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DIREITO

CONSTITUCIONAL
Professor: Luís Pedro Dias Pereira Coutinho

Assistente: Lis Lene D`Alessi Cisz


FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA RAQUEL LOURENÇO

O objeto e o método do direito constituciona ...................................................................................


Objeto do Direito Constituciona .......................................................................................................
Corrente adotad ......................................................................................................................
As características do Direito Constituciona .....................................................................................
Direito Constitucional e Teoria da Constituiçã ................................................................................
CAPÍTULO I - O CONSTITUCIONALISM .................................................................................
Vários prismas sobre o conceito de constitucionalism ....................................................................
Constitucionalismo antigo e modern ...............................................................................................
Constitucionalismo das origen ...............................................................................................
Constitucionalismo das Revoluçõe .........................................................................................
Constitucionalismo da época libera ........................................................................................
Constitucionalismo da democracia constituciona ...................................................................
Raízes losó cas do constitucionalismo: governo moderad .........................................................1
Século IV a.c - Platã .............................................................................................................1
Aristóteles (discípulo de Platão ............................................................................................1
Século II a.c - Políbi .............................................................................................................1
Século I a.c- Cícer ................................................................................................................1
Século XII- João de Salisbur ................................................................................................1
Século XIII - S. Tomás de Aquin .........................................................................................1
Na transição para o século XIV - Marsílio de Pádu .............................................................1
Proteção da pessoa human .............................................................................................................1
Idem: génese e metamorfoses dos direitos do home ....................................................................1
Idem: “Estado de direitos humanos” ou “Estado constitucional ...................................................1
A nalidade da limitação e da racionalização do poder polític .....................................................1
CONSTITUCIONALISMO ..........................................................................................................1
O Constitucionalismo britânic .............................................................................................1
Constitucionalismo norte-american .....................................................................................1
Constitucionalismo francê ....................................................................................................1
Constitucionalismo alemã ....................................................................................................2
CAPÍTULO II- A CONSTITUIÇÃ ...............................................................................................2
O Poder Constituint .......................................................................................................................2
Referendo vs Plebiscit ..........................................................................................................24

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA RAQUEL LOURENÇO

O OBJETO E O MÉTODO DO DIREITO CONSTITUCIONAL

OBJETO DO DIREITO CONSTITUCIONAL


Como habitualmente, há várias perspetivas para designar as matérias que o Direito
Constitucional trata: para uns, é o Estado; para outros, é a pessoa humana; para outros ainda, é o
poder político. Numa perspetiva tradicional, o direito constitucional é antes de mais o direito do
Estado

• Marcelo Rebelo de Sousa: A matéria regida pelo Direito constitucional pode ser
genericamente de nida como a respeitante à estrutura, aos ns e às funções do Estado,
bem como à organização, titularidade, exercício e controlo do poder político a todos os
níveis.

• Jorge Miranda: O direito constitucional é a parcela da ordem jurídica que rege o próprio
Estado enquanto comunidade e enquanto poder.

• Perspetiva alemã: estuda o Estado

Para uma orientação antropocêntrica, o Direito Constitucional deve ser deslocado do Estado
para a pessoa humana. Podemos considerar apologista desta doutrina Paulo Otero. Contudo, se a
pessoa é, sem dúvida, o m de todo o Direito (e, logo por isso também o é, do Direito
Constitucional) e se tudo numa “Constituição limitada” deve estar orientado à garantia da liberdade,
daí não se segue forçosamente que a pessoa venha a ser “o eixo central do fenómeno constitucional”

CORRENTE ADOTADA
Para uma terceira corrente, o eixo do Direito Constitucional passa pelo “estatuto do
político”. Segundo o professor José Melo Alexandrino, o primeiro m do direito constitucional é
garantir a liberdade, pois, “a liberdade é o m, a constituição o instrumento”. Não se pode reduzir a
matéria do direito constitucional ao Estado, pois aí faltariam coisas fundamentais: a própria ideia de
Constituição, direitos fundamentais e a garantia jurídica da Constituição. O professor José Melo
Alexandrino refuta Paulo Otero: a pessoa humana é o m de todo o Direito, mas não pode ser
vista como o objeto do Direito Constitucional; e também refuta a doutrina clássica: não se pode
reduzir ao Estado, pois faltariam a própria ideia de Constituição, os direitos fundamentais e a
garantia jurídica da Constituição.

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Colocando tudo, anteriormente referido, numa balança, ca assim de pé a terceira corrente.


Em resultado da qual o objeto do Direito constitucional vem a ser constituído, quer em termos
práticos (na vida dos diversos sistemas históricos positivos), pelas seguintes três matérias essenciais

• Pelas normas que regulam o poder político do Estado

• Pelas normas que de nem os direitos fundamentais das pessoas perante o Estado, sejam
eles direitos de liberdade ou direitos sociais

• Pelas normas que de nem a garantia do cumprimento da Constituição

Em todo o caso, quando se fala em Direito constitucional, há que ter presente que podemos
estar a referir-nos a duas coisas distintas: (a) podemos estar a referir-nos ao conjunto de normas
constitucionais em vigor; ou (b) podemos estar a referir-nos à disciplina cientí ca que estuda as
matérias reguladas por essas normas

AS CARACTERÍSTICAS DO DIREITO CONSTITUCIONAL


Para José Melo Alexandrino, o direito constitucional caracteriza-se pela

• Supremacia - as normas do direito constitucional são lex superior (estão no topo da


pirâmide normativa), independentemente dos problemas e dos entrelaçamentos que possa
haver com outro tipo de fontes, nomeadamente internacionais e supranacionais

• Estadualidade - assinala a centralidade do Estado quer como objeto da disciplina, quer


como produtor e destinatário das normas constitucionais, quer como principal garante da
realização da Constituição, de onde emerge que, sendo todo este um ambiente de
autoridade, o Direito Constitucional é necessariamente Direito público

• Politicidade - assinala desde logo a natureza política do objeto, mas também a natureza
simultaneamente jurídica e política de muitas estruturas, processos, normas e instituições
constitucionais e as tensões entre essas várias dimensões

• Complexidade - está presente nos diversos aspetos: nas funções da Constituição, na


variedade e pluridimensionalidade das normas, nomeadamente dos princípios, na
referência aos sempre discutidos e essencialmente controvertidos valores morais, na
articulação necessária com a lei e em geral nas implicações ao nível da argumentação
jurídica e da aplicação/ realização

• Incompletude - pretende assinalar que as normas do Direito constitucional traçam


geralmente apenas uma ordem quadro, apenas as normas fundamentais, deixando grandes
espaços por decidir, o que leva designadamente a que tenha de se cautelar a exibilidade

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e adaptação no tempo; ou seja, a Constituição é apenas uma moldura externa (ordem-


quadro) que deixa espaço às decisões do legislador e opções da sociedade e dos cidadãos

• Abertura - sendo uma ordem incompleta, ela está de certo modo aberta aos valores
(abertura axiológica), às estruturas políticas, económicas, sociais e culturais (abertura
estrutural), mas também a outras normas e interpretações (abertura normativa) e ao futuro
(abertura temporal); no fundo, permite uma sensibilidade de adaptação face à realidade

• Permanência - veri ca-se uma considerável estabilidade e até uniformidade das


principais normas do Direito constitucional (daí que se possa falar, por exemplo, de um
Direito constitucional comum europeu e que se diga, com razão, que não se podem mudar
os princípios ou regras básicas do Estado de Direito democrático através de uma revisão
da Constituição)

DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO


A Teoria da Constituição ensina a conhecer o Direito. Segundo o Professor Gomes Canotilho, a
Teoria da Constituição é uma teoria cientí ca (procura descrever, explicar e refutar os fundamentos,
ideias, postulados, construção, estrutura e métodos do direito constitucional) e uma teoria política
(pretende compreender a ordenação constitucional do político, através da análise, discussão e crítica
da força normativa, possibilidades e limites do direito constitucional)

DIREITO CONSTITUCIONAL TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

É um ramo do Direito que tem como objeto as normas É uma disciplina cientí ca transversal, ou seja, que está na
constitucionais. charneira entre a Ciência do Direito Constitucional e a
Ciência Política.

Lida com normas jurídicas positivas concretas. Lida com conceitos, teorias e problemas relativos ao
fenómeno constitucional.

É uma perspetiva normativa É uma perspetiva analítica.

A diferença é basicamente a seguinte: ao passo que o Direito constitucional se de ne como “o


estatuto jurídico do político”, a Ciência Política é uma ciência social não normativa que estuda o
fenómeno do poder, de nindo-se essencialmente pelo seu carácter descritivo, neutral e não
normativo, sendo estudada por uma pluralidade de concepções e de métodos, mas sempre em termos
empírico-descritivos

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CAPÍTULO I - O CONSTITUCIONALISMO
O primeiro problema que temos pela frente é o de saber o que devemos entender por
constitucionalismo, uma realidade, segundo alguns autores, constitui uma das maiores aquisições da
humanidade dos últimos mil anos

VÁRIOS PRISMAS SOBRE O CONCEITO DE CONSTITUCIONALISMO


Para Gomes Canotilho existem vários constitucionalismos, designando constitucionalismo
como a teoria que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em
dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade; numa maneira mais
simples, o constitucionalismo é uma técnica especí ca de limitação do poder com ns garantísticos.
Numa acepção histórica-descritiva divide o constitucionalismo em

• Moderno: movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do


século XVIII, questiona nos planos político, losó co e jurídico os esquemas tradicionais
de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma nova forma de
ordenação e fundamentação do poder político

• Antigo: conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçares da existência de


direitos estamentos perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder

Na perspetiva de Maria Lúcia Amaral, o constitucionalismo tem, pelo menos, dois


signi cados: (a) um entendido como ideal, que evoca uma certa tradição de pensamento e que
pertence ao domínio da história das ideias, podendo-se falar de um constitucionalismo no singular;
(b) um outro, entendido como prática jurídica, que pertence à linguagem do Direito, e por isso,
devemos falar num constitucionalismo no plural. Em ambos os signi cados o constitucionalismo
tem o mesmo objetivo- moderar o exercício do poder político, de forma a que este respeite a
autonomia e a liberdade dos indivíduos.

Ao contrário de Miguel Nogueira Brito que tende a identi car o conceito de


constitucionalismo com o conceito de Constituição (o professor José Melo Alexandrino discorda
pois, não se pode identi car o constitucionalismo com o conceito de constituição uma vez que seria
sempre redutor e inútil)

Para Mcllwain, o traço marcante do constitucionalismo é a limitação do poder político pelo


Direito; é uma limitação jurídica do poder; é a antítese da decisão arbitrária; é o oposto do governo
despótico, o governo da vontade e não do Direito

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Na perspetiva de Maurizio Fioravanti (apoiado por Lúcia Amaral e Gomes Canotilho), o


constitucionalismo é um movimento de pensamento que está, desde as suas origens, orientado a
prosseguir nalidades políticas concretas, que se traduzem essencialmente na limitação dos poderes
públicos e na a rmação de esferas de autonomia normativamente garantidas. Para este professor, o
constitucionalismo tem dois lados que estão indissoluvelmente ligados

1. O lado do limite (o lado negativo ou de resistência), traduz-se nas ideias de moderação,


de limitação do poder, de garantia dos direitos individuais, de separação de poderes, de
tutela judicial

2. O outro lado, da construção da unidade política (lado positivo ou de participação),


consolidado com as ideias de consenso, de participação, de contrato social, de soberania,
de vontade geral, de solidariedade, de racionalização, de e ciência

O constitucionalismo tem necessariamente estes dois lados entrelaçados, uma vez que, a
debilitação do poder do Estado corresponde a uma equivalente debilitação do constitucionalismo, ou
seja, um Estado fraco nem consegue garantir a liberdade nem realizar o bem comum

CONSTITUCIONALISMO ANTIGO E MODERNO


José Melo Alexandrino concorda com a ideia de que o constitucionalismo relevante para o
Mundo do Direito é um fenómeno essencialmente moderno, estando como tal ligado ao nascimento
do Estado moderno na Europa

A professora Maria Lúcia Amaral refere que o constitucionalismo moderado é um herdeiro


natural do ideal antigo do governo moderado, mas que traz uma ruptura com a tradição clássica, na
base de 9 postulados: (1) O fundamento do poder político provém da vontade dos seus membros e
não de uma realidade que lhe seja transcendente; (2) A ordem fundamental de uma comunidade
política deve constar de uma constituição escrita que resulta da decisão soberana da nação ou do
povo; (3) Os poderes só são legítimos quando exercidos de acordo com o título que lhes confere a
constituição; (4) O título que determina a pertença à comunidade política não é a corporação, mas a
condição de cidadão; (5) Os direitos do homem têm primado sobre qualquer outro valor e devem ser
respeitados pelo poder político; (6) A esfera política é autónoma da esfera religiosa; (7) Os poderes
do Estado não devem estar concentrados num único órgão; (8) O mais importante desses poderes
deve ser o legislativo, a cargo do Parlamento que represente a vontade do povo ou nação; (9) As
decisões políticas tomadas em nome do povo devem em princípio corresponder à vontade da
maioria

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Na perspetiva de Maurizio Fioravanti, é possível identi car quatro fases do


constitucionalismo, designados como

CONSTITUCIONALISMO DAS ORIGENS


Decorreu entre o século XIV até à segunda metade do século XVIII (1776-1789); são-lhe
associados grandes nomes do modelo constitucionalismo inglês (desde Henry Bracton, no século
XIII, a Sir Edward Coke ou James Harrington, no século XVII) mas também guras como
Maquiavel, ao propor a equidade, passando por Althusius com o destaque do papel do pacto,
ligando diversas realidade num só povo, e a terminar, já no século XVIII, com Montesquieu, que
recupera o ideal da forma moderada de governo, inspirado justamente no exemplo da Inglaterra.
Pode ser caracterizado da seguinte forma

• Parte das realidades sociais e jurídicas existentes de facto


• Não envolve nem a ideia de poder soberano, nem a de igualdade, nem a de direitos
individuais
• É um constitucionalismo historicamente fundado
• Assenta num princípio de moderação, mas também de rmeza ( rmitudo)
• Tem como objetivos a coexistência, a estabilidade, a concórdia e o evitar as crises
• Representa o ideal da Constituição mista, assente em leis fundadas na história

CONSTITUCIONALISMO DAS REVOLUÇÕES


Nas suas duas matrizes, a norte-americana e a francesa, dura menos de um quarto de século
(termina, ainda que de modo diferente nos EUA em 1787 e na França em 1799); esta fase é
despertada na loso a política de Thomas Hobbes (manifestada pelo menos três aspetos- partido de
um imaginário estado de natureza, por ter entendido que os indivíduos eram perfeitamente iguais, e
por ter colocado todos os membros do povo sob o mesmo poder soberano), mais tarde continuado
com Rousseau que lhe acrescenta o elemento democrático

• A rmação da igualdade dos indivíduos, que deixam de ser entendidos como parte de
grupos e classes diferentes
• Parte-se de um estado de natureza (que é imaginado de diferentes formas por Hobbes,
Locke e Rousseau) em vez de se partir das realidades existentes na sociedade
• Reconhece e proclama os direitos naturais como direitos morais (direitos do homem)
• Através da matriz hobbesiana, recusa a moderação e o equilíbrio dos poderes
(Hobbes), valoriza a vontade geral, o princípio da soberania ilimitada e a democracia
direta (Rousseau)

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• Através da sua matriz lockeana, há uma visão menos radical da igualdade, requer a
separação dos poderes, nomeadamente a separação entre o poder de fazer a lei e o poder
de governar (Locke), coloca como m da sociedade política a conservação dos direitos
naturais e concebe ainda a Constituição como um conjunto de princípios de que o
primeiro é a liberdade (Kant)

CONSTITUCIONALISMO DA ÉPOCA LIBERAL


Dura sensivelmente um século, que decorre desde 1814 a 1917; tem os seus vultos em nomes
como os do irlandês Edmund Burke e dos franceses Benjamin Constant e Alexis de Tocqueville
(inspirado no exemplo dos EUA)

• Representa uma época de progresso gradual, de estabilidade das soluções políticas e


institucionais
• In uenciado pelo modelo constitucional inglês
• Segundo Constant, exprime uma necessidade de uma soberania limitada, desde logo
pelos direitos individuais
• Perde-se a ideia americana de supremacia da Constituição para se a rmar a supremacia
do Estado e o primado da lei (Estado de legalidade), excluindo qualquer forma de
controlo da constitucionalidade
• Na Inglaterra, por sua vez, consolida-se o princípio da soberania do parlamento

CONSTITUCIONALISMO DA DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL


Tem início depois de 1945, perfazendo por esta altura a bela idade de setenta anos; entre os
lósofos que anteciparam o constitucionalismo da democracia constitucional está Hans Kelsen,
defensor do pluralismo, da democracia representativa, do poder constituinte como processo aberto e,
da supremacia da Constituição

• Surge uma nova democracia, a democracia constitucional que aceita ser disciplinada
juridicamente pela Constituição
• Este constitucionalismo recupera a grande ideia da supremacia da Constituição,
acrescentando-lhe o primado dos direitos fundamentais sobre o poder político do
Estado
• Com a supremacia da Constituição (poderes limitados) é essencial introduzir o controlo
da constitucionalidade
• Democracia pluralista
• Renovação do princípio da igualdade, quer com o sufrágio universal, quer com a
constitucionalizarão dos direitos sociais, quer com a crescente atenção às diferenças

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RAÍZES FILOSÓFICAS DO CONSTITUCIONALISMO: GOVERNO


MODERADO
O constitucionalismo inicia-se no século XIV, porque só a partir daí se pode dizer que passa a
haver uma recondução do poder político a regras e a instituições jurídicas, com m de garantia.
Apesar de admitirmos que o constitucionalismo é um fenómeno moderno, não leva a que o mesmo
não tenha raízes losó cas e culturais muito mais antigas

SÉCULO IV A.C - PLATÃO


Constituição dos antepassados, ideia de que esta não tem uma origem violenta, mas sim
conciliadora e plural, cabendo-lhe ainda a primeira formulação da ideia de constituição mista, ou
seja, de uma constituição (politèia) que concilie democracia, monarquia e aristocracia

ARISTÓTELES (DISCÍPULO DE PLATÃO)


Todas as formas de governo são legítimas (a monarquia, a aristocracia ou a democracia), o
que não se pode aceitar é a degeneração destas formas de governo, que ocorre quando elas se
destinam a servir os interesses particulares de um (tirania), de vários (oligarquia) ou de muitos
(demagogia). A constituição dos antepassados é um modelo da constituição média. Ao contrário de
Platão, Aristóteles defende um governo de leis e não um governo de homens

SÉCULO II A.C - POLÍBIO


Antecipa Montesquieu; toda a forma de governo simples e fundada num único centro de
poder é instável daí a necessidade da articulação dos poderes e das várias magistraturas-
magistraturas romanas (elemento monárquico- os cônsules; aristocrático- senado; democrático- as
assembleias)

SÉCULO I A.C- CÍCERO


Acentua a exigência da conciliação, do consenso, da estabilidade e do equilíbrio, avançando
com o conceito de equabilidade

SÉCULO XII- JOÃO DE SALISBURY

Distinção entre rei e tirano: o dever do rei promover a justiça e a equidade é absoluto, sendo a
violação da equidade que produz a tirania; por sua vez, contra o tirano, era possível o direito de
resistência

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SÉCULO XIII - S. TOMÁS DE AQUINO

Ensinou que o príncipe deve agir para o bem da comunidade, de modo equitativo e justo; o
tirano é aquele que se torna chefe de uma facção que destrói a constituição e contra o qual se admite
também o direito de resistência. Recuperou o ideal da constituição mista e do poder temperado

NA TRANSIÇÃO PARA O SÉCULO XIV - MARSÍLIO DE PÁDUA

Reconhece a supremacia da comunidade política ao de nir como legislador o povo ou o


conjunto dos cidadãos ou a sua parte prevalecente, cabendo ainda ao poder legislativo eleger o poder
governativo, que lhe está subordinado

PROTEÇÃO DA PESSOA HUMANA


O constitucionalismo tem como objetivo a garantia. Do quê? A garantia da proteção da
liberdade da pessoa humana

Hobbes: o m último, a causa nal e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e
domínio dos votos)

Locke: nenhuma dúvida subsiste de que o Estado é criado para preservar e garantir a liberdade, a
vida e a propriedade

Montesquieu: doutrina da separação de poderes, está centrada na necessidade de garantir a todos a


liberdade individual, a qual só existe sob os governos moderados

Rousseau: o contrato social é celebrado para tentar preservar a liberdade primitiva, continuando,
antes como depois, a liberdade a ser o supremo bem (quanto mais o Estado cresce mais a liberdade
diminui)

Kant: vê a liberdade como um direito inato, único e originário- primeiro princípio da Constituição
Republicana

Textos Políticos: Declaração de independência dos Estados Unidos de 1776 e a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 178

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IDEM: GÉNESE E METAMORFOSES DOS DIREITOS DO HOMEM


Na perspetiva de José Melo Alexandrino, os direitos do homem nasceram no nal do século
XVIII como direitos morais e desde essa altura até hoje passaram por duas metamorfoses: na
primeira, transformaram-se em direitos constitucionais (direitos fundamentais); na segunda,
transformaram-se em direitos humanos fundamentais (direitos humanos), porque com a a II Guerra
Mundial veri cou-se que não bastava a proteção oferecida pelo nível nacional. Quer a soberania dos
Estados, quer a ordem jurídica por estes estabelecida tinham fraquejado na proteção da pessoa
humana

• Direitos teorizados por lósofos (Hobbes, Locke, Rousseau)- Direitos Naturais


(domínio da loso a

• Direitos morais proclamados no século XVIII- Direitos do Homem (estudados em


várias disciplinas

• Direitos individuais inscritos nas constituições- Direitos Fundamentais (estudados no


Direito Constitucional

• Direitos da pessoa humana previstos em normas de Direito Internacional- Direitos


humanos (estudados pelo Direito Internacional)

IDEM: “ESTADO DE DIREITOS HUMANOS” OU “ESTADO


CONSTITUCIONAL?
Estado de Direitos humanos: É um modelo de sociedade política fundado no respeito pela
dignidade da pessoa humana, na garantia e defesa da cultura da vida e na vinculação internacional à
tutela dos direitos fundamentais, possuindo normas constitucionais dotadas de e cácia reforçada, um
poder político democrático e uma ordem jurídica axiologicamente justa

José Melo Alexandrino prefere Estado Constitucional a Estado de direitos humanos

• Estado de Direitos humanos parte de uma concepção valorativa e antropocêntrica do direito


constitucional. Sendo a concepção do professor Alexandrino essencialmente formal

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• Não pode acolher a concepção subjacente ao estado de direitos humanos, nem o seu amplo
conteúdo

• Os direitos humanos estão muito mais desprotegidos do que os direitos garantidos ao nível
nacional (direitos fundamentais), pois só aí por regra podem ser efectivamente protegidos

• Prefere falar em Estado Constitucional e não em Estado de direitos humanos, pela mesma
razão que entende que só se pode falar em constitucionalismo nacional e não em
constitucionalismo global

A FINALIDADE DA LIMITAÇÃO E DA RACIONALIZAÇÃO DO PODER


POLÍTICO
A pessoa é o m e o Estado o instrumento

Hobbes: Poder político limitado pelo m de garantir a segurança dos súbditos, mas também
pela equidade. Racionalização do poder político (igual submissão de todos à mesma lei)

Locke: Poder político limitado pelo m de garantir a vida, as liberdades e a propriedade, a


prossecução do bem comum. Está limitado porque não deve alargar os seus domínios de intervenção,
mas também pela possibilidade de apelo à revolução. Racionalização do poder político (separação
dos poderes, especialmente legislativo e executivo e com subordinação à lei, separação das Igrejas
do Estado)

Montesquieu: Poder político limitado pelo direito, pelo pluralismo social e pela moderação,
e também pelos controlos recíprocos que devem existir entre os vários poderes. Racionalização do
poder político (racionalização dos regimes políticos, doutrina da separação de poderes)

Rousseau: até certo ponto o poder político está limitado pela soberania do povo, que pode
exprimir-se em qualquer momento. Racionalização do poder político (vontade geral, regra da
maioria, democracia directa, referendo, participação de todos os cidadãos na feitura da lei)

Kant: poder político limitado pelo principio da liberdade, que lhe impõe a garantia dos
direitos, a moderação e recusa do despotismo. Racionalização do poder politico (principio da
maioria, doutrina de separação de poderes)

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CONSTITUCIONALISMOS
O CONSTITUCIONALISMO BRITÂNICO

Podemos dizer que a matriz dominante do constitucionalismo britânico continua a ser a da


Constituição mista, expressa na soberania do Parlamento, na Rule of Law e na relevância das
convenções constitucionais

Quanto à forma do Estado é relativamente pací ca hoje a recondução do Reino Unido da


Grã-Bretanha e Irlanda do Norte a um Estado unitário, sistema que conheceu no nal do século XX
um fenómeno de descentralização política, com a criação de parlamentos regionais na Escócia, no
País de Gales e na Irlanda do Norte, apresentando-se por conseguinte o Reino Unido como um
“Estado unitário regionalizado”

Quanto ao regime político, no Reino Unido existe uma democracia parlamentar, na


verdade, trata-se de uma das mais antigas e consolidadas democracias do Mundo. Além da
democracia representativa, incrementou-se também, na segunda metade do século XX, o recurso ao
referendo (forma de democracia semidireta), designadamente sobre matérias constitucionais

Quanto ao sistema de governo, continuamos a entender como adequada quali cação como
sistema parlamentar de gabinete

• Os principais órgãos que compõem este sistema de governo são: o Monarca; o Governo
(havendo dentro dele a distinguir entre o Gabinete, o Primeiro-Ministro e o Ministério, ou
Governo em sentido amplo; dentro do Gabinete, por sua vez, pode ainda existir um
conselho mais restrito, o “Inner Cabinet”); um Parlamento bicameral, composto pela
Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes, com Pares temporais e espirituais; o
Supremo Tribunal do Reino Unido, criado na reforma de 2005, em substituição da
instância superior que até então funcionava no seio da Câmara dos lordes

• Quanto à forma de designação desses órgãos, o Rei é designado por sucessão


hereditária; os membros da Câmara de Lordes são em geral nomeados (havendo ainda
um grupo de Lordes hereditários eleitos); os membros da Câmara dos Comuns são
eleitos por sufrágio universal, por um mandato de 5 anos, elegendo de entre eles o
Speaker, que preside e dirige, com a máxima independência, os trabalhos parlamentares;
o Primeiro-Ministro é, por convenção constitucional, desde o primeiro quartel do século

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XX, o líder do partido mais votado (ou aquele que entretanto lhe suceder, em caso de
demissão da liderança do partido) nas eleições para a Câmara dos Comuns, não
carecendo de uma investidura ou de um voto de con ança para entrar em funções; os
ministros de entre os membros da Câmara dos Comuns, sendo ainda habitual que alguns
deles sejam membros da Câmara dos lordes

• A Coroa é o símbolo da unidade nacional, não dispondo o Rei de poderes efetivos, tendo
perdido designadamente o direito de veto e tendo os seus antigos poderes passado a ser
materialmente exercidos pelo Primeiro-Ministro e pelo Parlamento; o Primeiro-Ministro
tornou-se muito mais do que um “primeiro entre iguais”; dentro do Governo sobressai o
Gabinete, onde têm assento, além do Primeiro-Ministro, os ministros seniores mais
importantes e onde são tomadas as decisões políticas fundamentais; o Governo depende
da con ança do Parlamento, que o pode derrubar, tendo em 2011 sido xadas novas
regras nesse domínio, designadamente a regra segundo a qual passou a caber à Câmara
dos Comuns a aprovação de uma moção de antecipação das eleições pelo voto 2/3 dos
deputados, deixando, por sua vez, de provocar a demissão do Governo situações como a
de o mesmo sofrer uma derrota importante no Parlamento, sem prejuízo do que vier a
resultar da prática; o Governo desempenha a função política, a função administrativa e,
sob delegação do Parlamento, ainda a função legislativa; a Câmara dos Comuns é a
dominante, no exercício das funções política, legislativa e de scalização, tendo hoje a
Câmara dos Lordes essencialmente um poder de retardar a aprovação de leis pelo período
de um ano ou por três meses, caso se trate de diplomas de natureza nanceira

• Quanto à separação dos poderes, formalmente, parece não haver separação, uma vez
que tudo é feito “em nome do Rei”; funcionalmente, não há como reconhecer a existência
de uma clara divisão de poderes, quer entre o poder judicial e os demais poderes, quer
entre o poder de decretara a lei e o poder executivo, como cou bem patente nos dois
casos até agora marcantes sobre o Brexit; cabe ainda referir a separação vertical de
poderes, entre as diversas estruturas territorial do Reino Unido, bem como a separação
entre a maioria e a oposição, entre a maioria e o Governo-sombra

Quanto aos direitos e liberdades, apesar de haver um conjunto de textos históricos e também
de textos mais recentes (como o importante Human Rights Act de 1998) sobre a matéria a proteção

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fundamental continua a advir do costume e do common law, mas também do enraizamento profundo
dos direitos na cultura e na opinião pública

O sistema eleitoral, para a Câmara dos Comuns, é um sistema maioritário uninominal a


uma volta, ou seja, onde é eleito apenas um deputado em cada um dos 650 círculos, o candidato que
tiver mais votos

O sistema de partidos é um sistema bipartidário, consequência do sistema eleitoral, mas


também do pragmatismo britânico, sendo os dois principais partidos o conservador e o trabalhista,
mas podendo, em circunstâncias excepcionais, ter alguma relevância um terceiro partido; trata-se de
partidos com forte organização e disciplina partidária (o que traduz uma grande diferença
relativamente aos partidos políticos norte-americanos)

CONSTITUCIONALISMO NORTE-AMERICANO
Podemos dizer que a matriz dominante no constitucionalismo norte-americano é a matriz
moderada ou lockeana: reconhecimento de valores anteriores ao Estado, primado da Constituição,
governo das leis e não dos homens, direitos fundamentais como limites do poder do Estado, divisão e
equilíbrio de poderes, controlo da constitucionalidade das leis

Quanto à forma de Estado, os Estados Unidos são um Estado federal, ou seja, uma forma de
Estado composto, havendo uma dupla estrutura do poder político no território (a do Estado federal e
a dos 50 estados federados) e uma sobreposição de Constituições (a do Estado federal e das
Constituições dos estados federados); o federalismo norte-americano é um federalismo perfeito.
Quanto ao regime político, é caracterizado por uma democracia constitucional

Passando agora à organização do poder político, existe um sistema de governo presidencial (ou
presidencialismo)

• Os principais órgãos que integram o sistema de governo são: o Presidente dos Estados
Unidos, que escolhe e demite os seus secretários; um Parlamento bicameral
(Congresso), composto pela Câmara dos Representantes e pelo Senado; e o Supremo
Tribunal

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• Quanto à forma de designação desses órgãos, o Presidente é eleito por sufrágio


universal formalmente indireto, para um mandato de 4 anos, podendo ser reeleito uma
vez; com o Presidente é eleito o vice-presidente; os representantes são eleitos por
sufrágio direto, por dois anos; os senadores são eleitos por sufrágio direto, por seis anos,
sendo o Senado renovado em um terço de dois em dois anos; os juízes do Supremo
Tribunal são nomeados a título vitalício pelo Presidente, uma vez obtido o consentimento
do Senado

• O poder executivo foi entregue ao Presidente, o poder legislativo ao Congresso e o poder


judicial aos tribunais; por sua vez, nem o Presidente pode dissolver o Congresso nem o
Congresso pode demitir o Presidente; todavia, foi previsto todo um sistema de freios e
contrapesos, que se revela designadamente: no veto presidencial das leis, superável, por
sua vez, por uma maioria 2/3; nos poderes de mensagem e de impulso legislativo do
Presidente; nos poderes de interferência por parte dos estados federados;

• O modelo de separação dos poderes seguiu as indicações de Montesquieu; pode


a rmar-se por isso que, no sistema norte-americano, todos os órgãos são igualmente
poderosos, podendo o eixo da vida política encontrar-se tanto no Presidente, como no
Congresso ou no Supremo Tribunal

Em matéria de direitos e liberdades, logo em 1789 prevaleceu a corrente que defendia que a
Constituição deveria a nal enunciar expressamente os direitos fundamentais dos cidadãos, como Bill
of Rights que veio a ser complementada por outros aditamentos como o 13º, de 1865, que proibia a
escravatura, o 14º adiamento, de 1868, que reforçou as garantias da igualdade e do devido processo
legal, ou os 15º, 19º, 24º, ou 26º Aditamentos, ampliando o direito de voto. Por outro lado, não pode
ser ignorado o papel do Supremo Tribunal, especialmente na revelação de direitos não enumerados
no Bill of Rights (como sucede com o direito à privacidade, o direito da mulher ao aborto, o direito a
morrer, os direitos da homossexualidade ou outros direitos que envolvem a família)

O sistema eleitoral, na eleição presidencial, é o sistema maioritário plurinominal a uma


volta, pelo que o partido que tiver mais votos num determinado círculo ca com todos os lugares em
disputa nesse círculo; na eleição para as duas câmaras do Congresso, o sistema eleitoral, salvo
exceção pontual, é o maioritário uninominal a uma volta (como o Reino Unido)

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Quanto ao sistema de partidos, estamos perante um sistema de dois partidos (bipartidarismo


perfeito), sendo eles o Democrata (de esquerda liberal), e o Republicano (de direita- GOP); porém,
diferentemente do que sucede com os partidos europeus, os partidos norte-americanos não têm
organização central nem forte disciplina partidária, funcionando sobretudo como estruturas locais
focadas no processo eleitoral, com grande relevo das eleições primárias realizadas no seio dos
partidos; por sua vez, a exibilidade ideológica permite que dentro dos partidos se possam exprimir
distintas correntes de opinião

CONSTITUCIONALISMO FRANCÊS
No constitucionalismo francês da atualidade, con uem diversas matrizes, designadamente a
rousseauniana (na ideia de lei como expressão da vontade geral, na soberania popular e no
referendo) e a do constitucionalismo liberal, a que se junta ainda uma componente bonaportista
(visível no per l do Presidente da República)

Quanto à forma de Estado, a França é um Estado unitário descentralizado. O regime


político é também na França o da democracia constitucional

Quanto ao sistema de governo, as opiniões divergem em sistema semipresidencial e a de


sistema hiperpresidencial. No entanto, julga-se ter certi cado nas eleições presidenciais e legislativas
de 2017 um sistema mais ajustado na referência ao hiperpresidencialismo ou ao
superpresidencialismo. Sobre a organização dos poderes, há que reter o seguinte

• Os principais órgãos do sistema são: o Presidente da República; o Governo; um


Parlamento bicameral, composto pela Assembleia Nacional e pelo Senado; e ainda um
Conselho Constitucional, que exerce funções de controlo da constitucionalidade

• O Presidente da República é eleito por sufrágio universal por um mandato de cinco anos,
podendo ser reeleito apenas uma vez; a Assembleia Nacional, principal câmara do
Parlamento, é eleita por sufrágio universal para uma legislatura de cinco anos; o Senado
representa as unidades territoriais e é eleito por sufrágio indireto por seis anos, com
renovação parcial a três anos; salvo as inerências, os membros do Conselho
Constitucional são designados em um terço pelo Presidente da República, pelo presidente
da Assembleia Nacional e pelo Presidente do Senado

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• Na França, o eixo da vida política é o Presidente, de quem na prática o Governo depende,


ainda que, formalmente, o Governo seja apenas responsável perante a Assembleia
Nacional; o Presidente da República preside, por direito próprio, ao Conselho de
Ministros, nomeia o Primeiro-Ministro, podendo igualmente, por costume constitucional,
solicitar a sua demissão, pode dissolver livremente a Assembleia Nacional, exerce veto
absoluto sobre os diplomas legislativos delegados do Governo e veto meramente
suspensivo sobre as leis parlamentares, tem iniciativa de revisão constitucional e de
referendo, pode assumir poderes excecionais, tem ainda a faculdade de suscitar ao
Conselho Constitucional a scalização preventiva da constitucionalidade das leis; cabe ao
Governo determinar a conduzir a política da Nação e ao Primeiro-Ministro dirigir a ação
do Governo e exercer ainda a importante prerrogativa de fazer prevalecer a palavra da
Assembleia Nacional em caso de discordância prolongada do Senado

Quanto à separação de poderes, há uma primazia inequívoca do Presidente da República, com


subalternizarão tanto do Governo como do Parlamento.

A Constituição francesa não dispõe de um catálogo de direitos fundamentais, valendo ainda na


França a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, complementada com os direitos
enunciados no preâmbulo da Constituição de 1946 e com os direitos e deveres de nidos na Carta
Ambiental de 2004; o Conselho Constitucional foi reconhecendo a relevância jurídica destes
documentos

O sistema eleitoral, na eleição para a Assembleia Nacional, é o sistema maioritário uninominal


a duas voltas. Quanto ao sistema de partidos, existiu na França um sistema multipartidário, com
tendência à formação de dois blocos, um à direita e outro à esquerda, mas esse sistema foi objeto de
uma profunda mutação em resultado das eleições parlamentares de 2017, com o surgimento de uma
maioria presidencial (ao centro), a sobrevivência do bloco da direita, o desmoronamento do Partido
Socialista e o reforço dos partidos extremistas

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CONSTITUCIONALISMO ALEMÃO
Trata-se de uma constituição rígida, assistida por um sistema concentrado de Justiça
Constitucional e soerguida sobre os princípios republicano e democrático, o primado dos direitos
fundamentais de liberdade, a cláusula do Estado social e a consagração do federalismo como modelo
de organização territorial. A constituição é garantida por um Tribunal Constitucional, que
protagoniza uma scalização atenta da constitucionalidade dos atos jurídico-públicos de acordo com
um modelo concentrado.

Na trilogia formada pelo Presidente da República, Parlamento e Governo, destaca-se o


binómio duciário Governo-Parlamento, do qual resulta o apagamento do estatuto do Chefe de
Estado, a ascendência e a autonomia relativa do Governo e neste o papel liderante do Chanceler,
com níveis variáveis de supremacia sobre os seus pares governamentais.

O Presidente da República é eleito por uma Convenção Federal integrada pelos membros de
Bundestag (câmara baixa) e por igual número de representantes nomeados pelos estados federados. É
designado por um mandato de 5 anos, sem possibilidade de ser reeleito. O presidente constitui uma
instituição secundária, exercendo funções representativas de natureza honorí ca e protocolar, bem
como poderes certi catórios ou notariais de decisões do Governo e do Parlamento. Não dispõe de
direito de veto sobre as leis que promulga, pese a circunstância de as poder devolver se estas carem
inquinadas por vícios orgânico-formais. O mesmo se diga do poder que lhe é atribuído de rati cação
de tratados. Cumpre destacar 3 faculdades onde dispõe de uma estreita margem de discricionariedade
condicionada:

• dispõe da faculdade de propor o Chanceler ao Bundestag (câmara baixa) no respeito pela


composição parlamentar, desenvolvendo diligências e contactos entre as principais forças
políticas;

• Nomeia o Chanceler, nomeia e demite os membros do Governo, sob proposta do


Chanceler e demite vinculativamente o Chanceler apenas no caso de aprovada uma
moção de censura construtiva pelos deputados;

• Declaração do estado de emergência legislativa que, no contexto de uma crise de


Governo, permite temporariamente que propostas de lei deste órgão, rejeitadas pelo
Bundestag, adquiriram força de lei se aprovadas pela câmara alta.

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Parlamento: O fulcro da sua autoridade sedia-se no Bundestag, ou dieta Federal, cujos


deputados, com um mandato de 4 anos, são eleitos através do sistema misto de pendor proporcional
nos termos já assinalados, completado por uma cláusula de barreira de 5%. O Bundestag, composto
por 630 deputados, dispõe de importantes poderes no plano político, logo a partida, investido em
funções o Chanceler e procedendo à sua destituição e atuando como órgão de scalização do
Executivo. Aprova o plano da política nanceira, aspetos fundamentais da política europeia, decisões
de intervenção militar no exterior e delibera sobre a conclusão de convenções internacionais. É o
órgão legislativo por excelência, sem prejuízo de poder conceder autorizações legislativas ao
Governo. Esta câmara só em situações muito excecionais pode ser dissolvida antecipadamente pelo
presidente.

O Governo é um órgão estatutariamente colegial, cuja subsistência deriva da con ança


parlamentar, exercendo as funções política e administrativa, bem como competências legislativas
delegadas e faculdades de iniciativa legislativa junto do Parlamento. A Constituição favorece a
posição do Chanceler como polo da presidencialização do Executivo alemão. O Governo federal
depende da investidura parlamentar do Chanceler, que é o único dos seus membros a ser nomeado
pelo Presidente Federal e, subsequentemente, eleito no Bundestag, realidade que, segundo alguns,
lhe conferiria uma legitimação quase plebiscitária. O Chefe de Governo não responde politicamente
perante o Presidente da República, mas sim, unicamente, pelo Bundestag. No parlamento
governamental, é o Chanceler que propõe a nomeação dos restantes membros do Governo ao
Presidente, de ne a estrutura do Executivo, traça as suas linhas programáticas e dirige a atividade
governamental com uma faculdade de acompanhamento pessoal das políticas de cada um dos
ministérios. O chanceler pode procurar alterar o ciclo político, provocando a queda do governo com
a apresentação de uma moção de con ança no Parlamento que, se for rejeitada, lhe permite solicitar
ao Presidente a dissolução do Bundestag. Um outro fator relevante de racionalização do sistema é a
moção de censura construtiva que desincentiva coligações negativas destinadas a derrubar o Governo
sem alternativa. O Governo só é demitido com a aprovação de uma moção de censura pela maioria
absoluta se estes acordarem a formação de um Governo alternativo com um candidato a chanceler.

Traços característicos do constitucionalismo alemão

• O presidente como ponto fraco do Executivo com poderes preponderantemente


cerimoniais, certi catórios e residualmente arbitrais

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• Estreita relação duciária entre Bundestag e o Governo, traduzida na investidura do


Primeiro Ministro por esta câmara mediante votação por maioria absoluta, na existência
de governos de coligação maioritários, na redução do poder legiferante do Governo ao
domínio da legislação delegada pelo Parlamento e a subsistência do Governo em funções
salvo nos casos em que o Chanceler se demita e seja aprovada por maioria absoluta uma
“moção de censura construtiva”, particularmente difícil de obter;

• Proeminência do Chanceler como órgão liderante do Governo, graças:


o À sua investidura eventual pelo Bundestag perante quem responde
exclusivamente;
o À sua faculdade de escolha e substituição dos ministros, certi cada pelo
Presidente;
o Aos poderes de direção ministerial que a Constituição lhe atribui, bem como à
posição central que lhe é conferida nas relações com o Presidente, com as câmaras,
com a maioria parlamentar, com as corporações e com os estados, no contexto de um
federalismo cooperativo;

o Ao reforço da sua posição ante o Parlamento, já que apenas pode ser destituído
pelo Presidente, após a aprovação de uma moção de censura nos termos expostos que
tem de envolver um compromisso entre partidos oposicionistas de ideologias
contrárias que terão de acordar entre si, um candidato a chanceler;

o À e cácia relativa de alguns “veto players”.

• O presidente como ponto fraco do Executivo com poderes preponderantemente


cerimoniais, certi catórios e residualmente arbitrais;

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CAPÍTULO II- A CONSTITUIÇÃ


O PODER CONSTITUINT
É a faculdade de um povo, no exercício da sua autoridade suprema, dar a si próprio uma
Constituição: chamaremos poder constituinte material ao poder de nir, segundo uma determinada
ideia de Direito, o conteúdo da Constituição, traduzido nas diversas estruturas da Constituição
(forma de Estado, regime político, sistema de governo, garantias dos cidadãos, etc.); chamaremos de
poder constituinte formal ao poder de adoptar normas com força jurídica superior à das leis
ordinárias, ou seja, o poder de adoptar uma Constituição em sentido formal

Na tradição francesa, o poder constituinte era apresentado como sendo um poder originário,
autónomo, omnipotente e inesgotável: originário, por nenhum outro poder anterior lhe servir de
fundamento, dizendo-se mesmo que era lógica e cronologicamente anterior à Constituição;
autónomo, na medida em que pode dispor de forma independente e incondicional sobre a ordenação
da vida política da comunidade; omnipotente, por não estar subordinado a nenhuma regra de forma
ou de fundo; inesgotável, por não desaparecer com a aprovação da Constituição, mas continuar
permanentemente “operacional”

Na tradição britânica, tanto a ideia de contrato social como a limitação do poder político pelo
Direito já punham de algum modo em causa a característica da omnipotência, hoje francamente
recusada pela doutrina: para Jorge Miranda, haveria a distinguir 3 tipos de limites ao poder
constituinte: (i) os limites transcendentes; (ii) os limites imanentes (que decorrem da própria
identidade do Estado); e (iii) os limites heterónimos; para Marcelo Rebelo de Sousa, haveria
sobretudo dois tipos de limites: os condicionantes estruturais e os condicionantes de valor

O poder constituinte é um poder originário e autónomo que se encontra condicionado por


fatores extra-jurídicos; é também um poder funcionalmente limitado pela natureza da tarefa que
lhe compete; por m, admite-se que se encontre de algum modo limitado juridicamente pelas
normas de ius cogens, sem que daí decorra a supraconstitucionalidade dessas normas, devendo
manter-se separados os dois problemas (o dos limites jurídicos e o da hierarquia das normas)

Quanto às formas de exercício do poder constituinte, recorremos aqui a uma tipologia


paralela à utilizada no estudo dos regimes políticos, distinguindo entre formas democráticas e
formas não democráticas do exercício do poder constituinte

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Nas formas democráticas, o povo pode intervir de distintos modos: (i) através da eleição de
representantes para a Assembleia que discute, elabora e vota uma Constituição (democracia
representativa); (ii) através de uma assembleia em que participem todos os cidadãos interessados
(democracia direta); ou (iii) através da aprovação por voto popular em referendo de uma
Constituição previamente elaborada por um órgão representativo ou por este constituído (democracia
semidireta)

Nas formas não democráticas de exercício do poder constituinte existem restrições à


manifestação de ideias e doutrinas, o respeito pelos direitos e liberdades não está assegurado,
existindo ainda fortes condicionantes à livre expressão da vontade popular

REFERENDO VS PLEBISCIT

No referendo, as normas objeto de consulta foram elaboradas por um órgão designado


democraticamente num contexto de pluralismo e de liberdade de participação política; No plebiscito,
as normas foram elaboradas por um órgão monocrático ou autocrático

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