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O DESEJO MATERIAL

UM ESTUDO SOBRE O PAPEL DO

MATERIAL DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA

EDSON DO PRADO PFUTZENREUTER

Dissertação apresentada como exigência parcial


para obtenção do título de Mestre junto ao
Programa de Pós—Graduação em Comunicação e
Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, sob orientação de Cecília Almeida
Salles.

São Paulo — 1992


COMISSÃO JULGADORA
“O desconcertante encontro de acontecimentos
tão poderosos que escapam à extensão da
sensibilidade e compreensão humanas, exige da
criação artística algo diverso das
experiências banais, hauridas no primeiro
plano da vida cotidiana. Estas últimas nunca
rasgam a cortina cósmica, nunca explodem os
limites das possibilidades humanas; por isso
mesmo, ainda que provocando uma profunda
comoção no indivíduo, se inserem facilmente
nas formas de criação artística do homem. A
forma visionária, à qual já nos referimos
rasga de alto a baixo a cortina na qual estão
pintadas as imagens cósmicas, permitindo uma
visão das profundezas incompreensíveis
daquilo que ainda não se formou. Trata—se de
outros mundos? Ou de um obscurecimento do
espírito? Ou das fontes originárias da alma
humana? Ou ainda do futuro das gerações
vindouras? Não podemos responder a estas
questões nem pela afirmativa, nem pela
negativa.

C. G. Jung

“Uma das razões de ter escrito este livro é


que acredito que muitas pessoas já estejam
cansadas da fascinante obscuridade da
conversa artificiosa, dos jogos
malabarísticos com frases feitas, do
exibicionismo pseudocientífico, da busca
impertinente de sintomas clínicos, da medição
elaborada das bagatelas e dos epigramas
encantadores. A arte é a coisa mais concreta
do mundo e não há justificativa para
confundir a mente de qualquer pessoa que
queira conhecê-la mais profundamente.”

R. Arnheim
DEDICATÓRIA

A Sílvia, pelas injeções de ânimo.

A Maria Helena, pela ajuda na revisão.

Aos meus pais, pelo apoio.

A Cecília, pela paciência e pela fé


AGRADECIMENTOS

Ao CNPQ pela bolsa de estudos que me concedeu


e que possibilitou a elaboração deste
trabalho.
SUMÁRIO

Resumo 7

Introdução 10

1. A Arte como a atividade de formar uma matéria 14

2. A criação como um processo com propósito 36

3. Os materiais, ferramentas e técnicas empregados pelo


artista 62

3 . 1 . O material da arte 67

3.1.2. O material e o imaginário 105

3.2. As ferramentas da arte 118

3.3. A técnica da arte 133

4. Conclusão 150

lustrações 155

Bibliografia 171
RESUMO
Para compreender a complexidade da relação do artista com a

matéria que é utilizada na execução de uma obra artística, a arte é

apresentada como um fenômeno duplo: técnico e intelectual.Por ser um

objeto, está ligada aos meios e processos de execução. Por isto, a

produção artística é, simultaneamente, uma atividade intelectual e

manual.

O processo de criação é entendido, com base na semiótica de

Charles Sanders Peirce, como a geração de um signo: a obra de arte.

Do pensamento deste autor, são úteis para o entendimento da criação,

os conceitos de causação final e causação eficiente. Embora as três

categorias fenomenológicas peircianas coexistam na criação, este

trabalho privilegia a secundidade devido à oposição que existe entre

a vontade do artista e o material que este usa.

Os meios utilizados na execução de uma obra, determinam a

forma que esta terá, mas são reinventados pelo artista, seja com a

invenção concreta de um novo instrumento ou com um novo uso. Para que

seja verificado este aspecto com maior profundidade, os meios são

entendidos como um conjunto formado por materiais, ferramentas e

técnicas.

O material usado na arte tem uma constituição natural, uso

comum e destinação artística, este último aponta para futuros

desenvolvimentos. Os outros dois, entretanto, ao mesmo tempo que

limitam, oferecem possibilidades que, para serem alcançadas, exigem

um diálogo entre o artista e a matéria. Neste diálogo, o artista

necessita de ferramentas que, assim como o material, conduzem a


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criação e são escolhidas de acordo com a intenção do artista.

A técnica, na arte pode ser entendida como ofício,

disciplina ou retórica, podendo ser ainda uma virtualidade, uma

possibilidade de uso. A técnica que determina a arte não é só

aquela usada na produção artística, as inovações técnicas trazem

mudanças na percepção que permitem a criação de novas formas

representativas.
INTRODUÇÃO
-12-

Este trabalho analisará o processo criativo através do

qual são produzidas obras de artes plásticas. Existem, neste

processo, vários fatores determinantes; serão enfatizados os

materiais, técnicas e ferramentas utilizados pelo artista.

A maneira como entendemos a arte muda ao longo da

história, mudando também, a valorização do aspecto material que

esta envolve. Utilizaremos o conceito de arte que a vê,

fundamentalmente, como uma forma, pois este permite mostrá-la como

uma materialidade formada e a criação, como ato de formar uma

matéria.

A maneira como podemos entender o processo criativo,

sofreu tantas mudanças quanto o conceito de arte. Já se acreditou

que a criação vinha de uma fonte exterior ao criador, alguma origem

divina. Este processo foi ainda considerado, por outros, como vindo

da mente do artista.

A visão de criação da qual partimos é dada pelo estudo de

crítica genética de Cecilia A. Salles. A critica genética

preocupa-se em analisar a gênese de uma obra de arte e, embora

esteja voltada principalmente para a literatura, os conceitos

utilizados nos estudos desta autora permitem uma aplicação às artes

visuais.

Analisando o processo desenvolvido por Ignácio de Loyola

Brandão em “Não verás país nenhum”, ela elabora uma teoria da


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criação que pode ser extraída dos textos de Charles S. Peirce. Esta

teoria se fundamenta nos conceitos de causação final e eficiente.

Existe, em nossa visão do processo criativo, um elemento

condutor designado pelo conceito peirceano de causação final, que

será apresentado com mais profundidade no segundo capítulo. Outro

conceito de fundamental importância, é o de causação eficiente,

pois, para que o ideal da causação final seja alcançado, é

necessária a causação eficiente, que nos remete à luta com os

elementos que permitem alcançar um objetivo, referindo-se, nas

artes plásticas, aos meios utilizados pelo artista para dar

existência concreta a uma vontade artística. Representa, portanto,

um instrumental importante para o tema que abordaremos.

Procuraremos circunscrever as nossas afirmações ao

período moderno mas, com isto, não pretendemos dizer que faremos

uma análise histórica da forma como cada artista se relaciona com

seu material. A amplitude de um trabalho que se propusesse a isto

ultrapassaria muito as dimensões deste que estamos apresentando.

Nosso objetivo, então, é compreender a complexidade que

envolve a relação do artista com seu material durante a criação,

usando, para isto textos de estudiosos de arte e depoimentos de

artistas modernos.

A dissertação está dividida em três capítulos. No

primeiro, mostraremos as artes plásticas entendidas como uma


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atividade, como um “fazer”; este conceito é importante, porque

permite evidenciar a materialidade que tanto nos interessa.

O segundo capítulo tratará do processo de criação

entendido como um processo com propósito. Serão abordados os

conceitos de causação final e eficiente, e a questão da

simultaneidade entre o pensar e fazer artísticos. O terceiro

capítulo tratará dos meios de produção artística. Veremos que estes

são reinventados durante a criação e que podem ser entendidos como

uma junção de técnicas, materiais e ferramentas. Analisaremos,

separadamente, cada um destes elementos.


A ARTE COMO ATIVIDADE
DE FORMAR UMA MATÉRIA
-16-

Nossa intenção, neste capítulo é apresentar as artes

plásticas como a produção de objetos, como um “fazer”, como a

atividade de formar uma matéria, sendo necessário, para isto, que

entendamos a arte como uma forma e uma matéria formada. Embora não

faça parte de nosso interesse verificar as mudanças históricas

ocorridas no conceito de arte, não podemos ignorar o fato de nem

sempre ter sido aceito o conceito de arte do qual partimos em nossa

investigação.

Em função da existência de diferentes formas de conceber

a arte, é importante que mostremos o conceito do qual partimos.

Entendemos a arte como forma, da maneira descrita por Francastel.

Este autor se preocupa em resgatar as obras de arte como documento

histórico e sociológico, mostrando que esta função tem sido

relegada porque os especialistas destas ciências consideram somente

o documento escrito. Ele pretende mostrar que “não pode haver uma

Sociologia da Arte sem uma abordagem prévia dos problemas de

comunicação colocados por uma linguagem, a linguagem ou melhor, as

linguagens artísticas - figurativa, plástica, monumental,

decorativa” mas a obra de arte, produto destas linguagens deve ser

vista em si, “não constitui um sinal de uma realidade localizável

por outras vias e exprimível por outras técnicas”

(Francastel,1973:17), pois “não é um duplo de qualquer outra forma,

seja ela qual for, mas, realmente o produto de um dos sistemas


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através dos quais a humanidade conquista e comunica sua sabedoria

ao mesmo tempo que realiza suas obras” (Francastel,1973:5).

Francastel preocupa-se com o receptor e este trabalho,

está interessado no produtor. Isto poderia contrapô-lo aos nossos

interesses, mas ele diz que “o diálogo do artista com sua obra

implica a participação do espectador” (Francastel,1973:17), não

excluindo a relação do artista com sua obra. Além disso, o artista,

também é o receptor não só da obra pronta, mas também, daquela que

está sendo feita.

Seu livro de ensaios: A Realidade Figurativa é dividido

em quatro partes, das quais, uma trata “das relações teóricas da

Arte com a Sociologia, a técnica, a história e a linguagem”

(1973:15). Ao incluir a técnica, seu estudo vem ao encontro de

nosso interesse pelos meios concretos de execução das obras

artísticas. Além disso, na parte referente à noção de objeto

figurativo, Francastel (1973:14) mostra que este é essencialmente

material:

“Nenhuma disciplina é mais apta que a disciplina dos


artistas a nos oferecer um meio de penetrar mais
profundamente nas energias da vida do espírito, tomada
não em si como uma realidade intrínseca, mas no exato
momento em que se insere numa matéria para impor-lhe
uma ordem de modo algum sobrenatural mas imaginária”.

Neste estudo que apresentamos, o importante, no

desenvolvimento histórico, é que a maneira como o artista

relaciona-se com os materiais e as técnicas muda, assim como mudam


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todos os aspectos da sociedade. “uma sociedade que se organiza

cria, ao mesmo tempo, suas necessidades e seus valores materiais e

morais assim como seus símbolos” (Francastel,1973:40).

Entre as várias maneiras de conceituar a arte, algumas

estão situadas entre os dois polos que a entendem como atividade

intelectual ou manual. Pareyson (1989:115) aborda esta questão

lembrando que “a antiga distinção entre artes liberais e artes

servis relegava para estas últimas, que têm necessidade do corpo

para a execução manual em que elas consistem, a pintura e a

escultura, de modo que uma nobilitação destas artes não foi

possível senão com uma atenuação de seu aspecto executivo e manual

e uma reivindicação de seu caráter “mental”, interior, espiritual.

Este processo de “espiritualização”, iniciado no renascimento,

culminou no romantismo, que em cada arte acentuou o aspecto

interior e espiritual da pura criação. Depois disso começou,

todavia, a delinear-se um retorno à concepção antiga da arte como

“fazer”, e se primeiro tinha-se buscado encaminhar as artes como a

pintura e a escultura às condições puramente mentais da poesia,

depois se fez o caminho inverso, e também à poesia quiseram

atribuir os aspectos fabris e, por assim dizer, manuais da pintura

e da escultura”.

Pareyson (1989:115) chama de espiritualização ou

“espiritualismo estético” o pensamento que vai de Schopenhauer a


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Croce no qual “a produção da, obra de arte se esgota na figuração

de uma imagem puramente interna, e com esta nada tem a ver a

atividade sucessiva, que a exterioriza num corpo físico: atividade

que não só é secundária e supérflua com respeito à arte, mas não

tem nada de artístico, porque é antes, um ato prático dirigido ao

fim da conservação e da comunicação”.

O retorno à valorização da atividade operacional no

pensamento e na produção artística moderna, e explicado por

Greenberg (1965:96:97) através do que ele considera a essência do

modernismo, ou seja, uma civilização levar às últimas consequências

o exame de seus próprios fundamentos usando “métodos

característicos de uma disciplina não para subvertê-la, mas para

firmá-la ainda mais na área da sua competência”. Para justificar

sua atividade, a arte teve de explicitar “o que havia de único não

somente na arte em geral, mas também em cada arte em particular”,

limitando e consolidando sua área que coincidia “com tudo o que era

exclusivo da natureza de seus meios”.

A valorização do aspecto material não pretende afirmar

que a produção estética se resuma a estes fatores, “do mesmo modo

que cada homem participa em níveis múltiplos e variados de

civilização, assim também cada objeto está engajado ao mesmo tempo

em várias categorias de nossas atividades. A complexidade é a lei

de toda existência para os indivíduos e para as obras”

(Francastel,1973:80).
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Queremos mostrar a arte como um fazer e o caminho que

optamos, para isto, passa pela definição desta como forma. O

conceito de arte como forma é recente, relaciona-se com o método

formalista de Wolfflin e Focillon. No entanto, a maneira como

entendemos “forma” origina-se dos estudos de Francastel (1973:10)

que não compartilha com a teoria da Forma destes dois autores pois

a forma não deve ser considerada “como uma coisa em si. As Formas

não têm vida autônoma; a cadeia das Formas não constitui um

universo que se desenvolva à parte; a Formas não possuem conteúdo

determinado e imutável; as Formas não remetem à sua própria gênese.

As Formas, além disso, não constituem objetos, coisas, elas devem

ser distinguidas dos suportes materiais que utilizam. Faltou a

Wolfflin e Focillon levar em consideração a noção de estrutura,

pois a Forma não é o objeto mas precisamente a estrutura”.

No Impressionismo, foram abandonados os aspectos

anedóticos da pintura e procurado aquilo que é essencialmente

pictórico, permitindo que a arte deixasse de ter outras funções e

passasse a ser, essencialmente, uma forma. Mesmo o modelo deixou de

ser importante, tornando-se unicamente um ponto de partida para o

desenvolvimento da forma representacional. “Toda a problemática da

arte moderna nasceu no dia em que Cézanne descobriu que, para o

artista, a maçã não era a maçã, mas um tema de observação”

(Francastel,1973:75).
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Goossen (1986:93), referindo-se a Pollock, afirma que “a

pintura em si é agora uma coisa, e como tal refere-se menos a

“temas” estranhos a ela e às suas ilusões. Quase tanto como as

pirâmides, fala dela mesma e somente dela mesma. Não é mais uma

janela para o mundo, mas o mundo, imanente e autônomo”. Não se

remetendo a elementos externos, remete-se à matéria formada.

A ênfase na forma foi inicialmente confundida com a

desconsideração de outros valores que a arte pode conter mas, na

realidade, buscou-se mostrar que está na forma o que se costumou

chamar de conteúdo, “estendendo o dever e a capacidade de exprimir

e de significar a todos os aspectos da obra” (Pareyson,1989:58)

pois, na obra, não existe “nada de físico que não seja significado

espiritual, não tem nada de espiritual que não seja presença

física” (Pareyson,199:120). A importância de mostrarmos a

valorização da forma decorre desta sua existência como matéria

formada isto; entretanto, traz a questão da oposição

forma-conteúdo.

Venturi (1968:14) afirma a distinção “entre o assunto e o

conteúdo, e a identidade do conteúdo e da forma”. Devemos lembrar

que sua análise avança só até a pintura de Chagall; mesmo assim,

suas definições são importantes. Para ele, “o assunto é o que o

pintor representou. Mas o conteúdo é a maneira como representou. E


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quando dizemos “como”, falamos da forma de um pintor, da forma de

sua imaginação. Por isso conteúdo e forma são idênticos”

(Venturi,1968:15).

Pareyson (1989:30) diz que a forma “é expressiva enquanto

o seu ser é um dizer, e ela não tanto tem quanto antes, é um

significado” e, uma vez que, na mistura de conceitos usados pela

crítica, associa-se conteúdo a significado e arte à expressão,

comprovamos a ligação entre conteúdo e forma, pois a troca destas

palavras resulta em que a forma é arte, quando é conteúdo.

Encontramos, em Kandinsky (1988:156), uma afirmação que vem ao

encontro de nossa discussão, ele diz:

“Visto que a forma nada mais é que a expressão de um


conteúdo, visto que o conteúdo difere em cada artista,
torna-se claro que pode haver em uma mesma época
diferentes formas, que são igualmente válidas. A
necessidade gera a forma. As profundezas abissais são
habitadas por peixes desprovidos de olhos. O elefante
tem uma tromba. O camaleão muda de cor, e assim por
diante. O espírito de cada artista, portanto, se
espelha na forma. A forma traz a marca da
personalidade”.

Retornando a Francastel (1973:3,4), este autor afirma que

“a partir do momento em que o técnico cria não só um objeto mas uma

forma, ele age como artista, isto é como criador não apenas de

conceitos ou de objetos mas de esquemas de pensamento”. Mais

especificamente, de pensamento plástico, pois existe “um pensamento

plástico assim como existe um pensamento matemático ou um

pensamento político”. O pensamento plástico é “um desses grandes


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complexos de reflexão e ação em que se manifesta uma conduta que

permite observar e exprimir o universo em atos ou linguagens

particularizadas”.

A forma, como vimos antes, é a estrutura, ou seja a

maneira como elementos estão organizados, por isto, quem cria uma

forma tem o “desígnio de inventar uma nova ordem na qual ele imporá

uma certa disposição das partes tanto aos elementos materiais como

aos imaginários. Em síntese, ele não só realiza, ele inventa”

(Francastel,1973:10).

No momento, o que nos interessa, na conceituação de arte

como forma é que esta se constitui de esquemas de pensamento

plástico e permite a valorização do aspecto material, pois “só há

estilo quando um artista impõe sua emoção e certa maneira

consciente de expressá-la. Não existe arte sem forma, no sentido

material do termo” (Francastel,1990:234).

Para falar de arte, Francastel utiliza o conceito de

relé, um dispositivo que controla um circuito elétrico em função

das variações nele mesmo ou em outro circuito. “O artista posto em

presença, por um estado de sensibilidade ótica particular, do fluxo

incessante de sensações registradas por seu nervo óptico, age

conforme uma dupla linha de atividade: balizar, na vaga indistinta

que o obseda, elementos isoláveis e classificá-los, fixá-los

materialmente em objetos utilizáveis como relés da lembrança e como

evocação da sensação” (Francastel,1973:112).


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O relé faz o papel de mediador entre circuitos elétricos;

da mesma maneira a arte, ao representar algo para alguém, funciona

como um relé “entre o espírito criador e aqueles dos espectadores”

(Francastel,1973:107,110), condensando “uma experiência que se

oferece a outrem como um elemento da realidade complementar”.

Segundo Francastel (1973:107), “a dialética do percebido,

do real e do imaginário implica a noção de signo relé, ela não

exige a inserção de um termo suplementar”. Este conceito

relaciona-se com a diferenciação, feita por Francastel, entre a

imagem e o objeto figurativo. A imagem “nos introduz, como

dissemos, no domínio psicológico... Mas, enquanto que a análise dos

objetos figurativos assenta numa análise dos processos, dos meios,

das técnicas postas em ação pelo artista para materializar a imagem

surgida em seu espírito, a análise da imagem exige a reconstituição

dos esquemas de pensamento que conduziram o criador a realizar em

seu espírito uma reunião não de signos mas de elementos extraídos

simultaneamente de suas lembranças, das lembranças de outrem, de

suas sensações do momento e aliadas entre si por cadeias

relacionais que implicam sistemas precisos de associação e de

causalidade acessíveis ao ambiente”.

ARTE COMO MATERIAL FORMADO

Francastel (1973:107) afirma que a “a imagem é distinta

do conjunto de signos que constituem a obra, ou melhor, o objeto


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figurativo que se oferece à nossa atenção” e o objeto figurativo é

diferente da imagem porque é essencialmente material. “Não se

poderia mais pensar que existe independente dos signos ou dos

elementos materiais uma espécie de realidade espectral desligada de

qualquer suporte flutuando no espaço e à qual se refere a

observação”. O objeto figurativo, por ser material, desempenha a

função mediadora de um relé. “o conjunto de signos fixados sobre um

suporte que constitui o relé entre o espírito criador e aquele dos

espectadores”.

A valorização da materialidade da forma pode parecer

incoerente com a afirmação anterior de que as formas “devem ser

distinguidas dos suportes materiais que utilizam”

(Francastel:1973:1O). Francastel, entretanto, diz que as formas são

distintas dos materiais porque “uma forma consiste na descoberta de

um esquema de pensamento imaginário a partir do qual os artistas

organizam diferentes matérias”. Além disso, como indicamos

anteriormente, “não existe arte sem forma, no sentido material do

termo” (Francastel,1990:234).

A obra de arte, por ser material, existe como objeto e,

“mesmo sendo possível manejar seu corpo sem fazer caso de sua

qualidade de arte, é, no entanto, impossível apreender seu valor

artístico sem, precisamente, ter em conta aquele corpo”

(Pareyson,1989:119,125). Isto porque a mudança deste corpo “não é a

mudança de alguma coisa de periférico ou de inessencial, mas é a


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mudança da própria obra”. “Quantos homens sonharam com grandes

coisas que nunca foram expressas? Entre a intenção e a realização

existe toda diferença que separa um esboço de uma obra resolvida,

um grafismo ao alcance de todo mundo de um modo de expressão

plástica” (Francastel,1990:234).

Francastel (1973:50,51) afirma que esta união da arte com

a matéria existe “desde o início da evolução humana. Todas as artes

nasceram com efeito do manuseio da matéria” e que, ao mesmo tempo,

“toda ação do homem sobre a matéria comporta uma parte da atividade

livre e criadora, pela qual os valores plásticos se associam a

todas as tarefas utilitárias”.

Sabemos que a arte cria modos de ver que alteram nossa

sensibilidade, mas isto está diretamente relacionado com sua

materialidade, pois, “o trabalho da lapidação da sensibilidade

humana está relacionado com o próprio trabalho na lapidação de

outros materiais existentes na natureza” (Sogabe,1990,37).

Se necessitamos de um elemento material, isto não

significa que em todas modalidades artísticas este tem o mesmo

peso. Sogabe (1990:1), referindo-se às imagens obtidas por meios

eletro-eletrônicos, diz que estas têm uma materialidade fluida e

por isso os chama de Ymaterial. “Consideramos, porém, que Ymaterial

e material não são opostos, mas apenas energia organizada de forma

relativamente estável ou instável definindo características

diferenciadas”.
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Em suma, “a presença de um elemento físico é

indispensável para a arte, quer ele apareça maciço e evidente como

nas pedras da arquitetura, quer ele se atenue até quase desaparecer

como nas páginas de um romance, onde o aspecto semântico das

palavras prevalece sobre sua consistência fonética, sem no entanto

cancelá-la de todo” (Pareyson,1989:117). “Todo símbolo tem uma

carne, todo sonho tem uma realidade” (Milosz, apud

Bachelard,1991:1).

A consideração pelo fazer artístico nem sempre foi

importante, este assunto “começou a interessar à meditação

filosófica quando os próprios artistas principiaram a meditar

sobre, principalmente sob o estímulo de poéticas que queriam o

artista consciente das próprias operações. Neste campo, as mais

frutuosas meditações de artistas foram deixando as outras em

silêncio, as de Goethe. de Poe, de Flaubert, de Valery, as quais

além de atestarem uma experiência concreta da arte como

dificilmente os filósofos teriam tido à sua disposição nos séculos

precedentes” (Pareyson,1989:139).

Ao falar da função mediadora do relé, Francastel

(1973:107) se refere às “imagens situadas no espírito”. O campo

significativo abrangido por este termo, espírito, não é muito

claro. Mas se, como afirmamos antes, a análise da imagem exige a

reconstituição de esquemas de pensamento, podemos, então, entender

espírito como mente, como o lugar onde estão sendo elaborados os


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pensamentos. Mas isto não significa que existe, no espírito, algo

que, posteriormente, é plasmado fora deste.

“O erro consiste em pensar que existem funções


inteiramente distintas do espírito e que se exprimem
inteira e exclusivamente em serie de atos e de objetos
determinados. Do mesmo modo que cada homem participa em
níveis múltiplos e variados de civilização, assim
também cada objeto está engajado ao mesmo tempo em
várias categorias de nossas atividades”
(Francastel,1973:80).

O artista “não diz senão fazendo: a sua espiritualidade é

o gesto formante” (Pareyson,1989:58). Francastel (1973) diz que

arte e mão de obra humana são inseparáveis porque o artista da

forma aos objetos e às ideias. Ele cria mitos, lhes dá uma figura

de carne. Para este autor, não existem ideias. independente de uma

forma. A ideia só existe quando se exprime: escrita, desenhada,

pintada.” Quanto à execução, além de permitir que o objeto exista,

é importante porque o poder de expressão do objeto lhe é conferido

pela maneira como ele foi feito e é interagido dentro de um

sistema.

Para designar a simultaneidade entre o fazer e o pensar,

que existe na atividade artística, Pareyson (1989:32) usa o termo

extrinsecazione designando, assim, uma atividade na qual

“concebe-se executando, projeta-se fazendo, encontra-se a regra

operando, já que a obra existe só quando é acabada, nem é pensável

projetá-la antes de fazê-la e, só escrevendo, ou pintando, ou

cantando é que ela é encontrada e é concebida e é inventada”.


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Usaremos, no entanto, o neologismo “extrinsecação”, já que, para a

tradutora do texto de Pareyson, este pareceu mais adequado, pois “o

termo português ‘exteriorização’ não constitui um equivalente exato

daquele” (N.T. In:Pareyson,1989:115).

Se arte é matéria formada, o artista “fabrica na intenção

concreta de satisfazer antes de mais nada a uma necessidade de

concretizar sua própria atividade que é uma atividade informativa

da matéria” (Francastel,1973:1l0) consistindo propriamente no

formar, “isto é, exatamente num executar, produzir, realizar”

(Pareyson,1989:32). “O ato artístico é todo extrinsecação, e o

corpo da obra é toda a realidade dela” (Pareyson,1989:119). Assim,

o artista dá “configuração a um complexo de palavras, sons, cores,

pedras” (Pareyson,1989:55), ele “jamais se envergonha de fazer um

trabalho manual. Sua arte é tanto uma conduta quanto uma

especulação” (Francastel, 1973:170).

Durante um grande período da história da arte, o artista,

em sua operação com os pigmentos, não se diferenciava do artesão.

Um artesanato necessário porque “as intenções não bastam por

argumentos (...) O que conta e o que fazemos, e não o que tivemos a

intenção de fazer” (Picasso,1988:267). O artista “não se limita a

sonhar, mas pretende dar vida a uma forma que viva de per si,

destacada dele, objeto entre objetos” (Pareyson,1989:118).

Referindo-se ao trabalho de Gauguin, Francastel (1990:176) lembra


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que “o que o tornou pintor, foi o seu poder de exprimir, isto é de

precisar, de materializar certo número de detalhes precisos,

ordenados plasticamente”.

Temos de lembrar, ainda, que a arte, na sua origem não se

diferenciava da técnica, era techné, uma origem difícil de ser

negada porque a arte é ação, “uma batalha afetuosa com um material

que resiste, amizade com as ferramentas que estendem o corpo, um

namoro com o obstáculo, um jogo com o obstáculo no qual nunca se

estabelece controle suficiente para eliminar toda surpresa.

Pergunte para os gravadores e ceramistas. Eles lhe dirão que o que

é mais autêntico em arte é a feitura 1. Esta feitura é a mão da

técnica que a arte, por necessidade, nega” (Duffrene,1980:166).

Não pretendemos, com estas afirmações, reduzir a questão.

O “fazer” em si não é arte; para isto, ele deve ser expressivo e

criar uma forma numa “atividade ao mesmo tempo intelectual e manual

em que se encontram elementos oriundos, não de dois termos: o real

e o imaginário, mas de três: o percebido, o real e o imaginário”

(Francastel,1973:92). A atuação sobre uma matéria é fundamental e,

para tornar possível esta atuação, a arte necessita de técnicas.

1 Traduzimos por “feitura” a palavra “tinkering” que designa a atividade de


latoeiro podendo ser, também, o trabalho de consertar coisas de uma
maneira amadorística. O “tinker” é o faz-tudo, o aprendiz de tudo e
oficial de nada.
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O termo expressão pode denotar uma atividade individual,

por isto Francastel não o considera adequado. A obra de arte,

enquanto signo plástico, não “é nem apenas expressivo (imaginário e

individual), nem representativo (real e coletivo), mas igualmente

figurativo (ligado às leis da atividade óptica do cérebro e às leis

das técnicas de elaboração do signo enquanto tal)”

(Francastel,1973:92).

Não discordamos de que a obra de arte dependa da

atividade óptica do cérebro e das técnicas de elaboração do signo,

mas tem ela, também, uma dimensão imaginária e individual e esta

dimensão tem necessariamente de ser verificada quando abordarmos o

processo criativo e o papel desempenhado neste, pelos materiais. O

artista deve, neste caso, ser visto como um indivíduo criador

fazendo parte de uma sociedade. Os artistas, por sentirem as

dificuldades da execução da obra, sabem o quanto a criação é uma

atividade física sobre a matéria. Poderiam dizer como Braque

(1989:266): “Sempre me ocupei e me preocupei com o material porque

há tanta sensibilidade na técnica como no resto do quadro. Eu mesmo

preparo minhas cores, faço a pulverização... Trabalho com o

material, e não com ideias”.

Vimos que a arte pode ser considerada como sendo,

essencialmente, uma forma mas Pareyson (1989:58) lembra que, a

“forma é uma matéria formada”, determinando a atividade artística


-32-

como a uma atuação sobre a matéria, sendo, desta maneira, uma ação,

um formar envolvendo, por isto, uma técnica.

Francastel (1973:49) afirma que existe uma oposição entre

arte e técnica pois “a maior parte dos teóricos da idade industrial

ostenta um desprezo desdenhoso em relação aos valores

desinteressados da Arte, enquanto que os artistas nutrem igual

desdém pelas atividades utilitárias do engenheiro. Esta oposição

não é nova. Em todas as épocas, houve homens para exaltar o útil e

oposição ao gratuito e reciprocamente”. Na verdade “a Arte e a

técnica sempre estiveram até hoje ligadas uma à outra”

(Francastel,1973:50). “Sem arte, a técnica seria apenas uma

atividade vã; sem a técnica a arte não passaria de um inútil jogo

de sombras fugidias” (Francastel,1973:62). A oposição destes

fatores “só se justificaria se a obra de arte fosse o produto da

fantasia verdadeiramente gratuita de um indivíduo, o que é

desconhecer absolutamente o papel da arte” (Francastel,1973:51)

pois esta “não só abre ao homem uma pequena janela sobre não se

sabe qual vago infinito; ela guia incessantemente sua mão e seu

espírito, é um dos caminhos pelos quais se exprime e, ao mesmo

tempo, um dos caminhos pelos quais orienta e particulariza a ação

de suas mãos.”

A arte é uma linguagem e, assim, “visa à organização e à

descrição do campo perceptivo da humanidade. Essa organização é

ativa, ela implica não no reconhecimento mas na criação de valores.


-33-

Todo objeto assim como todo signo é uma criação coletiva, um

terreno de encontro entre homens. O homem cria os objetos como as

palavras” (Francastel,1973:60).

Francastel compara as várias maneiras de se entender a

arte com um estudo que Georges Friedmann fez em 1946 onde mostra

que o trabalho em série “pode ser considerado, primeiro, como um

fato técnico, através do fato técnico, como um fato psicológico, e

enfim, através do fato psicológico, como um fato sociológico. O

mesmo ocorre com a obra de arte: ela deve ser, também, encarada,

primeiro como um fato técnico, depois como um produto da psicologia

coletiva e individual e finalmente como um testemunho sociológico”

Francastel,1973:32).

Confirmando a importância da técnica, nos anos sessenta,

Francastel, afirmava que estava surgindo outra civilização, “vemos

desenharem-se seus primeiros contornos especialmente no domínio

artístico. Estou convencido, em todo caso, que, para se

desenvolver, a arte não tem necessidade antes de mais nada de

ideologia mas de técnica; uma infusão de “hinduísmo” só poderia

acabar de desviá-la de seu verdadeiro caminho. O homem filosofa

depois e não antes de ter agido e a arte é, como a palavra, numa

larga medida, uma ação” (Francastel,1973:58).

Com estas colocações acreditamos que ficou claro o

caráter da arte como um “fazer” envolvendo técnicas, assunto que


-34-

será discutido com mais profundidade de mais adiante em nosso

trabalho quando discutiremos os meios.

A oposição da arte considerada como uma atividade de

produção material ou de produção simbólica leva a uma “antítese

entre intimismo e tecnicismo: naquele se reduz o fazer ao exprimir

e, neste, o exprimir ao fazer; naquele se afirma que não há outra

produtividade artística senão a figuração interior do sentimento,

neste se termina por sustentar que a produtividade da arte é a de

toda produção até do mero ofício” (Pareyson,1989:57).

Vemos, na verdade, que estes dois aspectos são

interdependentes porque a “Arte constitui um fenômeno duplo:

técnico e intelectual. A obra de arte é, efetivamente, sempre o

produto da imaginação e da habilidade de um artesão”. Desta

maneira, a arte é “geradora de uma coleção de objetos e de um tipo

particular de racionalidade. Ela se nos apresenta como constitutiva

de um duplo instrumental material e mental” (Francastel,1973:79).

Estes dois aspectos se referem a dois processos que envolvem a

operação artística: “um processo de formação de conteúdo e um

processo de formação da matéria, uma relação conteúdo-forma e uma

relação matéria-forma” (Pareyson,1989:57).

Francastel (1973), reforçando sua ideia de que a arte

oferece elementos onde a sociedade possa se reconhecer, afirma que

o artista integra dentro de um sistema, ao mesmo tempo material e


-35-

imaginário, elementos cuja disposição cria novos objetos

suscetíveis de reconhecimento, de conexão e interpretação. Isto

fica claro quando percebemos que o artista cria uma nova estrutura

figurativa, ao mesmo tempo que a executa; ele jamais se envergonha

de fazer um trabalho manual. Sua arte é tanto uma conduta quanto

uma especulação, propondo uma renovação que ocorre simultaneamente

no espírito e na matéria Francastel (1973:106,107) estabelece

também uma distinção entre “o objeto figurativo e a imagem, ou

seja, “médium” e a representação”. Como dissemos antes, o estudo da

imagem centra-se nos esquemas de pensamento que a gerou, enquanto o

do objeto nos remete à “análise dos processos, dos meios, das

técnicas postas em aço pelo artista para materializar a imagem”.

A fisicalidade do objeto figurativo faz com que ele ocupe

um lugar no espaço e tenha a estabilidade e durabilidade do

material com que foi feito. É o material que possibilita o

manejamento da obra por outros que não o criador. Encontramos um

bom exemplo para ilustrar esta distinção na afirmação de Sogabe

(1990:4) que “uma linha é um conceito que tanto pode ser um risco

de lápis sobre um papel, como um rastro de fumaça deixado por um

avião no céu”. Uma linha é uma imagem executada concretamente num

objeto figurativo.
-36-

Para a postura que encara o trabalho do artista como a

busca de uma renovação no espírito e na matéria, considerar a obra

significa “não tanto buscar o significado da sua realidade física

como, antes, saber considerar esta mesma realidade física como

significado: já que não se trata de distinguir interno e externo,

alma espiritual e corpo físico, pura imagem e intermediário

sensível, realidade oculta e invólucro exterior, mas de encontrar a

coincidência entre espiritualidade e fisicalidade”

(Pareyson,1939:119). Podemos resumir, então, esta questão com a

frase de Francastel:

“Uma vez admitido que a Arte não consiste na ação de


vestir modelos de ações ou pensamentos formados
anteriormente ou fora dela; desde que se compreenda que
ela age segundo uma razão que lhe é própria e que
produz obras que não são apenas o reflexo material de
outras atividades do espírito; desde que se leve em
conta que ela manifesta no nível do ato individual
antes de tornar-se eventualmente uma instituição, somos
levados a considerá-la, como toda forma de atividade
específica do homem, sob seu duplo aspecto concreto e
mental” (Francastel,1973:79).

No sentido de efetuar a análise do papel desempenhado, no

processo criativo, pelos materiais utilizados pelo artista,

apresentamos a arte como um fenômeno que não se reduz à produção de

objetos mas envolve este fator. É necessário, então, que vejamos a

maneira como é entendido, aqui, o processo criativo. Será este o

assunto do próximo capítulo.


CRIAÇÃO COMO UM
PROCESSO COM PROPÓSITO
-38-

O pensamento sobre a criação deve ser situado na

história, apesar de nosso interesse não ser histórico. Neste

sentido mostra-se útil um capítulo de um estudo de Arnheim

(1976:10) sobre o Guernica de Picasso no qual o autor afirma que

“os processos criativos não são os únicos baseados em impulsos

procedentes do exterior do reino dos conhecimentos. São, porém,

únicos, no sentido de que seus resultados dão a impressão de

estarem além e acima do que pode ser explicado pelos mecanismos

mentais que nos são familiares. Para o próprio artista seu

resultado é, frequentemente, causa de surpresa e admiração; um dom

procedente de algum outro lugar antes que o resultado detectável de

seus esforços”.

Este fato, junto com a dificuldade de controle destes

processos por parte do artista, trouxe a ideia de que a criação

vinha de fora, das musas. “O criador mortal pedia inspiração, termo

derivado, em nossa tradição ocidental, do hálito de vida que Deus

insuflou nas fossas nasais do primeiro homem, com o que o converteu

em espírito vivo depois de formá-lo a partir do pó do solo”

(Arnheim,1976:10).

Com o romantismo, os procedimentos internos é que passam

a ser mais valorizados e vistos como incontroláveis e

inexplicáveis. Não podemos, entretanto, dizer que estes processos

são inconscientes, pois este termo assumirá o significado que hoje


-39-

damos a ele com Freud que, ao contrário dos românticos, procura uma

explicação para estes processos, entre eles, a criação artística.

Arnheim, contrapõe, então, seu pensamento sobre a criação

aos de Freud e Jung. Freud admite sua dificuldade de entender a

criação, como podemos ver nas citações abaixo. Mesmo assim, procura

entender o processo visto como “um refinamento da produção

biológica, não só no sentido de que a arte e a ciência haviam de

desenvolver-se a partir do desejo de satisfazer os instintos

básicos, mas também, e de uma forma mais radical, de que o motivo

último de todo esforço artístico ou científico continua sendo este

mesmo desejo” (Arnheim,1976:13).

“Gostaríamos enormemente de descrever o modo pelo qual


a atividade artística se origina nos instintos
primitivos da mente, se não fosse aqui, justamente, que
falham nossas capacidades” (Freud,1969:120).

“Diante do problema do artista criador a análise, ai de


nós, tem de depor suas armas” (Freud,1974d:205).

Encontramos, porém, algumas pistas importantes para

entendermos o processo criativo quando, num pós escrito ao estudo

sobre um conto de Jensen, Freud afirma que existem, na obra deste

escritor, “dois outros contos com os quais Gradiva parece ter tido

uma relação genética que constituem estudos preliminares ou

tentativas anteriores de uma solução poética satisfatória da

psicologia do amor” (Freud,1976a:97,149). Da mesma maneira, seu

estudo Escritores criativos e devaneio, nos mostra que encontramos

no escritor e na criança brincando o aspecto lúdico, a fantasia e a


-40-

seriedade emocional, pois “a antítese do brincar não é o que é

sério, mas o que é real”. O adulto, porém, não brinca como a

criança, constrói castelos no ar e cria o que chamamos de

devaneios.

Em O Moisés de Michelangelo, Freud tenta entender o

motivo da atração que sente por aquela escultura, apresentando uma

formulação que se mostrou útil:

“A meu ver o que nos prende tão poderosamente’ só pode


ser a intenção do artista, até onde ele conseguiu
expressá-la em sua obra e fazer-nos compreendê-la.
Entendo que isto não pode ser simplesmente uma questão
de compreensão intelectual o que ele visa é despertar
em nós a mesma constelação mental que nele produziu o
ímpeto de criar” (1972b:254).

Em Freud, então, a criação é entendida como um processo

envolvendo gênese, tentativas anteriores, aspectos lúdicos,

seriedade emocional, fantasia e intenção. Jung (1987:54,89) tem

propostas, no entendimento do processo criativo, que representam um

avanço em relação à Freud. Ele defende que à psicologia interessa

“apenas aquele aspecto da arte que existe no processo de criação

artística”, O que escapa à questão da criação, não seria atribuição

da psicologia pois, a arte requer uma orientação diversa da médica,

Jung afirma, também, a dualidade do criador. “Por um lado, ele é

uma personalidade humana, e por outro um processo criador

impessoal. Enquanto homem, pode ser saudável ou doentio (...). Mas

enquanto artista ele não poderá ser entendido senão a partir de seu

ato criador”.
-41-

Arnheim apresenta muitos conceitos orientadores ao

entender a criação como um processo que envolve uma

situação-problema e uma situação-meta, que pode ser provisória, a

qual conduz as ações no sentido de resolver aquele problema. A meta

representa, na criação, a intenção do artista que conduz as ações

no sentido e concretizar uma obra.

Existe um momento em que, mesmo provisoriamente, podemos

considerar concluído o processo criativo; quando a meta é alcançada

resultando numa obra. A verificação deste processo, que é nosso

interesse principal, não seria importante se o resultado existisse

totalmente independente do processo mas, ao contrário, “é preciso

dar-se conta de que a obra inclui em si o processo da sua formação

no ato que o conclui”. A obra de arte é, assim, “o próprio processo

em forma conclusiva e inclusiva. A obra no seu acabamento não é,

portanto, separável do processo da sua formação, porque é, antes,

este mesmo processo visto no seu acabamento” (Pareyson,1989:147).

Utilizando a semiótica de Charles Sanders Peirce,

concebemos o processo de criação como um processo de geração de um

signo: a obra de arte. Peirce não escreveu especificamente sobre a

criatividade artística mas, ele pode ser considerado um filósofo

preocupado com “o aspecto criativo do raciocínio - responsável pela

introdução de novas ideias” (Salles,1991:104), ou seja a abdução. A

própria semiótica peirceana é uma “semiótica criativa” porque


-42-

considera que o crescimento é inerente ao signo já que este “tem,

por sua natureza, o poder de gerar outro signo”.

Ao mencionar o crescimento sígnico, Peirce “está se

referindo ao modo de ação do signo, ou semiose em geral”. O signo,

entendido como uma relação dinâmica, só é signo quando

interpretado, exige, então, um interpretante mas “é preciso

reconhecer que o interpretante é ele mesmo um signo. (...)

Consequentemente, como um signo, o interpretante exigirá

interpretação” (Scott,1983:159). Temos, então, uma cadeia na qual

cada signo gera outro que “viria a ser regularmente e corretamente

interpretado num idealizado curso final da semiose”

(Ransdell,1983:42). Podemos então dizer, com Peirce (CP 5.316) que

o pensamento, como signo, “é o que é, só em virtude de se endereçar

a um pensamento futuro o qual é, no seu valor como pensamento,

idêntico a ele, embora mais desenvolvido. Desta maneira, a

existência de um pensamento agora, depende do que será no futuro”.

Não entraremos aqui nos meandros da classificação dos

interpretantes, mas é importante verificarmos que o crescimento

sígnico em direção ao interpretante final é regido por Causação

Final, trata-se de “um processo teleológico, um processo com

propósito. Deste modo a semiose é a ação do signo que se move por


-43-

causação final - causação final é a fonte do dinamismo que

impulsiona a ago do signo” (Salles,1990:16).

Para aqueles que não estão familiarizados com o

pensamento peirceano o adjetivo “final” pode levar a duas visões

erradas. De um lado, pode-se acreditar que pressupõe um

determinismo, assunto que será tratado posteriormente, ou ainda,

que existe uma interpretação definitiva. Como vimos o interpretante

final é idealizado assim, “cada ato particular de entendimento é

uma resposta a um signo através de outro signo, ocasião na qual a

cadeia infinita de signos se manifesta e prossegue”

(Santaella,1985:9).

É importante destacar que o processo de causação final é,

para Peirce, “um processo com um propósito - um processo evolutivo

com um fim” (Salles,1991:1). Como processo de geração de signos, a

semiose, “nem é limitada às atividades humanas nem dependente de

interpretadores humanos” (Scott,1983:164) mas, por estarmos

preocupados com a criação, concordamos com Salles (1991:1) que

estamos “discutindo uma manifestação da ação da mente que é

especificamente humana”. Na semiose, a causação final assume a

forma de intenção. O próprio Peirce afirma que “a ideia de

significado deve envolver uma referência a uma intenção”

(Peirce,1974:54).

Para Cecília A. Salles (1991:1), “o processo através do

qual os artistas seguem pode ser visto, em termos peirceanos como


-44-

um processo de causação final”. Encontramos afirmações de artistas

que comprovam esta afirmação, se entendermos a causação final como

intenção. Picasso (1935,1989:272) diz seus quadros são uma soma de

destruições, que faz “um quadro para destruí-lo em seguida. Mas no

fim nada se perde”.

Picasso diz que, se fotografássemos as mudanças ocorridas

durante a execução de uma pintura, “talvez então se perceberia qual

o caminho seguido por um cérebro para a concretização de seu sonho.

Mas o que é realmente curioso é observar que o quadro não muda no

fundo, que a visão inicial permanece quase intacta apesar das

aparências. Muitas vezes, depois de estudar uma luz e uma sombra

que coloquei no meu quadro, tento “quebrá-las” acrescentado uma cor

que cria um efeito contrário. Quando essa obra é fotografada,

percebo que o que eu introduzira para corrigir minha visão inicial

desaparece e que, afinal, a imagem dada pela fotografia corresponde

à minha primeira visão, antes das transformações trazidas por minha

vontade”. Da mesma maneira, Gabo (1989:334), ao procurar distinguir

“a escultura de qualquer outro objeto sólido”, afirma que um dos

atributos necessários àquela é ser “intencionalmente feita pelo

homem num espaço tridimensional”. A intenção seduz o artista e

regula o seu trabalho pois está cheia de significado para o

artista. A intenção do artista “determina as suas ações - cada

simples decisão que ele torna através de todo o processo


-45-

(Salles,1991:5). Ao longo do processo ele busca concretizar o seu

propósito.

A criação, então, é um processo sígnico, uma semiose,

regida por causação final. Esta representa, na criação, a intenção

do artista. Mas, se o fim a ser atingido depende de sucessivas

interpretações de signos sendo, por isto, alterado a cada

interpretação, podemos dizer, então, que o processo é infinito,

pois este fim idealizado, é tão mutante como as interpretações de

cada signo da cadeia semiótica e, se as obras de arte representam o

fim de um processo de produção, e o início de um processo de

recepção, como podemos, então, dizer que este processo gera obras

de arte? O processo que é logicamente infinito mas, é composto de

obras que são realmente executadas. Estas obras podem ser etapas da

produção, como nas provas de estado executadas na produção de uma

gravura ou uma obra definitiva, como diz Salles, um interpretante

final aceitável para o artista. Podendo ainda ocorrer que um

problema, surgido no processo da produção de uma obra,

transforme-se em outro processo é o que vemos nos estudos de

Picasso para a mulher que chora de Guernica. No início eram estudos

preparatórios, mas ganharam vida própria gerando gravuras e

pinturas que existem independente do quadro do qual, a princípio,

eram para fazer parte. (Fig. 1 e 2)


-46-

Picasso afirma que a visão, inicial de um quadro

permanece durante o processo. “O primeiro esboço de Picasso para o

Guernica contém muito da forma básica final...não só a cabeça do

touro, e sim seu corpo inteiro estão desviados com relação à cena,

como se este desvio fosse o pensamento básico, refinado mais tarde

quando se fez o touro voltar-se para o acontecimento ainda que com

a cabeça desviada. A ave está pousada no touro, no ponto exato onde

mais tarde volitará sobre a mesa. O cavalo parece jazer, morto,

sobre seu dorso, representando com isto o efeito extremo da

criminosa agressão, função mais tarde transferida à criança morta.

As patas traseiras do cavalo levantadas, são significativas como o

primeiro estabelecimento de uma vertical central elevada, que mais

tarde seria objeto de grande experimentação. A mulher empurra a

lâmpada através da janela; também ela se encontra em seu lugar

definitivo. A base horizontal dos corpos prostrados subjaz em toda

a cena principal, de modo mais simples e radical que o fará,

finalmente, o guerreiro” (Arnheim,1976:44). (Fig. 3 e 4).

A afirmação de uma permanência pode conduzir a ideia de

que não existe mudança no processo pois este estaria definido desde

o início. Na verdade, a ideia original só se define realmente

durante o processo, como podemos comprovar com os estudos sobre

criação e afirmações dos próprios artistas.


-47-

Pareyson (1989:141) afirma que o “estado de tateamento e

de aventura total é contrário à experiência artística: o decurso do

processo artístico é de algum modo orientado”. A tendência não

sendo é equivalente a um projeto no qual tudo o que será executado

já está definido. Mas, mesmo sem um projeto preestabelecido, o

artista, “está em condições de reconhecer e distinguir, no curso da

produção, aquilo que deve cancelar, ou corrigir e aquilo que, pelo

contrário, está bem conseguido e pode considerar-se como

definitivo” (Pareyson,1989:141). Podemos dizer, então, que o

processo criativo é composto da orientação para um fim e da

incerteza quanto a alcançá-lo guiado pela “teleologia interna do

êxito”.

A intenção, apesar de conduzir a criação não poderia

determiná-la totalmente uma vez que “a própria ideia de criação

está cheia de desenvolvimento, crescimento e vida;

consequentemente, não existe lugar, no processo criativo, para

propósitos pré-determinados e realizações mecânicas”

(Salles,1991:5).

A criação tem uma forma de determinação que não

corresponde à ideia que normalmente temos desta palavra,

envolvendo, segundo Ransdell (1983:45), um mecanismo teleológico

que poderia ser explicado por Peirce em termos de ‘feedback’ e

autocorreção compensatória. Ele a concebe, então,

‘ciberneticamente’, mas Peirce não usa o exemplo do termostato e a


-48-

razão para isto “é que este existe num sistema mecânico, no sentido

em que nenhum fator de acaso está envolvido no circuito

feedback/correção, enquanto sua concepção do teleológico parece

envolver o reconhecimento do acaso objetivo como jogando um papel

essencial no processo”.

A intenção, em função do acaso, feedback e autocorreção,

torna-se clara no decorrer do processo pois “nós não começamos

nenhum trabalho complexo com uma apreensão infalível de nosso

verdadeiro propósito (se temos alguma), só a teremos no decorrer do

trabalho” (Colapietro, apud Salles,1991:4).

Salles (1991:4) lembra que Peirce, falando sobre

personalidade, usa argumentos que se aplicam perfeitamente ao

processo criativo. A referencia à realização futura e definição

final do propósito são elementos essenciais da personalidade (e da

criação, em nosso caso). “Se os propósitos de uma pessoa já fossem

explícitos, não haveria lugar para desenvolvimento, para

crescimento, para a vida; e consequentemente, não haveria

personalidade, O mero cumprimento de propósitos predeterminados é

mecânico” (CP 6.157).

Ao vermos a obra acabada, temos a impressão de “um

desenvolvimento orgânico … um processo unívoco que vai da primeira

concepção da obra até o seu definitivo acabamento”

(Pareyson,1989:143), como se, desde o início, já estivesse definida


-49-

a forma da obra. Esta impressão existe, para o artista, quando,

“refazendo o caminho às avessas e rememorando a aventura ele

compreende que só podia fazer a obra daquele modo”

(Pareyson,1989:143). Não poderia ser diferente, pois sua concepção

da obra só se completa com a própria obra. A intenção do artista

“torna-se mais clara através do processo” (Salles,1991:4) pois

somente “por seus atos, por suas obras, cada forma de pensamento

toma consciência de si mesma” (Francastel,1973:87).

O artista é orientado, em suas tentativas, “pela

expectativa da descoberta e a esperança do sucesso...o êxito,

embora sendo apenas o objeto de uma esperança, exercita uma

verdadeira e própria atração sobre as operações das quais será o

resultado” (Pareyson,1989:141). A ação do artista é determinada

pela esperança em concretizar sua intenção que, “no começo do

processo, é ainda vaga, mas ele é confiante nesta vaguidão que ele

sabe que contém o futuro trabalho de arte. Ele parte deste caótico

(porém criativo) estado de busca, para um estado de ordem que a

realização da criação traz” (Salles,1991:5).

A causação final, por ser geral, remete à categoria

peirceana da terceiridade, cujo paradigma é a lei. Está é geral e

contrapõe-se à sua atualização que é particular. A causação final

determina que certas coisas tendem a acontecer, mas “alguma coisa

pode tender para algo e ser reconhecida como fazendo assim, sem
-50-

nunca realmente atingir isto para o qual ela está tendendo”

(Ransdell,1983:45). Deste modo, a lei não indica quando e como será

atualizada, podendo inclusive permanecer como uma possibilidade,

pois “o possível é necessariamente geral” (CP 4.172).

Ao falarmos em lei, em função do cuidado para que a

causação final não seja mal entendida, é importante colocar que ela

difere de uma lei que poderia ser expressa pela expressão: toda vez

que A, então B’. Este tipo de lei é apontado por Peirce “como um

caso limitado de uma tendência, isto é, um caso onde a tendência é

completamente rígida, tal que dado certo ponto de partida, a

tendência para certo fim é sempre preenchida” (Ransdell,1983:46).

Isto, como vimos, não corresponde nem à natureza da tendência, nem

à natureza do processo artístico que é composto de tentativas e

incerteza.

A causação final, tendência, lei ou intenção inicial não

determina de que modo particular será executada, “mas somente que o

resultado terá um certo carácter geral” (Salles,1990:25). Além

disso, “não está implícito na ideia geral que o artista tem a

respeito da futura obra, ou a descrição geral do resultado, como

ele irá alcançá-lo” (Salles,1991:6). Este resultado “pode ser

executado uma vez de uma maneira e outra vez, de outra”. A forma

como ele será alcançado diz respeito a uma causação de força bruta,

a causação eficiente.
-51-

A causação final é um modo de execução “de acordo com o

qual, uma descrição geral do resultado ocorre totalmente

independente de alguma compulsão para ser executado deste ou

daquele modo particular” (CP 1.211), não se relacionando, portanto,

com a forma que a intenção assumirá que, por sua vez, “depende de

uma causação de força bruta na sua atualização embora nunca seja

redutível a ela” (Ransdell,1983:46). A intenção é “um desejo

operativo - alcançá-lo implica lutar com todas as armas possíveis

que temos à nossa disposição” (Salles,1991:6). Sugere, então, “uma

maquinaria de eficiência para executar sua intenção - um mecanismo

inadequado, talvez - ainda que deva contribuir com alguma ajuda

para o resultado” (CP 1.269).

No início do processo, o artista se encontra diante da

situação sobre a qual vai agir. A causação eficiente “é uma

compulsão determinada por uma condição particular das coisas, e é

uma compulsão atuando para fazer com que a situação comece a mudar

de uma maneira perfeitamente determinada, e qual seja o caráter

geral do resultado, de nenhuma maneira diz respeito à causação

eficiente” (CP 1.212). O artista seduzido pelo seu ideal, procura

alcançar sua intenção, dá “passos concretos e físicos que tornam o

propósito possível de ser alcançado” (Salles,1991:6).

Ransdell (1983) nos mostra que a causação final implica

na determinação do passado pelo futuro que, representado no


-52-

processo criativo pela intenção do artista, “determina as suas

ações - cada simples decisão que ele torna através de todo o

processo” (Salles,1991:5).

Bachelard (1991:26) faz uma afirmação similar ao dizer

que a imaginação poética “é um dos fatores do trabalho; é o futuro

muito próximo, o futuro materialmente prefigurado, de cada uma de

nossas ações sobre a matéria” Desta maneira a intenção - futuro que

se quer materializar - conduz à ação.

Seduzido por sua intenção, o artista “é compelido a

dedicar o seu inteiro ser para a busca deste propósito”

(Salles,1991:3), A concretização exige que ele se discipline. Por

este motivo, Cecília A. Salles (1991:7) afirma que o autocontrole

faz parte da causação eficiente, o artista “submete-se à concreta

realização de seu ideal quando ele procura uma causação física

eficiente”. Ele é “compelido a exercer autocontrole - é o ideal que

o compele ”pois“ a causação física está, no caso do processo

criativo, impregnada de autocontrole. Ela não é totalmente cega, no

sentido em que, a consciência joga um papel importante e essencial

na busca por eficiência”.

O autocontrole. exige paciência e esta é “comandada pela

regra de esperança de realização do desejo, esperança de alcançar o

objetivo” (Salles,1991:4), pois, segundo Pareyson, as ações do

artista são orientadas por expectativa e esperança. “O processo de

criação exige paciência do – paciência para esperar a obra de arte


-53-

maturar”. Bachelard (1991:18,19) afirma que, na execução, existe um

tempo que “não pode se definir senão como o tempo ativo de um

trabalho”, no qual a matéria dá “esquemas temporais bem definidos à

nossa paciência”.

Ao buscar a existência real de seu propósito representado

pela causação final, o artista lida com materiais e técnicas que

determinarão as singularidades de uma determinada obra. A causação

eficiente refere-se, então, à forma particular da obra pois é “um

assunto inteiramente de hic et nunc (a ocasião singular)”

(Ransdell,1983:46). “É apenas a atualidade, a força da existência

que irrompe a fluidez geral e produz uma unidade discreta”

(CP 4.172).

A causação eficiente, por representar atos concretos

visando ao ideal, identifica-se com a técnica e os instrumentos

empregadas pelo artista. A execução num meio determinado envolve

tentativas do artista em impor sua intenção ao meio. Estas

tentativas podem mudar a meta no processo de autocorreção. A

singularidade da obra está ligada, então, a esta junção da

tendencialidade da causação final e da possibilidade de ser esta

corrigida na execução. Afirmamos anteriormente que artista

“concebe-se executando, projeta-se fazendo, encontra-se a regra

operando” (Pareyson,1989:32). Vejamos agora a concepção da obra de

arte.
-54-

A ação do artista está baseada em sua intenção, uma ideia

orientadora que vai se tornando clara no processo. Ao momento do

nascimento desta ideia, tem-se dado o nome de insight que pode ser

entendido como “uma tradução para o conhecimento humano das

manifestações do mundo, sejam elas naturais ou culturalmente

produzidas; portanto, um insight pode dar-se a partir de um

fenômeno natural ou após a aprendizagem de técnicas de produção ou

ainda após a reinterpretação de ideias ou conceitos”

(Laurentiz,198:6).

A afirmação da existência deste momento inicial, não

significa que não existam momentos de descoberta no caminho que

leva à obra, existem insights durante todo o processo de criação,

orientando as decisões que este processo exige.

Os elementos, que serão articulados neste momento de

descoberta do processo criativo, vêm da percepção que o artista tem

de seu mundo. Quer nos guiemos pela psicologia da Gestalt, quer

pela teoria da peirceana da percepção, veremos que existe um

aspecto interpretativo na percepção que nos permite identificar os

objetos e pessoas com os quais nos defrontamos cotidianamente.

O artista, entretanto, consegue afastar a sua percepção,

no momento da criação, deste uso prático. Matisse (APUD

Edwards,1984:18), questionado por Gertrude Stein, disse: “quando

como um tomate, olho-o como qualquer pessoa o olharia, mas quando

pinto um tomate, vejo-o de maneira diferente”. Os estímulos visuais


-55-

que poderiam vir a ser interpretados como objetos do mundo do

artista, tornam-se, então, uma “rede a explorar”. Este termo, usado

por Georges Bouligaud na análise do pensamento matemático, “convém.

admiravelmente bem para caracterizar o procedimento do artista no

estádio da invenção” (Francastel.1973:102).

O processo criativo não se constitui somente de insights,

faz parte dele “tudo o que o homem sabe, os conhecimentos, as

conjecturas, as propostas, as dúvidas, tudo o que ele pensa ou

imagina. Utilizando o seu saber, o homem fica apto a examinar o

trabalho e fazer novas opções. O consciente racional nunca se

desliga das atividades criadoras; constitui um fator fundamental de

elaboração. Retirar o consciente da criação, seria mesmo

inadmissível, seria retirar uma das dimensões humanas”

(Ostrower,1987:55). Francastel (1973:80) confirma esta concepção,

ao dizer que “a complexidade é a lei de toda existência para os

indivíduos e para as obras” pois “do mesmo modo que cada homem

participa em níveis múltiplos e variados de civilização, assim

também cada objeto está engajado ao mesmo tempo em várias

categorias de nossas atividades” Em termos peirceanos, vemos que as

três categorias coexistem na criação. “Poderíamos dizer que a

criação é um dos verdadeiros ninhos desta convivência harmônica das

três categorias peirceanas” (Salles,19990:16).


-56-

Existe uma convivência das três categorias. Este

trabalho, entretanto, enfatizará a secundidade. Desafiando o

insight, ao lidar com a materialidade concreta em que a obra será

formada, a secundidade desempenha um papel fundamental. As decisões

que o artista deve tomar em seu trabalho parecem ocorrer,

principalmente, em função da oposição dos materiais, “sobre a mesa

de desenho: à medida que as linhas e cores vão aparecendo, ao

artista vão parecendo corretas ou erradas, e elas mesmas parecem

determinar o que se deve fazer com elas” (Arnheim,1973:94).

A importância da execução/secundidade ocorre porque “A

operação que empreende realizar obras de arte...deve não tanto

concluir-se ou prolongar-se numa operação executiva ou

extrinsecadora como, antes, consistir propriamente nela”

(Pareyson,1989:116). Embora possa existir, em certos momentos, uma

ideia antes da execução, a ideia altera-se durante o fazer. “Na

verdadeira arte, a inspiração nunca é tão determinante que reduza a

atividade do artista à mera obediência, e o trabalho nunca é tão

custoso que suprima toda espontaneidade” (Pareyson,1989:146).

No pensar específico do artista, existe uma

simultaneidade entre o pensar e fazer, cuja importância nos leva a

encontrar referências a ela em vários autores. Ao contrário do que

poderia indicar a tendência, entendida como determinação mecânica,


-57-

“o artista não inventa em bloco, mas progressivamente em cada gesto

que o espírito comanda à mão” (Francastel,1973:28,79), porque a

“arte não consiste na ação de vestir modelos de ações ou

pensamentos formados anteriormente ou fora dela”.

Já que não existem “funções inteiramente distintas do

espírito e que se exprimem inteira e exclusivamente em série de

atos e de objetos determinados”, não podemos, desta maneira,

“considerar o pensamento de um pintor fora de seus meios, pois ele

só tem valor na medida em que é servido por meios que deverão ser

tanto mais completos (e por completos não entendo complicados)

quanto mais profundo for o seu pensamento. Não posso distinguir

entre o sentimento que tenho da vida e a maneira como traduzo”

(Matisse,1988:128).

O pensamento criativo, segundo Ostrower (1991:32),

envolve a imaginação, mas trata-se da imaginação criativa que se

vincula à “especificidade de uma matéria” teríamos, então, esta

imaginação “levantaria hipóteses sobre certas configurações viáveis

a certas materialidades. Assim, o imaginar seria um pensar

específico sobre um fazer concreto. Um carpinteiro, ao lidar com a

madeira pensa em termos de trabalhos a serem executados com

madeira”.

Indicando esta simultaneidade, Bachelard (1991:93) afirma

que “a mão trabalhadora... só pensa a apertando sovando estando


-58-

ativa”. Situação que gera “uma contínua incerteza e precariedade, …

porque, até o último momento, o mínimo desvio pode comprometer o

êxito” (Pareyson,1989:141).

A contemporaneidade da invenção com a execução existe,

mesmo quando se parte de um modelo, como no artesanato, o operário

“inventa, gesto após gesto, o método que lhe permite aproximar o

máximo desse modelo e, desse modo, provoca uma evolução permanente

dos processos de execução da própria aparência do objeto que ele

executa em série’ (Francastel, 1973:51).

Os artistas referem-se, naturalmente, a esta dualidade da

criação. Sabem que não é possível conceber seu trabalho “como uma

atualização puramente material de uma intuição capaz de tomar

consciência de si mesma apenas no plano intelectual”

(Francastel,1973:91). Eles dizem:

“Cada obra é um conjunto de signos inventados durante a


execução e para as necessidades do local. Saídos da
composição para a qual foram criados, esses signos não
têm mais nenhuma ação … o signo é determinado no
momento em que ele deve participar” (Matisse, apud
Francastel,1973:68).

“Um quadro não é pensado e fixado de antemão. Enquanto


o produzimos ele segue a mobilidade do pensamento. No
momento em que faço o quadro penso num branco e aplico
um branco” (Picasso,1989:272).

O pensamento do artista, ao ocorrer no momento em que

este trabalha, pode fazer com que a intenção se altere. Sogabe


-59-

(1990:36) nos mostra isto referindo-se às provas de estado de uma

gravura. Ele afirma que “todo diálogo com a imagem vai acontecendo

no próprio processo, muitas vezes se desviando do projeto inicial

quando este chega a existir”.

Scott (1983:166) afirma que uma investigação pode ser

conduzida em estúdios, laboratórios, ou experiências cotidianas e

que “o processo de raciocínio (como todos os modos de pensamento) é

conduzido através da interpretação e manipulação de signos”. O

pensamento então pode ser operacional um pensamento manipulativo.

Ele pode também ser corporificado no laboratório dos cientistas

onde os químicos fazem de seus apetrechos, “instrumentos de

pensamento, dando uma nova concepção de pensamento como alguma

coisa que é para ser feita com os olhos abertos, manipulando coisas

reais ao invés de palavras e fantasia” (CP 5.365).

Assim é o pensamento do artista no momento da criação, um

pensamento plástico, operacional, que “preenche total e

perfeitamente seu papel sem recorrer a outros meios de expressão

senão os que lhe são próprios” (Francastel,1973:341).

Se o “pensar” e o “fazer” são simultâneos na criação, o

meio empregado, a matéria que o artista trabalhará interage com sua

intenção. “O meio de expressão apresenta constantes surpresas e

sugestões. A obra, portanto, não é tanto uma réplica do conceito

mental quanto uma continuação da concepção e invenção que começou

na mente do artista” (Arnheim,1989:290).


-60-

É uma relação de diálogo entre o artista que concebeu “a

ideia que gradualmente toma forma no meio de expressão”

(Arnheim,1989:290) e a matéria em que consiste este meio. A matéria

tem características físicas e, por causa destas, o artista não pode

violar a matéria “para dobrá-la a seu propósito, porque, antes,

consegue fazer dela aquilo, que ele quer somente através da

inviolada vontade dela” (Pareyson,1989:124).

A relação do artista com seu material não é dominadora,

aproximando-se do diálogo, da cooperação, sendo “uma espécie de

obediência criadora” (Pareyson,1989:125). Este diálogo, “do qual

nasce algo misto da vontade do produtor e da vontade do meio,

opõe-se ao monólogo da imposição de nossos desejos à matéria que

seria tomada como amorfa e morta” (Sogabe,1990:6).

De um lado, a matéria domina, de tal maneira que o

artista “consegue fazer a sua própria vontade, precisamente fazendo

a vontade da matéria” (Pareyson,1989:125) e “deve saber interrogar

a matéria para poder dominá-la, e a matéria só se rende a quem

soube respeitá-la” (Pareyson,1989:125). Por outro lado, é o artista

quem constitui a matéria como artística, “imprimindo-lhe uma

disposição fértil de possibilidades e dela liberando uma multidão

de sugestões criativas e de iniciativas de obras”

(Pareyson,1989:124).

É difícil “imaginar alguém, que não conhece o meio,

realizar um projeto para tal meio” (Sogabe,1990:54), uma vez que “a


-61-

manipulação direta do material artístico, incrementa o sentido que

condiz, ou não, com determinado meio de expressão”

(Arnheim,1989:78).

Além disso, como já dissemos, o “insight pode-se dar …

após a aprendizagem de técnicas de produção” (Laurentiz, 1989:6).

Em sua oposição aos livres devaneios do artista, a materialidade do

meio, não só participa do processo de auto-correção, alterando a

ideia inicial, mas “apresenta constantes surpresas e sugestões”

(Arnheim,1989:290). É a partir do “próprio meio que surgem várias

ideias” (Sogabe,1990:54). Por isso, o artista “prefere a matéria

recalcitrante àquela fácil, porque … quanto mais vinculante é o

limite mais vasta será a possibilidade” (Pareyson,1989:125).

Ao lidarmos com a matéria, nos tornamos “materialmente

hábeis ao agir no ponto de equilíbrio de nossa força e da

resistência da matéria” (Bachelard,1991:21). Nossa força não é só

física, existe em função da intenção, então, este ponto é o

resultado final do diálogo. Neste momento, a vontade do artista e a

matéria mudaram e nas mudanças que ocorrem na concepção do artista,

em função da matéria, é que estão os limites deste estudo.

As modificações são tantas que podemos parafrasear

Drummond. Como os amantes de seu poema “O mito”, matéria e intenção

se compreendem, o artista não sofre mais na execução, a matéria não


-62-

brilha mais na potencialidade, agora são uma mesma coisa, “Uma

coisa tão diversa daquilo que pensávamos que fosse”.


OS MATERIAIS, FERRAMENTAS E
TÉCNICAS PELO ARTISTA
-64-

Ao mostrarmos a arte como uma matéria formada ao longo de

um processo com uma tendência, destacamos a importância do material

na obra de arte. Dando continuidade a esta investigação, nossa

intenção é aprofundar a análise do papel desempenhando pelo

material como parte integrante de um fator da produção artística a

que chamamos de Meios ou, ao falarmos especificamente de arte,

Meios de Expressão, ou seja, tudo aquilo que o artista usa, ou pode

vir a usar, para dar corpo às suas concepções, experiências ou

ideias estéticas. A generalidade deste termo exige uma melhor

especificação, por este motivo, os meios de expressão serão

entendidos, neste trabalho, como um conjunto formado por materiais,

ferramentas e técnicas.

Arnheim (1989:121) deixa implícita a sua concordância com

esta classificação dos meios de expressão ao referir-se às obras

plásticas com intenção figurativa. Estas dependem do mundo visual

como modelo; sua natureza provém, contudo, “dos meios em que são

criadas: a folha de papel, a tela, o bloco de pedra, ferramentas e

materiais”.

Existem várias questões que podem ser levantadas no

entendimento da complexidade de cada um destes elementos e da

articulação deles, as quais serão abordadas separadamente. Antes,

porém, existem duas características dos meios de expressão que vêm

ao encontro de nosso interesse e, por esta razão, serão aqui

discutidas: o fato de o meio de expressão determinar a intenção do


-65-

artista e, ao mesmo tempo, este mesmo meio ser reinventado durante

o processo criativo.

O meio empregado pelo artista determina o que se pode

fazer com ele. Encontramos afirmações sobre isto em alguns estudos

sobre as Artes Plásticas. R. Arnheim, por exemplo, afirma que “as

condições perceptivas resultantes do meio escolhido estimulam e

determinam as concepções do artista” (Arnheim,1989:121). Quando um

artista se propõe a fazer uma pintura figurativa, ele “não pode

transcrever o que vê. Pode apenas traduzi-lo para os termos do meio

que utiliza” (Gombrich,1986:28). Braque destaca este aspecto

afirmando o quanto os motivos da pintura dependem dos meios: “O

motivo não é um objeto, é uma nova unidade, um lirismo que cresce

totalmente a partir dos meios” (Braque,1989:262).

A relação do artista com seus meios de expressão pode ser

entendida como “a relação entre as concepções da mente e os

obstáculos apresentados pelo meio ambiente” (Arnheim,1989:133) e

“inventar um novo instrumento é modificar este meio ambiente”.

Desta maneira, como o desenvolvimento de qualquer processo traz

mudanças em todas as partes que nele estão envolvidas, a inserção

de um novo instrumento muda o ambiente em que o artista vive,

oferecendo-lhe novas concepções e, o próprio instrumento lhe

fornece novas possibilidades de uso.


-66-

A realização concreta, permite que o potencial se

atualize, mostrando usos que podiam não estar previstos. Isto já

havia sido apontado por Arago (APUD Benjamim,1985:220), com

referencia à fotografia, era 1939. Apesar de não se referir às

possibilidades criativas, mas sim às científicas, ao defender a

concepção de uma pensão para Daguerre, na Câmara dos Deputados de

Paris, ele afirmou:

“Assim que os inventores de um novo instrumento o


aplicam na observação da natureza, o que eles esperando
instrumento é apenas um detalhe em comparação com a
série das descobertas subsequentes, das quais o
instrumento foi a origem”.

As possibilidades não se esgotam porque o instrumento é

sempre reinventado. No processo criativo os meios determinam um

caminho para a expressão mas, ao mesmo tempo, seu uso introduz

novos problemas à própria criação. Podemos dizer, então, que “o

artista forja em parte seu instrumento todas as vezes que realiza

uma obra. A cada feita ele inventa os termos e a relação dos.

elementos simultaneamente” (Francastel,1973:116).

O que estamos chamando de reinvenção do meio decorre de

novo .uso. Podemos ter, além disto, artistas que inventam

concretamente o seu meio de expressão. Mario Ishikawa desenha

utilizando-se da fuligem deixada pela queima de uma lamparina de

querosene e, para isto, necessitou criar vários tipos de bico para

as suas lamparinas que funcionam como pincéis diferentes (Fig. 5).


-67-

O meio é sempre inventado numa obra criativa, seja com a

invenção concreta de um novo instrumento ou com a reinvenção deste

pelo uso. Indicamos, antes, que os meios de expressão são vistos,

neste trabalho, como um conjunto formado pelos materiais,

ferramentas e técnicas. A determinação, ou tendencialidade,

exercida pelos meios existe, também, em cada um destes três

elementos, assim ela será analisada separadamente nas seções

referentes a cada um desses temas: o material, as ferramentas e a

técnica da arte.
O MATERIAL DA ARTE
-69-

A necessidade de mostrar a especificidade da matéria da

arte decorre do fato, afirmado anteriormente, de os processos, em

geral, envolverem um tal tipo de interação que, durante o seu

desenvolvimento, traz mudanças para todos os elementos que estão

neles envolvidos. A criação, como processo, não é uma exceção. Do

início ao fim da criação artística a matéria da arte muda e esta

mudança faz com que a mesma usada na arte seja diferente,

específica. Alguns autores estabelecem uma oposição entre material

e materialidade. Ostrower prefere este último, argumentando que ele

abrange “tudo o que está sendo “formado” e “transformado” pelo

homem. Se o pedreiro trabalha com pedras, o filósofo lida com

pensamentos, o matemático com conceitos, o músico com sons e formas

do tempo, o psicólogo com estados afetivos e assim por diante”

(Ostrower,1987:31).

Materialidade é, também, o termo preferido por Laurentiz.

Segundo este autor, “o conceito de materialidade não se opõe ao

conceito de matéria, vai além. A matéria é a preocupação com o

suporte material, ao passo que a materialidade abrange o potencial

expressivo e a carga informacional deste suporte, englobando também

a extra-materialidade dos meios de informação. Operar sobre a

matéria e sobre a materialidade determina maneiras diferentes de

comportamento. Operar sobre a matéria significa a presença de um


-70-

autor-dominador, que impõe ao suporte material as suas marcas

individuais” (Laurentiz,1988:104).

Julgamos serem ambivalentes os termos matéria e

materialidade. Nossa abordagem da matéria do artista pretende

mostrá-la principalmente, em termos peirceanos, como secundidade,

como elemento concreto que se coloca em oposição à nossa vontade,

como algo que resiste, é concreto, real, se impõe à nossa

consciência como força bruta, um objeto como obstáculo ao trajeto.

A oposição da matéria, não permite sua completa dominação, exige um

diálogo entre o artista e a matéria que vai contra a afirmação do

trabalho com a matéria ser um trabalho dominador.

Pareyson (1989:121) afirma que “são matéria da arte os

materiais físicos que servem ao artista, vistos na sua constituição

natural, no seu uso comum e na sua destinação artística”. Esta

definição será aprofundada posteriormente; no momento, o importante

é que ela destaca o caráter específico que a matéria passa a ter ao

ser usada pelo artista.

O artista, durante o processo criativo, escolhe uma

matéria e, independente do fato de ser esta, ou não,

tradicionalmente usada para a produção artística, como os pincéis

ou tintas que normalmente encontramos em lojas especializadas, a

relação estabelecida com ela é “de absoluta criação, já que o

artista a cria no próprio ato que lhe resgata a preexistência; por


-71-

outro, é de determinação, no sentido de que o artista sofre as

exigências da matéria e está obrigado a sujeitar-se a ela e a

servi-la” (Pareyson,1989:124).

Desta maneira, “a matéria tal como se encontra na obra é

totalmente diversa daquela que era primeiro” (Pareyson,1989:123).

Antes, matéria prima da possível produção artística, passa a ser

parte da obra acabada.

“Só se pode falar propriamente de matéria da arte


quando ela já está resolvida na obra acabada. O ato do
artista é, ao mesmo tempo, aniquilador e criador,
porque institui a matéria no próprio momento em que a
está abolindo” (Pareyson,1989:124).

Esta dualidade na caracterização da matéria ocorre porque

ela “é tal somente no interior do ato que a adota”

(Pareyson,1989:125); e o fim do processo, resultará “numa

identificação da obra com a sua matéria enquanto formada”.

A matéria é histórica e isto se dá por dois motivos.

Primeiro, “ela faz parte de um universo dinâmico, em constantes

transformações geradas por ele mesmo, e, portanto, histórico; esta

leitura distingue-se da visão do universo estático onde a matéria

era vista como algo imutável, logo, passível de reconhecimento

eterno. Segundo, a matéria, participante do mundo cultural e social

do homem, vive também um processo de mudança constante; ela fica

sujeita aos elementos mutáveis da natureza humana: a curiosidade, a


-72-

comunicação e a educação, responsáveis pelo seu caráter histórico”

(Laurentiz,1989:67).

O uso não artístico, chamado por Pareyson de uso comum”,

altera-se culturalmente e, a própria matéria, também, muda a partir

de sua escolha como meio de expressão, pois “o artista forja em

parte seu instrumento todas as vezes que realiza uma obra. A cada

feita ele inventa os termos e a relação dos elementos

simultaneamente” (Francastel,1973:116).

Das características específicas que o material assume no

processo de criação, a relação entre o uso comum e o artístico, por

sua complexidade, merece ser vista separadamente.

Retomando a definição de Pareyson: “são matéria da arte

os materiais físicos que servem ao artista, vistos na sua

constituição natural, no seu uso comum e na sua destinação

artística” (Pareyson,1989:121). A constituição natural diz respeito

às “leis determinantes e necessárias, tais quais as dá ótica, da

acústica, da estática, da química, da mineralogia,, da anatomia

etc” (Pareyson,1989:122). Estas leis são determinantes porque, o

constituírem o material, influenciam a linguagem artística que o

usa. A tinta, por exemplo, como matéria da pintura, depende da

química dos pigmentos e dos aglutinantes.

Quanto ao uso comum, “trata-se de um uso

pré-artístico...em que a matéria é assumida como meio para atingir


-73-

certos objetivos, segundo uma técnica codificável e aprimorável”

(Pareyson,1989:122). O material, entretanto, tem possibilidades

expressiva, o que Pareyson chama de “destinação artística” que,

embora já esteja presente no uso comum, só será alcançada quando

tiver um uso especificamente artístico.

É oportuna a discussão sobre a palavra destinação que,

por derivar de destino, traz implícita uma ideia determinista,

podendo significar a existência de um uso artística previamente

fixado. Pareyson (1989:122) não justifica este termo. Ao dizer que

a matéria é “predisposta pelo seu próprio uso comum” permite,

entretanto, o entendimento de destinação como predisposição, oque

relativiza o destino aproximando—o de tendência, possibilidade ou

inclinação.

Por outro lado, outros autores usam, também, este termo,

Focillon, por exemplo:

”as matérias possuem um certo destino ou, se quisermos,


uma certa vocação formal. Elas têm consistência, cor,
textura. Elas são forma como dissemos, e, por isso
mesmo, provocam, limitam ou desenvolvem a vida das
formas na arte”. (APUD Sogabe,1990:3).

A ordem em que Pareyson dispõe estes três aspectos da

matéria pressupõe que um esteja incluso no outro, O uso comum que

um material possa ter é determinado por suas características e a

destinação artística só é possível, em função do uso comum. Assim,


-74-

embora contrário a este uso, as características dos materiais,

negadas ou reafirmadas, continuam presentes no uso artístico.

Temos aqui, outra vez, uma via de mão dupla pois, se o

material usado na produção artística, traz possibilidades dadas

pelo seu uso comum, este também contém algo de artístico. “Assim

foi desde o início da evolução humana. Todas as artes nasceram coa

efeito do manuseio da matéria e, reciprocamente, em toda

intervenção do homem sobre a matéria existe uma parte de adaptação

que depende da estética, isto é, de uma intenção ou de uma

finalidade distinta da simples feitura” (Francastel,1973:50). Ou

seja, existe “uma gama completa de graus entre obras em que a

participação da arte é limitada ao mínimo indispensável e aquela em

que é exclusiva” (Francastel,1973:26).

Exemplificando com a madeira, esta oferece uma

resistência e é, ao mesmo tempo, manipulável, desde que se usem as

ferramentas adequadas. Estas características permitem que se

empregue a madeira na execução da estrutura de um telhado e, ao

mesmo tempo, na talha de um altar. Da mesma maneira, o beiral do

telhado pode ter algum entalhe decorativo, impregnando o uso comum

com o uso artístico.

A constituição da madeira é, também, o que permite o

trabalho de Christian Renonciat que, ao reproduzir neste material

objetos que têm uma constituição flexível, gera uma ambiguidade

entre a dureza real e a flexibilidade visual. Temos, também, o


-75-

“negativo” desta ideia em Oldemburg que constrói, com plástico,

objetos duros, tais como a sua escultura “Esboço para

Interruptores” de 1964. É exatamente a constituição natural destes

materiais, ao gerar ambiguidade, que confere significado a estes

trabalhos. (Fig. 6 e 7)

A dualidade está presente em vários aspectos da matéria

da arte. Ela é dada pronta e é inventada, tem um uso comum e uma

destinação artística, pode impedir ou permitir a criação. Quando

lidamos com uma obra pronta, a matéria não pode ‘em impedir nem

permitir a expressão por fazer parte desta mas, ao tratarmos do

processo do ponto de vista do produtor, os termos são adequados,

pois o artista é impedido de executar sua ideia inicial pelo

material e, à medida que dialoga com este, consegue fazer o que

deseja. Ao ser tomada como algo dado, sem possibilidade de mudança,

a matéria, por causa de sua constituição e a tradição em seu uso,

impede a produção artística. Por outro lado, se for entendida como

algo criado durante o processo de criação, ela possibilita a

existência da arte. A complexidade desta questão está no fato de as

mesmas característica físicas e tradição que impedem, também

permitirem a expressão artística.

Dos três aspectos da matéria apontados por Pareyson,

temos dois que são limitadores: as características físicas e a

tradição. O terceiro aspecto aponta para futuros desenvolvimentos:

sua destinação ou tendencialidade artística.


-76-

Atualmente, podemos ter “matérias exatas que respondem a

necessidades bem definidas. Por exemplo, a maravilhosa indústria

das matérias plásticas nos oferece agora milhares de matérias com

características bem determinadas ... mas o problema do trabalho

primitivo é completamente diferente. Então, é a matéria que sugere,

O osso, o cipó - o rígido e o flexível - que sem furar ou ligar. A

agulha e o fio continuam o projeto inscrito nessas matérias”

(Bachelard,1991,35).

Nossa argumentação anterior quanto à inclusão dos três

aspectos da matéria - constituição natural, uso comum e destinação

artística - permite afirmar que a matéria, ao mesmo tempo que

impede, permite a expressão artística. Isto ocorre porque os

fatores que limitam são os mesmos que oferecem possibilidades, os

que determinam são os mesmos que permitem a sua escolha.

Vimos antes que, durante o processo criativo, o artista

“constitui uma matéria” (Pareyson,1989:125) criando - a junto com a

obra e, neste ato, “liberando-lhe possibilidades formativas, sabe

interpretá-la na sua natureza autônoma e característica”

(Pareyson,1989:125). Sabe que o respeito pela sua natureza é a

única forma de explorar as potencialidades criativas.

O uso da palavra “liberar”, na citação acima, poderia

reservar ao artista o papel passivo de simplesmente atualizar o que

já existia em potência na matéria. Já argumentos contra esta ideia

em outros momentos, no entanto, convém lembrarmos que, apesar da


-77-

importância do texto de Pareyson, ele falha na precisão

terminológica, que é buscada na justaposição palavras com

significados diferentes. Encontramos, logo após “liberar”, o verbo

“interpretar” que está longe de envolver a ideia de passividade.

Em nenhum momento, Pareyson afirma a passividade, nem por

parte do artista, nem pela matéria. Esta não recebe a intenção do

artista, oferece possibilidades a ele, “ela entra com a sua

natureza muito especial, que é aquela e não outra: para conseguir o

seu desígnio, o artista deve ter isso em conta” (Pareyson,1989:124)

pois, como dissemos antes, ele só consegue fazer dela aquilo que

ele quer “através da inviolada vontade dela”. A relação envolvida é

similar a uma negociação em que a vontade inicial do artista e as

potencialidades da matéria, que podem ser a princípio

incompatíveis, chegam a um acordo e, para isto, ambas mudam.

O artista, durante a atuação concreta para atingir o seu

ideal, escolhe um material e, este ato “é, em primeiro lugar, um

verdadeiro e próprio diálogo do artista com a sua matéria, no qual

o artista deve saber interrogar a matéria para poder dominá-la”

(Pareyson,1989:125).

Bachelard (1991,48) comenta que, quando iniciamos o

trabalho de limar uma peça, “começa um duelo de duas vontades.

Queremos limar reto, queremos impor planos regulares. Mas parece

que a matéria, por sua vez, quer conservar uma rotundidade”.


-78-

Percebe-se, então, que “é por ser má vontade que a matéria é

vontade”.

Picasso (1989:267), numa declaração diz que “a arte é uma

mentira que nos faz compreender a verdade” e que, “o artista deve

conhecer a maneira de convencer os outros da veracidade de suas

mentiras”. Não discutiremos a questão da verdade da arte, o

importante aqui é mostrar o como esta afirmação permite confirmar a

necessidade do diálogo com a matéria.

Se todo enunciado depende de um corpo físico, podemos

dizer que “a maneira de convencer”, referindo-se à pintura

figurativa, diz respeito à maneira de usar este material visando a

conseguir uma ilusão verossímil da realidade. A obtenção desta

“mentira” depende, então, dos meios empregados, com os quais o

artista deve saber dialogar. Eles negociam, dialogam e, este

diálogo é definido, por Pareyson (1989:125), como “uma espécie de

obediência criadora”. Aqui encontramos, mais uma vez, a junção de

duas palavras antagônicas; a complexidade da relação com o

material, entretanto, engloba esta oposição porque “pode ser

resistência, obstáculo, causa de malogro, e é o artista quem sabe

fazer dela uma ocasião, um veículo, uma garantia de êxito”

(Pareyson, 1989:124).
-79-

Durante a produção artística, ocorre uma interação entre

a execução da obra, a intenção do artista, a percepção da obra

sendo executada, a avaliação desta e da intenção e, novamente, a

execução. O olhar configura os estímulos levantando possibilidades

que são experimentadas, podendo ser aceitas ou reiniciar o ciclo em

busca de outras opções.

No momento da “extrinsecação artística”, ou seja, este

misto de execução e criação a que Pareyson se refere, o artista,

sua intenção, o material em transformação e instrumentos usados

estão tão relacionados, tão rapidamente um influencia o outro, que

existe a sensação de uma totalidade. Em termos peirceanos, pode-se

dizer que existe uma predominância da primeiridade. Esta

predominância, entretanto, é aparente pois estão presentes na nela

a terceiridade e a secundidade que é a categoria que mais nos

interessa, pois na relação com o material está presente a

consciência da diferença, da relação com o outro na qual, este

outro é o material com limitações físicas e culturais que reagem à

intenção/ação do artista. As limitações do material são necessárias

pois, “em arte o progresso não consiste na extensão, mas no

conhecimento de seus limites” (Braque,1989:264).

O material, ao limitar, propõe soluções que permitem ao

artista atingir o seu ideal. “A limitação dos meios determina o

estilo, cria nova forma e impulsiona a criação” (Braque,1989:262).


-80-

O artista, então, só pode criar porque está limitado. Ele “tem

necessidade das resistências da matéria: prefere a matéria

recalcitrante àquela fácil, porque quanto mais árduo é o obstáculo

mais alta será a vitória, e quanto mais vinculante é o limite mais

vasta será a possibilidade” (Pareyson,1989 :125).

A matéria, ao limitar, determina o que pode ser feito coa

ela. Enfatizando este aspecto, Pareyson (1989:122) afirma que “a

obra resulta como é precisamente pela natureza de sua matéria”. Por

outro lado, “a escolha de uma matéria é operada com base na sua

natureza”, O artista, então, escolhe sua matéria em função da mesma

natureza que determina a obra, em outros termos, ele escolhe a

determinação à qual quer se submeter. Resta saber o que determina a

sua escolha de um material. Propomos intenção do artista como

reposta a esta questão.

A determinação da matéria é mostrada, também, por Arnheim

(1989:121), ao apontar o quanto a natureza das representações

visuais depende “dos meios em que são criadas”. Se entendermos as

“concepções do artista” como sua intenção, teremos, então, duas

afirmações: Com Pareyson, a intenção do artista determina a escolha

de um material e, com Arnheim, o material escolhido determina sua

intenção.

A complexidade que abrange todo o processo criativo

existe, também na relação da intenção com o material. Esta relação


-81-

é de complementariedade, e não de antagonismo, como poderia ser

inferido das duas afirmações anteriores, pois elas se referem a

momentos diferentes do processo. No caso de ter o artista uma

intenção definida, esta, por mais consistente que seja, pode mudar

ao ser posta à prova em sua extrinsecação, sofre alterações que são

determinadas pelo material, Mas este pode gerar ideias artísticas,

já que o insight iniciador do processo criativo pode ocorrer “após

a aprendizagem de técnicas de produção” (Laurentiz,1989:3).

A pintura figurativa resulta num signo cujo objeto “não

deve ser concebido num sentido limitado; ele pode incluir ações,

eventos e ideias, entre outras coisas. Um trabalho de arte, por

exemplo, pode ser uma exploração das propriedades do meio, a

qualidade formal dos elementos, as características da superfície

esculpida ou (como ocorre com muitos dos artistas do séc. XX), os

reais limites da arte” (Scott,1983:166).

A relação do artista com o material é importante porque,

na verdade, a ideia só surge quando existe possibilidade de ser

concretizada. Segundo Balazs (1985,81), “a psicologia e a

fisiologia mostraram que nossos pensamentos e sentimentos são

determinados à priori pela possibilidade de expressá-los”.

Por outro lado, a intenção do artista determina a escolha

de um material, pois ele escolhe um material cujas limitações sejam

mais adequadas à sua intenção. Venturi (1986:227), por exemplo,


-82-

diz, com relação à pintura, que “um certo tipo de visão apropriado

à técnica da aquarela não pode traduzir-se em óleo sem sofrer na

sua qualidade artística”.

Assim, a matéria determina a intenção mas, ao mesmo

tempo, depende desta. A possibilidade, por exemplo, em “construir

em concreto armado ou em plástico não dita as novas formas nem o

novo uso... não se esparrama concreto a metro por prazer”

(Francastel,1973:53). A ação com um material depende de uma

intenção.

Por estar dentro de um rede de relações, outras

determinações relativizam aquela exercida pelo material. Esta

existe em função das limitações físicas e culturais. Antes de

verificarmos estas limitações, convém reforçarmos a possibilidade

da escolha de materiais, pois estes não determinam a qualidade de

arte de uma obra. Hoje, com certeza, isto é um fato aceito, nem

sempre foi assim.

Uma das pessoas que trouxe esta possibilidade foi Marcel

Duchamp, a partir de seus ready-mades os elementos que são expostos

como obras de arte, são artísticos em função deste ato, podendo

aparecer como são, sem a necessidade de serem trabalhados para

tornarem-se artísticos. Esta herança duchampiana, entretanto, é

resultado de uma leitura de seu trabalho e não de sua intenção, o

que pode ser confirmado numa entrevista concedida a Pierre Cabanne

(1987:80) em 1967, na qual Duchamp disse que ready-mades era um


-83-

nome “bastante conveniente para essas coisas que não eram obras de

arte, não eram desenhos, e que não se encaixavam em nenhum dos

termos aceitos do mundo artístico. Por isso que fiquei tentado a

fazê-lo”. Podemos ver que seu interesse estava longe da criação do

que se entendia, na época, como arte.

Se o material, de alguma maneira, determina a obra, não o

faz quanto à artisticidade da mesma. “Os mosaístas pintam com

mármore ou madeiras coloridas. Mencionou-se um artista italiano que

pintava com matérias fecais; durante a revolução Francesa houve

quem pintasse com sangue. Pode-se pintar com o que se quiser, com

cachimbos, selos, cartes postais, cartas de jogar, candelabros,

pedaços de tela encerada, colarinhos, papel pintado, jornais”

(Apollinaire,1988:236).

Desta maneira, qualquer material pode ser usado em função

da intenção do artista. “Michelangelo encontrou no afresco o meio

apropriado para a sua visão, plástica e Ticiano na técnica do óleo

a via perfeita de sua visão pictorial. E como a visão plástica não

é superior à visão pictorial, o afresco não é superior ao óleo”

(Venturi,1968:238).

Ao referir-se à técnica do óleo, Venturi mostra que

confunde técnica com material. Este é um fato comum quando se trata

de pintura, pois chama-se uma técnica com o mesmo nome do material

que é empregado nela. Isto ocorre devido à influência que o

material tem sobre a técnica, o qual abordaremos adiante. Assim,


-84-

quando ele fala das diferentes técnicas, podemos entender como se

estivesse abordando os diferentes materiais.

Encontramos uma afirmação similar, porém, sobre a

escultura, em um texto de 1937 no qual Gabo afirma que “Se por

vezes o escultor prefere um material ao outro, isto deve-se apenas

à sua melhor tratabilidade. (...) Não há forma estética que proíba

ao escultor o usai de determinado tipo de material para as

finalidades de seu tema plástico; tudo depende da concordância de

seu trabalho com as propriedades do material escolhido.(...) As

emoções despertadas pelos materiais decorrem de suas propriedades

intrínsecas e são tão universais quanto quaisquer outras reações

psicológicas despertadas pela natureza. Na escultura, como na

técnica, todo material é bom, digno e útil, porque todo material

tem o seu valor estético próprio” ( Gabo, 1989 : 335)

LIMITAÇÕES DADAS PELAS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS

A constituição natural do material impõe limitações ao

artista que determinam, por sua vez, a forma da obra, já que esta

“resulta no que é precisamente pela natureza de sua matéria”

(Pareyson,1989:123).

Segundo Gabo (1989:335), a “arte da escultura sempre

andou de mãos dadas com a técnica” e, para esta, a utilidade do

material “só é limitada pelas suas próprias qualidades e


-85-

propriedades. O técnico sabe que não podemos impor ao material as

funções que não são próprias da sua substância, assim, por exemplo,

seria falso o uso do vidro se o escultor negligenciasse a

propriedade essencial desse material, ou seja, a transparência”.

Existem afirmações que permitem comprovar a este fato em diferentes

modalidades das artes plásticas.

Em seu estudo sobre o material na arte, Sogabe (1990:7)

classifica os materiais usados na pintura em “três elementos

básicos que poderíamos denominar genericamente de: SUPORTE,

SUBSTÂNCIA E INSTRUMENTO” Pelo nome genérico de substância ele

designa os vários tipos de tinta. Estas podem se aplicadas de

maneiras diferentes e, para isto, necessitamos de instrumentos que

transportam a tinta para o suporte. Os pincéis, embora necessários,

não se incorporam à obra, ao contrário das tintas e suportes. Esta

classificação nos lembra que “um quadro - antes de ser um cavalo de

guerra, uma mulher ou uma anedota qualquer - é essencialmente uma

superfície plana recoberta de cores dadas numa dada ordem”

(Denis,1989:90). Um quadro é um suporte coberto de tintas que, por

sua vez, são organizadas com o auxílio de instrumentos. Estes

elementos, como materiais que são, conduzem a criação.

Apresentaremos exemplos que permitam o esclarecimento da

materialidade de uma pintura.


-86-

Sogabe classifica os suportes segundo a anatomia,

formato, dimensão, superfície e materialidade. No sentido de

abordarmos as influências do material, analisaremos melhor estes

elementos.

A forma do suporte desempenha um papel importante na

pintura corporal das civilizações que insistimos em chamar de

primitivas, a forma do corpo que determina o desenho. “O homem só

cobre com terra colorida e, ele segue, para isto, as linhas

naturais de seu corpo: não há nenhuma surpresa em se encontrar nas

extremidades do globo os mesmos desenhos ao longo das pernas ou em

torno dos seios” (Leroy-Gourhan,1971:27).

O suporte da pintura, “quase sempre foi relegado a

segundo plano tendo importância maior o que acontecia sobre a

superfície. Porém, principalmente a partir do construtivismo, os

materiais começaram a participar mais efetivamente no trabalho como

um todo, não com o seu simples uso mas sim utilizando suas

propriedades e qualidades como elemento estético” (Sogabe,1990:

23).

Quanto à materialidade, encontramos uma afirmação

esclarecedora num relato de Gauguin a respeito de um quadro, “De

onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?”, no qual se destacava a

textura do suporte, ele afirma: “Tudo foi feito de imaginação, à


-87-

ponta de pincel, numa tela de saco cheia de nós e rugosidades,de

sorte que o aspecto é terrivelmente grosseiro” (Gaugain,1989:68).

A superfície plana do suporte é usada por Arnheim para

explicar as formas de representação que diferem da perspectiva

renascentista. Segundo o autor, estes “métodos têm origem, não

menos legitimamente do que a perspectiva central, nas condições da

percepção humana, e meio de expresso bidimensional”

(Arnheim,1989:192). Isto - corre porque a bidimensionalidade do

suporte “impõe restrições que provêm de suas propriedades

perceptivas específicas: favorece determinados procedimentos e

desencoraja outros” (Arnheim,1989:170).

Arnheim (989:170) ilustra esta afirmação, mostrando uma

imagem (Fig. 8) do início do séc. XIV, na qual aparece a

representação de um tabuleiro de xadrez. A execução, numa

superfície plana, envolve uma regra segundo a qual, “todos os

objetos permanecem no plano de origem, exceto se houver razão para

tirá-los dali”. Desta maneira, “longe de cometer um engano, o

artista deu maior visibilidade ao seu tema ajustando-se a uma das

mais importantes propriedades do meio de expressão; e optou por

essa solução para que os observadores de seu quadro vissem o que

pretendia que vissem”. Podemos supor que era importante mostrar o

próprio jogo portanto, não haveria solução melhor do que deixar o

tabuleiro paralelo ao plano da representação.


-88-

A importância do suporte no desenvolvimento da forma, por

outro lado, não está ligada somente às representações medievais.

Podemos ver, numa hipótese de Alberti (APUD Gombrich,1986:93), que

a própria origem da arte dependeria do suporte. Em “De Statua”, ele

diz que “num tronco de árvore, num monte de terra, ou em alguma

outra coisa, foram acidentalmente descobertos, um belo dia,

contornos que exigiam apenas uma ligeira alteração para se

parecerem de modo surpreendente com algum objeto natural.

Observando isso, as pessoas procuraram ver se não seria possível,

por adição ou subtração, completar o que faltava para chegar à

semelhança perfeita”.

O material do suporte pode ser passivo, simplesmente

recebendo “camadas de tintas, mas sua própria expressividade se

apresentará na medida em que sua materialidade for melhor explorado

através de suas propriedades” (Sogabe,1990:16). Não podemos

esquecer, contudo, que durante um grande período da história da

arte, foi negado, ao suporte, a possibilidade de ser significativo.

Em termos concretos, ele era lixado e polido para que se

descaracterizasse. “Principalmente a partir de Cézanne, a estrutura

material da tela ganha valor, juntamente com Van Gogh e Gaiguin, a

forma, o gesto e a cor atingem uma certa independência e autonomia,

tornando-se visível o processo pictórico no próprio plano da tela”

(Sogabe,1990:25).
-89-

Os suportes podem ser também classificados em função de

seu tamanho, que “não só envolve instrumentos e procedimentos

apropriados, como requisita uma relação energética ou espiritual

completamente diferenciada no ato de pintar” (Sogabe,1990:16).

Goossen (1986:86), estuda as pinturas de grandes dimensões, que

considera “um fenômeno peculiar de nosso período”, analisando o

trabalho de alguns pintores.

Segundo este autor (1986:88), os quadros de Picasso não

presentam grandes dimensões. Picasso “parece ser incapaz de

afastar-se de sua concentração em torno de um ponto”. O tamanho da

tela relaciona-se com o ato de pintar e Picasso “sempre pintou com

o pulso … torna-se inseguro ao pintar com o braço todo, razão pela

qual provavelmente necessitou fazer tantos esboços para Guernica

que é tudo, menos espontâneo”.

Goossen (1986:88,89) diz que, ao contrário de Picasso,

Matisse pintava “de uma maneira que utilizava todo o braço”, de tal

modo que “mesmo os seus quadros pequenos parecem grandes. Não há

temor de largas extensões planas, de espaço lateral vazio, e

nenhuma sensação de tensa e exagerada busca por textura cor e

contornos apropriados”.

A expressão inclui o tamanho do suporte. Vemos que para

Pollock, por exemplo, a tela grande “parece ter surgido em primeiro

lugar da libertação física que ela permitia ao ato de pintar, e o


-90-

testemunho deste vigor é expresso totalmente (é parte da expressão)

nas suas pinturas’ (Goossen,1986:91).

As tintas são constituídas dois elementos principais:

Veículo, ou aglutinante, geralmente um tipo de cola, que tem como

uma das funções a de aderir à superfície e o outro é o Corante”

(Sogabe1990:22) ou pigmento, que caracterizam a cor. Ao falarmos em

cor, temos de lembrar que esta palavra pode ter significados

diferentes, ela “ora designa a matéria bruta posta pela indústria,

ora momento à disposição dos artistas, ora caracteriza, no sentido

estético, a sensação de variedade ou de prazer cromático

experimentada pelo espectador” (Francastel,1973:157).

Existe uma diferença entre o aspecto material e o aspecto

cromático da tinta. Os pigmentos que constituem a tinta têm a

característica de refletirem’ somente uma certa gama de ondas

luminosas, o que determinaria poucas possibilidades num trabalho

que não usasse muitas cores. Em termos cromáticos, entretanto,

“pode-se fazer uma obra muito colorida com negro e branco, ou com

uma única tinta” (Francastel,1973:157) bastando, para isto, “que o

preto e branco sejam cores, pois em muitos casos podem ser vistos

como cores, seu contraste simultâneo sendo tão provocante quanto o

vermelho e o verde, por exemplo” (Van Gogh,1988:28).


-91-

Estes dois aspectos da cor são explicitados numa frase de

Churchill (APUD Gombrich,1986:32). O pintor amador afirma que no

ato de pintar, a tela recebe, em código, a cor enviada pela

natureza. Ela passa “de luz para cor. Chega à tela sob a forma de

um criptograma. Até que seja posta em relação com tudo o mais que

esteja na tela não pode ser decifrada ou seu significado feito

aparente, traduzido uma vez mais de mero pigmento em luz. E a luz,

desta vez, não é da natureza mas da Arte”.

As cores, numa pintura, devem estar em relação umas com

as outras, já que a cor não é encontrada “na natureza com o aspecto

que entra na arte. Uma obra não é colorida na medida em que ela

acumula notações justas ou mesmo vivas, mas na medida em que ela

constitui um sistema de relações em que, por pouco que seja entra

em jogo uma variável de luz” (Francastel,1973:157).

Churchili usa um termo que, a nosso ver, não poderia ser

mais adequado: tradução. A luz deve ser traduzida nas cores das

tintas porque “em uma paisagem o céu pode ser mil vezes mais

brilhante que uma sombra densa, não obstante, o artista tem de

representar uma paisagem com uma paleta cujo branco é só umas

trinta vazes mais brilhante que o preto” (M. Luckiesh, apud

Kepes,1969:32). Assim, do mesmo modo que a bidimensionalidade do

suporte determina soluções gráficas, as soluções cromáticas têm


-92-

mais relação com as tintas que com a cor do modelo, mesmo quando a

intenção é realista.

Não podemos esquecer, por outro lado que, apesar de

importante, a cor não é o único fator determinante do tipo de

imagem que é executada. “Foi tão-somente em nosso mundo industrial

do século XIX que a fabricação sistemática de gamas de cores

cuidadosamente padronizadas e muito ampliadas começou”

(Francastel,1973:157). Mas os egípcios, por exemplo, com suas seis

cores fundamentais, não se achavam “particularmente desfavorecidos

desse ponto de vista em relação a muitas outras sociedades”

(Francastel,1973:157), mesmo assim, o desenho deles é muito

diferente do desenho de outras culturas anteriores ao século XIX.

Os tipos de aglutinantes utilizados conferem, à tinta,

características que se relacionam com o tempo de secagem, fluidez,

transparência e consistência. Um dos capítulos do estudo de Sogabe,

refere-se aos graus de transparência da tinta. Nos extremos desta

escala encontramos o óleo e a aquarela. Esta tintas determinam

obras diferentes. “Se, com uma técnica a óleo, um artista pode

realizar certas qualidades que o emprego da aquarela não permitia,

o contrário também é verdadeiro. Com a aquarela, um artista obtém


-93-

uma leveza, uma rapidez, uma delicadeza de efeito que a pintura a

óleo não consegue dar” (Venturi,1986:227).

Um outro fator estudado por Sogabe, nas tintas, refere-se

à impossibilidade de serem elas totalmente bidimensionais. Isto é

evidente quando é usado algum aglutinante denso, como a cera, na

encáustica ou o óleo de linho, na tinta a óleo, sem ser dissolvida,

resultando um certo relevo sobre o suporte. Em Gaugain, estes

relevos, estas “pastas maravilhosas desempenham um enorme papel em

sua obra, dão vida à pintura” (Francastel,1990:175).

A mesma influência do material que existe na pintura, vai

aparecer com mais força na escultura. Na pintura os materiais

permitem a execução de formas, na escultura eles são as formas. Na

execução de uma escultura, temos as operações de entalhar, modelar

e fundir, ou seja, “retirar volume, adicionar volume e reproduzir

volumes. Obviamente quando se pensa em volumes, pensa-se em espaço,

espaço ocupado por matéria” (Laurentiz,1989:78). Além destes, temos

a construção.

São os materiais que determinam a gênese de uma

escultura, “os materiais estabelecem a base emocional de uma

escultura, dão-lhe seu caráter básico e determinam os limites de

sua ação estética” (Gabo,1989:334). Este fato é evidenciado quando,


-94-

visando preservar a obra de um escultor, fundem-se num material

mais resistente, normalmente bronze, peças que haviam sido feitas

em outro. É o caso das “Bailarinas” de Degas executadas

originalmente em cera, ou das peças em gesso de Henry Moore. Falta

à reprodução a textura deixada na peça pelo gesto do escultor ao

usar a sua ferramenta. “As incisões dos instrumentos de esculpir e

as pressões contrações das mãos de um artista contribuem com

qualidades que diferem qualitativamente das formas que se obtêm ao

de tramar metal líquido num molde” (Arnheim,1989:192). Esta última

técnica neutraliza a textura, dá uma aparência uniforme ao gesto.

Não é outro o motivo do bronze ser o material preferido para a

execução dos inexpressivos bustos de fundadores das mais variadas

instituições.

LIMITAÇÕES CULTURAIS

Temos, além das limitações físicas da matéria, outras que

são culturais. Estas atuam, não permitindo certos usos da matéria,

apesar de serem estes tecnicamente possíveis. Temos um bom exemplo

disto na obra de John Flannagan. Este escultor “tinha o costume de

colecionar pedras cuja forma natural desgastada lhe sugeria algum

tema. Trabalhava o menos possível, para conseguir extrair da pedra

o conceito do tema, conservando, no possível, o volume natural

original. Sua obra “Jonas” (Fig 10 é um bom exemplo”

(Scott,1975:144). Ele escolhe pedras cuja forma seja escultórica e


-95-

as trabalha com a intenção de unicamente evidenciar a sua forma

natural. Seu trabalho depende, então, de técnicas extremamente

simples. A mesma proposta é usada, também, por Brancussi em “O

Beijo” (Fig. 10).

Antes mesmo da escolha deste elemento da natureza, a

existência da intenção de procurá-lo depende do modo como é

entendida a atividade esclarecida, bem como da função puramente

estética que esta veio a assumir no ocidente, no século XX. Sem a

valorização do material introduzida por Rodin e Degas, entre

outros, este trabalho não poderia sequer ser pensado.

Os acadêmicos tomam por modelo a escultura grega,

atribuindo a esta uma superfície lisa. Rodin mostra que esta ideia

é falsa pois existem muitas saliências na pedra. Ele ilumina com

luz artificial uma peça clássica e afirma que os gregos “nunca

suprimiram o detalhe vivo. Contentaram-se em subsumi-lo e fundi-lo

no todo. Como apreciavam os ritmos calmos, involuntariamente eles

atenuaram os relevos secundários que pudessem perturbar a

serenidade de um movimento, mas tiveram o cuidado de nunca

apagá-los inteiramente” (Rodin,1990:42). Esta característica

resultante do contato do buril com a pedra, negada pela escultura

acadêmica, será enfatizada por ele que chega, inclusive, a deixar


-96-

partes da pedra ou do bronze sem receberem acabamento, como vemos

em muitas de suas esculturas.

Degas, modelando suas bailarinas em cera, busca

apresentar um “tratamento rugoso das superfícies transformadas numa

sequência rápida e unificada de registros” (Zanini,1971:23), que

não são eliminados num posterior trabalho de acabamento, permitindo

assim, que a forma de execução se manifeste. Não estamos sendo

contra a uniformidade da superfície escultórica: “uma superfície

uniforme, polida e cintilante pode ser usada para um efeito

estético, como em certos bronzes da Renascença. Peças como estas

exploram a superfície uniforme, como um refletor de luz”.

(Read,1977:72)

Se, por um lado, a tradição no uso da matéria é um

obstáculo, determinando o que pode ser feito com ela, por outro, ao

reinventar sua matéria, abre um pouco mais o leque de

possibilidades de uso, oferecendo novas oportunidades e propondo

novos desafios

“a matéria chega ao artista já formada nas obras de


seus predecessores, e, portanto, carregada dos frutos
de uma longa convivência com eles, densa de regras,
preceitos, astúcias, sagacidades, prenhe de modos
operativos, de possibilidades formativas, de embriões
artísticos: coisas que … de quando em quando
obstaculizam ou retardam, ou favorecem a sua produção
original, constituindo uma técnica na qual ele pode
-97-

exercitar a própria habilidade, encontrar as próprias


possibilidades e que está como que incrustada na
matéria” (Pareyson,1989:123).

As limitações culturais e físicas da matéria, então, ao

mesmo tempo impedem e permitem a expressão artística porque ela

está carregada não só de limitações mas, também de potencialidades.

As limitações culturais mudam no decorrer da história da arte,

enquanto as limitações físicas são fixas, já que dependem da

constituição da matéria. Esta pode ser alterada, mas teríamos,

então, um novo material.

No momento em que são descobertos novos materiais, como o

que ocorreu com a tinta acrílica ou alquídica, ou que certos

materiais que não tinham um uso artístico passaram a tê-lo,

evidencia-se a relação que existe entre a criação e os novos

materiais. Assim, dentro da visão diacrônica subjacente a este

trabalho, mostraremos alguns casos nos quais são usados novos

materiais. Esta questão assume uma grande importância pois, “nosso

século foi enriquecido pela invenção de muitos materiais novos”

(Gabo,1989:335).

Existe, entre o aparecimento de novos materiais e a arte,

uma relação que, como em outras que abordamos, é de indeterminação.

Desta maneira, “nenhum movimento ou escola de arte começa com o

resultado da descoberta de novos materiais ou invenção de novas

técnicas. Porém, quando novas ideias e processos estéticos


-98-

despertam, eles criam a necessidade de métodos com novas técnicas

que possam expressá-los mais apropriada e fluente do que com os

antigos métodos possíveis” (Meyer,1982:400, apud Sogabe,1990:8).

Xavier (1985:21), faz um comentário sobre Balázs, em sua

coletânea de textos, afirmando o que considera como “um dos

princípios básicos do seu pensamento” que se relaciona com o

desenvolvimento conjunto da arte e dos materiais inserindo-se,

então, na presente discussão.

A base do pensamento de Balázs (Xavier,1985:21), é que

“existe uma construção histórica da sensibilidade humana, uma

dialética pela qual os instrumentos de trabalho e a relação com a

natureza interagem com as formas de expressão do homem e sua

linguagem”. Um novo material permite, então, tal como foi afirmado

por Meyer anteriormente, a expressão de uma nova sensibilidade.

Acrescentando, a esta problemática, o modo de existência

das sociedades, encontramos a mesma ideia em Benjamin (1969:211).

Segundo este autor, “ao curso dos grandes períodos históricos,

juntamente com o modo de existência das comunidades humanas,

modifica-se também o seu modo de sentir e perceber. A forma

orgânica que a sensibilidade assume - o meio no qual ela se realiza

- não depende apenas da natureza mas também da história”.


-99-

Partindo desta ideia, vemos que não serve para o cubismo,

a pintura a óleo que foi, para a pintura renascentista, “uma

ferramenta que atendia ao seu anseio de reproduzir nos mínimos

detalhes a natureza”. Foi necessário, então, a criação de novos

meios “utilizando-se para isto dos mais’ diversos materiais, tais

como tiras de papel colorido, verniz, papel de jornal, aos quais se

acrescentavam tec1os oleados, vidro, serragem etc., quando se

tratava d reproduzir “detalhes reais” (Apollinaire,1989:262).

Este tipo de relação existe, também, entre a arte pop e a

serigrafia. Este processo de impressão -.um aprimoramento do

estêncil que se originou na China - apresentou um grande

desenvolvimento técnico durante a segunda guerra mundial como forma

de imprimir os números de identificação nos avisos, obuses e

tambores de combustível (Caza,1967). Este meio permite facilmente a

utilização de imagens fotográficas e, por isso, “vai servir como

uma luva aos propósitos dos artistas pop. No final dos anos 50

trabalhavam com uma concepção de colagem de uma variedade de

elementos, principalmente aqueles veiculados pelas mídias de massa”

(Sogabe,1990:43).

Mesmo a arte conceitual, em sua negação da execução e,

portanto, dos materiais, vai apresentar uma relação parecida com as

anteriores. Este movimento “nasceu com o intuito de valorizar o

processo e a ideia, eliminando o objeto de arte como mercadoria e


-100-

utilizando-se de meios de registro como a fotografia, os textos

escritos, os catálogos, os vídeos para divulgação, não restando

nada do evento” (Sogabe,1990:116).

Desta maneira, este tipo de produção artística na qual,

ao ser extinta, “a matéria na obra de arte cede lugar à informação”

(Sogabe,1990:116), não impede a divulgação dos trabalhos destes

artistas, que só é possível devido à existência de meios de

registro. Assim, também com a arte conceitual, o meio no qual se

realiza a arte de uma época, “não depende apenas da natureza mas

também da história”. (Benjamim,1969:211).

Ao depender de um meio material, a arte usa aqueles que

estão à sua disposição ou os inventa, mas o novo meio altera,

também, a produção artística que existia até então. “A descoberta

de um material como o concreto armado, a generalização do emprego

do ferro, a dos materiais isolantes e, amanhã sem dúvida a das

matérias plásticas, arruinaram o estilo anterior, cuja fonte

residia no emprego da pedra e da madeira” (Francastel,1973:53).

São renovados não só os materiais, mas também o seu uso.

No decorrer da história da arte, este fato evidencia-se com a

mudança da maneira de entender o acabamento da obra,assunto que

abordaremos a seguir.

A determinação cultural exercida pelos materiais

altera-se devido às mudanças na forma de uso que são introduzidas


-101-

por alguns artistas no decorrer da história da arte. Este fato

alcança grande expressão quando se trata da noção de acabamento da

obra de arte.

Venturi (1968:126), em sua análise da história da arte,

procura resolver a dicotomia entre forma e conteúdo, identificando

estes dois elementos. Por isto um “novo conteúdo exige uma nova

forma, com uma nova concepção do acabado em pintura. De Rafael a

Rembrandt, passando por Ticiano, há um progressivo abandono do

acabado”.

O abandono do acabado existe em função da intenção do

artista ao executá-la. Venturi (1968:126) distingue “o acabado de

uma expressão e o acabado das coisas representadas. Por exemplo,

Rembrandt compraz-se ainda em acabar cuidadosamente determinados

pormenores da Ceia de Emaús como os pratos e a faca que estão em

cima da mesa. Mas Goya limita rigorosamente o acabado ao próprio

efeito dramático”.

Apesar destes pequenos pormenores, o acabado da pintura

de Rembrandt é expressivo, pois seu interesse principal era a luz e

“o efeito de luz e sombra não permite ao pintor precisar os

contornos e cada um dos elementos” (Venturi,1968:126). Desta forma,

“a subordinação de todos os elementos de uma pintura, quer aos

acentos da luz, quer aos véus da sombra, limita o acabado”

(Venturi,1968:126).
-102-

Para a discussão sobre o acabamento na pintura, é

importante a doutrina de Castiglioni da sprezzatura, citada por

Gombrich (1986:168), em um capítulo dedicado ao estudo do papel do

observador na percepção de imagens criadas pelos artistas: “uma

única linha, traçada sem maior concentração, uma simples pincelada,

dada com desembaraço, como se a mão se movesse sem esforço ou

intenção e atingisse seu alvo como que por si mesma, revelam a

excelência do artista”. Para entendermos esta ideia devemos

“reconhecer nas pinceladas aparentemente soltas de uma “obra

descuidada” as imagens intencionais do artista”, ver “a perícia,

secreta e a sagacidade que se escondem sob esta deliberada falta de

acabamento”.

Um maior soltura no uso dos pincéis, acarretando menos

acabamento, significava uma expressão maior já em 1527, época do

texto de Castiglioni. Na verdade, durante toda a história da arte,

existiram obras com graus de acabamento variados, que dependiam de

uma concepção da arte, oriunda da sprezzatura, “na qual a

capacidade de sugestão do artista vai de par com a capacidade de

compreensão do público” (Gombrich,1986:168).

O papel do observador é deixado bem claro num discurso

sobre Gainsborough no qual Reynolds (APUD Gombrich,1986:172),

maliciosamente, destaca a “aparência descuidada e informe” da

pintura de seu rival, na qual, se vemos uma semelhança com o

modelo, é porque “a imaginação supre o resto” o que só é possível


-103-

com o conhecimento prévio do modelo. Por outro lado, o excessivo

acabamento não dá espaço para a imaginação do observador, não o

deixa adivinhar a forma.

Rembrandt abandona o acabado em troca de uma maior

expressão à medida em que consegue abstrair os detalhes e organizar

suas pinceladas como imagens que só são configuradas quando vistas

a uma certa distância. “Não enfiem o nariz nos meus quadros”, teria

dito ele, “ou o cheiro da tinta os envenenará” (APUD

Gombrich,1986:171).

Diferentes concepções do acabamento existiram juntamente

em muitos períodos da história da arte. Podíamos encontrar tanto o

“estilo polido” de Frans Halls, Ticiano ou Rembrandt, quanto para a

pintura da última fase destes dois pintores, nas quais existe um

abandono do acabado porque eles, assim com Constable, se valiam

“cada vez mais do direito que tem o artista de apresentar seus

quadros menos como registros do mundo exterior do que como

indicações de uma experiência artística” (Gombrich,1986:201).

No entanto, a regra geral era os artistas fazerem

concessões a um público despreparado. O que pode ser provado com as

pinturas de Constable. “Nas réplicas, pintadas para o público,

Constable mostrou uma habilidade de técnico, de realista minucioso,

cuidadoso, tenaz, terra a terra, bem como a sua preocupação pelo

êxito - que lhe permitiu viver, aliás modestamente. Mas quando


-104-

pintou para si próprio, de acordo com os seu ideais artísticos,

apenas se ocupou da luz, da sombra e do espaço, do seu entusiasmo

pela natureza, do seu amor pelo aspecto real desse campo inglês que

tanto amou” (Venturi,1968:151).

Ilustramos este fato com as duas versões de O carro de

feno, pintadas em 1821 (Fig. 11 e 12). “Na criação, o artista toma

posse do espaço e pinta-o de um modo pictural; na réplica,

reproduzi-lo segundo a perspectiva científica. (...) A primeira

tela é a interpretação poética da luz; a segunda, a visão empírica

ou prosaica de um objeto, de uma figura, de um acontecimento.

Nestas, tudo é acabado de uma maneira precisa que pertence à morte”

(Venturi,1968:150).

O que nos interessa, porém, é, que este abandono, aos

poucos, passou a ser uma opção de movimentos artísticos e não

atitudes isoladas de alguns pintores e a mudança na maneira de

concebê-lo se liga a uma progressiva valorização do material.

O método de representação, que busca a cópia fiel da

natureza baseando-se no conceito renascentista da pintura como uma

janela, “utilizava-se da tinta com aspectos predominantemente

descritivos, pois a imagem mantinha uma aspecto liso como numa

foto, quase sem a presença do material de que era constituída,

tentando-se transformá-la num material mágico, transparente”

(Sogabe,1990:24). A tinta, portanto é negada.


-105-

Com o impressionismo a tinta assume sua importância ao

ser “usada direta do tubo sobre a tela, na denominada pintura

direta” (Sogabe,1990:23). Com isto, este movimento consegue impor,

“após lutas memoráveis, o gosto de um acabado que tem a sua razão

apenas na expressão do artista e não na representação cuidadosa das

coisas a fim de dar a ilusão delas” (Venturi,1968:158).

O público que considerava a obra de Cézanne inacabada,

talvez não soubesse que ele dizia em 1874: “Devo trabalhar e

fatigar-me, mas não por esse acabado que os imbecis admiram. O que

habitualmente se aprecia é a habilidade manual que torna qualquer

obra antiartística e comum. Devo procurar atingir a perfeição

unicamente pelo prazer de pintar com mais verdade e sabedoria”

(APUD Venturi,1968:193).

Nas pinturas anteriores ao impressionismo a pincelada

acompanhava a forma, lembrando um levantamento topográfico do

modelo. Na pintura impressionista, ao contrário, “a direção das

linhas da pincelada já não ajuda na “leitura” das formas. (...) A

imagem, poder-se-ia dizer não tem mais nenhuma ancoragem firme na

tela - é conjurada apenas nas nossas mentes” (Gombrich,1986:174).

Desta maneira, “a substancialidade da tinta começa a se tornar

visível através das marcas das pinceladas” (Sogabe,1990:24) e isto

“é a ponta do iceberg abstracionista que começa a emergir na


-106-

superfície da tela e a desestruturar a janela ilusória”

(Sogabe,1990:24).

Podemos dizer, então, que as mudanças na maneira de

entender o acabamento da obra relacionam-se diretamente com as

alterações que são introduzidas quanto à forma de usar os

materiais.

O MATERIAL E O IMAGINÁRIO

Quando abordamos o processo de criação, verificamos que

existe nele uma convivências das três categorias peirceanas. Na

verdade estas só podem ser vistas como separadas, caso não se

apreenda a complexidade do pensamento deste autor, no qual as

categorias são concebidas como onipresentes em toda e qualquer

experiência e fenômeno.

O material artístico, como fenômeno, apresenta as três

categorias nosso foco, entretanto, estará na secundidade, pois as

limitações inerentes à sua constituição física reagem à intenção do

artista, impedindo que este faça, com o material, tudo o que possa

querer. A força bruta da secundidade, embute as possibilidades

expressivas que existem no material quando este é visto como

primeiridade. A terceiridade, englobando as duas categorias

anteriores, se apresenta como um conjunto de convenções dadas pela

tradição que limitam os materiais que possam ser usados, bem como

seus usos.
-107-

Os materiais, independente de serem artísticos, são

necessários, sem eles “a ascensão de toda a nossa cultura e

civilização teria sido impossível” (Gabo,1989:334), uma vez que o

ser humano, animal frágil, sempre precisou de materiais que o

auxiliassem na luta pela sobrevivência. nesta luta, “na carne, nos

órgãos, que nascem as imagens materiais primordiais. Essas

primeiras imagens materiais são dinâmicas, ativas; estão ligadas a

vontades simples, espantosamente rudimentares” (Bachelard,1989:9).

Vontades que lutamos para satisfazer. Desta forma, “amamos os

materiais porque amamos a nós mesmos” (Gabo,1989:334). Nestas

imagens, as quais Bachelard se refere, ternos também, uma

manifestação da terceiridade ligada aos materiais.

Bachelard é o autor que nos parece mais adequado para a

aproximação das referidas imagens, não em seus estudos de filosofia

da ciência, mas em seus estudos poéticos, ou como ele preferiria,

“noturnos”. Nestes, ele parte de imagens poéticas extraídas de

obras literárias ou plásticas para investigar a imaginação. No

presente estudo, importa a diferença que o autor estabelece entre

imaginação formal e material. Não encontramos uma definição

explícita destas imaginações que, no entanto, podem ser inferidas

na leitura de seus estudos. A imaginação material relaciona-se com

a vontade de agir, enquanto a imaginação formal seria

contemplativa.
-108-

A distinção entre as duas formas de imaginação, segundo

Pessanha (1986:XIV), “prende-se à crítica, esparsa ao longo da obra

de Bachelard, ao vício de ocularidade característico da filosofia

ocidental. De fato, desde os antigos gregos, o pensar é entendido

como um extensão da ótica. (…) Essa hegemonia da visão está, sem

dúvida, vinculada à desvalorização do trabalho manual na sociedade

grega escravagista, determinando, desde então a oposição entre

trabalho intelectual e trabalho manual”. Esta oposição esclarece as

duas formas de imaginação.

O trabalhador intelectual possui “uma mão ociosa e

acariciante que percorre linhas bem feitas” (Bachelard,1989:14).

Nesta atitude, a matéria passa a ser apenas objeto de visão,

passamos a “vê-la apenas enquanto figuração, formas e feixes de

relações entre formas e grandezas, como uma fantasmática

incorpórea, clarificada mas intangível” (Pessanha,1968:XV).

Conduzindo “a uma filosofia de um filósofo que vê o operário

trabalhar. No reino da estética, essa visualização do trabalho

concluído leva naturalmente à supremacia da imaginação formal”

(Bachelard,1989:14). Esta imaginação, então, é o “resultado da

postura do homem como mero espectador do mundo, do mundo-teatro, do

mundo-espetáculo, do mundo-panorama, exposto à contemplação ociosa

e passiva” (Pessanha,1968:XV).

A imaginação material, por outro lado, não é

contemplativa; “ao contrário, afronta a resistência e as forças do


-109-

concreto (…) numa atitude dinâmica e transformadora”

Pessanha,1968:XIX,XV). Ela recupera o “mundo como provocação

concreta e como resistência a solicitar a intervenção do homem

demiurgo, artesão, manipulador, criador, fenomenotérmico, obreiro—

tanto na ciência quanto na arte”.

A imagem da matéria é conhecida pelas mãos “Uma alegria

dinâmica as maneja, as modela, as torna mais leves”

(Bachelard,1989:2,14). Desta maneira, “a mão trabalhadora e

imperiosa aprende a dinamogenia essencial do real ao trabalhar uma

matéria que, ao mesmo tempo, resiste e cede como uma carne amante e

rebelde”.

A afirmação de Anaxágoras: “o homem pensa porque tem

mãos”, representa, então, uma ideia que está ligada à forma de

imaginação que nasce da crítica ao “vício de ocularidade”. Este,

por ser dominante, “fatalmente coloca toda a questão da imaginação

sob o jugo da imaginação formal, ignorando ou menosprezando a

imaginação material” (Pessanha,1986:XIV).

Na impossibilidade de estudar a imaginação material pura,

Bachelard, as estuda enxertadas era obras e é este enxerto “que

pode transmitir, à imaginação formal, a riqueza e a densidade das

matérias” (Bachelard,1989:11). Bachelard pretende, então, não

desvalorizar a imaginação formal, mas mostrar a importância da

imaginação material. Esta é definida como a que “dá vida à causa

material e se vincula às quatro raízes ou elementos primordiais que


-110-

Empédocles de Agrigento apontava como “as quatro grandes províncias

do cosmos: o ar, a água, a terra, o fogo” (Pessanha,1986:XIV).

A intenção de Bachelard é apreender a imagem surgindo do

estado de pura possibilidade poética que existe no devaneio, antes

de qualquer ação no sentido de concretizá-la. O devaneio é, para

ele, o germem da obra. “Se o sonhador tivesse a técnica com seu

devaneio faria uma obra. E essa obra seria grandiosa, porquanto o

mundo sonhado é automaticamente grandioso” (Bachelard,1988:13).

Bachelard se interessa, por exemplo, pela “modelagem em

seus primeiros tateamentos, quando a matéria se revela como um

convite para modelar, quando a mão sonhadora usufrui as primeiras

pressões construtivas. E inclusive só chamaremos a atenção nos

limites do sonho e da realidade, tentando surpreender antes os

sonhos de modelagem do que o sucesso de uma mão sábia e destra,

hábil em repetir o modelo oferecido aos olhos” (Bachelard,1991:76).

Seu interesse é pelo devaneio material que está associado aos

elementos materiais.

A cada matéria pertence um tipo de devaneio. A terra

ligam-se os devaneios da vontade e do repouso que são os dois

livros em que Bachelard (1991:3) se dedica ao estudo dos devaneios

da terra. Para distinguir estes dois devaneios ele recorre a “dois

movimentos claramente distinguídos pela psicanálise: a extroverso


-111-

e a introversão; de forma que no primeiro livro a imaginação

aparece antes como extrovertida e no segundo como introvertida. Na

primeira obra seguiremos sobretudo os devaneios ativos que nos

convidam a agir sobre a matéria. No segundo, o devaneio fluirá ao

longo de uma inclinação mais comum; seguirá essa involução que nos

traz de volta aos primeiros refúgios, que valoriza todas as imagens

da intimidade. Grosso modo, teremos então o díptico do trabalho e

do repouso”. Nesta estudo, enfatizaremos os devaneios da vontade,

devido ao nosso interesse pelo “fazer” artístico, pelo trabalho,

pela ação.

A imaginação é fundamental para a criação. Ostrower

(1987:32) especifica a imaginação que ocorre na criação, chamado-a

de imaginação criativa. Esta estaria voltada para a materialidade

de uma ação. A imaginação, segundo Bachelard (1989:17), é a

“faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade, que

cantam a realidade” e que nascem, portanto, da realidade. Fazendo

parte desta, a matéria não só permite a imaginação, mas “o pensar

só poderá tornar-se imaginativo através da concretização de uma

matéria, sem o qual não passaria de um divagar descompromissado sem

rumo e sem finalidade. Nunca chegaria a ser um imaginar criativo”

(Ostrower,1987:32).

Bachelard (1991:3) diferencia a imaginação criadora de

outras dizendo que a “imagem percebida e a imagem criada são duas

instâncias psíquicas muito diferentes e seria preciso uma palavra


-112-

especial para designar a imagem imaginada. Tudo aquilo que é dito

nos manuais sobre a imaginação reprodutora deve ser creditado à

percepção e à memória. A imaginação criadora tem funções totalmente

diferentes daquela da imaginação reprodutora. Cabe a ela essa

função do irreal que é psiquicamente tão útil como a função do real

evocada com tanta frequência pelos psicólogos para caracterizar a

adaptação de um espírito a uma realidade marcada pelos valores

sociais”.

Necessária para a criação, a imaginação origina-se do

devaneio poético. Este é normalmente visto como descontração,

ignorando-se os “sonhos de ação precisa que designaremos como

devaneios da vontade” (Bachelard,1991:3,40), um devaneio que é como

um sonho “superacordado, durante o qual o trabalhador apega-se

imediatamente ao objeto, penetra com todos os seus desejos na

matéria”.

Ao contrário do significado oriundo de Empédocles, em

nosso estudo a matéria existe, primeiramente, como concretude,

fisicalidade. Apesar disto, os devaneios da vontade nos interessam

porque a terra, “ao contrário dos outros três elementos, tem como

primeira característica uma resistência. Os outros elementos podem

ser hostis, mas não sempre hostis. Para conhecê-los inteiramente, é

preciso sonhá-los numa ambivalência de brandura e de malignidade. A

resistência da matéria terrestre, pelo contrário, é imediata e

constante” (Bachelard,1991:8).
-113-

As imagens da terra nascem da relação do homem com uma

matéria que “resiste e cede”, impede e permite. A concretude da

“terra” provoca, determina uma vontade que, devido à resistência da

matéria, só pode ser executada através de ferramentas.

Nas imagens vindas do fogo, da água e do céu, não se

encontra a oposição do real. Mas, “quando o real se faz presente,

com toda a sua força, com toda a sua matéria terrestre, podem-se

crer facilmente que a função do real descarta a função do irreal”

(Bachelard,1991:3). As imagens da terra são, desta maneira, um

onirismo ligado ao real concreto e à ação. Por sua ligação ao real,

elas “oferecem-se a nós em profusão num mundo de metal e de pedra,

de madeira e de gomas” (Bachelard,1991:1).

Pela ação, “julgamo-nos, pois, fundamentados para falar

de um onirismo ativo, isto é, de devaneios do trabalho fascinante,

de um trabalho que abre perspectivas à vontade”

(Bachelard,1991:40,1). São imagens tranquilas que “despertam em nós

alegrias musculares assim que tomamos o gosto de trabalhá-las”.

Estas imagens estão, então, ligadas à vontade e ao trabalho.

A imaginação é o “acelerador” do psiquismo, “vai

sistematicamente, depressa demais” (Bachelard,1991:21). As imagens

da terra vão mais rápido que a ação, executam em pensamento uma

vontade que não é contraditória, “mas ébria de oposição”. Por isto,

a imaginação necessita de uma oposição que


-114-

A necessidade da resistência da matéria não conduz a uma

relação de determinação, pois “no reino da imaginação, pode-se

dizer da mesma forma que a resistência real suscita devaneios

dinâmicos ou que os devaneios dinâmicos vão despertar uma

resistência adormecida nas profundezas da matéria”

(Bachelard,1991:20).

No campo do imaginário, podemos dizer que a matéria

provoca a ação “e acarreta uma cólera, uma cólera Imediata contra o

objeto. Resistência e cólera estão vinculadas objetivamente”

(Bachelard,1991:48,16). O impulso contra a matéria existe, então,

em função da resistência dela. Os materiais, ao resistirem, “trazem

a marca das ambivalências da ajuda e do obstáculo. São seres por

dominar”. Seres que exigem nossa ação pois “o mundo resistente nos

impulsiona para fora do ser estático, para fora do ser.(...) Somos

desde então seres despertos”.

Bachelard usa, ao mesmo tempo que fala em provocação, uma

imagem mais amena, referindo-se ao convite feito pela matéria:

“Antes mesmo que as matérias sejam designadas pelos ofícios

instaurados na sociedade, precisamos considerar as realidades

materiais verdadeiramente primordiais, tais como nos são oferecidas

pela natureza, como convites para exercer as nossas forças”

(Bachelard,1991:25).

Por causa do convite ou da provocação, “é impossível

ficar distraído, ausente, indiferente, quando se sonha uma matéria


-115-

resistente nitidamente designada” (Bachelard,1991:19,16). Pela

imagem da resistência, temos contato com as “violências que a nossa

vontade exerce contra as coisas”. Vontade que reagirá

diferentemente em função da dureza da matéria à qual se dirige.

A imaginação é “vontade de ser mais, de modo algum

evasiva, mas ébria de oposição” (Bachelard,1991:21,19). Esta

oposição é dada pela matéria que “recebe de nós todo um futuro de

trabalho; queremos vencê-la trabalhando. Desfrutamos de antemão a

eficácia de nossa vontade”. Para o artista, a matéria “não é vista

como hostil e causadora depenas e fadigas. É ao contrário,

oportunidade de realização pessoal, de expansão do universo

interior, de demonstração da força de vontade, incentivo à

imaginação criadora, centro dos sonhos” (Pessanha,1986:XI).

A matéria traz incita a um onirismo ativo, cujos

devaneios, levam à ação. A vontade imaginada exige a sua execução,

tenta um futuro que, no devaneio da vontade, está ligado ao

trabalho. “De imediato, a matéria recebe de nossos sonhos todo um

futuro de trabalho; queremos vencê-la trabalhando. Desfrutamos de

antemão a eficácia de nossa vontade” (Bachelard,1991:19).

Na execução, o tempo assume uma realidade palpável, pois

é o tempo inevitável da negociação entre a intenção do artista e a

natureza da matéria. É um tempo que “não pode se definir senão como

o tempo ativo de um trabalho” (Bachelard,1991:18,19), no qual a


-116-

matéria dá “esquemas temporais bem definidos à nossa paciência”.

Temos que aprender a esperar. No trabalho com a pedra, por exemplo,

este tempo é um litocronos que “se dialetiza no esforço do

trabalhador e na resistência da pedra”.

A oposição entre intenção e resistência caracteriza a

reação que o artista têm com a matéria. Nesta relação, a matéria,

ao invés de impedir a concretização de nossa intenção, de imediato

o parceiro objetivo e franco de nossa vontade” (Bachelard,1991:8).

Ela permite a “demonstração da força de vontade”

(Pessanha,1986:XII), ao colocá-la à prova em sua exigência de

concretização, pois “a matéria na nos permite enganarmo-nos sobre

as próprias forças” (Bachelard,1991:25) porque é a matéria que nos

revela as nossas próprias forças.

É a oposição que permite que nos percebamos. A formação

do caráter de um indivíduo, por exemplo, pode ser definida “como um

sistema de defesa do indivíduo contra a sociedade, como um processo

de oposição a uma sociedade” (Bachelard,1991:19,16). Pode-se falar,

então, de uma psicologia do contra. Se, no desenvolvimento do

indivíduo, temos a resistência da sociedade, “no mundo da energia a

resistência é material”.

Abordamos, ao longo deste capítulo, os devaneios ligados

aos elementos materiais, enfatizando aqueles relacionados à


-117-

“terra”, chamados por Bachelard de “devaneios da vontade”. No

estudo destes devaneios, o autor pretende caracterizar “a

imaginação da resistência, a substancialidade imaginária do contra”

(Bachelard,1991:17,18), entendida como tendo “um aspecto de

topologia: o retrato está contra a parede”. A “imaginação material

e dinâmica nos faz viver uma adversidade provocada, uma psicologia

do contra "que não se contenta com a pancada, com o choque, mas que

se promete a dominação da própria intimidade da matéria. Assim a

dureza sonhada é uma dureza que atacada incessantemente, e uma

dureza que renova sem cessar as suas excitações”.

Bachelard (1991:24) afirma que “na solidão ativa, o homem

o homem quer cavar a terra, furar a pedra, talhar a madeira quer

trabalhar a matéria. Então o homem não é mais um filósofo diante do

universo, é uma força infatigável contra o universo, contra a

substância das coisas”. Esta citação, além de introduzir a

necessidade de ferramentas, para furar a pedra, por exemplo,

caracteriza, mais uma vez, a “psicologia do contra”. Não é muito

difícil percebemos o quanto esta se relaciona com a oposição, a

ação e reação, ou seja, com a categoria peirceana da secundidade.

A conclusão, de fundamental importância neste trabalho,

que queremos extrair do passeio pelo mundo “noturno” dos devaneios

é que, não só o uso dos materiais está impregnado de secundidade,


-118-

sendo determinado pelas suas características físicas, mas também, o

seu caráter simbólico nasce da oposição àquelas.


AS FERRAMENTAS DA ARTE
-120-

Os materiais se opõem à intenção do artista com

diferentes graus de dificuldade que vão daqueles que oferecem uma

menor resistência, aos que são difíceis de serem trabalhadas,

estendendo-se entre os polos dialéticos extremos do duro e do mole.

É esta dialética que “rege todas as imagens que nós fazemos da

matéria íntima das coisas” (Bachelard,1991:15,16). Desta maneira,

ao trabalhamos matérias de durezas diferentes, apreendemos esta

dialética, “tomamos consciência de nossas próprias potências

dinâmicas, de suas variedades, de suas contradições”.

Afirmamos, anteriormente, que o artista tem necessidade

de oposição. Como a oposição depende da dureza da matéria, vemos

que esta nos conduz “a tipos de vidas dinâmicas bem diferentes, O

mundo resistente nos impulsiona para fora do ser estático, para

fora do ser e começa os mistérios de energia. Somos desde então

seres despertos” (Bachelard,1991:16,20). Além disso, “os devaneios

materiais mudam a dimensão de nossas potências; dão-nos a ilusão da

onipotência. Essas ilusões são úteis, pois já são um encorajamento

para atacar a matéria no seu âmago”. Desta maneira, os devaneios

materiais, nos preparam para o enfrentamento com a oposição dos

materiais, nos encorajam e, ao mesmo tempo, nos despertam para a

ação.

As imagens materiais não podem existir “sem essa

dialética de convite e de exclusão” (Bachelard,1991:15,18) que, em


-121-

nossa imaginação, pode ser alterada e até invertida, “sob a ação de

curiosas ambivalências até definir, por exemplo, uma hostilidade

hipócrita da moleza ou um convite provocador da dureza”. Convite

que não podemos aceitar sem algo que nos ajude a enfrentar esta

provocação. “Para um sonhador da dureza íntima, o granito é um tipo

de provocação, sua dureza ofende, uma ofensa que não vingará sem

armas, sem ferramentas, sem os meios da astúcia humana. Não se

trata o granito com uma cólera infantil. Será preciso estriá-lo,

poli-lo”.

Necessitamos, então, de ferramentas porque “de mãos

vazias as coisas são fortes demais...mas se temos uma faca na mão,

entendemos imediatamente a provocação das coisas”

(Bachelard,1991,30,29,16). Desta maneira, “se dermos uma ferramenta

a uma criança solitária. A ferramenta terá imediatamente um

complemento de destruição, um coeficiente de agressão contra a

matéria. (...) A ferramenta desperta a necessidade de agir contra

uma coisa dura”. Assim, “com o martelo ou a colher de pedreiro na

mão, já não estamos sozinhos, temos um adversário, temos algo a

fazer”.

Como diz Georges Blin, citado por Bachelard (1991,33):

“A voluptuosidade de entalhar deve ser em grande parte devida ao

prazer que se sente ao sobrepujar uma resistência objetiva:

alegria de ser ou de manejar o instrumento mais duro, de agir no

sentido da saliência mais contundente e de imprimir o seu projeto


-122-

na matéria que cede. Imperialismo ofuscante do relevo mais

resistente: do arado, do diamante, do punhal, dos dentes”.

Os devaneios da vontade, a que nos referimos

anteriormente, além de levarem ao trabalho, exigem ferramentas

porque “os verdadeiros devaneios da vontade são então devaneios

apetrechados, devaneios que projetam tarefas sucessivas, tarefas

ber. ordenadas” (Bachelard,1991:30). Podemos dizer, portanto, que

em decorrência das determinações culturais e físicas que os

materiais apresentam, o artista deve obedecer o material, ao mesmo

tempo em que alcança a sua vontade mas, dependendo do material ele

só estará aberto para o diálogo quando houver ferramentas.

Apesar das diferenças que existem entre “a ferramenta

manual rudimentar até a instalação industrial mais desenvolvida”

(McHale,1968:15), elas apresentam em comum o fato de sua evolução

estar “estreitamente ligada com a evolução do homem. Em geral, os

outros animais se adaptaram a seu meio por contínuas mudanças

físicas em seu próprio organismo. Ao contrário, desde o momento em

que começou a usar ferramentas, o homem tendeu a libertar-se de

toda nova evolução física imposta por fatores ambientais externos”

(Mchale,1968:15).

Leroy-Gourhan (1971), em “L’homme et la matire”, estuda a

estrutura técnica das sociedades, estabelecendo um quadro

classificatório das técnicas e ferramentas com as quais se


-123-

fabricam, produzem e consomem os elementos indispensáveis à vida

física dos povos do do contorno do Oceano Pacífico. Leroy-Gourhan

confirma, neste estudo, a concepção da evolução a que nos referimos

ao mostrar a existência de um paralelismo entre a curva da evolução

física e a curva técnica do progresso que marca da mesma maneira o

homem físico e os produtos de seu cérebro e de sua mão.

As ferramentas são necessária ao homem desde a sua origem

pois “através de seu desenvolvimento instrumental o homem controla

o meio físico para satisfazer a sua própria finalidade evolutiva”

(Mchale,1968:15).

Uma das caracterizações do homem primitivo é a do Homo

Faber, uma “criatura teórica que não teria como característica

humana senão a posse de ferramentas” (Leroy-Gourhan,1971:1O), este

termo, entretanto, é um “termo cômodo mas sem fundamento

paleontológico, engloba na realidade toda a longa seqüencia de

antropóides do qual o Homo Sapiens surgiu: o mais velho entre eles,

os australantropos, têm mais de um milhão de anos, eles já possuíam

nossa estatura vertical e talhavam ferramentas muito primitivas. A

partir deste ponto que, guardadas todas as proporções, não deve

estar tão separado do ponto de partida, os progressos do cérebro,

em volume e em organização, têm por corolário uma dupla série de

crânios e de ferramentas cada vêz mais variadas e aperfeiçoadas”.


-124-

Desde o início de seu processo evolutivo, o ser humano

necessitou dos mais diversos tipos de ferramentas que têm em comum

o fato de que suas “complexidades e prolongamentos instrumentais

reiteram as do próprio organismo humano” (Mchale,1968:15). Assim,

“até a idade moderna, o intrumento foi realmente o prolongamento da

razão” (Francastel,1973:50), tratava-se de “aparelhos cada vez mas

adequados que substituíram movimentos naturais da mão”

Leroy-Gourhan,1971:44) que, no seu papel apropriador, comporta

“quatro categorias de gestos: suspender com os dedos, pinçar entre

os dedos (apropriação interdigital), agarrar com a mão toda

(apropriação digito-palmar), conter com as mãos em concha”

(Leroy-Gourhan,1971:44).

As máquinas que surgiram posteriormente, por outro lado,

prolongavam ou, para usar o termo proposto por McLuhan, estendiam

outras partes de nosso organismo. Desta maneira “a ferramenta não é

mais absolutamente o prolongamento da mão; ela substitui

simultaneamente a mão e o cérebro do homem” (Francastel,1973:52).

O entendimento da ferramenta como uma extensão de nosso

organismo permite, “considerar o rádio como um meio de transmissão

comparável ao tambor, o terno como a vestimenta típica dos

indígenas masculinos e a metralhadora como uma arma de arremesso”

(Leroy-Gourhan,1971:316). Esta concepção das ferramentas permite

igualar os instrumentos que prolongam a mão às máquinas que lidam


-125-

com informação, estendendo o cérebro. No entanto, centramos nosso

estudo em aspectos que se apresentam na relação do criador com os

materiais e técnicas utilizados na produção artesanal de obras

artísticas e não veremos aqui a especificidade trazida pelas novas

tecnologias eletro-eletrônicas.

As ferramentas podem ser identificadas em função da parte

de nosso organismo que é estendida; para este estudo, entretanto,

independente de qual seja o instrumento utilizado, interessa

certificar sua influência no processo de criação que envolve,

também, a execução.

Assim, “se identificarmos o ser humano com a mente, o

corpo não será apenas o instrumento primordial do homem, mas também

o seu vizinho mais próximo” (Arnheim,1989:13’á,131). Este

instrumento “oferece meios de dar uma presença tangível às imagens

concebidas pela mente, no entanto atuando como intermediário e

tradutor, ele têm, como qualquer outro instrumento suas próprias

idiossincrasias. inevitável que as características próprias do

instrumentos influenciem o produto”. Além de serem importantes para

a sobrevivência do ser humano, as ferramentas, ou instrumentos,

assim como o material, determinam ou, para ser menos enfático,

conduzem as características gerais da obra a ser criada.


-126-

Leroy-Gourhan estuda as ferramentas que permitem a

existência humana. Sua classificação das ferramentas nos mostra

que, em função das características destas, existe uma adequação

entre o uso e o tipo de ferramenta empregado. Existem, no

desenvolvimento técnico, alguns meios elementares de ação sobre a

matéria, entre eles encontramos as percussões.

Este autor, ao classificar as ferramentas que usam a

percussão, nos mostra que cada tipo de ferramenta apresentará

resultados diferentes, determinando, então, o que será feito com

ela. Partindo do princípio que a maneira de atuar sobre a matéria é

que gera diferentes ferramentas, este autor classifica aquelas que

usam a percussão em função da forma como a força é aplicada, do

ângulo de ataque e da área atingida pela ferramenta.

Quanto à maneira de se empregar a força temos três tipos:

a percussão colocada que “consiste em aplicar a ferramenta sobre a

matéria imprimindo diretamente a força dos músculos”, tendo assim

uma grande precisão, mas nenhum aumento da força. A percussão

lançada na qual a ferramenta, com um cabo, é lançada em direção à

matéria, O cabo permite, o aumento da força, mas não oferece

precisão.

A terceira maneira nasce da “ideia de dissociar o

elemento percussor da força de percussão...ele combina as vantagens


-127-

próprias às duas primeiras maneiras: a ferramenta é colocada com

precisão sobre a matéria, a outra mão aplica com um percussor

separado o peso intensificado pela aceleração: esta é a percussão

com percussor” (Leroy—Gourhan,1971:48). Neste tipo de ferramenta

“as duas mãos aparecem em seu respectivo privilégio: uma tem a

força, outra a destreza” (Bachelard,1991,36).

Com relação ao “ângulo de ataque”, temos a percussão

perpendicular e a percussão oblíqua (Leroy-Courhan,1971:52) e,

junto destas, a percussão circular. “Seu fim é perfurar e todos os

instrumentos pontudos animados de um movimento de rotação a ela se

ligam” (Leroy-Gourhan,1971:55).

A área que pode ser atingida pela ferramenta permite

outra classificação. “Se a parte percussora é cortante, a percussão

será linear, se é um ponto será puntiforme, se ela move uma massa

muito grande, a percussão será difusa. A percussão linear, segundo

a posição do gume paralelo ao eixo da ferramenta ou perpendicular a

este eixo, será linear-longitudinal ou linear-transversal”

(Leroy-Gourhan, 1971:57). Combinando estas classes obtemos 22 tipos

de ferramentas. (Quadro 1)

Cada ferramenta, nesta classificação, mostar-se-á

adequada para um uso. Assim, “as percussões lineares-colocadas se

aplicam em geral ao trabalho delicado raspar, de esculpir sólidos

fibrosos, de cortar sólidos flexíveis; as percussões

lineares-lançadas são quase todas alojadas no trabalho mais


-128-

grosseiro da madeira ou dos sólidos plásticos...Os

puntiformes-colocados são caracterizados pela costura e a brunidura

de todos os materiais, os puntiformes lançados pelas armas de ponta

e instrumentos agrícolas, todos os difusos pela martelagem (em

particular dos metais), a moagem dos grãos” (Leroy-Gourhan1971:57).

O fato de cada ferramenta determinar seu próprio uso pode

ser verificado na relação entre o cabo das ferramentas de

percussão, que funciona como uma alavanca, e a força do braço.

Leroy-Gourhan (1971:64) analisa o tamanho dos cabos recorrendo a

fórmulas usadas pelos físicos. Como alavanca, o cabo pode

intensificar a força, assim, “com poucas excessões as ferramentas

são adaptadas para o seu uso e um machado não deve ter o mesmo

modelo de um cutelo; basta olhar um pouco mais para descobrir que

este machado não serve senão à escultura, ao tratamento quase

definitivo das superfícies esculpidas, a um trabalho que em geral

se confia à faca ou ao cinzel próprio para a madeira”.

Na produção artística a escolha da ferramenta será

fundamental uma vez que, na relação com esta, assim como ocorre com

o material, o artista encontrará limitações que são determinantes

por impedirem certos usos fazendo com que a ferramenta seja

adequada a outros. Determinações que ao mesmo tempo em que impedem,

permitem a expressão. O artista deve escolher, então, a

determinação que será mais adequada à sua intenção pois “certas

qualidades formais se ajustam tão bem à ferramenta que dela brotam


-129-

quase espontaneamente. Outras exigem esforços especiais, levando a

resultados deploravelmente artificiais, ou não resultando em

absolutamente nada” (Arnheim,1989:133). Se mesmo um artesão deve

saber “conciliar a liberdade de suas concepções com as

características dos instrumentos que utiliza” (Arnheim,1989:133),

para um artista esta questão é crucial pois os “instrumentos têm

especificidades que podem ser utilizadas na construção das

qualidades estéticas da imagem” (Sogabe,1990:31).

Arnheim (1989:133) exemplifica este fato com o braço

humano que, por ser “um instrumento capaz de girar em torno de um

ponto fixo, ele leva, de modo natural, a movimentos curvos e a

formas curvas. Um movimento em linha reta requer um controle

especial, não apenas para desenhar mas também para ferir um arco de

violino ou executar um gesto coreográfico”.

Algo similar ocorre, também, com a roda do oleiro ou o

torno mecânico que “impõe ao objeto uma certa regularidade de rigor

matemático no plano rotacional, enquanto, ao longo do eixo, o

artesão cria formas “livres” que não precisam obedecer a nenhuma

fórmula geométrica. Para apreciar um típico vaso de cerâmica, é

necessário perceber ao menos intuitivamente, a interação da rígida

circularidade na dimensão horizontal com a liberdade da forma

vertical” (Arnheim,1989:133). Na verdade, não existe liberdade,

mesmo na forma vertical, pois ela está limitada pela constituição


-130-

física do material, no caso a argila, mas este assunto já foi

discutido anteriormente.

Com o tear, temos uma determinação oposta a esta. Ao

trabalhar com este instrumento, “o tecelão não tem nenhuma

dificuldade com formas retas quando elas correm paralelas à trama,

mas o tear tem suas próprias regras: para produzir uma curva ou uma

diagonal é necessário forçar a estrutura da configuração do tecido”

(Arnheim,1989:133).

No caso da roda do oleiro ou do torno mecânico, Arnheim

afirma (1989:134) que “a condição matemática da circularidade é uma

restrição imposta pelo artista à sua imaginação visual, e a roda de

oleiro é o recurso tecnológico, que introduz a coerção com a máxima

precisão”. Temos, com isto, a impressão de que a restrição visual

ocorre antes da existência da ferramenta. Apesar da importância de

Arnheim para este estudo, não podemos concordar esta afirmação

relativa aos instrumentos.

Arnheim (1989:131) argumenta que a maioria dos

instrumentos têm afinidades com a geometria, mas este assunto não é

tão simples, pois foi o próprio homem quem optou por todas estas

formas cúbicas e criou máquinas para ajudá-lo a construí-las.

Assim, “lajes, cubos, cilindos e pirâmides maternaticamente

precisos são a encarnação de um dos extremos da escala em que todas


-131-

as coisas orgânicas e inorgânicas encontram sua configuração

específica”.

A conclusão é que existem fundamentos geométricos na

criação de formas que são também criações essenciais da própria

mente que podem depender do auxílio de instrumentos. Desta maneira,

“em princípio, o mesmo vaso de cerâmica poderia ser feito sem a

roda, embora se perdesse muito em termos de habilidade, e

dificilmente se poderia comparar o resultado com a perfeição do

produto “modelado” (Arnheim,1989:134).

Não podemos concordar com esta afirmação de que o mesmo

vaso poderia ser feito sem a roda de oleiro, pois teríamos, neste

caso, outro vaso de outro tipo que, se fosse circular, com certeza

seria mais perfeito quanto ao acabamento, mas o importante é que,

sendo executado na roda, modelado com as mãos ou ainda colocado, em

forma líquida (barbotina) num molde, o instrumento não só é

indispensável como contribui para a forma final.

Além disso, toda ferramenta, mesmo quando automatiza

gestos que já existiam antes dela, traz novas possibilidades que

não poderiam sequer ser pensadas sem a existência desta. As formas

que um vaso pode adquirir ao ser executado numa roda de oleiro, não

podem ser imaginadas sem o contato com este aparelho. Quando se

trabalha com modelagem se pensa em formas diferentes, formas que

nascem do contato da mão com o barro, formas que podem incluir a

circularidade, embora não a tenha como dominante. A roda, então,


-132-

não é um recurso, é a condição de existência das formas em que

domine a circularidade horizontal.

Se o instrumento tem determinações entre as quais o

artista deve escolher e se, quando uma nova ferramenta é

desenvolvida, ela traz novas possibilidades, podemos compreender

que “apesar da infinidade de instrumentos à disposição no mercado,

quando um artista modifica algum existente ou até chega a produzir

um totalmente novo, está buscando qualidades estéticas que só

aquele instrumento pode oferecer” (Sogabe,1990:31). É por isto que

“Courbet substituiu o pincel pela espátula para dar espessura às

tintas e aprofundar deste modo o efeito de luz” (Venturi,1968:134).

Como foi mostrado com relação a outros elementos

estudados no decorrer deste trabalho, as relações da ferramenta com

o material e a técnica envolvem dependência e determinação mútua. A

técnica envolve o uso de ferramentas para trabalhar os materiais,

mas algumas técnicas permitem o uso de materiais que não poderiam

ser usados sem elas. A técnica exige ferramentas, mas não se

restringe a elas, podendo com as mesmas ferramentas existir

técnicas diferentes. A técnica pode ser melhor entendida como um

método de trabalho que envolve não só as ferramentas, mas também

uma maneira de utilizá-las de acordo com uma intenção e de acordo

com o material. Este determina as ferramentas mas, se existe


-133-

ferramentas mais adequadas para trabalhar um ou outro material, a

intensão pode determinar o uso de ferramentas diferentes para

trabalhar o mesmo material.


A TÉCNICA DA ARTE
-135-

Afirmamos, anteriormente, que os Meios de Expressão são

entendidos neste trabalho como um conjunto formado pelos materiais,

as ferramentas e a técnica. Esta última pode ser conceituada como a

maneira de usar os outros dois elementos. Existe, entretanto, uma

inter-relação complexa entre estes três termos. Segundo Gabo

(1989:335), “na escultura como na técnica o método de trabalhar é

determinado pelo próprio material”; similarmente, Leroy-Gournhan

(1971:19) afirma que “é a matéria que condiciona todas as

técnicas”. Esta afirmação se encontra em um livro no qual ele

estuda a técnica e estabelece uma classificação das ferramentas.

Estes três termos parecem estar sempre juntos

Encontramos referências a desenhos feitos com a técnica

do bico de pena ou a técnica do guache, mas o primeiro refere-se a

um instrumento enquanto o segundo, a um material artístico, uma

tinta. Pareyson (1989:128) define a técnica da arte comos o

“conhecimento da destinação de uma matéria e prática de sua

manipulação artística”, mostrando, mais uma vez, a dificuldade de

separá-la dos outros termos. Procuraremos entender esta

complexidade num sentido amplo e com relação à arte.

Leroy-Gournhan (1971:19), partindo da crença em que a

matéria condiciona as técnicas, adota uma divisão destas em função

de uma classificação dos materiais, dos meios elementares de ação

sobre a matéria e das forças. A primeira vai dos materiais sólidos


-136-

aos materiais fluidos: “os sólidos cujo estado não varia recebem o

nome de sólidos estáveis: pedra, osso, Madeira; aqueles que, por

aquecimento, por exemplo, adquirem uma certa maleabilidade são

chamados de sólidos semi-plásticos: é o caso dos metais; aqueles

que, maleáveis no estado de tratamento, endurecem ao secar ou por

cozimento, são os plásticos: cerâmicas, vernizes, colas; aqueles

enfim que, a todos os momentos de seu estado, são flexíveis mas não

maleáveis, têm o título de sólidos flexíveis: couro, fios, tecidos,

cestos. Os f1uids não comportam subdivisões, o modelo é a água e

eles englobam todas as matérias que, em estado normal de tratamento

e consumo, são líquidos e gasosos”.

Na classificação dos meios elementares, temos “as

apropriações nos diferentes dispositivos que revezam a ação direta

da mão humana, depois as percussões que caracterizam a ação no

ponto de encontro do instrumento e da matéria”

(Leroy-Gourhan,1971:43), para que se possa “quebrar, cortar,

modelar; o fogo que pode aquecer, cozinhar, fundir, secar,

deformar”; a água que pode diluir, dissolver, amolecer, lavar e

que, em soluções diferentes, por seus efeitos físicos ou químicos,

servirá para curtir peles, conservar, cozinhar; o ar, enfim, que

aviva o fogo, que seca ou que limpa” (Leroy-Gourhan,1971:18).

Quanto às forças, podem vir “dos músculos humanos, dos animais, da


-137-

água, do ar” que, para não serem desperdiçadas, são dirigidas e

amplificadas “pelas alavancas ou transmissões”

(Leroy-Gourhan,1971:18). A técnica é entendida como uma maneira de

atuar sobre a matéria com os meios elementares animados pela força

para alcançar algum objetivo. Leroy-Gourhan (1971:320) sintetiza

esta questão afirmando que, na inserção “dos meios e da matéria,

nós iremos encontrar dois objetos (ferramenta e PRODUTO)”; assim

temos a seguinte fórmula:

meio elementar
= ferramenta e produto
matéria

A ferramenta gerada nesta relação passa a ser outro meio,

não elementar, permitindo que a atuação sobre a matéria seja mais

eficiente. Podemos exemplificar este fato com a forja, um conjunto

técnico que emprega todos os meios elementares (as percussões, a

água, para refrigeração, o fogo e o ar que intensifica o fogo) para

agir sobre o ferro com a intenção de obter um produto, que pode ser

uma ferramenta (Leroy-Gourhan,1971:202), usando, também, a tenaz e

o martelo, ferramentas de apropriação e de percussão. A produção de

ferramentas tem sido uma atividade técnica presente nas várias

etapas do desenvolvimento humano pois, com elas, pode-se

potencializar os meios elementares, gerando novas técnicas.

Por este motivo, Gabo (1989:335) afirma que “o

conhecimento técnico aperfeiçoou os métodos de trabalhar de muitos


-138-

materiais antigos que antes não podiam ser usados sem dificuldade”.

Podemos verificar a mesma situação com relação a invenção do papel,

que “permitiu o uso de materiais anteriormente reservados à parede,

como a pedra (lapis-mattita) e o carvão (carbone, carboncino)”

(Rudel,1980:20).

Toda técnica apresenta soluções para as mais variadas

necessidades do homem, pois seu objetivo “é definir um processo de

ação que transforma uma saber em ato” (Francastel,1973:80). No caso

do desenho, existe o problema da linha, que representa uma divisão

de planos e a transição desta, no caso de uma superfície curva.

Este problema, que é fundamental na representação do nu e do

panejamento, foi -solucionado, durante muito tempo, com a técnica

de executar “hachuras primeiramente paralelas, depois

entrecruzadas, sem com isso renunciar às primeiras, conforme o caso

e o local; hachuras retas, depois circulares, envolventes como em

Rafael e Michelangelo” (Rudel,1980:21,20). No Renascimento, a

representação do traje ou do nu, não teria sido possível “sem o uso

de meios “novos” como a pedra negra e a sanguina, e depois, pouco a

pouco, o carvão, como se v claramente, desde o fim do século XV,

com Leonardo e Signoreili”.

A matéria condiciona a técnica, mas os materiais

diferentes com as propriedades físicas parecidas “terão

inevitavelmente a mesma manufatura”. Desta maneira “o cobre e a

cortiça, suscetíveis de receber una marca permanente pelo choque de


-139-

una matriz de estamparia, terão por instrumentos de fabricação,

tanto um como o outro, matriz e percussor; o fio de cânhamo, as

fibras de junco, o fio de ferro, se se trata de fazer um tecido por

entrecruzamento, terão todos os três o mesmo esquema técnico”

(Leroy-Gourhan,1971:161).

Por outro lado, o aparecimento de um material que tenha

características diferentes “determina sempre um novo método no

sistema de construção. Seria ingenuidade e pouco lógico construir

uma ponte de aço com os mesmos métodos usados pelos romanos para

construir pontes de pedra” (Gabo,1989:335), pois os objetos que

conservar. “a forma e a destinação antigas são objetos feios (...)

cujos aspectos são determinados pela imitação de velhas fórmulas

inspiradas em antigas necessidades e não em uma vontade razoável de

adaptação a programas e a meios de produção modernos”

(Francastel,1973:53).

A matéria determina não só a ferramenta adequada para

trabalhá-la mas, já que a ferramenta é também um produto feito com

materiais, determina a ferramenta que pode ser feita com ela. Vemos

isto com relação ao martelo, uma das mais importantes ferramentas

de percussão. Mesmo sendo indispensável para “rachar, martelar,

partir, polir, dividir a matéria para a recompor em seguida”

(Leroy-Gourhan,1971:47), seu uso parece ser ignorado até o

paleolítico superior. “A razão principal desta carência de

percussão colocada com percussor prende-se certamente ao fato de


-140-

que o sílex é impróprio para suportar choques violentos sem

quebrar” (Leroy-Gourhan.,1971:51).

A técnica e as ferramentas são determinadas pelos

materiais. Por outro lado, Francastel (1973:54) afirma que existe

uma determinação estética. Quando algum homem primitivo teve a

ideia de arranhar a terra com um gancho, ou pescar com um anzol, ao

dar a estas ferramentas uma forma, “obedeciam a um determinismo

mais amplo que o da simples realização do utensílio sugerido pela

imagem imediata da pesca ou da arrenda com um gancho. A faculdade

de adaptar um objeto ao conjunto das condições de vida de uma época

supunha pois algo mais que a pura técnica”. Na carroceria de um

carro moderno, encontramos “uma quantidade de chapas vazias que ali

estão para responder a necessidades não-mecânicas” que, mesmo

calculadas, “dão margem a uma escolha de possibilidades entre as

quais o homem decide segundo elementos propriamente estéticos”.

A técnica, então, “comporta uma parte de habilidade, de

adaptação, de pesquisa e de escolha dos meios mais conformes à

realização de um esquema geral de utilização prática do objeto, que

não depende senão da arte” que é, para o homem, “um dos caminhos

pelos quais orienta e particulariza a ação de suas mãos. Sem arte,

a técnica seria apenas uma atividade vã; sem a técnica a arte não

passaria de um inútil jogo de sombras” (Francastel,1973: 51,62).


-141-

As técnicas aceitam uma determinação estética mas, por

outro lado, comandam todas as artes - inclusive a pintura em suas

formas aparentemente mais gratuitas pois sabemos que esta, como

todas as artes, é ilusionismo, e que seus meios tal como seus fins

estão ligados a um determinado estado da sociedade, e mais, a um

estado de nossos conhecimentos teóricos e técnicos. A arte em seu

desenvolvimento não tem necessidade antes de mais nada de ideo1ogia

mas de técnica, O homem filosofa depois e não antes de ter agido.

(Francastel,1973).

Apesar desta dependência, existe um pensamento que opõe

estas duas atividades pois “admitir-se-ia com bastante facilidade

que, no mundo moderno, objeto é feio e a arte gratuita”

(Francastel,1973:52) e a “técnica é imperialista o suficiente para,

ao mesmo tempo, negar o fio que a liga com a arte e dizer que a

domina” (Duffrene,1980:167). Isto ocorre de Duas maneiras: “ou a a

técnica reduz a arte a um papel ornamental subordinado, declarando

que ela é exterior e insignificante,...ou a técnica repudia a arte

colocando-se rio lugar daquela”. É o que vemos com a proposta do

funcionalismo, de acordo com a qual o objeto produzido pela técnica

“é belo na medida em que meticulosamente assume sua tecnicidade”

(Duffrene,1980:167).

Francastel (1973:51) descreve dois atos que aparecem

sempre que um grupo de homens procura satisfazer alguma

necessidade: a imitação e a invenção. A primeira desemboca nas


-142-

técnicas, a segunda nas ciências e nas artes. Procurando mostrar a

existência de uma dependência mútua entre a técnica e a arte, ele

afirma que imitação e invenção brotam, por assim dizer do mesmo

ramo da vida das sociedades e que “a pseudo-oposição que se

pretendia estabelecer entre a arte e a técnica, só se justificaria

se a obra de arte fosse o produto da fantasia verdadeiramente

gratuita de um indivíduo, o que é desconhecer absolutamente o papel

da arte”. Mesmo assim, estabelece, uma oposição na qual privilegia

a arte, reservando somente a esta o poder de inventar.

Mas a técnica altera a estrutura social e, com ela, a

arte. Francastel (1973:22) exemplifica, com a técnica da pedra dos

séculos X-XI, que implica “a existência de uma outra tradição e de

um outro segredo que não aquele dos monges”. Esta técnica é, ao

mesmo tempo, “condição e consequência do surto de uma nova classe

de trabalhadores, ligado à independência crescente dos poderes

laicos em relação à igreja”. Isto implica uma transformação

completa do significado e da aparência das obras de arte.

Não existe concordância quanto à maneira de considerar a

técnica na arte. Pode-se afirmar “a autonomia da técnica,

singularizável fora das obras do artista” (Pareyson,1989:127,126),

como uma disciplina “inerente a todo um estilo, quando não a toda

uma arte”. Ou, pelo contrário, afirmar-se “que a técnica diz


-143-

respeito à arte na medida em que se identifica sem resíduo com a

criação, irrepetível e individual como a obra singular e a

possibilidade artística, inseparável da atividade do artista”. A

técnica ainda pode ser entendida como pura habilidade.

Pareyson (1989:129) mostra que a técnica pode ser

entendida na arte como ‘retórica, disciplina ou ofício. Como

retórica, a técnica relaciona-se com “aquelas regras que poderiam

ser chamadas as leis ‘positivas’ da arte ... as quais,

diferentemente das leis naturais que, como as da ótica, da

acústica, da estática são inalteráveis e invioláveis, são, pelo o

resultado de uma legislação histórica e, por isso, mutáveis e

contingentes”. Trata-se das determinações culturais quanto ao uso

de um material, às quais nos referimos anteriormente.

A técnica é uma disciplina, pois “há na arte alguma coisa

que se aprende”, a técnica da arte; existe “para cada arte unia

técnica, transmissível de um artista para outro e separável das

obras individuais: no aprendê-la consiste a disciplina que introduz

à arte” (Pareyson,1989:128).

Por fim, é ofício porque “não há arte sem ofício”. Este

“pode existir sem a arte, enquanto, pelo contrário, a arte não pode

passar sem ele”. Por isto “o artista consegue ser tanto mais
-144-

artista quanto menos se esquece de ser, antes de tudo, um artesão”

(Pareyson,1989:129).

Estas maneiras de entender a técnica tornam-se mais

claras quando vemos que estão relacionadas com o material, pois

“incluem-se nas matérias da arte as retóricas, é diálogo com a

matéria o ofício, está ligada com a matéria a técnica

transmissível” (Pareyson,139:13O,131). Lembrando que a matéria, na

arte, como é “aquela que é tal somente no interior de um ato de

adoção” e, em função de ser a autonomia da matéria afirmada ou não,

a disciplina “pode ser entendida como repetição mecânica ou como

retomada criadora, o ofício pode ser interpretado como repertório

de expedientes, extrínseca conformidade com uma linguagem artística

e supina obediência à matéria ou como aspecto fabril da arte; e a

retórica pode mostrar o aspecto de um código normativo

extrínseco ... ou revelar uma eficácia operativa”.

As regras da arte são diferentes daquelas de outras

atividades humanas porque “enquanto nas outras atividades a regra

se inspira em leis de caráter geral, na arte, pelo contrário, não

há outra lei senão a regra individual”. Faz parte da inventividade

artística a capacidade de inventar precisamente a regra da obra no

próprio ato de fazê-la”. Recuperando-se a eficácia poética das

regras, estas deixam de ser “cânones ou preceitos, fórmulas ou

receitas, mas tornam-se prescrições provocadoras e estimulantes;


-145-

não aparecem mais como constrangedoras, mas como cadeias

voluntárias, indispensáveis para afugentar a facilidade dispersa e

precisar a inspiração”. Podemos, então, tirar da arte precedente

“sugestões para operações novas e inventivas” (Pareyson,1989:130).

Como a técnica é inventada na criação, vemos que não

existem graus de qualidade entre as diversas técnicas pois, em

pintura, diz Venturi, (968:237) “existem tantas técnicas quantas

personalidades de artistas e cada técnica deve ser julgada segundo

a maior ou menor eficácia em revelar a personalidade e não segundo

a sua afinidade com uma outra técnica pela qual se teria uma

preferência arbitrária”. Assim, a técnica de Giotto realizou a sua

arte, a técnica de Rafael realizou a arte de Rafael, o mesmo

ocorrendo com Cézanne, Picasso ou Matisse.

Por outro lado, da mesma maneira que ocorre com o

material, existem determinações culturais que limitam o uso de

certas técnicas. Ao serem usadas na arte, estas são reinventadas.

Picasso usa uma técnica de construção na qual são unidos pedaços de

objetos como num colagem. “O cortar, modelar, e unir elementos de

madeira e outros materiais...supre uma extensão natural do tipo de

processo que emerge da colagem” (Tucker,198:70,60). Suas esculturas

“fazem coisas com o material, processo e assunto que simplesmente

nunca teria existido como possibilidade na escultura anterior”,

oferecendo uma “liberdade potencial, cujas implicações estão ainda


-146-

sendo desenvolvidas. Foi somente devido à Picasso...que se tornou

possível, literalmente ‘fazer’ uma peça de escultura - ou seja,

juntá-la de partes, como um marceneiro faria uma mesa ou uma

cadeira”.

A técnica pode ser inventada na criação porque, para o

artista, à medida em que novos materiais e técnicas vão sendo

admitidas para serem usadas na arte. A técnica é uma virtualidade,

uma possibilidade de uso, “sempre forneceu os meios, mas não passa

de uma virtualidade ou de um processo de aplicação”

(Francastel,1973:3).

Rodin (1990:78) diz que a técnica não pode ser

negligenciada, pois sem ela o artista “nunca atingirá a sua meta,

que é a interpretação do sentimento, da ideia. Um artista assim

estaria como um cavaleiro que esquecesse de dar aveia a sua

montaria”, mas “sem dúvida a técnica é apenas um meio”. A mesma

afirmação pode ser encontrada numa Carta de Cézanne a Émile Bernard

(1988:19), na qual este diz acreditar “no desenvolvimento lógico do

que vemos e sentimos através do estudo direto da natureza, sob pena

de ter de me preocupar depois com os procedimentos; os

procedimentos, para nós, nada mais são que simples meios de levar o

público a sentir o que nós mesmos sentimos”.

A afirmação de Francastel (1973:54) de que, num objeto

atual ou de ontem, “encontram-se expressas sensações e


-147-

encaminhamentos lógicos dos quais a técnica é a sugestão e o meio

mas não a origem exclusiva”, traz uma pergunta: se a técnica só

sugere, que é que determina que esta sugestão seja aceita? Mais uma

vez, encontramos a resposta na intenção do artista.

Assim como a matéria, a técnica determina as intenções,

as só no sentido em que exige uma intenção adequada às suas

possibilidades. A técnica serve a esta intenção. No caso do

Impressionismo, por exemplo, “algumas soluções manuais do passado

possuem afinidades exteriores com ele”. Trata-se, entretanto, de

elementos de feitura inseridos em contextos inteiramente

diferentes. Nunca antes de Monet havia sido concebida a ideia. de

fundar a representação integral do mundo na decomposição em cores

puras da luz” (Francastel,1973:207). Temos, então, técnica

similares servindo a intenções diferentes.

A intenção de Cézanne faz com que este use a técnica

impressionista mas de uma maneira diferente, procurando “não mais

registrar a dissolução da forma na luz mas descobrir o jogo de

ambiguidade que concilia o interesse dado à forma e aquele dado à

luz - seja aprofundando a técnica da nuancia, seja justapondo um

certo grafismo ao luminismo puro” (Francastel,1973:210).

As técnicas surgem para resolver os mais diversos

problemas que, entretanto, “não se impõem ao artista, mas é ele

quem sabe fazê-los nascer da matéria que lhe foi entregue pela

tradição; a técnica, de per si, só forma o artesão, mas é o artista


-148-

quem sabe torná-la capaz de mostrar a arte” (Pareyson,1989:124). Em

outras palavras, o artista, com uma intenção, ao agir sobre a

matéria, percebe os problemas técnicos que deve resolver.

A arte é inseparável da técnica, mas distingue-se desta.

Mostramos antes que, para Francastel (1973:80), a técnica tem o

objetivo de “definir um processo de ação que transforma um saber em

ato”, um método para agir. O objetivo da arte, entretanto, é

diferente, “visa definir um poder - suscetível de se transformar a

seguir em ato através de uma técnica”. Se, por um lado, só

penetramos na imaginação do artista porque “na medida em que o

artista materializou seu projeto”, por outro, “o que constitui a

realidade da Arte é, não o instrumento e o objeto que servem para a

apresentação, mas o esquema de ação que possui, naturalmente,

características estruturais” (Francastel:1973:81).

A técnica pode ter uma origem externa à atividade

artística, passando para o interior desta quando serve aos

objetivos artísticos, diferentes daqueles aos quais era

originalmente destinada, pois “qualquer melhoramento técnico, para

se tornar uma realidade artística deve previamente ser libertado de

seu automatismo” (Lotman,1978:32). A arte “passa a ser Arte

verdadeiramente apenas quando submete a técnica, única a

permitir-lhe manifestar-se, a finalidades que se situam, não no


-149-

real mas no imaginário. Mais do que qualquer outra atividade humana

ela é a dialética do real e do imaginário”.

O aparecimento do cinematógrafo ilustra bem esta questão.

Como técnica, logo se esgotaria “sem o apoio da fantasia ou, mais

exatamente, da arte, que veio oferecer-lhe programas para

preencher” (Francastel,1973:55). Precisou da fantasia de um artista

que mostrasse suas possibilidades através de uma intenção estética.

“Se o cinema não tivesse encontrado uma forma e se tivesse

permanecido como uma máquina de reproduzir o movimento, não teria

ganho na sociedade contemporânea a importância atual”

(Francastel,1973:55).

A relação entre arte e técnica é marcada pela

complexidade: a arte deve submeter a técnica, mas esta determina a

arte. Não só a técnica usada na produção artística determina a

arte, como podemos ver com o fato de as inovações técnicas trazerem

mudanças na percepção. Temos um bom exemplo disto com o

aparecimento da primeira versão viável da locomotiva, criada em

1825 por George Stephenson. “Seu impacto sobre a vida econômica foi

menor que o exercido nas consciências e nos hábitos de percepção

visual” (Ramirez,1976:53).

As ferrovias, cortando a paisagem mudaram-na

concretamente, porém, nos interessam mais as alterações perceptivas

que ocorrem durante uma viagem de trem, Estas foram relatadas por

Edward Stariley que reparou numa “nova relação tempo-percepção”,


-150-

exigindo que “a percepção dos objetos vistos da janela devia ser

instantânea”. Como consequência, “já não era possível nem desejável

“ler” os quadros e desenhos com a mesma deleitação e minuciosidade

com que se fazia no passado” (Ramirez,1976:54). A percepção passa a

ser impressionista. A locomotiva cria com suas linhas um novo meio.

“Este novo “meio natural” foi refletido por ilustradores populares

e por desenhistas a serviço das companhias ferroviárias. Em outros

casos, o impacto da locomotiva se acusava não só no tema, mas

também no tratamento “formal” que traduz o impulso da máquina e

essa exigência de instantaneidade perceptiva a que nos referimos

antes”.

Mostramos, anteriormente, que a criação ocorre em função

de muitos fatores, entre eles a percepção, desta maneira, a mudança

na percepção permite a criação de uma nova forma representativa. A

instantaneidade da percepção propiciada pela locomotiva pode ser

vista na pintura exposta por Turner em 1844, Chuva, vapor e

velocidade que é, “a nosso ver, um dos manifestos chave das

repercussões que a era da ferrovia teve na produção imaginária”

(Ramirez,1976:54). Uma técnica de transporte, mesmo indiretamente,

pode então, determinar a arte.


CONCLUSÃO
-152-

Concluiremos mostrando exemplos nos quais são retomados

os princípios norteadores deste trabalho. Afirmamos que a matéria

determina a obra de arte, mas esta determinação deve ser entendida

como uma tendência. Além disso, se a matéria determina a obra, a

ferramenta e a técnica, é determinada pela intenção do artista que,

por sua vez pode mudar durante o processo.

A influência do material pode ser reconhecida na seleção

dos meios com os quais executaremos uma obra. Se existem matérias

que se adequam melhor a uma certas ideias, o contrário também é

verdadeiro e, assim, escolhemos um material em função de uma

vontade artística, ou temos uma ideia em função dos materiais. Não

é outro o motivo de, entre os vários meios possíveis ser um o

escolhido.

Quando trabalhamos com formas tridimensionais a

influência do material é ainda maior. Por isto verificaremos as

duas manerias como Jules Struppeck trata o terna de sua escultura:

“Os Secretários do Clã” (Fig. 13 e 14). Estas peças mostram, numa

composição espiralada, três formas, que podem ser identificadas

como seguidores da Ka-Klux-Klan, curvadas sobre uma cruz. Ele

executou duas versões: uma em argila e outra em madeira.

O termo plástico, vem do grego plastikós, relativo às

dobras da argila, e do latim plastico, que modela; podendo

significar também a propriedade de adquirir uma forma. Neste

sentido, “a argila é o material plástico no sentido literal, o que


-153-

significa, sem dúvida, que qualquer forma pode lhe ser imposta”

(Scott,1975:165).

Como dissemos anteriormente, é a constituição natural de

um material que caracteriza suas limitações físicas. A quantidade

de água, conferindo plasticidade à argila, limita as opções

formais, pois até que esta seque, “somente um volume limitado pode

sustentar-se sem um esqueleto interior’. Pare que o forma

mantenha-se fisicamente estável, a natureza do material, “requer

que o volume da massa esteja dentro da base de sustentação. Ainda

assim, a massa não pode acumular-se demasiadamente sem que o peso

da parte superior deforme a argila da inferior” (Scott,1975:165).

Estas exigências fazem com que o cone e a pirâmide sejam

“a expressão lógica destas obras. Se deixamos cair areia de nossa

mão, de acumulará em forma cônica. Se raspamos as bordas da base do

cone e formamos linhas retas, resultará uma pirâmide.” Apesar de a

coesão da argila ser muito maior que da areia, em ambas “atuam as

mesmas forças” (Scott,1975:165).

Embora seja possível utilizar armações de madeira ou de

metal para para vencer as limitações deste material, se quisermos

cozer a argila, “a argila interior e a armação devem ser retiradas

quando a superfície secou o suficiente para suster-se por si

mesma”, pois a forma deve ser oca, tendo uma parede delgada. caso

contrário o peça quebrará durante o cozimento.


-154-

Tecnicamente, podemos obter uma peça de argila

modelando-a ou usando o torno. Este último permite a execução de

peças cilíndricas e ocas. “Com o outro método, se constrói a forma

maciça, com ou sem armação, e se escava. Em ambos casos, deve

conceber-se a forma de acordo com as limitações materiais e

técnicas” (Scott,1975: 165).

A peça a que nos referimos possui um volume cônico, “não

existem forma dispersas, sem sustentação ... Existem penetrações

através da massa, mas os volumes separados mantém a estabilidade

por contato e entrelaçamento. Embora esta seja uma forma que revela

grande imaginação e expressão plena, segue, não obstante,

organicamente da argila” (Scott,1975:166)

Afirmamos anteriormente que matéria determina a técnica

têm limitações e potencializardes. Isto é confirmado por Scott

(1975:167) pois, com a madeira, “tando o material como a técnica

apresentam uma série distinta de limitações e potencialidades

expressivas”.

A argila exige um método construtivo que constitui em

retirar ou acrescentar matéria ou ainda, modelar. Para modelar a

argila, não é necessário nenhuma ferramenta além das mãos, mas a

madeira exige ferramentas de corte, pois a ação adequada a este

material é a de entalhar, “de liberar a forma que se imaginou no

bloco” (Scott,1975:167). Neste trabalho, a direção das veias da


-155-

maneira restringem as possibilidades de corte, influenciando a

forma que pode ser obtida com este material.

A diferença entre estes dois materiais evidencia-se

quando reparamos nas formas redondas das duas versões da escultura.

As formas redondas da terracota parecem cones e cilindros, enquanto

a madeira apresenta planos com vértices desinibidos. “Estes planos,

ângulos e bordas são formas naturais da madeira e também o são os

sutis movimentos convexos e côncavos dos planos” (Scott,1975:167).

Estes movimentos são facilmente alcançados na argila porém, os

planos não são formas que brotam naturalmente deste material.

Desta maneira, “apesar de que em ambas composições a

ideia é a mesma; apesar de que suas qualidades expressivas são

peculiares, a forma total e cada componente separado diferem,

porque se projetam com meios distintos” (Scott,1975:166).

Lipchits (1960:160), disse que não está interessado nos

materiais: “Imaginemos que Rembrandt se encontrasse na rua sem

papel, pincéis, pigmentos ou tinta e subitamente desejasse fazer

desenho. Somente com uma parede branca, a sarjeta suja e seus dedos

ele seria capaz de fazer um desejo que se tornasse ouro puro -Das

voce pode imaginar alguém mais pondo seus dedos em ouro puro e

fazer unir desenho que se tornasse pura sujeira”. Mas sem dúvida as

características da parede, da água suja e do ouro impregnariam a

obra.
-156-

FIGURAS
-157-

(Quadro 1)

Classificação das

ferramentas de percussão

Leroy-Gourhan
-158-

(Figura 1)

Pablo Picasso

Cabeça de Mulher Chorando

26 de junho de 1937
-159-

(Figura 2)

Pablo Picasso

Mulher Chorando

1937
-160-

(Figura 3)

Pablo Picasso

Estudo de composição

1 de maio de 1937
-161-

(Figura 4)

Pablo Picasso

Guernica

1937
-162-

(Figura 5)

Mauro Ishikawa

Desenho com Fumaça

1990
-163-

(Figura 6)

Christian Renonciat

Figura 7
-164-

(Figura 7)

Claes Oldemburg

Esboço para Interruptores

1964
-165-

(Figura 8)

Códice de Manesse

séc. XIV
-166-

(Figura 9)

Jonh Flannagan

Jonas
-167-

(Figura 10)

Constantin Brancussi

O bejo
-168-

(Figura 11)

Jonh Constable

O carro de feno

Estudo

1821
-169-

(Figura 12)

Jonh Constable

O carro de feno

Estudo

1821
-170-

(Figura 13)

Jules Struppeck

Os Sectários do Clan

Versão Argila
-171-

(Figura 14)

Jules Struppeck

Os Sectários do Clan

Versão Madeira
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