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AS ESFERAS TERRESTRES SE RECICLAM:

O CICLO DAS ROCHAS

Celso Dal Ré Carneiro

A TERRA É AZUL... E MUITO ATIVA do acesso a observações fragmentadas da morfologia do


planeta, como cordilheiras de montanhas ou deltas de
Os átomos que compõem nossos corpos não foram grandes rios, para a visão dos componentes de um com-
criados, evidentemente, quando fomos concebidos, mas pouco plexo e integrado sistema. Modernos aparatos de obser-
tempo depois do nascimento do próprio Universo. (...) Du- vação revelam que, em graus variáveis, as esferas materiais
rante os primeiros milhões de anos de expansão após o Big do planeta participam de múltiplas interações: atmosfera,
Bang, o Universo se resfriou desde 100 bilhões de graus Kelvin hidrosfera, litosfera, manto, núcleo e biosfera. O sistema
(...) até cerca de 3.000 K, o ponto no qual um simples elétron evolui ao longo de uma história de 4,5 bilhões de anos.
e um próton poderiam se juntar para criar hidrogênio, o mais Nos últimos milhares de anos, uma novo personagem,
simples e abundante elemento do Universo. O hidrogênio co- muito ativa, somou-se a tais agentes: a humanidade, que
alesceu para formar supernovas (...). Sob a força pura da gra- compõe a chamada esfera humana ou social.
vidade os núcleos de supernovas tornaram-se tão quentes que Mudanças cíclicas acontecem permanentemente
reações termonucleares desencadearam-se, criando, a partir de na Terra, por meio de transformações lentas ou rápidas.
hidrogênio e várias partículas subatômicas dispersas, todos os As rochas não podem ser consideradas eternas, porque
elementos mais pesados do Universo que conhecemos hoje. são afetadas por diversos graus de reciclagem, assim como
A riqueza de hidrogênio permanece ainda em nossos corpos todos os minerais que as constituem e os demais objetos
– nós contemos mais átomos de hidrogênio do que qualquer encontrados na Terra. As escalas de tempo das mudanças
outro tipo – primariamente em água. Nossos corpos de hidro- são extremamente variáveis.
gênio espelham um Universo de hidrogênio A imagem de um planeta composto por terras
(Margulis e Sagan 1986) emersas (continentes) separadas por oceanos e mares
tornou-se insuficiente para interpretar a realidade, de
No primeiro voo tripulado em órbita da Terra, o modo que devemos, hoje, “olhar” para a Terra como um
cosmonauta soviético Yuri A. Gagarin, ao olhar o planeta sistema integrado. É imprescindível considerar a história
do espaço, em abril de 1961, exclamou: “A Terra é azul!”. geológica do planeta para entender a complexidade e as
Nem sempre nos atentamos para o significado dessa ob- interações dos processos naturais e humanos e antever pos-
servação pioneira, feita há pouco mais de 50 anos. Re- síveis consequências. Os ciclos das rochas e dos supercon-
cebemos hoje com naturalidade as incontáveis imagens tinentes fazem parte desse contexto dinâmico; são trans-
orbitais, que nos oferecem, a qualquer hora, detalhes im- formações, mais rápidas ou mais lentas, que interferem nos
pressionantes e magníficos da Terra (Fig. 1). demais ciclos naturais e determinam alterações nos ciclos
Que transformações ocorreram quando o homem evolutivos de montanhas e oceanos. O estudo das modifi-
pôde ver a Terra toda? A mudança de perspectiva foi ra- cações da matéria do reino mineral permite realizar previ-
dical. Até aquele momento, o homem somente observara a sões de acontecimentos futuros em relação à agricultura, ao
Terra a partir do chão, do alto de montanhas ou, na melhor solo, ao clima, aos oceanos, e à disponibilidade de recursos
das hipóteses, de aviões. São alternativas muito distantes minerais. Ilustraremos neste capítulo alguns aspectos fun-
da escala de observação feita por Gagarin. Passou-se damentais dessa intrincada cadeia de interações.

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Figura 1. Topografia e batimetria externas da Terra. A imagem exibe depressões marinhas e extensas cadeias montanhosas, continentais e
oceânicas. As plataformas continentais estão nas partes brancas. O relevo brasileiro apresenta variação de elevações, mas em geral apresenta
cotas baixas e médias, menores que as das grandes cordilheiras espalhadas nas zonas ativas do globo. (Newman 2007. Disponível em:
<http://geophysics.eas.gatech.edu/people/anewman/classes/geodynamics/misc/>)

ESFERAS TERRESTRES As relações composicionais entre as esferas sólidas do pla-


neta, as dificuldades de acesso à observação e os problemas
Para compreender as interações terrestres, classifi- de interpretação, bem como de estado físico e comporta-
camos os materiais e os processos típicos que os afetam mento mecânico, são objeto do Capítulo 3 desta obra.
em grandes domínios, chamados de geoesferas. Diferentes Manto e núcleo: são as esferas rochosas internas do
autores oferecem classificações variadas, mas, em linhas planeta. Embora sejam inacessíveis à observação direta pelo
gerais, existe certa congruência na grande maioria delas. homem, sabe-se que são responsáveis por muitos fenômenos
A diferença é às vezes baseada em algum interesse parti- observados na superfície, como o magnetismo terrestre ou a
cular de um determinado campo científico especializado. contínua emissão de calor, desde o interior quente.
É comum a todas as definições o pressuposto de que o pla- Litosfera: é o envoltório sólido rochoso externo do
neta é um todo unificado: o que acontece em uma esfera planeta. Inclui a crosta (continental e oceânica) e a parte
interfere nas demais. mais externa do manto superior. Os processos e transfor-
Atmosfera: engloba os gases que compõem os ma- mações na litosfera ocorrem lentamente, permitindo que
teriais terrestres. Entre os processos que acontecem na at- ela funcione como um campo transitório, de uma perspec-
mosfera, destaca-se a função de distribuir energia solar e tiva geológica, onde interagem os fenômenos da superfície
umidade em toda a superfície da Terra. e do interior do planeta.
Hidrosfera: envolve toda a água do planeta e os fe- Biosfera: compreende todos os organismos vivos,
nômenos relacionados à circulação desse fluido pelos con- dos reinos animal, vegetal, protista, bacteria e fungi. Po-
tinentes e oceanos, tanto na forma líquida quanto gasosa demos subdividir a matéria viva de acordo com as formas
(vapor) ou sólida. A esfera gelada do planeta é chamada peculiares de organização material e o domínio social.
criosfera. Antroposfera ou noosfera: a esfera social é for-
Geosfera: é o nome dado a toda a parte sólida da mada pelas sociedades humanas e pelos processos super-
Terra, formada por camadas de distinta composição ma- ficiais que promovem. A ideia de interação no âmbito do
terial, como a crosta, o manto e o núcleo, ou camadas cujo Sistema Terra exige uma abordagem da noosfera inte-
comportamento mecânico obedece a certos padrões, como grada com as demais esferas, de modo a se visualizar a
a litosfera. Na geosfera é possível encontrar registros das Terra como resultado de mútuas interações. Enquanto a
principais mudanças ambientais que ocorreram e ocorrem biosfera se transforma a partir de mecanismos explicados
na Terra. pela teoria da evolução, a esfera social – da qual fazemos
Crosta: é a camada externa da geosfera, cuja com- parte – modifica-se sobretudo por meio de instrumentos
posição a distingue do manto e do núcleo; seu comporta- culturais, que podem ser compreendidos a partir da eco-
mento mecânico permite considerá-la parte da litosfera. nomia, política e formas de organização social.

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Pedosfera: é a esfera formada pelos solos e materiais
de alteração das rochas. Corresponde à parte superficial da
crosta, formada pela interação das rochas com o ar, a água
e os seres vivos. Na pedosfera o deslocamento de partí-
culas, íons dissolvidos e gases cria um ambiente rico em
nutrientes para plantas e animais. No topo da pedosfera,
onde a interação é mais intensa, forma-se o solo. A vida e
a morte de organismos são essenciais para a formação do
solo, que constitui a base da vida terrestre.

RECICLAGEM PERMANENTE:
CICLO DAS ROCHAS

As rochas são uma espécie de memória inanimada


Figura 2. Esquema geral dos produtos (retângulos), processos
do planeta, porque guardam registros das alterações e dos (retângulos arredondados) e das principais transformações (setas
fenômenos ocorridos ao longo da história geológica. Por azuis) envolvidas no ciclo das rochas
meio das rochas podemos deduzir as condições atuantes em locais que há muito tempo deixaram de ser desertos,
no Sistema Terra na época em que foram geradas. como é o caso dos campos de dunas dos arenitos Botucatu,
O ciclo das rochas (Fig. 2) representa sintetica- na América do Sul, que hoje encerram reservas subterrâ-
mente as inúmeras possibilidades pelas quais, ao longo do neas importantíssimas de água doce, o chamado Aquífero
tempo geológico, um tipo de rocha pode transformar-se Guarani. Os tipos de rochas, seu arranjo particular e sua
em outro. Podemos considerá-lo um conjunto de processos composição revelam o ambiente desértico do passado.
permanentes de reciclagem, uma vez que a quantidade de Para explicar como funciona o ciclo das rochas
matéria do planeta é a mesma há milhões de anos. Pen- (Fig. 2) podemos começar pelo intemperismo, o processo
semos em alguns átomos de carbono: em milhões de anos, de transformação ou modificação das rochas quando ex-
eles já podem ter feito parte de vários ciclos (do ar, da postas à atmosfera e à hidrosfera.
água, das rochas, dos seres vivos). Seguindo esse raciocínio, Alguns fatores determinam, ao longo do tempo, o
podemos imaginar que os próprios átomos que compõem tipo e a intensidade do intemperismo, a saber: o clima, de-
o nosso corpo já foram muitas outras coisas, inclusive es- vido ao calor do Sol e à umidade das intempéries (que por
trelas e rochas (Margulis e Sagan 1986). sinal lhe emprestam o nome); o crescimento de organismos
Areias de deserto, por exemplo, são muito parti- (fauna e flora); e os acidentes de relevo, devido à infiltração
culares. Seus grãos bem arredondados, acumulados em e drenagem da água ou sua movimentação superficial, que
dunas, tornam-se foscos de tanto colidir uns com os ou- pode ser mais ou menos rápida, dependendo da inclinação
tros. Dessa maneira, podemos reconhecer climas do pas- das encostas. O último fator essencial a ser considerado
sado muito distintos dos existentes hoje. Em vastas re- é o tempo, por duas razões: (a) algumas rochas, como o
giões do Brasil os climas foram quentes e secos há cerca basalto, alteram-se em taxas muito mais rápidas do que
de 150 milhões de anos. Como sabemos isso? O registro outras, como um arenito ou um granito; (b) quanto mais
geológico de desertos existentes no passado guarda muitos longo o tempo em que a rocha fica exposta a esses agentes,
vestígios. A relação entre areia e rocha (arenito), no caso mais intensas e profundas serão as transformações.
de um antigo deserto, pode ser estabelecida estudando- O calor, a umidade, os organismos e o relevo deter-
-se os processos atuantes no passado, como os mecanismos minam o grau de atuação de cada um dos três processos
de colisão de partículas, que podem promover a formação básicos de intemperismo: físico, químico e biológico. O
de grãos foscos, ou os processos de soterramento e com- intemperismo físico ou desagregação altera o tamanho ou
pressão causados pelo peso das camadas que se deposi- a forma dos minerais sem mudar radicalmente a compo-
taram acima da areia ou por fluidos que cimentaram seus sição mineralógica. Denominamo intemperismo químico,
espaços vazios, até fazer com que a areia se transformasse ou decomposição, toda ação que altera a composição quí-
em rocha. Muito tempo depois, a rocha pode aflorar ou ter mica da rocha, transformando os minerais primários da
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sua cobertura removida pela ação da erosão , muitas vezes rocha em minerais secundários. A ação dos seres vivos
contribui para acentuar o intemperismo físico ou químico,
1 Erosão consiste na destruição do solo e de rochas decompostas
tanto mecânica quanto quimicamente, por meio de subs-
e seu transporte por meio de águas da chuva, rios, mares, geleiras,
vento e outros agentes superficiais; abrasão refere-se à pulverização tâncias produzidas pelos organismos, ou geradas a partir
ou redução do tamanho de rochas e minerais a partir do impacto e de sua decomposição. De uma região para outra da Terra,
atrito de partículas em movimento (Cassetti 2001). O efeito da ação
combinada e prolongada no tempo dos agentes de intemperismo e erosão recebe o nome de denudação.
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dependendo das condições climáticas, de distribuição da grandes volumes de argilas, siltes e areias todos os anos.
vida e das formas de relevo, acima citadas, há predomínio Rios com grande volume de água e alta declividade pos-
de modificações físicas, químicas ou bioquímicas. suem grande capacidade de transporte e movimentam
A rocha, quando passa por processos intempéricos, partículas sedimentares de todos os tamanhos. Em tre-
forma camadas de materiais desagregados onde se formam chos onde a declividade diminui, a velocidade das águas
os solos, processo que recebe o nome de pedogênese. O se reduz na mesma medida. Mesmo que o volume de água
material solto torna possível desenvolver-se a vida de seja grande, a diminuição da velocidade reduz a compe-
plantas e pequenos animais, que por sua vez contribuem tência do fluxo e uma fração das partículas acaba sendo
para a decomposição ao formar o húmus. A moderna depositada.
­preocupação com a sustentabilidade da Terra levou as O gelo é outro agente de erosão que promove des-
Geociências­a migrar do conceito de solos como “materiais gaste nas rochas. Na erosão glacial, quando a capa de gelo
inertes e inconsolidados” utilizados na engenharia para a é espessa, o movimento da geleira remove todo o material
ideia dinâmica dos solos como a “pele viva do planeta”, ou mole (solos ou sedimentos) do caminho. Os fragmentos
“pedosfera”. Essa visão, mais próxima da dos ecologistas riscam a superfície das rochas subjacentes, e realiza-se
(Warshall 2000), reúne ainda as ideias de fertilidade, resis- portanto uma “raspagem” superficial. O poder destrutivo
tência à erosão e suporte físico, tão importantes para uma do gelo não pode ser comparado a qualquer outro agente
agricultura sustentável. Nessa concepção focalizam-se os superficial. Por outro lado, na maior parte da história da
quatro componentes do solo: (a) materiais inorgânicos re- Terra, os registros indicam que as áreas cobertas por ge-
sultantes do intemperismo dos minerais; (b) gases proce- leiras são restritas (como se observa no presente). O vento,
dentes da atmosfera e da atividade química e biológica do por sua vez, é capaz de selecionar cuidadosamente os se-
solo; (c) líquidos na forma de soluções que participam de dimentos e ao mesmo tempo remover partes menos resis-
todos os processos; (d) materiais orgânicos representados tentes da superfície das rochas, sobretudo em desertos e
por seres vivos e matéria orgânica morta. Além da matéria em zonas litorâneas. Onde a velocidade dos ventos é alta e
orgânica, cuja presença pode ser extremamente variável, o fluxo, relativamente contínuo, formam-se dunas e outras
deve-se levar em conta os gases e líquidos que compõem feições características.
o solo, essenciais para sustentação da vida. O húmus nos A sedimentação é o processo de acumulação dos se-
solos, além de representar nutrientes armazenados de dimentos em depressões, chamadas bacias sedimentares,
modo seguro para sustentar a vida, é também um modo de onde, dependendo das condições e da profundidade a que
reter carbono na forma de moléculas complexas e de evitar são submetidos, o peso dos sedimentos acumulados e a
seu retorno à atmosfera como um dos principais gases- movimentação de fluidos provocam compactação e cimen-
-estufa. Quanto maior a quantidade de húmus, menor o tação dos materiais. A transformação de um sedimento
risco de aquecimento global (Warshall 2000). em rocha sedimentar é chamada diagênese. Os sedimentos
A cadeia de processos de intemperismo pode atuar dividem-se em três categorias gerais: detríticos, químicos
sobre qualquer rocha (ígnea, metamórfica, sedimentar) ex- e orgânicos. O fato de ter havido deslocamento é comum a
posta à superfície da Terra. O intemperismo faz com que as todo tipo de sedimento, independentemente do tamanho
rochas percam a coesão, fator que facilita o papel da erosão das partículas envolvidas ou do agente de transporte: uma
em promover desgaste desses materiais e seu transporte. enxurrada, água do mar, água do rio, vento ou gelo.
Ao se deslocar, as partículas recebem o nome de se- Sedimentos detríticos são “fragmentos” mecanica-
dimentos. Estes são transportados e depositados em depres- mente removidos e transportados, formados a partir da
sões do relevo ou levados até o fundo do mar. O principal erosão de rochas, cujas partículas são lentamente divididas
agente de erosão é a água líquida, na forma de chuvas, rios e desmembradas pelos processos intempéricos (ação de
e córregos que denudam os continentes. Na superfície da águas e do calor ambiente) e depois transportadas.
Terra, o impacto das gotas de chuva com o solo desprote- Os sedimentos químicos são formados a partir da
gido dá início ao processo de erosão. Os movimentos de precipitação de certos compostos especiais. Calcários, por
massa são deslocamentos de grandes volumes de materiais, exemplo, formam-se a partir da precipitação de carbonato de
por efeito gravitacional. Outro tipo de deslocamento de cálcio contido na água dos mares, por influência ou não de
encosta refere-se aos movimentos de partículas isoladas, seres vivos, sendo portanto sedimentos químicos. O Brasil é
levadas pela água da chuva e pelas enxurradas. Nos canais rico em zonas onde predominam rochas calcárias antigas, no
de rios, cujo tamanho depende do gradiente de inclinação interior das quais formaram-se as inúmeras – e belíssimas –
e do volume de água disponível, movimentam-se sedi- cavernas. Em locais onde as águas continentais são muito
mentos, muitas vezes sob grande turbulência. ricas em carbonatos, podem acontecer precipitações, como
A capacidade de transporte dos rios pode ser muito os calcários dolomíticos da Bacia do Paraná aproveitados
grande, como é o caso do Amazonas, que leva até o mar em pedreiras da região de Rio Claro-Limeira (SP).

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Outro tipo de sedimentos químicos são os evapo- original e sua composição mineralógica; as principais
ritos, rochas formadas em ambientes restritos, nos quais transformações são a recristalização de minerais e/ou a
progressivamente os sais solubilizados se enriquecem na formação de novos minerais e deformações na estrutura
água restante, uma vez que uma parte dela se evapora. das rochas (dobras, foliação, lineação etc.).
Sabe-se que, durante a evaporação, apenas as moléculas Tomemos, por exemplo, um sedimento argiloso. O
de água são removidas do sistema e transferidas para a argilito, ou folhelho, é a rocha resultante da compactação
atmosfera, deixando de carregar os materiais dissolvidos. desse tipo de sedimento. O metamorfismo progressivo do
Estes acabam por se precipitar na base do corpo de água, folhelho envolve transformações, no estado sólido, que
dependendo de fatores como pressão, temperatura, so- podem formar, dependendo das condições de calor, pressão
lubilidade relativa dos sais, entre outros. Experimentos e presença de fluidos, uma sucessão determinada de rochas,
com a evaporação da água do mar revelam que, quando que são: ardósia, filito, xisto e gnaisse. Se as condições de
o volume de água cai aproximadamente para a metade, o metamorfismo forem muito intensas, as rochas podem se
carbonato de cálcio é precipitado; quando o volume de fundir, parcial ou totalmente, e gerar magmas. Estes, ao
água cai para aproximadamente 1/5, o sulfato de cálcio se solidificar, dão origem a novas rochas ígneas. Somente
se deposita até que o volume se reduza ainda mais. rochas que tenham atingido alta temperatura, equivalente
O cloreto de sódio, juntamente com o sulfato de mag- à dos gnaisses, podem atingir condições extremas, capazes
nésio e o cloreto de magnésio começam a se formar de realizar a fusão parcial ou total do material. O magma
quando o volume se reduz a 1/10 do volume inicial. assim formado, se for resfriado lentamente, dará origem a
Embora no Brasil extensos depósitos de evaporitos sejam uma rocha plutônica; caso contrário, se extravasar na su-
encontrados ao longo de bacias da margem continental, perfície da Terra, formará uma rocha vulcânica.
são relativamente poucas as ocorrências desse grupo de Raríssimas vezes, sob condições naturais, um sedi-
rochas marinhas entre Santa Catarina e Pernambuco. Em mento pode ser transformado, repentinamente, em ma-
ambientes áridos, sob certas condições restritas, também terial fundido. Quando ocorre o impacto de um corpo
podem ser formados evaporitos. celeste de grande porte, pode haver fusão instantânea de
Finalmente, os depósitos orgânicos são formados rochas e materiais nas proximidades da área impactada,
essencialmente pelos restos de plantas e animais cuja mas o fenômeno tem distribuição extremamente limitada
matéria orgânica é levada pelos agentes de transporte e na Terra. Quando ocorre intrusão de uma grande massa
depositada no fundo de lagos, rios ou mares. As mais co- ígnea (magma), pode haver nos arredores da intrusão
muns são a turfa, o betume e os restos de seres marinhos a fusão parcial do material adjacente. Mesmo sob tais
formadores do petróleo. A turfa, o carvão, o petróleo e o condições extremas, um eventual sedimento acabaria por
gás natural são os produtos dessa longa cadeia de trans- sofrer algum tipo de metamorfismo. As condições que
formações. determinam fusão de material durante o metamorfismo
Além das rochas sedimentares, existem outros dois progressivo são o aumento de temperatura, a diminuição
grandes grupos: as rochas ígneas, ou magmáticas, e as me- de pressão ou a introdução de água no sistema, que re-
tamórficas. A distinção entre elas é feita de acordo com baixa o ponto de fusão de diversos minerais silicáticos.
os processos geradores. Entretanto, variações nas condi- O magma é um líquido parcial ou totalmente fundido, de
ções de formação de rochas com mesma origem genética alta temperatura, em torno de 700°C a 1.200°C, prove-
podem resultar em diversos tipos de rochas em cada grupo. niente do interior da Terra e resultante do aquecimento e
Quando as placas litosféricas se movimentam ao da fusão de rochas a altas temperaturas, em determinadas
longo do tempo, as rochas podem ser levadas a ambientes condições e locais da litosfera ou astenosfera. Muitas vezes
muito diferentes daqueles sob os quais se formaram. o magma carrega consigo metais valiosos e, portanto, ja-
Rochas enterradas a grandes profundidades e submetidas zidas de vários metais como ouro, platina, cobre e estanho
ao calor interno da Terra e a pressões dirigidas desen- podem associar-se a corpos de rochas ígneas.
volvem reorientação dos minerais, em um processo deno- As rochas ígneas originam-se a partir do resfria-
minado metamorfismo. Qualquer rocha submetida a altas mento de magmas. O tamanho dos cristais geralmente é
pressões e temperaturas e à percolação de fluidos sofre proporcional ao tempo de resfriamento: quanto mais lenta
transformações dos minerais constituintes, além ter sua a cristalização, maiores os tamanhos dos cristais formados
estrutura modificada. Rochas metamórficas são formadas (Fig. 3). O magma pode migrar dos locais onde se originou
por transformações na mineralogia, química e estrutura de para regiões da crosta terrestre onde a pressão seja menor,
rochas já existentes, devido a mudanças nos parâmetros alojando-se como intrusão magmática. Existem três tipos
físicos (principalmente pressão e temperatura) e químicos, comuns de rochas ígneas: plutônicas ou intrusivas, sub-
diferentes das condições diagenéticas. As rochas resul- vulcânicas ou intrusivas rasas e vulcânicas ou extrusivas.
tantes do metamorfismo dependem do tipo de material Uma intrusão pode variar em tamanho e forma; quando

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atinge grandes proporções constitui uma câmara magmá-


tica. Nessas condições o resfriamento lento do magma
favorece o processo de cristalização dos minerais, dando
origem a rochas ígneas plutônicas, como os granitos.
As rochas ígneas vulcânicas, também conhecidas
como efusivas, se formam quando a migração do magma
alcança a superfície da Terra, por processos associados ao
tipo de vulcanismo atuante. Nos vulcões, o magma atinge
a superfície da crosta – então passa a ser chamado de lava
– e se resfria rapidamente ao entrar em contato com a
temperatura ambiente, com a consequente formação de
rocha. Basaltos são as rochas vulcânicas mais comuns.
Devido à solidificação praticamente instantânea (pro-
cesso denominado consolidação), não há tempo para os Figura 3. Esquema geral das texturas típicas utilizadas na classificação de
cristais se desenvolverem; formam-se núcleos muito pe- rochas ígneas. O tamanho e o arranjo geométrico dos cristais dependem do
tempo disponível para a cristalização. (Motoki e Sichel 2006)
quenos, invisíveis a olho nu (<<1mm). Em situações nas
quais o magma se cristaliza no interior da crosta, próximo observar determinados processos em plena atividade na
à superfície, mas com resfriamento um pouco mais lento natureza ou em criar modelos análogos em laboratório.
que o das rochas vulcânicas, podem se formar cristais de Assim, definimos as relações espaciais e os parâmetros fí-
tamanho pequeno (~1mm), visíveis a olho nu. Rochas sicos que controlam diferentes tipos de fenômenos, como
desse tipo são denominadas rochas subvulcânicas, como temperatura e pressão, mas não temos como manipular a
o diabásio. Os termos extrusivo, vulcânico, subvulcânico, variável tempo. Os fenômenos que modificam a paisagem
hipoabissal, intrusivo e plutônico podem ser utilizados nas e que transportam solos e rochas de uma região para outra
descrições geológicas de corpos ígneos (Motoki e Sichel recebem o nome de erosão normal. Em geral, é muito difícil
2006), sendo inadequado, entretanto, assumir-se qualquer perceber seu desenvolvimento, já que são processos extre-
correlação direta entre o modo de ocorrência geológica e mamente lentos, que podem demorar milhares de anos.
a profundidade de colocação de um corpo ígneo, porque Não se pode observar diretamente de que forma ocorre
muitas rochas ígneas formadas em profundidade podem a erosão normal, mas podemos analisar muitos de seus
ter se cristalizado mais rapidamente, apresentando assim efeitos. As bacias sedimentares são um deles.
textura fina (Fig. 3). Muitos casos de erosão acelerada são familiares a
O derradeiro processo que promove o apareci- todos nós, devido às notícias de escorregamentos, envol-
mento das rochas na superfície resulta de movimentos vendo dolorosas perdas de vidas humanas, em boçorocas
verticais da litosfera. Quando partes das cadeias de mon- ou vales rapidamente abertos pelas águas das chuvas no
tanhas são erodidas, o alívio de peso da parte superior da solo desprotegido de zonas urbanas e rurais. Os fenô-
crosta faz com que ocorra um “empuxo” da parte inferior e menos erosivos provocam também perdas consideráveis
a superfície da crosta seja soerguida. Os processos erosivos de terras agrícolas.
revigoram sua atuação e o ciclo das rochas é realimentado.
Os continentes se desenvolveram ao longo do EMBASAMENTO E COBERTURA
tempo geológico, sendo muitas vezes receptores de ma-
teriais menos densos do manto, graças à atividade mag- Para decifrar os eventos ocorridos no passado do
mática, que os transfere para a superfície da Terra. O ciclo planeta devemos estudar o registro geológico, cujos compo-
das rochas, idealizado pelo naturalista James Hutton, re- nentes serão mencionados em diversas ocasiões ao longo
presenta o conjunto de processos cíclicos que atuam na deste livro, assim, é oportuno caracterizá-los de modo
geração e transformação de rochas, bem como suas re- mais preciso. São eles: o embasamento, a cobertura, o regolito
lações com os processos de soerguimento e exposição de e a fisiografia (Merguerian 2002).
rochas na crosta, a partir da ação de esforços internos. O embasamento consiste em uma “capa” de rocha só-
lida contínua, que forma a crosta continental. Esse imenso
EROSÃO E SEDIMENTAÇÃO substrato constitui o alicerce do edifício geológico do país
e reúne imensa variedade de rochas ígneas, sedimentares
Se escolhêssemos uma dada paisagem e pudés- ou metamórficas, que podem se expor à superfície da Terra
semos fazer, a partir de hoje, uma fotografia anual da área em afloramentos ou encontrar-se enterradas centenas ou
ao longo de dez ou vinte anos, talvez não fosse possível milhares de metros abaixo da cobertura sedimentar ou
perceber qualquer indício de mudança. Somos hábeis em vulcânica. Em cerca de metade do território brasileiro as

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