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© Nivia Valença Barros

Gramma Livraria e Editora


Conselho Editorial: Bethania Assy, Francisco Carlos Teixeira da Silva,
Geraldo Tadeu Monteiro, Gláucio Marafon, Ivair Reinaldim, João Cézar
de Castro Rocha, Lúcia Helena Salgado e Silva, Maria Cláudia Maia, Maria
Isabel Mendes de Almeida, Mirian Goldenberg e Silene de Moraes Freire.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Famílias no DEGASE : retratando o projeto de pesquisa... /


organização Nivia Valença Barros.-- 1. ed. -- Rio de Janeiro : Gramma
Livraria e Editora, 2020.

ISBN 978-65-86052-34-3


1. Ciências sociais 2. Direitos humanos 3. Educação
4. Famílias I. Barros, Nivia Valença.

20-52279 CDD-323

Índices para catálogo sistemático:


1. Direitos humanos : Ciência política 323
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

Gramma Livraria e Editora


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A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,
constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)
COORDENAÇÃO GERAL
Nivia Valença Barros

COMISSÃO EDITORIAL
Nivia Valença Barros
Rita de Cássia Santos Freitas
Janaína Abdalla
Joice da Silva Brum
José Nilton de Sousa
Ida Cristina Rebello Motta

COMISSÃO CIENTIFICA
Bianca Veloso – Pedagoga - DEGASE
Eliza dos Santos Lopes – Psicóloga – DEGASE
Josélia Ferreira Reis – Assistente Social
Leandro Soares de Sousa – Pedagogo – DEGASE
Saturnina Pereira da Silva - Assistente Social – DEGASE
Tania Mara Trindade Gonçalves - Assistente Social – DEGASE
Wilma Lucia Rodrigues Pessoa – Socióloga - UFF

COMISSÃO EXECUTIVA
Ana Beatriz Quiroga Furtado – Licenciada em Letras - UFF
Eliana Lobo do C. Guedes – Assistente Social - DEGASE
Leila Mayworm Costa – Assistente Social - DEGASE
Maria Beatriz Barra de Avellar Pereira - Psicólogo - DEGASE
Maria Tereza Azevedo Silva – Psicóloga - DEGASE
Paula Reis – Acadêmica de Pedagogia - UFF
Wilma Lúcia Rodrigues Pessoa – Socióloga - UFF

ESTATÍSTICA:
José Nilton de Sousa

REVISÃO
Débora de Freitas Ferreira
SUMÁRIO

Lista de Abreviaturas e Siglas........................................ 07

Apresentação.................................................................... 09

Introdução......................................................................... 13

CAPÍTULO 1
Reflexões sobre as categorias trabalhadas na Pesquisa
“Famílias no DEGASE”................................................... 23
Nivia Valença Barros
Janaina Abdalla
Rita de Cassia Santos Freitas

CAPÍTULO 2
Caminhos da Pesquisa - Reflexões Metodológicas.....49
Nivia Valença Barros
Rita de Cássia Santos Freitas
Eliza dos Santos Lopes
Tania Mara Trindade Gonçalves
Joice da Silva Brum
José Nilton de Sousa
Leandro Soares de Sousa
Maria Tereza Azevedo Silva
CAPÍTULO 3
Análises dos Dados da Pesquisa: As Famílias
dos Adolescentes em Cumprimento de Medidas
Socioeducativas nas Unidades no DEGASE................ 95
Nivia Valença Barros
José Nilton de Sousa
Ida Cristina Rebello Motta
Wilma Lúcia Rodrigues Pessoa

CAPÍTULO 4
Falas, Expectativas, Angústias e Esperança no
Discurso das Famílias...................................................139
Nivia Valença Barros
Josélia Ferreira Reis
Ana Beatriz Quiroga
Maria Beatriz Barra
Eliana Lobo do C. Guedes
Paula Ferreira Reis
Rita de Cássia Santos Freitas
José Nilton de Sousa

Para finalizar...................................................................173

Autores e Pesquisadores...............................................179
7

LI STA D E A B REVIAT URAS E SIG L AS EM ORDE M A L FA BÉ TICA

ABSP Anuário Brasileiro de Segurança Pública


ADA Amigos dos Amigos (FACÇÃO)
CAI BAIXADA Centro de Atendimento Intensivo Belford Roxo
CENSE DOM Centro de Socioeducação Dom Bosco
BOSCO
CENSE NOVA Centro de Socioeducação Dr. Antônio Elias Dorea de
FRIBURGO Araújo Bastos

Centro de Socioeducação Professor Gelso de Carvalho


CENSE GCA
Amaral
CENSE ILHA Centro de Socioeducação Ilha do Governador
CENSE VOLTA Centro de Socioeducação Irmã Assunción de La
REDONDA Gándara Ustara

Centro de Socioeducação Professor Antonio Carlos


CENSE PACGC
Gomes da Costa
CENSE Centro de Socioeducação Professora Marlene
CAMPOS DOS
GOYTACAZES Henrique Alves

Centro de Recursos Integrados ao Atendimento do


CRIAAD
Adolescente
CCJ Comissão de Constituição e Justiça
CT Conselho Tutelar
CMM Casa Mãe Mulher
CV Comando Vermelho (FACÇÃO)
DP Defensoria Pública
DEGASE Departamento Geral de Ações Socioeducativas
DEPE Divisão de Estudos, Pesquisas e Estágios
DOERJ Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro
ESE Educandário Santo Expedito
Escola de Gestão Socioeducativa Professor Paulo
ESGSE
Freire
EJLA Escola João Luís Alves
8 FA M Í L I A S N O D E G A S E

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente


FUNABEM Fundação Nacional do Bem Estar do Menor
GT Grupo de Trabalho
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPS Instituto Padre Severino
IBM SPSS Software Para Realizar Pesquisa de Mercado
JOCUM Jesus com uma Missão
MSE Medida Socioeducativa
MP Ministério Público
MPC Mocidade para Cristo
NUDHESC/ Núcleo de Pesquisas Sobre Direitos Humanos e
UFF Cidadania
NPHPS/CRD/ Núcleo de Pesquisa Histórica Sobre Proteção Social
UFF
ONG Organização não Governamental
PIA Plano Individual de Atendimento
SAM Serviço de Assistência ao Menor
Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do
SGD
Adolescente
SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SSE Sistema Socioeducativo
S/p Sem Página
SEEDUC Secretaria Estadual de Educação
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TSP Termo de Sigilo Profissional
TJRJ Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
TC Terceiro Comando (FACÇÃO)
UFF Universidade Federal Fluminense
UE Unidade Escolar
9

APRESENTAÇÃO

S
im, os adolescentes que cumprem medidas socioeduca-
tivas e estão inseridos no DEGASE têm famílias. Parece
estranho fazermos esta afirmação, mas o apagamento
dessas famílias é um fato cotidiano. As famílias comumen-
te são evidenciadas apenas no processo de culpabilização e
criminalização. Sim, os “adolescentes do DEGASE” possuem
famílias. São inúmeras famílias preocupadas com esses me-
ninos. São inúmeras mães, sós e acompanhadas, que buscam
formas de estar com seus filhos. São famílias, em sua maioria,
pretas, pardas e pobres que sofrem com inúmeras vulnerabi-
lidades e violências. Sofrem com a violência estrutural, com a
violência doméstica e com tantas outras violências e violações
de direitos, além de sofrerem por seus filhos, netos, irmãos, so-
brinhos... Alguns dos adolescentes cometeram sérios delitos,
outros, nem tanto. Mas seja qual for a razão, existem famílias
neste contexto. E, se pensarmos que estamos falando de so-
cioeducação, as famílias deveriam ter uma participação muito
próxima e especial. Nosso olhar neste livro não focou nos ado-
lescentes, mas em suas famílias. Contudo, eles não deixaram
de estar presentes em toda a contextualização.
10 FA M Í L I A S N O D E G A S E

A proposta de elaboração do livro foi incorporada


por todos os que participaram ativamente do projeto e a
realização desta obra foi muito dinâmica e comprometida.
Somos pesquisadores e profissionais com um longo tem-
po de estudo e inserção nesta área. Portanto, podemos não
ter incluído algumas abordagens necessárias ou apresen-
tado olhares que outros estudiosos julguem importantes,
mas esta construção é fruto do desejo e da responsabilida-
de coletiva com a democratização dos estudos e pesquisas,
desenvolvidos a partir de nossa longa inserção na área e
em defesa dos direitos das famílias e dos adolescentes no
cumprimento de medidas socioeducativas.
Assim, este livro, como produto final do Projeto de
Pesquisa: Projeto Famílias no DEGASE - Famílias dos ado-
lescentes inseridos no Sistema Socioeducativo nos diferen-
tes territórios das Unidades do DEGASE apresenta dados
que podem subsidiar as leituras da realidade institucional;
contribui também para criar novas metodologias, consolidar
outros novos projetos, entre outras ações que irão melho-
rar a qualidade do trabalho proporcionado pela Instituição.
Os resultados embasados e fundamentados, aqui apontados,
poderão assegurar novas direções, diante da cruel realida-
de estudada, bem como refletir sobre algumas perguntas
iniciais, tais como: será que a privação de liberdade ocorre
apenas com os adolescentes? Conhecermos as histórias das
famílias dos adolescentes atendidos nas Unidades modifica
as práticas? Conhecemos o perfil, e daí em diante? O que
fazemos com essas informações? O projeto não só propõe
a reflexão sobre estas questões, como também se constitui
como uma forma de nutrir a esperança obtida através das
histórias de vida aqui contadas e de ter “fé para que mudan-
ças sejam efetuadas”. A partir dos encontros realizados com
as famílias, expressamos nosso respeito pelos sonhos, pelo
anseio de futuras conquistas e pela perseverança que, muitas
NIVIA VALENÇA BARROS 11

vezes, se perdem nas trajetórias de vida, devido à negligên-


cia da sociedade e do Estado. Em um contexto de múltiplas
violências, de perdas, de inúmeros preconceitos, de baixa es-
colaridade, de desemprego ou de empregabilidade precária,
dentre outras vulnerabilidades, a construção de políticas so-
ciais se faz necessária.
Assim, a devolutiva dos resultados se estabelece como
uma questão ética de restituição à sociedade com os estudos
gerados a partir da pesquisa para também nutrir a esperança
por meio de histórias de fé, de encontros, de respeito, de so-
nhos e de conquistas futuras, para que não se percam percur-
sos de vida, pelo descaso da sociedade e do Estado.
A nossa perspectiva é a de que a instituição se for-
taleça na medida em que projetos de pesquisa, em parceria
com a comunidade científica se entrelacem entre prática e
teoria, dando assim, sustentabilidade aos múltiplos saberes;
fortalecendo, interagindo e criando relações de confiabilida-
de junto aos operadores do sistema, adolescentes, famílias e
comunidade. Então, a partir desta iniciativa e nesse processo,
desejamos que outras ações se consolidem e que as vozes das
famílias sejam reconhecidas e ouvidas.
Para finalizar, esperamos que esta pesquisa possa con-
tribuir para a busca de novos instrumentos capazes de iden-
tificar os impasses e enfrentar os desafios diante da missão
de responder as demandas com as quais nos deparamos.
Fica assim, uma única certeza: a família deve ser prio-
rizada como o melhor espaço para crianças e adolescentes.

Nivia Valença Barros


Saturnina Pereira da Silva
Leila Mayworm Costa
13

INTRODUÇÃO

“O principal interesse da ciência social é o compor-


tamento significativo dos indivíduos engajados na
ação social, ou seja, o comportamento ao qual os in-
divíduos agregam significado considerando o com-
portamento de outros indivíduos” (GOLDENBERG,
2002, p. 19).

E
ste livro foi escrito por muitas mãos. Os capítulos fo-
ram escritos, em grande parte, pelos envolvidos no
projeto, atuantes tanto na UFF, quanto no DEGASE,
sendo, portanto, uma construção coletiva. Os construtores
deste livro têm trabalhado arduamente, nas últimas décadas,
em prol da criança e do adolescente, principalmente daque-
les que cumprem medidas socioeducativas, pois a efetiva-
ção de um sistema realmente socioeducativo, ainda é uma
utopia. E, mesmo que haja um trabalho dedicado e contínuo
de muitos profissionais para a proteção desses adolescentes,
seus contextos de vida ainda são muito difíceis. Temos uma
dura realidade de jovens pretos e pobres, entre 15 e 29 anos,
como vítimas de assassinatos. Esses crimes são a maior cau-
sa de morte, que atingem a grande maioria dos residentes
14 FA M Í L I A S N O D E G A S E

das periferias e das regiões metropolitanas dos grandes cen-


tros (BRASIL, 2015, p.9). Outra parte significativa desses jo-
vens e adolescentes sobreviventes está encarcerada ou em
cumprimento de medida socioeducativa.
A punição, em lugar de ações socioeducativas, con-
tinua sendo a tônica do sistema, mesmo que mudanças em
forma de lei estejam em vigor. A doutrina da situação irre-
gular, que embasava o Código de Menores, de 1979, ainda é
reproduzida, hegemonicamente. Esses pressupostos, em sua
prática, abarcavam um viés discriminatório da infância e da
juventude preta, pobre, abandonada e infratora. Tal funda-
mentação deveria ser rompida, pelo menos juridicamente.
Com a construção coletiva e com a ampla participação social,
passou a vigorar, em 1990, o Estatuto da Criança e do Ado-
lescente (Brasil, 1990). O Estatuto trouxe em seu paradigma,
a Doutrina da Proteção Integral, a ênfase na condição pecu-
liar de pessoa em desenvolvimento e a efetivação da priori-
dade absoluta para a infância e para a adolescência, pautada
no artigo 227 da Constituição Federal, de 1988. Para a estru-
turação do atendimento aos adolescentes em cumprimento
de medidas socioeducativas no estado do Rio de Janeiro, foi
criado o DEGASE, pelo Decreto nº 18.493 de 26/01/93.
O DEGASE constituiu-se como um órgão do Poder
Executivo responsável pela execução das medidas socioe-
ducativas em meio fechado (privação de liberdade), preco-
nizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
e aplicadas pelo Poder Judiciário a adolescentes envolvidos
na prática de atos infracionais. A proposta era a de que o
DEGASE deveria ter a responsabilidade de acolher, cuidar,
acompanhar, atender e tratar esses adolescentes, bem como
os seus familiares, objetivando a reinserção na sociedade. En-
contra-se também, dentro da competência desta instituição,
o trabalho articulado entre as equipes das unidades e prefei-
turas, responsáveis pela Medida Socioeducativa – MSE, em
NIVIA VALENÇA BARROS 15

meio aberto, visando à sequência do acompanhamento so-


cioeducativo dos adolescentes.
Com a necessidade de consolidação dessa política pú-
blica e de ações que pudessem prever uma metodologia de
atendimento, além de um sistema de avaliação, em 2012, com
a Lei Federal nº 12.594, foi instituído o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo - SINASE (tanto em seu projeto
inicial de 2006, como em sua promulgação, em 2012 com a
Lei 12594/12). O SINASE nasceu com a perspectiva de respal-
dar o ECA, buscando promover uma política socioeducativa
que superasse o viés discriminatório e excludente, perpas-
sando ações e políticas públicas ineficazes ou inexistentes,
quando necessário.
Porém, apesar dos 30 anos do Estatuto, infelizmente
ainda podemos afirmar que estamos longe do alcance da
aplicação integral de suas determinações. A lei, por si só,
não transforma a realidade. O Estatuto da Criança e do Ado-
lescente - ECA estabelece medidas socioeducativas (MSE)
para adolescentes que cometem atos infracionais, contudo,
as instituições mantêm práticas muito semelhantes às ações
que são destinadas aos adultos. O ECA também destaca a
importância da família e do ambiente familiar para a vida
do adolescente, sua segurança e bem estar. Porém, durante
muito tempo, as famílias dos adolescentes têm sido tratadas
de modo similar ao do sistema prisional, com distanciamento
e com pouca, ou nenhuma informação sobre o que acontece
com seus filhos, em meio ao cumprimento das medidas so-
cioeducativas e de internação.
Ao buscarmos desenvolver um estudo sobre as famí-
lias, estamos trilhando a mesma perspectiva do ECA, pois res-
saltamos a importância da relação com essas famílias para a
efetivação da socioeducação. Destacamos também, a respon-
sabilidade social, da qual o Estado é avalista, para que o ado-
lescente possa usufruir, junto a sua família, de condições para
16 FA M Í L I A S N O D E G A S E

o pleno desenvolvimento em todos os âmbitos de sua existên-


cia: o material, o afetivo, o espiritual e o social. O pressupos-
to da socioeducação deveria ser confirmado por um processo
educativo que o diferenciasse das ações existentes na área de
segurança pública para a população adulta, mas em termos
práticos, a socioeducação não pode ser considerada efetivada.
O tratamento efetuado nas Unidades de internação para os
adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, se
assemelha ao do sistema prisional, que não objetiva possuir
um caráter educativo, tendo as ações circunscritas a punições.
A parceria para este projeto passou por uma lon-
ga construção que se iniciou com os cursos sobre Família
na Escola de Gestão Socioeducativa Educativa Paulo Freire
(ESGSE). Estes cursos ocorreram em 2016 e 2017, dando
origem à criação de um GT para estudar o tema Família no
DEGASE, objetivando proporcionar maior visibilidade para
a organização do trabalho específico com as famílias. Esta
foi uma iniciativa muito importante e teve a adesão de um
grupo grande de atores socioeducadores, formado por pro-
fissionais de várias categorias de técnicos e de agentes so-
cioeducativos. As inúmeras questões trazidas ao GT também
nos motivaram a pensar em uma pesquisa para conhecer
‘quais são as famílias que atendemos.’ Assim, pode-se dizer
que o GT teve dois braços: um deles foi o de criação do Pro-
grama de Atenção às Famílias e o outro foi o que estabeleceu
a necessidade de realização de uma pesquisa com as famílias
dos adolescentes atendidos no DEGASE.
Assim, o Programa de Atenção às Famílias foi deli-
neado com objetivos, fluxo, protocolo, acolhimento, espaço
específico para atendimento em todas as Unidades e a forma-
ção de um Núcleo para centralizar a organização do atendi-
mento. Um importante aspecto era também o de estabelecer
um espaço específico para o atendimento, já que as famílias
aguardam, em sua maioria, fora da Unidade.
NIVIA VALENÇA BARROS 17

Próximo à finalização do GT, para a efetivação da


pesquisa, foi levantada a possibilidade de apoio de alguma
Universidade. Assim, através da ESGSE, procurou-se a arti-
culação com a Universidade Federal Fluminense, tendo em
vista a possibilidade de parceria para a realização da pesqui-
sa. Toda essa discussão, inicialmente, ficou praticamente res-
trita ao GT, com isso, a possibilidade de parceria foi debatida
em inúmeras reuniões. Na primeira reunião de sensibilização
para uma cooperação, o projeto ainda não estava finalizado.
Foi concedido um prazo para a conclusão e, então, traba-
lhamos na elaboração final do Projeto de Pesquisa visando
sua execução prática através da cooperação técnica entre
DEGASE/ESGSE e UFF. Posteriormente, através da partici-
pação de outros membros vinculados a UNIGAMA (Centro
Universitário Gama e Souza), esta instituição passou tam-
bém a apoiar o projeto.
O objetivo definido para o Projeto foi o de traçar o
perfil das famílias e os modos de organização familiar dos
adolescentes atendidos nos diferentes territórios do DEGA-
SE. Dessa forma, a proposta era a de encontrar formas de
garantir maior visibilidade para estas famílias e de contribuir
para aperfeiçoar o atendimento prestado institucionalmente,
possibilitando o desenvolvimento/efetivação das políticas e
legislações vigentes. Assim, pensando nestas famílias, cons-
truímos essa proposta de pesquisa. Para tanto, foram deli-
mitados os eixos: faixa etária, etnia/cor, sexo, diversidade de
gênero, cultura, religião, escolaridade, realidade socioeconô-
mica, moradia e referência familiar do adolescente à época
do ato infracional. Pretendeu-se, também, ponderar sobre os
dados referentes à saúde das famílias, pessoas com deficiên-
cia, uso de substâncias ilícitas e violência.
Vale ressaltar, como ponto de destaque, a forma demo-
crática adotada em todo o processo de realização da pesqui-
sa. Em um clima de intenso debate e parcerias, foram defi-
18 FA M Í L I A S N O D E G A S E

nidas as ações e elaborados os instrumentos específicos que


deram vida à pesquisa: roteiro de entrevista com perguntas
semiestruturadas, banco de dados, articulação com a dire-
ção e equipes das Unidades, sensibilização de aproximação
com as famílias, reuniões periódicas, cursos de capacitação,
entre outros. A formatação desses instrumentos também foi
muito dialogada. As perguntas que queríamos responder e a
elaboração do formulário/roteiro da entrevista foram discu-
tidas, item por item, durante meses, pela equipe do projeto.
Vale registrar que mesmo com todo esse cuidadoso processo,
após a realização do pré-teste, foi necessária nova revisão do
formulário/roteiro de entrevista, a partir das questões surgi-
das no cotidiano institucional e em meio ao contato com as
famílias. Por fim, apresentamos o desenvolvimento da pes-
quisa, narramos os caminhos percorridos nas Unidades e o
aprendizado adquirido nesses contextos.
O DEGASE possuía, na época da realização da pesqui-
sa, a seguinte estrutura: 9 unidades de internação,17 Unida-
des de Semiliberdade, divididas em Regiões (Capital - Rio de
Janeiro: 5 Centros de Recursos Integrados de Atendimento
ao Adolescente - CRIAAD; Grande Rio: 5 CRIAAD; Inte-
rior: 7 CRIAAD). Além de outras estruturas, como a Escola
de Gestão Socioeducativa Paulo Freire - EGSE, o Centro de
Capacitação Profissional – CECAP, o Centro Integrado de
Tratamento ao Uso e Abuso de Drogas – CITUAD e o Cen-
tro de Tratamento para Adolescentes Dependentes Químicos
em Conflito com a Lei - CREDEQ.
Para aprofundarmos todas as fases, produções e o pro-
cesso desenvolvido pelo Projeto de Pesquisa, este livro foi
organizado em capítulos que apresentam aspectos relevantes
da pesquisa.
No primeiro capítulo, são apresentadas as catego-
rias trabalhadas. Buscou-se refletir sobre os termos que
fundamentaram o desenvolvimento do Projeto de Pesqui-
NIVIA VALENÇA BARROS 19

sa “Famílias no DEGASE”. Inicialmente, foram elencadas as


concepções de Família, Adolescência, Gênero, Violência e
Socioeducação, consideradas fundamentais. Posteriormen-
te, outras categorias foram surgindo ou necessitaram ser
desdobradas, tais como: violências em suas múltiplas ex-
pressões (violência institucional, violência estrutural e vio-
lência simbólica), medidas socioeducativas, intersecciona-
lidade e Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE). As concepções tratadas contribuíram para a di-
reção do projeto, pois, em uma pesquisa de grande porte,
ter um fio condutor bem definido possibilita a clareza dos
pontos em comum. Neste sentido, também foram destacados
os aspectos metodológicos, com a discussão sobre os instru-
mentos de pesquisa, a pesquisa de campo, a observação par-
ticipante, etnografia, entrevista e história oral. Procurou-se,
assim, dialogar sobre as bases conceituais que fundamenta-
ram a pesquisa e que foram debatidas por nós durante os três
anos de desenvolvimento do projeto. No decorrer do traba-
lho, são apresentadas algumas considerações resultantes do
desenvolvimento da proposta do projeto que após a conclu-
são, pensamos ter sido de grande dimensão e complexidade.
No segundo capítulo, Caminhos Da Pesquisa – Reflexões
Metodológicas buscou-se rememorar a construção do projeto
e a metodologia utilizada. Assim, é apresentado o processo
de realização da pesquisa, desde a elaboração do projeto até
a execução. Através de várias reuniões, discussões coletivas
e democráticas entre professoras, alunos (graduação, pós-
graduação, mestrado e doutorado), servidores da ESGSE e
demais unidades e setores do DEGASE, foram definidas as
ações e construídos os instrumentos, como o formulário para
as entrevistas semiestruturadas com as famílias, o Termo de
Esclarecimento Livre e Esclarecido (TCLES) e o Banco de Da-
dos. Neste sentido, a descrição e as reflexões do caminhar da
pesquisa foram organizadas a partir de alguns eixos:
20 FA M Í L I A S N O D E G A S E

• A Construção do Projeto - ESGSE – UFF que apresen-


ta a parceria dos Núcleos de Pesquisa sobre Direitos
Humanos e Cidadania/UFF, Núcleo de Pesquisa Histó-
rica sobre Proteção Social/CRD/UFF com o DEGASE,
através da Escola de Gestão Socioeducativa Professor
Paulo Freire (ESGSE);

• O Trabalho de Campo - Encontrando as Famílias que


descreve a experiência no contato com as famílias e
com as equipes das unidades no momento da execu-
ção da pesquisa e as observações dos pesquisadores
em campo;

• As famílias e os contextos religiosos que busca analisar


a distribuição das práticas religiosas dos adolescentes
em Medida Socioeducativa;

• Facções e milícias que interroga como organizações


criminosas provocam a violência que dominam os ter-
ritórios de moradia dos adolescentes e de suas famílias
e a repercussão desta nas unidades de execução das
medidas socioeducativas;

• As escolas nas Unidades que reflete a respeito de


como os adolescentes estão inseridos nesse período de
privação de liberdade;

• As Unidades nas quais se procurou descrever a expe-


riência da pesquisa, em cada Unidade de Internação
e o registro dos dados quantitativos referentes a cada
uma delas.

No terceiro capítulo é feita a análise de todo o material


estudado, através da observação dos participantes, dos regis-
NIVIA VALENÇA BARROS 21

tros dos diários de campo e das entrevistas. A partir desse es-


tudo fica evidenciada a importância da família para o pleno
desenvolvimento do adolescente que se encontra inserido no
Sistema Socioeducativo (SSE). Sendo assim, procuramos es-
tabelecer não somente uma relação entre o material obtido,
que nos permitiu construir o perfil das famílias, mas também
contribuir para o desvelamento das condições que propiciam
o ingresso de adolescentes no sistema socioeducativo. Desta
forma, os dados nos indicam a necessidade de: maior parti-
cipação das famílias junto à execução das medidas socioedu-
cativas; um atendimento mais descentralizado, permitindo
uma ampliação regionalizada do sistema socioeducativo;
maior apoio financeiro e de infraestrutura para as famílias,
visando não só a visitação sistemática dos adolescentes pri-
vados de liberdade, como também uma participação mais
efetiva durante o processo.
No quarto e último capítulo, intitulado “Falas, Expec-
tativas, Angústias e Esperança no Discurso das Famílias” ouvi-
mos algumas de suas vozes e apresentamos as reflexões sur-
gidas a partir das expressões dos participantes da pesquisa.
Os entrevistados e toda a equipe envolvida produziram um
rico material, compilado nos diários de campo e nos formu-
lários de entrevista. As histórias destes sujeitos, constituí-
dos, em grande parte, por mulheres, é o ponto de partida
para reflexões importantes sobre a relação com a instituição.
A partir dos discursos, dos quais se destacam fragmentos,
a pesquisa toma os contornos de um fio condutor no qual
as emoções transparecem. A inacreditável invisibilidade da
violência urbana, as tensões que marcam relações familiares,
os laços de ajuda e solidariedade, a estrutura institucional e o
fazer dos profissionais são as tintas de um complexo quadro,
cujo esboço é trazido para o leitor.
Para concluir, é importante ressaltar que todo o ma-
terial apresentado compõe uma longa história. Desde a for-
22 FA M Í L I A S N O D E G A S E

mação do DEGASE, a aproximação entre estudos e pesquisas


se fez presente em parceria com a Escola de Serviço Social
da Universidade Federal Fluminense, após décadas de inter-
câmbio interinstitucional. A preocupação com as famílias
dos adolescentes inseridos no DEGASE sempre permeou
as ações e reflexões. Assim, sem a pretensão de esgotar os
temas discutidos, consideramos de extrema relevância, as
questões aqui tratadas.
23

CAPÍTULO I

REFLEXÕES SOBRE AS CATEGORIAS


TRABALHADAS NA PESQUISA
“FAMÍLIAS NO DEGASE”

Nivia Valença Barros
Janaina Abdalla
Rita de Cassia Santos Freitas

“Se o estabelecimento da verdade histórica, nas de-


mocracias, está sujeito a permanente debate, o direi-
to de acesso a ela deve ser incontestável. A garantia
do direito à verdade opõe-se à imposição de uma
versão monolítica, característica dos regimes auto-
ritários de todos os matizes. Ela exige a restauração
da memória social, estabelecida no debate cotidiano
e sempre exposta a reformulações, a depender das
novas evidências trazidas à luz por ativistas políticos
e pesquisadores” (Maria Rita Kehl, 2013).

E
ste capítulo tem como objetivo refletir sobre algumas
categorias que foram fundamentais para o desenvol-
vimento da pesquisa. Não temos como meta esgotar
a discussão acerca dessas categorias, mas apresentá-las de
modo que possam dar organicidade ao livro que aqui apre-
sentamos. Assim, ao desenvolvermos a Pesquisa sobre Famí-
lias no DEGASE, buscamos pensar sobre estas categorias. No
momento inicial, Famílias, Adolescência, Gênero, Violência
e Socioeducação foram elencados como fundamentais para
termos uma direção que contribuísse para, em uma pesquisa
24 FA M Í L I A S N O D E G A S E

de grande porte, termos um fio condutor que nos permitis-


se falar de um ponto comum. Neste sentido, também desta-
camos os aspectos metodológicos, abrangendo a discussão
acerca dos instrumentos de pesquisa, o diário e a pesquisa de
campo, observação participante, etnografia, entrevista e his-
tória oral. Posteriormente, outras categorias foram surgindo
ou outras necessitaram ser desdobradas como: violências em
suas múltiplas expressões (doméstica, institucional, estrutu-
ral, psicológica, emocional e simbólica); medidas socioedu-
cativas, interseccionalidade e SINASE. Procuramos, assim,
dialogar sobre as bases conceituais estudadas por nós e que
fundamentaram a pesquisa e o debate durante os três anos
de desenvolvimento do projeto.
Então, começamos este capítulo refletindo acerca
da questão metodológica pela qual sempre nos questiona-
mos: como chegar até as famílias? Essa foi a nossa primeira
preocupação.
Resgatar o tempo atual não é uma atividade fácil. Por
isso, a necessidade de um esforço para “reduzir ao máximo a
violência simbólica que se pode exercer” (BOURDIEU, 1997,
p.695). Deste modo, foi importante buscar estratégias para a
aproximação com as famílias, bem como para a construção
de formas de abordagem não invasivas ou violentas, no de-
senvolvimento das entrevistas. Neste momento, a história oral
nos forneceu um importante mecanismo de aproximação, re-
cuperando, como relembra Bosi (1987) em estudo hoje consi-
derado clássico, os “saberes e fazeres humanos” silenciados.
A metodologia é o caminho a ser seguido na pesqui-
sa. Nas palavras de MINAYO (2008, p. 14), “a metodologia
inclui simultaneamente a teoria da abordagem (o método),
os instrumentos de operacionalização do conhecimento
(as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiên-
cia, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)”. Este cami-
nho foi trilhado, passo a passo.
NIVIA VALENÇA BARROS 25

Como parte inicial e contínua de um conjunto de


leituras relacionadas às temáticas em estudo, bem como
aos procedimentos de análise que utilizamos, a pesquisa
bibliográfica contribuiu para os processos de revisão das
principais literaturas, contextualização, problematização e
aprofundamento teórico. Tal aprofundamento diz respeito,
especialmente, ao reconhecimento do chamado “estado das
artes” (ROMANOWSKI e ENS, 2006, p.39-49 e FERREIRA,
2002, p.258). Essa pesquisa bibliográfica contribuiu para a
criação de bases para a construção conceitual de categorias
analíticas importantes e para a viabilização do percurso teó-
rico adotado na pesquisa. Serviu também como arcabouço
teórico para os cursos que desenvolvemos durante a pesqui-
sa, voltados para os alunos e profissionais, que auxiliaram no
momento de realização das entrevistas.
Em um segundo momento, definimos os instrumentos
necessários para a nossa entrada em campo. Grande parte
desse processo foi exposto no capítulo que trata do caminho
de pesquisa e onde foi narrada esta trajetória. Como nosso
objetivo era nos aproximar das famílias dos adolescentes in-
ternados no DEGASE, a entrevista surgiu como uma impe-
riosa necessidade metodológica. Como já afirmamos, a fonte
oral representou uma dimensão central em nosso trabalho.
Esse eixo de investigação foi explorado através de entrevis-
tas e envolveu a escuta atenta (Bourdieu, 1997) das famílias
atendidas pelo DEGASE.
A entrevista é entendida enquanto técnica de coleta
de informações e que envolve um processo de interação/
comunicação entre dois ou mais sujeitos. Optamos por tra-
balhar essa aproximação de forma híbrida, a partir de uma
entrevista semiestruturada que condensou dados qualitati-
vos e quantitativos.
Contudo, apenas o dado numérico não nos bastava.
Em vista disso, na aplicação do formulário/roteiro de entre-
26 FA M Í L I A S N O D E G A S E

vista, também acrescentamos uma dimensão qualitativa ao


buscar captar as falas de diferentes sujeitos. A vantagem das
perguntas fechadas do formulário foi a da possibilidade de
uma análise quantitativa com uma maior uniformidade nas
respostas e a desvantagem foi a de que, normalmente, tem-
se um baixo índice de respostas e uma maior rigidez destas.
Portanto, mesclamos perguntas fechadas e outras abertas,
pois possui como vantagem a aproximação exata à dimen-
são qualitativa e uma flexibilidade maior, além de permitir
a observação do entrevistado, possibilitando captar as suas
emoções e estabelecer um relacionamento de confiança. Por
isso é que criamos um instrumento que mesclasse as vanta-
gens das perguntas fechadas com as vantagens das pergun-
tas abertas. Esse formulário/roteiro de entrevista foi aplica-
do pelos pesquisadores, junto às famílias, recolhendo dados
quantitativos, enquanto também se aproximavam das falas,
das representações e das motivações dos entrevistados.
O processo da entrevista é visto seguindo a orientação
de Bourdieu (1997), sempre como um caso particular de inte-
ração entre um sujeito pesquisador e um sujeito pesquisado.
Este autor enfatiza a necessidade de compreender a entre-
vista como uma relação social que, necessariamente, exerce
efeitos sobre os resultados obtidos. Bourdieu sinaliza ainda a
necessidade de, no processo de entrevista, buscar o estabele-
cimento de uma comunicação não violenta e de uma escuta
ativa e metódica, afastada tanto da “pura não intervenção”,
quanto do dirigismo.
É importante aqui uma pequena digressão acerca da
fonte oral que foi tão central em nossa pesquisa. A fonte
oral (Portelli, 2010) permite o conhecimento da história não
oficial, do cotidiano, da escuta daqueles considerados como
“Outros” em uma história escrita, geralmente por homens
brancos, heterossexuais e dominantes. A história oral permite
o acesso às falas das mulheres, dos pobres, dos negros, dos
NIVIA VALENÇA BARROS 27

loucos, dos encarcerados, enfim, dos “derrotados”, que nem


sempre dominam a palavra escrita. A história, normalmente
é escrita pelos vencedores (Benjamim, 1992). O recurso da
história oral como método de pesquisa nos possibilita o afas-
tamento de uma macro visão histórica e permite conhecer
os pequenos acontecimentos, os olhares, o cotidiano, o dia
a dia das pessoas “comuns”. Não é à toa que Paul Thompson
(1992) já afirmava, no século passado, que a característica
democrática está presente na história oral, pois ela “insufla
vida na história”. Por isso, o privilegiamento, neste projeto,
do trabalho com a fonte oral.
A discussão metodológica acerca da história oral che-
gou ao Brasil nos anos 1960. Meihy (2000) destaca exata-
mente a perspectiva política e democrática presente em seu
surgimento afirmando que “a novidade de uma história oral
de pessoas anônimas e a força das transcrições completas de
depoimentos representou um avanço diferenciado da prática
que prezava ‘a busca da verdade’, em detrimento do ‘registro
da experiência’” (MEIHY, 2000, p.92), ainda que ausências
continuem marcando essa história. Da mesma forma, Pol-
lak (1989) aponta que “ao privilegiar a análise dos excluídos,
dos marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a
importância de memórias subterrâneas que, como parte in-
tegrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõe à
‘Memória Oficial’” (POLLACK, 1989, p.04). É dessa análise
que optamos por nos aproximar, na constituição deste livro.
Outra dimensão metodológica importante foi o uso
da etnografia como recurso e (Agier, 2015; Martins, 2013;
Mills, 1972) que garantiu a descrição densa e reflexiva de
diferentes realidades. Orientamos todas as pesquisadoras
em relação ao cuidado com o momento de entrada em cam-
po e a respeito da necessidade de constituição de um diá-
rio de campo (Weber, 2009), profundamente útil para nos
aproximarmos das falas dos sujeitos, como veremos no ca-
28 FA M Í L I A S N O D E G A S E

pítulo que trata dos registros dos entrevistados. Considera-


mos, também, que realmente não há uma separação entre
o trabalho científico e a vida social, questão já tratada por
Mills, (1972), pioneiro na discussão do chamado, artesanato
intelectual. Essa noção é importante por mostrar que não
existe um hiato entre nós, enquanto pesquisadoras - mui-
tas de nós também funcionárias do próprio DEGASE - e as
questões com as quais nos defrontamos.

Qu e stõe s Centrais da Pe squisa

O ser humano carrega as marcas da vida e das rela-


ções, que se constroem cotidianamente, formando redes de
sociabilidades. Os habitus (Bourdieu, 1997) constituem a di-
mensão central que envolve aspectos sociais, culturais, eco-
nômicos e espaciais. A dimensão de gênero vista de forma
interseccional, é a linha que percorre nosso estudo e, por-
tanto, nossas análises. A interseccionalidade está presente
ao nos debruçarmos sobre estas famílias, especialmente so-
bre as falas de mulheres, destacando as relações de gênero,
raça, classe, sexualidade e a questão geracional, bem como a
territorial. A territorialidade também é marcada como uma
dimensão importante para conhecermos os adolescentes e
suas famílias. “Nos itinerários entre a rua e a casa, territo-
rialidades são constituídas em busca de acolhimento e segu-
rança. Nesse percurso, a família se coloca como lugar privile-
giado do exercício de sociabilidade” (AZEREDO, 2012, p.25).
Ao pensarmos em famílias, dentro de uma realidade
moderna, precisamos compreendê-las em sua complexidade
e pluralidade compostas por sujeitos capazes de mudanças
e transformações constantes e contínuas, entendendo que
tratamos de uma multiplicidade de tipos familiares. Por isso,
NIVIA VALENÇA BARROS 29

fazemos menção ao termo “Famílias”, no plural o que “signi-


fica pensá-las em suas relações tanto com a sociedade mais
ampla onde se inserem, quanto, também, nas formas como
estas se atualizam na vida diária das pessoas que lhe dão
concretude” (FREITAS; BRAGA e BARROS, 2010, p.16). Des-
sa forma, pensar as famílias a partir de um único arranjo e
parâmetro é impossível, visto que a realidade apresenta um
conjunto de arranjos familiares.
De igual modo, Mioto (2010), destaca a necessidade
do reconhecimento das famílias como um espaço altamen-
te complexo e que se reconstrói histórica e cotidianamente
por meio das relações e negociações que se estabelecem en-
tre seus membros e outras esferas da sociedade, tais como o
Estado e o Mercado. Da mesma forma, é importante a des-
construção dos papéis de gênero em relação às famílias, es-
pecialmente, para se evitar um julgamento moral: as famílias
estão mudando e, junto com estas, os papéis de mulheres e
homens. O que convém destacar é que as estruturas e mode-
los familiares sofrem diversas modificações ao longo da His-
tória e principalmente, não existe um modelo único para se
pensar as famílias. Em razão disso, a compreensão de famí-
lias - no plural - perpassou essa pesquisa, desde o seu início
(Freitas; Braga; Barros, 2010).
As famílias têm sido, historicamente, um importante
mecanismo de proteção social, mas também são um dos es-
paços de convivência mais perigosos. As estatísticas acerca
da violência doméstica contra mulheres, crianças, adolescen-
tes e idosos não deixam dúvidas a esse respeito. Por outro
lado, como afirma Roseneil (2006), pelo menos no que se
refere às sociedades ocidentais, a chamada “família conven-
cional” é, cada vez mais, uma prática minoritária. Para ela, a
sociologia continua a segregar o estudo do amor, da intimi-
dade e do cuidado vividos para além da realidade familiar,
como é o caso da amizade, relação especialmente importante
30 FA M Í L I A S N O D E G A S E

no cotidiano de lésbicas e gays. Roseneil, como outros auto-


res, entende que essas transformações teriam ocorrido como
resultado das transformações sociais, como o fortalecimento
da intimidade, do reconhecimento de sexualidades alterna-
tivas ao padrão social, do aumento da taxa de divórcio, dos
nascimentos fora do casamento, da monoparentalidade, da
existência de famílias unipessoais e da ausência de filhos.
Tais transformações perpassam da mesma forma,
a realidade brasileira. A partir de meados da década de 1960,
as famílias foram se tornando ainda mais complexas (Singly,
2007), distanciando-se do padrão construído pela modernida-
de, a família nuclear, intimista. Seguindo uma tendência inter-
nacional, as famílias brasileiras se modificaram. O número de
casamentos diminuiu, aumentando o número de coabitações.
Por outro lado, houve o aumento também das separações e de
novas uniões, demonstrando a insatisfação com um modelo
familiar baseado no patriarcalismo e no comprometimento
duradouro de seus membros (Castells, 1999). A composição
das famílias se modificou, aumentando o número de casais
sem filhos e as famílias monoparentais, principalmente as
chefiadas por mulheres. Essas, contudo, permanecem sendo
as principais agentes nos cuidados com a casa e com a prote-
ção no interior das famílias em favor das crianças, idosos ou
pessoas doentes, mesmo as que estão inseridas no mercado
formal de trabalho. A escuta das mulheres entrevistadas du-
rante a pesquisa confirma o acerto dessa afirmação.
Nossa Constituição Federal define “Famílias” como
a realidade envolvendo mulheres e homens em condição de
igualdade, mas também a comunidade formada por qualquer
um dos cônjuges e seus descendentes, compreendendo, assim,
tanto a união formada pelo casamento, como a união estável
entre um homem e uma mulher, incluindo ainda a possibili-
dade da família monoparental. O reconhecimento das relações
homoparentais não aparece na Constituição, mas hoje faz par-
NIVIA VALENÇA BARROS 31

te de inúmeras reflexões e vem sendo debatida no Legislativo.


O fato é que a ampliação dos significados do termo família está
em curso em decorrência da complexificação social existente,
como também das lutas que os vários movimentos feministas
e LGBTI+, em sua maioria, vêm protagonizando na sociedade.
As possibilidades legais de dissolução dos lares e a redução do
número de casamentos têm modificado o padrão de organiza-
ção das famílias baseadas no modelo patriarcal, fazendo surgir
“novos arranjos”. Mesmo que ainda não possamos falar do fim
da família patriarcal, não há dúvidas de que a família baseada
neste modelo está mudando.
A criação de redes sociais próximas é uma prática que
caracteriza a sociedade brasileira (Sarti, 2003; Fonseca, 2002).
Como enfatiza Sarti (2003), as famílias não devem ser vistas
como núcleos, mas como redes que se ramificam e envolvem
a gama de parentes e vizinhos.

As camadas mais empobrecidas sempre procu-


raram ou foram impelidas a constituir alianças e
parcerias, que poderiam ser consolidadas através
de parentes e vizinhos, entre outros. As redes de
sociabilidade, neste sentido, contextualizam o cam-
po, historicamente construído através dos vínculos
estabelecidos individualmente, em grupos e através
de entidades organizadas em níveis formais e infor-
mais. Tais vinculações refletem e estão implicadas a
construções objetivas e/ou subjetivas, intencionais
ou casuais, dependendo dos espaços sociais e dos
contextos inerentes de forma bastante dinâmica
(BARROS, 2005, p.81).

A perspectiva de compreender a família como uma


realidade em rede e não nuclearizada deve-se, em grande
parte, aos estudos antropológicos como os de Claudia Fon-
seca (1990 e 2002) e Cinthya Sarti (2003). Será interessante
32 FA M Í L I A S N O D E G A S E

ver como essa realidade se mostra hoje, no cotidiano das


famílias do DEGASE.
Uma dimensão importante ao falarmos de famílias em
um modelo de conjugalidade assentado na dicotomização pú-
blico/privado é o fato de que as mulheres estão cada vez mais
fora do chamado mundo privado, especialmente as mulheres
pobres. Com a “saída” cada vez maior das mulheres para o
mercado de trabalho, modificações importantes aconteceram
nas famílias tradicionalmente fincadas no papel da mulher
em casa. Nas últimas décadas do século XX, a participação
da mulher no mercado de trabalho, formal e informal, afetou
sensivelmente as relações no interior das famílias, provocando
mudanças radicais em suas estruturas e nas formas de cuidado
e proteção. Se antes a casa, espaço doméstico, era de maneira
ideal, considerado “naturalmente” feminino e o sustento pro-
vinha apenas do homem, com os possíveis ganhos das mulhe-
res sendo vistos como “complementares”, as mulheres passa-
ram a contribuir, cada vez mais com o orçamento doméstico,
desempenhando um papel fundamental na vida econômica da
família, especialmente nas casas de famílias onde inexiste a
presença masculina. Isso gerou o aumento do poder de barga-
nha da mulher no ambiente doméstico (Sarti, 2003). Contudo,
o aumento do número de mulheres no mercado assalariado
não tem sido acompanhado por grandes avanços no que diz
respeito à igualdade de condições em relação aos homens. Par-
tilhar esses espaços ainda é um desafio para as mulheres que
continuam a gastar grande parte de seu tempo com as tarefas
da casa. Conciliar geração de renda com as responsabilidades
domésticas tem sido um grande desafio para as mulheres, es-
pecialmente se pensarmos nas mulheres das camadas sociais
mais vulnerabilizadas, pois todo esse contexto se diferencia, a
partir de interseccionalidades, de classe, gênero e raça.
Com a movimentação de grupos de mulheres ne-
gras, latinas, indígenas e asiáticas em torno da demanda de
NIVIA VALENÇA BARROS 33

“inter-relação de raça, classe, gênero e sexualidade em sua


experiência cotidiana” (COLLINS, 2017, p.8-9), inicia-se uma
discussão em torno dessas multiplicidades de opressões.
Mas, foi a feminista negra, Kimberlé Crenshaw (2002) que
cunhou o termo interseccionalidade a partir da imbricação
entre diferentes formas de opressão e Akotirene (2018) pon-
tua que Interseccionalidade é uma ferramenta metodológica.

A interseccionalidade é uma conceituação do proble-


ma que busca capturar as consequências estruturais
e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da
subordinação. Ela trata especificamente da forma pela
qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe
e outros sistemas discriminatórios criam desigualda-
des básicas que estruturam as posições relativas de
mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, a
interseccionalidade trata da forma como ações e polí-
ticas específicas geram opressões que fluem ao longo
de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ati-
vos do desempoderamento (CRENSHAW, 2002, s/p).

Articular gênero, classe social, raça/etnia e diversida-


de sexual proporciona uma interessante linha de investiga-
ção. Afinal, mulheres negras, pobres, lésbicas e de famílias
monoparentais estão na base da pirâmide da vulnerabilidade
e se constituem como usuárias potenciais do serviço social
no Brasil. Magali Almeida (2016) traz a expressão “filhas de
estranhos” para se referir às famílias negras e o seu cotidiano
em nossa sociedade, vistas sempre como estranhas, violen-
tas, e “problemáticas”. Essa autora enfatiza a falta de estudos
acerca dessa população, sobre a qual recaem muitas das po-
líticas sociais. Segundo Almeida:

“estudos apontam que as desigualdades étnico-ra-


ciais em intersecção com outras formas de iniqui-
34 FA M Í L I A S N O D E G A S E

dades, como a discriminação de gênero e as desi-


gualdades socioeconômicas acarretam uma maior
exposição das famílias negras a situações de vul-
nerabilidade – individual, social e programática”
(ALMEIDA, 2016, p.5-6).

Tal questão é confirmada por SANTOS (2013, p.43), ao


destacar que os acessos precários à infraestrutura de sanea-
mento básico, aliados às condições de desigualdade trazem
como resultados, “agravos para a saúde das famílias negras
e pobres, comprometendo sua qualidade de vida”. Famílias
chefiadas por mulheres negras estão na base da pirâmide de
vulnerabilidade. Por isso, grande parte das políticas sociais
no Brasil, tem estas famílias, e por implicação, essas mulhe-
res, como alvo. Esta situação torna necessário conhecer as
famílias em seus diversos ângulos e não reproduzir concep-
ções que remetem à existência de família estruturada e de-
sestruturada (Freitas; Braga; Barros, 2010).
São muitas as vulnerabilidades vividas por essas famí-
lias. Para CALDEIRA (2000, p. 343) “a experiência da violên-
cia é uma experiência de violação de direitos individuais ou
civis, e, portanto, afeta a qualidade da cidadania brasileira”.
Embora o Brasil seja considerado uma democracia política e
os direitos sociais sejam razoavelmente legitimados, os as-
pectos de cidadania são continuamente violados. As famí-
lias convivem com as vulnerabilidades e violências, afetadas
cotidianamente em seus territórios, pela violência urbana.
Aqui, esta opressão é entendida como uma violência estrutu-
ral, que se encontra articulada a outras duras questões como:
desigualdades sociais, milícias, tráfico de drogas e a segre-
gação territorial. A inviabilização das camadas mais pobres
para a garantia de bens e serviços ocorre de modo oposto
à extrema visibilidade, na divulgação de crimes e de outros
aspectos ligados a estigmas sociais. A violência urbana tem
forte presença na maior parte dos países, ocupando signifi-
NIVIA VALENÇA BARROS 35

cativo espaço nas mídias contemporâneas e está atrelada ao


cotidiano de vida das grandes cidades.

A violência urbana é o centro de uma gramática que


produz uma compreensão prático-moral de boa par-
te da vida cotidiana nas grandes cidades. Ninguém
precisa definir a expressão, porque ela é a referência
que confere sentido às atividades e ao debate coletivo.
Nesse sentido, a violência urbana articula um comple-
xo de práticas que constituem boa parte do conflito
social nas cidades brasileiras (SILVA, 2010, p. 286).

Corrobora para o efeito da violência urbana, a inten-


sa atuação da mídia na propagação da “cultura do medo”,
devido à exposição diária de casos violentos. O conceito
de violência simbólica foi criado pelo francês Pierre Bour-
dieu para descrever o processo pelo qual a classe domi-
nante impõe seu modo de pensar ao restante da sociedade
(BOURDIEU, 2003, p. 47). A violência simbólica, desse modo,
pode ser compreendida como um meio mais sutil de domi-
nação e exclusão social. “O que denomino de violência sim-
bólica ou dominação simbólica, ou seja, formas de coerção
que se baseiam em acordos não conscientes entre as estru-
turas objetivas e as estruturas mentais” (BOURDIEU, 2012.
p.239). Apesar desta violência não ser tão visível quanto a
agressão física, não é menos nociva, pois pode agregar ao
indivíduo conceitos e regras que fazem-no permanecer sem-
pre na posição de dominado. No caso de nossos estudos a
respeito dos adolescentes negros, pobres e envolvidos em
atos ilícitos, é importante ressaltar que a forma pela qual a
sociedade brasileira os vê ou não deseja enxergá-los, é tão
ou mais danosa que as manifestações mais abertas de violên-
cia e representa um perigo constante, uma vez que pode ser
convertida em agressões físicas. Desta forma, todos passam
a acreditar que estão inteiramente vulneráveis ao fenômeno
36 FA M Í L I A S N O D E G A S E

da violência. O desdobramento desse processo produz uma


imagem de criminalidade ou de cumplicidade em crimes em
relação a determinados segmentos da população. Os efeitos
desse enquadramento de criminalização das populações e de
moradores dos territórios vulneráveis são perversos. Neste
contexto, também passa a existir a relação indissociável en-
tre violência urbana, violência estrutural e criminalização da
pobreza. Segundo BOULDING (1981, p. 265-279), o conceito
de violência estrutural:

[…] oferece um marco à violência do comportamen-


to, se aplica tanto às estruturas organizadas e institu-
cionalizadas da família como aos sistemas econômi-
cos, culturais e políticos que conduzem à opressão de
determinadas pessoas a quem se negam vantagens
da sociedade, tornando-as mais vulneráveis ao sofri-
mento e à morte. Essas estruturas determinam igual-
mente as práticas de socialização que levam os indi-
víduos a aceitar ou a infligir sofrimentos, de acordo
com o papel que desempenham.

Na sociedade brasileira, as crianças e os adolescentes


representam a parcela mais exposta às violações de direitos,
apesar de estarem definidos e defendidos na Constituição
Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente -
ECA (Lei 8069/90). Há uma dicotomia entre os movimentos
de direitos humanos para a infância e juventude: de um lado
apresentam-se muitas conquistas no plano da legislação; do
outro, existe um contexto paralelo de violências e de exclu-
são, como atestam as estatísticas sobre o fracasso e a evasão
escolar, a exploração do trabalho juvenil, o abuso e a explo-
ração sexual, a fome, a tortura, as prisões arbitrárias e o alto
índice de homicídios entre os jovens.
Os adolescentes e jovens também são constantemen-
te arregimentados para o “trabalho com o tráfico de drogas”.
NIVIA VALENÇA BARROS 37

Segundo Adorno (2003), frequentemente se fala a respeito


de crianças e adolescentes como se fossem os responsáveis
pelo crescimento da violência urbana nas grandes cidades
brasileiras, veiculam imagens que mostram frequentes as-
sociações com o crime, especialmente os crimes violentos,
como os homicídios. Na mídia impressa e eletrônica, co-
tidianamente, propagam-se imagens apresentando indiví-
duos desses grupos etários cada vez mais precocemente,
cometendo audaciosas ações, sobretudo, com a devastadora
imagem do envolvimento com o tráfico de drogas e o vício
pelo uso de crack.
As crianças e adolescentes que fazem parte de contex-
tos de extrema vulnerabilidade, em situação de rua, no tráfi-
co ou como usuários de drogas nas Cracolândias dos centros
urbanos, vivenciam múltiplas expressões da violência, são
alvos de estigmas e punições que, descoladas de mudanças
estruturais, só os colocam em evidência, sem, contudo, al-
terar os contextos nos quais convivem. Representam, assim,
a verdadeira banalização e naturalização societária da desi-
gualdade e da violência.
O enquadramento de adolescentes pretos e pobres
nestes contextos é utilizado como justificativa para o genocí-
dio e encarceramento desse grupo da população. O conceito
de genocídio aqui utilizado, também abrange os homicídios
cometidos por questões raciais, dos quais meninos pretos e
pobres são vítimas frequentes.
A definição de adolescência aqui utilizada é emba-
sada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que no
Art. 2º considera como criança, “(...) a pessoa até doze anos
de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e de-
zoito anos de idade”. No Art. 6º é mencionada a “(...) condi-
ção peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento”. Desse modo, destacamos que os adoles-
centes envolvidos com a violência urbana e em atos infra-
38 FA M Í L I A S N O D E G A S E

cionais ou ilícitos, para efeito deste trabalho, precisam ser


compreendidos como sujeitos de direitos que necessitam de
proteção integral. Todavia, esta compreensão ainda está lon-
ge de se concretizar nas políticas públicas e no cotidiano da
sociedade brasileira, pois vivemos um paradoxo entre vio-
lência e democracia (Caldeira, 2000; Peralva, 2000; Azevedo
M. A., 2005, Abdalla, 2013).
As imagens que destacam crimes, principalmente os co-
metidos por adolescentes e jovens pretos, pardos, procedentes
dos estratos socioeconômicos mais pobres de nossa sociedade,
reforçam as práticas de criminalização da pobreza. Contudo,
também são estes adolescentes que compõem os segmentos
mais vulneráveis e estão mais expostos a todo tipo de vio-
lência extrema, como por exemplo, a morte por homicídio.
Os jovens, em especial os pretos e pardos, oriundos de fave-
las e zonas urbanas periféricas, fazem parte do grupo mais
atingido pela violência no Brasil, de acordo com o Mapa da
Violência (Waiselfisz, 2013; 2015). A população de adolescen-
tes negros residentes em áreas de risco social, em particular
aqueles oriundos das camadas sociais mais pobres, são os que
se encontram mais vulneráveis aos impactos da violência e
“ao terem sua imagem associada à periculosidade, estes jovens
pobres têm acesso restrito ao mercado de trabalho e ao ensino
de qualidade, prejudicando seu desenvolvimento e sua inser-
ção social” (RIZZINI, LIMONGI, 2016, p.36).
As instituições socioeducativas, ao longo da Histó-
ria, foram criadas sob o discurso de responsabilidade pelo
acolhimento, assistência, e, atualmente, pela educação/so-
cioeducação de crianças e adolescentes envolvidos em atos
infracionais. Todavia, acabaram por se transformar em al-
vos de denúncias, devido à prática de maus-tratos, violên-
cias e torturas, que passaram a fazer parte dessas histórias
institucionais que mapeiam de forma contundente, o coti-
diano dos sujeitos que deveriam estar sob os seus cuidados
NIVIA VALENÇA BARROS 39

(Abdalla, 2013). Apesar da legislação e do Sistema de Ga-


rantia de Direitos compreenderem e atuarem em prol dos
adolescentes infratores como sujeitos de direitos, parado-
xalmente, as diretrizes da doutrina da proteção integral
ainda não se efetivaram no interior das instituições criadas
para este fim.
No âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente -
ECA, para os casos de adolescentes envolvidos em atos ilí-
citos, a inimputabilidade não quer dizer irresponsabilidade.
Isto é, o adolescente, assim como a criança, não recebe, ou
não deveria receber a punição de um adulto, diante da in-
fração cometida. Portanto, eles são considerados, pela legis-
lação, como inimputáveis. A criança também é considerada
inimputável por seus atos, por isso, os pais ou seus repre-
sentantes devem comparecer com ela perante a autoridade,
enquanto se aplicam a ambos, criança e familiares, medidas
de proteção. Em relação ao adolescente, entretanto, segundo
a legislação, não deve receber a aplicação de pena e perma-
nece inimputável, estando sujeito a medidas socioeducativas,
entre elas: I) advertência; II) obrigação de reparar o dano;
III) prestação de serviços à comunidade; IV) liberdade assis-
tida; V) inserção em regime de semiliberdade; VI) interna-
ção em estabelecimento educacional; VII) além de qualquer
uma das medidas de proteção previstas no art.101, I a VI
(ECA, art. 112). Entretanto, o nível de compreensão e as pes-
quisas acerca do entrelaçamento entre o processo de constru-
ção-produção do adolescente infrator, das instituições socioe-
ducativas e dos aparatos legais, não acompanham os múltiplos
dispositivos disciplinares e de controle que essas instituições
produzem, acelerando o ritmo de crescimento da violência.
As normativas legais que se referem ao Sistema So-
cioeducativo, em suas diretrizes previstas no Estatuto da
Criança e do Adolescente - ECA, na Lei 8.069 de 13/07/1990 e
na Lei 12.594 de 18/01/2012, que institui o Sistema Nacional
40 FA M Í L I A S N O D E G A S E

de Atendimento Socioeducativo (SINASE), conforme a Cons-


tituição Federal (1988, art. 227), determina que o mesmo seja
de responsabilidade do Estado, fazendo parte do Sistema de
Garantia de Direitos a implantação e desenvolvimento do sis-
tema socioeducativo, de acordo com o princípio de proteção
integral, em referência aos adolescentes em conflito com a
lei e seus familiares, conforme previsto no Plano Nacional de
Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e Eixos Operativos
para o SINASE (Brasil, 2013). Neste processo, são privilegia-
dos eixos como: educação, saúde, segurança pública, esporte,
cultura e lazer, capacitação para o trabalho, distribuição de
renda e moradia. Os desdobramentos do atendimento a estes
eixos serão tratados nos capítulos subsequentes.

C ons i d e r aç õe s finais

Neste capítulo buscamos refletir sobre algumas refe-


rências que foram tratadas no decorrer da pesquisa Famí-
lias no DEGASE que originaram este livro. Os termos traba-
lhados contemplam tanto a parte metodológica do projeto
quanto as suas fundamentações. Consideramos, sem dúvida,
que a clareza dos termos aqui tratados se constituiu como
um grande “facilitador”, para as ações desenvolvidas durante
todo o transcurso da pesquisa, e aqui, para a familiarização
das ferramentas utilizadas e das noções que fundamentaram
o referido projeto.
Consideramos que estas referências contribuirão para
a compreensão dos conhecimentos adquiridos ao longo do
projeto, articulados aos artigos aqui apresentados. Neste
sentido, procuramos termos que foram utilizados na exten-
são do livro para assim manter uma direção para as refle-
xões e análises. Buscamos ficar atentos à complexidade desse
NIVIA VALENÇA BARROS 41

processo, pois consideramos importante destacar que não há


monopólio científico para as análises, mas é possível e ne-
cessário que sejam traçadas diretrizes para que o caminho
partilhado possua uma coesão nas pluralidades dos contex-
tos estudados.

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CAPÍTULO 2

CAMINHOS DA PESQUISA -
REFLEXÕES METODOLÓGICAS
Nivia Valença Barros
Rita de Cássia Santos Freitas
Eliza dos Santos Lopes
Tania Mara Trindade Gonçalves
Joice da Silva Brum
José Nilton de Sousa
Leandro Soares de Sousa
Maria Tereza Azevedo Silva

“Caminhante, são tuas pegadas, o caminho e nada


mais;
Caminhante, não há caminhos, se faz caminho ao
andar;
Ao andar se faz caminho e ao voltar a vista atrás;
Se vê a senda que nunca se há de voltar a pisar.”
(Antonio Machado, 1875-1939 – poeta espanhol)

N
este capítulo buscamos descrever os caminhos tra-
çados pelo projeto Famílias no DEGASE e apresen-
tamos como foi o desenvolvimento em todas as suas
fases. Decidimos narrar o modo como o projeto foi construí-
do e posteriormente, detalhamos todo o caminho seguido.
A parceria dos Núcleos de Pesquisa sobre Direitos
Humanos e Cidadania/UFF, Núcleo de Pesquisa Histórica
sobre Proteção Social/CRD/UFF com o DEGASE, através
da Escola de Gestão Socioeducativa Professor Paulo Freire
(ESGSE) é de longa data. São décadas de intercâmbio inte-
50 FA M Í L I A S N O D E G A S E

rinstitucional. Foram inúmeras realizações que vão desde


o processo de formação, com debates, encontros, capacita-
ções, cursos, conferências, até a aproximação de estudos,
projetos e pesquisas.
A proposta de elaboração deste projeto de pesquisa
consolidou uma nova etapa nesta parceria. Iniciamos esta fase
com uma reunião de sensibilização para estabelecer o proces-
so de cooperação, porém o projeto ainda não havia sido elabo-
rado. Foi dado um prazo para o trabalho de construção do Pro-
jeto de Pesquisa e a formalização de sua execução através da
cooperação técnica entre DEGASE/ESGSE e UFF. Decorrente
das discussões travadas delineou-se o projeto com a perspec-
tiva de focalização nas famílias. Após várias reuniões, come-
çamos a construir as ferramentas que seriam importantes para
viabilizar a entrada no campo e os estudos desenvolvidos.

A c onstrução do Projeto Famílias


no D E GAS E - E SG SE - UFF

O primeiro acordo quanto à ação que deveria ser de-


senvolvida era a formação dos profissionais do DEGASE, com
o objetivo de contribuir para a desnaturalização das imagens
e representações das famílias, pensando famílias no plural
(Freitas; Braga; Barros, 2010) e de forma interseccional.
A discussão sobre a definição de objetivos e da meto-
dologia da pesquisa foi de extrema riqueza e de muito traba-
lho. Para atingir os objetivos propostos, procuramos delimi-
tar de forma mais detalhada como se configura esse perfil.
Neste sentido, destacamos os seguintes itens para análise:
a faixa etária, a etnia/cor, sexo, a diversidade de gênero, a
cultura, a religião, a escolaridade, a realidade socioeconômi-
ca, a moradia e referência familiar do adolescente à época
NIVIA VALENÇA BARROS 51

do ato infracional. Procuramos, também, ponderar sobre os


dados referentes à saúde das famílias, a pessoas com defi-
ciência, ao uso de substâncias psicoativas e à violência.
No final de 2017, o projeto já estava traçado, com
objetivo definido e metodologia discutida. Passamos então
para a fase de definição das ferramentas a serem utilizadas.
Para isso, vários encontros aconteceram a fim de se pen-
sar de que modo iríamos concretizar este estudo, quais os
instrumentos a serem utilizados e como estabelecer o flu-
xo de ação. Discutimos a necessidade de construção de um
formulário/roteiro de entrevista a ser utilizado junto às fa-
mílias durante sua vinda à Unidade para visitação. A opção
foi criar um rol de eixos temáticos a serem investigados.
Os eixos definidos seriam o arcabouço das questões que
seriam abordadas. Passada essa fase, iniciamos a formula-
ção das questões. As perguntas poderiam ser respondidas
objetivamente, através de opções variadas, definidas pre-
viamente e colocadas em um quadro para as escolhas de
possíveis respostas – em modo fechado - ou com respostas
dadas livremente – em modo aberto.
A fase de elaboração do formulário/ roteiro das entre-
vistas com a definição das questões a serem abordadas exigiu
muito esforço, pois serviriam de base para as entrevistas com
as famílias. Realizamos inúmeros encontros, alternadamente
na UFF e na ESGSE, que envolveram funcionários da ESGSE,
professoras e alunos (graduação, mestrado e doutorado) da
UFF. Os encontros foram muito intensos, com muitos deba-
tes e problematizações. Houve muita polemização em torno
de cada questão discutida e só aceitamos o tópico como fina-
lizado, quando o consenso dos itens elencados foi estabeleci-
do por toda a equipe. Portanto, a construção demandou mui-
tas discussões, pois eram inúmeras as perguntas, fechadas e
abertas, que se pretendia incluir. O debate da inclusão dos
dados e sua importância exigiu que a equipe fundamentasse
52 FA M Í L I A S N O D E G A S E

a necessidade do item. Todos os itens elencados seriam ar-


mazenados em um banco de dados elaborado exclusivamen-
te para o projeto. A preocupação era a de que cada aspecto
presente pudesse abranger, o mais completamente possí-
vel, o universo das diversas formas de composição familiar.
Quando havia concordância, as questões eram incluídas no
formulário. Mesmo assim, no decorrer da pesquisa, o roteiro
teve três versões, porque, à medida que íamos a campo, veri-
ficávamos a necessidade de mudanças.
Durante esse processo, realizávamos cursos e seminá-
rios. Os cursos de capacitação também nos proporcionaram
novas perspectivas sobre o material desenvolvido pela equi-
pe do projeto. Através das discussões sobre o instrumental,
com a contribuição dos servidores de outras Unidades, a par-
tir de suas vivências em campo, foi possível incluir, excluir e
repensar as questões formuladas.
Com o formulário/roteiro da entrevista pronto, a preo-
cupação foi a de avançar com as negociações com as insti-
tuições, para a entrada da equipe nas Unidades. Para tanto,
eram realizadas reuniões na ESGSE e na UFF. Nesse proces-
so, também eram pensadas as estratégias necessárias para a
execução da pesquisa. O formulário se constituía como um
elemento de ligação entre os objetivos propostos e os dados
trazidos pelas famílias. Talvez esse tenha sido o grande desa-
fio de sua elaboração. Esse processo derivou nas definições
dos eixos temáticos que foram incluídos nas perguntas do
formulário, visando subsidiar a equipe de pesquisadores no
momento das análises e confecção dos relatórios.
Após as discussões e testes sobre o formulário, bus-
camos auxílio no programa IBM SPSS para criar um banco
de dados capaz de viabilizar a leitura agregada das informa-
ções coletadas durante as entrevistas. Posteriormente, foram
feitos os cruzamentos de variáveis com comparações entre
os casos, destacando as nuanças e as evidências das famílias
NIVIA VALENÇA BARROS 53

dos(as) adolescentes em cumprimento de medidas socioedu-


cativas, nas Unidades do DEGASE.
Para a realização da pesquisa e para as futuras publi-
cações dos seus resultados, submetemos a proposta ao Comi-
tê de Ética em Pesquisa da UFF. A inscrição da pesquisa na
Plataforma Brasil requisitou que toda a equipe de execução
da pesquisa estivesse inscrita como pesquisadoras e pesquisa-
dores nessa plataforma. Para tal, era preciso que todos tives-
sem o currículo Lattes. Isto demandava que os profissionais
do DEGASE, além dos docentes e estudantes da UFF, estives-
sem inscritos na Plataforma Lattes, para realizar a sua inser-
ção como pesquisadores. O site da Plataforma Brasil exigia o
uso de navegadores de Internet específicos que só puderam
ser implantados nos computadores institucionais do DEGASE
com apoio do setor de informática. O conjunto destes fatores
colaborou para que a inscrição da pesquisa, para a avaliação
pelo CEP-UFF, sofresse um atraso considerável.
Após a etapa de inserção dos pesquisadores, passa-
mos para outra fase: a inscrição da pesquisa. Foi necessária
a obtenção de uma série de documentos das instituições
envolvidas. Outros documentos de praxe foram colocados,
como: projeto de pesquisa, instrumentais utilizados na
pesquisa, Termo de Consentimento Livre e Esclareci-
do (TCLE) - especialmente elaborado para a pesquisa - e
a declaração de anuência do DEGASE, para a execução da
pesquisa dentro da instituição.
A construção do TCLE, inicialmente foi realizada pelas
professoras pesquisadoras da UFF, responsáveis pelo projeto
de pesquisa, pela subcoordenadora da pesquisa na UFF e por
uma profissional da Divisão de Estudos, Pesquisas e Estágios
(DEPE) da ESGSE, que esteve à frente de todo esse processo
da Plataforma Brasil, desde a inscrição de alguns profissio-
nais do DEGASE como pesquisadores nessa plataforma, até
a inserção da pesquisa.
54 FA M Í L I A S N O D E G A S E

A Plataforma Brasil, após a primeira análise de toda a


documentação enviada, solicitou algumas alterações signifi-
cativas no instrumental, no formulário/relatório de entrevista,
bem como no modelo do TCLE. Portanto, atendendo as soli-
citações dessa Plataforma, as modificações foram efetuadas a
partir da sugestão do parecer consubstanciado emitido pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da UFF, via Plataforma Brasil,
garantindo de forma adequada todo o processo ético para a
realização da pesquisa. Essa etapa requereu alguns encontros
por parte das equipes da UFF e do DEGASE, visando todas as
adequações e revisão do planejamento da pesquisa, com base
nas exigências emitidas pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
Importante sinalizar que também foi construído pela
equipe do DEPE, o Termo de Sigilo Profissional (TSP), suge-
rido pela direção da ESGSE na época, de forma que todos os
pesquisadores se comprometessem em não divulgar os dados
da pesquisa durante o andamento da mesma, isto é, antes de
sua finalização e publicação oficial.
Por fim, em maio de 2019, o projeto foi aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa. Esta aprovação foi o resultado
de muito esforço e empenho, pois em um projeto de tamanha
dimensão, foram exigidos muitos detalhes e diversos crité-
rios estabelecidos.
A extrema preocupação com as estratégias formula-
das centrava-se no objetivo de estabelecer um universo vasto
de conhecimento sobre o campo familiar, e de investigar as
possíveis diferenças por territórios onde os/as adolescentes
encontravam-se internados. A ideia inicial da pesquisa era a
investigação de todas as Unidades, tanto das de privação de
liberdade, que são as Unidades de cumprimento de medida
de internação, como as de restrição de liberdade, as Unida-
des de semiliberdade. Mas, devido à pandemia de COVID-19,
que passou a assolar vários países no mundo, a partir do fi-
nal do ano de 2019 e tendo o Brasil uma maior intensidade
NIVIA VALENÇA BARROS 55

(registrada) no final do mês de fevereiro de 2020, a pesqui-


sa restringiu-se às Unidades de internação, com exceção do
CENSE GCA, tendo em vista a especificidade do atendimen-
to e a rápida passagem dos adolescentes pelos locais.
Após todo o processo de construção do projeto, no fi-
nal de 2018, esta fase foi finalizada e teve início a etapa de
preparação para a entrada em campo.
Durante a etapa do planejamento, procuramos pen-
sar nos detalhes, como o planejamento das datas, a dinâmi-
ca a ser estabelecida no interior das Unidades, a marcação
do transporte, a alimentação, a impressão dos formulários/
roteiro de entrevista e demais instrumentos, dentre outras
ações. Para a entrada nas Unidades, foi necessária a am-
pliação da quantidade de pessoas envolvidas no projeto.
Os cursos abertos aos alunos da UFF foram essenciais para a
ampliação do número de discentes no projeto e para a divul-
gação das ações e preparo da equipe.
Como participação na pesquisa, representando a UFF,
contávamos com uma equipe composta pelas coordenadoras,
professoras e alunos da graduação e pós-graduação, mestra-
do e doutorado. A ESGSE participou através de membros da
equipe técnica, que foram também protagonistas na elabora-
ção do projeto, além de uma funcionária administrativa que
lançou um determinado número de formulários no banco de
dados, juntamente com a equipe da UFF.
Foi estabelecido como critério no processo de pesqui-
sa, que haveria reunião de planejamento antes de cada en-
trada na Unidade e reunião de avaliação após a aplicação
do formulário/roteiro de entrevista. Também ficou acorda-
do que haveria reuniões para construção do relatório final,
objetivando a edição de um livro que seria lançado com o
resultado de toda a pesquisa.
Para iniciarmos o trabalho de campo, realizamos uma
ação piloto em uma das Unidades, para avaliarmos previa-
56 FA M Í L I A S N O D E G A S E

mente o processo e constatar se os instrumentais elabora-


dos eram adequados. Este foi o primeiro momento em que
o formulário/roteiro de entrevista foi aplicado junto ao pú-
blico-alvo da pesquisa. Algumas questões foram levantadas
pelos(as) pesquisadores que aplicaram o instrumento e pre-
cisaram ser repensadas em equipe.
A partir da ação piloto, foi definido o Cronograma de
Operacionalização, construído o Manual de Orientações para
aproximação com as equipes das Unidades e elaborada a lis-
ta de tarefas com tudo que seria necessário. Nesta listagem,
havia a definição dos procedimentos que deveriam ser exe-
cutados com antecedência: preparar comunicações internas,
realizar contatos telefônicos, enviar e-mails ou mensagens.
Antes da entrada no campo para as entrevistas, era feito o
contato com a direção da Unidade, equipe de agentes e equi-
pe técnica, como também, houve o cuidado de marcar com os
agentes de plantão e a aproximação com os profissionais que
estariam trabalhando no dia da realização das entrevistas.
Além dos instrumentais de acompanhamento e mo-
nitoramento das ações de pesquisa mencionados, foi cria-
da uma Cartilha com informações referentes ao DEGASE/
Socioeducação, visando orientar os envolvidos na pesquisa.
Com o objetivo de sistematizar as informações do processo
de trabalho, foi criado também o Livro de Registro das Ações,
exclusivo da pesquisa. A construção de tais instrumentos foi
muito importante para o desenrolar do projeto.
Como parte essencial nessa trajetória, destaca-se a
participação dos alunos. Os discentes foram recrutados espe-
cificamente para a aplicação dos formulários/roteiro da en-
trevista. Foram realizados vários treinamentos e cinco cursos
de capacitação para esses alunos e demais funcionários do
DEGASE, com o intuito de abordar os objetivos da pesquisa
e para orientação quanto à aplicação do formulário. A pre-
sença nos cursos foi um critério exigido para a participação
NIVIA VALENÇA BARROS 57

na pesquisa. Assim, contamos com graduandos dos cursos


de Serviço Social, em sua maior parte, Pedagogia, Relações
Internacionais, Segurança Pública, Letras, História, Ciências
Sociais e Psicologia.
Nesses cursos, os objetivos a serem alcançados eram:
1) problematizar e desnaturalizar as noções de família, infân-
cia e adolescência; 2) discutir a Proteção Social de crianças e
adolescentes apresentando, nesse sentido, o DEGASE como
elemento chave nessa rede e, por fim, 3) a discussão meto-
dológica sobre a realização de entrevistas e apresentação do
formulário a ser aplicado. Normalmente, o curso terminava
com uma oficina para o treinamento das entrevistas a serem
realizadas. Para a entrada nas Unidades, recomendava-se
que os alunos construíssem seus Diários de Campo e manti-
vessem uma observação atenta.
Para que fosse possível a participação dos alunos na
pesquisa, o DEGASE disponibilizou transportes para o des-
locamento até as Unidades a serem visitadas. Os ônibus ou
vans saíam muito cedo do DEGASE - Ilha do Governador e
iam até a UFF - Campus do Gragoatá ou Campus do Valon-
guinho em Niterói, de onde seguiam para a Unidade. Nor-
malmente, às 7 horas da manhã, os veículos chegavam e os
alunos já estavam esperando. Este processo, aparentemente
simples, de encontro nos locais pré-determinados para a ida
às Unidades, demandou responsabilidade e uma infraestru-
tura organizada, sendo necessário um acordo com o setor de
transporte do DEGASE, liberação e designação dos gestores,
de agentes e motoristas, contato prévio da equipe técnica,
entre outras ações. A resposta dos alunos foi positiva, mes-
mo com todas as dificuldades. Muitos tinham que se deslocar
de suas casas até a UFF bem cedo, alguns saíam duas horas
antes para chegar à universidade no horário adequado.
Durante o trajeto e nas Unidades, os alunos seguiam
uma direção ética de conduta previamente definida e acor-
58 FA M Í L I A S N O D E G A S E

dada. Como vivíamos, em 2018, um momento politicamente


conturbado e polarizado, devido ao período eleitoral, em que
predominavam os discursos de ódio e os preconceitos com
as universidades, tivemos bastante cautela. Os alunos da UFF
são reconhecidamente críticos e combativos. Os motoristas
designados para dirigir os veículos e alguns agentes das
Unidades, nem sempre conseguiam lidar com a diversidade
de opiniões. Os alunos responderam muito bem aos treina-
mentos, não aceitaram nenhum tipo de provocação e man-
tiveram-se alinhados às direções dadas e aos objetivos da
pesquisa. Eles também foram fundamentais para o armaze-
namento do material coletado no banco de dados. Além, das
contribuições, das observações e dos relatos trazidos, que se
constituíram em importantes elementos para entendermos a
configuração do campo de forma mais ampla.
Para a conclusão da pesquisa, foi realizada a análise
dos dados. Esta avaliação estabeleceu os resultados e en-
volveu dois momentos: a análise dos dados recolhidos nas
entrevistas, que foram tabulados e nos possibilitou traçar o
perfil das famílias atendidas (esses dados serão apresenta-
dos no próximo capítulo), e o segundo momento, que nos
possibilitou o resgate e a análise das falas ouvidas durante
esse processo. Foram muitas, as falas anotadas nos diversos
diários de campo, mas também marcadas em nossas cabeças.
Foi novamente uma fase demorada, na qual caminha-
mos de acordo com nossas possibilidades, sendo novamente
possível estabelecer um diálogo entre o chamado universo
acadêmico e o de atuação profissional. O grupo foi dividi-
do em três direções: um grupo se debruçou sobre a narrati-
va da trajetória de pesquisa; outro se dedicou à análise dos
dados, e um terceiro mergulhou nas falas recolhidas. Dessa
forma, ainda que priorizando um recorte quantitativo, nunca
nos afastamos da análise qualitativa. Até porque, uma gran-
de preocupação nossa, era ouvir as pessoas e não falar por
elas. Por isso, a importância de uma entrevista que deve ser
NIVIA VALENÇA BARROS 59

entendida, conforme nos aponta Bourdieu (1998), como um


encontro que modifica duas pessoas.
Mas, o fato de termos nos dividido não significa que o
estudo foi fragmentado. A leitura atenta e a participação em
mais de um grupo, assim como a interação entre os grupos
nas reuniões maiores, permitiu não apenas uma maior troca,
mas também a unidade que percorre os textos.
Nossa última tarefa será a devolução dos dados para
o DEGASE, a partir de seminários, nos quais pretendemos
apresentar os resultados da pesquisa.
Entretanto, para chegarmos à conclusão do projeto, é
importante detalhar o trabalho de campo, as observações ob-
tidas e os dados coletados. Os procedimentos iniciavam-se,
no mínimo, duas semanas antes da data prevista para a ida
às Unidades.
Nas Unidades, o processo de sensibilização das famí-
lias e das equipes de profissionais do setor, se constituiu como
estratégia fundamental para o bom andamento da pesquisa.
Eram realizadas articulações com os gestores e agentes an-
tes da entrada nas Unidades, pela direção da ESGSE e, mui-
tas vezes, por outros membros da equipe técnica da ESGSE.
As sensibilizações com os familiares podiam ser realizadas
nas filas, de forma individual e em grupo. Poderiam ocor-
rer também nos auditórios ou em outros locais em grupo,
de acordo com a dinâmica de cada Unidade. Ainda durante
a sensibilização, avaliávamos a possibilidade das entrevistas
serem realizadas em um só turno ou nos dois turnos, caso
fosse possível. Cada Unidade tem uma maneira própria de
administrar o processo de visitas e, portanto, as nossas ações
se diferenciavam de acordo com os locais da pesquisa.
As idas às Unidades exigiam muitos preparativos
e cuidados. Contudo, tais cautelas não impediram que o
grupo de pesquisa vivesse situações complexas, principal-
mente por questões de hierarquizações e extrapolações do
poder institucional. Mas, também foi possível perceber que
60 FA M Í L I A S N O D E G A S E

nas Unidades onde houve uma preparação prévia, o traba-


lho transcorria melhor e os funcionários que se dispunham
a receber a equipe, eram mais solidários, prestativos e aten-
tos às nossas necessidades.
Para a entrada nas Unidades, prevista para 2018 e
2019, foi feito um planejamento do calendário. Assim, em
2018 foram feitas pesquisa nas Unidades: CAI, EJLA, PACGC
e ESE. As demais, devido à distância e logística na operacio-
nalização e, também considerando o manejo do grupo com
a pesquisa, ficaram para 2019, como Volta Redonda, Cam-
pos dos Goytacazes e Dom Bosco. Nesse período de aplica-
ção, surgiram duas outras Unidades adequadas e preparadas
para internação, que foram o CENSE Ilha (antes CRIAAD
Ilha, restrição de liberdade) e CENSE Nova Friburgo (tam-
bém CRIAAD Nova Friburgo, restrição de liberdade) sendo
ambas incluídas no plano de 2019. O ESE foi uma unidade
pesquisada, tendo sido desativada em junho de 2019, mas já
havíamos realizado a pesquisa neste território.

O tr abalh o de campo - enc ontrando as Fa míl ias

As famílias costumam chegar bem cedo nas Unidades


para ficar nas filas. Muitas moram longe e levam muito tempo
para chegar aos locais, que estão situados de acordo com uma
abrangência de quantidades de regiões para o atendimento
ao território local. Como as regiões são muito extensas, um
mesmo território pode ser muito distante do local da Unidade.
Para exemplificar, a Baixada Fluminense é uma região com
muitos municípios e muitas distâncias, isto significa que ter
uma Unidade na Baixada, não garante a proximidade.
Quando os atendimentos se iniciam, os visitantes que
foram revistados são encaminhados para os locais de visita.
NIVIA VALENÇA BARROS 61

Só vão para o pátio receber as visitas, os meninos que terão


esse contato, enquanto a maior parte dos meninos fica nos
alojamentos. O processo de buscá-los nos alojamentos leva até
20 minutos, tempo fundamental para as visitas. Em algumas
Unidades, devido à grande quantidade de internos e o pouco
número de agentes para fazer o acompanhamento, as visitas
são divididas em dois dias. Os adolescentes, na maioria das
Unidades, ficam separados por facções às quais pertencem ou
as que lhes foram designadas pelo local de moradia.
Os pátios das Unidades são organizados nos finais
de semana para receber os familiares. Mesas e cadeiras de
plástico são montadas de forma a permitir a livre circulação
entre eles e garantir uma privacidade mínima, considerada
a natureza da instituição. Os familiares são recebidos e após
a revista, os alimentos e os produtos de higiene trazidos são
acondicionados em sacos plásticos transparentes. A maio-
ria traz biscoitos salgados de milho, achocolatados e refrige-
rantes. Alguns desses alimentos são consumidos durante as
visitas. O adolescente se apresenta vestindo o uniforme da
instituição: camiseta de algodão branca; bermuda comprida
azul ou calça e chinelos.
Existe um rígido código de conduta, estabelecido pe-
los próprios adolescentes, para o comportamento durante
as visitações, que vai desde a roupa utilizada, a maneira de
sentar-se, a forma de olhar, que deve se restringir a sua pró-
pria visita e assim evitar exposições desnecessárias, atitudes
consideradas desrespeitosas, jogos de sedução e “paqueras”,
entre outras ações.
Na entrada das Unidades, as mães, portando sacos de
biscoitos, lanches e refrigerantes, aguardam o momento para
serem revistadas. Em 2018, a Comissão de Constituição e Jus-
tiça (CCJ) da Câmara aprovou a proposta que determina o fim
da revista vexatória a pessoas que visitarem adolescentes que
cumprem medidas socioeducativas, de acordo com o Projeto
62 FA M Í L I A S N O D E G A S E

de Lei 3832/15 e o SINASE. A revista é um processo complexo


e, em muitos aspectos, constrangedor. Em 2016, o Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro, atendendo pedidos da Defensoria
Pública, proibiu a revista íntima manual para os visitantes,
mas esta continuou por longo tempo, justificada pela ausência
de aparelhos scanner. Durante a ocorrência da pesquisa, no
processo de visitação, confirmamos a presença de scanners.
Além deste exame pessoal, todo o material levado
também é vasculhado e as bolsas e mochilas são guardadas
em locais próprios. Os lanches e alimentos são abertos, co-
locados em sacos transparentes e vistoriados. Os rótulos dos
refrigerantes são retirados para possibilitar a verificação do
conteúdo das garrafas.
Como a pesquisa destinava-se às famílias, a visita aos
alojamentos dos adolescentes não estava no contexto. Con-
seguimos autorização para estar em várias áreas da institui-
ção, como refeitórios, salas de aula, pátio, área administrati-
va e técnica, mas não nos alojamentos. Em uma Unidade, foi
perguntado se os alojamentos poderiam ser visitados. Não
foi possível. Mas, no segundo dia de visitação, foi liberado
para a coordenadora geral da pesquisa, visitar um aloja-
mento. O espaço era composto por quatro camas e uma área
reservada para o sanitário. Neste pequeno local, destinado
a quatro meninos, encontravam-se 16. No espaço seguinte,
12 meninos e no próximo, mais 10 adolescentes. O ambiente
era muito insalubre, com infiltrações e sem sol. Em outra
Unidade, não havia esta superlotação, mas no espaço para
quatro adolescentes, havia oito e o clima muito frio da região
contrastava com as camas geladas de alvenaria, colchões e
cobertores muito finos.
Devido à grande quantidade de meninos na época e a
pouca quantidade de agentes, muitos adolescentes não toma-
vam banho de sol, como também nem todos frequentam a es-
cola. Estes meninos ficam trancafiados quase todo o tempo.
NIVIA VALENÇA BARROS 63

Ao pensarmos nas condições difíceis desses meninos,


comprovamos a não efetivação da socioeducação. Mesmo
nas Unidades que já seguem o modelo SINASE, as condições
dadas são inóspitas. Em locais mais frios, as camas de cimen-
to com colchões muito finos e cobertores mais finos ainda,
são situações desoladoras.

As famílias e os c ont e xtos relig io s o s

Na porta de uma das Unidades que seria visitada, as


mães, como em todas as Unidades, esperavam para poder
ver seus filhos. Em frente à porta de entrada da instituição,
em uma pequena casa, funciona um espaço de acolhimento,
chamado Casa Mãe Mulher, que funciona desde 2011, como
ponto de apoio para as mães. Lá, algumas mães esperam, re-
cebem alimentação e às vezes, uma roupa. Participam de al-
guma dinâmica, e caso necessário, recebem alguma quantia
para o transporte e oram. Segundo a administradora, o espaço
não pertence a nenhuma igreja e tem caráter inter-religioso,
sendo composto por um grupo de maioria evangélica inter-
denominacional. As mais de quarenta pessoas voluntariadas
são provenientes da Igreja Universal, Católica, Batista e As-
sembleia de Deus, e das áreas de psicologia, serviço social,
odontologia e medicina. Este grupo de voluntários sustenta
o espaço por meio de doações, organizam o planejamento do
dia a dia e o que pode ser oferecido. O espaço, segundo os
relatos daquelas que são atendidas, é importantíssimo para
dar suporte às mulheres-mães que chegam muito cedo e não
têm onde ficar, até a hora da visita.
A equipe da pesquisa, com o objetivo de conhecer o
trabalho realizado, por duas vezes foi conhecer o espaço e
questionou se este se tratava de uma ONG (Organização Não
Governamental) evangélica. A resposta obtida foi a de que
64 FA M Í L I A S N O D E G A S E

se tratava de um espaço de acolhimento ecumênico. Porém,


conforme verificado em certos dias de visita ao espaço, eram
realizados cultos evangélicos e canto coral, dos quais, as mu-
lheres atendidas participavam, almoçavam, escolhiam uma
roupa ou cuidavam de filhos pequenos enquanto aguarda-
vam o horário de visitação na Unidade. Segundo as represen-
tantes, o grupo é formado por igrejas evangélicas e católicas
e questionadas a respeito da possibilidade de existirem ativi-
dades ligadas a alguma religião de matriz africana, a resposta
dada foi a de que nunca foram procuradas por componentes
desta vertente religiosa, mas foi citado que um Centro Es-
pírita “de Mesa” manteve algumas ações de apoio, mas não
permaneceu atuando no local.
Esta CMM desenvolve um trabalho pioneiro, tendo
sido criada por uma funcionária da Unidade CAI BAIXADA,
que se preocupou com as famílias e suas dificuldades. Alguns
grupos de movimentos voltados para a mobilização e sensi-
bilização da juventude, cuja origem é proveniente das igre-
jas, também apoiam os trabalhos que lá são desenvolvidos.
Reafirmam que todo o trabalho delas visa o atendimento dos
jovens e com isso, visitam outras instituições também.
O Projeto Desperta Débora, formado por mães que
oram por seus filhos e pelos filhos das outras mães, e por
grupos como o JOCUM e o MPC, se intitulam como interde-
nominacionais e são voltados para a juventude. Recentemen-
te, outro grupo, chamado Projeto DARA passou a fazer parte
deste movimento. Ele surgiu a partir de uma mobilização das
voluntárias com a ideia de escrever cartas para as mulheres
atendidas pela CMM. No grupo das voluntárias que admi-
nistram o cotidiano da CMM, há aquelas que também fazem
parte de um dos grupos voltados para a juventude, como o
Desperta Débora, JOCUM e MPC.
Entre 2016 e 2018 foi desenvolvida outra pesquisa,
também em parceria com a UFF, mas com outro grupo de
NIVIA VALENÇA BARROS 65

pesquisa, que procurou captar dados sobre as práticas reli-


giosas e a religiosidade cotidiana no interior das Unidades
de internação socioeducativa, as interfaces estabelecidas
entre os adolescentes e a assistência religiosa prestada no
DEGASE. Esses dados mais recentes sobre a religiosidade no
Sistema Socioeducativo do Rio de Janeiro apontam para um
quadro que não é novidade, mas que merece ser enfatizado,
pois reflete o espelhamento do perfil religioso das famílias.
O número de adolescentes privados de liberdade que decla-
raram ser evangélicos pentecostais e evangélicos não pente-
costais lidera o ranking com 46%. O número de adolescentes
que não tem religião, mas crê em algo, parece ser um fe-
nômeno crescente na socioeducação, com 38%. Seguidos de
9,8% que se declaram Católicos, 2% Kardecistas, 3% Candom-
blecista e Umbandista (DEGASE; UFF, 2018).
Ao analisarmos o banco de dados da nossa pesquisa —
Famílias no DEGASE — temos um panorama e um desenho
de um perfil da distribuição das práticas religiosas, na qual
os familiares descrevem em qual religião os adolescentes em
Medida Socioeducativa foram criados, e quais são as suas prá-
ticas religiosas atuais. Ao perguntar sobre a religião que o ado-
lescente foi criado, os familiares responderam que: 36% eram
católicos; 30,6% declararam serem Evangélicos Pentecostais;
15,6% declararam que os adolescentes não têm nenhuma reli-
gião; 12,1% declararam serem Evangélicos Tradicionais (pro-
testantes históricos) e, 2,38% se declararam como Espíritas e
de religiões afrobrasileiras, como Candomblé e Umbanda.
Ao compararmos as práticas de religiosidade atual
com a religião em que o adolescente foi criado, podemos
perceber uma mudança sensível no perfil religioso do ado-
lescente em Medida Socioeducativa. Dos 36% dos adolescen-
tes criados como católicos, somente 22,3% se mantiveram na
religião. Já o número de Evangélicos Pentecostais aumentou
para 34,2%. Outro dado relevante é o aumento de 15,6% para
23,7% de socioeducandos sem nenhuma religião.
66 FA M Í L I A S N O D E G A S E

A religiosidade tem sido apresentada também como um


fator de proteção emocional. Tem sido destacado que a prática
religiosa em ambientes de privação de liberdade possibilita a
troca de valores, contribuindo para incentivar o abandono de
atitudes que infringem as regras sociais, por outras. Propicia
também valores morais que colaboram para melhor aceitação
do indivíduo para o enfrentamento das dificuldades do coti-
diano nos espaços de privação de liberdade e o realinhamento
dos vínculos familiares (Mello et al, 2013).
Cabe destacar que existe um instrumento chamado
Plano Individual de Atendimento (PIA), normatizado pela lei
12.594/12, que possibilita planejar as ações que contribuirão
para os objetivos socioeducativos, por meio de metas de cur-
to, médio e longo prazo. A equipe técnica de referência é
responsável pelo acompanhamento frequente do PIA. Neste
instrumento, produzido pelo DEGASE, existe um questioná-
rio sobre a religiosidade dos adolescentes, visando contem-
plar a garantia de direito à religiosidade.
Na busca de uma Assistência Religiosa como uma ga-
rantia de direito da criança e do adolescente, é importante
destacar que a Divisão de Serviço Social teve uma impor-
tante atuação na discussão da dinâmica de trabalho e no
acompanhamento socioeducativo, na perspectiva da inter-
disciplinaridade, bem como na humanização dos proces-
sos de trabalho, na linha do cuidado no campo da saúde do
adolescente. Além disso, em 2015, com a participação das
instituições religiosas, sistematizou as ações de Assistência
Religiosa no DEGASE, com a publicação no Diário Oficial
do Estado do Rio de Janeiro, da Carta de Princípios, como
ferramenta propulsora de uma nova visão de viés educativo,
de fortalecimento, reconhecimento e respeitabilidade insti-
tucional frente às ações dos assistentes religiosos nas unida-
des socioeducativas (Sousa, 2019).
A Carta de Princípios foi publicada em 27 de agosto
de 2015, como portaria do DEGASE nº 207 de 24 de junho de
NIVIA VALENÇA BARROS 67

2015, visando a regulamentação da prestação da Assistên-


cia Religiosa. Cabe-nos destacar que a Carta é fruto de uma
construção coletiva dialogada, refletida e acordada com as
instituições religiosas credenciadas.
No entanto, não podemos deixar de refletir acerca da
possibilidade de práticas de intolerância religiosa, a partir
do silenciamento sobre algumas religiões, especialmente as
religiões de matriz africana. Estas religiões são cada vez mais
minoritárias e vistas de forma demonizada. Vivemos um pe-
ríodo de exacerbação do conservadorismo e a ideia de um
Estado laico, com instituições laicas, tem sido negligenciada.
Ao confirmarmos a importância do Estado laico, não nega-
mos a importância de práticas religiosas, mas em espaços
públicos, estas deveriam se caracterizar pelos princípios ecu-
mênicos e não pela priorização de certas vertentes, conforme
temos presenciado historicamente.
Neste bojo, a assistência religiosa deve ser pensada
como uma concepção do direito e não da necessidade, ou seja,
a religião não pode ser uma necessidade, não pode ser um me-
canismo de entretenimento; não pode ser mais uma atividade
pedagógica de uma Unidade. Ela tem que ser uma política pú-
blica do Estado e, para isso, deve ser plural, com o máximo de
participações de orientações religiosas distintas, abrangendo
desde as religiões afrobrasileiras, até a de judeus ou muçul-
manos. Aliás, não existe nenhuma representatividade afro-
brasileira, muçulmana ou judaica no sistema socioeducativo,
embora o Estado deva ser plural e assegurar a possibilidade
de participação de diferentes representações religiosas. Esses
são os pressupostos de uma política republicana, pluralista e
baseada no adolescente.  Simões problematiza bem a questão:

“A pergunta que fica, então, é a seguinte: como pro-


mover “atividades de espiritualidade” sem privilegiar
um conjunto de crenças sobre outros? O que significa
“o respeito ao interesse dos adolescentes em partici-
68 FA M Í L I A S N O D E G A S E

par”? Que as atividades serão destinadas apenas a um


grupo de adolescentes? Como saber quais as crenças
espirituais desses jovens? (SIMÕES, 2010, p.23)

Devem ser observados os elementos e protocolos pri-


mordiais que fazem parte da legislação sobre a assistência
religiosa, na socioeducação: I) a consulta ao adolescente;
II) a necessidade manifesta pelo adolescente; III) a associa-
ção entre as crenças anteriores à internação e à assistência
religiosa. Se forem observados esses princípios no Centro de
Socioeducação, se fará valer o direito à Assistência Religiosa.

Fac ç õe s e milícias

As chamadas facções criminosas são responsáveis


pelo controle do tráfico de drogas e, normalmente, se estabe-
lecem nos territórios das comunidades mais pobres, que não
têm por parte do poder público, serviços acessíveis e ações
que lhes garantam condições dignas de sobrevivência e, por-
tanto, espaço propício para o seu desenvolvimento. Nestas
comunidades, moram famílias com filhos, tios, avós, netos...,
que lutam e sofrem, mas têm suas alegrias e conquistas tam-
bém. A associação generalista das famílias moradoras destas
comunidades ao tráfico se constitui mais uma forma de vio-
lência e permite a naturalização de múltiplas outras violên-
cias. As atividades das facções e milícias não se restringem
ao comércio de drogas consideradas ilícitas, mas também
se manifestam em um controle opressivo ou “paternalista”
desses territórios, o que não passa pela simples aceitação ou
cooptação, mas pela própria sobrevivência dos moradores.
Os grupos paramilitares ou justiceiros, por longo tem-
po em nossa história, se mantiveram presentes, mas, nas úl-
timas décadas assumiram outro modelo, o de Milícias, que
NIVIA VALENÇA BARROS 69

buscam manter o domínio a partir de práticas violentas sobre


as áreas de seu controle e sobre o pequeno comércio local.
Em uma Unidade, contabilizaram a Milícia como mais
uma facção, pois alguns meninos se diziam ligados a esta
organização. Comentavam que a Milícia, para marcar a sua
posição enquanto “influência, queimou um adolescente vivo,
para demonstrar que estava no pedaço”.
Os estudos produzidos pelo Anuário Brasileiro de Se-
gurança Pública apontam a ação de, no mínimo 37 diferentes
facções. No Rio de Janeiro destacam-se três delas: Comando
Vermelho Rogério Lemgruber, conhecido como Comando
Vermelho - CV (mais usual) ou CVRL; Amigos dos Amigos –
ADA; Terceiro Comando Puro - TCP (dissidência do Terceiro
Comando - TC).

Figura 1 - Mapa das Facções no Brasil.

         

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública1. Edição Especial, 2018.

1 O estudo mapeou quantas facções estão ativas em cada estado. No en-


tanto, a quantidade de grupos organizados não significa necessariamente,
que são as regiões mais perigosas.
70 FA M Í L I A S N O D E G A S E

Os adolescentes internos ainda são separados por


Comandos, isto é, por facções e, mesmo que não estejam
vinculados a algum grupo, são alocados nos alojamentos,
de acordo com a facção que predomina em seu território
de moradia, antes da internação. Verificamos em uma Uni-
dade, o ESE, atualmente já desativada, mas que estava em
funcionamento na época da pesquisa, que as famílias en-
contravam-se juntas nas filas do lado de fora e no interior
da Unidade eram separadas de acordo com as facções desig-
nadas pelos adolescentes.
A Unidade que se diferenciava desse processo era a
de Volta Redonda. Ali estava sendo aplicada uma iniciativa
de trabalho chamada de “não faccional”, na qual os adoles-
centes participavam de reflexões sobre o tema e, de acordo
com a sua concordância e pactuação passavam a conviver
em conjunto.
No interior das Unidades, junto aos adolescentes,
constatamos que mais de uma facção se fazia presente e que
a mesma também pode se desdobrar em subgrupos. Esse
desdobramento, de acordo com a região e a territorialização
de inserção, não conversa com o grupo de origem, sendo,
muitas vezes, até antagônico a este. Portanto, estar inserido
numa facção pode não ser “garantia de proteção”. Um ado-
lescente colocado junto com a facção de determinado local,
pode até mesmo ser hostilizado por ser da mesma facção,
mas de território diferente.
As famílias dos adolescentes do DEGASE, em sua
grande parte, residem em periferias e comunidades, em fave-
las, e convivem com o tráfico e milícias, assim como a maio-
ria da população pobre, no Rio de Janeiro. E grande parte dos
adolescentes é internada por conta do tráfico de drogas.
O “resultado de territorialização de Comunidades de
favelas pelas facções, como base logística destinada a ven-
da de drogas é a proteção, os moradores de favela têm sido
NIVIA VALENÇA BARROS 71

prejudicados” (DOWDNEY, 2004, p.80). A convivência com


o tráfico de drogas obriga os moradores a ter uma rotina de
vida muito massacrante, com pressão, em muitos casos, dos
traficantes e também do aparato policial do Estado. Este
processo impele-os a adotar estratégias de sobrevivência
para se protegerem. Em muitos territórios, seja pelo des-
caso do poder público, seja em decorrência desse contexto,
ocorrem restrições de serviços básicos, até os de entregas.
Para suprir estas lacunas, surgem serviços organizados no
interior da comunidade, ligados ao tráfico, às milícias ou
independentes, que buscam “facilitar” o cotidiano do mo-
rador, como por exemplo, os serviços de correspondência,
entregas e de transporte, através de kombis e motos.
Nas Unidades de internação é reproduzido na práti-
ca cotidiana, o que é vivenciado culturalmente no território
de moradia dos adolescentes e de suas famílias. Ainda que
não seja participante do tráfico, dependendo do bairro ou da
comunidade de origem, ou do espaço identificado como per-
tencente a uma facção, o adolescente passa a ser identificado
pelos demais, que já estão em cumprimento de medida de
internação, como sendo daquela facção.
De acordo com a Lei 8069 (1990), no Estatuto da Crian-
ça e do Adolescente existem critérios para a internação em
uma Unidade ou outra, de acordo com o Artigo 123: a com-
pleição física, a idade e a gravidade do ato praticado. A isso,
também se acrescenta o território de moradia e a facção, que
são considerados para serem integrados ao grupo de deter-
minado alojamento. O entendimento de cuidado da comuni-
dade dos atores socioeducadores é ampla e cuidadosa, que
desde o início da criação do DEGASE (1994) progressiva-
mente se intensifica, como também ocorre na dinâmica de
cumprimento de medida pelos adolescentes, maciçamente,
nas Unidades masculinas.
72 FA M Í L I A S N O D E G A S E

As e sc ol as nas Unidade s

As escolas das Unidades são estaduais, administra-


das pela Secretaria Estadual de Educação - SEEDUC, sem o
gerenciamento do DEGASE. Entretanto, a articulação entre
a Unidade do DEGASE e a Unidade Escolar ocorre no coti-
diano institucional, com as diversas equipes. Cada Unidade
de internação possui uma escola que, devido à superlotação,
não consegue atender a todos os internos, o que é uma reali-
dade de todas as Unidades.
A diversidade nas séries escolares e a necessidade de
histórico escolar para confirmação da escolaridade (mui-
tos adolescentes e nem mesmo as famílias sabem dizer qual
série cursaram ou a que pararam de cursar) são também
fatores de dificuldade nesse processo. Para além dessa con-
firmação, os níveis de aprendizado de cada um e os diver-
sos modos de aprendizagem indicam a necessidade de uma
atenção individualizada.
São poucas as salas de aula e o atendimento não atin-
ge a totalidade dos adolescentes internados. Tem meninos
que pararam de estudar antes de chegar à Unidade, cerca de
26,3%, e não conseguiram uma vaga na escola que funcio-
na no DEGASE; 31,6% das famílias entrevistadas informa-
ram que os adolescentes estão estudando nas Unidades de
internação. Outros, estudavam antes de serem apreendidos,
42,1%, mas não conseguiram se inserir na escola. Alguns me-
ninos chegam e saem sem ter tido nenhum aprendizado es-
colar. Em relação aos dados de ano/série escolar, verificou-se
uma concentração entre o 6º e 7º ano do Ensino Fundamen-
tal II, com um percentual também significativo de 8,3%, no 9º
ano, caracterizando uma baixa escolaridade dos adolescentes
em medida socioeducativa. Contudo, nos chama ainda mais
a atenção, o percentual de 7,1% na 1ª série do Ensino Médio.
NIVIA VALENÇA BARROS 73

Grande parte dos adolescentes em cumprimento de


medida pode vir a ficar ociosa por bastante tempo, ou até
sem participação em nenhuma atividade de escolarização,
por várias razões, durante dias, semanas ou meses.

As U ni dade s

A ida às Unidades, como já foi tratada, foi um momento


complexo e intenso. A observação geral é a de uma falta de
estrutura completa, que inviabiliza o que é proposto no SI-
NASE. Algumas Unidades já têm sua estrutura com mais de
um século, sem, contudo, ter passado por reformas moderni-
zadoras em suas construções e sem ter uma manutenção cons-
tante. Observamos, nestes espaços, muita infiltração, esgotos
vazando em alojamentos, grades enferrujadas, locais sem luz
solar, poucos espaços para a equipe técnica e para os agentes
socioeducativos que, na maioria das vezes, trabalham também
em condições insalubres e com sobrecarga de trabalho, devi-
do à restrição do número de profissionais em seu quadro. São
recorrentes as denúncias de maus tratos, violência, impossibi-
lidade de acesso ao lazer e à educação, além de péssimas con-
dições de trabalho para os técnicos e agentes socioeducativos.
Um critério das Unidades era o de não interferir nas
visitas e não tomar o tempo de contato do adolescente com
seus familiares. Portanto, as entrevistas ocorriam antes ou
depois do tempo dado aos familiares para estarem com o
adolescente. Em alguns casos, algum familiar pedia para fa-
zer a entrevista no meio do processo, alegando que outro
membro da família acompanharia os adolescentes e ele acha-
va importante participar da pesquisa.
Antes de iniciar as entrevistas, a equipe do projeto
leu e assinou o Termo de Sigilo e Responsabilidade. No
74 FA M Í L I A S N O D E G A S E

momento das entrevistas, os familiares ouviam a leitura do


TCLE e assinavam também, em duas vias, recebendo uma
cópia, enquanto a outra era arquivada. Todas as entrevistas
tiveram o consentimento das participantes. Estes consen-
timentos foram assinados e guardados no DEGASE, como
também os formulários das entrevistas, após o armazena-
mento no banco de dados. A proposta, como já menciona-
do, era a de que atendêssemos 30% das famílias que visita-
vam os adolescentes.

O C e ntr o de Atendimento Intensivo B e l f o r d R oxo


(C AI – BAI X ADA )

O CAI Belford Roxo foi a nossa primeira parada, após


a experiência piloto e o primeiro campo de pesquisa com a
participação de todos os envolvidos da UFF e do DEGASE.
Esta Unidade foi selecionada como o campo inicial da pes-
quisa considerando o engajamento da equipe com a proposta
da pesquisa, além de ser uma Unidade com um número signi-
ficativo de adolescentes internados. No CAI, contamos com
a presença da Direção e da representante da equipe técnica,
além dos agentes do plantão e dos agentes socioeducativos
que atuavam no suporte da Escola Estadual, que funcionava
dentro da Unidade e cujo espaço foi disponibilizado para a
realização das entrevistas.
O CAI Belford Roxo está situado muito próximo a uma
região dominada por uma facção, que nem sempre é “segui-
da” por todos os adolescentes internados. Isto provoca uma
tensão, na instituição e no território, tendo presente um cli-
ma de apreensão quanto a possíveis confrontos. A periculo-
sidade das facções é ainda mais perversa, com o acréscimo de
grupos de milícias que se alastram na região.
NIVIA VALENÇA BARROS 75

Ao iniciarmos as atividades do primeiro dia, realiza-


mos uma reunião no local com os servidores da Unidade e
pesquisadores envolvidos na pesquisa. Dialogamos sobre a
organização dos procedimentos necessários à aplicação do
formulário/roteiro de entrevista junto às famílias presentes
na visita aos adolescentes. Na medida em que as famílias iam
acessando a Unidade, para a realização da visita, os monito-
res se dirigiam ao pátio para sensibilização e convidavam os
responsáveis a participar das entrevistas.
No pátio, mesas e cadeiras estavam dispostas de forma
organizada para o início das visitas. Seguindo a regra de não
atrapalharmos as visitas, iniciamos o processo de sensibili-
zação para o começo de preenchimento dos formulários de
entrevistas. O acordo proposto para as famílias era o de que
poderiam ficar para as entrevistas, após a visita, ou caso qui-
sessem, quando houvesse mais de um familiar, alguém pode-
ria se deslocar para a pesquisa enquanto os demais prosse-
guiriam com os adolescentes.
As famílias participantes perceberam a importância de
contribuir neste processo e verbalizaram a satisfação em aces-
sar o espaço físico da escola e a exposição nos murais, dos
trabalhos realizados pelos adolescentes no período escolar.
A oportunidade de poderem tratar de questões para além do
processo de cumprimento de Medida Socioeducativa (MSE) do
adolescente, se constituiu um momento diferenciado de escu-
ta. Por outro lado, alguns responsáveis e adolescentes, embora
poucos, não se disponibilizaram a participar da pesquisa, por-
que moravam muito longe e queriam ir logo para casa.
A continuidade da pesquisa na semana seguinte, con-
tou com a facilidade de atingir famílias que haviam partici-
pado da sensibilização anteriormente, o que contribuiu bas-
tante para o processo de realização das entrevistas, sendo
necessário informar e sensibilizar apenas familiares que não
puderam estar presentes na reunião.
76 FA M Í L I A S N O D E G A S E

A direção permitiu a alteração da rotina da Unidade,


autorizando a entrada das famílias antes do horário previs-
to para a visita e adiando um pouco a liberação dos adoles-
centes, o que seria compensado posteriormente, agilizando
a dinâmica no atendimento das famílias, pela equipe da pes-
quisa. Esse procedimento foi fundamental para o alcance dos
objetivos do trabalho.
Nos dias determinados, quarta-feira e sábado, dias de
visita dos familiares, as(os) estudantes que se disponibiliza-
ram a participar, se direcionaram para a porta do campus
da UFF, para o encontro. O lema era: “o ônibus pode atra-
sar, nós não”. Ou seja, o ônibus não esperaria e todos foram
pontuais. Esse lema perpassou todas as visitas posteriores.
O ônibus do DEGASE nos levou até a Unidade. Nesse dia,
as ruas próximas do CAI encontravam-se em momento de
batida policial, com caveirões (caminhão da polícia que pa-
rece um tanque de guerra), policiais armados e barricadas.
Este cenário foi impactante para todas(os). Num muro lia-se:
“se atropelar morre, se fugir morre, se morrer, morre”. O cená-
rio local demonstrava o modo como a banalização da violên-
cia e da morte se faziam presentes.
As entrevistas foram realizadas na escola estadual e
contamos com uma funcionária que nos deu todo o apoio.
Os pesquisadores ficaram bastante sensibilizados com as
falas dos familiares e com as dificuldades enfrentadas para
estarem com seus filhos: longas distâncias territoriais, falta
de condições materiais para as visitas, preocupações com o
bem-estar, entre outras ansiedades constantes.
Nesses dois dias de pesquisa no CAI Belford Roxo,
79 e 78 adolescentes, respectivamente, receberam visitas,
tendo sido entrevistados 32 e 20 familiares, totalizando
52 famílias entrevistadas. A Unidade contava com um total
de 307 adolescentes em um dia e 305 adolescentes em outro,
atendendo acima de sua capacidade, de 143 adolescentes.
NIVIA VALENÇA BARROS 77

E s c ol a João Luiz Alve s – EJL A

A Escola João Luiz Alves é muito antiga e sua estrutura


foi fundada em 1926. Era uma entidade importante para o Ser-
viço de Assistência ao Menor (SAM). Nela, as ações, durante
anos, pautaram-se nas teorias lombrosianas de “delinquen-
te nato” e no estudo das características físicas, fisiológicas e
mentais dos internos para definir se eles eram predispostos
ao crime, ou não. Com o término do SAM, foi incorporada à
antiga FUNABEM e atualmente pertence ao DEGASE.
Foram várias as idas à EJLA, por ser um equipamento
próximo a ESGSE. Foi a escolhida para a experiência pilo-
to, aplicação dos pré-testes, tendo sido entrevistadas quatro
famílias para podermos ter ideia da dimensão da nossa pro-
posta e fazer os ajustes para as idas às outras Unidades. Nos
dias citados, o atendimento na Unidade era o de 317 e 316
adolescentes, respectivamente.
Após os devidos ajustes, foram realizadas as entrevis-
tas em dois dias. A capacidade de atendimento da Unidade
na época era de 133 adolescentes. Mas, a Unidade contava
com 304 (primeiro dia) e 302 (segundo dia) adolescentes em
cumprimento de Medida, sendo que 86 e 91 receberam visita.
Foram entrevistadas 31 e 33 famílias, respectivamente, tota-
lizando 64 famílias entrevistadas.
Em um dos dias de pesquisa de campo, a equipe vi-
venciou momentos de tensão no interior da Unidade. Sus-
peitou-se que poderia ter início uma rebelião, o que foi des-
mentido, mas foi necessário deslocar as famílias para um hall
e os pesquisadores para outra sala, para maior segurança.
A coordenadora geral da pesquisa, duas pesquisadoras
e algumas famílias ficaram isoladas em uma sala próxima
ao local suspeito do motim, pois a ideia era resgatar o gru-
po maior e depois negociar a saída de quem ficou isolado,
78 FA M Í L I A S N O D E G A S E

o que seria uma conduta coerente com o contexto e de me-


nor dano. A situação foi resolvida rapidamente, mantendo
assim, a segurança de todos. A responsabilidade da equipe
de pesquisa do DEGASE em relação à segurança era grande,
pois estavam presentes alunos de graduação, pós-graduação
e pesquisadores da UFF. Cabe destacar que a equipe presente
foi de fundamental importância nesse processo, agindo com
a competência e tranquilidade necessárias. Este fato gerou
um processo de avaliação posterior, o qual fundamentou a
decisão de que todas as idas às Unidades seriam acompa-
nhadas, obrigatoriamente, por um representante da gestão
do DEGASE. Na época da pesquisa, a Unidade estava com
superlotação e poucos agentes.

O C e ntr o de Socioeducação Il ha do
Gove rnad or - CENSE IL HA

O CENSE Ilha, inaugurado em 2014, foi implemen-


tado com o objetivo de atender um número reduzido de
adolescentes no cumprimento de medidas de internação e
assim possibilitar a realização de um trabalho, com base
nas diretrizes do SINASE. Possui a estrutura física de uma
Unidade de restrição de liberdade, pois funcionou como
CRIAAD anteriormente.
A equipe do DEGASE se responsabilizou pela infraes-
trutura, ônibus e/ou vans para transportar os alunos, mate-
rial de apoio e formulários de entrevistas. Estiveram envol-
vidos nesta visita, oito pesquisadores, quatro do DEGASE e
quatro da UFF, além de 12 alunos da UFF, como auxiliares
da pesquisa. A Direção e a equipe de plantão colaboraram
no processo de realização das entrevistas, e o número pe-
queno de adolescentes em comparação às demais unidades,
NIVIA VALENÇA BARROS 79

facilitou o processo de trabalho. Para o grupo de pesquisa,


foram destinadas duas salas, uma onde a equipe montou o
trabalho a ser realizado e outra com subdivisões de saletas,
onde os membros da equipe atenderam com a realização
das entrevistas.
A sensibilização foi realizada em três momentos: ini-
cialmente, na fila, ainda na rua, antes da entrada; em seguida,
com a autorização dos funcionários, após a verificação da
documentação e dos lanches trazidos, logo na entrada prin-
cipal da administração do DEGASE, visto que a Unidade se
localiza neste espaço; e finalmente, na quadra, onde ficaram
organizadas as mesas e cadeiras para as famílias realizarem
a visita. Exatamente no início da visitação, as abordagens
de sensibilização foram interrompidas, respeitando esse
momento da família. Lembrando que foram realizadas duas
visitas antecipadas à Unidade, objetivando a sensibilização
da equipe, momento em que todos debateram a respeito da
logística no dia do trabalho de campo. A própria Unidade
propôs uma pequena alteração na dinâmica com relação ao
horário, de modo a facilitar a equipe da pesquisa.
O CENSE Ilha possui capacidade de atendimento para
34 adolescentes e encontravam-se internados na Unidade,
52 adolescentes, 51 em internação provisória e 01 em inter-
nação. Neste dia, 21 adolescentes receberam visita, 40,38%,
tendo sido entrevistadas, 16 famílias, 76,20%.

O C e ntro de Socioeducação Dom B o s c o - CE N S E


D OM BOSC O

A Unidade foi construída dentro dos moldes do SINASE


(Brasil, 2012), no espaço do campo do antigo Instituto Padre
Severino, sendo a sua entrada por esta antiga Unidade. Mes-
80 FA M Í L I A S N O D E G A S E

clando as instalações novas com as antigas, ainda comporta


uma superlotação, mesmo com a nova construção.
Devido ao grande número de adolescentes no local,
realizamos a visita a esta Unidade em dois dias, com uma
equipe de pesquisadores com um número expressivo de par-
ticipantes, 21 em cada dia. O objetivo era poder alcançar a
meta, sem interferir no cotidiano institucional e em suas di-
versas atividades diárias, assim como minimizar a preocu-
pação das famílias, ansiosas para verem seus adolescentes,
compreendendo que a participação na pesquisa não traria
prejuízo ao encontro do dia de visita e que esta participação
poderia promover contribuições importantes a serem desen-
volvidas na atenção às famílias, durante o processo socioe-
ducativo do adolescente.
Para o grupo de pesquisa, foi destinada uma sala, logo
na entrada da instituição, para a organização do material da
pesquisa e acomodação durante os intervalos de aplicação
dos formulários, além de outras demandas específicas, in-
cluindo quaisquer necessidades de comunicação acerca do
processo entre os participantes. Realizaram-se três visitas
antecipadas, sem contar os contatos telefônicos e mensagens
por WhatsApp, objetivando a sensibilização de toda a equi-
pe. Também houve o cuidado de uma das visitas ser com o
mesmo plantão atuante no dia da pesquisa, com membros da
gestão e da coordenação do plantão, para refletirmos, juntos,
sobre como seria a dinâmica e as suas diferenças, sendo rea-
lizada em mais de um dia.
Nos dois dias agendados para a pesquisa, a rua onde
fica localizada a Unidade apresentava grande movimento,
com algumas barracas de venda de lanches e outros produ-
tos contrastando com a enorme fila aguardando a autoriza-
ção de entrada. Nesta fila, foi realizada a sensibilização e a
abordagem sobre a importância da participação na pesquisa
e sobre as opções de estarem nas entrevistas. Já dentro da
NIVIA VALENÇA BARROS 81

unidade, as famílias, que demonstraram interesse na parti-


cipação, recebiam uma numeração, que evitava o retorno à
fila. Assim, elas eram chamadas e posteriormente encami-
nhadas ao espaço de visitação. A sensação de positividade do
trabalho nessa Unidade foi peculiar e ímpar. Mesmo durante
a visitação, realizamos a sensibilização e algumas famílias
nos abordavam com interesses diversos e assim, a oportuni-
dade de apresentar a pesquisa se estabelecia.
Para as entrevistas com as famílias, foi reservado o
espaço do refeitório, onde a equipe de pesquisadores se dis-
tribuiu de forma a manter um espaço que preservasse o sigi-
lo e a privacidade. Mas, foi necessária a utilização de vários
espaços da Unidade, devido à demanda para as entrevistas,
incluindo o espaço externo, na entrada da instituição.
O contato com as famílias sempre remete a muita emo-
ção. Mesmo mantendo o foco em perguntas específicas do
formulário/roteiro de entrevista, em geral, os familiares trans-
bordam pela necessidade de poder falar e conversar sobre suas
histórias e sobre a preocupação com os adolescentes, tanto
com a internação para o cumprimento da medida privativa de
liberdade, quanto com a ocasião em que os mesmos estarão
em liberdade. As famílias expressam uma demanda por supor-
te para lidar com questões relativas ao cotidiano familiar e so-
cial dos jovens em seus núcleos familiares. Algumas famílias
verbalizaram suas preocupações com o processo de liberação
dos adolescentes para suas casas, tendo em vista a decisão ju-
dicial para resolver o problema da superlotação institucional,
pois têm receio desse retorno rápido.
Foram realizadas 81 entrevistas nos dois dias de apli-
cação da pesquisa, em um universo de 415 adolescentes que
receberam visitas, encontravam-se em cumprimento de Me-
didas Socioeducativas, 445 adolescentes, no primeiro dia da
pesquisa e 475, no segundo dia. A unidade possui capacidade
de atendimento para 233 adolescentes.
82 FA M Í L I A S N O D E G A S E

O C e ntr o de Socioeducação Profe ssor A n tô n io


C arlos Gome s da C osta - CENSE PAC G C

A Unidade para o acolhimento de meninas é um equi-


pamento de tamanho menor do que o das demais Unida-
des, muito diferente daquelas que atendem os adolescentes
do sexo masculino, a começar pelo quantitativo bem menor
de atendimento. Observamos um trabalho de execução da
Medida Socioeducativa com uma dinâmica diferenciada.
A estrutura física é mais humanizada e com um bom espaço
externo. O quantitativo de meninas, sendo menor, favorece
um percentual maior de participação nas atividades escola-
res, de inserção em cursos e atividades físicas, por exemplo.
No momento da pesquisa de campo, o DEGASE con-
tabilizava em todas as Unidades, o total de 1678 meninos e
somente 52 meninas, divididas em dois pavimentos, sendo
um para as medidas provisórias e outro para o cumprimento
das medidas de internação determinadas pela Justiça.
Este equipamento de atendimento possui um serviço
odontológico muito bem equipado. A equipe técnica, bas-
tante presente, também nos chamou a atenção, pois a par-
ticipação da equipe é o ponto forte que pode ser percebido
em todas as Unidades: a estrutura precarizada, contrastando
com o empenho de seus profissionais.
Todas as pesquisadoras e alunas(os) puderam ir aos
alojamentos. A situação delas é muito diferente da dos meni-
nos, pois há melhor espaço e estrutura. Como não há super-
lotação, as condições são mais dignas.
As meninas se comportam de forma muito diferen-
ciada em relação aos meninos: são proativas e reivindicam
mais. Existem atividades disponibilizadas e menor período
de ociosidade. Muitas meninas gostam de se “produzir” cons-
tantemente, usam batom e arrumam os seus cabelos. A ques-
NIVIA VALENÇA BARROS 83

tão da sexualidade é mais discutida e é a que mais se coloca


como pano de fundo para o surgimento de conflitos internos.
Na visita, encontramos uma “menina trans” que estava em
um espaço individual. A questão da sexualidade vinha sendo
discutida e, mediante a atual conjuntura, sentimos que tais
debates passam por um período de retração.
O histórico de vida das adolescentes possui marcas de
restrição no acesso aos serviços públicos, como educação,
saúde e assistência social. Um número significativo delas não
residia com a mãe ou com o pai quando ingressaram na Uni-
dade. A violência e o abandono perpassam o cotidiano das
adolescentes e o de suas famílias, no entanto, elas permane-
cem sonhando com uma vida melhor (Diniz, 2017).
O número de meninas adolescentes, em privação de
liberdade vem aumentando e este fato apresenta uma rela-
ção significativa com o acesso ao mercado de trabalho. Estão
vinculadas à informalidade e a atividades ilícitas, que as dire-
ciona para situações de grande vulnerabilidade, no território
de moradia e na sociedade. Elas estão identificadas no con-
tingente de população negra, pobre e moradora de comuni-
dades em áreas carentes de infraestruturas (Duarte, 2018).
É importante registrar que, mesmo no período de
comemoração dos 30 anos do ECA, as ações das políticas
públicas, sejam no âmbito da assistência social e da educa-
ção, ou sejam da saúde ou da socioeducação, ainda requerem
esforços para a implementação de estratégias de proteção
integral das adolescentes e de suas famílias, em detrimento
da situação irregular. Esse aumento de adolescentes nas me-
didas socioeducativas de internação e as situações de risco a
que são expostas, acabam por denunciar a desumanidade do
modo de produção (Duarte, 2018).
Nesta Unidade havia assistentes sociais pesquisadoras
de outras instituições. Eram profissionais conhecidas e o mo-
mento acabou se constituindo como troca de afeto, observa-
ções sobre as pesquisas e a conjuntura. Foram necessárias
84 FA M Í L I A S N O D E G A S E

três idas à Unidade para as entrevistas, pois as visitas dos


familiares são dispersas. O CENSE PACGC estava atendendo
naquele momento, 54, 52 e 50 adolescentes, respectivamente,
tendo recebido visitas, um total de 21 adolescentes. Conse-
guimos 100% do total das visitas realizadas no primeiro dia,
90% no segundo e 87,5% no terceiro dia, totalizando 19 famí-
lias. As falas dos familiares e o histórico de vida das meninas
nos serviram de muito aprendizado.

O E d u c andário Santo E xpedito – E SE

O ESE é uma Unidade que estava para ser extinta há


mais de uma década. A ideia de seu fechamento era considera-
da “balela”, sempre comentada e nunca efetivada. Em 2018, foi
proibida de receber novos internos, mas permaneceu aberta e
com muitas fragilidades, até que, alguns meses depois da rea-
lização da pesquisa, foi finalmente fechada, por determinação
judicial, em junho de 2019. Na época da visita, as condições
eram muito ruins, havia a precariedade do espaço físico e su-
perlotação, observada em quase todas as unidades visitadas.
Antes de virar Unidade Socioeducativa, a estrutura
física foi utilizada como unidade do sistema prisional, nas
antigas instalações do presídio Instituto Moniz Sodré, no
Complexo Penitenciário do Gericinó (Bangu/RJ). Portanto,
possui características inadequadas para o atendimento dos
adolescentes, na perspectiva do SINASE.
A pesquisa foi realizada em dois dias, tendo um quanti-
tativo de adolescentes de 200 e 199, respectivamente. Mesmo
a Unidade tendo capacidade para atender 232 adolescentes,
as condições eram precárias. No primeiro dia, 38 adolescen-
tes receberam visitas e 14 famílias foram entrevistadas. No
segundo dia, 48 adolescentes foram visitados e 20 familiares
foram pesquisados, totalizando 34 famílias.
NIVIA VALENÇA BARROS 85

No primeiro dia, a equipe da pesquisa, servidoras da


ESGSE e pesquisadores da UFF, enfrentaram uma situação
delicada e diferenciada das demais Unidades para o acesso
a mesma. Funcionários não permitiram a entrada das bol-
sas pessoais e inclusive celulares. Todos foram direcionados
para uma sala localizada na entrada, onde tiveram que deixar
as bolsas e o material de trabalho. Foi necessário negociar
a permanência de um aparelho celular para a comunicação,
por questões de segurança, pois a equipe da ESGSE tinha
responsabilidades com o grupo presente. Após a chegada do
responsável pela direção, o trabalho pôde ser organizado,
porém as bolsas e os celulares permaneceram onde foram
anteriormente guardados, durante todo o trabalho. Enquan-
to aguardávamos o responsável pela Unidade, a equipe foi
recebida pela pedagoga que estava de plantão, a qual foi bas-
tante requisitada pelos estudantes, em relação ao trabalho da
socioeducação desenvolvido naquele espaço.
O atendimento às famílias foi acompanhado por servi-
dores do local. As entrevistas foram realizadas de forma que
as famílias, moradoras das localidades com facções criminosas
diferentes, não se encontrassem, por questões de segurança.
No segundo dia, com a presença da diretora da ESGSE
e gestoras do DEGASE, o acesso da equipe não teve dificul-
dades. As rígidas hierarquizações, pertinentes em alguns mo-
mentos, contribuem para a extrapolação de pequenos poderes
e demonstração de força.

O C e ntro de Socioeducação Irmã As un ció n de L a


Gándara Ustara - CENSE / VOLTA REDO N DA

Uma das Unidades mais novas do sistema, inaugurada


em 13/12/2013, também foi construída dentro dos moldes do
SINASE (Brasil, 2012). Possui uma equipe técnica e de agen-
86 FA M Í L I A S N O D E G A S E

tes socioeducativos produtiva e interativa com os jovens,


tendo, porém, já enfrentado diversas rebeliões e perdas de
vidas de adolescentes, tendo a última ocorrido, recentemen-
te, em julho de 2020.
A chegada à Unidade foi muito boa e todos foram
bem recebidos. As equipes da Unidade foram atenciosas,
fornecendo suporte durante a estada da equipe de pesqui-
sa. Contudo, o local reservado para as entrevistas com as
famílias era bem pequeno, o que dificultou o quantitativo
das famílias entrevistadas, mas não impediu o alcance da
meta estabelecida.
No encontro com as famílias, percebemos muita
emoção nas falas, quando contavam parte de suas histó-
rias sofridas e relatavam as dificuldades financeiras. Tam-
bém pontuavam a dificuldade de acesso à Unidade, pois há
adolescentes de diversas comarcas próximas, internados no
local, por se tratar do mais próximo de suas regiões de ori-
gem, ou por ser o indicado por determinação judicial para
o cumprimento de medidas.
O CENSE VR possui capacidade para atender 90 ado-
lescentes e contava com 133, em cumprimento de Medida
Socioeducativa. Dentre eles, 34 receberam visitas e 17 famí-
lias foram entrevistadas.

O C e ntr o de Socioeducação Profe ssora Ma r l e n e


He nri qu e Alve s - CENSE / CAMPOS

É uma das Unidades construídas de acordo com o


SINASE. Foi inaugurada em 15/05/2013 e está localizada
em Campos dos Goytacazes, em área de difícil acesso e sem
transporte público. As famílias viajam de barco, van ou de
carona, até conseguirem acessar a Unidade para a visitação.
NIVIA VALENÇA BARROS 87

Para chegarem à quadra onde a visita é realizada, é necessá-


rio subir uma ladeira e as pessoas com dificuldades físicas
são levadas pelo carro do CENSE até o local. A situação de
carência das famílias é visível.
No prédio destinado aos atendimentos de saúde, a
equipe da pesquisa formou uma ilha de trabalho em frente a
uma mesa de alvenaria, construída pelos adolescentes, em-
baixo de uma árvore, lugar em que aconteciam os encontros
da equipe local. Este espaço foi utilizado para conversas com
os socioeducadores que estavam apoiando a pesquisa.
A sensibilização se iniciou através de contatos tele-
fônicos e mensagens por Whatsapp. Ocorreu uma visita à
Unidade para outra ação, mas a estratégia de sensibilização
para a pesquisa foi incluída. Posteriormente, em um even-
to na cidade sobre a socioeducação, realizamos uma reunião
de sensibilização, na qual foi possível pactuar os cuidados
e a dinâmica da pesquisa na Unidade. A equipe técnica deu
apoio à realização da pesquisa, ao mesmo tempo em que,
oportunamente, refletiram sobre o trabalho desenvolvido
pela Unidade, já que a distância física do DEGASE e dos de-
mais setores é considerável. A presença no local do evento,
de colegas de trabalho e de representantes da gestão, foi de
grande importância naquele momento. Foi apresentada a de-
manda de cursos de capacitação descentralizados, de forma
a viabilizar a participação dos servidores e qualificar as prá-
ticas profissionais.
A pesquisa foi realizada em dois dias. Encontravam-
se na Unidade, 98 adolescentes em ambos os dias, sendo 21
na internação provisória e 77 no cumprimento de Medida
Socioeducativa de internação. No primeiro dia, 12 adolescen-
tes receberam visita e oito familiares aceitaram participar da
pesquisa. Já no segundo dia, 21 adolescentes receberam vi-
sita e 14 famílias participaram das entrevistas. A capacidade
de atendimento é a de 96 adolescentes.
88 FA M Í L I A S N O D E G A S E

O C e ntr o de Socioeducação Dr . Antôn io E l ias Do r e a


d e Ar aú jo B astos – CENSE / NOVA FRIB UR G O

A Unidade, antes responsável pela execução de medi-


das restritivas de semiliberdade, foi recém-inaugurada, em
11/09/2019, como instituição de privação de liberdade. Seus
ares são menos atingidos pelas características de Unidades
fechadas mais antigas e o seu funcionamento aponta para
um espaço mais flexível de circulação dos adolescentes, com
a manutenção da segurança socioeducativa.
A recepção da equipe foi boa e houve um bom plane-
jamento para atender às visitas. A Unidade esperou a equipe
de pesquisa com muito entusiasmo e foi preparado um ma-
ravilhoso café da manhã.
Os profissionais queriam apresentar o trabalho desen-
volvido no interior da instituição. A Unidade possui um tra-
balho em rede, construído pela equipe com os equipamentos
educativos e de saúde da região, o que facilita a inserção dos
adolescentes que participam de saídas planejadas.
Foi reservado um espaço no refeitório, para as entre-
vistas com as famílias e uma sala para a organização dos ma-
teriais e para acomodação. A meta foi alcançada em um dia,
com uma produção bem equilibrada e participativa de todos
os envolvidos. Foi solicitada por nossa equipe, a ida ao espa-
ço da visitação familiar, o que foi permitido.
O CENSE/Nova Friburgo possui capacidade para 50
adolescentes e estava com um total de 55, sendo que 35 deles
receberam visita no dia da realização da pesquisa e 13 famí-
lias foram entrevistadas.
NIVIA VALENÇA BARROS 89

C ons i deraç õe s Finais

A equipe percebeu o quanto era ousada e extensa a


proposta, mas tal fato não desanimou e contribuiu para a
reflexão sobre a importância de tais ações, e para a noção de
que todos teriam que estar fortalecidos e preparados.
O intercâmbio para além dos muros da Universidade
é um viés extensionista que deve ser potencializado. Nes-
te sentido, é importante o trabalho na perspectiva de uma
ecologia dos saberes (Santos, 2007; 1997), congregando não
apenas diferentes perspectivas teóricas, mas também a pos-
sibilidade de uma interface entre o saber acadêmico e outros
tipos de saberes. O conceito de ecologia dos saberes nos é
caro, exatamente pelo reconhecimento da pluralidade de co-
nhecimentos – e de práticas sociais – existentes e não vincu-
lados apenas ao mundo acadêmico. Dada a inesgotável diver-
sidade, inclusive epistemológica, que caracteriza o mundo, o
conhecimento também só pode ser alcançado por um tipo de
conhecimento/saber que busque estabelecer diálogos entre
diferentes saberes e diferentes sujeitos. Esse diálogo é um
diferencial nesse percurso da pesquisa.
Assim teve início a elaboração do projeto, construído
em conjunto, escutando as diversas opiniões e atendendo às
demandas surgidas. Foram meses trabalhando na construção
do projeto. Esta fase demandou reuniões quinzenais e uma
grande mobilização para a sua escrita. Muitas preocupações
cercaram esse momento, pois considerando a sua estrutu-
ra bastante grande, como cobrir todo ele? Como estar com
as famílias nos dias de visita, sem atrapalhar o contato dos
meninos e meninas com os seus familiares? Como garantir
a segurança dos alunos no processo da pesquisa de campo?
Como estar na Unidade e interferir o mínimo possível no co-
tidiano institucional? Como manter o grupo coeso, tendo em
90 FA M Í L I A S N O D E G A S E

vista a atual conjuntura de desmonte das ações institucionais


de pesquisas e estudos?
Essas, dentre outras questões, foram constantemente
trazidas ao grupo e discutidas. A fase da escrita do projeto
foi concluída com muitos debates e a partir dela, teve início
a elaboração do formulário das entrevistas que deveriam ser
realizadas, junto às famílias. Essa também foi uma fase ex-
tremamente longa, pois cada questão precisou ser intensa-
mente discutida.
Foi exatamente essa demora, que poderia ser vista de
forma negativa, que imputou um dos maiores diferenciais
do projeto. O que a equipe viveu, foi a construção de uma
metodologia dialogada e que pode ser considerada bastante
inclusiva. Cada um, a partir de seus saberes, pôde se colocar
para a construção do formulário de entrevista, para a fase
de análise dos dados, sem diferenciação entre o que seria o
mundo da academia e os limites além dos muros da Univer-
sidade. Destacamos aqui, que cada saber é válido e deve ser
ouvido. Foi a essa escuta e diálogo que a equipe se propôs.
E isso foi realizado. A construção de uma vivência democrá-
tica não é fácil, mas com certeza, gera bons frutos.
A participação das equipes da aréa técnica de agen-
tes, de limpeza e de gestão das Unidades, foi de extrema
importância no andamento da pesquisa de campo, na me-
dida em que puderam ser avaliadas as possibilidades de
flexibilização da rotina das visitas, para que as entrevistas
pudessem se realizar com um número maior de famílias
presentes, ao mesmo tempo em que garantiam a rotina,
considerada por eles como essencial. A sensibilização das
equipes e a participação de algumas delas na fase da capa-
citação para as entrevistas foi fundamental para o acolhi-
mento dos pesquisadores. A transparência com a qual as
informações foram tratadas e, especialmente, a realização
da pesquisa por iniciativa da instituição, aliada ao interesse
NIVIA VALENÇA BARROS 91

dos profissionais comprometidos com a socioeducação, fo-


ram elementos relevantes para o andamento do trabalho de
campo. Sendo assim, a receptividade dos funcionários e das
famílias foi imensamente positiva, facilitando a realização
da pesquisa em condições mais favoráveis.
A estratégia de sensibilizar as famílias para participa-
rem da pesquisa foi vital, sendo possível constatar que se
sentiram valorizadas por terem contribuído nesse processo
e por terem recebido, ao mesmo tempo, o acolhimento em
um espaço de escuta e de fala. Para as famílias, esse espaço é
sempre necessário.
Os familiares demonstraram satisfação ao acessarem
o espaço físico da escola dos adolescentes, no caso específico
do CAI, e ao serem atendidos nesse local, conversaram acer-
ca de questões que iam além do processo de cumprimento de
MSE. Alguns adolescentes e familiares quando, por algum
motivo, não foram abordados, procuraram a equipe para
entender o que estava acontecendo na rotina da Unidade,
e ao estarem cientes do projeto, solicitaram a participação.
Sendo assim, consideramos importante registrar que
potencializar os espaços já existentes e criar outros para aten-
dimento às famílias, é fundamental, pois em meio ao processo
de pesquisa, muitos depoimentos evidenciaram a demanda
por uma escuta atenta e qualificada, como forma de apoio no
enfrentamento das questões geradas pelas desigualdades so-
ciais e para o cumprimento das Medidas Socioeducativas. Pro-
põe-se ainda, a promoção de ações que estimulem as famílias
a participarem do cotidiano do adolescente no cumprimento
de Medida Socioeducativa, favorecendo a participação efetiva
dos familiares na dinâmica institucional. Tendo em vista que
um número significativo de famílias vive em extrema pobreza,
residindo, muitas vezes, em locais de difícil acesso e distantes
das unidades de atendimento a criação de programas de re-
passes de recursos financeiros para o transporte das famílias
92 FA M Í L I A S N O D E G A S E

ao DEGASE para visitação dos adolescentes, se constituirá um


avanço significativo em consonância com as diretrizes da Po-
lítica de Socioeducação - SINASE, do ECA e do Plano Nacional
de Convivência Familiar e Comunitária - PNCFC.

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95

CAPÍTULO 3

ANÁLISES DOS DADOS DA PESQUISA:


AS FAMÍLIAS DOS ADOLESCENTES
EM CUMPRIMENTO DE MEDIDAS
SOCIOEDUCATIVAS NAS UNIDADES
DO DEGASE
Nivia Valença Barros
José Nilton de Sousa
Ida Cristina Rebello Motta
Wilma Lúcia Rodrigues Pessoa

“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: es-


quenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois
desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
(João Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas)

E
m uma sociedade desigual e excludente, assim como
a nossa que, em consonância com outras sociedades
patriarcais e repressivas, têm como tônica a punição
dos pobres (Wacquant, 2003), a nova gestão da miséria se dá
com o encarceramento e internação da parcela segregada da
população. As desigualdades sociais pautam as políticas de
encarceramento para os adultos e de internação para adoles-
centes. Ao analisar este processo, BARROS (2005, p. 25), con-
sidera que as discriminações da população pobre, tratando-a
como “classe perigosa” contribuem para a demonização das
famílias das camadas pobres de nossa sociedade.
Os dados dos formulários das entrevistas analisadas
e a avaliação dos materiais estudados, a observação partici-
pante e os diários de campo, corroboram com esta perspec-
tiva e a análise de todo o material coletado torna evidente
96 FA M Í L I A S N O D E G A S E

a importância da família, para o pleno desenvolvimento do


adolescente que se encontra inserido no Sistema Socioe-
ducativo (SSE). A partir da análise dos dados, procurou-se
estabelecer, não somente uma relação entre o material obti-
do e o perfil das famílias, mas também o desvelamento das
condições que propiciaram o ingresso de adolescentes no
sistema socioeducativo.
Assim, com o intuito de aprofundar os estudos, desta-
cam-se como elementos fundamentais para analisar o perfil
dessas famílias: a vulnerabilidade, a desigualdade social, a
questão racial, as violências, em especial as violências es-
trutural e institucional, as questões de gênero e de pobreza.

Vu lne rab ilidade – A pob re za e a que stão r acia l

A pobreza, considerada como vulnerabilidade social,


faz parte do contexto cotidiano no qual se inserem os ado-
lescentes e seus familiares que, em grande parte, vivem em
situações de extrema precariedade. A associação, numa re-
lação de causa e efeito, da pobreza com as manifestações de
violência, tão constantemente difundida em nossa sociedade,
segundo Barros (2005), é a prática de uma dupla violência,
pois a população pobre sofre com a própria violência estru-
tural e com o estigma de “classe perigosa”. Essa dupla vio-
lência incide sobre os adolescentes atendidos pelo DEGASE,
pois são oriundos de famílias pobres, com 46,6% delas rece-
bendo renda de até um salário mínimo. Agregando-se a esses
dados, as famílias com renda de até dois salários mínimos,
esse percentual atinge 84,2%.
NIVIA VALENÇA BARROS 97

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Tal contexto de pobreza é ainda mais excludente e


discriminatório quando aliado à questão de raça/etnia, um
fator importante de exclusão social. Na pesquisa realizada,
constatou-se uma expressividade de 71,1% de jovens pretos e
pardos e somente 27,1% de jovens brancos.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.


98 FA M Í L I A S N O D E G A S E

Essa taxa corresponde aos dados obtidos por meio


de pesquisas sobre o encarceramento, prisão e reclusão da
população preta/parda. Os estudos de Sousa (2012) em um
importante campo de estudo, nas delegacias de polícia, que
se constituem o principal local de recepção dos adolescentes
apreendidos, revelam também que em 73,07% dos casos que
foram levados a DPCA de Niterói-RJ, havia o envolvimento
de pessoas de origem “preta ou parda”. Os registros do ban-
co do Instituto de Segurança Pública (ISP), entre os anos de
2006 e 2010, confirmam estes dados. Ou seja, são adolescen-
tes do sexo masculino, pretos ou pardos que chegam à DPCA
e que prosseguem no processo, alcançando as unidades do
Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE).
São esses adolescentes também, os que mais sofrem
com as desigualdades impostas por uma sociedade de mer-
cado calcada numa dinâmica social racista e elitista, como a
do Brasil, onde se desenrola um fenômeno grave, denuncia-
do dentro e fora do país: o genocídio da juventude negra e
periférica. Gomes (2018) relata que o termo genocídio na mi-
litância e juventude negra, tem sido ressignificado e amplia-
do, sendo entendido como um fenômeno imposto aos negros
historicamente, desde a época da colonização.
A questão racial é um elemento de caráter estrutural
da sociedade brasileira. O impacto do racismo estrutural
deve ser considerado, quando se definem políticas sociais
e práticas preventivas de atos infracionais por parte de
crianças e adolescentes. O fortalecimento e a valorização
da população negra, de sua cultura e história, como tam-
bém, o combate ao racismo e o estabelecimento de cotas
educacionais para negros e pardos, são iniciativas políti-
cas que devem ser fortalecidas e expandidas. Tais medidas
devem fazer parte dos instrumentos de intervenção social
do Estado para o bem-estar das famílias brasileiras, posto
que a maioria da população do país é formada por pretos
NIVIA VALENÇA BARROS 99

e pardos (55,8%. Fonte: IBGE – PNAD, 2018). Por esta ra-


zão, a população preta/parda teve um foco privilegiado em
nossa pesquisa.
Os familiares dos meninos inseridos no DEGASE tam-
bém se caracterizam por ocupar os espaços laborais mais
precarizados e que dispensam qualificação profissional for-
mal. Assim sendo, muitos ocupam trabalhos informais, sem
garantias de direitos previdenciários e trabalhistas e com os
salários mais baixos.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Como os dados revelam, a maioria desses familiares


atua em trabalhos braçais e sem a necessidade de grande
qualificação, 64,29%. Quando destacamos apenas o serviço
doméstico e de limpeza, 21,43% dos familiares trabalham
nessas atividades. Esta vulnerabilidade é extensiva a vários
membros da família, pois quando analisamos os residentes
na casa, temos um alto percentual cujos vínculos de traba-
lho são inexistentes. São trabalhadores informais ou precá-
rios, 45,19%.

100 FA M Í L I A S N O D E G A S E

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

A precariedade das relações de trabalho e os baixos


rendimentos dessas famílias criam a primeira dificuldade
para a melhor socialização dos jovens que sofrem com as
extremas desigualdades sociais. A vulnerabilidade dessas fa-
mílias e as condições de pobreza contornam efeitos que não
se reduzem somente ao aspecto econômico. De acordo com
Abramovay e Castro:

Os indicadores sobre equipamentos culturais no


Brasil justificam e reforçam a preocupação com a
falta de espaços de lazer e de cultura para a popu-
lação jovem, em especial para aqueles em situações
de pobreza. [...] Além da falta de equipamentos nas
comunidades, os jovens circulam em raio restrito,
segregados nos seus bairros, não necessariamente
exercendo direitos de cidadania social, como, o be-
nefício do uso da cidade em que vivem. A carência de
atividades de diversão na comunidade é explorada
pelo tráfico que, em muitos lugares, marca presen-
ça, ocupando um espaço deixado em aberto pelo po-
der público, constituindo referência para os jovens
(ABRAMOVAY, CASTRO, 2002, p 156 – 157).
NIVIA VALENÇA BARROS 101

A pobreza tensiona o ambiente familiar e reduz as


possibilidades de ocupação do tempo livre das famílias em
atividades de lazer e cultura, impactando, também, a alimen-
tação, os cuidados com a saúde, a higiene e o bem-estar em
geral, o que provoca privações de grande espectro na socia-
bilidade e na afirmação da cidadania plena, ainda mais em
um país onde a diversidade se apresenta de forma tão rica.

Gê ne ro, que stõe s g eracionais e op r e s são

Um aspecto importante a ser destacado, refere-se ao


contexto de gênero presente no interior das famílias, pois
estas são constituídas, em sua maior parte, apenas pelas
mães. Pesquisas1 revelam que o número de famílias che-
fiadas por mulheres mais do que dobrou em uma década e
meia, e esta é a característica dessas famílias, assim como
é corriqueiro em nossa sociedade, as mulheres terem um
salário inferior ao dos homens, mesmo quando ocupam o
mesmo cargo e função.
No caso dos adolescentes internos no sistema, a con-
formidade societária das relações de gênero segue os pa-
drões hegemônicos de hierarquizações. A presença predo-
minante da figura masculina em ações consideradas ativas,
crimes e atos infracionais, compõem uma configuração do
sistema patriarcal, no qual os homens protagonizam tais ati-
vidades e as meninas ficam na retaguarda. Mesmo que tais
conformações estejam passando por transformações, os da-
dos indicam o papel, normalmente auxiliar e subalterno das

1 De acordo com estudo elaborado pelos demógrafos Suzana Cavenaghi e


José Eustáquio Diniz Alves, coordenado pela Escola Nacional de Seguros.
N.AA.
102 FA M Í L I A S N O D E G A S E

mulheres, nestas ações. Contudo, mesmo em menor número,


as meninas que são consideradas transgressoras, são puni-
das de forma muito rígida. A sociedade não perdoa quem
não cumpre os papéis que lhes são designados. Em todas as
conquistas femininas, contam-se pioneiras que abriram ca-
minhos com muitas lutas.

A condição da mulher marca as trajetórias de vida


das meninas em internação. Elas são vítimas de vio-
lência doméstica, institucional e dos grupos de inser-
ção na economia do crime. Não é preciso dizer que
esta condição compreende a exploração do traba-
lho e trajetórias escolares marcadas interrompidas.
O perfil das jovens envolvidas em infração não di-
fere do perfil das mulheres adultas presas (ASSIS E
CONSTANTINO, 2001, p. 262).

Nossos estudos indicam que 95,7% dos adolescentes


que estão cumprindo MSE nas unidades do DEGASE, são
do sexo masculino e encontram-se na faixa etária entre 15
a 18 anos incompletos. O sexo feminino, apesar de ter um
quantitativo bem inferior, igualmente concentra-se entre
15 a 18 anos incompletos, porém a taxa entre 12 a 14 anos
se destaca, com 16,7%, se comparada aos 2,1%, da masculi-
na. O ingresso no SSE de meninas e adolescentes em idade
menor que os meninos se revela como um fenômeno que
merece atenção e análise. As práticas que levam meninas
ao SSE começam mais cedo ou elas se expõem mais ao ris-
co de serem descobertas nessas práticas por alguma outra
razão? Enfim, essa é uma questão que a equipe considera
como necessária a ser investigada. As meninas começam
mais cedo ou são presas mais rapidamente? Há que se pen-
sar, e este entre outros fatores levam a equipe a dar conti-
nuidade às pesquisas em outros moldes e estas questões são
centrais neste novo momento.
NIVIA VALENÇA BARROS 103

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Ao analisar as Delegacias de Proteção à Criança e ao


Adolescente, em especial a DPCA de Niterói, Sousa (2012),
pautado nos dados do Instituto de Segurança Pública, verifi-
ca que entre os casos a ela levados 83,55% concentram-se na
faixa entre 15 a 17 anos, sendo que 44,3% referem-se à idade
específica de 17 anos. A condição das mulheres, oprimidas
pelo machismo, pela misoginia e pela lesbofobia, marca a
trajetória de vida das meninas no SSE. Elas são vítimas de
violência doméstica, institucional e dos grupos de inserção,
milícias, tráfico etc. Na economia do crime, não é preciso di-
zer que essa condição compreende a exploração do trabalho
e a interrupção das rotinas escolares.

A rua como domínio oposto ao da casa, tenderia a


identificar-se com o público, o formal, o visível e o
masculino. A casa, como sua contrapartida, estaria
vinculada, em princípio, ao informal, ao invisível
e ao feminino. Estes, no entanto, são apenas polos
de um eixo para a compreensão do universo social.
Os dados da percepção distintiva do masculino/
feminino, do visível/invisível, do público/privado,
bem como do dentro/fora, são codificados diver-
samente, nas diferentes culturas. São significantes
104 FA M Í L I A S N O D E G A S E

privilegiados cuja combinação e significados va-


riam contextualmente (SANTOS, 1985, p. 50 - 51).

Quanto ao sexo, verifica-se a predominância mascu-


lina no SSE, num total de 93,57% dos casos, mostrando a
importância de uma análise de gênero enquanto construção
social nessa questão, pois parece que, a rua continua a ser
um espaço masculino, identificando a maior exposição à vio-
lência e a criminalidade, bem como a sua prática.

Ór gãos d e proteção social - educação e o utr o s

Quanto à situação escolar dos adolescentes, segundo


informações dos familiares, temos 28,7% dos mesmos com a
frequência a uma instituição escolar antes da apreensão; 36,9%
estavam estudando no período da apreensão; 34,4% estão estu-
dando na Unidade de Internação. Estes dados são expressivos,
pois refletem a baixíssima inserção educacional dos adoles-
centes pobres que cometem atos infracionais. Mesmo que as
famílias de 36,9% dos adolescentes tenham declarado a fre-
quência aos espaços escolares, este não representa, necessa-
riamente, um fato comprovado, visto que não é incomum que
famílias pobres descubram a evasão escolar de seus filhos de-
pois de longo tempo após o fato. E isto não pode ser considera-
do simplesmente negligência de uma família, mas o resultado
de uma negligência do próprio poder público, enquanto prin-
cipal instituição mediadora e promotora de muitas das ações
que deveriam ser compartilhadas por toda a sociedade. Muitas
vezes, as famílias acreditam que o filho esteja na escola, ou-
tras vezes, não têm como acompanhar o processo educativo
no meio de tantas intercorrências com as quais precisam lidar,
principalmente, a luta pela sobrevivência.
NIVIA VALENÇA BARROS 105

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

A evasão escolar no país continua altíssima:

“(36,5%) em cada dez brasileiros de 19 anos não con-


cluíram o ensino médio em 2018, idade considerada
ideal para esta etapa de ensino. Entre eles, 62% não
frequentam mais a escola e 55% pararam de estudar
ainda no ensino fundamental. 4,2% dos jovens de 16
anos ainda não concluíram o ensino fundamental. En-
tre eles, 23% não estão mais na escola” (BRASIL, 2018).

Só recentemente, em decorrência do Programa Bolsa


Família, as escolas foram obrigadas a encaminhar os dados
de frequência dos alunos. O Programa Bolsa Família, (PBF)
dentre as condicionalidades estabelecidas para o repasse do
benefício, exige das famílias, 85% de frequência escolar dos
filhos (de 6 a 15 anos) e de 75% para os adolescentes que
recebem o Benefício Variável Vinculado ao Adolescente
(BVJ). As escolas têm a obrigação de enviar a frequência
dos alunos para o gestor municipal do referido programa,
visando informar a respeito das famílias que se encontram
elegíveis para o recebimento do benefício em questão. Des-
ta forma, o dispositivo FICAI (Ficha de Comunicação de
106 FA M Í L I A S N O D E G A S E

Aluno Infrequente), operado pelas Secretarias de Educação,


Ministério Público e Conselhos Tutelares, constitui-se um
esforço para controlar a evasão escolar e tecer aproxima-
ções com a realidade social que circunda as famílias dos
alunos e suas comunidades. Esses dispositivos vêm norma-
tizando o artigo 56, II do ECA, apesar da complexidade de
fenômenos que envolvem um adolescente em processo de
evasão escolar.
O acesso aos serviços públicos, quando existentes,
nem sempre é fácil. Segundo os familiares entrevistados, eles
próprios e os filhos tiveram acesso a serviços públicos, po-
rém, dentre esses serviços, a mais baixa declaração de parti-
cipação foi o da assistência social: 4,5%, seguidos de 8,4% de
Saúde e de 12,3%, de Educação. Na maior parte das vezes, os
familiares não visualizam a presença da área de Assistência
Social em suas vidas, mesmo com a obtenção do Bolsa Famí-
lia e tendo diversos atendimentos realizados por assistentes
sociais no âmbito deste auxílio.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

A Política Nacional de Assistência Social, instituída


em 2004, ainda é muito nova em nossa sociedade. Temos
NIVIA VALENÇA BARROS 107

uma história marcada por clientelismos e assistencialismos.


Tal conformação é muito entranhada e de difícil mudança
de mentalidade. Muitas das ações existentes ainda são vei-
culadas como favores e um grande segmento da população
não consegue ver que os programas existentes compõem
a restituição de seus direitos sociais. A Política de Assis-
tência Social preconiza os direitos dos cidadãos, tirando
o foco do assistencialismo e clientelismo. As famílias dos
adolescentes do SSE são, em sua maioria, pobres e carentes
e são consideradas, pela precariedade em que vivem, como
alvo de barganha. O processo de troca de favores, princi-
palmente em época de eleições, contribui para que não se
perceba a Assistência Social como um direito e como ins-
trumento para o enfrentamento da vulnerabilidade social e
para promoção do bem-estar do cidadão. A conformação de
ações assistencialistas contribui para a sua desvalorização
na vida dos cidadãos e a ausência desse serviço na vida des-
sas famílias demonstra a falta de uma gestão que promova
uma ação integrada de suporte às dificuldades no cuidado
de crianças e adolescentes.
A garantia de um bom atendimento para os familia-
res é um dos princípios da socioeducação. Em termos de
instituições fechadas, com estruturas complexas e de duras
realidades, é difícil manter a proximidade com os familiares
dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducati-
vas. A efetivação da socioeducação trazida pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente exige atendimentos de qualidade e
diferenciados. Nem sempre esses atendimentos são efetiva-
dos e, por muitas vezes, ocorrem situações não compatíveis
com a socioeducação. O DEGASE tem buscado redireciona-
mentos que alterem tal contexto. Têm sido realizados cons-
tantes treinamentos, capacitações e investimentos para os
profissionais, além da procura de estratégias de atendimento
às famílias, de forma mais humanizada.
108 FA M Í L I A S N O D E G A S E

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

As famílias afirmam que os profissionais do DEGA-


SE, ao desenvolverem o trabalho de recepção e acolhimen-
to delas no acompanhamento dos adolescentes, fazem-no
com atenção. Ao todo, 76,3% expressaram o acolhimento
recebido ao chegarem pela primeira vez na unidade de in-
ternação. Esse acolhimento pode ser medido em termos de
atenção, tratamento, acolhimento e respeito, manifesta-
dos pela equipe em relação aos familiares, num volume de
66,8%. Em contrapartida, o não acolhimento, expresso por
17,9% dos familiares dos adolescentes em MSE é categoriza-
do como: “não atenção”, “ofensa” e “não acompanhamento”.
Isso indica que ainda existem desafios para os profissio-
nais do SSE para melhorar a qualidade da atenção e na lida
com o outro. Por outro lado, levando em consideração o
conjunto de deficiências e precariedades que dificultam a
atuação dos profissionais do DEGASE para o cumprimento
do ECA, no que tange a doutrina de proteção integral à
criança e ao adolescente, e do que determina a Lei do Sis-
tema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE,
o reconhecimento pelas famílias do bom atendimento em
81% dos casos, demonstra a capacidade e empenho desses
profissionais em provê-las com um bom atendimento, mes-
mo neste contexto. Com isso, fica evidente, também, que
NIVIA VALENÇA BARROS 109

proporcionar a esses profissionais as condições adequadas


para o desenvolvimento de suas atividades, produziria um
impacto bastante positivo para as famílias e os adolescen-
tes, pois os atendimentos resultam na ampliação da possi-
bilidade de inserção das famílias na instituição e na maior
proximidade de seus filhos.

P e rs p ectivas e e sperança

Pudemos constatar que as famílias dos adolescentes


em MSE têm clareza e se posicionam seguramente quanto
ao que deve ocorrer após a apreensão de seus filhos e de seu
trajeto até uma Delegacia, talvez uma DPCA. São poucas
as Delegacias especializadas para a criança e o adolescen-
te e eles são encaminhados às Delegacias Distritais, mas
quais delas? Onde eles estão? Ao elegerem a comunicação,
42,9%, e a proteção, 17,3%, como medidas mais importantes
a serem primeiramente tomadas por ocasião da apreensão
dos adolescentes.
As famílias trazem uma preocupação com seus filhos e
o ECA preconiza a família como sendo primordial.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Es-


tado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissiona-
lização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liber-
dade e à convivência familiar e comunitária, além
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão (Redação dada Pela Emenda Constitucio-
nal nº 65, de 2010).
110 FA M Í L I A S N O D E G A S E

Uma grande preocupação percebida durante pesqui-


sa refere-se ao que os familiares desejam que ocorra com
o(a) adolescente ao sair do DEGASE. Eles depositam a es-
perança de que algo ocorra com eles(as), após o cumpri-
mento da MSE para que haja uma mudança qualitativa em
suas vidas. As dimensões de estudo e trabalho se destacam
com 29,5% das opções, e, na sequência, trabalhar, melhorar
a conduta e estudar, quando vistos isoladamente. Uma re-
flexão a ser problematizada gira em torno das dimensões:
estudar e trabalhar, pois repetidas vezes, surgem conju-
gadas entre si e com outras dimensões: encontrar novos
amigos, aproximação das famílias, cuidar da saúde etc. Tal
preocupação nos faz pensar que se esses familiares pensam
o trabalho e o estudo, como o meio de ascensão social e
de adequação ao modelo de sociabilidade, ou se sinalizam
outras questões, como sendo formas reais de mudança em
suas vidas. A importância do adolescente encontrar estu-
do e trabalho ocorre mesmo quando separa-se o grupo de
familiares que aparentam uma indiferença/desesperança e
esses são interrogados sobre a reinserção dos adolescentes.
De qualquer forma, essa expectativa reflete bem as priori-
dades que a sociedade consagrou como essenciais para a
formação do adolescente com vistas a uma vida adulta. Não
se pode esquecer que vivemos numa sociedade que prioriza
o trabalho como identidade e modo de vida. O interessante
é a ênfase no estudo, quando muitas vezes ele é abandona-
do exatamente por conta do trabalho.
NIVIA VALENÇA BARROS 111

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Grande parte dos entrevistados declarou-se como


evangélica e católica e demonstrou a importância da reli-
gião em suas vidas. Grande parte dos familiares entrevis-
tados afirmou dedicar-se a alguma denominação cristã. As
famílias também afirmaram, em sua maioria, que os ado-
lescentes foram criados dentro da religião e que a maio-
ria deles a abandonou. Em que pese a importância dada à
religião, o retorno ou a conversão do adolescente às prá-
ticas religiosas, não gozam do mesmo status que a educa-
ção e o trabalho têm para essas famílias e não aparecem
entre as expectativas para a vida do mesmo após a saída
do DEGASE. Tomando como referência a discriminação e
demonização que recaem sobre as religiões afrobrasileiras
e sua associação aos comportamentos “desviantes”, verifi-
camos dois aspectos nas famílias: a prática de religiões de
matriz africana é muito pequena e esse percentual se pre-
serva quando confrontamos as práticas religiosas passadas
e presentes das famílias; um fenômeno bem diferente das
famílias cristãs, que migraram significativamente do catoli-
cismo para as igrejas evangélicas.
112 FA M Í L I A S N O D E G A S E

As famílias relatam que enfrentam muitas dificulda-


des para acompanhar o adolescente em MSE. A dificuldade
financeira é uma variável importante, pois aparece sozinha
com 35,3% e, conjugada com outras dificuldades, 44,8% e, so-
mente 12,2% das famílias afirmam não ter nenhuma dificul-
dade para acompanhar seus adolescentes.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

O tempo e a distância, juntos, aparecem com 17,3%


como elementos de dificuldade apresentados pelas famílias.
A unidade João Luiz Alves, 43,6%, aparece em primeiro lugar
como a unidade em que as famílias têm maior dificuldade
financeira para acompanhar os adolescentes em MSE, segui-
da da unidade CAI Belford Roxo, com 40%, o que demonstra
que os municípios do entorno dessas unidades são atingidos
pela pobreza e isso impacta a condição das famílias dos ado-
lescentes em MSE.

NIVIA VALENÇA BARROS 113

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Em relação às visitas familiares, a maior dificuldade


citada é a financeira, com 56,9% associada ou não com outros
fatores; a seguir, vem a falta de condições devido ao trabalho
ou ao cuidado com o restante da família, 14,7%. Um percen-
tual de 14,6% apresentou como dificuldade para o acompa-
nhamento, a distância, associada a outros motivos. Proble-
mas emocionais e de saúde dificultam o acompanhamento,
em 7,3% dos casos.
A compreensão desse universo de dificuldades com-
plementa as anteriores ao ingresso do adolescente no SSE
e precisam ser levadas em conta na elaboração de políticas
para construir planos de ação que permitam às famílias, não
só contribuir para o não ingresso do adolescente no sistema,
mas também para se envolver e contribuir também para a
saída do mesmo.

As v i olências vivenciadas

A violência estrutural, como já vimos, é a violência


vivenciada no cotidiano desses adolescentes. A estada em
114 FA M Í L I A S N O D E G A S E

uma Unidade fechada também se constitui uma violência,


pela restrição da liberdade integrada ao contexto societá-
rio, em decorrência de atos infracionais. A restrição do con-
vívio social pode ser acompanhada, ou não, de outras vio-
lências, principalmente a institucional, que é produzida no
âmbito das instituições do Estado. Há uma convergência de
informações, por parte dos entrevistados, que expressam as
condições desfavoráveis para a família que deseja ver seu
filho afastado da violência no espaço público no qual está
inserida. Também existe a dificuldade de acesso ocasionado
pelas distâncias, a falta de condições de locomoção, dentre
outros fatores.
A localidade de moradia das famílias é concentrada
em áreas pobres, com bolsões de miséria e ausência de servi-
ços públicos de qualidade: 43,4%, das famílias buscam apoio
em algum programa social.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

A maioria dessas famílias, 91,9%, é beneficiária do Pro-


grama Bolsa Família (PBF) do Governo Federal, como fica
evidente no gráfico abaixo:
NIVIA VALENÇA BARROS 115

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

As famílias que estão nesses programas assistenciais,


são exatamente as mais pobres dentre as famílias entrevis-
tadas, 84,27%, que recebem entre 0 (zero) e 2 (dois) salários
mínimos. Dentro deste percentual, 56,1% das famílias já vi-
venciaram violência intrafamiliar, ao lado de 43,9%, que in-
formam não terem vivenciado.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

A violência fora do espaço familiar que atinge as fa-


mílias gera medo, insegurança e dificulta todos os aspectos
da vida social. Considerar essas questões como relevantes
é extremamente necessário para entender essas famílias.
Os relatos da presença do tráfico de drogas na localidade
116 FA M Í L I A S N O D E G A S E

aonde o adolescente mora, chegam a 70,5%. A presença de


milícias em seus territórios é relatada por 28,1%; 45,6% iden-
tificam que há bocas-de-fumo com ponto de venda de dro-
gas; 58,4% das famílias afirmam conviver com tiroteios em
sua localidade. As organizações criminosas são uma ameaça
constante aos adolescentes, pois recrutam seus “soldados” na
localidade onde estão inseridas e criam atrativos junto aos
jovens, com promessas de status, dinheiro e poder local, ob-
tido pelas armas. Os confrontos e os tiroteios são as ameaças
que põem a vida em risco e, de imediato, levam a morte e o
terror às famílias, além de traumas e sofrimentos, que inter-
ferem na psique em formação das crianças e jovens, seja pela
banalização da violência ou pela percepção real de que suas
vidas não têm valor.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Em meio a toda complexidade, com inúmeras questões


de vulnerabilidade, há duas situações destacadas pelas famí-
lias de forma premente: a violência estrutural que se expres-
sa na pobreza e nas desigualdades histórico-sociais e, conco-
mitantemente, as questões relativas à segurança, que estão
diretamente relacionadas com as políticas de segurança do
NIVIA VALENÇA BARROS 117

Estado e as concepções elitistas e racistas subjacentes a elas.


O risco abate cotidianamente a segurança da família como
um todo, com constantes tiroteios de milicianos, policiais e
traficantes, que resultam no genocídio de meninos pretos e
pobres, entre outros.
A convivência com situações de perigo, a naturali-
zação da presença de armas e de situações de violência, a
criminalidade cotidiana, a violência doméstica, institucional
e estrutural, compõem um quadro presente na vida desses
adolescentes, desde a mais tenra idade.
Ao citar as múltiplas violências na vida dessas famí-
lias, que afetam a vida do adolescente, destacam-se as violên-
cias de gênero domésticas. A violência de gênero, inclusive,
também se manifesta fora do espaço familiar. Depreendemos
a questão de gênero, pela liderança maciça das mulheres na
direção dessas famílias e a ausência de condições de trata-
mento para dependências químicas como fatos considerados
corriqueiros: 22,5% dos entrevistados relatam que algum fa-
miliar faz uso abusivo de álcool ou outras drogas.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Os homens se destacam nessas condições: o pai aparece


com 35,48% das citações; no total, as figuras masculinas da
118 FA M Í L I A S N O D E G A S E

família aparecem com o percentual de 80,64% de usuários abu-


sivos de álcool e drogas, na família do adolescente em MSE.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

As mulheres são presença majoritária nos lares dos


adolescentes. Os homens, ainda que em minoria, se encon-
tram presentes: pais, padrastos, tios, avós, irmãos mais ve-
lhos. E enquanto as mães são a presença constante, os pais
nem sempre mantém essa continuidade. A violência domés-
tica também está presente, sendo cometida, em grande parte,
pelos homens, que muitas vezes, conseguem trazer para o
ambiente doméstico o agravamento das situações de violên-
cia e padrões de comportamento relatados como negativos,
para os jovens. Essa situação se relaciona diretamente com
os padrões de uma masculinidade hegemônica, caracterís-
tica da sociedade machista e patriarcal na qual vivemos.
A alteração desse processo demandaria, por parte do poder
público, políticas de formação de uma nova geração de ho-
mens e mulheres com uma mentalidade menos contaminada
por padrões comportamentais autoritários e violentos, que
se refletem no processo de autoafirmação dos sujeitos no
ambiente público e privado.
NIVIA VALENÇA BARROS 119

O Sofrimento

A estabilidade emocional no ambiente familiar, tão im-


portante na formação dos jovens, como já foi apresentada, é
bastante afetada pelas precariedades da região de moradia,
limitações financeiras, de educação e cultura, pela violência
etc. O ingresso do adolescente no SSE agrava esse quadro.
A situação de sofrimento é relatada pelos entrevistados quan-
do falam sobre o impacto que causou a apreensão do adoles-
cente pelo SSE e 71,6% citam o abalo emocional sobre os mem-
bros da família. Os aspectos emocionais, a alteração da rotina
familiar, os custos financeiros devido às ações decorrentes do
fato do adolescente estar em MSE, são também fatores que
afetam os membros da família, tendo sido citados como os
mais expressivos. Ou seja, o ato de estar em MSE agrega ainda
mais “vulnerabilidade” às famílias que pertencem às camadas
de menor poder aquisitivo, como já apontado anteriormente.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Em decorrência da percepção desse contexto, e na ten-


tativa de mitigar tais efeitos no seio familiar, haveria a neces-
120 FA M Í L I A S N O D E G A S E

sidade de apoio e de ações das diversas políticas sociais para


o fortalecimento dessas famílias, conforme os parâmetros
do SINASE e as diretrizes do Plano Decenal de Atendimento
Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro: “[...] valoriza-
ção e fortalecimento da família do adolescente garantindo
condições para que esta possa cumprir seu papel protetivo
e de participação em todas as etapas que vão da apreensão
do adolescente até a execução das medidas socioeducativas”
(PLANO DECENAL, 2014, p.17).
As famílias afirmam que padecem em más condições
de saúde, comumente associadas à situação de estresse e
cansaço: 49,3% confirmam que há pessoas doentes na famí-
lia, isto é, metade dos entrevistados afirma que há alguém
doente na família e apenas 1,4% não souberam informar.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Dentre aqueles que possuem problemas de saúde,


43,8% dos doentes tinham doenças cardiovasculares; 12,5%
adoecimentos de caráter mental ou emocional; 9,4% cita-
ram câncer, doença que envolve grande gasto e muito sofri-
mento e outros 9,4% citaram diabetes, doença que implica
tratamento contínuo e uma alimentação que nem sempre
está ao alcance das famílias pobres. A ideia da difusão do
HIV através da promiscuidade e a associação preconcei-
NIVIA VALENÇA BARROS 121

tuosa da promiscuidade com a pobreza se vê desmentida


pelo indicador abaixo e reforça que a necessidade de es-
clarecimento, atenção em saúde pública e educação sexual
devem permanecer no campo das prioridades para se evitar
a expansão das doenças com potencial de serem sexual-
mente transmissíveis.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

A forte estrutura patriarcal e a dificuldade da popu-


lação masculina para responder como provedora da família
tem sido um importante componente para o adoecimen-
to familiar. A ausência de um apoio governamental para
a saúde emocional e mental das famílias pobres, além da
descriminalização das drogas, gera um ambiente favorável
ao uso prejudicial de substâncias psicoativas, como já de-
monstrado anteriormente, nos gráficos. Interessante notar
as questões de gênero, que caracterizam o envolvimento
de familiares com essas substâncias. Há um uso prejudicial
de álcool ou outras drogas na família, e 22,5% fazem uso
122 FA M Í L I A S N O D E G A S E

desses componentes. Nesse grupo de 22,5% de usuários nas


casas, destaca-se a figura do pai, com 35,48%. Tio, avô e mãe
aparecem com 12,9%, irmão 9,68%. Sendo assim, as figuras
masculinas totalizam 80,64% dos que fazem uso abusivo de
álcool ou outras drogas dentro das famílias do adolescente
no sistema socioeducativo, contrariando a tese de que as
mulheres seriam as responsáveis pelo ingresso dos filhos
no SSE, por sua suposta fragilidade na direção da casa.
Derivados da pobreza e da violência estrutural, 43,4%
necessitam de ajuda de algum programa social, sendo que
91,9% dos entrevistados recorrem ao programa Bolsa Fa-
mília. Tais dados comprovam a vulnerabilidade financei-
ra dessas famílias, pois as condicionalidades para o rece-
bimento do auxílio referem-se às precárias condições de
vida apresentadas.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Contudo, parte das residências têm condições razoáveis


de infraestrutura interna, casas de alvenaria e com eletrodo-
mésticos, sendo informado que, em sua maioria, são casas
próprias, de posse, e algumas poucas citadas como moradias
de ocupação ou “invadidas”. O aluguel social aparece residual-
NIVIA VALENÇA BARROS 123

mente e é algo que merece atenção num estado marcado por


deslizamentos de encostas e enchentes constantes, que desalo-
jam famílias inteiras, moradoras dos morros ou das periferias.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Podemos destacar que a grande maioria dos bairros de


residência das famílias, tem proximidade com grandes bolsões
de pobreza e é alvo de violência. Em sua maior parte, são locais
de área urbana, mas com precariedade de serviços públicos.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.


124 FA M Í L I A S N O D E G A S E

Um componente importante também se refere à ques-


tão territorial de moradia, dado o padrão da violência insti-
tucional brasileira, sempre concentrada nas localidades po-
bres, com as violências estruturais e a presença do tráfico, de
milícias e da polícia. Com relação à percepção das famílias
sobre a presença de grupos criminosos, 28,1% relatam a pre-
sença de milícias, 70,5%, o tráfico de drogas. Cabe ressaltar,
porém que as milícias já dominam quase a metade do tráfico
de drogas na cidade do Rio de Janeiro e que a percepção das
famílias, muitas vezes não consegue distinguir os tipos de
organizações criminosas.

R e d e s , sociab ilidade , se xual idade e gê n e r o

As precárias condições de vida, aliadas à falta de lazer,


tornam ainda mais difícil a vida das famílias e dos adoles-
centes. Cerca de 30% do tempo das famílias não é dedicado
à prática de atividades de lazer fora de casa, e 9,1% sequer
têm tempo livre, totalizando 39,9% de famílias sem qualquer
círculo de sociabilidade através do lazer. A falta de segurança
e/ou de opções de lazer no local onde vivem contribui para
isso, haja vista as famílias residirem, em sua maioria, nos
locais em que a circulação é perigosa, com pouca infraes-
trutura e com determinadas atividades sendo consideradas
estigmatizadas pela sociedade e tratadas pelo poder públi-
co como “de risco”, como as rodas de samba e bailes funk.
Contudo, é importante refletir que o lazer é um importante
elemento na sociabilidade e na formação do indivíduo em
sociedade e que o funk e o samba são expressões legítimas
da cultura das periferias.
NIVIA VALENÇA BARROS 125

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

A convivência grupal das famílias dos adolescentes é


uma sociabilidade construída a duras penas. São inúmeras
perdas e separações relatadas. As vivências consolidadas e
as redes de solidariedade constituem-se uma estratégia de
sobrevivência que torna a existência possível. No cotidia-
no, as questões familiares vivenciadas são compartilhadas
por essa rede: 92,4% dos responsáveis contam com o apoio
de familiares. Os amigos são poucos, apenas 6,8% apontam
amigos como rede de apoio, uma vez que a rede mais pró-
xima de amigos partilha dificuldades muito similares e o
ambiente social fomenta um individualismo cada vez mais
forte. É pertinente refletir a respeito do aumento da violên-
cia e se a rotatividade que essas famílias vivem, impedem
a construção de laços comunitários, como existiam nas co-
munidades do passado.
126 FA M Í L I A S N O D E G A S E

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Em sua maior parte, 57,9% dos responsáveis desses


adolescentes são mulheres que contam com a presença femi-
nina para o seu apoio, destacando-se as avós, as irmãs e as
tias. Os homens, mesmo em minoria, quando estão presen-
tes, destacam-se como o pai e o irmão. O avô aparece, mas
como um membro subordinando aos homens mais jovens e
carente de cuidados.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.


NIVIA VALENÇA BARROS 127

A realidade encontrada junto às famílias do SSE do


estado do Rio de Janeiro, no âmbito geral, é a de que encon-
tramos 64,5% de presença feminina, contra 35,5% de pre-
sença masculina nessas famílias. Em sua grande parte, em
caso de separação, os adolescentes ficam com suas mães,
e o abandono do lar pelos homens também é mais comum
do que o de mulheres. Este fato também explica porquê
há a maior quantidade de padrastos, do que de madrastas.
A presença da mãe biológica, com 76,6%, supera a do pai
biológico, com 16,6%, para 52,8% das famílias dos adoles-
centes. Mãe, padrasto (com ou sem outros) são 15,9% dos
casos, enquanto pai, madrasta (com ou sem outros) são de
apenas 2,9%. Sendo assim, percebe-se, através dos relatos,
que a mãe biológica assume mais a responsabilidade sobre
os filhos nos casos de separação e de reconstituição de novo
relacionamento. A presença da mãe, sem o pai biológico,
mesmo que com outras pessoas, é de 60% e do pai sem a
mãe biológica, mesmo que com outras pessoas é de 7,2%.
Uma tendência histórica e atual no mundo, como um todo.
Políticas de igualdade de gênero e de valorização das mu-
lheres são fundamentais nesse contexto.
A presença feminina é um fator relevante e, em nos-
sa sociedade, as avós são figuras presentes e, muitas vezes,
preenchem uma lacuna deixada pelo Estado, com a falta de
oferta de creches e serviços públicos. Assim, os casos em que
a avó aparece, chegam a 15%, inclusive sozinha em 0,7% dos
casos, ou somente com a mãe do adolescente, 1,4%. O avô
aparece um total de 3,6% das situações e em nenhuma si-
tuação está sozinho, sempre com a presença da avó ou da
mãe do adolescente. As avós também são responsáveis pelo
suporte aos pais, nos casos de separação.
A participação dos homens em relação aos cuidados
cotidianos com os adolescentes no SSE é muitíssimo inferior
a das mulheres.
128 FA M Í L I A S N O D E G A S E

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Considerando o fato de que as mulheres, na divisão


sexual do trabalho familiar na sociedade patriarcal, acabam
arcando com a maior responsabilidade nos cuidados com os fi-
lhos; que a discriminação sexual leva as mulheres a receberem
menores salários e a exercerem funções menos qualificadas
no mercado de trabalho; que as mulheres pobres ocupam os
piores postos de trabalho; que a maioria delas é negra e mais
discriminada ainda, e, por fim, que a maioria das mães desses
adolescentes é negra e pobre, não é surpreendente o nível de
dificuldade enfrentado por elas para cuidarem de seus filhos.
Temos, no Brasil, uma carência de políticas de suporte às famí-
lias e tal contexto, desampara muito fortemente a mulher que
trabalha para sustentar o lar, pois não há creches nem escolas
em tempo integral em quantidade suficiente. Essas mulheres e
seus filhos acabam sendo vítimas da desestrutura das políticas
que deveriam proporcionar a elas, as condições de prover seus
filhos conforme o que está previsto no ECA.
São as mulheres mães que apresentam um histórico de
luta pelas condições no atendimento socioeducativo de seus
filhos, dando lugar a entidades (AMÃES, AMAR, Movimento
NIVIA VALENÇA BARROS 129

Moleque) que se organizaram ao longo dos anos de existên-


cia do DEGASE. Estes Grupos de Resistência tiveram na fi-
gura materna, o elo para a luta por seus direitos, “[..]configu-
rando a politização da maternidade, onde a figura materna se
destaca como o principal das lutas políticas” (MOTTA, 2017,
p.108). Contudo, podemos observar que as famílias pesqui-
sadas não identificam as ações dessas entidades, conforme
indicado pelo gráfico abaixo. Algumas fragilidades sobre os
grupos que caracterizam o “Movimento de Mães do Degase”
foram identificadas no estudo de Motta (2017) e nos permite
afirmar possíveis razões para a não identificação das ações
dessas entidades, por parte das famílias pesquisadas, apesar
das ações pontuais realizadas por estas junto às famílias.

[...] A descontinuidade das ações provocadas pela


ausência de recursos financeiros, fragiliza a imagem
desses grupos. Provoca uma falta de credibilidade,
não permitindo a legitimação dos mesmos, pois não
há uma visibilidade de suas ações de forma a garantir
suas intervenções, enquanto grupos de resistência e
monitoramento da política socioeducativa (MOTTA,
2017, p. 110).

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.


130 FA M Í L I A S N O D E G A S E

As questões da sexualidade do adolescente também


são tratadas de forma velada e mesmo que alguns dos ado-
lescentes tenham vida sexual ativa e alguns já tenham fi-
lhos, suas famílias procuram não tratar sobre tal assunto. Na
instituição, os adolescentes não têm direito a visita íntima.
As famílias desconversam sobre esta temática, apresentando
um misto de preocupação, por eles estarem em regime de
internação com a inserção religiosa. Essa mistura cria um
imaginário de que a repressão sexual institucional contribui-
ria para criar uma contrição para que “se tornem melhores”
e a punição os faça aprender.
A questão da sexualidade dos adolescentes é carregada
de repressão. No que concerne às considerações sobre os jo-
vens LGBTI+, as questões são ainda mais escondidas e não
mencionadas. Esse assunto é um tanto proibitivo, pois vem de
encontro com o que a família pensa em termos religiosos, não
sendo incomum pensar que em uma família de determinada
religião, não pode acontecer a homossexualidade. Quando
perguntadas sobre tal tema, não eram raras respostas como:
“na minha família não tem isso não, somos da igreja”.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.


 
NIVIA VALENÇA BARROS 131

Os preconceitos que circundam a sexualidade do


adolescente ainda são mais acirrados no caso da homos-
sexualidade. A sociedade brasileira tem, nos últimos anos,
passado por período conservador, enaltecido pelas forças
hegemônicas atuais. A cultura de intolerância presente na
discriminação e na violência contra a população LGBTI+,
torna o país liderança mundial em crimes de ódio. Segundo
o Relatório elaborado pelo Grupo Gay da Bahia, no ano de
2019 houve 329 mortes violentas de LGBTIs, sendo 297 ho-
micídios e 32 suicídios.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Os crimes de ódio contra a população LGBTI+, o ra-


cismo estrutural e a violência institucional, aliados às ques-
tões educacionais, com falta de acesso à educação sexual e
de gênero, À cultura e ao lazer, são contextos perversos em
nossa sociedade.
A invisibilização dos adolescentes LGBTI+, na fala das
famílias, revela a força do preconceito socialmente construí-
do e estimulado pelas instituições do Estado e da Igreja e
indica a necessidade de produzir estudos que subsidiem a
132 FA M Í L I A S N O D E G A S E

análise e a construção de modelos de intervenção adequados


para o enfrentamento do problema.

A E d u c aç ão nas famílias

No Brasil, em 2017, segundo o IBGE, somente 7,9% da


população tem ensino superior completo; no Sudeste, esse
percentual alcança 18,6%. Entre as famílias dos(as) adoles-
centes em MSE o percentual é de 1,45%, isto é, menos de 1/12
da taxa da região Sudeste. No segmento do ensino médio,
somente 46,1% da população conseguiu concluí-lo no Brasil,
em 2017. Segundo os dados de nossa pesquisa, 19,13% das
famílias do DEGASE conseguiram concluir o ensino médio.
No caso do analfabetismo, a situação é ainda mais gritante,
pois se a taxa no Sudeste é de 3,5% (IBGE 2017), no caso das
famílias pesquisadas, ela sobe para 5,8%.

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.


NIVIA VALENÇA BARROS 133

As análises apresentadas estabelecem o perfil das fa-


mílias atendidas no SSE, e também permitem algumas in-
flexões sobre as carências das políticas de responsabilidade
do Estado, que fragilizam as famílias nas relações com seus
adolescentes e na vulnerabilidade que cerca todos eles e fre-
quentemente leva-os ao cometimento de atos infracionais.
Desta forma, entendemos que estudos desse porte podem
contribuir para subsidiar mais pesquisas de socioeducação,
inclusive na área de análise/avaliação de políticas públicas,
contribuindo de forma ímpar para o processo da Política So-
cioeducativa do Estado do Rio de Janeiro.

C ons i deraç õe s finais

Consideramos que esta pesquisa foi de muita profundi-


dade. Através do material pesquisado, foi possível traçar uma
análise ampla do contexto estudado. A pesquisa proporcionou
a identificação de um perfil de família com eixos em comum,
mas de forma alguma considerada homogênea. Desse modo,
podemos elencar alguns aspectos em comum, pois são famí-
lias: Pobres; Chefiadas por mulheres, em geral, sozinhas; Mora-
doras de lugares pobres e carentes de infraestrutura; De baixa
renda; Cristãs; Com trabalhos precários; Com núcleos de apoio,
onde há a presença de tias, avós, madrinhas ou madrastas.
Estes aspectos em comum revelam a necessidade de
reconhecer que a homogeneização dessas famílias se consti-
tui uma rotulagem que dificulta a atuação. Faz-se necessário
perceber o adolescente como sendo oriundo de um ambiente
que tem particularidades que repercutem sobre a sua visão
de mundo e sobre seus hábitos cotidianos.
Ficou claro também, que boa parte das famílias iden-
tifica o SSE como um espaço de reintegração. Ainda que a
134 FA M Í L I A S N O D E G A S E

ideia de punição se faça presente, ela está atrelada à pers-


pectiva de uma oportunidade de resgate. Nesse sentido, elas
demandam atividades para os seus jovens, para que eles se
socializem e possam mudar suas perspectivas de futuro. As
famílias veem o SSE como o que ele se propõe a ser, ainda
que desconheçam sua história e complexidade. Isso indica
que o caminho apontado pelo ECA para o papel do Estado
junto a esses jovens está certo.
As famílias entrevistadas se veem também como su-
jeitos do processo socioeducativo e apontam que as difi-
culdades em contribuir esbarram nas dificuldades concre-
tas, e não na vontade consciente de se integrarem a ele.
Isso é positivo e importante para os adolescentes, para o
trabalho dos profissionais do DEGASE e para a formula-
ção de políticas que avancem e aprimorem esse processo,
dada a importância da participação efetiva das famílias na
socioeducação.
Ao finalizarmos estas análises, ressaltamos que os
dados apresentados e as considerações aqui refletidas não
se constituem conclusões definitivas, generalizadas e atem-
porais. A nossa preocupação maior é a de contribuir para a
consolidação de políticas públicas que possibilitem a inser-
ção das famílias junto à instituição que se encontrar como
guardiã de seus filhos.
A partir da análise das dificuldades apresentadas den-
tro de uma visão propositiva, pensamos que os dados indi-
cam a necessidade de que: 1) as medidas de internação dos
adolescentes possam ter maior participação das famílias no
acompanhamento do processo; 2) seja ampliada a rede do
SSE pelo estado do RJ, com unidades regionalmente mais di-
versificadas; 3) sejam criadas políticas de apoio financeiro e
de infraestrutura, com o auxílio para transporte, liberação do
trabalho, atendimento de creches etc., para a viabilização da
visita das famílias aos jovens internados.
NIVIA VALENÇA BARROS 135

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CAPÍTULO 3
139

CAPÍTULO 4

FAL AS, E X PE C TAT IVAS,


AN G ÚST IAS E E SPE R ANÇA NO
D ISC URSO DAS FAM Í LIAS
Nivia Valença Barros
Josélia Ferreira Reis
Ana Beatriz Quiroga
Maria Beatriz Barra
Eliana Lobo do C. Guedes
Paula Ferreira Reis
Rita de Cássia Santos Freitas
José Nilton de Sousa

“Ser mulher negra é enfrentar a dor, enfrentar a luta


cotidiana, tentar sobreviver e seguir mais adiante.
A dor não vai passar, mas a mulher negra se le-
vanta generosamente para lutar de forma que ou-
tras não experimentem o que ela viveu” (Jurema
Werneck, 2017).

N
este capítulo, buscou-se tratar das singularidades
presentes em todo o processo de pesquisa, princi-
palmente, no que se refere às expectativas e angús-
tias percebidas no desenvolvimento do projeto, seja pelas fa-
mílias entrevistadas, como também pela equipe do projeto e
profissionais das Unidades, que no decorrer das visitas tam-
bém foram envolvidos. O principal instrumento de investi-
gação qualitativo utilizado para o tratamento das questões
aqui discutidas pautou-se em uma análise compreensiva, que
permitiu perceber as singularidades e os sentidos vinculados
140 FA M Í L I A S N O D E G A S E

aos contextos sociohistóricos presentes, que produziram as


falas aqui analisadas.
O trabalho com falas permitiu o resgate de uma his-
tória contada a partir das próprias experiências vividas
pelas pessoas. As entrevistas eram realizadas, na quase
totalidade das vezes, com as mães que representavam as
famílias do DEGASE que não estão acostumadas a serem
ouvidas. As figuras femininas são marcantes nas vidas dos
adolescentes. São mães pobres, pretas, pardas e algumas
brancas, que são as responsáveis por seus lares, na maior
parte das vezes e são elas que visitam seus filhos. Ainda
persiste em nossa sociedade, a noção de que há lugares es-
pecificamente inerentes às mulheres e estes lugares lhes
são impostos como obrigação e destinação. O dever impu-
tado do cuidado extrapola o cuidado construído e tecido
na singularidade e subjetividade das mulheres. Porém, não
naturalizamos esse espaço como o de mulheres; ao contrá-
rio, o que buscamos aqui é reforçar que este é um marcador
socialmente existente e que designa a elas este espaço e as
práticas demandadas. Aqui, nos referenciamos no conceito
de gênero que já foi discutido. E articulamos, de forma
interseccional, necessariamente, as dimensões de classe e
raça. Assim, são as mulheres, principalmente as mães que
cuidam - e que se mobilizam também para proteger e lutar
pelas vidas e memórias de seus filhos (Motta, 2017; Freitas,
2000, Farge, 2015) e não é à toa que os grupos de familiares
criados, normalmente são reconhecidos como grupos de
mães: Mães de Acari, Mães do Degase, Mães da Praça de
Maio, Mães da Zona Oeste... e a lista se estende pelas mais
diversas identidades de mães, dentro e fora do país. São
principalmente as vozes dessas mulheres que trazemos
aqui, pois são elas que convivem com os adolescentes e,
afinal, o filho é sempre o filho da mãe.
NIVIA VALENÇA BARROS 141

Tabela 1 - Distribuição das pessoas que residem com o(a)


adolescente em MSE. DEGASE/RJ

Percentual
Mãe e outros 35,5
Mãe, pai e outros 15,2
Mãe, padrasto e outros 14,5
Parentes 10,9
Mãe 7,2
Pai 3,6
Pai, madrasta e outros 2,9
Companheiro(a) 2,9
Mãe e padrasto 1,4
Mãe, madrasta e outros 1,4
Mãe e pai 1,4
Pai e outros 0,7
Outros/não familiares 0,7
Sozinho(a) 0,7
Não sabe 0,7
Total 100,0

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Quando mencionamos “Outros” estão incluídas a par-


ticipação, em grande parte, também de mulheres além das
mães, como avós, irmãs, tias, madrinhas e vizinhas. A rede
de sociabilidade feminina se constitui uma forma de sobre-
vivência importantíssima para as famílias mais pobres, e
142 FA M Í L I A S N O D E G A S E

este dado transparece quando, ao responderem com quem


contam neste momento, embora a maioria relate não contar
com ninguém, as falas também remetem à família de origem,
aos membros da família estendida como avós e tios, além de
instituições religiosas.

Tabela 2 - Distribuição da presença da avó na proteção do adolescente


em MSE. DEGASE/RJ

Percentual
Avó 0,7
Avó e mãe 1,4
Avó, mãe e outros 4,3
Avó, mãe, pai e outros 0,7
Avó e pai 0,7
Avó, pai e outros 0,7
Outros/sem avó 84,9
Avó e outros 6,5
Total 100,0

Fonte: Pesquisa Famílias no DEGASE. UFF/DEGASE, 2020.

Assim, quando falamos de famílias, ressaltamos que, no


DEGASE, como visto acima, essas famílias são compostas, em
sua grande maioria, pelas mães e seus filhos. São as mães, em
geral, que fazem as visitas, ou outras mulheres, como as avós,
tias e irmãs. Os pais, avôs e tios, não estão completamente
ausentes, porém raramente se fizeram presentes.
Ouvir as famílias foi uma prática muito importante,
tanto para elas, quanto para nós, pesquisadoras(es). É impor-
tante ressaltar que essa escuta não teve como intuito falar
NIVIA VALENÇA BARROS 143

por outros(as). As mães ouvidas têm sua própria voz e bus-


camos, ao máximo, amplificar essas vozes, captar as falas,
ouvir o que tinham a dizer e assim contribuir para quebrar
os silenciamentos impostos e abrir espaços de interlocução
com o DEGASE, com as equipes, os gestores e a sociedade.
Ouvir os usuários é, ou deveria ser o primeiro passo
para a proposição de um serviço alinhado com as necessida-
des da população que acessa as políticas sociais. Trata-se de
um desafio maior quando estes usuários são os responsáveis
por membros de sua rede familiar e estão inseridos nos ser-
viços de forma compulsória, relacionada a algum tipo de ato
infracional, visto que a garantia de direitos, neste contexto,
acaba por demandar, antes de tudo, um confronto com a in-
dignação social diante da ruptura das normas e padrões de
sociabilidade estabelecidos.
As famílias são pobres e sofrem com muitas vulnerabi-
lidades. De acordo com os dados da Síntese dos Indicadores
Sociais, do IBGE (2019), 63% das casas chefiadas por mulhe-
res negras estão abaixo da linha da pobreza.

Abaixo da linha da pobreza, estão 63% das casas co-


mandadas por mulheres negras com filhos de até
14 anos, com US$ 5,5 per capita ao dia, cerca de R$
420 mensais. O índice representa mais que o dobro
de pontos percentuais se comparado à média nacio-
nal, igualmente alarmante:  25% de toda a popula-
ção está abaixo da linha da pobreza. Para mulheres
brancas e com filhos, a proporção de casas abaixo da
linha da pobreza é de 39,6% (FERREIRA, BRUNO E
MARTINS, 2019, s/p).

As informações foram colhidas com o compromisso


do sigilo e proteção dos entrevistados; assim, todos os pes-
quisadores envolvidos assinaram um termo de compromisso
institucional, garantindo a confidencialidade das informa-
144 FA M Í L I A S N O D E G A S E

ções. O material estudado é riquíssimo e são trazidas aqui


algumas partes que julgamos relevantes, sabendo que não
abrangem a totalidade de informações, pois a cada vez que
analisamos as fontes, mais aspectos nos chamam a atenção.
Assim, houve a necessidade de manter muito cuidado e cri-
térios rigorosos com os dados coletados.
É importante destacar que foi estabelecido com os
integrantes acadêmicos, o compromisso, ou o contrato
no qual foi explicitada a condição de pesquisadores, e não
de profissionais da equipe técnica, pois, no decorrer das
entrevistas com os familiares, muitas questões e demandas
de intervenção poderiam surgir e algumas, de fato, chegaram
a acontecer. Dessa forma, todas as vezes em que as falas
das famílias entrevistadas refletiram alguma questão que
necessitava de intervenção, a equipe do DEGASE foi
acionada para transmissão da demanda e após o registro,
foi encaminhada para a equipe da unidade responsável pelo
acompanhamento da família ou do adolescente interno.
Portanto, procurou-se garantir a escuta da demanda e o seu
correto encaminhamento para os profissionais competentes.
Para melhor aprofundamento do trabalho de campo,
os pesquisadores com maior experiência no campo ou no
meio acadêmico, funcionavam como monitoras(es) daqueles
que eram menos experientes e estes papéis eram, eventual-
mente, trocados entre os profissionais formados e os auxi-
liares de pesquisa. Essa condução permitiu que houvesse a
experimentação em todo o processo de pesquisa e o contato
direto com a população atendida, possibilitando uma inten-
sa troca de saberes, que também produziu uma experiência
extremamente rica.
Importa ressaltar que as famílias, que normalmente
ficam alijadas do que acontece com seus filhos no sistema
socioeducativo, passaram a ser ouvidas na proposta desse
projeto. Além de traçar o perfil dessas famílias, como no ca-
NIVIA VALENÇA BARROS 145

pítulo anterior, aqui, suas falas são ouvidas e suas demandas


trazidas, de modo a conhecer seus anseios, preocupações,
angústias e a busca por maior participação no processo de
cumprimento de medida socioeducativa. Isso nos ajuda a
compreender ainda mais quem são essas famílias.
Passemos agora à análise das falas. Primeiro, nos vol-
tamos para a análise das falas da equipe, pois também, como
já foi adiantado, esse foi um tempo de aprendizagens aca-
dêmicas, mas também pessoais. Os alunos, especialmente,
trouxeram muitas falas. Em seguida, serão abordadas as falas
das famílias para as quais iremos dedicar a nossa atenção.

AS FAL AS DA EQUIPE

A equipe se reuniu periodicamente desde a elabora-


ção do projeto, mas, a aplicação do pré-teste foi fundamen-
tal para o estabelecimento do primeiro contato, no campo
de pesquisa. Esta ação também nos permitiu perceber, por
exemplo, que para além da comunicação formal com as ins-
tâncias gestoras, para autorização da entrada das equipes,
era fundamental o contato prévio com os atores institucio-
nais que estariam responsáveis pelos plantões nas Unidades.
A experiência piloto contribuiu para que fosse possível “apa-
rar as arestas”, redirecionar condutas e estabelecer outras
formas de interações.
As idas às Unidades para a pesquisa de campo ocorre-
ram nos finais de semana, para acompanhar a rotina de visita.
Como vimos, a articulação prévia com as equipes foi impor-
tantíssima, na medida em que permitiu a organização da Uni-
dade para os dias de entrevista, como também a viabilização
do contato com as famílias e sua mobilização para a pesquisa.
Sem o trabalho dos agentes locais, essa pesquisa teria sido ain-
146 FA M Í L I A S N O D E G A S E

da mais dificultada. Alguns alunos relataram que os contatos


com os profissionais nas Unidades qualificavam os estudos da
temática e que aprendiam muito nesse processo.

“É mais que uma aula e seminário juntos…”


“Aprendi muito... nunca pensei em ter uma oportunida-
de como essa…”
“Os cursos ajudaram muito pra conseguirmos agir aqui…”

Contar com o apoio institucional para o deslocamento


das equipes também foi estratégico: enquanto parte dos pes-
quisadores se deslocavam com meios próprios para as Uni-
dades da capital, outra parte da equipe, com os alunos, era
buscada na UFF, em Niterói-RJ. A ida a campo ocorria ainda
nas primeiras horas da manhã, para que, ao abrirem os por-
tões das Unidades para as visitas, toda a equipe já estivesse a
postos para a sensibilização e intervenção junto às famílias.

“Adoro essas idas... me sinto pesquisadora…”


“Saio na sexta e fico com medo de perder o ônibus no
sábado e o ônibus não espera…”
“Saí de casa ainda escuro e vim correndo... não podia
perder o ônibus e a pesquisa…”
 “o ônibus é velho e o banco duro, mas nem sei se não
tivesse essa forma de irmos…”

O ingresso em uma unidade de internação, para o


olhar de quem não integra o sistema socioeducativo, confi-
gura uma experiência forte, que sinaliza padrões de sociabi-
lidade diferenciados do meio acadêmico. Fato que foi muito
comentado pelos alunos.

“Quando o portão fechou eu senti um peso…”


“Dentro da Unidade me senti como numa prisão…”
NIVIA VALENÇA BARROS 147

“eu ia ficar louca presa aqui...”


“não aguentaria ficar sem fazer nada…”
“eles são observados o tempo todo…”

O contato com uma realidade tão opressiva, também


trouxe, num determinado momento, uma postura em busca
de diferenciação por parte de um dos discentes, que decidiu
incrementar um pouco o vestuário acordado como padrão
para a Equipe de Pesquisa (calça jeans, camiseta de malha
branca e tênis de cores neutras), incluindo uma camisa bran-
ca social por cima da camiseta de algodão. Disse ele:

“eu já sou a cara dos internos, imagina se me confundem...”

E, assim, se processou um movimento de identificação


e de busca de diferenciação, sinalizado por este pesquisador
e que, apesar de possuir semelhanças físicas e socioeconômi-
cas com os jovens internados, deles se diferenciava. A fala,
dita de forma meio jocosa, meio séria, representa uma forma
de resistência individual contra o racismo estrutural brasi-
leiro, bem como, o temor de sua representação institucional.

“os meninos que vi parecem com meu irmão”


“eu poderia ser um deles...”
“fui criado em uma comunidade também, poderia estar
ali…”

As extremas desigualdades sociais e o racismo estrutu-


ral colocam jovens pobres e pretos no lugar de vulnerabilida-
de, mesmo aqueles que conseguem romper com a estrutura
social e entrar em uma universidade pública. Os estudantes
pretos, pardos e pobres, ainda que, ocupando um lugar mui-
to diferente dos jovens do DEGASE, continuam a se sentir
oprimidos e comumente também se tornam alvos em blitz
148 FA M Í L I A S N O D E G A S E

da polícia ou são segregados em diversos lugares. Segundo


os dados do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, de
2017, o risco de um jovem negro ser vítima de homicídio no
Brasil é 2,7 vezes maior do que o de um jovem branco. Tam-
bém são os jovens pretos e pardos que constituem a maior
parte da população carcerária e são as principais vítimas da
ação letal das polícias. Meninos pretos e pobres estão envol-
tos em múltiplas vulnerabilidades e a consolidação de uma
Política Socioeducativa contribuiria para a reinserção dos
adolescentes, que já enfrentam contextos muito adversos.

Um país como o Brasil, com uma população de 43


milhões de pobres (renda pessoal inferior a dois dó-
lares por dia), precisa investir prioritariamente em
educação, saúde, moradia popular, saneamento bási-
co e geração de empregos. Programas emergenciais
de renda mínima, bolsa-escola, capacitação profis-
sional e facilitação do crédito para a população de
baixa renda, entre outros, têm de ser estimulados.
Só um maciço esforço de resgatar a dívida social o
mais rapidamente possível, junto com uma profunda
revisão do nosso falido modelo de segurança e justi-
ça, é que nos permitirá vislumbrar no horizonte um
país menos injusto e violento. O resto são mitos, ou
demagogia de quem busca na manipulação do medo
uma fonte de lucro e poder (LEMGRUBER, 2001, s/p).

Os alunos e alunas, também pretos e pardos, oriundos


de famílias pobres, tiveram a oportunidade de discutir sobre
os contextos observados e correlacioná-los com as suas pró-
prias vivências. Tais debates foram muito intensos e contri-
buíram para o processo formativo desses jovens. A equipe
procurou não interferir no contato das mães e demais fami-
liares com os adolescentes, mas a conduta dos adolescentes
internos, durante as visitas chamou a atenção da equipe.
NIVIA VALENÇA BARROS 149

O comportamento dos adolescentes durante as visi-


tas seguiu alguns protocolos, tanto o institucional, quanto
os estabelecidos por eles mesmos, que foram estudados pela
pesquisa desenvolvida pelo DEGASE e pela UERJ, terminada
em 2019. Há um pacto entre os adolescentes sobre as formas
de comportamento a serem adotadas, um código de conduta,
que começa pela censura do olhar. Por exemplo, não se pode
olhar, encarar diretamente as famílias. Também seguem
padrões de vestimenta, sendo proibido ficar sem cueca por
baixo dos shorts padronizados. Hábitos comuns e típicos de
adolescentes como “coçar as partes íntimas” ou olhar para
um familiar do sexo feminino podem gerar sanções graves
entre eles. Ao tomar conhecimento destes padrões de com-
portamento e da “ética” existente entre os jovens, o grupo
de pesquisadores se organizou de forma a minimizar possí-
veis estranhamentos. O que não evitou que, em determinado
momento, uma das coordenadoras da pesquisa encontrasse
algumas bolsistas sentadas em uma mureta observando de
longe a dinâmica das famílias com seus jovens. De fato, uma
dinâmica que chama a atenção, mas o sentido da pesquisa
não era o de expor os adolescentes a olhares curiosos.

“Fiquei observando os sacos de biscoito em cima da mesa,


os lanches, em tão pouco tempo eles fizeram um piquenique”.

Outra fala corrobora essa ideia:

“Em tão pouco tempo eles confraternizaram tanto, esta-


vam felizes…”
“As famílias vão se juntando e formando “famílias”
maiores.”

Por outro lado, também há a percepção de posturas


muito contidas por parte das famílias e dos adolescentes:
150 FA M Í L I A S N O D E G A S E

“algumas famílias e os filhos nem conversam, ficam de


cabeças baixas. Que triste...”
“Como eles são comportados com as famílias...”

Outras falas refletem as observações sobre o DEGASE:

“Os meninos estão bem uniformizados, com roupas ex-


tremamente limpas... neste momento, eles são o cartão de visi-
tas da instituição”.
“Nem parecem... né? Que cometeram aqueles atos”.
“Tudo aqui é tão velho... tão triste…”

Ao final de cada ida às unidades os comentários da


equipe eram de cansaço, mas de extrema satisfação pelas
ações realizadas:

“Um dia especial e de vitórias. Fico muito grata de po-


der integrar um grupo tão aguerrido. Vocês são uma motiva-
ção a mais.”
“Mais uma etapa sendo avançada, com trabalho em
equipe.”
“O dia hoje foi muito produtivo!”
“Extremamente cansativo, mas muito proveitoso... O ca-
lor de hoje contribuiu para um cansaço maior!”
“O grupo é realmente muito dedicado. Estou meio comba-
lida pela gripe, mas as boas energias do grupo me animaram”.
“Hoje foi muito especial. Os profissionais daqui são in-
críveis. O trabalho rendeu muito, apesar de muito cansativo...
agora vamos à avaliação e a organização da próxima etapa...
o trabalho fica mais leve assim ...”
“Que recepção dada... a equipe técnica da Unidade real-
mente queria nos receber... eles perceberam a dimensão da pes-
quisa…”
NIVIA VALENÇA BARROS 151

Essas falas apontam o processo de aprendizagem, pes-


soal e profissional, vivenciado pela equipe. E demonstram a
importância dessa vivência na construção de um olhar sobre
os resultados alcançados, o que poderia colocar um ponto
final na discussão acerca da suposta neutralidade científi-
ca. Já não existe neutralidade ao escolhermos determinado
tema, assim como nas formas adotadas para procedermos
à análise. O que importa é estarmos sempre buscando pro-
blematizar a nós mesmos como sujeitos dessa investigação.
Passemos agora às falas das famílias, das mulheres que nos
concederam o privilégio de ouvir suas falas.

As fal as das famílias - As mãe s do DE G AS E

O espaço é uma quadra coberta. Espalhados nes-


sa quadra, várias mesas. Jovens e adultos estão sentados
ao redor de cada mesa, onde podemos ver uma garrafa de
refrigerante, sanduíches e biscoitos. Poderia parecer uma
festa, um momento de encontro comum. Mas não é bem
assim. Sob um olhar mais atento percebemos que faltam coi-
sas: faltam talheres, faltam copos de vidro, faltam recipientes
para guardar os pães e os biscoitos que estão armazenados
em sacos plásticos transparentes. Só assim podem passar
pela segurança. Não estamos numa festa; estamos numa ins-
tituição do DEGASE, que não importa aqui definir qual é.
É um encontro de famílias, é a hora da visita que a gente
vem perturbar. É a hora que as famílias chegam e podem
acessar suas crianças. Parece tudo muito harmônico, mas
também essa harmonia é aparente. Nas falas que recolhemos
nesse dia aparecem tensões. «Eu avisei, ele está aqui porque
quis - se voltar eu não venho mais visitar” é o que nos diz
um responsável. Para nossa surpresa, uma mãe nos diz que
152 FA M Í L I A S N O D E G A S E

o melhor para ele é estar (e continuar ali), pois está jurado


de morte e ali fica supostamente, mais seguro. Não, não é
exatamente um encontro harmônico. Mas é um encontro de
famílias - no que essa expressão pode ter de mais complexo.
Os adolescentes do DEGASE possuem famílias. Sim,
essa é uma afirmação necessária. A sociabilidade pode ser
diversa de padrões julgados como normais para o olhar de
determinada classe. As famílias podem ter divergências, con-
flitos, rompimentos temporários, mas, são raros os jovens
com vínculos familiares definitivamente rompidos. Mesmo
aqueles adolescentes que negam por algum tempo os laços
familiares, algum membro da família o procura.

“Meu filho vivia com o tráfico, mas depois daqui ele vai
voltar pra casa…”
“Foram tantas as decepções, choro, oro…”
“Ele é meu neto, é da família…”

Em uma das Unidades, por exemplo, vimos uma mãe


que andava com dificuldade, com o pé imobilizado, fomos
ajudá-la e logo disse, “caí aqui em outra visita, mas eles me
ajudaram, fizeram curativos, fui na Clínica e engessaram, ti-
rei pra visitar meu filho, cortei tudo”. Ela estava mancando e
escorando-se em um lado do corpo. A técnica avisava que
deveria ficar de repouso, mas ela insistia, dizendo: “enquanto
meu filho estiver aqui eu venho, não engesso não!” A preocu-
pação em fazer com que o filho perceba que não foi abando-
nado está presente em todos os relatos durante as entrevis-
tas, e se estrutura não só no comprometimento em acolher
afetivamente o filho, mas também na necessidade de trazer
para ele os itens fundamentais, para que possa passar mais
uma semana na internação para o cumprimento da medi-
da socioeducativa. Essa é uma das faces com que o cuidado
se apresenta na vida e falas dessas mulheres. Cuidar é orar
NIVIA VALENÇA BARROS 153

pelos filhos, é estar presente, fazê-los se sentirem amados,


mas também proporcionar meios objetivos para que possam
permanecer na unidade da melhor forma possível.
Muitas famílias relatam as dificuldades para garantir as
visitas, seja pelo custo do deslocamento, seja pelo custo dos
produtos que precisam trazer. Além disso, há a distância e a
mudança radical da rotina familiar para dar conta deste acom-
panhamento. Muitos adolescentes acabam se distanciando dos
familiares por conta de sua internação. As unidades são dis-
tantes e muitas mágoas e muitas violências estão presentes
no processo, com muitos ressentimentos e questões. Grande
parte dos jovens acaba não recebendo visitas constantes, em-
bora a maioria das famílias entrevistadas afirme que é possí-
vel manter a rotina de visitas e apenas uma tenha afirmado
não saber. As famílias são pobres e muitas estão em situação
de extrema vulnerabilidade. O deslocamento, as dificuldades
para cuidar de outros filhos que estão fora do sistema, a falta
de condições para suprir as necessidades dos familiares e do
adolescente no próprio DEGASE, contribuem para a falta de
visitação constante e, em alguns casos, para o distanciamento.

“Deixei os outros meninos pequenos em casa e corri até


aqui e ainda tenho que fazer comida pra eles quando chegar…”
“As passagens são caras... nem sempre posso estar aqui...”
“Não sei até quando vou aguentar tudo isso…”
“Às vezes não tenho nada em casa, mas trago coisas
pra ele…”

O DEGASE fornece muitos materiais individuais


para os adolescentes, mas nem todos os recebem devido à
quantidade ser insuficiente. Os jovens precisam de produ-
tos de higiene, roupas íntimas, chinelos, roupas de cama e
banho, além de alguns medicamentos específicos; as meni-
nas, além desses itens, precisam de absorventes, calcinhas,
154 FA M Í L I A S N O D E G A S E

maior quantidade de papel higiênico; nem todos são forne-


cidos pela instituição ou são oferecidos de forma suficien-
te. Esses itens ficam a cargo das famílias, como também,
os alimentos complementares que são trazidos nas visitas
e, muitas vezes, são usados pelos adolescentes em escam-
bos entre si.
Nem todas as Unidades contam com o apoio do poder
público para garantir o acompanhamento dos adolescentes
no cumprimento da Medida Socioeducativa por seus fami-
liares. Na época da pesquisa, somente em uma Unidade, as
famílias explicitaram que recebiam auxílio para locomoção
dos CREAS dos municípios de abrangência. A esmagadora
maioria declarou não receber qualquer auxílio.

“Não tive como trazer nada... quase nem conseguia che-


gar porque não tinha dinheiro para o ônibus…”
“Trouxe o que pude... ele não gosta muito dessa marca,
mas a outra era mais cara.”
“Fiz o bolinho que ela gosta... pena que chega aqui frio…”

As famílias que estão em contato recente com o DE-


GASE, apresentaram-se muito desoladas. A primeira passa-
gem tem efeitos marcantes, na família e no jovem. Não que
as internações seguintes não produzam maus efeitos, mas,
indubitavelmente, o impacto de uma primeira passagem afe-
ta toda a família, sendo um choque para a mesma. A surpresa
do ato infracional, a decepção com o filho, o medo do que
pode lhe acontecer, o desconhecimento de seus direitos, a
sensação de impotência frente ao futuro incerto do filho e
as histórias de vida com reiteradas violações e humilhações,
compõem um quadro nebuloso e sofrido.
Ao se tranquilizarem quanto a localização e após a pri-
meira visita, por outro lado, um mar de expectativas vai se
formando, pois anseiam que seus filhos estudem, melhorem
NIVIA VALENÇA BARROS 155

o comportamento, aprendam uma profissão, que “não apron-


tem mais”, que tenham tratamento para o uso de drogas, que
estejam seguros e protegidos. Esperam que, dentro dos mu-
ros da instituição, recebam tudo aquilo ao que não tiveram
acesso do lado de fora e que não lhes foi oferecido ou que
não era reconhecido como importante pelo adolescente, em
sua construção de vida.

“Queria muito que ele voltasse a estudar e fazer curso.”


“Queria que ele saísse daqui com documentação, que
pudesse estudar e servir o Exército.”
“Queria que ele largasse as drogas.”
“Queria que ele trabalhasse, estudasse e seguisse com a
família.”
“Queria que ele fizesse um curso profissionalizante para
que o encaminhe.”
“Ele podia ter um atendimento psicológico.”

A forma como as famílias avaliam o atendimento foi


percebida por meio de uma questão que buscava se apro-
ximar da percepção delas sobre o acolhimento. Indagadas
sobre o sentimento de acolhimento na primeira chegada à
instituição, a maioria das pessoas entrevistadas se sentiu
acolhida, destacando o acesso à informação, a escuta e o tra-
tamento respeitoso como elementos fundamentais para esta
percepção. Ainda nesta direção, outros elementos típicos da
sociabilidade brasileira parecem reforçar este sentimento e
uma fala como a de que “conheci o diretor”, representa o fato
de que uma pessoa, num momento de extrema dificuldade,
pode ter a sensação de prestígio pelo contato direto com o
representante máximo daquela Unidade. Com relação à per-
cepção de não acolhimento, destacaram-se a falta de infor-
mação, a falta de contato e a falta de atendimento. Neste gru-
po, duas pessoas não souberam, ou não quiseram explicar o
156 FA M Í L I A S N O D E G A S E

porquê de não se perceberem acolhidas, e uma declarou que


“sempre tem estresse”.
Naquelas famílias, cujos filhos somam várias passa-
gens pelo sistema socioeducativo, vemos o cansaço nos ros-
tos, o desânimo nas falas, por vezes uma irritação devido a
mais uma decepção causada pelo filho ou até mesmo a sensa-
ção de fracasso, como responsáveis, por não compreenderem
o que se passa com ele. De qualquer modo, ter uma pergun-
ta ou questionamento sobre ele, e o desejo de saber onde e
como ele está, mesmo que em meio a sentimentos ambíguos,
apontam o fato de que não houve desistência desse lugar,
pois novamente se encontra no mesmo contexto.
À medida que falam das dificuldades com a internação
dos filhos, expressam as necessidades que consideram
importantes para a reinserção deles e, para tanto, apresentam
a demanda de acesso à política de saúde para o tratamento e
acompanhamento do uso abusivo de drogas. Neste aspecto,
se ressalta, portanto, a demanda por atendimento psicológico
e pelo encaminhamento para o tratamento de seus filhos.
Ainda nesta direção, percebe-se a preocupação para que
recebam assistência e apoio, a fim de ajudá-los a romper a
relação com o tráfico e/ou uso de substâncias ilícitas.
A situação de internação de um jovem para cumpri-
mento de medida socioeducativa, impacta de forma signi-
ficativa a sua família. Primeiro, na rotina cotidiana, já que
há a necessidade de organização e de logística para as visi-
tações e com relação aos sentimentos vivenciados no grupo
familiar, que se expressam com “foi uma surpresa.” “Ninguém
esperava…”. O impacto para as mães também é sinalizado na
demonstração do quanto a situação do adolescente as atin-
giu. Neste sentido, destacam-se falas como “desestabilizou a
mãe”, “se sente segura com ele na instituição”, “abalou a fa-
mília”, “tristeza para a mãe”, “adoeceu a mãe”. Também são
relatados impactos “psicológicos”, com o uso deste termo es-
NIVIA VALENÇA BARROS 157

pecífico pelos sujeitos entrevistados, para sinalizar os efeitos


subjetivos que a situação do adolescente causou à família,
atingindo o relacionamento de seus membros.

“Prefiro ele aqui porque sei onde ele está...”.


“Ele já não ia pra casa... dormia na boca…”
“Aqui ele aparece machucado... diz que aqui é o inferno…”
“Quando sair daqui ele vai mudar de vida... aprendeu…”

Outro fator que nos chamou a atenção na hora da visi-


ta, refere-se ao movimento de formação de grupos maiores,
compostos por mais de um núcleo familiar, resultando em
novos grupos com o compartilhamento de alimentos e aco-
lhimento de algum jovem que não esteja com visita, caracte-
rizando a formação de redes de apoio e de solidariedade, co-
muns em nossa história familiar (Sarti, 2003; Fonseca, 2002).

“Eu e a mãe dele dividimos o que compramos... ficamos


amigas…”
“A gente se junta e paga o carro para trazer a gente.”

Em uma das unidades, ao conversarmos com duas fa-


mílias, uma delas explicava como as mães formaram laços
para que chegassem e saíssem no mesmo horário. Isso por-
que elas pegavam um barco pela manhã e à tarde, já que
há horário certo; caso houvesse atraso, perdiam a viagem.
Ao mesmo tempo em que expressavam as dificuldades, iro-
nicamente riam, se orgulhando dos lanches trazidos para os
filhos e que “não deixo de ver meu filho”. Falavam ao mesmo
tempo, mostrando a parceria, a cumplicidade estabelecida e
como uma ajudava a outra nessa viagem de ida à Unidade,
para que não perdessem o horário. Mesmo ficando sem um
tempinho da visita às vezes, “ah uma chama a outra é naquele
horário”. Nesse clima, em outra família, a mãe falou como
158 FA M Í L I A S N O D E G A S E

precisava da aliança estabelecida com a nora para as visitas,


como combinava com a companheira do adolescente, sobre
quem viria todas as semanas. Ao olhar para a técnica, dizia:
“sou mãe, né?”, reivindicando esse direito para as visitas, de
modo que o adolescente fosse visitado todas as semanas.
Outras questões importantes são apontadas, além da
necessidade de acesso à política de saúde, como referida
anteriormente, tais como o acesso à Educação expressa em
grande número de relatos, não só direcionados à formação,
mas pela participação em cursos e qualificação para o mun-
do do trabalho, sendo essa, uma outra demanda importante,
pois somente dessa forma haveria a mudança de contexto e
seria a única alternativa para a mudança de vida. A questão
da inserção nas escolas também é bastante complexa.

“Ele só vai conseguir mudar, mudando tudo... tem que


estudar….”
“Tem que sair daquele círculo... tem que encontrar uma
profissão…”
“Só vai mudar se estudar e conseguir uma profissão...
trabalhar…”
“Como vai se virar se não tiver profissão?”

As famílias pensam na importância do estudo dentro


da Unidade para gerar uma possível mudança na vida do
adolescente, assim que saírem da internação. No entanto, as
escolas das Unidades, na época da pesquisa, não comporta-
vam todos os adolescentes. A superlotação provoca a exclu-
são de vários adolescentes do processo de inclusão escolar.
Os poucos que frequentam a escola conseguem não somente
estudar, mas sair um pouco do alojamento para outra ativi-
dade. Tal fato tem sido alvo de denúncias e algumas altera-
ções em 2020, foram efetuadas. Mas, até então, as famílias
não participavam desse processo. Em uma Unidade, uma
NIVIA VALENÇA BARROS 159

mãe se emocionou após entrar no espaço e ver a escola em


que seu filho estuda. Na parede, ela reconheceu um trabalho
produzido por ele.

“É aqui que ele estuda... ele estuda mesmo... olha que


lindo o trabalho que ele fez.”
“Sempre tive curiosidade de ver a escola de meu filho... é
verdade que ele tem vindo aqui?”
“Meu filho ainda não conseguiu vaga aqui... será que ele
vai conseguir?”

Vale destacar que o estudo, para as famílias é visto


como uma ponte para o mundo do trabalho, pois na verda-
de é o estatuto de trabalhador que é tido como o elemento
que concede ao indivíduo a possibilidade de ascensão so-
cial. Pelo menos é isso o que se depreende das falas dessas
mulheres. Em uma sociedade que se organiza a partir do
trabalho, ainda que não possibilite o acesso deste a todos,
a inserção no mundo profissional continua a ser entendi-
da como a garantia da cidadania formal, o que diferencia
o trabalhador, do malandro. O que fica ainda mais cruel
é pensarmos que essa sociedade pode hoje se estabelecer
sem a necessidade de envolvimento de todos os indivíduos,
o que gera a formação de levas de homens e mulheres que
vivem na exclusão.
As famílias expõem a expectativa sobre o que é mais
importante que ocorra após a apreensão dos adolescentes,
pois muitos apresentaram suas dificuldades e angústia até o
momento da internação do adolescente no DEGASE. A inte-
gridade física é uma importante preocupação, assim como a
necessidade de saberem se ainda estão vivos, pois até obte-
rem a informação de onde se encontram seus filhos, a angús-
tia é grande. A falta dessa informação foi citada por muitos
familiares, como um contexto de intenso sofrimento.
160 FA M Í L I A S N O D E G A S E

O temor pela violação da integridade física só não su-


pera a demanda de não saber, com exatidão, o local onde o
adolescente se encontra após a apreensão. A maioria das fa-
mílias relata que esta é a sua principal necessidade, e a maior
dificuldade, ao tomar conhecimento de que seu filho entrou
em conflito com a lei e foi apreendido. Esse temor se expres-
sa diretamente na frase “Que não sofra violência”. Os relatos
de violências sofridas desde a apreensão são carregados de
sofrimento e indignação, pois entendem que apesar do “erro”
cometido por seus filhos, eles não deveriam ser tratados com
agressões físicas, xingamentos, desrespeito e ameaças. Neste
mesmo sentido, há o apelo para que a polícia seja acionada
antes da população, com o claro objetivo de evitar o lincha-
mento nas comunidades.
Na relação com as instituições, as famílias demandam
inicialmente o bom tratamento e o acolhimento, no senti-
do da instituição “apoiar o adolescente para sair da situação”.
Recepção e segurança também são elementos que surgem,
assim como o apelo para “saber os direitos dos adolescentes“
e que “sejam interrogados por uma delegacia especializada”.
Saber se o adolescente está vivo e seguro, se foi acolhido e
se foi levado para a delegacia sem o uso de violência, foram
pontos importantes destacados.

“Tentaram linchar... podiam prender, mas foi horrível...


só soube depois…”
“Procurei por todos os lugares, não sabia pra onde ele
tinha sido levado…”
“Machucaram muito... ele apanhou muito… não sabia
se tinham levado para o hospital…”
“Deram até tiro... por que não o prenderam logo?”
“Já tinham segurado ele, mas bateram mesmo assim…”
“Os policiais bateram muito nele e depois ameaçaram a
gente também…”
NIVIA VALENÇA BARROS 161

As famílias entrevistadas também demonstraram


preocupação com a violência policial antes da medida de in-
ternação, mas essas violências nem sempre são visualizadas,
e muitas vezes, são naturalizadas como parte do contexto
vivido. O que ocorre também é que essas violências podem
não ser denunciadas, devido ao medo de retaliações. Muitas
famílias procuram evitar qualquer assunto que julguem dei-
xar seus filhos em perigo e, como estratégia buscam não falar
sobre o DEGASE; outras acham que punições fazem parte do
trabalho educativo e/ou naturalizam as violências. Algumas
famílias explicitam que não há diferença entre o DEGASE e
o sistema prisional.
Em uma das entrevistas, ao ser indagada se o filho já
havia sofrido algum tipo de violência, a mãe foi categórica
ao afirmar que não. Mas, ela havia relatado, momentos antes,
que o adolescente havia sido ferido em confronto com a po-
lícia e que ainda demandava cuidados, mesmo na internação.
Em outro relato, uma mãe diz que o filho foi apreendido após
ato infracional violento, tendo sido alvejado pela força poli-
cial. E ainda assim, esta mãe não conseguia perceber que o
filho foi vítima de violência. No senso comum, o ato infracio-
nal, ou criminal, justificaria todo o tipo de ação repressiva,
incluindo aquela que resulta em morte.

“Sabe como é aqui na prisão... ninguém tem pena…”


“Ninguém sabe o que ocorre atrás do muro... saímos e
não sabemos o que vai acontecer com eles…”
“Nunca mais dormi direito... não sei como vão tratar
dele…”
“Já falei pra ele ficar calado... nunca responder... ficar
de cabeça baixa…”

São muitos os relatos sobre a “violência institucional”


sofrida pelas famílias. As mais relatadas, são as que ocorrem
162 FA M Í L I A S N O D E G A S E

no momento da audiência, pela forma com que os atores do


judiciário se referem a elas. Os discursos narrados pelas fa-
mílias impactaram a equipe em um determinado território.
Várias falas demonstraram como a violência se entrelaça na
vida dessas mulheres, negras, pobres, a maioria sem grau de
instrução e que não dominam nem a fala, nem os instrumen-
tos legais para discutir com o Poder Judiciário.

“Ela me arrasou! Disse pra mim que da próxima vez eu


ia achar meu filho na vala, cheio de formiga.”
“No fórum somos tratadas como criminosas, nossos fi-
lhos cometeram atos infracionais, não nós.”
“Nos tratou como criminosos... falaram que somos os
únicos responsáveis…”
“Ela fez eu me sentir um lixo.”
“Ela não deixa a gente falar, humilha e ameaça a gente.”

Em termos de violência institucional no interior da


Unidade, as mães preferem não falar e ficam reticentes. Di-
zem que já foi pior. Algumas já tiveram outros membros da
família internados: “Era muito pior…”. Outras, falam da difi-
culdade de não saberem o que ocorre quando vão embora.
Relatam a esperança de que os filhos aprendam algo dentro
do DEGASE e ficam muito tristes quando veem os filhos com
alguma marca de machucado. Além da violência que os ado-
lescentes podem sofrer, os relatos de violência institucional
são também expostos pelas mulheres.

“É muito difícil ir embora e deixá-lo aqui... as coisas


acontecem e não podemos fazer nada…”
“Eles erraram e estão aqui para aprender, mas, nem sei...
às vezes vejo que ele está mais revoltado... ele reclama muito…”

As visões discriminatórias sobre os familiares dos


adolescentes internados no DEGASE, comumente os apon-
NIVIA VALENÇA BARROS 163

tam como “negligentes”, coparticipes em atos criminosos,


fazendo-os “pagar pelo erro dos filhos”, aumentando todo o
sofrimento. Agravos de saúde física e mental são descritos,
frequentemente. Preconceitos dentro da própria família, no
contexto social e no ambiente de trabalho, são destacados
nas falas:

“Meu marido foi demitido… perdi o trabalho…”


“Tenho dificuldade de arrumar emprego…”
“Muitos amigos nos abandonaram, decepção…”
“São brigas, instabilidade e afastamento da família…”
“Sofri discriminação na própria família, a avó adoeceu e
morreu de tanto sofrimento …o irmão ficou abalado nem conse-
gue visitar… a irmã entrou em depressão… eu fiquei doente…”
“Nossos vizinhos passaram a ter medo.”
“Os irmãos estão sofrendo.”
“Não durmo... choro muito.”

Ao tratar a violência vivida no âmbito doméstico, fo-


ram relatadas agressões pelos pais, padrastos, mães e irmãos,
além dos próprios adolescentes. Agressões físicas e psicoló-
gicas foram as mais relatadas, além de estupros e homicí-
dios, sendo que em um dos casos, o próprio adolescente foi o
responsável pelo ato. Em uma das entrevistas mais tocantes,
a mãe relata repetidos episódios de agressões sofridas por
parte do pai do adolescente e, em um dado momento, respira
fundo e confessa que o jovem é fruto de estupro cometido
pelo marido. Afirma que na época, ela não tinha esta noção,
embora tenha sido obrigada de maneira violenta a fazer sexo
com o marido, mas que atualmente, com as informações que
acessa pela televisão, consegue entender que foi estuprada.
A violência contra as mulheres percorre todas as classes so-
ciais, é verdade, mas as formas de lidar com os fatos, são va-
riadas. A falta de perspectivas e a falta de apoio institucional,
164 FA M Í L I A S N O D E G A S E

através de políticas e serviços, faz com que essa realidade


seja duramente sentida por essas mulheres.
Os contextos de violência doméstica acontecem em
todas as classes sociais, mas estes cenários para as mulheres
negras e pobres, que compõem as famílias do DEGASE, são
ainda mais perversos. A vulnerabilidade social e emocional
são contextos que agregam maior peso à violência domésti-
ca. Sem acesso à renda e sem uma política de educação que
permita a inserção dos filhos pequenos em creches, ou a
manutenção da escola para os filhos maiores, com múltiplas
vulnerabilidades, as mães do DEGASE se veem submetidas à
violência doméstica por muitos anos. A história de vida das
famílias transparece marcada pela violência de gênero e pela
violência urbana, acentuadas pela falta de políticas públicas
que deem suporte ao grupo familiar para romper com o con-
texto de violência.
Além da violência, outro contexto que foi de difícil
interlocução refere-se à questão da sexualidade dos adoles-
centes. Apesar de não ser o foco da pesquisa, ela apareceu no
contexto. Com algumas raras exceções, a maioria das famí-
lias afirmou que seus filhos eram heterossexuais e cisgêne-
ros (pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao gênero
que lhe foi atribuído no nascimento), associando essa pauta
a bom comportamento e à boa criação, como percebido em
falas, como:

“Não, ele é homem, moça, a gente criou ele bem.”


“Ele não faria isso, só se aqui dentro ele tá andando com
gente errada.”
“Ele foi criado na igreja…”

A sexualidade é um ponto de tensão, pois observamos


que alguns pais se mostraram quase ofendidos ou surpresos,
ao serem questionados sobre a sexualidade dos jovens. Nas
NIVIA VALENÇA BARROS 165

falas das famílias, foi possível perceber acerca de qual “nor-


mal” os pais tanto falavam, e ainda, as preocupações que a
restrição de liberdade que o convívio apenas entre homens
trazia para eles. A questão da sexualidade é uma problemáti-
ca que as famílias preferiram não abordar.
Em mais de uma entrevista, foi possível retirar falas que
envolviam alguma orientação ou citação direta de pastores, ci-
tações bíblicas ou ainda afirmações de que o jovem sempre foi
religioso, portanto, “normal”. Não podemos deixar de registrar
que, mesmo tendo afirmado a heterossexualidade do jovem na
entrevista, algumas famílias admitiram já terem tentado “cor-
rigir” fisicamente o adolescente por conta de uma aparente
sexualidade, considerada por eles como “desviante”, ou ainda,
terem levado o jovem ao líder religioso para práticas de orien-
tação, inclusive a técnica conhecida como “cura gay”, proibida
pelo Conselho de Medicina e de Psicologia. Acreditamos que
essa questão é um dos pontos que se encontram subnotifica-
dos, podendo apenas ser analisada com base nas anotações
dos diários de campo e nas interpretações dos entrevistadores
em relação às reações dos familiares.
É importante ressaltar que o DEGASE formulou
diretrizes de atendimento para o grupo de jovens LGBTI+,
que constam do Regimento Interno da instituição, publicado
em dezembro de 2019, considerando o conceito de identida-
de de gênero. São medidas que asseguram o cuidado com a
saúde física e mental, o auxílio no desenvolvimento da au-
toestima e a consolidação do direito a singularidade, além do
respeito à diversidade e a garantia de direitos, tais como o
uso do nome social e o uso de vestimentas e da manutenção
do corte de cabelo, de acordo com a identidade de gênero
autodeclarada, como também, a permissão de cumprir a me-
dida socioeducativa no Centro de Atendimento Socioeduca-
tivo, de acordo com o interesse do jovem, sempre levando em
conta a identidade de gênero.
166 FA M Í L I A S N O D E G A S E

Certas falas que também chamaram a atenção nos


momentos da pesquisa, surgiram quando mães afirmaram se
sentirem “mais tranquilas” com a apreensão, porque ali elas
saberiam onde o filho estava e na instituição ele receberia
educação e saúde, como também estaria protegido.

“Aqui sei onde ele está... ele vai ter acesso à educação,
cursos e não ficar ocioso.”
“Ela foi até no dentista...”
“É melhor ele ficar aqui dentro.”
“Prefiro ele aqui, pois lá fora ele se mete com más com-
panhias.” 
“Aqui ele vai poder mudar, estudar e ter tratamento.”

Muitas vezes, essas famílias só conseguem ter acesso


aos seus direitos básicos dentro de um contexto de reclusão.
A socioeducação apresenta a perspectiva de ressignificar o
sistema, para não punir o adolescente e sim construir uma
nova realidade para os sujeitos, cujas vidas são atravessa-
das por privações. A esperança vem de uma realidade que,
apesar de tudo, faz com que o DEGASE seja visto como um
espaço de possibilidade para o jovem que ali se encontra, um
lugar para o desenvolvimento de potencialidades humanas,
como, na verdade, deveria ser a finalidade das políticas e ser-
viços. O importante é pensar que para a socioeducação ser
plenamente efetivada, essa teoria deve ser posta em prática,
não só pela equipe técnica, mas por todos os funcionários
que compõem a unidade, levando em consideração que todos
no sistema socioeducativo, são agentes educadores.
As famílias expressam o desejo de que seus jovens
mudem o comportamento, se insiram em cursos, esportes e
no trabalho, inclusive “para ajudar a mãe” e para os entre-
vistados, esse seria o primeiro passo no sentido de retomar
em outra direção, o protagonismo de suas vidas. Outra coisa
NIVIA VALENÇA BARROS 167

perceptível é a participação das mães e o interesse por estar


dentro do DEGASE junto aos seus filhos, para compor ativi-
dades ou projetos. No formulário/roteiro de entrevista, uma
das últimas perguntas é se existe o interesse de participar
de algum projeto na instituição e a maioria respondeu afir-
mativamente, o que demonstra o desejo de participação em
alguma atividade e de contribuir de uma maneira presencial,
dentro dos muros da instituição, no processo socioeducativo
do filho. Desejo esse que vem ao encontro das orientações
legais sobre a socioeducação de crianças e adolescentes, com
seu marco inicial no artigo 227 da Constituição Federal, per-
passando pelo ECA e pelo Plano Nacional de Convivência
Familiar e Comunitária, especificamente o SINASE.
Um último ponto que vale destacar é em relação à per-
gunta “com quem se pode contar?”. Cinthya Sarti (2003) em
seu texto clássico (ao estudar famílias pobres) afirma que são
da família aqueles com quem se pode contar e que a família
brasileira deve ser entendida mais como uma rede, do que
como um núcleo. Essa rede é formada exatamente por es-
ses que a gente conta no dia a dia: mães, pais, avós, tios,
irmãos, vizinhos, colegas de trabalho com quem são dividi-
das as preocupações e a proteção dos jovens e crianças, bem
como a dos idosos e doentes. O que nos chamou atenção nas
respostas a essa questão, foi a pouca ocorrência dos vizinhos,
o que sempre foi uma característica das famílias brasileiras
(Sarti, 2002; Fonseca, 2002).
Essas respostas incluíram especialmente aqueles que
moram nas casas com pais, mães e irmãos. Apareceu, sobre-
maneira, a categoria “Ninguém”. Essa realidade suscita algu-
mas reflexões. Podemos nos perguntar acerca desse “encurta-
mento” das famílias e da falta de confiança nas redes externas
a casa. Isso é decorrência de um afastamento e isolamento
maior que caracterizaria nossos dias? A violência pode ser
apontada como um dos mecanismos para fomentar esse en-
168 FA M Í L I A S N O D E G A S E

cerramento nas paredes de casa, assim como a alta rotativida-


de que vem caracterizando as famílias que hoje são forçadas a
se mudar, por conta de empregos, da violência, das gangues, e
não conseguem estabelecer laços, criar redes? (Freitas, Braga e
Barros, 2010). No relato de uma mãe, fica destacada a violência
na narrativa do quanto a família está sofrendo por ter que mu-
dar seu local de moradia, para tentar afastar o filho “da vida
errada… do risco de morrer”, do sofrimento dos irmãos que
tiveram de largar seus amigos para ter de recomeçar em outro
local, em outra escola, onde seriam “desconhecidos”. Isso vul-
nerabiliza ainda mais as famílias que ficam, consequentemen-
te, mais dependentes de serviços e políticas sociais.

C ons i d e r aç õe s Finais

Concluímos que o sistema socioeducativo é represen-


tado nas falas como carregado de uma potência contraditó-
ria: as famílias temem pela integridade física dos jovens e,
ao mesmo tempo, identificam a instituição como capaz de
cumprir um papel de Proteção e Promoção Social, num papel
invertido de inclusão.
Em relação às famílias, é possível perceber um fato
comprovadamente comum à maioria: as dificuldades socioe-
conômicas, muitas vezes inviabilizando a visita mais imedia-
ta e até sistemática aos seus filhos. Fato esse que se agrava
ainda mais para aqueles que se encontram internados em
outros municípios, provocando um espaçamento dos encon-
tros, que pode gerar prejuízos de ordem emocional e dificul-
tar o cumprimento da medida. A pesquisa nos mostra que a
questão econômica é trazida como um determinante social
avassalador na vida dessas pessoas. O acesso a bens, direitos
e sobrevivência muito os limita em suas vidas.
NIVIA VALENÇA BARROS 169

A dor, o medo e muitas expectativas transbordam nas


falas destas pessoas, a maioria mulheres, mães que pouco
contaram com a proteção social estatal para dar conta de
cuidar de suas famílias e ao mesmo tempo, trabalhar. A in-
serção formal no mundo do trabalho ainda é um sonho para
grande parte da população, que se encontra sem acesso ou
sem condições de permanência na rede de educação, com
a ausência de políticas de proteção que garantam, de for-
ma adequada, uma renda para as famílias mais pobres. Es-
sas mulheres veem, em algum momento de suas vidas, os
filhos respondendo por atos que ferem a norma socialmente
construída. Apesar da inserção formal na política educacio-
nal, o Sistema Socioeducativo ainda apresenta características
como repressividade e seletividade, típicos do sistema penal.
Os relatos são testemunhos vivos da desigualdade so-
cial e do crescimento do Estado Penal para a manutenção
dessa desigualdade. Entre a responsabilização pelo ato infra-
cional cometido e a expectativa de superação das condições
materiais de vida, muitas famílias seguem tentando apoiar
seus jovens e sonham com outra realidade. Sofrem e expres-
sam esse sofrimento diante da violência estatal, que nem
sempre é reconhecida como violência, de tão imbuída que
está do senso comum, a respeito das reações que a sociedade
espera para aqueles que ousam infringir as regras e executar
atos que confrontam os princípios morais e éticos.
A juventude dos adolescentes e o extremo sofrimento
deles e o de suas famílias estão presentes no contato, nas
instalações e nas mentes de quem, conhecendo do ponto de
vista acadêmico essa realidade, uniu-se aos profissionais da
instituição e pôs-se a campo para encontrá-la pessoalmente.
A realidade encontrada nos mostra a pluralidade de
famílias existentes e o modo também como a realidade vai
impactando e transformando seus perfis. A família extensa
que envolve avós e tios ainda se faz presente, mas nos preo-
170 FA M Í L I A S N O D E G A S E

cupa o modo como as famílias estendidas, na rede que envol-


ve vizinhos e amigos, talvez possa estar se diluindo no caldo
cultural violento que estamos vivenciando. Isto aponta ainda
mais para a importância da proteção social institucional que
tem que ser garantida. Neste espaço se insere o DEGASE e
acreditamos que iniciativas como a implantação de uma po-
lítica de atendimento às famílias, proposta pelo “Programa
de Atenção às Famílias do Degase”, com a implantação ini-
ciada em 2018, com foco no reconhecimento da importância
de conhecer as famílias por meio da escuta de suas vozes,
especialmente as das mulheres, possam contribuir para me-
lhorar práticas e tornar o DEGASE um espaço de respeito e
de construções democráticas e cidadãs.

R e fe r ê nc i as bi bliog ráf icas

BARROS, Nivia. V. Violência intrafamiliar contra crian-


ça e adolescente: trajetória histórica, políticas sociais, prá-
ticas e proteção social. 2005. Tese de Doutorado: Rio de Ja-
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Antropológicos. Porto Alegre, ano 15, n. 32, p. 157-170, jul./
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WERNECK, Jurema. O racismo nosso de cada dia e a si-


tuação da mulher negra brasileira. In: <https://www.
huffpostbrasil.com/jurema-werneck/o-racismo-nosso-de-ca-
da-dia-e-a-situacao-da-mulher-negra-brasile_a_21905772/>.
Acesso em 20 de jun. de 2020.
173

PARA FINALIZAR…

P
ara finalizar, gostaríamos de começar falando a res-
peito do prazer que tivemos ao realizar essa pesquisa.
De um lado, este prazer veio do dia a dia desse proces-
so. Ao analisar nossa trajetória, percebemos o quanto ela foi
enriquecedora e instigante e, principalmente, como apren-
demos neste percurso. Aprendemos sobre as famílias do
DEGASE, mas aprendemos também sobre nós mesmas(os),
sobre as possibilidades de um trabalho coletivo feito a tantas
mãos. Foi uma experiência de valor pessoal, além de aca-
dêmico e a parceria UFF/DEGASE configurou-se como um
grande desafio e constitui-se uma estratégia de concretiza-
ção de ações. É inegável a riqueza trazida pelas ações con-
juntas para o atendimento às diversas demandas da política
socioeducativa.
O intercâmbio, para além dos muros da universidade,
é um viés extensionista que deve ser sempre potencializa-
do. Neste sentido, é importante o trabalho na perspectiva de
uma ecologia dos saberes (Santos, 2007; 1997), congregando
não apenas diferentes perspectivas teóricas, mas também
a possibilidade de uma interface entre o saber acadêmico e
174 FA M Í L I A S N O D E G A S E

outros tipos de saberes. O conceito de ecologia dos saberes


nos foi caro exatamente pelo reconhecimento da pluralidade
de conhecimentos, e de práticas sociais existentes, mas não
vinculadas apenas ao mundo acadêmico. Dada a inesgotá-
vel diversidade, inclusive epistemológica, que caracteriza o
mundo, o aprendizado também pode ser alcançado por um
tipo de conhecimento/saber que busque estabelecer diálogos
entre diferentes saberes e diferentes sujeitos. Esse diálogo foi
um diferencial em nosso percurso.
Vivenciamos a construção de uma metodologia dialó-
gica, sobre a qual podemos dizer que foi bastante inclusiva.
Cada um, a partir de seus saberes, pôde se colocar para a
construção do formulário/roteiro de entrevista e para a fase
de análise dos dados, sem diferenciação entre o que seria o
mundo da academia e o mundo além dos muros da univer-
sidade. O que destacamos aqui é que cada saber tem valor e
deve ser ouvido. Foi esta a nossa proposta e foi o que, de fato,
realizamos. A construção de uma vivência democrática não
foi fácil, mas com certeza, gerou bons frutos.
Por outro lado, o prazer também advém dos resulta-
dos encontrados. A pesquisa nos permitiu, assim como era
o nosso objetivo, conhecer e traçar o perfil das famílias do
DEGASE, em todo o estado do Rio de Janeiro. E já que esta-
mos falando de saberes, a entrada no campo de pesquisa, nos
permitiu o acesso aos saberes costumeiramente silenciados,
como o das pessoas que entrevistamos. Este livro busca re-
tratar as famílias do DEGASE e especialmente as mulheres
que foram majoritariamente entrevistadas por nós, de forma
a potencializar suas vozes.
Acreditamos que este livro também possa subsidiar
trabalhos para a área de atendimento às famílias do DEGA-
SE, como também contribuir para a efetivação de políticas
públicas neste setor. Ao focalizarmos as famílias, pensamos
em retirá-las de um contexto de invisibilização e em contri-
NIVIA VALENÇA BARROS 175

buir para o aperfeiçoamento do atendimento prestado insti-


tucionalmente, possibilitando o desenvolvimento e a efetiva-
ção das políticas e legislações vigentes.
Mas, como concluir um livro desses? Pensamos em
deixar registradas algumas proposições derivadas de nosso
olhar, advindas da pesquisa efetuada:

• Incentivar, através de subsídios, o Programa


de Atenção às Famílias do DEGASE;

• Proporcionar formação continuada para todos


os profissionais que atendem as famílias do DE-
GASE;

• Publicizar as experiências exitosas no atendi-


mento às famílias nas Unidades Socioeducativas;

• Estabelecer um Núcleo de Atendimento à Fa-


mília em todas as Unidades do DEGASE;

• Instituir uma política para a criação de espa-


ços de espera e acolhimento humanizado para as
famílias, no interior das Unidades, buscando dar
qualidade no acolhimento, em dias de visitação;

• Ampliar as equipes com técnicos e técnicas,


como agentes de segurança socioeducativa,
para referência ao acompanhamento familiar;

• Viabilizar em ação integrada e intersetorial, a


inserção e o acompanhamento das famílias dos
adolescentes por órgãos do Sistema de Garantia
de Direitos dos Adolescentes, em especial, o de
Assistência Social e de ONGs, de acordo com
a situação de risco e/ou vulnerabilidade social;
176 FA M Í L I A S N O D E G A S E

• Criar e fomentar canais de comunicação e de


escuta terapêutica para as famílias;

• Incentivar a participação de socioeducadores


de todas as áreas de atuação (técnicos, agentes
de segurança socioeducativa, profissionais da
educação, esporte, cultura e lazer, profissiona-
lização etc.) para a participação em atividades
com as famílias;

• Estimular a participação ativa das famílias no


cotidiano institucional, e no processo de cum-
primento de medida do adolescente;

• Buscar recursos que possam contribuir para o


fomento das atividades com as famílias em cada
território, considerando a mobilidade urbana
para o acesso delas às Unidades, principalmente
as localizadas no interior do estado;

• Ampliar o número de dias para a visitação das


famílias aos adolescentes;

• Estimular a escuta e aproximação com os gru-


pos de mães já existentes;

• Garantir a representatividade de familiares


nas atividades de educação/escolarização, no
programa de educação para o trabalho, nos pro-
gramas de assistência jurídica e na assistência
religiosa, oferecidos pelas Unidades Socioedu-
cativas, com articulações interinstitucionais.

O que a pesquisa nos trouxe foi a certeza em torno da


necessidade da escuta e da efetivação de políticas de atendi-
NIVIA VALENÇA BARROS 177

mento para as famílias, pois estas ações não têm efeito so-
mente para elas, mas para os adolescentes e todos os envol-
vidos. Ao lembrar o modo como as famílias nos procuravam
para saber do que se tratava a nossa presença ali, fica muito
claro que elas querem também ser ouvidas em qualquer ati-
vidade que possa trazer algum benefício para os seus filhos.
Elas querem dialogar com a instituição e acreditamos que
isso pode ser um dos grandes benefícios dessa pesquisa: a
instauração de um canal de diálogo efetivo, com o repasse
claro das informações. Poder é saber, já dizia Foucault. Isso
se aplica aqui: quem sabe tem poder e sabe agir. Por isso, a
escuta atenta das famílias parece ser a principal demanda,
para além, é claro, do cuidado com os adolescentes.
Para concluir, é importante ressaltar que houve um
vínculo criado entre todos os envolvidos na pesquisa. Foi um
prazer trabalhar e aprender com todos.
179

AU TO R E S E PE SQUISAD ORE S

ANA BEATRIZ QUIROGA – Graduada em Literatura.


Membro da equipe do Núcleo de Direitos Humanos e Cida-
dania – NUDHESC-UFF. Membro do Programa UFF Mulher,
membro da Diretoria do Grupo Diversidade Niterói.

ELIANA LOBO DO CARMO GUEDES – Assistente So-


cial. Atua como Assessora Técnica da Subdireção Geral do
Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Estado do
Rio de Janeiro. Mestra em Desenvolvimento Humano pela
Universidade de Lisboa.

ELIZA DOS SANTOS LOPES – Psicóloga. Graduação em


Psicologia e em Dança. Especialização em Violência Domés-
tica e em Programas e Projetos. Servidora estadual desde
1998, atuando no DEGASE.

IDA CRISTINA REBELLO MOTTA – Assistente Social.


Doutoranda e Mestre em Política Social pela Universidade
Federal Fluminense - UFF. Atua desde 1994 no Departamen-
to Geral de Ações Socioeducativas – DEGASE e atualmente
180 FA M Í L I A S N O D E G A S E

compõe a equipe técnica da Divisão de Estudos, Pesquisas e


Estágios da Escola De Gestão Socioeducativa Professor Pau-
lo Freire.

JANAINA DE FÁTIMA SILVA ABDALLA– Pedagoga.


Professora da Faculdade Gama e Souza – Instituto Superior
de Educação. Coordenadora do Curso de Pedagogia. Diretora
da Escola de Gestão da Secretaria de Estado de Assuntos Pe-
nitenciários do Estado do Rio de Janeiro.  Mestre em Comu-
nicação, Imagem e Informação. Doutora em Educação.

JOICE DA SILVA BRUM – Assistente Social. Especialis-


ta em Gênero, Sexualidade e Direitos Humanos (FIOCRUZ).
Mestre e Doutoranda no Programa de Estudos Pós-Gradua-
dos em Política Social (UFF). Membro do Núcleo de Direitos
Humanos e Cidadania – NUDHESC/UFF. Coordenadora do
curso de Serviço Social e docente na Universidade Gama e
Souza - UNIGAMA. Bolsista CAPES.

JOSÉ NILTON – Matemático. Mestre em Economia, doutor


em Política Social. Professor da Universidade Federal Flumi-
nense. Coordenador do Programa Oficina do Saber - UFF.

JOSÉLIA FERREIRA REIS – Assistente Social. Mestre e


Doutora em Política Social/UFF; Especialista em Gênero e
Saúde/UFF. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Históri-
ca sobre Proteção Social – NUPHPS, pesquisadora no Nú-
cleo de Pesquisas sobre Direitos Humanos e Cidadania –
NUDHESC/UFF e vice coordenadora do Grupo de Estudos
sobre Alternativas Penais e Políticas de Desencarceramento
– GEAPD/UFF. Uma das idealizadoras do Encontro Mulhe-
res de Axé e Universidade. Assistente social da Justiça Fede-
ral do Rio de Janeiro, desde 2002. Integrou a gestão do Con-
selho Regional de Serviço Social da 7ª Região (Rio de Janeiro)
NIVIA VALENÇA BARROS 181

no período 2011-2014; é coautora do livro “Poder Judiciário e


Serviço Social” (2018).

LEANDRO SOARES DE SOUSA – Pedagogo. Licenciado


em Filosofia pela Faculdade Católica de Anápolis. Estudou
Filosofia e Teologia pela Faculdade de São Bento do Rio de
Janeiro. Especialista em Ciência das Religiões - FIJ-RJ, em
Teologia pela Faculdade Integrada Clarentianase e em Filo-
sofia Medieval. Pedagogo no Departamento Geral de Ações
Socioeducativas (DEGASE), desde 2013. Leciona no Colégio
Teresiano - CAP/PUC e no Colégio Maria Raythe, a discipli-
na de Educação Religiosa, Cristianismo e Direitos Humanos
e Filosofia.

LEILA MAYWORM COSTA – Assistente Social. Possui


formação em Terapia de Família. Aposentada pela Prefeitura
da Cidade do Rio de Janeiro, pela Secretaria Municipal de
Assistência Social, Secretaria Municipal da Pessoa com De-
ficiência. No Departamento Geral de Ações Socioeducativas
do Estado do Rio de Janeiro exerce o cargo de Assessora da
Coordenação de Saúde.

MARIA BEATRIZ BARRA DE AVELAR – Psicóloga. Psi-


cóloga da Secretaria de Saúde do Município do Rio de Ja-
neiro e do Departamento Geral de Ações Socioeducativas.
Especialização em Psicologia Clínica (UERJ) e Mestre pelo
Programa de Pós-graduação em Psicanálise (UERJ).

MARIA TEREZA AZEVEDO SILVA – Psicóloga. Douto-


randa em Psicologia Clínica/PUC-Rio e Mestre em Psicolo-
gia Clínica/PUC-Rio. Pós-Graduação em Psicologia Jurídica
(UERJ), em Terapia Familiar (UFRJ), e Pós-Graduação em Psi-
canálise e Socioanálise (IBRAPSI). Pesquisadora Associada do
Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social -
182 FA M Í L I A S N O D E G A S E

LIPIS da PUC-Rio. Psicóloga do Departamento Geral de Ações


Socioeducativas - DEGASE, desde 1994. Integrante da equipe
da Assessoria de Sistematização Institucional/ ASIST.

NIVIA VALENÇA BARROS – Assistente Social. Doutora


em Psicologia e Pós-doutorada em Ciências Sociais, Mestra
em Educação, Pós-Graduada em Traumatologia. Professora
Associada vinculada ao Programa de Estudos Pós-Gradua-
dos em Política Social da Universidade Federal Fluminense,
Coordenadora do Núcleo de Direitos Sociais e Cidadania –
UFF. Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPQ.

PAULA FERREIRA REIS – Acadêmica de Pedagogia.


Membro do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania –
NUDHESC/UFF.

RITA DE CASSIA SANTOS FREITAS – Assistente So-


cial. Mestra em Serviço Social, Doutora em Serviço Social,
Pós-doutora em Ciências Sociais e Serviço Social. Professora
Titular da Escola de Serviço Social da Universidade Federal
Fluminense, Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Histórica
sobre Proteção Social – UFF.

SATURNINA PEREIRA DA SILVA. - Graduada em Ser-


viço Social; Pós-Graduada em Violência Doméstica Contra
Crianças e Adolescentes pela USP. Assistente Social e Asses-
sora de Relações Institucionais do Departamento Geral de
Ações Socioeducativas. Presidente do Conselho Estadual de
Defesa da Criança e do Adolescente- CEDCA/RJ.

TANIA MARA TRINDADE GONÇALVES – Assistente


Social. Mestranda do Programa de Pós-Graduação da UFF.
Possui especialização em Políticas Sociais pela UERJ. Assis-
tente Social aposentada pela Secretaria Municipal de Assis-
NIVIA VALENÇA BARROS 183

tência Social e Direitos Humanos do Município do Rio de


Janeiro e atua no Departamento Geral de Ações Socioeduca-
tivas- DEGASE/Escola de Gestão Socioeducativa Professor
Paulo Freire, desde 1998.

WILMA LÚCIA RODRIGUES PESSOA – Socióloga.


Mestra em Sociologia, doutoranda em Política Social - UFF.
Professora do Departamento de Sociologia da Universidade
Federal Fluminense, Membro da equipe do Núcleo de Direi-
tos Humanos e Cidadania – UFF, Membro do Programa UFF
Mulher, Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Identidade,
Movimentos Sociais e Trabalho da UFF.

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