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Capítulo 1
O manto salpicava de vermelho a neve imaculada. Braços erguidos
para o céu, dedos nus apanhando flocos frescos, a garota rodopiava no
gramado abandonado da Dower House com o semblante iluminado de
prazer.
Observando de uma janela ao alto, descalça e inadequadamente vestida
para o início de janeiro, Ottilia Fanshawe ficou impressionada com a beleza
etérea dessa invasora da manhã. Quem ela poderia ser era um mistério, pois
a sogra de Ottilia não havia mencionado uma estranha tão digna de nota.
Embora isso não fosse surpresa, pois a concentração da marquesa viúva de
Polbrook estava centrada na deslealdade de seu filho mais velho.
Os longos discursos inflamados, suportados com desgosto mal
disfarçado pelo resignado cônjuge de Ottilia durante a estadia deles, não
davam sinais de que iriam cessar. Assim, o simples deleite da garota vestida
de escarlate no jardim era revigorante para a paciência esgotada de Ottilia.
Se alguém imaginasse uma princesa de contos de fadas, essa criatura
encarnava a visão com perfeição. O capuz de sua capa caído sobre os
ombros, revelava um conjunto de cachos louros emoldurando um rosto
radiante, digno de fazer um pintor tatear em busca de seus pincéis. Uma
fileira de dentes perolados apareceu dentro da boca aberta exuberante e um
par de olhos brilhantes destacavam-se.
No entanto, mesmo enquanto apreciava a visão, o bom senso inato de
Ottilia não poderia deixar de reprovar a falta de luvas e a imprudente
excursão ao frio de um dia de inverno sem proteção adequada. Ela duvidava
que o manto ondulante aquecesse muito, especialmente porque a garota
aparentemente usava um vestido de tecido leve que era mais adequado para
uma festa noturna. As dobras do vestido cintilavam à luz, sugerindo uma
confecção de lantejoulas aninhada sob a capa que o ocultava.
De repente, ocorreu a Ottilia que a garota havia parado de dançar na
neve e descoberto que estava sendo observada. Estava olhando diretamente
para a janela com um olhar atento que era estranhamente perturbador.
Obedecendo a um impulso impensado, Ottilia ergueu a mão e acenou.
As feições da garota explodiram em vida, abrindo-se em um sorriso enorme
que não pôde deixar de arrancar uma resposta de Ottilia. Duas mãos nuas
surgiram e os dedos balançaram de uma forma que a lembrou
irresistivelmente da tentativa de acenar de uma criança.
Rindo alto, Ottilia observou a garota se virar abruptamente e se afastar.
Ela rapidamente sumiu de sua visão pela esquina da casa e Ottilia se viu
encostada no vidro em um esforço para ter um último vislumbre.
— O que diabos está fazendo, Tillie?
A voz sonolenta de Lorde Francis Fanshawe chamou a atenção de
Ottilia e ela endireitou-se, virando a cabeça. O marido emergiu
parcialmente entre as cortinas da cama que Ottilia deixara fechadas. Ela
deu-lhe um olhar travesso.
— Estava assistindo a uma fada dançando na neve.
— A esta hora? — E então ele pareceu absorver as palavras. — Uma
fada?
— Uma garota. Uma estranha, eu acho. Parecia uma criatura infantil,
mas muito bonita.
Francis colocou as pernas para fora da cama e uma carranca vincou sua
testa. — Vai acabar morrendo de frio exposta aí apenas de camisola.
Ottilia estremeceu, percebendo tardiamente o frio em seus membros.
Ela procurou seu xale, mas seu marido já estava de pé, movendo-se para
pegá-lo na espreguiçadeira onde ela o havia deixado na noite anterior. Ele
foi até a janela e colocou a lã sobre os ombros dela, seus braços
envolvendo-a por trás.
— Agora sim. Embora eu prefira que se aconchegue entre os lençóis
comigo, mesmo que tenhamos nos comprometido a ser cautelosos por um
tempo.
Ottilia afundou-se no calor de seu abraço, mas não resistiu a um surto
de irritação. — Um conto da carochinha, Fan.
Uma das mãos de Francis desceu para embalar a protuberância ainda
discreta no abdômen dela. — Mesmo que Patrick tenha nos advertido sobre
isso?
— Vou ter uma conversa com meu irmão quando ele chegar — disse
Ottilia em um tom levemente ácido. — Entre os dois, ficarei enlouquecida
antes mesmo de passar pelos próximos seis meses.
Francis a abraçou com mais força e ela sentiu os lábios dele acariciando
seu rosto enquanto ele balbuciava palavras de ternura e carinho que não
poderiam deixar de amortecer seu aborrecimento crescente. Ela suspirou,
ciente do tumulto emocional incomum que parecia piorar à medida que sua
gravidez avançava. Sua calma habitual a havia abandonado e, embora não
estivesse mais enjoada, estava propensa ao mau humor e às angústias
injustificadas. Ottilia já estava ficando cansada de se desculpar e as
semanas que estavam por vir pareciam uma eternidade.
Francis relaxou seu aperto. — Conte-me sobre sua fada.
— Ah, a garota na neve!
A lembrança voltou à mente de Ottilia e ela imediatamente percebeu
que a aparência de liberdade alegre da garota havia falado com as
profundezas dela, onde a frustração reinava e a vida havia perdido algo de
seu sabor.
— A garota é primorosa. É a imagem de uma boneca; ou uma princesa.
Pergunto-me quem ela é. — Ottilia virou-se, examinando as feições
marcantes do rosto do marido, seu exuberante cabelo castanho caindo de
maneira atraente sobre as maçãs do rosto. — Sybilla não falou sobre
nenhuma vizinha estranha, falou?
— Como, se cada palavra que sai da boca dela é uma nova maldição
contra Randal? Duvido que tenha tido tempo de notar. — Francis a soltou,
movendo-se para localizar seu roupão. — A única garota que conheço que
mora por aqui é a jovem Phoebe.
— Refere-se à garota com quem Giles deveria se casar? Lady Phoebe
Graveney, não é?
O marido deu de ombros em seu roupão e o amarrou. — Essa é a única.
Ela é filha de Hemington. Acredito que a família estava ausente no Natal,
mas ouso dizer que a garota estará em evidência em breve.
— Como ela é?
— Bonita o suficiente, se bem me lembro.
Ottilia estalou a língua. — Um pouco mais de detalhes, por favor, Fan.
Ela é loira?
Ele franziu a testa, concentrado. — Cabelo escuro, acho.
— Então não pode ter sido ela. — Ottilia olhou pela janela, sua mente
projetando a imagem perdida da garota que havia visto. — Além disso,
dificilmente posso supor que uma garota tola o suficiente para correr na
neve em um vestido de gala de lantejoulas tenha a chance de ser a futura
Lady Polbrook.
— Lady Bennifield, para começar — corrigiu Francis, acrescentando
em um tom comovido: — E gostaria que não mencionasse esse nome,
Tillie.
Ottilia não segurou o riso. — Sim, embora seja mesmo um desafio
repetir esse nome com a mesma entonação de sua mãe.
A viúva tinha o hábito de dar uma ênfase selvagem ao título que agora
carregava sua nova nora, o qual fizera da antiga esposa francesa de seu filho
uma marquesa. Randal casou-se no momento em que seu ano de luto por
sua desafortunada primeira esposa chegara ao fim, em segredo e sem
consultar a família.
Ao ser informada do feito, a mãe desabafou sua fúria em uma carta ao
filho mais novo. Francis poderia jurar que havia chamas saindo do papel.
A carta terminava com uma intimação categórica para que Ottilia e
Francis passassem o Natal na Dower House, com Sybilla declarando que
nada a induziria a compartilhar a mesa de Polbrook para as festividades.
Na ocasião, Ottilia conseguira convencer a sogra a pelo menos
participar do jantar no dia 25, mesmo que apenas por causa da presença dos
netos.
— Giles pelo menos parece ter se reconciliado. — Ottilia aproximou-se
de Francis, que havia afastado as cortinas e estava sentado na beira da
cama. — Nós não o vemos desde a véspera de Ano Novo.
— Reconciliado? Não acredite nisso! Suspeito que vai demorar muito
até que perdoe o pai. Quanto a estar sobrecarregado com uma meia-irmã e
irmão franceses…
— Meio franceses.
— Não me venha com essa, Tillie.
— Eles não são culpados, pobrezinhos.
— Ninguém os está culpando, mas as objeções de Giles são
perfeitamente compreensíveis.
— Até que seu irmão os tenha legitimado — ela prosseguiu
inadvertidamente —, eles continuarão sendo órfãos abandonados.
— Tenho certeza de que Randal tem o assunto em mãos há meses. —
Seu tom era sério. — Imagino que Jardine foi instruído há muito tempo.
O advogado da família foi fundamental na localização do marquês
quando ele desapareceu na França depois que sua esposa foi brutalmente
assassinada no outono de 1789. O escândalo que se seguiu abalou os
alicerces da família, agravado pelo reaparecimento de Lorde Polbrook na
companhia de Madame Guizot e seus dois filhos, que ele havia resgatado da
vingança de uma população enlouquecida. Francis, deixado para recolher os
cacos durante a ausência do irmão, foi duramente assediado.
Ottilia estendeu a mão para colocá-la sobre a dele, que repousava sobre
seu joelho, entrelaçando seus dedos. — Ainda não o perdoou, não é?
Seu esposo moveu os ombros como sempre fazia quando confrontado
com verdades desconfortáveis. — Acho que ele deveria ter esperado.
— Bem, sabe por que ele não esperou, pois ele lhe explicou isso.
Francis bufou. — Sim, ele queria garantir o futuro de sua preciosa
Violette. Não parece ter lhe ocorrido pensar no efeito sobre seu filho e filha.
Ou que Harriet teve que adiar a apresentação de Candia na sociedade
novamente até que o escândalo acabasse. Sei que ele não dá a mínima para
a desaprovação de mamãe, desde que não seja obrigado a ouvir suas
queixas.
O descontentamento profundo no tom de voz do esposo levou Ottilia a
passar um braço pelas costas dele e apoiar a cabeça em seu ombro. — Meu
pobre querido. Não há dúvida de que suportou o peso dessa situação.
Como resposta, Francis a puxou para mais perto em um abraço apertado
e deu um beijo em sua testa. Então soltou um leve suspiro.— Gostaria que
Patrick e sua família tivessem chegado mais cedo.
— De fato, eu também, pois temo que a neve possa impedi-los de vir.
— Meu Deus, espero que não!
Ottilia riu. — Bem, vamos ser otimistas para o seu bem. A presença
deles deve pelo menos parar a língua de Sybilla temporariamente. E desafio
até mesmo sua mãe a rivalizar com a capacidade de Sophie de prolongar um
relato de seus sofrimentos.
Francis ergueu os olhos e Ottilia se lembrou de como ele havia criticado
abertamente a esposa de Patrick Hathaway, depois dos poucos dias passados
na casa do irmão dela, onde se casaram em junho do ano passado.
— Se me disser como Patrick é capaz de tolerar as lamentações dela,
posso me espelhar nele para agir com mamãe. Será que seu irmão usa
alguma erva secreta? Uma poção para tornar alguém surdo por um período?
O riso de Ottilia transbordou. — Ele simplesmente se retira para seu
consultório. Ou inventa um paciente que precisa visitar imediatamente. Pelo
menos, suponho que invente, pelo número de vezes que uma mensagem
chegou oportunamente.
— Bem, não posso usar essa desculpa aqui. Quase poderia desejar que
tropeçasse em outra aventura se isso pudesse desviar a atenção de minha
mãe.
Essa observação serviu para lembrar Ottilia da garota estranha que
havia visto. Ela levantou-se abruptamente. — Vou perguntar a Sybilla sobre
minha fada. Isso pode distraí-la um pouco de seus pensamentos.
Francis segurou a mão dela.— Agora? Não vai voltar para a cama?
Ottilia murchou. — Não posso, Fan. Vou enlouquecer se tiver que ficar
deitada sem fazer nada.
— Ainda está tão inquieta?
— Sim! Acho que vou me vestir e dar um passeio. — Francis a soltou e
fez menção de se levantar, mas ela rapidamente colocou a mão no ombro
dele. — Vou ficar bem sozinha, Fan. Não é necessário ficar apreensivo.
Prometo que tomarei o maior cuidado.
Ele semicerrou os olhos. — Tudo bem.
Ottilia conhecia aquele olhar. — Pretende se vestir e me seguir de
qualquer maneira, não é?
Francis levantou uma sobrancelha. — Não vou voltar a dormir, mas
terei que me barbear, então não tenho dúvidas de que estará muito à minha
frente.
Assolado pela ansiedade, Giles observou seu tio fechar a porta da sala.
A última coisa que precisava era responder a perguntas complicadas. Não
tinha dúvidas de que haviam estranhado a explosão de Tamasine. Giles teria
desejado que ela tivesse a prudência de não falar do futuro na frente de
todos, mas sua inocência ávida era justamente uma grande parte de seu
charme. O evento terrível daquela manhã deve tê-la sobrecarregado muito e
Giles suspeitava que Tamasine não tinha assimilado completamente o fato
de que seu guardião havia morrido. O que mais poderia explicar aquele
lapso infeliz em sua fala?
No entanto, ficou ainda mais indignado com o tratamento áspero da
Srta. Ingleby para com a pobre garota. Giles estava a par da situação, pois
Tamasine havia lhe explicado o quanto muitos na casa costumavam cercá-la
com ordens e restrições. Deveria encontrar uma maneira de falar com ela
antes de sair da casa, embora primeiro fosse preciso se livrar de seus
parentes indesejados.
Seu tio Francis estava com o cenho franzido enquanto olhava ao redor
da sala. O que não era novidade para Giles, pois se lembrou de sua própria
reação à primeira vista do lugar. A casa tinha um ar exótico, embora a
mobília fosse escassa, sem a elegância que caracterizava a típica casa de
campo de um cavalheiro inglês. Havia um sofá e duas poltronas feitas de
algum tipo de junco trançado, com almofadas floridas de um tom brilhante
e mantas coloridas com franjas nas pontas. Uma mesa de vime havia sido
colocada de um lado e um tapete estampado decorava o chão em vez de um
carpete. A combinação era incongruente em contraste com o papel de
parede listrado e a lareira ornamentada com um espelho fixo acima.
Giles viu seu tio olhar para a esposa, que estava de pé perto do sofá,
inclinada de modo a aproveitar o calor do fogo enquanto seu olhar também
vagava pela sala.
— Bem, Tillie?
Seus olhos se encontraram e um pequeno sorriso tremeu nos lábios de
sua tia Ottilia. — Suspeito que o esforço seja para tornar a casa mais
parecida com um “lar”.
— Quer dizer parecido com o lar deles em Barbados?
— Exatamente. Atrevo-me a dizer que foi feito por causa de Tamasine.
— Para mantê-la em um estado de espírito calmo?
Giles não pôde deixar de interromper. — Calma? Como ela poderia
ficar calma em tais circunstâncias?
— Meu querido Giles — respondeu a tia —, não estou me referindo aos
acontecimentos de hoje.
Um lampejo de aborrecimento percorreu Giles e ele não confiava em si
mesmo para responder. Sabia que seu tio não aceitaria que se dirigisse à
Lady Francis com aspereza, mas seu silêncio deixou o tio irritado.
— Não se faça de bobo, Giles. Certamente deve enxergar o que é óbvio
para o resto de nós.
Giles reprimiu uma réplica afiada, usando a ignorância como defesa. —
Não estou conseguindo entendê-lo, tio Francis.
— Estou falando da condição de Tamasine.
Como se ele não soubesse! Por que o mundo e sua esposa têm a
pretensão de julgar a pobre garota apenas porque era diferente?
— Qual condição? Tamasine é uma garota encantadora. — Recordando
a cena recente, Giles corrigiu: — Pelo menos quando está em seu estado
normal.
Para sua consternação, sua tia Ottilia foi até ele e colocou a mão em seu
braço. Com dificuldade, Giles evitou afastá-la rudemente.
— Querido Giles, deve ser muito difícil para o senhor. Ela é uma
criatura linda, não é?
Com isso, o garoto não pôde deixar de emitir um suspiro, a imagem de
Tamasine sempre o deixava estonteado, como naquela primeira vez na
floresta. — Deslumbrante.
— E seu fardo foi grande hoje. — Ottilia voltou-se para o marido —
Vou deixa-lo explicar tudo ao seu sobrinho, meu querido.
Um pouco aliviado, pois lidaria melhor com o tio sozinho, Giles ficou
um pouco surpreso ao ouvir um tom de suspeita na voz de Francis:
— Onde está indo?
— Vou ver como está a situação agora que as coisas se acalmaram.
— Achei que iria descansar — protestou o tio. — E Cuffy está vindo
com seu café.
— Não vou demorar muito. — Ela colocou a mão no peito dele em um
gesto que pareceu a Giles peculiarmente íntimo. — Além disso, estou
convencida de que se sairá muito melhor com Giles sem mim.
Francis cobriu a mão da esposa com a dele. — Cuidado, meu amor. Não
quero que entre em conflito com a Srta. Ingleby. A mulher está com um
humor perigoso.
— Ela está de luto, Francis. Não percebeu isso?
A mente de Giles ficou em alerta e não ficou surpreso ao ouvir a
pergunta do tio, que confirmava suas próprias suspeitas:
— Quer dizer que ela estava intimamente ligada ao homem morto?
Os olhos de sua tia brilharam com travessura. — Muito bem, Fan. Um
pouco mais e me sentirei totalmente redundante.
Seu tio riu e soltou-a, movendo-se para abrir a porta para a esposa.
Enquanto passava, ela fez uma pausa para murmurar algo. Mesmo
esforçando-se, Giles não conseguiu ouvir o que foi dito. A convicção de
que a tia falava dele o colocou imediatamente na defensiva e mal esperou
Francis fechar a porta para explodir:
— O que foi aquilo? Tia Ottilia disse algo ao meu descrédito? — Sem
esperar por uma resposta, continuou, estimulado pelas emoções crescentes
que se agitavam em seu peito: — Não preciso perguntar por que são contra
meu interesse em Tamasine. Tenho certeza de que está pensando em
Phoebe, mas é ridículo dizer que estou prometido.
— Eu não disse isso — disse o tio inesperadamente enquanto voltava
para a sala. — De fato, devo ser a última pessoa a defender um casamento
arranjado após o desastre…
Giles congelou e a revolta e a dor familiar que o sobrecarregavam
tomaram conta dele. A paz de espírito que adquirira desde o fim trágico de
sua mãe foi abalada com o novo casamento do pai com aquela maldita
francesa, sobrecarregando-o com meios-irmãos indesejados e remetendo
sua mente aos acontecimentos do ano anterior com uma força
surpreendente. Foi preciso o advento de Tamasine para despertá-lo.
— Está falando de mamãe e meu pai, mas os tempos mudaram. E se
devo tomar o exemplo de meu pai como modelo, posso me considerar livre
para fazer o que diabos eu quiser.
Consciente da selvageria em seu tom, Giles virou-se rapidamente e foi
até a lareira, tamborilando os dedos inquietos sobre sua moldura. Não olhou
para o tio, atormentado pela desagradável lembrança de que sua própria
ausência no continente havia jogado todo o fardo do assunto sobre os
ombros de Francis.
A voz do tio veio calmamente, mas Giles, extremamente sensível a esse
respeito, notou a irritação reprimida. — Se é capaz de perceber a insensatez
da conduta de seu pai, Giles, faz ainda menos sentido seguir os passos dele.
Isso já era demais. Giles virou-se para ele. — Como estou fazendo isso?
Está sugerindo que usei Tamasine como meu pai usou Violette?
— Não estou sugerindo nada disso.
— Como se eu fosse capaz de uma coisa dessas — persistiu. — Ela é a
criatura mais inocente que já encontrei. Apenas um monstro se aproveitaria
dela.
Para sua consternação, o tio aproveitou a brecha para confrontá-lo. —
Esse é precisamente o ponto, Giles. A garota é inocente como uma criança,
pois sua mentalidade não está muito acima desse estado.
Giles o encarou, com todo o ressentimento esvaindo-se de seu peito,
deixando-o vazio. Ele foi confrontado com as suspeitas que mais de uma
vez o atormentaram, mas não duvidaria de Tamasine. Confiava nela, como
confiava em seu próprio julgamento.
— Deve ter notado algo estranho no comportamento dela, Giles. Não
digo que seja totalmente louca, mas não se pode negar que é anormal.
— Louca? Tem dado ouvidos a rumores, tio. Está sugerindo que Sir
Joslin trouxe uma lunática para o condado? Se fosse verdade, por que
Tamasine não está confinada?
— Pelo que sei, às vezes ela fica.
A agitação tomou conta de Giles e ele afastou-se, andando sem rumo
pela sala sem ver onde pisava. Imagens invadiam sua mente sem cessar e
tentou em vão afastá-las. Apenas semiconsciente de que falava em voz alta,
procurou cegamente as explicações que lhe haviam ocorrido anteriormente:
— Ela pode se distrair, sei disso. Sim, muitas vezes fala de uma maneira
que pode ser considerada como um non sequitur, mas o que isso significa?
Não é mais do que uma manifestação da liberdade de costumes que
prevalece naquela ilha. Tamasine não consegue evitar. Eles não criam
meninas para serem modelos de virtude como fazem aqui. Elas não são tão
rigorosamente educadas nas Índias Ocidentais, pois a Srta. Ingleby me disse
isso.
Giles assustou-se um pouco ao ouvir seu tio responder, não tendo
percebido totalmente a quem suas persuasões eram dirigidas:
— Sem dúvida, ela lhe disse isso em um esforço para explicar essas
deficiências das quais está plenamente ciente.
— Não são deficiências — retorquiu Giles, furioso com o tio pela
escolha da palavra. — Se ela demonstra uma liberdade que não estamos
acostumados a ver aqui, por que isso deveria repercutir no estado de sua
mente? Acho revigorante. — Para sua consternação, seu tio Francis parecia
menos irritado do que compassivo. — Por que está me olhando assim?
Como se estivesse com pena de mim!
Uma das sobrancelhas de Francis se ergueu em uma expressão que
Giles conhecia há muito tempo. — Tenho pena de qualquer jovem obcecado
o suficiente para desconsiderar o que está bem na sua frente.
— Obcecado? — Giles soltou uma risada curta. — Inútil, suponho,
dizer-lhe o quanto estou apaixonado por ela.
— Foi o que eu disse.
Giles suspirou. — Não foi, tio. Acha que estou encantado por um rosto
bonito.
Ele foi até a janela e olhou através dos amplos gramados para a sombra
da floresta adiante e disse novamente sem se virar. — É compreensível que
pense assim, suponho. Admito que fiquei deslumbrado com sua beleza no
começo. Pensei que era uma rapariga da vila.
Giles lembrou-se da aceitação estranha da garota quando a beijou. Ela
não tinha lutado, nem correspondido. Havia dito a ela, em tom de
brincadeira, para ficar parada, imaginando que fugiria. Tamasine fez
exatamente como havia sido instruída. Então a garota falou de seu tutor:
— Joslin ficará zangado quando souber que me beijou.
Giles reconheceu o nome imediatamente, pois estava presente quando
Sir Joslin fez uma visita de cortesia ao seu pai em Polbrook. Chocado ao
perceber que havia tomado a liberdade com uma garota de origem refinada,
desculpou-se profusamente, mas Tamasine riu.
— Não me importo. Espero que venha me visitar.
— Em Willow Court? Pode ter certeza de que eu vou. — Então ele
lembrou-se de seu estado solitário. — Mas não posso acompanhá-la de
volta até lá?
A risada tilintante de Tamasine soou novamente. — Eles não sabem que
estou fora. Escapei de Lavinia.
Com isso, a menina virou-se e desapareceu por entre as árvores antes
que Giles tivesse a chance de perguntar mais alguma coisa.
A voz do tio, falando com urgência, o trouxe de volta ao presente e o
peso dos eventos atuais se abateu sobre seu peito mais uma vez.
— Giles, quaisquer que sejam seus sentimentos pela garota, há muito
em jogo aqui para se entregar às emoções.
Virando-se, observou a seriedade das feições de Francis com alarme. —
O que está em jogo?
O tio desconsiderou a pergunta. — Diga-me, Giles, Hemp lhe entregou
uma mensagem escrita ou verbal?
Pego de surpresa, Giles respondeu sem pensar. — Verbal, acho que
Tamasine não teve tempo de escrever.
— O que exatamente Hemp lhe disse?
Um mau pressentimento percorreu o corpo de Giles. — Por que essa
pergunta?
— Cada detalhe é importante nessas circunstâncias.
A sensação intensificou-se. — Quais circunstâncias? Está se referindo a
morte de Sir Joslin?
Os olhos escuros do tio se estreitaram. — Estou falando de seu possível
assassinato.
O choque atravessou o peito de Giles. Horrorizado, só conseguia olhar
para Francis. Assassinato?
A palavra era como uma blasfêmia, depois do que sua família havia
passado não muito tempo atrás. Por que no mundo alguém iria querer matar
o homem? E por que, ocorreu-lhe tardiamente, os detalhes da mensagem de
Hemp eram tão importantes?
— Não entendo — conseguiu dizer por fim.
— Não precisa entender neste momento. Apenas responda à pergunta.
Com dificuldade, Giles tentou se concentrar no momento em que o
lacaio foi até ele com a mensagem de Tamasine. — Não tenho certeza se
me lembro com precisão. Acho que Hemp disse que a Srta. Tam queria que
eu viesse até aqui e que seu tutor não iria se importar.
— Mas sabia que ele se importava — respondeu bruscamente —, pois
Tamasine disse isso à Tillie.
Giles sentiu um entorpecimento invadir seu cérebro. — Tinha esperança
que Sr. Joslin tivesse mudado de ideia. Afinal, não sou um mau partido.
— Longe disso — concordou o tio —, mas essa não foi a razão para
rejeitá-lo.
Uma raiva repentina atingiu Giles. — Como pode saber disso? Ele lhe
disse isso?
— Não há necessidade de se exaltar, Giles. — Ele não respondeu,
lutando contra suas emoções. — Sir Joslin não queria que sua pupila se
envolvesse com ninguém antes de sua apresentação na sociedade.
O sentimento não era novo para Giles. — Sim, ele me disse o mesmo.
— Essa proibição, eu presumo, o levou a se encontrar com Tamasine
clandestinamente.
A nota sarcástica não passou despercebida. — Não precisa me censurar.
Tenho consciência de que foi errado.
— Mas não pôde evitar.
Giles fechou os lábios para evitar uma resposta violenta. Estava
perfeitamente ciente de que sua conduta era indigna, todavia se ressentiu do
tom. No entanto, preferia aceitar isso do que expor o comportamento de
Tamasine à inspeção. Giles sabia que ela agia por inocência, mas era óbvio
que seu tio não concordava com isso.
— Algo mais foi dito na mensagem?
— Mais nada.
— Tem certeza?
Ele corou de raiva. — Tenho certeza, tio Francis.
A irritação surgiu nos olhos do tio.— Espero que se abstenha de mostrar
esse comportamento a sua avó, Giles. Já tivemos faíscas suficientes na
Dower House.
Giles sabia bem disso. As objeções da avó ao novo casamento de seu
pai foram bem acaloradas, mas não hesitou nesse ponto. — Posso lidar com
a vovó.
— Invejo sua despreocupação — pronunciou o tio em um tom seco,
contudo Giles recusou-se a morder a isca. — Enviou alguma mensagem de
volta com Hemp?
— Disse apenas que iria esperar Tamasine. — Sem pensar, acrescentou:
— E que queria ouvir mais sobre o acerto de contas.
Tarde demais, o sobrinho viu a suspeita saltar no rosto de Francis. —
Que acerto de contas?
O que diabos o tinha possuído para mencionar isso? Giles podia sentir o
calor subindo por seu rosto e esperava que suas bochechas não estivessem
vermelhas. Tamasine havia lhe contado em confidência e, à luz dos
acontecimentos atuais, não era sábio mencionar isso. Para sua decepção,
percebeu que havia se entregado.
— Não pretendia esconder isso, não é? Giles, isso é sério.
As palavras do tio voltaram-se para Giles. — Certamente não acha que
isso tem a ver com Sir Joslin ter sido assassinado, acha?
— Não está fora de cogitação, Giles. Pelo amor de Deus, se souber de
algo que possa esclarecer a situação, deve falar.
Contorcendo-se, Giles não pôde evitar o protesto. — Tamasine me
contou em segredo. Não posso traí-la.
O tio foi até ele e agarrou-lhe o braço. — Este não é o momento para
lealdade equivocada, meu querido menino. Aprecio seus sentimentos, mas
lhe prometo, vai ser mais prejudicial esconder o segredo.
Dividido, Giles encarou-o. — E se for totalmente prejudicial?
O olhar escuro de Francis quase o perfurou. — Esse foi o caso de
Random, Giles, mas Ottilia descobriu a verdade. Pode confiar nela. — Seu
tio o soltou e deu um passo para trás. — Vamos, o que é este acerto de
contas?
Com um suspiro, Giles rendeu-se. — Tamasine disse em tom de
brincadeira. Ela não quis dizer nada com isso, tenho certeza.
— Muito bem, mas o que ela lhe disse?
Novamente inquieto, Giles foi até o fogo e recomeçou a batucar na
moldura da lareira, sem muita consciência do que fazia. — Tamasine me
contou que Sir Joslin não permitia que seu primo Simeon viesse vê-la.
Parece que eram amigos de infância, mas houve uma briga. Este sujeito,
Simeon, foi mandado para a Inglaterra.
— E o acerto de contas?
Giles virou-se para olhá-lo e não conseguiu reprimir um sorriso
pesaroso. — Tamasine disse que juraram vingança juntos. Eram
praticamente crianças. Só um louco levaria o assunto a sério. — Não havia
sinal de diversão no rosto do tio e Giles ouviu o eco de sua própria voz com
uma súbita onda de choque. Ele disse sem pesar suas palavras: — A
considera louca, não considera? Acha que Tamasine é capaz de colocar esse
plano em ação, mas isso é ridículo, tio. Mesmo eu, quando ela pediu minha
ajuda com isso, não pude fazer nada além de rir.
Longe de rir, Francis o estava encarando com evidente horror. — Que
ajuda? O que a garota lhe pediu?
As palavras de Tamasine ressoaram todas ao mesmo tempo em sua
cabeça, agora parecendo mais sinistras do que inocentes e ele hesitou. O tio
deve ter visto sua relutância.
— Giles, vamos logo com isso!
Ele tentou fingir uma indiferença que estava longe de sentir. — Ah, não
foi nada. Uma ideia tola que não deve ser levada a sério.
— Deixe-me julgar isso, obrigado.
Giles soltou o fôlego e cedeu. — Bem, se quer tanto saber, ela me
perguntou se eu poderia ajudá-la a tirar seu guardião do caminho para que
esse primo, Simeon, pudesse vir para cá. Não faça essa cara! Ela não quis
dizer que desejava que eu a ajudasse a matá-lo!
— No entanto, o empurrou escada abaixo.
— Ridículo! Não vou acreditar nisso.
— É o que a garota mesma disse. No entanto, isso é irrelevante. Como
respondeu a ela?
— O que acha? Fiz uma brincadeira com o assunto, perguntando se eu
deveria chamar Sir Joslin e atirar nele ali mesmo.
— Está falando sério?
Giles soltou uma risada triste. — Bem, eu disse isso, se é o que quer
saber, mas é claro que nunca pretendi que minha fala fosse levada a sério.
Francis fechou os olhos por um momento. — Dê-me forças! E quando,
se me atrevo a perguntar, essa conversa aconteceu?
Antes que Giles pudesse responder, um sino soou pela casa. Seu tio
ficou atento, virando a cabeça em direção ao som.
— Se isso é a campainha da porta da frente, ouso dizer que Sutherland
chegou. — Ele atravessou a sala rapidamente e virou-se para trás,
apontando o dedo para Giles. — Fique onde está! Ainda não terminamos.
Ele abriu a porta e desapareceu no corredor. Giles o seguiu, parando na
porta enquanto se perguntava se deveria fugir. Nenhum criado havia
aparecido pela porta dos fundos ainda e Francis estava dirigindo-se à
entrada. Giles esgueirou-se silenciosamente para o fundo do salão e parou
ao ouvir seu tio soltar uma exclamação de surpresa. Podia apenas ver
alguém parado na porta. Seu tio agarrou a mão do sujeito e o puxou para
dentro da casa.
— Em boa hora, Patrick. É exatamente o homem que precisamos!
O homem a quem se dirigia, que tinha uma notável semelhança com a
esposa de seu tio, apertou sua mão com entusiasmo. — Suponho que não
preciso perguntar se minha irmã está no local. No dia em que Ottilia se
abster de meter o nariz em tais assuntos, comerei meu chapéu.
Sem esperar mais, Giles moveu-se silenciosamente até a porta de baeta
verde e deixou o corredor.
Por mais tentada que estivesse a correr para a galeria, Ottilia sabia que
era melhor manter um ritmo que sugeria uma razão para estar vagando
pelos corredores da casa de estranhos. Além disso, tinha sua desculpa
pronta. Desde o início da gravidez, as necessidades da bexiga tornaram-se
mais frequentes e urgentes.
Tudo estava estranhamente quieto depois do tumulto anterior e ela se
perguntou para onde todos tinham ido. Seguindo na direção em que vira a
Sra. Whiting e Hemp desaparecerem, Ottilia tentou escutar qualquer som
que sugerisse que os quartos pelos quais passava estavam ocupados.
Chegando ao final do corredor, hesitou. Deveria virar e seguir em direção
aos fundos da casa? Provavelmente havia acomodado Tamasine em um
local longe dos cômodos principais.
Enquanto hesitava, olhando ao longo da passagem, o som de passos a
alertou. Num impulso, Ottilia recuou para o corredor de onde viera e abriu a
porta mais próxima, entrando em um quarto. Era um quarto de dormir
vazio, obviamente desocupado. As venezianas estavam fechadas, as
cortinas da cama bem amarradas e formas escuras indicando lençóis
holandeses colocados sobre os móveis para impedir a entrada de poeira.
Mantendo a porta entreaberta, Ottilia espiou pela fresta e viu uma figura
atarracada passar na direção da galeria. A governanta? Ela carregava uma
bandeja, mas Ottilia não conseguiu ver o que havia nela.
Esperando apenas até que os passos alcançassem a escada de madeira,
saiu de seu esconderijo, fechou suavemente a porta do quarto e partiu pelo
corredor que percorria a lateral da casa. Um som de murmúrio logo a
recompensou, ficando mais forte à medida que se aproximava. Ottilia o
seguiu até sua fonte e parou diante da porta de um quarto situado nos
fundos da casa. Ficou ouvindo por um momento e conseguiu distinguir as
palavras.
— … indo longe demais e vou odiá-lo por isso… não, não vai, ouviu?
Nós somos príncipe e princesa, senhor, nossa palavra é lei… Venha para as
canas, Simeon, venha, ninguém vai nos encontrar aqui… Um, dois, cinco,
oito, três… não adianta se esconder, porque vou pegá-lo…
Uma onda de compaixão calorosa, somada a um frisson de medo,
invadiu o peito de Ottilia. Era impossível confundir aquela voz. Tampouco
o teor desse discurso rudimentar poderia fazer outra coisa a não ser
confirmar a deficiência mental sob a qual Tamasine Roy agia. Pobre
criança, ser afligida dessa maneira! A garota havia nascido assim ou a
condição tinha sido causada por algum acidente ou doença?
Ocorreu a Ottilia que a mulher que viu passar pelo corredor estivera ali
há poucos instantes e não parecia consternada, o que sugeria que a atitude
de Tamasine era uma ocorrência comum. A porta estava trancada?
Sorrateiramente, Ottilia tentou girar a maçaneta. A maçaneta girou, mas a
porta não se moveu e então ela a soltou, tentando não fazer barulho.
O murmúrio cessou. A curiosidade a venceu e Ottilia colocou o olho na
fresta da porta, tentando ver o interior do quarto. Um feixe de luz não lhe
permitia uma visão adequada, mas pensou ver uma sombra. Encostou o
ouvido na madeira e não conseguiu ouvir nada.
Havia uma chave na fechadura e Ottilia refletiu sobre a sensatez de girá-
la e entrar no quarto. O bom senso prevaleceu. Estava claro que Tamasine
havia se despedido de seus sentidos, mesmo que temporariamente. Seria
tolice da parte de Ottilia entrar quando tinha pouco conhecimento do que
esperar. No entanto, não resistiu à ideia de remover a chave e espiar pelo
buraco da fechadura. Retirando-a, aproximou-se e tentou ver pelo buraco. A
princípio havia luz do outro lado. Então de repente escureceu e um olho se
tornou visível.
Ottilia recuou. Tamasine tinha tomado a mesma decisão. Os murmúrios
recomeçaram:
— Entre, minha querida, entre, e lhe darei gotas de açúcar… não está
me ouvindo?
Ela esperou um momento e então mais uma vez colocou o olho no
buraco da fechadura. O outro olho ainda estava lá e instantaneamente a voz
recomeçou:
— Aí está! Se abrir a porta, posso ir até a senhora.
Ottilia hesitou, afastando-se da porta e sentindo-se ridiculamente
apreensiva. Meramente por que a criatura parecia normal? Era seguro abrir
a porta?
Percebendo a batida irregular em seus pulsos, Ottilia se amaldiçoou por
ser uma tola. O que estava fazendo, interferindo daquela maneira? Francis
iria censurá-la se soubesse de suas atitudes. No entanto, não conseguia ir
embora dali.
— Tamasine? — arriscou, lançando uma voz baixa, mas alta o
suficiente para ser ouvida através da madeira.
— Lady Fan!
A voz era um guincho agudo e Ottilia permaneceu cautelosa. O
reconhecimento não significava necessariamente lucidez.
— Lady Fan! — chamou novamente, em um tom animado. — A
senhora tem a chave?
Ottilia foi obrigada a lembrar a si mesma que a criatura estava tudo
menos lúcida há alguns minutos, mas achou prudente responder:
— Estou colocando-a de volta na fechadura.
Ela o fez, sentindo-se absurdamente como uma traidora.
— Abra a porta, por favor.
— Não posso, Tamasine, sinto muito.
A porta balançou e a maçaneta moveu-se para frente e para trás a
medida que a garota a chacoalhava. — Por favor, deixe-me sair, Lady Fan.
Estou melhor agora, prometo.
Ottilia permaneceu calada com o olhar fixo na maçaneta, desejando não
ceder ao impulso de libertar a jovem.
— Lady Fan, Lady Fan, Lady Fan. Não vai abrir para mim? — As
palavras tinham o mesmo tom brilhante de alegria que a jovem tinha usado
antes de todo o transtorno da morte de seu tutor.
Talvez Giles não fosse tão culpado, afinal. Com as súplicas urgentes de
Tamasine chegando tão graciosamente aos seus ouvidos, era realmente
difícil se lembrar dos murmúrios peculiares que ouvira há poucos
momentos.
Passos apressados no corredor resolveram a questão. Ottilia procurou
julgar de qual direção estavam vindo, pretendendo escapar pelo outro lado,
mas era tarde demais. Uma mulher dobrou o corredor por onde Ottilia havia
passado e, ao avistá-la, parou.
Ottilia suspirou e aproximou-se dela, tentando fingir uma indiferença
que estava longe de ser real. — Está se sentindo um pouco melhor, Srta.
Ingleby?
Os pés da dama de companhia começaram a se mover novamente, mas
suas feições se contraíram. — Suponho que não preciso perguntar o que
está fazendo nesta parte da casa, Lady Francis. Se está determinada a
interferir, talvez gostaria de tomar o meu lugar? Garanto que um único dia a
faria implorar por libertação.
Ottilia abandonou imediatamente a desculpa que tinha inventado e
optou pela verdade. — Vim ver como as coisas estavam uma vez que tudo
se acalmou.
— De fato? Bem, se tiver algum bom senso, ficará longe desta porta
quando eu for abri-la.
A natureza perigosa desse procedimento não poderia deixar de intrigar
Ottilia e ela falou sem pensar. — Isso é prudente? Sei pouco sobre a
condição de Tamasine, é claro, mas ouvi o suficiente para perceber que ela
está com um humor incerto.
A Srta. Ingleby deu-lhe um olhar flamejante.
— Permita-me conhecer melhor meu próprio trabalho, senhora.
— Tenho certeza que sim. Posso perguntar o que pretende?
— A senhora pode perguntar, mas não vejo razão para lhe responder.
Ottilia irritou-se. — Srta. Ingleby, se pensa em me afastar agindo assim,
deixe-me assegurar-lhe que sou mais resistente do que supõe.
Por um momento, a pose desafiadora da mulher se manteve e então ela
cedeu, suspirando derrotada. — Faça como quiser. Pelo menos teve juízo
suficiente para não abrir a porta sozinha.
— Fiquei muito tentada — confessou Ottilia, sentindo que seria melhor
usar a franqueza com essa mulher.
A Srta. Ingleby bateu à porta. — Ela pode ser persuasiva.
Não houve resposta à sua batida e Ottilia observou com interesse
enquanto a mulher fazia exatamente o que havia feito, retirando a chave e
colocando um olho no buraco. De pé novamente, ela baixou o tom:
— Ela deve ter me ouvido. Atrevo-me a dizer que já está deitada na
cama, fingindo estar dormindo.
— Imagino que toda essa agitação seja a pior coisa possível para ela —
comentou Ottilia, supondo que a mulher tivesse reconhecido que haviam
passado da fase do fingimento.
— Oh, ela prospera com isso. — O tom da Srta. Ingleby era
decididamente espontâneo. — Se não houver nada para despertar suas
paixões, a garota inventará alguma coisa.
— Fala como se ela fosse racional.
A Srta. Ingleby estava girando a chave na fechadura, mas parou ao
ouvir isso, olhando em volta e encontrando o olhar de Ottilia, com uma
expressão firme. — Não se engane. Ela é perfeitamente racional - à sua
maneira.
Confusa e espantada, Ottilia a observou retirar a chave e guardá-la no
bolso. Então girou a maçaneta e abriu a porta, deslizando rapidamente para
dentro. Ottilia estendeu a mão, determinada a impedir que a porta se
fechasse e fez o mesmo.
— Fique calada, por favor. E mantenha-se afastada.
Ottilia fez o que lhe foi ordenado, apoiando os ombros na porta e
permanecendo ali. Seus olhos foram diretamente para o dossel, onde
Tamasine estava de fato deitada com os olhos fechados. Havia um curativo
em uma de suas mãos e Ottilia lembrou-se de seus ferimentos ao colocar a
mão através do vidro. Pelo menos alguém havia encontrado tempo para
completar a tarefa que Ottilia começara, ainda que tardiamente. Não se
surpreenderia, dadas as circunstâncias, que aquilo tivesse sido esquecido.
Havia pouco além da cama no quarto, exceto uma única cômoda e um
lavatório. Não havia espelhos, o que deveria significar que Tamasine
dependia de outra pessoa para ajudá-la no toalete. Srta. Ingleby? Ou havia
uma criada disposta a encarar os humores incertos da garota.
Incomodada com a última observação da dama de companhia, Ottilia se
perguntou brevemente se a mulher ainda procurava convencê-la de que
Tamasine tinha pleno domínio de seus sentidos. Certamente não, com tudo
o que haviam passado? Mas então, o que ela quis dizer ao insistir que
Tamasine tinha um grau de racionalidade?
Observou a Srta. Ingleby aproximar-se da cama, o que fez com certa
cautela. Ela parecia certa sobre a dissimulação da garota.
— Tamasine, já tomou seu remédio?
Que remédio? Ottilia olhou rapidamente ao redor, mas não havia nada
que apoiasse a ideia de que algum tipo de medicamento estava guardado no
quarto. Então notou uma mesa de cabeceira e se perguntou se poderia estar
ali dentro.
A garota abriu um olho. Um pequeno sorriso lhe escapou e ela sentou-se
em um estrondo. — Achou que eu estava dormindo?
— Não — retrucou a outra que repetiu: — Já tomou o remédio? A Sra.
Whiting deu-lhe uma dose?
Tamasine espreguiçou-se lentamente. — Não vê que estou melhor?
— Devo tomar isso como minha resposta, suponho. Desejo que
permaneça aqui por enquanto, pois há muito trabalho sobre mim com a
morte de seu guardião.
— Que trabalho? Seu trabalho é cuidar de mim.
— É verdade, mas não sou seu guardião e há muito a ser resolvido.
— Não preciso de um guardião. — O tom era petulante. — Sou maior
de idade.
A Srta. Ingleby preferiu não responder e a mente de Ottilia perambulou
pelas últimas conversas, espantada com a habilidade que a garota havia
demonstrado para dialogar com outra pessoa. Ela não havia agido assim
quando se conheceram naquela manhã. Talvez a afirmação da Srta. Ingleby
sobre a racionalidade da garota tivesse algum fundamento.
— Alguém deve cuidar de seus assuntos — disse a Srta. Ingleby —,
pois não tenho tal autoridade. Vou escrever para sua tia Ruth.
Tamasine assentiu, balançando as pernas para fora da cama. — Ah, sim,
e Simeon deve ser chamado.
Os lábios da Srta. Ingleby se contraíram, mas ela não discutiu e Ottilia
supôs que havia recuperado o controle necessário para poder escolher suas
respostas. Ficou claro que sua política em circunstâncias normais era evitar
qualquer confronto. Uma precaução sábia, arruinada por seu choque
anterior.
A dama de companhia afastou-se da cama, olhando para a garota. —
Descanse, Tamasine. Virei buscá-la em uma hora.
Ottilia notou uma mudança no olhar azul dirigido à mulher. Tamasine
estava com um olhar levemente calculista. — Vai me trancar?
— Sim — respondeu sem hesitação —, não posso arriscar que fuja de
novo hoje.
A expressão da garota não se alterou, mas ela forçou um leve sorriso. —
Hemp pode vir brincar comigo?
Houve uma breve pausa. Ottilia não conseguia ver o rosto da Srta.
Ingleby, mas havia suspeita em sua voz. — O que quer jogar?
— Fox and Geese, se Hemp trouxer o tabuleiro.
— Se prometer não tentar convencê-lo a libertá-la antes que eu volte,
então o enviarei até aqui.
Ottilia ouviu isso com interesse e espanto. Por um lado, Tamasine era
capaz de jogar um jogo que exigia estratégia inteligente? Por outro lado,
eles tinham o hábito de permitir que a jovem ficasse sozinha na companhia
de um criado? E uma garota com a indiscutível falta de discernimento de
Tamasine? Não temiam que o sujeito pudesse se aproveitar dela? Não
conhecia Hemp, mas não podia duvidar que o homem nutria uma
consideração extraordinária por Tamasine.
As qualidades da menina deveriam protegê-la, mas a fé ingênua de
Ottilia na discrição dos criados e senhoras tinha sido severamente abalada
quando investigou a morte da cunhada de Francis.
A Srta. Ingleby dirigiu-se à porta e Ottilia afastou-se. Ela flagrou o
olhar de Tamasine, recebendo um daqueles sorrisos ofuscantes.
— Adeus, Lady Fan — cantou a garota.
— Au revoir. — Ottilia foi para o corredor, onde esperou a dama trancar
a porta, baixando o tom: — Qual medicamento usam?
— Láudano.
— Sabe que é viciante?
Para sua surpresa, um leve suspiro emanou da mulher, que levou as
costas da mão à boca, repetindo o gesto que usara mais cedo. Era habitual
ao denotar exaltação? Ela falou por trás da mão em um tom áspero:
— Sim, eu sei. — A Sta. Ingleby fez um gesto para o corredor. —
Imploro que volte para baixo, Lady Francis. Se insiste em ficar, peço para
que não volte aqui. Devo buscar Hemp e depois tenho cartas para escrever.
Conduzida sem cerimônia, Ottilia teve que refazer seus passos pelo
corredor até a entrada da casa. Ao entrar no corredor principal que levava à
galeria, percebeu que a Srta. Ingleby não estava mais atrás dela. Parando,
olhou de volta ao longo do corredor, mas não havia sinal da mulher. Ottilia
concluiu que ela havia tomado outro caminho, talvez um reservado para os
criados.
Ottilia continuou seu caminho com uma infinidade de perguntas
correndo em sua mente. A morte prematura de Sir Joslin Cadel
aparentemente revelara uma série de paixões ocultas.
Não foi fácil persuadir Cuffy a guiar Giles pelo andar de cima até o
quarto de Tamasine. Ele havia sido obrigado a recorrer ao suborno pois suas
demonstrações da necessidade urgente de falar com a namorada, como
evidenciado pela mensagem de Hemp naquela manhã, falharam em sua
intenção.
— Sei disso, senhor, mas agora o mestre está morto — objetou o
homem. — A Srta. Tam está descansando. Não é um bom momento.
Giles hesitou. — Ela foi deixada sozinha? Em tal momento?
— Não, senhor. O Hemp está com a Srta. Tam agora.
O choque o dominou. — No quarto dela?
Cuffy apenas o encarou, suas feições impassíveis. Giles reprimiu a
vontade de dar um soco na mandíbula do sujeito, mas sua determinação de
ver Tamasine havia redobrado. O pensamento da menina inocente em
companhia do lacaio corpulento e sem nenhum vestígio de uma
acompanhante, fez seu sangue ferver. Eles não se importavam com a
reputação dela? Desistiu da discussão e enfiou a mão no bolso.
Para sua satisfação cínica, Cuffy olhou para a moeda de ouro com o
velho olhar de avareza que Giles reconhecia nos menos afortunados. Ele
levantou as sobrancelhas para o homem. — Não vou demorar muito.
Uma breve hesitação e então Cuffy assentiu, estendendo a mão. Giles
jogou a moeda. Sem dizer uma palavra, o sujeito partiu, conduzindo-o por
uma escada dos fundos e por uma série de corredores, parando finalmente
diante de uma porta na qual bateu.
Giles esperou, desanimado por sentir menos do que uma expectativa
alegre em seu peito. A visão de Tamasine sendo levada pelas escadas
revisitou sua mente e quando passos soaram dentro do cômodo, lembrou-se,
com descontentamento, de que Hemp estava lá e de como a garota havia
saltado para o abraço do lacaio.
Ele ouviu a chave girar na fechadura. Cuffy murmurou algo em um
dialeto estranho, que Giles mal pôde compreender e o olhar sombrio de
Hemp encontrou o dele quando o sujeito abriu a porta.
— Deseja ver a Srta. Tam, senhor?
— Tenho toda intenção de ver a Srta. Tamasine — corrigiu Giles,
impondo-se.
O homem o encarou de uma maneira tão irritante quanto desrespeitosa e
Giles sentiu seu punho coçar novamente. Por muito pouco não derrubou o
sujeito. Exceto que, mesmo em sua ira, Giles estava ciente de que
provavelmente levaria a pior se o homem revidasse.
Tamasine gritou com alívio de dentro do quarto. — É o senhor, Giles?
Por favor, entre imediatamente. Hemp, deixe-o entrar!
Hemp trocou um olhar com o colega, que se afastou para permitir o
acesso de Giles. — Entre, senhor. Irei esperar aqui.
Hemp abriu a porta e Giles entrou no quarto. Seus olhos caíram
imediatamente sobre Tamasine e ele prendeu a respiração. Ela estava
sentada na beira de uma cama de dossel e o calor subiu pelas suas
bochechas ao vê-la em um ambiente tão íntimo. Seu sorriso era
deslumbrante e a garota acenou para que ele se aproximasse, apontando
para uma mesinha na qual um tabuleiro quadrado estava colocado com
pequenas figuras em várias posições dispostas sobre ele.
— Veja, Giles. Estamos jogando A Raposa e os Gansos. — Ela ergueu
uma ficha do jogo.
Um pouco perplexo, ele aproximou-se, observando o tabuleiro com seu
padrão de pontas furadas e a infinidade de gansos enfiados em buracos ao
redor da infeliz raposa. Seria isso um estratagema para distrair a mente dela
de sua dor? Ou, ocorreu-lhe um pensamento traiçoeiro, ela estava realmente
intocada pela morte de seu guardião? A discussão com o tio voltou à sua
mente, perturbando-o em um nível mais profundo que não se importou em
examinar.
Ele afastou os pensamentos e abriu um meio sorriso quando apertou
calorosamente a mão que Tamasine estendeu para ele. — Fiquei
preocupado com a maneira que sua dama de companhia a tratou. A
senhorita está bem?
A resposta dela foi brilhante. — Lavinia está escrevendo cartas, então
Hemp veio brincar comigo. Gostaria de assistir?
Ele ficou desconcertado. — Certamente. Quero dizer, não. Tamasine…
— Olhou rapidamente para a porta e ficou contrariado ao ver Hemp parado
diante dela. Ele baixou a voz, inclinando-se: — Gostaria que falássemos em
particular, Tamasine.
Ela lhe entregou seu sorriso brilhante e deu um tapinha na colcha ao
lado dela.
— Sente-se comigo, Giles.
Ele estava relutante em fazer qualquer coisa que pudesse ser
interpretada erroneamente, mas a tentação provou ser mais forte do que sua
resistência e sentou-se ao lado dela. Seus olhos desviaram-se para o lacaio
ainda de pé na porta, mas então Tamasine apontou um dedo imperioso.
— Para o canto, Hemp.
Por um momento Giles pensou que o sujeito fosse objetar, seu olhar
passando de um para o outro. Então Hemp cruzou para um canto na outra
extremidade e virou as costas para o quarto. Giles voltou seu olhar para
Tamasine e estava prestes a falar quando ela colocou um dedo nos lábios,
ordenando seu silêncio.
Perplexo, Giles assentiu. Tamasine levantou-se, saiu de trás da mesinha
e foi na ponta dos pés até a porta. Agarrando a maçaneta, girou-a. A porta
não abriu.
Um gemido de frustração escapou de Tamasine e a maçaneta da porta
foi sacudida com alguma violência. Giles deu um salto e foi até ela, mas
antes que pudesse alcançá-la, a garota voou pelo quarto e começou a bater
nas costas do lacaio, gritando.
— Roubou a chave! Roubou a chave!
Atordoado, Giles não conseguiu se mexer. Observou o homem levantar-
se e receber os golpes, sem se virar nem vacilar, mas apenas inclinando a
cabeça um pouco. Rosnados enfurecidos saíram dos lábios de Tamasine e
Giles não pôde suportar.
— Tamasine, pare! Tamasine, por favor, não faça isso!
Ele estava se movendo rapidamente agora, mal consciente do que estava
fazendo. Alcançando-a, tentou segurá-la, mas a garota o evitou, escapando
sob seu braço e correndo para a cama, onde derrubou a mesinha com um
chute furioso, fazendo voar tanto o tabuleiro quanto as peças. Então jogou-
se na cama e explodiu em soluços de cortar o coração.
Giles olhou para Hemp, que não havia saído do lugar. A angústia o
inundou. — Não pode ajudá-la?
Hemp olhou brevemente por cima do ombro. — Não, senhor. É melhor
deixá-la.
— Em tal aflição? — A insensibilidade disso atingiu Giles no coração e
foi rapidamente até a cama estender a mão para a menina aflita, mal
sabendo o que dizer.
— Tamasine, não chore, por favor. Sei que passou por muita coisa, meu
pobre amor.
Para seu desconforto e espanto, Tamasine tombou e se atirou nele,
jogando os braços ao redor de seu pescoço e chorando súplicas abafadas em
seu peito enquanto o garoto a segurava automaticamente contra ele.
— Leve-me daqui, Giles! Case-se comigo e leve-me embora! Estão
todos contra mim. Eles me odeiam, Giles, me odeiam! São cruéis e
perversos e nunca serei livre se não me levar embora.
Horrorizado, Giles apertou-a em seus braços, forçosamente afundando-
se na cama e permitindo que Tamasine se aconchegasse inteiramente em
seu abraço de uma forma tão indecorosa quanto angustiante. A parte dele
que gritava por bom senso dizia que iria se arrepender disso, mas as
sensações inebriantes que o cercavam no momento presente, que pareciam
prometer-lhe o desejo de seu coração, eram esmagadoras.
— Não chore, minha amada, não chore! Farei qualquer coisa que
desejar, querida, eu prometo.
Tamasine subitamente aquietou-se e então afastou-se um pouco. Seu
lindo rosto molhado de lágrimas o fitou, aflito e desesperado. — Podemos
nos casar? Serei sua, Giles?
Por um segundo, sem fôlego, ele hesitou, mas Tamasine ergueu o rosto,
seus lábios em um convite mudo. Foi demais.
Giles a beijou, totalmente indiferente à presença do lacaio no canto do
quarto. Afogando-se na magia de sua inocência e beleza, ele gemeu. Os
lábios de Tamasine deixaram os dele e ele abriu os olhos. Seu sorriso era
radiante, toda a miséria de outrora havia desaparecido.
— Estamos noivos, Giles!
Uma vozinha no fundo de sua mente gritou em violenta desaprovação,
mas Giles optou por não ouvi-la. Sua honra, tanto quanto seu coração,
estava em jogo quando proferiu as palavras:
— Sim, minha querida Tamasine, estamos noivos.
Ela saltou de seu abraço e começou a fazer piruetas pelo quarto,
jogando as mãos no ar e girando de uma forma que fez Giles sentir-se um
pouco tonto. Sua cabeça girava com uma infinidade de problemas,
deixando-o atordoado. Por um lado, era desaprovado naquela casa. Por
outro, seu pai iria surtar.
Recordando a conversa que teve com o tio mais cedo, a infelicidade de
ficar noivo nessas circunstâncias o atingiu abruptamente. A urgência o
venceu e ele levantou-se, movendo-se para pegar Tamasine no meio do giro
e agarrar suas mãos.
— Tamasine, me ouça!
Ela deu a ele seu sorriso brilhante enquanto seus olhos azuis de
porcelana estavam triunfantes. — Vou ouvi-lo para sempre, Giles.
— Mas neste momento, é importante me ouvir com atenção. — Ele não
queria examinar muito a fundo o porquê havia enfatizado a parte da
atenção, mas sua apreensão só crescia. — Devemos manter isso em
segredo, Tamasine. Pelo menos por enquanto.
Para sua surpresa, a garota parecia encantada. — Um segredo! E eles
nunca irão saber.
— Sim, bem, no devido tempo podemos revelar a eles, mas por
enquanto, com a morte de seu guardião em questão, devemos ser
cautelosos.
Ela cantou triunfante. — Eles nunca irão adivinhar!
Giles estava consciente de sua impaciência. Tamasine o havia sequer
compreendido? Assimilado as dificuldades? De repente, lembrou-se da
presença do lacaio. Lançou um olhar ao homem e descobriu que Hemp
havia se virado em seu lugar no canto e os observava com uma expressão
que Giles não conseguia ler. Ele virou-se para sua recém-noiva.
— Tamasine!
Ela arregalou olhos. — Por que está sussurrando?
— A senhorita deve insistir para que Hemp não conte a ninguém.
Tamasine pareceu não entender. — Hemp?
— Sim! Ele deve ter ouvido tudo. Pode convencê-lo a não contar a
ninguém?
Ela soltou o tilintar da risada que ele tanto amava.
— Hemp nunca vai me trair. Hemp é meu melhor amigo. Não é? — Ela
deixou Giles e correu até o lacaio, estendendo as mãos. — Não vai contar a
eles, vai? Sob pena de morte instantânea.
O tom era alegre e leve, mas as palavras atingiram a mente de Giles
como gelo na pele. Giles sacudiu a sensação de sua mente. Ela não quis
dizer isso. Essa era a noção de piada de Tamasine. Talvez de mau gosto em
tal momento, mas ela era inocente demais para se incomodar com coisas
desse tipo.
— Não falarei nada sobre isso, Srta. Tam — Hemp respondeu com seu
tom de voz grave.
Giles respirou com alívio, mas o lacaio segurou a mão de Tamasine e,
como se estivesse conduzindo uma criança, levou-a até Giles.
— É melhor despedir-se agora, senhor. A Srta. Tam precisa descansar.
Para surpresa de Giles, Tamasine não fez nenhuma objeção e, em vez
disso, caiu na gargalhada e ergueu a mão para acenar para ele. — Adeus,
Giles. Venha me ver novamente em breve.
Com isso, ela flutuou sonhadoramente até a cama e deitou-se, fechando
os olhos com um suspiro. Giles encontrou Hemp o esperando na porta,
destrancando-a.
— Vá agora, senhor.
Embora o tom do sujeito fosse educado, Giles não gostou de como isso
soou como uma ordem. Atordoado, Giles se viu obedecendo. Na porta,
olhou para trás. Tamasine poderia muito bem estar dormindo, tão desligada
da situação que estava.
A porta se fechou atrás dele e ouviu a chave girar na fechadura. Cuffy
estava esperando. — Está pronto, senhor? Devemos ir.
Não parecia haver muito mais o que pudesse fazer. Giles assentiu e
seguiu o homem pelo corredor, sua mente tomada por tantas ideias
conflitantes que mal sabia o que pensar. Tudo tinha acontecido tão rápido
que seu cérebro estava borbulhando com conjecturas.
Mas um pensamento destacou-se no turbilhão de sua mente enquanto
descia as escadas. Estava noivo de Tamasine Roy e não havia nada que
pudesse fazer para mudar isso. Não que assim desejasse. No entanto, um
pensamento arrependido serpenteou em sua mente. Como um homem de
honra, estava comprometido. Não poderia recuar.
Seguindo o sobrinho escada acima, Ottilia sentiu-se aliviada por não ter
mais chances de encontrar a Srta. Ingleby, que esperava que estivesse
seguramente abrigada no salão do andar de baixo. Era improvável que
surgisse uma oportunidade melhor. Ela havia enviado Ben para contar a
Francis o que estava acontecendo - um alívio para sua consciência inquieta.
Uma onda de antecipação passou por ela, juntamente com um
sentimento de satisfação. Agora não poderia haver dúvidas da perturbação
de Tamasine. A menos que houvesse um perigo real de dano, não
confinariam uma pessoa em um quarto com colchões nas paredes. A garota
era um perigo para si mesma mais do que para os outros? Estava propensa a
se colocar em risco durante um surto?
Tom, esgueirando-se pela escada estreita, chegou ao topo, parou e
virou-se exclamando em um sussurro. — Tem alguém aqui em cima,
Tittilia!
— Deixe-me ir lá, Tom!
Lady Fan passou pelo sobrinho e parou, ouvindo atentamente enquanto
olhava ao longo do corredor escuro do sótão, iluminado apenas pela luz que
vinha sob os beirais das janelas empoeiradas. Um leve som de assobio
chegou aos seus ouvidos. Sim, certamente alguém estava lá.
— É aqui que os criados também ficam alojados?
— Não, eles não ficam, Tittilia. Hemp disse que ficam no andar de
baixo, na parte de trás da casa.
— O lugar estava deserto quando veio mais cedo?
Tom assentiu, inclinando-se para frente como se tentasse captar os sons.
— Acha que é a louca?
Ottilia levou um dedo aos lábios. Se fosse Tamasine, ela tinha audição
suficientemente aguçada para captar seus murmúrios. Preferiria surpreender
a garota do que ser surpreendida.
— Fique atrás de mim, Tom.
Ottilia precisava fazê-lo permanecer onde estava, mas era improvável
que o garoto obedecesse a tal ordem. Além disso, estava muito consciente
de uma estranha sensação de apreensão. Não havia como dizer em que tipo
de condição alguém poderia encontrar Tamasine, mas o desejo de ver por si
mesma o que os meninos haviam descrito era forte demais para ser negado.
Mais uma vez, movendo-se na ponta dos pés, Ottilia foi até o final do
corredor e parou. O assobio havia cessado. Respirou fundo para ganhar
coragem e em um movimento rápido, virou-se para fazer a curva.
O corredor estava vazio. Ela colocou a mão contra a parede e espiou um
pouco, olhando ao longo de sua extensão. Uma sombra se moveu na
extremidade oposta. Sua respiração se apertou e o coração congelou dentro
do peito. Olhando para a penumbra, podia apenas distinguir um rosto oval
pálido e o contorno de um vestido.
Ottilia engoliu o medo e chamou. — Tamasine?
Não houve resposta. Podia ouvir Tom respirando atrás dela e ficou mais
tranquila. Pelo menos não estava sozinha com a criatura. Tentou
novamente:
— Tamasine? É a Lady Fan. Vim para vê-la.
Por um longo momento não houve nada. Então um som semelhante a
sinos soando ecoou pelo corredor. A risada de Tamasine. Um instante
depois, a menina dançou na luz radiante.
— Lady Fan, Lady Fan, Lady Fan! Veio ver meu ninho?
Ela respondeu por instinto. — Sim, posso vê-lo?
Tamasine parou no meio do caminho e estendeu a mão, desaparecendo
em uma abertura.
— Aqui! Venha! Venha e veja!
Ottilia pôde ouvi-la tagarelar lá dentro. Ela estremeceu ligeiramente,
agora relutante em segui-la.
— A senhora vai entrar, Tittilia? — O sussurro de Tom soou alto demais
na penumbra.
— Acho que sim. Espere aqui.
Cautelosa, moveu-se silenciosamente pelo corredor. Quando
aproximou-se da abertura, Tamasine saltou diretamente em sua frente.
Antes que pudesse fazer ou dizer qualquer coisa, a garota escorregou para o
lado. Um par de mãos, mais fortes do que Ottilia teria acreditado ser
possível, empurrou seus ombros em direção ao sótão. Perdendo o equilíbrio,
ela caiu no chão de madeira.
Ignorando o choque da dor e temerosa do que a garota poderia fazer,
Ottilia não tentou se levantar, mas saiu da posição infame, virando-se para
enfrentar a ameaça, mas Tamasine já havia entrado no quarto, correndo até
a janela e agarrando as barras.
— Meu ninho, meu ninho — cantou ela.
O bom senso de Ottilia não a havia abandonado completamente. Seu
sobrinho estava no corredor. Ela o chamou com urgência:
— Tom! Corra e traga o tio Fan! Rápido!
Ela ouviu os passos dele dispararem, mas foram abafados pelos gritos
repentinos da imitação de Tamasine:
— Corra e traga o tio Fan! Corra e traga o tio Fan! Corra e traga o tio
Fan!
Ottilia observou a garota com cautela. Tamasine virou-se, os olhos azuis
brilhando com uma luz maníaca. Oh, meu Deus, por que se atreveu a isso
sozinha? Tentou uma abordagem suave, mantendo sua voz tranquila apesar
de seu tremor:
— Meu Deus, como sou tola por cair assim. Espere enquanto me
levanto.
A garota não fez nenhum movimento em sua direção, apenas ficou de
pé, de costas contra as barras, o brilho inquietante apontado para sua presa.
Ottilia sentiu-se como um coelho sob o olhar do predador. Levantou-se do
chão, mantendo os movimentos lentos e firmes, apenas meio consciente de
uma dor em seu quadril e nas mãos arranhadas e em carne viva. Não se
atreveu a olhar para avaliar os danos.
Tentou soar natural, fingindo olhar ao redor enquanto mantinha a garota
sob constante observação. — Então este é o seu ninho, Tamasine?
Uma pequena risada escapou da garota. — Meu ninho. Eles me colocam
aqui quando sou travessa.
Ou quando está em descontrole, mas Ottilia não disse isso. Observou os
colchões amarrados nas paredes e o que estava no chão, coberto por um
emaranhado de cobertores. Todos estavam rasgados, retalhados em alguns
lugares e com palha escapando e espalhando-se pelas tábuas.
Ottilia deu um passo em direção à porta. — Bem, devo agradecer por ter
me mostrado ele, Tamasine.
Os olhos da garota giravam em um arco que englobava as vigas acima e
as tábuas do piso abaixo. — Gostaria de ficar?
Ottilia estremeceu, apesar de todo seu esforço para permanecer
externamente calma. Para sua consternação, sua voz saiu muito alta quando
jogou as palavras no ar. Quaisquer palavras, o suficiente para manter a
mente da criatura ocupada.
— Não posso, meu marido está me esperando. — Ela deslizou em
direção à porta.
Tamasine disparou na frente dela e parou na abertura, suas mãos indo
para os batentes. — Eu disse que tem que ficar.
Ottilia hesitou. Tom certamente traria Francis a qualquer momento.
Tudo que precisava fazer era agradá-la e mantê-la calma. Uma pergunta
surgiu em sua mente e falou sem pensar, movendo-se mais para dentro da
sala:
— Flora Sugars, é esse o nome?
— Meu. São meus, meus, meus.
A nota ascendente incomodou os ouvidos de Ottilia, mas se manteve
firme, colocando um tom amigável em sua voz. — Seu guardião gostava de
doces, Tamasine? O Sr. Joslin?
Por um momento, a garota pareceu desconcertada. O brilho nos olhos
azuis desvaneceu-se um pouco. Quando falou, parecia completamente
normal novamente:
— Eu como o açúcar das canas. Joslin gosta de doces. Ele os faz.
Simeon os faz para mim.
Uma lembrança surgiu na mente de Ottilia. O que Cuffy havia dito
sobre destilar? Sir Joslin teria combinado essa tarefa com a fabricação de
doces? E mais uma vez o sujeito Simeon foi citado. Quão envolvido com a
família em Barbados ele esteve?
— Simeon os faz?
— Sim, e Whitey me dá um pouco.
A Sra. Whiting era responsável por distribuir os doces? Então sua
suspeita tinha algum fundamento. Não se atreveu a dizer mais nada.
Tamasine estava em movimento novamente, tropeçando nos colchões e
batendo neles.
Deus do céu, onde Francis estava? Parecia uma eternidade desde que
Tom tinha partido, mas na realidade, não podiam ter se passado muitos
minutos. Ela pensou em fazer outro movimento em direção à porta, mas
perdeu a coragem. A criatura estava totalmente imprevisível.
Como se em resposta ao pensamento, Tamasine surgiu na frente dela
com um sorriso radiante, porém os olhos estavam perfeitamente vidrados.
Ottilia permaneceu imóvel, prendendo a respiração ao encontrar aquele
olhar peculiar.
Passos apressados soaram nas escadas de madeira. Tamasine virou a
cabeça, ouvindo. Rindo, correu para a porta aberta e escondeu-se no espaço
atrás dela.
Respirando novamente, Ottilia ficou exatamente onde estava,
esperando. Os passos seguiram pelo corredor e Francis apareceu na abertura
e parou, seus olhos buscando o rosto dela. Ottilia falou da maneira mais
agradável que conseguiu.
— Ah, aí está o senhor, Fan. Tamasine está me mostrado seu ninho.
Ottilia deu-lhe um olhar significativo e virou os olhos para a porta onde
a garota estava escondida. Ele acenou com a cabeça brevemente,
claramente pegando sua deixa. Francis se moveu para o quarto e
deliberadamente apoiou seu peso contra a porta aberta, prendendo a jovem
atrás. Ouviu-se um grunhido, mas Tamasine não fez nenhum outro protesto.
A voz de Ottilia estava rouca de preocupação e, além disso, parecia um
pouco sem fôlego, mas decidiu que isso soaria normal para a pessoa a quem
se destinava.
— Isso é excelente, meu amor, mas infelizmente temos que nos
apressar. Como já sabe, minha mãe está nos esperando para o jantar e ficará
irritada conosco se chegarmos atrasados.
— É verdade — disse Ottilia em voz alta e atravessou com passos
rápidos até a porta, passando por ela com uma sensação de intenso alívio.
— Vá! Estarei logo atrás.
O marido murmurou o comando em seus ouvidos enquanto ela passava.
Ottilia não precisou de nenhuma insistência, o alívio percorrendo-a
enquanto passava por aquele corredor horrível e dirigia-se à escada estreita.
Em segundos, Francis estava atrás dela. Ela olhou para trás.
— A menina está nos seguindo?
— Acho que não, mas não pare. Mandei os meninos para casa.
Nenhuma palavra a mais foi dita até que chegaram à relativa segurança
da galeria acima da escada principal. Francis segurou o braço de Ottilia para
detê-la e puxou-a para seus braços. Ottilia aconchegou-se, aliviada por não
receber um sermão imediatamente.
Quando ele a soltou, Lady Fan entregou-lhe um olhar suplicante. —
Está bravo comigo?
Ele levantou uma sobrancelha. — Deveria estar, sua maldita, mas estou
muito aliviado por não ter sofrido nenhum dano.
Ottilia baixou a voz para um sussurro. — A garota realmente está fora
de si, Fan. Não há nenhuma dúvida. Posso acreditar prontamente que ela de
fato matou seu guardião.
Já estava muito tarde e Patrick ainda não havia retornado, mas Francis
não conseguira convencer nem a esposa nem a mãe a ir para a cama e
esperar as notícias do médico pela manhã. A teimosia de Tillie não era
surpresa, apesar de seu cansaço óbvio depois das agitações do dia. Ele havia
tratado as escoriações leves das mãos dela com unguento, pedido café e a
feito descansar antes do jantar. Como resultado, a esposa se declarou
totalmente recuperada de sua provação e ansiosa pelas notícias do irmão.
Francis, usando um estratagema tão inescrupuloso quanto qualquer
outro que Ottilia havia usado, valeu-se da sensibilidade da mãe dos meninos
para mandá-los para a cama minutos depois de ela entrar na sala.
— Eles tiveram um dia muito exaustivo, Sophie. Imagino que desejará
que durmam cedo.
Sophie Hathaway imediatamente lançou-se sobre seus filhos relutantes,
apertando primeiro um e depois o outro em seu peito. — Meus queridos!
Venham comigo que vou aconchegá-los, pois não pretendo demorar-me.
Terei sorte se este dia terrível não trouxer meus espasmos.
— Mas queremos esperar pelo papai — protestou Ben, lançando um
olhar de reprovação a Francis.
— Sim, porque papai está cortando o corpo e…
O grito de sua mãe sufocou a alegria macabra de Tom, fazendo-a
estremecer. — Não, não, meu querido menino, já tivemos corpos suficientes
para um dia. Agora despeçam-se, meus amores, agradeçam a marquesa para
subirmos agora mesmo.
Estava claro que as incursões ocasionais de Sophie na maternidade eram
eficazes, pois algumas reverências inexperientes foram feitas na direção da
viúva e então os garotos relutantes foram conduzidos para fora, seguidos
pela Srta. Mellis com ofertas de leite e chocolate quente.
No entanto, quando Francis tentou uma tática semelhante com sua
própria mãe, achou-a tão inflexível quanto Tillie.
— Imagina que eu poderia dormir sem saber se há ou não motivos para
me preocupar com Giles?
— Vai dormir melhor por saber que um assassinato foi cometido?
— Chega, Fan — advertiu sua esposa. — Pelo menos há uma chance de
todos nós desfrutarmos de uma boa noite de sono se minhas suspeitas se
provarem infundadas.
— Ah! Se bem a conheço, Tillie, não quer que sejam infundadas. — Ela
riu, mas havia uma expressão perturbada em seus olhos. Ele abandonou seu
posto junto à lareira e foi se juntar a ela no sofá. — O que foi, meu amor?
Francis notou o olhar raivoso e sombrio de sua mãe. Amaldiçoando
internamente o sobrinho, esperou enquanto Tillie parecia organizar seus
pensamentos.
— Independentemente de ter acontecido ou não um assassinato,
infelizmente estamos em uma situação difícil. Com aquela criatura à solta,
Giles apaixonado e a pobre Phoebe jurando que não irá perdoá-lo, todos nós
ficaremos bem ocupados.
A mãe de Francis gemeu. — E está claro que aquela garota estúpida nos
envolverá, querendo ou não. Ela deveria ser confinada.
Como esse ponto havia sido exaustivamente discutido no jantar, Francis
ficou aliviado quando a porta se abriu para dar entrada às criadas trazendo
os apetrechos para o chá. Os meninos conversavam sem parar, suas
revelações fazendo Sophie declarar que era improvável que se recuperasse
dos choques do dia. Tillie não demonstrou nenhuma disposição para contê-
los, é claro. Na verdade, os encorajou positivamente a presentear a mãe com
tudo o que aprenderam sobre “o sótão da louca” em suas aventuras ilícitas
em Willow Court.
Enquanto as mulheres se ocupavam com o bule de chá, Francis se viu
pensando nas revelações de Tom e Ben sobre a plantação de açúcar em
Barbados. O bombardeio de perguntas ao lacaio Hemp tivera algum efeito.
Embora a viúva estivesse cética, Hemp afirmou que os muitos escravos
eram bem tratados pelo “Mestre Matt”, embora ele próprio fosse um
homem livre.
— E Cuffy também — disse Ben —, embora tenha sido um escravo
antes. Veio da África quando era menino.
A viúva explodiu. — Roubado, ouso dizer!
— Ah, não diga isso!
— Não tenho escrúpulos em dizer isso, Sra. Hathaway. Conheço muito
essa prática. Uma humilhação abominável, ser arrastado de sua casa por
bandidos que se autodenominam comerciantes, transportado pelo mar em
condições fétidas e vendido como um animal em leilão. Todo o processo me
enoja.
Como Francis bem sabia. Suas próprias opiniões foram influenciadas
pelas opiniões diretas da mãe, que nunca teve escrúpulos em expor a
alguém que suspeitasse lucrar com a prática do tráfico humano. Sophie
tagarelava sobre seu sofrimento e antes que ele pudesse formular uma
resposta para aplacar a ira crescente da viúva, o jovem Ben o salvou do
problema:
— Hemp nunca foi escravo, senhora, e ele nasceu em Barbados. Ele
disse que a plantação é o lar dele.
— Hemp disse que eles são da família — acrescentou Tom —, mesmo
sendo negros.
Tillie aproveitou para fomentar o interesse de Francis:
— Ele quis dizer que se sentem como se pertencessem ao clã Roy? Ou
foram formalmente adotados?
Os dois garotos pareciam perplexos e Ben deu de ombros.
— Não sei, Tittilia. Hemp apenas disse que é um Roy também.
A carranca de Tillie informou a Francis que essa informação havia
despertado seu interesse.
Ele deu um tiro no escuro. — Hemp disse por que ele e Cuffy vieram
com a família?
— Como se tivessem tido escolha!
Francis franziu a testa para a mãe quando Ben respondeu:
— Hemp só disse que queria vir, então talvez tenham escolhido.
— Ah, espero que sim — disse Sophie. — Que terrível seria se fossem
forçados a se afastar de tudo o que conheciam.
— Hemp sabe de muita coisa — interrompeu Tom, ignorando o assunto.
— Ele me mostrou um truque de boxeador e nos contou sobre fazer açúcar
e tudo mais.
— Mas pensei que ele fosse um lacaio — objetou Francis.
— Hemp diz que uma pessoa precisa aprender todo tipo de trabalho —
acrescentou Ben. — Só por precaução.
— Sim, porque se houver uma pedemia, o trabalho continua do mesmo
jeito.
— É epidemia, seu tonto — corrigiu Ben, dando um leve soco no ombro
do irmão mais novo. Ignorando o protesto depreciativo da mãe,
acrescentou: — Hemp disse que Barbados é um lugar ruim para quem fica
doente.
Isso estava de acordo com a longa doença sofrida por Sir Joslin, e
Francis estava prestes a direcionar a conversa para esse caminho quando foi
impedido por Tillie:
— O que Hemp lhe contou sobre fazer açúcar?
Tom iluminou-se com essa demonstração de interesse. — Ele e Cuffy
costumavam ajudar nisso. Especialmente quando fervia, porque o morto era
fraco e não aguentava.
— Meu Deus, Tom, o que quer dizer com isso?
Ben soltou um suspiro exasperado. — Tom não disse direito, mamãe.
Hemp quis dizer ferver o açúcar quando a colheita estava pronta. Todo
mundo tinha que participar porque tinha que ser rápido. Ele disse que ferver
é um trabalho complicado porque é preciso esperar o açúcar cristalizar e
jogar a quantidade certa de suco. Suco de lima, segundo contou, porque o
limão estragaria tudo.
— Sir Joslin estava encarregado deste procedimento? — perguntou
Tillie.
— Sim, porque o outro sujeito era preguiçoso — anunciou Tom.
— Que outro sujeito? — exigiu Francis.
— Simeon — respondeu Ben. — Ele não fazia o trabalho de fervura,
embora fosse incumbido de supervisionar a fabricação de açúcar, mas ele só
gostava de trabalhar na destilaria, fazendo rum e confeitos.
O olhar assustado de Tillie intrigou Francis, todavia ele sabia que não
deveria perguntar sobre seus pensamentos em público, mas quando Toby e
Agnes chegaram para servir a sobremesa a discussão foi abandonada.
Lembrando-se disso agora, Francis estava prestes a entrar no assunto
quando seu ouvido captou o som de alguém chegando no salão.
Levantando-se, foi abrir a porta.
— Deve ser Patrick, finalmente.
De fato, foi o que aconteceu e Francis o fez entrar, tão ansioso quanto
sabia que sua esposa estaria para ouvir os resultados da autópsia, mas estava
atento às necessidades do estômago de um homem.
— Já jantou, Patrick?
— Jantei com Sutherland enquanto discutíamos nossas descobertas.
— Então deixe-me pegar algo para o senhor. Vinho? Ou prefere
conhaque?
Patrick soltou um suspiro exausto quando caiu em uma cadeira. — É
muita bondade de sua parte, Fan, mas diante da situação vou optar por chá.
Preciso manter meu juízo para resistir ao interrogatório de Ottilia.
Ele lançou um olhar provocativo à irmã enquanto falava e o olhar de
expectativa de Tillie não pôde deixar de divertir Francis, apesar de sua
inquietação inevitável.
— Bem, meu irmão? O que descobriu?
Francis entregou-lhe uma xícara e um pires e ofereceu açúcar. Patrick
pegou a colher, derramou dois torrões em seu chá e mexeu o líquido
pensativamente. — É como eu suspeitava.
Tillie saltou imediatamente. — Então Sir Joslin foi envenenado com
ópio?
Pensativo, Patrick tomou um gole de chá e Francis foi obrigado a
suprimir uma onda de irritação.
— É sempre difícil ter certeza. Os sintomas de envenenamento por
narcóticos não são conclusivos.
Francis ergueu os olhos. — E então?
Seu cunhado deu-lhe um olhar, mas não fez nenhum comentário, apenas
retomou suas observações. — Tomados em conjunto, no entanto,
Sutherland concorda que tudo o que encontramos, juntamente com suas
observações no momento da morte, aponta para o ópio como a causa mais
provável.
— E o que encontrou? — exigiu a mãe de Francis com impaciência.
Patrick franziu a testa. — Tem certeza de que deseja ouvir, senhora?
Tais detalhes dificilmente são adequados para o salão de uma dama.
A viúva bufou. — Se a franqueza de sua irmã não conseguiu me
espantar, meu caro Dr. Hathaway, duvido que desmaie com qualquer coisa
que possa ter a dizer.
Os olhos divertidos de Patrick voltaram-se para Tillie. — Ah, eu deveria
saber que seria atingida por tal franqueza.
— Sim, e também não é de seu feitio me conter, Patrick — retrucou ela.
— Então por favor, não nos mantenha mais nesse suspense.
Ele fez uma careta. — Os fatos não são bonitos.
— Nunca são — interrompeu Francis —, mas posso garantir que minha
mãe é quase tão resistente quanto sua irmã. Ela não vai vacilar.
— Agradecida, Fanfan. — Ela acenou com a mão para Patrick em seu
gesto característico. — Prossiga, senhor.
Um sorriso permaneceu à espreita, mas Patrick inclinou a cabeça. —
Muito bem, senhora. A evidência mais reveladora estava nos coágulos
sanguíneos, embora o sangue em geral fosse fluido.
— Onde estavam os coágulos? — perguntou Tillie. — No cérebro?
— Sim, e nas cavidades do coração também. Os vasos sanguíneos do
cérebro estavam congestionados, mas isso pode ocorrer também com
apoplexia, por isso não é conclusivo. No entanto, havia a lividez da pele,
que também apresentava sinais de descamação. Com os narcóticos, o corpo
tende a passar rapidamente para a putrefação. Cabelos e cutículas já
estavam se soltando ao menor atrito e o estômago, intestinos e os vasos
grandes estavam distendidos com o ar.
Francis não pôde deixar de comentar. — Isso é nojento. Como estou
feliz por não ser médico.
Patrick riu, mas Tillie estava claramente interessada demais para prestar
a menor atenção a essa divagação. — E o conteúdo do estômago?
Descobriu alguma coisa lá?
Os olhos de Patrick brilharam. — O odor do ópio ficou óbvio assim que
abrimos o estômago. Sutherland concordou, felizmente, porque se dissipa
rapidamente e é indetectável nos sucos do estômago sem análise química.
— Como diabos pôde sentir o cheiro de ópio? — perguntou a viúva
carrancuda.
— Ah, ele tem um cheiro muito particular.
Apesar de seu mal-estar, Francis estava interessado. —Pode testar o
conteúdo do estômago?
— Com bastante facilidade. Um procedimento simples é usar um sapo.
Se entrasse em coma e morresse, poderíamos dizer com quase certeza de
que o ópio estava presente, mas o melhor teste é o de urina, embora seja um
procedimento complexo. No entanto, como suspeitávamos, a morte
suspendeu as funções naturais de modo que a bexiga estava cheia.
Sutherland está contratando um boticário para realizar a análise necessária.
A mãe de Francis parecia estar acompanhando bem. — E se o ópio for
encontrado, pode-se afirmar conclusivamente que foi a causa da morte?
— Juntamente com a incidência de transpiração e contração das pupilas
dos olhos, Sutherland e eu concordamos que sim — disse Patrick. — Mas
para provar um ponto, é aconselhável pedir a análise.
Olhando para Tillie, Francis viu que ela mal conseguia conter sua
excitação. — Suponho que não há como saber quanto ópio foi consumido?
— Só na medida em que sabemos qual o nível de ingestão que pode
matar um homem.
— E qual é? — exigiu Francis.
— Depende muito das circunstâncias.
Francis suspirou de frustração. — Isso eu poderia ter adivinhado.
— O problema é que isso levanta muitas questões. A pessoa está
acostumada a tomar? A que horas do dia foi ingerido? O estômago estava
vazio na hora?
— Oh, bom Deus!
Um sorriso surgiu no rosto de Francis e pareceu-lhe que seu cunhado
apreciava seu catálogo de dificuldades. — É preciso levar em conta também
a forma como a droga foi ingerida. Em grãos, por exemplo, trinta e seis
poderiam causar a morte, mas para um homem do tamanho de Sir Joslin,
talvez até sessenta grãos fossem necessários.
— Oh, céus! Parece que não se pode afirmar nada.
Tillie desconsiderou isso. — E se ele fosse um viciado em ópio?
— Sessenta ainda poderiam matá-lo, se fossem tomados de uma vez só.
— Mas como isso se traduz em termos que alguém possa entender? —
perguntou a viúva, ecoando os sentimentos de Francis. — Se fosse tomado
como láudano, por exemplo, quanto seria?
— Então medimos em gotas ou gramas. Uma grama ou duas podem ser
fatais dentro de um período de tempo razoável, mas uma dose da ordem de
seis gramas pode matar em meia hora.
A viúva ergueu as mãos. — Oh, isso será impossível de desvendar!
— Concordo totalmente com a senhora, mamãe.
Patrick sorriu. — Infelizmente acho que seja quase impossível. E
também é difícil julgar a que horas Sir Joslin tomou a dose. Pode ter sido
até cinco horas antes de o veneno começar a agir ou apenas três. Mesmo
assim, o momento da morte poderia ter sido adiado por algumas horas.
Então a viúva fez uma ressalva. — Mas o sujeito parecia perfeitamente
bem apenas alguns minutos antes, pois todos nós o vimos nesta sala.
Tillie interrompeu rapidamente. — Ele estava suando, notei gotas de
suor em sua testa e sua palma estava úmida. Pensei que tinha sido por causa
de seus esforços na caça à Tamasine.
— E ele caiu da escada — acrescentou a viúva. — Certamente isso deve
ter acelerado a morte dele?
— Certamente terá sido um fator contributivo — concordou Patrick. —
Se ele tivesse desmaiado sem essa complicação e um emético tivesse sido
administrado, é possível que pudesse ter sobrevivido. E a morte teria sido
adiada, mesmo que morresse dessa causa no fim das contas.
Ottilia estava franzindo a testa, seus dedos se movendo de uma maneira
que sugeria que estava fazendo um cálculo rápido em sua mente. — Então
poderíamos pelo menos supor que ele ingeriu o veneno nas primeiras horas
da manhã? Por volta das cinco ou seis horas? Pois deve ter sido, no mais
tardar, nove quando ele morreu. Não acha, Fan?
Assim intimado, Francis franziu a testa. — Não olhei para o meu
relógio e acordamos cedo.
— Podemos calcular pela hora em que Teresa estava lá embaixo —
disse a mãe. — Ela sempre acorda às oito e meia.
— Mais ou menos meia hora até a hora em que Sir Joslin chegou então.
— Não importa, Ottilia — disse Patrick. — Pode estar confiante de ter a
hora da morte de forma tão precisa quanto se pode imaginar, já que
chegaram ao local em poucos minutos, mas isso não nos aproxima da hora
exata em que Sir Joslin tomou a dose.
— Mas pelo menos podemos supor que ele tomou com o estômago
vazio, não acha? Mesmo que tenha tomado o café da manhã posteriormente.
Patrick deu-lhe um olhar pesaroso. — Sou um homem da ciência,
Ottilia. Não assumo nada sem provas adequadas. Há muitos fatores a serem
levados em consideração.
Francis viu o olhar de decepção tomar conta do rosto da esposa e a fitou
com preocupação. Ottilia flagrou o olhar e deu-lhe um sorriso hesitante.
— Receio que devemos nos curvar ao que Patrick nos diz e deixá-lo ir.
O mais importante é saber se o veneno foi auto infligido ou administrado
por outra pessoa.
Um sentimento de indignação começou a tomar conta de Francis. Não
haveria conclusão? Qual era o sentido de fazer uma autópsia se o
procedimento não revelasse exatamente nada?
— Então não progredimos em nada.
Tillie levantou-se abruptamente da cadeira. — Ah, progredimos sim,
Fan. Sabemos como Sir Joslin morreu. Os detalhes e as minúcias que
manterão Patrick e Sutherland longe de especulações descuidadas não
importam. O ópio foi a causa e isso é o suficiente para me dizer que alguém
naquela casa, seja o morto ou outro, foi descuidado ou totalmente
malicioso.
Seus amados traços assumiram aquele olhar de determinação que
Francis passou a temer. — E eu quero descobrir quem foi.
Capítulo 9
Havia uma sensação de tensão em Willow Court, embora o lugar
estivesse quieto. Ottilia achou isso quase tangível. Lomax, ao abrir a porta,
não falou por um momento, em vez disso, lançou um olhar firme e hostil
que foi de Ottilia, Francis e até Patrick. Tendo concordado de antemão que
seu irmão deveria assumir a liderança, ela estaria livre para observar.
Informado que os visitantes desejavam interrogar Cuffy, o olhar do
mordomo se estreitou e seu tom era nada mais do que insolente. — A
respeito de quê?
Patrick levantou as sobrancelhas, preservando a habitual suavidade de
sua voz. — Saberá no devido tempo.
Lomax não se mexeu para abrir a porta, em vez disso fez outra
pergunta. — Com que autoridade?
— Estou representando o Dr. Sutherland — disse Patrick sem hesitação.
— Ainda queremos certas informações para o relatório do legista.
— Informações? — A palavra tinha um tom irônico e um músculo
tremeu levemente na bochecha do mordomo.
— Quanto à causa aparente da morte.
O olhar de Lomax ficou desconfiado e Ottilia percebeu que Francis
estava se esforçando para manter a calma. Seu temperamento, já incerto,
estava obviamente irritado com a atitude do homem. Não havia nenhuma
evidência clara ainda apontando para um assassinato, a situação era
peculiarmente delicada e, na opinião de Ottilia, era imperativo manter
relações estáveis com os moradores da casa. E isso não poderia ser feito
com a coerção arrogante que Francis costumava adotar quando ficava
aborrecido. E Ottilia sabia muito bem como qualquer forma de desrespeito,
especialmente para com sua esposa, poderia levá-lo à fúria. Principalmente
agora, quando o envolvimento de Giles o tirava do sério.
Para seu alívio, a calma e segurança de Patrick levaram a melhor e
Lomax consentiu em permitir que entrassem, convidando-os ao salão.
— Vou enviar Cuffy até os senhores.
No momento em que a porta se fechou, Francis irrompeu. — Aquele
sujeito vai se dar mal. Como ele se atreveu a tratá-lo daquela maneira
descortês, Patrick? Estava a um passo de plantar um tapa na cara do
miserável.
Patrick sorriu. — Sim, percebi que estava ficando um pouco inquieto.
— Inquieto! Gostaria de tê-lo sob meu comando por um único dia.
Garanto que o consertaria. Se esta é uma amostra dos costumes de
Barbados, agradeço a Deus por nunca ter sido tentado a ter me aventurado
por lá.
— Duvido que seja um comportamento típico. — Ottilia foi até o
marido e pôs a mão no peito dele para acalmá-lo. — Gostaria que não se
alterasse, meu querido. Estamos pisando em um terreno sensível.
— Sim, bem, se eu tiver que suportar Lomax por mais tempo — disse
Francis, nem um pouco apaziguado —, juro que vou tornar isso ainda mais
difícil.
— É exatamente isso que eu temo, Fan. Peço que se acalme, afinal, não
pretendemos questionar Lomax…
— Até agora.
— E Cuffy é perfeitamente cortês.
— É melhor que seja, por Deus!
Nesse momento, a porta se abriu e Ottilia virou-se com alívio para
cumprimentar o homem. — Ah, Cuffy, obrigado por vir falar conosco. — O
lacaio enorme estava parado na porta, olhando um por um com seu olhar
sombrio. Ottilia sorriu para ele. — Entre e feche a porta, por favor.
Enquanto ele fazia isso, Lady Fan lançou um olhar significativo a
Francis, que ergueu os olhos evidentemente compreendendo-a, retirou-se
para a lareira e descansou o braço sobre a moldura. Patrick felizmente
seguiu a deixa dessa manobra.
Cuffy ainda parecia apreensivo, mas com a ameaça reduzida, arriscou
um passo ou dois para dentro da sala. Com o objetivo de deixá-lo ainda
mais confortável, Ottilia sentou-se em uma cadeira próxima antes de iniciar
as tratativas. Ela não fez rodeios:
— Cuffy, descobriu-se que seu mestre morreu de envenenamento por
ópio.
A consternação surgiu nos olhos do sujeito e seu rosto grande enrugou-
se um pouco. Sua voz grave estava rouca de emoção. — Mestre nunca
tomava muito. Tomava remédio suficiente para lhe dar uma sensação boa.
Só quando tinha muita dor.
Ottilia aproveitou a deixa. — Mas ele tomava mais “remédio’ do que
precisava para a dor, não tomava, Cuffy? Acho que Sir Joslin era o que
chamamos de viciado em ópio. Um adicto?
Cuffy apertou os olhos e as lágrimas rolaram, traçando suas bochechas.
— Ele começou a tomá-lo apenas para a dor, pois fazia com que se sentisse
muito bem. O mestre gostava muito de tomar. Disse a ele muitas vezes que
não tomasse esse remédio. Mestre Jos tentava parar, mas não conseguia.
Ottilia compadeceu-se do homem, por seu sentimento dilacerado pelo
hábito de seu amo. — Era a única companhia que ele permitia ao seu lado
nessas horas, estou certa? Sir Joslin confiava em sua proteção, Cuffy.
Cuffy assentiu, levantando os polegares para enxugar as lágrimas,
embora continuassem caindo.
— Mestre Jos não gostava que ninguém o visse mal com esse remédio.
Eu ficava ao lado dele, não deixava ninguém entrar. Ele ficava feliz por
algumas horas antes de dormir.
— E permanecia com ele o tempo todo, até que voltasse ao estado
normal?
Cuffy assentiu. — Ele ficava muito mal, precisa de ajuda. Se eu não
ficasse, o mestre se sujava, esquecia de comer.
Ottilia conseguia imaginar, mas havia uma pergunta mais urgente a ser
feita— Seu mestre tomou ópio na noite anterior à morte dele, Cuffy?
A perplexidade surgiu em suas feições e ele fungou quando suas
lágrimas finalmente pararam de cair. — Ele não me chamou.
Nesse ponto, Francis interveio. — Sir Joslin sempre o chamava? Seria
possível que ele tenha tomado o ópio sem chamá-lo?
Cuffy hesitou, como se tivesse esquecido a presença dos cavalheiros.
Seu tom imediatamente tornou-se mais subserviente. — Não, senhor. Ele
me chama todas as vezes.
Ottilia encontrou os olhos do irmão sobre ela.
— Está supondo que ele tomou a dose sem saber?
— Exatamente — ela concordou, voltando-se para o lacaio. — Cuffy,
como ele tomava o remédio? Na forma de láudano?
— Ele tira do frasco — Cuffy respondeu e então levou os dedos
algumas vezes à boca em um gesto de comer. — Às vezes ele gosta de
comer um doce.
— Um confeito? — perguntou Ottilia. A excitação tomou conta dela ao
lembrar-se das palavras de Ben, de que Simeon só destilava rum e fazia
confeitos. A imagem das embalagens de doces na gaveta de Sir Joslin saltou
em sua mente. Ela lançou um olhar ao irmão. — Pode ser consumido
assim?
— Ah, sim. É possível obter ópio facilmente na forma de um doce, pois
é uma maneira fácil de fazer com que as crianças o consumam, mas a dose
em um confeito seria mínima.
O que descartava essa teoria. A menos que alguém com conhecimento
da fabricação de açúcar pudesse fazer um doce com ópio suficiente para
matar. Resolveu mostrar a Patrick o pacote em seu bolso e as embalagens
vazias. Então seguiu uma linha diferente. — Percebi que seu mestre gostava
de tabaco, Cuffy. Ele usava rapé, não usava?
— Às vezes ele usava tabaco — admitiu o lacaio. — Fazia mal para o
pulmão, fazia ele tossir. Ele não usava muito.
Francis fez uma ressalva. — Certamente não está sugerindo que ele
poderia ter ingerido ópio por esse meio, está? — Ele olhou para Patrick em
busca de uma resposta.
— Eu diria que seria improvável — retornou o irmão —, porém
possível.
— Bem, por quais outros meios a droga pode ser ingerida?
Ottilia notou que a perplexidade de Cuffy aumentava, mas não disse
nada, apenas esperando a resposta de Patrick à pergunta de seu marido.
— De várias maneiras, embora seja preciso lembrar que o ópio tem um
sabor amargo. E novamente, que forma de opiáceo estamos discutindo?
Algumas formas são mais fortes que outras.
— Pode-se disfarçar o sabor com açúcar? — perguntou Ottilia.
— Se for usado o suficiente, sim. Ou com álcool.
— Seria o quê? Vinho? — sugeriu Francis, agarrando-se a informação.
— Ou não. O que os meninos disseram ontem à noite? Rum?
A mente de Ottilia agitou-se. A destilaria! Ao ferver o açúcar também
faziam álcool? Poderiam misturar ópio com rum sem que fosse detectado?
Mas quem? Simeon e o próprio Sir Joslin, mas por que ele deveria se dar ao
trabalho de fazer tal mistura se tinha o hábito de tomar ópio como láudano?
Quem mais? Hemp ou Cuffy?
Ela virou-se rapidamente para o lacaio. — Cuffy, costumava fazer rum?
Um lampejo de raiva iluminou os olhos do sujeito. — Acha que eu dava
rum ruim para o Mestre Jos?
Ottilia sustentou o olhar dele, mas não respondeu de imediato.
— Sir Joslin tinha o hábito de beber rum?
Por um momento pensou que o homem iria se recusar a responder e
talvez até sair da sala. Seus olhos estavam em chamas. — Mestre Jos não
bebia muito rum.
— Mas ele bebeu?
Cuffy resmungou. — Não coloquei remédio no rum para enganar o
Mestre Jos, para deixar o Mestre Jos mais doente. Mestre Jos tomava rum
quando desejava tomar muito remédio. Colocava um pouco de remédio no
rum. Às vezes, a Srta. Tam dá muito trabalho e Mestre Jos ficava muito
bravo. Ele tomava rum para esquecer a raiva.
Então tudo o que Tamasine tinha que fazer era garantir que enfurecesse
seu guardião mais do que o habitual. Supondo que a garota estava ciente de
seus hábitos, então ela também deveria ter conhecimento sobre destilação.
Seria isso possível? Ou simplesmente tinha que colocar uma grande
quantidade de láudano em uma garrafa de rum? O que pressupunha que a
garota sabia onde estava guardado — se é que existia. Por impulso, Ottilia
dirigiu parte do dilema a Cuffy:
— A Srta. Tam era autorizada a entrar na destilaria?
Essa virada deixou o homem em evidente confusão. Ele piscou, olhando
de Ottilia para os rostos dos homens em um questionamento mudo. Tanto
Francis quanto Patrick estavam franzindo a testa e ela percebeu que nenhum
dos dois havia tido a mesma percepção.
— Tenha paciência comigo, Cuffy — disse Ottilia gentilmente. — Há
uma razão para a minha pergunta. A Srta. Tam poderia ter se aventurado
por lá?
Cuffy pareceu compreender um pouco.
— Srta. Tam percorria toda a plantação. Mestre Roy dizia que ela podia
ir aonde quisesse. A menina seguia o Sr. Simeon às vezes.
— E ele a levava para a destilaria? — prosseguiu Ottilia
implacavelmente.
Ele assentiu. — Sim, senhora. Às vezes ela ia lá, mas gostava mais de ir
aos canaviais. Todos os escravos cuidavam dela, para checar se estava bem.
Às vezes os escravos a expulsavam do campo.
— Alguém ia com ela? Tamasine era constantemente assistida por uma
pessoa em particular, talvez?
— Quando a Srta. Lavinia chegou, sim. Antes de ela chegar, a Srta. Tam
simplesmente andava por toda parte.
— Sozinha?
Cuffy deu de ombros. — Os escravos estavam por toda parte, eles a
vigiavam bem. A menina nunca estava sozinha. Às vezes ela vai junto com
Hemp. Ele cuida da Srta. Tam.
— Quer dizer que ele cuida dela?
— Sim, senhora. Eu cuidava do Mestre Jos. Hemp cuida da Srta. Tam.
Uma ideia surgiu no cérebro de Ottilia. — Por que foram escolhidos
para vir para a Inglaterra com a família?
Um suspiro enorme saiu da garganta de Cuffy. — Não foi bom vir. É
muito frio. O peito do Mestre Jos estava muito ruim.
— Mas não na noite anterior à morte dele — observou Ottilia
secamente.
A compreensão surgiu nos olhos escuros. — A senhora acha que Mestre
Jos foi morto.
— Se ele mesmo não tomou uma dose de ópio, Cuffy, parece que sim.
— Ele não tomou — Cuffy falou devagar, suas sobrancelhas se unindo.
— O mestre me chamaria se fosse tomar. — Fez uma pausa enquanto
olhava para Ottilia. — Ninguém odiava Mestre Jos. Ninguém aqui.
— Alguém em outro lugar, então? — Ottilia exigiu imediatamente. —
Simeon, talvez?
Mas nesse ponto o lacaio hesitou. Ele fechou a boca e seu olhar que
estava em Ottilia foi para o tapete colorido no chão. Ele endireitou-se e
então aproximou-se da porta.
— Tenho muito trabalho. Vou indo agora, madame.
Ottilia não fez nenhuma tentativa de detê-lo, mas observou enquanto ele
cruzava rapidamente a porta e saía sem olhar para trás. Virando-se, ela
encontrou o olhar questionador de seu irmão, enquanto Francis estava
olhando para a porta agora fechada, com uma carranca entre as
sobrancelhas.
— Devemos deduzir depois desta hesitação que Simeon, quem quer que
seja, realmente odiava Sir Joslin? — perguntou Patrick.
— Não está claro o suficiente? Embora como diabos o sujeito fez o
truque à distância ainda está além da minha imaginação!
— Ah, não é impossível, Fan.
— Bem, se o sujeito fez, deve ter pelo menos um cúmplice — sugeriu
Patrick.
Francis levantou uma sobrancelha. — A própria Tamasine?
— Dificilmente seria uma parceira confiável no crime. No entanto, nos
deu o que pensar. — Ottilia dirigiu-se à porta. — Enquanto isso, cabe a nós
fazer outra inspeção no quarto.
Seu irmão a olhou. — Para qual propósito?
— O rum, Patrick. No caso de Sir Joslin ter uma garrafa escondida.
Além disso, tem algo lá que quero lhe mostrar.
Sons de dentro do quarto de Sir Joslin alertaram Ottilia antes que o trio
entrasse. Ela olhou para o marido, levantando as sobrancelhas e depois
olhou pela porta aberta.
A cômoda estava aberta enquanto a Sra. Whiting estava recolhendo uma
peça de roupa. A Srta. Ingleby estava de pé em frente a um baú,
evidentemente ocupada em dobrar e guardar peças de roupa de uma pilha
colocada sobre a cama.
As duas mulheres olharam em volta quando Ottilia entrou e a dama de
companhia soltou uma exclamação impaciente, jogando para baixo a roupa
que segurava nas mãos.
— De novo não. — Ela foi em direção aos intrusos com os braços
cruzados. — Por favor, o que isso significa? Por que estão aqui?
Ottilia recuou e fez um gesto em direção ao irmão. — Patrick.
Ele caminhou despreocupadamente para o espaço mais amplo. — Nosso
propósito é legítimo, senhora. Estou representando o Dr. Sutherland na
coleta de provas para um possível inquérito.
A mulher empalideceu. — Inquérito?
— A respeito da morte de Sir Joslin. Certamente deve saber que até que
o legista tenha todos os fatos sobre a causa da morte, não há como saber se
um inquérito deverá ser realizado.
A Srta. Ingleby respirou fundo e lançou um olhar venenoso a Ottilia. —
Não preciso perguntar de onde veio o estímulo para tal movimento. Está
determinada a descobrir o pior, Lady Francis? Não é suficiente estarmos
desolados?
Francis passou por Ottilia. — Cuidado com a língua! Trate a minha
esposa com o devido respeito.
A Srta. Ingleby o encarou sem medo, para grande admiração e interesse
de Ottilia. — Ou o quê, senhor? Vai levantar a mão contra mim?
— Vou enfrentá-la, senhora — disse Francis furiosamente —, antes de
permitir que se dirija à minha esposa nesses termos.
A dama de companhia retrucou enérgica. — Sua esposa, senhor,
interferiu aqui além do que pode ser tolerado. Nós não procuramos nem
desejamos sua ajuda e me agradaria se a tirasse daqui imediatamente.
— Não farei tal coisa.
Patrick pigarreou, chamando a atenção de Francis. — Se me permite,
Fan.
Para alívio de Ottilia, o tom suave serviu para refrear um pouco a ira do
marido e ele recuou, embora mantivesse um olhar colérico sobre a mulher.
— Srta. Ingleby — Patrick disse friamente —, temo que isso possa
chocá-la, mas devo informá-la que a autópsia realizada no corpo de Sir
Joslin revelou conclusivamente que ele morreu de envenenamento por ópio.
Um suspiro escapou da mulher e ela olhou para Patrick como se tivesse
sido atingida no rosto, atônita.
Olhando rapidamente para a Sra. Whiting, até agora uma espectadora
indefesa e confusa, Ottilia viu a apreensão marcar suas feições. Era evidente
que nenhuma das mulheres ignorava o hábito de Sir Joslin.
— Portanto, cabe a mim procurar neste cômodo qualquer meio pelo
qual uma dose fatal de ópio possa ter sido administrada à vítima —
prosseguiu Patrick, aproveitando o silêncio pesado.
A voz da Srta. Ingleby soou em um murmúrio estrangulado. — Vítima?
Administrado?
Ottilia interrompeu sem remorso. — Exatamente. Ou por ele mesmo, ou
por outra pessoa.
A mulher colocou o dorso da mão na boca em um gesto que lembrou
Ottilia do dia anterior.
— Não — sussurrou ela. — Ele não teria tirado a própria vida. Nunca
vou acreditar nisso.
— Então ficamos com a outra alternativa — disse Ottilia
impiedosamente, avançando para enfrentar a criatura. — É claro que existe
uma terceira possibilidade.
Os olhos da mulher se arregalaram e seu tom era miserável. — Qual?
— Um acidente, Srta. Ingleby — disse Ottilia, suavizando a voz. — Ele
pode não ter percebido o quanto ingeriu.
Era a solução menos provável, mas serviu para tirar a mulher do
choque. Ela visivelmente se recompôs, seus olhos atordoados percorrendo o
quarto como se pensasse encontrar alguma evidência para apoiar a última
ideia. Ottilia se aproveitou de seu estado.
— Vai deixar o Dr. Hathaway fazer sua busca, senhora?
A mulher assentiu, movendo-se vagamente em direção à porta. A Sra.
Whiting fez menção de segui-la, parecendo ansiosa. Ottilia interceptou a
governanta, falando em voz baixa:
— Por favor, não a deixe entrar neste quarto até que tenhamos
terminado, Sra. Whiting.
— Farei o meu melhor.
Ela começou a se mover, mas Ottilia a deteve.— Só mais um momento,
se puder. Como está Tamasine hoje? Está no quarto dela?
A Sra. Whiting olhou curiosa para Ottilia, como se não entendesse seu
interesse.
— Hemp a levou para um passeio.
— Ah. A senhora a queria fora do caminho enquanto faziam o que é
necessário aqui.
— Sim, senhora. A menina é imprevisível.
O que era evidente. Sentindo-se um pouco desapontada, Ottilia quase
deixou a mulher ir, mas um pensamento lhe ocorreu. — Sra. Whiting,
acredito que há muito o que possa acrescentar à… — Lembrando-se de sua
posição odiosa naquela casa, analisou o que estava prestes a dizer e retomou
suavemente: — À coleta de informações do Dr. Hathaway em nome do Dr.
Sutherland. A senhora se oporia a falar com ele daqui a pouco?
A mulher lançou um olhar a Patrick, cuja expressão levemente
questionadora era branda o suficiente para se passar por alguém ávido por
novos conhecimentos, enquanto Ottilia esperava. Então seu olhar voltou
para o rosto de Ottilia, suas sobrancelhas franzidas.
— A Srta. Ingleby disse que é a senhora quem quer saber — respondeu
em um tom que beirava uma acusação.
Ottilia optou pela franqueza como fizera com a dama de companhia e
ensaiou um sorriso pesaroso. — Verdade. No passado, tive um pouco de
sucesso nesta linha e, neste caso, estou particularmente preocupada com
Tamasine.
— Bem, com a partida de Sir Joslin, todos nós também estamos —
admitiu a Sra. Whiting —, mas não vejo o que isso tem a ver com a forma
de como o mestre morreu.
— Tem muito a ver — retrucou Ottilia, desferindo um golpe sem
nenhum remorso. — Seria chocante se ela fosse condenada a ficar presa em
um hospício por assassinar o próprio guardião. — Aproveitando-se
instantaneamente do horror evidente da mulher, lançou um argumento
decisivo: — Ou mesmo enforcada, se os juízes decidirem que a menina é
capaz de responder por suas ações.
A Sra. Whiting ficou pálida e seus olhos se arregalaram ao olhar para
Ottilia, abrindo e fechando a boca de um modo que denunciava sua
agitação. Ottilia esperou, mantendo os olhos na mulher.
— Não! Não, não posso permitir que façam isso — ela conseguiu dizer
finalmente.
— Dificilmente poderia detê-los.
A Sra. Whiting desviou o olhar, sua respiração estava curta e instável.
Ela estremeceu, como se as imagens evocadas pelas palavras de Ottilia
fossem demais para suportar. — Tudo bem, eu vou falar.
Ottilia ignorou o tom rude e o ressentimento que quase se assemelhava
ao da Srta. Ingleby. — Obrigada. Mandaremos chamá-la no salão de baixo
no devido tempo.
Assentindo em dispensa, observou a pequena criatura cambalear até a
porta com um pouco menos de sua agitação habitual.
Atravessando o quarto rapidamente, Francis fechou a porta e Patrick
soltou um assobio. — Ufa! Quanta obstinação, minha querida irmã.
Ela estava inclinada a rir, mas seu esposo preferiu aceitar o comentário.
— Isso não é nada. Posso lhe jurar que ela pode ser muito mais cruel.
Ottilia retrucou. — Querem saber a verdade, ou não?
— Como bem sabe, só quero saber que não foi Giles — disparou
Francis. — Podemos acabar com isso, por favor? Se vamos procurar, pelo
amor de Deus, vamos começar logo.
— Deixe-me primeiro mostrar a Patrick o que encontrei. — Ela foi até a
cômoda enquanto falava, abriu a gaveta do topo e começou a procurar. —
Há embalagens de confeitos. Estes, está vendo? Cada um deles tem uma
descrição: açúcar de cevada, amêndoas açucaradas e caramelo. — Ela tirou-
os da gaveta enquanto falava. — Os outros, no entanto…
Ela parou, abruptamente percebendo que as três embalagens roubadas
pelos meninos, aquelas que havia colocado de volta na gaveta, haviam
desaparecido. Ela remexeu a gaveta, apenas meio consciente de Francis
pegando as embalagens.
— Flora Sugars? Este é o nome comercial do negócio de Roy?
— Associado com sua esposa, Florine — disse Ottilia sem cessar sua
busca.
Patrick estava verificando as garrafas dispostas ao longo do topo da
cômoda. — Meu bom Deus, olha isso, Fan. Pomada e loção de jasmim. E
água perfumada também. Um pote de rapé de bergamota? Esta é uma
caixinha agradável.
Ele foi acompanhado por Francis, que pegou a caixa de rapé e a
examinou. — Marfim e jade. Um pouco bonita demais para o meu gosto.
— Mas isso indica outro mau hábito, igualmente ruim para os pulmões
do sujeito.
— Tabaco? — Francis estava inspecionando outros itens. — Mas por
que diabos? Loção para pele ressecada e creme de amêndoas? E isso é água
de flor de laranjeira, Patrick. Usa essas coisas?
O irmão de sua esposa riu. — Eu não. Pelo visto, esse tal Cadel tinha
uma atenção meticulosa à higiene.
— Ou muita vaidade. O homem era claramente um almofadinha.
— Ou era inclinado à feminilidade?
— Acha? — Francis fez um som de escárnio. — Isso acaba com sua
ideia de que a Srta. Ingleby se encontra apaixonada pelo sujeito, Tillie.
Ottilia estava olhando para a gaveta, intrigada com os doces que
estavam faltando, mas ao ouvir isso olhou para os dois homens, distraída.
— Quer dizer que ela o esperou em vão? Então suponho não eram amantes
— disse, pensando em voz alta. — Ela deve ter ficado perturbada. Talvez
tenha sentido alguma afeição. Ou uma forte decepção. Ou buscava apenas a
segurança de um casamento?
Seu esposo ergueu os olhos. — Se a suposição de Patrick estiver
correta, dificilmente ele se casaria com ela, não é?
— Não, e isso não é pertinente. Onde raios estão aqueles doces?
Tanto o marido quanto o irmão a encararam. Patrick olhou para as
embalagens descartadas de caramelo e amêndoas açucaradas. — Presumo
que esteja falando destes aqui?
Ottilia enfiou a mão no bolso e tirou o único doce que havia pegado no
dia anterior. Ela o segurou. — Havia quatro deles aqui. Peguei apenas um
para lhes mostrar. Alguém levou os outros.
De repente, lembrou-se das embalagens vazias retiradas da cesta de
papéis e começou a procurar novamente, apenas meio consciente dos dois
cavalheiros estudando os doces.
— Flora Sugars — Francis anunciou, lendo por cima do braço de
Patrick. — O que tem nesse?
— Não diz.
— Então — Ottilia estava ajeitando as coisas na gaveta com pressa —,
por que alguém deveria pegar esses e não os outros? Deve ter sido
intencional.
— É sério que acha que estes doces contém uma dose letal de ópio?
— Disse que era possível, Patrick.
— Sim, mas não o suficiente para matar.
Francis agarrou a coisa de sua mão. — Mas por que alguém iria
removê-los se é inocente? — Seu olhar carrancudo voltou-se para Ottilia.
— E quem? De quem está suspeitando?
— Aquelas duas mulheres não estavam mexendo aqui quando
entramos? — perguntou Patrick, parecendo interessado, pelo menos neste
ponto.
— Sim, mas não esvaziaram a gaveta — disse Francis imediatamente.
— Os que estão faltando foram selecionados do resto. Ainda está
procurando, Tillie?
Ottilia abandonou sua busca inútil. Pensou em mencionar as
embalagens vazias que havia enfiado na gaveta, mas no final das contas,
decidiu guardar isso para si por enquanto. Nesse ínterim, o olhar cético de
seu irmão mudou de Francis para ela.
— Supõe que seu suposto assassino entrou aqui na calada da noite e
escondeu as evidências?
— Não tem ideia de como esses assassinos podem ser astutos, Patrick,
mas uma coisa é certa, não pode ter sido Giles — disse Francis.
— Não, acho que devemos limitar nossas suspeitas a alguém da casa —
concordou Ottilia.
— Está tirando conclusões precipitadas. — Patrick parecia exasperado.
— Em primeiro lugar, é altamente improvável que qualquer doce possa ser
usado para envenenar um homem.
Ottilia hesitou. — E por que não? Esses doces de láudano podem ser
dados às crianças. O senhor mesmo já os prescreveu.
— Garanto que isso se parece com aquele tipo de pastilha de láudano.
São embrulhadas assim e depois embaladas em conjuntos e colocadas em
caixas.
— Então aí está — ela comentou, sua mente ainda ocupada. — Quantas
teriam em uma caixa? Sir Joslin tinha uma caixa delas à mão?
Seu irmão suspirou irritado. — Está enganada, Ottilia. Pode até ser uma
pastilha de láudano, mas só poderia ter sido usada pelo morto para aliviar
algum incômodo tão simples quanto uma dor de cabeça.
— Ou talvez sua dor no peito? — sugeriu Francis.
— Certamente, mas sugerir que um desses poderia estar recheado com
ópio suficiente para fornecer uma dose letal? Absolutamente não. Mesmo
que fosse possível, o açúcar seria insuficiente para disfarçar o sabor.
Ottilia começou a sentir-se perplexa. Intuição? Alguém definitivamente
havia removido os doces desaparecidos junto com a embalagem que havia
escondido na gaveta no dia anterior. Ela lançou uma nova ideia:
— E se ele comesse vários de uma vez?
— Não — disse seu irmão com determinação. — Ele teria que consumir
a caixa inteira e provavelmente adormeceria antes que pudesse terminar.
Ottilia suspirou, aliviada por ter guardado para si a história das
embalagens vazias. — Então devo aceitar sua decisão, Patrick. Suponho
que há pouco futuro em analisarmos isso então?
— Na verdade, nenhum.
— Oh, céus, realmente pensei que tínhamos alguma coisa.
Os olhos de Patrick brilharam. — De qualquer forma, pensei que
estávamos aqui para procurar rum.
A mente de Ottilia estalou. — Sim, estávamos. Procure na cômoda
enquanto olho ao redor da cama.
Francis estava de pé sobre o baú. — E quanto a isso?
— Uma perda de tempo — disse Patrick. — Não pode supor que
aquelas mulheres embalariam uma garrafa de rum.
— Dê uma olhada, Fan — disse Ottilia, dirigindo-se à mesinha de
cabeceira. Ela teve sorte imediatamente, descobrindo uma garrafa
escondida em um canto atrás do penico, mas quando levantou-se com a
garrafa na mão e quis abri-la, o irmão a interrompeu:
— Espere! Dê-me isso.
Ela entregou-lhe imediatamente. — Por quê? O que vai fazer?
O médico cheirou as bordas da rolha. — Definitivamente isso é álcool.
— Ele a sacudiu. — Menos da metade, acho.
— Não vai abrir? — perguntou Francis com impaciência.
— Estou abrindo.
Patrick afastou a garrafa um pouco e tirou a rolha com a ponta dos
dedos. Não houve um aroma instantâneo, o que nem fez cócegas no nariz de
Ottilia. Ela não ficou surpresa. O rum poderia ou não conter ópio, mas a
questão das guloseimas havia suplantado seu interesse.
— Por que a cautela excessiva? — exigiu Francis.
— Porque não quero cair desmaiado. — Sacudiu a garrafa, cheirou o ar
e levou-a às narinas. — Hum. Não é um cheiro óbvio, mas definitivamente
há uma mistura aqui.
— Então vai analisá-la?
— Acho que devemos, Fan. Estamos fazendo o mesmo com o láudano
que encontrou. Embora não haja como dizer se foi desta garrafa que Sir
Joslin bebeu a dose que o matou.
Ottilia olhou para o irmão. — Já que está fazendo tantas análises,
também pode adicionar o doce, não acha?
— Agrade sua irmã, Patrick. O instinto dela raramente falha, sabe disso.
Ele revirou os olhos. — Atrevo-me a dizer que não terei paz até que o
faça, mas sinceramente? Duvido que isso leve ao suposto assassino.
Ela agradeceu e lançou um olhar grato ao esposo, mas sua inquietação
era palpável. Todos os sinais indicavam que seu irmão estava certo, mas não
conseguia se livrar da convicção de que os segredos de Willow Court
escondiam uma trama maligna.
Francis mal tinha conseguido trocar uma breve palavra com o cunhado
quando a porta se abriu novamente e o mordomo entrou na sala. Ele olhou
para ambos com uma irritação indisfarçável.
— Ainda aqui, senhores?
Francis arrepiou-se. — Como pode ver.
O lábio de Lomax se curvou de forma insolente. — Encontrou seu
assassino, milorde?
Com dificuldade, Francis se controlou e disparou. — Não, mas ainda
não o interrogamos, Lomax.
As sobrancelhas do homem se juntaram. — Eu não o matei!
— Não?
— Não! E devo acrescentar que nem ninguém desta casa.
— Isso ainda não sabemos.
— Ele tomava ópio, e daí? — Um sorriso de escárnio cruzou o rosto do
homem. — Acharam que a Srta. Ingleby não iria me contar? Não que já não
soubéssemos disso.
— Então salta aos olhos que alguém da casa possa tê-lo ajudado com
sua overdose.
Lomax fechou os lábios com força. Estava claramente nervoso, pois seu
olhar foi de Francis a Patrick, retornando ao primeiro. Sua bochecha se
contraía levemente e seu rosto estava um grau mais pálido que antes.
Inspirando-se em sua esposa, Francis aproveitou a vantagem com sua
mente vagando pelas mais variadas informações que Tillie havia acumulado
até então. Ele pegou uma ao acaso.
— Fale-me sobre a Flora Sugars, Lomax.
— A fábrica do mestre?
Ver o homem tão abalado não podia deixar de dar a Francis uma
sensação de satisfação. Seu aborrecimento abrandou e começou a se
divertir. — Por mestre, suponho que esteja se referindo ao Sr. Roy.
Tomamos isso como um nome comercial para seus produtos. Isso está
correto?
A carranca de Lomax expressava sua perplexidade crescente. — Sim,
mas não consigo ver o que isso tem a ver com…
— Ele deu o nome do lugar em homenagem à esposa? — Francis
interrompeu, mantendo a pressão. — Florine, não era?
— Não foi o Sr. Roy que deu esse nome. Foi o pai da Sra. Roy. Ela
herdou o lugar.
— E tornou-se propriedade do Sr. Roy quando eles se casaram?
Lomax assentiu, parecendo cada vez mais perplexo com essa linha de
questionamento.
— Parece um belo dote — comentou Patrick, atraindo o olhar do
mordomo.
Um olhar irrisório cobriu as feições do homem. — Um belo suborno,
senhor.
Francis não conseguiu reprimir um suspiro de choque. — Quer dizer
que ele sabia que Florine era louca quando se casou com ela?
— O mestre achou que era uma barganha que valia a pena. — O tom era
cínico e Francis o observou atentamente. — O Sr. Roy estava de olho no
negócio. E a senhora tinha um temperamento tranquilo no início.
— Estava lá?
— Eu vim com a propriedade. Era um lacaio na época.
Assim, sua lealdade era mais com a família da esposa do que com Roy.
Menos provável de ser leal ao seu mestre, então?
— Parece que a Srta. Ingleby é a mais recente adição ao círculo
familiar. — Lomax piscou confuso, como se a mudança de assunto o
confundisse.
— Acredito que ela se juntou a família apenas quando a Srta. Tamasine
tinha quatorze anos — prosseguiu Francis. — Uma relativa recém-chegada
então?
— Não encontrará ninguém que estivesse pronto para incluí-la no
círculo familiar. — O velho olhar jocoso estava de volta. — Ela não estaria,
se o Sr. Martin não tivesse morrido.
— Quem era o Sr. Martin?
— Um supervisor. A Srta. Ingleby foi até Barbados para se casar com
ele. Um desses casamentos arranjados. Martin morreu de febre antes que ela
chegasse e a moça não tinha dinheiro para voltar para a Inglaterra.
— Então o Sr. Roy deu a ela um cargo de dama de companhia para sua
filha — disse Patrick, com um tom de aprovação na voz. — Ele me parece
um sujeito muito atencioso.
Lomax não tinha nada a dizer sobre isso e estava claro para Francis que
sua opinião sobre o caráter de seu antigo mestre deixava algo a desejar. Ele
mudou de terreno:
— Pelo que entendemos, todos os negros tinham que trabalhar
ocasionalmente na fábrica de açúcar. Isso valia para todos a serviço do Sr.
Roy?
— O senhor quer saber se tive alguma experiência na destilação —
afirmou o mordomo categoricamente, seu cinismo mais uma vez abundante.
— Não fazia parte das minhas funções, mas eu estava interessado o
suficiente para aprender um pouco. Tinha seu uso.
— Como fazer rum?
Lomax deu de ombros. — Pense o que quiser, senhor, mas se está
tentando descobrir se misturei rum com ópio para envenenar Sir Joslin,
infelizmente ficará desapontado. Duvido que haja alguém na casa que não
saiba que ele guardava uma garrafa escondida no lugar mais imbecil que se
possa imaginar. Quem esvazia os penicos senão os criados?
A gritaria atraiu a atenção de Francis. Ele parou sua busca nas gavetas
da cômoda onde, a pedido de Tillie, estava procurando os doces
desaparecidos e olhou para o cunhado, que estava sentado na cama ocupado
com cálculos matemáticos.
— O que fazemos?
Patrick guardou seu caderno e lápis e levantou-se. — É melhor irmos
ver.
Francis liderou o caminho para o salão e as vozes alteradas foram
imediatamente audíveis.
— O senhor aparece aqui tentando se infiltrar, como se muitos de nós
não estivéssemos perfeitamente cientes de sua intenção.
— É a Srta. Ingleby — disse Francis, inclinando-se sobre o parapeito da
galeria.
Ele podia ver a moça perto da porta aberta do antigo escritório de Sir
Joslin. Era evidente que a discussão vinha acontecendo há alguns momentos
e se espalhava pelo corredor. A outra pessoa estava ao pé da escada, o
casaco nas costas, chapéu na mão, evidentemente na intenção de sair da
casa.
Era este o sujeito de quem Tillie havia falado? O primo Roy?
— E qual é a sua intenção, minha querida Lavinia? — perguntou o
homem em um tom arrastado. — Suas esperanças foram esmagadas, não
foram?
As bochechas da Srta. Ingleby ficaram manchadas de vermelho. — Não
sabe do que está falando. Joslin era apaixonado o suficiente.
— Apaixonado? Tinha menos chance de fisgá-lo do que eu, se minha
preferência fosse essa.
Ahá, então suas suspeitas sobre as preferências de Cadel tinham
fundamento. O comentário teve um efeito inflamado na Srta. Ingleby.
— Fique quieto, seu demônio! Odeio e abomino o senhor!
— Essa não é a opinião que tinha de mim, minha querida — zombou
seu algoz.
Ela soltou um grito. — Não ouse começar com esse assunto, Simeon
Roy!
— Já deveria saber que não há nada que eu não ousaria. Na verdade, se
alguém nesta casa pode alegar conhecimento íntimo sobre mim…
A mulher se jogou contra o batente da porta, uma mão subindo para a
garganta.
— O senhor me insultaria assim? Com um episódio do passado que me
encheu - e que ainda me enche - de nojo e vergonha?
A postura arrogante de Roy não se alterou. Ele inclinou-se um pouco
mais com um tom de escárnio. — Pelo que me lembro, Lavinia, acolheu
minhas investidas com muito mais do que desgosto. E quanto à vergonha,
recordo-me que não teve nenhuma.
A Srta. Ingleby correu em direção a ele, sua mão voando para cima
como se fosse dar um tapa na bochecha dele, mas Roy deu um passo à
frente e agarrou o pulso dela, segurando-a.
— Ah, faria isso, meu doce? Muito ambicioso. Não sou o jovem que fui
uma vez, para ser pego de surpresa pelas garras de uma prostituta ciumenta.
Um som semelhante ao rosnado de um gato enfurecido escapou dos
lábios da Srta. Ingleby. Ela se libertou e fechou as mãos em punhos diante
do rosto dele. — Se alguma vez mereci esse nome foi por sua culpa. O
senhor fez de mim o que me tornei, assim como tentou fazer com aquela
jovem demente e desavisada.
— Tamasine me adora — respondeu Roy em um tom superior. — E é
por isso que não suportou nos ver juntos.
As feições da Srta. Ingleby tornaram-se ainda mais enfurecidas e os
punhos se ergueram na altura das bochechas, socando o próprio rosto como
se tentasse se punir.
— Seu demônio! Não a ama, nunca amou. Fugiu com ela apenas por
causa de sua fortuna.
Roy lançou seu corpo na direção de Lavinia, perdendo um pouco de sua
segurança em uma exibição de temperamento semelhante ao dela. — Não
sabe nada sobre isso! Estava com tanto ciúme que não conseguia ver além
do seu nariz.
— Já percebi seu joguinho, Simeon Roy! E se pensa em encontrar um
aliado aqui está muito enganado. Ninguém nesta casa apoiará seus
esquemas e Tamasine está muito bem guardada para ser levada desta vez.
Os combatentes sofreram uma interrupção. Ouviu-se uma voz clamando
por Lavinia e a Sra. Whiting veio bamboleando pelo corredor atrás de
Francis e Patrick.
— Srta. Ingleby! Srta. Ingleby! — Ela não pareceu notar os cavalheiros
de pé ao lado da escada ao descer apressada. — Srta. Ingleby, sabe de
Tamasine? Não a encontrei no quarto.
Simeon Roy soltou uma gargalhada grosseira, enquanto se movia mais
para dentro do corredor. — A coleira escorregou de novo? Posso ver como
está bem guardada. A garota a supera, Lavinia.
A provocação passou despercebida. A Srta. Ingleby encontrou a
governanta ao pé da escada. — Procurou nos sótãos?
A Sra. Whiting estava bufando com uma mão em seu seio amplo. —
Não tenho forças para subir até lá. Procurei em todos os quartos do primeiro
andar.
Ignorando Roy, a Srta. Ingleby correu pelo corredor, fora da linha de
visão de Francis e ele a ouviu chamando os lacaios.
— Hemp! Cuffy!
Uma voz mais branda respondeu imediatamente. — Estou aqui,
senhora.
— Hemp, graças aos céus! Corra até o sótão e procure a Srta. Tam.
Francis deu um passo à frente para encontrar o sujeito no topo da
escada. — Podemos ajudá-lo?
Hemp fez uma pausa. — Não, senhor, eu lhe agradeço. Conheço todos
os lugares onde a Srta. Tam se esconde.
Com isso, ele foi embora, seus passos martelando ao longo do corredor.
Uma voz grave soou no andar de baixo e, em questão de segundos, Cuffy
veio correndo pelas escadas e desapareceu no rastro de Hemp.
— Vamos, Patrick.
Francis liderou o caminho para o andar de baixo. Simeon Roy havia
desaparecido e a Srta. Ingleby estava em uma reunião urgente com Lomax
junto à porta verde no fundo do corredor.
Espiando sua esposa parada na porta da sala, Francis foi rapidamente
até ela e entrou. Esperou apenas Patrick se juntar aos dois antes de fechar a
porta suavemente atrás deles.
— E o que achou de tudo isso, Tillie?
Mais tarde, a sós com Francis, Ottilia foi mais aberta quando abordou
um assunto que estava remoendo em sua mente. — Fan, iria se opor se eu
oferecesse a Hemp uma posição conosco?
O marido a fitou. — Uma posição? Por que diabos?
— Simpatizo com o homem, Fan. Considere isso: ele passou a vida a
serviço do pai e da meia-irmã, com pouco ou nenhum ganho. Agora ficará à
deriva, sem propósito a cumprir e em um país estrangeiro.
Francis não parecia convencido. — Bem, ele pode escolher não
permanecer na Inglaterra. Além disso, ele mesmo disse que é independente.
Não digo que possa ocupar um lugar na sociedade, mas pode se estabelecer
em algum lugar, se assim o desejar.
— Como, Fan? Um negro, no clima que persiste neste país? Hemp é um
homem inteligente e merece ter sucesso. Além disso, que nível de
independência seria esse? O suficiente para permitir que se sustente aqui?
— Ela foi até o marido, colocando as mãos contra seu peito e sorrindo. —
Querido Fan, sinto pena dele, ah, como sinto. Ele ficará de luto por algum
tempo e talvez isso o ajude a ocupar a cabeça.
— Mas o que ele pode fazer por nós? Não precisamos de outro lacaio.
— Não, e eu não deveria sonhar em pedir para que assuma uma posição
tão humilde.
— O que seria, então? Parece-me que ainda não pensou nisso, Tillie.
— Confesso que na verdade não. Não sei, Fan. Pode ser meu mordomo
pessoal ou algo assim. Tenho certeza de que pensarei em algo adequado. —
Ela leu a condenação no rosto dele e acrescentou em um tom persuasivo: —
Por favor, me conceda isso, Fan.
— Mas por que, Tillie? Atrevo-me a dizer que o infeliz não desejará de
forma alguma trabalhar para nós.
— Nesse caso, o assunto estará encerrado.
Para seu alívio, o marido parecia estar cedendo. Ele deslizou um braço
ao redor dela e suspirou. — Gostaria de entender o que quer com isso, meu
amor.
Ottilia ficou na ponta dos pés para beijá-lo e depois recostou-se no
círculo de seu braço. Ela tentou sorrir, mas sabia que não conseguiria
quando sua voz ficou rouca. — Este foi um episódio trágico, meu querido.
Eu me sinto tão mal, não pode nem imaginar.
— Ah, não posso? Como se não a conhecesse bem o suficiente para ter
certeza de que se convenceu de que tudo foi culpa sua.
Ottilia deu uma risada sem graça. — Não é bem assim, mas deve ver
que… — Ela fez uma pausa e respirou fundo. — Não, não vou provocá-lo
com minhas divagações. Permita-me apenas salvar uma coisinha do
naufrágio.
— Mais do que isso, minha querida, Giles e Phoebe têm a esperança de
sair relativamente ilesos, uma vez que possamos trazer Randal à razão. O
que pode finalmente apaziguar o temperamento de mamãe. Quanto à minha
querida esposa…
Ela o deteve com um dedo em seus lábios. — Não precisa dizer isso. De
fato, serviu para me distrair apesar dos horrores que enfrentamos. E se só
me permitir mais esta coisinha, juro que não vou proferir uma palavra de
reclamação durante o restante da minha gravidez.
Ele deu uma gargalhada. — Se eu acreditasse nisso, Tillie, cairia do
cavalo dentro de uma semana!
Ela foi obrigada a sorrir, mas não perdeu de vista seu objetivo. — E
Hemp?
Francis a abraçou. — Faça o que quiser, querida. Confesso que gosto do
sujeito. É um preço pequeno a pagar e merece uma recompensa, mesmo que
apenas por suportar a loucura hedionda de Willow Court.
Satisfeita por ter vencido essa batalha, Ottilia agradeceu de maneira
adequada à ocasião, mas seu marido parecia ter poucas ilusões.
— Sim, está tudo bem em me bajular, mas devo avisá-la que não vou
mais encorajá-la em tais aventuras, minha Lady Fan.
Quer descobrir o que vem a seguir para Lady Ottilia Fanshawe?
Uma Nota Ao Leitor
Caro leitor,
A ideia de O Expurgo do Ópio foi um fragmento de algo que pensei que
seria o início de um romance. Uma garota se aproxima dos novos vizinhos e
implora por refúgio, mas um irmão vem buscá-la e diz aos vizinhos que está
louca. Neste cenário, a garota estava sendo mantida contra sua vontade e
estava perfeitamente sã. Isso, como leram agora, não se concretizou quando
se transformou na próxima aventura de Ottilia.
A pesquisa para este livro se provou maravilhosamente satisfatória. Eu
precisava de um veneno adequado que fosse fácil de ser obtido na época. O
Google me levou ao Google Books, onde encontrei a fonte contemporânea
mais incrível do final do século XVIII. O livro foi digitalizado para que
fosse possível lê-lo on-line. Era um longo tratado escrito por um médico
sobre venenos e cobria absolutamente todos os venenos possíveis que se
possa imaginar, especialmente plantas venenosas e seus derivados.
Além disso, este médico deu descrições exatas dos sintomas em vários
casos, explicou como e em qual prazo a pessoa poderia morrer, e passou a
descrever o que o post-mortem mostraria e como os testes poderiam ser
feitos. Por exemplo, o conteúdo do estômago poderia ser dado a um sapo e,
se ele morresse, saberiam que o veneno estava no corpo.
Analisei várias possibilidades antes de me decidir pelo ópio. Isso
imediatamente me levou a pesquisar sobre viciados em ópio e encontrei
outro livro digitalizado sobre as confissões de um adicto. Os dados
aumentaram o que já havia descoberto e me deram muitas informações
sobre qual quantidade de ópio poderia ser letal, dependendo de como fosse
ingerida, seja como licor ou grãos, ou como doce de láudano. Os sintomas e
sensações de estar sob efeito do narcótico estavam todos descritos ali. Uma
leitura extremamente reveladora.
É claro que tive que juntar todas as informações, usando apenas o que
era pertinente à minha história e me certificando de que tudo fizesse sentido
e funcionasse. Posso lhes dizer que foi um exercício fascinante.
O que mais gostei nesta história foi criar a casa Willow Court -
literalmente um hospício - com suas correntes cruzadas de paixões e
segredos. Como Ottilia, encontrei-me com pena da desafortunada Tamasine,
que apesar de sua beleza extraordinária foi condenada a uma doença
terrível.
Espero que esteja gostando do desenrolar do casamento de Francis e
Ottilia que, sem querer dar spoilers, inevitavelmente terá seus altos e
baixos. Se considerar fazer uma avaliação do livro, seria muito apreciado e
muito útil. Sinta-se à vontade para entrar em contato comigo no:
elizabeth@elizabethbailey.co.uk
Ou encontre-me no Facebook ,Twitter , Goodreads
Ou em meu site www.elizabethbailey.co.uk .
Elizabeth Bailey
Vem aí
Livro Quatro
Série Mistérios de Lady Fan 4
O Caixão à Luz de velas
Uma mistura emocionante de mistério e romance! Para os fãs de
Georgette Heyer, Mary Balogh, Barbara Erskine e Jane Austen.
O assassinato espreita nos bastidores…
1791, Inglaterra
Lorde Francis e Lady Ottilia Fanshawe sofreram um golpe devastador.
Com Ottilia afundada em uma depressão profunda, Francis está
desesperado para ter sua amada esposa de volta.
Então quando fica sabendo de um assassinato na cidade litorânea de
Weymouth, uma ideia começa a se formar…
O corpo de uma jovem foi descoberto em um caixão aberto e cercado
por velas.
A cena e o fato de a vítima ser membro de uma trupe de teatro sugere
que um de seus colegas é o assassino.
Conhecendo a intuição aguçada de Ottilia e sua propensão para resolver
mistérios, Francis a leva ao local do crime.
O caso poderá despertar o interesse de Ottilia? A intrépida “Lady Fan”
fará uma aparição mais uma vez?
E ela poderá resolver o mistério do Caixão à Luz de Velas…?
Mais Mistérios de Lady Fan
Livro Um
9786588382417
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A mistura perfeita de assassinato e mistério históricos com uma pitada
de romantismo! Para os fãs de Georgette Heyer, Mary Balogh, Barbara
Erskine e Jane Austen.
Assim que um assassinato é cometido, a acompanhante de uma dama
revela-se como uma detetive amadora…
1789, Londres
Quando Emily Fanshawe, Marquesa de Polbrook, é encontrada
estrangulada em seu quarto, a suspeita recai imediatamente sobre aqueles
que residem na grande casa na Praça de Hanover.
O marido de Emily — Randal Fanshawe, Lorde Polbrook — fugiu
durante a noite e é o principal suspeito — para consternação de sua família.
Ottilia Draycott é enviada como nova acompanhante de Sybilla,
Marquesa Viúva, e logo se vê ajudando o filho mais novo, Lorde Francis
Fanshawe, em suas investigações.
Ottilia pode ajudar a limpar o nome da família? O assassino ainda reside
na casa?
Ou poderia haver mais no mistério do que se vê?
A MORTALHA DOURADA é o primeiro livro da série Mistérios de
Lady Fan: romance histórico de mistérios de assassinato com uma mulher
corajosa embarcando em uma tradicional investigação privada britânica no
século XVIII em Londres.
Livro Dois
Série Mistérios de Lady Fan 2
O Presságio da Morte
9786580754557
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Lady Fan regressa num emocionante mistério histórico!
Uma jovem, ao prever um assassinato, se vê no centro de uma caça às
bruxas.
1790, Inglaterra
Quando a carruagem de Lorde Francis e Lady Ottilia Fanshawe se
avaria, eles acabam por ficar encalhados na aldeia de Witherley.
Mas Ottilia, a intrépida ‘Lady Fan’, tem a sua curiosidade despertada
quando ouve falar de um assassinato local.
Uma jovem previu a morte horrível do ferreiro da aldeia. E ele foi
morto exatamente como descrito.
Será que a jovem pode prever o futuro? Será que os aldeões têm razão
ao chamá-la de bruxa?
Ou há uma explicação ainda mais sinistra…?
O PRESSÁGIO DA MORTE é o segundo livro da série ” Mistérios de
Lady Fan“: romance histórico de homicídios misteriosos com uma mulher
corajosa que embarca numa investigação privada na tradicional Londres do
século XVIII.
Sobre a Autora
Elizabeth Bailey sente-se feliz por ter encontrado
vários caminhos que lhe deram imensa satisfação — atuar,
dirigir, ensinar e, não menos importante, escrever. Ao longo
dos anos, cada caminho tem cruzado o outro, aperfeiçoando
e aprofundando suas habilidades em cada esfera.
Teve o privilégio de trabalhar com alguns artistas maravilhosos, e teve a
sorte de encontrar editores que acreditaram nela e a colocaram no caminho.
Inventar um mundo, persuadir outros a acreditar e viver nele por um
tempo, é o único objetivo da romancista.
O grande amor de Elizabeth pela leitura nunca diminuiu, e se ela puder
dar um dízimo desse prazer aos outros, como ela mesma recebeu, valerá a
pena qualquer esforço.
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