me simplesmente sem
temor! Deus está connosco!

Após essas palavras, eu olhava para o seu rosto e fui in­


vadido por um medo sobrenatural ainda maior.

Imagine o rosto de um homem quefala consigo do meio de


um sol, no brilho mais resplandecente dos raios do meio-dia.
Você vê os movimentos dos seus lábios e a expressão cam-
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 61

biante dos seus olhos. Ouve a sua voz. Sente as mãos que
abraçam os seus ombros.

Mas não vê nem as suas mãos, nem o seu corpo, nem o


nosso. Somente uma luz brilhante que se espalha ao redor a
vários metros de distância, iluminando a neve que cobre a
planície como a que cai sobre os nossos ombros, o grande
staretz e eu mesmo.

Quem poderia imaginar o meu estado naquele instante!


10

- O que é que você sente actualmente? - pergun­


tou-me o padre Serafim.

- Sinto-me extraordinariamente bem!

- Mas como assim: bem? Em que é que consiste


esse bem ?

- Sinto na minha alma um tal silêncio, uma tal paz. . .


Não posso descrevê-las com palavras.

- Amigo de Deus disse o padre Serafim - é a paz


-

de que falava o Senhor aos seus discípulos quando


lhes dizia: «Dou-vos a minha paz . Não é como a dá o
mundo, que Eu vo-la dou. S e viésseis do mundo,
o mundo amaria o que é seu; mas como não vindes
do mundo, pois fui Eu que vos escolhi do meio do
mundo, por isso é que o mundo vos odeia. Mas ten­
de confiança: Eu já venci o mundo» Go 1 4, 27; 1 5 ,
1 9; 1 6, 33).

É a esses homens odiados pelo mundo, aos elei­


tos de D eus, que o S enhor dá esta paz que você
64 SERAFIM DE SAROV

sente presentemente, e a qual, nos diz o Apóstolo,


«ultrapassa toda a inteligência» (Fl 4, 7) , porque ne­
nhuma palavra pode exprimir o bem-estar que sente
a alma dos homens no coração dos quais o Senhor
Deus a enraíza.

Cristo Salvador chama-lhe «a minha paz» Go 1 4,


27) : ela é o fruto da sua generosidade e não deste
mundo. Nenhuma felicidade terrestre provisória a
pode dar: ela é dada do alto, pelo próprio Senhor
Deus. É por isso que se chama: «Paz do Senhor».

Mas - perguntou-me o padre Serafim -, que outra


coisa é que você sente para além desta paz?

- Uma doçura extraordinária . . .

- Sim, é essa doçura da qual nos é dito nas S a­


gradas Escrituras: «Podem saciar-se da abundância
da tua casa; Tu os inebrias no rio das tuas delícias»
(Sl 3 6 [35] , 9) . Ela transborda nos nossos corações
e corre nas nossas veias como uma indizível volup­
tuosidade. D ir-se-ia que ela os faz derreter: ela nos
enche, a ambos, de uma tal beatitude que nenhuma
palavra a poderia descrever.

E o que é que ainda sente?

- Todo o meu coração transborda numa alegria indi­


zível.
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 65

- Sim, é isso - continuou o padre Serafim. - Quan­


do o Santo Espírito desce em direcção ao homem e
o cobre com a plenitude dos seus dons, a alma en­
che-se de uma alegria inexprimível. Pois tudo o que
Ele toca, o S anto Espírito o recria em alegria!

É esta alegria de que fala o Senhor no Evangelho:


«A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza,
porque chegou a sua hora; mas quando deu à luz o
menino, já não se lembra da sua aflição, com a ale­
gria por ter vindo um homem ao mundo. Também
vós vos sentis agora tristes, mas Eu hei-de ver-vos de
novo ! Então, o vosso coração há-de alegrar-se e nin­
guém vos poderá tirar a vossa alegria» Go 1 6, 2 1 -22) .

Amigo de D eus, por mais consoladora que ela


pareça, esta alegria que você sente presentemente no
seu coração não é nada em comparação com aquela
de que o Senhor nos fala pela voz do seu Apóstolo:
«Ü que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram,
o coração do homem não pressentiu, isso Deus pre­
parou para aqueles que o amam» (1 Cor 2, 9). O que
nos é dado actualmente não é nada de mais senão
um s imples adiantamento desta outra alegria. Se
desde já, sentimos nos nossos corações doçura, jú­
bilo e bem-estar, o que diremos então da alegria que
nos está reservada no céu, a nós que choramos aqui
na terra?

Você também, amigo de Deus, você também der­


ramou lágrimas suficientes durante a sua vida nesta
66 SERAFIM DE SAROV

terra. Vej a com que alegria o S enhor, desde j á, vem


consolá-lo!

Caro amigo, agora, é a nossa vez de trabalharmos.


É a nossa vez de multiplicarmos os esforços e per­
corrermos os degraus para chegarmos finalmente à
plenitude na realização da obra de Cristo e para que
se cumpram em nós as palavras do S enhor: «Mas
aqueles que confiam no Senhor renovam as suas
forças. Têm asas como a águia, correm sem se can­
sar, marcham sem desfalecer. Eles avançam com en­
tusiasmo crescente, até se apresentarem em S ião
diante de Deus. » (Is 40, 3 1 ; Sl 84[83] , 8) .

É então que a nossa alegria, tão pequena e tão


efémera hoj e, nos será dada na sua plenitude sem
que ninguém no-la possa tirar e nos encherá de go­
zos inexprimíveis.

- Amigo de Deus, que outra coisa você sente?

- Um calor extraordinário - respondi eu.

- Como assim, um calor? Não estaremos nós


em pleno Inverno, em plena floresta? A neve está
sob os nossos pés, cobre os nossos o mbros e não
pára d e cair. Q ue calor poderá você sentir neste
lugar?
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 67

- Um calor comparável ao de um banho de vapor,


quando todo o seu ser está envolvido no seu turbilhão.

- E o odor que você sente, ele também é como


nos banhos?

- 6, não de forma alguma! - disse-lhe eu. - Nada há


sobre a terra que se possa comparar a este aroma. Outrora
eu gostava de ir dançar em festas e em bailes, e a minha fa­
lecida mãe perfumava-me por vezes com unguentos que ela
comprava nas melhores lojas de Kazan. Mas até esses per­
fumes não eram nada em comparação com aqueles que eu
sinto agora!

Então o querido Padre Serafim esboçou um doce sorriso e


disse-me:

- Sim, eu sei, isso é verdade. Mas é de propósito


que eu o interrogo sobre aq uilo que você sente !
Amigo de Deus, você tem razão, nada se pode com­
parar ao perfume que nós respiramos agora. É o pró­
prio aroma do Espírito Santo que nos envolve. Que
coisa terrestre lhe poderia ser comparada?

Você disse-me, há pouco, que fazia calor como


nos banhos. Pois bem, no entanto, olhe à nossa vol­
ta! Você vê, a neve que cobre os nossos ombros não
derrete, nem aquela que está sob os nossos pés. Não
é, portanto, no ar que se encontra este calor, mas no
interior de nós. É o próprio calor que o Espírito San-
68 SERAFIM DE SAROV

to nos leva a pedir quando dirigimos a D eus esta


prece: «Que o teu Santo Espírito me aqueça!»

Aquecidos com este calor, os eremitas j á não re­


ceavam mais o frio do Inverno. Eles estavam vestidos
como que com pelicas quentes, numa veste tecida
pela graça do Espírito S anto.

E é bem assim que as coisas devem ser na reali­


dade, visto que a graça divina habita no mais profun­
do de nós, no nosso coração, como no-lo ensinou o
Senhor: «Ü Reino de Deus está entre vós» (Lc 1 7, 21).

Através dessas palavras, o Reino de Deus, o Senhor


falava da graça do Espírito Santo. Sim, é o Reino de
Deus que está em nós agora. E é a graça do Espírito
Santo que nos ilumina e nos aquece do exterior. É
ela que espalha este bálsamo no ar que nos rodeia
com os seus perfumes, que alegra os nossos sentidos
com a voluptuosidade celeste e sacia os nossos cora­
ções com uma alegria inexprimível.

Estamos neste estado do qual o Apóstolo Paulo


dizia : «Ü Reino de D eus não é uma questão de co­
mer e beber, mas de j ustiça, paz e alegria no Espírito
Santo» (Rm 1 4, 1 7) . A nossa fé não consiste em pala­
vras de sabedoria terrestre, mas na manifestação daforça do
Espírito.

É este o estado em que nós nos encontramos


agora, este estado sobre o qual o Senhor Deus disse:
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 69

«Alguns dos aqui presentes não experimentarão a


morte sem terem visto o Reino de Deus chegar em
todo o seu poder» (Me 9, 1 ) .

Amigo d e D eus, eis a alegria incomparável que


nos é dada pelo Senhor Deus ! Eis o sentido dessas
palavras: estar na plenitude do Espírito Santo. Eis o que
quer dizer S ão Macário do Egipto quando escreve:
«Eu próprio estive na plenitude do Espírito Santo. »

Nós também, por mais miseráveis que sejamos, o


Senhor nos cumulou com a plenitude do seu Espí­
rito S anto.
11

Pois bem, por agora, meu amigo, espero que você


não tenha mais perguntas para me colocar sobre a
maneira como se manifesta nos homens a presença
da graça do Espírito S anto . . .

Esta manifestação d a inefável graça de Deus, que


acabou de nos ser dada a ambos, penso que você vai
lembrar-se dela.

- Ai, meu padre! - respondi-lhe eu. - Eu não sei se


Deus me tomará digno de conservar sempre na minha me­
mória a impressão desta graça, tão viva, tão forte como eu a
sinto neste momento.

- Não s e i nqui ete - disse-me o padre Serafim. ­


Deus o ajudará a conservar tudo isso na sua memó­
ria. Pois de outra forma, a sua misericórdia não teria
sido tão vivamente movida pela minha humilde pre­
ce e não teria respondido com uma tal rapidez ao de­
sejo do humilde Serafim.

Não é só a você que foi manifestada esta graça,


mas através de você ao mundo inteiro, a fim de que
72 SERAFIM DE SAROV

você se fortifique na obra de Deus, mas também para


que você sej a útil a muitos outros.

Quanto à diferença em relação aos nossos dois


estados - eu sou monge e você é leigo -, sobretudo
não se preocupe com isso! Deus não procura outra
coisa senão uma fé sincera nele e no seu Filho, com
a mesma natureza. Esta simples fé é abundantemen­
te recompensada lá do alto pela graça do Espírito
Santo.

Deus procura um coração inteiramente cheio de


amor para com Ele e para com o próximo. Eis o tro­
no onde Deus gosta de residir e onde Ele aparece na
plenitude da sua glória celeste.

«Meu filho, dá-me o teu coração» (Pr 23, 26) - diz


Ele. O resto, to dará por acréscimo, porque o coração
do homem é capaz de conter o Reino dos Céus. O
Senhor recomenda aos seus discípulos : «Procurai
primeiro o Reino de D eus e a sua j ustiça e tudo o
mais se vos dará por acréscimo», pois Deus, vosso
Pai, sabe do que é que tendes necessidade (Mt 6, 33
e cf. 6 , 32) .

O S enhor não nos censura pelo gozo dos bens


terrestres: Ele próprio reconhece que as condições
da nossa vida aqui na terra no-lo tornam necessário,
a fim de dar tranquilidade à nossa vida de homens
na terra e para tornar mais simples e mais fácil o
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 73

nosso caminho para a pátria celeste. Quanto a isso,


o santo Apóstolo Pedro diz que nada há aqui na terra
de melhor do que a piedade unida ao contentamen­
to. E a santa Igrej a ora para que tudo isto nos sej a
dado pelo Senhor D eus.

E mesmo se as penas, infelicidades e diferentes


necessidades são inseparáveis da nossa vida na terra,
o Senhor Deus não quis e não quer que nós sejamos
condicionados somente pelas penas e pelos infortú­
nios. Eis porque Ele nos recomenda, através dos
Apóstolos, que carreguemos os fardos uns dos ou­
tros e cumpramos assim a lei de Cristo.

O Senhor Jesus dá-nos pessoalmente o manda­


mento de nos amarmos uns aos outros a fim de que
sendo reconfortados por este amor mútuo, nós pos­
samos tornar mais fácil uns para com os outros a via
estreita e dolorosa da nossa caminhada para a pátria
celeste. Porque é que Ele teria descido do Céu senão
para tomar sobre si a nossa pobreza e nos enriquecer
com o tesouro da sua graça e da sua inesgotável ge­
nerosidade?

Visto que ele veio, não para ser servido, mas para
servir os outros e dar a sua alma pela redenção de
muitos, assim, você, amigo de Deus, aj a da mesma
forma. Tendo visto claramente a graça que Deus lhe
deu, comunique-a a cada homem que desej a a sua
salvação.
74 SERAFIM DE SAROV

«A messe é grande - diz o Senhor -, mas os traba­


lhadores são poucos» ( Mt 9, 37; Lc 1 0, 2) . O Senhor
enviou-nos, a nós também, para a acção e deu-nos
os dons da sua graça para que, ceifando as espigas da
salvação do nosso próximo pelo maior número de
pessoas conduzidas por nós ao Reino de Deus, nós
lhe levemos os j uros : alguns a trinta, outros a ses­
senta, e até outros a cem por cento !

Estej amos atentos para com nós mesmos, caro


amigo, para não s ermos também nós condenados
como aquele servo inútil e preguiçoso que tinha en­
terrado o seu talento. Esforcemo-nos em imitar esses
bons e fiéis servos de Deus que levaram ao seu mes­
tre, um, em vez de dois talentos, quatro, e o outro,
em vez de cinco talentos, dez.

Em relação à misericórdia de Deus, não devemos


duvidar dela.

Amigo de Deus, vej a como se realizaram em nós


as palavras que Deus disse através do seu profeta:
«Será que Eu sou Deus só ao perto e não sou D eus
ao longe» ar 23, 23) .

Pobre homem que eu sou! Nem sequer tive tem­


po de fazer o sinal da cruz, apenas desejei no meu
coração que o S enhor se dignasse aceitar tornar você
O DIÁLOGO COM MOTO VILOV 75

digno de ver a sua graça em toda a sua plenitude. E


imediatamente, o meu desejo foi correspondido!

Não creia que eu lhe digo isso para me glorificar ­


para salientar que eu sou monge e você leigo. Não,
meu amigo, não! «Que a vossa bondade sej a conhe­
cida por todos. O Senhor está próximo. O Pai ama o
Filho e mostra-lhe tudo o que Ele mesmo faz. Entre­
gou ao Filho todo o julgamento» (Fl 4, S ; Jo 5 , 20-22).

Possamos nós amá-lo, a E le, ao nosso Pai celeste,


verdadeiramente como filhos. Deus escuta igual­
mente o monge e o leigo desde que eles sejam since­
ros, que eles amem a Deus do fundo da sua alma e
que eles tenham fé. «Se tiverdes fé como um grão de
mostarda . . . » (Mt 1 7, 20), a fé de um e do outro fará
mover as montanhas.

«Como poderia um perseguir mil, e dois, pôr em


fuga dez mil . . . » (Dt 3 2 , 3 0) , diz o Senhor, e ainda:
«Tudo é possível a quem crê» (Me 9, 23). E o Após­
tolo Paulo exclama: «De tudo sou capaz naquele que
me dá força» (Fl 4, 1 3).

E o que afirma o Senhor Jesus daqueles que têm


fé nele, é ainda mais maravilhoso : «Quem crê em
mim também realizará as obras que Eu realizo; e fará
obras maiores do que estas, porque E u vou para o
Pai, e o que pedirdes em meu nome Eu o farei. Até
agora, não pedistes nada em meu nome; pedi e re-
76 SERAFIM D E SAROV

cebereis. Assim, a vossa alegria será completa» (Jo 1 4,


1 2- 1 3 ; 1 6, 24) .

Amigo de Deus, tudo o que você pedir ao Senhor


Deus, o obterá, desde que seja para a glória de Deus
ou para o bem do próximo. Pois Deus eleva o bem
do próximo para sua própria glória, segundo o que
foi dito: «Sempre que fizestes isto a um destes meus
irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes»
(Mt 25, 40) .

Portanto, não duvideis de que o Senhor responde


às vossas orações, desde que elas se dirij am à s u a
glória e a o bem ou à instrução d o próximo. Da mes­
ma forma, se você pede socorro ao Senhor para com
si mesmo - para uma coisa que lhe seria necessária
ou simplesmente útil -, Ele também lhe responderá
da mesma maneira, rápida e seguramente, desde que
você tenha realmente necessidade disso.

Pois Deus ama aqueles que o amam. Ele é bom


para com todos e dá generosamente àqueles que in­
vocam o seu Nome. A sua generosidade revela-se em
todas as suas obras, E le fará segundo o desej o da­
queles que o temem e a sua prece será ouvida. Tudo
será realizado por Deus segundo o seu pedido.

Preste somente atenção, amigo de Deus, em soli­


citar apenas coisas de que você realmente necessite.
Sem dúvida que, em virtude da fé sincera que você
O DIÁLOGO COM MOTOVILOV 77

terá testemunhado ao Senhor Jesus Cristo, Ele não


se recusará. Pois Deus não colocará «o domínio dos
maus sobre a terra dos justos, para que estes não es­
tendam a sua mão à maldade» (Sl 1 25 [ 1 24] , 3) .

Mas ser-lhe-á perguntado porque é que fez uma


prece sem uma razão válida, ao solicitar coisas de
que não temos realmente necessidade.
12

Por agora, eu disse-lhe tudo.

Mostrei-lhe, na realidade, tudo o que o Senhor e


a santa Mãe de Deus quiseram revelar-lhe por inter­
médio do humilde Serafim.

Vá em paz.

Que o Senhor Deus e a sua santa Mãe


estejam sempre consigo,
agora
e pelos séculos dos séculos !
Ám en!

Vá em paz !

Durante toda a duraç&J deste encontro, desde o momento


em que o rosto do padre Serafim se iluminou, esta vis&J n&J

teve mudança.
80 SERAFIM DE SAROV

Desde o começo da narração até ao fim, o staretz per­


maneceu sempre na mesma posição.

Vi com os meus próprios olhos a irradiação de luz ine­


fável de que ele era a fonte.

Poderia certificar isto sob a fé do juramento.

NICOLAU MOTOVILOV
Novembro de 1 83 1
Nota sobre o texto adual

O diálogo de Serafim de Sarov com Nicolau Mo­


tovilov teve lugar no fim de Novembro de 1 83 1 .
Curado pelo staretz de uma paralisia, o próprio Mo­
tovilov redigiu a narração da sua conversa. Após a
morte de Motovilov, a sua mulher deu entrada no
mosteiro de Diveyevo, levando para ali todos os seus
papéis. Só 72 anos mais tarde, em 1 902, é que ela en­
controu o texto do Diálogo e o entregou a um escri­
tor, Sérgio Nilus. Este publicou-o na Gazeta de Mos­
covo, em Julho de 1 903, no mesmo mês em que foi
celebrada, em Sarov, na presença do czar Nicolau II,
a canonização de Serafim.
Se uma crítica aprofundada do texto pôde ali des­
cobrir algumas influências, em particular a de um
discípulo de Schelling, G. H. S chubert, esta, no en­
tanto, confirma que o diálogo com Motovilov teve
realmente lugar e que a sua narração é substancial­
mente verídica (Y. Rochcau, S. Séraphim, Sarov et Di­
vryevo, Bellefontaine, 1 987) .
O texto aqui apresentado foi publicado e m tradu­
ção francesa, pela primeira vez, em França, em 1 957,
pela senhora Muraviev para a revista ortodoxa Con­
tacts. De acordo com a revista, pareceu necessário
82 SERAFIM DE SAROV

melhorar e modernizar a redacção, na qual a tradu­


tora tinha voluntariamente conservado uma versão
«ao pé da letra» com vista a uma revisão aprofundada
que ela própria j ulgava indispensável realizar, ulte­
riormente. Da mesma forma, certas omissões foram
corrigidas a partir do texto russo.
Índice bfblico

Génesis Provérbios ,
2, 7 - 42 1 4, 6 - 5 7
3 , 8 - 39 1 4, 1 2 - 2 7
2 3 , 2 6 - 72

Êxodo
Isaías
34, 30-35 - 56
1 , 1 8 - 51
40 , 3 1 - 66
Levítico
26, 1 1 - 1 2 - 28
Jeremias
2 3 , 23 - 74
Deuteronómio 48 , 1 0 - 36
4, 24 - 34
32, 30 - 75 Mateus
6 , 3 2 - 72
Job 6 , 3 3 - 72
27, 3 -4 - 40 7, 2 1 - 36
9, 3 7 - 74
1 7, 1 -8 - 56
S almos
1 7, 20 - 75
1 8 ( 1 7) , 38-39 - 3 7
24, 42 - 30
3 6 (35), 9 - 64
2 5 , 1 - 1 3 - 26
46, 1 1 - 33
2 5 , 40 - 76
76, 8 - 30
2 6 , 41 - 30
84(8 3), 8 - 66
85 (84) , 1 2 - 46 Marcos
1 1 9 ( 1 1 8) , 1 05 . 1 0 9 - 55 9 , 1 - 69
1 25 ( 1 24) , 3 - 7 7 9 , 23 - 75
1 3 , 33-37 - 30
84 SERAFIM DE SAROV

Lucas 1 5 , 2 8 - 58
9, 2 8 - 3 7 - 56 1 6 , 6- 1 0 - 40
1 0, 2 - 74
1 1 , 23 - 2 1 Carta aos Romanos
1 7, 2 1 - 50, 68 2 , 1 4 - 46
1 9, 1 3 - 26 1 4, 1 7 - 68
1 9, 22 - 3 7
24, 2 5 . 2 7 - 58 1 . a Carta aos Coríntios
24, 45 - 58 2, 9 - 65
1 4, 1 9 - 36
João
1 , 4-5 - 54 Carta aos Efésios
3, 34- 3 5 - 23 5, 1 6 - 26
4, 1 3 - 1 4 - 38
5, 20-22 - 75 1 .a Carta
6, 2 9 - 3 6 aos Tessalonicenses
6, 47 - 53 5 , 1 7 - 36
7, 3 9 - 45 5 , 23 - 42
9, 41 - 22
1 4, 1 2- 1 3 - 76 1 . a Carta a Timóteo
1 4, 2 3 - 28 2, 4 - 57
1 4, 2 7 - 63, 64
1 5 , 1 9 - 63 Carta aos Filipenses
1 6 , 7 . 1 3 - 49 4, 5 - 75
1 6 , 2 1 -22 - 65 4, 7 - 64
1 6 , 24 - 76 4, 1 3 - 75
1 6 , 3 3 - 63
Apocalipse
Actos dos Apóstolos 3, 20 - 29
1 0 , 3 5 - 22 7, 1 4 - 5 1
1 1 , 1 3 - 1 4 - 22 2 1 , 3 - 28
Índice de nomes e temas

Abraão, 34, 41 , 45 D o n s d o E s p írito S anto,


32, 37, 49
Adão, 34, 42-45 , 47, 48 , 5 2
Elias, 56
Ana (profetisa) , 48
Eremitas, 60, 68
Anj o de Deus, 22, 48 , 5 1

Antão (Santo) , 2 7 Espírito de Deus, v er Espíri­


to Santo
Apóstolos, 3 6 , 48 , 5 8 , 73
Espírito S anto, 2 1 - 2 3 , 2 5 -
Apresentação de Jesus, 48
-35, 3 7-43 , 45-50, 53-60,
Aquisição do Espírito S an- 65, 67- 6 9 , 71 , 72
to, 2 1 -23, 2 5 , 2 6 , 2 8 , 30,
Eva, 44, 45 , 47, 5 2
39, 50, 55

Arrependimento, 50, 5 1 , 54 Fé, 2 2 , 2 3 , 34, 3 9 , 5 3 , 6 8 ,


7 2 , 75, 76
Árvore da Vida, 44, 45 , 52
Hebreus (Povo Hebraico) ,
Baptismo, 49, 50, 54
2 2 , 34, 47
Bens terrestres, 26, 32, 72
Horeb (monte) , 34
Caim, 45
Inimigo (Lúc ifer, S atanás,
Caridade, 2 1 , 23, 35
Demónio) , 27, 3 1 , 47, 52,
Cornélia, 22 53

D avid, 37, 5 5 Jacob, 34, 41


86 SERAFIM D E SAROV

Jej um, 2 1 , 23, 3 5 Paz do S enhor, 6 3 , 64

João Evangelista (São), 5 1 , Pedro (Apóstolo) , 22, 73

54 Pentecostes, 49

Joaquim e Ana, 46 Reino de Deus (Reino dos


Job, 40 Céu0, 22, 3 6 , 50, 6 8 , 6 �
72, 74
Judeus, 45
Ressurreição, 48
Leigo, 72, 75
Sabedoria (divina) , 50, 5 7 ,
Macário (São) , 6 9
58
Missionários do Reino, 7 2
Samaritana, 3 8
Moisés, 34, 3 9 , 41 , 43 , 5 6
Simeão, 46, 47
Monge, 7 2 , 75
S inai (monte) , 34, 41 , 5 6
Natividade do S enhor, 48
Tabor (monte) , 5 6
Noé, 45
Tábuas d a Lei, 41
Oração, 2 1 , 23, 30-35
Transfiguração, 5 6
Pagãos, 46, 47
Vigília, 2 1 , 23, 3 0 , 3 5
Parábola das virgens, 2 6 - 2 9
Virgem Maria, 48, 5 2
P a u l o (Apóstolo) , 3 6 , 4 0 ,
42 , 64, 65, 6 8 , 7 5 VIrtude, 26-28, 3 1 , 35, 37, 50
Índice geral

Introdução o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 7
O Diálogo com Motovilov 0 0 0 o 0 0 o o 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 O o o o 0 0 0 0 0 17
Nota sobre o texto actual o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 81
Índice bíblico o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 83
Índice de nomes e temas o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o 85

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