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Atalaia, em arquitetura militar, é uma torre ou lugar elevado, de onde se vigia o território
circundante. Normalmente integra o sistema defensivo de um castelo, sendo distribuídas em lugares
estratégicos na área ao redor.
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A madrugada soprava um forte vento sul e sob a penumbra da lua nova,
Lálio cruzou a galope as montanhas de Aurácia; seus cachos de cabelo negro
revoltos, luziam na escuridão, o tom de ébano mais escuro. No centro da planície
ele vislumbrou a finca de Sofia. Os carneiros apinhados no cercado de madeira,
berraram à sua chegada; o duque apeou do cavalo.
Inesperadamente, a silhueta da jovem se projetou por entre as vidraças
enevoadas da residência. Sofia abriu a porta de madeira e o rangido agudo soou
brevemente naquele espaço de tempo. Ela segurava um castiçal e a chama
suave da vela iluminava seus lábios rosados, quando perguntou:
— Senhor, o que faz aqui a esta hora?
O vento adentrou no ambiente e a chama se apagou.
— Preciso falar-lhe... — disse Lálio, gesticulando de maneira nervosa.
— O que aconteceu? — indagou Sofia, franzindo o cenho — chamarei
meus pais em seguida.
Ela virou-se caminhando ao interior da casa. Lálio não hesitou, e com
apenas três passadas largas, envolveu-a nos braços, tapando sua boca
violentamente. Tentando gritar, Sofia se debateu e derrubou o castiçal de metal
no chão; a porta de saída permanecia aberta e a ventania penetrava nos
cômodos. Neste embate, ela tropeçou, golpeando a própria cabeça. Do quarto
dos pais escutaram-se ruídos, entretanto, segundos depois, o duque
desapareceu a galope, com a moça desacordada nos braços.
Logo, uma massa de ar frio dominou a região; nuvens baixas pintaram o
céu ao mais puro tom cinzento e uma tempestade se precipitou, tornando o
caminho cada vez mais enlameado. Os cascos do alazão formavam uma linha
sinuosa por entre as colinas. Lálio conduzia Sofia à uma antiga propriedade
desabitada, pertencente ao Ducado de Avelan, o Castelo de Vinha, situado a
alguns quilômetros da principal fortificação do ducado, residência dos Avelans.
A imagem do Castelo, adossado pelo cume de uma montanha escarpada,
imerso na densa floresta de Aurácia, onde outras colinas o abraçavam ao centro,
renovava a obstinação do rapaz, em ter uma nova vida ao lado de Sofia. Os
portões de ferro se abriram e no segundo andar da torre de menagem2, ela foi
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A torre de menagem ou Torreão, em arquitectura militar, é a estrutura central de um castelo
medieval, definida como o seu principal ponto de poder e último reduto de defesa, podendo em alguns
casos servir de recinto habitacional do castelo.
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repousada ainda adormecida, sobre o lençol de uma cama com estrutura de
dossel. Raios cortavam o céu e emanavam de maneira cadenciada, uma potente
luz que iluminava a túnica branca da menina. Lálio, tirou de dentro do seu gibão
purpúreo, um pequeno frasco de vidro; o líquido incolor cintilava. Ele sacou a
rolha de cortiça, e instantaneamente, o aroma da árila se espalhou no ar. A chuva
seguia açoitando as paredes da torre, quando o duque se ajoelhou, e, debruçado
sobre Sofia, embebeu os lábios dela com parte do néctar contido no frasco.
Um suave brilho esbranquiçado apoderou-se do corpo de Sofia, tornando-
o cada vez mais pálido; seu sedoso cabelo cor de mel tornou-se opaco e uma
aura espectral tomou conta dela. Menos de um minuto depois, sua energia vivaz,
pareceu tornar a habitar seu corpo e o aspecto rosáceo de seu rosto, voltou a
afigurar-se. Nada parecia ter mudado.
A luminescência da manhã seguinte, cravada sobre o rosto da jovem, a
despertou.
— Onde estou? — gritou ela ao duque, que adormecera sobre o soalho
de mármore negro ao seu lado.
Ele levantou-se energicamente, e disse:
— Os portões estão abertos e um cavalo à espera do lado de fora, você
está livre! — Seus profundos olhos azuis reluziam um tom ainda mais oceânico.
Sofia marchou-se da torre em silêncio. Um robusto corcel branco de
manchas castanhas estava apeado à sombra de um pinheiro.
Ao aproximar-se de volta à finca, ela escutou vozes distantes que
chamavam seu nome; eram seus pais e León.
— Mãe? Estou bem, vamos para casa — gritou a menina.
Sua mãe, porém, seguiu caminhando sem nada escutar. Sofia desmontou
apressadamente e correu em direção a León.
— Não entendo por que não me respondem. Olhe para mim, por favor. —
A fisionomia do camponês permaneceu inabalável.
— Sofia! — gritou ele, perscrutando o horizonte.
Neste momento, ela percebeu o seu terrível destino. Durante as noites
que se seguiram, os agricultores da vizinhança uniram-se à família, munidos de
tochas embebidas pelo fogo, em busca da jovem por toda a extensão do Ducado
de Avelan.
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Sofia regressara ao Castelo de Vinha; sua beleza fora consumida pela
tristeza que inundara a sua alma. Lálio descia as extensas escadarias do salão
principal, quando ela o avistou e disse friamente:
— Lálio, você destruiu a minha vida, eu só existo para você.
Ele parou subitamente.
— Estaremos juntos por toda a eternidade! — exclamou, deixando cair
um frasco de vidro do seu punho cerrado pelos degraus de madeira. O duque
sorriu, ainda sentindo nos lábios o doce sabor do néctar da árila. — Agora somos
iguais.
O sol de meio-dia irradiava uma luminosidade morna. Ao lado de uma
janela envidraçada, Lálio, de beleza viril e rosto delineado por traços marcantes,
estava parcialmente obscurecido pela penumbra.
— Agora percebe o porquê de tudo isso? — Ele sorria de maneira
histérica, abrindo os braços, como se buscasse um abraço de conforto.
Sofia empalidecera.
— Como isso pode ser revertido? Viveremos assim para sempre?
— O que está feito, está feito. Não se pode mudar.
Indignada, a moça abandonou o Castelo de Vinha e desceu a encosta
escarpada, adentrando na floresta. Lálio por sua vez, tinha certeza que ela
voltaria. E esperou.
A campesina passou a acompanhar o dia a dia da família na lavoura de
trigo, e, durante a época da colheita, derramou lágrimas amargas ao perceber
que a safra fora completamente perdida. Sofia dava-se conta de que seus pais,
pouco a pouco, sucumbiam a tristeza de perder sua única filha. Numa tarde
escura, a moça apeou do corcel e contemplou seu quarto da exata maneira que
abandonara. Sofia pousou os seus olhos negros, no pesaroso rosto da mãe, que,
na cozinha, colocava a mesa do café da manhã, sem notar a sua presença.
A cada pôr do sol, a moça acercava-se à sua antiga casa, montada no
corcel acastanhado que lhe fora confiado àquela madrugada terrível. Desde
então, sua mãe percebeu a presença de um estranho cavalo que rondava a finca
por volta do mesmo horário e, passou a nutrir lentamente, uma carinhosa afeição
pelo animal. A esperança de encontrar Sofia, se esvaia e o semblante de sua
mãe fora duramente marcado por sua falta.
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O povo concluíra que Sofia teria fugido com o duque, pois ele também
havia desaparecido misteriosamente no mesmo dia. Ao passo dos meses, León
refizera sua vida ao lado de outra mulher. Buscando ajudar os pais de Sofia,
passou a cultivar suas terras, preparando-as para o próximo plantio.
Os irmãos Avelan dividiram o espólio do velho duque em partes iguais
mas mantiveram o Castelo de Vinha desabitado. Uma criada de saias
farfalhantes passou a limpar seu interior sempre aos sábados, mas, abandonou
o serviço depois de algumas semanas, pois como ela dizia aos que lhe davam
ouvidos: “O tilintar dos vitrais parecem sussurrar um segredo terrível”.
A menina sentia-se cada vez mais impotente frente à própria existência.
Lálio ainda aguardava seu retorno ao castelo e, semanas depois, Sofia cavalgou
até as colinas do Castelo de Vinha, coberta por um longo manto escarlate, que
esvoaçava desde o platô. Relâmpagos luziram no céu à sua chegada e uma
tempestade rapidamente se formou, retumbando trovoadas. Lálio acompanhava
seu retorno a fortificação desde o torreão mais alto, mas a moça não cruzou o
portão. Desde a montanha, ela lançou ao seu algoz, o olhar mais desprezível
que a luz da lua jamais presenciou.
Atordoado, o Duque de Avelan correu aos estábulos e despontou da
fortificação, montado em seu alazão. Sofia escondia-se entre os montes e o
rapaz clamava o nome dela, mas nunca obtinha resposta. A perseguição se
seguiu durante meses.
Muralhas de reinos distantes eram cruzadas, as estações do ano se
desenhavam, e se desvaneciam. Eles atravessaram terras bárbaras, onde
batalhas épicas eram travadas, sem nunca terem sido vistos pelos demais.
Finalmente, numa tarde de primavera, Lálio perdera o rastro da jovem por entre
um vale montanhoso, cortado por um afluente de águas cristalinas.
Lálio retornou ao Castelo de Vinha e durante os seguidos meses de seca
que assolaram o ducado, não tornou a ver a menina montada no corcel
acastanhado. Os poços de todo o reino secaram e o céu conservava seu
espectro sem nuvens, pois, junto à Sofia, as chuvas que fertilizariam as terras
se extinguiram.
O desespero tomava conta dos habitantes e os irmãos Avelan não podiam
atender aos pedidos dos famintos que se apresentavam às muralhas da
fortificação; a estabilidade do ducado se via ameaçada. Numa noite quente, uma
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multidão de agricultores armados de foice, cercaram o Castelo de Avelan,
pedindo água e comida.
Alheio a todo o frenesi, Lálio se desesperava pela ausência de Sofia. Seu
último olhar de desprezo devastara sua alma. O rapaz sentia o coração
descompassado, e julgava perder a cabeça; o sumiço da jovem, tornou as flores
murchas, o solo estéril, a grama sem vida, e os carvalhos frondosos tombaram,
velhos e quebradiços. A natureza se desvanecia e Lálio sentia a culpa profunda
que recaíra sobre seu corpo, como um peso à sua consciência falida.
Quando tudo parecia perdido, o relincho do corcel acastanhado ecoou
pela cadeia de montanhas do Reino de Aurácia. Era noite e, surgindo desde a
colina, ao borde do penhasco, em frente ao Castelo de Vinha, Sofia brilhou,
novamente acompanhada de uma tempestade sem precedentes. Lálio fitara sua
aparição, como se ela fosse sua própria salvação; ele precisava do seu perdão.
Seus dias eram dedicados a vagar pelos campos áridos e suas noites tornaram-
se insones.
Desorientado, o duque caminhou passos trôpegos pela escadaria do
castelo e chegou ao pátio, atravessando o portão instantes depois. Sofia
encarava-o de maneira impassível, seu olhar distante poderia causar
desconcerto ao mais austero camponês. A borda do manto vermelho da moça
estava enlameada e sua elegância espectral, fora unida à majestade do cavalo.
Lálio cavalgava no terreno encharcado pela tormenta, em direção à Sofia,
quando o seu alazão empinou. Desmontando, ele seguiu caminhando, e, como
num sonho lúcido, nada mais avistava a não ser a bela Sofia; por instantes
fugazes, ambos se entreolharam. O aguaceiro inundava a porção de terra onde
ele pisava, quando impetuosamente, Lálio foi arrastado pela correnteza que se
formava, caindo do penhasco. Sofia assistiu a tudo perplexa.
Os poços de todo o Reino de Aurácia se encheram novamente. Ao fim de
cada entardecer, Sofia retornava à finca de seus pais. Os anos fundiram-se no
tempo. Sua mãe passou a alimentar e dar água fresca ao corcel que sempre lhe
visitava. Quando a noite caía, ela compreendia a poesia do cavalo selvagem,
que era livre para não ser de ninguém.