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Direitos Autorais

Título original: The Opium Purge


Lady Fan Mysteries 3
Copyright © Elizabeth Bailey, 2018
Copyright da tradução©2023 Leabhar Books Editora Ltda.
 
Tradução: Lorena Rodrigues
Revisão: Michele Noce Camilo
Diagramação e Capa: Labellalluna Web®
 
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Capítulo 1
 
 
 
 
 
 
 
 
O manto salpicava de vermelho a neve imaculada. Braços erguidos
para o céu, dedos nus apanhando flocos frescos, a garota rodopiava no
gramado abandonado da Dower House com o semblante iluminado de
prazer.
Observando de uma janela ao alto, descalça e inadequadamente vestida
para o início de janeiro, Ottilia Fanshawe ficou impressionada com a beleza
etérea dessa invasora da manhã. Quem ela poderia ser era um mistério, pois
a sogra de Ottilia não havia mencionado uma estranha tão digna de nota.
Embora isso não fosse surpresa, pois a concentração da marquesa viúva de
Polbrook estava centrada na deslealdade de seu filho mais velho.
Os longos discursos inflamados, suportados com desgosto mal
disfarçado pelo resignado cônjuge de Ottilia durante a estadia deles, não
davam sinais de que iriam cessar. Assim, o simples deleite da garota vestida
de escarlate no jardim era revigorante para a paciência esgotada de Ottilia.
Se alguém imaginasse uma princesa de contos de fadas, essa criatura
encarnava a visão com perfeição. O capuz de sua capa caído sobre os
ombros, revelava um conjunto de cachos louros emoldurando um rosto
radiante, digno de fazer um pintor tatear em busca de seus pincéis. Uma
fileira de dentes perolados apareceu dentro da boca aberta exuberante e um
par de olhos brilhantes destacavam-se.
No entanto, mesmo enquanto apreciava a visão, o bom senso inato de
Ottilia não poderia deixar de reprovar a falta de luvas e a imprudente
excursão ao frio de um dia de inverno sem proteção adequada. Ela duvidava
que o manto ondulante aquecesse muito, especialmente porque a garota
aparentemente usava um vestido de tecido leve que era mais adequado para
uma festa noturna. As dobras do vestido cintilavam à luz, sugerindo uma
confecção de lantejoulas aninhada sob a capa que o ocultava.
De repente, ocorreu a Ottilia que a garota havia parado de dançar na
neve e descoberto que estava sendo observada. Estava olhando diretamente
para a janela com um olhar atento que era estranhamente perturbador.
Obedecendo a um impulso impensado, Ottilia ergueu a mão e acenou.
As feições da garota explodiram em vida, abrindo-se em um sorriso enorme
que não pôde deixar de arrancar uma resposta de Ottilia. Duas mãos nuas
surgiram e os dedos balançaram de uma forma que a lembrou
irresistivelmente da tentativa de acenar de uma criança.
Rindo alto, Ottilia observou a garota se virar abruptamente e se afastar.
Ela rapidamente sumiu de sua visão pela esquina da casa e Ottilia se viu
encostada no vidro em um esforço para ter um último vislumbre.
— O que diabos está fazendo, Tillie?
A voz sonolenta de Lorde Francis Fanshawe chamou a atenção de
Ottilia e ela endireitou-se, virando a cabeça. O marido emergiu
parcialmente entre as cortinas da cama que Ottilia deixara fechadas. Ela
deu-lhe um olhar travesso.
— Estava assistindo a uma fada dançando na neve.
— A esta hora? — E então ele pareceu absorver as palavras. — Uma
fada?
— Uma garota. Uma estranha, eu acho. Parecia uma criatura infantil,
mas muito bonita.
Francis colocou as pernas para fora da cama e uma carranca vincou sua
testa. — Vai acabar morrendo de frio exposta aí apenas de camisola.
Ottilia estremeceu, percebendo tardiamente o frio em seus membros.
Ela procurou seu xale, mas seu marido já estava de pé, movendo-se para
pegá-lo na espreguiçadeira onde ela o havia deixado na noite anterior. Ele
foi até a janela e colocou a lã sobre os ombros dela, seus braços
envolvendo-a por trás.
— Agora sim. Embora eu prefira que se aconchegue entre os lençóis
comigo, mesmo que tenhamos nos comprometido a ser cautelosos por um
tempo.
Ottilia afundou-se no calor de seu abraço, mas não resistiu a um surto
de irritação. — Um conto da carochinha, Fan.
Uma das mãos de Francis desceu para embalar a protuberância ainda
discreta no abdômen dela. — Mesmo que Patrick tenha nos advertido sobre
isso?
— Vou ter uma conversa com meu irmão quando ele chegar — disse
Ottilia em um tom levemente ácido. — Entre os dois, ficarei enlouquecida
antes mesmo de passar pelos próximos seis meses.
Francis a abraçou com mais força e ela sentiu os lábios dele acariciando
seu rosto enquanto ele balbuciava palavras de ternura e carinho que não
poderiam deixar de amortecer seu aborrecimento crescente. Ela suspirou,
ciente do tumulto emocional incomum que parecia piorar à medida que sua
gravidez avançava. Sua calma habitual a havia abandonado e, embora não
estivesse mais enjoada, estava propensa ao mau humor e às angústias
injustificadas. Ottilia já estava ficando cansada de se desculpar e as
semanas que estavam por vir pareciam uma eternidade.
Francis relaxou seu aperto. — Conte-me sobre sua fada.
— Ah, a garota na neve!
A lembrança voltou à mente de Ottilia e ela imediatamente percebeu
que a aparência de liberdade alegre da garota havia falado com as
profundezas dela, onde a frustração reinava e a vida havia perdido algo de
seu sabor.
— A garota é primorosa. É a imagem de uma boneca; ou uma princesa.
Pergunto-me quem ela é. — Ottilia virou-se, examinando as feições
marcantes do rosto do marido, seu exuberante cabelo castanho caindo de
maneira atraente sobre as maçãs do rosto. — Sybilla não falou sobre
nenhuma vizinha estranha, falou?
— Como, se cada palavra que sai da boca dela é uma nova maldição
contra Randal? Duvido que tenha tido tempo de notar. — Francis a soltou,
movendo-se para localizar seu roupão. — A única garota que conheço que
mora por aqui é a jovem Phoebe.
— Refere-se à garota com quem Giles deveria se casar? Lady Phoebe
Graveney, não é?
O marido deu de ombros em seu roupão e o amarrou. — Essa é a única.
Ela é filha de Hemington. Acredito que a família estava ausente no Natal,
mas ouso dizer que a garota estará em evidência em breve.
— Como ela é?
— Bonita o suficiente, se bem me lembro.
Ottilia estalou a língua. — Um pouco mais de detalhes, por favor, Fan.
Ela é loira?
Ele franziu a testa, concentrado. — Cabelo escuro, acho.
— Então não pode ter sido ela. — Ottilia olhou pela janela, sua mente
projetando a imagem perdida da garota que havia visto. — Além disso,
dificilmente posso supor que uma garota tola o suficiente para correr na
neve em um vestido de gala de lantejoulas tenha a chance de ser a futura
Lady Polbrook.
— Lady Bennifield, para começar — corrigiu Francis, acrescentando
em um tom comovido: — E gostaria que não mencionasse esse nome,
Tillie.
Ottilia não segurou o riso. — Sim, embora seja mesmo um desafio
repetir esse nome com a mesma entonação de sua mãe.
A viúva tinha o hábito de dar uma ênfase selvagem ao título que agora
carregava sua nova nora, o qual fizera da antiga esposa francesa de seu filho
uma marquesa. Randal casou-se no momento em que seu ano de luto por
sua desafortunada primeira esposa chegara ao fim, em segredo e sem
consultar a família.
Ao ser informada do feito, a mãe desabafou sua fúria em uma carta ao
filho mais novo. Francis poderia jurar que havia chamas saindo do papel.
A carta terminava com uma intimação categórica para que Ottilia e
Francis passassem o Natal na Dower House, com Sybilla declarando que
nada a induziria a compartilhar a mesa de Polbrook para as festividades.
Na ocasião, Ottilia conseguira convencer a sogra a pelo menos
participar do jantar no dia 25, mesmo que apenas por causa da presença dos
netos.
— Giles pelo menos parece ter se reconciliado. — Ottilia aproximou-se
de Francis, que havia afastado as cortinas e estava sentado na beira da
cama. — Nós não o vemos desde a véspera de Ano Novo.
— Reconciliado? Não acredite nisso! Suspeito que vai demorar muito
até que perdoe o pai. Quanto a estar sobrecarregado com uma meia-irmã e
irmão franceses…
— Meio franceses.
— Não me venha com essa, Tillie.
— Eles não são culpados, pobrezinhos.
— Ninguém os está culpando, mas as objeções de Giles são
perfeitamente compreensíveis.
— Até que seu irmão os tenha legitimado — ela prosseguiu
inadvertidamente —, eles continuarão sendo órfãos abandonados.
— Tenho certeza de que Randal tem o assunto em mãos há meses. —
Seu tom era sério. — Imagino que Jardine foi instruído há muito tempo.
O advogado da família foi fundamental na localização do marquês
quando ele desapareceu na França depois que sua esposa foi brutalmente
assassinada no outono de 1789. O escândalo que se seguiu abalou os
alicerces da família, agravado pelo reaparecimento de Lorde Polbrook na
companhia de Madame Guizot e seus dois filhos, que ele havia resgatado da
vingança de uma população enlouquecida. Francis, deixado para recolher os
cacos durante a ausência do irmão, foi duramente assediado.
Ottilia estendeu a mão para colocá-la sobre a dele, que repousava sobre
seu joelho, entrelaçando seus dedos. — Ainda não o perdoou, não é?
Seu esposo moveu os ombros como sempre fazia quando confrontado
com verdades desconfortáveis. — Acho que ele deveria ter esperado.
— Bem, sabe por que ele não esperou, pois ele lhe explicou isso.
Francis bufou. — Sim, ele queria garantir o futuro de sua preciosa
Violette. Não parece ter lhe ocorrido pensar no efeito sobre seu filho e filha.
Ou que Harriet teve que adiar a apresentação de Candia na sociedade
novamente até que o escândalo acabasse. Sei que ele não dá a mínima para
a desaprovação de mamãe, desde que não seja obrigado a ouvir suas
queixas.
O descontentamento profundo no tom de voz do esposo levou Ottilia a
passar um braço pelas costas dele e apoiar a cabeça em seu ombro. — Meu
pobre querido. Não há dúvida de que suportou o peso dessa situação.
Como resposta, Francis a puxou para mais perto em um abraço apertado
e deu um beijo em sua testa. Então soltou um leve suspiro.— Gostaria que
Patrick e sua família tivessem chegado mais cedo.
— De fato, eu também, pois temo que a neve possa impedi-los de vir.
— Meu Deus, espero que não!
Ottilia riu. — Bem, vamos ser otimistas para o seu bem. A presença
deles deve pelo menos parar a língua de Sybilla temporariamente. E desafio
até mesmo sua mãe a rivalizar com a capacidade de Sophie de prolongar um
relato de seus sofrimentos.
Francis ergueu os olhos e Ottilia se lembrou de como ele havia criticado
abertamente a esposa de Patrick Hathaway, depois dos poucos dias passados
na casa do irmão dela, onde se casaram em junho do ano passado.
— Se me disser como Patrick é capaz de tolerar as lamentações dela,
posso me espelhar nele para agir com mamãe. Será que seu irmão usa
alguma erva secreta? Uma poção para tornar alguém surdo por um período?
O riso de Ottilia transbordou. — Ele simplesmente se retira para seu
consultório. Ou inventa um paciente que precisa visitar imediatamente. Pelo
menos, suponho que invente, pelo número de vezes que uma mensagem
chegou oportunamente.
— Bem, não posso usar essa desculpa aqui. Quase poderia desejar que
tropeçasse em outra aventura se isso pudesse desviar a atenção de minha
mãe.
Essa observação serviu para lembrar Ottilia da garota estranha que
havia visto. Ela levantou-se abruptamente. — Vou perguntar a Sybilla sobre
minha fada. Isso pode distraí-la um pouco de seus pensamentos.
Francis segurou a mão dela.— Agora? Não vai voltar para a cama?
Ottilia murchou. — Não posso, Fan. Vou enlouquecer se tiver que ficar
deitada sem fazer nada.
— Ainda está tão inquieta?
— Sim! Acho que vou me vestir e dar um passeio. — Francis a soltou e
fez menção de se levantar, mas ela rapidamente colocou a mão no ombro
dele. — Vou ficar bem sozinha, Fan. Não é necessário ficar apreensivo.
Prometo que tomarei o maior cuidado.
Ele semicerrou os olhos. — Tudo bem.
Ottilia conhecia aquele olhar. — Pretende se vestir e me seguir de
qualquer maneira, não é?
Francis levantou uma sobrancelha. — Não vou voltar a dormir, mas
terei que me barbear, então não tenho dúvidas de que estará muito à minha
frente.

Apesar do fogo crepitante na lareira, Ottilia sentiu calafrios ao adentrar


o salão de entrada. Mal havia se dado conta do fato quando foi interrompida
pela visão da estranha de manto escarlate de pé no meio da sala.
— Deus do céu! — Ottilia olhou fixamente para a criatura, cujos olhos
azuis voltaram-se rapidamente para ela.
— Aí está!
— Sim — concordou Ottilia, entrando na sala —, mas como diabos a
senhorita entrou?
Foi então que percebeu que a dama de companhia da viúva Lady
Polbrook também estava presente. Teresa Mellis estava de pé em um canto,
evidentemente perplexa com a aparição da visitante desconhecida.
— Srta. Mellis?
A mulher virou-se com seu semblante marcado pela tensão. Como já era
do conhecimento de Ottilia, isso não era incomum, pois a dama de
companhia era dotada de uma disposição nervosa, apta a ser colocada em
jogo por muito pouco. Como resposta, a mulher apontou para a janela
francesa que Ottilia percebeu que estava aberta.
— Não é à toa que está frio. — Ela se moveu com a intenção de
remediar a situação.
A Srta. Mellis a interceptou. — Espere! — E apontou mais uma vez. —
Olhe.
Ottilia olhou brevemente para a garota que estava em silêncio, mas cujo
olhar estranhamente fixo seguia os movimentos de Ottilia. A Srta. Mellis
deu alguns passos na direção da janela com seu dedo apontado em direção a
ela. Algo estranho na vidraça formou-se na visão de Ottilia. Estava
estilhaçada, com um buraco irregular que havia espalhado cacos no tapete
abaixo. Uma pergunta alarmou sua mente e voltou-se para a garota mesmo
quando o aviso em voz baixa da Srta. Mellis soou:
— Olhe bem. Está vendo a mão dela? Ela quebrou o vidro.
A essa altura, Ottilia avistara os dedos ensanguentados da garota. Sem
pensar, foi até ela e agarrou seu pulso, levantando sua mão para inspecionar.
— Céus, criança, como diabos conseguiu fazer tal coisa?
O olhar da estranha, ainda fixo no rosto de Ottilia, deslocou-se para
contemplar a própria mão. Um par de sobrancelhas finas se ergueu. —
Como fiz isso? Não me lembro de ter me cortado.
Atrás dela, Ottilia ouviu a Srta. Mellis soltar um gemido de protesto.
Ottilia olhou em volta, percebendo o medo no rosto pálido da dama de
companhia. No lado sombrio dos cinquenta anos, Teresa Mellis estava
prematuramente enrugada devido à sua pele delicada com tendência à
secura. Cada angústia vivida, e eram muitas pelo que Ottilia notara,
transparecia em suas feições magras. Ela falava pouco, a menos que alguém
lhe dirigisse a palavra, e tinha o hábito de fazer pronunciamentos sucintos
se fosse convidada a se pronunciar.
— Ela deu um soco no vidro.
A garota não fez nenhum comentário, apenas observava a interação
enquanto Ottilia intercalava olhares entre ela e a Srta. Mellis. — A
senhorita presenciou isso?
A dama de companhia balançou a cabeça. — Eu a vi colocar a mão
através da janela para destrancar a porta.
— Às custas de sua pobre mão, mocinha. — Ottilia voltou-se para a
garota com um sorriso. — Acho que nossa primeira tarefa deve ser lavar
suas feridas e garantir que não tenha pedaços de vidro inseridos em sua
pele.
A boca linda da garota se abriu e o tilintar de uma risada estridente
escapou.
— Como uma almofada de alfinetes.
Pelo canto do olho, Ottilia notou o arrepio que fez a Srta. Mellis
estremecer, mas não poderia culpá-la em particular, pois a estranha era, de
fato, singular. Primeiro o mais importante: soltando o pulso da garota, foi
fechar a porta e puxar as cortinas para cobrir o buraco.
— Vamos pelo menos tentar nos manter aquecidas. — Virando-se
novamente, dirigiu-se até a dama de companhia enquanto se movia para
pegar o cordão da campainha. — Faria a gentileza, Srta. Mellis, de pegar
panos e bandagens? Um par de pinças também, se puder, e talvez uma lupa.
Por acaso teria uma?
A Srta. Mellis soltou a respiração em um suspiro trêmulo. — Vou
providenciar.
Observando-a sair mancando do cômodo o mais rápido que podia,
Ottilia suspeitou que a Srta. Mellis estava feliz em se afastar da presença da
garota. Tinha pouco conhecimento sobre a mulher, mas a compaixão a
levava a fazer um esforço especial para compreendê-la, pois a apresentação
de Ottilia à família fora como substituta temporária da criatura quando a
mulher havia sofrido uma fratura na perna um ano antes. Ela nunca
admitiria isso, Ottilia imaginou, mas era óbvio que o frio do inverno estava
criando problemas para sua deficiência persistente.
Voltando sua atenção para a visitante inesperada, Ottilia esboçou um
sorriso e manteve o tom calmo. — Não quer se sentar? Vou pedir a um dos
criados que traga uma bacia com água e uma toalha, e então veremos o que
pode ser feito.
A garota não fez menção de sentar-se ou de procurar uma cadeira, mas
permaneceu onde estava com os olhos passeando pelas feições de Ottilia.
— A senhora não é bonita.
Ottilia riu. — Mas a senhorita é.
— Sim.
Não havia orgulho ou vaidade na resposta. Ottilia a interpretou como
uma mera concordância. Colocou a mão nas costas da garota e a conduziu
suavemente em direção a um longo sofá estofado em brocado e listrado de
azul, que ficava ao lado da lareira. Então induziu a menina a se sentar.
— Qual é o seu nome?
— Tamasine.
— Que belo nome. Mora aqui perto, Tamasine?
A visitante não respondeu, mas continuou observando enquanto Ottilia
tirava o manto quente que havia vestido para fazer seu passeio e o colocava
de lado em uma cadeira próxima. Então se colocou ao lado da visitante.
— Quem é a senhora? — a garota perguntou de repente.
A simplicidade parecia ser seu critério. — Sou Lady Fan.
O rosto de Tamasine se iluminou com outro daqueles sorrisos
relâmpagos. — Lady Fan, Lady Fan, Lady Fan. Não se parece com um
leque.
— Bem, receio que não. É um apelido.
Não houve nenhum comentário, pois Tamasine continuou a observá-la
por um momento. Então ela iniciou um assunto inteiramente novo:— Eles
procurarão por mim por toda parte.
— Quem?
— Meu guardião. E Lavinia.
— Quem é Lavinia?
Tamasine não respondeu. Em vez disso, seu olhar desviou de Ottilia
pela primeira vez enquanto olhava ao redor da sala. Era um cômodo grande,
que ainda assim conseguia parecer aconchegante, decorado em um azul
desbotado, com molduras de arabesco pintadas de branco ao redor de cada
parede de pedras, em várias das quais estavam pendurados retratos de
antigas mulheres que haviam habitado a casa em seus anos de viuvez.
— Gosto daqui. Posso ficar?
Surpresa, Ottilia olhou para a garota tentando ler sua expressão. — Mas
certamente a senhorita tem sua própria casa, não é?
— Ah, sim. Não é longe. — Seu olhar voltou para Ottilia. — Encontrei
o jardim.
— Eu vi. Parecia estar gostando da neve.
— Eu não estava com frio — disse Tamasine, como se isso fosse
controverso.
Ottilia lembrou-se do vislumbre de um vestido de lantejoulas e olhou
para baixo. Com efeito, a capa havia caído de seus ombros quando
Tamasine sentou-se, revelando uma roupa de tecido quase transparente,
inadequada tanto para o clima quanto para a hora do dia. Será que a garota
não havia dormido?
— Estava participando de uma festa na noite passada?
— Não vou a festas. Eles não me deixam ir.
Ottilia estava começando a ter uma ideia do porquê disso, mas se
absteve de expressar seu pensamento em voz alta. — Quem é seu guardião?
— Joslin.
Ottilia tentou novamente. — Ele tem um segundo nome?
O tilintar de sino soou. — Claro que sim.
Esforçou-se para ter paciência. — Qual é o nome completo dele?
— Sir Joslin Cadel. — Tamasine suspirou, subitamente desanimada. —
Ele está tentando me impedir de me casar, sabe? Mas vou despistá-lo.
— Como vai fazer isso?
— Vou escapar com Giles.
Talvez tenha sido sorte que um criado tenha escolhido esse momento
para entrar na sala em resposta ao chamado da campainha, pois Ottilia mal
sabia o que responder à revelação de que Tamasine estava em termos de
intimidade com o sobrinho de Francis.
— Biddy — disse ela, dirigindo-se à jovem de bochechas roliças que
havia entrado e olhava com uma curiosidade indisfarçada para a recém-
chegada —, faria a gentileza de trazer uma bacia com água morna e um par
de toalhas? A Srta. Tamasine teve a infelicidade de machucar a mão.
Para a surpresa de Ottilia, esse pedido fez com que a criada se
sobressaltasse e olhasse com olhos arregalados para Tamasine, que a
encarava de volta.
— Qual é o problema, Biddy?
A criada mordeu o lábio e enxugou as mãos no avental. — Acho que
essa é a Srta. Roy, de Willow Court, a casa do vizinho do outro lado da rua.
Ottilia absorveu a informação e o olhar estranho que lhe dizia que
Biddy estava a par de mais informações sobre o assunto, mas agora não era
o momento de investigar.
— Obrigada, Biddy. Pegue a água e as toalhas imediatamente, por favor.
A criada fez uma reverência e retirou-se. Ottilia virou-se para Tamasine.
— Esse é o seu nome? Tamasine Roy?
— A princesa do açúcar, Srta. Tamasine Roy — disse a garota com um
ar de quem recitava uma lição bem aprendida.
— Princesa do açúcar? Quão encantador. Sempre quis conhecer uma
princesa.
O riso tilintou da boca da garota. — Não sou uma princesa de verdade,
tolinha. É assim que me chamam por lá.
Lá onde? Mas Ottilia decidiu seguir outra linha de raciocínio. — E
quantos anos a senhorita tem, Tamasine?
— Dois e vinte, acho.
Ottilia começou a se perguntar se as respostas infantis apenas
sinalizavam uma mente retrógrada ou se havia algum significado mais
sombrio. Uma coisa era certa, Tamasine Roy não era uma moça comum.
Antes que pudesse prosseguir com mais investigações, a Srta. Mellis
voltou ao salão munida com os utensílios necessários para cuidar da mão
ensanguentada de Tamasine.
— Obrigada, Srta. Mellis. Biddy vai trazer água e toalhas, então é
melhor esperarmos por isso primeiro. — Notando a relutância da mulher
em se aproximar da visitante, Ottilia tentou dar outra direção aos seus
pensamentos. — O que acha que pode ser feito sobre essa janela?
A Srta. Mellis colocou as coisas que carregava em uma pequena mesa
próxima de Ottilia e caminhou com um alívio óbvio em direção às janelas
francesas. Afastando a cortina, ela inspecionou o dano.
— Devemos chamar Grig. Ele irá consertá-la em pouco tempo.
— Está falando daquele velhote que trabalha para Lorde Polbrook?
A Srta. Mellis assentiu, mas Ottilia não pôde deixar de duvidar. Pelo
que teve o privilégio de observar, o camarada Grig, que parecia ser uma
espécie de faz-tudo, era um desses velhos resmungões que costumavam
protestar que toda tarefa era impossível. Como se lesse a mente de Ottilia, a
Srta. Mellis disse:
— O homem é perfeitamente desagradável, mas sabe como fazer o
trabalho e gosta de Sybilla.
Mais de uma vez ocorrera a Ottilia a ideia de que, devido à sua
acentuada discrição, a Srta. Mellis era creditada com muito menos astúcia
do que possuía.
— Bem, vou deixar isso em suas mãos experientes — disse ela, notando
o leve rubor que se insinuou na bochecha da dama de companhia. —
Enquanto isso, permita-me apresentar a princesa do açúcar, Srta. Tamasine
Roy, cujo guardião, Sir Joslin Cadel, sem dúvida está a procura neste exato
momento. — Virou-se para a garota e a encontrou observando a outra
mulher sem expressão. — Tamasine, esta é a Teresa. Ela vai me ajudar a
limpá-la e a livrá-la de quaisquer fragmentos de vidro restantes.
A garota deu um sorriso repentino. — Obrigada.
Ottilia ficou agradavelmente surpresa ao ouvi-la falar com tanta
naturalidade. Talvez sua doença, qualquer que fosse, não a atingisse
totalmente. Antes que mais alguma coisa pudesse ser dita, a criada voltou
acompanhada de sua colega mais velha, que entrou apressada, balançando a
cabeça e resmungando.
— Por favor, o que é tudo isso?
Era evidente pelos reforços trazidos por Biddy que sua língua esteve
trabalhando arduamente.
— Agnes, esta é a Srta. Roy, que teve a infelicidade de sofrer um
acidente com a janela.
Agnes, uma dama rechonchuda com uma veia de forte senso comum,
olhou para a janela onde a cortina foi aberta novamente. Ela observou por
um momento e então olhou brevemente de volta para a visitante antes de
seu olhar passar para Ottilia.
— Entendi, milady. Onde gostaria que essa bacia fosse colocada?
Ottilia direcionou sua disposição. Prestes a dispensar as criadas, foi
impedida pela Srta. Mellis. — Agnes, por favor, mande chamar Grig para
consertar esta janela imediatamente.
A criada mais velha olhou mais uma vez para a janela. — Acho melhor,
senhora. O jovem Toby pode ir até lá agora mesmo.
Estalando a língua, ela partiu com sua colega, sem dúvida com a
intenção de instruir o rapaz que servia nominalmente como lacaio de
Sybilla, mas na realidade era como um faz-tudo sempre que um braço
masculino forte era necessário.
Ottilia imediatamente pediu à Srta. Mellis que se sentasse do outro lado
de Tamasine e segurasse a mão dela sobre a bacia, pois não podia confiar
que a garota fosse fazer o que era necessário sem assistência. Que Teresa
Mellis estava relutante era óbvio, mas obedeceu.
— Então agora vamos ver o que podemos fazer aqui.
Adotando uma atitude positiva, começou a tarefa de limpar a mão da
garota, tomando cuidado para não a tocar com receio de fazer com que os
fragmentos de vidro se incrustassem ainda mais. Em alternativa, pegou a
água e derramou sobre os dedos até que o sangue fosse lavado o suficiente
para permitir que visse a origem dos cortes.
— Meu Deus, temo que tenha se cortado em vários lugares, Tamasine.
Onde está a lupa, Srta. Mellis?
A acompanhante não soltou o pulso da garota, mas estendeu a mão para
a mesinha e levantou os fiapos de pano que estavam cobrindo a lupa.
Ottilia agradeceu e pegou-a junto com a pinça.
— Agora, mantenha sua mão o mais imóvel que puder, por favor.
— Oh, posso ficar parada por horas — disse Tamasine alegremente.
— Excelente — murmurou Ottilia enquanto se dedicava à difícil tarefa
de localizar estilhaços de vidro.
— Eu costumava ficar nos canaviais, sabe, me escondendo dos negros.
Ficava muito quieta para que não me vissem e me afugentassem.
Essa confidência incendiou a mente de Ottilia com especulações. A
imagem evocada falava de um lugar diferente da Inglaterra. Canaviais e
negros? A garota poderia ter chegado recentemente de uma estada no
exterior? Não teve chance de explorar essa possibilidade interessante antes
de Tamasine falar novamente:
— Giles disse que eu deveria ficar quieta enquanto me beijava.
A mão em que Ottilia estava trabalhando estremeceu e ela lançou um
olhar de reprovação à Srta. Mellis, que estava com os olhos arregalados e o
queixo caído. Ottilia não podia realmente culpá-la, pois essa notícia
alarmante era suficiente para deixar qualquer um em estado de choque. O
jovem Lorde Bennifield estava cortejando a Srta. Roy? Deixando de lado a
questão dos canaviais, Ottilia sondou delicadamente enquanto extraía uma
lasca de vidro minúscula da mão da moça:
— Como conheceu Giles?
— Ele é bem bonito.
A garota não se lembrava, ou a pergunta não tinha significado para ela?
Ottilia tentou outra tática. — Giles foi à sua casa?
— Joslin disse que não deveria. Eu disse a ele para ir.
— Quando disse isso a ele?
— Na floresta. — A risada aguda soou. — Quando quase caiu do
cavalo.
Ottilia bem que podia imaginar. A visão inesperada da beleza
extraordinária de Tamasine era capaz de surpreender qualquer jovem do
sexo masculino, mas Lorde Bennifield estava comprometido e, se ele não
teve a inteligência de reconhecer que Tamasine Roy era claramente
inadequada para flertes, não era um bom presságio para seu futuro com
Lady Phoebe Graveney. Havia alguma justificativa para o olhar severo de
desaprovação da Srta. Mellis.
Deixando de lado outro fragmento que havia extraído, Ottilia
habilmente mudou de assunto:
— Está há muitas semanas em sua casa nova?
Tamasine inclinou a cabeça para um lado como se considerasse a
questão. Tendo deliberadamente formulado a pergunta de modo a tornar
mais fácil para ela entender e responder, Ottilia ficou satisfeita por vê-la
responder de uma maneira mais natural:
— As folhas estavam caindo quando chegamos. Os bosques são bonitos
quando as árvores estão vermelhas.
— Sim, de fato. Particularmente gosto do outono.
Isso produziu nada mais do que um olhar vazio. Ela não conhecia as
estações pelo nome? Ottilia começou a se perguntar o quanto essa garota
era capaz de entender sobre a vida. Ela parecia habitar em um mundo
próprio e era duvidável que alguém tivesse sido capaz de incutir muito em
sua mente por meio da educação.
Intrigada, Ottilia decidiu descobrir o que pudesse, mas foi frustrada
nesse projeto quando sua sogra, a marquesa viúva de Polbrook, adentrou o
salão.
— O que está acontecendo aqui?
O tom instantaneamente fez a Srta. Mellis balançar tanto que a mão de
Tamasine tremeu e Ottilia teve que interromper seu trabalho. Ela observou
enquanto Sybilla se aproximava, seus olhos negros passando de uma para
outra das mulheres agrupadas no sofá. Consciente do atual temperamento
grosseiro da viúva, Ottilia levantou-se rapidamente, atraindo o olhar de sua
sogra.
— Sybilla, conhece a Srta. Roy?
Um olhar fixo surgiu nas feições da viúva e uma carranca enrugou sua
testa.
— Roy?
— Tamasine Roy, sim. De Willow Court. Ela teve a infelicidade de
cortar a mão no vidro da porta.
Ottilia gesticulou em direção às janelas francesas enquanto falava,
infundindo expressão nos olhos e na voz, na esperança de prender a atenção
de Sybilla. A viúva, como a criada antes dela, olhou para o vidro danificado
e de volta para a garota no sofá, que a encarava com pouco interesse.
— Lamento que tenha se ferido em minha casa, Srta. Roy — disse
Sybilla, lançando um olhar questionador à Ottilia.
O sorriso brilhante de Tamasine apareceu. — A senhora é a avó de
Giles.
Ottilia notou o enrijecimento das costas retas da viúva e a tensão em seu
rosto e, rapidamente, entrou na brecha. — Isso mesmo, Tamasine. Parece
que a Srta. Roy conheceu seu neto na floresta enquanto ele estava
cavalgando, Sybilla.
O olhar lúgubre da viúva pousou no rosto de Ottilia. — É mesmo?
— Giles vem me ver todos os dias — anunciou Tamasine.
Um brilho sombrio nos olhos negros de Sybilla quando se voltaram para
a garota fez Ottilia interromper rapidamente. — O guardião de Tamasine o
advertiu, no entanto.
— Mas eu disse a Giles para vir. Gosto que ele venha.
Na esperança de que não ocorresse a Tamasine mencionar o beijo,
Ottilia lançou um olhar de desculpas à sogra e balançou sutilmente a
cabeça.
O olhar de Sybilla se estreitou, mas ela não disse nada. Ottilia soltou o
fôlego e voltou a sentar-se rapidamente, pegando a pinça e a lupa.
— Devo continuar minha tarefa, senhora.
O olhar tempestuoso de Sybilla abrandou-se um pouco. — Encontrou
estilhaços de vidro?
— Vários, receio.
— Então certifique-se de encontrar todos, Ottilia.
Ela observou em silêncio por um momento, de pé sobre o grupo e
fazendo pouco para ajudar a concentração de Ottilia. Então explodiu em um
tom de irritação — Nunca vai conseguir terminar em menos de uma hora
neste ritmo. Teresa, segure a lupa enquanto eu pego a mão da Srta. Roy.
— Uma excelente ideia, senhora.
Ottilia cedeu seu lugar à viúva, afastou a mesinha de lado e ajoelhou-se
no tapete, o que se mostrou uma posição muito melhor para ver as lascas.
Tamasine não fez objeção. Na verdade, a garota parecia apreciar a atenção,
embora tenha se afastado da operação em sua mão e olhasse abertamente
para o rosto de Sybilla. A viúva, evidentemente desconcertada, mantinha a
mão livre inquieta, aparentemente tentando não retribuir o olhar. Ottilia
estava se perguntando o quanto ela sabia, quando Tamasine perguntou:
— Por que seu rosto está cheio de rugas?
Ottilia quase caiu na gargalhada diante do olhar atônito de Sybilla.
— Está? — foi tudo o que ela conseguiu dizer.
— Sim.
Os olhos negros de Sybilla voltaram-se para Ottilia e uma leve careta
cruzou suas feições.
Ottilia deu-lhe um pequeno sorriso conspiratório. Na verdade, a viúva
possuía relativamente poucas rugas, mas a abordagem literal de Tamasine à
vida claramente não permitia meios termos.
— Bem, suponho que seja por causa da minha idade — Sybilla retrucou
finalmente.
— Esta é a sua casa?
A mudança abrupta de assunto poderia ter confundido uma mulher
despreparada, mas a viúva respondeu sem pestanejar. — É sim.
— Gosto daqui.
— Fico feliz em ouvi-la dizer isso. Especialmente porque foi o local de
um acidente tão lamentável.
A cabeça de Tamasine virou-se rapidamente e, de repente, estava
confrontando a Srta. Mellis. Um olhar levemente malévolo nos olhos azuis
de porcelana colocou Ottilia em alerta imediato.
— A senhorita disse que não foi um acidente.
A infeliz Srta. Mellis encolheu-se um pouco e Ottilia sentiu-se obrigada
a intervir:
— Fique quietinha, por favor, Tamasine. — Esperou que os olhos da
garota se voltassem para ela e sorriu. — Gostaria que contasse a Lady
Polbrook tudo sobre sua dança na neve.
Como esperava, a frase arrancou a risada peculiar e estrondosa da
garota. — Eu não estava dançando, Lady Fan tolinha. Não havia música.
— Perdoe-me, erro meu. — Ottilia olhou para Sybilla. — Eu a vi da
janela do meu quarto e pensei que uma fada tinha entrado no jardim.
Tamasine riu novamente. — Era eu.
— Era sim, e posso ver muito bem que não é uma fada, mas não posso
culpar aqueles que a chamam de princesa do açúcar, pois se parece muito
com uma princesa.
A garota a presenteou com um sorriso enorme. — Simeon diz que
pareço uma boneca de porcelana.
Ottilia notou a introdução desse novo nome, mas não cometeu o erro de
pedir esclarecimentos. — Diz? Bem, posso entender o porquê.
Sybilla sussurrou algo para ela e Ottilia captou algo parecido com
“Quem é Simeon?”. Ela queria saber, mas optou por não indagar
diretamente:
— Simeon mora na sua casa, Tamasine?
— Quando Joslin estiver morto, ele virá.
Capítulo 2
 
 
 
 
 
 
 
Um suspiro escapou dos lábios da Srta. Mellis, o que atraiu uma
olhadela de reprovação de sua patroa. As sobrancelhas de Sybilla se
ergueram com nítida surpresa e sua atenção mais uma vez se concentrou em
Ottilia. Antes que Ottilia tivesse a chance de dar qualquer resposta, uma voz
foi ouvida chamando de algum lugar fora da casa.
— Tamasine! Tam, onde se meteu?
Ottilia olhou para as janelas francesas e notou que sua sogra e a Srta.
Mellis fizeram o mesmo. A garota parecia não ter ouvido, sua atenção ainda
estava nos cuidados com sua mão. A voz era masculina e Ottilia tirou a
conclusão óbvia.
— Acredito que seu guardião a está chamando, Tamasine.
— Ah, sim. Sabia que ele viria.
— Tam? Tamasine!
Desta vez havia duas vozes sobrepostas. A segunda era do sexo
feminino e Ottilia lembrou-se da menina mencionando o nome Lavinia.
Ottilia largou as pinças e levantou-se.
— Vou dizer a eles que está aqui.
— Deixe Teresa ir — disse a viúva.
Mas Ottilia não tinha intenção de renunciar à oportunidade de
interceptar o guardião, de quem poderia descobrir mais informações sobre a
garota. Ela pegou sua capa e começou a colocá-la em volta dos ombros. —
Não, não, senhora. A pobre Srta. Mellis vai se resfriar. Estou bem equipada
para o clima, pois de todo modo pretendia dar um passeio.
Ela movia-se enquanto falava e saiu pela porta, fechando-a atrás de si
antes que a viúva pudesse fazer qualquer objeção.
Não demorou muito para localizar a fonte das vozes, pois Ottilia só
precisava seguir o som enquanto ambos continuavam a chamar a errante
Tamasine. Contornando a esquina da casa, ela avistou duas pessoas a uma
pequena distância, caminhando dentro do terreno da Dower House. Ottilia
tentou chamá-los:
— Sr. Joslin!
Ela teve que chamar novamente antes que o homem parasse, virando em
sua direção. Ottilia acenou e continuou andando em direção a ele, gritando
ao fazê-lo.
— Tamasine está conosco, senhor, está segura.
Ele ergueu a mão em reconhecimento, chamou sua companheira que
estava a alguns metros dele e imediatamente se dirigiu à Ottilia.
Depois das observações extraordinárias de Tamasine sobre seu tutor,
Ottilia ficou agradavelmente surpresa ao ver, enquanto ele se aproximava,
que era um homem bem-apessoado, com um bronzeado significativo na
pele que dava credibilidade à ideia de que haviam estado recentemente no
exterior em um clima mais quente. Sir Joslin era bem mais velho do que sua
pupila, um tanto ágil e alto, e agora exibia uma expressão severa e
exasperada. Um brilho de suor em sua testa, apesar do frio, indicava a busca
enérgica em que estava envolvido. A cena mexeu com a compaixão de
Ottilia. A jovem Tamasine deveria ser um fardo difícil.
A mulher que o acompanhava parecia mais perturbada do que chateada,
um olhar intenso de preocupação era visível em um semblante agradável de
idade indeterminada. Era claramente madura, mas ainda não estava na
meia-idade. Ottilia colocou-a em pé de igualdade, com trinta anos. Sua tez
estava um pouco pálida, mas não bronzeada, o que sugeria que não estivera
com Tamasine em um país diferente ou que tomava precauções sensatas
para manter o rosto longe do sol.
— Espero que minha protegida não tenha sido um incômodo para Lady
Polbrook, senhora — disse Sir Joslin enquanto se aproximava.
Ele soava um pouco sem fôlego e parecia falar com um pouco de
esforço. Ottilia apressou-se a negar, estendendo a mão amigavelmente:
— Nada disso. Como vai, Sir Joslin? Podemos dispensar a formalidade?
Sou Lady Francis Fanshawe.
Ele inclinou a cabeça em uma reverência e Ottilia ficou impressionada
com a firmeza de seu aperto, mas um pouco consternada com a leve
umidade da palma de sua mão sem luva. Ele gesticulou para a mulher ao
lado dele.
— Srta. Ingleby, dama de companhia de Tamasine.
Ottilia sorriu para a mulher. — Gostaria de poder tranquilizá-la
totalmente, mas lamento dizer que Tamasine sofreu um pequeno acidente.
— Ah, não, o que foi dessa vez? — A Srta. Ingleby parecia
desesperada.
Uma carranca vincou a testa de Sir Joslin. — Está muito machucada?
— Ela cortou a mão. Eu estava removendo alguns cacos de vidro
quando o ouvimos chamando. — Convidando os dois com um gesto para
acompanhá-la, Ottilia virou-se para a casa. — Se não se importarem de
esperar, talvez seja melhor se eu completar a tarefa antes de a levarem para
casa.
— A senhora é muito gentil.
Um tom mecânico. A mente da Srta. Ingleby estava em outros assuntos?
— Para dizer a verdade, temo ser um pouco culpada. Eu a vi da janela
do meu quarto e acenei. Acho que ela pode ter entendido como um convite
para vir me encontrar.
Não houve resposta, mas Ottilia viu os dois trocarem um olhar que não
conseguiu interpretar. Não lhe ocorrera fingir que ignorava a evidente
peculiaridade da garota, mas sentiu que havia um desconforto quanto a isso.
Estavam apenas envergonhados? Ou imaginavam que a condição de
Tamasine poderia ser escondida? Ela tentou novamente:
— Imagino que ela saiu escondida, Srta. Ingleby?
A mulher ficou vermelha e foi Sir Joslin quem respondeu em um tom
repressor:
— Tamasine gosta de passeios matinais. Já a tinha alertado antes sobre
sair desacompanhada, mas infelizmente garotas muitas vezes são teimosas.
A afirmação era evidentemente absurda. Teimosa? A jovem não era
uma garota comum para ser associada a um comportamento leviano.
Tampouco Ottilia poderia acreditar que Tamasine tivesse a menor noção dos
costumes que regem a conduta das moças, mesmo que estivesse
anteriormente sob regras mais brandas do que as da Inglaterra. Ela tinha a
mente de uma criança, se é que tinha alguma normalidade mental. Ottilia
escolheu suas palavras com cuidado:
— Imagino que estejam ansiosos para mantê-la protegida, ela é muito
adorável.
Sir Joslin enrijeceu-se na primeira parte do discurso, mas então relaxou
um pouco.
— De fato.
— Ela ainda não teve sua estreia na sociedade, entende? — disse a Srta.
Ingleby em uma nota de desculpas. — Não podemos ter todos os jovens
atrás dela antes que seja apresentada.
Ottilia não sabia como responder a uma mentira tão descarada. Como
no mundo poderia ser possível uma mulher com as desvantagens óbvias de
Tamasine fazer sua estreia na alta sociedade?
Irritada, estava inclinada a acabar com esse absurdo:
— Santo Deus! Atrevo-me a dizer que o advento de meu sobrinho Giles
na vida de Tamasine não seja bem-vindo. Embora aos “dois e vinte”, como
Tamasine me confidenciou, ela deve estar ansiosa para abrir as asas.
Ottilia esperava que Sir Joslin ficasse efetivamente sem palavras diante
disso, mas o homem se provou mais duro na queda.
— Lorde Bennifield é naturalmente bem-vindo em nossa casa, mas não
posso autorizar mais encontros com Tamasine. Aceito a explicação do
Lorde de que encontrou minha protegida por acaso.
E isso encerrou a questão, pois estavam se aproximando das portas
envidraçadas da sala. Completamente desapontada por descobrir que o
guardião de Tamasine era tolo a ponto de tentar ocultar a situação, Ottilia
quase desejava que a garota desconcertasse o sujeito com uma série de
comentários desagradáveis. Com algum prazer, apontou para o vidro
quebrado.
— Receio que a pobre Tamasine tenha enfiado a mão ali.
A Srta. Ingleby ofegou, mas Sir Joslin franziu a testa. — Será que não
se trata de um assalto? Aconteceu durante a noite?
— Ninguém presenciou a cena, se é o que quer saber.
Consciente de que estava sendo tão evasiva quanto o guardião, o
observou ficar sem palavras ao encarar o buraco irregular no vidro. Será
que um pouco de palidez havia invadido suas feições sob o bronzeado?
Satisfeita com esses sinais de desconforto, Ottilia abriu a porta.
— Entrem, mas tomem cuidado com os cacos de vidro no tapete.
Entrando na frente deles e tomando cuidado por onde pisava, viu que
Teresa Mellis havia assumido a tarefa que havia abandonado, sem dúvida
instituída por Sybilla, e o grupo havia sido reforçado por Francis.
Ottilia captou a expressão do marido que pousava o olhar em Tamasine
antes que virasse a cabeça em sua direção. A admiração franca no rosto dele
causou-lhe um desconforto inesperado e levou um momento até que
pudesse falar. Quando se recuperou, tanto a Srta. Ingleby quanto Sir Joslin
Cadel estavam na sala e o sorriso brilhante de Tamasine vigorava.
— Sabia que me encontrariam e eu não estava com frio, e Lady Fan
consertou minha mão.
Ela apontava para Ottilia com a mão livre, a outra ainda firmemente
agarrada pela viúva, que inclinou a cabeça na direção dos recém-chegados.
— Sir Joslin.
Então Sybilla conhecia o homem. Era evidente que ela tinha ouvido
algo sobre Tamasine antes, embora claramente não desta fonte.
Sir Joslin fez uma reverência. — Perdoe esta intromissão, milady. Acho
que ainda não conheceu a Srta. Ingleby, a dama de companhia da minha
pupila.
Sybilla reconheceu a presença da mulher com um aceno de cabeça e
voltou seu olhar para o guardião. — Estou feliz por ter a oportunidade de
falar com o senhor, pois devo manifestar meu sincero pesar por tal acidente
ter acontecido à sua pupila em minha casa.
Com isso, a Srta. Ingleby interveio. — Tamasine é quem deveria se
desculpar. Nossa protegida não deveria ter invadido seus terrenos.
A viúva levantou as sobrancelhas. — Nenhuma desculpa é necessária.
A Srta. Roy é bem-vinda para passear aqui se desejar.
— Vossa Senhoria é extraordinariamente tolerante — interrompeu Sir
Joslin —, mas creio que Tamasine não a incomodará mais.
— Não é incômodo algum. Além disso, ouso dizer que a Srta. Roy deve
sentir-se restrita em nossas propriedades limitadas. Suponho que essas
plantações de açúcar são propriedades substanciais. Barbados, certo?
Ottilia apurou os ouvidos. Isso explicava o apelido. Então a jovem
deveria estar se referindo a cana-de-açúcar. Ela fez uma nota mental para
interrogar Sybilla sobre o assunto no momento em que os visitantes
partissem.
— De fato, senhora. A plantação do meu primo era extensa e é verdade
que Tamasine podia andar livremente. Havia escravos suficientes para
cuidar dela.
A menção de escravos provocou um silêncio consternador e Ottilia
olhou rapidamente para o marido. A sobrancelha de Francis se arqueou e
ele lançou um olhar à mãe, cujas opiniões eram conhecidas por Ottilia. A
viúva era uma abolicionista convicta, como ficou evidente quando seu tom
se tornou gelado:
— Teresa, já terminou?
A Srta. Mellis recostou-se no sofá acenando com a cabeça e Ottilia foi
até o grupo, aliviada por poder promover uma mudança de assunto. —
Encontrou todos os estilhaços?
— Não vejo mais nenhum, mas talvez seja melhor verificar, Lady
Francis. Seus olhos são mais jovens.
Ela levantou-se enquanto falava, encolhendo-se em um canto como era
seu costume. Ottilia agradeceu e sentou-se no chão.
Com uma de suas risadas características, Tamasine manifestou-se. —
Eu era uma almofada de alfinetes, Lavinia.
— Espero que não, minha querida — disse sua dama de companhia em
um tom que mostrava claramente que o humor dessa observação não a
agradava. — Vamos enfaixar sua mão agora.
— Deixe-me fazer isso. — Ottilia indicou os panos e as bandagens que
a Srta. Mellis havia levado.
A Srta. Ingleby aproximou-se do sofá. — Não, sem dúvida a senhora já
foi incomodada demais. Se está convencida que não há mais estilhaços, por
favor, deixe o resto comigo.
Estava claro que ela estava ansiosa para ir embora, o que não era
surpreendente, pensou Ottilia, considerando seu discurso evasivo. Olhando
para o guardião, viu que Sir Joslin estava recostado em uma cadeira
enquanto esperava. A pose era despreocupada, mas Ottilia sentiu algo
estranho a respeito da cena.
Ela posicionou a lupa e submeteu a mão de Tamasine a uma inspeção
minuciosa. — Não vejo mais nenhum estilhaço.
— Então vamos, Tamasine — disse Sir Joslin com uma voz de
autoridade, endireitando-se.
A menina levantou-se com entusiasmo. — Lady Fan disse que eu
parecia uma fada dançando na neve.
Ottilia esqueceu a reserva exibida pelo guardião e sua companheira. —
E parecia mesmo. Assisti-la me trouxe um prazer enorme.
A Srta. Ingleby estava segurando o pulso da garota e Ottilia notou a
força de seu aperto. Ela voltou sua atenção para a viúva. — Deve agradecer
à milady por seus cuidados, Tamasine.
Tamasine permaneceu no lugar, mas não se dirigiu a Sybilla, em vez
disso, dirigiu sua atenção à sua dama de companhia. — A senhorita não me
pegou, Lavinia. Eu me diverti imensamente e agora pode me levar de volta
ao meu ninho.
A garota disse com um tom de alegria, mas Ottilia, observando
atentamente, viu nos olhos azuis a mesma leve expressão de malevolência
usada antes ao se dirigir à Teresa Mellis. Um impulso de prolongar a partida
tomou conta dela, que usou a primeira desculpa que lhe veio à mente:
— Antes de ir, Sir Joslin, permita-me apresentar meu marido, Lorde
Francis Fanshawe.
Os dois homens trocaram reverências e Francis inclinou a cabeça para
incluir a Srta. Ingleby, que fez uma ligeira mesura.
— Perdoe-me se nos apressamos, senhor.
Ottilia chamou a atenção do marido e ele imediatamente se mostrou à
altura do plano.
— Deve fazer o que achar melhor, senhora, mas podemos oferecer-lhe
algum refresco antes de ir?
— Café da manhã, talvez — disse Sybilla e Ottilia sabia que seu plano
fora frustrado.
Sir Joslin fez uma reverência. — Não podemos abusar mais da senhora.
— Ele olhou para as duas mulheres e gesticulou para a porta. — Lavinia.
Assim intimada, a Srta. Ingleby despediu-se apressadamente e puxou
Tamasine para a janela francesa. A jovem não fez nenhum esforço para
dizer uma palavra de despedida ou de agradecimento a qualquer pessoa na
sala, mas no silêncio deixado para trás, sua voz era claramente audível do
lado de fora.
— Por que não tomamos café da manhã? Estou com muita fome, sabia?
Espero que tenha algo melhor para mim em casa do que pão e água.
Francis esperou um momento até que os ecos desaparecessem e então
fixou o olhar na esposa. Ela parecia muito mais brilhante do que antes, sem
dúvida devido ao seu interesse na ladainha atual com aqueles estranhos e a
garota peculiar.
— Tillie, o que diabos foi aquilo?
Mas sua esposa foi impedida por sua mãe. — Boa pergunta. —
Gesticulou para a janela. — Reparem que o miserável não se ofereceu em
momento algum para consertar o vidro.
— Oh, mandei chamar Grig, Sybilla.
A intervenção de Teresa passou despercebida. — Se isso é uma amostra
dos modos nas Índias Ocidentais, em breve desejarei que esse sujeito vá
para outro lugar.
Para o alívio do marido, Tillie fez uma pergunta. — Já o conhecia
antes?
— Ele teve a decência de fazer uma visita de cortesia, mas não vi nem
sombra do sujeito desde então.
— Ele é um desses barões do açúcar? — interrompeu Francis antes da
mãe se lançar a um discurso.
— Ele não, mas o primo era. O pai de Tamasine.
— Ele morreu? — perguntou Tillie. — Quem era ele?
— Matthew Roy. Da realeza da Cornualha, acredito.
Isso foi intrigante para Francis. — Por que diabos não se estabeleceram
na Cornualha, então?
O olhar esclarecedor de Tillie voltou ao seu rosto. — Pela atitude de Sir
Joslin, imagino que estivessem ansiosos para esconder a condição de
Tamasine da família.
— Acha que há algo seriamente errado com a garota?
Um movimento brusco chamou a atenção de Francis para a
companheira de sua mãe e ele a viu estremecer. A viúva também tinha
visto.
— Algo errado, Teresa?
— Algo errado? Basta olhar para a janela! — Teresa virou-se para
Francis. — Não há nada que possamos fazer enquanto esperamos que Grig
a conserte?
Ele foi provocado ao deboche. — Melhor irem para a sala de estar no
andar de cima.
— Puxe a cortina, Francis.
Ele foi até a janela para cumprir a ordem da mãe, mas novamente olhou
para sua esposa.
— Sim, mas afinal, por que essa agitação toda a respeito da janela?
— A Srta. Mellis acha que Tamasine deliberadamente quebrou o vidro
para que pudesse entrar.
— Céus! Aquela garotinha delicada?
— Exatamente o que penso, mamãe. — Francis fez uma pausa enquanto
colocava a mão na cortina, olhando na direção de Teresa, que estava
empoleirada na beira de uma cadeira perto do fogo como era de seu
costume. — É preciso muita força para quebrar o vidro.
— Ela deu um soco.
— Com o punho dela? Tem certeza, Teresa?
— Eu a vi colocar a mão no buraco.
Tanto espantado com a tagarelice repentina de Teresa quanto com o que
ela havia dito, Francis, sem palavras, voltou a olhar para a esposa.
— Se não foi a garota, como o vidro foi quebrado, Fan?
Um pensamento ocorreu a Francis e ele puxou a cortina novamente,
procurando os destroços no tapete.
— O que está procurando?
— A menos que a mão da garota estivesse gravemente machucada —
respondeu ele, voltando sua atenção para a área mais distante das janelas
francesas —, suspeito que haverá uma pedra aqui em algum lugar. Pode ter
rolado a alguma distância.
— Uma pedra? — O tom da mãe era frio e Francis gemeu
interiormente. — Está dizendo que aquela jovem estúpida deliberadamente
pegou uma pedra e quebrou o vidro só para entrar na minha sala?
Um fragmento cinza embaixo da escrivaninha perto da porta chamou a
atenção de Francis. — Ahá!
Ele cruzou rapidamente a sala e abaixou-se.
— Aqui está. A parede deve tê-la barrado. — Agarrando o objeto,
levantou-se com ele na mão, avaliando seu peso. A pedra se encaixava
perfeitamente em sua palma.
Tillie foi ao seu encontro, olhando atentamente para o projétil polêmico.
— Parece bem pequena.
— Pequena, mas útil. — Ele encontrou o olhar inquisidor da esposa. —
Isso não é obra de uma jovem irracional, Tillie.
— Não, de fato.
Ele notou a carranca preocupada entre as sobrancelhas dela. — O que
achou da garota?
Havia um brilho estranho nos olhos de Lady Fan e seu tom era
estranhamente irritadiço. — Além da beleza extraordinária dela, quer dizer?
Surpreso, Francis se perguntou o que diabos isso significava. Algum
instinto o advertiu a abster-se de tentar esclarecer em público. Em vez disso,
ele sustentou o olhar dela. — Sim, a garota é encantadora, mas não é
preciso ser um gênio para ver como ela se comporta de maneira estranha.
— Acho que não, de fato — disparou Sybilla acidamente. — Qualquer
um pode notar que há algo errado, tal como Teresa diz.
Francis ignorou-a. — Tillie?
O olhar estranho havia desaparecido e a expressão da esposa agora era
meramente perturbada. Ela não respondeu, mas afastou-se em direção ao
sofá com seu olhar se dirigindo à Teresa.
— Srta. Mellis, o que realmente acha?
Surpreso, Francis olhou rapidamente para a mãe e analisou sua
expressão. Que a viúva ficara atônita ao ouvir a opinião de Teresa sendo
solicitada era bem claro, mas não foi em vão que ele aprendeu tanto sobre
os poderes mentais de sua esposa. Se Tillie havia se voltado para a dama de
companhia de sua mãe para obter seu ponto de vista, é porque ela tinha um
motivo forte o suficiente, mas Francis não estava preparado para a resposta
concisa de Teresa.
— Acho que ela é perturbada.
Previsivelmente, sua mãe explodiu. — Perturbada? Isso era tudo que me
faltava! Não basta que meu filho escandalize a sociedade casando-se com
sua amante numa rapidez imprópria, agora meu neto faz papel de bobo por
causa de uma garota que é adequada para um Hospital Psiquiátrico.
Isso era novidade para Francis.
— Giles? Como assim?
— De acordo com aquela garota imbecil, Giles a visita todos os dias. E
não tenho dúvidas de que todo o caso é clandestino.
Francis suspirou. — Tal pai, tal filho?
— Nem um pouco. — Veio a resposta brusca. — Tal conduta está muito
mais na veia da mãe do que na de Randal. E tudo bem debaixo do nariz de
Phoebe.
Como as aventuras amorosas de sua falecida cunhada haviam sido
muito públicas, essa comparação parecia injusta e Francis não hesitou em
falar o que pensava. — Dificilmente pode culpar o menino por ficar
entusiasmado. E ainda tenho que aprender que Giles tem o hábito de
perseguir cada anágua ao seu alcance.
A expressão da mãe lhe disse que estava pronta para discutir a questão,
mas foi impedida por Tillie:
— Mas pode culpá-lo por não reconhecer a condição da garota.
— Mas qual é a condição dela? Se Teresa estiver certa… e devo dizer
que os criados ouviram rumores…
Os olhos de Tillie brilharam com interesse. — Que rumores?
Mais uma vez, Teresa surpreendeu Francis com um tremor incisivo em
sua voz. — Dizem que ela é mantida em um sótão. Para a própria segurança
dela. Dizem que fica furiosa de uma hora para outra e alguns até dizem que
é perigosa. — As mãos de Teresa se contorciam em seu colo. — É
lamentável da parte deles permitir que uma garota desse tipo corra solta
pelo campo. Quem sabe o que pode acontecer?
Francis não ficou surpreso ao ouvir que sua esposa imediatamente
assumiu um tom afiado. — Mas e se for apenas um boato?
— Gostaria que ficasse calada, Teresa — retrucou a mãe. — Claro que é
boato. Ninguém sabe nada com certeza.
— Exceto que nós a conhecemos, mamãe. — Ele se absteve de jogar as
próprias palavras da mãe de volta em sua cara. — Devo dizer que Tamasine
não me pareceu perigosa.
— Mas não dá para saber — disse sua esposa.
Ele inclinou um olhar interrogativo sobre ela. — Acha que ela é louca?
— Não pretendo fazer suposições. Uma ou duas vezes vi uma certa
expressão nos olhos dela que me deixou pensativa. Ela é certamente
ingênua e infantil em seu discurso. Sua mente é como uma borboleta e não
se pode confiar nela para responder a uma pergunta direta, mas não sei, Fan.
Acho que há inteligência lá.
— Mas é ofuscada pela ingenuidade?
— Algo do tipo. Observou como ela falou em voltar para seu “ninho”?
E pareceu-me que na maior parte do tempo entendia o que era dito.
— Entendia o que era dito? — A mãe parecia indignada. — Quando
cada frase que saia da boca dela era totalmente sem sentido?
— Ah, mas isso não significa necessariamente que ela não estava
entendendo o rumo da conversa.
— Por que, Tillie? — perguntou Francis, intrigado. — O que lhe faz
dizer isso?
— Suspeito que Tamasine opte por não responder em sequência. —
Tillie levantou um dedo em um típico gesto de cautela. — O que não
significa que esteja ciente de tudo que se passa. É óbvio que ela vive em um
mundo próprio, mas reconhece os outros que vivem em seu mundo.
A viúva trouxe a palma da mão para o assento do sofá ao lado dela.
— Mas está pintando o próprio quadro de uma louca, Ottilia.
— Sim, prefiro pensar que estou, mas a loucura pode assumir muitas
formas. Não sabemos se a insanidade particular de Tamasine pode
representar perigo real para qualquer outra pessoa.
Francis estava digerindo isso quando o som de pés correndo na neve do
lado de fora chegou aos seus ouvidos. Ele foi até a janela. — Que diabos é
isso agora?
Logo em seguida, uma figura escarlate apareceu. Tamasine Roy
começou a bater no vidro. — Ajude-me! Ajude-me, por favor!
Com a mente inundada de suposições, Francis abriu a porta. Quando a
garota entrou na sala, todas as três mulheres levantaram-se de uma vez só
em direção à janela. Tillie a alcançou primeiro.
— Qual é o problema, Tamasine?
As feições encantadoras da garota estavam coradas pelo esforço, seus
olhos azuis estavam arregalados e seus lábios cor de cereja entreabertos
quando sua voz saiu como um guincho:
— Joslin!
— Seu guardião? O que há de errado com ele?
A cabeça da garota girou e ela olhou fixamente para Francis, como se
não esperasse ouvi-lo falar. Ele ficou feliz quando Tillie interveio,
aproximando-se da garota e agarrando sua mão ilesa.
— Venha, Tamasine, conte-me o que aconteceu com Joslin.
Os olhos da garota voltaram-se para Tillie e ela piscou rapidamente
várias vezes. Quando finalmente falou, sua voz era vazia de qualquer
vestígio de emoção. — Joslin está morto. Eu o matei.

No silêncio atordoado que se seguiu a esse anúncio, Ottilia sentiu-se


culpada pelo fio de excitação que a percorreu, mas a gravidade da situação
rapidamente veio à tona e não hesitou, colocando a mão firme no ombro da
jovem. — Onde ele está?
Os olhos azuis encontraram os dela. — Ele caiu da escada.
— Onde?
— No nosso jardim.
— Tem certeza de que está morto?
Tamasine piscou. — Eu o empurrei.
Ottilia aceitou isso sem comentários. — Sua dama de companhia ficou
lá? Lavinia?
— Lavinia disse para buscar ajuda.
O alívio percorreu Ottilia. Estava feliz por não ter tido tempo de tirar
suas roupas de frio, pois estava pronta para a ação imediata. Assim como
Francis, vestido com um sobretudo e botas com o propósito de acompanhá-
la na caminhada que forçosamente abandonara. Ela virou-se para o marido
imediatamente e disse:
— Não temos tempo a perder. Sir Joslin ainda pode estar vivo.
Francis assentiu. — Vou na frente. Leve a garota. — E acrescentou ao
passar pela porta: — E mantenha essa capa bem fechada, Tillie.
— Mas não sabe o caminho — gritou Ottilia atrás dele, movendo-se
rapidamente.
— Claro que sabe. — O mau humor da viúva havia retornado. — Não
se esqueça que Francis cresceu aqui. Meu filho conhece a casa.
Um novo pensamento chamou a atenção de Ottilia. — Sybilla, tem um
médico de confiança?
— Dr. Sutherland. Mandarei buscá-lo imediatamente. Uma pena que
seu irmão ainda não chegou.
— De todo modo, ele não poderia usurpar a província do médico local.
— Ela voltou-se para a garota. — Vamos, Tamasine, mostre-me o caminho,
por favor.
— Cuidado, Ottilia! Lembre-se de sua condição.
Despedindo-se da sogra com um leve aceno, Ottilia puxou Tamasine
pela porta e fechou a janela francesa. — Enquanto caminhamos, pode me
contar o que aconteceu?
Ela manteve uma mão firme no braço da garota enquanto lançavam-se
para frente, estabelecendo um bom ritmo pelos gramados cobertos de neve.
— Joslin caiu.
Ottilia podia ouvir um tom de excitação na voz da garota. — Sim, mas o
que aconteceu antes de ele cair?
— Joslin estava rindo.
Dobraram a esquina da casa e Ottilia viu que Francis já havia chegado
ao limite das terras da viúva e estava avançando para a estrada além.
— E? — prosseguiu Ottilia, mantendo um olhar cauteloso por onde
pisava.
— Ele segurou a cabeça. Assim. — Tamasine colocou as mãos de cada
lado das têmporas e balançou levemente a cabeça.
Poderia ter sido dor de cabeça? A mente de Ottilia ponderou as
possibilidades. Será que Joslin teve um mal-estar repentino? Uma série de
condições poderia tê-lo acometido. Então lembrou-se de Tamasine dizendo
que havia empurrado seu tutor. Ela se concentrou no ponto.
— Por que o empurrou, Tamasine?
A risada singular da garota ressoou. — Para ele cair.
Um beco sem saída. Ottilia procurou outra maneira de chegar aos fatos,
diminuindo um pouco o ritmo quando o chão coberto de neve sob seus pés
começou a afundar. — Disse algo para fazer Joslin rir, Tamasine?
A garota parecia inexpressiva. — Lavinia perguntou a ele o que era tão
engraçado. Ela gritou para o alto.
Gritou para o alto? Então a dama de companhia estava abaixo deles. Na
parte inferior das escadas?
Inútil esperar que Tamasine esclarecesse o ponto. De repente, ocorreu a
Ottilia que talvez Sir Joslin não estivesse de fato rindo. Se estivesse com
dor, poderia ter feito sons que foram confundidos por sua protegida. E, até
mesmo pela Srta. Ingleby, que lhe perguntou o que era engraçado.
A divisa estava ao alcance agora e Ottilia viu uma brecha na cerca viva
que Francis havia usado. Estava claro que Tamasine também a havia usado,
pois foi diretamente para lá.
— Foi assim que a senhorita entrou?
A garota virou as feições radiantes de prazer para ela. — Não podem
me fazer ficar onde me colocaram.
Evidentemente. A menos que a trancassem, talvez? Ottilia observou
enquanto Tamasine passava pela abertura e disparava despreocupadamente
pela estrada. A neve ali já tinha sido pisada e trilhas indicavam a passagem
de rodas. Então as estradas não estavam intransitáveis. Ottilia ousou ter
esperança de que, no fim das contas, seu irmão conseguisse concluir a
viagem.
Um muro baixo de pedra separava a estrada da propriedade do outro
lado, e Tamasine facilmente o escalou, movendo-se rapidamente pela ligeira
inclinação para o outro lado.
Ottilia a chamou. — Espere por mim, Tamasine! Lembre-se, não
conheço o caminho.
A garota parou e virou-se, apontando para cima. — Lá.
— Muito bem, mas vamos juntas.
Para surpresa de Ottilia, Tamasine esperou que ela a alcançasse. Seus
olhos estavam brilhantes e era evidente que esses eventos a excitavam
indevidamente. Se a garota realmente fosse perturbada, nada poderia ser
pior para ela do que participar de uma cena que demandava uma carga alta
de emoção.
Ottilia diminuiu deliberadamente o passo, o que ficou feliz em fazer,
pois mesmo o pequeno esforço necessário para subir a inclinação estava
cobrando seu preço. Consciente de que a gravidez a cansava mais do que o
habitual, estava tanto impaciente quanto resignada pela necessidade.
— Quanta neve já desbravou — disse ela, para distrair Tamasine do
momento presente.
— Ah, sim, gosto de explorar.
— Presumo que sim.
— Simeon vai me deixar ir onde eu quiser.
Será que realmente deixaria? Se sim, era um mau presságio a respeito
de seus cuidados com a jovem. Ottilia arriscou um lance no escuro. —
Simeon é seu irmão, então?
Tamasine riu. — Não, Lady Fan tolinha. Não tenho nenhum irmão.
Simeon é meu primo. Nos escondíamos juntos nos canaviais.
Então esse primo Simeon também esteve em Barbados. — Simeon está
na Inglaterra?
Mas isso era esperar demais de Tamasine, ao que parecia, pois ela
mudou de rumo.— Joslin não vai impedi-lo de vir agora.
Não se o pobre homem estivesse morto. Com uma sensação de choque,
Ottilia lembrou-se do surpreendente comentário anterior da garota de que
Simeon viria quando Joslin estivesse morto. Teria ela tido a perspicácia de
antecipar a morte do sujeito? Se sim, a implicação era realmente
desagradável. Não havia sentido em prosseguir com o interrogatório sobre o
primo. Era melhor esperar esclarecimentos da Srta. Ingleby, supondo que
fosse necessário.
Ao subirem, uma grande casa branca cercada por extensos jardins
surgiu abaixo delas. Um pouco mais à frente, Ottilia pôde ver Francis e uma
outra figura. O marido estava curvado sobre algo na neve que supôs ser o
guardião aflito. A urgência a consumiu.
— Temos que nos apressar.
Não demorou muito para atravessarem o terreno que levava ao próximo
declive, mas as figuras adiante foram perdidas de vista quando se
aproximaram. Repentinamente, Ottilia se viu no topo de uma longa
escadaria de largos degraus de pedra. A cena inesperada imediatamente a
deixou consciente de como seria fácil perder o equilíbrio e cair. Fez uma
pausa para recuperar o fôlego, observando a cena abaixo.
Perto de uma balaustrada de pedra ao pé da escada estava o corpo
deformado de um homem. Era improvável que Sir Joslin tivesse escapado
de ferimentos graves ao cair de tal altura se tivesse sobrevivido. Francis
estava agachado sobre o corpo e a Srta. Ingleby estava de pé sobre ele.
Mesmo a uma certa distância, Ottilia podia ver que a mulher estava
tremendo.
Tamasine começou a descer os degraus, fazendo Francis olhar para
cima. Ele levantou a mão em uma saudação e voltou para o que quer que
estivesse fazendo. Toda aquela concentração indicava que havia algo ali a
ser descoberto e Ottilia segurou as anáguas e ergueu um pouco a capa com
os cotovelos ao começar a descer, forçosamente devagar. Parou alguns
passos antes do final, olhando atentamente para o que conseguia ver do
guardião.
Ele estava de lado, com uma perna torcida desajeitadamente embaixo
dele, a outra colocada de uma forma que deveria estar segurando o corpo na
posição. Um braço estava caído na frente em um ângulo agudo sobre o que
provavelmente era um pulso quebrado. O outro mal era visível e metade de
seu rosto estava voltado para o céu, enquanto a outra estava escondida na
neve. Seu chapéu tinha caído e não estava à vista.
A dama de companhia afastou-se levando Tamasine e Francis levantou-
se.
Ottilia olhou para seu semblante sério. — Ele está morto?
— Receio que sim, mas a Srta. Ingleby diz que estava vivo quando
mandou Tamasine pedir ajuda. É melhor dar uma olhada, meu amor.
Ele cedeu seu lugar e Ottilia desceu os degraus restantes e moveu-se
para examinar Sir Joslin de frente. Abaixando-se, olhou primeiro para o que
conseguia ver do rosto dele. Não fosse por sua posição desajeitada, o
relaxamento de suas feições o fazia parecer como se estivesse dormindo em
perfeito repouso. No entanto, seu semblante estava pálido, com alguma
lividez ou hematomas ao redor da têmpora - efeito da queda, talvez?
Ottilia estendeu a mão para levantar sua pálpebra fechada.
— Isso é inesperado — observou, lançando um olhar a Francis, que
havia se movido para trás do corpo, observando os movimentos dela.
— O quê?
— A pupila está contraída. Estava pensando em apoplexia, mas seria de
se esperar dilatação.
Sua mão roçou a bochecha do homem e a encontrou úmida. Recordando
o brilho que havia notado antes em sua testa e sua palma úmida, perguntou-
se: Esforço físico? Ou algo mais? A transpiração era abundante? No fundo
de sua mente, percebeu ter esquecido de colocar as luvas e suas mãos
estavam frias e possivelmente um pouco dormentes. Passou os dedos com
mais firmeza pelas feições imóveis de Sir Joslin. A umidade era abundante
e inconfundível.
— Ele estava suando muito.
— O que isso significa?
— Inicialmente pensei que ele havia feito muito esforço, mas o suor
pode ser sinal de alguma doença. — Ottilia moveu-se para enfiar a mão sob
o casaco do morto, procurando sentir o estado da camisa dele. Parecia
realmente úmida. — Acho que ele está inteiramente molhado.
— Mas o corpo dele ainda está quente.
— Isso é relativo. Vai esfriar em breve com este tempo. — Ela
gesticulou para o rosto inerte.
— Veja, o corpo já está começando a apresentar uma coloração de cera,
embora ele possa ter morrido há poucos minutos.
— Quanto tempo faz que a garota foi até nós?
Ottilia olhou para a dama de companhia que estava parada a uma
pequena distância, ainda claramente em choque com uma mão segurando
firmemente o pulso de Tamasine. Ambas os observavam. Ottilia baixou a
voz:
— Cinco ou dez minutos? Talvez um pouco mais. Pode ter havido
algum atraso para ser enviada. Atrevo-me a dizer que a Srta. Ingleby perdeu
um pouco de tempo tentando despertá-lo.
Francis franziu o cenho ao olhar para o homem. — Ela me afirmou que
não havia movido o corpo.
— Duvido que a moça teria força para isso.
Sua esposa olhava para o braço dobrado de Sir Joslin.
— O pulso está quebrado?
— Parece que sim. Pode haver outras fraturas da queda. Há uma
contusão na testa dele que pode ter acelerado sua morte.
— Então ele pode ter morrido com a tal pancada?
— Suspeito que, em todo caso, já estava morrendo. Um golpe na
têmpora provavelmente o deixaria inconsciente, de modo que qualquer
esforço para o despertar falharia.
Ela viu os olhos de Francis moverem-se para as duas mulheres. —
Então não acha que foi a queda que o matou?
Ottilia suspirou um pouco. — Pelo bem de Tamasine, gostaria de
descartar isso completamente, mas sem dúvida contribuiu, embora não
pareça ter sido inteiramente responsável.
— Então o que o matou? — A pergunta tinha um tom de impaciência.
— Quem me dera saber, Fan. Será preciso uma autópsia para ter certeza,
mas parece muito um ataque apoplético, salvo o suor e as pupilas. Não é
possível explicar isso facilmente, exceto supor que ele estivesse sofrendo de
alguma doença e que isso possa ter acelerado uma apoplexia. — De
repente, lembrou-se de Sir Joslin recostado na cadeira da sala da viúva e
finalmente entendeu. — Ele estava se apoiando.
O marido franziu a testa. — Do que está falando?
— Acredito que ele já estava se sentindo mal quando foi à Dower
House. Acho que estava com dificuldade em permanecer de pé.
Francis levantou-se. — Não há mais nada a ser feito por ele. —
Estendeu a mão e Ottilia permitiu que o marido a levantasse. — É melhor
eu ir ver se há homens na casa que possam carregá-lo para dentro.
— A dama de companhia saberá. — Ottilia caminhou até a mulher,
erguendo a voz — Srta. Ingleby!
Assim que foi abordada, a dama respondeu. — Sim?
Francis assumiu. — Há empregados do sexo masculino em sua casa?
— Bem, sim. Joslin tem… — A Srta. Ingleby parou de repente e levou
a mão à boca, a angústia estampada em seus olhos.
Comovida, Ottilia cruzou rapidamente em sua direção. — Não se
aborreça, por favor. Meu marido só deseja que Sir Joslin seja levado para
dentro de casa.
A moça assentiu e Ottilia notou que Tamasine, cujos olhos ainda
estavam fixos no corpo, não mostrava nenhum sinal de luto e nem parecia
notar o da Srta. Ingleby.
— Há dois homens que nos acompanharam de Barbados. Devo chamá-
los?
— Fique onde está — disse Francis. — Vou encontrá-los.
Ele começou a andar em direção à casa e abruptamente Tamasine
gritou:
— Hemp e Cuffy.
Francis parou, voltando-se com um olhar perplexo no rosto. — Como?
— Ela disse o nome deles — explicou a Srta. Ingleby. — Hemp e Cuffy.
Pergunte à Sra. Whiting, a governanta, ou ao mordomo Lomax. Qualquer
um irá lhe informar.
Observando Tamasine, Ottilia se perguntou sobre a capacidade dela de
acompanhar conversas quando aparentemente tinha a atenção em outro
lugar. Se alguém pudesse persuadir Tamasine a responder a uma pergunta
direta, ela poderia muito bem ter algo para acrescentar ao quadro. No
entanto, sendo isso improvável, Ottilia optou por abordar a dama de
companhia:
— Srta. Ingleby, estaria disposta a contar-me o que aconteceu aqui?
A mulher pareceu surpresa, mas Ottilia não se deu ao trabalho de
explicar seu interesse, certa de que a Srta. Ingleby estaria muito chocada
para contestar o direito de um estranho perguntar. Ottilia sorriu para ela.
— Parece exausta. Por que não se senta?
Ela foi até a balaustrada baixa de pedra, empurrou a camada de neve
que estava lá e então esfregou a umidade e o frio de suas mãos. Com um
alívio óbvio, a mulher afundou-se. Ela não soltou Tamasine, que não fez
nenhuma objeção, mas sentou-se ao lado dela olhando com expectativa para
Ottilia.
— Assim é mais confortável. — Suavizando a voz, Ottilia acrescentou
persuasivamente: — Vamos, vai se sentir melhor por descarregar o que está
em sua mente.
Um suspiro escapou da mulher. — Sim, sinto como se mal pudesse me
lembrar.
— Compreendo, mas não tenho dúvidas de que vai se lembrar de tudo
quando começar.
Tamasine fixou os olhos no perfil de sua companheira enquanto ela
respirava fundo. Mais uma vez, Ottilia ficou maravilhada com a capacidade
da jovem de fixar sua atenção.
A Srta. Ingleby desviou o olhar do corpo. — Tamasine preferiu
caminhar com Joslin e eu fui um pouco à frente. Não tenho certeza do que
aconteceu. Eu estava aqui e ouvi Joslin rindo. Virei a cabeça para ver o que
ele tinha achado engraçado e então ele… ele perdeu o equilíbrio e caiu.
— Como ele caiu? Foi de imediato? Ele escorregou? Cambaleou?
Tamasine me contou que ele colocou as mãos na cabeça.
O olhar da garota voltou-se rapidamente para Ottilia. — Joslin caiu
várias vezes.
Uma leve carranca surgiu no rosto da Srta. Ingleby. — Não me lembro.
Fiquei tão chocada ao vê-lo. Acho que caiu de cabeça. E então rolou pelos
degraus da escada. — Um suspiro soluçante escapou dela. — Ele caiu aos
meus pés, todo amontoado.
— E então se ajoelhou diante dele, eu imagino?
Ela assentiu. — Sim, eu o chamei. Ele não respondeu. — As frases
saíam em espasmos, cheias de pausas. — Senti o pulso dele, mas então vi
que ainda estava respirando. Com dificuldade. Arrastando a respiração
como se doesse. Seus olhos estavam fechados. Ele parecia… parecia
adormecido, mas profundamente adormecido.
— Parecia estar em torpor?
A Srta. Ingleby levantou o olhar, seus olhos arregalados com a narração
de sua lembrança. — Acho que sim. Tentei acordá-lo.
— Como?
— Eu gritei. Posso ter sacudido o ombro dele.
— Mas não tentou movê-lo?
— Movê-lo? Não, pois pensei que ele poderia ter quebrado um membro.
Não queria piorar a situação.
— Agiu bem — disse Ottilia para acalmá-la. — O que aconteceu
depois?
As bochechas da Srta. Ingleby estavam molhadas por causa de algumas
lágrimas que escorriam de seus olhos. — Não sabia o que fazer. Mandei
Tamasine pedir ajuda.
— Eu fui buscar Lady Fan — disse a garota, seu sorriso brilhante
iluminando seu rosto.
— Foi um bom trabalho de sua parte — disse Ottilia, mas logo voltou
sua atenção para a companheira. — O que aconteceu depois que Tamasine a
deixou?
A Srta. Ingleby balançou a cabeça. — Mal sei dizer. A respiração de
Joslin se acalmou e pensei que estava se recuperando. Chamei o nome dele
várias vezes, mas sem sucesso.
— A respiração dele foi ficando cada vez mais fraca?
A mulher soltou um longo suspiro que ergueu seus ombros.
— Não tinha como saber. Ele parecia tão pacífico, como se estivesse
apenas dormindo. Se me perguntar exatamente quando ele parou de
respirar, não saberia lhe responder. Quando seu marido chegou, ele já tinha
partido.
Ela estremeceu. — Foi tudo muito rápido. Parece impossível que possa
estar morto e ainda assim…
Seus olhos se desviaram para o corpo e ela começou a chorar baixinho.
Ottilia colocou a mão no ombro dela, mas seu olhar foi atraído para
Tamasine. A garota parecia confusa, como se a demonstração de tristeza
não fizesse sentido. Ela observou em silêncio por um momento e então
virou as órbitas azuis para Ottilia.
— Por que a Srta. Ingleby está chorando? Ela não amava Joslin. Não é
prima dele.
Os soluços da Srta. Ingleby redobraram e ela retirou a mão que durante
todo esse tempo ainda segurava o pulso de Tamasine. Ottilia observou a
garota de perto, alerta para qualquer atitude inconveniente.
— Sua companheira está em choque, Tamasine. E tenho certeza de que
ela gostava de Sir Joslin. Não é preciso amar alguém para ficar chocado e
triste com sua morte.
Tamasine piscou. — A senhora não está chorando.
— Mas eu não conhecia seu guardião.
A garota levantou-se abruptamente, movendo-se para ficar sobre o
corpo. Ottilia a seguiu de perto, de pé ao lado dela, com uma mão pronta
para agarrar a garota no caso de uma nova tentativa de fuga. A última coisa
que precisava neste momento era que Tamasine saísse explorando por aí.
Em um gesto que dizia mais sobre seu estado de espírito do que
qualquer peculiaridade da fala, a garota esticou um pé e cutucou o corpo
inerte. — Ele não está fingindo. — O tom era prático.
— Receio que não.
Inclinando-se, Tamasine levou as mãos à boca e cochichou:. — Joslin, o
senhor está morto?
Ottilia segurou o braço da garota e a puxou gentilmente para trás. —
Minha querida, ele não pode ouvi-la.
Tamasine virou-se para encará-la e os olhos azuis de porcelana ficaram
subitamente turvos. Então a garota abriu a boca e começou a gritar.
Capítulo 3
 
 
 
 
 
 
 
Os prantos chegaram aos ouvidos de Francis no amplo salão onde
conversava com a governanta. Era uma mulher baixa e um pouco robusta
demais para sua altura, o que lhe conferia uma aparência de anã. Ela estava
olhando para o rosto de Francis enquanto ele explicava-lhe a situação, e era
evidente que a realidade dos eventos ainda não havia penetrado
completamente em sua mente, pois a mulher parecia atordoada e incapaz de
fazer mais do que assentir de vez em quando. Antes que tivesse a
oportunidade de pedir que ela encontrasse os dois criados, os gritos do lado
de fora os distraíram.
— É a Srta. Tam. — A mulher levou as mãos aos ouvidos em um gesto
que Francis considerou automático. — É melhor eu preparar o quarto dela.
Ela agitou-se, virando-se para as escadas, mas Francis estendeu a mão
para agarrar o braço dela.
— Espere, por favor! — A governanta olhou para a mão dele, piscando
confusamente. — Preciso dos serviços de seus dois criados, Sra. Whiting.
Cuffy e Hemp, eu acho. Não podemos deixar Sir Joslin deitado na neve.
Seus olhos se arregalaram e finalmente o choque esperado refletiu-se
neles. Ela assentiu várias vezes. — Sim. Sim, vou chamá-los. Ou melhor,
pedirei ao Lomax.
Mas enquanto ela falava, a porta de baeta verde no fundo do salão,
usada como linha divisória para separar os criados de seus mestres, se abriu
e um homem de meia-idade entrou. Ele parou ao ver Francis e um vinco se
formou em sua testa.
— O que está havendo, Sra. Whiting? Não deveria subir?
— É o mestre, Lomax! — A governanta aproximou-se do recém-
chegado com as mãos rechonchudas estendidas. — Este cavalheiro me disse
que ele está morto!
As feições do homem empalideceram, embora tenha aceitado as mãos
da Sra. Whiting, segurando-as brevemente. Seus olhos se voltaram depressa
para Francis.
— Infelizmente é verdade — disse Francis, seu tom adequadamente
sério, ainda que alto devido as contínuas lamentações vindas do lado de
fora. — Sir Joslin teve a infelicidade de cair dos degraus do jardim.
Lomax pôs de lado a governanta e foi até Francis. Olhos de um cinza
estranhamente claro penetraram os dele. — Ele morreu na queda, senhor?
Francis se viu em um dilema. A ideia não batia com a análise de Tillie,
mas o quanto era sensato revelar? Optou pela cautela. — Não podemos ter
certeza de nada até que um médico o veja. No momento, só espero que seu
mestre seja transportado logo para dentro da casa. Creio que os colegas que
atendem por Hemp e Cuffy podem estar dispostos a ajudar.
Por um momento, o mordomo não disse nada, mas apenas olhou para
Francis de uma maneira que ele considerou decididamente desconcertante.
Ou mesmo descortês para um mero servo.
Então o sujeito pareceu decidir-se.
— Vou buscá-los, senhor.
Girando nos calcanhares, o mordomo acelerou em direção à porta de
baeta verde e desapareceu por ela. A Sra. Whiting havia se afundado em
uma cadeira de vime próxima a uma mesa grande ao lado do corredor, sobre
a qual repousava uma infinidade de objetos aleatórios. Com a atenção
voltada para a governanta, Francis vagamente percebeu alguns candelabros
ainda cheios de tocos de vela da noite anterior, uma coleção de papéis
espalhados junto com um chicote, luvas e vários recipientes abertos
transbordando de bugigangas.
O cenário pareceu a Francis peculiarmente masculino, além da usual
falta de ordem que geralmente se verifica nas casas da nobreza inglesa. E
com a morte do chefe da casa, a situação parecia destinada a deteriorar-se.
Por impulso, fez uma pergunta:
— Quem assumirá o comando agora que seu mestre está morto?
A Sra. Whiting olhou-o subitamente e o desânimo estampou-se em seu
semblante. Ela soltou um suspiro trêmulo. — Não sei dizer, senhor.
Suponho que a Srta. Ingleby… ou não, creio que pode ser a tia da Srta.
Tam, mas não a conheço.
— Então ela não estava nas Índias Ocidentais?
— Não, senhor.
— Mas a senhora estava?
— Todos nós — disse a Sra. Whiting com um outro suspiro e passou a
mão distraída pelo rosto roliço. — Mas não as criadas ou a cozinheira.
— Mas a senhora e Lomax?
Ela assentiu, parecendo um pouco confusa com essa linha de
questionamento. Francis sabia que não era da conta dele, mas não aprendera
um truque ou dois de sua querida esposa em vão. Tillie gostaria de saber
todos os detalhes da história e ele poderia muito bem descobrir o que fosse
possível. Então persistiu:
— A Srta. Ingleby também fazia parte do grupo que veio do exterior,
suponho?
O espanto da mulher era claro, mas respondeu de boa vontade. — Sim,
senhor. A Srta. Ingleby está com Tam desde os quatorze anos da garota.
Ninguém sabe melhor o que fazer quando a Srta. Tam…
A governanta parou de falar, levantando-se com um pouco de
dificuldade e movendo-se em direção à porta da frente. Francis percebeu
que os gritos da jovem estavam ficando mais altos.
Antes que as mulheres pudessem entrar, um grupo se amontoou na porta
de baeta verde: o mordomo, seguido por dois negros corpulentos vestidos
com uniformes de lacaio. Um mero vislumbre incutiu em Francis a
confiança de que os homens eram eminentemente capazes de suportar o
peso do corpo do morto.
— Ah, Cuffy e Hemp, presumo? Bom dia aos senhores. Vamos logo
cuidar do corpo de seu pobre mestre.
Diante disso, Francis virou-se para a porta da frente bem a tempo de
testemunhar a entrada da Srta. Ingleby, arrastando atrás de si a obstinada
fonte do barulho incessante. Tentado a cobrir os ouvidos, se conteve,
ficando em um canto enquanto o grupo entrava no salão.
— Oh, silêncio, Srta. Tam, por favor — implorou a governanta, tendo se
unido à tentativa de empurrar Tamasine para dentro.
A Srta. Ingleby segurou a garota pelo pulso. — Já para cima, vamos!
Francis ficou tentado a protestar contra esse tratamento. Certamente
uma abordagem mais suave funcionaria melhor? A menina tinha sofrido um
choque severo. Então se deu conta de que os guinchos eram mais de
protesto do que de tristeza. Em que ponto a natureza dos gritos da garota
havia mudado, Francis não sabia dizer, sua atenção estava em outro lugar.
Lembrou-se da estranheza de seu comportamento anterior e da discussão
sobre sua sanidade.
Ele ergueu a voz. — Minha esposa ainda está lá fora com Sir Joslin?
A Srta. Ingleby deu-lhe um olhar por cima do ombro e respondeu: —
Lady Francis disse que iria esperá-lo. — Então a mulher seguiu seu
caminho, repreendendo sua protegida enquanto caminhava: — Já chega,
Tamasine. Pare com esse barulho sem sentido de uma vez ou haverá
consequências.
Mais uma vez, consciente de uma pontada de simpatia pela jovem,
Francis fez um sinal para o círculo de criados que o aguardavam e dirigiu-se
à porta da frente.

Ottilia observou os dois lacaios depositarem o fardo sobre a colcha do


dossel do quarto reservado ao uso de Sir Joslin. Era de um tamanho
razoável, mas uma rápida olhada ao redor mostrava que estava
escassamente mobiliado. Além da cama e do armário, havia apenas uma
cômoda grande e um espelho comprido, que sem dúvida já estava na casa.
Fazendo uma anotação mental para encontrar uma oportunidade de revistar
a cômoda, Ottilia voltou sua atenção para o assunto em questão.
Os dois grandalhões, Cuffy e Hemp, se desmanchavam em tristeza
diante da visão de seu mestre. Nenhum deles, para uma mistura de simpatia
e surpresa de Ottilia, fez um escândalo ou arriscou qualquer comentário.
Em vez disso, com as lágrimas caindo livremente em seus rostos,
obedeceram às instruções concisas de Francis sobre a maneira de levantar o
cadáver de Sir Joslin.
O cuidado com que o tratavam era notável, embora no final estivessem
ofegantes por causa do esforço. Ottilia sentiu a afeição no modo como o
mais velho dedicou tempo e esforço para dispor os membros
adequadamente, apesar do evidente desarranjo dos ossos causado pela
queda. Quando os homens se afastaram da cama, Francis avançou.
— Isso foi muito gentil da parte dos senhores e devo agradecer-lhes.
Ele estendeu a mão para o mais próximo dos lacaios, o mais jovem dos
dois, cuja cor era vários níveis mais clara que a de seu colega. Ottilia viu o
sujeito hesitar, olhando primeiro para a mão de Francis e depois para o
companheiro. O homem mais velho deu um breve aceno de cabeça - dando
permissão? O outro enxugou a mão rapidamente no uniforme e estendeu a
mão para pegar a de Francis.
Francis apertou a mão dele e sorriu. — O senhor é Cuffy ou Hemp?
— Hemp, senhor — disse o sujeito, sua voz baixa e grave, em
conformidade com sua estrutura atlética grande.
— Parece que gostava muito de seu mestre, estou certo?
Hemp enxugou o vestígio de lágrimas sob os olhos. — Mestre Joslin era
um bom homem.
Um traço de sotaque chamou a atenção de Ottilia e ela se perguntou se
Hemp havia sido especialmente educado para sua estada na Inglaterra.
Francis assentiu com a cabeça para o homem e virou-se para o sujeito mais
velho, novamente estendendo a mão.
— Então deve ser Cuffy.
Havia uma leve hostilidade nos olhos escuros que varreram Francis
antes que o homem se atrevesse a pegar a mão dele? O homem mais velho
era mais musculoso do que Hemp e não tão alto. Tinha uma cabeça de touro
e seus cachos pretos tinham um toque grisalho. Sua voz era ainda mais
grossa que a de seu colega e seu sotaque era mais acentuado.
— Como o mestre morreu, senhor? Ele não tem o pé chato. Por que
caiu?
Francis soltou a mão do homem. — Receio que não possamos dizer
ainda, Cuffy. Precisamos da opinião de um médico antes de chegar a
qualquer conclusão.
Ottilia viu seu esposo hesitar, dando-lhe um olhar. Lady Fan assentiu
muito sutilmente e ficou surpresa ao notar que tanto Hemp quanto Cuffy
evidentemente viram.
Cada par de olhos deve ter seguido a direção do olhar de Francis.
— Não é certo que a queda o tenha matado. — Francis olhou de um
para o outro. — É possível que seu mestre tenha tido um mal-estar.
Com isso, Ottilia viu a atenção de Hemp disparar para Cuffy e os dois
trocaram um olhar. Era evidente que os homens sabiam de algo. No entanto,
antes que pudesse sinalizar para Francis investigar, o mordomo entrou no
quarto. Ele havia sido brevemente intimado por seu marido quando os
homens saíram para recolher o corpo de Sir Joslin, mas optou por não
acompanhar o cadáver até o andar de cima, murmurando uma desculpa de
precisar consolar o resto da equipe que estava em estado de choque e
tristeza.
O mordomo indicou a porta com a cabeça, com os olhos nos dois
lacaios. — Desçam agora, os dois.
Hemp e Cuffy não fizeram nenhuma objeção, embora Cuffy tenha
desacelerado quando se aproximou da porta e se virado para olhar mais uma
vez para o corpo de seu mestre deitado pacificamente, como ele e Hemp o
haviam colocado.
No momento em que saíram do quarto, o mordomo voltou-se para
Francis, ignorando a presença de Ottilia. — Estou em dívida com o senhor,
mas acho que não devemos abusar mais de sua boa natureza.
Ottilia viu os lábios do marido se apertarem e o tom cortante que
conhecia bem sinalizava seu descontentamento.
— Ficamos felizes em ser úteis. Talvez ainda não saiba que a Srta. Roy
foi até a residência de Lady Polbrook para pedir nossa ajuda.
Uma carranca se formou no rosto do homem. — É mesmo? Então o
senhor deve ser Lorde Francis Fanshawe, imagino?
— Perfeitamente correto, Lomax. E como entendo que não há ninguém
imediatamente em posição de tomar conta dos assuntos aqui, sinto que é
minha obrigação fazer o que puder para ajudá-los neste momento infeliz.
Ottilia se esforçou para não explodir de espanto. Que diabos Francis
quis dizer com isso? Normalmente o marido a aconselharia a não se
envolver em tais assuntos e agora assumia voluntariamente esse
compromisso.
O mordomo parecia compartilhar suas emoções, esquecido de sua
posição quando explodiu:
— Mas o assunto não lhe diz respeito!
— Para começar — disse Francis, ignorando a observação —, compete
a mim trancar este quarto até que o médico chegue.
— Que médico, milorde?
— Minha mãe mandou chamar seu próprio médico. Imagino que o Dr.
Sutherland chegará em breve.
O mordomo parecia desgostoso e Ottilia o observava com interesse. Ele
se opunha ao médico em particular ou havia alguma razão para rejeitar
ajuda externa? Ou será que não queria a porta trancada?
Ela se intrometeu sem cerimônia. — Talvez um médico diferente atenda
esta casa?
Foi como se Lomax apenas notasse a presença dela neste momento. Ele
fez uma breve reverência. — Ainda não foi necessário chamar ninguém,
madame.
— Será mais apropriado dirigir-se à minha esposa como “milady”. —
Havia um tom na voz de Francis que sinalizava para Ottilia seu estado de
espírito.
— Como Vossa Senhoria quiser. — Ottilia notou certa falsidade em seu
jeito formal quando o homem executou outra pequena reverência elegante e
indicou a porta. — As damas primeiro, milady.
Ela lançou um olhar ao marido e encontrou uma faísca em seus olhos
castanhos. Achou melhor concordar com o mordomo antes que Francis
pudesse desabafar sua irritação.
— Obrigada, Lomax.
Ela assentiu e saiu para a galeria que dava para as salas principais do
primeiro andar. Houve um momento de hesitação antes que o mordomo a
seguisse para fora, e Ottilia virou-se para ver Francis ostensivamente retirar
a chave da fechadura e trancar o quarto.
— Vou guardar isso por enquanto.
Lomax o encarou fixamente. — Com que direito, milorde?
Os lábios de Francis se curvaram em um sorriso gélido.
— Acredito que tenho a vantagem, Lomax, por ter experiência com esse
procedimento. Se for necessário chamar o legista é essencial que a pessoa
de Sir Joslin permaneça intocada, assim como seus pertences neste cômodo.
Os olhos do mordomo se arregalaram e Ottilia viu uma fração de horror
- ou era medo? - que foi rapidamente disfarçada. — O que está insinuando,
senhor?
— Insinuo — disse Francis com óbvia deliberação —, que é melhor que
os membros da casa não estejam em posição de serem responsabilizados
por qualquer coisa que possa faltar. Ou na verdade, por qualquer coisa que
possa aparecer.
— Aparecer! O que Vossa Senhoria quer dizer com isso?
— Evidências, Lomax. Estou falando de evidências em potencial.
O peito magro do mordomo subia e descia bruscamente e um rubor
transparecia no leve bronzeado de sua pele. Havia um veneno no olhar que
dirigiu a Francis e não hesitou em expressar um protesto áspero:
— Está sugerindo que houve um crime.
Francis enfiou a chave no bolso. — Não estou sugerindo nada, Lomax.
Estou apenas colocando em prática as precauções usuais a serem tomadas
na circunstância de uma morte inesperada. Seu mestre estava no auge da
vida. As autoridades podem considerar que uma queda como a que ele
sofreu não deveria ter sido fatal.
Por vários segundos, o mordomo olhou desafiadoramente para Francis,
que o encarou com um de seus olhares insossos. Então, sem dizer uma
palavra, Lomax deu meia-volta e marchou pela galeria.
Ottilia observou-o descer correndo as escadas. Assim que o perderam de
vista, ela virou-se para o marido, incapaz de esconder a malícia de sua voz.
— Meu Deus, Fan, devo me considerar usurpada no papel de investigadora?
Uma sobrancelha se arqueou. — Estou apenas lhe abrindo o caminho,
meu amor. Pude ver que o desgraçado se recusaria a colaborar se não
tomássemos as rédeas desde o início.
— Nós?
Ele riu. — Um gostinho do seu próprio veneno, Tillie. Que seja uma
lição no futuro.
Ela engoliu em seco. — Considere-me completamente castigada.
— Sim, e os porcos têm asas — disse seu amado esposo. Ele estendeu a
mão para pegar a dela e levá-la aos lábios. — E agora, se me permite a
ousadia?
Ottilia olhou para a porta do quarto. — Adoraria fazer uma busca
preliminar.
— Sugiro que espere pela chegada do médico. Teremos dificuldade em
nos explicar se Lomax voltar e nos encontrar fuçando nas coisas de seu
mestre.
— Depois de sua recusa em permitir que alguém violasse o lugar? Sim,
imagino que sim.
— É melhor descermos. — Francis a observou minunciosamente
quando começaram a descer as escadas. — Está cansada? Ouso dizer que já
está de pé há muito tempo.
A impaciência invadiu Ottilia, que reprimiu uma má resposta. — Estou
perfeitamente bem, Fan.
— Sim, mas deveria sentar-se depois de toda essa agitação.
— Pelo amor de Deus, Fan, não sou feita de porcelana!
— Está grávida e sabe perfeitamente que se cansa facilmente.
Um tom monótono omitia as emoções e o marido insistiu em apoiá-la
ao descerem as escadas. Ottilia refreou a irritação com dificuldade,
aceitando forçosamente a ajuda dele. Para seu desgosto, viu-se um pouco
cansada quando chegaram novamente ao salão, e não se opôs a sentar-se
quando Francis a conduziu inexoravelmente a uma cadeira de vime ao lado
da mesa comprida.
— Se todos parassem de me lembrar que estou me esforçando demais,
tenho certeza de que nem perceberia qualquer fadiga — disse ofendida,
enquanto afundava-se no assento.
— Por todos, presumo que se refira a mim — disse Francis, soltando-a
quando se acomodou.
Ottilia leu em seu tom a paciência elaborada que o marido adotara
recentemente, como se falasse com uma criança rebelde que não deveria ser
desagradada. Ela explodiu:
— Se persistir em dirigir-se a mim dessa maneira detestável, Francis,
juro que vou gritar!
Não houve resposta, ele apenas a olhou de uma forma enigmática que
serviu para aumentar seu mau humor, como que para salientar seu ponto.
Por um momento sua frustração se intensificou, mas conseguiu se conter
para não explodir outra vez. E então a sensação cada vez mais familiar de
culpa a atacou e seu ânimo se abrandou. Ottilia suspirou alto.
— Fan, às vezes gostaria de não amá-lo tão profundamente. Isso
tornaria tudo mais fácil.
Um olhar pesaroso penetrou nos olhos de Francis e seus lábios se
curvaram de uma maneira que nunca deixava de amolecer o coração dela.
Sua habitual gentileza retornou. — Vai passar, minha querida. Não é para
sempre.
— Mais seis meses — gemeu ela, estendendo a mão e entrelaçando seus
dedos no dele, que seguraram os dela com força.
— Mamãe me disse que vai sair dessa depressão mais cedo que isso.
— Depressão? — Ottilia ergueu os olhos. — Deveria ter adivinhado que
iria até Sybilla buscar conforto.
— Conselhos, melhor dizendo.
Ottilia fez uma careta. — Tenho sido odiosa?
— Horrivelmente, mas tenho me preparado para suportar isso.
Ela foi obrigada a rir, mas um som vindo de cima chamou sua atenção
para o assunto em questão. Ela gesticulou. — Quem está descendo?
Francis deslocou-se para o pé da escada e olhou para cima. Em vez de
responder, levantou a voz para ser ouvido lá de cima. — Ah, Srta. Ingleby.
Como está sua protegida?
Ottilia notou que a moça não respondeu diretamente. Sentindo-se
imediatamente energizada com o frescor do interesse, levantou-se da
cadeira e aproximou-se o suficiente para poder ver a mulher.
— A Sra. Whiting está com ela. — Chegando ao pé da escada, dirigiu-
se à Francis. — Viu Sir Joslin ser entregue em segurança, senhor?
— De fato. Hemp e Cuffy não mediram esforços em seus cuidados.
A Srta. Ingleby assentiu, embora Ottilia tenha notado uma perturbação
em seus olhos. Ela soou vaga. — Ambos eram dedicados a Joslin. Não
consigo imaginar o que farão sem ele.
Ottilia aproximou-se dela e segurou-lhe uma das mãos, que pairava
inutilmente. — Minha cara Srta. Ingleby, não deveria cuidar de suas
próprias necessidades? Um gole de conhaque, talvez? Sofreu um choque tão
grave quanto o de sua protegida.
A companheira puxou a mão e seu lábio tremeu. — Vou sobreviver a
isso. Tamasine é outra história. Não consigo pensar no que faremos.
— A Sra. Whiting falou de uma tia — interrompeu Francis, fazendo
Ottilia aguçar os ouvidos.
— Sim, a Sra. Delabole. É a irmã do falecido Sr. Roy.
Ottilia fez sua presença ser sentida novamente. — Não há nenhum
parente do sexo masculino que possa se encarregar de Tamasine? Acho que
a menina mencionou Simeon.
A Srta. Ingleby estremeceu, como se a ideia a perturbasse. — Em
hipótese alguma!
— A tia então? — sugeriu Francis.
— Preciso escrever para ela — pronunciou em uma respiração forte.
Ottilia a observou com grande suspeita. Parecia haver muito ali para
ponderar. Tentou novamente. — Se Sir Joslin era o tutor dela, certamente
alguma provisão foi feita no caso de sua morte?
Os olhos da Srta. Ingleby flamejaram. — Ele não esperava morrer! Por
que deveria fazer uma provisão?
Porque, Ottilia poderia ter dito, o homem estava lidando com uma
criatura digna de um hospício.
Tal observação só poderia resultar em um efeito negativo, então tentou
em um tom reconfortante. — Minha pobre Srta. Ingleby, temo que se sinta
muito incomodada com essa situação infeliz. Imploro que nos permita
ajudá-los.
A moça a encarou com um olhar frio. — Por que deveriam nos ajudar?
Isso não lhes diz respeito!
Ottilia sentiu Francis se eriçar e o marido falou antes que pudesse
intervir, com seu tom afiado pela raiva. — Minha esposa está apenas
tentando ajudar, Srta. Ingleby. Faço todas as concessões por causa de seu
luto, mas sugiro que corrija sua atitude.
O olhar da dama de companhia se voltou para encontrar o dele e Ottilia
notou prontamente seu ressentimento. A voz da criatura baixou, mas sua ira
não diminuiu nem um pouco. — Estou feliz com a ajuda que nos deram,
senhor, mas posso me virar agora. Este assunto não precisa incomodá-los
ainda mais.
— Sim, Lomax me disse o mesmo, mas eu lhe digo assim como disse a
ele, que não tenho a intenção de sair daqui, nem de destrancar a porta de Sir
Joslin até que o médico o veja.
A Srta. Ingleby parecia perplexa, encarando Francis fixamente. Quando
finalmente falou, seu tom era carregado de emoção. — Trancou o quarto
dele? Com que autoridade?
— Nenhuma — disse Francis com franqueza. — Fiz isso por minha
própria determinação e por saber o que é necessário em ocasiões desse tipo.
Atrevo-me a dizer que as autoridades vão me agradecer.
— Certamente eu não irei! Isso não lhe compete!
— Não, é verdade, mas mantenho minha decisão. Se a morte de Sir
Joslin foi premeditada, pode muito bem ter motivos para se alegrar com
minhas ações.
A Srta. Ingleby ficou branca. — Não! Não, não diga isso. Ela não queria
empurrá-lo!
— Tamasine? — perguntou Ottilia subitamente. — Mas não estamos
falando disso.
Os olhos selvagens da mulher se voltaram para ela. — Do que estariam
falando então? O que diabos significa isso?
— Até agora, nada de relevante, Srta. Ingleby, mas é evidente que Sir
Joslin se sentia mal antes de Tamasine tê-lo empurrado.
— Mal? Quer dizer um de seus episódios?
— Que episódios? — perguntou Francis rapidamente, poupando Ottilia.
A Srta. Ingleby levou a mão à boca, apertando os dedos. — Uma
condição antiga. Ele sofria crises recorrentes de vez em quando.
Ottilia avivou-se. — Qual era essa condição?
— O peito dele. — A mão da mulher desceu e ela a uniu à outra,
sacudindo os dedos. — Acredito que tudo começou com uma febre. Os
médicos pensaram em pleurisia. A saúde dele nunca mais foi a mesma.
Ottilia sentiu o olhar de Francis e o encarou de volta.
— Isso pode explicar tudo — disse ele brevemente.
— Possivelmente. — Ottilia virou-se novamente para a dama de
companhia. — Como eram essas crises?
A Srta. Ingleby deu de ombros, afastando-se um pouco do corredor e
indo até a mesa. — Joslin não falava muito sobre elas. — Ela mexeu
distraidamente em um dos tocos de vela, apertando o pavio enegrecido
entre os dedos inquietos. — Eu observava que ele ficava com falta de ar e
então ficava de cama por alguns dias. Ninguém além de Cuffy tinha
permissão para vê-lo.
Ottilia pensou no suor e no homem colocando as mãos na cabeça antes
de cair. — Ele tinha febre recorrente? Ou dores de cabeça?
A moça não se virou, sua atenção aparentemente estava centrada no
toco de vela que havia retirado do suporte e agora começava a jogá-lo entre
as mãos.
— Não sei. Ele não me deixava chegar perto dele nessas horas. — Ela
lançou um olhar por cima do ombro. — É melhor dirigir essas perguntas a
Cuffy. — A dama deu uma risada levemente ácida e fez um adendo: — Não
que ele vá lhe contar.
Isso parecia muito provável, pelo que tinha notado a evidente
consideração de Cuffy pelo homem morto. Na experiência de Ottilia, uma
devoção como a dele inspirava um tipo teimoso de lealdade. No entanto,
decidiu garantir uma entrevista com o homem assim que a conveniência
permitisse. Estava prestes a perguntar mais sobre as origens da doença de
Sir Joslin quando a porta de baeta verde se abriu e um cavalheiro que
conhecia bem entrou no corredor, deu uma olhada rápida ao redor e parou.
Giles, Lorde Bennifield, herdeiro do Marquesado de Polbrook, era
jovem, com cabelos claros caindo soltos sobre os ombros e um rosto
impressionante. Seu nariz era reto, seu lábio lindamente curvado e os olhos
verdes tinham uma expressão assustada enquanto iam de Ottilia para seu
marido. O menino começou a falar:
— Meu bom Deus! Tio Francis, o senhor aqui?
As sobrancelhas de Francis se juntaram. — Poderia fazer a mesma
pergunta, Giles. Deve estar muito seguro de ser bem-vindo para entrar na
casa pelas dependências dos fundos.
O jovem corou com evidente desconforto enquanto avançava pelo
corredor. — Estava nos estábulos quando ouvi a notícia — disse a título de
desculpa. — Peguei o caminho mais rápido para encontrar…
Ele parou, sua cor se aprofundando ainda mais.
— A Srta. Roy? — perguntou Francis em um tom levemente irônico. —
Pensou em confortá-la, ouso dizer.
— Bem, sim — admitiu Giles, seu olhar passando rapidamente para as
outras duas ocupantes do salão. Ele executou uma pequena reverência na
direção de Ottilia. — Peço desculpas, tia. Como vai?
Arriscando a ira de seu esposo, Ottilia sorriu. — Por favor, não se
preocupe com formalidades em uma situação tão extrema como essa, Giles.
Ele virou-se para a Srta. Ingleby, mas ela o impediu, falando rápido e
baixo, sua contínua perturbação óbvia para Ottilia. — Não deveria estar
aqui, milorde. Não deve supor que a proibição de Sir Joslin tenha vacilado.
Seus desejos ainda são primordiais nesta casa.
Para seu crédito, Giles não vacilou e não havia ressentimento nem
hostilidade em seu tom. — Vim a pedido da Srta. Roy, senhora. Não fazia
ideia de que Sir Joslin havia sofrido um acidente.
— A pedido da Srta. Roy? — O tom de Francis era afiado e lançou um
olhar à Ottilia, que estava com as sobrancelhas levantadas. — Tamasine
mandou chamá-lo? Quando?
Giles evidentemente não havia perdido a troca de olhares, pois seu olhar
foi do tio para Ottilia e vice-versa. — No início desta manhã.
— A que horas exatamente? — A mente de Ottilia borbulhava com
conjecturas.
Antes que Giles pudesse responder, a Srta. Ingleby interveio com uma
vibração de ira em sua voz. — Quem foi até o senhor? Quem nesta casa
teve a audácia de levar tal mensagem?
Giles estava franzindo a testa agora. — Um dos lacaios. Hemp, certo? O
mais novo dos dois.
— Aquele sujeito! — Havia um tom depreciativo em suas palavras. —
Ah, sempre foi assim! A maldita garota o manipula como quer.
Ottilia pegou Francis olhando-a novamente e baixou a voz para um
murmúrio. — A hora, Fan.
Ele assentiu e virou-se imediatamente para seu sobrinho. — É
imperativo que se lembre da hora exata em que Hemp foi até o senhor,
Giles.
O menino deu de ombros. — Não sei exatamente. Eu ainda não tinha
tomado café da manhã.
— Isso é inútil, porque nós também não. — Francis fez uma carranca
terrível para seu parente. — Está me dizendo que esperou o café da manhã
depois de receber um pedido urgente para vir aqui?
— Pelo amor de Deus, tio Francis, ela não disse que era urgente!
Giles ergueu as mãos enquanto falava em um gesto abruptamente
semelhante ao que Francis costumava fazer e Ottilia observou-o. Não lhe
ocorrera antes que Lorde Bennifield se parecesse de alguma forma com os
homens do lado paterno, pois aos seus olhos, ele tinha uma semelhança
marcante com o retrato de sua mãe Emily. Como a pobre mulher fora
assassinada no mesmo dia em que Ottilia conheceu a família Polbrook, não
tinha outra imagem com a qual comparar.
Giles virou-se para a Srta. Ingleby. — Onde está Tamasine? Como ela
reagiu à notícia?
— O que acha? — irrompeu a mulher. — O guardião dela está morto,
senhor. Esperava que ela dançasse em seu túmulo?
— Srta. Ingleby, acalme-se. — Ottilia aproximou-se da mulher e
agarrou-lhe as mãos. — Está esgotada.
A dama começou a soluçar, afastando as mãos e jogando-as sobre o
rosto. Ottilia colocou um braço ao seu redor, murmurando suavemente e
olhou rapidamente para o corredor, procurando portas. — Existe algum
lugar onde possamos descansar?
Ela lançou a pergunta a Giles, que parecia ao mesmo tempo indignado e
chateado. Como alguém poderia culpá-lo? Ouviu Francis murmurar para o
menino:
— Conhece a casa? Para onde elas podem ir?
Sobressaltando-se um pouco, Giles assentiu e moveu-se rapidamente em
direção a uma porta perto da entrada da casa, abrindo-a. — Tem uma sala
aqui, tia Ottilia.
Ela agradeceu e fez força para empurrar a dama chorosa para a entrada.
Não encontrou oposição, mas assim que chegaram à porta, uma risada
flutuou em direção a eles e Tamasine Roy desceu correndo as escadas. Sua
voz expressava um prazer inequívoco sem nenhum vestígio de dor.
— Giles! O senhor veio! Sabia que viria. — Ela rodopiou pelo corredor
em direção ao jovem Lorde Bennifield com seu olhar azul brilhante
reluzindo. — Não é maravilhoso? Joslin está morto e agora podemos nos
casar!
Capítulo 4
 
 
 
 
 
 
 
Por um momento ninguém se moveu ou disse nada. Francis ficou
extremamente aliviado ao ver seu sobrinho parecendo tão chocado quanto
ele. Apesar da consciência do estado mental duvidoso da garota, a natureza
insensível de suas observações não poderia deixar de atingir uma mente
normal.
Olhando ao redor, Francis notou que Tillie estava com aquela leve
carranca que sabia que indicava um pensamento indignado. Antes que
pudesse arriscar um palpite sobre suas cogitações, um rugido emanou da
Srta. Ingleby, quebrando o silêncio. Libertando-se do aperto de Tillie, a
mulher avançou como uma fúria vingativa.
— Ingrata! É assim que retribui todo o cuidado dele? Tola, garota
imbecil!
Um tapa retumbante aterrissou na bochecha da jovem, que
instantaneamente soltou um guincho.
— Srta. Ingleby! — exclamou Giles com horror.
Mas a mulher não tinha ouvidos para nenhuma palavra de protesto ou
bom senso, e a cacofonia resultante deu a Francis a impressão de que era a
dama de companhia, e não a Srta. Tamasine Roy, que era mentalmente
deficiente.
— Andar de cima! Já para o andar de cima agora mesmo!
— Eu a odeio! Odeio!
Tamasine debatia-se loucamente enquanto sua dama a empurrava para
as escadas. — Odeie-me se quiser, mas fará o que eu digo.
— Não vou, não vou! Só espere até Simeon chegar! Ele vai me vingar!
Com isso, a fúria da Srta. Ingleby aumentou. — Como ele fez antes?
Simeon Roy só entrará nesta casa sobre meu cadáver!
— Sim, e vai se juntar a Joslin em seu caixão — gritou Tamasine,
claramente fora de si.
— Que alvoroço!
Francis olhou em volta. Sua esposa não se movera da porta para o salão,
de onde ficou observando a intensa troca de farpas. Não era comum ela não
intervir e Francis surpreendeu-se. O bate-boca estava ficando incoerente e,
quando olhou para trás, viu que a dama de companhia parecia estar levando
a melhor, tendo conseguido empurrar a garota para o pé da escada.
— Para cima! Mova-se. Agora! — De repente, a Srta. Ingleby levantou
a voz e gritou: — Sra. Whiting! Sra. Whiting!
— Não, não vou, não vou! — guinchou Tamasine, lutando
desesperadamente para evitar ser empurrada escada acima.
Giles ficou parado como um poste com a boca aberta, mas quando
Francis o viu recuperar-se o suficiente para se movimentar em direção às
duas mulheres, marchou rapidamente para agarrar o sobrinho pelo braço.
— Não faça isso, seu jovem tolo! Não se meta.
Giles voltou seus olhos angustiados para o tio e tentou se afastar. —
Mas a mulher a está machucando!
— Fique quieto! Não fará nenhum bem interferindo.
Outro burburinho atrás deles fez Francis virar a cabeça e avistar os dois
lacaios, junto com o mordomo Lomax, irrompendo pela porta. Ele tirou
Giles do caminho, permitindo que os homens passassem e encontrou Tillie
ao seu lado, com os olhos grudados na confusão.
— Observe as atitudes, Fan. Quem está com quem?
Ele notou que Hemp estava à frente de Cuffy, enquanto Lomax ficara
para trás. O timbre profundo do jovem era facilmente audível:
— Eu a levarei, madame. Srta. Tam!
A cabeça da garota virou e, para o espanto de Francis, ela soltou um
grito e se jogou em Hemp, atirando os braços em volta do pescoço dele. O
lacaio a ergueu do degrau e as pernas da garota entrelaçaram-se em seus
quadris.
A Srta. Ingleby, embora ainda bradasse, parou de subir as escadas e
levou um segundo ou dois para Francis perceber que Cuffy a segurava por
um pulso, impedindo seu progresso. Acima de todos, no alto da escada,
estava a figura anã da Sra. Whiting, que ordenou:
— Traga-a para cima, Hemp.
O lacaio subiu rapidamente as escadas, aparentemente nem um pouco
incomodado com seu fardo. Ele e a Sra. Whiting seguiram pela galeria e se
perderam de vista.
Os gritos roucos da Srta. Ingleby ficaram abafados e ela se apoiou na
balaustrada, a mão livre jogada sobre os olhos. Finalmente tomando alguma
atitude, Lomax foi até ela.
— É melhor descansar, Srta. Ingleby. Deixe os outros lidarem com a
Srta. Tamasine. Vou pedir para Cook fazer um chá e servi-la.
A moça estava chorando baixinho e se permitiu ser conduzida escada
acima, enquanto Lomax falava calmamente ao acompanhá-la. O lacaio
Cuffy permaneceu até que os dois chegassem à galeria. Então virou-se e
desceu as escadas. Francis avançou para abordá-lo.
— Estamos esperando o médico, Cuffy. Acha que podemos ficar na sala
de estar, onde minha esposa possa sentar-se um pouco?
O sujeito ergueu o olhar e Francis encontrou dois olhos escuros
sombreados pela tristeza. — O médico é para Mestre Jos? Por quê? Mestre
Jos se foi. É tarde demais para o médico.
O toque de desespero no tom do sujeito despertou a compaixão de
Francis. — Verdade, Cuffy, mas neste país, existem formalidades que
precisam ser cumpridas. O legista espera ouvir o médico antes de poder
decidir como proceder.
O olhar de Cuffy não vacilou e uma carranca surgiu em suas feições. —
Como o mestre morreu, senhor?
— Isso só o médico poderá nos dizer.
O lacaio continuou a observá-lo por um momento e Francis percebeu
que sua nuca se enrijeceu com o esforço de manter o olhar firme. Por fim,
Cuffy desviou o olhar e encontrou Tillie. Ele fez uma ligeira reverência e
apontou para a porta da sala.
— Pode sentar-se ali, madame. Gostaria de uma bebida?
O sorriso caloroso de Tillie apareceu e Cuffy visivelmente relaxou um
pouco. — É muito gentil. Café seria bem-vindo, se não for muito
incômodo.
— Sem problemas, madame.
O sujeito foi até a porta e a manteve aberta para que Tillie passasse.
Francis olhou para o sobrinho. — Venha, Giles.
O garoto hesitou. — Acha que devo ficar?
— Precisamos conversar.
Francis ignorou o brilho apreensivo que apareceu nos olhos de seu
sobrinho.

Assolado pela ansiedade, Giles observou seu tio fechar a porta da sala.
A última coisa que precisava era responder a perguntas complicadas. Não
tinha dúvidas de que haviam estranhado a explosão de Tamasine. Giles teria
desejado que ela tivesse a prudência de não falar do futuro na frente de
todos, mas sua inocência ávida era justamente uma grande parte de seu
charme. O evento terrível daquela manhã deve tê-la sobrecarregado muito e
Giles suspeitava que Tamasine não tinha assimilado completamente o fato
de que seu guardião havia morrido. O que mais poderia explicar aquele
lapso infeliz em sua fala?
No entanto, ficou ainda mais indignado com o tratamento áspero da
Srta. Ingleby para com a pobre garota. Giles estava a par da situação, pois
Tamasine havia lhe explicado o quanto muitos na casa costumavam cercá-la
com ordens e restrições. Deveria encontrar uma maneira de falar com ela
antes de sair da casa, embora primeiro fosse preciso se livrar de seus
parentes indesejados.
Seu tio Francis estava com o cenho franzido enquanto olhava ao redor
da sala. O que não era novidade para Giles, pois se lembrou de sua própria
reação à primeira vista do lugar. A casa tinha um ar exótico, embora a
mobília fosse escassa, sem a elegância que caracterizava a típica casa de
campo de um cavalheiro inglês. Havia um sofá e duas poltronas feitas de
algum tipo de junco trançado, com almofadas floridas de um tom brilhante
e mantas coloridas com franjas nas pontas. Uma mesa de vime havia sido
colocada de um lado e um tapete estampado decorava o chão em vez de um
carpete. A combinação era incongruente em contraste com o papel de
parede listrado e a lareira ornamentada com um espelho fixo acima.
Giles viu seu tio olhar para a esposa, que estava de pé perto do sofá,
inclinada de modo a aproveitar o calor do fogo enquanto seu olhar também
vagava pela sala.
— Bem, Tillie?
Seus olhos se encontraram e um pequeno sorriso tremeu nos lábios de
sua tia Ottilia. — Suspeito que o esforço seja para tornar a casa mais
parecida com um “lar”.
— Quer dizer parecido com o lar deles em Barbados?
— Exatamente. Atrevo-me a dizer que foi feito por causa de Tamasine.
— Para mantê-la em um estado de espírito calmo?
Giles não pôde deixar de interromper. — Calma? Como ela poderia
ficar calma em tais circunstâncias?
— Meu querido Giles — respondeu a tia —, não estou me referindo aos
acontecimentos de hoje.
Um lampejo de aborrecimento percorreu Giles e ele não confiava em si
mesmo para responder. Sabia que seu tio não aceitaria que se dirigisse à
Lady Francis com aspereza, mas seu silêncio deixou o tio irritado.
— Não se faça de bobo, Giles. Certamente deve enxergar o que é óbvio
para o resto de nós.
Giles reprimiu uma réplica afiada, usando a ignorância como defesa. —
Não estou conseguindo entendê-lo, tio Francis.
— Estou falando da condição de Tamasine.
Como se ele não soubesse! Por que o mundo e sua esposa têm a
pretensão de julgar a pobre garota apenas porque era diferente?
— Qual condição? Tamasine é uma garota encantadora. — Recordando
a cena recente, Giles corrigiu: — Pelo menos quando está em seu estado
normal.
Para sua consternação, sua tia Ottilia foi até ele e colocou a mão em seu
braço. Com dificuldade, Giles evitou afastá-la rudemente.
— Querido Giles, deve ser muito difícil para o senhor. Ela é uma
criatura linda, não é?
Com isso, o garoto não pôde deixar de emitir um suspiro, a imagem de
Tamasine sempre o deixava estonteado, como naquela primeira vez na
floresta. — Deslumbrante.
— E seu fardo foi grande hoje. — Ottilia voltou-se para o marido —
Vou deixa-lo explicar tudo ao seu sobrinho, meu querido.
Um pouco aliviado, pois lidaria melhor com o tio sozinho, Giles ficou
um pouco surpreso ao ouvir um tom de suspeita na voz de Francis:
— Onde está indo?
— Vou ver como está a situação agora que as coisas se acalmaram.
— Achei que iria descansar — protestou o tio. — E Cuffy está vindo
com seu café.
— Não vou demorar muito. — Ela colocou a mão no peito dele em um
gesto que pareceu a Giles peculiarmente íntimo. — Além disso, estou
convencida de que se sairá muito melhor com Giles sem mim.
Francis cobriu a mão da esposa com a dele. — Cuidado, meu amor. Não
quero que entre em conflito com a Srta. Ingleby. A mulher está com um
humor perigoso.
— Ela está de luto, Francis. Não percebeu isso?
A mente de Giles ficou em alerta e não ficou surpreso ao ouvir a
pergunta do tio, que confirmava suas próprias suspeitas:
— Quer dizer que ela estava intimamente ligada ao homem morto?
Os olhos de sua tia brilharam com travessura. — Muito bem, Fan. Um
pouco mais e me sentirei totalmente redundante.
Seu tio riu e soltou-a, movendo-se para abrir a porta para a esposa.
Enquanto passava, ela fez uma pausa para murmurar algo. Mesmo
esforçando-se, Giles não conseguiu ouvir o que foi dito. A convicção de
que a tia falava dele o colocou imediatamente na defensiva e mal esperou
Francis fechar a porta para explodir:
— O que foi aquilo? Tia Ottilia disse algo ao meu descrédito? — Sem
esperar por uma resposta, continuou, estimulado pelas emoções crescentes
que se agitavam em seu peito: — Não preciso perguntar por que são contra
meu interesse em Tamasine. Tenho certeza de que está pensando em
Phoebe, mas é ridículo dizer que estou prometido.
— Eu não disse isso — disse o tio inesperadamente enquanto voltava
para a sala. — De fato, devo ser a última pessoa a defender um casamento
arranjado após o desastre…
Giles congelou e a revolta e a dor familiar que o sobrecarregavam
tomaram conta dele. A paz de espírito que adquirira desde o fim trágico de
sua mãe foi abalada com o novo casamento do pai com aquela maldita
francesa, sobrecarregando-o com meios-irmãos indesejados e remetendo
sua mente aos acontecimentos do ano anterior com uma força
surpreendente. Foi preciso o advento de Tamasine para despertá-lo.
— Está falando de mamãe e meu pai, mas os tempos mudaram. E se
devo tomar o exemplo de meu pai como modelo, posso me considerar livre
para fazer o que diabos eu quiser.
Consciente da selvageria em seu tom, Giles virou-se rapidamente e foi
até a lareira, tamborilando os dedos inquietos sobre sua moldura. Não olhou
para o tio, atormentado pela desagradável lembrança de que sua própria
ausência no continente havia jogado todo o fardo do assunto sobre os
ombros de Francis.
A voz do tio veio calmamente, mas Giles, extremamente sensível a esse
respeito, notou a irritação reprimida. — Se é capaz de perceber a insensatez
da conduta de seu pai, Giles, faz ainda menos sentido seguir os passos dele.
Isso já era demais. Giles virou-se para ele. — Como estou fazendo isso?
Está sugerindo que usei Tamasine como meu pai usou Violette?
— Não estou sugerindo nada disso.
— Como se eu fosse capaz de uma coisa dessas — persistiu. — Ela é a
criatura mais inocente que já encontrei. Apenas um monstro se aproveitaria
dela.
Para sua consternação, o tio aproveitou a brecha para confrontá-lo. —
Esse é precisamente o ponto, Giles. A garota é inocente como uma criança,
pois sua mentalidade não está muito acima desse estado.
Giles o encarou, com todo o ressentimento esvaindo-se de seu peito,
deixando-o vazio. Ele foi confrontado com as suspeitas que mais de uma
vez o atormentaram, mas não duvidaria de Tamasine. Confiava nela, como
confiava em seu próprio julgamento.
— Deve ter notado algo estranho no comportamento dela, Giles. Não
digo que seja totalmente louca, mas não se pode negar que é anormal.
— Louca? Tem dado ouvidos a rumores, tio. Está sugerindo que Sir
Joslin trouxe uma lunática para o condado? Se fosse verdade, por que
Tamasine não está confinada?
— Pelo que sei, às vezes ela fica.
A agitação tomou conta de Giles e ele afastou-se, andando sem rumo
pela sala sem ver onde pisava. Imagens invadiam sua mente sem cessar e
tentou em vão afastá-las. Apenas semiconsciente de que falava em voz alta,
procurou cegamente as explicações que lhe haviam ocorrido anteriormente:
— Ela pode se distrair, sei disso. Sim, muitas vezes fala de uma maneira
que pode ser considerada como um non sequitur, mas o que isso significa?
Não é mais do que uma manifestação da liberdade de costumes que
prevalece naquela ilha. Tamasine não consegue evitar. Eles não criam
meninas para serem modelos de virtude como fazem aqui. Elas não são tão
rigorosamente educadas nas Índias Ocidentais, pois a Srta. Ingleby me disse
isso.
Giles assustou-se um pouco ao ouvir seu tio responder, não tendo
percebido totalmente a quem suas persuasões eram dirigidas:
— Sem dúvida, ela lhe disse isso em um esforço para explicar essas
deficiências das quais está plenamente ciente.
— Não são deficiências — retorquiu Giles, furioso com o tio pela
escolha da palavra. — Se ela demonstra uma liberdade que não estamos
acostumados a ver aqui, por que isso deveria repercutir no estado de sua
mente? Acho revigorante. — Para sua consternação, seu tio Francis parecia
menos irritado do que compassivo. — Por que está me olhando assim?
Como se estivesse com pena de mim!
Uma das sobrancelhas de Francis se ergueu em uma expressão que
Giles conhecia há muito tempo. — Tenho pena de qualquer jovem obcecado
o suficiente para desconsiderar o que está bem na sua frente.
— Obcecado? — Giles soltou uma risada curta. — Inútil, suponho,
dizer-lhe o quanto estou apaixonado por ela.
— Foi o que eu disse.
Giles suspirou. — Não foi, tio. Acha que estou encantado por um rosto
bonito.
Ele foi até a janela e olhou através dos amplos gramados para a sombra
da floresta adiante e disse novamente sem se virar. — É compreensível que
pense assim, suponho. Admito que fiquei deslumbrado com sua beleza no
começo. Pensei que era uma rapariga da vila.
Giles lembrou-se da aceitação estranha da garota quando a beijou. Ela
não tinha lutado, nem correspondido. Havia dito a ela, em tom de
brincadeira, para ficar parada, imaginando que fugiria. Tamasine fez
exatamente como havia sido instruída. Então a garota falou de seu tutor:
— Joslin ficará zangado quando souber que me beijou.
Giles reconheceu o nome imediatamente, pois estava presente quando
Sir Joslin fez uma visita de cortesia ao seu pai em Polbrook. Chocado ao
perceber que havia tomado a liberdade com uma garota de origem refinada,
desculpou-se profusamente, mas Tamasine riu.
— Não me importo. Espero que venha me visitar.
— Em Willow Court? Pode ter certeza de que eu vou. — Então ele
lembrou-se de seu estado solitário. — Mas não posso acompanhá-la de
volta até lá?
A risada tilintante de Tamasine soou novamente. — Eles não sabem que
estou fora. Escapei de Lavinia.
Com isso, a menina virou-se e desapareceu por entre as árvores antes
que Giles tivesse a chance de perguntar mais alguma coisa.
A voz do tio, falando com urgência, o trouxe de volta ao presente e o
peso dos eventos atuais se abateu sobre seu peito mais uma vez.
— Giles, quaisquer que sejam seus sentimentos pela garota, há muito
em jogo aqui para se entregar às emoções.
Virando-se, observou a seriedade das feições de Francis com alarme. —
O que está em jogo?
O tio desconsiderou a pergunta. — Diga-me, Giles, Hemp lhe entregou
uma mensagem escrita ou verbal?
Pego de surpresa, Giles respondeu sem pensar. — Verbal, acho que
Tamasine não teve tempo de escrever.
— O que exatamente Hemp lhe disse?
Um mau pressentimento percorreu o corpo de Giles. — Por que essa
pergunta?
— Cada detalhe é importante nessas circunstâncias.
A sensação intensificou-se. — Quais circunstâncias? Está se referindo a
morte de Sir Joslin?
Os olhos escuros do tio se estreitaram. — Estou falando de seu possível
assassinato.
O choque atravessou o peito de Giles. Horrorizado, só conseguia olhar
para Francis. Assassinato?
A palavra era como uma blasfêmia, depois do que sua família havia
passado não muito tempo atrás. Por que no mundo alguém iria querer matar
o homem? E por que, ocorreu-lhe tardiamente, os detalhes da mensagem de
Hemp eram tão importantes?
— Não entendo — conseguiu dizer por fim.
— Não precisa entender neste momento. Apenas responda à pergunta.
Com dificuldade, Giles tentou se concentrar no momento em que o
lacaio foi até ele com a mensagem de Tamasine. — Não tenho certeza se
me lembro com precisão. Acho que Hemp disse que a Srta. Tam queria que
eu viesse até aqui e que seu tutor não iria se importar.
— Mas sabia que ele se importava — respondeu bruscamente —, pois
Tamasine disse isso à Tillie.
Giles sentiu um entorpecimento invadir seu cérebro. — Tinha esperança
que Sr. Joslin tivesse mudado de ideia. Afinal, não sou um mau partido.
— Longe disso — concordou o tio —, mas essa não foi a razão para
rejeitá-lo.
Uma raiva repentina atingiu Giles. — Como pode saber disso? Ele lhe
disse isso?
— Não há necessidade de se exaltar, Giles. — Ele não respondeu,
lutando contra suas emoções. — Sir Joslin não queria que sua pupila se
envolvesse com ninguém antes de sua apresentação na sociedade.
O sentimento não era novo para Giles. — Sim, ele me disse o mesmo.
— Essa proibição, eu presumo, o levou a se encontrar com Tamasine
clandestinamente.
A nota sarcástica não passou despercebida. — Não precisa me censurar.
Tenho consciência de que foi errado.
— Mas não pôde evitar.
Giles fechou os lábios para evitar uma resposta violenta. Estava
perfeitamente ciente de que sua conduta era indigna, todavia se ressentiu do
tom. No entanto, preferia aceitar isso do que expor o comportamento de
Tamasine à inspeção. Giles sabia que ela agia por inocência, mas era óbvio
que seu tio não concordava com isso.
— Algo mais foi dito na mensagem?
— Mais nada.
— Tem certeza?
Ele corou de raiva. — Tenho certeza, tio Francis.
A irritação surgiu nos olhos do tio.— Espero que se abstenha de mostrar
esse comportamento a sua avó, Giles. Já tivemos faíscas suficientes na
Dower House.
Giles sabia bem disso. As objeções da avó ao novo casamento de seu
pai foram bem acaloradas, mas não hesitou nesse ponto. — Posso lidar com
a vovó.
— Invejo sua despreocupação — pronunciou o tio em um tom seco,
contudo Giles recusou-se a morder a isca. — Enviou alguma mensagem de
volta com Hemp?
— Disse apenas que iria esperar Tamasine. — Sem pensar, acrescentou:
— E que queria ouvir mais sobre o acerto de contas.
Tarde demais, o sobrinho viu a suspeita saltar no rosto de Francis. —
Que acerto de contas?
O que diabos o tinha possuído para mencionar isso? Giles podia sentir o
calor subindo por seu rosto e esperava que suas bochechas não estivessem
vermelhas. Tamasine havia lhe contado em confidência e, à luz dos
acontecimentos atuais, não era sábio mencionar isso. Para sua decepção,
percebeu que havia se entregado.
— Não pretendia esconder isso, não é? Giles, isso é sério.
As palavras do tio voltaram-se para Giles. — Certamente não acha que
isso tem a ver com Sir Joslin ter sido assassinado, acha?
— Não está fora de cogitação, Giles. Pelo amor de Deus, se souber de
algo que possa esclarecer a situação, deve falar.
Contorcendo-se, Giles não pôde evitar o protesto. — Tamasine me
contou em segredo. Não posso traí-la.
O tio foi até ele e agarrou-lhe o braço. — Este não é o momento para
lealdade equivocada, meu querido menino. Aprecio seus sentimentos, mas
lhe prometo, vai ser mais prejudicial esconder o segredo.
Dividido, Giles encarou-o. — E se for totalmente prejudicial?
O olhar escuro de Francis quase o perfurou. — Esse foi o caso de
Random, Giles, mas Ottilia descobriu a verdade. Pode confiar nela. — Seu
tio o soltou e deu um passo para trás. — Vamos, o que é este acerto de
contas?
Com um suspiro, Giles rendeu-se. — Tamasine disse em tom de
brincadeira. Ela não quis dizer nada com isso, tenho certeza.
— Muito bem, mas o que ela lhe disse?
Novamente inquieto, Giles foi até o fogo e recomeçou a batucar na
moldura da lareira, sem muita consciência do que fazia. — Tamasine me
contou que Sir Joslin não permitia que seu primo Simeon viesse vê-la.
Parece que eram amigos de infância, mas houve uma briga. Este sujeito,
Simeon, foi mandado para a Inglaterra.
— E o acerto de contas?
Giles virou-se para olhá-lo e não conseguiu reprimir um sorriso
pesaroso. — Tamasine disse que juraram vingança juntos. Eram
praticamente crianças. Só um louco levaria o assunto a sério. — Não havia
sinal de diversão no rosto do tio e Giles ouviu o eco de sua própria voz com
uma súbita onda de choque. Ele disse sem pesar suas palavras: — A
considera louca, não considera? Acha que Tamasine é capaz de colocar esse
plano em ação, mas isso é ridículo, tio. Mesmo eu, quando ela pediu minha
ajuda com isso, não pude fazer nada além de rir.
Longe de rir, Francis o estava encarando com evidente horror. — Que
ajuda? O que a garota lhe pediu?
As palavras de Tamasine ressoaram todas ao mesmo tempo em sua
cabeça, agora parecendo mais sinistras do que inocentes e ele hesitou. O tio
deve ter visto sua relutância.
— Giles, vamos logo com isso!
Ele tentou fingir uma indiferença que estava longe de sentir. — Ah, não
foi nada. Uma ideia tola que não deve ser levada a sério.
— Deixe-me julgar isso, obrigado.
Giles soltou o fôlego e cedeu. — Bem, se quer tanto saber, ela me
perguntou se eu poderia ajudá-la a tirar seu guardião do caminho para que
esse primo, Simeon, pudesse vir para cá. Não faça essa cara! Ela não quis
dizer que desejava que eu a ajudasse a matá-lo!
— No entanto, o empurrou escada abaixo.
— Ridículo! Não vou acreditar nisso.
— É o que a garota mesma disse. No entanto, isso é irrelevante. Como
respondeu a ela?
— O que acha? Fiz uma brincadeira com o assunto, perguntando se eu
deveria chamar Sir Joslin e atirar nele ali mesmo.
— Está falando sério?
Giles soltou uma risada triste. — Bem, eu disse isso, se é o que quer
saber, mas é claro que nunca pretendi que minha fala fosse levada a sério.
Francis fechou os olhos por um momento. — Dê-me forças! E quando,
se me atrevo a perguntar, essa conversa aconteceu?
Antes que Giles pudesse responder, um sino soou pela casa. Seu tio
ficou atento, virando a cabeça em direção ao som.
— Se isso é a campainha da porta da frente, ouso dizer que Sutherland
chegou. — Ele atravessou a sala rapidamente e virou-se para trás,
apontando o dedo para Giles. — Fique onde está! Ainda não terminamos.
Ele abriu a porta e desapareceu no corredor. Giles o seguiu, parando na
porta enquanto se perguntava se deveria fugir. Nenhum criado havia
aparecido pela porta dos fundos ainda e Francis estava dirigindo-se à
entrada. Giles esgueirou-se silenciosamente para o fundo do salão e parou
ao ouvir seu tio soltar uma exclamação de surpresa. Podia apenas ver
alguém parado na porta. Seu tio agarrou a mão do sujeito e o puxou para
dentro da casa.
— Em boa hora, Patrick. É exatamente o homem que precisamos!
O homem a quem se dirigia, que tinha uma notável semelhança com a
esposa de seu tio, apertou sua mão com entusiasmo. — Suponho que não
preciso perguntar se minha irmã está no local. No dia em que Ottilia se
abster de meter o nariz em tais assuntos, comerei meu chapéu.
Sem esperar mais, Giles moveu-se silenciosamente até a porta de baeta
verde e deixou o corredor.

Por mais tentada que estivesse a correr para a galeria, Ottilia sabia que
era melhor manter um ritmo que sugeria uma razão para estar vagando
pelos corredores da casa de estranhos. Além disso, tinha sua desculpa
pronta. Desde o início da gravidez, as necessidades da bexiga tornaram-se
mais frequentes e urgentes.
Tudo estava estranhamente quieto depois do tumulto anterior e ela se
perguntou para onde todos tinham ido. Seguindo na direção em que vira a
Sra. Whiting e Hemp desaparecerem, Ottilia tentou escutar qualquer som
que sugerisse que os quartos pelos quais passava estavam ocupados.
Chegando ao final do corredor, hesitou. Deveria virar e seguir em direção
aos fundos da casa? Provavelmente havia acomodado Tamasine em um
local longe dos cômodos principais.
Enquanto hesitava, olhando ao longo da passagem, o som de passos a
alertou. Num impulso, Ottilia recuou para o corredor de onde viera e abriu a
porta mais próxima, entrando em um quarto. Era um quarto de dormir
vazio, obviamente desocupado. As venezianas estavam fechadas, as
cortinas da cama bem amarradas e formas escuras indicando lençóis
holandeses colocados sobre os móveis para impedir a entrada de poeira.
Mantendo a porta entreaberta, Ottilia espiou pela fresta e viu uma figura
atarracada passar na direção da galeria. A governanta? Ela carregava uma
bandeja, mas Ottilia não conseguiu ver o que havia nela.
Esperando apenas até que os passos alcançassem a escada de madeira,
saiu de seu esconderijo, fechou suavemente a porta do quarto e partiu pelo
corredor que percorria a lateral da casa. Um som de murmúrio logo a
recompensou, ficando mais forte à medida que se aproximava. Ottilia o
seguiu até sua fonte e parou diante da porta de um quarto situado nos
fundos da casa. Ficou ouvindo por um momento e conseguiu distinguir as
palavras.
— … indo longe demais e vou odiá-lo por isso… não, não vai, ouviu?
Nós somos príncipe e princesa, senhor, nossa palavra é lei… Venha para as
canas, Simeon, venha, ninguém vai nos encontrar aqui… Um, dois, cinco,
oito, três… não adianta se esconder, porque vou pegá-lo…
Uma onda de compaixão calorosa, somada a um frisson de medo,
invadiu o peito de Ottilia. Era impossível confundir aquela voz. Tampouco
o teor desse discurso rudimentar poderia fazer outra coisa a não ser
confirmar a deficiência mental sob a qual Tamasine Roy agia. Pobre
criança, ser afligida dessa maneira! A garota havia nascido assim ou a
condição tinha sido causada por algum acidente ou doença?
Ocorreu a Ottilia que a mulher que viu passar pelo corredor estivera ali
há poucos instantes e não parecia consternada, o que sugeria que a atitude
de Tamasine era uma ocorrência comum. A porta estava trancada?
Sorrateiramente, Ottilia tentou girar a maçaneta. A maçaneta girou, mas a
porta não se moveu e então ela a soltou, tentando não fazer barulho.
O murmúrio cessou. A curiosidade a venceu e Ottilia colocou o olho na
fresta da porta, tentando ver o interior do quarto. Um feixe de luz não lhe
permitia uma visão adequada, mas pensou ver uma sombra. Encostou o
ouvido na madeira e não conseguiu ouvir nada.
Havia uma chave na fechadura e Ottilia refletiu sobre a sensatez de girá-
la e entrar no quarto. O bom senso prevaleceu. Estava claro que Tamasine
havia se despedido de seus sentidos, mesmo que temporariamente. Seria
tolice da parte de Ottilia entrar quando tinha pouco conhecimento do que
esperar. No entanto, não resistiu à ideia de remover a chave e espiar pelo
buraco da fechadura. Retirando-a, aproximou-se e tentou ver pelo buraco. A
princípio havia luz do outro lado. Então de repente escureceu e um olho se
tornou visível.
Ottilia recuou. Tamasine tinha tomado a mesma decisão. Os murmúrios
recomeçaram:
— Entre, minha querida, entre, e lhe darei gotas de açúcar… não está
me ouvindo?
Ela esperou um momento e então mais uma vez colocou o olho no
buraco da fechadura. O outro olho ainda estava lá e instantaneamente a voz
recomeçou:
— Aí está! Se abrir a porta, posso ir até a senhora.
Ottilia hesitou, afastando-se da porta e sentindo-se ridiculamente
apreensiva. Meramente por que a criatura parecia normal? Era seguro abrir
a porta?
Percebendo a batida irregular em seus pulsos, Ottilia se amaldiçoou por
ser uma tola. O que estava fazendo, interferindo daquela maneira? Francis
iria censurá-la se soubesse de suas atitudes. No entanto, não conseguia ir
embora dali.
— Tamasine? — arriscou, lançando uma voz baixa, mas alta o
suficiente para ser ouvida através da madeira.
— Lady Fan!
A voz era um guincho agudo e Ottilia permaneceu cautelosa. O
reconhecimento não significava necessariamente lucidez.
— Lady Fan! — chamou novamente, em um tom animado. — A
senhora tem a chave?
Ottilia foi obrigada a lembrar a si mesma que a criatura estava tudo
menos lúcida há alguns minutos, mas achou prudente responder:
— Estou colocando-a de volta na fechadura.
Ela o fez, sentindo-se absurdamente como uma traidora.
— Abra a porta, por favor.
— Não posso, Tamasine, sinto muito.
A porta balançou e a maçaneta moveu-se para frente e para trás a
medida que a garota a chacoalhava. — Por favor, deixe-me sair, Lady Fan.
Estou melhor agora, prometo.
Ottilia permaneceu calada com o olhar fixo na maçaneta, desejando não
ceder ao impulso de libertar a jovem.
— Lady Fan, Lady Fan, Lady Fan. Não vai abrir para mim? — As
palavras tinham o mesmo tom brilhante de alegria que a jovem tinha usado
antes de todo o transtorno da morte de seu tutor.
Talvez Giles não fosse tão culpado, afinal. Com as súplicas urgentes de
Tamasine chegando tão graciosamente aos seus ouvidos, era realmente
difícil se lembrar dos murmúrios peculiares que ouvira há poucos
momentos.
Passos apressados no corredor resolveram a questão. Ottilia procurou
julgar de qual direção estavam vindo, pretendendo escapar pelo outro lado,
mas era tarde demais. Uma mulher dobrou o corredor por onde Ottilia havia
passado e, ao avistá-la, parou.
Ottilia suspirou e aproximou-se dela, tentando fingir uma indiferença
que estava longe de ser real. — Está se sentindo um pouco melhor, Srta.
Ingleby?
Os pés da dama de companhia começaram a se mover novamente, mas
suas feições se contraíram. — Suponho que não preciso perguntar o que
está fazendo nesta parte da casa, Lady Francis. Se está determinada a
interferir, talvez gostaria de tomar o meu lugar? Garanto que um único dia a
faria implorar por libertação.
Ottilia abandonou imediatamente a desculpa que tinha inventado e
optou pela verdade. — Vim ver como as coisas estavam uma vez que tudo
se acalmou.
— De fato? Bem, se tiver algum bom senso, ficará longe desta porta
quando eu for abri-la.
A natureza perigosa desse procedimento não poderia deixar de intrigar
Ottilia e ela falou sem pensar. — Isso é prudente? Sei pouco sobre a
condição de Tamasine, é claro, mas ouvi o suficiente para perceber que ela
está com um humor incerto.
A Srta. Ingleby deu-lhe um olhar flamejante.
— Permita-me conhecer melhor meu próprio trabalho, senhora.
— Tenho certeza que sim. Posso perguntar o que pretende?
— A senhora pode perguntar, mas não vejo razão para lhe responder.
Ottilia irritou-se. — Srta. Ingleby, se pensa em me afastar agindo assim,
deixe-me assegurar-lhe que sou mais resistente do que supõe.
Por um momento, a pose desafiadora da mulher se manteve e então ela
cedeu, suspirando derrotada. — Faça como quiser. Pelo menos teve juízo
suficiente para não abrir a porta sozinha.
— Fiquei muito tentada — confessou Ottilia, sentindo que seria melhor
usar a franqueza com essa mulher.
A Srta. Ingleby bateu à porta. — Ela pode ser persuasiva.
Não houve resposta à sua batida e Ottilia observou com interesse
enquanto a mulher fazia exatamente o que havia feito, retirando a chave e
colocando um olho no buraco. De pé novamente, ela baixou o tom:
— Ela deve ter me ouvido. Atrevo-me a dizer que já está deitada na
cama, fingindo estar dormindo.
— Imagino que toda essa agitação seja a pior coisa possível para ela —
comentou Ottilia, supondo que a mulher tivesse reconhecido que haviam
passado da fase do fingimento.
— Oh, ela prospera com isso. — O tom da Srta. Ingleby era
decididamente espontâneo. — Se não houver nada para despertar suas
paixões, a garota inventará alguma coisa.
— Fala como se ela fosse racional.
A Srta. Ingleby estava girando a chave na fechadura, mas parou ao
ouvir isso, olhando em volta e encontrando o olhar de Ottilia, com uma
expressão firme. — Não se engane. Ela é perfeitamente racional - à sua
maneira.
Confusa e espantada, Ottilia a observou retirar a chave e guardá-la no
bolso. Então girou a maçaneta e abriu a porta, deslizando rapidamente para
dentro. Ottilia estendeu a mão, determinada a impedir que a porta se
fechasse e fez o mesmo.
— Fique calada, por favor. E mantenha-se afastada.
Ottilia fez o que lhe foi ordenado, apoiando os ombros na porta e
permanecendo ali. Seus olhos foram diretamente para o dossel, onde
Tamasine estava de fato deitada com os olhos fechados. Havia um curativo
em uma de suas mãos e Ottilia lembrou-se de seus ferimentos ao colocar a
mão através do vidro. Pelo menos alguém havia encontrado tempo para
completar a tarefa que Ottilia começara, ainda que tardiamente. Não se
surpreenderia, dadas as circunstâncias, que aquilo tivesse sido esquecido.
Havia pouco além da cama no quarto, exceto uma única cômoda e um
lavatório. Não havia espelhos, o que deveria significar que Tamasine
dependia de outra pessoa para ajudá-la no toalete. Srta. Ingleby? Ou havia
uma criada disposta a encarar os humores incertos da garota.
Incomodada com a última observação da dama de companhia, Ottilia se
perguntou brevemente se a mulher ainda procurava convencê-la de que
Tamasine tinha pleno domínio de seus sentidos. Certamente não, com tudo
o que haviam passado? Mas então, o que ela quis dizer ao insistir que
Tamasine tinha um grau de racionalidade?
Observou a Srta. Ingleby aproximar-se da cama, o que fez com certa
cautela. Ela parecia certa sobre a dissimulação da garota.
— Tamasine, já tomou seu remédio?
Que remédio? Ottilia olhou rapidamente ao redor, mas não havia nada
que apoiasse a ideia de que algum tipo de medicamento estava guardado no
quarto. Então notou uma mesa de cabeceira e se perguntou se poderia estar
ali dentro.
A garota abriu um olho. Um pequeno sorriso lhe escapou e ela sentou-se
em um estrondo. — Achou que eu estava dormindo?
— Não — retrucou a outra que repetiu: — Já tomou o remédio? A Sra.
Whiting deu-lhe uma dose?
Tamasine espreguiçou-se lentamente. — Não vê que estou melhor?
— Devo tomar isso como minha resposta, suponho. Desejo que
permaneça aqui por enquanto, pois há muito trabalho sobre mim com a
morte de seu guardião.
— Que trabalho? Seu trabalho é cuidar de mim.
— É verdade, mas não sou seu guardião e há muito a ser resolvido.
— Não preciso de um guardião. — O tom era petulante. — Sou maior
de idade.
A Srta. Ingleby preferiu não responder e a mente de Ottilia perambulou
pelas últimas conversas, espantada com a habilidade que a garota havia
demonstrado para dialogar com outra pessoa. Ela não havia agido assim
quando se conheceram naquela manhã. Talvez a afirmação da Srta. Ingleby
sobre a racionalidade da garota tivesse algum fundamento.
— Alguém deve cuidar de seus assuntos — disse a Srta. Ingleby —,
pois não tenho tal autoridade. Vou escrever para sua tia Ruth.
Tamasine assentiu, balançando as pernas para fora da cama. — Ah, sim,
e Simeon deve ser chamado.
Os lábios da Srta. Ingleby se contraíram, mas ela não discutiu e Ottilia
supôs que havia recuperado o controle necessário para poder escolher suas
respostas. Ficou claro que sua política em circunstâncias normais era evitar
qualquer confronto. Uma precaução sábia, arruinada por seu choque
anterior.
A dama de companhia afastou-se da cama, olhando para a garota. —
Descanse, Tamasine. Virei buscá-la em uma hora.
Ottilia notou uma mudança no olhar azul dirigido à mulher. Tamasine
estava com um olhar levemente calculista. — Vai me trancar?
— Sim — respondeu sem hesitação —, não posso arriscar que fuja de
novo hoje.
A expressão da garota não se alterou, mas ela forçou um leve sorriso. —
Hemp pode vir brincar comigo?
Houve uma breve pausa. Ottilia não conseguia ver o rosto da Srta.
Ingleby, mas havia suspeita em sua voz. — O que quer jogar?
— Fox and Geese, se Hemp trouxer o tabuleiro.
— Se prometer não tentar convencê-lo a libertá-la antes que eu volte,
então o enviarei até aqui.
Ottilia ouviu isso com interesse e espanto. Por um lado, Tamasine era
capaz de jogar um jogo que exigia estratégia inteligente? Por outro lado,
eles tinham o hábito de permitir que a jovem ficasse sozinha na companhia
de um criado? E uma garota com a indiscutível falta de discernimento de
Tamasine? Não temiam que o sujeito pudesse se aproveitar dela? Não
conhecia Hemp, mas não podia duvidar que o homem nutria uma
consideração extraordinária por Tamasine.
As qualidades da menina deveriam protegê-la, mas a fé ingênua de
Ottilia na discrição dos criados e senhoras tinha sido severamente abalada
quando investigou a morte da cunhada de Francis.
A Srta. Ingleby dirigiu-se à porta e Ottilia afastou-se. Ela flagrou o
olhar de Tamasine, recebendo um daqueles sorrisos ofuscantes.
— Adeus, Lady Fan — cantou a garota.
— Au revoir. — Ottilia foi para o corredor, onde esperou a dama trancar
a porta, baixando o tom: — Qual medicamento usam?
— Láudano.
— Sabe que é viciante?
Para sua surpresa, um leve suspiro emanou da mulher, que levou as
costas da mão à boca, repetindo o gesto que usara mais cedo. Era habitual
ao denotar exaltação? Ela falou por trás da mão em um tom áspero:
— Sim, eu sei. — A Sta. Ingleby fez um gesto para o corredor. —
Imploro que volte para baixo, Lady Francis. Se insiste em ficar, peço para
que não volte aqui. Devo buscar Hemp e depois tenho cartas para escrever.
Conduzida sem cerimônia, Ottilia teve que refazer seus passos pelo
corredor até a entrada da casa. Ao entrar no corredor principal que levava à
galeria, percebeu que a Srta. Ingleby não estava mais atrás dela. Parando,
olhou de volta ao longo do corredor, mas não havia sinal da mulher. Ottilia
concluiu que ela havia tomado outro caminho, talvez um reservado para os
criados.
Ottilia continuou seu caminho com uma infinidade de perguntas
correndo em sua mente. A morte prematura de Sir Joslin Cadel
aparentemente revelara uma série de paixões ocultas.

Nunca tendo visto o cunhado em ação, Francis observava com um


interesse atenuado pela ansiedade instigada pelo que Giles lhe contara.
Estava perdendo o café da manhã e nem mesmo o espectro do
envolvimento de seu sobrinho neste caso teve o poder de distrair
completamente sua mente das agruras da fome. Suas esperanças se
concentravam em Patrick Hathaway descobrindo que a morte tinha sido, se
não natural, pelo menos desconectada de qualquer intenção sinistra.
O Dr. Hathaway ficou parado por um tempo ao pé da cama, olhando
para o comprimento do corpo imóvel do homem. Tillie estava afastada,
dando-lhe espaço e percebeu o olhar de Francis.
— Patrick nunca toca até que tenha observado cada detalhe — disse ela,
com uma nota de orgulho.
Hathaway não ergueu os olhos de seu trabalho. — Os membros estão
mesmo fora do lugar.
— Sim, estava muito disforme.
Tillie descreveu a posição em que Sir Joslin fora encontrado ao pé dos
degraus do jardim, enquanto Patrick ouvia com atenção.
Francis havia gostado de seu cunhado desde o início, encontrando nele
um eco do bom senso que caracterizava a irmã. Os dois eram muito
parecidos, Patrick possuía o mesmo olhar cinza claro e maçãs do rosto bem
definidas. Como Tillie, era magro, embora consideravelmente mais alto,
com ombros largos e um aperto de mão forte. Era muito bem-humorado e,
como Francis pensava, carregava o fardo de ter uma esposa rabugenta com
uma coragem alegre.
A chegada dele até essa casa atormentada fora fortuita, como ele havia
explicado a Francis enquanto esperavam por Tillie na sala, tomando o café
levado por Cuffy alguns minutos depois da chegada de Patrick.
— Nós estávamos a menos de dezesseis quilômetros de distância ontem
à noite, Fan, tendo parado quando a neve começou a cair. Quando percebi
que estava claro esta manhã, mandei ajeitar os cavalos para que pudéssemos
chegar antes que outra nevasca tornasse as estradas intransitáveis.
Francis aplaudiu essa decisão de todo o coração, lamentando apenas a
circunstância que impedia que ele e Tillie estivessem na Dower House para
recebê-los, mas Patrick deixou isso de lado.
— Dificilmente poderia ter feito isso, mas não importa, sua mãe nos deu
todos os detalhes e, como parece que esse Sutherland não pôde ser
encontrado, ela pediu que eu viesse aqui imediatamente.
O que Francis agradeceu de coração, principalmente depois de sua
conversa com Giles, que havia aproveitado a oportunidade para escapar,
para o grande desgosto de Francis. A perspectiva horrível de seu sobrinho
cair sob suspeita de assassinato o havia lançado de volta aos dias sombrios
da morte de sua cunhada. Ele iria passar por tudo isso de novo? O bom
senso lhe dizia que nada poderia ser mais improvável, mas não conseguia
afastar a apreensão. Se a conversa relatada a ele chegasse aos ouvidos de
um legista, poderia tomar rumos incertos.
Quando Tillie chegou à sala, Francis teve que esperar a saudação
efusiva dos irmãos antes de mencionar o assunto à esposa. Ele lhe serviu
café e estava consciente de que adiava o inevitável, aproveitando a
oportunidade para informar seu cunhado dos acontecimentos do dia que
antecederam sua chegada, mas Tillie, com sua astúcia habitual, havia
percebido sua inquietação.
— O que aconteceu, Fan? Parece perturbado.
Ele tentou dar de ombros. — Não é nada, meu amor, não se preocupe.
O olhar claro de Tillie pousou sobre ele. — Falou com Giles?
Patrick parecia interessado. — Giles é o jovem que vi no corredor?
— O miserável escapou enquanto eu atendia a porta. Depois que lhe
pedi especificamente para esperar, note bem.
— O que o garoto disse para incomodá-lo tanto, Fan?
Francis voltou-se para a esposa. — Tamasine falou com ele de um
acerto de contas relativo ao seu guardião.
As sobrancelhas de Tillie se ergueram. — É mesmo? Que interessante.
— Interessante! Aquele palerma foi tolo o suficiente para fazer piada
com o desejo da menina de se livrar de seu tutor a fim de admitir esse tal
primo na casa.
— Simeon?
— Sim, mas esse sujeito é menos importante do que meu sobrinho, que
teve que se colocar diretamente na linha de fogo enquanto estamos
procurando suspeitos.
— Bom Deus! — exclamou o cunhado. — Certamente não imaginam
que houve um crime?
— Até sabermos mais, é sempre uma possibilidade. — Mas para alívio
de Francis, Tillie deu-lhe um sorriso compreensivo. — No entanto, não
creio que precisemos perder tempo com a possibilidade de que Giles
conspirou com Tamasine para livrá-la de seu guardião.
— Isso é o que tenho tentado dizer a mim mesmo, mas Tamasine pediu
a ele para ajudá-la a tirar o sujeito do caminho.
— Oh, céus. Uma questão delicada, concordo. — Tillie colocou a xícara
de lado. — Nesse caso, quanto mais cedo descobrirmos como Sir Joslin
morreu, melhor.
Francis dirigiu-se à porta, gesticulando para o cunhado acompanhá-los.
— Contamos contigo para isso, Patrick.
Mas a visão do cadáver de Sir Joslin reavivou tanto sua ansiedade que
ele mal pôde conter sua impaciência.
Quando Tillie terminou seu relato sobre como encontrou o corpo, a
atenção de Patrick estava mais uma vez no cadáver e ele procedeu de
maneira metódica, primeiro verificando os membros. — Esta perna está
gravemente quebrada. Ele teria ficado permanentemente aleijado se
estivesse vivo.
— Ele estava doente — disse Tillie. — Pelo menos, a Srta. Ingleby me
falou de um problema no peito, segundo ela, causado por pleurisia.
— Isso virá à tona com a autópsia. — Patrick baixou a mão que estava
verificando. — Este pulso também está quebrado.
— Imaginamos que sim — interveio Francis. — Era a única coisa que o
mantinha naquela posição.
Hathaway colocou a mão no rosto do homem e, como Tillie antes dele,
enfiou-a dentro de seu casaco. Então olhou para Tillie. — Ele estava úmido
assim?
— Sim, mas ainda estava quente. Tinha acabado de morrer quando o
encontramos.
Patrick não respondeu, mas levantou as pálpebras do morto uma de cada
vez. Fez uma pausa, com uma leve carranca vincando sua testa e então
levantou as pálpebras novamente.
Francis sentiu o impulso de exigir saber o que o cunhado tinha visto,
mas se conteve, observando com certa perplexidade e repulsa quando
Hathaway inclinou-se sobre a boca do homem, abriu-a forçosamente e
cheirou-a. Ele enrugou o nariz e deu um leve aceno de cabeça.
— O que foi, Patrick? — exigiu Tillie.
— Esperava sentir um certo aroma, mas é improvável que apareça tão
rapidamente.
Ocorreu a Francis que faltavam os habituais odores pungentes da morte.
— Isso é estranho. — Ele saiu de seu posto na porta onde estava vigiando.
— O cadáver não cheira a nada.
Subitamente, Tillie deu-lhe um olhar assustado. — Céus, Fan, tem toda
razão! Sabia que havia algo, mas não conseguia dizer o quê.
Isso provocou em Francis um prazer obscuro, mas ele estava ansioso
demais para ouvir o que isso significava para fazer algum comentário
provocativo. Ele dirigiu um olhar interrogativo ao cunhado. — Isso
significa alguma coisa?
— Certamente. É uma informação importante, somada a transpiração e
as pupilas contraídas. — Ele olhou para Tillie. — Disse que achava que ele
estava em um estado de torpor?
— Sim, e parecia tão pacífico naquela posição desconfortável quanto
agora.
A Srta. Ingleby disse que Sir Joslin parecia adormecido e ela não soube
me dizer quando foi que ele parou de respirar.
— Sim. — O tom de Patrick era meditativo e ele continuou observando
o corpo, evidentemente imerso em pensamentos.
Impaciente por mais informações, Francis olhou para Tillie e encontrou
o olhar dela fixo no irmão. De maneira incomum, ela se absteve de fazer
perguntas e Francis lembrou-se de que Hathaway havia sido o mentor dela.
Tudo o que a esposa sabia sobre assuntos médicos tinha aprendido com ele.
Francis ficou ao mesmo tempo tocado e animado, apesar de sua
inquietação, ao descobrir em sua esposa decidida uma tendência a ceder ao
julgamento de alguém que claramente considerava superior, pelo menos no
campo médico.
Patrick finalmente ergueu os olhos. — Ouso dizer que estava pensando
em apoplexia?
— Sim, mas posso ver que talvez não seja o caso — disse Tillie, agora
ansiosa. — Certamente as pupilas deveriam estar dilatadas? Mas Sir Joslin
levou as mãos à cabeça e fez sons indicativos de dor antes de cair. Achei
que poderia denotar uma inflamação cerebral. Essa contusão na têmpora
deve ser da queda, por isso a desconsiderei como causa anterior. Tenho
tentado descobrir se era propenso a dores de cabeça, mas sem sucesso.
— Pode não ter sido dor, mas vertigem — sugeriu Patrick. — Ele
convulsionou?
— Não que eu saiba, mas confesso que não pensei em perguntar.
— Nós podemos verificar isso, mas suspeito que não. Seu semblante
não está inchado, o que eu esperaria com apoplexia. E, se minha direção de
pensamento estiver certa, teria havido um aumento da transpiração,
acompanhada de uma suspensão da excreção de urina e fezes, o que
explicaria a falta de tais odores.
A urgência impulsionou Francis. — E então, Patrick?
— Apenas uma autópsia nos dirá, mas estou inclinado a suspeitar de
uma overdose.
— Overdose?
— De quê? De alguma droga? — perguntou Tillie, com um olhar atento
em suas feições.
— Sim, um narcótico. Muito provavelmente ópio.
 
Capítulo 5
 
 
 
 
 
 
 
A sugestão do irmão tirou de Ottilia todo o seu poder de fala enquanto
as implicações disso saltavam em sua mente. À distância, ela ouviu Francis
perguntar:
— Está dizendo que ele era um viciado em ópio?
— Não necessariamente — disse Patrick. — Ottilia falou de um
problema no peito. Ele poderia apenas ter o hábito de tomá-lo para alguma
dor.
— Láudano. — Ottilia olhou para o esposo. — A Srta. Ingleby medica
Tamasine com isso.
— Pelo amor de Deus! Que tipo de casa é essa? São todos loucos? —
perguntou Patrick.
— Não, apenas Tamasine é perturbada. — Ottilia apressou-se. — Feche
a porta, Fan. Não queremos ser observados.
Ele hesitou, com uma carranca se formando em seu rosto. — Por que
não podemos ser observados?
— Porque devemos caçar o láudano.
O irmão bufou. — Oh, francamente, Ottilia, não está sugerindo
seriamente que alguém acabou com o sujeito, está?
— Ela vê assassinato onde quer que vá — retrucou Francis —, mas
agora que sabemos que o sujeito pode ter sido um viciado, certamente
podemos descartar essa teoria.
Ottilia viu o alívio em seu rosto e não pôde conter um sorriso pesaroso.
— Sei que esse é exatamente o resultado que deseja, meu querido, mas
temo que esteja sendo otimista demais.
— Como assim? — exigiu seu esposo com um tom áspero na voz.
— Porque não há nada que nos diga que uma overdose de ópio não
poderia ter sido administrada por outra pessoa — disse Ottilia
obstinadamente. — Na verdade, é a explicação mais provável, pois é
presumível que quem tem o hábito de consumir saiba exatamente a
quantidade segura. Em especial os adictos.
Com isso, seu irmão entrou na conversa. — Não posso concordar com
isso. É muito mais provável que tenha sido um acidente. Conheço vários
casos em que a dose segura foi excedida, resultando em morte ou quase
fatalidade.
— Casos de viciados em ópio? — perguntou Francis ansiosamente.
Patrick parecia desconcertado. — Não, me pegou nessa. Ainda assim,
afirmo que o excesso de indulgência em um viciado não seria
surpreendente. O julgamento deles fica prejudicado.
— No entanto, é bom ter certeza. — Ottilia olhou novamente para o
marido.
— Por favor, feche a porta, Fan.
Ele o fez, o descontentamento evidente em suas feições enquanto
cruzava o quarto em direção à cômoda. — Suponho que devo admitir que,
se Sir Joslin tinha o hábito de tomar láudano, certamente teria um frasco à
mão.
Ele começou a examinar o topo da cômoda que estava abarrotada de
garrafas e potes e Ottilia dirigiu-se ao armário.
— Mesmo se encontrarmos um frasco de láudano, o que isso provaria?
— perguntou Patrick, movendo-se para se juntar a Francis, que vasculhava
rapidamente as garrafas, os vidros batendo uns nos outros com sua pressa.
Ottilia notou que o irmão não fazia nada para ajudá-lo, apenas observava
seus movimentos com um ar de ceticismo. Ela mal havia segurado o
puxador da pequena gaveta do armário quando Francis soltou uma
exclamação.
— Aqui está!
Ela virou-se e o encontrou segurando um pequeno frasco marrom.
Patrick o pegou e foi até a janela, segurando-o contra a luz. Ottilia juntou-se
ao irmão.
— Ainda resta muita coisa?
— Está quase três quartos vazio. Não que isso nos diga outra coisa além
de que o sujeito era propenso a bebê-lo.
Ottilia entregou-o ao marido. — Coloque no seu bolso, Francis.
Ele estendeu a mão para pegá-lo, mas não obedeceu imediatamente. —
Quer que eu o apreenda?
Ela arregalou os olhos. — Claro.
Suas sobrancelhas se juntaram. — O que acha que isso vai lhe dizer?
Não há como saber o quanto foi consumido.
— É uma precaução, Fan. Não queremos que ninguém remova o frasco.
— Exceto que já o fez — disse Patrick secamente.
Ela ignorou o irmão. — Além disso, não é possível saber se o frasco foi
adulterado. Patrick pode achar a dosagem bem acima do que deveria estar
lá.
— Ah, então vou fazer um teste?
Ottilia olhou para ele. — Por que não deveria?
— Nenhuma razão além de uma total descrença nessa ideia ridícula que
colocou em sua cabeça.
— De minha parte — disse Francis, enfaticamente —, estou pronto para
aprovar qualquer número de testes, mesmo que apenas para provar que não
houve um assassinato.
— Sim, mas temo que tenha havido — insistiu Ottilia. — A própria
Tamasine disse que havia matado seu guardião.
— Dificilmente é possível acreditar em qualquer coisa que essa garota
infeliz diz, quando já sugeriu que ela é perturbada.
— E é exatamente por isso que pode ter falado a verdade.
Patrick cobriu os olhos. — Ela está obstinada, Fan. Não descansará até
que esteja satisfeita com os fatos.
— E eu não sei disso? — disse o marido, tirando proveito instantâneo e,
na opinião de Ottilia, injusto com esse apoio. — Quem nos dera que aquela
garota miserável não tivesse posto os pés na Dower House.
Ottilia descartou isso imediatamente. — Mesmo que não tivesse, nosso
envolvimento seria inevitável.
— Quer dizer por causa de Giles. Maldito seja aquele menino! Por que
ele tem que se jogar em cima de todas as mulheres que conhece?
— Não deveria incomodar sua mente com isso, Fan. Toda a ideia de
assassinato se mostra vazia. — Patrick olhou para a irmã. — Acho que está
fazendo uma tempestade em copo d’água, Ottilia, e por muito pouco.
— Não conheceu os moradores desta casa. Acho que é compreensível
que eu tenha suspeitas.
— Como assim?
Francis evidentemente não estava disposto a ir por esse caminho, mas
ela não poderia deixar de lado. — Não observou a quantidade de segredos e
paixões nesta casa? Atrevo-me a dizer que cada pessoa neste lugar tem algo
a esconder.
— Mas isso não necessariamente leva a um assassinato — interveio
Patrick.
— Exatamente — disse Francis. — Deve admitir, Tillie, não há nada
que sustente tal suposição. Não há nenhuma razão real para interferir ainda
mais em suas vidas.
— Diz isso apenas por causa de Giles — objetou Ottilia. Ela foi até o
esposo, colocando uma mão em seu peito. — Não acha que sua apreensão
será mais bem servida ao prosseguir com o assunto, mesmo que seja apenas
para ter certeza de que não há motivo para alarme?
— Não há nenhuma evidência real de qualquer delito.
— Até agora.
Francis a olhou de um jeito frustrado. — Se quer saber o que penso, é
que está tão desesperada por distração que vai se agarrar a qualquer detalhe.
Isso Ottilia não poderia negar. Ela abriu o sorriso que reservava só para
ele. — Admito isso abertamente, mas levará o frasco? Mime sua esposa,
querido Fan.
Antes que ele pudesse responder, o irmão de Ottilia, irritado,
intrometeu-se outra vez:
— É melhor ceder de uma vez, Fan. Se acha que pode parar Ottilia em
pleno voo, deve estar fraco da cabeça. — Ele soltou uma risada curta. —
Ou então é um marido mais bem-sucedido do que eu na gestão de sua
esposa.
— Isso é vergonhoso, Patrick. Que tipo de esposa me considera? Sou
perfeitamente dócil no que diz respeito ao meu marido.
Francis bufou, incrédulo. — Se eu não a conhecesse melhor, minha
querida, deveria estar implorando para Patrick examiná-la.
Mas ele enfiou o frasco no bolso e Ottilia sorriu agradecida.
— Tranque a porta de novo, Fan, certo? — disse ela no momento em
que todos estavam fora do quarto. — Não queremos que ninguém toque no
corpo até que Patrick e o Dr. Sutherland possam conduzir a autópsia.
Patrick soltou uma gargalhada. — O que eu lhe disse? Ela é
incorrigível!

Não foi fácil persuadir Cuffy a guiar Giles pelo andar de cima até o
quarto de Tamasine. Ele havia sido obrigado a recorrer ao suborno pois suas
demonstrações da necessidade urgente de falar com a namorada, como
evidenciado pela mensagem de Hemp naquela manhã, falharam em sua
intenção.
— Sei disso, senhor, mas agora o mestre está morto — objetou o
homem. — A Srta. Tam está descansando. Não é um bom momento.
Giles hesitou. — Ela foi deixada sozinha? Em tal momento?
— Não, senhor. O Hemp está com a Srta. Tam agora.
O choque o dominou. — No quarto dela?
Cuffy apenas o encarou, suas feições impassíveis. Giles reprimiu a
vontade de dar um soco na mandíbula do sujeito, mas sua determinação de
ver Tamasine havia redobrado. O pensamento da menina inocente em
companhia do lacaio corpulento e sem nenhum vestígio de uma
acompanhante, fez seu sangue ferver. Eles não se importavam com a
reputação dela? Desistiu da discussão e enfiou a mão no bolso.
Para sua satisfação cínica, Cuffy olhou para a moeda de ouro com o
velho olhar de avareza que Giles reconhecia nos menos afortunados. Ele
levantou as sobrancelhas para o homem. — Não vou demorar muito.
Uma breve hesitação e então Cuffy assentiu, estendendo a mão. Giles
jogou a moeda. Sem dizer uma palavra, o sujeito partiu, conduzindo-o por
uma escada dos fundos e por uma série de corredores, parando finalmente
diante de uma porta na qual bateu.
Giles esperou, desanimado por sentir menos do que uma expectativa
alegre em seu peito. A visão de Tamasine sendo levada pelas escadas
revisitou sua mente e quando passos soaram dentro do cômodo, lembrou-se,
com descontentamento, de que Hemp estava lá e de como a garota havia
saltado para o abraço do lacaio.
Ele ouviu a chave girar na fechadura. Cuffy murmurou algo em um
dialeto estranho, que Giles mal pôde compreender e o olhar sombrio de
Hemp encontrou o dele quando o sujeito abriu a porta.
— Deseja ver a Srta. Tam, senhor?
— Tenho toda intenção de ver a Srta. Tamasine — corrigiu Giles,
impondo-se.
O homem o encarou de uma maneira tão irritante quanto desrespeitosa e
Giles sentiu seu punho coçar novamente. Por muito pouco não derrubou o
sujeito. Exceto que, mesmo em sua ira, Giles estava ciente de que
provavelmente levaria a pior se o homem revidasse.
Tamasine gritou com alívio de dentro do quarto. — É o senhor, Giles?
Por favor, entre imediatamente. Hemp, deixe-o entrar!
Hemp trocou um olhar com o colega, que se afastou para permitir o
acesso de Giles. — Entre, senhor. Irei esperar aqui.
Hemp abriu a porta e Giles entrou no quarto. Seus olhos caíram
imediatamente sobre Tamasine e ele prendeu a respiração. Ela estava
sentada na beira de uma cama de dossel e o calor subiu pelas suas
bochechas ao vê-la em um ambiente tão íntimo. Seu sorriso era
deslumbrante e a garota acenou para que ele se aproximasse, apontando
para uma mesinha na qual um tabuleiro quadrado estava colocado com
pequenas figuras em várias posições dispostas sobre ele.
— Veja, Giles. Estamos jogando A Raposa e os Gansos. — Ela ergueu
uma ficha do jogo.
Um pouco perplexo, ele aproximou-se, observando o tabuleiro com seu
padrão de pontas furadas e a infinidade de gansos enfiados em buracos ao
redor da infeliz raposa. Seria isso um estratagema para distrair a mente dela
de sua dor? Ou, ocorreu-lhe um pensamento traiçoeiro, ela estava realmente
intocada pela morte de seu guardião? A discussão com o tio voltou à sua
mente, perturbando-o em um nível mais profundo que não se importou em
examinar.
Ele afastou os pensamentos e abriu um meio sorriso quando apertou
calorosamente a mão que Tamasine estendeu para ele. — Fiquei
preocupado com a maneira que sua dama de companhia a tratou. A
senhorita está bem?
A resposta dela foi brilhante. — Lavinia está escrevendo cartas, então
Hemp veio brincar comigo. Gostaria de assistir?
Ele ficou desconcertado. — Certamente. Quero dizer, não. Tamasine…
— Olhou rapidamente para a porta e ficou contrariado ao ver Hemp parado
diante dela. Ele baixou a voz, inclinando-se: — Gostaria que falássemos em
particular, Tamasine.
Ela lhe entregou seu sorriso brilhante e deu um tapinha na colcha ao
lado dela.
— Sente-se comigo, Giles.
Ele estava relutante em fazer qualquer coisa que pudesse ser
interpretada erroneamente, mas a tentação provou ser mais forte do que sua
resistência e sentou-se ao lado dela. Seus olhos desviaram-se para o lacaio
ainda de pé na porta, mas então Tamasine apontou um dedo imperioso.
— Para o canto, Hemp.
Por um momento Giles pensou que o sujeito fosse objetar, seu olhar
passando de um para o outro. Então Hemp cruzou para um canto na outra
extremidade e virou as costas para o quarto. Giles voltou seu olhar para
Tamasine e estava prestes a falar quando ela colocou um dedo nos lábios,
ordenando seu silêncio.
Perplexo, Giles assentiu. Tamasine levantou-se, saiu de trás da mesinha
e foi na ponta dos pés até a porta. Agarrando a maçaneta, girou-a. A porta
não abriu.
Um gemido de frustração escapou de Tamasine e a maçaneta da porta
foi sacudida com alguma violência. Giles deu um salto e foi até ela, mas
antes que pudesse alcançá-la, a garota voou pelo quarto e começou a bater
nas costas do lacaio, gritando.
— Roubou a chave! Roubou a chave!
Atordoado, Giles não conseguiu se mexer. Observou o homem levantar-
se e receber os golpes, sem se virar nem vacilar, mas apenas inclinando a
cabeça um pouco. Rosnados enfurecidos saíram dos lábios de Tamasine e
Giles não pôde suportar.
— Tamasine, pare! Tamasine, por favor, não faça isso!
Ele estava se movendo rapidamente agora, mal consciente do que estava
fazendo. Alcançando-a, tentou segurá-la, mas a garota o evitou, escapando
sob seu braço e correndo para a cama, onde derrubou a mesinha com um
chute furioso, fazendo voar tanto o tabuleiro quanto as peças. Então jogou-
se na cama e explodiu em soluços de cortar o coração.
Giles olhou para Hemp, que não havia saído do lugar. A angústia o
inundou. — Não pode ajudá-la?
Hemp olhou brevemente por cima do ombro. — Não, senhor. É melhor
deixá-la.
— Em tal aflição? — A insensibilidade disso atingiu Giles no coração e
foi rapidamente até a cama estender a mão para a menina aflita, mal
sabendo o que dizer.
— Tamasine, não chore, por favor. Sei que passou por muita coisa, meu
pobre amor.
Para seu desconforto e espanto, Tamasine tombou e se atirou nele,
jogando os braços ao redor de seu pescoço e chorando súplicas abafadas em
seu peito enquanto o garoto a segurava automaticamente contra ele.
— Leve-me daqui, Giles! Case-se comigo e leve-me embora! Estão
todos contra mim. Eles me odeiam, Giles, me odeiam! São cruéis e
perversos e nunca serei livre se não me levar embora.
Horrorizado, Giles apertou-a em seus braços, forçosamente afundando-
se na cama e permitindo que Tamasine se aconchegasse inteiramente em
seu abraço de uma forma tão indecorosa quanto angustiante. A parte dele
que gritava por bom senso dizia que iria se arrepender disso, mas as
sensações inebriantes que o cercavam no momento presente, que pareciam
prometer-lhe o desejo de seu coração, eram esmagadoras.
— Não chore, minha amada, não chore! Farei qualquer coisa que
desejar, querida, eu prometo.
Tamasine subitamente aquietou-se e então afastou-se um pouco. Seu
lindo rosto molhado de lágrimas o fitou, aflito e desesperado. — Podemos
nos casar? Serei sua, Giles?
Por um segundo, sem fôlego, ele hesitou, mas Tamasine ergueu o rosto,
seus lábios em um convite mudo. Foi demais.
Giles a beijou, totalmente indiferente à presença do lacaio no canto do
quarto. Afogando-se na magia de sua inocência e beleza, ele gemeu. Os
lábios de Tamasine deixaram os dele e ele abriu os olhos. Seu sorriso era
radiante, toda a miséria de outrora havia desaparecido.
— Estamos noivos, Giles!
Uma vozinha no fundo de sua mente gritou em violenta desaprovação,
mas Giles optou por não ouvi-la. Sua honra, tanto quanto seu coração,
estava em jogo quando proferiu as palavras:
— Sim, minha querida Tamasine, estamos noivos.
Ela saltou de seu abraço e começou a fazer piruetas pelo quarto,
jogando as mãos no ar e girando de uma forma que fez Giles sentir-se um
pouco tonto. Sua cabeça girava com uma infinidade de problemas,
deixando-o atordoado. Por um lado, era desaprovado naquela casa. Por
outro, seu pai iria surtar.
Recordando a conversa que teve com o tio mais cedo, a infelicidade de
ficar noivo nessas circunstâncias o atingiu abruptamente. A urgência o
venceu e ele levantou-se, movendo-se para pegar Tamasine no meio do giro
e agarrar suas mãos.
— Tamasine, me ouça!
Ela deu a ele seu sorriso brilhante enquanto seus olhos azuis de
porcelana estavam triunfantes. — Vou ouvi-lo para sempre, Giles.
— Mas neste momento, é importante me ouvir com atenção. — Ele não
queria examinar muito a fundo o porquê havia enfatizado a parte da
atenção, mas sua apreensão só crescia. — Devemos manter isso em
segredo, Tamasine. Pelo menos por enquanto.
Para sua surpresa, a garota parecia encantada. — Um segredo! E eles
nunca irão saber.
— Sim, bem, no devido tempo podemos revelar a eles, mas por
enquanto, com a morte de seu guardião em questão, devemos ser
cautelosos.
Ela cantou triunfante. — Eles nunca irão adivinhar!
Giles estava consciente de sua impaciência. Tamasine o havia sequer
compreendido? Assimilado as dificuldades? De repente, lembrou-se da
presença do lacaio. Lançou um olhar ao homem e descobriu que Hemp
havia se virado em seu lugar no canto e os observava com uma expressão
que Giles não conseguia ler. Ele virou-se para sua recém-noiva.
— Tamasine!
Ela arregalou olhos. — Por que está sussurrando?
— A senhorita deve insistir para que Hemp não conte a ninguém.
Tamasine pareceu não entender. — Hemp?
— Sim! Ele deve ter ouvido tudo. Pode convencê-lo a não contar a
ninguém?
Ela soltou o tilintar da risada que ele tanto amava.
— Hemp nunca vai me trair. Hemp é meu melhor amigo. Não é? — Ela
deixou Giles e correu até o lacaio, estendendo as mãos. — Não vai contar a
eles, vai? Sob pena de morte instantânea.
O tom era alegre e leve, mas as palavras atingiram a mente de Giles
como gelo na pele. Giles sacudiu a sensação de sua mente. Ela não quis
dizer isso. Essa era a noção de piada de Tamasine. Talvez de mau gosto em
tal momento, mas ela era inocente demais para se incomodar com coisas
desse tipo.
— Não falarei nada sobre isso, Srta. Tam — Hemp respondeu com seu
tom de voz grave.
Giles respirou com alívio, mas o lacaio segurou a mão de Tamasine e,
como se estivesse conduzindo uma criança, levou-a até Giles.
— É melhor despedir-se agora, senhor. A Srta. Tam precisa descansar.
Para surpresa de Giles, Tamasine não fez nenhuma objeção e, em vez
disso, caiu na gargalhada e ergueu a mão para acenar para ele. — Adeus,
Giles. Venha me ver novamente em breve.
Com isso, ela flutuou sonhadoramente até a cama e deitou-se, fechando
os olhos com um suspiro. Giles encontrou Hemp o esperando na porta,
destrancando-a.
— Vá agora, senhor.
Embora o tom do sujeito fosse educado, Giles não gostou de como isso
soou como uma ordem. Atordoado, Giles se viu obedecendo. Na porta,
olhou para trás. Tamasine poderia muito bem estar dormindo, tão desligada
da situação que estava.
A porta se fechou atrás dele e ouviu a chave girar na fechadura. Cuffy
estava esperando. — Está pronto, senhor? Devemos ir.
Não parecia haver muito mais o que pudesse fazer. Giles assentiu e
seguiu o homem pelo corredor, sua mente tomada por tantas ideias
conflitantes que mal sabia o que pensar. Tudo tinha acontecido tão rápido
que seu cérebro estava borbulhando com conjecturas.
Mas um pensamento destacou-se no turbilhão de sua mente enquanto
descia as escadas. Estava noivo de Tamasine Roy e não havia nada que
pudesse fazer para mudar isso. Não que assim desejasse. No entanto, um
pensamento arrependido serpenteou em sua mente. Como um homem de
honra, estava comprometido. Não poderia recuar.

Ottilia sentiu-se culposamente aliviada por Patrick precisar da ajuda do


marido para procurar o médico local. Ambos os homens, acompanhados por
seus jovens sobrinhos ansiosos, deveriam partir na carruagem de Lorde
Polbrook, emprestada durante a estadia dos Fanshawe. Sophie Hathaway,
sempre doente, optou por retirar-se para o quarto para se deitar, assistida
por Teresa Mellis com uma infinidade de remédios à disposição, deixando
Ottilia com a bem-vinda perspectiva de ficar sozinha por um tempo.
Um café da manhã tardio e barulhento, com a presença de toda a
família, foi animado com a história dos acontecimentos em Willow Court,
embora Francis tivera o bom senso de evitar mencionar o envolvimento de
Giles. Uma ou duas vezes, seu tom áspero atraiu um olhar carrancudo de
Lady Polbrook, mas ela não fez nenhum comentário. Quando a conversa se
voltou para a condição de Ottilia, sua paciência rapidamente esvaiu-se.
Entre as histórias desanimadoras de sua cunhada sobre suas próprias
gestações e as terríveis advertências de Patrick, a distração proporcionada
pelos eventos em Willow Court deu lugar a uma forte irritação.
Ela conseguiu conter o aborrecimento enquanto Francis a guiava para a
sala em direção a uma poltrona confortável perto do fogo, mas a insistência
para que usasse um banquinho de apoio para os pés quase resultou em uma
briga.
— Não sou uma inválida, Fan.
— Não, mas Patrick diz que é essencial colocar os pés para cima
diariamente para evitar que os tornozelos inchem.
Ottilia praguejou, relegando o irmão a um lugar muito quente, um
comentário que Francis ignorou propositalmente, em vez disso foi buscar
uma almofada no sofá para colocar nas costas dela.
— Estou perfeitamente confortável sem isso.
Francis inclinou-se para dar um beijo na testa da esposa. — Satisfaça-
me, minha querida. — Com um olhar provocante, deu um tapinha no bolso.
— Olho por olho, Tillie. Não preciso lembrá-la do frasco de láudano de Sir
Joslin.
Efetivamente silenciada, Ottilia suportou a irritação até seu marido
finalmente sair do cômodo. Deixada sozinha, removeu a almofada e atirou-
a para o outro lado da sala, momento em que sua sogra entrou no recinto.
— Um remédio eficaz para o mau humor, minha querida Ottilia — disse
Sybilla, pegando a almofada e sentando-se no sofá.
Ottilia praguejou interiormente. Não contava com a aparição da viúva,
mas pelo menos agora não precisaria se importar em frear sua língua. —
Estou casada com um tirano.
Sybilla riu, inclinando-se para aquecer as mãos no fogo. — Todos os
homens são iguais com o primeiro bebê. Espere até que esteja no seu
terceiro ou quarto. Ele não irá mover um dedo.
— Deixe-me passar pelo primeiro, por favor.
Um sorriso compreensivo foi lançado em sua direção. — Acho que
Francis foi incitado por seu irmão.
— O miserável pôs tanto medo nele.
— A respeito de quê?
Ottilia soltou um suspiro. — Ah, que o primeiro filho pode ser perigoso
para uma mulher da minha idade.
Sybilla levantou as sobrancelhas. — Sem querer irritá-la, Ottilia, mas
isso geralmente é considerado uma verdade.
— Eu sei, mas isso não torna tudo mais fácil de suportar. Acho as
restrições uma maldição. Não fazer isso ou aquilo. Devo cuidar da minha
saúde. E o pior é que Fan está perfeitamente correto. Canso-me facilmente.
— Não vai durar muito. Aposto que daqui a um mês tudo vai melhorar.
— Muito provável. — Ottilia estava muito familiarizada com o padrão
da situação por causa de suas experiências auxiliando nas cirurgias do
irmão. — Mas isso não me ajuda agora, especialmente quando preciso de
toda a minha força com essa situação extremamente complicada da morte
de Sir Joslin.
Os olhos de Sybilla brilharam. — Agora sim chegamos a isso. E não
pense que deixei de notar o humor incerto de meu filho. Posso perguntar o
que o está irritando? Tudo o que ele me disse é que teme que se envolva
nisso como um cachorro com um osso, e não consigo imaginar por que isso
deveria incomodá-lo, já que essa é sua prática invariável.
A irritação de Ottilia diminuiu, afastada pelo dilema de como deveria
responder. Por menos que desejasse introduzir o assunto, não via nenhuma
vantagem real na dissimulação. Sua sogra era muito astuta para ser mantida
por muito tempo na ignorância sobre o potencial perigo que seu neto corria.
— Então? — disse a viúva em um tom mais afiado. — Não precisa
fingir, Ottilia, pois conheço esse olhar. O que há de errado?
Ela rendeu-se. — Lamento aborrecê-la com isso, Sybilla, mas
encontramos Giles em Willow Court.
As feições da viúva se contraíram e seus olhos negros se arregalaram.
— É mesmo? Então meu neto está atrás dessa moça?
Ottilia mergulhou no assunto. — É pior do que isso. Tamasine enviou
um recado a ele bem cedo esta manhã, solicitando que fosse até lá.
— Antes de Sir Joslin morrer? Mas a garota estava aqui esta manhã,
invadindo minha casa!
— Não acho que os movimentos de Tamasine tenham muito a ver com
o caso. O ponto é…
— Estou perfeitamente ciente do ponto, obrigada — retrucou Sybilla,
interrompendo sem desculpas. — Quer que eu acredite, ouso dizer, que
Giles estava tramando com a garota para que ela se livrasse de seu tutor.
Tolices!
— Não sugeri nada. Além disso, não devo nem por um momento
acreditar que seu neto seja capaz de tal ato, mas…
— Não vou tolerar nenhum “mas”!
Levantando-se do sofá, a viúva moveu-se inquieta até a porta, olhando
para o vidro transparente recém-instalado pelo faz-tudo Grig, que havia
encontrado tempo para sair de Polbrook. Virando-se, fixou em Ottilia um
olhar vibrante de ira.
— Acha que posso suportar passar por tudo isso de novo? Sabe melhor
do que ninguém o que sofri por pensar que Randal…
Ela parou com a respiração trêmula e Ottilia, por compaixão,
permaneceu em silêncio, sem vontade de jogar brasas em uma chama que
sabia ser perigosa demais. O olhar raivoso deixou seu rosto, percorrendo a
sala como se não lhe fosse familiar. Depois de um minuto ou dois, Sybilla
voltou a si e sentou-se novamente no sofá. Olhou para Ottilia com olhos tão
sombrios quanto antes violentos.
— Por que eu deveria supor que o filho é mais sensato que o pai?
Ottilia esboçou um sorriso. — Sim, mas acho que Giles é mais
ponderado. Embora, como Fan pensa, esteja obcecado pela garota e não se
pode esperar dissuadi-lo disso. Muito menos fazê-lo reconhecer o que está
faltando nela.
Sybilla assentiu, mas voltou ao cerne da questão. — Existe algo em sua
conduta que o torna suspeito?
— Em sua conduta não. É a afirmação pública dela de que eles podem
estar noivos que o condena, se é que isso é verdade.
Uma bufada escapou da viúva e ela ergueu os olhos. — Como se
qualquer pessoa de bom senso acreditasse em uma palavra que aquela
jovem pronuncia.
— Ela não é uma testemunha confiável, isso é fato, mas temo que haja
um pouco mais do que isso.
Sem rodeios, colocou a sogra a par do que Francis lhe contara sobre sua
conversa com o sobrinho. Sybilla não falou por um momento, mas seus
olhos negros denunciaram seus pensamentos.
— Aquele tolo desmiolado — disse finalmente, com um suspiro que
expressava seu desespero interior.
— Realmente, mas não há necessidade de se entristecer. Ainda não
estamos no ponto de determinar nada além da causa da morte. Se foi uma
overdose de ópio, como sugere Patrick, ainda há a questão de como foi
administrada.
— Sem mencionar quem administrou. Suponho que não preciso
perguntar se mantém sua teoria?
— Ainda não tenho uma, mas se quer perguntar se continuo
desconfiada, devo dizer que sim.
— Mas por que, Ottilia?
— Porque Willow Court é um viveiro de paixões, Sybilla. Duvido que
qualquer um dos internos, exceto os serviçais, possa ser eliminado como um
possível assassino, incluindo Tamasine.
— Mas apesar de seu pedido abominável a Giles, será que a garota é
capaz de planejar acabar com seu guardião?
— Sim — disse Ottilia sem rodeios. — É bom discutir seu estado
mental, mas há um traço estranho de racionalidade aparente. Acho que ela é
eminentemente capaz de se livrar do homem que se tornou um obstáculo
para seus planos futuros.
A viúva hesitou. — O que, se casar com Giles?
— Estava pensando mais nesse tal Simeon. Afinal, é o único envolvido
em seu esquema de vingança. Embora duvido fortemente que Tamasine
compreenda os detalhes de qualquer trama que estivesse acontecendo entre
eles.
A discussão foi interrompida quando a criada Biddy entrou na sala. —
Srta. Phoebe Graveney, milady.
Ottilia quase ofegou. Poderia haver um momento mais inoportuno para
a chegada da futura noiva de Giles? Lançando um olhar à Sybilla, viu seu
pensamento ecoar nas feições da viúva antes de forçar um ar de boas-
vindas.
A criada ficou no canto e uma jovem entrou pela porta. A curiosidade a
dominou e Ottilia encarou a visitante com interesse. Como convinha à filha
de um conde, estava vestida de maneira elegante e cara, com um semblante
mais agradável do que impressionante. O nariz era bonito, as maçãs do
rosto bem definidas e a boca era bem delineada, mas a melhor característica
da garota era um par de olhos expressivos, de cor indeterminada em algum
ponto entre azul e verde.
Lembrando a incapacidade de Francis para descrevê-la, Ottilia não
podia culpá-lo inteiramente. O cabelo estava escondido por uma bela boina,
mas ocorreu-lhe o pensamento melancólico de que a pobre jovem nem se
comparava a Tamasine Roy.
Lady Phoebe estava cumprimentando Sybilla com perguntas educadas
sobre sua saúde e suas festividades de Natal, mas era evidente que a garota
estava sob fortes emoções. Por detrás do falso ar de calma, vários músculos
rebeldes de seu rosto se mexiam e, no fundo daqueles olhos reveladores,
Ottilia detectou um traço de ansiedade. Ou era angústia?
— Phoebe, permita-me apresentá-la à minha nora, Lady Francis
Fanshawe.
Ottilia escondeu seu escrutínio, produzindo um sorriso amigável. —
Perdoe-me por não ter me levantado. Estou grávida e, portanto, obrigada a
fazer repouso.
A jovem fez um comentário adequado e foi persuadida a sentar-se ao
lado da viúva, que prosseguiu com uma conversa banal:
— Seus pais estão bem?
— Ah, sim, obrigada. Mamãe mandou cumprimentos à senhora.
As respostas da moça pareceram a Ottilia tão mecânicas quanto as
perguntas da viúva sobre a estada de Lorde e Lady Hemington com a irmã
deste último, e começou a se perguntar se aquela visita seria mais do que
mera cortesia. Em uma tentativa de testar sua teoria, esperou o momento
adequado para perguntar:
— Tem visto Giles desde seu retorno, Lady Phoebe? Imagino que
estejam bem familiarizados.
As bochechas da visitante ficaram rosadas e ela se atrapalhou com os
dedos no colo. — Oh. Não, não tenho. Quero dizer, sim, nós nos
conhecemos desde a infância.
— Mas ainda não o viu? — insistiu Ottilia, ignorando o olhar da sogra.
Lady Phoebe umedeceu os lábios com a língua, mas seus olhos a
denunciaram.— Acredito que Giles esteja excessivamente ocupado.
— Sim, com a família. Não tem sido confortável para ele em casa —
cortou a viúva, seus orbes negros encarando Ottilia.
— Não — concordou a garota de maneira apressada —, embora
provavelmente tenha planejado se divertir em outro lugar.
Sybilla interveio rapidamente. — Oh, bem, a senhorita conhece Giles.
Odeia conflitos. É próprio dele escapar se puder.
Fez-se um silêncio e Ottilia não pôde deixar de sentir pena da moça. Ela
estaria se perguntando se deveria ou não fazer a pergunta urgente que, sem
dúvida, pairava em sua língua. Ottilia pegou o touro pelos chifres:
— Tive o privilégio de conhecer a extraordinária Srta. Tamasine Roy
esta manhã. — Os olhos da garota se arregalaram, revelando apreensão.
Ottilia não deu atenção ao olhar cortante que recebeu da sogra. — Chegou a
conhecê-la, Lady Phoebe?
— Não.
Sua voz era um suspiro ofegante. Ottilia sustentou o olhar da garota e
sorriu com simpatia. — Minha pobre criança, está morrendo de vontade de
perguntar, não está?
— Ottilia!
— Bem, mas não é melhor para nós sermos abertas com Lady Phoebe?
Ela só vai imaginar coisas piores se a verdade não for contada, Sybilla.
Um olhar horrorizado foi a única resposta da viúva e Ottilia apressou-se
em dar-lhe um olhar tranquilizador. Não tinha intenção de revelar tudo que
sabia e prejudicar Giles.
A visitante olhou de uma para o outra. — Então ele está mesmo atrás
dela.
— Não é isso — retrucou a viúva, como se ela mesma não tivesse dito
exatamente a mesma coisa. — E não seria bom para ele se estivesse. A
garota é carente de juízo.
As sobrancelhas escuras de Lady Phoebe se juntaram. — Os rumores
são verdadeiros?
Ottilia tomou a frente da situação. — A menina não está em seu juízo
perfeito, se é isso que quer dizer, mas ainda não tenho motivos para
acreditar que seja um caso de internação.
— Disse que a conheceu esta manhã, Lady Francis?
Ottilia riu. — Sim, foi intenso.
Um olhar melancólico penetrou nos olhos vulneráveis de Lady Phoebe.
— Ela é muito adorável?
— Ah, estonteante — disse Ottilia com franqueza. — Até meu marido
ficou sem fôlego à primeira vista da criatura. Não deve dar importância ao
fato de Giles ter ficado balançado.
— Ottilia, gostaria que ficasse quieta — disse Sybilla, em grave
irritação.
— Oh, não, senhora, prefiro que me digam a verdade.
Sybilla suspirou, entregando-se à derrota. — Nesse caso, é melhor ouvir
o que aconteceu hoje. Do contrário só saberá a versão deturpada. Ottilia?
Complacentemente, Ottilia fez um breve relato dos acontecimentos do
dia, remoendo as excentricidades da visita de Tamasine e a morte
subsequente de seu tutor, e omitindo qualquer menção à presença de Giles
na casa e à conversa comprometedora.
— Então pode perceber, minha querida Lady Phoebe — finalizou —,
que Giles finalmente perceberá que não há nada a ganhar cortejando uma
garota que não está em seu juízo perfeito.
— Mas Giles a está cortejando?
Senhor, que garota obstinada! Como responder a isso? Ottilia disfarçou.
— Dificilmente acho que seja algo sério.
Sybilla acrescentou. — Certamente não. Giles tem mais juízo que isso.
Essa falsidade descarada parecia não convencer Lady Phoebe. — Tem?
Mas Lady Francis disse que ele ficou balançado.
— Assim como qualquer homem ficaria à primeira vista da garota. Até
eu pensei que se tratava de uma princesa de contos das fadas.
A boca de Lady Phoebe assumiu um aspecto obstinado. — Nesse caso,
talvez possa me dizer por que Giles estaria perambulando por Willow
Court, o que fui bem informada que é o caso.
Antes que Ottilia pudesse responder a isso, a pequena reunião foi
encerrada pela entrada de Sophie Hathaway, apoiando-se pesadamente no
braço da Srta. Mellis.

Um grande pesar abateu Phoebe. Justo quando estava chegando a algum


lugar! Na verdade, estava convencida de que tanto a viúva quanto Lady
Francis estavam escondendo alguma coisa. Não deixou de notar alguns
olhares significativos trocados entre as duas, mas todas as tentativas de
obter a informação que procurava haviam sido em vão e Phoebe olhou com
desgosto para a recém-chegada.
A moça era uma loira desbotada que não fora agraciada com muita
beleza. Era marcada por um aspecto desencorajador de debilitação,
acompanhado por um tom abatido de queixa que ela imediatamente
assumiu:
— Não conseguia me levantar da cama e odeio ficar sozinha. —
Afundou-se na poltrona ao lado de Lady Francis, mas estendeu a mão para
dar um tapinha na mão da mulher que a ajudou a entrar no cômodo. — Não
poderia manter a pobre e querida Teresa por minha conta. Isso teria sido
muito injusto.
— A pobre e querida Teresa tem pouco mais com que se ocupar —
disse a viúva, aproveitando para apresentar Phoebe.
Expressando-se adequadamente, Phoebe voltou-se assim que pôde para
a dama de companhia da viúva, de quem sempre sentiu um pouco de pena.
Suas bochechas desbotadas estavam um pouco rosadas e Phoebe lembrou-
se da maneira desdenhosa com que Giles costumava tratar a pobre mulher.
Seu coração se apertou com a lembrança de outro ponto negativo contra o
rapaz.
— Como vai, Srta. Mellis? Como está sua perna? Sente mais incômodo
neste clima inclemente?
A moça corou ainda mais. — Oh! Obrigada. Um pouco, Lady Phoebe,
mas não tem importância. — Com isso, correu para uma cadeira no canto,
escondendo-se como de costume.
— Que pena que Patrick não estava aqui para ajudá-la com sua perna,
Teresa, pois garanto que não a incomodaria tanto agora — disse a Sra.
Hathaway, retomando a conversa. — No entanto, a habilidade do meu
pobre marido provou ser desigual para minha infeliz doença, embora ele
faça o melhor que pode.
Phoebe mal escutou, pois percebeu Lady Francis observando-a com
uma expressão no rosto que Phoebe não conseguiu decifrar. Já tinha ouvido
sobre a nova tia de Giles, nenhuma inverdade, a julgar pela maneira como
Lady Francis tinha falado francamente com ela.
— Não fazem ideia de como eu sofro — continuou a Sra. Hathaway. —
Ah, mas não reclamo. É tão tedioso para todos ouvir sobre problemas o
tempo todo. Só que é tão melancólico estar permanentemente doente,
embora eu faça todos os esforços para parecer alegre. Não é bom expor
nossa desgraça aos outros.
— Qual é o seu infortúnio, Sra. Hathaway? — perguntou Phoebe, sem
nenhum desejo de saber, mas apenas para mantê-la falando para que ela
mesma não precisasse falar.
Nada relutante, a mulher lançou uma lista sombria que Phoebe teria
achado deprimente se estivesse prestando a mínima atenção. Em vez disso,
sua mente girava em torno da informação lamentável que havia provado
todas as suas suspeitas, explodindo as boas esperanças nas quais havia se
nutrido durante tantos anos, segura na convicção de que seus afetos eram
retribuídos, se não com ardor, pelo menos em medida suficiente para
satisfazê-la.
Quase poderia desejar que Lady Francis a tivesse poupado, embora
fosse melhor saber a verdade. Uma pontada a atingiu com a lembrança.
Imaginou que o pior tinha passado depois do escândalo da morte da
Marquesa de Polbrook. Na época, na expectativa alegre de receber Giles em
casa depois de suas longas viagens ao exterior, o mundo de Phoebe
desmoronou quando a suspeita da morte da marquesa caiu sobre o marquês.
O Conde de Hemington praticamente proibiu a relação, repudiando o
arranjo anterior e declarando que nada o induziria a permitir que sua filha se
aliasse à família Polbrook.
Extremamente fiel, Phoebe resistiu a seu pai. O compromisso entre ela e
Giles era de longa data, embora não tivessem entrado em formalidades.
Phoebe contentara-se com isso, acreditando de todo coração em sua
lealdade. Sua respiração encurtou e todos os desconfortos que assolavam
seu peito vieram à tona. Havia confiado em vão. Os boatos não mentiam e o
querido amigo que há muito havia conquistado seu coração pertencia à bela
Tamasine Roy.
Sem pensar no que fazia, Phoebe levantou-se abruptamente de sua
cadeira, interrompendo sem cerimônia o monólogo contínuo da Sra.
Hathaway. — Com licença! Tenho que ir. — Consciente de que sua voz
estava rouca, Phoebe lutou para se acalmar.
— Meu Deus, Phoebe, está aqui há tão pouco tempo.
Phoebe prestou atenção à viúva, ciente de que sua voz estava trêmula.—
Vim apenas para cumprimentá-las, senhora. — Ela abriu um pequeno
sorriso para a Sra. Hathaway. — Devo pedir suas desculpas. Espero que
esteja se sentindo melhor em breve.
Então apressou-se para a porta e saiu da sala. Sozinha no corredor,
Phoebe se deteve por um momento, agarrando-se ao corrimão ao pé da
escada para tentar recuperar o equilíbrio. Consciente de ter se entregado, só
poderia esperar que a visitante estivesse muito absorta em si mesma para ter
notado. Era tarde demais para esperar o mesmo da avó e da tia de Giles.
Phoebe só podia confiar que nada seria dito ao próprio Giles, pois conhecia
Lady Polbrook como uma matriarca impetuosa cujo comando sobre toda a
família era absoluto. Mas ela adorava Giles. Esta reflexão serviu apenas
para aprofundar a angústia de Phoebe e não resistiu em soltar um gemido.
— Meu Deus, isso soou perfeitamente desesperador — disse uma voz
atrás dela.
Phoebe virou-se rapidamente. — Sra. Francis!
A recém-chegada pegou-lhe o braço e puxou-a para a sala de jantar
situada ao lado do hall de entrada. — Vamos entrar aqui por um momento.
Atrevo-me a dizer que o fogo não apagou e que deve estar quente o
suficiente. — Uma vez lá dentro, Lady Francis fechou a porta e puxou
Phoebe para a janela. — Pronto, agora podemos falar livremente.
Um par de olhos cinzentos examinou Phoebe e ela sentiu seu rosto
esquentar. O constrangimento a fez falar. — Não tenho nada de importante
a dizer, Sra. Francis.
— Pode me chamar de Ottilia. Ou Lady Fan, se preferir — disse a outra
com um sorriso que acolheu Phoebe inesperadamente. — Afinal, vamos ser
parentes, não vamos?
Phoebe respirou com dificuldade. — Isso é discutível.
— Acha que não pode perdoá-lo? — O olhar da senhora,
desconcertantemente claro, não se desviou do rosto de Phoebe. — Peço que
não dê grande importância a este pequeno interlúdio.
— Pequeno!
— Não pode haver futuro nisso, sabe disso. Giles perceberá em pouco
tempo e então poderá se sentir confortável novamente.
Phoebe ergueu a voz. — Confortável? Nunca mais me sentirei
confortável. Mesmo que ele recupere seus sentidos, como poderia ter minha
confiança depois disso?
Lady Francis não falou por um momento, mas um leve franzido
enrugou sua testa. — Pelo que entendi havia uma união arranjada entre
Giles e a senhorita?
— E ele pode, portanto, me rejeitar por outra impunemente? — Ela
mordeu o lábio na fúria que crescia em seu peito, notando as sobrancelhas
levantadas da outra mulher. Seu tom se tornou cortante: — Eu não deveria
dizer isso. Não houve pedido formal.
— Mas se considera prometida, presumo?
— Como pensei que ele se considerava. Evidentemente, eu estava
errada.
Lady Francis não disse nada, mas a simpatia em suas feições quase
desarmou Phoebe. Ela virou-se e foi até a janela, olhando para a paisagem
sem de fato vê-la, lutando para recuperar a compostura. Passou por sua
mente o pensamento de que seu pai nunca toleraria o casamento se soubesse
desse novo desastre, com a namorada de Giles envolvida na morte do
guardião.
A lembrança invadiu seus pensamentos. Havia algo mais, não havia?
Em um impulso, virou-se para Lady Francis. — Gostaria que me contasse
tudo, Lady Fan.
— Como?
A impaciência tomou conta de Phoebe. — Não precisa parecer tão
assustada. Está claro para mim que a senhora e Lady Polbrook estão
escondendo alguma coisa. O que é? O que mais há nessa situação com a
Srta. Roy? E não tente me enganar!
Um pequeno sorriso apareceu. — Na verdade, eu não ousaria tentar.
O calor subiu pelas bochechas de Phoebe e sua voz ficou tensa apesar
de todos os esforços para manter um tom frio. — Deve desculpar minha
franqueza.
— Gosto disso — disse a outra inesperadamente. — Devo confessar
uma franqueza semelhante de vez em quando.
— Então exercite-a agora, eu imploro.
— Muito bem, se insiste. Receio que o fato de Giles estar em estreita
associação com Willow Court o tenha colocado em risco, caso se prove que
Sir Joslin não morreu de morte natural.
O vazio invadiu a mente de Phoebe. — Não a compreendo.
— Então deixe-me ser clara: suspeito que Sir Joslin foi assassinado,
possivelmente por overdose de ópio. Giles foi enviado à casa por Tamasine
Roy esta manhã e parece que houve - quando ainda não sabemos - alguma
brincadeira entre os dois sobre a necessidade de tirar Sir Joslin do caminho.
O choque nublou o cérebro de Phoebe enquanto expressava seu
pensamento em voz alta. — Quer dizer que ele pode ser suspeito de
assassinar esse homem? — A lembrança das confidências de Giles sobre a
morte da mãe surgiu em sua mente. — Não pode ser! Depois do que
passou? Não, não, não ouso acreditar que isso seja possível.
Mas uma semente de dúvida surgiu. As próximas palavras de Lady Fan
a alimentaram ainda mais:
— Nem mesmo se ele estivesse louco de amor?
Uma flecha atravessou o peito de Phoebe, fazendo-a sentir um tremor
em seus lábios. Ela o reprimiu, encontrando o olhar firme da outra mulher.
— Gostaria de não pensar assim. No entanto, não se pode conhecer
verdadeiramente a mente do outro. — Tentou engolir as palavras, mas
falhou. — Se o garoto estava totalmente deslumbrado, quem pode dizer?
Ele poderia ir longe por uma mulher se seu coração fosse tocado.
O olhar de Lady Fan não vacilou. — O quanto o conhece para saber?
Com dificuldade, Phoebe falou, incapaz de evitar o tom amargo. —
Pensei que o conhecia, mas parece que me enganei.
— A senhorita o ama, não é?
A brusquidão da pergunta penetrou no coração de Phoebe, mas não
pensou em fugir. — Por toda a minha vida.
— No entanto, teme o envolvimento dele em um possível assassinato.
Os olhos de Phoebe se arregalaram. — É desleal da minha parte? Nunca
me ceguei para os defeitos dele. De fato, este episódio me enche de
desânimo e também de ciúmes.
— Como assim?
— Há muito que temo que Giles siga os passos que lhe são mais caros,
agora infelizmente perdidos.
— Quer dizer a mãe dele? Acho que a compreendo.
Phoebe a olhou com um certo descontentamento. — Não deveria ter lhe
dito nada disso, mas não posso supor que ignore a verdade, pois sei que foi
fundamental para descobrir quem matou a pobre Lady Polbrook.
Não se atreveu a dizer mais nada. Ela sabia que Giles nunca
reconhecera a verdade dos rumores sobre as frequentes infidelidades da
mãe. No entanto, ali estava ele, colocando tanto em jogo em sua
perseguição determinada à Srta. Tamasine Roy. E agora era potencialmente
suspeito de um assassinato!
Seus sentimentos ameaçavam dominá-la. Reunindo sua coragem,
preparou-se para ir embora. — Devo ir, senhora. Eu não deveria ter sido tão
franca. Por favor, não me entregue a ninguém.
— Pode ter certeza de que não farei isso, minha querida.
Phoebe agradeceu, dirigindo-se rapidamente em direção à porta. Ela
virou-se e olhou para trás, assolada por um medo insistente. — Imploro que
me informe, Lady Fan, no momento em que descobrir algo sobre o assunto.
Ela não esperou por uma resposta, mas escancarou a porta e correu para
o corredor, agarrando sua capa grossa que havia deixado em cima de uma
cadeira e vestindo-a sem se incomodar em abotoá-la. Saindo pela porta da
frente da Dower House, Phoebe procurou pela carruagem em que havia
chegado e a avistou a uma curta distância. O cavalariço que a conduzira
estava passeando com os cavalos, mas a visão de sua carruagem tornou-se
insignificante quando um segundo veículo virou na entrada.
Era um cabriolé, conduzido por ninguém menos que Giles, Conde de
Bennifield.

Uma onda indesejada de desconforto foi lançada no peito de Giles.


Relutante, percebeu que estava temendo esse primeiro encontro. Não era
questão de culpa, pois não havia razão para sentir isso, mas Phoebe era uma
amiga querida e esperava lidar com ela em seu próprio tempo. Com o
conhecimento de sua posição atual em relação à Tamasine Roy, o encontro
deles neste momento era quase desastroso.
No entanto, não havia nada a ser feito agora, pois Phoebe havia parado
na soleira da Dower House, claramente esperando por ele.
Giles aproximou-se da entrada e acenou com o chicote em saudação.
Esperando apenas que seu cavalariço levasse os cavalos, saltou agilmente
da carruagem e caminhou até onde Phoebe o esperava. Ele adotou um tom
tão indiferente quanto era capaz:
— Quando é que voltou? Não esperava vê-la por aqui.
Havia uma certa reserva em seu olhar geralmente franco, ele pensou,
mas a moça respondeu com bastante frieza. — Voltamos há alguns dias.
Sabe como mamãe e minha tia não resistem em brigar se estão juntas há
mais de uma ou duas semanas.
Giles riu. — Lady Hemington foi embora com raiva novamente?
Para seu alívio, o olhar sóbrio cedeu um pouco e Phoebe sorriu. — Não
foi bem assim. Papai deu uma desculpa para vir embora mais cedo,
principalmente, disse ele, para evitar que as coisas chegassem a esse
extremo.
— Isso foi muito astuto da parte dele.
— Ele não suporta brigas, como já sabe. — Phoebe fez uma pausa
breve. — Nem qualquer indício de escândalo.
Detectando um leve tom de censura, Giles se conteve. — Dificilmente
devo ser culpado pelas loucuras de meu pai.
— Não estou me referindo ao seu pai.
O brilho em seus olhos fez Giles ficar ainda mais nervoso. — Alguém
esteve ocupada.
O olhar de Phoebe sustentou o de Giles e ele percebeu que de todas as
coisas que temia, a pior eram seus olhos nus. Mesmo quando criança, ela
era incapaz de esconder seus sentimentos. Isso tinha o efeito de colocá-lo na
defensiva.
— A senhorita me culpa. Não pensei que fosse tão preconceituosa,
Phoebe.
A raiva invadiu os olhos da garota. — O fato é que não pensou em mim
de forma alguma!
Uma verdade que não podia deixar de acrescentar combustível às
chamas, pois Giles sabia que seus únicos pensamentos sobre Phoebe tinham
sido negar a possibilidade de ela ser um obstáculo para sua perseguição à
Tamasine Roy.
— Isso é uma acusação? Se for, ficaria feliz em saber como eu a ofendi.
O tom de Phoebe tornou-se desdenhoso. — Giles, isso é indigno. Sabe
muito bem que sua perseguição a uma bela saia certamente refletirá em
mim.
— Pelo que se refere, eu entendo que seja a Tamasine Roy?
Ela o fitou com o cenho franzido por um momento e, quando falou, seu
tom mudou. — Ouvi dizer que ela é um diamante de primeira.
A imagem das feições celestiais de Tamasine, lânguidas depois do beijo
deles, surgiu em sua mente e seus sentidos flutuaram. Ele falou sem pensar.
— Ela é de tirar o fôlego. E muito inocente também. — Apenas meio
consciente de estender a mão, rendeu-se a camaradagem tranquila que
sempre compartilharam. — Phoebe, se a conhecesse, também teria feito
amizade com a pobre criança. A situação dela é lamentável. E agora que
perdeu seu guardião, seu futuro é incerto.
Ele se interrompeu, lembrando que sua promessa quixotesca havia
assegurado o futuro de Tamasine. Com alívio, lembrou de sua insistência
pelo sigilo e percebeu que não poderia dizer mais nada. — Ela é tão
vulnerável — finalizou, sentindo como isso soava ridículo.
Phoebe olhou para a mão dele, mas não a pegou. Perplexo e um pouco
magoado, Giles a retirou. Quando o encarou, a violência do sentimento nos
olhos dela o surpreendeu.
— Vulnerável? Quando pode muito bem ter planejado a morte dele para
benefício próprio?
Atordoado, ele a encarou. — Está louca?
— Eu não, Giles. Estou perfeitamente sã, o que é mais do que se pode
dizer de Tamasine Roy.
O ressentimento o inundou, agravado pela dúvida mesquinha no fundo
de sua própria mente. — Pensa isso de mim? Assim como todos os outros?
Eu não teria pensado isso sobre a senhorita, Phoebe.
— E eu não teria pensado que fosse capaz de tramar com sua - sua
maluca - para se livrar do tutor dela e tomá-la como esposa.
— O quê?
A voz de Phoebe subiu a um tom que incomodou seus próprios
tímpanos. — Na verdade, não pensei nisso. O considerava um homem de
honra, de fineza, mas parece que entendi errado.
— Como se atreve, Phoebe? Pensei que éramos amigos.
— Amigos não ofendem uns aos outros.
Sua fúria aumentou ainda mais com a lembrança da inquietação de seu
tio sobre sua brincadeira com Tamasine. Ele retrucou. — Então o que devo
pensar quando me acusa de assassinato? Além disso, em que momento a
ofendi?
— Se perseguir uma garota sem valor não é um insulto…
— Como diabos isso poderia insultá-la? — Giles trovejou. — A
senhorita me força a lembrá-la, Phoebe, que nossa amizade é todo o
relacionamento que temos.
Seus olhos expressivos escureceram e então brilharam como fogo. — Se
é que temos isso!
 
 
Capítulo 6
 
 
 
 
 
 
 
Passando por Giles, Phoebe correu em direção à carruagem que a
esperava. Mortificado, Giles sentiu um impulso de correr atrás dela e retirar
suas palavras. Ele deveria pelo menos ir ajudá-la a subir na carruagem, mas
seus pés permaneceram presos ao chão do pórtico de entrada. Ele não se
moveu até que o cavalariço de Graveney ajudou sua senhora a entrar e
saltou, pegando as rédeas na mão e dando aos cavalos a tarefa de partir.
Phoebe não olhou para trás e seu rosto permaneceu firmemente
desviado até que a carruagem endireitou-se na entrada e tudo o que Giles
pôde ver foi a parte de trás de sua boina.
Praguejando, ele foi até a campainha, refletindo que dificilmente
poderia fazer pior com sua avó.
— Bom dia, Biddy — disse à jovem criada que atendeu a porta.
— Mestre Giles! Veio ver Sua Senhoria? Temos visitas, milorde, pois o
irmão de Lady Francis chegou com sua família.
— Estou ciente disso — disse Giles, adotando um tom de
despreocupação que de forma alguma refletia o aumento da apreensão
diante da perspectiva de sua conversa com a viúva. Apesar do que havia
dito ao tio, sua avó poderia ser assustadora. No entanto, a menos que ela
estivesse seriamente descontente, tinha esperanças de conseguir convencê-
la, como costumava fazer. Precisava desesperadamente do apoio dela neste
momento.
— Quem está na sala agora, Biddy?
— Sua Senhoria e Lady Francis — disse a criada, contando nos dedos.
— A Sra. Hathaway também está lá. Ah, e a Srta. Mellis.
— E meu tio?
— Seu tio saiu com o médico e dois rapazes, milorde.
Isso foi um alívio. Com sorte, seu tio Francis se absteve de contar sobre
a conversa deles em Willow Court. E de falar sobre a recepção embaraçosa
de Tamasine. Ainda assim, não estava com humor para socializar.
— Acha que poderia dar um jeito de tirar minha avó da sala, Biddy?
Vou esperá-la aqui.
Enquanto falava, empurrou a porta do escritório de sua avó, como ela
escolheu chamar a pequena biblioteca situada em frente à sala de jantar. A
criada assegurou-lhe que faria o que ele desejava e apressou-se. Giles deu
uma ou duas voltas de um lado para o outro das estantes de vidro ao longo
de uma parede, evitando os assentos ao redor da lareira. No limite, jogou-se
na cadeira diante da escrivaninha em frente à janela, brincando com uma
caneta do tinteiro e enfiando a ponta no mata-borrão encadernado em couro.
Seus pensamentos não eram nada felizes.
Sua avó estava sob o equívoco de que ele estava prometido a Phoebe. O
que ela diria se soubesse do noivado infeliz daquela manhã? Não que não
desejasse se casar com Tamasine, mas era obrigado a admitir que o
momento não era propício. Estava ensaiando o que poderia dizer baixinho
quando a porta se abriu para deixar entrar a viúva. Ela não estava sorrindo e
sua saudação não era encorajadora.
— Então, Giles?
Ele levantou-se imediatamente, ensaiando um sorriso. — Espero que
esteja bem, vovó.
As sobrancelhas dela se ergueram em um olhar que aprofundou sua
apreensão. — Confio que não vai fingir que veio para saber se estou bem.
Ele suspirou. — Não.
— Por acaso encontrou Phoebe na saída?
Giles assentiu, dando vazão a um suspiro desesperado. — Não lidei bem
com a situação, vovó.
Suas feições se suavizaram e seu ânimo elevou-se um pouco. Ela entrou
no escritório. — Não suponho que tenha. Os homens de nossa família
raramente sabem como agir em situações difíceis.
Giles tomou a coragem em suas mãos. — A questão é que não me
considero prometido a Phoebe.
Para seu desconforto, os olhos negros da avó brilharam. — Não desde
que encontrou Tamasine Roy, de todo modo.
— Antes disso. — Ele deu uma volta apressada no espaço aberto entre a
mesa e as cadeiras perto da lareira e a encarou novamente. — O casamento
proposto não foi de minha autoria, sabe disso. Se Phoebe foi levada a
entender isso, é melhor culpar o pai dela e não a mim.
— Ah, eu culpo — respondeu inesperadamente. — E o seu.
— Então me pergunto se concorda com uma coisa dessas.
— Isso não teve nada a ver comigo, garoto. A ideia saiu da cabeça de
seu pai e Lorde Hemington anos atrás.
Giles hesitou. — Não precisa tentar me enganar, vovó. Nada acontece
nesta família se não tiver o seu consentimento.
Uma risada estranha escapou de sua avó, mas Giles não detectou
nenhum humor nela. — Gostaria que fosse assim, Giles. Vários eventos não
teriam ocorrido se isso fosse verdade.
Não havia dúvidas sobre o que isso significava. — Quer dizer que meu
pai não teria permissão para se casar com Violette.
— Eu dificilmente poderia impedi-lo. — Houve um estalo na voz da
avó. — Não me oponho ao casamento dele em si, apenas ao momento
inapropriado.
Um rugido de ressentimento brotou no peito de Giles e toda a questão
polêmica de seus erros em relação à Tamasine foi relegada a segundo plano.
— Por que não impediu meu pai? Por que o deixou manchar a memória de
mamãe? — A amargura o sufocava. — E agora, apenas porque encontrei
alguém a quem eu poderia amar de verdade, devo ser igualado a ele?
Para seu desgosto, o lábio da avó se curvou. — Amar? Está apaixonado,
Giles. E por uma garota cuja aptidão para qualquer tipo de relacionamento
deve ser questionada.
— Tamasine não é perturbada! Não vou deixar que a caluniem.
O olhar escuro da viúva o varreu. — Ou é um tolo cego ou um
obstinado, mas certamente é um tolo, Giles.
Ele engoliu a vontade de responder na mesma moeda. — Agradeço,
senhora.
— Não seja sarcástico, garoto. Não lhe cai bem.
Com dificuldade, Giles segurou a língua. Ele afastou-se novamente,
recusando-se a encontrar os olhos da avó. Ela falou novamente, controlada,
mas aos ouvidos dele, impregnada de raiva subjacente:
— Tolice eu poderia perdoar. O que não posso suportar é que alguém
detenha meu neto por suspeita de conluio em um assassinato.
Giles virou-se, olhando para a avó com horror. — Acredita nisso?
— Claro que não acredito. Assim como não duvidei de seu pai e com
muito mais motivos para fazer o contrário, mas aprendi o suficiente com
essa situação para ver o que a má reputação causa. Não desejo que o mundo
aponte o dedo em sua direção e, portanto, não irá mais a Willow Court.
Nem procurar a companhia daquela garota de forma alguma.
A fúria queimou em seu peito e ele esqueceu o verdadeiro propósito de
sua visita. — Acha que Tamasine fez isso!
Ela foi até o neto, olhando-o nos olhos. — Não sei o que pensar, Giles,
mas não quero mais envolvimento de sua parte nessa história.
— Eu estou envolvido. — A verdade disso o dominou e o calor subiu à
sua língua. — Não fiz nada inadequado além do que foi dito em tom de
brincadeira. No entanto, não posso e não vou abandonar Tamasine nessa
hora. Isso toca minha honra, senhora.
Os olhos escuros da viúva aguçaram-se. — Sua honra? Como assim?
Um lampejo de apreensão percorreu Giles. Esteve perigosamente perto
de entregar o jogo e recuou apressado. — Asseguro-lhe que não fiz nada de
desonroso, mas se Tamasine for falsamente acusada, devo apoiá-la e farei
isso.
— Pelo amor de Deus, garoto, não fique aí como um mártir digno de
palco! Isso é sério. Se realmente for descoberto que Sir Joslin foi
assassinado…
— Se? Nem mesmo está provado e a pobre Tamasine é jogada aos
leões!
A avó bufou, afastando-se para empoleirar-se no braço da poltrona mais
próxima. — Foi a própria pobre Tamasine quem disse que havia matado seu
tutor quando correu até nós pedindo ajuda.
Giles olhou para ela em silêncio, chocado por um momento. — Ela não
quis dizer isso. Estou convencido de que ela não quis dizer isso.
— Não, pois a garota mal sabe o que está dizendo de um momento para
o outro.
A chama de suas próprias dúvidas se acendeu. — Ela é inocente, posso
lhe afirmar! Por que insistem em dizer que ela é instável? Como pode julgá-
la se não a conhece?
— Eu a vi uma vez e isso foi o suficiente. Como deve ser para quem
não está cego por um rosto bonito. Nunca teria acreditado que pudesse se
comportar de uma maneira tão ridícula quanto indigna. O que diabos o
possuiu, Giles?
Frustrado, ele foi até a mesa, olhando pela janela em silêncio. De fato, o
que diabos o possuía? Não que não se importasse profundamente com
Tamasine, mas não conseguia compreender como as coisas haviam chegado
a esse extremo. Pior, suas esperanças do apoio de sua avó foram destruídas.
E isso antes mesmo que ela soubesse de seu noivado. Não ousou confessá-
lo.
Ele virou-se, tentando alcançar o tom de bajulação que nunca havia
falhado antes. — Não pensei que se voltaria contra mim, vovó.
— Como posso ser acusada de ter feito isso? Dedico-lhe o mais forte
afeto, Giles, como bem sabe e não gostaria de vê-lo seguir um exemplo que
devo e vou desaprovar.
Tocado em sua ferida, Giles ergueu as mãos. — Eu sabia! Não
suportarei que me compare com meu pai.
— Não estou fazendo isso.
Giles compreendeu a insinuação e uma flecha de pura dor o atingiu no
peito. Tudo se tornou um borrão, exceto a recente dor cegante da perda. Ele
lutou contra a emoção crescente.
— Não vou ouvir calúnias contra minha… minha mãe. Não fale dela
dessa forma para mim.
A expressão da avó mudou e ela levantou-se do braço da poltrona. —
Giles…
Ele ergueu a mão. Não tolerava esse tom de piedade e perdeu a fala. A
crueza do assassinato de sua mãe havia diminuído, mas ainda tinha o poder
de reduzi-lo a uma dor pulsante. Ele girou em direção à porta.
— Giles, espere!
Ele mal ouviu o protesto. Todos os pensamentos sobre sua situação com
Tamasine Roy e a morte de seu guardião foram esquecidos diante da tristeza
familiar que fervilhava dentro dele. Uma vez do lado de fora, saudou seu
cavalariço com um aceno e foi rapidamente para a carruagem que estava
parada diante da Dower House.
— Conduza, Salton. — Ele sentou-se no banco. — Leve-me para casa.

Descansando na espreguiçadeira que o marido mandara levar para o


quarto quando chegaram à Dower House, Ottilia teve tempo para pensar.
Com a intenção de pedir um café, chamou a criada antes de acomodar-se
para refletir sobre os acontecimentos em Willow Court.
Havia muito o que refletir. A extensão da incapacidade mental de
Tamasine Roy era primordial, sobreposta a dúvida plantada pela Srta.
Ingleby de que a garota era racional. Da própria dama de companhia, Ottilia
teve a impressão de uma ligação com o morto. Era paixão? Os dois tinham
sido amantes?
E então, havia o desconhecido Simeon. Por que ele havia sido proibido
de entrar na casa? Tamasine estava apaixonada por ele, na medida do
possível? Ficou claro que a menina não retribuía o afeto de Giles. No
mínimo, ela se importava mais com o criado Hemp. Ali estava uma história
que valia a pena desvendar.
A entrada de Biddy em resposta à campainha interrompeu sua linha de
pensamento e então pediu um café.
— Se não for dar muito trabalho para a cozinheira, Biddy.
A criada sorriu. — Agnes sempre está a postos para preparar-lhe um
café. Milorde Francis disse a ela o quanto gosta da bebida.
O cuidado do marido com seu prazer e conforto deixou Ottilia
perturbada. Francis costumava provocá-la, alegando que era viciada em
café, mas ainda assim providenciou que fosse servida sempre que desejasse.
Lembrou-se de como o andava tratando tão mal com seus acessos de raiva.
— Agradeça a Agnes por mim, por favor, Biddy.
— Não vai demorar mais que alguns minutos, milady. — A moça fez
uma reverência e retirou-se.
Depois dessa revelação, Ottilia, inclinada a se entregar a consciência
pesada, fez um esforço para voltar a contemplar o caso complicado da
morte de Sir Joslin Cadel. A bandeja chegou prontamente, trazendo o bule
de café, uma jarra de creme e uma tigela de açúcar desnecessária.
Apreciadora da bebida, Ottilia preferia o sabor puro, sem adoçá-la. Um gole
ou dois do restaurador tiveram um efeito eficaz e logo foi capaz de voltar
sua mente ao assunto em questão.
Recordando seus últimos pensamentos sobre Hemp, voltou a atenção ao
seu colega Cuffy. O lacaio mais velho estivera em uma posição privilegiada
com Sir Joslin, além de tê-lo em alta conta. Poderia encontrar uma
oportunidade para interrogá-lo? Apesar das dúvidas expressas pela Srta.
Ingleby, o êxito anterior de Ottilia deu-lhe confiança em sua capacidade de
extrair alguns detalhes do homem, particularmente depois da perda, quando
as pessoas tendiam a se abrir mais prontamente do que de outra forma.
Havia acabado de pensar nas outras duas testemunhas possíveis, o
mordomo Lomax e a governanta Whiting, quando a porta se abriu e Francis
entrou no quarto.
Satisfeito com a visão de Tillie descansando na espreguiçadeira, Francis
evitou comentar sobre isso, lembrando-se de como a esposa ficara
exageradamente irritada com sua insistência de que colocasse os pés para
cima. Mas o sorriso com que ela o cumprimentou afastou qualquer
lembrança disso e ele respondeu instantaneamente à mão acolhedora que
ela estendeu, pousando sua xícara de café.
— Meu querido e grande amor — ela pronunciou em um tom trêmulo
que mexeu profundamente com Francis.
Ele não disse nada, mas segurou a mão dela e permitiu que o puxasse
para se empoleirar na beirada da espreguiçadeira. No instante seguinte, os
braços dela estavam ao redor de seu pescoço e ele a estava abraçando,
embora não pudesse deixar de se perguntar sobre esse súbito acesso de
carinho. Ele murmurou palavras apropriadas para o momento e não se
aventurou a questioná-la até que ela finalmente recostou-se, com uma mão
segurando firmemente a sua.
Francis levantou uma sobrancelha e ela corou lindamente.
— Não diga isso.
— É uma leitora de mentes agora?
Um pequeno suspiro rápido escapou dela. — Oh, está surpreso com a
minha mudança de humor, não precisa me dizer.
Francis estendeu a mão livre para acariciar sua bochecha e erguer seu
rosto para que pudesse plantar um beijo em seus lábios. — Conheço bem
sua consciência, minha querida. Embora eu confesse a curiosidade sobre o
que a despertou dessa vez.
Ela soltou a risada que nunca deixava de aquecer seu coração. —
Atrevido! Se quer saber, foi a informação transmitida a mim por Biddy, de
que a cozinheira mantém o bule fervendo para mim apenas porque lhe
contou o quanto gosto de café.
— Então é a Agnes quem vai ganhar meus agradecimentos, não é?
Ottilia apertou a mão dele. — Não seja absurdo. Sabe muito bem que
foi sua atenção com meu conforto que me lembrou quão sortuda sou por tê-
lo comigo.
Isso merecia uma recompensa e demorou um pouco para que Francis
soltasse sua esposa e permitisse que ela voltasse ao seu café. Ela levou a
xícara aos lábios.
— Conseguiram encontrar Sutherland?
Recordando sua missão, Francis recostou-se. — Conseguimos e o
homem aplaudiu nossa perspicácia de trancar a porta. Ele vai providenciar
para que os agentes funerários retirem o corpo esta tarde e convidou Patrick
para acompanhá-lo para que possam conferir suas descobertas.
— Isso é excelente — disse Tillie em um tom aliviado. — Estava com
medo de que o médico pudesse pensar que Patrick havia usurpado sua
autoridade.
— Isso não é do feitio de Sutherland. Eu o conheço há muito tempo e
ele não faz esse tipo.
— Então ele vai deixar Patrick ajudar na autópsia?
— Imagino que sim, mas sua primeira tarefa, como esperávamos, é
chamar o legista para decidir se uma investigação será necessária.
— Ou, falhando com ele, o juiz de paz local, presumo?
A mente de Francis agitou-se. — Meu Deus, espero que não! O sujeito é
parente dos Graveneys. Vai acabar denunciando Giles ou algo assim.
— Oh, ele esteve aqui! — exclamou Tillie. — Sybilla lhe contou?
— Não, porque vim encontrá-la primeiro. — Uma sensação de mau
presságio tomou conta dele. — O que aconteceu? Sei que não pude fazer
nenhum progresso com o menino. Ele é tão teimoso quanto Randal.
— E muito insensato — disse Tillie secamente. — Conseguiu brigar
tanto com Lady Phoebe quanto com a avó.
O aborrecimento de Francis aumentou. — Maldição! E eu disse a ele
como as coisas andavam com o temperamento de mamãe.
— Quanto a isso, foi Sybilla quem caiu em desgraça com sua própria
língua. Ela o comparou com a mãe, pelo que me contou, e Giles se ofendeu
e foi embora.
— Meu Deus — Francis gemeu e um desejo de fugir o dominou. — Em
quanto tempo acha que podemos deixar este lugar infernal?
Tillie pousou a xícara sem dizer nada e Francis a olhou com
desconfiança. Ele ainda não sabia que ela estava decidida a levar isso até o
fim? Ele estava muito tentado a explodir e insistir em partir o mais rápido
possível, mas hesitou em comprometer a boa relação entre eles lembrando
das mudanças de humor da esposa. Tardiamente, ocorreu-lhe que
dificilmente poderiam partir no momento em que o cunhado e sua família
haviam chegado.
— Suponho que estamos condenados a permanecer durante a estadia de
Patrick e Sophie.
O sorriso caloroso de sua esposa apareceu. — E dificilmente podemos
deixar a pobre Sybilla sozinha para lidar com os emaranhados amorosos de
seu sobrinho. Sem mencionar seu envolvimento em um possível
assassinato.
— Não é da nossa conta — protestou Francis, sentindo-se muito
aborrecido por ter se envolvido. — Nem, devo acrescentar, é papel de
mamãe resolver o futuro de Giles.
Tillie levantou as sobrancelhas. — Meu Deus, Fan. Está sugerindo que
este negócio pode ser deixado para Randal resolver com segurança? O que
acha que ele vai fazer quando souber da possível inclusão de Giles em uma
lista de suspeitos de assassinato? Além disso, sabe que o homem não é
confiável para agir da melhor maneira no interesse de alguém, exceto o seu
próprio.
A verdade inegável nessas palavras era irritante e Francis levantou-se da
espreguiçadeira. — Estou condenado se assumir o fardo do filho do meu
irmão, bem como todo o resto! — Virando-se, ele leu uma réplica nos olhos
de Tillie e estendeu a mão. — Nem posso permitir que faça isso também.
Temos nossas próprias vidas para conduzir.
Por um momento sua esposa não disse nada, ficou apenas o encarando
com aquele olhar brilhante como se pesasse sua fala. Francis esperou,
reunindo suas forças para resistir a qualquer apelo que ela pudesse fazer.
Então Ottilia sorriu.
— Muito bem, meu querido Fan. Faremos exatamente como deseja.
A suspeita saltou em seu peito e ele franziu a testa. — Não acredito no
que está me dizendo. Está apenas tentando me acalmar para que possa me
persuadir quando quiser.
Sua risada característica lhe escapou.
— Gostaria de estar, Fan. — Então ficou séria, seu olhar cinza pesaroso.
— Já o aborreci o suficiente. É sua família e deve decidir como agir.
Confesso que preferiria não deixar as coisas assim sem contestação, mas
não vou aumentar deliberadamente seus fardos. Já sou um com meu humor
atual incerto.
Francis foi varrido por uma onda de emoção que não era totalmente
positiva. E não pôde conter seus protestos. — Ottilia, não faça isso! Sabe
perfeitamente bem que nunca poderia ser um fardo para mim, para começar.
— Não, não sei. Uma esposa queixosa é o próprio demônio, pois já vi
meu pobre irmão quase enlouquecido por isso.
— Isso não vem ao caso. E não se compare a Sophie, pelo amor de
Deus! — Ele balançou as mãos no ar. — Sei o que está tentando fazer. Acha
que se agir como uma esposa tranquila, vou mudar meu pensamento e
permitir que faça o que quiser. Bem, não vai funcionar.
Para a insatisfação de Francis, Tillie sentou-se em um estrondo, jogando
as mãos para o ar. — O que quer de mim, Francis? Se eu insistir em ficar,
vai brigar comigo. E ainda assim se recusa a me deixar ceder a sua vontade.
Quer uma disputa? Ou lhe dá prazer provar que está certo quando sou
incapaz de resistir à tentação de interferir em assuntos que insiste que não
são da minha conta?
Francis aproveitou a oportunidade:. — Ah! Então admite que quer se
envolver no assunto.
— Nunca neguei — disse em um tom desanimado —, mas prefiro
desistir do que aborrecê-lo ainda mais. Isso pode, afinal, ser uma
tempestade em copo d’água se a autópsia não apontar nada.
Francis franziu a testa lembrando-se da veemência dela no verão
anterior, na vila de Witherley, quando mesmo em perigo iminente não se
afastou do caso.
— Então desta vez não sente que isso toca em sua honra?
— Nem um pouco.
— Mas odiaria deixar isso para trás, não é?
— Não acabei de lhe dizer isso?
Francis sabia que havia sido derrotado. Sempre admirara a franqueza de
Tillie. E se fosse honesto, sua própria consciência não permitiria que se
afastasse enquanto um membro de sua família estivesse em dificuldades. Se
não fosse pelo envolvimento de Giles, poderia muito bem ter mantido seu
posicionamento. Ou não? Certamente não, pois a verdade era que os desejos
de Tillie eram primordiais para ele. Poucos meses casados e nada importava
mais do que ter todos os caprichos da esposa satisfeitos.
Ele foi até a espreguiçadeira e sentou-se novamente, juntando as mãos
dela nas dele e segurando-as com força. Seu tom era pesaroso, pois notou a
luz incerta naqueles orbes claros. — Perdoe-me, querida. É que eu te amo
demais e não posso deixar de me rebelar contra isso. Se eu pudesse, lhe
daria a lua, mas dói estar totalmente à mercê dos meus sentimentos.
O lábio de Tillie tremeu e seus olhos se embaçaram. — E fui tola o
suficiente para ficar com ciúmes no momento em que admirava a beleza de
Tamasine.
Então era isso. Lembrou-se da estranheza do olhar dela mais cedo, os
eventos subsequentes haviam expulsado isso de sua mente. Seus dedos
apertaram os dela. — Uma tolice sem tamanho, Tillie. Um homem pode
admirar a beleza sem ser tocado por ela. Especialmente quando não há nada
no mundo mais vital para ele do que sua própria esposa.
Tillie não riu e uma carranca arruinou seus olhos claros. — Teme pela
minha vida, não teme?
Ele não poderia negar. — Agora mais ainda.
— Querido, ter perdido Julia não significa que vai me perder também.
A menção da primeira esposa atingiu Francis com uma pontada familiar,
mas ele afastou a sensação. — Sei disso.
— Mas não faz diferença — assentiu ela. — Entendo exatamente o que
quer dizer.
Francis levou uma das mãos dela aos lábios e a beijou. — Sempre me
entende.
O sorriso dela o aqueceu completamente. — Vamos ver como as coisas
se resolvem nos próximos dias antes de decidir o que fazer?
— Um acordo, Tillie?
— Bem, de qualquer forma não podemos ir embora ainda e a autópsia
certamente deve apontar para uma direção ou outra.
Francis concordou e imediatamente se viu alvo de uma das perguntas
pertinentes de Tillie:
— O que achou do mordomo e da Sra. Whiting? Quase não falei com
nenhum dos dois. Eles também vieram das Índias Ocidentais?
— Sim, ambos — disse Francis, lembrando-se de sua conversa com a
governanta. — A mulher certamente foi mais aberta do que Lomax, mas
suspeito que ele possa ter mais a contribuir. Ele questionou o motivo da
morte de seu mestre instantaneamente e agiu de forma evasiva.
— Para não dizer absolutamente insolente — afirmou Tillie, muito
interessada. — Agora eu me pergunto: por quê?
Antes que Francis pudesse pensar a respeito, houve uma breve batida
seguida pela abertura imediata da porta. Um jovem de cabelo loiro olhou
em volta.
— Tittilia? Podemos entrar?

Ottilia lançou um sorriso de desculpas ao marido e respondeu:


— Claro, Ben.
O mais velho de seus dois sobrinhos entrou com o irmão logo atrás. Até
esta visita, Ottilia não os via há quase um ano, exceto por um ou dois dias
na ocasião de seu casamento, quando foram autorizados a deixar a escola
para participar. Acostumada a conviver com os sobrinhos, ficou
impressionada com a mudança deles. Apesar dos olhos cinzentos de
Hathaway, os dois meninos sempre lhe pareceram ter puxado a mãe,
ostentando cachos loiros encaracolados, nariz empinado e uma boca
arqueada linda. Mas aos nove e dez anos de idade, respectivamente, as
bochechas carnudas e infantis que haviam enfeitado Tom e Ben estavam
magras, mostrando as maçãs do rosto salientes do lado paterno.
— Meu Deus, estão começando a se parecer tanto com seu pai —
exclamou, olhando para os dois que estavam lado a lado diante da
espreguiçadeira enquanto Francis levantava-se para ceder seu lugar.
— Huh! — desdenhou Tom. — Gostaria que fôssemos totalmente
parecidos com papai, para não sermos tão zombados pelos outros meninos.
— A senhora não acreditaria nos insultos que tivemos que suportar, titia
— disse Ben, fechando o punho de um jeito masculino que trouxe um nó
inexplicável à garganta de Ottilia.
— Meu Deus! — exclamou, tentando manter a voz calma. — Suponho
que não preciso perguntar se usaram os punhos para punir os ofensores.
— Claro que usamos — disse Tom. — Logo os nocauteamos.
— Bem, alguns deles pelo menos — emendou Ben com sinceridade. —
Levamos uma surra dos maiores.
— Sim, levamos — o irmão concordou entusiasmado. — Fiquei
ostentando um olho roxo por vários dias, Tittilia.
— Meu Deus, deve ter parecido muito heroico — disse Ottilia com
admiração.
Ambos os meninos caíram na gargalhada e um sorriso escapou de seu
marido, que havia se retirado para ficar diante do fogo e estava descansando
um braço ao longo da moldura da lareira. — Gostaria que minhas
cuidadoras tivessem tido uma visão tão inovadora.
Ben olhou para ele. — Tittilia não é nossa cuidadora, tio Fan.
Uma de suas sobrancelhas se arqueou. — Ah, me desculpe. Pensei que
sua tia cuidou dos senhores em todos esses anos.
— Claro que sim, mas não é cuidadora nem governadora — disse Tom.
— O correto é governanta, seu burro — corrigiu o irmão mais velho. —
De qualquer forma, Tittilia não era uma governanta ou algo assim.
— Não, era apenas… apenas… — Tom franziu a testa, lutando por uma
maneira de expressar seu conceito do propósito da tia na vida deles.
— Ela não era nada — disse Ben com firmeza, para diversão de Ottilia.
— Era apenas Tittilia.
— Sim, foi um tempo atribulado. — Uma imagem mental dos dois
pequenininhos de quem Ottilia havia cuidado se sobrepôs às feições
crescidas diante dela. — Ouso dizer que se consideram muito velhos agora
para um abraço?
Por um instante nenhum dos meninos respondeu e então, como se
fossem um só, jogaram-se sobre a tia como faziam antigamente e Ottilia se
viu rindo e chorando ao mesmo tempo ao abraçar primeiro um e depois o
outro imparcialmente.
— Agora vejam o que fizeram, suas criaturas horríveis — reclamou,
quando finalmente consentiram em soltá-la. — Transformaram-me em um
regador.
Os meninos caíram na gargalhada. Tom permaneceu sentado na beirada
da espreguiçadeira com uma mão segurando possessivamente o quadril de
Ottilia, enquanto Ben se posicionava na parte de trás, inclinando-se. Este
olhou para a lareira, dirigindo-se a Francis.
— Tio Fan, quando o senhor e papai vão buscar o corpo?
Ottilia se enchia de alegria ao ver como os dois meninos haviam
adotado o novo tio sem hesitar, mas de fato sempre foram almas amigáveis,
fáceis de lidar e tranquilos com todos. Assim como Patrick, ela refletiu.
— Nós não vamos buscar o corpo, Ben. Esse é um trabalho para os
agentes funerários, mas tenho a chave do quarto onde ele está situado, então
devo acompanhar seu pai.
— Podemos ir? — perguntou Tom ansiosamente.
— Papai disse que não, Tom — o irmão o lembrou severamente.
— Mas quero ver o cadáver.
— Já viu centenas de cadáveres.
— Está exagerando um pouco, Ben — acrescentou Ottilia, lançando um
olhar constrangido ao marido. — Apresso-me a apontar, Fan, que eles não
tinham permissão para comparecer às necropsias, mas esses dois diabinhos
têm o hábito de encontrar maneiras engenhosas de fazer o que não devem.
— Sim, mas nunca chegamos a ver um corpo antes de papai começar a
cortá-lo — reclamou Tom, desconsiderando a menção de seus delitos. — E
queremos ver onde o assassinato aconteceu.
— Não sabemos se houve um assassinato — apontou Francis.
— Tittilia, houve um assassinato? — exigiu Ben, voltando seu olhar
interessado para Ottilia. — Foi a louca quem matou o sujeito?
— Como eu poderia saber as respostas à essas perguntas? — rebateu
Ottilia.
— Porque a senhora sempre sabe as respostas, Tittilia — zombou Tom.
— Só não quer nos contar.
Antes que Ottilia pudesse pensar em como responder, Francis interveio.
— Gostaria que parassem de atormentar sua tia, rapazes. Ela deveria estar
descansando.
Dois rostos incrédulos foram de Francis a Ottilia e vice-versa. Então os
meninos explodiram com desdém
— Tittilia nunca descansa.
— Ela não é como a mamãe, tio Fan.
— De qualquer forma, ela não pode descansar agora — disse Ben em
um tom de quem encerra o assunto —, porque tem um sujeito negro na
porta da cozinha que veio trazer uma mensagem da moça louca para ela.
 
Capítulo 7
 
 
 
 
 
 
 
Ottilia havia atravessado a estrada e começado a subir a ladeira que
levava aos jardins de Willow Court, com o lacaio Hemp ao seu lado com o
braço de prontidão para ajudá-la em caso de necessidade, quando ela
percebeu que estavam sendo seguidos. Virando-se, viu as figuras sorrateiras
de seus sobrinhos um pouco atrás. Ambos os meninos congelaram ao serem
vistos, seus olhares angelicais desmentidos pelas expressões quase idênticas
de culpa que se estamparam em seus rostos. Ottilia olhou para os dois
exasperada, como havia feito tantas vezes quando tomava conta deles.
— A escola não parece tê-los mudado nem um pouco.
Um sorriso formou-se no rosto de Tom. — Mudou sim, pois lá temos
mais oportunidades de fazer travessuras.
Seu irmão lhe deu um peteleco. — Tonto! — Então virou-se para a tia e
explicou: — Não é travessura, Tittilia. Queremos ajudar.
— É mesmo? Que tolice a minha imaginar que estão motivados apenas
pela curiosidade.
Ben parecia um pouco tímido e então um sorriso surgiu. — Bem, isso
também, é claro.
— Suponho que saibam que seu pai, para não mencionar seu tio Fan,
vão ambos me repreender impiedosamente quando chegarem com o Dr.
Sutherland, certo?
Os meninos já estavam se movendo ladeira acima, saltando agilmente
em sua direção.
— Eles não vão nos ver, tia, não tema — prometeu Ben.
— Não, vamos nos esconder — Tom disse entusiasmado. — Somos
bons nisso.
— Como se eu não soubesse. — Ottilia olhou para o lacaio. —
Desculpe-me, Hemp. Fora amarrá-los a uma árvore, não vejo nenhum meio
de impedi-los de vir conosco.
Mas o lacaio parecia estar se divertindo. — Não me importo, milady. Os
meninos não serão um problema.
Ottilia agradeceu, evitando com dificuldade informá-lo de que sua
confiança estava equivocada. Uma coisa era certa, Ben e Tom encontrariam
algum meio de deixá-la envergonhada, a menos que conseguisse mantê-los
ocupados. Ocorreu-lhe uma ideia.
— Bem, se querem ser úteis, é melhor fazer tudo o que puderem para
descobrir sobre a plantação de açúcar e tudo o que aconteceu lá antes da
família vir para a Inglaterra. Atrevo-me a dizer que Hemp poderá lhes
contar muita coisa, se não estiver muito ocupado.
Ela lançou um olhar para o lacaio enquanto falava, mas não teve a
oportunidade de fazer um pedido formal, pois os meninos imediatamente
começaram a bombardeá-lo com perguntas:
— A plantação era grande, Hemp?
— Como tiravam o açúcar das canas?
— Já viu algum pirata no navio?
— Todos os caras lá são grandes como o senhor?
— Aposto que sabe dar um belo soco, Hemp!
Um sorriso lento surgiu no rosto do homem, mostrando um belo
conjunto de dentes brancos. Ele balançou a cabeça ligeiramente e
resmungou, mas havia alegria em sua voz grave. — Ei, meninos! Estão
fazendo minha cabeça girar.
— Perdão, senhor. — Ben acertou o irmão nas costelas. — Devagar,
Tom!
Tom abriu a boca para fazer outra pergunta, mas voltou a fechá-la.
— Primeiro, deixe-me levar a milady até a Srta. Tam — disse Hemp. —
Então conversaremos. Gostariam de uma limonada?
Ambos os meninos aceitaram a oferta com entusiasmo e Ottilia
felizmente retomou seu progresso em direção à casa. Em uma tentativa de
incutir em seus sobrinhos uma ideia da gravidade do assunto, relatou as
circunstâncias da morte de Sir Joslin enquanto desciam as escadas de onde
ele havia caído.
Grande parte da neve havia derretido à medida que o dia esquentava e,
portanto, não foi tão chocante ver Tamasine andando pelos jardins,
acompanhada pela Sra. Whiting. Ou escoltada?
Hemp avançou e Tom inclinou-se para sussurrar para Ottilia. — Aquela
que é a louca?
— Aquela é Tamasine — Ottilia respondeu em voz baixa. — Por favor,
não continue chamando-a de louca.
— Mas ela está brava? — perguntou o menino. — Não parece.
— Então por que está na coleira? — exigiu o irmão com perspicácia.
Assustada, Ottilia olhou mais atentamente. Tamasine estava, de fato, de
alguma forma presa à governanta, com uma corda amarrada na cintura e a
outra extremidade enrolada ao redor do pulso da mulher. Ottilia não podia
avaliar a extensão da distância que as separava, pois estavam juntas
enquanto se moviam.
Céus, era realmente necessário colocar a menina no tipo de corda
destinada a uma criança pequena? Se Giles visse aquilo, ficaria convencido
ou assustado? Particularmente, Ottilia achou patético, sublinhando a
situação triste da criatura linda que era Tamasine Roy. Realmente, era difícil
acreditar que ela fosse capaz de arquitetar um plano para se livrar de seu
guardião.
Hemp já havia alcançado as duas e ambas olharam para Ottilia.
Tamasine acenou. Ordenando aos meninos que esperassem por Hemp onde
estavam, Ottilia seguiu em frente. Não tinha visto a Sra. Whiting a não ser
brevemente antes, e ficou agradavelmente surpresa ao descobrir que os
modos da mulher eram muito mais acolhedores do que os da Srta. Ingleby.
— Ah, a senhora deve ser Lady Fan, de quem tanto ouço falar. Espero
que perdoe as deficiências da casa nesta ocasião.
Ottilia sorriu.
— Dificilmente se pode reclamar dadas as circunstâncias, Sra. Whiting.
A mulher grunhiu, esticando um pouco o pescoço por causa de sua
baixa estatura. — É muita bondade de sua parte, senhora, mas sei que não
foi devidamente tratada.
Achando prudente abster-se de responder a uma referência óbvia ao
mau humor da dama de companhia, Ottilia voltou sua atenção para
Tamasine, que a olhava com o mesmo olhar de intenso interesse que havia
demonstrado na Dower House. Aqueles momentos pareciam uma memória
distante.
— Espero que esteja bem, Tamasine. — Arriscou.
Não houve resposta e a garota continuou a olhá-la em silêncio.
Um suspiro escapou da governanta. — Estamos um pouco mal-
humorados por aqui, senhora. Ela não gosta de ficar presa, mas é bom para
ela sair ao ar livre e não posso deixá-la fazer isso sozinha.
— Onde está a Srta. Ingleby? — perguntou Ottilia, certa de que, em
geral, não fazia parte das obrigações da governanta cuidar da jovem.
— Essa situação a sobrecarregou muito — disse a Sra. Whiting em um
tom de desculpas e uma sombra surgiu em seu rosto. — Não há mais
ninguém para cuidar das coisas por aqui agora que Sir Joslin se foi. Tudo
será diferente quando a Sra. Delabole chegar.
— Suponho que seja a tia de Tamasine. Já a conhece, Sra. Whiting?
— Não, porque ela nunca visitou Barbados, mas o mestre mantinha
correspondência com a irmã.
— Quer dizer o pai de Tamasine?
— Isso mesmo. Só espero que esteja disposta a cuidar dos assuntos por
aqui, caso contrário, não consigo pensar em como devemos proceder.
Havia um tom irritado em sua voz e Ottilia notou o olhar de Tamasine
para a mulher. Então ela soltou uma de suas risadas.
— Do que está falando, Whiting? Simeon está chegando. Ele vai
administrar tudo.
O rosto da governanta ficou corado. — Sim, é o que pensa, não é,
jovem Tam?
O olhar da garota voltou-se para Ottilia e seu sorriso deslumbrante
apareceu.— Simeon é a melhor pessoa do mundo.
Uma visão evidentemente não compartilhada por outros na casa. — O
que posso fazer pela senhorita, Tamasine?
Os olhos azuis se arregalaram. — Por mim?
— Sim, há pouco enviou Hemp para me buscar.
A expressão da Sra. Whiting mudou para aborrecimento. — Ah, então é
onde ele estava, não é? Garanto que ela já esqueceu que fez isso.
Ottilia não aprovava que a governanta falasse como se Tamasine
estivesse ausente, mas guardou a reprovação para si e dirigiu-se à moça. —
Gostaria de me dizer alguma coisa, talvez?
Tamasine riu novamente. — Gosto que esteja aqui. Queria que viesse
morar conosco.
— Não posso fazer isso. Meu marido ficaria muito desapontado se me
perdesse, sabe?
Tamasine fez beicinho. — Mas preciso da senhora.
— Como assim? Já tem um bocado de pessoas aqui prontas para ajudá-
la.
— Mas a senhora não vai me trancar.
Então era isso. Ottilia não conseguiu pensar em nenhuma resposta
satisfatória a essa observação e mudou de assunto. — Gostaria que me
contasse mais sobre Simeon. Ele é seu primo, não é?
Tamasine franziu a testa, seu olhar mudando para a governanta. —
Whitey não vai deixar eu lhe contar. — De repente, ela empurrou a mulher.
— Não a quero aqui, Whitey. Por que não vai embora?
A Sra. Whiting ficou impassível como uma rocha, colocando os braços
na cintura e encontrando o olhar da garota sem vacilar. A mulher não disse
nada e Ottilia teve que usar sua experiência para combater tais táticas. Ela
não poderia deixar de fazer um esforço.
— Acho que a Sra. Whiting não vai se importar, não é mesmo?
Ela lançou um olhar significativo à governanta enquanto falava.
A mulher hesitou e depois deu de ombros. — Faça como quiser.
Ottilia sorriu para a garota. — Pronto, Tamasine. Pode falar livremente.
Mas a jovem optou por não se valer dessa permissão. — Lavinia não
gosta que eu fique no frio. Vamos entrar.
Depois disso, ela partiu em direção à casa em grande velocidade, quase
puxando a Sra. Whiting do chão. Ottilia habilmente pegou a mulher pelo
braço e a apoiou até que pudesse se mover de forma estável em um ritmo
mais rápido do que seu tamanho permitia.
— Garota miserável — murmurou baixinho. — Faz isso apenas para me
provocar.
Ottilia não fez nenhum comentário, apenas manteve o ritmo ao lado
dela, observando o farfalhar das anáguas de Tamasine enquanto dirigia-se
até a entrada. Ela havia trocado a confecção de lantejoulas por um vestido
de renda de duas camadas com um casaco verde por cima, parecendo-se
com uma debutante inglesa.
A porta se abriu quando o grupo chegou à casa, revelando Lomax, que
segurava a porta com uma expressão descontente. — De volta, milady?
O tom não tinha nada de servidão e endureceu a determinação de
Ottilia. — Sim, Lomax, de fato estou de volta - a pedido da Srta. Roy.
Ele parecia cético, mas a Sra. Whiting a apoiou. — Ela enviou Hemp.
Lady Fan ainda não sabe que deve ignorar essas mensagens.
— Por que eu deveria ignorá-las?
— Imaginei que isso fosse óbvio — disse o mordomo, nem mesmo se
incomodando em acrescentar alguma cortesia.
— Não para mim.
A essa altura, Tamasine havia parado no corredor e estava tentando se
livrar da corda. Nesse momento, a Srta. Ingleby apareceu, saindo de um
cômodo em frente ao salão.
— Pelo amor de Deus! Devo fazer tudo por aqui? Não poderia mantê-la
ocupada por meia hora, Sra. Whiting? — Então notou Ottilia e seus olhos
flamejaram. — O que é isso? Não deixei bem claro que sua ajuda não é
desejada?
— De fato deixou. — Ottilia não pôde evitar o tom mordaz. — Parece
que Tamasine não concorda com isso.
— Ela mandou Hemp ir buscá-la — repetiu a Sra. Whiting.
Tamasine interrompeu a discussão sem cerimônia. — Quando Simeon
chegar, vão todos se arrepender.
— Oh, fique quieta, Tamasine — a Srta. Ingleby disse irritada. — Não
sabe do que está falando.
A garota não prestou atenção. Tendo se livrado de sua ponta da corda, a
jogou na direção de sua dama e zarpou pelo corredor até a sala de estar. —
Venha, Lady Fan.
Ottilia se divertiu um pouco com o tom imperioso, mas aproveitou para
segui-la. Uma discussão furiosa estourou atrás delas, conduzida em um tom
baixo para que Ottilia não conseguisse entender. Ela encontrou Tamasine
pulando em um estado de grande alegria.
— Eles não podem me parar. Acham que me venceram, mas estão
enganados.
Com a mente em chamas, Ottilia não cometeu o erro de pedir um
esclarecimento direto. — Bem, isso é excessivamente inteligente de sua
parte, Tamasine, mas não ia me contar mais sobre seu primo Simeon?
Tamasine girou, levantando as mãos e sorrindo amplamente, assim
como havia feito na neve no início daquela manhã. Ottilia forçosamente
esperou até que ela se acalmasse novamente. Em um momento, a garota
parou de girar e correu para a janela, espiando pelo vidro.
— Giles não veio.
— Ele esteve aqui mais cedo, Tamasine. Não lembra?
Tamasine virou-se, fixando um olhar gélido em Ottilia, seus olhos azuis
de repente demonstrando irritação. — Eles acham que pretendo me casar
com Simeon, mas serei mais esperta. A senhora verá. Há um acerto de
contas a ser feito e ainda não terminei.
Um calafrio percorreu Ottilia. Era essa a voz da inocência? Parecia
pouco crível que a criatura pudesse conceber algum plano e executá-lo. E
esse acerto de contas sinistro? Teria começado com a eliminação de Sir
Joslin Cadel?
No instante seguinte, o brilho voltou ao rosto adorável e Tamasine
dançou, agarrando as mãos de Ottilia em um aperto um tanto doloroso. —
Estou feliz que tenha vindo. Pode ser minha dama de companhia?
Ottilia não perdeu tempo em anular essa ideia, quer isso pudesse ou não
colocar a garota contra ela. Fez um esforço para falar com leveza e
despreocupação. Quem sabia o que poderia desencadear na mente doente da
jovem e torná-la perigosa?
— De fato, não, Tamasine, sou apenas sua convidada. Quando uma
pessoa é casada, sabe, o primeiro dever é para com o marido. Como
descobrirá quando for sua vez.
Tamasine soltou as mãos recuando um passo, seu sorriso
desaparecendo. — Não tenho nenhum dever. Os outros é quem têm um
dever comigo.
— Certamente — Ottilia concordou e habilmente mudou de assunto,
movendo-se para o sofá e tocando o xale colorido sob o encosto. — Admiro
este estilo, Tamasine. É típico em Barbados?
Por um momento, parecia que a garota não ia morder a isca. Ela olhou
carrancuda para o xale, como se não entendesse o significado das palavras
de Ottilia. Então foi para trás do sofá e começou a passar a mão nele.
— Ah, conheço todos elas. Azul, verde, roxo, vermelho e amarelo.
Para o interesse e surpresa de Ottilia, a garota apontou cada pedaço
enquanto citava as cores. Foi assim que a ensinaram? Apenas por
demonstração? Não era inconcebível que tivesse entendido as letras do
alfabeto da mesma maneira, mas se poderia ter sido induzida a reconhecer o
simbolismo das letras agrupadas, ainda era uma questão.
Deixando o xale, ela moveu-se para a lareira, olhando-se no espelho,
mas Ottilia notou que não era aquele olhar crítico comum que se via em
outras moças enquanto procuravam por cachos errantes ou alguma marca
defeituosa. Em vez disso, Tamasine olhava diretamente em seus próprios
olhos, quase como se pertencessem a outra pessoa com quem falava.
— Joslin não quer que eu me case com ninguém porque tenho todo o
dinheiro. — Ela virou-se de repente e Ottilia mais uma vez se viu
recebendo um daqueles olhares fixos e arrepiantes. — Ele morreu, sabe?
Não pode me impedir se estiver morto.
Assustada e perturbada, Ottilia não sabia o que responder. Suas
suspeitas sobre a garota cresceram dez vezes mais. Por mais difícil que
parecesse, responsabilizá-la por um esquema assassino com um motivo
confessado livremente não poderia deixar de levantar suspeitas. Jogando a
cautela ao vento, arriscou tudo em um único lance:
— É por isso que o empurrou, Tamasine?
O olhar azul vacilou e a garota pareceu abruptamente vulnerável. Um
pequeno suspiro deixou seus lábios e sua pele lisa enrugou-se. — Eu? Não
me lembro.
— A senhorita disse que o matou — Ottilia perseguiu obstinadamente
mesmo receosa.
Um gemido escapou da garota. — Onde está Lavinia? Por que não está
aqui?
A mente de Ottilia estava repleta de suposições, mas não conseguia
achar correto empregar seus métodos implacáveis habituais com essa moça.
Então adotou um tom cuidadosamente casual:
— Gostaria que eu chamasse a Lavinia?
Tamasine não respondeu. Ela colocou as mãos na cabeça e puxou o
cabelo, enquanto pequenos tremores passavam por seu rosto. Seus olhos se
moveram de um lado para outro.
Ottilia observava sem falar. O que isso indicava? Era real? Parecia
quase como se ela estivesse atuando, pois não havia mostrado antes uma
conduta comparável a esta.
Ela tentou um tom gentil:
— Tamasine?
A garota olhou-a, mas não respondeu. Em vez disso, atravessou a sala e
abriu a porta, onde ficou parada por um momento, aparentemente
examinando o corredor. Então lançou um olhar alegre por cima do ombro.
— Todos se foram. Estou livre.
Ela desapareceu e, apesar de Ottilia ter corrido até a porta, já era tarde
demais para ver para onde ela estava indo, porém conseguiu ouvir passos
rápidos na escada de madeira e supôs que a jovem havia escapado para os
andares de cima.
A consciência de Ottilia a impelia a fazer algo, embora não soubesse
como proceder. Atravessou o corredor e foi bater na porta pela qual a Srta.
Ingleby havia saído antes. Não houve resposta. Depois de um momento,
Ottilia girou a maçaneta e olhou para dentro, encontrando uma sala de
livros que espelhava a sala do lado oposto em tamanho. Lançando um olhar
de volta para o corredor, aproveitou a oportunidade e entrou.
Havia uma escrivaninha próxima a janela e uma coleção de papéis e
registros espalhados em sua superfície dando um testemunho da atividade
atual da Srta. Ingleby. Dois livros estavam abertos, um em cima do outro, e
vários documentos, com os lacres já violados, estavam desordenadamente
empilhados, como se uma mão apressada os tivesse remexido. Uma carta
recém-lacrada estava no mata-borrão e Ottilia leu o destinatário.
Estava endereçada à Sra. Ruth Delabole do Condado de Berkshire. Ela
esperava que a Srta. Ingleby pretendesse despachar a carta com urgência.
Quanto mais cedo a mulher chegasse, melhor, e sem dúvida ela não perderia
tempo se soubesse do que se tratava.
Uma olhada nos livros mostrou que se referiam às despesas
relacionadas à limpeza e Ottilia voltou sua atenção para os documentos
abertos. Sem tocar em nada, examinou o do topo e algumas linhas lhe
disseram que estava olhando para a instrução que nomeava Sir Joslin Cadel
guardião de Tamasine Roy. A Srta. Ingleby estava procurando descobrir se
o pai de Tamasine tinha feito provisão para o caso da morte de Sir Joslin?
Ottilia lembrou-se de sua atitude defensiva quando questionada sobre esse
ponto.
Seus dedos coçavam para vasculhar a pilha, pois não conseguia
distinguir nada de valor nas poucas palavras visíveis nos papéis abaixo. Não
tinha o direito de estar examinando nada e poderia com justiça ser criticada
por ter ido até esse ponto. No entanto, um pressentimento insistiu que
procurasse mais.
Evitando mexer nos papéis, Ottilia examinou os pequenos
compartimentos na parte superior, que continham o sortimento habitual de
sinetes, cera, canetas e quinquilharias. Voltou-se para uma gaveta estreita no
centro da escrivaninha e encontrou uma coleção de pergaminhos prontos
para uso, com recados espalhados em notas amarelas. Descobriu que as
gavetas fechadas de cada lado estavam cheias de documentos, alguns em
pacotes amarrados, outros em grupos desordenados.
Ottilia sentiu uma pontada de compaixão pela desavisada Sra. Delabole,
que herdaria essa confusão, a menos que se mostrasse disposta a deixar a
maior parte para um consultor jurídico. Estava prestes a fechar a última
gaveta quando um trecho de uma carta desdobrada chamou sua atenção.
“… se parece muito com a conduta de minha pobre Florine
encarcerada…”
Sem pensar, Ottilia tirou a carta da gaveta e correu os olhos pela folha.
Estava endereçada a Sir Joslin e escrita de forma irregular, o que sugeria
que quem a escreveu estava trêmulo ou enfermo. Estava assinado
“Matthew” e o homem suplicava que sua filha fosse tratada com gentileza.
“No senhor, meu primo e amigo mais querido, coloco minha confiança
enquanto lhe encarrego do cuidado de minha pequena alma torturada. Ela
não vai lhe sobrecarregar por muito tempo, tendo sido moldada como sua
triste mãe, mas enquanto ela viver, conjuro sua misericórdia em nome dela.
Que seja tão livre quanto possível, sem prejudicar ninguém ou a si mesma.”
Havia mais na mesma linha, mas as dicas contidas ali foram suficientes
para incendiar a mente de Ottilia. Ela olhou para o papel, lendo as palavras
novamente enquanto seus significados penetravam em seu cérebro.
Tamasine havia herdado essa condição?
Então ela poderia ser perigosa. O que a desafortunada Florine tinha feito
para se mostrar louca o suficiente para ser isolada do mundo? O que dizer
dessa ideia de que a garota poderia não viver muito? Ironicamente, era o
guardião que havia deixado esta terra. A mãe poderia ter morrido como
resultado de algum ato de insanidade? Ou tirado a própria vida?
Essas conjecturas foram interrompidas pelo som de passos no corredor
do lado de fora, aparentemente aproximando-se da porta. Ottilia enfiou a
carta de volta na gaveta às pressas e a fechou. Procurando uma maneira de
escapar, dirigiu-se a uma segunda porta que dava para o corredor.
Deslizando por ela, encostou-a rapidamente sem fechá-la completamente e
então colocou o olho na fresta para ver quem poderia entrar na outra sala.
Ouviu o som da porta se abrindo e passos cruzaram até a mesa. Pelo que
conseguiu perceber, o intruso era do sexo masculino. Seu olhar desceu pelas
pernas do desconhecido e subiu novamente para as costas e identificou uma
cabeleira amarrada em uma trança. O mordomo Lomax!
Ottilia prendeu a respiração, segurando a porta com medo de que ela
escorregasse de suas mãos. Pelo que conseguia ouvir, o sujeito estava
separando papéis. Então ele abriu uma gaveta e vasculhou dentro. Um som
fraco de um suspiro a alcançou. Satisfação? A gaveta se fechou e o homem
saiu de sua linha de visão por um instante. Então ele a atravessou o cômodo
novamente e seus passos disseram à Ottilia que ele estava indo em direção à
porta.
Ela hesitou, tentando se decidir se poderia entrar de novo com
segurança na sala e seguir o caminho para o corredor, mas se Lomax ainda
estivesse por perto, ou pairando no próprio corredor, ela se entregaria.
Pensando em procurar outra saída, Ottilia fechou a porta da sala de livros
gentilmente. Virando-se, quase colidiu com a Srta. Ingleby.
Capítulo 8
 
 
 
 
 
 
 
A dama de companhia, de pé a poucos passos da sala em que Ottilia
entrara, olhou-a com um ar de satisfação e desdém.
— Espionando de novo, Lady Francis?
Ottilia optou pela verdade crua. — Sim, temo que sim. — Ela
gesticulou. — Acho que Lomax pegou algo de uma das gavetas de lá.
Uma careta rápida varreu a expressão da Srta. Ingleby e ela começou a
avançar, empurrando e abrindo a porta da sala de livros. Ottilia a seguiu,
observando enquanto a mulher se dirigia rapidamente à escrivaninha e abria
uma das gavetas. Ela olhou para seu conteúdo brevemente e fechou-a
novamente. Ao repetir a ação com as outras gavetas, Ottilia interveio:
— Não posso imaginar que descobrirá exatamente o que foi levado, mas
tenho quase certeza de que era uma gaveta específica. O mordomo sabia o
que estava procurando.
A Srta. Ingleby parou com os dedos na maçaneta da gaveta do meio e
olhou por cima do ombro. — Assim como a senhora?
— Eu estava apenas folheando. Não tenho conhecimento do conteúdo
dessa escrivaninha.
Um olhar abrasador foi toda a resposta da mulher, que voltou sua
atenção para as gavetas, continuando de onde havia parado.
Ottilia foi para o outro lado da escrivaninha, para observar melhor o
rosto da mulher. Havia um olhar de insatisfação reprimido.
— Acredito que Lomax vasculhou esses documentos empilhados antes
de abrir a gaveta — informou.
A Srta. Ingleby lançou um olhar superficial sobre os papéis antes de
virar-se para Lady Fan.
— A senhora leu?
— Sim, olhei por cima e observei o que os registros poderiam conter,
mas não vasculhei a pilha.
— A senhora me surpreende — disse com desprezo.
Ottilia achou que uma confissão honesta lhe serviria melhor. Se a Srta.
Ingleby estivesse convencida de sua franqueza, poderia obter mais da
criatura.
— Eu olhei nas gavetas.
A dama ainda estava abrindo e fechando as gavetas sem fazer nenhum
esforço real para olhar dentro. Ottilia acreditava que estava empenhada
principalmente em um exercício para aliviar a ansiedade, pois certamente
não havia metodologia em suas ações.
— Encontrou algo interessante?
— Sim. — A Srta. Ingleby acalmou-se. Seus olhos voltaram para
encontrar os de Ottilia. Havia alarme neles? Ela não falou, mas não era
difícil adivinhar o que se passava em sua mente. — Acho que encontrei um
memorando do Sr. Roy para Sir Joslin. Escrito, eu suspeito, quando estava
debilitado e possivelmente próximo da morte.
Ela permitiu que a informação fosse absorvida e pôde ver pela
expressão afiada da Srta. Ingleby, que ela sabia sobre o documento. Ottilia
atacou:
— Florine estava perturbada, não estava? A esposa do Sr. Roy?
Precisou ser trancada permanentemente. Por que, Srta. Ingleby? O que ela
fez?
As feições da mulher estavam tensas e seu olhar sombrio. Com raiva?
Sofrimento? Ambos talvez. Sua voz era gelada, mas uniforme. — Foi antes
do meu tempo.
— No entanto, tenho certeza de que conhece a história. Como ela
morreu?
Os lábios da mulher se apertaram. Olhando para baixo, empurrou os
livros e os papéis para as gavetas, efetivamente escondendo tudo da visão
de Ottilia. Tirando uma chave de um bolso dentro de suas anáguas, trancou
as gavetas com uma espécie de floreio e ergueu os olhos novamente,
lançando um olhar triunfante à Ottilia.
— Deveria ter feito isso antes, se tivesse me ocorrido que um convidado
indesejado poderia se intrometer em assuntos que não são da conta dele.
A repreensão foi justa, mas Ottilia não sentiu remorso. Havia um
assunto ali exigindo investigação e preferia ser insultada do que se conter
apenas para descobrir que todos os vestígios de evidência haviam sido
removidos. Particularmente em vista da ação do mordomo e principalmente
no que diz respeito à possibilidade de Tamasine ter despachado seu
guardião para outro plano de existência.
Perguntava-se qual a melhor forma de responder quando o toque da
campainha da porta da frente a tirou da necessidade de fazer isso.
Uma exclamação impaciente escapou da Srta. Ingleby e ela virou-se
para a porta. Abrindo-a, olhou incisivamente para Ottilia e uma mão a
convidou a sair da sala de livros. Ela obedeceu e encontrou o lacaio Cuffy
que entrou pela porta dos criados que ficava nos fundos, dirigindo-se à
entrada da frente. Era Patrick, chegando com o médico local e Francis para
remover o corpo.
A diferença de atitude em relação ao grupo encabeçado pelo Dr.
Sutherland foi marcante.
Lomax o tratou com a devida deferência de um criado e a Srta. Ingleby
assumiu sua melhor maneira social, que os Fanshawes tinham visto no
início da manhã em Dower House. Ottilia supôs que a demonstração de
oficialismo era a responsável, embora Sutherland tivesse dispensado os
serviços do médico legista, que não pôde ser encontrado.
— De qualquer forma, ele confiará na autópsia para tomar sua decisão
sobre um inquérito — explicou o médico, que aparentava ser um homem de
idade avançada e se mostrara bem familiarizado com a família Polbrook.
Ottilia se divertiu ao descobrir que havia visto seu marido vir ao mundo
e cuidado de seus males infantis. — Caro senhor, sinto que devo interrogá-
lo atentamente para garantir que não fui enganada.
Sutherland riu. — Não posso pensar que Lorde Francis tentaria
esconder seus pecadilhos juvenis. Agora, se fosse seu irmão…
Mas nesse ponto, Sutherland evidentemente sentiu que estava
ultrapassando o limite, pois repreendeu-se e virou-se para o mordomo,
pedindo para ser conduzido aos restos mortais de Sir Joslin.
Ottilia não acompanhou o grupo, que contava com Patrick, Francis, e
dois homens da funerária que carregavam uma maca, mas contentou-se em
trocar um olhar eloquente com o marido na esperança de avisá-lo de que
havia bastante assunto para discutirem. Em vez disso, quando viu Cuffy
inclinado a segui-los, aproveitou a oportunidade e o saudou em um tom
baixo que visava atrair sua atenção sem despertar a da Srta. Ingleby. A
dama havia seguido até o primeiro lance e estava de pé acompanhando os
homens.
— Cuffy, uma palavra, por favor?
O lacaio parou no primeiro degrau e olhou para trás.
Ottilia sorriu.
— Já há uma multidão lá em cima, não acha?
Com uma relutância evidente, ele abandonou seu propósito e desceu a
escada, suas feições mostrando novamente o olhar sombrio que sinalizava
sua perda.
— Milady?
Ottilia baixou o tom quase a um sussurro. — Se oporia a entrar na sala,
Cuffy? — Uma linha curta apareceu entre suas sobrancelhas e Ottilia supôs
que ele estava muito envolvido no luto para adivinhar seu propósito. — Não
quero ser ouvida.
Com isso, seus olhos ficaram um pouco vivos e ele olhou para a figura
imóvel da Srta. Ingleby.
— Exato — Ottilia disse e foi em direção à sala de estar.
O lacaio passou para abrir a porta e a seguiu para dentro. A porta se
fechou com um clique suave e Ottilia virou-se para encontrar o homem
movendo-se para o espaço aberto da sala.
— Espero que meus sobrinhos não tenham sido um problema para o
senhor. — Ela arriscou, para abrir caminho.
Ele ecoou as palavras de seu colega. — Problema nenhum, senhora.
Gostaria de falar sobre a morte do Mestre Jos?
— Direto ao ponto, Cuffy — disse em apreciação. — Sim, quero falar
sobre isso. Era próximo de Sir Joslin e espero que possa me ajudar a
descobrir a verdade.
Os olhos escuros de Cuffy flamejaram. — Alguém matou Mestre Jos?
— Ainda não sei — Ottilia respondeu com sinceridade —, mas não
posso evitar algumas suspeitas. Conhece alguém que poderia querer se
livrar dele?
Lentamente, o lacaio balançou a cabeça. — Ele era um homem bom.
Doente, mas bom.
Ottilia aproveitou — Doente como, Cuffy? O que havia de errado com
ele?
Sua mão grande e a bateu no peito. — O mestre tinha um pulmão ruim.
A febre o pegou e seu pulmão nunca mais foi bom.
— Há quanto tempo ele sofreu desse mal que atingiu os pulmões?
— Muitos anos. Dez, talvez quinze. Mestre Jos não estava trabalhando
em sua plantação, vendeu o lugar. Ele trabalhava apenas para o Mestre
Matt.
Ottilia apressou-se em desvendar isso. — Está dizendo que Sir Joslin
tinha suas próprias terras, mas não poderia administrá-las depois de sua
doença? Então ele tinha algum capital próprio? Da venda, quero dizer.
— Ele não era um homem rico. Estava tentando administrar sua
plantação, mas não deu certo. O administrador de lá o enganou. Mestre Jos
perdeu dinheiro e vendeu a plantação por um valor baixo.
— Então foi por isso que ele teve que trabalhar para o Sr. Roy.
— Mestre Jos não trabalhava muito, ele cuidava dos livros de registro;
também procurava ensinar o Sr. Simeon a fazer e destilar açúcar.
Ottilia apurou o ouvido. Simeon de novo? — Simeon era um bom
aprendiz?
Um ruído desdenhoso escapou dos lábios de Cuffy. — Ele não gosta de
aprender. Não gosta de trabalhar. É um menino preguiçoso.
Arquivando essa informação interessante em sua mente, Ottilia voltou
ao assunto de Sir Joslin. — Suponho que seu mestre tenha sofrido
recorrências da doença. — Ela viu a perplexidade no rosto do homem e
simplificou a pergunta: — Ele ficou doente mais vezes?
Uma sombra escura pareceu cruzar o rosto do lacaio e ele soltou um
suspiro profundo. — O mestre ficava mal várias vezes e tinha muita dor. —
Novamente o sujeito tocou seu próprio peito.
— Até aqui? Nestes últimos meses?
Os olhos de Cuffy exalavam tristeza. — Aqui é muito frio, milady. Não
era bom para o peito do Mestre Jos. Ele ficava muito doente.
Ottilia olhou para o sujeito. Ela deveria ir tão longe sem o benefício da
autópsia?
No entanto, se não tentasse agora, quem sabe quando outra
oportunidade se apresentaria?
— Ele tomava ópio para a dor, não tomava, Cuffy?
O homem se encolheu como se tivesse recebido um golpe. Seus olhos se
arregalaram e suas narinas se dilataram. Com a voz rouca, perguntou— Por
que a pergunta? Por que acha isso?
— Porque encontramos um frasco de láudano no quarto dele, Cuffy —
disse Ottilia com frieza, sem desviar os olhos do rosto dele.
O homem desviou o olhar e estendeu a mão, como se sinalizasse uma
pausa. Estava claramente ponderando o que deveria fazer, os olhos escuros
movendo-se sem parar. Então recuou um passo ou dois e o tom rouco
apareceu em sua voz novamente:
— Devo ir, madame. Tenho muito trabalho a fazer.
Ottilia observou-o sair da sala, se perguntando se Cuffy tinha alguma
noção de como sua reação exagerada a convencera de que Sir Joslin era de
fato um viciado em ópio.
Sons vindos do andar de cima indicavam a remoção do cadáver da casa
e Ottilia saiu para o corredor, onde encontrou Cuffy imóvel olhando para os
homens que sob a direção de Sutherland desciam cuidadosamente as
escadas, carregando a maca com sua triste carga escondida por um cobertor.
Ottilia percebeu que Patrick e Francis estavam na retaguarda, e Lomax
um pouco atrás. Na periferia de sua visão, notou o grupo de criados se
aglomerando na porta de baeta verde no fundo do corredor, com Hemp
entre eles.
Lembrando-se de seus sobrinhos, Ottilia lançou um olhar rápido ao
longo da fileira e soltou um suspiro de alívio ao notar a ausência de Tom e
Ben.
O único som no local era o murmúrio da voz do médico enquanto ele
mantinha um olhar atento sobre os procedimentos, e os passos pesados dos
homens descendo as escadas. Assim que chegaram ao pé da escada, a porta
da sala de livros se abriu e a Srta. Ingleby apareceu. A mulher deu uma
olhada para a maca coberta e a expressão de irritação que assumia mudou
no mesmo instante. Um gemido de angústia escapou de seus lábios.
O mundo pareceu parar por um instante. O médico virou-se em choque.
Os homens que carregavam a maca pararam, assim como os que estavam na
escada. Todos os olhos se voltaram para a Srta. Ingleby.
Então a criatura moveu-se com rapidez, jogando-se na direção da maca
enquanto sua garganta se abria para dar lugar a sons perturbados. Por
instinto, o Dr. Sutherland adiantou-se para interceptá-la, segurando-a
enquanto lutava para alcançar o homem morto.
Com o coração apertado, Ottilia correu pelo corredor, pegando as mãos
agitadas da mulher. — Não, Lavinia, não! Deixe-o em paz, minha querida.
Deixe-o ir.
A Srta. Ingleby não ouviu ou não deu atenção, pois seus gritos
redobraram enquanto seus olhos transmitiam seu tormento interior.
Sutherland, por sua vez, pedia aos padioleiros que se apressassem pelo
corredor e saíssem pela porta que alguém mantinha aberta.
Ottilia estava fazendo de tudo para evitar que a mulher explodisse e
ficou agradecida ao ver Francis e Patrick indo em seu auxílio. Os dois
cavalheiros agarraram a criatura, deixando Ottilia livre para tentar tirá-la da
dor incontrolável que havia fervilhado nela o dia todo. Medidas drásticas
eram necessárias e Ottilia ergueu a mão e desferiu um tapa na bochecha da
mulher.
— Já chega, está me ouvindo?
O choque fez com que as lamentações da Srta. Ingleby parassem
abruptamente. Seus olhos se concentraram no rosto de Ottilia. Ela prendeu a
respiração uma ou duas vezes e então começou a chorar baixinho, caindo de
joelhos.
— Cuffy! — chamou Francis.
O lacaio disparou para a frente e Ottilia se afastou quando ele agarrou a
mulher que afundava e a ergueu em seus braços fortes. Ottilia estava prestes
a indicar a sala de estar quando foi impedida pela figura anã da governanta,
que ela nem havia notado chegar.
— Por aqui, Cuffy.
Houve uma onda de pessoas em direção à porta da sala. Ottilia observou
os criados se aglomerando ao redor e virou-se para encontrar o marido
ainda ali, mas o irmão indo rapidamente para a porta da frente.
— Patrick foi alcançar Sutherland para ter certeza de se juntar a ele na
autópsia — informou Francis.
Ottilia agarrou o braço dele e perguntou em um sussurro urgente. — O
quarto está destrancado?
— Sim, e dei a chave ao Lomax. Por quê?
Olhando rapidamente ao redor, Ottilia avistou o mordomo discutindo
com os criados, presumivelmente em uma tentativa de mandá-los cuidar de
seus afazeres. Não havia tempo a perder. Ela voltou-se para o marido e
disse:
— Evite que ele me siga, Fan.
Sem mais delongas, ela deslizou para as escadas e começou a subir
ligeiramente. Ao aproximar-se do quarto de Sir Joslin, viu que a porta
estava aberta. Francis tinha deixado assim? Desacelerando, Ottilia suavizou
os passos, andando na ponta dos pés até a porta, espiando atentamente.
Um indivíduo bem baixo com um cabelo loiro familiar estava ocupado
na frente da cômoda, inspecionando as garrafas espalhadas ao longo de sua
superfície. Ottilia soltou o fôlego e entrou no quarto, apenas para avistar
outro indivíduo ajoelhado perto da cama. Ela dirigiu-se a um deles
primeiro:
— E o que espera encontrar debaixo da cama, Tom?
O menino endireitou-se, virando-se tão rapidamente que quase perdeu o
equilíbrio. Seu sorriso travesso apareceu quando se pôs de pé. — Aranhas e
barratas.
— Baratas — corrigiu o irmão automaticamente. Ele virou-se
bruscamente ao som da voz de Ottilia e suas bochechas ficaram
ligeiramente vermelhas. — Não esperava vê-la, Tittilia.
— Evidentemente. — Ela não desperdiçava palavras em seus sermões,
mas de qualquer forma, seria inútil, pois os diabretes eram muito bons em
inventar desculpas. — Descobriram alguma coisa útil?
Os olhos de Ben começaram a brilhar. — Devo dizer que sim.
Tom saltou para o irmão, colocando a mão na boca dele e sussurrando
um aviso:
— Não diga nada sobre o…! — Ele se interrompeu, lançando um olhar
consternado à Ottilia.
Ela raciocinou rapidamente. Nunca precisou exigir uma resposta dos
dois. Olhando para a cômoda, notou que as gavetas estavam semiabertas. —
Segredos? Muito bem, não vou me intrometer, mas se pegaram alguma
coisa deste cômodo, permita-me avisá-los de que pode ser uma evidência.
Dois pares de olhos trocaram olhares angustiados. Ottilia esperou. Os
ombros de Tom caíram e sua mão mergulhou no bolso. O menino pegou um
punhado de itens embrulhados e os estendeu.
— São doces, Tittilia. Há muitos e muitos lá. Não achei que sentiriam
falta de alguns.
Ottilia pegou um. Era espesso e alongado, bem grande para uma
confecção individual e havia uma inscrição em letras pretas na embalagem
branca.
— Flora Sugars — ela leu. — Onde exatamente encontrou isso?
Ben afastou-se da cômoda, abriu a gaveta de cima e afastou-se quando
Ottilia foi olhar, pousando a embalagem.
— Tem de todos os tipos aqui, Tittilia. E não são apenas doces. Veja!
A gaveta era um amontoado de quinquilharias de papel, embalagens de
todos os tipos, um par de lenços de bolso amassados, uma fivela de latão
estranha, várias fitas, várias caixas de rapé, pentes de prata e de osso, e
anéis jogados descuidadamente entre os demais.
A mão de Tom surgiu sorrateiramente e Ottilia bateu nela. — Não
toque!
— Mas eu só ia lhe mostrar as embalagens de doces — ele disse em um
tom magoado. — Nós não pegamos esse, Tittilia. Veja, há caramelos e
balas.
— E amêndoas açucaradas — acrescentou Ben, estendendo a mão para
mostrar a embalagem em questão.
O interesse de Ottilia foi despertado. Era estranho que aquelas
embalagens, também rotuladas como Flora Sugars, informassem seu
conteúdo. O pacote estava aberto, então ela o ergueu e olhou dentro dele.
Restavam apenas alguns doces sortidos, mas era o suficiente para apontar a
diferença.
— Quantos dos outros pegou, Tom? — Ele colocou os dois lado a lado,
lançando um olhar ao irmão ao mesmo tempo. Ben suspirou e enfiou a mão
no bolso, tirando um único pacote. — Isso é tudo?
Ben sorriu. — Não sou tão ganancioso quanto ele. — E então ele o
colocou junto aos outros.
Ottilia olhou para os quatro pacotes. Eram itens de confeitaria? Eram
excessivamente grandes. Uma ideia estava flutuando no fundo de sua
mente, mas precisaria do vasto conhecimento de Patrick. Deveria apreendê-
los, mas tendo advertido os meninos, não poderia embolsá-los ela mesma.
Ela se comprometeu, pegando um e colocando o restante de volta na gaveta.
— Preciso que seu pai olhe um desses — disse enfiando-o no bolso.
— Por que, Tittilia?
— Como um doce pode ser uma evidência?
— Isso precisa ser analisado — respondeu, vasculhando a gaveta
quando um pensamento lhe ocorreu. Se estivesse certa, deveria haver
pacotes vazios. Ou ele os teria jogado fora? Sir Joslin era evidentemente um
homem descuidado. Poderia tê-los descartado na gaveta junto com o pacote
meio vazio de caramelo.
— O que está procurando, Tittilia?
— Pacotes vazios. Consegue ver um cesto de papéis em algum lugar?
Como um só, os meninos varreram a área, mergulhando aqui e ali para
encontrar. Tom soltou um grito de triunfo, saltando para a parte de trás da
cômoda e subindo com um cesto nas mãos. Ben remexeu instantaneamente
o interior do cesto e Ottilia interveio:
— Tome cuidado! Deixe-me ver.
Mas seu sobrinho estendeu a mão, segurando uma embalagem
amassada. — É isso que a senhora quer?
Ottilia pegou-a e esticou-a, procurando o rótulo. Não havia nada a
respeito da composição. “Flora Sugars” era a única informação fornecida.
Antes que pudesse impedi-lo, Tom virou o cesto, derramando seu conteúdo
no chão e as duas cabeças loiras se curvaram sobre o entulho, vasculhando
com as mãos. Ottilia estava de pé sobre eles.
— Existem mais?
Foram cinco ao todo. Seus sobrinhos as espalharam na superfície da
cômoda e Ottilia as olhou com uma excitação crescente. Isso poderia
explicar tudo. Instruiu os meninos a limpar a bagunça e colocou as
embalagens na gaveta, deslizando-as sob a bagunça para mantê-las
escondidas. Sabendo que os sobrinhos a bombardeariam com perguntas sem
resposta, aproveitou-se que estavam distraídos com a tarefa.
— Onde mais andaram vagando?
— Por vários lugares — disse Ben, retomando sua inspeção das garrafas
e potes em cima da cômoda. — O que é isso? — Ele puxou uma rolha,
cheirou e então recuou. — Isso é nojento. Que coisa é essa?
Ottilia recolheu a garrafa. — Não mexa nisso. — Colocando a rolha no
lugar, largou a garrafa e foi obrigada a interceptar a mão de Tom quando o
garoto estendeu o braço para a garrafa. — Já disse, não mexam em nada. —
Então afastou os dois meninos da cômoda. — Espero que não tenham sido
vistos.
— Claro que não — zombou Tom.
— Nós subimos e descemos e ninguém nos viu.
— Deveriam estar conversando com Hemp e não correndo pela casa.
— Hemp ficou ocupado, então decidimos explorar.
— Sim, e ficará feliz por termos feito isso, Tittilia, adivinhe só?
— Ela nunca vai adivinhar — disse Tom com desdém. — Espere até
ouvir, Tittilia. Não vai acreditar.
Sem muita expectativa, Ottilia levantou as sobrancelhas. — Adivinhar o
quê?
— Está bem no topo da casa — disse Tom.
— O quê?
Ben colocou a mão sobre a boca do irmão. — Pare com isso, Tom!
Qualquer um pode ouvir se gritar assim.
Tom parecia arrependido, mas afastou a mão, baixando a voz para um
sussurro:
— É um quarto, Tittilia.
— Um quarto? Entendi. Achei que fossem me surpreender com um
esqueleto, pelo menos.
Ben lançou a ela um olhar de reprovação. — Isso é sério, Tittilia. — Ele
baixou a voz e aproximou-se. — A senhora deveria ver. Há grades nas
janelas e colchões nas paredes, além de um no chão.
— E não há mais nada — disse Tom com os olhos brilhando de
entusiasmo.
— Sabe o que pensamos, tia?
Mas Ottilia, atingida por uma sensação decididamente desagradável em
suas entranhas, já havia adivinhado enquanto Ben explicava:
— Achamos que é onde colocam a louca, quando fica perigosa.

Seguindo o sobrinho escada acima, Ottilia sentiu-se aliviada por não ter
mais chances de encontrar a Srta. Ingleby, que esperava que estivesse
seguramente abrigada no salão do andar de baixo. Era improvável que
surgisse uma oportunidade melhor. Ela havia enviado Ben para contar a
Francis o que estava acontecendo - um alívio para sua consciência inquieta.
Uma onda de antecipação passou por ela, juntamente com um
sentimento de satisfação. Agora não poderia haver dúvidas da perturbação
de Tamasine. A menos que houvesse um perigo real de dano, não
confinariam uma pessoa em um quarto com colchões nas paredes. A garota
era um perigo para si mesma mais do que para os outros? Estava propensa a
se colocar em risco durante um surto?
Tom, esgueirando-se pela escada estreita, chegou ao topo, parou e
virou-se exclamando em um sussurro. — Tem alguém aqui em cima,
Tittilia!
— Deixe-me ir lá, Tom!
Lady Fan passou pelo sobrinho e parou, ouvindo atentamente enquanto
olhava ao longo do corredor escuro do sótão, iluminado apenas pela luz que
vinha sob os beirais das janelas empoeiradas. Um leve som de assobio
chegou aos seus ouvidos. Sim, certamente alguém estava lá.
— É aqui que os criados também ficam alojados?
— Não, eles não ficam, Tittilia. Hemp disse que ficam no andar de
baixo, na parte de trás da casa.
— O lugar estava deserto quando veio mais cedo?
Tom assentiu, inclinando-se para frente como se tentasse captar os sons.
— Acha que é a louca?
Ottilia levou um dedo aos lábios. Se fosse Tamasine, ela tinha audição
suficientemente aguçada para captar seus murmúrios. Preferiria surpreender
a garota do que ser surpreendida.
— Fique atrás de mim, Tom.
Ottilia precisava fazê-lo permanecer onde estava, mas era improvável
que o garoto obedecesse a tal ordem. Além disso, estava muito consciente
de uma estranha sensação de apreensão. Não havia como dizer em que tipo
de condição alguém poderia encontrar Tamasine, mas o desejo de ver por si
mesma o que os meninos haviam descrito era forte demais para ser negado.
Mais uma vez, movendo-se na ponta dos pés, Ottilia foi até o final do
corredor e parou. O assobio havia cessado. Respirou fundo para ganhar
coragem e em um movimento rápido, virou-se para fazer a curva.
O corredor estava vazio. Ela colocou a mão contra a parede e espiou um
pouco, olhando ao longo de sua extensão. Uma sombra se moveu na
extremidade oposta. Sua respiração se apertou e o coração congelou dentro
do peito. Olhando para a penumbra, podia apenas distinguir um rosto oval
pálido e o contorno de um vestido.
Ottilia engoliu o medo e chamou. — Tamasine?
Não houve resposta. Podia ouvir Tom respirando atrás dela e ficou mais
tranquila. Pelo menos não estava sozinha com a criatura. Tentou
novamente:
— Tamasine? É a Lady Fan. Vim para vê-la.
Por um longo momento não houve nada. Então um som semelhante a
sinos soando ecoou pelo corredor. A risada de Tamasine. Um instante
depois, a menina dançou na luz radiante.
— Lady Fan, Lady Fan, Lady Fan! Veio ver meu ninho?
Ela respondeu por instinto. — Sim, posso vê-lo?
Tamasine parou no meio do caminho e estendeu a mão, desaparecendo
em uma abertura.
— Aqui! Venha! Venha e veja!
Ottilia pôde ouvi-la tagarelar lá dentro. Ela estremeceu ligeiramente,
agora relutante em segui-la.
— A senhora vai entrar, Tittilia? — O sussurro de Tom soou alto demais
na penumbra.
— Acho que sim. Espere aqui.
Cautelosa, moveu-se silenciosamente pelo corredor. Quando
aproximou-se da abertura, Tamasine saltou diretamente em sua frente.
Antes que pudesse fazer ou dizer qualquer coisa, a garota escorregou para o
lado. Um par de mãos, mais fortes do que Ottilia teria acreditado ser
possível, empurrou seus ombros em direção ao sótão. Perdendo o equilíbrio,
ela caiu no chão de madeira.
Ignorando o choque da dor e temerosa do que a garota poderia fazer,
Ottilia não tentou se levantar, mas saiu da posição infame, virando-se para
enfrentar a ameaça, mas Tamasine já havia entrado no quarto, correndo até
a janela e agarrando as barras.
— Meu ninho, meu ninho — cantou ela.
O bom senso de Ottilia não a havia abandonado completamente. Seu
sobrinho estava no corredor. Ela o chamou com urgência:
— Tom! Corra e traga o tio Fan! Rápido!
Ela ouviu os passos dele dispararem, mas foram abafados pelos gritos
repentinos da imitação de Tamasine:
— Corra e traga o tio Fan! Corra e traga o tio Fan! Corra e traga o tio
Fan!
Ottilia observou a garota com cautela. Tamasine virou-se, os olhos azuis
brilhando com uma luz maníaca. Oh, meu Deus, por que se atreveu a isso
sozinha? Tentou uma abordagem suave, mantendo sua voz tranquila apesar
de seu tremor:
— Meu Deus, como sou tola por cair assim. Espere enquanto me
levanto.
A garota não fez nenhum movimento em sua direção, apenas ficou de
pé, de costas contra as barras, o brilho inquietante apontado para sua presa.
Ottilia sentiu-se como um coelho sob o olhar do predador. Levantou-se do
chão, mantendo os movimentos lentos e firmes, apenas meio consciente de
uma dor em seu quadril e nas mãos arranhadas e em carne viva. Não se
atreveu a olhar para avaliar os danos.
Tentou soar natural, fingindo olhar ao redor enquanto mantinha a garota
sob constante observação. — Então este é o seu ninho, Tamasine?
Uma pequena risada escapou da garota. — Meu ninho. Eles me colocam
aqui quando sou travessa.
Ou quando está em descontrole, mas Ottilia não disse isso. Observou os
colchões amarrados nas paredes e o que estava no chão, coberto por um
emaranhado de cobertores. Todos estavam rasgados, retalhados em alguns
lugares e com palha escapando e espalhando-se pelas tábuas.
Ottilia deu um passo em direção à porta. — Bem, devo agradecer por ter
me mostrado ele, Tamasine.
Os olhos da garota giravam em um arco que englobava as vigas acima e
as tábuas do piso abaixo. — Gostaria de ficar?
Ottilia estremeceu, apesar de todo seu esforço para permanecer
externamente calma. Para sua consternação, sua voz saiu muito alta quando
jogou as palavras no ar. Quaisquer palavras, o suficiente para manter a
mente da criatura ocupada.
— Não posso, meu marido está me esperando. — Ela deslizou em
direção à porta.
Tamasine disparou na frente dela e parou na abertura, suas mãos indo
para os batentes. — Eu disse que tem que ficar.
Ottilia hesitou. Tom certamente traria Francis a qualquer momento.
Tudo que precisava fazer era agradá-la e mantê-la calma. Uma pergunta
surgiu em sua mente e falou sem pensar, movendo-se mais para dentro da
sala:
— Flora Sugars, é esse o nome?
— Meu. São meus, meus, meus.
A nota ascendente incomodou os ouvidos de Ottilia, mas se manteve
firme, colocando um tom amigável em sua voz. — Seu guardião gostava de
doces, Tamasine? O Sr. Joslin?
Por um momento, a garota pareceu desconcertada. O brilho nos olhos
azuis desvaneceu-se um pouco. Quando falou, parecia completamente
normal novamente:
— Eu como o açúcar das canas. Joslin gosta de doces. Ele os faz.
Simeon os faz para mim.
Uma lembrança surgiu na mente de Ottilia. O que Cuffy havia dito
sobre destilar? Sir Joslin teria combinado essa tarefa com a fabricação de
doces? E mais uma vez o sujeito Simeon foi citado. Quão envolvido com a
família em Barbados ele esteve?
— Simeon os faz?
— Sim, e Whitey me dá um pouco.
A Sra. Whiting era responsável por distribuir os doces? Então sua
suspeita tinha algum fundamento. Não se atreveu a dizer mais nada.
Tamasine estava em movimento novamente, tropeçando nos colchões e
batendo neles.
Deus do céu, onde Francis estava? Parecia uma eternidade desde que
Tom tinha partido, mas na realidade, não podiam ter se passado muitos
minutos. Ela pensou em fazer outro movimento em direção à porta, mas
perdeu a coragem. A criatura estava totalmente imprevisível.
Como se em resposta ao pensamento, Tamasine surgiu na frente dela
com um sorriso radiante, porém os olhos estavam perfeitamente vidrados.
Ottilia permaneceu imóvel, prendendo a respiração ao encontrar aquele
olhar peculiar.
Passos apressados soaram nas escadas de madeira. Tamasine virou a
cabeça, ouvindo. Rindo, correu para a porta aberta e escondeu-se no espaço
atrás dela.
Respirando novamente, Ottilia ficou exatamente onde estava,
esperando. Os passos seguiram pelo corredor e Francis apareceu na abertura
e parou, seus olhos buscando o rosto dela. Ottilia falou da maneira mais
agradável que conseguiu.
— Ah, aí está o senhor, Fan. Tamasine está me mostrado seu ninho.
Ottilia deu-lhe um olhar significativo e virou os olhos para a porta onde
a garota estava escondida. Ele acenou com a cabeça brevemente,
claramente pegando sua deixa. Francis se moveu para o quarto e
deliberadamente apoiou seu peso contra a porta aberta, prendendo a jovem
atrás. Ouviu-se um grunhido, mas Tamasine não fez nenhum outro protesto.
A voz de Ottilia estava rouca de preocupação e, além disso, parecia um
pouco sem fôlego, mas decidiu que isso soaria normal para a pessoa a quem
se destinava.
— Isso é excelente, meu amor, mas infelizmente temos que nos
apressar. Como já sabe, minha mãe está nos esperando para o jantar e ficará
irritada conosco se chegarmos atrasados.
— É verdade — disse Ottilia em voz alta e atravessou com passos
rápidos até a porta, passando por ela com uma sensação de intenso alívio.
— Vá! Estarei logo atrás.
O marido murmurou o comando em seus ouvidos enquanto ela passava.
Ottilia não precisou de nenhuma insistência, o alívio percorrendo-a
enquanto passava por aquele corredor horrível e dirigia-se à escada estreita.
Em segundos, Francis estava atrás dela. Ela olhou para trás.
— A menina está nos seguindo?
— Acho que não, mas não pare. Mandei os meninos para casa.
Nenhuma palavra a mais foi dita até que chegaram à relativa segurança
da galeria acima da escada principal. Francis segurou o braço de Ottilia para
detê-la e puxou-a para seus braços. Ottilia aconchegou-se, aliviada por não
receber um sermão imediatamente.
Quando ele a soltou, Lady Fan entregou-lhe um olhar suplicante. —
Está bravo comigo?
Ele levantou uma sobrancelha. — Deveria estar, sua maldita, mas estou
muito aliviado por não ter sofrido nenhum dano.
Ottilia baixou a voz para um sussurro. — A garota realmente está fora
de si, Fan. Não há nenhuma dúvida. Posso acreditar prontamente que ela de
fato matou seu guardião.

Já estava muito tarde e Patrick ainda não havia retornado, mas Francis
não conseguira convencer nem a esposa nem a mãe a ir para a cama e
esperar as notícias do médico pela manhã. A teimosia de Tillie não era
surpresa, apesar de seu cansaço óbvio depois das agitações do dia. Ele havia
tratado as escoriações leves das mãos dela com unguento, pedido café e a
feito descansar antes do jantar. Como resultado, a esposa se declarou
totalmente recuperada de sua provação e ansiosa pelas notícias do irmão.
Francis, usando um estratagema tão inescrupuloso quanto qualquer
outro que Ottilia havia usado, valeu-se da sensibilidade da mãe dos meninos
para mandá-los para a cama minutos depois de ela entrar na sala.
— Eles tiveram um dia muito exaustivo, Sophie. Imagino que desejará
que durmam cedo.
Sophie Hathaway imediatamente lançou-se sobre seus filhos relutantes,
apertando primeiro um e depois o outro em seu peito. — Meus queridos!
Venham comigo que vou aconchegá-los, pois não pretendo demorar-me.
Terei sorte se este dia terrível não trouxer meus espasmos.
— Mas queremos esperar pelo papai — protestou Ben, lançando um
olhar de reprovação a Francis.
— Sim, porque papai está cortando o corpo e…
O grito de sua mãe sufocou a alegria macabra de Tom, fazendo-a
estremecer. — Não, não, meu querido menino, já tivemos corpos suficientes
para um dia. Agora despeçam-se, meus amores, agradeçam a marquesa para
subirmos agora mesmo.
Estava claro que as incursões ocasionais de Sophie na maternidade eram
eficazes, pois algumas reverências inexperientes foram feitas na direção da
viúva e então os garotos relutantes foram conduzidos para fora, seguidos
pela Srta. Mellis com ofertas de leite e chocolate quente.
No entanto, quando Francis tentou uma tática semelhante com sua
própria mãe, achou-a tão inflexível quanto Tillie.
— Imagina que eu poderia dormir sem saber se há ou não motivos para
me preocupar com Giles?
— Vai dormir melhor por saber que um assassinato foi cometido?
— Chega, Fan — advertiu sua esposa. — Pelo menos há uma chance de
todos nós desfrutarmos de uma boa noite de sono se minhas suspeitas se
provarem infundadas.
— Ah! Se bem a conheço, Tillie, não quer que sejam infundadas. — Ela
riu, mas havia uma expressão perturbada em seus olhos. Ele abandonou seu
posto junto à lareira e foi se juntar a ela no sofá. — O que foi, meu amor?
Francis notou o olhar raivoso e sombrio de sua mãe. Amaldiçoando
internamente o sobrinho, esperou enquanto Tillie parecia organizar seus
pensamentos.
— Independentemente de ter acontecido ou não um assassinato,
infelizmente estamos em uma situação difícil. Com aquela criatura à solta,
Giles apaixonado e a pobre Phoebe jurando que não irá perdoá-lo, todos nós
ficaremos bem ocupados.
A mãe de Francis gemeu. — E está claro que aquela garota estúpida nos
envolverá, querendo ou não. Ela deveria ser confinada.
Como esse ponto havia sido exaustivamente discutido no jantar, Francis
ficou aliviado quando a porta se abriu para dar entrada às criadas trazendo
os apetrechos para o chá. Os meninos conversavam sem parar, suas
revelações fazendo Sophie declarar que era improvável que se recuperasse
dos choques do dia. Tillie não demonstrou nenhuma disposição para contê-
los, é claro. Na verdade, os encorajou positivamente a presentear a mãe com
tudo o que aprenderam sobre “o sótão da louca” em suas aventuras ilícitas
em Willow Court.
Enquanto as mulheres se ocupavam com o bule de chá, Francis se viu
pensando nas revelações de Tom e Ben sobre a plantação de açúcar em
Barbados. O bombardeio de perguntas ao lacaio Hemp tivera algum efeito.
Embora a viúva estivesse cética, Hemp afirmou que os muitos escravos
eram bem tratados pelo “Mestre Matt”, embora ele próprio fosse um
homem livre.
— E Cuffy também — disse Ben —, embora tenha sido um escravo
antes. Veio da África quando era menino.
A viúva explodiu. — Roubado, ouso dizer!
— Ah, não diga isso!
— Não tenho escrúpulos em dizer isso, Sra. Hathaway. Conheço muito
essa prática. Uma humilhação abominável, ser arrastado de sua casa por
bandidos que se autodenominam comerciantes, transportado pelo mar em
condições fétidas e vendido como um animal em leilão. Todo o processo me
enoja.
Como Francis bem sabia. Suas próprias opiniões foram influenciadas
pelas opiniões diretas da mãe, que nunca teve escrúpulos em expor a
alguém que suspeitasse lucrar com a prática do tráfico humano. Sophie
tagarelava sobre seu sofrimento e antes que ele pudesse formular uma
resposta para aplacar a ira crescente da viúva, o jovem Ben o salvou do
problema:
— Hemp nunca foi escravo, senhora, e ele nasceu em Barbados. Ele
disse que a plantação é o lar dele.
— Hemp disse que eles são da família — acrescentou Tom —, mesmo
sendo negros.
Tillie aproveitou para fomentar o interesse de Francis:
— Ele quis dizer que se sentem como se pertencessem ao clã Roy? Ou
foram formalmente adotados?
Os dois garotos pareciam perplexos e Ben deu de ombros.
— Não sei, Tittilia. Hemp apenas disse que é um Roy também.
A carranca de Tillie informou a Francis que essa informação havia
despertado seu interesse.
Ele deu um tiro no escuro. — Hemp disse por que ele e Cuffy vieram
com a família?
— Como se tivessem tido escolha!
Francis franziu a testa para a mãe quando Ben respondeu:
— Hemp só disse que queria vir, então talvez tenham escolhido.
— Ah, espero que sim — disse Sophie. — Que terrível seria se fossem
forçados a se afastar de tudo o que conheciam.
— Hemp sabe de muita coisa — interrompeu Tom, ignorando o assunto.
— Ele me mostrou um truque de boxeador e nos contou sobre fazer açúcar
e tudo mais.
— Mas pensei que ele fosse um lacaio — objetou Francis.
— Hemp diz que uma pessoa precisa aprender todo tipo de trabalho —
acrescentou Ben. — Só por precaução.
— Sim, porque se houver uma pedemia, o trabalho continua do mesmo
jeito.
— É epidemia, seu tonto — corrigiu Ben, dando um leve soco no ombro
do irmão mais novo. Ignorando o protesto depreciativo da mãe,
acrescentou: — Hemp disse que Barbados é um lugar ruim para quem fica
doente.
Isso estava de acordo com a longa doença sofrida por Sir Joslin, e
Francis estava prestes a direcionar a conversa para esse caminho quando foi
impedido por Tillie:
— O que Hemp lhe contou sobre fazer açúcar?
Tom iluminou-se com essa demonstração de interesse. — Ele e Cuffy
costumavam ajudar nisso. Especialmente quando fervia, porque o morto era
fraco e não aguentava.
— Meu Deus, Tom, o que quer dizer com isso?
Ben soltou um suspiro exasperado. — Tom não disse direito, mamãe.
Hemp quis dizer ferver o açúcar quando a colheita estava pronta. Todo
mundo tinha que participar porque tinha que ser rápido. Ele disse que ferver
é um trabalho complicado porque é preciso esperar o açúcar cristalizar e
jogar a quantidade certa de suco. Suco de lima, segundo contou, porque o
limão estragaria tudo.
— Sir Joslin estava encarregado deste procedimento? — perguntou
Tillie.
— Sim, porque o outro sujeito era preguiçoso — anunciou Tom.
— Que outro sujeito? — exigiu Francis.
— Simeon — respondeu Ben. — Ele não fazia o trabalho de fervura,
embora fosse incumbido de supervisionar a fabricação de açúcar, mas ele só
gostava de trabalhar na destilaria, fazendo rum e confeitos.
O olhar assustado de Tillie intrigou Francis, todavia ele sabia que não
deveria perguntar sobre seus pensamentos em público, mas quando Toby e
Agnes chegaram para servir a sobremesa a discussão foi abandonada.
Lembrando-se disso agora, Francis estava prestes a entrar no assunto
quando seu ouvido captou o som de alguém chegando no salão.
Levantando-se, foi abrir a porta.
— Deve ser Patrick, finalmente.
De fato, foi o que aconteceu e Francis o fez entrar, tão ansioso quanto
sabia que sua esposa estaria para ouvir os resultados da autópsia, mas estava
atento às necessidades do estômago de um homem.
— Já jantou, Patrick?
— Jantei com Sutherland enquanto discutíamos nossas descobertas.
— Então deixe-me pegar algo para o senhor. Vinho? Ou prefere
conhaque?
Patrick soltou um suspiro exausto quando caiu em uma cadeira. — É
muita bondade de sua parte, Fan, mas diante da situação vou optar por chá.
Preciso manter meu juízo para resistir ao interrogatório de Ottilia.
Ele lançou um olhar provocativo à irmã enquanto falava e o olhar de
expectativa de Tillie não pôde deixar de divertir Francis, apesar de sua
inquietação inevitável.
— Bem, meu irmão? O que descobriu?
Francis entregou-lhe uma xícara e um pires e ofereceu açúcar. Patrick
pegou a colher, derramou dois torrões em seu chá e mexeu o líquido
pensativamente. — É como eu suspeitava.
Tillie saltou imediatamente. — Então Sir Joslin foi envenenado com
ópio?
Pensativo, Patrick tomou um gole de chá e Francis foi obrigado a
suprimir uma onda de irritação.
— É sempre difícil ter certeza. Os sintomas de envenenamento por
narcóticos não são conclusivos.
Francis ergueu os olhos. — E então?
Seu cunhado deu-lhe um olhar, mas não fez nenhum comentário, apenas
retomou suas observações. — Tomados em conjunto, no entanto,
Sutherland concorda que tudo o que encontramos, juntamente com suas
observações no momento da morte, aponta para o ópio como a causa mais
provável.
— E o que encontrou? — exigiu a mãe de Francis com impaciência.
Patrick franziu a testa. — Tem certeza de que deseja ouvir, senhora?
Tais detalhes dificilmente são adequados para o salão de uma dama.
A viúva bufou. — Se a franqueza de sua irmã não conseguiu me
espantar, meu caro Dr. Hathaway, duvido que desmaie com qualquer coisa
que possa ter a dizer.
Os olhos divertidos de Patrick voltaram-se para Tillie. — Ah, eu deveria
saber que seria atingida por tal franqueza.
— Sim, e também não é de seu feitio me conter, Patrick — retrucou ela.
— Então por favor, não nos mantenha mais nesse suspense.
Ele fez uma careta. — Os fatos não são bonitos.
— Nunca são — interrompeu Francis —, mas posso garantir que minha
mãe é quase tão resistente quanto sua irmã. Ela não vai vacilar.
— Agradecida, Fanfan. — Ela acenou com a mão para Patrick em seu
gesto característico. — Prossiga, senhor.
Um sorriso permaneceu à espreita, mas Patrick inclinou a cabeça. —
Muito bem, senhora. A evidência mais reveladora estava nos coágulos
sanguíneos, embora o sangue em geral fosse fluido.
— Onde estavam os coágulos? — perguntou Tillie. — No cérebro?
— Sim, e nas cavidades do coração também. Os vasos sanguíneos do
cérebro estavam congestionados, mas isso pode ocorrer também com
apoplexia, por isso não é conclusivo. No entanto, havia a lividez da pele,
que também apresentava sinais de descamação. Com os narcóticos, o corpo
tende a passar rapidamente para a putrefação. Cabelos e cutículas já
estavam se soltando ao menor atrito e o estômago, intestinos e os vasos
grandes estavam distendidos com o ar.
Francis não pôde deixar de comentar. — Isso é nojento. Como estou
feliz por não ser médico.
Patrick riu, mas Tillie estava claramente interessada demais para prestar
a menor atenção a essa divagação. — E o conteúdo do estômago?
Descobriu alguma coisa lá?
Os olhos de Patrick brilharam. — O odor do ópio ficou óbvio assim que
abrimos o estômago. Sutherland concordou, felizmente, porque se dissipa
rapidamente e é indetectável nos sucos do estômago sem análise química.
— Como diabos pôde sentir o cheiro de ópio? — perguntou a viúva
carrancuda.
— Ah, ele tem um cheiro muito particular.
Apesar de seu mal-estar, Francis estava interessado. —Pode testar o
conteúdo do estômago?
— Com bastante facilidade. Um procedimento simples é usar um sapo.
Se entrasse em coma e morresse, poderíamos dizer com quase certeza de
que o ópio estava presente, mas o melhor teste é o de urina, embora seja um
procedimento complexo. No entanto, como suspeitávamos, a morte
suspendeu as funções naturais de modo que a bexiga estava cheia.
Sutherland está contratando um boticário para realizar a análise necessária.
A mãe de Francis parecia estar acompanhando bem. — E se o ópio for
encontrado, pode-se afirmar conclusivamente que foi a causa da morte?
— Juntamente com a incidência de transpiração e contração das pupilas
dos olhos, Sutherland e eu concordamos que sim — disse Patrick. — Mas
para provar um ponto, é aconselhável pedir a análise.
Olhando para Tillie, Francis viu que ela mal conseguia conter sua
excitação. — Suponho que não há como saber quanto ópio foi consumido?
— Só na medida em que sabemos qual o nível de ingestão que pode
matar um homem.
— E qual é? — exigiu Francis.
— Depende muito das circunstâncias.
Francis suspirou de frustração. — Isso eu poderia ter adivinhado.
— O problema é que isso levanta muitas questões. A pessoa está
acostumada a tomar? A que horas do dia foi ingerido? O estômago estava
vazio na hora?
— Oh, bom Deus!
Um sorriso surgiu no rosto de Francis e pareceu-lhe que seu cunhado
apreciava seu catálogo de dificuldades. — É preciso levar em conta também
a forma como a droga foi ingerida. Em grãos, por exemplo, trinta e seis
poderiam causar a morte, mas para um homem do tamanho de Sir Joslin,
talvez até sessenta grãos fossem necessários.
— Oh, céus! Parece que não se pode afirmar nada.
Tillie desconsiderou isso. — E se ele fosse um viciado em ópio?
— Sessenta ainda poderiam matá-lo, se fossem tomados de uma vez só.
— Mas como isso se traduz em termos que alguém possa entender? —
perguntou a viúva, ecoando os sentimentos de Francis. — Se fosse tomado
como láudano, por exemplo, quanto seria?
— Então medimos em gotas ou gramas. Uma grama ou duas podem ser
fatais dentro de um período de tempo razoável, mas uma dose da ordem de
seis gramas pode matar em meia hora.
A viúva ergueu as mãos. — Oh, isso será impossível de desvendar!
— Concordo totalmente com a senhora, mamãe.
Patrick sorriu. — Infelizmente acho que seja quase impossível. E
também é difícil julgar a que horas Sir Joslin tomou a dose. Pode ter sido
até cinco horas antes de o veneno começar a agir ou apenas três. Mesmo
assim, o momento da morte poderia ter sido adiado por algumas horas.
Então a viúva fez uma ressalva. — Mas o sujeito parecia perfeitamente
bem apenas alguns minutos antes, pois todos nós o vimos nesta sala.
Tillie interrompeu rapidamente. — Ele estava suando, notei gotas de
suor em sua testa e sua palma estava úmida. Pensei que tinha sido por causa
de seus esforços na caça à Tamasine.
— E ele caiu da escada — acrescentou a viúva. — Certamente isso deve
ter acelerado a morte dele?
— Certamente terá sido um fator contributivo — concordou Patrick. —
Se ele tivesse desmaiado sem essa complicação e um emético tivesse sido
administrado, é possível que pudesse ter sobrevivido. E a morte teria sido
adiada, mesmo que morresse dessa causa no fim das contas.
Ottilia estava franzindo a testa, seus dedos se movendo de uma maneira
que sugeria que estava fazendo um cálculo rápido em sua mente. — Então
poderíamos pelo menos supor que ele ingeriu o veneno nas primeiras horas
da manhã? Por volta das cinco ou seis horas? Pois deve ter sido, no mais
tardar, nove quando ele morreu. Não acha, Fan?
Assim intimado, Francis franziu a testa. — Não olhei para o meu
relógio e acordamos cedo.
— Podemos calcular pela hora em que Teresa estava lá embaixo —
disse a mãe. — Ela sempre acorda às oito e meia.
— Mais ou menos meia hora até a hora em que Sir Joslin chegou então.
— Não importa, Ottilia — disse Patrick. — Pode estar confiante de ter a
hora da morte de forma tão precisa quanto se pode imaginar, já que
chegaram ao local em poucos minutos, mas isso não nos aproxima da hora
exata em que Sir Joslin tomou a dose.
— Mas pelo menos podemos supor que ele tomou com o estômago
vazio, não acha? Mesmo que tenha tomado o café da manhã posteriormente.
Patrick deu-lhe um olhar pesaroso. — Sou um homem da ciência,
Ottilia. Não assumo nada sem provas adequadas. Há muitos fatores a serem
levados em consideração.
Francis viu o olhar de decepção tomar conta do rosto da esposa e a fitou
com preocupação. Ottilia flagrou o olhar e deu-lhe um sorriso hesitante.
— Receio que devemos nos curvar ao que Patrick nos diz e deixá-lo ir.
O mais importante é saber se o veneno foi auto infligido ou administrado
por outra pessoa.
Um sentimento de indignação começou a tomar conta de Francis. Não
haveria conclusão? Qual era o sentido de fazer uma autópsia se o
procedimento não revelasse exatamente nada?
— Então não progredimos em nada.
Tillie levantou-se abruptamente da cadeira. — Ah, progredimos sim,
Fan. Sabemos como Sir Joslin morreu. Os detalhes e as minúcias que
manterão Patrick e Sutherland longe de especulações descuidadas não
importam. O ópio foi a causa e isso é o suficiente para me dizer que alguém
naquela casa, seja o morto ou outro, foi descuidado ou totalmente
malicioso.
Seus amados traços assumiram aquele olhar de determinação que
Francis passou a temer. — E eu quero descobrir quem foi.
 
 
Capítulo 9
 
 
 
 
 
 
 
Havia uma sensação de tensão em Willow Court, embora o lugar
estivesse quieto. Ottilia achou isso quase tangível. Lomax, ao abrir a porta,
não falou por um momento, em vez disso, lançou um olhar firme e hostil
que foi de Ottilia, Francis e até Patrick. Tendo concordado de antemão que
seu irmão deveria assumir a liderança, ela estaria livre para observar.
Informado que os visitantes desejavam interrogar Cuffy, o olhar do
mordomo se estreitou e seu tom era nada mais do que insolente. — A
respeito de quê?
Patrick levantou as sobrancelhas, preservando a habitual suavidade de
sua voz. — Saberá no devido tempo.
Lomax não se mexeu para abrir a porta, em vez disso fez outra
pergunta. — Com que autoridade?
— Estou representando o Dr. Sutherland — disse Patrick sem hesitação.
— Ainda queremos certas informações para o relatório do legista.
— Informações? — A palavra tinha um tom irônico e um músculo
tremeu levemente na bochecha do mordomo.
— Quanto à causa aparente da morte.
O olhar de Lomax ficou desconfiado e Ottilia percebeu que Francis
estava se esforçando para manter a calma. Seu temperamento, já incerto,
estava obviamente irritado com a atitude do homem. Não havia nenhuma
evidência clara ainda apontando para um assassinato, a situação era
peculiarmente delicada e, na opinião de Ottilia, era imperativo manter
relações estáveis com os moradores da casa. E isso não poderia ser feito
com a coerção arrogante que Francis costumava adotar quando ficava
aborrecido. E Ottilia sabia muito bem como qualquer forma de desrespeito,
especialmente para com sua esposa, poderia levá-lo à fúria. Principalmente
agora, quando o envolvimento de Giles o tirava do sério.
Para seu alívio, a calma e segurança de Patrick levaram a melhor e
Lomax consentiu em permitir que entrassem, convidando-os ao salão.
— Vou enviar Cuffy até os senhores.
No momento em que a porta se fechou, Francis irrompeu. — Aquele
sujeito vai se dar mal. Como ele se atreveu a tratá-lo daquela maneira
descortês, Patrick? Estava a um passo de plantar um tapa na cara do
miserável.
Patrick sorriu. — Sim, percebi que estava ficando um pouco inquieto.
— Inquieto! Gostaria de tê-lo sob meu comando por um único dia.
Garanto que o consertaria. Se esta é uma amostra dos costumes de
Barbados, agradeço a Deus por nunca ter sido tentado a ter me aventurado
por lá.
— Duvido que seja um comportamento típico. — Ottilia foi até o
marido e pôs a mão no peito dele para acalmá-lo. — Gostaria que não se
alterasse, meu querido. Estamos pisando em um terreno sensível.
— Sim, bem, se eu tiver que suportar Lomax por mais tempo — disse
Francis, nem um pouco apaziguado —, juro que vou tornar isso ainda mais
difícil.
— É exatamente isso que eu temo, Fan. Peço que se acalme, afinal, não
pretendemos questionar Lomax…
— Até agora.
— E Cuffy é perfeitamente cortês.
— É melhor que seja, por Deus!
Nesse momento, a porta se abriu e Ottilia virou-se com alívio para
cumprimentar o homem. — Ah, Cuffy, obrigado por vir falar conosco. — O
lacaio enorme estava parado na porta, olhando um por um com seu olhar
sombrio. Ottilia sorriu para ele. — Entre e feche a porta, por favor.
Enquanto ele fazia isso, Lady Fan lançou um olhar significativo a
Francis, que ergueu os olhos evidentemente compreendendo-a, retirou-se
para a lareira e descansou o braço sobre a moldura. Patrick felizmente
seguiu a deixa dessa manobra.
Cuffy ainda parecia apreensivo, mas com a ameaça reduzida, arriscou
um passo ou dois para dentro da sala. Com o objetivo de deixá-lo ainda
mais confortável, Ottilia sentou-se em uma cadeira próxima antes de iniciar
as tratativas. Ela não fez rodeios:
— Cuffy, descobriu-se que seu mestre morreu de envenenamento por
ópio.
A consternação surgiu nos olhos do sujeito e seu rosto grande enrugou-
se um pouco. Sua voz grave estava rouca de emoção. — Mestre nunca
tomava muito. Tomava remédio suficiente para lhe dar uma sensação boa.
Só quando tinha muita dor.
Ottilia aproveitou a deixa. — Mas ele tomava mais “remédio’ do que
precisava para a dor, não tomava, Cuffy? Acho que Sir Joslin era o que
chamamos de viciado em ópio. Um adicto?
Cuffy apertou os olhos e as lágrimas rolaram, traçando suas bochechas.
— Ele começou a tomá-lo apenas para a dor, pois fazia com que se sentisse
muito bem. O mestre gostava muito de tomar. Disse a ele muitas vezes que
não tomasse esse remédio. Mestre Jos tentava parar, mas não conseguia.
Ottilia compadeceu-se do homem, por seu sentimento dilacerado pelo
hábito de seu amo. — Era a única companhia que ele permitia ao seu lado
nessas horas, estou certa? Sir Joslin confiava em sua proteção, Cuffy.
Cuffy assentiu, levantando os polegares para enxugar as lágrimas,
embora continuassem caindo.
— Mestre Jos não gostava que ninguém o visse mal com esse remédio.
Eu ficava ao lado dele, não deixava ninguém entrar. Ele ficava feliz por
algumas horas antes de dormir.
— E permanecia com ele o tempo todo, até que voltasse ao estado
normal?
Cuffy assentiu. — Ele ficava muito mal, precisa de ajuda. Se eu não
ficasse, o mestre se sujava, esquecia de comer.
Ottilia conseguia imaginar, mas havia uma pergunta mais urgente a ser
feita— Seu mestre tomou ópio na noite anterior à morte dele, Cuffy?
A perplexidade surgiu em suas feições e ele fungou quando suas
lágrimas finalmente pararam de cair. — Ele não me chamou.
Nesse ponto, Francis interveio. — Sir Joslin sempre o chamava? Seria
possível que ele tenha tomado o ópio sem chamá-lo?
Cuffy hesitou, como se tivesse esquecido a presença dos cavalheiros.
Seu tom imediatamente tornou-se mais subserviente. — Não, senhor. Ele
me chama todas as vezes.
Ottilia encontrou os olhos do irmão sobre ela.
— Está supondo que ele tomou a dose sem saber?
— Exatamente — ela concordou, voltando-se para o lacaio. — Cuffy,
como ele tomava o remédio? Na forma de láudano?
— Ele tira do frasco — Cuffy respondeu e então levou os dedos
algumas vezes à boca em um gesto de comer. — Às vezes ele gosta de
comer um doce.
— Um confeito? — perguntou Ottilia. A excitação tomou conta dela ao
lembrar-se das palavras de Ben, de que Simeon só destilava rum e fazia
confeitos. A imagem das embalagens de doces na gaveta de Sir Joslin saltou
em sua mente. Ela lançou um olhar ao irmão. — Pode ser consumido
assim?
— Ah, sim. É possível obter ópio facilmente na forma de um doce, pois
é uma maneira fácil de fazer com que as crianças o consumam, mas a dose
em um confeito seria mínima.
O que descartava essa teoria. A menos que alguém com conhecimento
da fabricação de açúcar pudesse fazer um doce com ópio suficiente para
matar. Resolveu mostrar a Patrick o pacote em seu bolso e as embalagens
vazias. Então seguiu uma linha diferente. — Percebi que seu mestre gostava
de tabaco, Cuffy. Ele usava rapé, não usava?
— Às vezes ele usava tabaco — admitiu o lacaio. — Fazia mal para o
pulmão, fazia ele tossir. Ele não usava muito.
Francis fez uma ressalva. — Certamente não está sugerindo que ele
poderia ter ingerido ópio por esse meio, está? — Ele olhou para Patrick em
busca de uma resposta.
— Eu diria que seria improvável — retornou o irmão —, porém
possível.
— Bem, por quais outros meios a droga pode ser ingerida?
Ottilia notou que a perplexidade de Cuffy aumentava, mas não disse
nada, apenas esperando a resposta de Patrick à pergunta de seu marido.
— De várias maneiras, embora seja preciso lembrar que o ópio tem um
sabor amargo. E novamente, que forma de opiáceo estamos discutindo?
Algumas formas são mais fortes que outras.
— Pode-se disfarçar o sabor com açúcar? — perguntou Ottilia.
— Se for usado o suficiente, sim. Ou com álcool.
— Seria o quê? Vinho? — sugeriu Francis, agarrando-se a informação.
— Ou não. O que os meninos disseram ontem à noite? Rum?
A mente de Ottilia agitou-se. A destilaria! Ao ferver o açúcar também
faziam álcool? Poderiam misturar ópio com rum sem que fosse detectado?
Mas quem? Simeon e o próprio Sir Joslin, mas por que ele deveria se dar ao
trabalho de fazer tal mistura se tinha o hábito de tomar ópio como láudano?
Quem mais? Hemp ou Cuffy?
Ela virou-se rapidamente para o lacaio. — Cuffy, costumava fazer rum?
Um lampejo de raiva iluminou os olhos do sujeito. — Acha que eu dava
rum ruim para o Mestre Jos?
Ottilia sustentou o olhar dele, mas não respondeu de imediato.
— Sir Joslin tinha o hábito de beber rum?
Por um momento pensou que o homem iria se recusar a responder e
talvez até sair da sala. Seus olhos estavam em chamas. — Mestre Jos não
bebia muito rum.
— Mas ele bebeu?
Cuffy resmungou. — Não coloquei remédio no rum para enganar o
Mestre Jos, para deixar o Mestre Jos mais doente. Mestre Jos tomava rum
quando desejava tomar muito remédio. Colocava um pouco de remédio no
rum. Às vezes, a Srta. Tam dá muito trabalho e Mestre Jos ficava muito
bravo. Ele tomava rum para esquecer a raiva.
Então tudo o que Tamasine tinha que fazer era garantir que enfurecesse
seu guardião mais do que o habitual. Supondo que a garota estava ciente de
seus hábitos, então ela também deveria ter conhecimento sobre destilação.
Seria isso possível? Ou simplesmente tinha que colocar uma grande
quantidade de láudano em uma garrafa de rum? O que pressupunha que a
garota sabia onde estava guardado — se é que existia. Por impulso, Ottilia
dirigiu parte do dilema a Cuffy:
— A Srta. Tam era autorizada a entrar na destilaria?
Essa virada deixou o homem em evidente confusão. Ele piscou, olhando
de Ottilia para os rostos dos homens em um questionamento mudo. Tanto
Francis quanto Patrick estavam franzindo a testa e ela percebeu que nenhum
dos dois havia tido a mesma percepção.
— Tenha paciência comigo, Cuffy — disse Ottilia gentilmente. — Há
uma razão para a minha pergunta. A Srta. Tam poderia ter se aventurado
por lá?
Cuffy pareceu compreender um pouco.
— Srta. Tam percorria toda a plantação. Mestre Roy dizia que ela podia
ir aonde quisesse. A menina seguia o Sr. Simeon às vezes.
— E ele a levava para a destilaria? — prosseguiu Ottilia
implacavelmente.
Ele assentiu. — Sim, senhora. Às vezes ela ia lá, mas gostava mais de ir
aos canaviais. Todos os escravos cuidavam dela, para checar se estava bem.
Às vezes os escravos a expulsavam do campo.
— Alguém ia com ela? Tamasine era constantemente assistida por uma
pessoa em particular, talvez?
— Quando a Srta. Lavinia chegou, sim. Antes de ela chegar, a Srta. Tam
simplesmente andava por toda parte.
— Sozinha?
Cuffy deu de ombros. — Os escravos estavam por toda parte, eles a
vigiavam bem. A menina nunca estava sozinha. Às vezes ela vai junto com
Hemp. Ele cuida da Srta. Tam.
— Quer dizer que ele cuida dela?
— Sim, senhora. Eu cuidava do Mestre Jos. Hemp cuida da Srta. Tam.
Uma ideia surgiu no cérebro de Ottilia. — Por que foram escolhidos
para vir para a Inglaterra com a família?
Um suspiro enorme saiu da garganta de Cuffy. — Não foi bom vir. É
muito frio. O peito do Mestre Jos estava muito ruim.
— Mas não na noite anterior à morte dele — observou Ottilia
secamente.
A compreensão surgiu nos olhos escuros. — A senhora acha que Mestre
Jos foi morto.
— Se ele mesmo não tomou uma dose de ópio, Cuffy, parece que sim.
— Ele não tomou — Cuffy falou devagar, suas sobrancelhas se unindo.
— O mestre me chamaria se fosse tomar. — Fez uma pausa enquanto
olhava para Ottilia. — Ninguém odiava Mestre Jos. Ninguém aqui.
— Alguém em outro lugar, então? — Ottilia exigiu imediatamente. —
Simeon, talvez?
Mas nesse ponto o lacaio hesitou. Ele fechou a boca e seu olhar que
estava em Ottilia foi para o tapete colorido no chão. Ele endireitou-se e
então aproximou-se da porta.
— Tenho muito trabalho. Vou indo agora, madame.
Ottilia não fez nenhuma tentativa de detê-lo, mas observou enquanto ele
cruzava rapidamente a porta e saía sem olhar para trás. Virando-se, ela
encontrou o olhar questionador de seu irmão, enquanto Francis estava
olhando para a porta agora fechada, com uma carranca entre as
sobrancelhas.
— Devemos deduzir depois desta hesitação que Simeon, quem quer que
seja, realmente odiava Sir Joslin? — perguntou Patrick.
— Não está claro o suficiente? Embora como diabos o sujeito fez o
truque à distância ainda está além da minha imaginação!
— Ah, não é impossível, Fan.
— Bem, se o sujeito fez, deve ter pelo menos um cúmplice — sugeriu
Patrick.
Francis levantou uma sobrancelha. — A própria Tamasine?
— Dificilmente seria uma parceira confiável no crime. No entanto, nos
deu o que pensar. — Ottilia dirigiu-se à porta. — Enquanto isso, cabe a nós
fazer outra inspeção no quarto.
Seu irmão a olhou. — Para qual propósito?
— O rum, Patrick. No caso de Sir Joslin ter uma garrafa escondida.
Além disso, tem algo lá que quero lhe mostrar.

Sons de dentro do quarto de Sir Joslin alertaram Ottilia antes que o trio
entrasse. Ela olhou para o marido, levantando as sobrancelhas e depois
olhou pela porta aberta.
A cômoda estava aberta enquanto a Sra. Whiting estava recolhendo uma
peça de roupa. A Srta. Ingleby estava de pé em frente a um baú,
evidentemente ocupada em dobrar e guardar peças de roupa de uma pilha
colocada sobre a cama.
As duas mulheres olharam em volta quando Ottilia entrou e a dama de
companhia soltou uma exclamação impaciente, jogando para baixo a roupa
que segurava nas mãos.
— De novo não. — Ela foi em direção aos intrusos com os braços
cruzados. — Por favor, o que isso significa? Por que estão aqui?
Ottilia recuou e fez um gesto em direção ao irmão. — Patrick.
Ele caminhou despreocupadamente para o espaço mais amplo. — Nosso
propósito é legítimo, senhora. Estou representando o Dr. Sutherland na
coleta de provas para um possível inquérito.
A mulher empalideceu. — Inquérito?
— A respeito da morte de Sir Joslin. Certamente deve saber que até que
o legista tenha todos os fatos sobre a causa da morte, não há como saber se
um inquérito deverá ser realizado.
A Srta. Ingleby respirou fundo e lançou um olhar venenoso a Ottilia. —
Não preciso perguntar de onde veio o estímulo para tal movimento. Está
determinada a descobrir o pior, Lady Francis? Não é suficiente estarmos
desolados?
Francis passou por Ottilia. — Cuidado com a língua! Trate a minha
esposa com o devido respeito.
A Srta. Ingleby o encarou sem medo, para grande admiração e interesse
de Ottilia. — Ou o quê, senhor? Vai levantar a mão contra mim?
— Vou enfrentá-la, senhora — disse Francis furiosamente —, antes de
permitir que se dirija à minha esposa nesses termos.
A dama de companhia retrucou enérgica. — Sua esposa, senhor,
interferiu aqui além do que pode ser tolerado. Nós não procuramos nem
desejamos sua ajuda e me agradaria se a tirasse daqui imediatamente.
— Não farei tal coisa.
Patrick pigarreou, chamando a atenção de Francis. — Se me permite,
Fan.
Para alívio de Ottilia, o tom suave serviu para refrear um pouco a ira do
marido e ele recuou, embora mantivesse um olhar colérico sobre a mulher.
— Srta. Ingleby — Patrick disse friamente —, temo que isso possa
chocá-la, mas devo informá-la que a autópsia realizada no corpo de Sir
Joslin revelou conclusivamente que ele morreu de envenenamento por ópio.
Um suspiro escapou da mulher e ela olhou para Patrick como se tivesse
sido atingida no rosto, atônita.
Olhando rapidamente para a Sra. Whiting, até agora uma espectadora
indefesa e confusa, Ottilia viu a apreensão marcar suas feições. Era evidente
que nenhuma das mulheres ignorava o hábito de Sir Joslin.
— Portanto, cabe a mim procurar neste cômodo qualquer meio pelo
qual uma dose fatal de ópio possa ter sido administrada à vítima —
prosseguiu Patrick, aproveitando o silêncio pesado.
A voz da Srta. Ingleby soou em um murmúrio estrangulado. — Vítima?
Administrado?
Ottilia interrompeu sem remorso. — Exatamente. Ou por ele mesmo, ou
por outra pessoa.
A mulher colocou o dorso da mão na boca em um gesto que lembrou
Ottilia do dia anterior.
— Não — sussurrou ela. — Ele não teria tirado a própria vida. Nunca
vou acreditar nisso.
— Então ficamos com a outra alternativa — disse Ottilia
impiedosamente, avançando para enfrentar a criatura. — É claro que existe
uma terceira possibilidade.
Os olhos da mulher se arregalaram e seu tom era miserável. — Qual?
— Um acidente, Srta. Ingleby — disse Ottilia, suavizando a voz. — Ele
pode não ter percebido o quanto ingeriu.
Era a solução menos provável, mas serviu para tirar a mulher do
choque. Ela visivelmente se recompôs, seus olhos atordoados percorrendo o
quarto como se pensasse encontrar alguma evidência para apoiar a última
ideia. Ottilia se aproveitou de seu estado.
— Vai deixar o Dr. Hathaway fazer sua busca, senhora?
A mulher assentiu, movendo-se vagamente em direção à porta. A Sra.
Whiting fez menção de segui-la, parecendo ansiosa. Ottilia interceptou a
governanta, falando em voz baixa:
— Por favor, não a deixe entrar neste quarto até que tenhamos
terminado, Sra. Whiting.
— Farei o meu melhor.
Ela começou a se mover, mas Ottilia a deteve.— Só mais um momento,
se puder. Como está Tamasine hoje? Está no quarto dela?
A Sra. Whiting olhou curiosa para Ottilia, como se não entendesse seu
interesse.
— Hemp a levou para um passeio.
— Ah. A senhora a queria fora do caminho enquanto faziam o que é
necessário aqui.
— Sim, senhora. A menina é imprevisível.
O que era evidente. Sentindo-se um pouco desapontada, Ottilia quase
deixou a mulher ir, mas um pensamento lhe ocorreu. — Sra. Whiting,
acredito que há muito o que possa acrescentar à… — Lembrando-se de sua
posição odiosa naquela casa, analisou o que estava prestes a dizer e retomou
suavemente: — À coleta de informações do Dr. Hathaway em nome do Dr.
Sutherland. A senhora se oporia a falar com ele daqui a pouco?
A mulher lançou um olhar a Patrick, cuja expressão levemente
questionadora era branda o suficiente para se passar por alguém ávido por
novos conhecimentos, enquanto Ottilia esperava. Então seu olhar voltou
para o rosto de Ottilia, suas sobrancelhas franzidas.
— A Srta. Ingleby disse que é a senhora quem quer saber — respondeu
em um tom que beirava uma acusação.
Ottilia optou pela franqueza como fizera com a dama de companhia e
ensaiou um sorriso pesaroso. — Verdade. No passado, tive um pouco de
sucesso nesta linha e, neste caso, estou particularmente preocupada com
Tamasine.
— Bem, com a partida de Sir Joslin, todos nós também estamos —
admitiu a Sra. Whiting —, mas não vejo o que isso tem a ver com a forma
de como o mestre morreu.
— Tem muito a ver — retrucou Ottilia, desferindo um golpe sem
nenhum remorso. — Seria chocante se ela fosse condenada a ficar presa em
um hospício por assassinar o próprio guardião. — Aproveitando-se
instantaneamente do horror evidente da mulher, lançou um argumento
decisivo: — Ou mesmo enforcada, se os juízes decidirem que a menina é
capaz de responder por suas ações.
A Sra. Whiting ficou pálida e seus olhos se arregalaram ao olhar para
Ottilia, abrindo e fechando a boca de um modo que denunciava sua
agitação. Ottilia esperou, mantendo os olhos na mulher.
— Não! Não, não posso permitir que façam isso — ela conseguiu dizer
finalmente.
— Dificilmente poderia detê-los.
A Sra. Whiting desviou o olhar, sua respiração estava curta e instável.
Ela estremeceu, como se as imagens evocadas pelas palavras de Ottilia
fossem demais para suportar. — Tudo bem, eu vou falar.
Ottilia ignorou o tom rude e o ressentimento que quase se assemelhava
ao da Srta. Ingleby. — Obrigada. Mandaremos chamá-la no salão de baixo
no devido tempo.
Assentindo em dispensa, observou a pequena criatura cambalear até a
porta com um pouco menos de sua agitação habitual.
Atravessando o quarto rapidamente, Francis fechou a porta e Patrick
soltou um assobio. — Ufa! Quanta obstinação, minha querida irmã.
Ela estava inclinada a rir, mas seu esposo preferiu aceitar o comentário.
— Isso não é nada. Posso lhe jurar que ela pode ser muito mais cruel.
Ottilia retrucou. — Querem saber a verdade, ou não?
— Como bem sabe, só quero saber que não foi Giles — disparou
Francis. — Podemos acabar com isso, por favor? Se vamos procurar, pelo
amor de Deus, vamos começar logo.
— Deixe-me primeiro mostrar a Patrick o que encontrei. — Ela foi até a
cômoda enquanto falava, abriu a gaveta do topo e começou a procurar. —
Há embalagens de confeitos. Estes, está vendo? Cada um deles tem uma
descrição: açúcar de cevada, amêndoas açucaradas e caramelo. — Ela tirou-
os da gaveta enquanto falava. — Os outros, no entanto…
Ela parou, abruptamente percebendo que as três embalagens roubadas
pelos meninos, aquelas que havia colocado de volta na gaveta, haviam
desaparecido. Ela remexeu a gaveta, apenas meio consciente de Francis
pegando as embalagens.
— Flora Sugars? Este é o nome comercial do negócio de Roy?
— Associado com sua esposa, Florine — disse Ottilia sem cessar sua
busca.
Patrick estava verificando as garrafas dispostas ao longo do topo da
cômoda. — Meu bom Deus, olha isso, Fan. Pomada e loção de jasmim. E
água perfumada também. Um pote de rapé de bergamota? Esta é uma
caixinha agradável.
Ele foi acompanhado por Francis, que pegou a caixa de rapé e a
examinou. — Marfim e jade. Um pouco bonita demais para o meu gosto.
— Mas isso indica outro mau hábito, igualmente ruim para os pulmões
do sujeito.
— Tabaco? — Francis estava inspecionando outros itens. — Mas por
que diabos? Loção para pele ressecada e creme de amêndoas? E isso é água
de flor de laranjeira, Patrick. Usa essas coisas?
O irmão de sua esposa riu. — Eu não. Pelo visto, esse tal Cadel tinha
uma atenção meticulosa à higiene.
— Ou muita vaidade. O homem era claramente um almofadinha.
— Ou era inclinado à feminilidade?
— Acha? — Francis fez um som de escárnio. — Isso acaba com sua
ideia de que a Srta. Ingleby se encontra apaixonada pelo sujeito, Tillie.
Ottilia estava olhando para a gaveta, intrigada com os doces que
estavam faltando, mas ao ouvir isso olhou para os dois homens, distraída.
— Quer dizer que ela o esperou em vão? Então suponho não eram amantes
— disse, pensando em voz alta. — Ela deve ter ficado perturbada. Talvez
tenha sentido alguma afeição. Ou uma forte decepção. Ou buscava apenas a
segurança de um casamento?
Seu esposo ergueu os olhos. — Se a suposição de Patrick estiver
correta, dificilmente ele se casaria com ela, não é?
— Não, e isso não é pertinente. Onde raios estão aqueles doces?
Tanto o marido quanto o irmão a encararam. Patrick olhou para as
embalagens descartadas de caramelo e amêndoas açucaradas. — Presumo
que esteja falando destes aqui?
Ottilia enfiou a mão no bolso e tirou o único doce que havia pegado no
dia anterior. Ela o segurou. — Havia quatro deles aqui. Peguei apenas um
para lhes mostrar. Alguém levou os outros.
De repente, lembrou-se das embalagens vazias retiradas da cesta de
papéis e começou a procurar novamente, apenas meio consciente dos dois
cavalheiros estudando os doces.
— Flora Sugars — Francis anunciou, lendo por cima do braço de
Patrick. — O que tem nesse?
— Não diz.
— Então — Ottilia estava ajeitando as coisas na gaveta com pressa —,
por que alguém deveria pegar esses e não os outros? Deve ter sido
intencional.
— É sério que acha que estes doces contém uma dose letal de ópio?
— Disse que era possível, Patrick.
— Sim, mas não o suficiente para matar.
Francis agarrou a coisa de sua mão. — Mas por que alguém iria
removê-los se é inocente? — Seu olhar carrancudo voltou-se para Ottilia.
— E quem? De quem está suspeitando?
— Aquelas duas mulheres não estavam mexendo aqui quando
entramos? — perguntou Patrick, parecendo interessado, pelo menos neste
ponto.
— Sim, mas não esvaziaram a gaveta — disse Francis imediatamente.
— Os que estão faltando foram selecionados do resto. Ainda está
procurando, Tillie?
Ottilia abandonou sua busca inútil. Pensou em mencionar as
embalagens vazias que havia enfiado na gaveta, mas no final das contas,
decidiu guardar isso para si por enquanto. Nesse ínterim, o olhar cético de
seu irmão mudou de Francis para ela.
— Supõe que seu suposto assassino entrou aqui na calada da noite e
escondeu as evidências?
— Não tem ideia de como esses assassinos podem ser astutos, Patrick,
mas uma coisa é certa, não pode ter sido Giles — disse Francis.
— Não, acho que devemos limitar nossas suspeitas a alguém da casa —
concordou Ottilia.
— Está tirando conclusões precipitadas. — Patrick parecia exasperado.
— Em primeiro lugar, é altamente improvável que qualquer doce possa ser
usado para envenenar um homem.
Ottilia hesitou. — E por que não? Esses doces de láudano podem ser
dados às crianças. O senhor mesmo já os prescreveu.
— Garanto que isso se parece com aquele tipo de pastilha de láudano.
São embrulhadas assim e depois embaladas em conjuntos e colocadas em
caixas.
— Então aí está — ela comentou, sua mente ainda ocupada. — Quantas
teriam em uma caixa? Sir Joslin tinha uma caixa delas à mão?
Seu irmão suspirou irritado. — Está enganada, Ottilia. Pode até ser uma
pastilha de láudano, mas só poderia ter sido usada pelo morto para aliviar
algum incômodo tão simples quanto uma dor de cabeça.
— Ou talvez sua dor no peito? — sugeriu Francis.
— Certamente, mas sugerir que um desses poderia estar recheado com
ópio suficiente para fornecer uma dose letal? Absolutamente não. Mesmo
que fosse possível, o açúcar seria insuficiente para disfarçar o sabor.
Ottilia começou a sentir-se perplexa. Intuição? Alguém definitivamente
havia removido os doces desaparecidos junto com a embalagem que havia
escondido na gaveta no dia anterior. Ela lançou uma nova ideia:
— E se ele comesse vários de uma vez?
— Não — disse seu irmão com determinação. — Ele teria que consumir
a caixa inteira e provavelmente adormeceria antes que pudesse terminar.
Ottilia suspirou, aliviada por ter guardado para si a história das
embalagens vazias. — Então devo aceitar sua decisão, Patrick. Suponho
que há pouco futuro em analisarmos isso então?
— Na verdade, nenhum.
— Oh, céus, realmente pensei que tínhamos alguma coisa.
Os olhos de Patrick brilharam. — De qualquer forma, pensei que
estávamos aqui para procurar rum.
A mente de Ottilia estalou. — Sim, estávamos. Procure na cômoda
enquanto olho ao redor da cama.
Francis estava de pé sobre o baú. — E quanto a isso?
— Uma perda de tempo — disse Patrick. — Não pode supor que
aquelas mulheres embalariam uma garrafa de rum.
— Dê uma olhada, Fan — disse Ottilia, dirigindo-se à mesinha de
cabeceira. Ela teve sorte imediatamente, descobrindo uma garrafa
escondida em um canto atrás do penico, mas quando levantou-se com a
garrafa na mão e quis abri-la, o irmão a interrompeu:
— Espere! Dê-me isso.
Ela entregou-lhe imediatamente. — Por quê? O que vai fazer?
O médico cheirou as bordas da rolha. — Definitivamente isso é álcool.
— Ele a sacudiu. — Menos da metade, acho.
— Não vai abrir? — perguntou Francis com impaciência.
— Estou abrindo.
Patrick afastou a garrafa um pouco e tirou a rolha com a ponta dos
dedos. Não houve um aroma instantâneo, o que nem fez cócegas no nariz de
Ottilia. Ela não ficou surpresa. O rum poderia ou não conter ópio, mas a
questão das guloseimas havia suplantado seu interesse.
— Por que a cautela excessiva? — exigiu Francis.
— Porque não quero cair desmaiado. — Sacudiu a garrafa, cheirou o ar
e levou-a às narinas. — Hum. Não é um cheiro óbvio, mas definitivamente
há uma mistura aqui.
— Então vai analisá-la?
— Acho que devemos, Fan. Estamos fazendo o mesmo com o láudano
que encontrou. Embora não haja como dizer se foi desta garrafa que Sir
Joslin bebeu a dose que o matou.
Ottilia olhou para o irmão. — Já que está fazendo tantas análises,
também pode adicionar o doce, não acha?
— Agrade sua irmã, Patrick. O instinto dela raramente falha, sabe disso.
Ele revirou os olhos. — Atrevo-me a dizer que não terei paz até que o
faça, mas sinceramente? Duvido que isso leve ao suposto assassino.
Ela agradeceu e lançou um olhar grato ao esposo, mas sua inquietação
era palpável. Todos os sinais indicavam que seu irmão estava certo, mas não
conseguia se livrar da convicção de que os segredos de Willow Court
escondiam uma trama maligna.

A Sra. Whiting havia sido persuadida a sentar-se em uma das poltronas


cobertas por um xale, enquanto Ottilia ficava na outra. A mulher, portanto,
não conseguia ver Francis ou Patrick com facilidade sem se virar para
localizá-los. Patrick estava sentado em uma cadeira de vime, enquanto
Francis preferiu encostar-se na parede entre os dois conjuntos de janelas.
O desconforto da governanta era evidente, aumentado pela
incongruência de sua cintura contra suas pernas curtas, que mal chegavam
ao chão. Ottilia podia ver as pontas de seus sapatos pretos mexendo
desajeitadamente.
Ela começou com uma pergunta trivial para deixar a criatura mais à
vontade, pois a governanta não revelaria nada pertinente se continuasse
ressabiada.
— Gostaria que me contasse mais sobre a vida de Tamasine em
Barbados, Sra. Whiting. Ela mesma me disse que costumava se esconder
entre as canas de açúcar.
A governanta apertou os lábios. — Não vejo o que isso tem a ver com a
situação.
— Peço que me responda, se puder. Suponho que ela é muito apegada a
Hemp.
A mudança de assunto formou um vinco entre as sobrancelhas da
mulher. — Tanto quanto é apegada a qualquer um. Hemp lida melhor com
ela que todos nós, o que não é surpreendente.
— Por quê?
— Porque o Sr. Roy o colocou para tomar conta da garota desde que era
muito pequena. — A desaprovação estava estampada no semblante da
governanta. — Não que o jovem Hemp fosse muito mais do que um
moleque na época.
Ottilia ficou interessada. — É mesmo? Quantos anos ele tinha?
— Nove ou dez, mais ou menos.
— Então ele foi o companheiro constante da garota por alguns anos?
— Entre seus deveres e estudos.
— Ah, pensei mesmo que ele havia sido instruído.
A Sra. Whiting fungou. — De certa forma, todos os escravos foram. O
Sr. Roy insistia nisso. Empregou um professor para ensiná-los, mas ensinou
Hemp pessoalmente. Deu a ele o que poderia chamar de aulas
extracurriculares.
Evidentemente o menino negro era um favorito. Um pensamento
surpreendente e aleatório em suas potenciais ramificações ocorreu na mente
de Ottilia. Tão bizarra era a ideia que ela hesitou em dar-lhe a devida
atenção.
— O que aconteceu quando a Srta. Ingleby chegou? — perguntou em
vez disso.
Uma expressão zombeteira surgiu no rosto da mulher. — Ela não
concordou, tentou dar um basta. Achou a relação indecente, mas a Srta.
Tam não aceitou, estava muito acostumada com o sujeito até então.
— Pelo que entendi ela tinha quatorze anos na época?
A Sra. Whiting suspirou levemente. — Suponho que não posso culpar a
Srta. Ingleby. Ela era recém-saída da Inglaterra e não entendia os costumes
coloniais. Tinha medo dos trabalhadores negros. Considerava
absolutamente perigoso deixar um jovem negro daquele porte com uma
garota da idade da Srta. Tam.
Ottilia não pôde deixar de reconhecer que havia pensado o mesmo, mas
não disse nada. Se sua suspeita repentina estivesse certa, a jovem deveria
estar bem segura.
— Mas disse que Tamasine não aceitou se separar dele.
— Oh, a garota não conviveu mais com ele, exceto quando conseguia
escapar da Srta. Ingleby. Hemp estava trabalhando o tempo todo desde
então, tanto em casa quanto fora, mas a Srta. Tam o seguia por toda parte
quando tinha a chance. E vendo que Hemp era o único que podia acalmá-la
quando entrava em um de seus ataques de raiva, a Srta. Ingleby era
obrigada a chamá-lo várias vezes.
Ottilia aproveitou-se disso. — Mas Tamasine não podia ter acessos de
raiva, não é, Sra. Whiting? Era mantida sedada com láudano, certo?
A governanta ficou visivelmente assustada com a menção da droga e
seus olhos voaram para encontrar os de Ottilia, seu lábio ligeiramente
trêmulo.
— E quanto a senhora — prosseguiu Ottilia obstinadamente —, está
encarregada de lhe dar a droga. Onde a guarda? Está trancada a sete
chaves?
Por vários minutos, a mulher só pôde olhar para Ottilia enquanto um
turbilhão de pensamentos era refletido em seus olhos. Em sua visão
periférica, Ottilia notou que Francis havia se afastado da parede e seu irmão
estava inclinado para a frente, ambos concentrados em atitudes tensas, mas
manteve o olhar fixo na governanta, mantendo a pressão.
Por fim, a Sra. Whiting falou com uma voz rouca e protestante— É
estritamente controlado. Sei exatamente quanto administrar. Faço isso há
anos. Nunca cometi um erro.
— Eu sugeri que cometeu?
As mãos da mulher se apertaram e havia certa agressividade em seu
tom. — Não sei o que está sugerindo. A senhora disse que o mestre morreu
envenenado por ópio, isso é tudo que sei. Deseja me acusar de algo, é isso?
Ottilia suavizou a voz. — Minha cara Sra. Whiting, estou apenas
tentando descobrir como seu mestre teve uma overdose suficientemente
grande da droga para matá-lo. Se me garantir que o láudano de Tamasine
fica guardado onde ninguém poderia tê-lo levado, então…
— Quem o tiraria do meu armário? — interrompeu. — Está trancado e
mantenho a chave no meu cinto. — Ela procurou a corrente que pendia de
sua cintura e sacudiu as chaves penduradas com uma certa violência. — Eu
teria notado se alguém tentasse tirar isso de mim, não teria?
— A senhora dorme com ela embaixo do travesseiro?
A Sra. Whiting ficou boquiaberta. — Se eu durmo com a chave debaixo
do meu travesseiro? Não, claro que não.
— Então é possível que alguém possa ter entrado em seu quarto à noite
para pegá-la?
Uma risada incrédula escapou da mulher. — E então esgueirou-se de
volta para devolvê-la? Bobagem! Isso é impossível. Eu teria notado algo.
Além disso, teria notado se o nível na garrafa de láudano tivesse diminuído.
Como já disse, o mantenho estritamente controlado. Posso lhe mostrar, se
quiser. Escrevo tudo no meu livro.
Ela parou, respirando com dificuldade. Ottilia sorriu. — Obrigada, Sra.
Whiting, eu gostaria de vê-lo sim.
Ficou claro pela expressão que varreu o rosto da governanta que ela
estava indignada. Olhou para Ottilia e empurrou-se para frente para que
pudesse colocar os pés no chão e levantar-se da cadeira.
— É melhor vir comigo.
Nada relutante, Ottilia lançou um olhar conspiratório aos dois homens e
a seguiu para fora da sala.

Francis mal tinha conseguido trocar uma breve palavra com o cunhado
quando a porta se abriu novamente e o mordomo entrou na sala. Ele olhou
para ambos com uma irritação indisfarçável.
— Ainda aqui, senhores?
Francis arrepiou-se. — Como pode ver.
O lábio de Lomax se curvou de forma insolente. — Encontrou seu
assassino, milorde?
Com dificuldade, Francis se controlou e disparou. — Não, mas ainda
não o interrogamos, Lomax.
As sobrancelhas do homem se juntaram. — Eu não o matei!
— Não?
— Não! E devo acrescentar que nem ninguém desta casa.
— Isso ainda não sabemos.
— Ele tomava ópio, e daí? — Um sorriso de escárnio cruzou o rosto do
homem. — Acharam que a Srta. Ingleby não iria me contar? Não que já não
soubéssemos disso.
— Então salta aos olhos que alguém da casa possa tê-lo ajudado com
sua overdose.
Lomax fechou os lábios com força. Estava claramente nervoso, pois seu
olhar foi de Francis a Patrick, retornando ao primeiro. Sua bochecha se
contraía levemente e seu rosto estava um grau mais pálido que antes.
Inspirando-se em sua esposa, Francis aproveitou a vantagem com sua
mente vagando pelas mais variadas informações que Tillie havia acumulado
até então. Ele pegou uma ao acaso.
— Fale-me sobre a Flora Sugars, Lomax.
— A fábrica do mestre?
Ver o homem tão abalado não podia deixar de dar a Francis uma
sensação de satisfação. Seu aborrecimento abrandou e começou a se
divertir. — Por mestre, suponho que esteja se referindo ao Sr. Roy.
Tomamos isso como um nome comercial para seus produtos. Isso está
correto?
A carranca de Lomax expressava sua perplexidade crescente. — Sim,
mas não consigo ver o que isso tem a ver com…
— Ele deu o nome do lugar em homenagem à esposa? — Francis
interrompeu, mantendo a pressão. — Florine, não era?
— Não foi o Sr. Roy que deu esse nome. Foi o pai da Sra. Roy. Ela
herdou o lugar.
— E tornou-se propriedade do Sr. Roy quando eles se casaram?
Lomax assentiu, parecendo cada vez mais perplexo com essa linha de
questionamento.
— Parece um belo dote — comentou Patrick, atraindo o olhar do
mordomo.
Um olhar irrisório cobriu as feições do homem. — Um belo suborno,
senhor.
Francis não conseguiu reprimir um suspiro de choque. — Quer dizer
que ele sabia que Florine era louca quando se casou com ela?
— O mestre achou que era uma barganha que valia a pena. — O tom era
cínico e Francis o observou atentamente. — O Sr. Roy estava de olho no
negócio. E a senhora tinha um temperamento tranquilo no início.
— Estava lá?
— Eu vim com a propriedade. Era um lacaio na época.
Assim, sua lealdade era mais com a família da esposa do que com Roy.
Menos provável de ser leal ao seu mestre, então?
— Parece que a Srta. Ingleby é a mais recente adição ao círculo
familiar. — Lomax piscou confuso, como se a mudança de assunto o
confundisse.
— Acredito que ela se juntou a família apenas quando a Srta. Tamasine
tinha quatorze anos — prosseguiu Francis. — Uma relativa recém-chegada
então?
— Não encontrará ninguém que estivesse pronto para incluí-la no
círculo familiar. — O velho olhar jocoso estava de volta. — Ela não estaria,
se o Sr. Martin não tivesse morrido.
— Quem era o Sr. Martin?
— Um supervisor. A Srta. Ingleby foi até Barbados para se casar com
ele. Um desses casamentos arranjados. Martin morreu de febre antes que ela
chegasse e a moça não tinha dinheiro para voltar para a Inglaterra.
— Então o Sr. Roy deu a ela um cargo de dama de companhia para sua
filha — disse Patrick, com um tom de aprovação na voz. — Ele me parece
um sujeito muito atencioso.
Lomax não tinha nada a dizer sobre isso e estava claro para Francis que
sua opinião sobre o caráter de seu antigo mestre deixava algo a desejar. Ele
mudou de terreno:
— Pelo que entendemos, todos os negros tinham que trabalhar
ocasionalmente na fábrica de açúcar. Isso valia para todos a serviço do Sr.
Roy?
— O senhor quer saber se tive alguma experiência na destilação —
afirmou o mordomo categoricamente, seu cinismo mais uma vez abundante.
— Não fazia parte das minhas funções, mas eu estava interessado o
suficiente para aprender um pouco. Tinha seu uso.
— Como fazer rum?
Lomax deu de ombros. — Pense o que quiser, senhor, mas se está
tentando descobrir se misturei rum com ópio para envenenar Sir Joslin,
infelizmente ficará desapontado. Duvido que haja alguém na casa que não
saiba que ele guardava uma garrafa escondida no lugar mais imbecil que se
possa imaginar. Quem esvazia os penicos senão os criados?

— Eu deveria ter pensado nisso — disse Ottilia, irritada, quando Francis


retransmitiu essa informação durante um almoço na Dower House.
Apenas os três participaram da refeição, pois a viúva havia saído para
levar Sophie Hathaway para uma visita a um de seus vizinhos. Não havia
sinal dos meninos, que sem dúvida havia saído para alguma aventura
própria.
— Ainda vale a pena fazer uma análise da garrafa, Patrick? —
perguntou o marido de Ottilia.
— Devemos ser minuciosos. Se encontrarmos uma dose fatal, pode pelo
menos se consolar com a reflexão de que seu sobrinho não é o autor do
crime. Ele não deve saber sobre o esconderijo.
— A menos que Tamasine tenha lhe contado — disse Ottilia, ganhando
um olhar sombrio de Francis.
— Devo agradecê-la. Justo quando estava começando a me sentir um
pouco aliviado.
Ottilia suspirou. — Sim, e não adianta ser otimista, pois sou obrigada a
admitir que o láudano de Tamasine é estritamente controlado, exatamente
como a Sra. Whiting afirma. Eu desafiaria qualquer um a entrar em seu
armário e seus registros são impecáveis. Só ela poderia ter usado essa fonte
em particular.
— Se ela o fizesse — Patrick disse com uma leve carranca franzindo
sua testa —, seria bem fácil para ela alterar seus livros, não seria? Quis
custodiet ipsos custodes? Ou seja, quem há de vigiar os próprios vigilantes?
— Se diz respeito à Tamasine, então seria a Srta. Ingleby — disse
Francis.
Mas Ottilia observou o irmão com interesse. — Filosofia, Patrick? Devo
entender que o homem da ciência está mudando de área?
Patrick sorriu. — É muito persuasiva, minha irmã.
— Não é? — acrescentou o esposo.
— Não que eu esteja convencido, mas a falha no testemunho da Sra.
Whiting é irritante.
— Sim, não acho que podemos descartá-la — concordou Ottilia.
— Ou qualquer um, e esse é o ponto a que chegamos — disse Francis
em um tom de irritação. — Se me perguntar, acho que muitos deles são
capazes de matar.
— Temo que esteja certo, Fan. E isso não é tudo, pois ainda temos esse
tal Simeon para considerar.
— Sim, mas ele nem estava aqui — objetou seu esposo.
— Isso não significa que não seja culpado. Duvido que algumas das
ideias mais bizarras de Tamasine tenham saído da própria cabeça dela.
— Mas como ele a instruiria à distância, se a infeliz não sabe ler nem
escrever?
— Um cúmplice? — sugeriu Patrick.
Francis acompanhou o raciocínio. — Sim, alguém no local, mas quem?
Ottilia mentalizou os internos da casa. — Acho que a Srta. Ingleby, não.
Sra. Whiting, talvez. Ou Lomax.
Francis estava tamborilando os dedos na mesa. — Aquele Hemp parece
ser bem próximo a ela.
A ideia assustou Ottilia, lançando dúvidas em sua mente. Ela havia
pensado ter classificado o lacaio no cenário correto em Willow Court, mas
havia ignorado essa possibilidade? Se estivesse certa sobre Hemp, o homem
conscientemente ajudaria e encorajaria Simeon em qualquer esquema que
ele tivesse planejado? Sua dor tinha sido real. Ele não teria sido conivente
com um plano para assassinar seu mestre. O mesmo se aplicaria a Cuffy. O
sujeito teria de ser um ator extremamente talentoso para ser tão
convincente. E Hemp não havia dito aos meninos que Simeon era um
sujeito preguiçoso? Essa opinião impedia que Tamasine se correspondesse
com ele? Pois se um deles estava escrevendo em nome de Tamasine,
certamente deveria ser Hemp, pois era instruído.
O silêncio na mesa invadiu sua consciência e Ottilia voltou a si ao
descobrir que os dois cavalheiros a olhavam atentamente. — Que foi?
— Estava imersa em pensamentos. Se não aprendi mais nada nestes
meses ao seu lado, meu amor, aprendi quando deixá-la em paz.
Ottilia sorriu ao estender a mão sobre a mesa. Francis a pegou e beijou
seus dedos, os segurando levemente enquanto levantava uma sobrancelha.
— Então?
— Não acho que Hemp ou Cuffy tenham matado Sir Joslin —
respondeu, dando um breve resumo de seu raciocínio.
— Então isso nos deixa a Sra. Whiting, Lomax, Ingleby e a própria
Tamasine — recitou Francis, marcando-os nos dedos.
— E Simeon, eu deduzo — acrescentou Patrick. — Mesmo que apenas
por procuração.
Uma enxurrada de passos no corredor interrompeu a reunião quando
Ben e Tom irromperam na sala de jantar, ambos sem fôlego e explodindo de
entusiasmo.
— Posso perguntar onde estiveram? — exigiu o pai, com uma
presunção de severidade. — Ausentes sem permissão e sem nenhuma
mensagem para explicar…
— Nós deixamos uma mensagem! — irrompeu Tom. — Pelo menos,
teríamos deixado uma, se tivéssemos pensado nisso.
Observando o lábio trêmulo de Patrick e a sobrancelha levemente
levantada de Francis, Ottilia interveio rapidamente— Os dois parecem ter
grandes notícias. O que está acontecendo?
Juntos, os meninos passaram correndo pelo pai e amontoaram-se em
volta da cadeira de Ottilia, quase tropeçando sobre as palavras na pressa de
revelar:
— Estávamos conversando com Hemp e Cuffy, Tittilia — revelou Ben.
— Sim, e nunca vai acreditar no que nos disseram!
— É sobre a louca.
— Tamasine? — perguntou Ottilia.
— Não aquela louca, a outra — Tom disse com desdém, como se a tia
devesse saber.
O irmão o interrompeu. — Deixe-me contar, não está fazendo sentido.
— Ignorando o protesto de Tom, Ben voltou-se para Ottilia: — É a mãe da
louca, tia. A senhora sabe quem é, aquela que chamam de Florine.
— Ela era louca também — disse Tom irrepreensivelmente.
— O que tem ela? — perguntou Ottilia, tentando se conter.
— Aposto que não sabe como Florine morreu — disse Ben com seus
olhos azuis brilhando de entusiasmo.
O coração de Ottilia errou uma batida quando sua mente se agitou e ela
olhou para as feições angelicais de Ben com atenção.
— Conte-me.
Com alegria no rosto, Tom deu uma cotovelada nas costelas do irmão.
— Vá em frente, Ben.
— Ela também foi envenenada. Com ópio.
 
 
Capítulo 10
 
 
 
 
 
 
 
A viagem de Polbrook a Willow Court era relativamente curta, mas
Giles a fez com calma, cuidando de seus cavalos. Sua consciência o
atormentava e enquanto seu mau humor se mantinha, corria os olhos pelo
campo em uma vã tentativa de se livrar das memórias invocadas pelas
palavras de sua avó.
Não encontrando alívio, recorreu à garrafa de conhaque e seus efeitos o
mantiveram em casa enquanto seu pai e a francesa que era obrigado a
reconhecer como madrasta estavam na igreja para o culto dominical,
acompanhados de seus dois meios-irmãos. Desejava que sua irmã não
tivesse se retirado para ficar com a tia Harriet no momento em que as
festividades terminaram. Poderia ter confiado em Candia, pois ela nunca era
crítica. Além disso, os dois haviam se aproximado devido à adversidade dos
eventos recentes. Se o pior acontecesse, poderia segui-la até a propriedade
dos Dalesford.
Com suas angústias diminuindo, ocorreu-lhe que havia deixado de dar
atenção a Tamasine por vários dias, o que dificilmente combinava com a
conduta de um marido prometido.
A honestidade obrigou Giles a admitir uma leve relutância em se
apresentar em Willow Court. Não que estivesse de alguma forma
arrependido de sua proposta precipitada. Ele não desejava nada na vida
além de se casar com Tamasine, mas dúvidas indignas sobre as capacidades
mentais da garota o atormentavam.
A culpa era de seus parentes e da condenação direta de Phoebe. Giles
não teria pensado isso dela e estava inclinado a se ressentir de sua atitude.
Qualquer um poderia supor que Phoebe fora praticamente rejeitada, o que
certamente não era o caso. Nunca lhe dera motivos para pensar que cairia
no esquema inventado por seus respectivos pais. Tampouco havia
demonstrado qualquer disposição para encorajar tal casamento.
Sua sensação de mal-estar cresceu. Pelos céus, com exceção da irmã,
ele andava tendo azar em sua associação com as mulheres! Não só a garota
que até então considerava sua maior amiga, agora o condenava, a garota por
quem havia se apaixonado, o convenceu a fazer um pedido antes que tivesse
tempo de considerar seu posicionamento.
A infelicidade desse pensamento penetrou em sua mente e Giles tentou
anulá-lo. Se Tamasine não fosse tão inocente, poderia se queixar com razão,
mas seu charme estava na despreocupação natural que dava pouca atenção
aos ditames da convenção. Admirava isso nela. Se havia um pensamento
traiçoeiro de que alguém tão rebelde não era um bom presságio para uma
futura marquesa, Giles estava decidido a esmagá-lo da existência.
Mas não pôde evitar o pouco entusiasmo com que se dirigia até a casa
de sua namorada. Atribuiu isso à leve dor de cabeça que ainda o afligia
devido às diversas garrafas de conhaque ingeridas.
Recuperando-se, virou a carruagem para a entrada e trotou com os
cavalos atrás da casa até o bloco dos estábulos. Seu cavalariço saltou e foi
até os animais, os acalmando até que um dos rapazes do estábulo veio
ajudá-lo e Giles conseguiu descer.
— Giles!
O grito veio de trás e ele virou-se para encontrar Tamasine vindo da
horta próxima ao estábulo em sua direção. O brilho de seu sorriso de boas-
vindas no semblante incomparável apagou suas dúvidas e Giles avançou
para encontrá-la.
— Peço que perdoe meu atraso. — Ele procurou uma desculpa
plausível. — Fiquei preso aos negócios e não iria perturbá-la em um
domingo.
Tamasine não parecia nem um pouco irritada e sorriu de forma radiante
ao se aproximar, estendendo as mãos. — Eles se foram e pode saber o
segredo primeiro.
Giles pegou as mãos dela e levou primeiro uma e depois a outra aos
lábios. — Está linda como sempre.
A risada encantada atingiu os ouvidos de Giles. Tardiamente, ele
percebeu a importância de suas palavras. Olhou para seus orbes inocentes e
suspirou novamente com o impacto de sua beleza.
— Mas é nosso segredo, minha querida, não é? Eu já sei.
Tamasine não respondeu, mas afastou as mãos e virou-se. Seu aceno
chamou a atenção para uma figura alguns passos atrás que Giles não havia
notado até aquele instante.
— Simeon, venha!
Ele olhou fixamente, irritando-se instintivamente ao observar a boa
aparência e postura do cavalheiro. Quando o homem se aproximou, notou
cachos escuros saindo de um chapéu. Ele era uma figura alta, bem formada
e com feições que demonstravam que o sujeito era alguns anos mais velho.
— Lorde Bennifield, eu deduzo?
O recém-chegado esboçou uma ligeira reverência com uma graça
desleixada que fez Giles cerrar a mandíbula.
— Parece que está em vantagem a meu respeito, senhor.
— Simeon Roy, milorde. Sou primo de Tamasine, como deve saber.
A implicação atingiu Giles como um golpe. Este era o sujeito envolvido
no “acerto de contas” de Tamasine. Os dois juraram vingança juntos, pelo
que a garota lhe havia contado. Perguntou-se, inquieto, se era muito
otimista supor que havia sido apenas uma piada entre eles.
— Simeon veio — Tamasine anunciou desnecessariamente. — Eu sabia
que viria. Eu disse a todos eles. E ele vai me vingar. — Ela virou um rosto
brilhante para o homem. — Não vai, Simeon?
O sujeito deu uma risada indulgente que irritou o ouvido de Giles e seu
tom era bastante paternal. — Sou seu servo e obediente ao seu comando,
minha querida Tam.
— Sim, e eles vão se arrepender. — Alegre, voltou-se para Giles. —
Simeon não vai deixar que me coloquem no ninho e posso vagar por aí o
quanto eu quiser.
— Contanto que não se perca por aí, minha pet.
Uma forma de tratamento que não poderia deixar de causar revolta.
Como se a menina fosse um cachorro. Para a satisfação de Giles, Tamasine
ignorou o comentário, dirigindo-se a ele:
— Joslin não o deixou vir, mas agora ele está morto e não pode mais
parar Simeon.
Uma pontada de algo como nojo atacou Giles, mas afastou a sensação e
tentou pegar a mão da namorada, falando em um tom baixo destinado
apenas aos ouvidos dela:
— Podemos conversar, Tamasine? Onde a Srta. Ingleby está?
Para seu desgosto, Roy escolheu responder no lugar dela— Acho que
Lavinia, junto com Lomax e a Sra. Whiting, foram assistir ao inquérito.
Encontrei a pequena Tam aqui sob o comando de Hemp.
O choque sacudiu Giles. — Inquérito? Tão cedo?
Por que ninguém havia mencionado isso? Não que estivesse próximo a
Dower House desde que a avó escolhera se aliar no campo inimigo, mas seu
tio Francis poderia ter lhe mandado uma mensagem. Principalmente porque
havia essa ideia ridícula de que ele poderia estar envolvido na morte de Sir
Joslin, apenas por causa de sua associação com Tamasine. Seu desgosto
aumentou quando Roy respondeu em nome de Tamasine:
— Ouso dizer que havia uma necessidade urgente. Pelo que entendi, a
morte de meu primo Joslin foi totalmente inesperada.
Giles o encarou, refletindo que o sujeito ainda não sabia nem a metade.
No entanto, não podia falar das suspeitas de sua tia Ottilia diante de
Tamasine.
— Pensei que Tamasine fosse sua prima.
— Joslin também, embora um pouco mais distante. Matthew, o pai de
Tamasine, como deve saber, era meu primo em primeiro grau por nossos
pais. Joslin veio do lado de minha mãe.
— Giles, não me beijou — disse Tamasine com impaciência.
Sentindo o calor subindo em suas bochechas, Giles recuou um passo.
— Não em público, Tamasine.
Sua risada tilintou. — É apenas Simeon, bobo. Ele não vai se importar.
— Bem, eu me importo.
Giles reteve com dificuldade um olhar fulminante quando observou a
diversão cínica no rosto do outro homem. Tamasine não prestou atenção,
mas estendeu a mão para pegar os ombros de Giles, levantando o rosto em
sua direção. Ele baixou a cabeça e deu-lhe um beijo rápido nos lábios,
incapaz de evitar que seu olhar se desviasse para Simeon Roy, que estava
sorrindo abertamente.
Rindo novamente, Tamasine voltou seu sorriso radiante para o primo.
— Estamos noivos, Simeon. Giles vai se casar comigo.
Horrorizado, Giles lançou um olhar para o rosto do sujeito. Roy parecia
totalmente impassível, apenas levantando um par de sobrancelhas escuras.
— Ah, é? Então devo parabenizá-la, minha querida Tam. É um
excelente partido.
Giles interrompeu rapidamente:
— Ainda não revelamos publicamente. Devo implorar-lhe que não fale
sobre este assunto, se puder.
As sobrancelhas subiram mais alto. — Oh? Meu primo Joslin não
aprovava sua união? Quão imprudente da parte dele. Devo confessar que
fiquei surpreso que ele não tenha aproveitado a chance de se livrar - quero
dizer, de ver a jovem Tam tão adequadamente estabelecida.
O deslize não escapou de Giles e uma pontada de apreensão passou por
ele. Não houve mudança visível na expressão de Tamasine. Com sorte, a
garota não tinha entendido a implicação. Sentiu-se obrigado a defender-se:
— Sir Joslin não estava disposto a ver Tamasine prometida a alguém
antes de sua estreia na sociedade, mas tinha esperança de convencê-lo a
mudar de ideia.
Simeon Roy riu abertamente.
— Estreia? Está brincando?
Giles franziu a testa, quando outro daqueles pensamentos
desconfortáveis o atingiu. — Por que pensaria que estou?
Mas com isso, o sujeito ergueu uma mão depreciativa e recuou. — Meu
caro Lorde Bennifield, se não sabe, longe de mim esclarecer ao senhor. Não
gostaria de fazer um desserviço à minha priminha.
Indeciso entre exigir uma explicação imediata ou ir para as vias de fato
com o sujeito, Giles hesitou por um bom tempo.
— Infelizmente tenho que deixá-la agora, minha querida Tam — disse
Roy com outra reverência floreada. — Acredito que meu valete já tenha
descarregado as malas e espero remover a sujeira da viagem e me refrescar.
Para alívio de Giles, Tamasine assistiu a troca de palavras sem nenhum
alarme aparente, mas acabou protestando em relação à partida— Já está
indo? Mas Simeon, quero que fique comigo.
O sujeito sorriu e acariciou seu queixo. — Mas tem seu noivo para
diverti-la.
Uma carranca assustadora estragou as feições requintadas de Tamasine
por um momento. — Mas eu quero o senhor!
— Calminha, calminha — disse Roy em um tom repreensivo. — Sem
birras, minha criança, ou vou me arrepender de ter vindo de tão longe para
vê-la.
Tamasine bateu o pé. — Eu o odeio, Simeon!
Para a fraca e relutante admiração de Giles, Roy recusou-se a morder a
isca. Em vez disso, o sujeito riu, pegando a mão da prima e erguendo-a para
descansar contra sua bochecha por um momento, em um gesto
peculiarmente íntimo. Também distintamente possessivo o que fez os pelos
de Giles se eriçarem.
— Não, não odeia. Na verdade, me ama. E estarei com a senhorita
novamente em um instante, não tema.
Com isso, soltou a mão dela e caminhou rapidamente para os fundos da
casa.
Giles olhou para Tamasine, com certo medo de uma explosão, mas a
encontrou mais uma vez envolta em sorrisos quando virou-se para ele.
— Simeon vai me salvar.
Salvá-la de quê? Mas ele não perguntou. Em vez disso, ofereceu seu
braço.
— Gostaria de caminhar um pouco, Tamasine?
Com um guincho de prazer, ela enfiou a mão no braço dele e se pôs ao
seu lado, andando tão calmamente quanto qualquer debutante ao ser
conduzida pelo caminho em direção aos gramados da frente da casa. Suas
dúvidas desapareceram.
— Lamento que não possamos anunciar nosso noivado ainda, minha
querida.
Tamasine deu-lhe um olhar carrancudo. — Por que não podemos?
— Temo que seria considerado um pouco insensível, devido a morte
recente de seu guardião.
— Mas se ele está morto, como Joslin pode se opor?
— Não quis dizer isso. Além disso, temo que a Srta. Ingleby não aceite
meu pedido.
— Lavinia não é minha guardiã.
— Não, mas nas circunstâncias atuais, de alguma forma está sob a
responsabilidade dela.
Tamasine piscou, como se a ideia a intrigasse. — Mas Simeon está aqui
agora.
O pensamento de sua amada estar a cargo de Simeon Roy não acalmou
a inquietação dele, mas o instinto o fez ficar calado. Estava claro que
Tamasine tinha o sujeito em alta consideração e seria indelicado criticá-lo
na presença dela. Giles descartou a ideia fugaz de que a birra resultante
seria ao mesmo tempo embaraçosa e angustiante.
— Lamento dizer que minha família não é solidária com nossa união.
Temo que possa levar um pouco de tempo para acostumá-los à ideia.
Tamasine não tinha nada a dizer sobre isso, embora lançasse um olhar
estreito no qual pensou ter detectado um leve eco de malignidade, mas esse
não poderia ser o caso. Tamasine não era nada senão pura de coração.
Estava convencido de que ela não poderia desejar mal a ninguém.
— Ouso dizer que será melhor para mim esperar a chegada de sua tia,
minha querida, e solicitar formalmente permissão para nos casarmos.
Para a surpresa dele, Tamasine soltou sua risada característica, o
fazendo estremecer. — Eu não tenho tias, Giles tolinho.
Ele parou no meio do caminho e virou-se para encará-la. — Mas eu
tinha entendido que sua tia é seu único parente vivo mais próximo. A Sra.
Delabole, não é? Sua tia Ruth?
Ela encontrou o olhar dele com uma incompreensão vazia. — Eu não
tenho nenhuma tia Ruth.
— Entendi mal então? A irmã do seu pai? — Ficou claro pela expressão
dela que isso não significava nada para Tamasine. Tardiamente, ocorreu-lhe
que ela poderia nunca ter conhecido a mulher, pois era muito jovem. —
Talvez ela não tenha visitado Barbados. Ou a senhorita era muito jovem
para se lembrar, mas seu pai deve tê-la mencionado.
O semblante de Tamasine se abriu em um sorriso radiante. — Vamos
nos casar rapidamente. Agora, antes que eles voltem. Então ninguém poderá
nos parar.
Tão inocente! — Temo que não seja tão simples assim, minha querida.
Não neste país. Devo primeiro obter uma permissão. Além disso, não
gostaria de colocar sua reputação em risco com uma fuga. Devemos nos
casar formalmente e com o consentimento de seus tutores, sejam eles quem
forem. A senhorita não merece menos que isso.
Para seu desânimo, as sobrancelhas dela começaram a baixar e uma
careta torceu suas feições encantadoras.
Ela afastou-se dele. — Não quer se casar comigo, Giles?
— Claro que quero. Sabe que sim.
Ele tentou pegar as mãos dela, mas ela o evitou.
— Vai ter que me pegar primeiro!
Rindo, ela correu em direção aos gramados onde bolsões de neve
testemunhavam o mau tempo recente. Giles foi atrás dela, como uma pessoa
honrada, mas sem nenhum sentimento real de entusiasmo. A educação
peculiar de Tamasine prometia criar dificuldades infindáveis. A garota
ignorava as muitas regras de conduta e decoro que para ele eram uma
segunda natureza. Como poderia explicar os obstáculos no caminho deles?
Ele a alcançou e agarrou os ombros dela. — Tamasine, devemos marcar
um encontro. Não podemos falar assim, onde podemos ser interrompidos a
qualquer momento.
Sua risada tilintou. — Vou encontrá-lo na floresta.
Não combinava com o senso de decoro de Giles continuar a encontrá-la
clandestinamente, principalmente com as proibições da avó ressoando em
sua cabeça. Tampouco poderia aprovar a ideia de Tamasine vagando pela
floresta sozinha, mas do jeito que as coisas estavam, não conseguia ver
outra maneira de garantir a privacidade deles por tempo suficiente para que
esclarecesse tudo satisfatoriamente. Sem se preocupar em indagar sobre sua
necessidade repentina e urgente de tratar o noivado secreto com tanta
circunspecção quanto possível, Giles concordou com relutância com o
esquema:
— Se assim desejar, muito bem. Vamos nos encontrar amanhã cedo.
— Não posso escapar antes do café da manhã. Lavinia me tranca à
noite.
Chocado com esta notícia, Giles estava, no entanto, consciente de uma
pontada de alívio em algum lugar dentro dele. Pelo menos ela não poderia
se comportar como fizera no dia da morte de seu tutor.
— Às dez então? Vou procurá-la no vale onde a vi pela primeira vez.
Lembra-se do lugar?
Ela piscou para ele com seus olhos azuis brilhando. — Giles, Giles,
Giles. Lembro-me de onde me beijou.
Ele estremeceu. — Não me lembre. Estou envergonhado. Foi uma
conduta indecorosa.
Os olhos de Tamasine ficaram abruptamente vidrados. — Eu gostei. O
senhor também gostou.
— Gostei muito, mas a questão é que… — Ele se interrompeu, sentindo
toda a futilidade de continuar discutindo o ponto e, em vez disso, apenas
sorriu. — Então estamos de acordo? Dez horas no vale?
— Dez horas no vale — repetiu Tamasine como um eco, seus olhos
brilhantes ainda mantendo aquele ar perturbador.
Giles hesitou, observando-a com cautela. Ocorreu-lhe que estava
ansioso, como se enfrentasse uma cobra e não soubesse seus próximos
movimentos. O pensamento aleatório passou por sua mente, deixando-o
com uma sensação de vazio por dentro e com os primeiros sinais de pânico.
Com o que ele havia se comprometido?
Então a expressão de Tamasine mudou completamente e um olhar de
adoração derretida cobriu seu lindo semblante. — É meu herói, Giles. Um
herói para a princesa do açúcar.
Ela foi até ele e jogou os braços em volta de seu pescoço, agarrando-se
com tanta força que quase o fez engasgar. O gesto acabou antes que pudesse
protestar e Tamasine recuou.
— Agora vou encontrar Simeon — ela declarou em uma voz tão natural
que Giles se assustou com a mudança.
Antes que ele pudesse fazer ou dizer mais alguma coisa, Tamasine
partiu, correndo como uma lebre em direção ao canto mais distante da casa.
Alcançando-o, se abaixou pela lateral e desapareceu da vista. A garota não
olhou para trás.

Ottilia se permitiu ser convencida a não comparecer ao inquérito, que


seria realizado perante o juiz Delaney. Sua rendição foi ostensivamente em
resposta à sugestão de Francis de que os intimados para depor poderiam
revelar mais na sua ausência do que se confrontados com alguém que
sabiam ser um pouco tendencioso. O pensamento a incomodou.
— Eu sou tendenciosa?
— O ponto importante é que eles pensam assim.
Ottilia olhou-o. — Pensa assim?
Para sua surpresa, seu marido sorriu. — Acho que quer ser, minha
querida, mas sua honestidade inata não vai permitir.
Ela foi obrigada a rir. — Maldito! Como ousa me ler tão bem?
Estavam na privacidade do quarto deles e Francis a beijou. — Ainda
não percebeu que sou um estudante perspicaz de Ottilia?
— É um ladino enganador.
— Uma repreensão merecida — reconheceu ele com sua sobrancelha
indisciplinada se arqueando, porém segurou a mão dela frouxamente. —
Vai seguir o meu conselho?
— Esta não é mais uma tentativa de garantir que eu não me esforce
indevidamente?
Sua boca se contorceu em um sorriso. — Isso também, é claro.
Ottilia sentiu-se tentada a ceder imediatamente, só porque ele lhe pediu
isso, mas verdade seja dita, não acreditava que qualquer evidência nova
pudesse surgir no inquérito e não havia sido chamada, apesar de ter sido a
primeira pessoa com algum conhecimento médico a examinar o corpo. Ela
não tinha autoridade e com dois médicos no caso, seu depoimento seria
supérfluo.
— Bem, neste caso farei companhia a Sybilla. — E então ela
acrescentou com um olhar travesso: — Contanto que prometa fielmente me
presentear com todas as informações.
— E eu faria o contrário? Esta é a vantagem de uma memória de
elefante. Vou lhe trazer um relato palavra por palavra.
Ottilia abriu um sorriso. — Um resumo servirá. A menos que haja algo
novo, é claro.
Não que ela tivesse tal expectativa, já que o legista havia ordenado o
inquérito após a conclusão das investigações do boticário de Sunderland.
Para decepção de Ottilia, o doce provou não ter um teor de ópio insuficiente
para explicar a morte de Sir Joslin, embora o boticário admitisse que era
uma dose forte. Havia discutido o assunto imediatamente com Patrick:
— Mais forte do que o prescrito para crianças?
— Até certo ponto, mas como lhe disse no início, não é forte o
suficiente para matar alguém.
Ottilia não voltou a perseguir a ideia do efeito de vários doces de uma
só vez. Seu irmão certamente repudiaria essa noção novamente, mas
guardou a suposição no fundo de sua mente, não querendo abandonar
completamente os doces.
As notícias da garrafa de láudano não eram melhores, pois continha a
quantidade esperada. E a garrafa misteriosa atrás do penico provou conter
uma mistura de rum, açúcar e novamente ópio, mas nem de perto o
suficiente para matar Sir Joslin. Ele havia engolido uma combinação desses
itens? Deveria haver alguma resposta, pois o teste do conteúdo do estômago
sugeria que o homem realmente havia tido uma overdose grave da droga.
— Não queria estar no lugar do juiz nem por uma fortuna. — Ela fez tal
observação para sua sogra quando as duas estavam sozinhas na sala.
Sophie Hathaway estava desfrutando de um raro período livre de suas
enfermidades e tirou vantagem disso. Tendo a viúva deixado bem claro que
algumas excursões na companhia da Sra. Hathaway tinham sido mais do
que suficientes, coube à Srta. Mellis, juntamente com sua prole protestante,
escoltá-la em um passeio pelos arredores para aproveitar o tempo ameno.
— Se não conseguiu desvendar o mistério, Ottilia, ouso dizer que
Robert Delaney achará uma tarefa impossível. Ele é um tipo de homem
severo e meticuloso, mas nunca admirei seus poderes de observação.
— A senhora deve pelo menos estar aliviada de que o envolvimento de
Giles nisso seja improvável.
— Sim, se aqueles desgraçados de Willow Court não fizerem questão de
apontar o dedo para o meu neto.
— Do jeito que as coisas estão, duvido que a questão venha a surgir.
Sybilla soltou um suspiro obviamente tenso. — É de se esperar que não.
Delaney faz questão de dirigir seus júris e, já que meu filho imbecil
protagonizou um escândalo em todo o condado, o sujeito não está acima de
colocar Giles no quadro apenas por princípio.
Ottilia estalou a língua. — Vamos, Sybilla. Se ele for tão meticuloso
quanto diz, certamente não agirá com tanto preconceito.
— Pergunto-me se Phoebe pensa assim. Ela é a favorita dele, disso eu
sei e, se Delaney sente que a menina foi menosprezada, o que dificilmente
se pode negar que tenha sido o caso…
— Estou convencida de que não precisa ter medo quanto a isso — disse
Ottilia, apressando-se para mudar o tom da conversa. — O certo é que
Delaney não terá qualquer uma das informações que já desenterramos. Ele e
o júri serão obrigados a seguir o que Patrick e Sutherland conseguirem
fornecer.
A viúva encarou-a. — Então por que diabos ele deveria chamar a dama
de companhia e o resto deles?
— A Srta. Ingleby estava com Sir Joslin no momento da morte dele e a
Sra. Whiting e Lomax são os ocupantes mais antigos da casa. Imagino que
só serão chamados para corroborar tempos e circunstâncias anteriores à
morte. Ninguém vai rotular Sir Joslin como um viciado em ópio e todos os
três podem testemunhar as más condições da saúde dele.
Consciente de que Sybilla a olhava com sua nitidez habitual, Ottilia
levantou as sobrancelhas em indagação. A viúva soltou um suspiro irritado.
— Acho que ele não vai trazer um veredicto de assassinato.
Uma risada escapou de Ottilia. — Não vejo como ele poderia. O melhor
que posso esperar é um veredicto aberto, embora seja mais provável que
seja uma morte acidental.
— Pelo que agradecerei ao meu criador, mesmo que isso a decepcione,
minha querida Ottilia.
— Eu não ficarei precisamente desapontada.
— E então?
Ela suspirou. — Isso tornará muito mais difícil prosseguir com minhas
investigações, pois aquelas criaturas miseráveis serão rápidas em rejeitar
qualquer esforço adicional para descobrirmos a verdade.
— Sem dúvida. — Então Sybilla sentou-se com uma energia repentina.
— Mas não vão me impedir de fazer tudo ao meu alcance para tirar meu
neto das garras daquela menina terrível.
Ottilia inclinou a cabeça para o lado. — Acha que será necessário? De
minha parte, suspeito que Giles descobrirá a loucura que cometeu em breve.
Era evidente que sua sogra não estava tão otimista. — Gostaria de poder
concordar, mas minha experiência com jovens argumenta o contrário. Pelo
que sei, ele está planejando fugir com a garota.
— Se o fizer, duvido que passem da primeira etapa do plano antes que
Giles perceba seu erro. Fique tranquila, Sybilla. Por mais difícil que a Srta.
Ingleby seja, não posso acusá-la de negligenciar seu dever. Tamasine pode
escapar de vez em quando, mas como regra, duvido que tenha permissão
para sair de casa sem escolta.
Assim que as palavras saíram de sua boca, ouviu-se uma batida no vidro
da janela francesa. Olhando para o outro lado, Ottilia percebeu a própria
jovem Tamasine. E ela não estava sozinha.
A viúva também tinha visto a visitante, pois gemeu em voz alta. — Por
que a miserável não pode usar a porta da frente?
— Devemos lembrar que ela jogou uma pedra no vidro da última vez —
observou Ottilia, levantando-se da cadeira e indo em direção às janelas.
— Quem diabos a menina trouxe com ela? — exigiu Sybilla.
Quando Ottilia chegou à janela francesa, atraiu o sorriso largo de
Tamasine e a jovem gesticulou com entusiasmo para o homem de aparência
jovem e bem-apessoado que estava um pouco atrás dela. Um
pressentimento selvagem quanto à identidade dele disparou no cérebro de
Ottilia e ela apressou-se para destravar a porta e abri-la.
— Trouxe Simeon para vê-la — disse Tamasine sem o menor
preâmbulo. — Eu disse que ele viria.
— Disse mesmo. — Ottilia ficou satisfeita ao descobrir que sua
suposição estava correta ao observar a beleza do sujeito. — Suponho que
seja o Sr. Roy. Entrem.
Afastando-se para permitir que entrassem, Ottilia fez um balanço do tal
Simeon de quem tanto ouvira falar. Ele entrou, movendo-se com uma graça
e facilidade naturais que se refletiam em seu sorriso.
— Como vai, Lady Fan?
Sua voz era arrastada e sua figura confiante tinha uma espécie de
arrogância. Usava o cabelo escuro solto, no corte desgrenhado atualmente
em voga entre os jovens. Seus lábios eram carnudos, seu nariz reto e seus
olhos, nos quais um brilho de calculismo era imediatamente aparente, eram
de um marrom líquido. Ottilia descreveu-o como um patife encantador.
O uso de seu apelido deu origem a um leve sentimento de antipatia, mas
como o rapaz deveria ter recebido a informação de Tamasine, não se
preocupou em corrigi-lo. Aproveitou para apresentar a viúva, sobre cuja
mão Simeon Roy curvou-se em uma cortesia exagerada.
— Tamasine me deu um relato de sua bondade na ocasião do acidente,
senhora.
A recepção de Sybilla foi gelada. — Sério? Não pensei que a Srta. Roy
fosse se lembrar da ocasião.
O sorriso do Sr. Roy teria derretido uma manteiga.
— Oh, ela me conta tudo, senhora. Somos correspondentes ávidos.
A inverdade flagrante dessa afirmação atingiu Ottilia imediatamente.
Mesmo que Tamasine pudesse escrever, o que era muito duvidável, tal
intimidade deveria ter sido clandestina, considerando as opiniões de Sir
Joslin. E se Ottilia pudesse julgar, Tamasine era incapaz do sigilo
necessário.
Ela convidou os visitantes a se sentarem e não se surpreendeu ao ver
Simeon se largar no sofá de maneira bastante despojada. Tamasine
imediatamente se posicionou ao lado do primo, seus olhos azuis fixos em
seu belo rosto.
— Tamasine me disse, Lady Fan, que foi de uma ajuda inestimável
nesta hora trágica.
Por mais improvável que a jovem pudesse ter se expressado dessa
maneira, Ottilia tomou isso como se fosse verdade. — Fico feliz por ter sido
útil, mas acredito que a Srta. Ingleby é mais do que capaz de lidar com
qualquer assunto que possa surgir.
Um leve olhar de desprezo cruzou as feições do jovem. — Oh, Lavinia
é a própria eficiência. No entanto, será dispensada de suas
responsabilidades em breve.
Sybilla interrompeu sem cerimônia. — Por quem? O senhor, por
exemplo?
Simeon Roy ergueu as mãos com um horror simulado. — Eu? Deus
queira que não! A última coisa que poderia desejar no mundo é ser
encarregado de resolver os assuntos em Willow Court.
— No entanto, está aqui.
Ele soltou um suspiro elaborado. — Dificilmente poderia me ausentar
em tal momento. Com minha prima precisando do meu apoio? Não, não,
senhora, seria cruel de minha parte recusar o pedido dela.
Ottilia levantou as sobrancelhas. — Tamasine pediu que viesse?
Simeon estava sorrindo para o olhar de adoração da garota. — As
súplicas dela não poderiam ser ignoradas, poderiam, minha querida e
pequena Tam?
Os olhos azuis de Tamasine percorreram as feições dele.— Eu sabia que
viria.
Dificilmente essa era uma afirmação clara e Tamasine havia dito isso a
Ottilia dias antes. Ela observou o jovem levantar a mão para erguer
levemente o queixo da garota, com um tom de provocação na voz:
— Como eu poderia resistir a senhorita? Sabe bem que estou em suas
mãos.
Uma onda encantada da risada de sino de Tamasine emergiu e ela pegou
os dedos dele com as duas mãos, apertando-os com força.
— Simeon, Simeon, Simeon. Se eles não gostarem, nós nos
esconderemos e Hemp dirá a todos que fugimos.
— Ah, sim, esse é um plano excelente, Tam — disse seu primo de uma
forma indulgente, mas retirou os dedos de seu aperto e balançou um dedo
no rosto dela. — Mas tenho um melhor.
A ansiedade de Tamasine era infantil. — Qual?
— Saberá em breve.
Ottilia achou que esse ar de mistério deveria ser intencional. Não
poderia deixar de reconhecer que Simeon parecia ser hábil em lidar com os
modos rebeldes de Tamasine. Ela procurou uma maneira de penetrar em sua
autossatisfação:
— Estou certa em pensar que já faz algum tempo desde que se
encontraram, Sr. Roy?
O rapaz não estava nem um pouco desconcertado, apenas soltou outro
suspiro. — Infelizmente, sim, mas conseguimos, no entanto, permanecer os
melhores amigos e primos, não conseguimos, minha pet?
Assim requisitada, Tamasine acrescentou seu comentário, virando-se
para olhar para Ottilia. — Simeon escreve para mim o tempo todo.
— E a senhorita escreve de volta? — perguntou Sybilla astutamente,
lançando um olhar interrogativo na direção de Ottilia.
Tamasine não se deu ao trabalho de responder, pois sua atenção mais
uma vez voltou-se para o jovem ao seu lado, mas o semblante expressivo de
Simeon Roy direcionou-se para a viúva, com um olhar compreensivo.
— Ah, ela sabe escrever, senhora. De certo modo. Não sabe, minha pet?
— Seu olhar acariciou a jovem antes de voltar para Sybilla. — Tamasine
usa imagens em vez de letras. É uma artista e tanto, e suas ilustrações são
perfeitamente compreendidas por aqueles que conhecem melhor sua mente.
Secretamente impressionada com as respostas rápidas do jovem e seu
reconhecimento aberto das dificuldades de Tamasine, Ottilia ainda não
conseguia vê-lo como mais que um patife. Poderia ter ficado tentada a
desconsiderar a intensa desaprovação da Srta. Ingleby, se não tivesse
também o testemunho de Cuffy. Então sondou discretamente:
— Foi Tamasine quem lhe contou sobre a morte de Sir Joslin, Sr. Roy?
— De forma alguma, senhora. Ultimamente tenho ficado com minha
prima Ruth e estava lá quando a carta de Lavinia chegou.
— Quer dizer Sra. Delabole?
— Precisamente, senhora. Confesso que minha dor natural com a
notícia foi abrandada pelo pensamento de poder ver Tamasine novamente,
mas o choque de Ruth foi tão grave que agradeci por estar lá.
Ottilia lançou suas suspeitas. — Tem o hábito de visitar a Sra.
Delabole?
O jovem estendeu as mãos, parecendo pesaroso. — Infelizmente não.
Admito que a pobre Ruth não ficou nada satisfeita, mas mesmo assim teve
compaixão por mim.
— O senhor não era bem-vindo? Agora eu me pergunto, Sr. Roy, por
quê?
Suas sobrancelhas se ergueram. — Ora, eu deveria ter pensado que isso
era óbvio. Ruth era uma irmã carinhosa e sabia da minha briga com o primo
Matt. Ainda assim, esperava persuadir Ruth a interceder junto a Joslin em
meu favor.
— Joslin não deixava Simeon vir — disse Tamasine. — Eu queria que
ele viesse.
Simeon abriu as mãos novamente. — Viu? No momento em que soube
que Tamasine estava na Inglaterra, escrevi para Joslin pedindo permissão
para visitá-la.
— E ele recusou? — perguntou a viúva.
O jovem virou-se para Sybilla com um sorriso irônico. — Velhos
preconceitos são difíceis de quebrar, senhora. Eu era apenas um jovem
quando deixei Barbados, como deve saber. No entanto, não consegui
persuadir Joslin de minha mudança.
— Meu caro Sr. Roy — disse Ottilia suavemente —, supõe um
conhecimento de nossa parte que não temos. Ouvimos de Tamasine que era
proibido de entrar na casa por Sir Joslin, mas ignoramos o motivo.
Simeon soltou uma risada em que surpresa e tristeza se misturavam
perfeitamente. — Oh, céus, e quase confessei meus pecados. Queiram me
desculpar. Os pecadilhos da juventude tendem a nos assombrar e é difícil
imaginar que alguém envolvido com a família poderia ignorá-los.
— Bem, somos totalmente ignorantes — disse Sybilla categoricamente.
— E ouso dizer que será melhor para todos nós se continuarmos assim.
— Oh, acredite em mim, senhora, preferiria que nada sobre o assunto
fosse falado fora da família, mas sou confidente da minha pequena Tam e,
já que são amigas, não me pareceu possível que ela não lhe tivesse
informado tudo.
Tamasine tinha sido o tempo todo uma espectadora interessada na
conversa, mas com isso voltou seu sorriso ofuscante para Ottilia. —
Gostaria que a senhora conhecesse todos os meus segredos.
— Bem, isso é extremamente generoso de sua parte, Tamasine, mas
acho que devemos permitir que seu primo tenha privacidade. — Sem dar
qualquer chance para respostas, mudou de assunto: — A Sra. Delabole está
com o senhor então? Acompanhou-a até aqui?
Pela primeira vez, Ottilia notou uma leve expressão de desgosto nos
olhos do sujeito. Ele queria que a conversa sobre seus pecados continuasse?
O sujeito recuperou-se rapidamente, lançando outro daqueles seus sorrisos
depreciativos.
— Ofereci-me para fazê-lo, mas Ruth não aceitou. Percebendo que
precisaria estar aqui em algum momento, teve que tomar providências para
sua ausência em casa. Ela tem uma família numerosa, como deve saber, e
não é fácil largar tudo de uma hora para outra.
— Então o senhor veio na frente? — supôs Sybilla.
Mais uma vez, Simeon Roy lançou um olhar quase paternal sobre a
jovem ao seu lado.
— Corri para socorrê-la no menor tempo possível.
Ocorreu a Ottilia perguntar se a rejeição da Sra. Delabole a sua escolta
se referia mais à proibição de Sir Joslin da presença de Simeon em Willow
Court. O jovem estava ali contra a vontade da mulher? Será que o rapaz
havia aproveitado a oportunidade, sabendo que ela estava ocupada e se
apressou em se instalar no local antes da chegada dela?
Antes que pudesse pensar em como apresentar uma pergunta dessa
natureza, a campainha foi ouvida e Tamasine pulou, correndo para as
janelas francesas.
— Simeon, venha rápido! Antes que Lavinia nos pegue.
Mas ele permaneceu exatamente onde estava. — Se supõe que tenho
medo de Lavinia, minha pequena Tam, está muito enganada. Volte aqui e
sente-se.
Tamasine não obedeceu, em vez disso abriu a porta e olhou para o
jardim, como se pensasse ver sua dama de companhia se aproximando da
casa por aquele caminho.
Simeon gesticulou na direção dela, lançando um olhar depreciativo às
duas senhoras e baixando a voz. — Só Deus sabe quais medos foram
incutidos na mente adoecida da jovem.
Esta foi a primeira vez que qualquer membro da família Willow Court
falou abertamente sobre a perturbação de Tamasine. A Srta. Ingleby tinha
parado de fingir, mas os comentários que fazia eram velados. Ottilia, que
nunca apreciou o fingimento, viu-se desconcertada ao ser confrontada com
essa confissão descarada, mas foi poupada de ter que responder pelo pedido
impaciente de Sybilla.
— Por favor, pelo menos induza a jovem a fechar a porta, senhor, antes
que todos congelemos até a morte.
Proferindo um pedido de desculpas tão dissimulado quanto sua
franqueza anterior, o Sr. Roy se pôs de pé e foi atrás da prima. Tinha
acabado de convencê-la a entrar novamente na sala e fechar a porta quando
Biddy entrou para anunciar a visitante:
— Srta. Ingleby.
A dama foi em direção à sala, com os olhos em brasa para o casal
através das janelas francesas. Ela não se deu ao trabalho de proferir uma
palavra de saudação ou desculpas aos moradores da Dower House, mas mal
esperou que a porta se fechasse atrás da criada antes de descarregar sua ira.
— Então o senhor veio, não é mesmo? Como ousa desprezar o desejo
expresso de Joslin? Deus sabe que eu não esperava voltar do inquérito e
encontrá-lo encorajando a jovem a desobedecer. Eu disse para permanecer
no seu quarto, Tamasine.
— Eu não vou — retrucou a jovem descontroladamente. — Não pode
me obrigar.
— Veremos.
A Srta. Ingleby foi na direção dela, mas Simeon Roy deu um passo à
frente para interceptá-la.
— Deixe-a em paz, Lavinia. Ela queria me apresentar à amiga dela,
Lady Fan, e isso é tudo. A menina não sofreu nenhum dano.
— Não preciso que me diga isso, Simeon Roy — retrucou a Srta.
Ingleby furiosamente.
Ela foi interrompida. Sybilla levantou-se com um farfalhar de suas saias
e seu tom era mordaz. — Basta! — Todos os três semblantes, impregnados
de surpresa, voltaram-se para a viúva. — Não tenho conhecimento das boas
maneiras em Barbados, apraz-me dizer — continuou a viúva em um tom
ácido —, mas na Inglaterra não é costume começar uma briga na sala do
vizinho. — Seu olhar irado voltou-se para a infeliz Srta. Ingleby. — Em
particular, antes mesmo de ter a elegância de reconhecer a presença de sua
anfitriã.
A Srta. Ingleby corou, mas seu tom permaneceu hostil. — Nesse caso,
senhora, talvez possa ensinar à sua nora a se abster de interferências
injustificadas na vida dos vizinhos.
Sybilla endireitou-se. — Está me dizendo como administrar minha
família?
— Por que não? Lady Francis não hesita em me dizer como administrar
a minha.
Simeon Roy ergueu as mãos. — Senhoras! Senhoras! Por favor, não
briguem, pois assumirei a culpa.
A viúva parou de encarar a dama de companhia e lançou um olhar
ardente ao jovem, mas antes que pudesse liberar sua fúria, ele aproximou-se
da Srta. Ingleby, pegando suas mãos inquietas.
— Lavinia, eu me confesso totalmente culpado. Perdoe-me!
A mulher arrancou os dedos de seu aperto. — Não me toque! Não
precisa pensar em me enganar, Simeon. Esses dias acabaram há muito
tempo.
— Mas não foram esquecidos, minha querida.
Ele teve a ousadia de rir - uma atitude imprudente, na opinião de Ottilia.
E estava certa, pois os olhos da Srta. Ingleby se estreitaram em fendas de
raiva e sua voz saiu baixa e vibrante:
— Ousa me insultar assim? Depois do que tentou? Oh, apesar de todos
os seus protestos é visível que não mudou nem um pouco, Simeon Roy. O
senhor não vai se dar bem dessa vez, eu prometo.
Com isso, a moça passou por ele, agarrou o pulso de Tamasine e a
arrastou para as janelas francesas, ignorando completamente os protestos
estridentes da garota. Conhecendo muito bem o humor da Srta. Ingleby,
Ottilia se absteve de interferir quando a mulher girou a maçaneta e abriu a
porta, mas ficou surpresa que Simeon Roy não tenha feito nada, a não ser
ficar observando as duas mulheres com um olhar de completa
despreocupação, até mesmo diversão.
A porta se fechou atrás delas, abafando o barulho. Quando
desapareceram, Sybilla voltou seu olhar irado ao jovem. — Bem, senhor?
Simeon virou-se, suas feições instantaneamente assumindo aquele olhar
depreciativo com o qual parecia ter muita prática. — Minha querida
senhora, devo implorar minhas abjetas desculpas. Em nome de Lavinia,
mais do que de minha pobre priminha, que não pode responder por si. Temo
que Lavinia esteja muito atormentada. Ela gostava muito de Joslin.
— Como sabe disso, Sr. Roy? — exigiu Ottilia, finalmente se
manifestando após permanecer como uma expectadora fiel do cenário
revelador. — O senhor saiu de Barbados há algum tempo, suponho.
A confiança de Simeon não vacilou. — Minha querida Lady Fan, pensei
ter deixado bem claro que Tamasine me manteve informado de tudo o que
acontecia dentro da família.
— E acreditou nela sem questionar? Apesar de saber que sua visão dos
eventos deve necessariamente ser totalmente subjetiva?
Ele suspirou. — A senhora está certa, é claro. Tamasine tem uma visão
peculiar da vida, mas éramos muito próximos. Aprendi a ler nas entrelinhas.
— Seja como for, senhor — disse Sybilla, mais uma vez entrando no
assunto e de forma pouco pacífica —, devo pedir-lhe que não traga a garota
aqui novamente. Não serei submetida a grosserias uma segunda vez.
O Sr. Roy fez uma reverência. — Sua objeção é perfeitamente
compreensível, senhora. Vou me esforçar para evitar que Tamasine a
perturbe.
— Se ela desejar minha companhia, Sr. Roy — Ottilia disse
rapidamente, com receio de ser excluída —, faça a gentileza de me enviar
um recado que irei até Willow Court.
Simeon levantou as sobrancelhas. — Minha estimada senhora, acha isso
aconselhável? Com Lavinia em seu humor atual não há como dizer o que
pode acontecer. Estou com medo do momento em que ela descobrir que
nossa pequena Tam se comprometeu com seu neto, Lady Polbrook.
 
Capítulo 11
 
 
 
 
 
 
 
As feições de Sybilla empalideceram. — O quê? Isso é mentira!
Ottilia não estava menos chocada do que a sogra, mas aceitou
imediatamente.
— Tem certeza disso, Sr. Roy?
— Já que o próprio Lorde Bennifield me confirmou um pouco antes de
nos encontrarmos, não tenho motivos para duvidar.
Com isso, o rapaz fez uma mesura superficial e saiu pela porta do
jardim, tão rápido que Ottilia logo decidiu que ele havia feito o anúncio
deliberadamente para jogar a bomba e partir. A reunião evidentemente não
tinha sido do agrado de Simeon Roy. O que não era preciso muita
imaginação para descobrir o porquê.
Ottilia se moveu para garantir que a porta estivesse trancada, ouvindo
Sybilla atrás dela:
— Não há fim para a tolice dos homens da minha família? Tal pai, tal
filho! O que, em nome dos céus, deveria levar o menino a se envolver com
aquela lunática? Está claramente obcecado!
— Sim, mas duvido que tenha sido essa a razão — interrompeu Ottilia
antes que a viúva pudesse continuar.
— Razão? Estou cogitando julgá-lo tão louco quanto a garota!
Ottilia voltou ao cômodo. — Acalme-se, senhora, eu lhe imploro.
Ficarei surpresa se esse noivado de fato acontecer.
— Certamente não vai se eu tiver alguma voz nisso.
— Não duvido que tenha — disse Ottilia com um lampejo de alegria. O
olhar irado de sua sogra a encarou e rapidamente ergueu as mãos em um
gesto de paz. — Não, não se deixe influenciar pelo passado, Sybilla. Bem,
compreendo seus sentimentos e não conseguiremos nada se estiver furiosa.
Os olhos escuros pegaram fogo e, por um momento, Ottilia achou que
tinha ido longe demais. Então a viúva soltou um suspiro e afundou-se entre
as almofadas, fechando momentaneamente os olhos. Ottilia esperou em
silêncio. Por fim, sua sogra voltou a falar em um tom relutante, embora
mais moderado:
— Está certa como sempre. Suponho que devo me esforçar para não
descarregar minha insatisfação com Randal no filho dele.
— Não, de fato, por mais tentador que seja — concordou Ottilia com
um piscar de olhos.
Sybilla suspirou novamente e, notando a curva tensa de seus próprios
dedos, endireitou-os meticulosamente. Então olhou para Ottilia. — Por que
acha que Giles fez isso, se não por que está apaixonado pela moça?
— Não acho que Giles tenha feito isso. Imagino que tudo tenha sido
obra de Tamasine.
— Bem, posso acreditar que a menina seja capaz de qualquer
impropriedade, mas acha que ela o pediu em casamento?
— De jeito nenhum. Imagino que tenha apenas declarado que iriam se
casar. Foi o que ela fez na manhã da morte de seu guardião. E, dada a
recusa de Giles em reconhecer suas deficiências, ouso dizer que ele foi
motivado pelo cavalheirismo.
— Para aceitá-la, quer dizer?
— Ou simplesmente para aceitar um fato consumado.
A viúva deu-lhe um olhar zombeteiro. — E nada a ver com o fato de
que meu neto se enganou pensando que está completamente apaixonado,
ouso dizer.
— Isso também, é claro. — Ottilia empoleirou-se no braço da poltrona
da sogra e pegou a mão dela. — Não fique tão angustiada, senhora. Pode
me chamar de imbecil se Giles já não estiver se arrependendo do evento.
Ah, e ele não vai admitir — acrescentou ao ver um olhar esperançoso
surgindo nas feições de Sybilla. — Tenho certeza de que se sente obrigado
por qualquer promessa tola que possa ter feito para não abandoná-la
prontamente. E se valoriza meu conselho…
— Considera-me tão tola a ponto de tentar não valorizar? Seria inútil.
— Deveríamos protegê-lo. Não que se importe com isso — acrescentou
Ottilia apressadamente.
Sybilla soltou um gemido. — Sim, mas me importo. Não se deve ter
favoritos, mas o menino sempre foi uma dádiva em minha vida. E o garoto
sabe disso. Odeio que estejamos brigados.
— Bem, não precisa estar.
— Como posso remediar isso? — Ela soltou os dedos do aperto de
Ottilia e sentou-se com uma energia repentina. — Toque a campainha,
Ottilia. Vou mandar chamar Giles e exigir a verdade.
Ottilia levantou-se e foi até a campainha como solicitado, mas mesmo
assim fez um leve protesto. — Acha que isso é sábio?
Os olhos da sogra se arregalaram novamente. — Não vou acreditar na
palavra daquele jovem. Conheço o tipo. Um típico criador de confusão.
— Mesmo assim, será que Simeon afirmaria que Giles confirmou se ele
não o fez?
— Pretendo descobrir — declarou Sybilla, quando a porta se abriu. —
Se meu neto realmente ficou noivo de Tamasine Roy, ele não ousará negar
isso para mim.
Prestes a falar, Ottilia hesitou quando um olhar chocado surgiu no rosto
da viúva. Ela estava olhando para a porta. Ottilia virou-se rapidamente e
congelou. Lady Phoebe Graveney estava parada na porta e era evidente por
sua expressão que tinha ouvido as palavras fatídicas.

A mente de Phoebe entorpeceu-se. Deveria estar se sentindo chocada e


traída, mas o único pensamento que se repetia em sua mente era que havia
perdido. Apenas meio consciente, se permitiu ser conduzida ao sofá, com
seus dedos presos nas garras ferozes de Lady Polbrook.
— Toque a campainha, Ottilia. Ela precisa beber algo para reanimá-la.
Atordoada, Phoebe observou Lady Francis e pronunciou as primeiras
palavras que lhe vieram à cabeça:
— Eu só vim para ver se tinha notícias do inquérito. Embora Robert
estivesse presidindo, papai não permitiu que eu participasse.
Lady Polbrook bufou. — Como esperado.
Phoebe desviou o olhar para o rosto da viúva. — Mas eu queria ter
participado. Preciso saber.
— Assim como todas nós.
— Serei obrigada a perguntar pessoalmente a Robert — disse Phoebe,
pensando em voz alta.
— Sr. Delaney, quer dizer? Duvido que isso seja necessário, minha
querida.
O tom calmo de Lady Fan era um bálsamo para os ouvidos de Phoebe.
Ela parecia ter o dom de prevenir qualquer forma de histeria. Phoebe
respirou dolorosamente e soltou o ar novamente.
— Eu gostaria muito de gritar.
— Por favor, não — disse a viúva. — Já tivemos birras o suficiente no
dia de hoje.
— Não farei isso. Fui criada para condenar qualquer exibição pública
desse tipo.
Lady Fan soltou uma risada peculiarmente musical. — A marquesa
perfeita.
— Oh, por favor, não. — Uma pontada em seu coração fez Phoebe
jogar as mãos sobre o rosto.
— Ottilia, não tem tato?
— Minha querida Sybilla, este não é um momento para tato.
— Como pode dizer isso, sua mulher terrível? A pobre Phoebe está
aqui… — Ela parou quando a criada mais jovem entrou na sala.
— Milady?
— Traga conhaque, Biddy. Lady Phoebe sofreu um choque.
Isso penetrou na mente nebulosa de Phoebe. — Ah, não, por favor. Não
gosto muito de conhaque.
— Vinho, então. Biddy, traga vinho e três taças.
Phoebe não fez mais objeções, sentindo-se incapaz de recusar a
tentativa de Lady Polbrook de reanimá-la. No momento em que a porta se
fechou atrás da criada, a viúva irrompeu novamente:
— Não deve levar isso a sério, minha criança. Se o tolo do meu neto
realmente se comprometeu com aquela criatura louca, pode ter certeza de
que rapidamente darei um fim a esse absurdo.
Phoebe olhou-a. — Se ele deu a palavra dele, não pode mais recuar.
Com isso, Lady Fan interferiu novamente. — Mas ela pode e tenho
certeza de que fará isso em breve. Se houver um noivado, imagino que não
seja nada mais do que um jogo para Tamasine. Além disso, se ela se casar
com alguém, o que acho improvável, será com Simeon.
— Simeon?
— O primo dela, Simeon Roy. Tamasine disse que o rapaz viria e ele
chegou hoje. Não tenho dúvidas de que existe um plano, pelo menos do
lado dele.
— O quê? Acha que Simeon pretende se casar com ela?
— Não esqueçamos que ela é a princesa do açúcar, Sybilla, e
provavelmente a herdeira da riqueza do pai.
Desnorteada e de coração partido, Phoebe só conseguia olhar para a
mulher e foi acolhida com um sorriso caloroso.
— Não fique tão oprimida, minha querida criança. De minha parte, esse
noivado é a melhor coisa que poderia ter acontecido.
— Ottilia!
Phoebe olhou-a. — Como assim?
— Da perspectiva de Giles, quero dizer. Ou da nossa em seu favor.
A cabeça de Phoebe doeu levemente enquanto tentava seguir a linha de
pensamento de Lady Fan. Estava prestes a fazer uma pergunta, mas Lady
Polbrook foi mais rápida:
— É típico que fale por meio de enigmas, Ottilia. Pelo amor de Deus,
seja direta!
— Perdoe-me, Sybilla. Na minha opinião, Giles não esperava encontrar-
se noivo, pelo menos não neste momento.
— Sim, considera que foi tudo obra de Tamasine.
Phoebe estava consciente de um aumento de esperança, mas fez uma
ressalva. — Ela não poderia estar tão perdida em todo o senso de decoro a
ponto de pedir um homem em casamento.
— Mas está totalmente perdida. Na verdade, não tem noção alguma de
decoro.
— Pelo menos isso é verdade — disse Lady Polbrook em um tom ácido.
— Mas se Giles a ama, isso não será um problema para ele — objetou
Phoebe.
— Ouso dizer que ele tentará ignorar isso — retomou Lady Fan. — Mas
não deve demorar muito para que reconheça que uma garota como
Tamasine não poderia ser um grande trunfo, não acham?
Prestes a repudiar isso em termos inequívocos, Phoebe hesitou. O Giles
que conhecia e amava - ou achava que conhecia - nunca teria tolerado
impropriedade em uma mulher. Era tão exigente que se recusava a acreditar
que sua própria mãe poderia ter excedido os limites do comportamento
educado. Phoebe ouvira vários discursos raivosos sobre o assunto, os quais
escutava com simpatia e calou-se sobre as fofocas que se espalhavam pela
vizinhança por anos. De fato, seu apego a Giles teria sido desaprovado por
seu próprio pai se o jovem não demonstrasse uma retidão completamente
oposta à conduta de sua mãe. No entanto, Tamasine Roy havia conseguido
arrancá-lo do caminho da virtude.
— Mesmo que ele perceba, o que duvido, seu envolvimento deve
impedir qualquer pensamento de um futuro com… — Phoebe se
interrompeu, surpresa por se ver falando tão livremente.
— Com a senhorita — terminou Lady Fan em um tom seco. — Bem,
isso é o que acha, minha querida Phoebe, mas tenho certeza de que ele
estará disponível se mudar de ideia.
— Mudar de ideia? O que diabos quer dizer, Ottilia?
A pergunta estava destinada a permanecer sem resposta. A porta se
abriu para dar entrada à criada trazendo uma bandeja e, logo atrás dela,
Lorde Francis e um cavalheiro desconhecido por Phoebe. O primeiro
dirigiu-se imediatamente à esposa.
— Suas habilidades ainda são necessárias, Tillie. O júri deu um
veredicto aberto.

O jovem lacaio parecia complacente, mas Ottilia não conseguiu


desvendá-lo. Conseguiu encurralá-lo na sala de estar através da autoridade
de Patrick. Enquanto seu irmão ia com Francis ao quarto do falecido para
realizar uma nova busca ostensivamente autorizada, Ottilia emboscou
Hemp quando ele atendeu a porta. Fortuitamente, já que seu principal
objetivo ao ir a Willow Court naquela manhã tenha sido para interrogá-lo.
Ottilia considerou o veredicto aberto uma benção, com todas as suas
suspeitas revividas pela incapacidade do júri de aceitar que uma overdose
inexplicável de ópio pudesse ter sido acidental. Parecia que o honorável
Robert Delaney havia feito um resumo completo do caso aos doze homens
a serviço, suas declarações orientando-os claramente na linha de um
acidente. O lacaio, porém, educado e tímido, explicara minuciosamente as
conclusões do júri, desculpando-se pela inconveniência.
Segundo Francis relatara, o júri entendeu que isso causaria dificuldades,
mas insistiu que como os médicos estavam inflexíveis sobre a causa da
morte, o falecido não poderia ter ingerido o ópio sem saber que estava
tomando-o. Sem evidências de que ele tinha conhecimento disso, o júri não
pôde descartar a possibilidade de que outra pessoa tenha administrado o
ópio por algum meio ou outro. Portanto, o único recurso disponível para
eles era devolver um veredicto aberto.
Robert Delaney, por sua vez, não teve outra alternativa senão mandar o
policial local investigar mais detalhadamente o caso. Sem citar nomes,
declarou interesse pessoal e disse que passaria todo o caso para um de seus
colegas juízes.
— O que devo dizer que foi bom — disse Francis. — O miserável gosta
muito de Phoebe para meu gosto. Graças a Deus ele foi consciente o
suficiente para perceber que não poderia agir no assunto sob tais
circunstâncias.
— Então alguém irá substituí-lo?
— Não imediatamente. O juiz Lovell está ausente no momento, então só
terá que lidar com o policial, se de fato ele entrar em seu caminho.
Ottilia o havia encarado com uma certa malícia à espreita.
— Isso significa que tenho sua bênção, Fan?
Ele quase bufou. — Com o imbecil do meu sobrinho realmente noivo
daquela garota louca? Diria que sim. Quanto mais cedo resolvermos tudo,
mais satisfeito ficarei.
Ottilia não perdeu tempo em retomar a perseguição, encontrando Hemp
como a fonte mais provável de informações adicionais, mas o lacaio não
estava provando ser tão maleável como ela esperava.
— Levou uma mensagem para Lorde Bennifield no dia em que Sir
Joslin morreu, certo?
— Certo, milady.
— Tem o hábito de receber as mensagens da Srta. Tamasine, Hemp?
Uma leve carranca arruinou as feições suaves cor de café.
— Por que, senhora?
Ottilia levantou as sobrancelhas. — O senhor parece desconfiado.
— Não entendi o objetivo de sua pergunta.
O tom era amistoso, mas ela notou o toque ácido por trás dele. Então
tentou uma abordagem suave. — Oh, apenas desejo verificar o quanto a
Srta. Tamasine confia no senhor. Imagino que seja o favorito dela.
Hemp não fez nenhum comentário, mas seus olhos estavam cautelosos.
Ottilia mudou de rumo. — Diga-me, a Srta. Tamasine sabe escrever?
Os olhos escuros se estreitaram. — Milady deve ter percebido que sua
educação é limitada.
O que não era nenhuma resposta. Teria que ser mais direta. — Pergunto-
me se escrevia cartas para ela, Hemp. — A surpresa cintilou no rosto dele,
mas foi rapidamente escondida. Ela pressionou: — Não vai me pedir para
acreditar que sua própria educação seja limitada.
O queixo dele ergueu-se um pouco e sua mandíbula se apertou. Seu tom
era rígido. — Mestre Matt queria que eu aprendesse.
— Isso era normal?
Ele hesitou. Ottilia o viu formular uma decisão antes de falar.
— Incomum. Fui privilegiado.
De fato. E por uma boa razão, se seu instinto se mostrasse verdadeiro,
mas se absteve de expressar tais pensamentos em voz alta. Era hora de bater
de frente.
— Escreveu cartas de Tamasine para o Sr. Simeon Roy?
— Ah! Escrever para ele? Nem se ela me pagasse!
Não havia como confundir o desgosto. Havia raiva também? Ele se
recompôs imediatamente, com seu semblante voltando à subserviência e
afastando os olhos.
Ottilia tirou vantagem instantânea. — Então quem escreveu, Hemp?
Roy afirma ter mantido uma correspondência regular com a menina, mas
nós dois sabemos que ela não poderia ter escrito sozinha.
O olhar de Hemp voltou-se para ela. — Se a Srta. Tam teve ajuda, ela
não me contou.
— Perdoe-me, mas acho isso surpreendente. Não posso imaginar que há
muita coisa que Tamasine não lhe confidenciaria. E duvido que ela seja boa
em guardar segredos.
Mais uma vez o homem refugiou-se no silêncio. Ottilia queria
pressioná-lo, mas era óbvio que não chegaria a lugar nenhum assim. No
caso de Hemp, a surpresa poderia ser o melhor caminho para o sucesso.
Então o surpreendeu na medida certa:
— Há um acerto de contas, Hemp. — Ela viu a palavra atingi-lo quando
suas sobrancelhas se juntaram. Hora de atacar: — O que sabe sobre isso?
— É apenas um jogo. — As palavras escaparam. — Ela brinca dessa
forma.
— Não tenho dúvidas, mas do que se trata, Hemp? Estou convencida de
que sabe.
Ele respirou fundo e soltou o ar em um estrondo. Seu olhar tornou-se
feroz. — Quer torná-la culpada. Quer insinuar que ela fez isso.
— Ela me disse que fez.
— Ela não sabe o que diz. Se Tamasine pensou em matar, não entendeu
o que isso significava. Não é uma coisa real para ela essa morte do Mestre
Jos.
Ottilia sorriu. — Acredito que esteja certo, mas o Sr. Simeon Roy não é
igualmente deficiente. Se ele instruísse Tamasine a fazer alguma coisa, a
menina realizaria seus desejos, não acha?
Uma compreensão repentina iluminou os olhos escuros dele, fazendo-os
brilhar. — Isso é o que pensou, milady? Acredita que eu faria parte das
cartas entre a Srta. Tam e esse Simeon Roy, com um plano para matar o
Mestre Jos?
Ottilia encarou-o de frente. — Tive que considerar a possibilidade.
A raiva de Hemp foi contida por um momento e então ele soltou um
suspiro. Contra todos os protocolos, deu as costas a Ottilia e cruzou o
caminho para olhar pela janela.
Ela esperou, mas não sem esperança. A opinião dela sobre a inteligência
e o caráter dele aumentava a cada segundo. Não podia deixar de sentir
empatia pela situação dele, nascido de uma vida que não lhe dava
perspectivas reais, nem vasão aos seus talentos óbvios.
Sem se virar, Hemp disse com a voz rouca de emoção. — Srta. Tam é
muito inocente. Ela não entendia por que Mestre Matt mandou Simeon Roy
para longe da plantação. Aquele lá é um vilão. Ele tentou… — Hemp
parou, hesitou e começou de novo: — Mestre Matt não poderia perdoar o
que ele havia feito. Nem eu, mas para a Srta. Tam, estragaram o jogo dela.
Ela não gosta que estraguemos seus jogos. — Ele olhou em volta com o
desespero em seu rosto. — Jurei ao Mestre Matt que vou cuidar dela. Jurei
pela minha vida, mas com a Srta. Tam não é fácil.
— Como eu imaginava. — Ottilia deu alguns passos em direção a ele,
treinando a língua para a persuasão: — Foi essa a fonte desse acerto de
contas, Hemp?
— Acho que sim. A Srta. Tam me diz que só há um acerto de contas e
que alguém tem que pagar.
— Não sabe quem?
Ele balançou a cabeça.
— E com certeza nem o porquê — ela sugeriu. — Acha que isso diz
respeito a Simeon. Na verdade, Tamasine disse ao meu sobrinho que os dois
juraram vingança, mas embora seu tutor esteja morto, ela me disse que
ainda não havia terminado. Isso me faz pensar, Hemp, que talvez esse
acerto possa ser algo bem diferente.
Ele virou-se perplexo. — O quê? Não há outra razão para vingança.
— No entanto, como alguém pode entender o funcionamento de uma
mente como a de Tamasine?
Ela falou quase para si mesma, mas a reação de Hemp a assustou.
— Não é culpa dela! Ela nasceu daquela louca. Mestre Matt fez um
grande mal em ter feito um filho com ela. Ele sabia disso, pois me
confessou. Acreditava que era seu pecado e a Srta. Tam sofre por causa
disso.
Havia tanto desespero e dor nas palavras do homem que Ottilia se
comoveu, mas a menção de Florine era uma oportunidade boa demais para
ser desperdiçada. — Tamasine teve muito contato com a mãe?
Hemp se mexeu com um desconforto evidente. — Quando era pequena,
antes que a patroa precisasse ser trancada.
— Quão pequena?
— Até quatro ou cinco anos.
Ottilia hesitou, imaginando como formular a pergunta que ansiava por
fazer. Essas eram questões delicadas e o envolvimento do lacaio o tornava
cauteloso, mas o assunto poderia ser pertinente.
— O que aconteceu, Hemp? — A perplexidade cobriu a angústia do
rosto dele e Ottilia apressou-se para elucidar: — Por que sua patroa foi
trancada? O que ela tinha feito?
Por um momento, pensou que o homem não fosse responder. Ele
desviou o olhar, voltou e, mais uma vez, tomou o caminho cauteloso. —
Isso é história antiga.
Ela optou pela verdade. — Pode ajudar a desvendar o labirinto atual.
Os olhos escuros encontraram os dela, um brilho neles falava de uma
raiva antiga, longamente sentida que queimava lentamente. — A Sra.
Florine não podia ser confiada aos escravos. Um dia ela foi longe demais.
— Quão?
— Houve uma história com um menino.
As palavras saíram arrastadas. Ottilia absorveu o significado e uma
ideia estranha surgiu em sua mente. Hemp era o menino? Em caso
afirmativo, por que o incidente havia sido particularmente ruim? Ao que
parecia, ruim o suficiente para precipitar a decisão do Sr. Roy de manter sua
esposa presa permanentemente, mas isso ela não poderia perguntar, então
decidiu mudar de rumo:
— Mas acho que isso não foi tudo. Ela era violenta?
— Tornou-se mais violenta com o passar dos anos. — Sua mandíbula se
apertou. — O pior foi quando machucou o Mestre Jos.
— Seriamente?
Ele acenou com a cabeça. — A patroa disse que ele a estuprou e que
estava se defendendo.
— Mas o Sr. Roy não acreditou?
Seu lábio se curvou. — Estuprar uma mulher? O Mestre Jos?
— Sim, entendo. — Ela se perguntou brevemente se havia algo no ar de
Barbados para gerar paixões que levassem à violência. — Diga-me,
Tamasine chegou a visitar a mãe depois de ela ter sido encarcerada?
— A Sra. Whiting a levava regularmente, mas nunca a deixava sozinha
com a patroa. Eu esperava do lado de fora.
— No caso de ela se tornar perigosa e precisar intervir? — adivinhou
Ottilia.
— A Sra. Florine era forte. A Srta. Tam também é quando está com
raiva.
— Quando fica frustrada?
Ele parecia desanimado. — Não é culpa dela. Tamasine pode ser gentil,
pode ser amorosa.
A garota era capaz de amar de verdade? Ottilia duvidava, mas seria
cruel desiludir Hemp, cuja afeição pela jovem não poderia ser questionada,
mas era muito diferente do tipo de sentimento pelo qual Giles estava
escravizado. Estava convencida que Hemp nutria outro tipo de sentimento.
Ottilia estava aproveitando a conveniência de colocar sua suspeita em
palavras quando uma cacofonia repentina irrompeu além da porta da sala.

A gritaria atraiu a atenção de Francis. Ele parou sua busca nas gavetas
da cômoda onde, a pedido de Tillie, estava procurando os doces
desaparecidos e olhou para o cunhado, que estava sentado na cama ocupado
com cálculos matemáticos.
— O que fazemos?
Patrick guardou seu caderno e lápis e levantou-se. — É melhor irmos
ver.
Francis liderou o caminho para o salão e as vozes alteradas foram
imediatamente audíveis.
— O senhor aparece aqui tentando se infiltrar, como se muitos de nós
não estivéssemos perfeitamente cientes de sua intenção.
— É a Srta. Ingleby — disse Francis, inclinando-se sobre o parapeito da
galeria.
Ele podia ver a moça perto da porta aberta do antigo escritório de Sir
Joslin. Era evidente que a discussão vinha acontecendo há alguns momentos
e se espalhava pelo corredor. A outra pessoa estava ao pé da escada, o
casaco nas costas, chapéu na mão, evidentemente na intenção de sair da
casa.
Era este o sujeito de quem Tillie havia falado? O primo Roy?
— E qual é a sua intenção, minha querida Lavinia? — perguntou o
homem em um tom arrastado. — Suas esperanças foram esmagadas, não
foram?
As bochechas da Srta. Ingleby ficaram manchadas de vermelho. — Não
sabe do que está falando. Joslin era apaixonado o suficiente.
— Apaixonado? Tinha menos chance de fisgá-lo do que eu, se minha
preferência fosse essa.
Ahá, então suas suspeitas sobre as preferências de Cadel tinham
fundamento. O comentário teve um efeito inflamado na Srta. Ingleby.
— Fique quieto, seu demônio! Odeio e abomino o senhor!
— Essa não é a opinião que tinha de mim, minha querida — zombou
seu algoz.
Ela soltou um grito. — Não ouse começar com esse assunto, Simeon
Roy!
— Já deveria saber que não há nada que eu não ousaria. Na verdade, se
alguém nesta casa pode alegar conhecimento íntimo sobre mim…
A mulher se jogou contra o batente da porta, uma mão subindo para a
garganta.
— O senhor me insultaria assim? Com um episódio do passado que me
encheu - e que ainda me enche - de nojo e vergonha?
A postura arrogante de Roy não se alterou. Ele inclinou-se um pouco
mais com um tom de escárnio. — Pelo que me lembro, Lavinia, acolheu
minhas investidas com muito mais do que desgosto. E quanto à vergonha,
recordo-me que não teve nenhuma.
A Srta. Ingleby correu em direção a ele, sua mão voando para cima
como se fosse dar um tapa na bochecha dele, mas Roy deu um passo à
frente e agarrou o pulso dela, segurando-a.
— Ah, faria isso, meu doce? Muito ambicioso. Não sou o jovem que fui
uma vez, para ser pego de surpresa pelas garras de uma prostituta ciumenta.
Um som semelhante ao rosnado de um gato enfurecido escapou dos
lábios da Srta. Ingleby. Ela se libertou e fechou as mãos em punhos diante
do rosto dele. — Se alguma vez mereci esse nome foi por sua culpa. O
senhor fez de mim o que me tornei, assim como tentou fazer com aquela
jovem demente e desavisada.
— Tamasine me adora — respondeu Roy em um tom superior. — E é
por isso que não suportou nos ver juntos.
As feições da Srta. Ingleby tornaram-se ainda mais enfurecidas e os
punhos se ergueram na altura das bochechas, socando o próprio rosto como
se tentasse se punir.
— Seu demônio! Não a ama, nunca amou. Fugiu com ela apenas por
causa de sua fortuna.
Roy lançou seu corpo na direção de Lavinia, perdendo um pouco de sua
segurança em uma exibição de temperamento semelhante ao dela. — Não
sabe nada sobre isso! Estava com tanto ciúme que não conseguia ver além
do seu nariz.
— Já percebi seu joguinho, Simeon Roy! E se pensa em encontrar um
aliado aqui está muito enganado. Ninguém nesta casa apoiará seus
esquemas e Tamasine está muito bem guardada para ser levada desta vez.
Os combatentes sofreram uma interrupção. Ouviu-se uma voz clamando
por Lavinia e a Sra. Whiting veio bamboleando pelo corredor atrás de
Francis e Patrick.
— Srta. Ingleby! Srta. Ingleby! — Ela não pareceu notar os cavalheiros
de pé ao lado da escada ao descer apressada. — Srta. Ingleby, sabe de
Tamasine? Não a encontrei no quarto.
Simeon Roy soltou uma gargalhada grosseira, enquanto se movia mais
para dentro do corredor. — A coleira escorregou de novo? Posso ver como
está bem guardada. A garota a supera, Lavinia.
A provocação passou despercebida. A Srta. Ingleby encontrou a
governanta ao pé da escada. — Procurou nos sótãos?
A Sra. Whiting estava bufando com uma mão em seu seio amplo. —
Não tenho forças para subir até lá. Procurei em todos os quartos do primeiro
andar.
Ignorando Roy, a Srta. Ingleby correu pelo corredor, fora da linha de
visão de Francis e ele a ouviu chamando os lacaios.
— Hemp! Cuffy!
Uma voz mais branda respondeu imediatamente. — Estou aqui,
senhora.
— Hemp, graças aos céus! Corra até o sótão e procure a Srta. Tam.
Francis deu um passo à frente para encontrar o sujeito no topo da
escada. — Podemos ajudá-lo?
Hemp fez uma pausa. — Não, senhor, eu lhe agradeço. Conheço todos
os lugares onde a Srta. Tam se esconde.
Com isso, ele foi embora, seus passos martelando ao longo do corredor.
Uma voz grave soou no andar de baixo e, em questão de segundos, Cuffy
veio correndo pelas escadas e desapareceu no rastro de Hemp.
— Vamos, Patrick.
Francis liderou o caminho para o andar de baixo. Simeon Roy havia
desaparecido e a Srta. Ingleby estava em uma reunião urgente com Lomax
junto à porta verde no fundo do corredor.
Espiando sua esposa parada na porta da sala, Francis foi rapidamente
até ela e entrou. Esperou apenas Patrick se juntar aos dois antes de fechar a
porta suavemente atrás deles.
— E o que achou de tudo isso, Tillie?

Um arrependimento furtivo pela situação em que se enfiara atormentava


Giles enquanto esperava na floresta. Estava com frio, ansioso e irritado,
sentindo tanta culpa por ter marcado o encontro clandestino quanto
apreensão por seu objetivo.
Seu tio havia enviado um bilhete através de Toby na noite anterior com
a notícia do veredicto aberto. Todos os argumentos de Francis se
intrometeram em sua paz de espírito, cortando-a em pedaços. Não que
realmente acreditasse que pudesse ser implicado em uma acusação de
assassinato. Não tinha estado próximo ou perto de Willow Court até depois
da morte do sujeito. A preocupação mesquinha que se infiltrara em sua
mente era muito mais pertinente.
Poderia Tamasine ter um dedo na morte de seu guardião? Embora
acreditasse firmemente em sua ingenuidade, essa natureza confiante poderia
trazer sua ruína. Ela poderia ser induzida por outro a fazer o que não
entendia ser errado?
Seu encontro com o tal Roy o irritou. Não havia gostado do sujeito. Roy
tratava Tamasine com muita intimidade e estava claro que ela estava
inclinada a gostar do rapaz. Ela não havia indicado que estava contando
com os serviços dele? Lembrou-se de seu tio perguntando sobre o acerto de
contas. Era essa a vingança que ela e Simeon Roy prometeram? Poderia ter
uma influência sobre aquela morte inexplicável?
E tudo isso somado à necessidade de arranjar uma fuga. O bom senso
lhe dizia que o único caminho possível era que cumprisse sua obrigação de
se casar com Tamasine.
Quando foi que havia começado a pensar nisso como uma obrigação?
Há poucos dias teria jurado que nada lhe agradaria mais do que fazê-la sua.
Hoje, à luz do veredicto, tudo que seus parentes haviam dito para
menosprezar as capacidades mentais de sua namorada rodopiavam em seu
cérebro, recusando-se a ir embora.
Os passos leves que passaram pelas árvores o assustaram, embora
estivesse esperando ouvir aquele som. Educando suas feições para uma
recepção que estava longe de sentir, esforçou-se para ver Tamasine. Seu
coração deu um pulo quando a viu de relance. Ela estava correndo de árvore
em árvore, escondendo-se em cada ponto como se temesse estar sendo
perseguida.
— Tamasine!
Ela reapareceu, olhou diretamente para ele, acenou e começou a rir
enquanto se escondia atrás de outra árvore.
Giles lutou para superar uma onda de desespero. Este era o momento
para jogos bobos? — Tamasine, venha aqui!
Ela voltou a aparecer, rindo encantada e foi correndo com os braços
estendidos na direção dele. Giles recebeu a força do abraço dela, quase
caindo com o impacto.
— Calma! Quase me derrubou.
Ela permitiu ser colocada de pé, mas seus braços se entrelaçaram ao
redor do pescoço dele e aqueles olhos azuis brilhantes o encararam com um
sorriso largo.
— Giles, Giles, Giles! Vai me beijar? Deve me beijar.
Sua beleza era de tirar o fôlego e, por um momento, uma onda prazerosa
o invadiu. Ele baixou os lábios e a beijou com um fervor que nunca havia
ousado antes. Para seu choque e espanto combinados, Tamasine pressionou-
se contra ele, sinuosa em seus movimentos, embora sua boca permanecesse
fechada, imóvel sob a dele.
A estranheza do corpo feminino comparado ao beijo de criança o
atingiu com força e Giles libertou-se, segurando-a, enquanto procurava
apressadamente se desculpar.
— Não devemos. Já é ruim o suficiente que eu a esteja encontrando em
segredo. Não devo agravar a culpa com tais liberdades.
Um lampejo de vingança apareceu por um instante nos olhos dela.
Olhos frios e estranhos. Então desapareceu e a garota estava rindo
novamente.
— Bobinho! Pode me beijar o quanto quiser. Eles não podem ver. Eles
não podem nos parar aqui.
Giles não sabia como responder a isso. Sua ingenuidade tinha sido
cativante antes, mas só fazia irritá-lo em seu humor atual. Esforçou-se para
ter paciência.
— Agora não, Tamasine. Preciso lhe perguntar uma coisa.
— Giles, Giles, Giles — cantou e ficou parada sorrindo.
Desconcertado, ele a encarou. Tamasine não estava nem um pouco
interessada em saber do que se tratava? Qualquer garota comum estaria
ansiosa. Impaciente, ávida ou ambos. Com um suspiro, pegou a mão da
menina e a levou para um tronco de árvore caído, obrigando-a a se sentar.
Nada relutante, ela ficou onde foi colocada e o encarou, aparentemente
esperando.
Como começar? Ele pretendia conduzir tudo sutilmente, mas ocorreu-
lhe que sutileza não era o forte de Tamasine. Não havia nada a ser feito a
não ser perguntar de forma direta:
— Tamasine, lembra que me contou sobre um acerto de contas?
A expressão dela mudou imediatamente. Não podia classificar seu olhar
como nada além de malévolo.
— Eles vão pagar.
— Eles? — O instinto guiou Giles. — Quem?
Ela pareceu surpresa. — Joslin, é claro.
— Mas ele já está morto. Quem mais?
Ela franziu a testa e a perplexidade surgiu em seu rosto. Então ela
desfranziu a testa e a risada tilintante soou. — Sim. Pronto, Giles, viu?
Afinal, o acerto de contas aconteceu.
Ele queria questioná-la para saber por meio de quem, mas estava com
medo da resposta. Então lembrou-se de seus pensamentos anteriores sobre
Simeon Roy.
— Por que ele teve que pagar um acerto de contas, Tamasine? O que
Joslin fez para a senhorita?
Olhos arregalados o encaravam. — Não comigo, bobinho. Com mamãe.
Ela morreu. Ele tinha que morrer também. Eu o empurrei escada abaixo.
Joslin machucou mamãe, não sabia?
 
 
Capítulo 12
 
 
 
 
 
 
 
O dia estava ameno e Phoebe estava bem familiarizada com o lugar
para que uma caminhada solitária fosse perfeitamente segura. Willow Court
ficava do outro lado da Dower House em Barnwells, situada a apenas um
quilômetro e meio de sua casa em Hemington Court. Não tinha intenção de
se sobrecarregar com um cavalariço ou sua criada nesta missão em
particular. Dispensar os serviços de um deles não era totalmente inédito.
Dispensar ambos poderia muito bem chamar a atenção.
Phoebe não se importou. Deixe o mundo falar o que quiser, tinha todo o
direito a esta incursão. Lady Polbrook pretendia mandar chamar Giles para
descobrir a verdade, mas qual era a utilidade disso? Se ele estava
prometido, então que assim fosse, mas que melhor maneira de descobrir por
si mesma do que indo diretamente à fonte? A convicção de que Giles
desaprovaria sua ação serviu apenas para torná-la ainda mais determinada.
O rapaz havia perdido todo o direito de arbitrar sua conduta, mas isso não
significava que estava preparada para desistir dele sem lutar.
Alcançou seu objetivo sem incidentes e estava se aproximando da porta
da frente quando foi abordada por uma voz:
— Quem é você?
O tom brilhante de interesse veio de uma pequena distância e Phoebe
virou-se, lançando os olhos sobre os gramados salpicados pelo sol.
Uma figura estava parada no topo de um conjunto de degraus de pedra,
a silhueta contra a claridade. Era uma mulher, percebeu Phoebe, observando
o vestido sombreado sob um manto escuro. A pulsação vibrou em sua
garganta quando levantou a mão para proteger os olhos para enxergar
melhor quem a havia saudado, suspeitando imediatamente sobre a
identidade da figura.
Ao fazê-lo, a mulher desceu levemente os degraus e foi em sua direção.
Phoebe aproximou-se com o olhar caçando as feições que se tornaram
momentaneamente mais visíveis. Não havia dúvida sobre a juventude da
mulher e, como não usava chapéu, o cabelo dourado em volta de sua cabeça
era claramente visível. A poucos metros da garota, Phoebe parou
abruptamente, com o coração disparado.
Ah, mas a criatura era extraordinária! Olhos azuis tão claros, a boca
como um botão de rosa e um nariz pequeno e arrebitado. Não era de se
admirar que Giles tivesse se apaixonado pela moça.
— A senhorita deve ser Tamasine.
Um sorriso enorme se abriu no rosto lindo da garota, refletindo o
inesperado sol do dia. O coração de Phoebe afundou-se nas solas das botas
robustas que calçava para caminhar e, pela primeira vez em sua vida,
lamentou sua própria falta de beleza.
— Quem é você? — repetiu a garota, sem se incomodar em responder à
suposição de Phoebe.
Phoebe agarrou os restos de sua dignidade. — Sou Lady Phoebe
Graveney. — Começou com a desculpa que havia preparado. — Vim
apenas para oferecer minhas condolências por sua triste perda.
Tamasine parecia impassível com essas palavras. Ela não respondeu
imediatamente, apenas ficou de pé com seu olhar azul de porcelana
absorvendo Phoebe da cabeça aos pés. Então abriu a boca naquele sorriso
deslumbrante novamente.
— A senhorita não é bonita.
— Infelizmente, não — disse Phoebe.
— Suas botas estão enlameadas.
Phoebe ficou desconcertada, mas respondeu prontamente. — O dia
parecia tão bom que esqueci-me da neve recente. Temo que as estradas
estejam enlameadas em alguns pontos.
— Gosto de passear no mato, mas eles não vão me deixar se me
pegarem antes.
Deus do céu, Giles não conseguiu enxergar imediatamente que essa
garota era anormal? Uma sensação ardente de injustiça invadiu seu peito.
Como Giles poderia preferir tal criatura à sua companhia?
As confidências da garota ainda não haviam terminado. — Eles não
sabem que saí. Lavinia vai me repreender terrivelmente, mas tenho Simeon
para me proteger agora.
Sem saber como responder, Phoebe sentiu seu cérebro girar. Sua mente
captou o nome de Simeon e um jorro de esperança a levou a um discurso
intemperante:
— Quem é Simeon? A senhorita está noiva? Então já não gosta mais de
Giles!
Os olhos azuis de Tamasine escureceram e uma leve carranca vincou
aquela sobrancelha perfeita. — Giles me encontrou na floresta. Ele vem
quando eu o chamo.
Uma pontada de dor percorreu o peito de Phoebe que rapidamente se
transformou em raiva. — É mesmo? Eu não daria muita importância a isso
no seu lugar, Srta. Roy. Giles mostrou-se inconstante uma vez e ouso dizer
que pode fazê-lo novamente.
Já era tarde demais quando Phoebe percebeu a natureza imprudente
desse discurso. Um olhar maligno penetrou nos olhos da outra garota e sua
cabeça virou para um lado de uma maneira que era claramente
desconcertante.
— Giles é meu, pois ele me beija. Ele não é seu.
Apesar de todas as evidências da necessidade de cautela, Phoebe não
pôde evitar que o protesto saísse de seus lábios. — Ele era! Era
completamente meu até a senhorita chegar.
O único aviso foi um gemido baixo, como um gatinho com o pelo
eriçado preparando-se para o ataque. Então Tamasine atacou.
Phoebe recebeu dois golpes na cabeça antes de perceber a investida.
Cambaleando, tentou se defender, jogando as mãos para cima contra a
ofensiva. Tamasine as empurrou para fora do caminho e saltou para a
garganta de Phoebe. O aperto privou Phoebe de respirar e a fez cambalear
para trás, perdendo o equilíbrio e caindo pesadamente na grama. Os dedos
punitivos foram arrancados pela queda, mas sua adversária quase caiu em
cima dela.
O instinto fez Phoebe rolar de bruços enquanto lutava para puxar o ar
para seus pulmões. Sentiu o monstro agarrar seus ombros e se curvar, e
abraçou a própria cabeça para se proteger. Golpes jorraram em suas costas.
Ela se concentrou em controlar a respiração e suportar a dor, mantendo seu
corpo o mais fechado possível.
A criatura estava gritando incoerentemente e em algum lugar na
periferia de sua mente, Phoebe pensou que alguém deveria ouvir e ousou
esperar por socorro. O socorro veio mais cedo do esperava. Acima dos sons
dos gritos estridentes e dos golpes de Tamasine, Phoebe distinguiu passos
correndo e então vozes soaram:
— Eu pego a louca, Tom, enquanto ajuda a senhorita.
— Leve-a para o celeiro, Ben — veio outra voz ansiosa.
Sem reconhecer que ambas as vozes eram tão jovens, as esperanças de
Phoebe aumentaram. No momento seguinte, os gritos se intensificaram,
mas os golpes cessaram e foi liberada do peso do corpo contra suas costas.
— Rápido, senhora, levante-se!
Atrevendo-se a abrir os olhos, Phoebe encontrou um rosto jovem e
corado de exaltação próximo ao seu, com o cabelo loiro caindo sobre ele.
— Obrigada — ela ofegou e, com a ajuda do garoto, ficou de pé tão
rapidamente quanto conseguiu diante das dores em seu corpo.
— Tire ela daqui, Tom, rápido! — gritou o outro menino e Phoebe
virou-se para encontrar o jovem agarrado às costas de Tamasine Roy, com
os braços agarrados ao redor dela enquanto era arremessado de um lado
para o outro enquanto a garota levantava-se em uma tentativa de derrubá-lo.
Seus protestos estridentes eram ininteligíveis, mas Phoebe não teve
tempo de ouvir mais, pois seu jovem salvador agarrou sua mão e começou a
arrastá-la em direção aos degraus de pedra onde tinha visto a menina
Tamasine pela primeira vez.
— Vamos embora, senhora, rápido, enquanto Ben a imobiliza.
Phoebe apressou-se a obedecer, permitindo que o menino a guiasse
rapidamente em direção aos degraus, embora não resistisse a olhar para trás,
onde o outro ainda rolava com Tamasine Roy pelo gramado.
— Alguém está vindo! — disse seu companheiro, parando
abruptamente ao pé da escada.
Passos trovejantes podiam ser ouvidos e Phoebe encontrou várias
figuras correndo com um negro alto assumindo a liderança.
— Srta. Tam! Srta. Tam! — Alcançando o par que lutava, agarrou a
garota e puxou-a contra si, segurando-a com força. — Pare, Srta. Tam!
Hemp está aqui, Srta. Tam. Pare agora, está me ouvindo?
Libertado, o outro garoto foi correndo até onde Phoebe e sua escolta
estavam paralisados, gritando: — Não fiquem aí parados! Corram!
Assim intimado, o menino que segurava a mão de Phoebe subiu os
degraus.
— Vamos, senhora! Não temos tempo a perder.
Phoebe quase tropeçou ao subir os degraus e rapidamente viu-se
apoiada do outro lado pelo segundo menino.
— Fique firme, senhora. Tom, desacelere um pouco.
Encontrando-se no topo da escada, Phoebe fez uma pausa para
recuperar o fôlego. Incapaz de resistir a olhar para trás, viu a menina
Tamasine Roy agora sendo segurada pelo lacaio e outro homem que a
carregava, ainda gritando, em direção à casa. Estavam acompanhados por
duas mulheres, todo o grupo criando uma cacofonia digna de ser ouvida por
todo o condado.

Depois de todo perigo e segura sob os cuidados de Lady Polbrook e sua


nora, Phoebe viu-se tomada pelo choque de sua experiência. Sentia-se
surrada e machucada, e sua cabeça estava girando como se certamente fosse
desmaiar. Não conseguia parar de tremer e o copo colocado em sua mão por
Lorde Francis ameaçava cair em seu colo.
— Dê-me isso, minha filha — disse a viúva e Phoebe ficou feliz em
entregar o copo aos dedos que o agarraram e o levaram aos seus lábios. —
Agora tome um gole.
— É conhaque?
— Depois do que nos disse ontem? É vinho, criança. Beba.
— Seria melhor ela beber uma infusão e deitar-se por uma hora —
sugeriu uma voz que Phoebe não conhecia.
— Sou o Dr. Hathaway. Assim está melhor. Beba devagar, minha filha.
Obediente à pressão e à voz de comando, Phoebe fez o que lhe foi
ordenado e as sensações terríveis começaram a deixá-la. No devido tempo,
viu-se capaz de acompanhar a essência da conversa em tom baixo.
— Por sorte estávamos lá — dizia um dos meninos —, ou a louca
poderia ter matado a senhorita.
— Lady Phoebe, Ben, o que diabos isso quer dizer? — a pergunta veio
de Lady Fan.
— A louca a agarrou pela garganta — disse o outro menino.
— E Lady Phoebe caiu, e a louca continuou batendo nela até que eu a
peguei.
— Se não estivéssemos lá, ela a teria espancado até a morte — disse o
menino Tom, com um tom macabro em sua voz que fez Phoebe estremecer.
— Fiquem quietos, meninos! — Este era um tom autoritário do homem
que Lady Polbrook chamara de Dr. Hathaway. — O que eu gostaria de
saber é porque os dois estavam lá.
Houve um silêncio e Phoebe sentiu uma mudança na atmosfera. Ela
empurrou o copo mais uma vez em seus lábios e olhou para onde os dois
meninos loiros estavam, confrontados por um homem alto que tinha uma
notável semelhança com Lady Fan. Ela precisava falar:
— Oh, por favor, não os repreenda, senhor. Temo pensar em como teria
me saído sem a intervenção deles.
O Dr. Hathaway olhou-a e ficou aliviada ao notar o bom humor em seu
semblante. — Minha querida, fico muito feliz em saber que meus filhos
puderam lhe ser úteis, mas a presença deles em Willow Court ainda exige
uma explicação.
— Estávamos seguindo a louca — disse o menino que ela se lembrava
como Ben.
— Por qual motivo?
— É que nós a vimos fugindo.
— E nós a seguimos pela floresta — revelou Tom, que havia levantado
Phoebe do chão.
Neste ponto Lady Fan interveio e Phoebe ficou aliviada ao ver alegria
em seus olhos.
— Presumo que não ocorreu a nenhum dos dois procurar ajuda.
Ficou evidente que não pelo olhar angustiado que eles trocaram. Ben
franziu a testa pensativo por um momento e então pareceu aliviado quando
este exercício evidentemente o recompensou.
— Se tivéssemos perdido tempo procurando ajuda e não a tivéssemos
seguido, poderíamos tê-la perdido de vista.
— Ah, entendi. Então a manteve à vista.
Ben iluminou-se com essa demonstração de aceitação. — Sim, é por
isso que a seguimos até Willow Court, porque iríamos contar a eles onde ela
esteve.
— Engenhoso — comentou Lorde Francis.
O Dr. Hathaway riu e Phoebe sentiu-se extremamente aliviada. Não
suportava pensar que os meninos poderiam ser punidos depois de como a
ajudaram.
— Tome outro gole, criança — disse a viúva, levando o copo aos lábios
de Phoebe novamente.
Phoebe balançou a cabeça. — Estou me sentindo melhor, ainda que um
pouco dolorida.
— Deve estar mesmo dolorida — disparou Tom, olhando em volta para
os mais velhos. — A louca bateu nela terrivelmente, Tittilia
— Sim, como já nos contou. — Lady Fan foi até o sofá e Phoebe olhou
para seu semblante preocupado. — Está muito machucada, minha querida?
Phoebe soltou um suspiro trêmulo. — Mal sei dizer. Estou me sentindo
um pouco dolorida.
— Vai sentir mais dor com o passar do dia — disse o Dr. Hathaway,
indo para o lado de Lady Fan. — Posso lhe dar unguento, madame. Tenho
certeza de que minha irmã ficará feliz em ungir suas feridas.
— Não posso ousar incomodá-la mais, senhora.
Lady Fan sorriu. — Então leve a pomada. Atrevo-me a dizer que sua
criada pode aplicar tão bem quanto eu.
Mal Phoebe concordou e a criada da viúva apareceu na porta. — Lorde
Bennifield, milady.
Phoebe saltou violentamente, seus olhos voando para a presença
marcante de Giles quando ele entrou na sala e parou, olhando para o lugar
cheio de pessoas.
— Meu Deus, não esperava ver uma multidão!
Seu olhar varreu os rostos, pousou por um instante em Lady Polbrook e
voltou-se para Phoebe sentada ao lado da viúva. O desconforto formou-se
em suas belas feições e o coração de Phoebe martelava furiosamente em seu
peito.
— Sua chegada é oportuna, Giles — disse a viúva. — A pobre Phoebe
teve a infelicidade de ser alvo de um ataque.
O choque estampou o rosto dele. — O quê? Um ataque? Como?
— Tamasine Roy tentou estrangulá-la — continuou sua avó, saboreando
o pronunciamento. — Quando falhou, começou a bater em Phoebe
desenfreadamente.
Houve um momento de silêncio e então Giles afundou-se em uma
cadeira, massageando a testa com o punho. — Oh, meu Deus!
Antes que alguém pudesse dizer alguma coisa, Tom falou de repente,
em um tom claro de inocência. — O senhor é o sujeito que estava se
encontrando com a louca na floresta.

Por um momento Giles sentiu-se tentado a negar a acusação, mas diante


do que havia acontecido com Phoebe, isso seria inútil. A coisa havia
explodido. De boa vontade, poderia ter jogado o rapaz pela janela.
— Então, Giles?
O tom da avó era frio, fazendo-o estremecer. Ele baixou a mão e olhou-
a. — Então o quê, senhora? Qual acusação deseja que eu responda
primeiro?
— Ninguém o acusou de nada ainda, mas já que perguntou, vamos ser
claros de uma vez: está ou não está noivo de Tamasine Roy?
O choque tomou conta dele. — Como descobriu?
— Então é verdade! Ah, Giles, como pode ser tão imbecil?
Esta não era uma resposta, mas para o alívio dele, sua tia Ottilia
interveio. — Receio que foi Simeon Roy quem o traiu, Giles.
A fúria acendeu no peito de Giles. — Aquele sujeito! Ele tem muito o
que explicar.
Seu tio o interrompeu. — Receio que sim, mas isso não explica sua
conduta.
— Que conduta em particular está citando, senhor? Parece que tudo é
culpa minha!
O alívio veio de um lugar inesperado.
— Nem tudo, Giles. Não pode ser responsabilizado pelo que a criatura
fez comigo.
Phoebe estava realmente sorrindo para ele. Giles a olhou com cautela,
ouvindo tardiamente o tom frágil por trás de suas palavras. O sorriso não
alcançou seus olhos.
Ele suspirou, sentindo-se subitamente cansado. — Talvez possa. Eu a
levei a acreditar na minha sinceridade, apesar da percepção…
Ele se interrompeu, lembrando-se das pessoas ao redor. Estava a um
passo de desabafar com Phoebe como nos velhos tempos. Olhou ao redor da
sala, descobrindo a presença de um estranho ao lado de dois garotos, um
deles o delator que o havia entregado. Uma irritação repentina explodiu:
— Como sabia que eu estava na floresta com Tamasine? Estava nos
observando?
— Deveria estar agradecido por isso — disse Phoebe bruscamente. —
Se eles não tivessem seguido aquela criatura, eu não teria sido resgatada.
Ele não tinha visto o que estava por trás daquele sorriso espúrio. O tom
tocou um nervo em carne viva dentro dele, uma dor que não conseguiu
identificar. Inquieto, levantou-se novamente.
— Por que diabos foi até lá? O que a possuiu?
— Bem, se não sabe disso, então é mais tolo do que eu supunha.
— Crianças, crianças! — repreendeu sua tia Ottilia.
Giles não prestou atenção. — Não tinha o direito, Phoebe! O que a
levou a interferir?
Phoebe ficou de pé e, no fundo de sua mente, Giles notou como estava
instável. Suas palavras superaram a imaginação.
— Se vamos falar de direitos, que direito tinha de me desprezar por uma
lunática?! Quanto a mim, se quer saber, fui ao encontro de minha rival para
lutar pelo senhor, sendo ainda mais tola do que poderia ser! Mal imaginei
que a encontraria voltando direto de seus braços.
— Nada disso. Tenho mais conduta do que tirar vantagem de uma
garota inocente.
— Ah, é mesmo? Então devo ter imaginado quando Tamasine se gabou
de que a beijou.
— Ela não fez isso. Está inventando.
Phoebe estendeu a mão para os dois meninos. — Pergunte a eles se
estou inventando. E ouso dizer que, se fôssemos colocá-los sob juramento,
poderiam testemunhar prontamente uma conduta ainda pior de sua parte.
Enfurecido e muito consciente de estar errado, Giles explodiu. — Isso é
o que pensa de mim, é? Bem, deixe-me dizer-lhe…
— Oh, pelo amor de Deus, fiquem em silêncio, os dois!
O tom ríspido da avó teve o efeito de interrompê-lo no meio da frase e
Giles recuou para a lareira, tamborilando os dedos na moldura de madeira e
mantendo o olhar firmemente longe do resto do grupo. Ele ouviu a viúva
falar novamente:
— Phoebe, sente-se, criança. Não se permita à essa agitação. Além
disso, é indigno e desnecessário. — Ela pausou brevemente com seu tom
alterado. — Peço desculpas, Dr. Hathaway. Não merece isso depois de sua
assistência, ainda mais quando está de férias.
Uma risada do convidado chamou a atenção de Giles.
— Fique tranquila, senhora. Como minha irmã, estou inclinado a
desfrutar de um pouco de vivacidade. Além disso, espero que nosso
relacionamento permita que nos inclua na família e, portanto, nenhum
pedido de desculpas é necessário.
— Deve estar louco, Patrick — disse seu tio Francis. — Essa afirmação
por si só pode atestar isso, pois o lugar está rapidamente se transformando
em uma confusão tão frenética quanto Willow Court.
As palavras mal haviam saído de sua boca quando uma batida súbita
soou nas janelas francesas. Assustado, Giles olhou para o outro lado da sala
e, para seu profundo desgosto e tristeza, viu Tamasine Roy do lado de fora
com os punhos acertando o vidro. Seus dentes perolados estavam à mostra e
o olhar selvagem em seus lindos olhos tinha realmente um toque de
insanidade.
O pandemônio irrompeu na sala e, como num sonho, Giles ouviu as
reações enquanto olhava para a garota por quem acreditava estar
apaixonado, a quem havia prometido sua vida, seu futuro.
— Meu Deus do céu, a infeliz voltou!
— Por favor, não deixem que ela chegue perto de mim!
— Haja o que houver, Francis, não abra a porta!
— Tio Fan, ela vai quebrar a janela!
— Por piedade! Patrick, rápido! Vamos sair pelos fundos e surpreendê-
la de lá.
— Nós vamos com o senhor, papai.
— Não, fique aqui com a Tittilia.
Giles assistia confuso enquanto seu tio e o Dr. Hathaway saíam
apressados da sala e os meninos corriam de volta para as janelas francesas,
rapidamente seguidos por sua tia.
— Ben! Tom! Saiam daí! Só vão irritá-la ainda mais.
Ottilia afastou os dois jovens da janela onde Tamasine havia desistido
de bater. Agora batia na porta e sons incoerentes saíam de sua boca.
Horrorizado, Giles permaneceu paralisado até que o tom irado de sua avó
rangeu em seu ouvido:
— Era só o que me faltava! Ser assediada em minha própria casa por
uma lunática.
Um desejo de alívio correu por Giles e ele agarrou-se a um pensamento
aleatório. — Ela está desequilibrada.
— Desequilibrada? A menina é demente! Ainda duvida disso, Giles?
— Devo, vovó, não tenho escolha. — Ele virou-se para a tia. — A
senhora entende dessas coisas. Será a mágoa? Ela está enlutada. A perda a
levou a isso. Eu estava quase enlouquecendo quando minha mãe morreu.
Sua tia Ottilia colocou a mão em seu braço. — Gostaria de poder
concordar, querido menino, mas não posso.
Por instinto, os olhos de Giles correram para Phoebe. Seu olhar estava
fixo em Tamasine, mas como se sentisse a atenção dele, ela virou-se. Giles
recebeu um raio daqueles olhos reveladores que beirava perigosamente a
agonia.
— Seus receios, Giles, são reais. Tamasine Roy não sente nada por seu
tutor, nem por ninguém, incluindo o senhor.
Enlouquecido pelo desespero, jogou a mão na direção das janelas
francesas. — Chama isso de quê então?
Um pequeno suspiro ofegante escapou dela. — Chamo isso de
lamentável, Giles.
Então ele foi silenciado, perplexo por sua mudança abrupta de
expressão. Onde estava a raiva justa, a acusação? As palavras dela voltaram
à mente dele e seu significado não poderia ser contestado.
Uma agitação súbita do lado de fora da janela atraiu a atenção dele. Os
dois lacaios chegaram ao local no momento em que seu tio Francis e o Dr.
Hathaway apareceram. Em segundos, Tamasine foi capturada, os dois
lacaios a pegaram e a levantaram do chão, de onde a garota começou a
chutar. Houve uma breve discussão e então Tamasine foi levada, ainda
gritando imprecações com suas pernas batendo no ar.
À medida que o barulho diminuía, o silêncio permeou a sala tão
completamente que Giles sentiu como se uma eternidade estivesse se
passando. Em sua cabeça flutuaram as palavras que Tamasine havia falado e
a horrível verdade delas o fez pronunciar em voz alta:
— Ela fez isso. Ela o matou. Empurrou o homem escada abaixo. O
acerto de contas era uma vingança por sua mãe.
O desespero tomou conta dele e o velho grito de socorro de sua infância
ecoou quando virou-se para a única pessoa que sempre foi capaz de lhe
oferecer socorro.
— Vovó, o que devo fazer?
 
 
Capítulo 13
 
 
 
 
 
 
 
— Sabia que havia mais a ser descoberto sobre esse acerto.
Ottilia moveu-se inquieta em direção à janela do quarto. A visão dos
restos de neve, agora entrecruzados com as pegadas de vários pássaros,
lembrou-lhe a primeira vez que vira Tamasine Roy. Ela suspirou.
— Pobre princesinha do açúcar.
O tom cauteloso de seu irmão a alcançou. — Compaixão, Ottilia? Por
uma assassina?
Ottilia olhou para o irmão sentado à vontade na espreguiçadeira, mas
Francis interrompeu antes que pudesse falar:
— Ainda temos que ter certeza de que a garota é realmente uma
assassina, Patrick. Acredite em mim, Tillie teria nos contado se tivesse sido
convencida pelas palavras de Giles.
Ele estava encostado na lareira, como era seu costume. Os três haviam
se retirado para o quarto dos Fanshawe como o único lugar que poderia
proporcionar-lhes privacidade. Sophie e a Srta. Mellis haviam retornado de
um passeio às lojas nas proximidades de Thrapston antes que os eventos
explosivos da manhã terminassem.
Sybilla despachara Phoebe em sua própria carruagem com sua criada
Venner, para que chegasse em sua casa em segurança e agora estava fechada
com Giles em seu escritório. Os meninos haviam sido excluídos da reunião,
sob pena de expulsão de qualquer envolvimento nas investigações. Ottilia
não tinha dúvidas de que estariam tramando alguma travessura e calculou
que provavelmente estariam em Willow Court naquele momento, tentando
descobrir o que havia acontecido com a louca, como insistiam em chamar
Tamasine. Estava consciente de que não havia chamado a atenção do pai
deles para essa probabilidade, na esperança de que algo materialmente útil
pudesse ser descoberto em suas explorações.
Seu marido tirou as costas da lareira e foi até ela. — Desejo que
descanse, Tillie. Se não está exausta por toda essa confusão, garanto que eu
estou.
Ottilia permitiu que ele a conduzisse até a espreguiçadeira que seu
irmão gentilmente desocupou, puxando uma cadeira para perto do fogo.
Assumiu uma posição confortável, movendo as pernas para dar espaço para
Francis empoleirar-se ao lado dela.
Patrick chamou a atenção dela. — Ottilia?
— Temo que isso não seja nada bom. A situação só complica as coisas,
sem nos levar mais adiante.
— Mas e se isso afastar a suspeita do jovem Roy?
— Será? — perguntou Francis. — Sabemos que ele tentou obter a mão
da herdeira do açúcar anos atrás.
— E foi exilado por isso — concordou Patrick, cruzando uma perna
sobre a outra —, mas mesmo que ele aspire ganhar a fortuna dela, isso não
quer dizer que deva eliminar o guardião. Ele poderia facilmente fugir com a
garota.
Ottilia levantou um dedo. — Esse é o cerne da questão.
— Uma fuga?
— Não, Fan. Ele tem um cúmplice em Willow Court. Alguém o
manteve informado.
— Como sabe? — exigiu o irmão.
— Ele não esconde o fato de que se correspondia com Tamasine, mas
ela não sabe escrever. Não tenho fé alguma na afirmação de Simeon sobre a
garota se fazer entender com desenhos. Nem que é capaz de filtrar as
informações necessárias para passar adiante.
— Não, ela não é uma conspiradora. — Francis colocou a mão sobre a
dela. — Quem então? Acreditou nas palavras de Hemp. E o apego de Cuffy
ao seu mestre era evidente naquele primeiro dia.
— Ah, e Ingleby estava claramente apaixonada pelo sujeito — interveio
Patrick com interesse. — Quem nos resta?
Ottilia não resistiu. — Bem, os dois são tão conhecedores do assunto,
por que não me dizem?
— Whiting e Lomax — disse Francis imediatamente.
— Isso mesmo, Fan. No entanto, não consigo imaginar por que a Sra.
Whiting estaria em conluio com Simeon Roy.
Francis tirou a mão e recostou-se com um vinco se formando em sua
testa. — Lomax, então. Acredito que ele seja capaz disso. O sujeito é ao
mesmo tempo mal-humorado e insolente. Além disso, lembro que não era
do partido de Matthew Roy e não poderia ser considerado leal a ele. O
mordomo veio com a primeira herdeira do açúcar, Florine, e estava a
serviço do pai dela.
— Sim, isso não o favorece. — Ottilia lembrou-se de outro caso que
apontava para o mordomo. — Ele também roubou um documento na manhã
da morte de Sir Joslin.
Os lábios de Patrick se contraíram. — Devo ousar perguntar como sabe
disso?
— Eu o flagrei. Além do mais, ele sabia exatamente o que estava
procurando. Lembro particularmente de seu suspiro audível quando o
encontrou.
— O que diabos poderia ter sido?
— Quanto a isso, Fan, tenho uma suspeita, mas como realmente não há
evidências para apoiá-la, me manterei em silêncio em relação a isso no
momento.
Seu irmão bufou. — Que injusto.
— Ah! Isso é típico, Patrick. Sua irmã nunca revelará algo sobre o qual
não tem certeza.
— Então pelo amor de Deus, minha irmã, pelo menos compartilhe
conosco suas opiniões sobre a morte da mãe de Tamasine.
Ottilia franziu o cenho. — Isso é intrigante. Estou inclinada a acreditar
que Tamasine está confusa. Ela pode ter ouvido alguma coisa e somou dois
e dois para se obter cinco.
— Nisso eu posso acreditar — disse ele com sua voz retornando ao tom
habitual.
— Esses distúrbios mentais não permitem lógica. Li vários artigos de
profissionais da área. Os sujeitos tendem a ser completamente literais em
seus pensamentos. Se alguém dissesse a Tamasine que seu tutor era de
alguma forma responsável pela morte da mãe dela, provavelmente a menina
assumiria que ele realmente a matou.
— Mas Tamasine não disse a Giles que Sir Joslin machucou sua mãe?
Ela não disse que ele a matou — objetou Francis.
— Verdade, mas Tamasine disse que sua mãe morreu e Sir Joslin,
portanto, tinha que morrer também. A mãe também estava desequilibrada.
Suponhamos que ela tenha atacado Joslin e, se ele fosse obrigado a usar a
força para dominá-la, suas ações poderiam ser tomadas por Tamasine como
tendo causado a morte dela.
Ottilia o encarou. — Patrick, isso é genial.
O irmão riu e Francis o saudou. — Bravo, meu velho! Acaba de se
juntar à equipe de investigação Fanshawe.
Ottilia interrompeu a troca de brincadeiras que se seguiu.— Hemp me
contou que Florine atacou Joslin e o machucou gravemente. Isso pode
explicar esse acerto de Tamasine.
— É por isso que ela empurrou Joslin?
— É provável, Fan, mas isso não resolve minha questão.
— Como assim? — Patrick inclinou-se, apoiando os cotovelos nos
joelhos.
Ottilia se divertiu ao ver seu interesse despertado.
— Tamasine me disse que ainda não terminou. E isso foi depois que
Joslin foi morto.
— Mas quando contou a Giles, estava claramente falando de Joslin.
Ottilia olhou para o marido e ergueu um dedo repreensivo. — Não se
deixe enganar pela jovem mudando sua história para se adequar a sua
conveniência, Fan. Existe racionalidade ali. Tanto quanto alguém em sua
condição pode ser racional. Devemos tomar nota da observação de Patrick.
Se a garota é literal, devemos tomá-la literalmente. Se ela disser que ainda
não terminou, então há mais ali do que já descobrimos.
— Uma vez que souber, terá resolvido a questão, Tillie?
— Talvez, Fan. — Suspirou. — Se ao menos pudéssemos descobrir o
paradeiro daqueles doces miseráveis desaparecidos.
A ida de Sybilla à Willow Court na manhã seguinte mostrou-se
prematura. Acompanhada pelo filho e com a presença de Ottilia, entrou em
um cenário de caos.
Caixas e maletas enchiam o salão onde várias pessoas estavam reunidas.
Cuffy abriu a porta para os visitantes e, mal a fechou atrás deles, já ergueu
algumas malas e seguiu Hemp, que subia as escadas igualmente
sobrecarregado.
Uma figura de matrona, envolta em um manto grosso de viagem,
conversava com a Srta. Ingleby e Lomax. Os três olharam para os recém-
chegados e Ottilia notou a exasperação no rosto da dama de companhia. Ela
aproximou-se deles, mas antes que pudesse falar, a Sra. Whiting entrou
apressada pela porta de baeta verde acompanhada por uma camareira
carregando uma quantidade de roupas de cama limpa.
A Srta. Ingleby foi obrigada a dar lugar para que o grupo chegasse às
escadas, um atraso insignificante que permitiu que Ottilia chegasse
primeiro.
— Lady Polbrook desejava falar com sua protegida, Srta. Ingleby, mas
vejo que somos inoportunos.
— Extremamente. — O olhar da mulher varreu o grupo e pousou no
rosto da viúva. — Tamasine não está em liberdade hoje, senhora.
Os olhos escuros de Sybilla se arregalaram. — Então me contentarei
com a senhorita. Vamos para o salão?
— Estou muito ocupada, como pode ver. A Sra. Delabole acabou de
chegar e…
— Ah, a senhora deve ser a tia de Tamasine — interrompeu Ottilia,
andando pelo corredor em direção à matrona, que observava em um silêncio
carrancudo.
Era uma criatura desbotada que deveria ter sido linda no passado.
Alguns fios de cachos louros escapavam de um belo gorro e emolduravam
um rosto com a pele amaciada pelos anos, cuja gordura disfarçava as rugas.
Seus olhos eram azuis como os de Tamasine, mas mais pálidos, e agora
mostravam seu nervosismo.
Um sorriso incerto formou-se em seus lábios quando ela pegou a mão
que Ottilia estendeu. — Como vai? Receio que…
Sua voz era suave e um pouco ofegante. A mulher falou com hesitação,
uma pergunta estava desenhada em seu rosto.
Ottilia sorriu. — Por favor, não se assuste. A senhora não nos conhece,
mas somos vizinhos. Eu sou Lady Francis Fanshawe. Permita-me
apresentar minha sogra, a marquesa viúva de Polbrook, que mora do outro
lado da rua. Eu e meu marido estamos hospedados com ela. Ah, e esse é
meu marido.
Parecendo confusa, a Sra. Delabole apertou as mãos. — Perdoe-me,
Lady Polbrook, acabei de chegar e receio que não sei nada sobre a
vizinhança.
Sybilla inclinou a cabeça. — Eu estava um pouco familiarizada com Sir
Joslin. Permita-me oferecer as condolências por sua perda.
— Ah, obrigada. Embora eu mal conhecesse o homem. Quer dizer, nós
nos conhecemos há muitos anos, antes de meu irmão Matt ir para Barbados.
— Então sua situação não é invejável se será obrigada a assumir tudo
aqui.
— De fato, e deixei tudo uma bagunça em casa. Não sei como devemos
prosseguir. — Ela pareceu se recompor e tentou se acalmar. — Mas não
devo me apressar. Srta. Ingleby, talvez…?
Quando a mulher virou-se para a dama de companhia, Francis salvou o
dia, movendo-se para abrir a porta da sala. — Devemos aguardá-la aqui,
senhora? Sem dúvida vai precisar de um pouco de tempo para si mesma
depois de sua viagem.
— Ah, que atencioso, sim. A Srta. Ingleby providenciará tudo, tenho
certeza, se alguém ao menos me guiar até meu quarto.
Uma retirada parecia adequada e Ottilia seguiu a sogra até a sala de
estar. Ela deteve Francis enquanto ele fechava a porta.
— Vou subir as escadas daqui a pouco, Fan, enquanto fica com Sybilla.
— Acha que isso é prudente com todo mundo correndo para lá e para
cá?
— Exatamente por isso. Ninguém vai me dar a mínima atenção.
— Por favor, o que está fazendo, Ottilia? — exigiu a viúva, que se
sentara perto do fogo. — Nossa missão aqui está definida.
— A sua, Sybilla. A minha é descobrir o que aconteceu com Tamasine.
A informação de que a garota estava encarcerada havia sido levada à
Dower House por seus sobrinhos na noite anterior. Assim como havia
imaginado, eles correram de volta para Willow Court no momento em que
escaparam dos olhos do pai.
— Está trancada no sótão, Tittilia.
— Saltando pelos colchões!
— E gritando e gritando!
A imagem evocada na mente de Ottilia a angustiava, despertando sua
compaixão pela condição nada invejável da pobre jovem. Se ela ainda
estava no sótão, era incerto, mas Ottilia pretendia desbravar o lugar
novamente se necessário.

O quarto de Tamasine estava quieto. Ottilia encostou o ouvido na porta,


mas nenhum murmúrio a recompensou. A chave estava na fechadura e
tentou a maçaneta. A porta rangeu um pouco quando a abriu com cuidado.
A garota evidentemente não estava em seu quarto. Só para ter certeza,
Ottilia espiou pela fresta da porta.
Nenhuma criatura era visível vagando ou deitada na cama. O lugar
estava vazio, o que sugeria que Tamasine ainda estava em seu quarto no
sótão. Nesse caso, havia sido mantida lá por horas. Poderia ser bom para
ela?
Então Ottilia lembrou-se que Simeon Roy não fazia parte do grupo no
andar de baixo. Sugestivo, talvez? Não poderia supor que o rapaz tivesse
permissão para remover Tamasine do local. A Srta. Ingleby não confiava
nele.
Deixando o quarto da jovem como o encontrara, Ottilia esgueirou-se
pelo corredor em direção aos fundos da casa, procurando a escada que havia
usado antes quando Tom a conduziu ao ninho de Tamasine. Dificilmente
alguém apareceria. Estavam muito ocupados no andar de baixo. Encontrou
a escada estreita e correu até o andar situado sob o beiral com muita
apreensão.
O som de vozes abafadas chegou aos seus ouvidos. A porta do ninho de
Tamasine estava trancada? Ela fez a curva e esgueirou-se ao longo da
passagem, feliz em pensar que havia alguém com a criatura, se era
realmente sua voz que ela tinha ouvido.
A porta estava aberta, mas quando Ottilia olhou ao redor, não viu
ninguém. Entrou no quarto e encontrou-o vazio. Além disso, as vozes ainda
soavam abafadas. Céus, estavam vindo de cima?
Parada, tentou escutar inclinando a cabeça e olhando para o teto.
Uma risada aguda soou. Deveria ser Tamasine, mas havia uma segunda
voz. Uma sensação de curiosidade tomou conta de Ottilia. Agora, como
diabos encontraria um caminho para o telhado? Convencida de que as vozes
estavam acima dela, acelerou para fora do quarto em direção à escada.
Sem acesso. Ela pegou as escadas para o patamar de baixo, movendo-se
rapidamente de um lado e depois para o outro, procurando outro degrau sem
sucesso. Por fim, se viu de volta a um andar superior ao da galeria principal.
Imediatamente Ottilia viu que as escadas continuavam subindo e seguiu-as.
A curva a levou para uma porta aberta à vista. Um pedaço de céu opaco
apareceu.
Ao alcançá-la, pôde ouvir as vozes novamente. Algum tipo de
declamação parecia estar em andamento, com mais de uma voz soando ao
mesmo tempo. Ottilia passou pela abertura e subiu no telhado. Parecia ser
extenso, mas o caminho levava para duas elevações e se abria para uma
superfície plana cercada por muros baixos de cada lado, continuando em
outro caminho.
Simeon Roy estava encostado na parede interna sob uma elevação de
azulejos enquanto Tamasine estava sentada de pernas cruzadas na superfície
plana próxima, evidentemente imperturbável pelo vento cortante que já
fazia Ottilia estremecer.
Algum som deve tê-la traído, pois Simeon virou a cabeça. O rapaz
pareceu consternado, mas rapidamente se recuperou e a apatia habitual
retornou. Ele afastou-se da parede, sentando-se em uma de suas poses
indiferentes.
— Se não é Lady Fan vindo procurá-la, minha pequena Tam. Que
garota de sorte a senhorita é.
Um grito de prazer emanou de Tamasine e ela cantou. — Lady Fan,
Lady Fan, Lady Fan.
Ottilia caminhou até o homem, proferindo uma saudação agradável. —
Como vai, Sr. Roy? Espero que esteja bem hoje, Tamasine.
— Bem-vinda ao meu ninho — disse a garota em seu tom mais natural.
Assustada, por um instante Ottilia não soube responder. Então era este o
lugar que considerava como seu ninho, em vez de sua prisão no sótão? Ou a
menina não percebia a diferença?
— Ora, obrigada, Tamasine, estou muito feliz por ter permissão para vir.
— A senhora não vai ficar por muito tempo.
O murmúrio veio de trás dela e Ottilia lançou um olhar de advertência
por cima do ombro. Simeon Roy dissera com uma sobrancelha levantada e
um olhar divertido.
Ottilia o ignorou. — O que estão fazendo aqui em cima em seu ninho?
Tamasine virou as mãos, juntando os nós dos dedos. — Está vendo?
Posso ver as pessoas no campanário. Simeon me mostrou.
— Na igreja, Tam. As pessoas estão na igreja, não no campanário. —
Simeon brincou com seus dedos. — Aqui está a igreja e aqui está o
campanário. Olhe para dentro e veja todas as pessoas pequenas.
— O pastor, o pastor — disse Tamasine.
Mas mesmo quando Simeon brincou com o pastor entrando e fazendo
suas orações, a garota levantou-se de sua posição, interrompendo-o com um
pedido para Lady Fan olhar seu desenho. Ela correu para o muro baixo e
Ottilia ficou surpresa ao ver que um colchão velho havia sido colocado
contra ele. Ela começou a vasculhar o interior, puxando a palha e
arremessando-a de um lado para o outro.
Ottilia virou-se para Simeon Roy, mantendo a voz baixa. — É seguro?
Ele levantou as sobrancelhas. — Para a senhora ou para Tam? Ela não
vai atacá-la se é isso que teme.
Ottilia absteve-se de informá-lo da ocasião anterior em que quase fora
vítima do estado demente de Tamasine.
— Eu quis dizer de ela estar no telhado. Por que ela vem até aqui?
Seu lábio se curvou. — Entendo as complexidades da mente de Tam
tanto quanto a senhora, Lady Francis. Eu sugeri que ela viesse. Ela diz que
gosta daqui.
Ottilia estremeceu e esfregou os braços. — Não consigo imaginar por
que alguém colocaria um colchão aqui. Ela certamente não pode ficar
deitada aqui nesse frio, pode?
— Imagino que ela mesma trouxe isso para cá. Ou persuadiu Hemp a
fazê-lo. Duvido que o use para seu propósito adequado.
— Para quê então?
Mas a pergunta respondeu por si mesma, pois com um grito de triunfo,
Tamasine pegou uma coleção de papéis amassados, espalhando-os de forma
desordenada sobre os fiapos de palha.
Que diabos a menina estaria fazendo agora? Mas Ottilia não iria
perguntar ao desprezível Simeon. Não obteria nenhuma resposta
satisfatória.
— Ela sabe que a Sra. Delabole chegou?
— Isso é o que eu vim dizer. Ela não está interessada.
— Lady Fan! Está vendo? Eu o encontrei! — gritou Tamasine enquanto
segurava uma bola de papel amassada. — Fiz um desenho de princesa.
Ottilia moveu-se para se juntar a ela e pegou o papel enrolado que a
jovem lhe estendia. — Posso abri-lo?
— Sou eu — disse Tamasine alegremente. — Sou a princesa do açúcar.
Tomando isso como uma permissão, Ottilia gentilmente pegou o papel e
abriu a folha amassada. Um amontoado de linhas e curvas desconexas
percorria o papel, desenhadas com o que parecia ser carvão. Não havia
nenhuma conclusão a ser tirada do desenho em nenhum sentido real, mas
Ottilia deu-lhe um olhar de admiração.
— Ora, esta é realmente a princesa do açúcar, Tamasine.
Por um momento, a garota não disse nada enquanto fitava Ottilia com
um olhar vazio desconcertante. Então pegou o papel e o rasgou
completamente, jogando os pedaços no ar. O vento levou-os para longe,
espalhando-os pelo telhado.
— Resposta errada — murmurou Simeon Roy atrás dela.
— Um pouco tarde para me dizer isso — retrucou Ottilia.
Tamasine correu para o colchão perto da parede baixa e se jogou,
deitando-se perfeitamente imóvel com o rosto enterrado. Ela estava
fingindo dormir como no primeiro dia com a Srta. Ingleby? Aproveitando
sua chance, Ottilia virou-se para enfrentar Simeon.
— Pensei que tivesse me dito que ela consegue se comunicar através de
desenhos.
— Oh, quando ela quer. Se inspecionasse algumas dessas criações
enterradas em seus colchões, não duvido que encontraria desenhos
plausíveis e até reconhecíveis em alguns casos.
— Não soa muito como uma comunicação para mim se ela não sabe o
que desenha.
— É preciso pegá-la de bom humor.
Ottilia poderia tê-lo esbofeteado. — Isso é um absurdo, Sr. Roy, e sabe
disso. Desejo que pare de tentar me enganar. O senhor não se correspondeu
com a jovem, a menos que por meio de algum intermediário.
Um sorriso enigmático vincou a boca do sujeito. — Não sou eu quem
acredita que houve um assassinato em Willow Court, Lady Francis. Penso
que achará difícil convencer minha prima Ruth de qualquer coisa desse
tipo.
Sua exasperação foi interrompida pelo som de Tamasine puxando o
colchão pelo chão do telhado. Ela avançou no momento em que a garota,
sem esforço aparente, jogou a coisa sobre o parapeito, soltando gargalhadas.
Então pulou no muro, pisando perigosamente ao longo dele e cantando de
uma forma alegre.
— Estou andando sobre a água, andando sobre a água, andando sobre a
água.
— Tamasine, não!
Simeon segurou-lhe o braço enquanto Ottilia apressava-se em puxá-la.
— Silêncio, senhora! Ela é tão ágil quanto um gato. Não vai cair.
Ottilia assistia agoniada. — Como pode ter certeza?
— Tamasine estava acostumada a subir em árvores e sabia andar na
corda quando criança. Ela não tem medo nenhum. Está segura, desde que
ninguém a assuste.
A nota de advertência mexeu com os nervos de Ottilia. Ela não
conseguia tirar os olhos da cena e ficou parada como se estivesse congelada
no lugar, desejando que a menina descesse. Parecia uma eternidade
enquanto ela saltitava ao longo do muro, totalmente alheia, até que um
pássaro bateu suas asas próximo a chaminé. Tamasine parou e apontou.
— Lá está a bruxa! Olha, é um corvo preto como Lavinia!
Uma explosão maníaca de risos escapou dela enquanto Ottilia, incapaz
de suportar o suspense, dava um passo na direção dela. Então Tamasine
pulou e girou no local, gritando que Lavinia era um corvo preto.
Alcançando-a, Ottilia passou um braço sobre seus ombros e a empurrou de
volta para uma posição segura no meio do telhado.
— Vamos, minha querida, não deveria pensar em entrar? Todos nós
vamos ficar resfriados se ficarmos aqui.
Consciente de que sua voz tremia, olhou para Simeon e o encontrou
totalmente impassível pela jovem se colocando em risco. Enfurecida, o
forçou a entrar na briga.
— Simeon vai levá-la, não é, Sr. Roy? Tenho certeza de que nossa
princesa do açúcar ficará feliz em ir com o senhor.
Ela dançou para longe de Ottilia. — Simeon, Simeon, Simeon, vai me
resgatar?
— Com o maior prazer do mundo, minha pequena Tam. Venha, deixe-
nos satisfazer Lady Fan e devolvê-la ao seu ninho.
Com isso, o rapaz lançou um olhar zombeteiro à Ottilia e guiou a garota
tagarela pelo caminho entre as elevações do telhado. Sentindo-se mal com
todo pavor que sentiu, Ottilia os seguiu, desejando não ter ido até lá. A
proximidade horrível de uma morte fácil, para Tamasine ou outro, era muito
desanimador para contemplar.

A discussão estava ficando acalorada e Francis ansiava pelo retorno de


sua esposa. A Sra. Delabole parecia perfeitamente confusa e quem poderia
culpar a mulher? Os olhos escuros e o tom gélido de sua mãe alertavam
para seu mau humor ascendente e a recusa da Srta. Ingleby em acreditar no
pedido de noivado foi o suficiente para piorar a situação.
— Deve estar sonhando, senhora. Ou então seu neto a está enganando.
— A notícia — respondeu a mãe de Francis com a voz entrecortada que
conhecia muito bem — não veio do meu neto, mas do Sr. Roy.
A Sra. Delabole pareceu assustada.
— Simeon? Mas como o rapaz saberia tal coisa? Ele não pode estar aqui
há muito mais tempo do que eu.
— O suficiente para causar problemas, como sempre faz — disse a
dama de companhia em tom de escárnio. — A jovem está incontrolável
desde que ele chegou.
A viúva mais uma vez se fez ser ouvida: — O ponto, Srta. Ingleby, é
que não pode haver dúvidas que este noivado não irá adiante. O pai de Giles
nunca permitirá que ele se case com uma mulher inadequada, mesmo
deixando de lado a triste condição de que sua garota sofre.
— Ela não é minha garota e agradeço a Deus por isso. É melhor se
dirigir à Sra. Delabole, senhora. Tamasine é responsabilidade dela agora.
A matrona recém-chegada parecia horrorizada com isso. — Ah, não,
não, não posso. Minha cara Srta. Ingleby, é quase impossível para mim
tomar conta da jovem. Sinto muito por ela, é claro, mas terá que ficar com
essa responsabilidade e de fato vai.
— E se eu escolher não ficar? Não pode me obrigar. Estou disposta a
viver uma vida melhor do que ficar para sempre à disposição de uma
criatura sem consideração por ninguém, exceto por seus próprios desejos
insanos. Por mim, Lorde Bennifield pode se casar com ela.
A Sra. Delabole olhou-a, boquiaberta. Francis captou o olhar da mãe e
foi submetido a um violento revirar de olhos. Supôs que deveria entrar em
cena.
— Deve estar ciente, Srta. Ingleby, que um casamento com meu
sobrinho é inelegível. Nem seria adequado para Tamasine. Ela não tem
condições de assumir o papel de uma futura marquesa. Sendo assim, e
afirmo que não é da nossa conta, a aconselharia a mantê-la por perto antes
de perdê-la para esse jovem Roy.
A moça levantou-se em um movimento rápido com os olhos brilhando.
— Nunca! Ele não a terá, tenha certeza disso! Vou trancá-la e jogar a chave
fora antes de permitir que ele continue com seus planos malignos.
— Então pretende permanecer responsável pela garota? — A viúva
levantou-se para confrontá-la. — O que eu desejo, Srta. Ingleby, é que deixe
claro para Tamasine que seu suposto noivado com meu sobrinho acabou.
A mulher olhou para ela horrorizada. — Deixar claro? Para Tamasine?
A senhora também está louca? Eu não ousaria! Não imagina como a menina
fica quando é frustrada.
— Não imagino? Depois que ela veio bater à minha porta ontem?
A Srta. Ingleby ergueu a mão. — Aquilo! Um mero nada, Lady
Polbrook. Ainda não a viu em pleno escândalo. Se tivessem visto nunca
mais entrariam nesta casa. — Ela virou-se para a infeliz Sra. Delabole. —
Encontre outra guardiã, madame, pois já cumpri meu papel. Estou pensando
em fazer minhas malas imediatamente, mas tenho compaixão em deixá-la
em um estado tão perigoso. Permanecerei até que contrate outra pessoa,
mas aconselho que comece a anunciar imediatamente.
Com isso, ela saiu da sala, batendo a porta atrás dela com uma força que
fez as janelas sacudirem. Francis trocou um olhar exasperado com a mãe,
mas sua atenção foi atraída para a tia de Tamasine, que soltou um gemido.
— Oh, céus, o que devo fazer? Onde ela acha que posso encontrar uma
substituta em tão pouco tempo? Nem sequer tenho qualquer noção de que
tipo de pessoa pode ser adequada. Nem para onde a garota deve ir, se não
puder ficar aqui. — Ela pareceu recompor-se, lançando um olhar desolado à
viúva. — Peço desculpas, mas isso é realmente muito angustiante.
— Não precisa se desculpar — disse a mãe de Francis, recostando-se e
agitando uma mão desdenhosa. — Entendo perfeitamente e sinto muito,
Sra. Delabole.
Francis, sentindo igualmente pena da criatura, foi levado a proferir o
conforto que lhe ocorreu. — Eu não levaria isso muito a sério, senhora. A
Srta. Ingleby é daquele tipo de mulher que diz uma coisa um dia e muda de
ideia no outro. Duvido que ela pretende deixá-la na mão.
— Bem, mas como posso ter certeza de que ela não sairá de casa
amanhã? O que devo fazer então?
— Confie em Hemp e na Sra. Whiting. Esta última administra as doses
que mantêm Tamasine calma e Hemp parece ser a única pessoa capaz de
controlar a garota.
— Um lacaio negro? Um dos escravos de meu irmão?
— Ele é um homem livre.
Ele olhou para a mãe enquanto falava, com medo de que ela se
rebelasse contra a escravidão em geral. Para seu alívio, embora a boca da
viúva tenha se apertado e seus olhos brilhassem, ela optou por não discutir
o ponto.
— Muito estranho — comentou a Sra. Delabole. — Altamente irregular
também, mas isso era típico de Matt. Por que ele precisava se aliar a
esses… — Ela se interrompeu às pressas, corando.
Sua mãe foi direto ao ponto. — Não aprovava o casamento de seu
irmão?
Ela suspirou. — Como poderia? Não há como negar que ele ganhou sua
fortuna através dela, mas a mulher dificilmente estava à altura dele. Além
disso, ele sabia da doença fatal desde o início, pois escreveu para mim
quando a pobre mulher teve que ser encarcerada. Podem imaginar como
recebi essa notícia.
— Assim como recebi a notícia de que meu neto propôs se casar com a
filha dela — disse a viúva. — Acredito que posso contar com a senhora
para destruir qualquer crença em relação a isso?
— Oh — disse a criatura, parecendo indefesa. — Sim, suponho que
pode. Certamente eles devem saber, não devem? Quero dizer, se toda a casa
estiver ciente… E se a Srta. Ingleby achar que não adianta falar sobre isso
com Tamasine, tenho certeza de que devem aceitar a ideia de sigilo.
— A questão é, senhora, que meu neto não virá mais aqui. Poderia
desejar que seus guardiões pudessem impedir que Tamasine fosse procurá-
lo em minha casa, mas temo que isso seja uma esperança vã. Ficou bem
claro que a garota escapa com facilidade.
A Sra. Delabole parecia horrorizada. — Escapa?
— Receio que sim, senhora — interrompeu Francis. — Pelo que
entendi, ela fica trancada em seu quarto quando ninguém pode acompanhá-
la, mas parece ter a astúcia dos loucos em sua habilidade para fugir
daqueles que se importam com ela.
A porta se abriu e Francis viu sua esposa na abertura. O alívio o invadiu
e ele atravessou o cômodo imediatamente, baixando a voz ao perguntar:
— Encontrou-a?
— Sim, de fato. Estava brincando no telhado, para o meu horror.
Simeon está com ela. Está tudo bem por aqui?
— É sério? Está brincando! A Srta. Ingleby se recusa a ter qualquer
coisa a ver com o suposto noivado de Giles. Além disso, disse à Sra.
Delabole para encontrar uma substituta para ela. Não que eu acredite que
ela vá realmente partir, pois para onde iria? Sem meios ou outra posição,
isso parece temerário, mesmo para ela.
— É mesmo. Nem acho que ela iria embora enquanto Simeon Roy
estiver no local.
Ela entrou na sala enquanto falava, dirigindo-se à matrona, que parecia
estar envolvida em uma conversa em voz baixa com a viúva. — O Sr. Roy
contou a Tamasine sobre sua chegada, senhora. Encontrei-a no… no andar
de cima.
Nenhuma menção do telhado. A Sra. Delabole parecia decididamente
desconfortável com essa notícia, o que não foi uma grande surpresa para
Francis.
— Quer dizer que ela está planejando descer?
— Aparentemente não no momento, embora não haja como dizer se vai
mudar de ideia.
— Entendo.
Tillie abriu-lhe um sorriso caloroso. — Deve ser angustiante ser
empurrada para esta situação difícil, senhora. Se houver algo que eu possa
fazer para ajudá-la, por favor, não hesite em me chamar.
A mulher deu-lhe um olhar surpreso. — Oh. Bem, obrigada, Lady
Francis. Ainda não tenho nenhuma noção do que devo fazer, além de
chamar os advogados, o que já fiz. Espero que alguém chegue em breve
para cuidar de todos os papéis e assim por diante.
— Tem alguma noção de como os negócios de Sir Joslin foram
deixados, senhora?
A Sra. Delabole abriu as mãos. — Nenhuma. Ele não escrevia para
mim. A Srta. Ingleby me escreveu para me contar sobre a morte dele e
solicitou minha presença, já que sou a parente mais próxima de Tamasine e
Sir Joslin era o tutor dela. Espero e confio que esse dever não recaia sobre
mim, pois não consigo imaginar como eu poderia cuidar da garota.
— Bem, esperamos que alguma outra provisão tenha sido feita. Não
posso pensar que seu irmão, que parece ter antecipado todas as
eventualidades, tenha deixado de prever essa possibilidade.
— Ah, acha mesmo?
— Bem, Cuffy me informou que Sir Joslin estava doente há alguns
anos.
— Sim, acredito que seja verdade. — Francis notou que ela sorriu um
pouco trêmula.
— Talvez eu esteja ansiosa sem motivo.
Nesse ponto, a viúva imprudentemente optou por intervir. — Há
motivos suficientes se Sir Joslin foi de fato envenenado.
O choque saltou no rosto da mulher. — Envenenado?! Deus todo
poderoso! Envenenado por quem?
— Isso é exatamente o que minha nora está tentando descobrir, Sra.
Delabole.
Francis poderia ter xingado em voz alta. Justo quando Tillie tinha
conseguido acalmar a mulher. Ele dirigiu um olhar repreensivo à mãe, que o
encarou com brandura. A Sra. Delabole estava olhando para Tillie como se
confrontasse uma aberração em uma feira.
— A senhora, Lady Francis?
Tillie sentou-se em uma cadeira ao lado da infeliz e pegou a mão dela,
dando-lhe um tapinha suave. — Ainda não temos certeza, senhora. Sir
Joslin morreu de envenenamento por ópio, mas ainda não foi determinado
se foi uma dose acidental ou administrada por outra pessoa.
— Mas quem? Quero dizer, por que alguém iria querer envenená-lo?
— Sua sobrinha, por exemplo — afirmou a viúva. — E ela é demente o
suficiente para tentar isso.
— Sybilla, por favor, não assuste a Sra. Delabole mais do que o
necessário.
— Ela também pode encarar a verdade. Não é melhor sermos francos?
— Voltando-se para a tia desafortunada, acrescentou com prazer: —
Descobrirá, Sra. Delabole, que toda esta casa participa da conduta duvidosa
de sua sobrinha. A Srta. Ingleby já é ruim o suficiente. O jovem Roy é pior,
pois esconde suas farpas sob uma língua suave. Quanto ao resto, pergunte à
minha nora se não são tão peculiares quanto parecem.
— Senhora, isso é o suficiente — disse Francis, tomado de compaixão
pelo evidente desânimo da vítima.
— Mais do que o suficiente — repetiu Tillie.
A própria Delabole concordou. — Peço que não me diga mais nada,
Lady Polbrook, ou não conseguirei dormir nesta casa.
— Não acho que conseguirá — retrucou a viúva. — Já é difícil para
mim que sou apenas uma vizinha.
— Vamos, senhora, não é tão ruim assim — disse Tillie, despejando
bálsamo em águas turbulentas, como de costume. — Minha cara Sra.
Delabole, por favor, não se assuste indevidamente. Embora talvez seja bom
que saiba o que está acontecendo, ficarei feliz com sua permissão para
prosseguir com meus interrogatórios conforme necessário.
— Minha permissão? Mas eu não sei nada sobre isso!
— A senhora é, se me permite dizer, a chefe da casa neste momento.
A Sra. Delabole soltou um grito irritado. — Quer dizer que eles vão me
pedir orientação? Céus, eu gostaria de não ter vindo!
— Nada disso — disse Tillie calmamente. — A casa funciona
perfeitamente bem porque todos sabem o que fazer, mas nem a Srta.
Ingleby nem Lomax podem me contradizer se eu puder dizer que a senhora
me pediu para continuar com minhas investigações.
Capítulo 14
 
 
 
 
 
 
 
Phoebe poderia ter evitado a presença do honorável Sr. Robert
Delaney quando Giles aparecesse na sala, apesar de ter pedido ao primo que
a visitasse em uma hora em que sabia que seus pais não estariam em casa.
Ela tinha perguntas que preferia fazer sem os ouvidos atentos do Conde de
Hemington e sua condessa.
— Eu não deveria estar aqui com seus pais ausentes, Phoebe. Isso é
muito irregular.
— Sei disso, Robert, mas minha necessidade é urgente. E não posso
permitir que papai ouça o que posso lhe perguntar. Deve me prometer que
não vai contar a ele.
Seu primo abaixou a cabeça e franziu o cenho por cima dos óculos.
— Não é típico da senhorita, minha querida Phoebe, guardar segredos
de Hemington e de sua querida mãe.
Phoebe suspirou e afundou-se em sua poltrona favorita perto do fogo. A
pequena sala era peculiarmente sua e tinha sido palco de muitas conversas
animadas com Giles em tempos mais felizes. Situada em um canto no
segundo andar da mansão, ostentava dois sofás antigos, sua própria poltrona
confortável, sua escrivaninha e várias estantes cheias de seus volumes
favoritos.
— Nada se parece muito comigo no momento, Robert.
Seu primo, que sabia que sempre atendia às suas vontades, puxou a
cadeira da frente de sua mesa e levou-a para perto do fogo, sentando-se e
olhando-a atentamente.
— Minha querida, está levando esse negócio a sério? — Ela ergueu os
olhos assustada e ele apertou os lábios. — Acha que ignoro o que está
acontecendo? Não entende por que me senti obrigado a entregar o caso de
Willow Court nas mãos de Lovell?
Phoebe ficou atônita. — Eu não sabia que tinha entregado.
— Bem, entreguei. Seu pai também me advertiu e estava certo.
Esperava que o assunto fosse resolvido com um veredicto de morte
acidental, mas uma vez que um veredicto aberto foi apresentado, realmente
não tive escolha a não ser declarar interesse.
O desânimo varreu Phoebe. — Interesse? Em que sentido?
Robert retrucou. — Vamos, querida. Não pense que as travessuras do
jovem Bennifield passaram despercebidas só porque seus pais não disseram
nada.
Uma onda de calor invadiu as bochechas de Phoebe. — Esperava que
não tivessem ouvido falar. Sei que papai ficaria furioso.
— Sim, e ele estava, mas sua mãe o convenceu a se abster de falar com
a senhorita sobre o assunto. Ela é muito mais observadora do que supõe,
minha querida Phoebe.
Phoebe se encolheu. — Parece que sim.
Ela olhou para o semblante incomumente suave de Robert. Ele era mais
novo que o pai dela, embora já fosse um homem de família, mas sabia que
ele estava em dívida com o pai por ter lhe aberto tantos caminhos, inclusive
na eleição para a Câmara. Foi apenas uma questão de tempo para que se
tornasse um juiz de paz também. Robert assumira o cargo alguns anos antes
e se mostrara um justo, embora severo, aplicador da lei. Não era de se
surpreender que se retirasse de uma investigação mais aprofundada sobre a
morte de Sir Joslin.
— Vamos, querida, por que me chamou? Qual é o problema?
Reunindo coragem, Phoebe o encarou. — Acredito que Giles está
curado da paixonite pela… pela garota, mas…
— Mas?
Ela engoliu em seco. — É este veredicto aberto, Robert. Não sabia que
não estava mais envolvido na investigação.
— E se eu estivesse?
— Bem… bem, mesmo que não estivesse, senti que deveria consultá-lo.
Ele levantou as sobrancelhas. — O que isso tem a ver com seu jovem
cavalheiro, minha querida?
— Bem, tem tudo a ver, Robert. — Sua ansiedade veio à tona e ela
continuou: — Ele tem alguma relação com a história? Giles não pode ter
conspirado com Tamasine, pode? Sei que Sir Joslin não aprovava seu
cortejo, mas certamente não podemos supor que Giles iria tão longe a ponto
de ajudá-la a se livrar de seu tutor, podemos?
A expressão de Robert mudou e seu costumeiro desdém surgiu.
— Isso é por causa daquele negócio com o pai dele, suponho? Tem
medo da história se repetir?
Phoebe apertou os dedos no colo e assentiu.
— Pelo que entendi, minha querida, havia uma razão convincente para
que Polbrook fosse suspeito de dar cabo da esposa. É manifesto, agora que
ele se casou com a criatura.
— Sim, eu sei, mas ele não fez isso, fez? Arrisco dizer que Giles nem
sonharia com tal empreendimento.
Um leve sorriso curvou a boca de Robert. — Minha querida, não há
provas que sugiram que Bennifield tenha algo a ver com a morte de Sir
Joslin. Além disso, não consegui descobrir, analisando os detalhes do
inquérito quando preparei o relatório para Lovell, que a Srta. Roy, apesar de
sua condição infeliz, pudesse ter sido fundamental para a morte de seu tutor.
— Mas Lady Francis acredita que ele foi assassinado.
O tom de Robert tornou-se cético. — Sim, ouvi falar da aparente
destreza da dama nessa linha, mas duvido que qualquer coisa útil venha
dela enfiando o nariz no que não lhe diz respeito.
— Isso a preocupava porque Giles estava envolvido — disse Phoebe,
incapaz de evitar um tom ressentido. Ela gostava de Lady Francis Fanshawe
e formara uma boa opinião sobre o bom senso dela. — Afinal, o marido
dela é tio de Giles.
— Conheço perfeitamente Lorde Francis, obrigado, Phoebe. Conheço a
família há alguns anos. E posso dizer que estou de acordo com seu pai que,
se não fosse pela posição e fortuna de Polbrook, uma aliança com eles
estaria fora de cogitação.
— Bem, agora não parece que haverá uma aliança, então papai pode
ficar tranquilo.
— Oh, então é sobre isso, não é? — O olhar de Robert tornou-se
indulgente. — Minha querida Phoebe, acredito que irá pensar bem antes de
jogar fora uma oportunidade tão vantajosa apenas por um capricho.
— Capricho? Quando fui insultada e rebaixada? Jogada de lado como
algo sem importância?
Nesse momento inoportuno, um dos lacaios entrou e anunciou Lorde
Bennifield.
Giles parou na soleira e seu olhar foi imediatamente para Delaney, que
levantou-se. Phoebe sentiu um rubor crescer em suas bochechas e seu
embaraço de modo algum foi mitigado pelo que Robert escolheu dizer:
— Ah, Bennifield, aí está o senhor, meu querido menino. Acredito que
Lady Phoebe tem algo que deseja lhe dizer.
Phoebe manteve os olhos baixos, com um tumulto em seu peito ao ouvir
a resposta de Giles e reconhecer uma humildade inusitada em seu tom.
— Como vai, senhor? Estou me intrometendo?
— Já estou de saída. Phoebe queria meu… hum… conselho. — Ele fez
uma pausa e em seguida perguntou: — Phoebe, minha querida?
Ela ergueu o olhar. — Sim, Robert?
— Mande chamar sua criada, minha criança. A menos que queira que
eu fique?
— Não! — Percebendo que isso era pouco educado, corrigiu. — Não,
de fato, não há necessidade de nenhum dos dois. Estamos acostumados a
deixar a porta aberta sempre que…
Ela parou, consciente novamente e foi incapaz de deixar de lançar um
olhar a Giles. Ele parecia pálido, mas sua expressão estava determinada.
Que Deus a ajude! O que essa visita indicava? O que diria se ele quisesse
pedir desculpas? Não se sentia nem um pouco inclinada a perdoá-lo.
Delaney olhou para Phoebe, depois para Giles e voltou a olhar para ela.
Então caminhou até a porta, deixando-a aberta. Ele olhou de volta para
onde Phoebe estava, ainda em sua poltrona, com as mãos cerradas em seus
braços.
— Lembre-se do que eu lhe disse, Phoebe.
Ela manteve os olhos nele, recusando-se a olhar novamente para Giles.
— Sim. — Era evasivo, mas não queria dar a garantia que ele procurava.
Não tinha certeza se desejava se casar com Giles, mesmo que ele pedisse
sua mão, o que duvidava que fosse a intenção atual dele.
Robert acenou para Giles e saiu da sala. Phoebe manteve o olhar fixo no
colo. Na periferia de sua visão, viu Giles se aproximar. Ele não se sentou,
embora Robert tivesse deixado a cadeira convenientemente colocada. O
silêncio se prolongou.
— Phoebe!
Havia tensão em sua voz, uma riqueza de sentimentos na única
declaração de seu nome.
Ela não pôde evitar que seus olhos se erguessem para encontrar os dele.
Os orbes verdes estavam sombreados pelo cansaço. Ou era emoção? Uma
pontada atingiu seu peito.
— Parece horrível.
Ele fez uma careta. — É assim que me sinto.
— É melhor se sentar antes que caia.
Consciente de que seu tom era relutante, Phoebe o viu cair pesadamente
na cadeira, como se estivesse sobrecarregado com o peso do mundo. Um
flash de memória a atingiu. Ele parecia exatamente do mesmo jeito quando
a procurou pela primeira vez após a morte da mãe. O coração dela doeu.
Afinal, ele realmente amava Tamasine?
— Está sofrendo, não está, Giles?
Não era nada disso que ela queria dizer. Nem tinha sonhado em suavizar
seu tom em relação a ele. Ele assentiu em silêncio e Phoebe sentiu uma
pontada de ódio pela garota louca. Desejava enfiar as unhas naquele rosto
de boneca de porcelana. A percepção a fez parar. Onde estava sua
dignidade? Não havia ficado na poeira tempo o suficiente? Ela endureceu
seu coração.
— Atrevo-me a dizer que vai superar isso no devido tempo.
Um clarão nos olhos dele trouxe o velho Giles de volta por um instante.
Então desapareceu. Ele ergueu as mãos em um gesto desesperado e Phoebe
ficou chocada ao ver um tremor em seus dedos.
— Eu merecia isso, talvez. — Ele respirou fundo. — Não, talvez não.
Eu merecia.
— Ninguém deseja açoitá-lo, Giles.
Ele mordeu o lábio. — Deveriam.
Outro silêncio pairou. Phoebe sentiu como se seu coração batesse alto e
tivesse que fazer tudo para permanecer quieta em sua poltrona. Não sabia se
queria esbofeteá-lo ou se jogar nos braços dele. Provavelmente ambos.
Como ele se atrevia a ir até ela em tal aparência? Choramingando seu amor
perdido e se humilhando de uma maneira tão lamentável quanto enervante.
Nunca antes o tinha visto perder sua segurança tão completamente. Phoebe
não aguentou:
— Não faça isso, Giles!
Ele franziu a testa. — Fazer o quê?
— Açoitar-se como se tivesse quebrado os Dez Mandamentos. Pelo
amor de Deus, mantenha seu orgulho!
Uma risada triste escapou dele. — Orgulho? Depois do que aconteceu?
Fui tão tolo.
— Foi, de fato, mas isso não é motivo para abaixar a cabeça e implorar
por minha compaixão.
Seus olhos brilharam novamente com isso. — Não estou implorando
por compaixão!
— Então posso perguntar o que está fazendo?
Ele levantou-se da cadeira. — Implorando por perdão, sua mulher
impossível! Ou é o que eu faria, se não adotasse uma atitude tão
intransigente.
Phoebe também estava de pé. — Que atitude esperava? Fui humilhada,
agredida e posta de lado como um trapo velho. Por direito eu deveria bater
na sua cabeça com essa cadeira!
— Bem, faça isso então! Não me importo com o que deseja fazer
comigo, se apenas parar de se comportar como uma rainha do drama!
— Rainha do drama? Como ousa!
Perdendo o controle, Phoebe levantou o braço com a mão voando em
direção ao rosto dele. Giles agarrou o pulso dela e o segurou, olhando com
igual violência.
— Não, sua megerazinha!
— Deixe-me ir, seu bruto!
— Nunca nesta vida!
Ela soltou um grito abafado de raiva, tentando soltar o braço. A questão
se arrastou por uma eternidade enquanto lutava contra o aperto firme dele.
Então uma onda de cor cobriu as feições de Giles.
— O que diabos estou fazendo?
Ele a soltou tão de repente que ela quase caiu. Giles deu um passo à
frente e segurou-a. Phoebe congelou nas mãos dele, seu coração pulando
como o de um gato escaldado.
— Phoebe…
O som foi gutural. O instinto lhe disse o que isso significava, mas o
pensamento fugaz foi superado quando Giles a puxou com força contra ele
e colocou os lábios nos dela, fazendo o mundo explodir.
Ela ficou presa em um misto de sensações quando finalmente despertou,
com seu coração alegre e seus olhos abertos sob um olhar selvagem no
rosto de Giles que parecia devorar o rosto dela.
— Phoebe, eu não sabia. Juro que não sabia.
Ele não conhecia o próprio coração? Mas Phoebe não perguntou, uma
esperança silenciosa advertindo-a de que as palavras não serviriam para o
momento. Levantou uma mão, roçou o lábio dele com o dedo e então
sorriu.
— Agora sabe.

Deixando o marido e Patrick na sala da frente, Ottilia seguiu pela casa


atrás de Cuffy passando corajosamente pela porta de baeta verde. Adentrou-
se no habitual labirinto de corredores que compreendia o quarto dos
criados.
Descobrindo-a atrás dele, o lacaio virou-se com um grau de espanto.
— Deseja alguma coisa, madame?
Ottilia sorriu. — De fato desejo. Por favor, faça a gentileza de me
conduzir até o quarto da Sra. Whiting.
Cuffy hesitou, mas ela o encarou e, por fim, o homem assentiu sem
comentários e virou-se para assumir a liderança. Ottilia lembrava-se do
quarto em que inspecionara os livros da Sra. Whiting, embora não
conseguisse lembrar o caminho. O barulho e a conversa da cozinha
chegaram aos seus ouvidos, junto com o aroma de especiarias como café e
o cheiro inevitável de legumes cozidos.
A governanta estava em sua mesa, escrevendo em um livro-razão e não
pareceu muito satisfeita com a invasão de Ottilia. Prevenindo as críticas,
antecipou-se:
— Espero que não se oponha à minha visita aqui, Sra. Whiting. A Sra.
Delabole me pediu para descobrir tudo o que puder para esclarecer o
mistério da morte de Sir Joslin.
A governanta resmungou e pousou a pena em seu receptáculo sobre um
tinteiro de porcelana. — Não me lembro de ter precisado da permissão de
alguém no início, minha senhora.
Touché! Mas Ottilia deixou isso passar e, calmamente, apossou-se de
uma cadeira encostada na parede e a aproximou o suficiente para poder
conversar. O lugar era apertado com o inevitável armário trancado
ocupando a maior parte do espaço disponível. A mesa era pouco mais que
uma escrivaninha velha, havia uma poltrona acolchoada confortável que se
destacava perto da porta, um escabelo diante dela e uma mesa de apoio ao
lado.
Ottilia colocou a cadeira entre o escabelo e a escrivaninha, e começou
sem preâmbulos. — Opor-se-ia a me contar mais sobre sua antiga senhora?
Quero dizer, a mãe de Tamasine, Florine.
Ela foi rápida em notar a vibração reveladora de alguns dedos onde as
mãos da Sra. Whiting descansavam em seu colo. Ela passou a ponta da
língua em seu lábio inferior e perguntou:
— O que deseja saber?
Uma boa pergunta. Ottilia tentou uma abordagem indireta, embora
tocando no cerne da questão. — Acho que ela acabou sendo considerada
muito propensa a travessuras para poder vagar solta.
Uma risada bufante escapou da Sra. Whiting. — Travessuras? Essa é
uma boa colocação. Sim, tivemos que trancá-la. Para o bem dela, tanto
quanto de qualquer outra pessoa.
— Como fez com Tamasine ontem à noite?
A mulher encolheu-se. — Como sabe disso?
— Vamos, Sra. Whiting, sejamos francas. A menina está piorando, não
está? Acha que é a transição para este país? Ou os eventos perturbadores
que ocorreram? Posso imaginar que não tenha sido nada agradável tê-la em
tal estado.
A governanta soltou a respiração em um assobio. — A senhora não tem
ideia! Se ao menos o mestre não tivesse morrido e não tivéssemos de trazê-
la para a Inglaterra, eu poderia tê-la mantido calma nos lugares que
conhecia. Tivemos que colocá-la de volta no sótão ontem à noite e tudo
porque a garota teve um de seus ataques quando a Sra. Delabole tentou
argumentar com ela.
Ottilia não podia deixar de sentir compaixão pela tia, empurrada para
uma situação que desconhecia totalmente. — O que aconteceu?
— Eu mal sei. Estava tudo um caos quando entrei na sala de jantar, que
foi onde tudo começou. Lá estava Mestre Roy segurando a jovem Tam, que
gritava, a Srta. Ingleby gritando com Mestre Roy, e a pobre Sra. Delabole
com as mãos nos ouvidos horrorizada. Foi o certo a ser feito.
— É o que parece. Não chamou Hemp imediatamente? Ele parece ser
notavelmente capaz de controlar Tamasine.
— Sim, mas Hemp não estava, pois agora que Mestre Jos se foi, é o
único que pode dirigir a carruagem e Lomax o havia mandado buscar
suprimentos por causa dos hóspedes além de nossas expectativas e com a
cozinheira ameaçando pedir as contas. E lhe digo que foi preciso Simeon
Roy e Cuffy para levar a Srta. Tam ao sótão e tive um trabalho do diabo
também para lhe dar uma dose.
A eloquência incomum da governanta expressava mais sua ansiedade do
que as rugas de preocupação em seu rosto. Ottilia não sabia o que dizer para
atenuar os horrores de uma cena evidentemente dolorosa, mas não precisava
se preocupar porque a Sra. Whiting suspirou em um som de derrota.
— É um pesadelo, senhora, a coisa toda. Só Deus sabe o que vai
acontecer agora! Sem o Mestre Jos e essa Sra. Delabole com uma família
numerosa, jurando que não pode ter Tamasine em casa perturbando sua
própria ninhada, não que eu a culpe depois de ontem à noite, pois ela é mãe
e deve pensar nos filhos, mas o que vai ser da pobre jovem? É isso que eu
gostaria de saber.
— Compreendo. — Aliviada com o acesso de confidências repentinas
da mulher, Ottilia aproveitou imediatamente para perguntar: — Como a
teria administrado em Barbados?
— Colocaria a menina na mesma casa que preparamos para a mãe dela.
Ela se controlava no lugar e, desde que eu mantivesse a dosagem, não daria
muito trabalho.
— Estava encarregada dela?
— Alguns escravos ficavam com ela, mas eu supervisionava tudo, então
sim.
O momento parecia propício. Poderia sondá-la agora? — Sra. Whiting,
é verdade que Florine atacou Sir Joslin?
Não havia dúvidas sobre a fúria repentina nos olhos da mulher. —
Quem lhe contou?
Ottilia ignorou a pergunta. — Veja bem, Tamasine parece ter a ilusão de
que a posição foi invertida. Ela parece acreditar que Sir Joslin teve uma
participação na morte da mãe.
Ela esperava uma refutação desdenhosa, o que não veio. A governanta
olhou-a, mordendo o lábio. Ottilia esperou e foi recompensada.
— A jovem está confusa. Provavelmente foi alimentada com essas
mentiras.
A mente de Ottilia agitou-se. — Por Simeon Roy?
Agora o desprezo era evidente no lábio curvado e no olhar frio. — Ele
diria qualquer coisa para conseguir o que quer. Garoto tolo! Pensar que
poderia fazer da garota uma esposa. Ele supôs que o Mestre Matt não tinha
tentado isso antes dele? Sim, e falhou miseravelmente. Eu poderia ter
contado a ele, pois a vi piorar com o passar dos anos, assim como a mãe.
— A senhora estava com Florine antes de ela se casar com Matthew
Roy?
— Eu e Lomax. Nós viemos com a propriedade. Eu conhecia a patroa
desde criança.
— É por isso que foi designada para cuidar das necessidades dela?
— Eu tinha experiência. Fiz isso por anos.
A mulher estava bem amolecida agora. Ottilia ousou sondar o mistério
na vanguarda de sua mente. — Sra. Whiting, há outra coisa que eu queria
perguntar-lhe. — Ela fez uma pausa, deixando a tensão crescer enquanto a
expressão da governanta tornava-se cautelosa. — É sobre os doces da Flora
Sugars.
— Doces?
Isso foi um lampejo de medo? Ottilia continuou. — Encontrei-os na
gaveta de Sir Joslin.
— Ah, sim. — Um suspiro fraco. Alívio? — Ele gostava deles.
Trouxemos vários pacotes conosco.
— E os oferece a Tamasine?
— Por que não deveria? A menina tem tão pouco prazer na vida.
Ottilia atacou. — E aqueles maiores? Os doces com láudano?
Houve um leve alarme nos olhos da mulher? Para desgosto de Ottilia,
uma comoção no corredor interrompeu a entrevista. Vozes se ergueram e a
porta se abriu com um estrondo. Hemp olhou para a sala com o rosto
sombrio.
— A Srta. Tam escapou, Sra. Whiting.
— Oh, misericórdia, e lá vamos nós de novo!
A Sra. Whiting deu um pulo enérgico, gingando pelo corredor enquanto
Hemp desaparecia de vista. Ottilia a seguiu mais devagar, amaldiçoando o
momento inoportuno da interrupção. Hemp estava à frente, avançando em
direção ao corredor com Cuffy em seu encalço e a governanta correndo
atrás. Ninguém deu a menor atenção a Ottilia na retaguarda.
Ela alcançou o corredor atrás do resto e viu Francis olhando para a porta
de baeta verde com um olhar ansioso. Ela acenou e o marido colocou-se ao
lado dela.
— Graças aos céus que voltou! O lugar está um alvoroço.
Seu esposo não havia exagerado. A Sra. Delabole estava parada bem na
frente da porta da biblioteca, parecendo confusa. Hemp e Cuffy estavam
discutindo calorosamente, mas a Srta. Ingleby superou as vozes masculinas
ao aproximar-se da governanta.
— Eu lhe disse para não deixá-la sair tão cedo. Não deu a ela o remédio
ontem à noite?
— Claro que dei — retrucou a Sra. Whiting, defendendo-se com vigor.
— Ela estava meio adormecida quando a levei para o quarto.
— Então ainda deveria estar dormindo.
— O que queria que eu fizesse? Que eu desse a ela o suficiente para
mandá-la para o esquecimento assim como o mestre?
A dama de companhia ergueu a mão e desferiu um golpe violento no
rosto da mulher. A Sra. Whiting gritou, recuando e levando a mão ao rosto.
A Sra. Delabole soltou um suspiro indignado e começou a avançar, assim
como Ottilia, mas ambas foram impedidas por Hemp, que caminhou até
Lavinia, afastando-a do alvo.
— Isso já é o suficiente, madame. Sabe muito bem que a Srta. Tam pode
sair se quiser.
— Não, do sótão ela não pode.
Hemp não se deixou intimidar pela irritação na voz da mulher. — Ela
não pode ficar a noite toda no sótão, madame. Não permitirei tal crueldade.
— Não vai permitir? Quem o fez mestre deste lugar?
— Eu sou o mestre do que acontece com a Srta. Tam, madame. Sabe
bem que ela foi deixada sob meus cuidados. É uma confiança sagrada. Fiz
uma promessa ao meu mestre.
Hemp não levantou a voz, mas a determinação era forte como aço.
A Srta. Ingleby balançou a cabeça. — Uma promessa! Não consigo
imaginar que o Sr. Matt estava inclinado a confiar a garota a um escravo.
— Confiar a garota a um escravo? — A voz da Sra. Delabole soou
como um eco e seus olhos estavam arregalados.
O tom de Hemp ficou carregado de fúria. — Não sou um escravo,
madame. Sou um homem livre. Estou aqui por vontade própria. Ninguém,
exceto a Srta. Tam, me dá ordens.
— Hemp! — A voz era de Cuffy, interpondo seu corpo entre o
companheiro e a mulher. — Mantenha sua calma, garoto. É mais importante
encontrarmos a Srta. Tam agora.
O jovem lacaio respirava com dificuldade com o olhar fixo na Srta.
Ingleby. Ottilia observou com interesse enquanto ele visivelmente se
controlava, o fogo se extinguindo em seus olhos. Ele virou-se para o colega.
— Sr. Simeon?
Cuffy balançou a cabeça grisalha. — Ele não está aqui. Saiu com a
carruagem.
Hemp disse em alerta. — Com a carruagem?
— Talvez ele tenha levado a Srta. Tam para um passeio?
A Srta. Ingleby voltou a se intrometer, atacando a infeliz governanta
mais uma vez. — Aí está! Veja onde sua ineficiência nos trouxe. Levou-a
para um passeio? Gostaria que fosse tão inocente como soa. Aquele
demônio significa confusão.
A voz da infeliz Sra. Delabole interrompeu, alta e trêmula. — Que tipo
de confusão?
A Srta. Ingleby virou-se com um tom perverso. — Com Simeon Roy,
pode-se esperar o pior tipo possível.
Ottilia foi acometida por uma explosão de empatia pela tia de Tamasine,
que parecia confusa e perturbada, o que não era de se admirar. A mulher
levou os dedos às bochechas, seu tom era de lamento:
— Não consigo entender. Ele não gosta da prima?
— Gosta muito, esse é o problema — retrucou a acompanhante. — Pelo
menos finge que gosta. Não conhece o pior dessa criatura, senhora. Se
soubesse…
A campainha da frente tocou.
A Sra. Delabole ergueu as mãos. — Será Simeon, talvez? Oh, céus, eu
gostaria de não ter vindo.
Ninguém se moveu por um instante, cada par de olhos virando-se para a
porta. A campainha tocou novamente.
— Ninguém vai atender? — Francis exigiu em um tom exasperado.
Pela primeira vez, Ottilia notou seu irmão, que foi até a porta da frente
quando a campainha tocou mais uma vez. Ao abrir a porta, duas figuras
muito conhecidas de Ottilia apareceram. Ela foi para a porta, mas Patrick
interveio primeiro:
— Rapazes? Meu Deus, o que fizeram agora?
— Nós não, papai! Eles!
A voz era de Tom, mas o mais velho de seus sobrinhos passou por seu
pai e mergulhou na confusão do corredor, seguido de perto pelo irmão.
Ambos estavam com o rosto vermelho e ofegantes. Ben procurou o olhar de
Ottilia.
— Viemos buscar Tittilia!
— Nós corremos o caminho todo! — ofegou Tom.
— Da Casa Dower?
— Não, tia. Da igreja… na vila.
— Ele a pegou! O sujeito que ela gosta! — Ben conseguiu dizer.
O silêncio varreu o local quando a implicação das palavras atingiu a
todos.
Ottilia perguntou: — Está falando de Tamasine?
— Sim, da louca. Ele a pegou!
— Simeon Roy?
Patrick veio por trás e agarrou o filho mais velho pelo ombro. — Ben,
explique melhor. O que o sujeito está fazendo com Tamasine?
O menino respirou fundo. — Ouvimos o homem dizer que tem uma
licença. Eles vão se casar.
Capítulo 15
 
 
 
 
 
 
 
Quando Francis chegou à igreja da vila, a cerimônia já estava
acontecendo. Colocando um dedo nos lábios, entrou silenciosamente no
interior escuro com Patrick logo atrás. A Srta. Ingleby queria que os lacaios
fossem, mas ele não concordou com o plano.
— Não percamos tempo discutindo. Hemp e Cuffy são companheiros
dignos o suficiente, mas dificilmente negará que minha presença em cena
terá mais impacto com o clérigo.
— Então eles irão com o senhor.
— Quanto menos gente melhor e menos agitação no local também.
— Deixe Lorde Francis ir, Srta. Ingleby — disse a Sra. Delabole. — O
clérigo não dará atenção aos lacaios.
A moça permaneceu insatisfeita. — Mas nenhum deles sabe como
controlar Tamasine. Se ela fizer uma de suas birras…
Ponto em que Patrick interveio. — Sou médico, senhora. Farei o que for
necessário.
Sem desperdiçar mais palavras, Francis deixou a casa seguido pelo
cunhado. Foram a pé e a toda velocidade em direção à igreja. Havia pouco a
ganhar indo até a Dower House para requisitar uma das carruagens e
ordenar que os cavalos fossem selados.
O vigário, um homem idoso muito conhecido de Francis desde a
infância, enunciava com sua voz emplumada as sequências iniciais da
cerimônia de casamento. Na penumbra do interior, Francis pôde distinguir
três figuras de pé no altar diante do vigário. As identidades dos dois homens
não podiam ser determinadas nas sombras que os envolviam, mas a capa
vermelha da mulher brilhava com um raio de luz vindo de uma das janelas
estreitas.
Uma imagem vívida de Tamasine do dia em que irrompeu pela primeira
vez em suas vidas, com um vestido de lantejoulas coberto por um manto
vermelho esvoaçante, veio à mente de Francis.
— É ela — murmurou ele. — A ação ainda não está concluída, graças a
Deus.
Ele teria começado a avançar, mas Patrick o parou. — Espere pela
brecha do impedimento.
Em seu estado de ansiedade elevado, pareceu a Francis levar uma
eternidade até o vigário chegar ao ponto relevante.
— Se alguém puder mostrar uma causa justa, para que não possam
legalmente se unir, que fale agora ou então cale-se para sempre.
Respirando fundo, Francis caminhou em direção ao altar, levantando a
voz. — O casamento não pode ir adiante.
Os dois homens sobressaltaram-se. Ao aproximar-se, Francis viu que o
segundo era o mordomo de Willow Court. Então de fato ele conspirava com
o jovem. Tillie estava certa. Não havia dúvidas sobre a identidade de Roy,
embora Francis não o tivesse conhecido antes.
O homem atirou-se em direção aos intrusos, lançando um dedo
acusador. — Quem diabos é o senhor para interferir? O que quer dizer com
isso?
— Eu sou Lorde Francis Fanshawe e meu propósito é acabar com essa
farsa antes que ela vá mais longe.
Ele lançou um olhar à Tamasine enquanto falava, que virou-se para
assistir. Ela estava sorrindo de felicidade e soltou uma risada aguda.
— Simeon vai se casar comigo.
Francis sabia que não deveria discutir com a moça. Ele se concentrou
em Roy, mas foi impedido por Lomax:
— Isso é intolerável! Mesmo aqui se atreve a meter o nariz no que não
lhe diz respeito?
Roy virou-se para ele. — Conhece esse homem?
— É o marido de Lady Francis e um grande intrometido.
Francis explodiu. — Sua insolência só é igualada por sua ousadia,
Lomax. É melhor considerar sua posição nisso, já que escolheu ajudar e
apoiar Roy em seus erros.
— Erros? — Simeon Roy enfiou a mão no bolso e em seguida balançou
uma folha de papel no ar. — Tenho a licença necessária. Se o Sr. Dewberry
está satisfeito, o que tem a dizer sobre o assunto?
— Tenho a dizer que o senhor não tem a permissão dos guardiões da
garota.
Roy soltou uma risada desdenhosa. — Tamasine é maior de idade. É
livre para escolher com quem quer se casar. E acontece que me escolheu.
— Exceto que já está prometida ao meu sobrinho — rebateu Francis
com prazer.
Ele não tinha a intenção de trazer Giles para a situação, mas se fosse
necessário para fazer o que sua esposa ordenara, então faria isso. Antes que
oferecesse seus serviços - ou melhor, os impusesse ao grupo reunido -
lembrou-se com tristeza de Tillie agarrando-lhe o braço e sussurrando uma
mensagem frenética em seu ouvido:
— Fan, faça algo, por favor. Tem que parar essa farsa! Não posso
imaginar o que será da vida de Tamasine se esse sujeito conseguir fazer dela
sua esposa.
O anúncio teve um efeito imediato sobre o reverendo Sr. Dewberry, que
estava olhando perplexo para a cena. Ele imediatamente entrou na briga. —
Meu senhor, afirma que há um compromisso anterior?
— De fato, Sr. Dewberry, embora não tenha sido anunciado
publicamente, mas tenho certeza de que o Sr. Roy sabia disso.
Simeon Roy imediatamente começou a protestar. — Nada disso, senhor.
Esse noivado foi dissolvido outro dia pela própria avó de Lorde Bennifield.
— Lady Polbrook? Tem certeza, senhor?
O tal Roy continuou a discutir seu caso com o vigário e Francis
encontrou seu cunhado ao seu lado. — Lomax evaporou. — Francis olhou
ao redor da igreja e não havia sinal do mordomo. Suas palavras haviam
dado frutos? Poderia muito bem acreditar que o sujeito jamais colocaria em
risco seus próprios interesses em apoio a Roy. — Afaste o garoto, Fan, vou
deixar o vigário a par dos fatos.
Francis agradeceu a Patrick em voz baixa e foi para o lado da garota.
Era melhor não pedir que fosse embora. Era mais provável que o
subterfúgio funcionasse e, sem dúvida, distraísse Roy de sua discussão com
o vigário.
— Tamasine, não deseja se casar com Giles?
Os olhos dela estavam febris por causa da empolgação e uma risada lhe
escapou. — Claro, tolinho, mas primeiro vou me casar com Simeon.
Francis pensou rápido. Lembrando-se de como sua esposa era capaz de
lidar com a garota, manteve o tom suave. — Ah, mas infelizmente não pode
se casar com os dois. A lei não permite, sabe? Será preciso escolher.
A voz dele deve ter ressoado porque Roy virou-se bruscamente de seu
diálogo com o vigário. Deixando o sujeito sem cerimônia, atacou:
— O que está dizendo a ela? Tam, minha pet, não lhe dê ouvidos.
Francis o ignorou, concentrando-se na garota. Esperando devotamente
que quaisquer falsidades na casa de Deus fossem perdoadas, já que seu
propósito era bom, encheu sua voz de pesar:
— Giles ficará tão infeliz.
— Fique quieto! Chega de suas mentiras, senhor! — disse Simeon Roy
em uma voz baixa e selvagem a Francis. Então virou-se para a garota e
perguntou em um tom de lisonja: — Tam, a senhorita me ama mais, não
ama? É minha bonequinha de porcelana.
Tamasine soltou um grito de prazer. — Sim, eu sou, eu sou!
— Giles está esperando pela senhorita — disse Francis, com dificuldade
para reprimir um surto de raiva. Como o menino ousava perturbar a mente
da jovem daquela maneira sem escrúpulos?
— Giles, Giles, Giles — cantou Tamasine, batendo palmas. — Ele quer
me beijar.
— Claro que quer. Venha comigo e a levarei até ele.
Roy jogou um braço em volta do ombro de Tamasine, segurando-a
firmemente ao seu lado. Seu tom tornou-se frágil. — Vai ficar aqui comigo.
É minha queridinha, minha pet. Não é, minha linda?
Tamasine sorriu para ele. — Sim, e Lavinia não nos deixa casar porque
quer o senhor só para ela.
— Exatamente, meu amor. E, portanto, fizemos nossos planos em
segredo e vamos nos casar neste momento.
— Ah, não irão não — Francis murmurou em uma voz alta o suficiente
apenas para Roy ouvir. — Temo que o reverendo não será mais persuadido
a realizar a cerimônia.
O olhar confuso de Simeon Roy era quase ridículo. Soltando a garota,
virou-se rapidamente, sibilando ao ver que Patrick havia puxado o vigário
para a entrada da sacristia. O rapaz virou-se para Francis, com seu belo
rosto contorcido junto de um rosnado:
— Malditos sejam! Não pensem que estou derrotado. Tenho outras
saídas.
O triunfo surgiu em Francis. — Acho que não para o senhor. Aceite que
perdeu essa batalha. — Diante disso, o rapaz ergueu os punhos cerrados,
com a ameaça implícita em seus olhos.
Francis adotou o tom suave de comando que lhe servira tão bem em
seus dias de soldado. — Nem pense nisso. Seu capanga foi embora e somos
só nós dois. Vai levar a pior, meu amigo.
Por um momento, a questão ficou suspensa no ar e Francis se preparou
para resistir a um ataque. Então Simeon Roy soltou a respiração e deu-se
por vencido. Seu tom tornou-se suave como uma brisa, a voz com um
sotaque que Francis supôs ser habitual, juntamente com uma pose
deliberada de indiferença.
— Bem, não tenho ânimo para um nariz sangrando. Retiro-me de uma
vez, derrotado. — Ele ofereceu o braço para Tamasine, que estava
assistindo a troca de palavras sem alterar sua expressão alegre e
evidentemente gostando muito do contratempo. — Venha, minha pet.
Parece que estamos condenados a guardar nossas núpcias para outro dia.
Os tons trêmulos do reverendo vieram de trás dele. — Senhor, devo
implorar-lhe que não repita este esforço em outro lugar.
Roy virou-se. — Não consigo ver como isso o preocupa, senhor.
— Isso me preocupa, senhor — disse Dewberry em um tom grave —,
porque tentou perpetrar uma fraude sobre a santidade abençoada do
matrimônio.
— Como já lhe disse, não é verdade. O noivado de Lorde Bennifield
não se sustenta.
— Isso, senhor, é irrelevante. Mesmo que isso pesasse para mim, eu
certamente não realizaria a cerimônia sem primeiro consultar Lady
Polbrook. Além disso, devo acrescentar que entendo que a Sra. Delabole
seja a tutora desta senhorita desde o falecimento de… bem, desde a morte
de seu ex-guardião.
O lábio curvado que caracterizava o sorriso de Roy apareceu. — Oh,
Ruth não colocará nenhuma barreira no meu caminho, disso eu tenho
certeza.
— Isso, senhor, precisa ser avaliado. — O vigário baixou a voz,
claramente tentando escapar do olhar arregalado de Tamasine, que ia dele
para Simeon como se acompanhasse a conversa, o que Francis estava
convencido de que não poderia ser o caso. — Está na casa de Deus, Sr. Roy.
Atreve-se seriamente a esperar que eu o case com uma dama que
claramente tem pouco ou nenhum entendimento dos votos que deveria
fazer?
Simeon Roy lançou um olhar fulminante ao semblante impassível de
Patrick.
— Então esse é o seu jogo, Dr. Hathaway? Um golpe baixo, senhor,
muito baixo. — Virando as costas para o vigário, sorriu para a garota. —
Venha, minha pet. Devemos ir para casa e perturbar Lavinia. Ela ficará
muito zangada conosco e isso nos proporcionará muita diversão.
A risada estridente de Tamasine atingiu dolorosamente os ouvidos de
Francis e ele ficou para trás para esperar por Patrick, que estava se
despedindo do reverendo. Francis acrescentou seus agradecimentos ao
homem, com um pedido de desculpas por colocá-lo em tal situação.
— De fato o senhor quem ganhou minha gratidão. Sou grato por ter sido
poupado da desonra de ser a causa da futura infelicidade daquela pobre
criatura se aquele cavalheiro no caso está realmente preocupado apenas
com a fortuna dela como o médico aqui me informou. Eu tinha ouvido
rumores, é claro, mas é triste saber que são verdadeiros.
Francis respondeu adequadamente e acrescentou — Temos que nos
apressar, Patrick. Roy pode tentar outro golpe se não estivermos em seu
encalço.
— Garanto que é trapaceiro o suficiente.
— Sim, mas não posso deixar de admirar a despreocupação dele —
admitiu Francis. — Ele parece ter ousadia suficiente para qualquer objetivo.

Com a paciência que conseguiu reunir, Ottilia empenhou-se em tentar


acalmar as múltiplas angústias da Sra. Delabole. A mulher estava
claramente fora de si, dizendo repetidas vezes que não poderia cuidar
“daquela criatura” e expressando o desejo desesperado de que Ottilia não
tivesse enviado seu marido e irmão para interferir.
— Não pode desejar que sua sobrinha seja colocada sob os cuidados de
um homem que está claramente inclinado a usá-la para seus próprios fins.
A Sra. Delabole bateu as mãos. — Mas a senhora não sabe disso. Talvez
o rapaz goste genuinamente da garota.
— Ele pode muito bem gostar, embora eu esteja inclinada a duvidar, já
que ele está perfeitamente ciente das ramificações da condição dela.
— Sim, mas o que farei se ela continuar solteira? Não quero ficar
sobrecarregada, Lady Francis, embora, é claro, sinta pena da moça. Não
quero ser indelicada, mas…
— Tenho certeza de que não, senhora, e ninguém poderia acusá-la disso.
Deve ser realmente difícil ser empurrada para esta situação.
— Sim, é — insistiu a matrona, quase chorando. — Tenho minha
própria família numerosa, como deve saber, e já é muito difícil cuidar dos
meus próprios filhos. Realmente, meu irmão deveria ter feito uma provisão
melhor. Não consigo pensar no que ele estava fazendo, providenciando para
que ela fosse enviada para cá. Ele deveria tê-la mantido nas Índias
Ocidentais, onde poderia ser vigiada com segurança, em vez de soltá-la
contra um público desavisado.
— Temo que seja tarde demais para isso, senhora.
— Verdade. — A Sra. Delabole suspirou, suas feições enrugadas. — A
garota é muito perturbada. Meu irmão não fez disso um segredo para mim.
Na verdade, acredito que encontrou alívio escrevendo sobre isso sem
restrições. Ele sabia que eu não faria julgamentos indevidos.
Ottilia aguçou os ouvidos. — Estou interessada em saber o que ele lhe
disse, se não se opuser a falar sobre isso.
— Como devo proceder neste momento? Pois tenho certeza de que não
há como esconder isso da senhora.
— Não, pois já vi Tamasine em plena crise, mas vá em frente, Sra.
Delabole.
— Matt viu os sinais quando ela era criança. Tamasine tinha, segundo
ele, o mesmo jeito distraído que notou pela primeira vez em sua esposa. Sua
atenção não conseguia permanecer focada por mais de um minuto.
— Isso é verdade. Já me perguntei como conseguiram ensinar alguma
coisa a ela.
A Sra. Delabole ergueu a mão. — Céus, não conseguiram! Ela tinha
aulas, mas era capaz de abandoná-las em um instante. Os professores eram
instruídos a criar jogos para incitar qualquer coisa em sua mente rebelde.
Tamasine estava sempre pregando peças, desaparecendo nas canas de
açúcar e causando a todos o máximo de problemas. Um fardo terrível sobre
meu pobre irmão! E ela tinha astúcia, dizia ele. — Havia compaixão em
suas feições, mas não eram em relação a Tamasine. — Acredito que o que
mais chateava o pobre Matt, era o traço de crueldade que percorria a
criança. Ela deleitava-se em infligir dor. Não podiam permitir que tivesse
animais de estimação, pois estariam em risco nas mãos dela.
O coração de Ottilia congelou com o pensamento. — Meu irmão diz
que isso é um sintoma da incapacidade de sentir empatia por outro ser.
— Exatamente. Matt estava convencido de que assim como sua esposa,
Tamasine vive em um mundo próprio. Todo o resto não tem importância.
Ottilia não poderia deixar isso passar. — Acredito que nem tudo. Ela
realmente se importa com Hemp, disso eu tenho certeza.
— Hemp? O escravo negro?
O toque de repulsa em sua voz deixou Ottilia amarga. — Posso lhe
afirmar que Hemp é um homem livre, senhora. De qualquer forma, é a
única pessoa capaz de controlar sua sobrinha.
A Sra. Delabole estremeceu. — Minha sobrinha! Como no mundo eu
poderia tomar conta dela? Nunca teria um momento de paz. Por mim, o
casamento com o Sr. Roy é muito bem-vindo!
Revoltada com a atitude totalmente antipática da mulher, Ottilia
abandonou todos os esforços diplomáticos. — Detesto ter que lhe dizer isso,
senhora, mas temo que o jovem Roy não tenha nenhum interesse em
Tamasine além de ter acesso à fortuna dela, que acredito ser considerável.
Assim que conseguisse, temo que encontraria meios de se livrar da esposa.
A matrona encarou-a, evidentemente incapaz de entender o recado.
— Não estou conseguindo entender o que está querendo me dizer, Lady
Francis. Como o rapaz se livraria dela a não ser pelo divórcio?
— Por um meio mais seguro do que esse, eu acho.
— Mais seguro? O que diabos está insinuando?
Os olhos da mulher apresentavam um desânimo crescente. Antes que
Ottilia pudesse dizer mais alguma coisa, o som da porta da frente batendo
penetrou na sala. Murmurando um palavrão, a Sra. Delabole se levantou em
um salto e saiu correndo, com toda a expectativa de encontrar o grupo
voltando da igreja da vila.
Ela encontrou apenas o mordomo Lomax e observou-o, tentando
acalmar os nervos e perguntou o mais normalmente que pôde:
— Então está de volta, Lomax. Pode ser que não tenha participado
desse casamento secreto, afinal? — O olhar furioso do sujeito lhe dizia o
contrário, mas ele não se pronunciou.
Passos puderam ser ouvidos acima das escadas e Ottilia apressou-se
para aproveitar o momento. — Mas foi o senhor quem manteve Simeon
Roy informado sobre os eventos aqui em Willow Court, não foi?
Atrás dela, a Sra. Delabole soltou um suspiro. — Misericórdia, Lady
Francis, o que diabos quer dizer com isso?
Ela não esperava que a mulher a seguisse para fora do salão e poderia
ter agido sem sua intervenção. Embora talvez fosse bom que soubesse do
que Ottilia suspeitava. Ela optou pelo esclarecimento:
— Quero dizer, senhora, que o Sr. Roy está notavelmente bem
informado sobre os assuntos daqui para um homem que não esteve próximo
da família por um bom tempo.
Lomax soltou um riso de desdém quase digno do próprio Roy. — Não
duvido que vai acreditar no que bem entender.
— Isso salta aos olhos, Lomax. Há quanto tempo se corresponde com
Simeon? Desde que o rapaz deixou Barbados? Ou só o procurou quando
chegou à Inglaterra? Ou não, mais provavelmente quando sabia que viria?
Foi o seguro, Lomax? O senhor tinha um futuro para pensar, não tinha?
Ela observou o efeito de suas palavras no movimento dos músculos do
rosto dele com o aperto de sua mandíbula, ciente do espanto da Sra.
Delabole. Ouviu-se passos nas escadas e Ottilia ergueu os olhos para ver a
Srta. Ingleby, que se deteve, com os olhos acusadores fixos no mordomo.
— Onde eles estão?
Lomax afastou os olhos de Ottilia e os estreitou quando olhou para a
dama de companhia. — Por que está me perguntando isso? Não sou o
guardião da garota.
— Mas eu sou, Sr. Lomax. — A voz grave veio do fundo do salão.
Ottilia virou-se para a Sra. Delabole enquanto Hemp entrava para enfrentar
o mordomo. — É verdade o que essa senhora está dizendo, senhor? Que fez
um plano com o Sr. Simeon, trazendo-o aqui para que ele pudesse fugir com
a Srta. Tam… de novo?
— O quê? — Os olhos da Sra. Delabole estavam arregalados. — Céus,
ele já fez isso antes?
— Já, madame — respondeu Hemp. — Sr. Roy não lhe escreveu sobre
isso?
Os olhos da mulher saltaram. — A tentativa de fuga! Eu tinha me
esquecido completamente disso.
Hemp voltou-se para Lomax. — Não me respondeu.
Seu tom era respeitoso, mas Ottilia detectou a cólera por trás dele, que
também não passou despercebida por Lomax. Seu queixo se ergueu e ele
adotou uma atitude altiva:
— Não pense que pode me acusar, garoto. Ainda sou seu superior.
— Não, não é.
A campainha da porta soou pela casa e a Sra. Delabole se encolheu.
Lomax foi atender, sem dúvida aliviado por ter sido poupado de ter que
lidar com a hostilidade intimidadora do lacaio. O pensamento desapareceu
da mente de Ottilia quando Tamasine saltitou para dentro da casa,
evidentemente em alta performance. Seu batimento cardíaco se acelerou.
Francis teria chegado tarde demais?
A menina rodopiou até sua dama de companhia. — Não conseguiu nos
pegar, Lavinia. Fomos mais espertos.
A Srta. Ingleby parecia horrorizada, seu olhar procurando o rosto de
Simeon Roy. O rapaz havia entrado atrás de Tamasine e seus modos eram
tão corteses e arrastados como sempre.
— Não fique tão chocada, minha querida Lavinia. Certamente sabe que
a pequena Tam não deseja mais nada na vida a não ser se casar comigo.
— Não!
Lavinia soltou um grito abafado e recuou com suas feições deformadas.
Ottilia sentiu os dedos da Sra. Delabole agarrarem seu braço e virou-se para
encontrar as bochechas da mulher sem cor. Ela tinha ligado os pontos?
Percebia agora do que Simeon Roy poderia ser capaz?
Então Tamasine explodiu em sua risada estridente, pulando para cima e
para baixo. — Nós a enganamos, nós a enganamos, nós a enganamos!
Lavinia não conseguiu nos pegar.
— Srta. Tam!
A voz grave reivindicou sua atenção instantaneamente. Ela virou-se
para Hemp, gritou e se jogou sobre ele, chamando seu nome várias vezes
com seu jeito cantante. Observando Hemp recebê-la em seus braços, Ottilia
pensou que essa era a única afeição genuína que a garota exibia.
Hemp se soltou e, falando baixo no ouvido dela, conduziu-a escada
acima.
Tardiamente, ocorreu a Ottilia que a Sra. Whiting não tinha aparecido.
Estaria ocupada no andar de baixo, ou apenas evitando os contratempos?
Uma olhada rápida ao redor mostrou que Lomax havia aproveitado a
chance para escapar.
A Sra. Delabole ainda segurava-lhe o braço e Ottilia virou-se,
imaginando o que poderia dizer para consolá-la. Mais um toque na
campainha da frente trouxe Cuffy à cena. Ottilia nem tinha percebido que o
lacaio mais velho estava presente. Ele abriu a porta para Francis e Ottilia
avançou. Ela não teve a chance de dizer nada, pois a Srta. Ingleby a
impediu, lançando um dedo acusador na direção dele.
— Como pôde deixar isso acontecer? De nada serviu sua interferência
injustificada! Seria bom que parasse com isso!
O tom calmo de seu marido trouxe um bálsamo instantâneo. — Suas
censuras são equivocadas, Srta. Ingleby. O casamento não aconteceu.
A mulher o encarou com uma intensidade dolorosa no olhar.
— O senhor chegou a tempo?
— Bem a tempo.
— Ah, graças aos céus!
Ela colocou a mão no peito e tombou um pouco para trás, estendendo a
mão para agarrar o corrimão do pé da escada. Simeon Roy aproximou-se,
empurrando Ottilia e a Sra. Delabole sem cerimônia, com veneno na língua
e nos olhos.
— Alívio, Lavinia? Prometo que isso vai durar pouco. Este é apenas um
pequeno revés. Não esperei tanto tempo para ser derrotado agora. Faça o
seu pior. Tranque Tamasine, dê drogas a ela até que fique dopada. Não vai
me parar. Pretendo me casar com a moça e me casarei, custe o que custar.
Com isso, virou-se bruscamente e lançou um olhar debochado para a
plateia de visitantes, passando pela Sra. Delabole também. Sua voz
zombou:
— Estão todos iludidos. Ruth acima de todos, mas é menos censurável
do que esses intrometidos. — Olhou os visitantes com desdém. —
Enxergam apenas o que querem. Há mais aqui do que aparenta.
Ele dirigiu-se à porta da frente, mas Ottilia moveu-se para interceptá-lo.
— Certamente, Sr. Roy. Muito mais. Deixe-me ver se avaliei
corretamente.
Seu lábio curvou-se. — Não tenho interesse em suas reflexões, Lady
Francis.
Em um movimento, Francis estava diante dele. — Vai manter uma
língua civilizada quando falar com minha esposa, Roy, ou vai responder a
mim.
Simeon afastou-se, abrindo os braços. — Mas sou perfeitamente cortês,
senhor. O que eu disse para lhe incomodar?
— Não gostei do seu tom.
Roy ergueu as mãos e seu sorriso tornou-se falso, sua voz zombando
com obsequiosidade. — Meu caro senhor, interpretou-me erroneamente. —
Ele curvou-se para Ottilia. — Não quis ofender sua esposa. Estou apenas
desejoso de me retirar imediatamente desta reunião intolerável.
— Não tão rápido, meu rapaz.
Ottilia ouviu a voz do irmão com surpresa. Não o tinha visto entrar na
casa.
— Ah, o bom doutor — disse Roy, balançando a mão na direção dele,
aparentemente não afetado pela interrupção de Patrick. — A quem devo as
murmurações traiçoeiras ao reverendo. Sua solicitude é notável, senhor, em
assuntos que não lhe dizem respeito. Ouvi dizer que foi o responsável por
descobrir a causa da morte prematura do meu pobre primo. Embora
qualquer um que o conhecesse poderia ter lhe contado sobre seu hábito
desde o início.
— Se quer dizer que ajudei em uma autópsia após uma morte prematura
e inesperada, está correto, senhor. — Patrick colocou-se ao lado de Francis.
— Mas neste momento, gostaria de adverti-lo, Sr. Roy.
— Advertir? De quê?
— Suas ações esta manhã poderiam facilmente colocar o senhor e o
mordomo sob a acusação de sequestro. Aconselho-o a pensar com cuidado
antes de tentar outra aventura como essa.
— Dificilmente acho que tal acusação se manteria. Afinal, Tamasine é
minha prima.
— Mas um tribunal não a consideraria apta a consentir com o plano que
propõe. Como médico, estou qualificado para testemunhar sobre o estado
mental dela.
A luta de Roy para manter sua pose de indiferença era visível. Até que a
Srta. Ingleby interveio:
— Pronto, Simeon. Isso é tudo que conseguiu, seu patife!
Ele virou-se, com a raiva torcendo suas feições. — Megera!
— Oh, de novo não! — disse a Sra. Delabole suplicante. Ela foi
ignorada, apressando-se para sair do caminho enquanto Simeon
aproximava-se de Lavinia.
— Sempre se metendo no meu caminho. Virou Joslin contra mim, assim
como Matt. Como não poderia me ter, certificou-se de que Tamasine
também não teria.
— Pode ter certeza de que não — ela rosnou de volta. — Que tipo de
vida a garota teria com um bruto egoísta como o senhor?
— Melhor do que ela tem aqui. Posso oferecer a Tamasine brincadeiras
e liberdade, uma chance de aproveitar a vida para variar.
Ottilia saltou, dando alguns passos em direção ao homem. — Por
quanto tempo, Sr. Roy? — Ele virou-se para confrontá-la, suas sobrancelhas
se unindo. Consciente de Francis rigidamente protetor às suas costas, Ottilia
não hesitou: — Por quanto tempo poderia manter uma esposa que não se
pode apresentar a um conhecido? Como, de fato, poderia desfrutar das
riquezas que ela lhe trouxe quando não se pode exibi-la ao mundo? Ou
pretendia mantê-la confinada como seu primo Matthew fez com Florine
com um par de criados a vigiando?
Um suspiro escapou da Sra. Delabole. Ela tinha finalmente entendido?
A Srta. Ingleby interferiu, com desprezo em seu tom. — Ah! Responda
isso se puder, demônio!
A mulher estava finalmente do lado de Ottilia, mas podia se virar sem a
assistência dela. Manteve os olhos em Simeon Roy, determinada a avançar.
— Pensou que Hemp poderia ser persuadido a se juntar à sua causa? Ele é o
único aqui realmente capaz de controlar Tamasine.
— Bobagem! — O escárnio estava de volta no rosto do homem. — Ele
não é mais do que qualquer outro escravo para ela.
— Só pode ser cego ou estúpido, Sr. Roy, se é nisso em que acredita,
mas não acho que seja verdade. Sabe muito bem o valor que Hemp tem na
vida de Tamasine, mas seria muito esperar que ele viesse em seu auxílio
depois que o senhor e Lomax roubassem a herança dele.

O choque deixou Francis sem fala e imediatamente viu sua estupefação


ecoar nos rostos da Sra. Delabole, Srta. Ingleby e Patrick. Por outro lado,
Roy parecia impassível. Ele levantou as sobrancelhas.
— Perdoe-me, Lady Francis, mas não tenho a mais remota hipótese
quanto ao significado disso. Herança? Hemp? Um servo negro?
Como Francis poderia ter esperado, Tillie não ficou nem um pouco
desconcertada.
— Oh, vamos, Sr. Roy, o homem é muito mais do que isso e sabe disso.
Da galeria acima, o próprio Hemp falou. — Não diga mais nada,
milady.
A Srta. Ingleby virou-se bruscamente e começou a subir as escadas.
— Onde a menina está? Deixou-a sozinha? Está trancada?
— Está com a Sra. Whiting, madame.
— Ela está calma? Precisa do remédio?
— Tamasine está feliz. Está quieta.
Simeon Roy deu outra de suas risadas de escárnio. — Claro que está.
Mesmo que tenhamos falhado em nosso objetivo, Tam sempre fica
encantada em enganar sua tutora.
— Porque a encoraja — retrucou a Srta. Ingleby, virando-se para descer
as escadas novamente.
— Naturalmente a encorajo. Nada me encanta mais do que incitá-la,
Lavinia.
A dama de companhia levantou a mão para golpeá-lo, mas o rapaz
agarrou seu pulso. — Ah, faria isso, megera?
Para o espanto de Francis, a mulher não lutou para se soltar, mas
aproximou-se, cuspindo suas palavras no rosto dele:
— Eu usaria minhas unhas para tirar esse seu olhar presunçoso do rosto!
Era arrogante desde menino e não mudou nada. Só Deus sabe o que eu
enxerguei no senhor!
O homem agarrou o outro pulso dela, segurando-a contra ele, o olhar
cínico em seu rosto combinando com sua voz. — O que quer que tenha
visto, Lavinia, preferiu isso a sua própria virtude. E não mudou nada.
Com um grito de raiva, a Srta. Ingleby esforçou-se para se libertar.
Simeon a soltou com uma risada zombeteira. Ela recuou.
— Diabo! Ingrato! Eu o odeio! Odeio mais que tudo!
Virando-se, a mulher voou em direção à porta do escritório. Roy
mergulhou atrás dela.
— Sua bruxa mentirosa!
Ela desapareceu no cômodo com o homem em seu encalço. A porta
bateu atrás de ambos e as vozes elevadas tornaram-se indecifráveis e então
silenciaram quando a briga foi levada para outra parte da mansão.
Capítulo 16
 
 
 
 
 
 
 
— Por Deus, que par! — Francis virou-se e percebeu a reação de
Tillie.
Ela estava olhando para a Sra. Delabole, cuja expressão dava todas as
indicações de horror, enquanto Patrick estava sorrindo abertamente. Não
dava para saber quais eram os pensamentos de sua esposa, mas era evidente
que ainda estavam sobrecarregados com a tia. Lembrou-se da presença do
lacaio e olhou para as escadas.
— Isso é uma amostra do que acontecia em Barbados, Hemp?
O lacaio observava da porta, mas ao ouvir isso, virou a cabeça e foi para
o corredor. — Não cabe a mim falar disso, milorde.
A Sra. Delabole soltou a respiração e ergueu as mãos. — Bem, mas eu
gostaria que alguém me falasse! Nunca vi tal exibição. Nunca! Meu pobre
irmão deve estar se revirando no túmulo.
Tillie pegou a mão da mulher e a esfregou. — Sinto muito, Sra.
Delabole. Deve ser realmente desconfortável ser empurrada para este
turbilhão.
Os olhos da pobre senhora transbordaram. — Gostaria de estar em casa
novamente. Não aguento todo esse alvoroço.
— Vai passar, senhora. — Tillie a acalmou. — Por que não vai para a
sala, Sra. Delabole? Tenho certeza de que uma xícara de café lhe cairá bem.
Estou certa de que Hemp poderá lhe providenciar isso.
Francis observou com certa insatisfação enquanto sua esposa conduzia a
mulher aflita até a sala e desaparecia de vista, deixando a porta aberta. Ele
voltou-se para Hemp. — Antes de ir, por favor, diga-me isso. Pelo menos
diga-me que não deseja que um homem como esse Simeon Roy seja
responsável pela Srta. Tamasine.
— Não desejo isso, senhor. Desconfio dele e não acredito que realmente
se importe com a Srta. Tam.
Ele fez uma breve reverência e em direção aos aposentos dos criados,
mas Tillie, correndo para fora da sala, o alcançou.
— Um momento, Hemp. Acha que posso ter uma palavrinha com a
Srta. Tamasine? Ela está trancada?
Uma carranca vincou as feições do homem. — A Sra. Whiting está lá.
O que não era uma resposta. A impaciência consumia Francis, mas
quando viu o sorriso especial de Tillie aparecer, calou-se.
— Pode me acompanhar? Não há nada que Tamasine possa me dizer
que eu não gostaria que ouvisse. — O sujeito hesitou. Francis não ficou
surpreso ao encontrar a esposa usando suas artimanhas. — De qualquer
forma, gostaria de alguns momentos do seu tempo, Hemp. Há algo com o
qual eu acho que pode me ajudar. — Seu sorriso caloroso apareceu. —
Poderia me encontrar na porta de Tamasine depois de providenciar o café?
Talvez Cuffy o traga. É o tempo de eu chegar lá em cima.
A dispensa foi clara e o lacaio pareceu aquiescer. Uma leve reverência e
ele saiu pela porta do final do corredor.
— Tillie, o que diabos está fazendo? Por que deveria falar com
Tamasine? Não vai conseguir nada sensato da garota. E já que estamos
falando sobre isso, o que quis dizer sobre Hemp e uma herança? Por que ele
a impediu de dizer mais alguma coisa?
Ela levantou as sobrancelhas. — Meu Deus, Fan, qual pergunta gostaria
que eu respondesse primeiro?
Antes que ele pudesse responder, seu cunhado interveio, aproximando-
se para pegar o braço da irmã. — Espere aí! O que quero saber é o que acha
daqueles dois. — Ele apontou com a cabeça na direção da porta do
escritório. — Suspeito que há algo a ser notado naquele pequeno conflito.
Com a atenção desviada, Francis o encarou. — O que quer dizer?
Patrick soltou o braço de Tillie. — Não é possível que estejamos
completamente errados? E se a Srta. Ingleby e o tal Roy estiverem em
conluio, e não ele e Lomax?
— Em conluio? Depois dessa exibição? Perdeu o juízo, Patrick.
— Pense nisso, Fan. Eles não poderiam ter representado aquele pequeno
teatro? Não poderíamos imaginar nada além de inimizade entre eles. Então
o rapaz se casa com a jovem, aparentemente a contragosto da Srta. Ingleby.
Como marido de Tamasine, tem acesso à fortuna dela. No devido tempo,
como sugere Ottilia, o rapaz se livra do estorvo.
— E se junta a Srta. Ingleby para que ambos possam viver do lucro —
Francis terminou com entusiasmo. — Engenhoso. Além disso, ainda não
ouvi um motivo melhor para alguém se livrar do guardião.
Por instinto, virou-se para ver como sua esposa encarava esse
raciocínio, mas Patrick se adiantou:
— Bem, minha irmã? Acha isso possível?
Tillie levantou as sobrancelhas. — Oh, é possível, meu irmão.
Francis conhecia aquele tom. — Mas estamos errados? Continue, Tillie,
por quê?
— Concedo que o comportamento dos dois é ridículo, Patrick, mas acho
que a faísca e o fogo são genuínos. Além disso, me surpreenderia se não
estivessem neste exato momento envolvidos em um abraço apaixonado.
Perplexo, Francis ergueu as mãos. — Mas está pintando o próprio
quadro para apoiar a teoria de Patrick.
— Ah, mas temo que não seja uma trama premeditada. — Ela tocou
uma mão em seu peito em um gesto típico. — Não notou a natureza volátil
daquela criatura? A atração urgente que a mulher sente pelo jovem Simeon
não é dissimulação.
— Mas não é o caso de Simeon — insistiu Patrick.
Tillie virou-se para o irmão. — O despojamento habitual do rapaz se
desintegra toda vez que entra em contato com a Srta. Ingleby. Não notou?
— Não creio nisso — declarou Francis. — A mulher estava claramente
louca por Sir Joslin.
— Sir Joslin representava segurança, um futuro. Ah, ouso dizer que ela
gostava dele, mas não pode ter ignorado as preferências do homem.
Patrick fez uma ressalva. — Isso não a impede de amar o sujeito.
— Entre esse tipo de afeição e a intensidade da paixão que acabamos de
testemunhar, há um abismo. Relacionamentos bem-sucedidos dependem de
uma ponte entre os dois.
Francis se calou. Tillie acabara de descrever o fenômeno exato que
explicava a união deles. Ainda não havia lhe ocorrido o quão raro era. Ele
sabia que seu cunhado não desfrutava de uma felicidade semelhante. Nem
com uma varredura rápida em seus parentes, poderia apontar para outra
desse tipo dentro de sua própria família.
— Ela está certa — Francis disse a Patrick e sorriu para a esposa. —
Como sempre.
O sorriso caloroso dela apareceu. — Mas devo dar o crédito a Patrick
por sua engenhosidade.
— Eu agradeço, mas me curvo ao seu intelecto superior.
O tom irônico só fez Tillie rir. — Ora, Patrick! Sendo que aprendi tudo
com o senhor? Sim, posso vê-lo me lembrando disso.
Sua risada ecoou pelo salão e Francis alertou-a. — Fique quieta,
criatura! Ou vai nos fazer ser expulsos.
— Sim, se a Srta. Ingleby não estiver ocupada com outra coisa — disse
Patrick, mas suprimiu sua risada.
— Bem, a Sra. Delabole sem dúvida irá ouvi-la. Devo dizer que
lamento por aquela mulher. Ela tem uma tarefa impossível.
— De fato tem, Fan, e por isso ficarei grata se os dois lhe fizessem
companhia na sala. Façam o que puderem para amenizar os medos dela, que
posso dizer que são muitos e decididamente perturbadores.
Francis gemeu. — Devo lhe agradecer, pois isso é tudo o que eu queria
para garantir meu prazer neste dia maravilhoso.
Ottilia piscou. — Bem, deixe Patrick fazer o trabalho então.
— Ah, concordo — disse Francis sorrindo para seu cunhado indignado.
— Afinal, o fato de ser médico, Patrick, pode ser útil.
— Mais gracinhas e deixarei que faça o trabalho todo.
Ottilia os deixou gracejando e dirigiu-se às escadas. Ficou aliviada ao
encontrar Hemp esperando por ela na porta de Tamasine, conforme
combinado. Manteve a voz baixa:
— Ela está sozinha?
Ele assentiu. — A Sra. Whiting já foi.
— Providenciou isso?
Seu olhar permaneceu firme. — É o que deseja, milady, não é?
— Exatamente. Admiro sua visão. — Ele não respondeu, mas virou-se
para destrancar a porta.
Ottilia pôs a mão em seu braço para detê-lo. — Um momento, Hemp,
por favor?
Hemp parou, indagativo e ela sorriu. — Quando terminarmos aqui, se
oporia a vir comigo por alguns minutos?
O olhar dele se estreitou. — Mais perguntas, milady?
— Há algumas questões em que pode me ajudar.
Ele não disse nada por um momento, fitando-a como se debatesse
consigo mesmo. Sem esperanças, Ottilia aguardou. Abruptamente, o
homem assentiu, baixou o olhar para a maçaneta da porta e girou-a,
gesticulando para que ela entrasse na frente.
Tamasine estava deitada no dossel, os pés balançando na ponta da cama,
contorcendo-se enquanto os observava e contando em voz alta. — Um,
dois, feijão com arroz. Seis, dez, comer pastéis. Quatorze, dezoito, comer
biscoito. — Ela virou a cabeça e o sorriso magnífico apareceu. — Esta sou
eu. Comendo biscoito.
— Naturalmente — disse Ottilia, indo em direção à cama.
Ela notou Hemp indo para um canto após trancar a porta. Ocorreu-lhe
que ele deveria ter muita prática em se esconder, já que a garota não se
preocupou em reconhecer sua presença. Tamasine sentou-se em um
estrondo, batendo palmas ao começar sua canção:
— Lady Fan, Lady Fan, Lady Fan.
— Tamasine, Tamasine, Tamasine — ecoou Ottilia, e ficou satisfeita ao
notar como a brincadeira fez a jovem explodir em risos.
Atreveu-se a sentar-se ao lado da menina. Tamasine agarrou sua mão e
apertou-a com tanta força que Ottilia estremeceu.
— Não tão apertado, minha querida, por favor.
Os olhos de Tamasine brilharam e a pressão aumentou. Ottilia mordeu o
lábio para não gritar.
— Srta. Tam!
Os dedos da garota se abriram abruptamente quando ela se sacudiu.
Liberada, Ottilia embalou a mão, incapaz de resistir a um silvo de dor.
Tamasine saltou e correu para o lacaio, erguendo os punhos, batendo em seu
peito e gritando. Ele não se manifestou ou fez qualquer tentativa de parar o
ataque. O que acabou em um instante. Tamasine cedeu, riu e jogou os
braços em volta do pescoço dele. Ficou na ponta dos pés e beijou sua
bochecha.
— Sabe, Hemp, eu te amo.
— Eu sei, Srta. Tam. Seja boazinha agora, hein?
Como uma criança, Tamasine embalou as bochechas dele. — Serei
boazinha. Não fique zangado.
— Nunca com a senhorita.
Observando, Ottilia experimentou um pequeno choque de tristeza. A
pungência da situação a tocou. Ali estava essa criatura, perdida em um
labirinto de irrealidade, incapaz de controlar todos os seus impulsos. No
entanto, havia um instinto de afeição genuína pelo lacaio. Lembrou-se de
Hemp afirmando que a garota poderia ser amorosa.
Seus pensamentos se desvaneceram quando a garota voltou correndo
para a cama. — Vamos jogar um jogo.
Ottilia aproveitou. — Sim, vamos. Vou lhe perguntar uma coisa e verá
se consegue me responder.
Os orbes azuis brilharam de entusiasmo. — Sim, e depois eu vou
perguntar.
Ela havia entendido a brincadeira? Melhor assim. Um jogo deveria
disfarçar o propósito de Ottilia. — Vou começar. — Ottilia fingiu pensar. —
Já sei! Qual é a cor do seu cabelo?
— Brilho do sol.
— Que resposta excelente.
Um grito de alegria escapou da garota. Ela bateu palmas. — Minha vez!
— Estou pronta.
— Lady Fan, Lady Fan, Lady Fan.
Ottilia congelou por um segundo. Melhor levar isso como uma
pergunta. — Sim, eu sou a Lady Fan.
Outro grito. — É sim! É sim!
Ottilia manteve as perguntas inofensivas por mais algumas rodadas,
notando o entusiasmo crescente de Tamasine a cada resposta, apropriada ou
não. Quando sentiu que a garota estava suficientemente envolvida para não
notar a mudança, ousou fazer a pergunta que tinha em mente o tempo todo:
— Se o acerto de contas ainda não terminou, o que falta ser feito?
A jovem ficou quieta. Um sentimento abafado penetrou no peito de
Ottilia. Será que havia calculado mal? O olhar da garota era intenso, mas
não havia nenhum traço de malevolência nesta ocasião. Esperou.
A resposta veio em um sussurro. — Mamãe.
Ottilia não sabia como proceder. Não ousou falar, por medo de dizer a
coisa errada. Olhou para a menina sem esboçar nenhuma reação, esperando
por mais.
Não veio nada. Um véu cobriu os olhos de Tamasine e eles ficaram sem
expressão. Eles se fecharam e ela afundou-se lentamente na cama.
Alarmada, Ottilia olhou para Hemp. — Ela está…?
Ela mal sabia o que queria dizer. Havia sido um desmaio? A jovem teria
entrado em coma? O lacaio caminhou rapidamente até a cama e inclinou-se
um pouco para olhar o rosto da garota. Seus olhos se ergueram para Ottilia.
Afastou-se da cama e chamou Ottilia para se juntar a ele.
— Ela está inconsciente — murmurou baixinho. — Vai passar em um
momento.
Ela sussurrou. — Isso acontece com frequência?
— A senhora tocou em algo. Ela não consegue encarar a realidade. Há
momentos em que fica lúcida, mas são poucos e causam esse efeito.
— Então ela tem mesmo uma vingança em mente.
Hemp deu de ombros. — Acho que ela não entende o conceito. Se
entende, é de forma distorcida.
Certamente era isso, mas Ottilia não estava convencida da ignorância de
Tamasine. Em essência, ela tinha alguma consciência, mesmo que fosse
incapaz de expressar suas ideias.
— Lady Fan, Lady Fan, Lady Fan.
Ottilia virou-se. A jovem estava de pé novamente, tão brilhante e
aparentemente despreocupada quanto antes. Ela arrastou-se ao longo da
cama até seus travesseiros e cavou. Agarrando um objeto, o puxou. Então
saiu da cama, dançando até Ottilia. Estava segurando uma caixa de madeira,
com um belo desenho de estrela embutido na tampa. Um brinquedo de
criança. Tamasine abriu-a e estendeu a Ottilia.
— Pode pegar um, se quiser.
Uma onda de calor invadiu o peito de Ottilia e sua mente zumbiu.
Dentro da caixa havia algumas embalagens fechadas, cada uma com cerca
de sete centímetros de comprimento e estampadas com o emblema da Flora
Sugars - os doces que haviam sumido.

Com a mente em chamas, Ottilia esperou que Hemp fechasse e


trancasse a porta atrás dele. Estava prestes a falar quando ele colocou um
dedo nos lábios. Um sussurro a alcançou:
— Aqui não, milady. A audição da Srta. Tam é aguçada.
Ele a levou para o corredor principal, pegando um caminho para os
fundos da casa. Em um determinado momento, parou e abriu uma porta.
Uma antessala foi revelada, mobiliada com um conjunto de cômodas
incrustadas e um espelho comprido com uma porta aberta por onde Ottilia
vislumbrou a borda de um dossel. Um closet sem uso? Um cheiro de mofo
impregnava o local e as persianas estavam fechadas.
Hemp atravessou o cômodo e as abriu, revelando a visão do fundo da
casa. Ele permaneceu de pé junto à janela, sua silhueta contra a luz. Estava
tão quieto que Ottilia começou a se perguntar em que estava pensando.
Estaria apreensivo com as perguntas dela? Ele a surpreendeu, ganhando
vida e virando-se de repente para examiná-la.
— A senhora desvendou tudo, eu acho.
Ottilia olhou-o. — Com exceção de alguns detalhes, acredito, com os
quais espero que possa ajudar.
Ele estava olhando na direção dela, mas sua posição tornava impossível
ver sua expressão. Ottilia foi para o outro lado da janela. Ele a observou
seriamente sem dizer nada. Ocorreu-lhe que estava mais nervosa do que ele
e então respirou fundo.
— Me disse que Florine Roy atacou Sir Joslin, mas não me disse por
quê.
Hemp soltou um suspiro fraco. — Não é uma história bonita, milady.
— Pude deduzir isso pela dica que me deu da última vez.
Ele ficou em silêncio por um tempo. Então pareceu relaxar, encostando-
se na beirada da veneziana e cruzando os braços sobre o peito. — Com a
doença de Madame Florine havia uma necessidade que a Srta. Tam não
compartilha. Ela é inocente demais. Madame Florine não era inocente. Ela
tentou com Mestre Jos o que havia tentado com os escravos negros, sem
sucesso. Ninguém ousaria arriscar. Um homem negro seria enforcado por se
aproveitar de uma mulher branca.
Ottilia teve uma sensação de afinidade com as visões abolicionistas de
sua sogra, mas se absteve de qualquer palavra de compaixão, julgando que
Hemp a interpretaria mal.
— Passou pela minha cabeça, quando ouvi a história sobre Sir Joslin tê-
la estuprado, de que ele não havia correspondido às investidas, estou certa?
Hemp assentiu e Ottilia notou a expressão contida no rosto dele. Este
era um aspecto do caráter do morto pelo qual não tinha simpatia?
— Madame Florine pegou uma faca…
— Uma faca! Como é possível que ela tivesse permissão para se
aproximar de tal objeto?
As sobrancelhas escuras se juntaram. — Ela escapou.
— Como Tamasine. As semelhanças saltam aos olhos.
O homem tinha uma expressão confusa. Ottilia não esclareceu o
assunto.
— O que aconteceu?
— Madame Florine perseguiu Mestre Jos até a fábrica de açúcar onde
faziam os pães. Havia muitos objetos afiados lá.
— Perseguiu? De onde?
— O mestre a encontrou nas canas e estava tentando levá-la de volta
para a casa dela. Ela tentou seduzi-lo. Quando ele recusou, ela pegou uma
cana cortada e começou a bater nele. Mestre Jos nunca foi forte. Ele correu,
procurando refugiar-se na fábrica. A patroa o cortou gravemente antes que
os escravos ouvissem o barulho e o ajudassem.
Sua história terminou e Hemp baixou o olhar para seus braços cruzados,
evitando o olhar de Ottilia. Ela o estudou, a crescente convicção penetrando
em sua mente.
— Quanto tempo depois desse evento Florine morreu?
A compreensão surgiu nos olhos de Hemp. Ele havia ligado os pontos?
— Foi uma questão de dias, milady. Todos nós pensamos que estava
conectado, mas não tínhamos provas de nada. E o mestre estava muito
angustiado para prosseguir com o assunto.
— Sim, suponho que isso era inevitável.
— Posso perguntar o que se passa em sua mente, milady?
Ottilia sorriu. — Não tenho certeza, mas por outro lado, quantos anos
tinha Tamasine quando Simeon Roy tentou sequestrá-la pela primeira vez?
O lampejo de raiva a assustou e ele endireitou-se, com seus braços
caindo e punhos cerrados. — Ela era uma criança! Apenas dezesseis.
Desejei matá-lo.
Sua voz era de pura dor. A vontade de oferecer palavras de conforto era
forte, mas Ottilia não podia perder tempo. Além disso, não tinha certeza se
tinha algum conforto a oferecer. As ideias que giravam em sua mente
provavelmente não aliviariam o sofrimento de Hemp.
— Como a trama foi frustrada?
— A Srta. Lavinia percebeu o que estava acontecendo e foi
imediatamente contar ao mestre.
— Nada como a fúria de uma mulher desprezada — citou Ottilia.
Hemp torceu a boca. — Isso não sei dizer, milady. Houve muita
discussão entre Mestre Jos e meu mestre, que queria mandá-la embora.
— Ele pensou que ela tinha negligenciado seu cargo?
— Todos na plantação sabiam da ligação entre Lavinia e o Sr. Simeon.
Eles não eram discretos e os escravos veem tudo. Além disso, brigavam alto
o suficiente.
— Tamasine sabia disso?
Uma risada áspera escapou do homem. — Ele contou a ela, milady.
Aquele lá não tem vergonha. Encorajou a menina a pensar que poderia se
livrar da dama de companhia se fugissem juntos.
— Ela lhe confessou tudo isso?
— A Srta. Tam não sabe guardar segredo. Além disso, sempre falou o
que pensa na minha presença.
Ottilia não pôde deixar de oferecer uma migalha de conforto. — Devo
admitir que acredito que Tamasine é sinceramente ligada ao senhor.
A tez de Hemp enrubesceu e sua voz ficou rouca. — Assim como sou a
ela.
— Sim, não tenho dúvidas disso. — Poderia pressioná-lo pela verdade
agora? Ele confiava nela o suficiente? — Por que me interrompeu mais
cedo no corredor, Hemp? Por que não queria que eu falasse sobre esse
assunto?
A cabeça de Hemp se ergueu com orgulho e o tom áspero retornou. —
Não cabe ao Sr. Simeon Roy saber como os negócios estão.
— No entanto, ele fez Lomax caçar algum papel que pudesse provar sua
liberdade. Lomax o encontrou e pelo que sei, talvez o tenha destruído. Sinto
muito se isso arruinou suas esperanças, Hemp.
Um leve sorriso a surpreendeu quando sua pose relaxou um pouco. —
Não importa, milady.
— Não?
— Não dependo de provas. O Sr. Lomax não sabe disso, mas o Mestre
Matt fez suas disposições antes de morrer. Ele cuidou de tudo.
Ottilia suspirou. — Não pode imaginar como estou aliviada ao ouvir
isso.
— Mestre Matt sabia que acima de tudo eu ansiava por liberdade.
Apresentei minha procuração ao advogado dele aqui na Inglaterra. Posso
sair daqui a qualquer momento, milady.
— Então está aqui apenas por Tamasine.
A mandíbula de Hemp se apertou. — Eu dei minha palavra.
Ottilia observou o rosto dele e detectou a agonia invadir seu peito. Ela
perguntou baixinho. — O que vai acontecer com a menina, Hemp?
Com isso, uma respiração sufocada escapou da garganta do lacaio e seus
ombros caíram.
— Essa é a pergunta que está me matando, milady. Não sei o que é o
melhor a ser feito.
— Acredita que está chegando o dia em que ela terá que ser totalmente
confinada assim como a mãe?
Ele não hesitou. — Sim, senhora. É o que eu temo. Às vezes, até eu
tenho dificuldade em controlá-la. Sei como mantê-la calma, mas quando
está furiosa…
Isso também incomodava Ottilia, mas não pelo mesmo motivo. O receio
que mal ousara reconhecer aumentou. Gostaria muito de desabafar com
Hemp, mas até que tivesse uma prova tangível do que agora acreditava ser a
explicação para os eventos em Willow Court, preferia ficar quieta. No
entanto, poderia aliviar o sujeito de alguma forma.
— Não posso deixar de simpatizar com sua situação, Hemp, mas
permita-me dizer que admiro totalmente sua lealdade inabalável à sua
irmãzinha.
Capítulo 17
 
 
 
 
 
 
 
— Simeon sabia, é claro — disse Ottilia ao seu público de seu lugar
junto à lareira.
— Assim como Lomax. Na verdade, imagino que a única pessoa que
ignora o relacionamento é a Srta. Ingleby.
Sybilla, confortavelmente aninhada no canto do sofá perto da lareira,
parecia atordoada e Francis chocado. Patrick aceitou com calma, o que não
a surpreendia. Sua profissão lhe dava uma perspectiva das fragilidades
humanas daqueles que vivem no mundo exaltado da aristocracia.
Patrick inclinou-se um pouco em sua cadeira em frente à viúva e
dirigiu-se a ela com uma voz calma e racional. — Pelo que entendo, a vida
colonial é bem mais livre que a nossa, senhora.
Sybilla bufou. — Não acredite nisso. Criar um filho bastardo é bem
comum em nossa sociedade.
— Mas não é permitido crescer ao lado de sua irmã legítima — disse
Francis, que sentou-se ao lado da mãe.
— Estas são circunstâncias especiais, Fan — interrompeu Ottilia. —
Embora eu ache injusto da parte de Matthew Roy sobrecarregar o pobre
homem com o fardo de Tamasine por sabe lá quantos anos. Afinal, a
menina só tem vinte e dois anos.
— E o futuro dela é sombrio.
— Verdade, Patrick. Apesar da determinação da Sra. Delabole de evitar
a responsabilidade, acredito que todos estarão envolvidos durante algum
tempo. Não posso culpar Hemp por estar no limite. Sem mencionar a Srta.
Ingleby e a Sra. Whiting.
— Bem, se Roy conseguir fugir com a moça, podem se considerar
livres.
Ottilia olhou para o esposo. — Acredita que isso é uma opção, Fan?
— Oh, sei que acredita que o sujeito é capaz de se livrar dela uma vez
que tenha garantido sua herança, mas isso me parece fantasioso. Por que ela
e não Sir Joslin?
— Eu não disse que ele não era capaz de desejar o mal de Sir Joslin.
— Mas não acha que Simeon o matou ou providenciou isso.
A culpa tomou conta de Ottilia e ficou tentada a confessar as
ramificações agora instaladas em sua mente. Antes que pudesse decidir,
Sybilla interrompeu:
— Todos nós sabemos que a jovem não poderia ter cumprido as ordens
de seu primo. A única coisa que ela entendeu foi a promessa de casamento.
— Quem disse alguma coisa sobre a jovem? Se Lomax estivesse em
conluio com Simeon Roy o tempo todo como Tillie sugere…
— Não acredito que Lomax poderia assassinar a sangue frio. De
verdade, Fan, consegue ver o sujeito colocando sua própria vida em risco?
Francis parecia impressionado. — Não tinha pensado nisso. — Ele
bateu a mão no joelho.
— Quer me dizer que depois de tudo isso não avançamos na questão de
quem administrou o ópio ao Cadel?
Ottilia hesitou. Uma mudança gradual de opinião havia se abatido sobre
ela nos últimos dias e ainda não havia dito nada. Seria este o momento de
falar? Estava pronta para enfrentar a fúria inevitável de Fan? Havia
esperado demais.
— Tillie, eu conheço esse rosto. Que diabos está escondendo agora?
Vamos, coloque para fora.
Suprimindo um suspiro, Ottilia rendeu. — Receio ter mudado de ideia.
Não foi assassinato.
— O quê?
Francis franziu a testa e a viúva saltou visivelmente.
— Enlouqueceu, Ottilia?
Apenas Patrick se absteve de comentar, embora olhasse com severidade
para a irmã.
Ela voltou seu olhar para a tempestade no rosto do esposo.
— Acho que foi um acidente. — Ele ficou sem palavras, mas seus olhos
expressavam seus pensamentos. Ottilia apressou-se para explicar: — Mas
não significa que um assassinato não foi cometido. E foi, mas há muito
tempo. Sir Joslin foi vítima do resíduo desse assassinato.
A tempestade foi substituída pela confusão. — O que quer dizer, Tillie?
Pelo amor de Deus, está falando em enigmas.
— Deveríamos estar acostumados com isso — disse Sybilla
acidamente. — Depois de tudo isso, agora nos diz que o sujeito não foi
assassinado?
— Ele foi, mas não de maneira intencional.
— Tillie!
Ela lhe deu um sorriso depreciativo. — Ouso dizer que pareço tão
enigmática quanto Tamasine.
— Talvez pior.
— Perdoe-me, por favor. Hesitei em falar sobre isso e talvez tenha sido
um erro.
Francis soltou um suspiro exasperado. — Faria a gentileza de me dizer
o que diabos estamos fazendo esse tempo todo, se não investigando o
assassinato de Sir Joslin?
— Nós estávamos. — Inquieta, pisou no tapete entre o sofá e as
cadeiras, sem olhá-los. — Se alguém quisesse abrir um caso contra a pessoa
responsável, então uma acusação de homicídio culposo poderia revelar a
verdade, mas suspeito fortemente que a culpa real esteja em outro lugar.
— Agora estou completamente perdida — afirmou a viúva, levantando
as mãos. — Isso está se tornando cada vez mais sem sentido, Ottilia.
Antes que pudesse responder a isso, Patrick interveio com uma risada
em sua voz. — Culpe a condição dela, Lady Polbrook. A gravidez muitas
vezes tem esse efeito. Algo a ver com desequilíbrios químicos no cérebro,
ou algo assim que alguns de meus colegas nos fariam acreditar.
Pela primeira vez, Ottilia não se irritou com a sagacidade do irmão, pois
poderia oferecer um conveniente desvio do alvoroço que havia causado,
mas não conseguiu apaziguar Francis. Ele levantou-se e foi até ela, pegando
seus ombros e virando-a para encará-lo.
— Tillie, não vou aceitar isso. Está falando de homicídio culposo.
Quem fez isso então?
Ottilia cedeu. — Tamasine.
As mãos de Francis caíram e ele a encarou. Ottilia olhou para os outros
dois para encontrar ambos vidrados.
Sybilla conseguiu falar primeiro. — Afirmou, não sei quantas vezes,
que a jovem era incapaz de realizar o plano tramado por seu primo.
— Ela não executou nenhum esquema — disse Ottilia. — Nem havia
um. Pelo menos não um para matar Sir Joslin. Isso nunca foi planejado, mas
quando ocorreu, Lomax não demorou a informar Simeon para que o rapaz
pudesse tirar vantagem instantânea.
Francis afastou-se um pouco, cruzando os braços e juntando as
sobrancelhas. — Mas se Sir Joslin não tivesse morrido, como poderiam ter
sucesso?
— Isso eu não sei. Talvez Lomax planejasse sequestrar a garota para
Simeon. Atrevo-me a dizer que há muitas maneiras pelas quais poderiam ter
feito isso. A única coisa certa é que estavam em comunicação o tempo todo
e Lomax provavelmente estava enviando mensagens de Simeon para
Tamasine. Ela sabia que o rapaz viria, pois me disse isso.
— Mas só quando Sir Joslin estivesse morto, não? — Sybilla se opôs.
— Quem sabe o que podem ter inventado — disse Ottilia com um dar
de ombros desconfortável, empoleirando-se no braço do sofá. — Pelo que
sabemos, podem até ter esperado ou sugerido que a menina o empurrasse
escada abaixo, mas nenhum dos dois estava disposto a eliminá-lo
pessoalmente.
— No entanto, diz que Tamasine cometeu homicídio culposo — seu
irmão a lembrou.
— Não, o que estou dizendo é que Tamasine foi o meio para o
homicídio culposo. — Ottilia não esperava nada além dos olhares confusos
que vieram em sua direção. Ela abriu um sorriso depreciativo. — Posso lhes
assegurar que não enlouqueci. Esqueceram da minha preocupação com os
doces?
— Céus, isso de novo não! Eu lhe disse que o doce não continha ópio
suficiente para matar um homem e a análise provou isso.
Ottilia enfiou a mão no bolso e retirou o doce que a jovem lhe dera. —
Tamasine tem uma caixa inteira destes aqui. E se Sir Joslin comesse uma
boa quantidade? Ela me ofereceu um. Poderia muito bem oferecê-los ao seu
tutor. Sabem que havia alguns na gaveta dele. O que eu não contei, pelo que
— virou-se arrependida para o esposo — devo pedir desculpas, Fan, é que
os meninos e eu encontramos cinco embalagens vazias no cesto de papéis.
Eu as deixei na gaveta.
Francis aproveitou a deixa. — Quer dizer que desapareceram de lá junto
com os doces?
— Sim, se Joslin consumisse tantos doces adulterados, além do ópio
que já consumia, o nível não aumentaria o suficiente para matá-lo, Patrick?
Seu irmão ainda parecia duvidar. — É possível. No entanto, não posso
me comprometer com esse ponto sem mais testes.
— Mas Sir Joslin não estava informado o suficiente para se abster de
comer esses doces? — contestou a viúva.
— Não se o propósito deles fosse mantido em segredo de todos.
— Tillie, o que está dizendo? Alguém está deliberadamente dando à
garota esses doces para aumentar sua dosagem de ópio? E sem que ninguém
na casa soubesse disso?
Todos os três parentes estavam agora franzindo a testa. Ottilia agarrou-
se obstinadamente às suas armas. — Isso é exatamente o que estou dizendo,
Fan. Por que mais seriam tirados da gaveta quando se sabia que estávamos
investigando a morte de Sir Joslin? Além disso, lembra o que os meninos
descobriram? Todos na plantação sabiam ferver açúcar.
Francis iluminou-se. — Ah! Aquele sujeito Roy era adepto a fazer
doces.
— Ele não era o único.
— Quem, então, Tillie? Não finja que ainda não descobriu.
— Acho que descobri. — Ottilia soltou o fôlego. A ponto de revelar sua
conclusão, hesitou. Tinha certeza de que estava certa, mas poderia provar
isso? O plano em sua cabeça poderia fornecer a prova necessária. No
entanto, havia o perigo de precipitar igualmente um resultado que começara
a temer. Se era iminente, não poderia julgar, mas as crises crescentes em
Willow Court sugeriram que poderia ser.
— Ottilia?
Ela lançou um olhar à viúva. Sybilla levantou suas sobrancelhas
delicadas. Ottilia olhou dela para o marido e depois virou-se para o irmão,
segurando o doce.
— Outra análise é urgente, Patrick. Devemos saber se o doce de
Tamasine é o mesmo que encontrei na gaveta de Sir Joslin. Amanhã, por
favor. Então vamos multiplicar a dose contida por cinco pelo menos. Devo
ir a Willow Court novamente e enfrentar a pessoa que acredito ser a
responsável. Ergueu um dedo em direção ao marido. — E antes que me
pergunte, sim, vou revelar o nome.

Tendo discutido os próximos passos extensivamente com Francis na


privacidade do quarto deles, Ottilia ficou consternada ao ver todos os seus
planos desordenados pela chegada repentina de Giles no momento em que
saíam da refeição matinal. Ele entrou impetuosamente na sala de desjejum,
clamando pelo tio:
— Preciso de sua ajuda, senhor, ou meu pai vai arruinar tudo!
Felizmente estavam sozinhos, os criados tinham acabado de sair com as
bandejas carregadas. A Srta. Mellis tinha ido preparar uma bebida para
Sophie Hathaway, que ainda não havia se levantado. Patrick comeu e saiu
em sua missão até o Dr. Summerton e ao boticário. E seus sobrinhos há
muito haviam se lançado em suas próprias aventuras. Ottilia só esperava
que não fosse em Willow Court.
A viúva soltou um som explosivo. — Pelo amor de Deus! O que meu
filho está fazendo agora?
Francis olhou para o sobrinho. — O que está acontecendo, Giles?
Estamos ocupados esta manhã.
O menino agarrou-lhe o braço. — Isso não pode esperar, tio Francis.
Meu pai está irado e nada que eu diga irá apaziguá-lo, mas sei que sua
influência pode fazê-lo ouvir.
Sybilla pressionou. — O que tem feito para deixá-lo furioso, garoto?
— Nada, senhora, por minha honra! Ele enfiou minhocas na cabeça
porque o pai de Phoebe deu uma bronca sobre… sobre esse negócio em
Willow Court.
— Bem, dificilmente se pode culpá-lo por isso, mas pensei que tinha
tudo acertado com Phoebe.
— Entre nós dois sim, vovó, mas quando pedi permissão a Lorde
Hemington, ele leu uma homilia para mim e disse que estava inclinado a
recusá-la. — Giles ergueu as mãos. — Sei o que vai dizer e é verdade. Eu
merecia uma bronca e disse isso, mas Hemington enviou uma nota ao meu
pai indicando sua relutância em permitir que sua filha se aliasse à nossa
família, e…
O que não foi uma surpresa para Ottilia, seu esposo explodiu:
— Por piedade! Ele disse isso ao Randal? É como estender um trapo
vermelho a um touro!
— Sim, e agora papai diz que não permitirá que eu me case com Phoebe
porque não deseja ser obrigado a ser civilizado com Lorde Hemington pelo
resto de seus dias. E também que a ideia de qualquer filha de Hemington se
tornar Marquesa de Polbrook iria sufocá-lo e que eu deveria procurar em
outro lugar, e muito mais. Ele não quer ouvir uma palavra do que eu digo!
— Se ele está com raiva, também não vai me ouvir — disse Francis. —
E antes que peça a sua avó para ir à Polbrook, deixe-me lembrá-lo de que
ela e seu pai mal se falam.
— Sei disso, senhor. É por isso que estou implorando para voltar
comigo.
Francis gemeu, mas sua mãe interveio, colocando a mão no ombro de
Giles:
— Meu querido menino, só precisa esperar que seu pai se acalme.
Conheço Randal. Seu temperamento é tão ruim quanto o meu, mas ele
olhará para o assunto de uma forma mais sensata quando estiver calmo
novamente.
Giles soltou-se da mão dela com sua agitação aumentando. — Não vai,
vovó! Deixei-o prestes a sentar-se para escrever uma resposta veemente a
Lorde Hemington. Tudo o que consegui pensar foi em dizer ao criado para
não enviar nenhuma carta até que eu voltasse e vim a todo vapor para
encontrá-lo, tio Francis.
— Não há fim para a loucura do meu filho? Francis, terá que ir. Giles
tem toda razão. Se ele vai ouvir alguém, será o senhor. E é melhor que eu vá
junto.
Ficou claro para Ottilia que nem Francis nem Giles desejavam a
interferência da viúva. Se uma coisa era certa, era que a presença dela só
poderia inflamar a situação. Vendo que nenhum dos cavalheiros ousaria
contradizer sua sogra, ela mesma interferiu:
— Perdoe-me, Sybilla, mas acha isso sábio? — Ela sorriu para a
carranca instantânea da viúva. — A senhora mesma disse que é muito
parecida com Randal em seu temperamento. Não deveria deixar Francis
tentar primeiro? E então, se Randal se mostrar obstinado, fará sua parte para
trazê-lo à razão em seu estilo inigualável.
Uma gargalhada escapou da viúva. — Diga logo que minha intervenção
vai piorar tudo e acabe logo com isso. Muito bem, ficarei aqui, mas é
melhor adiar seus planos para Willow Court até o retorno de Francis.
— Sim, de fato. Atrevo-me a dizer que não fará diferença se formos
mais tarde, Fan.
Claramente relutante, Francis preparou-se para partir com o sobrinho,
mas fez uma pausa para advertir Ottilia. — Não coloque na cabeça caçar
essa sua prova sem mim, Tillie.
Ela sorriu e tocou o peito do marido da maneira habitual. — Só uma
necessidade mais terrível me levará a Willow Court até que retorne. A
quietude se abateu sobre o lugar depois da briga de ontem, não creio que
algo acontecerá hoje.
No entanto, meia hora depois que os cavalheiros saíram, Biddy entrou
para anunciar a Sra. Delabole, que chegou em estado de grande agitação.
Mal esperou para se jogar na sala, olhando descontroladamente em volta e
agarrando-se a Ottilia, que acabava de levantar-se do sofá.
— Lady Francis, graças a Deus! Não aguento mais nenhum instante!
Aquela mulher terrível colocou a casa do avesso e não sei o que fazer!
Precisava vir ou ficarei tão louca quanto aquela minha sobrinha demente.
Ottilia, tendo agarrado suas mãos agitadas, estava pensando no que
dizer para confortá-la quando a viúva explodiu:
— Devagar, Sra. Delabole, devagar. Não posso ajudá-la a menos que me
diga calmamente o que aconteceu.
— Calma? Sinto que nunca mais vou ficar calma!
— Venha, sente-se aqui, senhora, e tente se recompor. — Empurrando a
mulher para o sofá, virou-se para encontrar a criada boquiaberta. — Chá,
Biddy, por favor. E traga um copo de água imediatamente.
Biddy saiu da sala fazendo uma reverência e lançando um olhar curioso
por cima do ombro para a matrona aflita. Ottilia não deu atenção, sentando-
se ao lado da mulher e esfregando uma das mãos dela. De nada lhe valeu. A
Sra. Delabole explodiu em soluços ruidosos. Passando a mão nas costas da
mulher, Ottilia trocou um olhar de desculpas com a sogra exasperada e
encontrou seu próprio lenço de bolso.
— Se não é uma coisa, é outra — retrucou a viúva em um tom baixo. —
O que no mundo pode ter acontecido agora?
— Isso descobriremos no devido tempo, senhora. Vamos primeiro
deixar a Sra. Delabole tranquila novamente.
Isso provou ser uma escolha infeliz de palavras, pois a criatura
perturbada irrompeu novamente em seu estilo histérico:
— Tranquila? Naquele manicômio? Oh, eu gostaria de estar em casa!
Que horrível da parte de meu irmão. Se soubesse que seria obrigada a tomar
conta da casa dele, teria dito para não contar comigo. Odeio aquele lugar!
Odeio a todos! E agora a desgraçada foi embora e, por mais que eu a
deteste, como esperam que eu continue sem ela?
Nesse momento, para grande alívio de Ottilia, Biddy entrou correndo na
sala com um copo d’água, mas antes que pudesse oferecê-lo, o grupo foi
ampliado pela Srta. Mellis e Sophie Hathaway falando ao mesmo tempo e
aumentando a cacofonia de lamentações.
— O que há de errado? O que há de errado?
— Ottilia, o que aconteceu?
— Quem está chorando? Oh!
— Meu Deus, quem é essa?
— Fiquem quietas, as duas! — gritou a viúva, interrompendo-as. — Já
temos o suficiente em nossas mãos! — Ela levantou-se da cadeira e elevou-
se sobre Ottilia. — Se não der uma bofetada salutar nessa criatura, Ottilia,
eu mesma farei isso!
Ottilia nem sequer ergueu os olhos, decidida a convencer a sofredora a
tomar um gole do copo que tinha na mão. — Silêncio, senhora, ela está
começando a se recuperar. Vamos, Sra. Delabole, já está parecendo melhor.
Um pouco mais, por favor. Muito bom. Agora, deite-se e descanse por um
momento.
A matrona afundou-se no sofá, deixando a cabeça cair para trás contra
as almofadas e gemendo baixinho. Para alívio de Ottilia, Sybilla voltou para
sua própria cadeira, fazendo sinal para que as recém-chegadas se sentassem.
Sophie sentou-se ao lado da viúva enquanto a Srta. Mellis afundou-se em
seu canto como de costume, mas ambas observavam a cena com uma
mistura de curiosidade e repulsa. A Sra. Delabole apertava o peito com uma
mão e começou a respirar com mais facilidade no silêncio que se seguiu.
Logo seus olhos se abriram e olhou de forma perplexa para as mulheres
reunidas. Ottilia fez as apresentações, esperando que a normalidade do
procedimento servisse para acalmá-la. Não se podia dizer que a Sra.
Delabole participou inteiramente disso, nem que provavelmente se
lembraria dos nomes, mas assentiu vagamente e pediu perdão a todas,
dirigindo-se em particular à viúva.
— Lamento ter invadido sua casa assim, senhora. É que Lady Francis
teve a gentileza de oferecer sua ajuda e eu não sabia mais a quem recorrer.
— Não há problema — disse Sybilla graciosamente, agora que a ordem
havia sido restaurada. — Ouso dizer que o chá vai lhe fazer bem. Estará
aqui em pouco tempo.
A matrona assentiu novamente, ainda claramente distraída. — Sim,
obrigada.
Ottilia achou que era hora de tentar descobrir a causa da angústia. Sabia
que não deveria perguntar diretamente, formulando sua pergunta de uma
forma solta:
— Suponho que estava se referindo à Srta. Ingleby quando falou de uma
partida, senhora. Estou certa?
A Sra. Delabole estremeceu. — Se não fosse por Tamasine, ficaria feliz
por aquela meretriz ter partido! Como se atreveu a se comportar daquela
maneira? E em uma casa onde deveria dar o exemplo!
Um vislumbre do problema penetrou na mente de Ottilia. Não tinha
esquecido as consequências da tentativa do jovem Simeon de se casar com
a herdeira. A paixão havia tomado conta do casal? A especulação era inútil.
Teria que perguntar:
— O que Lavinia fez para chamá-la assim, Sra. Delabole?
A cor tomou conta das bochechas da matrona e ela lançou um olhar às
outras mulheres, terminando em Sybilla. — Gostaria de não ter que relatar
tal coisa diante da senhora, mas Lady Francis estava lá ontem. — Virou-se
para Ottilia com um olhar suplicante em seu rosto rechonchudo. — Viu
como era com aqueles dois.
— De fato vi. — Ela pegou o touro pelos chifres: — Devo assumir que
a Srta. Ingleby e Simeon Roy retomaram sua… hum… ligação anterior?
Suspiros chocados emanaram de duas gargantas e a viúva bufou.
— Como imaginei. Não poderia demorar muito para que tal imoralidade
viesse à tona. Eu, pelo menos, não a culpo nem um pouco por desejar lavar
as mãos, Sra. Delabole.
Embora essa atitude não ajudasse Ottilia, tinha o benefício de acalmar
os nervos da Sra. Delabole sobre relatar os acontecimentos que a levaram à
Dower House.
— Obrigada, a senhora me conforta.
Ottilia interveio. — Sente-se para nos contar o que aconteceu, senhora?
Por favor, não tenha medo de nos contar tudo. Todas nós somos fortes o
suficiente para ouvi-la.
Assim conjurada, a matrona voltou a pôr a mão no peito.
— Eu não estava presente no início, graças a Deus, mas a jovem
Tamasine entrou no quarto da Srta. Ingleby e… e os encontrou. Estava
tomando meu achocolatado matinal quando ouvi os gritos e berros.
— Que desconcertante! — comentou a Srta. Mellis.
O que levou Sophie a se manifestar: — Desconcertante? Meu Deus,
como isso deve tê-la assustado, senhora!
A Sra. Delabole respirou fundo. — Bem, não imediatamente. Devo
dizer que esses surtos não são raros com minha sobrinha em casa.
Naturalmente, levantei-me e apressei-me a descobrir o que havia
desencadeado o surto desta vez. Quando cheguei ao local, havia uma
confusão tão terrível em andamento que não ousei entrar. Meu quarto fica
ao longo do corredor, então fui a primeira a chegar, embora os criados não
tenham demorado a vir em socorro, graças a Deus.
Impaciente com esses detalhes, Ottilia pediu mais informações. —
Tamasine atacou sua dama de companhia?
— Atacá-la? Estavam lutando como gatos selvagens! Ouso dizer que a
Srta. Ingleby estava tentando se proteger, mas deu tantos golpes quanto a
garota pelo que vi. E aquele patife estúpido estava rindo!
— Simeon Roy?
— Sim, estava na cama com elas, rolando como se tentasse evitar ser
atingido. Gritei para que intervisse, mas na verdade ele foi atacado porque
Tamasine pulou em cima dele e arranhou seu rosto.
— Nada divertido, suponho — disse a viúva secamente.
— Não, porque ele começou a berrar também e não sei o que teria
acontecido se os negros não tivessem entrado. Junto a Lomax, os dois
levaram Tamasine para longe, pois os três estavam fazendo barulho
suficiente para acordar os mortos.
A imaginação de Ottilia estava tumultuada, mas sua mente se
concentrou no único fator importante.
— Onde estava a Sra. Whiting enquanto tudo isso acontecia?
— Oh, chegou gritando para os lacaios levarem Tamasine para tomar
uma dose no sótão e saiu novamente. Imagino que tenha encontrado os
outros no sótão, para onde obviamente tiveram que levar a jovem. Eu pude
ouvi-la gritando por muito tempo, mas minha atenção foi capturada pela
Srta. Ingleby.
A matrona parou, sem fôlego por causa de sua história, embora
estivesse claro que o desfecho era quase mais doloroso para ela do que a
cacofonia da luta. Ottilia estava ansiosa para ouvir o resto quando a bandeja
de chá chegou e achou mais prudente deixar a mulher recuperar seus
sentidos e forças.
Enquanto a Srta. Mellis servia o chá, Sophie expressou seu choque de
uma maneira que encorajou a Sra. Delabole, fazendo-a sentir que alguém
compreendia seus sentimentos.
— Não posso deixar de admirar sua fortaleza de espírito, senhora.
Quanto a mim, estaria prostrada em minha cama. Nunca fui forte. Cenas
terríveis como suportou são perfeitamente desastrosas para mim.
— É verdade — Ottilia interrompeu antes que Sybilla pudesse
desencorajar sua convidada. A viúva não gostou muito do depoimento
mórbido de Sophie, o que disse em particular para Ottilia. — Mas o que
aconteceu com os responsáveis depois? Disse que a Srta. Ingleby chamou
sua atenção?
— Ela e o rapaz. — A matrona estava tomando seu chá, mas pousou a
xícara no pires e inclinou-se para a frente, parecendo agora mais exaltada
do que angustiada pelo que tinha a relatar. — Por um lado, os dois usavam
apenas um roupão e poderiam pensar que o constrangimento os fariam pelo
menos se retirar, mas isso não aconteceu. Ele tentou voltar para a cama com
ela, acreditam nisso? Mas a Srta. Ingleby se recusou.
Ottilia foi obrigada a esperar que os comentários diminuíssem antes de
pedir mais esclarecimentos. — Mas disse que a Srta. Ingleby foi embora?
A Sra. Delabole começou a assentir de maneira fervorosa enquanto
falava. — De fato foi. Ela xingou o Sr. Roy e o empurrou para trás, gritando
que partiria no mesmo instante. Então pulou da cama e arrastou uma maleta
de algum lugar e começou a abrir gavetas e jogar suas coisas
desordenadamente dentro dela.
— O Sr. Roy tentou impedi-la?
— Não, fui eu que fiz isso. Em vão implorei e implorei para que ficasse.
Ela me mostrou seus ferimentos - e de fato eram graves, pois Tamasine a
havia machucado bastante - e exigiu saber se eu permaneceria em uma
situação semelhante. Devo dizer que não. A próxima coisa que percebi foi
que o Sr. Roy exigia saber para onde ela pensava que iria, para o que a
moça não tinha resposta. E no final das contas, o rapaz prometeu levá-la a
algum lugar e não adianta me perguntarem para onde, pois eu não saberia
lhes dizer.
Ottilia estava muito inclinada a pensar que era bom para ambos, exceto
que achava difícil acreditar nesse conto de fadas. — Está dizendo que
realmente saíram de casa juntos?
— Sim, porque ele saiu para se vestir, embora eu não saiba se levou
todos os seus pertences. Ela certamente não o fez. A suíte ainda estava
cheia de roupas quando ela saiu correndo, chamando um dos lacaios.
— A senhora os viu sair?
— Não, porque estava tão perturbada que não aguentei e corri para o
meu quarto para me vestir, já que mal podia argumentar com a miserável
apenas em minha camisola. Não sei o que aconteceu, mas quando saí,
Hemp me contou que o Sr. Roy tinha levado a Srta. Ingleby para longe em
sua carruagem. O que me aborreceu tanto que não pude pensar em outra
coisa a não ser vir até aqui, Lady Francis.
Uma esperança tênue de que a fuga pudesse ser abortada surgiu. Afinal,
não era do interesse de Simeon partir quando pretendia se casar com
Tamasine. Ele renunciaria à sua esperança desse destino? Além disso, o
rapaz deveria saber que era improvável que Tamasine guardasse rancor.
Havia uma boa possibilidade de ela esquecer o episódio quando voltasse a
si.
— Talvez Simeon a tenha levado apenas com o propósito de lhe dar
tempo para recuperar a calma — sugeriu. — Duvido fortemente que ele de
fato fuja com a Srta. Ingleby. Admito que seria uma coisa excelente que o
rapaz se fosse para sempre, mas aquele jovem está de olho na fortuna.
Penso que estará de volta em breve. Além disso, não posso supor que ele
permita que a Srta. Ingleby vá embora, pois não deseja cuidar de Tamasine
sem ajuda.
Infelizmente, esta opinião não era favorável a Sra. Delabole. Ela parecia
determinada a considerar o caso perdido e gastou muito tempo discutindo se
deveria fazer suas próprias malas para se retirar completamente, ou
contratar outra pessoa. Não houve espaço para as perguntas de Ottilia. A
matrona entrelaçou suas reflexões com críticas animadas sobre a conduta
vergonhosa da Srta. Ingleby e Simeon Roy, auxiliada neste esforço pela
Srta. Mellis e Sophie. A mente de Ottilia estava cheia de possibilidades.
Consciente da atenção estreita de Sybilla à sua hospede, estava feliz que
a sogra não poderia exigir saber seus pensamentos. Teria sido difícil
responder-lhe. Seu plano de pegar Willow Court de surpresa para tentar
finalizar suas conclusões havia sido efetivamente destruído. Impossível se
envolver na batalha que havia antecipado quando a atenção da casa estava
concentrada em Tamasine.
Embora, se Francis estivesse ali, poderia convencê-lo a fazer a tentativa
sem que o culpado estivesse presente, um procedimento com muito mais
probabilidade de sucesso. Teria que dar alguma explicação se os
acontecimentos provassem que estava errada, mas Ottilia não acreditava
que isso pudesse acontecer. A demora a irritou, mas não poderia ser evitada.
A Sra. Delabole estava voltando ao que Ottilia supunha ser considerado
normal em seu temperamento quando gritos fracos do lado de fora
chamaram a atenção de todos.
A viúva pousou a xícara e o pires com um estrondo. — Ah, o que é
agora? Não me diga que estão trazendo a briga para cá!
Nesse momento, uma voz próxima pôde ser ouvida chamando por “Srta.
Tam”.
— Acho que é Hemp — disse Ottilia, levantando-se e indo olhar pela
janela francesa.
A matrona soltou um grito. — Ela deve ter escapado de novo! Oh, o que
fiz para merecer isso?
Sybilla estava de pé e foi se juntar a Ottilia. — Inevitável, suponho,
depois de toda aquela confusão e incômodo. Poderia desejar que minha casa
estivesse situada em outro lugar!
No instante seguinte, sua cunhada estava colada em Ottilia com um tom
frenético em sua voz. — Não deveríamos trancar todas as portas, senhora?
Pelos relatos que tive dos meus filhos, a menina pode entrar em qualquer
lugar.
— Muito provavelmente — respondeu a viúva —, mas como ela tem o
hábito de entrar por este caminho, duvido que seja necessário ir a tal
extremo.
Ficou claro para Ottilia que Sophie estava insatisfeita com essa resposta,
pois discutiu o assunto por vários momentos e só parou quando se lembrou
dos meninos, comentando em voz alta seu alívio por terem ido com o pai
em sua missão.
Ottilia chamou a atenção de Sybilla antes que pudesse refutar essa
afirmação, balançando a cabeça rapidamente. As sobrancelhas da viúva se
ergueram, mas ela misericordiosamente se absteve de dizer qualquer coisa.
Não precisavam de Sophie histérica igual a Sra. Delabole.
O chamado inabalável recuou na distância. Ottilia abriu a porta e saiu,
entrando no jardim e espiando a ladeira que levava à estrada entre as duas
propriedades, sentindo imediatamente o frio através das mangas finas de
seu vestido. Podia ouvir mais vozes, mas era impossível dizer de onde
vinham, nem quem estava gritando o nome de Tamasine.
— Volte para dentro, Ottilia — ordenou a sogra, abrindo a porta e
inclinando-se para fora. — Está frio e quero trancar a porta. Se aquela
jovem miserável está vagando por aí, a última coisa que preciso é que
venha bater aqui.
Obedecendo ao bom senso, Ottilia voltou e trancou a porta atrás de si.
Virando-se, viu a Sra. Delabole mais uma vez em agonia, dessa vez
chorando para Sophie. Ela teria ido em socorro, mas Sybilla a deteve.
— Deixe a Sra. Hathaway lidar com ela, minha querida, já fez o
suficiente. — E acrescentou baixinho: — Além disso, vai fazer bem para
ela pensar nas dificuldades de outra pessoa para variar.
Ottilia sorriu. — Sem dúvida. Gostaria que Tamasine não tivesse
escapado. Imagino que toda a casa esteja procurando por ela. Caso
contrário, teria saído e questionado Hemp.
— Não, não teria! Não sairá desta casa até que Francis esteja aqui para
ir junto. Meu Deus, Ottilia, esqueceu como aquela garota é forte quando
tem um de seus ataques?
— Não, mas ouso dizer que ela já tenha se acalmado se escapou como
sempre faz. Ela geralmente foge por travessura e não por fúria, se não me
engano.
— Imagino que sim. No entanto, não quero que arrisque sua segurança.
Suspirando, Ottilia se permitiu ser impelida de volta a sala. Irritou-a
ficar ociosa em tal conjuntura. Por outro lado, havia prometido a Francis
que apenas a mais extrema necessidade a faria sair da casa.
O som repentino de pés batendo na direção da casa a levou de volta para
a janela com a viúva logo atrás dela.
— Não abra a porta, haja o que houver!
A essa altura, o resto do grupo tinha percebido que algo estava
acontecendo e, embora a Sra. Delabole se encolhesse em suas almofadas,
Sophie e a Srta. Mellis vieram se aglomerando.
— É aquela garota de novo? Saia daí, Lady Francis, ela pode atirar
pedras novamente!
— Acho difícil, Srta. Mellis. Além disso, não parecem os passos dela.
Assim que falou, uma figura apareceu na janela. Uma mais baixa do que
Tamasine, com os cachos louros descobertos, primeiro tentou abrir a porta e
depois bateu freneticamente no vidro.
— Tittilia, Tittilia!
Sophie soltou um grito. — Oh, céus, é o Ben! O que ele está fazendo lá
fora? A menina está atrás dele? Deixe-o entrar, Ottilia!
Os dedos de Ottilia já giravam a chave. Escancarou a porta e seu
sobrinho entrou, agarrando-lhe os braços e gritando com uma voz
aterrorizada:
— Tittilia, venha, rápido! A louca! Ela pegou o Tom!
Capítulo 18
 
 
 
 
 
 
 
Por um momento de parar o coração, Ottilia não conseguiu se mexer
nem pensar, mas quando o pandemônio explodiu ao seu redor, voltou a si
em um estrondo. Ben ia em direção à mãe, que havia se entregado a
histeria, gritando o nome do filho mais novo e caindo no sofá. Ottilia pegou
o sobrinho pelos ombros.
— Deixe-a, Ben! Sua mãe já tem duas senhoras cuidando dela.
— Onde está papai?
— Saiu, mas será chamado imediatamente.
Ela encontrou Sybilla ao seu lado.
— Vá, Ottilia! Enviarei o jovem Toby para trazer de volta o Dr.
Hathaway e Francis.
Ottilia baixou a voz. — Impeça Sophie de nos seguir, Sybilla!
— Espere! Deveria levar uma capa. O frio está congelante.
— Não há tempo. Vou sobreviver, não tema. — Agarrando o menino,
deixou sua sogra e passou rapidamente pelas portas francesas. — Vamos
nos apressar, Ben! Não temos um segundo a perder. Pode me contar tudo no
caminho.
Só agora lhe ocorreu que o sobrinho estava enxugando lágrimas de seus
olhos. Sua voz estava embargada:
— Foi minha culpa, Tittilia! Nunca deveria ter sugerido que fôssemos
até lá.
— Sim, mas esqueça isso agora. O que aconteceu?
Ottilia mal percebeu o frio penetrante, estava concentrada em colocar
um pé na frente do outro com segurança. Seu pulso latejava de forma
angustiante e seu peito estava oco, mas sua mente fornecia claramente as
imagens que Ben estava pintando.
— Nós não pretendíamos fazer mais do que explorar a vila, eu juro,
Tittilia, e brincamos de jogar pedrinhas no lago com alguns dos meninos
daqui. Então aquele Simeon veio correndo em sua carruagem com a Srta.
Ingleby ao lado dele. Ele estava dirigindo como louco, Tittilia, e ela parecia
horrorizada! Enquanto passavam, eu a ouvi dizer que nunca mais voltaria e
que todos poderiam ir para o inferno.
Ottilia segurou a mão dele. — Um pouco mais devagar, por favor, Ben.
E não precisa perder tempo me falando desse par. A Sra. Delabole me
contou essa história. E quanto a Tamasine?
Moderando o ritmo, Ben respirou fundo. — Ela havia desaparecido, tia.
Ou pelo menos achavam que sim. Só que ela não tinha. Estava… — Ele
parou, respirou fundo e tentou novamente: — No começo, apenas
continuamos com nosso jogo, mas no final eu disse a Tom que deveríamos
ir ver o que estava acontecendo naquele lugar. Sei que não deveria, mas…
Ottilia o silenciou. — Continue com a história, Ben. Haverá tempo para
arrependimentos mais tarde.
— Sim, bem, nós fomos e… e pensei em encontrar Hemp e perguntar o
que estava acontecendo. Só que quando chegamos não havia ninguém à
vista. Nenhuma briga ou coisa do tipo, e nenhum grito como era de se
esperar. Então fomos para a cozinha e a cozinheira disse que todos estavam
procurando por Tamasine.
A essa altura, eles haviam chegado à beira da estrada e Ottilia olhou
para a altura que deveriam subir. Estava consciente do cansaço, pois o ritmo
era mais rápido do que estava acostumada, mas o ignorou, forçando seus
passos adiante. Uma vez no terreno de Willow Court, pediu a Ben que
continuasse:
— Como Tamasine pegou Tom?
A explicação veio de forma desordenada, Ben contando sua história
enquanto o remorso e a ansiedade provocavam suas lágrimas. Parecia que,
em um esforço louvável para ajudar, os meninos percorreram toda a casa,
apenas no caso de Tamasine não estar no terreno onde o resto dos
moradores estava procurando.
— E ela estava na casa. Só… só que… foi horrível, Tittilia! Toda vez
que penso nisso, me sinto muito mal.
— Pensar no que, Ben? Vamos, recomponha-se, por favor. Apenas me
diga.
Assim intimado, o menino respirou fundo e continuou. — Ela estava em
seu ninho. No sótão. Mas não sabíamos. Não podíamos vê-la. Mas… mas
quando espiamos, havia um… um corpo…
A garganta de Ottilia se contraiu. — Oh, meu Deus! Chegamos tarde
demais!
O olhar de Ben buscou o dela. — O que quer dizer, Tittilia?
— Nada. Vá em frente, Ben. — Os degraus estavam à frente e seu
coração palpitante guerreava com o pavor. — Rápido, pois estamos quase
lá!
— Era ela. A anã corpulenta.
— Oh, meu Deus! Sra. Whiting?
— Sim, e estava deitada perto da janela. Não sabíamos, Tittilia! Ela
pode ter desmaiado ou algo assim.
O cérebro de Ottilia estava girando, embora a sensação pesada em seu
peito só aumentava. Tarde demais! Desmaiada? Se fosse tão simples! Ela
não deveria ter esperado. Um mau julgamento. Não sabia que poderia
chegar a isso?
A voz de Ben engrossou. — Havia sangue. É por isso que entramos.
Pelo menos, eu não ia, mas Tom correu antes que eu pudesse impedi-lo. Eu
gritei, mas cheguei tarde demais. A louca saiu correndo. Deveria estar se
escondendo atrás da porta.
O coração de Ottilia se contraiu, sua cabeça estava cheia de horror.
— Vi o Tom se virar. Ele gritou. Tentei entrar, juro que tentei, mas ela
bateu a porta na minha cara. Ouvi a chave girar. — Agora o menino estava
chorando e parou bem no topo da escada íngreme. — Eu chutei a porta e
gritei com ela. Gritei para Tom ficar longe dela. Gritei que ia buscar ajuda,
mas não consegui encontrar ninguém quando desci correndo. Chamei por
Hemp e Cuffy, mas ninguém me respondeu, Tittilia. E ela pegou o Tom! Ela
pegou o Tom!
Ele jogou os braços ao redor de Ottilia enquanto ela o abraçava,
murmurando palavras que de forma alguma expressavam seus próprios
sentimentos.
— Nós vamos pegá-lo de volta, Ben, vamos pegá-lo. Não tema. A
menina não vai machucá-lo. Ela não tem motivos para machucar Tom.
Venha. Vamos resgatá-lo imediatamente!
Suas palavras, por mais corajosas que soassem, eram tão vazias quanto
seu coração, mas serviram ao seu propósito. Ben endireitou-se, passou as
mãos nos olhos, fungou e virou-se com passos resolutos para descer a
escada.
Ottilia seguiu mais cautelosamente, todo o seu ser consumido pelo
pavor. Tamasine iria machucá-lo? Ela era eminentemente capaz disso. E se
tivesse matado uma vez…
Chegando à casa novamente, começou a se apressar apenas para ser
interrompida por Ben parado com a boca aberta em um grito silencioso. O
olhar de Ottilia seguiu o dedo apontado do sobrinho até o telhado e a
respiração parou em sua garganta.
Tamasine estava de pé no parapeito, seus braços envolvendo o peito de
Tom, segurando-o em um aperto que parecia uma morte certa.

Uma eternidade manteve Ottilia escravizada por um horror doentio,


incapaz de se mover, incapaz de pensar.
Na realidade, não poderia ter passado muitos segundos antes que as
engrenagens começassem a se mover novamente. Um fato importante a
atingiu com violência: Tom estava vivo! Ainda poderia salvá-lo.
Agindo por puro instinto, moveu-se em direção à porta da frente aberta,
sem parar para se perguntar por que tinha sido deixada assim, mas
agradecida por isso.
Seu sobrinho estava perseguindo seus passos. Ottilia virou-se para ele.
— Encontre o Hemp! Não importa como, mas encontre-o! Rápido, Ben!
E então ela estava correndo, acelerando pela porta e subindo as escadas
de madeira, suas saias erguidas para evitar que tropeçasse. Em algum lugar
em sua cabeça, agradeceu aos céus por ter encontrado o caminho para o
telhado antes disso, uma oração estava se formando em sua mente.
Não o deixe cair… não o deixe cair.
Estava sem fôlego antes de chegar ao topo do segundo lance, mas
seguiu em frente, recusando-se a diminuir a velocidade, a oração se
repetindo várias vezes quando chegou ao último lance e parou brevemente.
Ofegante, olhou para a escada estreita e para a porta aberta que finalmente
dava para o telhado, atenta para ouvir qualquer coisa daquele lado.
Nenhum grito atingiu seus ouvidos. Isso significava que pelo menos
Tamasine não havia caído, nem jogado seu sobrinho a um fim devastador.
Com a esperança renovada, subiu o último degrau, deslizando rapidamente
entre as elevações e parando bem na beira do espaço aberto do telhado. Um
resíduo de cautela a manteve em silêncio e quieta, atenta a qualquer sinal de
vida.
A cantiga suave veio como um bálsamo no início e depois deu origem a
um ressurgimento de seu pavor. Era Tamasine, mas e Tom?
Ottilia espiou pela beirada do muro e perdeu o fôlego novamente.
Tamasine estava sozinha, ainda de pé no parapeito e balançando
perigosamente.
Onde estava Tom?
Rastejando, escorregou para o telhado, de costas para a parede. A
repulsa a encharcou quando viu as manchas vermelhas no vestido branco de
Tamasine. Sangue. O sangue da Sra. Whiting. Ela tinha se vingado.
Um barulho acima da cabeça de Ottilia chamou a atenção da garota.
Encolhendo-se contra a parede, Ottilia formou uma esperança instantânea.
Queria gritar, certificar-se de que era seu sobrinho, mas não se atreveu.
Tamasine ainda não a tinha visto.
Ela prendeu a respiração. A garota parecia bem calma, calma até
demais. Observou quando Tamasine levantou uma mão vacilante e uma de
suas risadas agudas surgiu.
— Estou te vendo!
Será que ela havia notado Ottilia? Não, pois seu olhar estava
concentrado em um ponto mais alto. Ela curvou o dedo em direção a ele.
— Vem, vem, vem, vem… dança comigo! Sou a princesa do açúcar e
quero dançar…
Assim dizendo, a menina meio que caiu, meio que pulou do parapeito,
aterrissando desajeitadamente e cambaleando vários passos pelo telhado.
Ottilia soltou a respiração com muita suavidade, sem desviar os olhos do
rosto da garota. Tamasine estava pálida, exceto por uma mancha de sangue
que se destacava contra o brilho de sua pele.
Brilho? A mente de Ottilia agitou-se. Ela estava suando. Seus pés
vacilavam também. A conclusão óbvia veio como conforto e tristeza ao
mesmo tempo. A menina tinha tido uma overdose de ópio. Ou tinha
recebido uma overdose? Sim, era isso. A Sra. Whiting tinha feito tudo o que
podia e foi punida por isso. A pobre e demente jovem tinha aproveitado sua
chance. Enlouquecida, de fato, Tamasine havia acertado as contas.
Mesmo com a execução, Tamasine pareceu se recuperar. De repente,
Ottilia encontrou os olhos azuis de porcelana da moça fixos nos dela,
vidrados de triunfo.
— Lady Fan, Lady Fan, Lady Fan.
Acima de Ottilia, uma voz ansiosa chamou:
— Tittilia? É a senhora?
Sem pensar, Ottilia moveu-se para o espaço do telhado, mantendo-se de
lado para evitar Tamasine, mas não perto o suficiente da borda para se
colocar em perigo. Lançou um olhar para cima e viu Tom agarrado como
um macaco às ardósias do telhado perto de uma chaminé.
Por instinto, gritou — Fique aí, Tom! Aguente firme!
Quando virou-se, Tamasine foi correndo em sua direção com seus olhos
ameaçadores e as mãos se debatendo. Agindo por instinto, Ottilia agarrou-
as quando a garota a alcançou, segurando com força os dedos frios. O
impacto a mandou para trás, mas ela se recuperou, percebendo que a
capacidade de Tamasine de se manter firme estava prejudicada. Agindo por
pura necessidade, levantou a voz:
— Tamasine, Tamasine, Tamasine! Dance comigo, Tamasine!
A garota gritou, o prazer superando a ameaça naquele amplo olhar azul.
— Dance comigo, Tamasine — Ottilia repetiu e se moveu, deixando
cair uma mão e deslizando-a para a lateral da garota como se pegasse um
par para a dança. — Veja, é uma valsa. Siga comigo. Devagar agora, e aqui
vamos nós. E…
Ela ergueu a mão da garota e, apesar do pulso acelerado, começou um
majestoso conjunto de passos pelo espaço do telhado, levando Tamasine
junto e contando à medida que avançavam.
— Passo e passo e passo, e então mergulhe, minha querida.
Acompanhe-me! Aqui vamos nós. Passo, passo, passo e mergulho.
Calcanhar a calcanhar no mergulho. Muito bom. Como é boa nisso,
Tamasine.
A risada estridente soou quando Tamasine pegou o ritmo, inexperiente,
mas bem o suficiente para manejar uma aparência de dança, cantando como
era seu costume.
— Estou dançando, dançando, dançando… estou dançando, dançando,
dançando.
Ottilia pensou rápido enquanto se aproximavam do fim do espaço
disponível.
— E agora viramos. Gentilmente, minha querida, e passo e giro, e passo
e giro, e passo e aqui estamos nós novamente, e mergulhamos em nossa
reverência. Oh, adorável, Tamasine, está indo muito bem.
Tamasine soltou a mão com o propósito de bater palmas freneticamente.
Ou tentando, errando enquanto seus dedos batiam um no outro. Ela
cambaleou um pouco e Ottilia agarrou sua mão novamente.
— Firme, agora. Vamos dançar mais um pouco.
Nada relutante, Tamasine obedecia às suas instruções de pisar e
mergulhar, rindo alegremente. O espaço acabou de novo e Ottilia fez a
curva, torcendo para que pudesse manter a garota dançando tempo
suficiente para que o ópio fizesse seu trabalho.
Atravessaram o telhado, virando em cada extremidade, até que a voz de
Ottilia contando os passos e o ritmo começou a ficar rouca, e suas
panturrilhas e coxas começaram a doer por causa do esforço inusitado.
Tamasine ainda dançava, gritando de vez em quando que estava
dançando, mas ficando cada vez mais sem fôlego e perdendo o equilíbrio
mais facilmente. O coração de Ottilia sangrava por ela, mas tinha que
mantê-la alegremente ocupada se quisesse sair em segurança com Tom.
Não havia como dizer o quão longe da inconsciência ela ainda estava. E
não havia sinal de Hemp para aliviá-la.
— E passo e passo e passo, e aqui vem o mergulho novamente, e lá
vamos nós… passo e passo e passo…
Novamente veio a virada. Mais uma vez, o espaço do telhado mostrou-
se muito curto. Ottilia não se atreveu a mudar o ritmo para abranger um
círculo. Quem sabia o que poderia acontecer com a mudança? A obediência
de Tamasine deveria ser exclusivamente devido à droga, mas quanto havia
tomado? Impossível de adivinhar, embora o declínio gradual da garota
indicasse que a Sra. Whiting tinha sido meticulosa.
— Estou dançando, dançando, dançando…
A música tornou-se lamentosa, perdendo volume e força, até que
finalmente desapareceu completamente quando os dedos de Tamasine
deslizaram para fora da mão de Ottilia e a garota começou a girar no local à
maneira antiga, levantando as mãos e observando seus dedos se mexendo
contra a luz.
Ottilia não fez nenhuma tentativa de recapturá-la. Era óbvio que
Tamasine estava exausta. Não havia nenhum perigo iminente, pois suas
forças diminuíam visivelmente enquanto girava e girava com os dedos
brilhando na luz exatamente como naquele dia longínquo em que Ottilia a
viu dançar pela primeira vez na neve. O tempo retrocedeu e todo o horror
dos dias desde então transformou-se em um poço de compaixão que
inundou seu peito.
E em seguida Tamasine parou de se mover completamente. Por um
momento ficou petrificada, como uma estátua congelada no tempo. Então
balançou.
Ottilia saltou para segurá-la, amortecendo a queda enquanto a garota
afundava lentamente, seus joelhos cedendo. O peso rapidamente
sobrecarregou Ottilia e foi obrigada a obedecer aos ditames de seu próprio
corpo, terminando na pedra fria com Tamasine capturada em seus braços.
Ela pousou a cabeça loira sobre seus joelhos, apesar do constrangimento
e desconforto de sua posição, e ofereceu palavras tão vazias quanto o
conforto que tentou infundir nelas:
— Pronto, pronto, minha querida, já passou. Já passou…
O belo semblante - pálido e imóvel com os olhos azuis fixos no céu -
tornou-se uma bruma na visão de Ottilia à medida que o tempo parecia
parar, sendo seu sussurro o único som:
— Pobre fada, pobre princesinha do açúcar.
Não sabia dizer quando Tamasine havia parado de respirar, mas logo um
tom de cera começou a se espalhar pela pele pálida. As lágrimas de Ottilia
ainda caíam e o mundo parecia distante.
 
 
Capítulo 19
 
 
 
 
 
 
 
— Milady, deixe-me ajudá-la.
Ottilia voltou à consciência e olhou para cima. Hemp, com as feições
devastadas, estava de pé sobre ela. Ottilia prendeu a respiração em um
soluço.
— Oh, Hemp, eu sinto muito!
Ele caiu de joelhos. Com profunda gentileza, ergueu Tamasine do colo
de Ottilia e embalou-a em seus braços musculosos, apertando-a contra seu
peito, com o olhar fixo no rosto inanimado. Hemp não disse uma palavra,
mas Ottilia viu as lágrimas começarem a escorrer pelo seu rosto e seu
coração se partiu por ele.
Sem querer se intrometer em sua dor, afastou-se e ficou de pé
desordenadamente, sentindo seus membros protestarem e uma sensação
súbita de frio. Olhando para cima, viu que Tom havia deslizado até a
beirada do telhado de ardósia e estava sentado acima da elevação.
— Cuidado, Tittilia! Estou descendo!
Alarmada, Ottilia avançou. — Tom, é muito alto!
Mas seu sobrinho caiu, rolou e pulou de pé novamente, ileso. O corpo,
pelo menos. Quando Ottilia o alcançou, o menino jogou os braços ao redor
dela e ela o abraçou, sentindo o tremor de seus membros.
Ottilia o soltou e o segurou pelos ombros. — Venha, vamos embora
daqui, Tom.
— Sim, por favor, Tittilia.
Havia um soluço em sua voz e Ottilia passou um braço sobre os ombros
dele enquanto o empurrava pelo caminho até a porta aberta que levava para
dentro da casa. Quando chegaram ao topo da escada, um uivo profundo
soou do teto.
Tom estremeceu.
— Isso é o Hemp?
— Tamasine era irmã dele, Tom.
Ele olhou para ela com a boca aberta, mas Ottilia estava aflita demais
para dar mais explicações. Além disso, com o mundo prestes a cair sobre
ela, estava muito consciente das consequências a serem enfrentadas.
— Vamos descer, Tom. Pode me contar o que aconteceu no caminho.
O menino batia o queixo a essa altura e tremia enquanto contava suas
aventuras. Para grande admiração de Ottilia, parecia que o sobrinho não
havia perdido a cabeça quando Tamasine trancou a porta.
— Ben gritou que ia pedir ajuda e eu sabia que ela tinha tido um de seus
ataques, Tittilia, então fiquei perto da janela. A louca não veio até mim e
mantive meus olhos nela, sem olhar para o corpo, embora tenha me
sentindo muito mal quando vi o que ela tinha feito com aquela mulher
gorda.
— Não estou nada surpresa — Ottilia o encorajou. — Como conseguiu
evitar que Tamasine o machucasse?
— Os colchões, tia! Lembrei-me de como a louca gostava de bagunçar
as coisas, então comecei a cavar palha e jogá-la para o alto
— Que esperto de sua parte, Tom! Ela seguiu seu exemplo?
— Imediatamente. Estava gritando de tanto rir, do jeito que ela sempre
fazia, a senhora sabe, e pulava, jogando palha por todo o lugar. Então
continuei fazendo isso e gritando também, para que pensasse que era um
jogo.
Um jogo macabro com o corpo ensanguentado da sra. Whiting deitado
no sótão, mas Ottilia se conteve.
— Como ela conseguiu colocá-lo no telhado?
— Ah, ela disse que me levaria ao ninho dela, o que foi engraçado
porque pensei que já estávamos no ninho. Ela destrancou a porta. Pensei
que poderia escapar, mas fui agarrado pelo pulso. Tittilia, a louca era tão
forte! Nem mesmo Ben consegue me segurar com tanta força!
— Sim, seu pai diz que força anormal é uma das características desse
tipo de surto de insanidade.
— Bem, tudo o que sei é que não consegui me libertar, então deixei que
me levasse para onde ela queria. Eu temia que se tentasse me afastar, ela
bateria na minha cabeça assim como havia feito com aquela mulher.
— Foi assim que Tamasine a matou?
Tom estremeceu novamente. — Ela fez isso com uma das barras da
janela. E não me pergunte como ela conseguiu, porque não sei lhe dizer,
mas o corpo estava no chão e tudo estava sangrento e horrível.
Eles estavam se aproximando da escadaria principal quando passos
pesados soaram do andar de baixo. Ottilia parou, agarrando o ombro de
Tom para mantê-lo quieto. Em instantes, Cuffy apareceu, subindo as
escadas correndo. Ele parou ao ver os dois.
— Senhora! Está segura?
— Sim, Cuffy, e Tom também, como pode ver.
Seu olhar disparou quando outro uivo, agora distante, soou do alto. O
homem lançou um olhar questionador a Ottilia. Ela lhe deu a notícia sem
rodeios:
— Tamasine está morta. Hemp está com ela.
Emitindo um grunhido baixo em uma língua estrangeira, Cuffy
deslizou, avançou pela galeria e subiu o próximo lance. O peso em seu peito
havia aliviado um pouco. Pelo menos o lacaio poderia conseguir confortar
seu colega. Ela colocou a mão no ombro do sobrinho novamente.
— Vamos, Tom.
O menino não disse nada enquanto iam em direção à escada principal.
Assim que começaram a descer, uma figura alta e conhecida passou
correndo pela porta da frente, seguida de perto por seu outro sobrinho.
— Papai! — gritou Tom.
Patrick derrapou até parar ao pé da escada. Tom desceu correndo e se
jogou nos braços do pai. A cacofonia do reencontro que se seguiu,
acompanhada pelos soluços de Tom e os gritos de alegria de Ben trouxeram
lágrimas aos olhos de Ottilia novamente.
Subitamente cansada, sentou-se na escada, agarrando-se ao corrimão
enquanto ouvia o relato excitado do encarceramento de Tom, que insistia
em se referir a Tamasine como “a louca”. Ouviu como ele conseguiu fugir
depois que a garota o arrastou para o parapeito com a ameaça de pular.
— Não acho que ela realmente pularia, mas a louca disse que iríamos
pular e eu disse que deveríamos pular para o outro lado primeiro só para ter
certeza de que poderíamos fazer isso. Ela começou a se virar e consegui
escapar de seu aperto. Corri ao longo do muro e subi no telhado o mais
rápido que pude. Pensei que iria me seguir, mas não foi o caso. E então
pensei que a louca fosse cair, mas ela conseguiu manter o equilíbrio. E
então Tittilia chegou e dançou com ela e ela morreu e…
Ottilia fechou os olhos e a lembrança dos últimos momentos de
Tamasine voltaram com intensidade. Era tão injusto! A jovem
provavelmente ficou ainda mais demente por causa das aplicações de doses
crescentes de ópio. Se ao menos nunca a tivessem levado para a Inglaterra.
Embora, será que isso adiantaria? Mesmo assim, a Sra. Whiting tinha a
intenção fixa de tirar a vida da garota sempre que ela se tornava muito
difícil de lidar. Assim como fizera com Florine.
— Tillie?
Seus olhos se abriram para um súbito déjà vu. Há algum tempo, estava
sentada em uma escada ao final da primeira de suas aventuras quando
Francis a pediu em casamento.
— Oh, Fan, graças aos céus está aqui!
Ele sentou-se ao lado dela e puxou-a para perto. — Gostaria de nunca
ter saído de casa. — Sua expressão mudou. — Meu Deus, está congelando,
Tillie! Aqui, deixe-me aquecê-la.

Horas se passaram antes que Ottilia pudesse satisfazer a curiosidade


faminta dos internos da Dower House. Após recuperar suas faculdades,
várias urgências a atingiram e foi obrigada a recorrer aos serviços de seu
cônjuge.
— Chame o Sr. Delaney, Fan. Ou é Lovell agora? Ele deve ser chamado
com urgência. O legista também.
Francis a soltou e levantou-se. — Vou mandar Giles. Ele me trouxe de
volta e deve ter ido para os estábulos a essa altura. Venha, Tillie. Vai se
resfriar sentada na escada.
Ottilia permitiu que o esposo a pusesse de pé, segurando o casaco que
ele havia tirado para envolver seus ombros. Sua mente já estava ocupada
com o próximo problema enquanto descia.
— E Summerton também. Não podemos contar com Patrick neste
momento.
Mas o irmão, ainda segurando seu filho mais novo nos braços, olhou
para cima naquele momento. — Deixe-me levar Tom e Ben para Sophie e
irei dar uma olhada nos corpos.
— Vou cuidar de Tom, papai — disse Ben, parecendo decididamente
adulto. — O senhor tem deveres aqui.
O coração de Ottilia se aqueceu. Não havia nenhum vestígio da criança
desesperada que havia corrido até ela temendo pela vida do irmão, mas a
menção de corpos trouxe outro acontecimento terrível à sua mente e ela
agarrou o braço de Patrick quando ele chegou ao pé da escada.
— A Sra. Whiting não deve ser movida! A Justiça deveria vê-la
exatamente onde está.
Patrick liberou Tom sob a responsabilidade de seu filho mais velho. —
Vou cuidar disso. Seja um bom rapaz e vá até sua mãe, Tom. — Ele baixou
a voz enquanto os meninos se dirigiam à porta da frente. — E a garota?
A garganta de Ottilia contraiu-se por um momento. — Hemp não podia
deixá-la no telhado, deve tê-la trazido para dentro.
— Então é melhor eu instruir os lacaios para colocarem ela em seu
quarto — disse e subiu as escadas de dois em dois degraus.
Francis passou o braço em volta de Ottilia novamente. — Vai descansar
na sala até eu voltar?
— Não, Fan, irei contigo se pretende passar pelos aposentos dos
empregados. Tenho que ir ao quarto da Sra. Whiting.
— Para quê? Não pode esperar?
Mas Ottilia já estava se movendo em direção à porta de baeta verde no
fundo do corredor. — É muito importante, Fan. Vá aos estábulos e pegue
Giles antes que ele cisme de entrar na casa. Não acho que seria bom que
visse Tamasine, não acha?
Então a expressão de seu esposo tornou-se sombria. — Decididamente
não.
Ottilia tirou o casaco e o entregou ao marido. — Tome isso, Fan. Já
estou aquecida.
Ele deu de ombros, disse que se juntaria a ela no quarto da governanta
no momento em que enviasse Giles em sua missão e partiu pelo longo
corredor que levava aos aposentos domésticos.
Ottilia seguiu mais devagar, tentando afastar de sua mente agitada a
mais lúgubre das lembranças da manhã. Um barulho de panelas e frigideiras
indicava que os eventos agitados ainda não haviam chegado ao andar de
baixo. A estranheza disso aumentou uma crescente sensação de irrealidade.
Até mesmo o fato do assassinato da Sra. Whiting parecia remoto agora.
Estava feliz em pensar que seria Patrick e não ela quem testemunharia o
trabalho de Tamasine. Normalmente não era melindrosa, mas achava
profundamente dramático pensar no ato vingativo da jovem depois de
abraçá-la em seu último suspiro. Pobre princesinha do açúcar. Era difícil
culpá-la e doloroso pensar na maldade existente dentro daquela mente
torturada. Talvez seria melhor lembrar-se do deleite infantil, da risada
tilintante e alegre e da diversão ocasional de suas declarações não
sequenciais.
Seus pensamentos a levaram à vista dos domínios da governanta e
Ottilia hesitou na soleira. Deveria fazer agora o que pretendia fazer antes
dos acontecimentos drásticos do dia. Era tudo para evitá-los, mas uma
sensação sorrateira da bondade da providência não pôde deixar de
atrapalhar seu arrependimento. A jovem estava em paz e a Sra. Whiting não
podia mais responder por seus delitos neste mundo.
Respirou fundo e entrou no quarto. A porta do armário da governanta,
que esperava encontrar trancada, estava escancarada. Confusão, choque e
desânimo atacaram Ottilia, um após o outro.
A Sra. Whiting havia deixado ela assim? No calor do desastre daquela
manhã, pegou o que precisava e correu para a cena? Ou outra pessoa abriu e
vasculhou parte do conteúdo?
Ela moveu-se para examinar a fechadura. A madeira ao redor estava
lascada, contando sua própria história. Quem na casa a havia forçado? A
Sra. Whiting que não poderia ter sido. Afinal, ela tinha as chaves.
Ottilia abriu a porta e verificou seu conteúdo. Os livros ainda estavam
empilhados onde os tinha visto pela última vez quando a governanta lhe
mostrou os registros das doses de Tamasine. Não havia como saber de
memória se algum estava faltando, mas não havia lacunas, então era seguro
presumir que estavam intactos.
Transferiu sua atenção para a variedade de garrafas e potes na prateleira
de cima. Este era o local onde o ópio era armazenado. Havia uma garrafa
cheia e outra aberta sem a rolha. Estava meio vazia. A Sra. Whiting havia
pegado uma dose às pressas?
Ottilia procurou um conjunto de copos e avistou um medidor sobre a
mesa com a rolha errante ali perto. Em sua mente, imaginou a governanta
entrando às pressas, correndo para providenciar a dose que imaginava ser
necessária diante da cacofonia que ouvia.
Mas o armário havia sido mesmo arrombado? Faltava mais alguma
coisa? Voltou a examinar as prateleiras. Reconheceu prontamente uma
coleção de remédios caseiros inofensivos: gotas de assafétida, ruibarbo
turco, bitartarato de potássioe uma variedade de elixires amontoados, junto
com vários unguentos e um pote de pílulas de mercúrio. Nada obviamente
faltando. Ela verificou mais embaixo.
As prateleiras inferiores continham vários pacotes e caixas, mas uma
lacuna reveladora se destacou imediatamente. O tamanho do lugar vazio
ligou um alerta em Ottilia quando a voz do marido chamou sua atenção:
— Encontrou o que estava procurando?
Ela virou-se para encará-lo. — Está faltando algo.
Ele se adiantou, olhando para o armário. — Já sabe o que é?
Ela voltou seu olhar para a lacuna. — Tenho uma boa noção. O que não
sei é quem forçou a fechadura.
Francis instantaneamente olhou para a área onde a madeira estava
lascada e praguejou. — Misericórdia! Outro mistério é tudo o que não
precisamos.
Um pensamento horrível atingiu Ottilia. — Devemos impedir Hemp de
levar Tamasine para o quarto dela! — Energizada novamente, acelerou para
fora do quartinho e correu pelo corredor.
— Há uma escada nos fundos, Fan. Rápido!
Uma explosão de sussurros excitados irrompeu atrás dela e olhou para
trás. Duas criadas e uma mulher robusta com um avental manchado, que
segurava uma colher de pau, estavam agrupadas algumas portas depois do
quarto da governanta. Ottilia as ignorou e se apressou.
Alcançando o corredor transversal, virou para o esposo, apontando para
a escada agora visível à frente. — Ali, Fan! Corra, por favor, e afaste Hemp
se ele estiver a caminho. Deixe-o colocar a garota em qualquer outro quarto
que não seja o dela.
Francis já estava na metade do primeiro lance, mas acenou com a
cabeça e subiu as escadas de madeira.
Já sem fôlego, Ottilia parou com a mão no corrimão.
— O que foi, senhora? O que aconteceu?
Uma das criadas observava a cena. Ottilia acenou de volta.
— Saberá em breve. Fique aqui embaixo, por favor. — Ela lembrou-se
do mordomo. — Espere! Onde Lomax está?
A criada, uma criatura de aparência assustada e rosto fino, aproximou-
se alguns passos e fez uma reverência. — Até onde sei, ainda está
procurando a garota, senhora.
— Ah, então ele estava aqui quando toda a comoção começou, não
estava?
A criada revirou os olhos. — Quando a jovem começou a gritar e se
debater? Não o vi, mas ouvi quando subiu. Vi a Sra. Whiting subindo
também.
— Sabe se a governanta desceu de novo?
A criada balançou a cabeça. — Eu a vi subir, mas não voltou desde
então.
Não, porque ela não podia. Então a mulher deve ter pegado uma dose e
subido, mas quem havia arrombado o armário? Ela agradeceu a criada e
subiu as escadas, ainda ponderando. Ao lembrar-se do mordomo, se
perguntou se ele era o culpado, embora fosse difícil imaginar por que ele
teria razão para fazer tal coisa. Então lembrou-se da Sra. Delabole
mencionando que Lomax havia ajudado os lacaios a dominar Tamasine.
O instinto a apontou em uma direção. Se estivesse certa, isso explicaria
muita coisa.
Quando chegou ao quarto de Tamasine, estava sem fôlego novamente,
mas ficou aliviada quando Francis saiu do quarto, parecendo extremamente
sombrio. Ottilia parou no corredor, examinando-o.
— Encontrou-os!
— Se quer dizer o que acho que quer dizer, os restos estão espalhados
por todo o lugar.
Ottilia entrou no quarto familiar e parou na soleira. As caixas estavam
por toda parte. As embalagens vazias estavam espalhadas pela cama, pelo
chão e grudadas em vários lugares das cortinas. Dirigiu-se a uma das
caixas, virada de cabeça para baixo na cama desarrumada. Era uma cópia
exata da caixa de doces que Tamasine oferecera a Ottilia no dia anterior e
estava, como o resto, vazia.
— Ela os roubou. Deve ter comido a noite toda.
— E acha que a Sra. Whiting deu a ela outra dose?
Ottilia suspirou sem esperança. — Duvido que fosse capaz. Não ficaria
surpresa ao encontrar um frasco derramado no chão do sótão de Tamasine.
Ela pode ter tomado uma dose ontem à noite, mas se a menina ingeriu cinco
caixas desses doces malditos, não é surpresa que tenha tido um ataque esta
manhã. Deveria estar alucinando.
— O quê? Quando matou a Sra. Whiting?
— Quem poderá nos dizer? Só sei que a menina pretendia matá-la
algum dia. Assim como a Sra. Whiting pretendia, em algum momento
oportuno, se desfazer de Tamasine. O que não acho que tenha feito.
Tamasine a poupou do trabalho.
Quando, por fim, Ottilia expôs essa opinião à Sra. Delabole, a mulher
desatou a soluçar, sentada em uma das cadeiras da sala onde se refugiara
assim que voltou para casa.
— Graças aos céus! Eu não poderia suportar se a criatura miserável
tivesse feito uma coisa dessas, mas aquele sujeito da justiça acredita nisso?
— Eu não o incomodei com essa história, senhora. Ele vai ter trabalho o
suficiente para lidar com o que Tamasine fez com a pobre mulher.
Na verdade, Ottilia havia denominado como fútil qualquer tentativa de
explicar sua teoria sobre a vingança de Tamasine. O Sr. Robert Delaney,
chegando junto com o legista à revelia de seu colega Sr. Lovell que ainda
estava ausente, não teve dificuldade em acreditar que Tamasine havia
cometido o assassinato. A condição de seu vestido e o sangue em seu rosto
eram provas suficientes. Sem falar na arma.
— Pelo que seu bom irmão me disse, Lady Francis, os loucos podem
exibir força sobre-humana se estiverem no meio de um ataque maníaco. —
Ele poderia estar horrorizado, mas parecia inclinado a julgar mal aqueles
que permitiam que um louco vagasse livremente. — E se a criatura tivesse
espancado algum inocente em vez de um membro da família? Só posso
supor que foi uma providência misericordiosa que a menina tenha sido
encontrada dentro da casa, pois entendo que a maioria dos moradores estava
do lado de fora procurando por ela há algum tempo.
Deu por encerrado o caso e deu licença para que os mortos fossem
enterrados o mais rápido possível, dizendo que redigiria seu relatório para
as autoridades que, segundo ele, ficariam perfeitamente satisfeitas com seu
julgamento.
Ottilia não duvidou e ficou feliz por finalmente vê-lo indo embora.
Quando partiu, os agentes funerários haviam chegado, seguidos de perto
pelo inesperado retorno da Srta. Ingleby e Simeon Roy. O alvoroço que se
seguiu quando os acontecimentos da manhã foram revelados aos fugitivos,
era suficiente, como Francis dissera, para acordar os dois cadáveres do
descanso deles.
Ele se recusou a permitir que sua esposa se envolvesse e, de fato, Ottilia
ficou aliviada por deixar a cacofonia para trás.
— Embora eu sinta pena da pobre Sra. Delabole.
— Já passou da hora dessa senhora assumir o controle da casa. Só
espero que não sinta a necessidade de vir para a Dower House chorar em
seu ombro sempre que não puder lidar com uma situação.
Ao ouvir suas palavras, a viúva o informou de como estava totalmente
iludido:
— Anote o que vou lhe dizer: a criatura estará aqui nos arrastando para
uma situação na primeira oportunidade. Presumo que ela não poderá sair até
que tudo esteja resolvido. Como se saiu com Delaney?
Como sempre acompanhada pela Srta. Mellis, Sophie levara os filhos
para cima com medo de perdê-los de vista e Ottilia não fez rodeios ao
relatar o que o juiz dissera. A viúva, sem dúvida ranzinza com os horrores
do dia, criticou o homem por vários momentos.
— É claro que ele não faz ideia — disse Ottilia quando conseguiu dizer
uma palavra —, pois não achei que fosse minha obrigação contar que o
ataque de Tamasine à Sra. Whiting foi um acerto de contas.
Sybilla, sentada à sua frente no sofá, deu-lhe um olhar de águia. —
Como assim?
— A Sra. Whiting envenenou a mãe dela.
O anúncio produziu um silêncio súbito. Lady Polbrook a encarou.
Patrick, ocupando a outra ponta do sofá, levantou as sobrancelhas. E
Francis, em sua posição favorita junto à lareira, com um cotovelo apoiado
na moldura, franziu o cenho para a esposa. Ele foi o primeiro a falar com
um tom de reprovação:
— Atrevo-me a dizer que sabe disso há dias.
— Claro que sabe — disse Sybilla com desdém. — Desde que disse que
achava que a Sra. Whiting fazia aqueles doces malditos.
Patrick levantou uma sobrancelha. — Isso é o que a leva a sustentar que
ela pretendia fazer o mesmo com a filha?
— Tenho certeza de que pretendia. Se Tamasine não tivesse arrombado
seu armário, imagino que a governanta a teria alimentado com esses doces
todos os dias na esperança de que seu vício em açúcar fizesse o trabalho por
ela.
— Juntamente com as doses para acalmá-la? Sim, devo admitir que
seria suficiente para fazer o serviço. Sem tempo para o corpo se livrar do
veneno, os acúmulos inevitavelmente resultariam em coma e, muito
provavelmente, em morte. Dificilmente se poderia esperar que um emético
fosse eficaz para salvá-la.
— Tem certeza de que foi a Sra. Whiting quem deu os doces a
Tamasine? — perguntou o marido.
— Quem mais? Ninguém tinha acesso a essas caixas, exceto a
governanta. Tamasine roubou cinco do armário e pode haver mais lá. Não
tive tempo de fazer uma varredura completa.
— Está tentando me dizer — interrompeu Sybilla, evidentemente ainda
lutando com a verdade — que a miserável tinha em mente o tempo todo se
livrar daquela jovem aflita?
— Sim, estou — disse Ottilia sem rodeios. — Além disso, estou
convencida de que no momento em que percebeu como sua trama havia
ajudado a acabar com Sir Joslin, mesmo que por acidente, aproveitou a
oportunidade para aumentar a dose de Tamasine na esperança de que a
garota sucumbisse o mais rápido possível.
— Mas que insensível!
— Acredito que a mulher acreditava que estava prestando um serviço.
Assim como havia feito com Florine, depois que ficou claro que a mulher
havia se tornado muito violenta. Quando falei de Tamasine sofrendo na
prisão, ou talvez enforcada, a Sra. Whiting ficou horrorizada e disse que
não poderia deixá-los fazer isso. Preferiu descartá-la de uma forma que
considerava humana. Suspeito que o ataque de Tamasine a Phoebe foi sua
sentença de morte.
Francis estava com uma expressão horrível no rosto. — Então a Sra.
Whiting não sabia do esquema de vingança de Tamasine?
— Duvido que ela tenha imaginado que Tamasine sabia que havia
envenenado sua mãe. Se a ouviu falar de vingança, imagino que tenha
tomado isso como outra manifestação da mente perturbada da garota e
nunca pensou em se manter em alerta. Apenas a Srta. Ingleby compreendia
o traço de racionalidade que percorria Tamasine.
— Aquela criatura? Achei que pelo menos tínhamos nos livrado dela!
— Oh, imagino que sim, Sybilla. Não posso supor que a paixão
reacendida entre aqueles dois já se extinguiu. Embora penso que Simeon
vai querer ficar por um tempo, na esperança de ficar com uma parte da
fortuna de Tamasine.
— De minha parte, acho que se merecem — disse Francis. — Espero
nunca conhecer outro par tão briguento. Quanto a esse sujeito, Lomax, por
mim pode ser enforcado. O que mais me incomoda é o que vai ser dos
negros.
— Não vão voltar para sua terra natal? — sugeriu Patrick.
Os olhos da viúva estavam em chamas. — Para serem escravos de
novo?
— Não, não, ambos são homens livres, Sybilla — Ottilia a lembrou. —
Tom e Ben descobriram isso com Hemp e ele mesmo disse isso à Sra.
Delabole. De fato, Hemp tem algum nível de suficiência. E não posso supor
que Sir Joslin, ou mesmo o próprio Matthew Roy, tenham esquecido de
prover Cuffy.

Mais tarde, a sós com Francis, Ottilia foi mais aberta quando abordou
um assunto que estava remoendo em sua mente. — Fan, iria se opor se eu
oferecesse a Hemp uma posição conosco?
O marido a fitou. — Uma posição? Por que diabos?
— Simpatizo com o homem, Fan. Considere isso: ele passou a vida a
serviço do pai e da meia-irmã, com pouco ou nenhum ganho. Agora ficará à
deriva, sem propósito a cumprir e em um país estrangeiro.
Francis não parecia convencido. — Bem, ele pode escolher não
permanecer na Inglaterra. Além disso, ele mesmo disse que é independente.
Não digo que possa ocupar um lugar na sociedade, mas pode se estabelecer
em algum lugar, se assim o desejar.
— Como, Fan? Um negro, no clima que persiste neste país? Hemp é um
homem inteligente e merece ter sucesso. Além disso, que nível de
independência seria esse? O suficiente para permitir que se sustente aqui?
— Ela foi até o marido, colocando as mãos contra seu peito e sorrindo. —
Querido Fan, sinto pena dele, ah, como sinto. Ele ficará de luto por algum
tempo e talvez isso o ajude a ocupar a cabeça.
— Mas o que ele pode fazer por nós? Não precisamos de outro lacaio.
— Não, e eu não deveria sonhar em pedir para que assuma uma posição
tão humilde.
— O que seria, então? Parece-me que ainda não pensou nisso, Tillie.
— Confesso que na verdade não. Não sei, Fan. Pode ser meu mordomo
pessoal ou algo assim. Tenho certeza de que pensarei em algo adequado. —
Ela leu a condenação no rosto dele e acrescentou em um tom persuasivo: —
Por favor, me conceda isso, Fan.
— Mas por que, Tillie? Atrevo-me a dizer que o infeliz não desejará de
forma alguma trabalhar para nós.
— Nesse caso, o assunto estará encerrado.
Para seu alívio, o marido parecia estar cedendo. Ele deslizou um braço
ao redor dela e suspirou. — Gostaria de entender o que quer com isso, meu
amor.
Ottilia ficou na ponta dos pés para beijá-lo e depois recostou-se no
círculo de seu braço. Ela tentou sorrir, mas sabia que não conseguiria
quando sua voz ficou rouca. — Este foi um episódio trágico, meu querido.
Eu me sinto tão mal, não pode nem imaginar.
— Ah, não posso? Como se não a conhecesse bem o suficiente para ter
certeza de que se convenceu de que tudo foi culpa sua.
Ottilia deu uma risada sem graça. — Não é bem assim, mas deve ver
que… — Ela fez uma pausa e respirou fundo. — Não, não vou provocá-lo
com minhas divagações. Permita-me apenas salvar uma coisinha do
naufrágio.
— Mais do que isso, minha querida, Giles e Phoebe têm a esperança de
sair relativamente ilesos, uma vez que possamos trazer Randal à razão. O
que pode finalmente apaziguar o temperamento de mamãe. Quanto à minha
querida esposa…
Ela o deteve com um dedo em seus lábios. — Não precisa dizer isso. De
fato, serviu para me distrair apesar dos horrores que enfrentamos. E se só
me permitir mais esta coisinha, juro que não vou proferir uma palavra de
reclamação durante o restante da minha gravidez.
Ele deu uma gargalhada. — Se eu acreditasse nisso, Tillie, cairia do
cavalo dentro de uma semana!
Ela foi obrigada a sorrir, mas não perdeu de vista seu objetivo. — E
Hemp?
Francis a abraçou. — Faça o que quiser, querida. Confesso que gosto do
sujeito. É um preço pequeno a pagar e merece uma recompensa, mesmo que
apenas por suportar a loucura hedionda de Willow Court.
Satisfeita por ter vencido essa batalha, Ottilia agradeceu de maneira
adequada à ocasião, mas seu marido parecia ter poucas ilusões.
— Sim, está tudo bem em me bajular, mas devo avisá-la que não vou
mais encorajá-la em tais aventuras, minha Lady Fan.
 

 
Quer descobrir o que vem a seguir para Lady Ottilia Fanshawe?
Uma Nota Ao Leitor
 
Caro leitor,
A ideia de O Expurgo do Ópio foi um fragmento de algo que pensei que
seria o início de um romance. Uma garota se aproxima dos novos vizinhos e
implora por refúgio, mas um irmão vem buscá-la e diz aos vizinhos que está
louca. Neste cenário, a garota estava sendo mantida contra sua vontade e
estava perfeitamente sã. Isso, como leram agora, não se concretizou quando
se transformou na próxima aventura de Ottilia.
A pesquisa para este livro se provou maravilhosamente satisfatória. Eu
precisava de um veneno adequado que fosse fácil de ser obtido na época. O
Google me levou ao Google Books, onde encontrei a fonte contemporânea
mais incrível do final do século XVIII. O livro foi digitalizado para que
fosse possível lê-lo on-line. Era um longo tratado escrito por um médico
sobre venenos e cobria absolutamente todos os venenos possíveis que se
possa imaginar, especialmente plantas venenosas e seus derivados.
Além disso, este médico deu descrições exatas dos sintomas em vários
casos, explicou como e em qual prazo a pessoa poderia morrer, e passou a
descrever o que o post-mortem mostraria e como os testes poderiam ser
feitos. Por exemplo, o conteúdo do estômago poderia ser dado a um sapo e,
se ele morresse, saberiam que o veneno estava no corpo.
Analisei várias possibilidades antes de me decidir pelo ópio. Isso
imediatamente me levou a pesquisar sobre viciados em ópio e encontrei
outro livro digitalizado sobre as confissões de um adicto. Os dados
aumentaram o que já havia descoberto e me deram muitas informações
sobre qual quantidade de ópio poderia ser letal, dependendo de como fosse
ingerida, seja como licor ou grãos, ou como doce de láudano. Os sintomas e
sensações de estar sob efeito do narcótico estavam todos descritos ali. Uma
leitura extremamente reveladora.
É claro que tive que juntar todas as informações, usando apenas o que
era pertinente à minha história e me certificando de que tudo fizesse sentido
e funcionasse. Posso lhes dizer que foi um exercício fascinante.
O que mais gostei nesta história foi criar a casa Willow Court -
literalmente um hospício - com suas correntes cruzadas de paixões e
segredos. Como Ottilia, encontrei-me com pena da desafortunada Tamasine,
que apesar de sua beleza extraordinária foi condenada a uma doença
terrível.
Espero que esteja gostando do desenrolar do casamento de Francis e
Ottilia que, sem querer dar spoilers, inevitavelmente terá seus altos e
baixos. Se considerar fazer uma avaliação do livro, seria muito apreciado e
muito útil. Sinta-se à vontade para entrar em contato comigo no:
elizabeth@elizabethbailey.co.uk
Ou encontre-me no Facebook ,Twitter , Goodreads
Ou em meu site www.elizabethbailey.co.uk .
 
Elizabeth Bailey
 
 
Vem aí
 
 
 
 
 
Livro Quatro
 
 

 
 
Série Mistérios de Lady Fan 4
O Caixão à Luz de velas
Uma mistura emocionante de mistério e romance! Para os fãs de
Georgette Heyer, Mary Balogh, Barbara Erskine e Jane Austen.
O assassinato espreita nos bastidores…
 
1791, Inglaterra
Lorde Francis e Lady Ottilia Fanshawe sofreram um golpe devastador.
Com Ottilia afundada em uma depressão profunda, Francis está
desesperado para ter sua amada esposa de volta.
Então quando fica sabendo de um assassinato na cidade litorânea de
Weymouth, uma ideia começa a se formar…
O corpo de uma jovem foi descoberto em um caixão aberto e cercado
por velas.
A cena e o fato de a vítima ser membro de uma trupe de teatro sugere
que um de seus colegas é o assassino.
Conhecendo a intuição aguçada de Ottilia e sua propensão para resolver
mistérios, Francis a leva ao local do crime.
O caso poderá despertar o interesse de Ottilia? A intrépida “Lady Fan”
fará uma aparição mais uma vez?
E ela poderá resolver o mistério do Caixão à Luz de Velas…?
Mais Mistérios de Lady Fan
 
 
 
 
 
Livro Um

Série Mistérios de Lady Fan 1


A Mortalha Dourada

9786588382417
Compre aqui
A mistura perfeita de assassinato e mistério históricos com uma pitada
de romantismo! Para os fãs de Georgette Heyer, Mary Balogh, Barbara
Erskine e Jane Austen.
 
Assim que um assassinato é cometido, a acompanhante de uma dama
revela-se como uma detetive amadora…
 
1789, Londres
 
Quando Emily Fanshawe, Marquesa de Polbrook, é encontrada
estrangulada em seu quarto, a suspeita recai imediatamente sobre aqueles
que residem na grande casa na Praça de Hanover.
O marido de Emily — Randal Fanshawe, Lorde Polbrook — fugiu
durante a noite e é o principal suspeito — para consternação de sua família.
Ottilia Draycott é enviada como nova acompanhante de Sybilla,
Marquesa Viúva, e logo se vê ajudando o filho mais novo, Lorde Francis
Fanshawe, em suas investigações.
Ottilia pode ajudar a limpar o nome da família? O assassino ainda reside
na casa?
 
Ou poderia haver mais no mistério do que se vê?
 
A MORTALHA DOURADA é o primeiro livro da série Mistérios de
Lady Fan: romance histórico de mistérios de assassinato com uma mulher
corajosa embarcando em uma tradicional investigação privada britânica no
século XVIII em Londres.
 
Livro Dois
Série Mistérios de Lady Fan 2
O Presságio da Morte

9786580754557
Compre aqui
Lady Fan regressa num emocionante mistério histórico!
Uma jovem, ao prever um assassinato, se vê no centro de uma caça às
bruxas.
 
1790, Inglaterra
Quando a carruagem de Lorde Francis e Lady Ottilia Fanshawe se
avaria, eles acabam por ficar encalhados na aldeia de Witherley.
Mas Ottilia, a intrépida ‘Lady Fan’, tem a sua curiosidade despertada
quando ouve falar de um assassinato local.
Uma jovem previu a morte horrível do ferreiro da aldeia. E ele foi
morto exatamente como descrito.
Será que a jovem pode prever o futuro? Será que os aldeões têm razão
ao chamá-la de bruxa?
Ou há uma explicação ainda mais sinistra…?
O PRESSÁGIO DA MORTE é o segundo livro da série ” Mistérios de
Lady Fan“: romance histórico de homicídios misteriosos com uma mulher
corajosa que embarca numa investigação privada na tradicional Londres do
século XVIII.
Sobre a Autora
 
 
 
 
 
Elizabeth Bailey sente-se feliz por ter encontrado
vários caminhos que lhe deram imensa satisfação — atuar,
dirigir, ensinar e, não menos importante, escrever. Ao longo
dos anos, cada caminho tem cruzado o outro, aperfeiçoando
e aprofundando suas habilidades em cada esfera.
Teve o privilégio de trabalhar com alguns artistas maravilhosos, e teve a
sorte de encontrar editores que acreditaram nela e a colocaram no caminho.
Inventar um mundo, persuadir outros a acreditar e viver nele por um
tempo, é o único objetivo da romancista.
O grande amor de Elizabeth pela leitura nunca diminuiu, e se ela puder
dar um dízimo desse prazer aos outros, como ela mesma recebeu, valerá a
pena qualquer esforço.
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Ou em seu website www.elizabethbailey.co.uk.
 
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