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A FUNÇÃO DA VONTADE NO PROCESSO DE

APRENDIZAGEM

Gislaine Rusch Espinosa e José Mauricio de Assis Espinosa


Especialização em Ensino da Filosofia – UFPEL

Resumo: Uma reflexão sobre o aspecto motivador da aprendizagem, que é exercido pela
vontade, pelo querer, pelo desejar efetivo do conhecimento. Considerando a abertura
cognitiva do indivíduo que protagonisa seu crescimento e os aspectos impeditivos do
processo naqueles que não querem estudar. Baseando nos estudos já realizados e aspectos
da vontade em Schopenhauer e Nietzsche, correlacionados aos diversos exemplos de
dificuldades enfrentadas por alunos e professores em todos os níveis da educação formal.
Pensando também no aspecto do desinteresse de muitos alunos pelo aprendizado
filosófico nas redes públicas.

PALAVRAS CHAVES: Aprendizagem. Vontade.Interesse. Cognição.

INTRODUÇÃO:

Ao refletir sobre a questão da vontade, antes de mais nada, se faz uma


correlação sobre ela num âmbito geral. Sem um desejo genuíno ou uma vontade de
potência1, não se consegue nada, não se realiza um bom trabalho, não se vence um vício,
não se emagrece e também não se aprende. Poderíamos deliberar sobre o método de
repetição, o qual a origem dos estudos científicos do Sistema de Repetição Espaçada está
em 1885 quando o filósofo alemão Hermann Ebbinghaus apresentou ao mundo a sua
teoria da Curva do Esquecimento. Ebbinghaus em seu artigo mostrou que a memória
(cérebro) precisa rever o conteúdo em um intervalo de tempo e assim evitar esquecer
aquilo que é importante. Mas embora existam inúmeros estudos que se seguiram sobre a
questão do aprendizado com este método, na verdade ele é um método de fixação de uma
aprendizagem, baseada na perspectiva do que não utilizamos acabamos por esquecer.
Mas o que propomos, ainda que consideremos que se fixa um conteúdo com este método,
existe, ou deve existir antes um desejo de aprender. O aspecto da vontade tem de ser
considerado como fundamental para que se tenha êxito no aprendizado.

1
Nietzsche, Além do Bem e do Mal, §36.
DESENVOLVIMENTO:

Se na física, potência é capacidade de realizar um trabalho, poderíamos dizer


que na filosofia ‘vontade de potência’ é a capacidade que a vontade tem de efetivar-se.
Contra uma interpretação rasa de Darwin, Nietzsche argumenta que o homem não pode e
não quer apenas conservar-se ou adaptar-se para sobreviver, só um homem doente
desejaria isso; ele quer expandir-se, dominar, criar valores, dar sentidos próprios. Isto
significa ser ativo no mundo, criar suas próprias condições de potência. É um efetivar-se
no encontro com outras forças. Por isso para Nietzsche a questão da vontade de potência,
não é a vontade querendo algo que não tem, mas ao contrário a potência é aquilo que quer
na vontade, que faz com que a vontade continue querendo. Como ele diz em Assim Falou
Zaratustra, “Vontade! — assim se chama o libertador e o mensageiro da alegria” 2, ou seja
esta é a percepção necessária para se partir neste pressuposto.
“Querer liberta: eis a verdadeira doutrina da vontade e da liberdade – assim
Zaratustra ensina a vós […] Para longe de Deus e dos deuses me atraiu essa
vontade; que haveria para criar, se houvesse – deuses! Mas para o ser humano
sempre me impele minha fervorosa vontade de criar”
– Nietzsche, Assim falou Zaratustra

É necessário ao homem moderno apropriar-se de sua Vontade de Potência para


poder voltar a criar valores. Fazer experimentações, estabelecer novas hierarquias,
ultrapassar os valores de seu tempo. Só assim poderá superar a si mesmo e livrar-se da
camisa de força que a sociedade colocou em si há séculos. Só a Vontade de Potência
permite uma análise imanente capaz de entender o mundo sem ceder a explicações
metafísicas e é capaz de dar novos sentidos, superando os atuais.
Já em Schopenhauer, em sua Metafísica da Vontade, nos é apresentada um nível
mais profundo da vontade, como um conceito que rege o todo:
Reconhecerá a mesma vontade como essência mais íntima não apenas dos
fenômenos inteiramente semelhantes ao seu, ou seja, homens e animais,
porém, a reflexão continuada o levará a reconhecer que também a força
que vegeta e palpita na planta, sim, a força que forma o cristal, que gira a
agulha magnética para o pólo norte, que irrompe do choque de dois metais
heterogêneos, que aparece nas afinidades elétricas dos materiais com
atração e repulsão, sim, a própria gravidade que atua poderosamente em
toda matéria, atraindo a pedra para a terra e a terra para o sol, ‒ tudo isso é
diferente apenas no fenômeno, mas conforme sua essência em si é para se
reconhecer como aquilo conhecido imediatamente de maneira tão íntima e
melhor que qualquer outra coisa e que, onde aparece do modo mais nítido,
chama-se VONTADE3.

Assim, a Vontade é concebida por Schopenhauer como a essência íntima de


cada fenômeno, ela está presente no todo, encontra-se una e indivisa em cada parte, seja
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SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação.
numa pedra, numa planta ou num ser vivo. Não importa do que é composto um
determinado fenômeno, “esse absoluto real é o essencial de todas aquelas singularidades
múltiplas, sua unidade, considerada do ponto de vista da realidade propriamente dita,
abarca plenamente a totalidade do mundo”. Ela se manifesta em cada ser particular do
mundo, nos diferentes reinos da natureza, pelas sucessivas e crescentes etapas dos graus
de suas compreensões.
Então como ele mesmo defende, e aí sim conduzindo para uma correlação ao
aspecto do qual fala Nietzsche, esforço é o que dentro do conceito de Vontade, se
assemelha ao que propomos, “porque o esforço é sua única essência, ao qual nenhum fim
alcançado põe um término, pelo que ela não é capaz de nenhuma satisfação final, só
obstáculos podendo detê-la, porém em si mesma indo ao infinito4”
Assim, a vontade em Schopenhauer se caracteriza como um esforço
interminável, um fluxo sem fim pela existência, onde em nenhuma parte do mundo
fenomênico encontra repouso e plena satisfação. Noutros termos, a Vontade é um
constante estado de insatisfação e de inquietude, ou seja, um eterno vir-a-ser, no qual
nunca cessa de querer.
Desta forma fundamentamos esta percepção, que pode ser exemplificada em
nosso cotidiano, muitos nos perguntam o porquê de estudarmos tanto, questionam o fazer
tantos cursos, mas quem estuda sabe, que somos constantemente impelidos por esta
vontade de querer saber mais, aprender mais, ir além. Considerar a vontade como
fundamental no processo de ensino e aprendizagem é algo imperativo, tanto para o aluno,
quanto para o docente. Não aprendemos o que não queremos, não nos atrai aquilo que não
nos desperta de alguma forma. Em uma palestra que realizamos no polo de Arroio dos
Ratos, comecei a fala com tudo escuro e liguei uma lantern do fundo da sala e vim falando
da alegoria da caverna de Platão, apenas com a projeção de meus gestos na parede e isto
despertou o interesse, mais do que se talvez eu lesse o referido texto. Gerando assim uma
maior participação dos presentes.
Considerando isto acreditamos que este olhar se faz necessário, como atrair a
atenção, como despertar o interesse, como fomentar o querer e a vontade de aprender são
questionamentos necessários para o ensino, não só da filosofia, mas de tudo que se
pretende ensinar. E é esta a pretensão desta reflexão, descobrir os desdobramentos da
vontade no aprendizado, o quanto difere o que se deseja aprender com o que se tem que
aprender e qual o resultado efetivo de um e de outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:
4
SCHOPENHAUER, 2005, p. 398.
Diante da perspectiva apresentada, consideramos que a vontade é um fator
primordial para o aprendizado, cada dia mais é percebido o desinteresse no aprendizado,
somando-se a isto uma situação onde existe uma prática de utilizar professores de outras
áreas para ministrarem as aulas de filosofia, o que desfavorece o aluno e a qualidade do
conteúdo apresentado, fazem do ensino desta disciplina um assunto cada vez mais
relegado ao segundo plano.
A provocação filosófica precisa ter amparo no desejo do aprendiz de obter
conhecimento, sendo assim a percepção da vontade do aluno se torna fundamental, bem
como a fomentação desta vontade. Para tanto devemos, assim como os primeiros filósofos
utilizar de alegorias, de metáforas e percepções para trazer a filosofia para o cotidiano dos
alunos e assim, uma vez provocada a reflexão, o desejo de aprender mais, então sim
apresentar o conteúdo para que eles possam realmente aprender e inferir no que
aprenderam.

REFERÊNCIAS:

NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret, 1999.

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação.


Tradução: Jair Barboza. São Paulo: UNESP, 2005.

. Metafísica do Belo. Tradução: Jair Barboza. São Paulo: Editora UNESP,


2003.

SIMMEL, Georg. Schopenhauer e Nietzsche. Tradução: César Benjamim. Rio de


Janeiro: Contraponto, 2011.

ZILLES, Urbano. Teoria do conhecimento e teoria da ciência. São Paulo: Paulus,


2005. (Coleção Filosofia)

http://sisbi.ufpel.edu.br/arquivos/PDF/Manual_Normas_UFPel_trabalhos_acadêmicos.pdf

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