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RUSSELL P.

SHEDD
RUSSELL P. SHEDD

SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA


Copyright © 1984 —Russell P. Shedd

Primeira Edição: 1984

Impresso nas oficinas da


Associação Religiosa
Imprensa da Fé
C . P. 18918
São Paulo - Brasil
C.G.C. 62.202.S28/0001-09

Todos os direitos reservados pela


SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA
Caixa Postal 21486 —São Paulo SP
04698 BRASIL
PREFÁCIO
Duas notas são dominantes na espístola aos Filipenses: a
alegria em todas as circunstâncias - quer agradáveis, que desa­
gradáveis - e a união da igreja, baseada num comportamento
semelhante ao do Senhor Jesus - que assumiu a forma de servo . . .
Essas duas notas são extremamente necessárias em nossas igrejas
na atualidade. Com a crise que enfrentamos, em todas as áreas
da vida do país, é muito fácil perdermos a alegria e ganharmos
ansiedade, temor, frustração. Por outro lado, a fragmentação
das igrejas evangélicas, por diversas razões - morais, doutrinárias,
políticas - é um fato crescente e preocupante.
Nestas pregações, agora em forma escrita, o Dr. Shedd
apresenta com clareza e simplicidade a mensagem de Paulo aos
filipenses, de forma que nós, brasileiros, também possamos enten­
dê-la e aplicá-la às nossas vidas e igrejas. Muitos são os desafios
que esta espístola coloca diante do povo de Deus, interessado em
cumprir a Sua vontade, e esses desafios são tornados claros nesta
exposição da carta. Alegria, humildade, comunhão, firmeza
doutrinária, esforço missionário - são temas apresentados pelo
autor de maneira atraente e desafiadora, procurando recuperar
o mesmo espírito que movia Paulo e as igrejas do primeiro século.
Que o leitor destas mensagens possa, pelo poder do Espírito
Santo, colocar em ação os aspectos do Cristianismo nelas expostos.
Júlio Paulo T. Zabatiero
CONTEÚDO

PREFÁCIO................................................................................................. 5
AS BASES DA NOSSA SEGURANÇA .................................................. 9
UMA ORAÇÃO MODELO....................................................................... 21
A FILOSOFIA DE VIDA DO CRISTÃO ................................................ 31
OS CIDADÃOS DO CÉU EM COMUNIDADE........................... 42
O CENTRO DA HISTÓRIA.................................................................... 53
DESENVOLVENDO A SALVAÇÃO.................................................... 63
HOMENS DE D E U S................................................................................. 73
PERDENDO PARA GA NH AR............................................................... 80
A AMBIÇÃO DE PAULO . ............................................................... 89
O CORPO........................................................................................... .. 96
O CONTENTAMENTO........................................... ............................. 104
O DEUS DA PAZ SERÃ CONVOSCO................. .. ................ 112
A NECESSIDADE E O SUPRIMENTO.................................................. 121
n o ta s ................................................................................................ 128
AS BASES DA NOSSA SEGURANÇA
Filipenses 1:1-8
Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos
em Cristo Jesus, inclusive bispos e diáconos, que vivem em
Filipos: 2 — Graça e paz a vós outros da parte de Deus nosso
Pai e do Senhor Jesus Cristo. 3 —Dou graças ao meu Deus por
tudo que recordo de vós, 4 - fazendo sempre, com alegria, sú­
plicas por todos vós, em todas as minhas orações, 5 - pela
vossa cooperação no evangelho, desde o primeiro dia até agora.
6 - Estou plenamente certo de que aquele que começou boa
obra em vós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus.
7 - Aliás, é justo que eu assim pense de todos vós, porque vos
trago no coração, seja nas minhas algemas, seja na defesa e con­
firmação do evangelho, pois todos sois participantes da graça
comigo. 8 — Pois minha testemunha é Deus, da saudade que
tenho de todos vós, na terna misericórdia de Cristo Jesus.
Creio que o leitor logo vai perceber que os quatro capítulos que for­
mam o livro de Filipenses me são muito caros, contando-se entre aquelas por­
ções bíblicas pelas quais tenho maior predileção. Nunca estive na prisão, nunca
fui acorrentado, e por isso não sei como reagiria se tivesse que enfrentar essa si­
tuação. Mas Paulo conseguiu escrever cinco de suas cartas quando estava preso,
uma delas sendo à igreja de Filipos, na Macedônia, norte da Grécia.
Vamos começar o nosso estudo examinando só os oito primeiros versí­
culos desta porção tão conhecida da Palavra de Deus.
Oração: Pai, pedimos-Te agora, pelo Espírito Santo, que sintonizes
nossos corações à música verdadeiramente celestial; e que retires as barreiras
que nos impedem de ouvir Tua voz, e nos atrapalham a obedecer. Em nome de
Jesus. Amém.

Introdução
Os estudiosos, eruditos, peritos da matéria, são uma classe desafiante
porque entendem de tudo que se pode saber sobre sua área de estudo.
Apesar da perícia, entretanto, existem assuntos nos quais reinam dúvidas em
lugar de dogmatismo. Há ocasiões em que os entendidos caminham na corda
bamba entre duas posições, simplesmente porque não há provas suficientes
para se decidirem pela certa. Por este motivo, ainda ficam indecisos quanto
ao lugar onde Paulo estava quando escreveu sua carta aos Filipenses. O pon­
to de vista tradicional é que se encontrava em Roma, assim como quando
compôs as cartas aos Colossenses, aos Efésios e a Filemon. Mais recentemen­
te, porém, eruditos britânicos e alemães, como George Duncan e Michaelis,
descobriram certos sinais indicando que possivelmente Paulo não estava na
capital do Império.
Um dos motivos que tradicionalmente têm levado os intérpretes a
pensarem que Paulo se achava em Roma é sua menção à guarda pretoriana
em Fp 1:13. Ali ele fala “de toda a guarda pretoriana e de todos os demais”.
No fim do capítulo 4, refere-se aos “da casa de César” . Mas descobertas ar­
queológicas recentes indicam que isso não é uma prova decisiva, já que havia
guardas pretorianas além de Roma. Esta guarda era uma tropa de elite de
cerca de 9.000 guardas imperiais: os soldados mais dignos de confiança de
todos os que o imperador possuía. Eram cuidadosamente treinados e selecio­
nados para defender o imperador contra qualquer golpe do estado. Além
de serem uma força de segurança, também cuidavam dos prisioneiros que
eram cidadãos romanos, e que tinham apelado para César com a finalidade
de conseguirem justiça, tal como Paulo havia feito. Visto que a maioria da
guarda pretoriana servia em Roma, era natural pensar que Paulo estivesse na
capital quando escreveu Filipenses.
Mas há algumas objeções à teoria dessa carta ter sido escrita em Roma.
A dificuldade mais séria é que, num período relativamente curto, quatro ou
cinco viagens devem ter sido realizadas entre o escritor e os leitores. Alguém
informou aos filipenses que Paulo estava na prisão. A oferta que Epafrodito
trouxe (leremos a respeito no capítulo 2) exigiu outra viagem. A notícia de
que Epafrodito tinha ficado doente, e o conhecimento que Paulo tivera de
que os filipenses lamentavam profundamente a doença de Epafrodito, exigi­
ram ainda que outras duas viagens (ver 2:19-30). São muitas idas e voltas en­
tre as cidades de Roma e Filipos, consumindo talvez 7 ou 8 semanas cada
uma.
Se Paulo não estava em Roma, então a melhor alternativa para o lugar
de composição seria a cidade de Éfeso, onde o apóstolo exerceu ministério
entre os anos 54 e 56 A.D.. Essa tese ganha força quando examinamos ou­
tras cartas de Paulo compostas na mesma época, ou seja, 1 e 2 Coríntios e
Romanos: o modo de falar do autor em Filipenses é mais próximo ao lingua­
jar dessas três cartas, do que ao de Efésios, Colossenses e Filemon. Observe­
mos também que algumas das referências, por exemplo, aquelas feitas aos
“maus obreiros” , “falsa circuncisão” e cães (3:2), fazem lembrar as cartas
aos Coríntios. Outro problema determinante da situação em Filipos é o da
falta de união (e recorde-se que esta foi a principal razão de Paulo ter escrito
1 Coríntios). É bem provável que Filipos e Corinto fossem objetos de preo­
cupação de Paulo durante os dois anos e meio em que ele trabalhou em
Éfeso (para conhecer a situação, leia At 20:18-35).
O problema que se levanta contra essa tese de que a carta aos Filipen­
ses foi escrita em Éfeso é que não temos conhecimento, pela leitura de Atos,
de que Paulo tenha sido preso ali em alguma ocasião. Em 2 Co 11:23 há uma
breve referência ao fato de ele ter estado em prisão mais de uma vez, e isso
oferece uma base para a possibilidade de sua liberdade ter sido tolhida em
Éfeso.
Há outros motivos, entretanto, que me levam a pensar que Filipenses
fica melhor no quadro da vida e do ministério de Paulo em Éfeso, do que em
Roma seis ou sete anos mais tarde. Em 1 Co 15, o capítulo da ressurreição,
uma parte do argumento de Paulo em favor da ressurreição é que ela explica
porque o apóstolo devia passar por todo o sofrimento que vinha provando.
Vejamos 1 Co 15:30-31: ”E porque nós também nos expomos a perigos a
toda hora? Dia após dia morro!” . Isto indica que ele estava sendo ameaçado
continuamente. No v. 32, Paulo diz: “lutei em Éfeso com feras”. Sabemos
que Paulo não poderia ter lutado literalmente com animais selvagens. Não se
permitia que um cidadão romano fosse lançado na arena. Paulo se referia a
inimigos tão ferozes que se assemelhavam a leões soltos na arena, e que a
qualquer momento poderiam matá-lo.
O primeiro capítulo de Filipenses apresenta Paulo enfrentando esse ti­
po de situação. Além do mais, Paulo escreveu 2 Coríntios menos de seis
meses depois de haver escapado de Éfeso, de onde escrevera 1 Coríntios. Na
Macedônia, a poucos dias de viagem de Éfeso, ele se encontrou com Tito,
que lhe trazia boas notícias de Corinto. Escrevendo aos Coríntios, na segun­
da carta, Paulo diz: “Irmãos, queremos que saibam das dificuldades que tive­
mos na Ásia (Éfeso). O sofrimento que suportamos foi tão grande e tão duro
que já não tínhamos esperança de escapar de lá com vida. Nós nos sentíamos
como condenados à morte. Mas isto aconteceu para nos ensinar a confiar
não em nós mesmos, e sim em Deus, que ressuscita os mortos. Ele nos sal­
vou e nos salvará desses terríveis perigos de morte” (2 Co 1:8-10 — Novo
Testamento na Linguagem de Hoje).
Filipenses também revela que Paulo achava que tanto poderia ser mor­
to como libertado da prisão. (Fp. 2:23). Contudo, ele está muito confiante
de que, por causa das orações dos cristãos filipenses, será solto. É possível
que Paulo esteja se referindo à mesma ameaça em 2 Co 1 e Fp 1. Se for
assim, então devemos concluir que está escrevendo de Éfeso aos filipenses.
Filipos era uma colônia romana e então os membros da igreja eram ci­
dadãos romanos. Por não haver muitas colônias romanas, os naturais de Fili­
pos eram cidadãos altamente privilegiados de Roma. A cidade foi conquista­
da primeiramente por Filipe da Macedônia, pai de Alexandre,o Grande, em
360 A.C., recebendo o seu nome. Foi ali em Filipos que Otávio, o mesmo
que seria mais tarde o grande imperador Augusto (que estabeleceu a Pax
Romana), venceu a batalha de Actium. Numa planície perto da cidade,
Augusto derrotou seus rivais, Antônio e Cleópatra, no ano de 42 A.C.. Por
causa daquela vitória muito importante para a conquista da coroa, Augusto
deu aos seus valorosos soldados tanto terras como posição, elevando a cida­
de à condição de colônia romana. Isso explica por que havia tão poucos ju­
deus em Filipos. Se houvesse judeus no exército de Augusto, seriam tão pou­
cos que não haveria número suficiente para fundar uma sinagoga.
Quando Paulo iniciou uma igreja em Filipos, fez seus primeiros con­
tatos num “lugar de oração” , perto de um ribeirão. Há uns anos atrás, tive o
privilégio de visitar Filipos (que agora é uma ruína) e fiquei emocionado ao
conhecer o lugar onde Paulo e Lídia se encontraram, junto com outros ju­
deus, para adorar ao Senhor. Os filipenses eram cidadãos de Roma, e por
isso Paulo empregou duas vezes no original o termo “cidadão” (1:27; 3 :20),
palavra que não aparece em nenhum lugar em suas epístolas. Na primeira
passagem escreveu: “que sua maneira de vida (literalmente, sua cidadania)
seja digna do evangelho de Cristo” (1:27), assim como a conduta dos ci­
dadãos de Filipos devia ser digna de verdadeiros romanos. Em todos os sen­
tidos, os cidadãos daquela colônia eram iguais aos cidadãos da própria
Roma. Gozavam dos mesmos privilégios, bem como da autoridade e pro­
teção que a cidade de Roma estendia aos cidadãos da urbe. Naturalmente,
sentiam bastante orgulho desse status. Analogicamente, Paulo apelava aos
leitores como “cidadãos do céu ”, no capítulo 3: “Nossa cidadania está nos
céus”, de onde aguardamos, não o imperador que vem visitar nossa cidade,
mas “o Salvador, o Senhor Jesus Cristo”, que nos transformará em Sua
semelhança.
Consideremos, por um momento, o quadro de origem desses cidadãos
dos céus. A igreja se compunha de uma variedade incomum de pessoas. Or­
ganizadores de igrejas não recomendam que se inicie um trabalho com
pessoas como as que formavam a congregação embriônica de Filipos. Primei­
ramente, aquela igreja começou com uma mulher. As igrejas que eu já ajudei
a iniciar dependeram de homens, mas a igreja em Filipos foi fundada em
aproximadamente 50 A.D., com Lídia, uma mulher de negócios. Mais tarde,
haveria duas mulheres brigando naquela mesma igreja (4:2, 3). É claro que
há quem diga que a raiz de tal desentendimento está no modo como se ini­
ciou a igreja. Lídia de Tiatira, na Ásia, era comerciante, (At 16:14). Vendia
um corante vermelho, caro, que era produzido em Tiatira, onde uma das se­
te igrejas da Ásia foi organizada (Ap 2:18-29). Depois que ela se converteu
naquela reunião de oração junto ao riacho que passava na periferia da cida­
de, convidou a Paulo e seus companheiros, Silas e Timóteo, para virem à sua
casa a fim de terem onde se hospedar, e para continuar seu ministério.
O outro membro fundador foi uma jovem escrava, que tinha sido
possuída por demônios. Paulo expeliu dela os demônios, suscitando a ira dos
donos, que dela se utilizavam para tirar lucros financeiros através de feiti­
çaria e profecias sobre o futuro (leia At 16:16-23). Suponho que ela se tenha
tomado cristã, membro ativo da igreja.
Paulo e Silas foram açoitados e jogados na cadeia por terem feito este
ato de misericórdia. Naquela mesma noite, por causa de um terremoto divi­
namente marcado para aquela hora, o carcereiro se assustou o suficiente pa­
ra pedir aos missionários que lhe mostrassem a maneira de ser salvo, em vez
de suicidar-se (At 16:27-34). Assim ele se converteu, juntamente com sua fa­
mília. Portanto, um carcereiro, uma escrava, e uma comerciante foram es­
colhidos por Deus para formarem o núcleo da igreja em Filipos.
Não temos notícia de quem mais entrou para o rol. Sabemos que hou­
ve um certo Clemente, e um homem cujo nome pode ter sido Sízigue
(“companheiro de jugo” 4:2, 3), bem como as senhoras que não falavam,
mas que tinham ajudado a Paulo. Seus nomes eram Evódia e Síntique. Esse
grupo nada promissor de crentes formou a pequena igreja. Mas não podemos
esquecer que esta foi uma das igrejas prediletas de Paulo. O apóstolo não
tinha a preocupação de ver se eram as pessoas importantes da cidade que se
convertiam, como foi em Tessalônica (At 17:14), ou se Deus chamava a Si
aqueles que menos se esperava ver na igreja. “Deus escolheu as coisas humil­
des do mundo, e as desprezadas e aquelas que não são, para reduzir a nada as
que são ” (1 Co 1:28). Deus se alegra em formar sua igreja de todas as cama­
das da sociedade, unindo os membros ao corpo.
Ora, por que será que esta igreja era uma das preferidas de Paulo? Um
ponto positivo foi o modo em que Deus a iniciou. Acho que qualquer pessoa
que passasse por um lugar onde começasse apanhando e depois visse a mão
poderosa de Deus quebrando o prédio com um terremoto, e as portas se
abrindo de vez, seria levado a concluir que Deus tem uma preocupação mui­
to especial por aquela cidade e seus habitantes. A seqüência dos eventos, e a
maneira em que o mal cooperou para o bem, devem ter dado a Paulo a cer­
teza de que esta igreja iria ser uma expressão significante da graça de Deus.
Outra razão pela qual Paulo tinha uma consideração toda especial por
esta igreja foi o amor dos crentes de Filipos para com ele. Até então, era a
única igreja que se preocupou com o apóstolo a ponto de mandar auxilio
financeiro. Paulo dependia dos donativos, além daquilo que podia ganhar
com o trabalho. Ao ler o cap. 4, vemos que havia ocasiões em que Paulo es­
tava pobre de recursos materiais, quando não tinha mais que uma moeda no
bolso (se é que tinha...). O apóstolo ficava comovido ao ver que esta igreja
lhe queria bem o suficiente para associar-se materialmente na sua tribulação.
Sentia-se muito agradecido. Teriam mandado mais, se houvesse outras opor­
tunidades. Isto sugere que a igreja realmente amava a Paulo. Naqueles dias,
não era fácil enviar dinheiro, visto que era preciso mandar alguém junto e
havia sempre a possibilidade de essa pessoa sofrer a mesma sorte do homem
que caiu nas mãos de salteadores, como na parábola do Bom Samaritano.
Epafrodito era um homem especial. Ele não se importou em arrriscar a sua
vida para sair de casa a fim de ser portador dos filipenses, e assim suprir a
necessidade de Paulo (Fp 2:25). Esta carta aos filipenses foi escrita, em par­
te, a fim de expressar a gratidão profunda que Paulo sentia para com a igreja
que tanto se preocupava com seu ministério.

A Saudação (1:1)
Agora, vejamos de perto o que Paulo tinha a dizer para esta igreja. É
bem diferente do que imaginamos. Em vez de dizer: “São Paulo e São Ti­
móteo, aos servos do Senhor em Filipos, com os bispos e diáconos”, ele es­
creve o oposto. Nosso texto diz: “escravo Paulo e escravo Timóteo, escravos
de Jesus Cristo, aos santos de Cristo Jesus que moram em Filipos”. Parece
estar invertido, não é mesmo?
Dr. Harry Ironside, o famoso pastor da igreja de Moody em Chicago,
contou de uma viagem de trem de três dias que havia feito em certa ocasião,
do litoral do Pacífico até Chicago. Havia duas freiras católicas no seu vagão,
e ele, então, quis divertir-se um pouco às suas custas. Depois de ter travado
conhecimento com elas, perguntou-lhes: “Já viram um santo?”. Elas respon­
deram que nunca tinham visto, pensavam que seria maravilhoso ver um san­
to de verdade. “Eu gostaria que vocês conhecessem um santo”, ele disse.
Ficaram entusiasmadas! Onde, como poderiam conhecer esse santo? Estaria
viajando num caixão de ouro, ou seria visto descendo do céu? (Segundo o
pensamento popular católico-romano, os santos têm que morrer primeiro.)
Dr. Ironside disse: “Eu sou Santo Harry” . Conheceram Santo Harry, mas
isso pouco as impressionou.
Não sei se foi exatamente bíblico, chamar-se de santo. É verdade que a
igreja de Filipos era composta de santos, mas não sei se havia ali alguém que
fosse mesmo um santo. Existe uma diferença. No Novo Testamento, Paulo
nunca é chamado de São Paulo. E a Bíblia sempre usa “santos” no plural
quando se refere a pessoas. A razão disso, acredito, é que o plural “santos”,
“pessoas santas” , comunica o conceito do Corpo de Cristo, que é a Igreja
santa (universal ou local) de Jesus Cristo: todos que estão na igreja, ou
“em Cristo”, compartilham de Sua santidade e tomam-se, portanto, pessoas
santas. É isso que significa a palavra “santo”.
Por outro lado, nenhuma pessoa desse mundo é individualmente um
santo, no sentido de ser santo e perfeito, tal como Deus o é. Nós temos o
mandamento para sermos santos (1 Pe 1:16), mas nenhum ser humano é
realmente santo. Nós somos todos pecadores regenerados. E a ordem que re­
cebemos é de mantermos a santidade como meta do nosso viver e mover-nos
nesta direção (Hb 12:14). Jesus mandou “sede vós perfeitos como perfeito
é o vosso Pai celeste” (Mt 5:48). Por este motivo, creio que Paulo não se
sentisse bem com o título “São Paulo”. Não há dúvida de que ele fazia parte
da igreja de Jesus Cristo, que é a igreja “dos santos do Altíssimo” (Dn 7:18 e
seg.). O termo do Velho Testamento. Em Ex. 19:6, o povo de Israel, ao qual
Deus tinha escolhido, também foi chamado de nação santa, apesar dos seus
muitos fracassos em praticar a santidade. O título se refere antes ao relacio­
namento da aliança pela qual Deus ligou Israel a si.
Aqui em Filipenses, os santos são assim chamados por causa de seu re­
lacionamento com Deus, e porque estão “em” Jesus Cristo. Em contraste
com isto, Paulo e Timóteo são apenas escravos, um termo bastante apro­
priado para descrever um cristão. Um cristão é um escravo. Ora, o que faz
um cristão ser um escravo?
Antigamente, havia quatro maneiras pelas quais uma pessoa podia tor­
nar-se escrava: (1) Podia-se ser escravo por nascer na família de escravos. Se
os pais eram escravos, a pessoa automaticamente era escrava, e nada se podia
fazer para evitar que isso acontecesse. (2) Podia-se ser escravo por conquis­
tas. Quando o exército romano conquistava novas terras, o povo derrotado
automaticamente se tornava escravo. Aqueles que não eram mortos ficavam
sendo propriedades do estado romano e dos seus cidadãos. Foi assim que o
Império Romano obteve mais de 50% de sua população composta de escra­
vos durante o primeiro século quando Paulo estava escrevendo. (3) Podia-se
ser escravo por compra em leilões de escravos como os que se tornaram
conhecidos nos seriados da TV. Um escravo que era comprado e depois liberto
era um escravo “redimido”. (4) Podia-se ser escravo por livre escolha. Se
um senhor concordasse, um homem que tinha esperança de receber alimen­
to, proteção e bons tratos, entregàva-se voluntariamente a ele para ser seu
escravo.
Como Paulo e Timóteo tornaram-se escravos de Jesus Cristo? Por com­
pra. 1 Co 6:20 esclarece que todos os cristãos foram comprados por preço.
Se você realmente conhece a Deus, então você é escravo dele —não porque
você quis sê-lo, nem porque nasceu na escravidão, ou foi tomado na batalha,
mas sim porque você foi redimido por Seu sangue precioso (Ef. 1:7). Sim,
você foi comprado do seu antigo dono, que era “o pecado”. Outrora, diz
Rm 6:17, você foi escravo do pecado. Mas agora que foi comprado por
Jesus Cristo mediante um preço elevadíssimo, glorifique a Deus em seu cor­
po. Seja um escravo genuíno de Cristo Jesus, porque ele o comprou, com­
prou-nos todos. Não comprou apenas a sua mente, ou sua alma, só para le­
vá-lo ao céu numa data futura incerta. Comprou-o e fez de você Seu escravo
aqui na terra, para que cada um de nós possa servi-Lo na plena extensão da
vida terrena e do potencial que tem.
Como os filipenses se tomaram santos? Se um escravo cristão entra
nesta condição por ser comprado pelo preço da morte de Cristo na cruz, os
santos se tornam santos sendo colocados “em Cristo Jesus”. O conceito
é um pouco difícil de se compreender. Não entendemos como uma pessoa
pode estar “em” uma Pessoa como Cristo Jesus. Será que você fica “em
Cristo” assim como nós estamos imersos ou dentro da atmosfera da Terra?
Visto que todos respiramos o ar, nós estamos dentro da atmosfera e o ar es­
tá em nós. Um estudante da Bíblia procurou comunicar a idéia espiritual de
estar em Cristo, e Ele em nós, dessa maneira. Estar em Cristo, para ele, era
algo impessoal? Não creio que tenha sido esta a idéia de Paulo, de modo
nenhum. Qual seria então o significado dessa expressão que aparece mais de
100 vezes nas Epístolas Paulinas?
Talvez devamos captar esta realidade de estar “em Cristo”, dentro dos
moldes do pensamento hebreu. Estar em uma pessoa, segundo a mente he­
braica, é estar tão intimamente ligado a ela que tudo que se refere a ela, e
tudo que se refere a você, submete-se ao pleno controle dela. Visto que to­
dos estão em Adão (1 Co 15:22), a natureza adâmica caracteriza o homem
que é totalmente dominado por ela. Essa existência “em Adão” explica a
corrupção do homem tanto no sentido moral, como no sentido físico
(1 Co 15:22, 45). É inútil você tentar sair disso, a não ser que se converta e
conheça a Jesus Cristo como seu Senhor e Salvador. Mas quando você se
transfere de Adão, deixando a personalidade, a natureza e o controle dele
para trás, e se coloca em Jesus Cristo, então é Ele que vai afetar sua nova
vida. O sinal e símbolo dessa transferência é o batismo. Quando você confia
em Jesus Cristo como seu Salvador, e o recebe como seu Senhor, você então
já está comprado, torna-se membro de Sua família, do Seu Corpo, e se entre­
ga livremente ao Seu controle. Portanto, se você está completamente rendi­
do a Jesus Cristo, então está “em Cristo” ..
Observemos que estes cristãos estão “em” Cristo Jesus e vivem “em”
Filipos. O primeiro “em” indica um posicionamento; o segundo, um lugar
geográfico. São diferentes. É estar “em” Jesus Cristo que os torna santos.
Você não é santo, como já vimos, quando é melhor do que os outros. Você
deve mesmo ser melhor do que os outros, e ter personalidade santa, admirá­
vel, se o Senhor perfeito está exercendo um controle efetivo sobre sua vida.
Mas você não passa a ser santo por se tornar uma pessoa melhor. Só será san­
to entrando para o Corpo do Santo Filho de Deus, pela fé pessoal, mediante
a qual Ele o regenera. Toma-se santo porque é santificado, consagrado, sepa­
rado pelo Espírito Santo em união com Cristo (1 Co 12:12, 13). Sendo
assim, os santos de Filipos, e os escravos de Deus em Roma ou Éfeso, estão
se comunicando através de sua participação no mesmo Senhor ressurreto.
Os bispos e diáconos são mencionados especificamente por Paulo,
como receptores desta carta. “Bispos” significa simplesmente supervisores.
No primeiro século eles eram supervisores da igreja assim como hoje há su­
pervisores numa fábrica, para verificar se tudo está em bom andamento. Só
que esses “bispos” (episkopoi) eram supervisores de pessoas. A palavra “diá­
conos” , por sua vez, significa servos, trabalhadores. Os bispos eram líderes
que desempenhavam o ministério pastoral do ensino, organização e discipli­
na eclesiástica. Os diáconos serviam à igreja como assistentes dos pastores-
bispos, e como evangelistas (cf. At 20:17, 28).
A igreja no período neo-testamentário não era uma igreja a não ser
que já tivesse os líderes nomeados. Igreja é mais do que um estudo bíblico,
onde todos discutem uma determinada passagem das Escrituras. Esse grupo
de estudo não é igreja, assim como amigos que se reúnem num dia marcado
para divertir-se e conversar não constituem uma família. Um grupo de estu­
do informal não possui a liderança divinamente instituída nem a responsabi­
lidade, como também lhe faltam as ordenanças do batismo e da Ceia do
Senhor. Contudo, os títulos que os líderes da igreja devem ter, bem como o
número deles em cada comunidade, não ficam claramente estipulados no
Novo Testamento. Na verdade, os termos “bispo”, “pastor” e “presbítero”
são usados alternadamente nos textos. Dão ênfase aos diversos aspectos do
ministério, qualquer que seja o título recebido por esses líderes eclesiásticos.
A Segurança de Paulo (1:2-8)
Vejamos o que esta passagem diz sobre a segurança. Que certeza
você tem hoje de que irá para o céu quando Jesus Cristo voltar, ou quando
você morrer (se isso acontecer antes da segunda vinda)?
Paulo nos apresenta as bases de uma perfeita confiança a respeito de
nosso destino eterno. Existem cinco razões a garantir que, se você se conver­
teu e conhece a Jesus Cristo, você irá para o céu:
1. Graça. Em primeiro lugar, está &graça. O v.2 diz “Graça e paz a vo­
cês da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo” . Se você não rece­
beu a graça de Deus, e se você não tem a paz dele em seu coração, é simples­
mente impossível ter a segurança de que Paulo fala. Graça e paz vêm pri­
meiro, não só como saudação, mas como alicerce.
2. Obra de Deus. Vejamos o v.6: “Estou plenamente certo de que
aquele que começou boa obra em você há de completá-la até ao dia de Cris­
to Jesus”. Esta é a segunda garantia de que você é salvo: a obra de Deus. Se o
Senhor começou boa obra em você, então agora Ele está trabalhando e com­
pletando-a eficientemente (ver 2:13).
C.S. Lewis, no seu livro Surprised by Joy (Surpreendido pela Alegria),
descreve vivamente sua conversão. Em certa noite de 1929, ele era o conver­
tido mais relutante, mais infeliz e abatido de toda Inglaterra. Sua situação
era pior que a do filho pródigo, pois este caminhou espontaneamente de vol­
ta para o lar, ao contrário de Lewis que entrou na casa depois de muita resis­
tência, dando socos e pontapés no pai. E então mais tarde, Lewis escreve pa­
ra um amigo da América que ainda não era cristão: “Suponho que o Espírito
Santo o tenha apanhado e que você já esteja preso na sua rede. Não adianta
relutar mais. Deus começou um trabalho em você”. Sim, e em você, leitor,
Deus já começou uma obra? Você reconhece o poder com o qual Ele o está
chamando, não só para a comunhão, não só tornando agradável a participa­
ção nos cultos da igreja, mas principalmente atraindo-o para Si? Ele deseja
realizar aquela obra da graça no seu coração. Se Deus já começou a operar
em você, cuidado, pois é muito difícil escapar de Seus braços insistentes e
amorosos (cf. Hb 12:4-11).
3. Amor Fraternal. Há uma terceira base para a grande esperança que
Paulo tem referente à igreja: o fato de ele se encontrar num relacionamento
especial com a igreja filipense. O apóstolo expressou em oração a gratidão
que sentia por esse amor mútuo: “Dou graças ao meu Deus por tudo que re­
cordo de vocês” (v. 3).
Paulo possuía uma mente aberta ao Espírito Santo. Em vez de estar à
televisão e aos jornais de cada dia, ou à revista Veja, ou ainda a todo o tra­
balho que ele estava fazendo, sua mente estava continuamente recebendo
alertas do Espírito Santo. Ele era capaz de reconhecer imediatamente qual­
quer coisa que viesse à sua mente por iniciativa do Espírito. E uma das
coisas que Deus trazia à sua mente na prisão era a igreja de Filipos. Então
Paulo concluía que aqueles crentes deviam ser filhos de Deus, porque senão
nunca teria se lembrado deles com tanto ímpeto ou freqüência. Continua­
mente, Paulo confessa “eu penso em vocês e oro por vocês” (v.4). Seus pe­
didos eram oferecidos a Deus com alegria, porque a igreja naquela cidade
lhe fazia feliz, era sua “coroa de regozijo” (4:1 em uma tradução).
4. Cooperação. Paulo não só ora por seus filhos no evangelho, como
também agradece a Deus a cooperação deles neste evangelho (v.5). A palavra
“cooperação” representa a koinonia do grego, que significa comunhão ou
participação. O apóstolo se refere aqui ao auxílio financeiro que a igreja lhe
enviou pelas mão de Epafrodito (2:25). Este compartilhar de coisas materi­
ais com Paulo, mostrava que os filipenses estavam cooperando na propa­
gação do evangelho, que faziam isso “desde o primeiro dia até agora”.
Sabemos que é preciso ser salvo pelo evangelho. Entretanto, se você
assumiu algum compromisso com o evangelho sem ainda ter sido salvo, isto
é, você acreditou, mas não se entregou inteiramente a Jesus Cristo, sua ati­
tude vai denunciar isso. Algumas pessoas crêem no evangelho somente em
conseqüência de terem nascido em lares cristãos, mas não têm um compro­
misso do coração com o evangelho, porque nunca nasceram realmente do
Espírito Santo de Deus. O principal problema de tal pessoa, provavelmente,
será a dificuldade de viver o evangelho em sua vida! Como ela está na igreja,
espera-se que faça o que os filipenses estavam fazendo, que era contribuir
(ver também 2 Co 8:1-5). Mas ela detesta dar dinheiro. O pior detalhe da
igreja com o qual ela precisa conviver, é a pressão que sente sobre si para que
dê sacrificialmente, com um coração cheio de amor.
Mas esse não era o caso dos filipenses. Sua cooperação no evangelho
não era apenas uma koinonia de fé, e oração pela missão de Paulo; era uma
cooperação prática, na qual tinham prazer em dar. É difícil uma prova maior
da operação do Espírito de Deus no coração, do que o desejo de contribuir
para suprir as necessidades daqueles a quem Deus ama. É somente o poder
sobrenatural de Deus que pode ajudá-lo a compreender que é mais aben­
çoado dar do que receber (At 20:35). Este, portanto, é o quarto sinal da
obra redentora do Espírito nas vidas dos filipenses.
5. Intercessão do Pastor a favor dos crentes. No versículo 7, Paulo
aponta mais uma razão da segurança que ele tem nos crentes a quem está es­
crevendo: “Aliás, é justo que eu assim pense de todos vós, porque vos trago
no coração, seja nas minhas algemas, seja na defesa e confirmação do evan­
gelho, pois todos sois participantes da graça comigo”. Não só o Espírito os
traz sempre à memória (v.3), não só eles começaram a dar ofertas provando
que são realmente convertidos, mas também eles têm no coração de Paulo
um lugar especial que só os verdadeiros irmãos e irmãs em Jesus Cristo po­
dem ter. O apóstolo acrescenta: “Não só vocês se uniram a mim na minha
prisão e na defesa e confirmação do evangelho, como também Deus é minha
testemunha da saudade que tenho de vocês todos”. Esta última frase nos faz
lembrar o carinho que as mães têm pelos seus bebês. Se separarmos uma mãe
de sua criancinha, ela sentirá muitas “saudades” . A palavra descreve os sen­
timentos de Paulo para com esta igreja.
É difícil para um pastor nutrir por sua igreja um sentimento tio pro­
fundo a ponto de poder assegurar que todos os membros são salvos, são san­
tos de verdade e não apenas de aparência. Mas é possível ver alguns indícios:
a alegria com que participam nos cultos da igreja, a cooperação no evangelho
através de suas ofertas. Vê-se a prova do esforço unido em oração, e o resul­
tado é o pastor lembrar-se de todos continuamente.
Olhe para seu próprio coração. Deus já começou Sua boa obra em vo­
cê? Você nota que Ele já o está lapidando, polindo e trabalhando todos os
dias? Se está, então pode tomar para si o que Paulo disse: “Estou plenamen­
te certo de que Deus, que começou boa obra em mim, há de completá-la até
ao dia de Cristo Jesus”. O maior desejo de Deus é ter santos no céu que se­
jam semelhantes ao Seu próprio Filho.
Rm 8:29 nos garante que haverá milhões de cópias de Jesus Cristo,
moldadas segundo Sua imagem e semelhança. O Senhor está trabalhando
na vida dos crentes, cada um deles com personalidades, pontos de vista, expe­
riências, raízes sócio-culturais e racionais diferentes, afim de transformar ma­
ravilhosamente todos os seus filhos, de modo que sejam semelhantes a Jesus
Cristo. Assim será a população do céu: formada por cidadãos que Deus co­
meçou a moldar nas experiências que resultaram em conversão, e continua a
modelar constantemente ao longo da vida cristã, para que tomem o formato
da perfeição de Jesus.

Conclusão
Pense em um homem como John Newton, que viveu há anos atrás,
no século 18. Começou a vida num lar cristão onde viveu por uns seis anos.
Ficou órfão e então foi criado por uma família não-crente, em que o evan­
gelho e o Cristianismo eram ridicularizados. Como nessa casa ele era perse­
guido, fugiu para o taar, porque o pai tinha sido marinheiro na Marinha Bri­
tânica por algum tempo. Alguma coisa não deu certo, e ele fugiu novamente,
escolhendo a África como um bom lugar para esconder-se. Tornou-se sócio
de um português, traficante de escravos.
A esta altura ele estava longe, bem longe de Deus. A péssima vida que
levava colocou-o em algumas situações horríveis. Chegou até ao ponto de ser
obrigado pela esposa do traficante a comer no chão. Foi até mesmo forçado
a ser um escravo, mas fugiu para o litoral, onde deu sinais a um navio que
passava, e que o acolheu por compaixão. Quando estava a bordo, o capitão
descobriu que ele entendia de navegação e puseram-no como imediato do
navio.
Para mostrar como Newton era irresponsável, devo acrescentar que ele
roubou o estoque de rum, distribuiu-o a todos os companheiros e, na bebe­
deira, caiu no mar. Um marinheiro o apanhou com o arpão e o puxou para
o convés. Daquela arpoada ele ficou com uma cicatriz do tamanho de um
punho, mas ainda não sentiu Deus operando em sua vida. Porém, naquela
mesma viagem, quando se aproximavam da costa da Escócia, uma tempesta­
de violenta apanhou o navio. Ele teve que manejar as bombas junto com os
marinheiros, para evitar o naufrágio. Trabalhando nas bombas, foi domi­
nado pelo medo da morte. Foi nessa crise que começou a recordar os versí­
culos que havia memorizado antes dos seis anos de idade. Ao repetir essas
Escrituras, Deus lhe falou ao coração, e ele se converteu de forma mara­
vilhosa. Não só se converteu, como também tornou-se um pregador pode­
roso e compositor de hinos. Foi ele quem escreveu o hino tão apreciado,
“Amazing Grace” (“Maravilhosa Graça”). Quando o fez, ele já sabia que, du­
rante toda sua vida, e através de todas as circunstâncias pelas quais tinha
passado, Deus o tivera em Sua mão. É maravilhoso o Senhor converter um
homem como Newton. E com a mesma alegria Deus vai salvá-lo se você
assim lhe pedir.
Oração: Pai celestial, tu conheces as necessidades de nossos corações.
São profundas. Contudo, sabemos que és Deus maravilhoso, e que não nos
deixará para sempre em nosso caminho de pecado. Agradecemos-Te pela vi­
da de John Newton. Muito obrigado pela maneira como o salvaste e o inspi-
raste a escrever hinos maravilhosos. Louvamos o Teu nome pela segurança
que podemos ter, quando tantos neste mundo estão cheios de dúvidas, e não
conseguem encontrar algo certo para esta vida e muito menos para o futuro.
Por causa dos sinais de Tua graça operante, podemos saber que nossos no­
mes estão escritos no Livro da Vida do Cordeiro. Pai, que todos os Teus
possam ter essa segurança de conhecer-Te realmente. E se têm dúvidas, se
lhes falta segurança, que possam chegar-se a Cristo humildemente, receben-
do-0 como Senhor e Salvador. Muito obrigado, Senhor. Em nome de
Jesus. Amém.
Filipenses 1:9-11
9 - E também faço esta oração: que o vosso amor aumente
mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção, 10 —pa­
ra aprovardes as cousas excelentes e serdes sinceros e inculpáveis
para o dia de Cristo, 11 — cheios do fruto de justiça, o qual è
mediante Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus.
Oração: Senhor, chegamos novamente à Tua presença, recordando a
promessa que deste aos discípulos, de que o Espírito Santo os conduziria a
toda a verdade. Pai eterno, as palavras que queremos ler na Tua presença
agora são “em tudo verdade”. Rogamos-Te que nos ensines as verdades so­
bre a oração que ainda não descobrimos, ou que talvez não estejamos colo­
cando em prática, pois é em nome de Jesus que nos aproximamos de Ti.
Amém.

Introdução
Poucas pessoas tiveram o privilégio que eu tive, de crescer num lar cuja
primeira lembrança é a de mamãe ajoelhada junto à sua cama. Nunca vou es­
quecer o seu vulto ajoelhado, embora eu não tivesse mais de quatro anos de
idade quando a cena me impressionou pela primeira vez. Durante várias
ocasiões, em silêncio, intercedendo por nós, os filhos, e pela igreja da Bolí­
via, minha mãe criava em volta de si uma atmosfera sagrada. Não havia a luz
de uma auréola, nenhuma halo, mas nós crianças sempre passávamos quie-
tinhos quando mamãe orava. Foi uma experiência que se repetiu todos os
dias, um privilégio que teve realmente um papel importante na formação de
meus primeiros ideais com respeito à oração. Embora ela intercedesse muito
silenciosamente, sabíamos o que ela estava pedindo. Nós crianças estávamos
no topo da lista. Sabíamos quais os principais assuntos das suas orações por­
que a nossa família sempre se reunia para orar antes do café da manhã. As
orações de meus pais eram muito longas para um garotinho: eu já acordava
com fome, e o culto doméstico atrasava o café. Dr. Donald Barnhouse (pas­
tor da Filadélfia, mundialmente conhecido, já falecido) costumava dizer:
“Sem Bíblia não há café!” Nossos pais se mantiveram firmes naquele moto,
que incluía também a oração.
Paulo também aprovava essa espécie de piedade cristã. Orava incessan­
temente. Exortou os leitores de sua carta em Tessalônica a que orassem sem
cessar (1 Ts 5:17). Mas Paulo não estava tão sintonizado com o céu a ponto
de supor que os cristãos que liam suas epístolas soubessem automaticamente
o que pedir a Deus. Embora já tivesse escrito que estava “sempre fazendo
súplicas por eles”... “em todas as minhas orações” (v. 4), o apóstolo ocupa
algumas preciosas linhas desta “carta de agradecimento” para contar aos fili­
penses como é que orava, a fim de ensinar-lhes (e a nós) como se deve orar.
E não se esquece de encorajá-los, dando-lhes uma lista dos resultados da
oração fervorosa que pede a Deus um abundante e crescente amor.
O Professor Stewart, da Universidade de Edinburgo, na Escócia, agora
aposentado, dizia sempre que as orações das cartas de Paulo, particularmen­
te as de Filipenses, Efésios e Colossenses, foram o ponto alto de sua corres­
pondência. Portanto, veja hoje, que petição os filipenses deviam fazer. De­
dique alguns instantes para oferecer esta oração com toda a sinceridade.
Você vai descobrir um novo nível de benção impregnando sua vida, visto
que o próprio Senhor Jesus garante que se você pedir alguma coisa em Seu
nome, segundo a Sua vontade, Ele o ouvirá (Jo 14:13,14; 1 Jo 5:14).
Observe que neste parágrafo a oração de Paulo é a continuação de sua
ação de graças. Assim, ele aponta um fato importante sobre a oração, sem
ensiná-lo declaradamente.
A primeira verdade encontra-se no v.6: “Estou plenamente certo de
que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao dia de
Cristo Jesus” . Desta certeza apostólica seria possível concluir que você não
precisa fazer nada além de render-se passivamente, porque Deus faz toda a
parte ativa. Você poderia relaxar, dormir, descansar, em vez de orar. E nem
precisaria voltar à igreja à noite. Você poderia ir para o Guarujá ou Copaca­
bana, apreciar a praia e as ondas, porque Deus que começou a boa obra em
você, prometeu completá-la. Não haveria necessidade de você se preocupar
com a comunhão e o culto da igreja, nem com a leitura da Bíblia e a oração
pelas crianças, vizinhos ou mundo, nem tampouco com o seu testemunho.
Muito facilmente e com grande prazer poderíamos concluir: “já que Deus
promete que vai estar operando, e Ele é mais poderoso do que quaisquer de
nossas orações fracas e cheias de dúvidas; é só deixar que ele faça tudo!”
Isso, porém, é bem diferente daquilo que Paulo pensou ou ensinou. À me­
dida que você lê a oração dele, percebe claramente que o próprio Paulo es­
tá envolvido e profundamente empenhado numa cooperação espiritual com
Deus. De fato, Paulo afirma que Deus nos manda participar ativamente em
sua obra: “Desenvolvam a sua salvação com temor e tremor” (2:12).
A oração pode ser considerada um trabalho, até mesmo uma luta
(Cl 1:29: 2:1). Deus está fazendo a Sua obra, mas a oração envolve aquele
que intercede na operação de Deus (cf. 1 Co 3:9). Mas, e se eu não pedir a
Deus que intervenha? Ele vai parar de operar? Paulo não responde tão clara­
mente a esta questão complexa como Tiago o faz (Tg 4:2). Visto que Deus
não ordena, clara e insistentemente, que oremos, não é necessário fazer es­
peculações sobre a razão pela qual ele exige que Seus filhos orem. Isto expli­
ca porque Paulo podia exigir de si o máximo esforço em prosseguir para o alvo
e prêmio de sua soberana vocação, ou alto chamado, por um lado, ao mesmo
tempo em que mostra tolerância para com aqueles que têm atitude diferen­
te, preferindo esperar que Deus lhe revele quais são as suas exigências
(3:13-15).
Vejamos agora o incentivo que levava Paulo a interceder pelos fili­
penses, no v.8. Ele ansiava de tal maneira (epipothõ) ver a igreja e confrater­
nizar com eles, que descreve seu afeto como localizado nos “intestinos”
(splagchnoi) de Cristo Jesus. Foi a maneira grega primitiva de expressar
como estava emocionado no seu desejo de visitar os filipenses, seus amados
filhos na fé. De fato, um pastor que ama profundamente cada membro da
sua igreja, achará que orar por eles não é tarefa difícil, pelo contrário, é um
prazer.

Um Pedido pelo Amor Crescente


Agora examinemos esta oração. Pelo que Paulo ora? Primeiro, ele roga
que Deus conceda aos filipenses um amor que aumente mais e mais (v.9).
Amor para com Deus e o próximo nunca chega a um ponto em que o cristão
pode descansar e dizer: “Bem, agora eu amo tão fervorosamente como sou
mandado amar! Esse amor agape que Deus exige de mim já é completamente
meu”. Paulo pode ter sentido que os filipenses eram as pessoas mais queridas
que ele conhecia. Ele os amava tanto que o seu amor por eles parecia o amor
de uma mãe por seus filhos (v.8): “Tenho por vocês um afeto e saudades tão
fortes que me emociono por dentro, nas próprias vísceras!” Mas isso não
significa que Paulo tinha alcançado o amor perfeito, ou que seu amor não
podia crescer mais ainda. Ele não estava tão influenciado pelo seu amor para
com a igreja de Filipos a ponto de concluir que eles não pudessem amar mais
intensamente do que quando mandaram o dinheiro tão oportuno para o
apóstolo aprisionado.
Você também é pessoa amorosa, mesmo que não seja possível medir
seu amor por nenhum sistema. O amor não pode ser medido de maneira ma­
temática concreta. Por ser dinâmico e relacionai, o amor cresce à medida em
que é testado. Os pais que mais amam seus filhos são aqueles que mais sofre­
ram por causa dos filhos. Talvez um filho de uma certa família possua algum
problema mais grave, de ordem física ou mental: pois é por aquela criança
que o pai e a mãe estão mais dispostos a se sacrificar, a fim de lhe propor­
cionar alguma coisa. Os pais que têm um filho mongolóide aman-no além do
normal, indizivelmente. Seu amor foi muito provado e, em conseqüência,
transborda por aquela criança. Paulo está orando por um amor assim, trans-
bordante, que excede os limites normais da experiência, um amor que é mais
característico de Deus do que do homem egocêntrico. Tal amor é um dom
do Espírito de Deus que habita no crente (Rm 5:5, cf. G1 5:22) e, conse­
qüentemente, deve surgir em nossos corações como resposta à oração
(cf. Lc 11:13).
Essa súplica por um amor que cresça e transborde sem limites é o úni­
co pedido específico desta oração (w. 9-11). Tudo o mais que é mencionado
na passagem são conseqüências. Será que você está orando por alguém, ou —
o que pode ser mais significativo —alguém estaria orando por você, rogando
a Deus que seu amor continue a crescer e transbordar sempre? Talvez Paulo
peça a Deus esse amor agape, crescente e dinâmico, porque sabe que um
amor que não transborda, inevitavelmente se volta para dentro e se torna
egoísta. Limitar nosso amor àqueles que vão nos retribuir a dívida é o opos­
to do amor generoso e sacrificial pelo qual Paulo orou. Este é como leite
derramado, irrecuperável, dado sacrifícialmente, sem preocupação de recom­
pensa. Até o fim da sua vida, ou até que Cristo volte, esse amor como o de
Cristo deve transbordar mais e mais. Na forma mais simples, essa oração pe­
de a Deus um crescimento diário na habilidade e no anseio de amar de cada
cristão, até o dia da formatura, quando todos passamos desta vida à outra
através da morte ou da transformação miraculosa efetuada pela volta de
Cristo (cf. 3:21).
O v. 10 (parte final) focaliza nossa atenção nesse fim, porque o amor
crescente terá o propósito de tomar os filipenses puros e imaculados, prontos
para o Dia de Cristo. Quando Jesus Cristo voltar/ele irá examinar os crentes
quanto à perfeição atingida em matéria de amor crescente e transbordante
para com os irmãos e para com Deus. É crucial reconhecer se seu amor cres­
ce dia a dia. Ou será que ele tem diminuído, como o primeiro amor da igreja
de Éfeso (Ap 2:4)?
Esse amor não é sentimental, não é verbal, mas é prático, encontra
expressões concretas através de ações. Certamente, desejamos que essa espé­
cie de amor transborde em nós, mas quem sabe não temos confiança de que
é possível receber um amor tão extraordinário assim, simplesmente pedindo
a Deus. Paulo nos dá algumas dicas importantes sobre como ganhar esse
amor abundante em resposta à oração. Se alguém está orando por você
desta maneira (talvez seja esposa, marido, pai, um filho ou um membro inte­
ressado da igreja), de tal forma que a oração dele se une à sua, espere ver
mudanças na intensidade de seu amor. Como se uma poça parada e mal chei­
rosa se transformasse em uma corrente de águas cristalinas, o amor narcisista
pode ser transformado em amor semelhante ao de Deus, que o motivou a
dar Seu Filho para nos salvar (Jo 3:16).

Os Dois Elementos do Amor


Paulo prossegue no v.9, dizendo que duas características são importan­
tes nesse amor transbordante. Se omitimos esses elementos básicos, o amor
não cresce muito e não transborda. Esses dois elementos são descritos pelas
palavras “conhecimento” e “percepção”.
O primeiro termo representa a palavra grega epignõsis, que se encontra
no Novo Testamento umas vinte vezes. Normalmente usado para designar o
conhecimento de Deus e da verdade, ou conhecimento da Bíblia e de Jesus
Cristo, refere-se à esfera espiritual.
Ora, não me sinto bem quando divido o conhecimento humano em
duas categorias, mas a esta altura pode ser proveitoso fazer isso. Possuímos
dois tipos de conhecimento.
O primeiro é o conhecimento humano, secular, orientado ao nosso vi­
ver desta terra. Quando uma pessoa realmente sabe bastante, pode ser for­
mada em faculdade, ou até mesmo se tomar professor, com nível de mestra­
do ou doutorado. No contexto da vida, mostra quanto sabe pelo seu su­
cesso. Sabe equilibrar as coisas, como planejar, como tratar as pessoas de
modo que estas o tratem bem. Conhece a lei, e sabe como evitar as penali­
dades impostas àqueles que deixam de cumpri-la (ver Lc 16:1-11). Elaé re­
putada como uma pessoa bem ajustada e entendida. Para fins dessa expla­
nação, classificaremos essa categoria de escolhas capazes como gnõsis,
“conhecimento” .
Mas é diferente o sentido do termo “Conhecimento” (epignõsis) que é
usado no Novo Testamento. Esta palavra se refere à realidade espiritual. Tal
conhecer ultrapassa o saber do dia-a-dia, atingindo a esfera espiritual, o que
é comparável à ultrapassagem da barreira do som. As atitudes e os valores da
vida que chamamos de “secular” são transformados pelo relacionamento
com Deus e Seu povo através do Espírito. Não que o Espírito seja realmente
dissociado do psiquê ou da alma humana em qualquer sentido claro, defini­
do. Quando o crente ultrapassa a barreira, indo ao conhecimento dos valores
espirituais, isso o faz perceber a realidade de uma forma que o homem secu­
lar não vê. Paulo aqui dá ênfase à idéia de que, sem esta espécie de conheci­
mento, o amor sacrificial não cresce — nem o amor por Deus, nem o amor
pelo homem. O amor agape deve ter raízes no conhecimnto adquirido dire­
tamente através da revelação e percepção do Espírito Santo.
Em Ef 1:17, Paulo ora pelos cristãos de Éfeso na Ásia: que “Deus... o
Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno
conhecimento (epignõsei) dele. “Este uso que Paulo faz da mesma palavra
esclarece que é o Espírito Santo que nos capacita a ultrapassar a barreira do
conhecimento do mundo secular, e nos faz penetrar tal ciência. Nela alcan­
çamos e experimentamos a presença de Deus. O Espírito Santo não trabalha
à parte das Escrituras. Deus emprega a Bíblia para guiá-lo, quem sabe en­
quanto você ouve a explicação do seu sentido, ou enquanto a lê na hora de-
vocional de manhã. E assim, o solo que proporciona as condições para o
amor crescer e transbordar tem sua origem na oração, uma Palavra de Deus,
e produz a comunhão com Deus, que por sua vez encaminha o amor trans­
bordante para com Deus e Sua igreja.
Uma segunda palavra que Paulo liga ao “entendimento” do v.9 é a pa­
lavra “percepção”. Transmite o sentido do original aisthesis. Uma pessoa
que tem percepção tem o dom que muitas vezes é atribuído às mulheres
com o nome de “intuição”. O homem pode trabalhar intensamente durante
horas inteiras, lidando com os prós e contras de uma decisão importante.
Talvez escreva todos os números, a lista de vantagens e desvantagens, ten­
tando arrazoar e chegar à melhor solução de um problema. Muitas vezes,
consulta os colegas executivos para que o ajudem a ponderar as conseqüên­
cias favoráveis e desfavoráveis de sua opção. Depois vai para casa, pergunta à
esposa qual a opinião dela, e fica admirado ao descobrir que seu conselho
está de acordo com a conclusão estudada dele.
A intuição adianta o processo, sendo resultado da'percepção. Por
maior que seja a lógica ou a sua racionalidade, não dá ao homem a verdade
espiritual. Esta precisa resultar de uma revelação por parte de Deus e de uma
percepção por parte do homem. A teoria ou a teologia se transforma em rea­
lidade e estilo de vida cristão. A palavra de Paulo, “percepção” ou “discer­
nimento”, trata especificamente de um juízo que é tanto moral como espi­
ritual. As Escrituras não fazem distinção entre as esferas moral, ética e espi­
ritual, no que diz respeito à prática. Sendo assim, portanto, viver com “per­
cepção” e conhecimento significa agradar a Deus.
Podemos ilustrar esse termo na vida pública-terrena de Jesus. Muitas e
muitas vezes, Ele foi pressionado em situações onde tinha que fazer escolhas.
Suas decisões eram importantes porque milhares de pessoas ouviam Suas ins­
truções. Não podia, pois, ensinar uma coisa na teoria e fazer outra diferente
na prática. Seu modo de escolher, repetidas vezes, ofendia as pessoas religio­
sas mais respeitadas, o que não o tomava popular. O que ele percebia e de­
clarava com franqueza contrariava a opinião da maioria da época. Ele favore­
cia os humildes, os fracos, os pobres e necessitados, em vez dos fariseus or­
gulhosos que eram admirados (cf. Jo 5:44). No caso dos judeus, que conhe­
ciam minuciosamente a Bíblia, mas não tinham o Espírito, exaltavam os va­
lores do mundo. Jesus, cheio do Espírito Santo, quando ouviu o cego Barti-
meu clamando por misericórdia, ordenou que lhe trouxessem o homem ime­
diatamente, apesar dos discípulos quererem silenciá-lo com a justificativa de
que Jesus estava ocupado demais (Mc 10:46-52). Foi esse o tipo de intuição
ou sistema dè valores que determinou as decisões de nosso Senhor. Bartimeu
era mais importante do que a multidão, os discípulos, os dignatários religio­
sos, ou uma programação prévia.
Necessitamos desesperadamente de possuir esta percepção. É um dis­
cernimento tantas vezes ausente, que explica porque nossa vida espiritual é
fria, e nosso amor parado. Onde existem águas estagnadas e temperaturas
momas, é quase certo haver mosquitos. Essas pestes não podem reprodu­
zir-se em águas correntes. Quando o amor é parado, os relacionamentos fi­
cam estragados. Em lugar do amor transbordante pelo qual Paulo ora, criam­
-se ressentimentos irritantes, concebidos no ciúme, para atrapalhar o povo
de Deus como se fossem pernilongos zunindo perto dos nossos ouvidos.
Com o conhecimento experimental de Deus e o discernimento estimulado
pelo Espírito Santo, cresce o amor, e diminui o egoísmo.
O autor de Hebreus também emprega um substantivo relacionado com
o termo “percepção” (aisthêsis) quando repreende os cristãos estagnados,
que não quiseram crescer na fé além da primeira infância. Veja o apareci­
mento divinamente inspirado dessas palavras: “Vocês já deviam ser mestres,
capazes de ensinar a Palavra de Deus, contudo têm de novo necessidade de
alguém que lhes ensine o ABC da fé cristã. Porque todo indivíduo que ainda
se alimenta de leite, não está cheio da Palavra da justiça, pois é criança. Mas
o alimento sólido é para os adultos, para os que têm as suas faculdades exer­
citadas pela prática (Hb 5:12-14). A palavra “faculdades” (aisthenia) vem da
mesma raiz grega que o termo “percepção” em Fp 1:9. Visto que aos cris­
tãos hebreus faltava “percepção”, não tinham a capacidade de discernir en­
tre o bem e o mal, ou distinguir o melhor do bom. As pessoas maduras preci­
sam tomar decisões, à luz da vontade de Deus revelada e das conseqüências
eternas. Somente a percepção espiritual produz decisões corretas. Como é
triste constatar com tanta freqüência que cristãos estão se tornando estagna­
dos, sem maturidade necessária para o discernimento dos valores espirituais.

A Conseqüência do Amor Crescente


Quando o amor de Deus cresce em nós com vitalidade, no solo do
conhecimento e da percepção, o que vai produzir? Paulo dá a resposta no
v.10. Produz “aprovação”. Essa palavra interessante também foi empregada
por Paulo na segunda carta a Timóteo. Permita-me fazer uma paráfrase:
“Quero que você seja um trabalhador “aprovado” (gr. dokimon), quando
chegar no dia de sua formatura, abrir seu diploma conferido por Deus, e ler
os elogios. Espero que você se forme com prêmios, em lugar de descobrir
que foi reprovado no dia de Jesus Cristo” (cf. 2 Tm 2:15).
Como serão emocionantes para uns e chocantes para outros, as surpre­
sas do juízo final! Muitas pessoas esperam a aprovação da formatura, porém
vão descobrir tarde demais, para sua tristeza, que o prêmio esperado não
lhes foi conferido (cf. Fp 3:14, 2 Tm 4:8). Mas podemos ter a certeza da
aprovação de Deus se somos sinceros e inculpáveis até o Dia de Cristo” , por­
que então será evidente em nós a boa obra de Deus (v. 6).
A expressão “para que vocês aprovem as coisas excelentes” (v. 10)
mostra que essa capacidade espiritual tem sua origem nas realidades do v.9.
“Aprovar” (dokimazo) significa testar e aprovar ser autêntica alguma coisa.
Mesmo em nossos dias, uma nota de papel-moeda precisa ser aprovada para
ser aceita. A alta qualidade da imitação engana os “leigos”, mas é rejeitada
pelos profissionais (veja 2:22 e a observação que Paulo faz a respeito de
Timóteo).
O Senhor Jesus empregou a palavra aqui traduzida por “excelente”
{diapherò), que se refere às coisas que precisam ser “aprovadas”, quando
procurou ensinar os discípulos a confiar em Deus, em Mt 6:26. Os lírios
do campo são de muito mais valor (“excelência”) do que o capim, todos nós
concordamos. Mas a comparação não é esta. “Vocês valem muito mais do
que os lírios!” Deus cuida dos lírios do campo; mas você vale muitas vezes
mais do que os lírios do campo, então os homens são de maior valor que
todas as flores silvestres, os cristãos amorosos irão distinguir o que realmente
tem significação duradoura daquilo que tem boa aparência na realidade, mas
imprescindivelmente destinados à fornalha (cf. 2 Co 4:18).
A capacidade e o desejo de fazer esta espécie de escolhas entre valores
e prioridades advêm de um conhecimento e perspicácia dados por Deus, mas
prenuncia também o Dia de Cristo. É claro que nada nos fará ficar enver­
gonhados, se cuidamos em escolher o caminho excelente (1 Co 13:31b).
Este versículo (10) afirma a importância de aprender a distinguir o melhor
do medíocre, “para sermos sinceros e inculpáveis” quando Cristo voltar e
estivermos todos diante do Seu tribunal (2 Co 5:10).
A palavra “sincero” tem seu significado numa prática comum do mun­
do antigo. Os potes de barro eram as vasilhas domésticas habituais, usadas na
cozinha como na sala de jantar. Uma das indústrias mais movimentadas era a
de fazer potes e pratos, porque eles se quebravam com muita freqüência.
Eram fabricados de barro queimado que, depois de muito assado e moldado
na roda do oleiro, ia para o forno. Ficavam duros e quebradiços. Quando
menino, eu olhava os oleiros fazendo potes de barro. De vez em quando,
esses potes se rachavam ou ficavam com um buraco. Em vez de jogar fora o
vaso inútil, alguns oleiros sem escrúpulos passavam um pouco de cera sobre
o buraco. Quando alguém o comprava, não percebia a rachadura a não ser
que duvidasse da qualidade do artigo. Nesse caso, bastava virá-lo para o lado
do sol. A cera, sendo apenas opaca, dava passagem à luz. Portanto, a palavra
grega significa “testado pelo sol”, enquanto que a palavra “sincera” do
nosso idioma vem do latim e quer dizer “sem cera”.
Devemos sempre fazer a pergunta para nós mesmos, e para nossos
filhos, vizinhos e amigos: somos testados pelo sol? Observe que esse amor
transbordante confirma nossa segurança de sermos um cristão aprovado, tes­
tado pelo sol, no Dia do Juízo Final.
O v.6 expressa a certeza de Paulo de que Deus há de completar a obra
da salvação que ele principiou. Agora a oração do apóstolo proclama que a
confiança de ser aprovado vem da prova do amor crescente, radicado no
conhecimento e percepção. À “sinceridade”, Paulo (que gostava de usar
dois termos paralelos) acrescenta “inculpáveis”. É a palavra que ele usou
quando se defendia perante os acusadores judeus, incluindo o Governador
Félix de Cesaréia: “Tenho vivido sem ofensa durante toda a vida. Minha
consciência está limpa” (cf. At 24:16). Ora, pode ser perigoso afirmar isso se
a consciência é meramente sua. Muitas de nossas consciências não nos estão
acusando, o que só serve para provar que não estão muito sensíveis ou bem
instruídas. Podemos ser muito bons em auto-defesa, justificando qualquer
falha ou pecado de qualquer acusação interna do coração. É mais impor­
tante estar sem acusação na vida e na conduta, para que nenhum acusador
tenha quaisquer provas contra você, mesmo depois de examinar a fundo a
sua vida.
Como exemplo, vejamos um contador. Ele tem um serviço interessan­
te, porque o cômputo de impostos revela muito sobre a consciência secreta
de seus clientes. Eles sabem quanto deviam pagar de impostos, mas resolvem
que não, porque não há forma de um acusador provar a violação da lei. Sua
consciência não os preocupa, visto que eles racionalizam que o governo des­
perdiça vastas quantias de dinheiro. Mas o problema é como eles vão se sen­
tir quando uma auditoria for feita por alguém que possui todas as provas
para condená-lo.
Paulo aguarda o dia do exame para o qual ninguém pode lhe trazer
nenhuma preocupação, mesmo sendo examinados os registros oficiais e to­
dos os documentos secretos. Para receber um veredito de isenção de culpa
naquele dia, precisamos agora de consciência pura e sinceridade completa.
As duas qualidades — “testado pelo sol” e “inacusável” (inculpável) no Dia
de Jesus Cristo — resultam de se ter percepção e conhecimento, aliados ao
amor transbordante.

O Fruto da Justiça
Finalmente, vejamos o versículo 11. Está aqui o tema desta mensa­
gem, e a sua conclusão. “Cheios do fruto de justiça, que vem através de
Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus”. Estamos acostumados com o
fruto (singular, não plural) do Espírito, que é o amor. O amor possui todos
os atributos de “alegria, paz, paciência, bondade, misericórdia, fidelidade,
mansidão, domínio próprio” (G1 5:22, 23), como se fossem expressões va­
riadas desse amor. O fruto de justiça certamente será o mesmo. Assim como
o fruto de Gálatas 5 é produzido pelo Espírito que habita no interior, o fru­
to da justiça é produzido pela vida de Jesus atuante em nós. A oração que
pede muito àmor, firmado em conhecimento e percepção, irá produzir a
capacidade de se distinguir o que há de melhor, a fim de sermos puros e in­
culpáveis no Dia do Juízo Final. Mas esta vida, que se torna cheia do fruto
da justiça, vem por Cristo Jesus.
Lourenço da Arábia certa vez levou alguns de seus amigos árabes a Pa­
ris. Queria mostrar-lhes a cidade e impressioná-los. Foi há tempos, antes que
os xeques árabes possuíssem rios de dinheiro pelas vendas de petróleo. Não
conheciam bem as atrações e comodidades modernas, por isso ele queria
dar-lhes este prazer. A Torre Eifell, os lindos edifícios e pontes, o Arco do
Triunfo, nada disso os deixou atônitos. Muitas vezes, desejamos ver os turis­
tas interessados, mas nossos visitantes só querem voltar para o hotel, e era
isso o que acontecia com aqueles amigos. Isso porque o que os deixou real­
mente admirados foi a água corrente. Para ter água éra só abrir a torneira.
Ali no seu hotel é que estava a maior maravilha do mundo. Os árabes
abriam e fechavam a torneira extasiados diante do milagre da água a jorrar
da parede. Um dia antes de voltarem para a Arábia, Lourenço ouviu uns sons
estranhos no banheiro. Investigando, encontrou os amigos ali com uma cha­
ve inglesa, tentando desenroscar aquela torneira. Quando indagou o que fa­
ziam, responderam: “Já vimos muita coisa maravilhosa em Paris, mas nada
que se compare com essa torneira. É só abrir, sai água. Queríamos levar essa
invenção tão importante para a Arábia”. Lourenço teve de convencê-los de
uma verdade muito importante. Levar uma torneira para a Arábia e en­
terrá-la em uma parede não produziria água nenhuma. Não percebiam que
havia um cano e todo um sistema hidráulico para suprir a água desejada. Se
os seus amigos têm o amor que transborda em fruto de justiça, baseado em
sua ligação vital com Jesus Cristo, e as outras realidades alistadas por Paulo
em sua oração, isso deve animá-lo a procurar que Deus faça o mesmo por
você. Mas se você tenta produzir o fruto da justiça por seus próprios esfor­
ços, terá tão pouco êxito quanto os amigos de Lourenço ao tentar produzir
a água, sem cano e sem fonte.

Conclusão
Paulo quer fazer-nos entender que, no final, Deus será louvado e glori-
ficado pela resposta a essa oração. Seja qual for o resultado produzido por
Cristo em nós em termos de vida justa, inevitavelmente, Deus será honrado e
exaltado. Bondade produzida humanamente glorifica o homem (cf. Jo 5:44).,
mas logo que descobrimos que dentro de nós “nenhum bem habita”, somos
forçados a dirigir-nos ao nosso Senhor em busca dessa justiça miraculosa
que reflete o louvor e glória de Deus (v. 1 lb). Duvido que muitas orações
tenham esta meta. É freqüente orarmos implorando alívio de aflições e do­
res, ou o suprimento daquilo que supomos necessitar e desejar. Quando so­
mos conscientizados para orar como Paulo orou, podemos aguardar a conse­
qüência, maravilhosamente apresentada nesta curta passagem de Filipenses,
além de experimentar a verdade de que Deus tem prazer em dar-nos as coisas
que desejamos, mas não pedimos (Mt 6:33),
Oração: Pai, Tu conheces a profundidade de nossas necessidades
pessoais. Sabes como estamos ressequidos, estagnados, incapazes de produzir
qualquer porção de teu amor agapê; e sabes ainda, como é impossível para
nós ultrapassarmos a barreira do som de nossos conhecimentos terreais. Po­
de ser que tenhamos dominado um pouco da sabedoria deste mundo, mas
ela é tão desligada da ciência e percepção espirituais que possibilitam o amor
abundante! Ô Pai, Tu nos amas tanto, e nós Te rogamos que, por Jesus
Cristo, Tu nos faças todos aprovados por Ti, dando-nos aquela capacidade
de selecionar as prioridades verdadeiras. E através de tudo isso, pedimos, por
Jesus Cristo, que nosso Senhor seja exaltado e engrandecido. Amém.
A FILOSOFIA DE VIDA DO CRISTÃO
Filipenses 1:12-26
12 - Quero ainda, irmãos, cientificar-vos de que as cousas
que me aconteceram têm antes contribuído para o progresso
do evangelho; 13 — de maneira que as minhas cadeias, em Cris­
to, se tomaram conhecidas de toda a guarda pretoriana e de
todos os demais; 14 - e a maioria dos irmãos, estimulados no
Senhor por minhas algemas, ousam falar com mais desassom-
bro a palavra de Deus. 15 —Alguns efetivamente proclamam a
Cristo por inveja e porfia; outros, porém, o fazem de boa von­
tade; 16 - estes, por amor, sabendo que estou incumbido da
defesa do evangelho; 17 - aqueles, contudo, pregam a Cristo,
por discórdia, insinceramente, julgando suscitar tribulação às
minhas cadeias. 18 - Todavia, que importa? Uma vez que Cris­
to, de qualquer modo, está sendo pregado, quer por pretexto,
quer por verdade, também com isto me regozijo, sim, sempre
me regozijarei. 19 - Porque estou certo de que isto mesmo,
pela vossa súplica e pela provisão do Espirito de Jesus Cristo,
me redundará em libertação, 20 - segundo a minha ardente
expectativa e esperança de que em nada serei envergonhado;
antes, com tôda a ousadia, como sempre, também agora, será
Cristo engrandecido no meu corpo, quer pela vida, quer pela
morte. 21 - Porquanto, para mim o viver é Cristo, e o morrer
é lucro. 22 - Entretanto, se o viver na carne traz fruto para o
meu trabalho, já não sei o que hei de escolher. 23 - Ora, de
um e outro lado estou constrangido, tendo o desejo de par­
tir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor.
24 - Mas, por vossa causa, é mais necessário permanecer na
carne. 25 — E, convencido disto, estou certo de que ficarei, e
permanecerei com todos vós, para o vosso progresso e gozo da
fé. 26 - A fim de que aumente, quanto a mim, o motivo de
vos gloriardes em Cristo Jesus, pela minha presença de novo
convosco.
Introdução
Uma biografia, para valer a pena, tem de contar mais do que os sim­
ples fatos da vida de uma pessoa. Lendo Filipenses, capítulo 1, versos 12a
26, é preciso compreender que há mais do que meros fatos naquilo que o
apóstolo conta. Nestes versículos vemos, primeiramente, atitudes, um modo
de ver, uma maneira de avaliar as circunstâncias e as pessoas.
Confiamos no Pai, autor dessas palavras preciosas, para que ele faça
brilhar em nossos corações a glória de uma vida que lhe foi totalmente dedi­
cada, a fim de podermos imitar este seu servo, Paulo, compreendendo como
tornar nossas as suas atitudes e o seu modo de pensar. Que Deus desafie a
nossa vontade enquanto estudamos a Palavra e abrimos os corações ao mi­
nistério do Espírito.
Os versículos 1 a 11 que já examinamos, revelam como Paulo agrade­
cia e orava a Deus pelos cristãos de Filipos. Os versículos 12-26, no entanto,
são seu testemunho pessoal. Aqui, vemos Paulo erguendo os olhos para o
mundo ao redor, para seu passado, seu presente e seu futuro. Ele os examina
de um certo ponto de vista.
A avaliação correta da vida e até mesmo a pessoa que somos, não de­
pende do que nos aconteceu durante a vida, nem de onde temos morado.
Depende basicamente da atitude com que encaramos a nossa vida - nosso
passado, presente e futuro. Creio que foi Elton Trueblood quem disse: “Es­
tou plenamente convencido de que a humanidade não mudou nem um til. O
que tem mudado, naturalmente, são as circunstâncias que lhe cercam a vida.
Mas o homem é o mesmo. Reage de modo igual; pensa de modo igual; dadas
as mesmas oportunidades, deseja de modo igual; há de cobiçar as mesmas
coisas, como sempre fez”.
Acredito que seja uma observação perspicaz e verdadeira. Paulo não só
nos conta aqui quais eram as circunstâncias em que se achava, mas também
nos mostra como uma pessoa age e reage, uma vez que colocou Cristo no
centro absoluto de sua vida. E. Stanley Jones denominou-o de “hipótese
central de sua vida”. Se você faz com que Cristo seja o eixo giratório, o vér­
tice de tudo — a pessoa para quem todos os aspectos de sua vida são volta­
dos, o alvo a quem todos os minutos de sua vida consciente apontam, então
as conseqüências, inevitavelmente, aparecerão em sua vida e atitudes, como
aconteceu com Paulo. Comecemos por um exame das perspectivas múlti­
plas com que Paulo enxergava suas circunstâncias e adversários.

Paulo Avaliava os seus Sofrimentos Positivamente


Primeiramente, vejamos com Paulo o seu passado. Nos versículos 12 e
13 encontramos o apóstolo dizendo: “Quero que percebam que o sofrimen­
to pelo que passei, o meu sofrimento pessoal, não é nada que deva nos en­
tristecer Ou desanimar”. A prisão e as aflições que sofreu não o fizeram sen­
tir que devia reclamar bem alto e esperar que os outros tivessem pena dele
pelos maus-tratos que recebera. Sabemos como podemos nos sentir quando
alguém nos trata com injustiça. Acho que Paulo poderia muito bem ter-se
considerado a pessoa mais injustiçada de todo o mundo. Era um homem que
não tinha feito nenhum mal, que dedicara sua vida somente para servir os
outros. Entretanto, estava confinado sob acusação falsa. Por inveja e ódio
diabólicos, planos foram arquitetados para se livrarem dele; de fato, mais de
quarenta homens chegaram a jurar que se não o pudessem matar, comete­
riam o suicídio com greve de fome (At 23:12-21). Tal foi a intensidade do
ódio dirigido contra a sua pessoa. Estivera preso por dois anos em Cesaréia
(aceitando que Filipenses foi escrito de Roma), pelo simples motivo de que
ninguém aparecera com dinheiro suficiente para subornar o governador a
fim de que o soltasse.
O tratamento injusto do passado continuava no presente. Paulo ainda
estava preso em Roma porque tinha apelado para César. Mais dois anos se
passariam antes que fosse solto, durante os quais Paulo pagaria o aluguel da
casa que lhe servia de prisão, acorrentado dia e noite a um guarda pretoria-
no. Contudo, com o tempo ficou provado que todas essas coisas que lhe
aconteceram no passado, mesmo os naufrágios, visavam o bem. Vamos para
2 Co 11, por um momento, onde se pode ver uma série de experiências às
quais Paulo tinha sobrevivido nos versículos 23 a 28. Diz ele: “Falo como
louco (como fora de mim) — muito mais trabalhamos, muito mais apri-
sionamentos, com incontáveis açoites (Paulo diz: “Já esqueci quantas vezes
fui açoitado, todas as cicatrizes praticamente se uniram”), muitas vezes em
perigos de morte. Cinco vezes recebi das mãos dos judeus os “quarenta açoi­
tes menos um” (sempre menos um, para que a pessoa não morresse, pois
nenhum judeu queria ser julgado diante de Deus pela morte da pessoa fusti­
gada). Três vezes apanhei de vara (referindo-se ao modo como os romanos
açoitavam); uma vez fui apedrejado. Três vezes sofri naufrágio; uma noite e
um dia fiquei à deriva no mar; em viagens muitas vezes, em perigos de rios,
em perigos de ladrões e salteadores (tudo, diz Paulo, contribuiu para o
bem)”.
Para esclarecer: se você tem o ponto de vista de Paulo sobre o que lhe
acontece na vida, você já avançou bastante na estrada da maturidade cristã
ou santificação. A santidade não é aquele ideal religioso elevado, pelo qual a
pessoa se torna um religioso solitário fanático ou um eremita que passa o
tempo todo num cubículo, com as mãos cruzadas e as costas cada vez mais
curvadas num arco santificado. Isso pode ter muito pouco a ver com a santi­
dade que pode ser descrita como um ponto de vista, uma maneira cristã
(de Cristo) de avaliar o que está acontecendo com você.
Nas palavras de Rm 8:28, Paulo escreveu o conhecido “Biotônico Fon­
toura” do crente, como podemos denominá-lo. O crente tem a Palavra in­
violável e eterna de Deus para assegurar-lhe que, se realmente ama a Deus e
foi chamado para compartilhar de seu divino propósito, só o bem poderá re­
sultar de todas as circunstâncias exteriores que afetam a sua vida. É se­
melhante ao que Isaías diz: “Mas agora, ó Senhor, tu és nosso Pai, nós somos
o barro, e tu o nosso oleiro; e todos nós obra das tuas mãos” (Is 64:8). À
medida que Paulo observava seu mundo e experimentava tudo que lhe acon­
tecia, reconheceu o maravilhoso trabalho do oleiro que formava e moldava a
massa flexível e receptiva do seu coração. Ele se regozijava então nos seus
sofrimentos (Cl 1:24), reagindo sempre com atitude de aceitação positiva e
nunca com amargura ou auto-piedade com relação àquilo que Deus estava fa­
zendo em sua vida.
Olhemos agora, mais uma vez, para o versículo 12: “As coisas que me
acontecem têm antes contribuído para o progresso do evangelho” . Paulo
não disse que gostou de suas circunstâncias. Não estava dizendo: “Eu estou
completamente louco e por isso gosto desses acontecimentos dolorosos,
ruins, pois minha mente não está funcionando bem.” Porém, o que Paulo
afirmou foi o seguinte: “Eu avalio as coisas más que têm acontecido em
minha vida em termos de como elas contribuem para o bem superior, o que
realmente faz valer a pena e torna o investimento compensador. Esse bem é
o progresso do evangelho”.
No original, a palavra traduzida por “progresso” é um termo militar
que retrata trabalhadores com machetes e machados abrindo caminho atra­
vés da mata, a fim de preparar a passagem para o exército. Era de máxima
importância abrir caminho para o exército avançar. Paulo estaria dizendo
assim: “Já estive ali na frente, sofrendo os ferimentos bem como a oposição
do inimigo, mas louvo a Deus porque o nosso exército está avançando —o
Evangelho tem progredido porque o caminho foi aberto. Esta palavra que
ele usa novamente um pouco adiante, fornece uma chave para compreender­
mos o entusiasmo de Paulo. No versículo 25, o “progresso” que Paulo espe­
ra ver na igreja filipense se refere ao crescimento deles na fé e na maturidade
espiritual. Aqui ele fala no “progresso do evangelho” no sentido de o evan­
gelho “se tornar conhecido em toda a guarda pretoriana” (v. 13).
Antes que a arqueologia nos informasse melhor sobre esta palavra,
pensávamos que o pretório se referisse somente ao palácio do imperador
em Roma ou do governador na capital de uma província (At 23:35; Mt
27:27). Através de algumas inscrições descobrimos agora que o pretório tam­
bém pode referir-se à guarda, que era especialmente os “olhos e ouvidos” do
imperador nas principais cidades em todo o mundo romano. É possível
mesmo que Filipenses tivesse sido escrito em Éfeso porque devem ter havido
componentes da guarda pretoriana para zelar pelos interesses do imperador
ali. Fm Roma, a guarda pretoriana se compunha de cerca de nove mil ho­
mens, escolhidos dentre a elite das tropas de todo o império. Não sò tinham
de ter o porte físico correto — altos, de ombros largos, fortes — também
tinham que ter a lealdade de coração e ser homens dignos de confiança,
mesmo sob pressão. Recebiam salário duplo, para assegurar que trabalhassem
satisfeitos. Eram responsáveis pela guarda dos prisioneiros do imperador, in­
cluindo Paulo nesta ocasião.
Imagine um guarda pretoriano sendo algemado com Paulo. Tinha que
dormir ao lado desse homem para garantir que ele não escapasse. É possível
que Paulo nem sempre dormisse bem. Imagine o guarda ter que escutar a
Paulo na escuridão silenciosa da noite. E Paulo falava sobre Jesus, outro
Senhor, outro kúrios, em lugar do imperador. Mas esse soldado pretoriano
estava lá justamente para proteger a posição ímpar e autoridade suprema da­
quele único imperador através de todo o mundo civilizado. Contudo ali esta­
va Paulo falando em outro Senhor (kúrios, no grego) cujo nome era Jesus
Cristo. Aqueles guardas militares devem ter saído de perto dele meneando a
cabeça. Devem ter considerado Paulo um obcecado, visto que ele falava so­
bre este Senhor dia e noite. Certamente, pensavam em quem seria esse Jesus,
o que lhe aconteceu, por que Paulo tinha tanta certeza da sua ressurreição.
Naturalmente teriam aguçado os ouvidos quando Paulo contava do julga­
mento e crucificação dele sob Pilatos, um governador romano. Talvez, a
princípio, nada disso lhes fizesse sentido, mas no outro dia teriam um pouco
mais clara desta vez, e assim, um por um, ouviam as boas novas do evangelho.
É possível que não haja lugar mais propício para proclamar o evangelho do
que uma prisão, o público cativo não podia escapar nem forçar o evangelista
a silenciar-se. Pobres guardas pretorianos! Se não quisessem receber a Cristo
como seu Senhor, deviam então pedir demissão da força. Sem dúvida, alguns
deles se renderam ao kúrios de Paulo.
Além disso, veja o final de Filipenses, onde o texto diz: “Todos os san­
tos vos saúdam, especialmente os da casa de César” (4:22). Paulo estava se
referindo ao lugar onde estava preso, onde tinha tido o privilégio de procla­
mar o evangelho e ver o seu progresso entre aqueles que estavam algemados
com ele, aqui descritos como sendo da casa do imperador.
Notemos que as algemas a que Paulo se refere são suas “cadeias, em
Cristo, que se tomaram conhecidas de toda a guarda pretoriana e de todos
os demais” — as cadeias são em Cristo e sua prisão é por Cristo, e esta é uma
segunda conseqüência dos sofrimentos de Paulo que ele considera positiva­
mente. Não só os guardas pretorianos aprendiam sobre Jesus e sobre o evan­
gelho, como também, ele acrescenta, “todos os demais” : as outras pessoas
também ficavam sabendo disso. O povo em geral não estava separado dos
guardas. Os escravos e a população da cidade estavam logo discutindo sobre
Paulo e suas “boas novas” .
A terceira conseqüência afetava os cristãos de Roma ou Éfeso, que cjo-
meçavam a falar sobre o Senhor mais ousada e livremente (v. 14). Além dos
guardas que tinham de ouvir a Paulo, além da difusão das novas pelos guar­
das e todas as pessoas da casa de César, os cristãos também começavam a dar
testemunho do amor e da graça salvadora de Deus. Você deve saber, por cer­
to, que a maioria dos cristãos não testemunha, pelo menos a maior parte do
tempo. Um membro “normal” de uma igreja não percebe que na sua vida
diária deve ser um missionário, considerando a causa missionária como sua
própria missão. Algumas poucas pessoas são assim, mas não existem muitas.
Era o que acontecia na cidade onde Paulo estava preso. Nesse aspecto, não
havia nada de realmente fora do comum que diferenciasse a igreja de Roma
ou Éfeso das nossas igrejas hoje. Muitos cristãos escolhem um método de dar
testemunho que podemos chamar “método silencioso”. Não dizem nada. Vi­
vem sua vida cristã tão calma e prazeirosamente quanto possível. E as
pessoas que vivem acima deles, as que moram em baixo ou ao lado deles no
seu prédio de apartamentos nem suspeitam que aqueles cristãos possam ser
estrangeiros, cidadãos de outro país chamado céu (cf. 1:27; 3:20). Como
poderiam saber? Entretanto, quando Paulo estava na prisão por amor ao
evangelho, correu a notícia de que esse homem era diferente; ele não conse­
guia deixar de anunciar a boa nova sobre o Salvador.
Em 1 Co 9, Paulo revela uma parte do segredo sobre a obrigação que
pesava sobre ele e o impulsionava. Ele estava sob uma maldição, um tipo es­
tranho de maldição, é lógico, porque não dá para sabermos quem a pronun­
ciava. É possível que fosse Paulo amaldiçoando a si mesmo. Ele dizia: “Ai de
mim se não pregar o evangelho” (v.16); quer dizer, que um “ai” (maldição)
o alcançaria no caso de ele deixar de falar sobre Jesus Cristo a todos com
quem estivesse em contato íntimo. Quando aqueles cristãos do primeiro sé­
culo'viam alguém sofrer pelo evangelho, a consciência de cada um começava a
apertá-lo tanto, a ponto de não conseguir ficar calado acerca de Cristo. Não
se limitavam a falar a respeito dele, mas como Paulo faz questão de frisar no
v.l4, comunicavam a Palavra de Deus ousadamente e com desassombro. An­
tes de Paulo ser preso, haviam sido derrotados pelo medo de serem presos
por promover a causa de outro Rei. Mas a experiência de Paulo na prisão
não lhes parecia assim tão má. Ele não parecia nada infeliz ou deprimido.
Uma das principais razões para temermos a prisão é, naturalmente, o medo
de ficarmos tristes e detestarmos muito o lugar. Paulo, porém, parecia pros­
perar naquela situação. Avaliava as circunstâncias de um modo tão diferente,
que os cristãos estavam chegando a conclusão: “É, não deve ser tão ruim
como eu pensava”. Então se inflamavam com o fogo ardente do amor pelo
Senhor. Em toda parte, na cidade de Roma ou Éfeso, podia-se encontrar
cristãos que estavam testemunhando sobre o Senhorio, a Soberania de Jesus
Cristo, ousadamente e com desassombro.
Se alguém fosse avaliar os eventos propriamente ditos que cercavam
o apóstolo, não compreenderia a situação. Mas como Paulo tinha uma ati­
tude que podemos chamar de positiva, otimista, missionária, isso estimulou
o surgimento desse tipo de cristianismo, primeiro na casa de César e mais
tarde através de toda a cidade.

Paulo Reagiu Diante da Oposição dos Cristãos Positivamente


Dessa consideração das circunstâncias passadas e presentes de Paulo,
com a interpretação que ele lhes dava, voltamo-nos a uma apreciação da ati­
tude de Paulo para com uma igreja dividida. Às vezes, não obstante nosso
desejo e esforço de evitá-lo, uma igreja pode dividir-se. Lendo os versículos
15 a 18 podemos observar que havia uma comunidade cristã dividida na ci­
dade onde Paulo estava preso. Ele escreve: “Alguns efetivamente proclamam
a Cristo por inveja e porfia”.
Será possível existir isso? Ali alguns cristãos não estavam pregando a
Cristo porque o amavam, mas por rivalidade, por inveja de Paulo e daqueles
que eram a seu favor. Em outras palavras, sua idéia era que pregar o evan­
gelho fazia parte de um jogo político. Provavelmente, irritavam-se com a
fama e o êxito de Paulo no piogresso do evangelho, e por isso escolhiam ser
da oposição e considerar a Paulo como rival. Se eram legalistas, certamente
criticavam o seu evangelho de salvação pela graça. Podemos reconstruir seus
pensamentos da seguinte forma: “Paulo diz que você deve receber a Jesus
Cristo sem obras e sem a necessidade de observar a lei, pois a cerimônia e o
ritual nada significam para ele. Veja o que vai acontecer ao cristianismo se as
pessoas o seguirem. Cairá por terra por falta de substância, regras e rituais
definidos”. Essas pessoas não viam nenhum problema em seguir a Cristo. Es­
tes sim, tinham acertado porque falaram favoravelmente da lei, como pode­
mos ver em Mateus, mas Paulo parecia ter-se tornado um antinomiano.
• Podemos então entender porque os adversários estavam transtornados
com a maneira em que Paulo avançava, mesmo estando na prisão. Podemos
comparar a situação de Paulo com a de uma pessoa que está contra o gover­
no, e é colocada na cadeia por isso, mas enquanto ela está lá o seu partido
cresce. Assim os críticos, os inimigos de Paulo, decidiram fazer uma cam­
panha contra ele. Ficamos admirados ao ver que o melhor modo que acha­
ram para diminuir a Paulo ou vencê-lo, foi pregar o evangelho, tentar conver­
ter mais pessoas do que Paulo convertia.
O desejo de realizar uma campanha dessa natureza veio da inveja e ri­
validade ou porfia. Há várias palavras aqui para descrever sua motivação:
“por discórdia”, “insinceramente” (v.17), “por pretexto” (v.18). Todos os
motivos que tinham p"ara pregar o evangelho estavam errados, contudo esta­
vam pregando a Cristo (v. 18).
E a reação de Paulo, qual devia ser? Muitos pregadores de hoje acon­
selhariam assim: “Paulo, se eu fosse você, acabaria com essa raça. Colocaria
uma propaganda de página inteira na Folha de Roma e contaria a todo mun­
do seus defeitos; faria propaganda de todos os seus pontos negativos; fulano
e sicrano são hereges, não acreditam no evangelho verdadeiro, pregam a
Cristo por motivos falsos”. Mas Paulo não seguiu esse caminho de modo al­
gum. Por que Paulo não os condenou como carnais? Por que não começou a
pregar contra irmãos tão sem amor, tão críticos, causadores de dissensões?
Por que não apelou à autoridade suprema de sua apostolicidade? Afinal de
contas, ele era o “papa” daquela cidade, pelo menos na ocasião, porque era
o único apóstolo presente ali, ainda que seu trono fosse provavelmente uma
velha esteira no chão da prisão. Por que não os excomungava a todos de uma
vez? Entretanto não encontramos esse tipo de espírito em Paulo, por causa
de sua atitude missionária positiva e encantadora.
Vamos parar e examinar por um minuto uma das expressões mais
admiráveis de Filipenses. Paulo, em uma passagem singular, mostTa sua ati­
tude despreocupada. Uma frase curta revela seu ponto de vista: “Todavia,
que importa?” (v. 18). “Que importa o que acham de mim contanto que
Jesus Cristo esteja sendo pregado? Eu sou feliz como um pássaro. Ficaria
contente em ter todo mundo como rival, se isso incentivasse mais pessoas a
proclamarem a boa nova de Jesus Cristo. Pensam que estão contra mim, mas
na verdade estão a meu favor. Pensam que vão salgar minhas feridas, mas
quando a questão é pregar o evangelho, eu não tenho feridas”. Uma atitude
assim só pode ser demonstrada por um cristão maduro. Quando você não se
importa com o que as pessoas pensam ou dizem sobre você, quando a opo­
sição e os insultos delas não o incomodam de maneira nenhuma, você che­
gou então a um ponto que o Dr. Hans Bürk chama de “integração” num ní­
vel tal que suas preocupações principais se focalizam em tudo menos em si
próprio.
Paulo estava imitando o exemplo de Jesus que demonstrava uma in­
tegração perfeita ao ser falsamente acusado, insultado e finalmente condena­
do (cf. 1 Pe 1:18-24). Quando as pessoas eram invejosas, críticas, insinceras,
buscando “suscitar tribulação” às suas cadeias (v. 17), isso se tornava uma
oportunidade para o apóstolo mostrar sua “moderação ” (4:5) a todos. Paulo
sabia alegrar-se voluntária e espontaneamente nas circunstâncias presentes
(“me regozijo” v. 18b) e ter certeza de que qualquer dificuldade futura não
haveria de afetar sua alegria em Cristo (“sim, sempre me regozijarei” v. 18).
E só podia mesmo regozijar-se com o fato de que o nome de Jesus estava
sendo proclamado e o evangelho apresentado.

Paulo Encarava o Futuro Positivamente


Vamos observar agora o modo como Paulo encarava o futuro.Tinha
muita confiança em relação ao futuro, embora não soubesse se Deus o per­
mitiria sobreviver à crise presente. No passado, muitas vezes fora colocado
diante da morte, e em cada uma dessas ocasiões Deus o havia resguardado.
Mas, neste trecho de Filipenses, ele abriu o coração aos leitores, revelando
seu pensamento maduro sobre a morte em si. A expressão chave de sua ava­
liação do futuro encontra-se no v.21: “Porquanto, para mim o viver é Cristo,
e o morrer é lucro”. Devemos voltar ao cap. 3 onde Paulo apresentou o
mesmo ponto de vista novamente, num testemunho bastante pessoal que se
encontra no v.8: “Perdi todas as coisas e as considero como refugo, para
ganhar a Cristo ”. Quando Paulo olhou seu futuro tão incerto, ele desconhe­
cia o número de dias ou meses de sua prisão, não sabia que sentença lhe da-
riam quando seu caso fosse julgado, mas sabia uma coisa: conhecia a Cristo.
E porque conhecia a Cristo, para ele faria muito pouca diferença o ser solto
ou decapitado, pois qualquer dos dois caminhos iria manter sua “hipótese
central”, que era a comunhão contínua com seu amado Senhor. Continuaria
uma pessoa bem realizada e alegre, acontecesse o que acontecesse, pois é
assim que se deve enfrentar o futuro. Quando a pessoa tem sua confiança to­
tal no Deus onipotente, nada de ruim pode sobrevir, porque os eventos e as
circunstâncias são controlados por Ele. Só haviam duas opções, e qualquer de­
las que Deus escolhesse para Paulo tinha que ser a melhor.
Vamos fazer agora uma paráfrase do versículo 19: “Regozijo-me —es­
tou feliz da vida mesmo nessa prisão. Primeiramente sei que suas orações vão
trazer-me um suprimento do Espírito de Jesus Cristo”. É uma frase difícil,
esta última. Não sabemos se Paulo queria dizer: “Serei mais cheio do Es­
pírito”, ou se ele afirma: “O Espírito Santo vai me dar tudo de que necessi­
to para enfrentar qualquer provação que terei de enfrentar, a fim de que eu
atravesse sem perder nem um pouco da minha alegria no Senhor”. Além do
mais, esse “suprimento do Espírito” que viria em resposta às orações dos
filipenses redundaria em sua “libertação” ou salvação. Paulo não tem certeza
se será libertado, livrado da morte, mas ele tem certeza de sua salvação (v.6).
Se ele for solto, será salvação no nível humano. Se for para a glória, será sal­
vação na dimensão celestial.
A expressão “minha ardente expectativa ” (v.20), descreve uma pessoa
que aguarda com a mesma emoção e antecipação de uma criancinha que sa­
be que vai participar da melhor experiência imaginável, quem sabe um pi­
quenique ou uma visita ao zoológico. Paulo reconhece que o Espírito es­
tá operando seu salvamento, acompanhado pela expectativa e esperança do
apóstolo de que em nada será “envergonhado”. Não que Paulo se enver­
gonharia de Cristo, mas contemplava a possibilidade de perder sua coragem
na hora crucial. Poderia dizer algo ou agir de alguma maneira que levasse as
pessoas a crer que Jesus Cristo não era real. Se ele estivesse no banco dos
réus durante seu julgamento e o promotor público lhe pedisse seu depoi­
mento, poderia, por algum motivo, calar-se ou deixar de dar testemunho cla­
ro e destemido em favor de seu Senhor. Afinal de contas, Pedro negou seu
Mestre, não só uma vez, mas três vezes. Que vergonha terrível deve ter opri­
mido o apóstolo veterano quando confessou seu ato covarde a Paulo. Por
isso, Paulo pede as orações fervorosas de seus amigos de Filipos, para que
não fique envergonhado quando chegar o momento de tomar posição
por Cristo, a fim de que o faça da maneira mais perfeita possível. E assim
continua seu pensamento: “Em nada serei envergonhado; antes, com toda a
ousadia, como sempre, também agora, será Cristo engrandecido no meu cor­
po, quer pela vida quer pela morte ” (v. 20).
O importante é que aqui se ensina como devemos encarar o corpo,
aquela nossa parte que valorizamos tanto. Sem dúvida alguma, ele é muito im­
portante. A maior parte do tempo, trabalhamos e lutamos pelo corpo, para
que ele esteja vestido, alimentado, bem agasalhado debaixo de um teto,
aquecido, subimos e descemos as ruas da cidade como também pagamos
bem para transportá-lo aos lugares mais lindos e confortáveis do mundo.
Não se pode negar que o corpo seja importante. Mas Paulo tinha apreen­
dido na prisão outra coisa sobre o corpo, que influenciava seu ponto de vis­
ta. Ele descobrira que o mais importante com relação a seu corpo não era
nenhuma das coisas que nos preocupam a maior parte do tempo. A grande
preocupação dele é que seu corpo seja um sacrifício sem mácula, perfeito,
para Jesus Cristo. Se o seu sangue fosse derramado no altar de mártir e sua
cabeça rolasse no pó, não seria nenhuma tragédia. Antes, sua morte haveria
de glorificar a Deus de modo maravilhoso. Através da morte e através de
meu corpo sacrificado, afirma Paulo, Cristo será exaltado. Ora, esta é real­
mente a coisa mais importante do mundo, que todo corpo seja um sacrifício
na morte ou na vida (Rm 12:1).
Mas, e se Deus o deixar viver? Nesse caso, esse corpo terá que viajar
um pouco mais. O apóstolo tinha muita vontade de ver de novo os filipen­
ses. Se Deus o levasse nessa direção, uma série de bênçãos viriam a aconte­
cer. Em primeiro lugar, Paulo aguarda um trabalho frutífero (v.22), que
nesse caso seria o crescimento espiritual e numérico da igreja em Filipos.
Paulo precisa de seu corpo lá na Macedônia para que isso se realize. Em se­
gundo lugar, ele diz: “Poderei dar-lhes mais assistência” (v.24). E em tercei­
ro lugar, ele tem esperança de estimulá-los no progresso na fé e incrementar
sua alegria em Cristo. A igreja filipense amava muito a Paulo, então esperava
ansiosamente que ele viesse visitá-la e lhe pregasse outra vez as maravilhosas
verdades de Jesus Cristo.
Mas, e se ele morrer? Será lucro para o apóstolo. Cristo será ganho
completamente (cf. 3:7,8). Paulo reconhecia que após a morte estaria com
Cristo. João nos dá a certeza de que seremos como Ele (1 Jo 3:2). Por fim,
Paulo diz que é bem melhor estar na companhia de Cristo.

Conclusão
Nesse pequeno resumo autobiográfico, temos o retrato de um homem
que tem um ponto de vista cristão integrado sobre a vida e a morte. Já foi
dito, e é verdade, que quem não tem o ponto de vista certo sobre a morte,
não terá também o conceito correto sobre a vida.
E. Stanley Jones nos deixou um exemplo de uma atitude correta para
com a vida e a morte, quando viajava num avião que sobrevoava o aeroporto
de Saint Louis nos Estados Unidos. 0 aeroporto estava fechado, e o avião
dava voltas por duas horas. Temos aqui o que o veterano missionário escre­
veu quando pensou que estava vivendo os últimos instantes de sua vida: “Es­
tou em paz espiritualmente, sem tensões, porque creio que a hipótese cen­
tral de minha vida está correta. A vida é só uma longa verificação desta hi­
pótese central. Esse fato me dá um senso de estabilidade. Estou aqui em ci­
ma, neste avião. Há duas horas o avião dá voltas acima destas nuvens. Se não
aterrisarmos com segurança, gostaria de deixar meu último testamento para
meus amigos e companheiros seguidores de Cristo. Ei-lo: Existe paz, a per­
feita paz, independente de minha fidelidade ao Soberano. Não tenho pesares
ou remorsos sobre o curso geral de minha vida. A vida com Cristo é a manei­
ra de viver. Nesta hora, há segurança, há Deus por fundamento, debaixo de
todas as incertezas da existência humana. Portanto, descanso em Deus. Que
ele dê o melhor para todos vocês. Vivendo ou morrendo, eu sou dele, só dele.
Glória. Assinado: E. Stanley Jones” .
Antes de orarmos, gostaria que você examinasse a hipótese central de
sua vida. Qual é mesmo o centro de sua vida? É Cristo? São os bens mate­
riais? É alguma posição com que você tem sonhado, talvez a de chefe de
alguma companhia? São notas altas que você está ansioso por alcançar? Meu
caro amigo e irmão em Cristo, só há uma hipótese central capaz de se provar
verdadeira ao longo de toda sua vida e que o guie com segurança até o fim: é
Jesus Cristo como seu Senhor e Salvador. Se você ainda não o conhece, es­
pero que sua oração agora seja: “Senhor, salva-me. Dou-lhe minha vida” .
Oração: Pai celestial, rogamos-Te que cada pessoa que lê estas pala­
vras possa deixar a seus filhos, esposo ou esposa, o mesmo testamento que
E. Stanley Jones deixou quando viajava naquele avião: “Glória ”. Que cada
pessoa possa dizer como Paulo: “Para mim o viver é Cristo e o morrer é lu­
cro realmente”.
Pai, ao examinarmos nossas vidas e as circunstâncias que nos afetam,
ajuda-nos a avaliá-las a partir do mesmo ponto de vista que o teu apóstolo
Paulo. Sabemos que isso só será possível para quem conhece a Jesus Cristo
pessoalmente e o recebe no coração, entronizando-o no centro de sua vida.
Que pela tua graça isto seja verdade para cada pessoa a quem nos dirigirmos.
Em nome de Cristo Jesus, Amém.
OS CIDADÃOS DO CÉU EM COMUNIDADE
Filipenses 1:27-2:4
27 — Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de
Cristo, para que, ou indo ver-vos, ou estando ausente, ouça, no
tocante a vós outros que estais firmes em um só espirito, como
uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica; 28 - e que em
nada estais intimidados pelos adversários. Pois o que é para eles
prova evidente de perdição, é, para vós outros, de salvação, e
isto da parte de Deus. 29 - Porque vos fo i concedida a graça
de padecerdes por Cristo, e não somente de crerdes nele, 30 —
pois tendes o mesmo combate que vistes em mim e ainda agora
ouvis que é o meu.
Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação
de amor, alguma comunhão do Espirito, se há entranhados
afetos e misericórdias, 2 - completai a minha alegria de modo
que penseis a mesma cousa, tenhais o mesmo amor, sejais uni­
dos de alma, tendo o mesmo sentimento. 3 - Nada façais por
partidarismo, ou vangloria, mas por humildade, considerando
cada um os outros superiores a si mesmo. 4 - Não tenha cada
um em vista o que é propriamente seu, senão também cada
qual o que é dos outros.

Introdução
Até este ponto (1:27) em Filipenses, Paulo não tinha feito nenhuma
exortação (embora seja fácil notar que há nos versículos anteriores numero­
sas exortações implícitas). Mas neste ponto, no v.27, Paulo parte para o cor­
po da carta: começa a divulgar o verdadeiro motivo de a estar escrevendo. O
novo parágrafo começa com o imperativo, “Vivei”, como se Paulo quisesse
pedir a maior atenção possível para o que está para dizer. “Acima de tudo”
são palavras que também chamam atenção para uma prioridade. Nos pará­
grafos anteriores ele falava sobre si mesmo: Filipenses, em primeiro lugar, é
uma carta autobiográfica. Mas agora ele deseja que seus amados leitores
dêem atenção especial ao que vai dizer. E quanto a nós, será que estamos
prontos para nos concentrarmos e esperarmos no Senhor, a fim de receber
dele uma mensagem particular através desta porção importante de Sua
Palavra?

Cidadãos de Roma e do Céu


De início, o apóstolo faz referência à cidadania romana, o que todos
os filipenses conheciam muito bem. A frase “viver de modo digno” traduz o
original “viver como cidadão digno”. Paulo também estava consciente de sua
posição privilegiada de cidadão romano. Voltemo-nos para At 16:20 e 21.
Vemos que o povo de Filipos ficou revoltado com Paulo e Silas por eles pertur­
barem a paz, sem ao menos pedir uma autorização. Visto ser Filipos colônia
romana e todos os seus habitantes cidadãos romanos por nascimento, espera­
vam que os estrangeiros como Paulo e Silas tratassem o povo com todo o res­
peito devido aos que se consideravam conquistadores do mundo. Então,
para sentirmos o sabor da primeira exortação de Paulo, devemos traduzir a
frase como: “Que sejais manifestações”, ou que “sejais um modelo de cida­
dãos celestiais”. Parte daí nosso título para este capítulo. Seus leitores,
além de serem romanos, eram cidadãos do céu habitando um lugar bastante
terrestre chamado Filipos, na Macedônia (que hoje é o norte da Grécia).
O que significa sermos participantes dessa comunidade celestial, para
nós que ainda não habitamos no céu? Se você é nascido de novo, se você é
uma nova criação, e se tem seu nome escrito no Livro da Vida do Cordeiro,
você realmente pertence a uma família celestial. É assim que a pessoa se tor­
na cidadão do céu na terra. Portanto, este parágrafo fala sobre estrangeiros
num país que não é seu próprio, entrando em conflito com os valores e cul­
tura estranhos aos seus.
Como é que se vive a vida celeste na esfera terrestre? Que tipo de rela­
cionamento comunitário deve-se manter com o povo celestial aqui, já que
você não é o único cidadão do céu que vive na terra? Qual será sua atitude
para com os ataques mentirosos daqueles que chegam a odiar os estrangeiros
e que ficariam felizes em vê-los voltar à sua pátria no céu? Pense na China
onde os estrangeiros antigamente eram considerados presa, e podiam ser
mortos livremente, onde ouviam por todo o lado o apelido “diabos estran­
geiros” . (Quando eu era criança, na Bolívia, nós os evangélicos, freqüente­
mente éramos chamados de “diabos”.) Além do mais, Paulo tinha algo mui­
to específico a dizer sobre a obrigação que temos de viver esta vida celestial
como comunidade de Cristãos; para dizer a verdade, ele tem mais a dizer so­
bre isso de que sobre outras questões. Vejamos estes pontos pela ordem.
Começando, o versículo 27 subentende esta advertência: Que sua cida­
dania seja digna do país, terra do qual vocês vêm e do rei ao qual servem.
“Somos embaixadores de Cristo”, Paulo avisa aos Coríntios (2 Co 5:20):
Ora, se vocês são embaixadores e se são comunidade composta de foras­
teiros e peregrinos que pertencem a outra terra (cf. 1 Pe 1:1,17), como de­
vem viver? Paulo diz: “Ou indo ver vocês, ou estando ausente, insisto em
que fiquem firmes em um só espírito.” Essa é sua primeira exortação nesta
carta. Apela para que os filipenses tomem posição e coloquem os pés no
chão firmemente em “um espírito” . Nesta tradução da Bíblia, a palavra
“espírito” está com letra minúscula. Entretanto, como o grego usá maiús­
culas para todas as letras, isto tanto pode se referir ao espírito humano,
como ao Espírito Santo. Parece bem provável que Paulo se referisse ao Es­
pírito Santo que é a fonte de toda a unidade cristã. Em Efésios, ele diz:
“Vocês devem esforçar-se diligentemente, com entusiasmo, para preservarem
a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Ef 4:3). Os cristãos se unem não
porque falam uma mesma língua, nem porque têm a mesma aparência, nem
porque são possuidores da mesma cultura e comem o mesmo tipo de alimen­
to. Pelo contrário, a única coisa, até onde pude descobrir na Bíblia, que real­
mente une os cristãos como comunidade mundial ou local é o Espírito San­
to. Visto que fomos batizados pelo Espírito Santo para comunhão geral, um
único corpo (1 Co 12:13), agora temos a obrigação de manter esta unidade e
nos colocarmos juntos diante do mundo. É impossível imaginar qual seria o
tamanho e o calor da igreja durante os últimos dois mil anos. É fácil supor
que em nenhuma parte do mundo haveria outra coisa a não ser uma comu­
nidade de cristãos onde poderíamos nos aceitar e apoiar mutuamente, onde
quer que fôssemos. Contudo, porque nós os cristãos não nos mantivemos
unidos no Espírito e porque permitimos divisões por questões inúmeras e
razões variadas, mesmo quando afirmamos pertencer a um só Senhor de to­
dos, vivemos indignos de nossa cidadania celestial comum. Em vez de con­
servarmos a unidade do Espírito, temos promovido a fragmentação e o divi-
sionismo por não concordarmos conjuntamente.

Lutando Juntos pela Fé


Filipos era uma cidade famosa também por ter recebido o nome de
Filipe, pai de Alexandre, o Grande. Filipe da Macedônia conquistou a Gré­
cia depois que aprendeu um princípio fundamental de batalha, transmitido a
Alexandre. Descobriu que conservando os soldados de uma falange bem uni­
dos, treinando-os a se moverem como um só instrumentgo de luta, pode-se
vencer o inimigo. Primeiro Filipe, e também depois Alexandre, a quem o pai
convenceu, treinavam as tropas a ficarem bem juntas e a lutarem com menos
homens que os adversários. Alexandre chegou a enfrentar três homens com
um, muitas vezes, e sempre seus exércitos venciam. Ganhou um império vin­
te vezes maior que a Grécia, de onde partiu para as conquistas. Não se per­
mitia nenhuma divisão na hora de se enfrentar o inimigo. Com seus escudos
enormes, os soldados avançavam ombro a ombro, cortando caminho mesmo
através do exército persa. Depois, os homens de Alexandre se abriam em le­
que para acabar com o inimigo dividido.
Paulo mandou esta carta à igreja de Filipos porque a desunião tinha
prejudicado sua defesa conjunta contra o inimigo comum. Não sabemos exa­
tamente de onde surgiu a falta de união que preocupa a Paulo. Mas sabemos
que Paulo reconheceu a comunhão quebrada e admoestou os filipenses, di­
zendo que para se vencer esta batalha contra o mundo e contra o inimigo, é
preciso que todos os membros estejam “lutando juntos pela fé evangélica”
(v.27). “Lutar” aqui representa a palavra grega que significa dispensar todos
os esforços na causa, como faz um atleta. Não visualiza uma pessoa jogando
sozinha, nem uma competição entre indivíduos, como o arremesso de disco
ou a disputa de uma corrida individual; pelo contrário, Paulo visualiza um ti­
me, uma equipe, onde cada jogador ou soldado tem um desempenho, contri­
buindo para um esforço solidário, com a única meta de ver o time ou o
exército ganhar para Cristo. Assim, a união dos crentes na luta pela fé no
evangelho há de defender a igreja e promovê-la.
Toda igreja tem muito que aprender sobre como “lutar juntos pela fé
evangélica”. Deus deseja que tomemos consciência de que se os cristãos vão
mesmo ganhar o mundo para Cristo, não vão fazê-lo por um esforço indivi­
dual: é necessário um esforço solidário, de equipe. A batalha que vencerá a
Satanás e libertará os escravos mantidos sob o seu poder há de ocorrer
quando tivermos nos unido em oração, e formado uma sociedade sacriflcial
com mensagem penetrante que traga convicção e converta os homens a Cris­
to eficientemente. Tanto as nações como as empresas sabem quão pouco se
pode fazer através de indivíduos dispersos. Mas qliando organizam centenas
ou milhares de pessoas num único propósito, elas de repente se tomam uma
força inestimável.

Não Intimidados
Por que o povo de Deus tem causado tão pouco impacto em nosso
mundo? Um motivo importante é sua desunião e individualismo. Que esta
primeira exortação de Paulo aos filipenses nos ensine isso, convencendo os
corações para pormos em prática essa decisão de nos mantermos unidos no
evangelho.
Em segundo lugar, negativamente, Paulo aponta o perigo que os cris­
tãos enfrentam, no versículo 28. Os cristãos perseguidos correm o risco de se
assustarem oü saírem em debanda quando o inimigo lhes apresenta qualquer
ameaça. Essa expressão faz-nos imaginar um quadro cheio de cavalos excitá­
veis, que facilmente entram em pânico. Há muitos anos atrás, antes dos dias
em que as rodas facilitavam a locomoção, como fazem hoje, meu pai era
missionário na Bolívia e era dono de um cavalo chamado Príncipe, que o le­
vava às vilas remotas nas altas montanhas dos Andes. Aquele cavalo era um
perigo para qualquer pessoa, exceto meu pai. Só ele podia aproximar-se do
Príncipe, pegá-lo pela rédea e montá-lo calmamente o dia todo. Conosco, o
Príncipe pulava para frente ou para trás e dava coices, rápido como relâmpa­
go . Não que o Príncipe tivesse raiva de nós, só tinha medo excessivo. O en­
corajamento que Paulo dá é para que não tenhamos medo de coisa alguma.
Qualquer que seja a ameaça com que o inimigo consiga assaltar, não tema,
Cristo é mais forte. Nunca se intimide diante do adversário, pois Cristo
ganhará a batalha por você.
Os filipenses deviam também lembrar-se que a oposição ao evangelho,
a oposição perseguidora, evidencia claramente o destino final daqueles que
mostraram os crentes (v.28). Os que tanto desejam fazer sofrer os cristãos
são assinalados pela marca da destruição, enquanto que os crentes, quando
perseguidos, revelam que são recipientes da salvação, e que isso vem de
Deus. Sofrer perseguição por causa de Jesus Cristo, sem voltar-lhe as costas,
confirma sua fé nele e é um sinal seguro de que você está no seu caminho
para o céu. Normalmente os cristãos que são perseguidos têm certeza de sua
salvação.
Paulo chega ao ponto de declarar que sofrer por Cristo se constitui
num privilégio (v.29). Aqui a palavra chave é graça, significando o favor de
Deus. Você sabe que se já sofreu oposição por causa de sua entrega a Jesus
Cristo, então Deus já derramou a Sua graça sobre você? Fazendo compa­
ração com a moral humana, temos as palavras que Ernest Emingway escre­
veu: “Quanto à moral, eu sei que a única coisa que é moral é aquela que me
permite sentir bem depois que a faço” . Todos concordamos que isso nada
tem a ver com o Cristianismo. Ao contrário, se você defende a verdade e o
direito por causa de sua fé em Jesus Cristo, pela graça de Deus é que você
tem o privilégio de fazê-lo. Deus não lhe dá apenas a graça de receber a salva­
ção, dá-lhe também a graça de sofrer por ele. E mais tarde, no capítulo 3,
Paulo encontra no sofrimento a graça que traz benefício a toda nossa consti­
tuição espiritual e moral (3:10). Então, nós que temos sofrido muito pouco
pela causa de Cristo, caminhando pela estrada mais fácil possível, deixamos
de experimentar algo de grande importância no Cristianismo. E Paulo diz
que é pela graça de Deus que lhe é permitido sofrer por amor a Cristo.
Portanto, foi assim que Paulo descreveu a maneira pela qual devem vi­
ver os cidadãos celestes. Devem ser unidos. Devem ter seus pés bem firmados
nesta unidade. Devem ser de um só pensamento enquanto lutam juntos con­
tra seus adversários. E precisam ser conscientes de que Deus tem sido gra­
cioso para com eles de duas maneiras: uma, em dar-lhes a promessa do céu;
a outra, em dar-lhes adversários para que batalhem contra eles. Você conse­
gue imaginar estar treinando futebol ou basquete com um ótimo treinador,
mas sem nunca ter adversários para jogar uma partida a sério? Não é o que
deve acontecer com o Cristianismo. Para Paulo, pelo menos os filipenses são
cidadãos celestes que formam um time para lutar pela vitória por Jesus Cris­
to. E toda a glória lhe é devida.

Elementos Fundamentais na Unidade Cristã


Agora vamos ao segundo capítulo. Inicialmente, o apóstolo apresenta
quatro atitudes essenciais ou fundamentais necessárias para se chegar à vitó­
ria por Cristo (veja v.l). A igreja, unida como um exército mobilizado sobre
esses quatro fundamentos, estará preparada para lutar em prol da boa causa
de Cristo e pode esperar derrotar os inimigos. O primeiro fundamento é
“a exortação em Cristo”, introduzida por “Se há, pois”. O melhor modo de
traduzir esta frase não é com a palavra “se” mas com “visto que”. “Visto
que há a exortação, o encorajamento de Cristo ” com que podemos contar, a
igreja não deve se desanimar na batalha contra o mal. A palavra grega para
encorajamento (paraclésis) inclui o sentido de exortação, apelo e estímulo à
ação. Jesus deu ao Espírito Santo o nome “Paracletos ”, referindo-se a este
ministério de encorajar a Igreja (cf. Jo 14:16,26; 15:26; 16:7). O segundo
fundamento se refere à consolação do amor de Deus, “Visto que há conso­
lação de amor”. E então Paulo acrescenta, “Visto que há comunhão do Es­
pírito” uma koinonia ou participação no Espírito, e finalmente, “Visto que
há entranhados afetos e misericórdias”, uma afeição emocional profunda e
uma simpatia, então podemos realizar o que Paulo está pedindo.
Agora vejamos esses fatores essenciais de união para ver como nos afe­
tam pessoalmente. Primeiro de tudo paraclésis pode referir-se à pessoa que
fica junto de você para observar suas ações e fortalecer sua decisão. Como
professor que observa o principiante que escreve as respostas na prova, Ele
avalia o cristão durante o seu progresso. Podemos imaginar que o professor
diga: “É, não está bem certo. Você está chegando lá. Tente de novo. Não
desanime”. Nosso Senhor tanto nos encoraja como nos corrige. Enquanto
observa como você está tomando as decisões e lidando com crises, ele tam­
bém o está ajudando a mèlhorar durante todo o percurso.
Jesus Cristo assegurou aos discípulos, “Eis que estou convosco todos
os dias até a consumação do século” (Mt 28:20) para que Ele pudesse atuar
como o “paracletos” da Igreja, assim como faz o Espírito Santo, animan­
do-nos em Cristo. Ora, nossa vida cristã muitas vezes é desencorajadora. Al­
guns de vocês pode ter mais de cem razões diferentes para estarem desalenta­
dos em sua vida de cristão. Talvez, um dos motivos seja a impressão de te­
rem feito pouco progresso ultimamente no seu caminhar com Cristo. Quem
sabe você tenha alcançado um certo nível há dez anos atrás, ali se acomo­
dou, e não consegue despertar o desejo de passar adiante, mais para o alto.
Não está trabalhando mais para a causa de Cristo. Não sente maior alegria
em Sua presença, nem faz oração com mais confiança nele do que antiga­
mente, portanto sente que o alvo de crescer na semelhança de Cristo está
tão longe hoje como há anos atrás. O que se deve procurar quando se está
parado num só nível, desta forma? A resposta pode ser descoberta no encoraja­
mento de Cristo. Volte-se para o Salvador, diga-lhe tudo que sente, na avalia­
ção mais honesta possível; confesse o pecado do comodismo, arrependa-se e
peça ao Senhor: “Agora, ó Senhor, anima-me! Alenta-me pelo teu Espírito,
dá-me o encorajamento por quaisquer meios que sabes serem melhores para
mim”. Se você acha que sua vida cristã está parada em um só nível, dedique
algum tempo para receber novamente o encorajamento de Jesus Cristo.
A segunda frase se refere à “consolação de amor”. Creio que esta pode,
ser uma parte de uma passagem trinitariana, embora se omita a palavra
“Deus” . A palavra “consolação” tem aqui o valor de estímulo, de um em-
purrãozinho por trás. O sentido está bem ligado ao “encorajamento” que re­
trata chegar ao lado de alguém e tomar a mão da pessoa. O amor faz isso: dá
ao cristão que sofre de letargia, um impulso para a frente.
Se Paulo estava pensando na trindade, deixou de usar a palavra “Deus”,
mas pode bem ser que estivesse focalizando o encorajamento de Cristo, o
amor de Deus, e a participação no Espírito. A trindade aparece em várias
passagens do Novo Testamento em ordens diversas. Portanto, acredito que é
o amor de Deus que deve ser o nosso incentivo.
Foi esse mesmo amor divino que motivou a humilhação de Cristo,
como veremos nos v.5-8 a seguir. Foi o amor de Deus por nós que, tão in­
tenso, fez com que Ele desse Seu Filho para morrer por nós a fim de que
não perecêssemos, mas nos deleitássemos eternamente na glória de Sua pre­
sença. Por causa do amor de Deus, somos levados a cultuá-lo, honrá-lo e ser­
vi-Lo incessantemente. Tão grande assim é o incentivo do amor de Deus con­
cretizado no Calvário, que também nos impulsiona à frente, para sermos re­
cebidos em seus braços acolhedores. Foi amor dessa natureza que acolheu o
filho pródigo quando o pai o abraçou e o beijou, dizendo: “Você estava per­
dido mas agora foi achado. Que alegria tê-lo de volta” . É um incentivo
dessa natureza que foi criado pelo amor de Deus. Que Seu infinito amor por
você possa motivá-lo a chegar-se aos Seus braços abertos, se você ainda não
voltou para o lar do Pai.
A frase seguinte é a “comunhão do Espírito Participar da comunhão
significa sair do individualismo para criar uma vida em comum. Esse mutua-
lismo é produto da vida do Espírito em nós. É claro que o Espírito já entrou
em comunhão conosco quando escolheu morar em nós. Porém, somos convi­
dados a dar um passo à frente ativamente, para viver continuamente com
Ele, buscando uma comunhão mais íntima com o Espírito. Lembre-se tam­
bém que o Espírito oferece aos homens espirituais o privilégio de ver coisas
que o mundo não pode ver, ouvir coisas que ninguém antes ouviu (1 Co 2:9).
Realidades espirituais assim são impossíveis de se comunicar ao coração que
não é regenerado. As pessoas que estão sendo chamadas à comunhão com o
Espírito, participam, ao mesmo tempo, de um mundo celeste e de um mun­
do terrestre. É quase como se você pudesse chegar em sua casa, e afastan­
do-se de todo o caos e maldade do mundo, alegrar-se na comunhão com
Deus como nosso Pai. É essa participação no Espírito que torna real nossa
união espiritual com Deus. O Espírito Santo nos fornece uma ponte entre o
céu e a terra, para que possamos viver como cidadãos celestiais (1:27) neste
mundo, em comunhão com o Espírito.
E finalmente, Paulo se refere ao elemento essencial de ligação, algo
que nos é muito natural chamado de “entranhados afetos e misericórdias".
Creio que ele está pensando no amor caloroso que os filipenses tinham por
ele, e no seu próprio afeto pela amada igreja da Macadônia. Esses cristãos,
por causa de seu afeto, com toda certeza sentiam grande compaixão e se
preocupavam por Paulo na prisão. E este, reciprocamente, tinha grande
amor por eles. Depois de ter apresentado esses quatro fundamentos da uni­
dade cristã, Paulo começa a exortar a igreja quanto a essa unidade: “Comple­
tai a minha alegria de modo que penseis a mesma coisa O apóstolo se preo­
cupava muito com que os filipenses tivessem um só pensamento, uma mente
unida. Nem a diversidade de instrução, em culturas diferentes vêm ao caso.
A palavra é igual à do versículo 5, que descreve a mente de Cristo.Uma tra­
dução pouco adequada para o grego phronéò seria o termo “atitude”. Um
amor em comum e uma apreciação das mesmas coisas une pessoas diferen­
tes, com origens, experiências e culturas distintas. Até mesmo uma família
pode apresentar diversidade profunda na personalidade e nos interesses, mas
se cada um dos membros realmente ama aos outros, eles têm uma só mente.
Existe um só pensamento porque sua atitude é sempre favorável a cada
pessoa da família. Cada membro apóia e defende os outros mutuamente.
Assim, portanto, Paulo anima os filipenses a desenvolverem e demonstrarem
tal atitude, uns para com os outros. O apoio e encorajamento mútuo é de
suma importância para que os cristãos tenham ambiente em que cresçam
no Senhor.
Embora alguns de vocês estejam freqüentando uma igreja há muito
tempo, talvez não tenham sentido o apoio mútuo e a preocupação de uns
pelos outros que todo cristão precisa sentir. É uma falha séria de nossa par­
te. Paulo utiliza outra palavra nesta passagem que descreve o relacionamento
que se formou entre Jônatas e Davi. Suas almas “se ligaram”, segundo
1 Sm 18:1. Isso deve significar que se alguém feria a alma de Jônatas estava
machucando também a alma de Davi. Ou se Davi era abençoado ou encoraja­
do, o mesmo ocorria com a alma de Jônatas. Paulo usa uma palavra que ele
pode ter criado, um neologismo — “almar-se juntos” —com referência à es­
pécie de unidade na qual as personalidades se unem em uma só. Quando isso
acontece, há alegria no céu, bem como na prisão de Paulo. Ele já estava se
regozijando no Senhor, mas ter notícia da unidade espiritual dos filipenses
haveria de completar sua alegria (v.2 grego “plerosate”, significando “cum­
prir”, “encher até à borda”).
Em seguida, Paulo estimula os leitores a completarem sua alegria de­
monstrando-lhe o “mesmo sentimento”ou “mesmo amor”(v.2). Você pode
perguntar o que vem a ser esse “mesmo amor”. Deve ser, naturalmente, o
mesmo amor que Deus tem. Deus derramou seu amor em nossos corações
através de Sua dádiva do Espírito Santo (Rm 5:5), de maneira que possamos
amar pessoas que normalmente não se importariam conosco em absoluto.
Aparentemente nada têm a contribuir para nós, mas o amor de Deus torna
possível os cristãos reconhecerem nele um irmão de valor infinito. É assim
que se demonstra o mesmo amor que Deus revela. Paulo tinha essa espécie
de amor divino para com os filipenses.
Em terceiro lugar, o Apóstolo exorta a igreja a ser ligada em unidade
de alma (gr. sumpsuchoi, “almas juntas”). E em quarto lugar, ele insiste que
aqueles cristãos pensem como um só, para que sejam unidos no pensamento,
no coração e no Espírito (v.2b).

Conseguindo Unidade na Igreja


A questão que precisamos examinar agora é: como será que uma igreja
consegue essa unidade? Reconhecemos que não a temos. Os filipenses não a
tinham, por isso Paulo expressou este desejo profundo por eles. Quero suge­
rir que, de acordo com o versículo 3, todos precisamos agir de uma certa
maneira. Todas as ações precisam ser altruísticas, feitas com a intenção de
beneficiar a todos. Nada deve ser feito por egoísmo. Nosso principal adver­
sário não é o diabo mas nosso velho ego, interessado em si mesmo. Que
vontade temos de sair por cima, salientar-nos, aparecer! Alegramo-nos com a
unidade, contanto que eu seja um pouco “mais igual” do que os outros. Al­
guns de vocês já devem ter lido A Revolução dos Bichos de George Orwell.
O problema principal que os animais não podiam resolver foi o desejo dos
porcos de serem “mais iguais” que os demais. Ou então, pense em como
você se sente quando é desprezado um pouco, quando você é rebaixado por
algum comentário feito por alguém. Nossa reação reflete aquele velho ego
que mais uma vez está procurando primeira posição. Isto representa a fonte
de todas as divisões e os problemas que temos ao tentarmos viver juntos em
união.
Se podemos eliminar o egoísmo e as rivalidades, bem como a vangloria
(o segundo vocábulo do v.3), absorvendo a mente de Cristo, então podere­
mos com toda a humildade considerar os outros melhores que nós mesmos.
Observemos esta frase tão cuidadosamente composta. Se você está conse­
guindo viver de acordo com esta exortação em particular, você está bem per­
to do que podemos chamar de cerne da santidade, e já se achegou ao co­
ração de Deus. Saber ser humilde é um desafio bastante grande em si. No
Novo Testamento, pela primeira vez na história, ser humilde, no sentido de
considerar os outros melhores do que você mesmo, é valorizado como virtu­
de. Antes disso, humilhar-se significava rebaixar-se, uma qualidade despreza­
da. O orgulho e amor próprio eram virtudes. E ainda hoje, será que não é o
amor próprio que transparece na maioria das pessoas que se dedicam à polí­
tica? Isso não explicaria quase toda a propaganda? Não é ele que fundamenta
qualquer progresso feito no mundo? Pois não é fácü aceitar uma opinião
contrária e dizer: “Você é melhor. Tome você o melhor lugar e eu fico com
a segunda posição”. “Humilhai-vos na presença de Deus” (Tg 4:10) significa
uma humildade ativa, decisiva. Não significa que você deva pensar em si com
complexo de inferioridade. Antes, Paulo se refere a uma maneira de agir, ou
de tratar o próximo. Em 1 Pe 5:6, Deus promete que aqueles que se hu­
milham debaixo da soberana mão de Deus, descobrirão que Deus os'exaltará
no Seu tempo certo (Lc 14:11). Pois você descobrirá que o poder de Deus
está fluindo através de sua vida produzindo estas mesmas características que
hão de aumentar a alegria no céu, e também na terra.
Enquanto que o versículo 3 dá ênfase a uma humildade decisiva e ati­
va, o versículo 4 aplica o altruísmo a uma preocupação positiva pelas ne­
cessidades e aspirações de um irmão. Não devemos procurar o que é vanta­
joso para nós pessoalmente, mas tentar sempre olhar qualquer questão rela­
cionando-a ao outro, pensando no que seria vantajoso para ele, e então agir
de acordo. Essa humildade e altruísmo produzem na Igreja condições para
que se possa desenvolver o mesmo pensamento, o mesmo amor, estar de ple­
no acordo e de mente unida. São as quatro características essenciais para
uma igreja ser um povo santo de Deus num ambiente mundano.

Conclusão
Eis a palavra do Senhor para nós hoje. E agora, como vamos pô-la em
prática? O que vamos resolver? Em Cristo e sua Salvação ele nos ofereceu a
perfeita unidade do céu. Se um de nós receber o chamado para ir ao lar da
Glória, há de experimentar a mais perfeita comunhão pessoal, na mais exce­
lente comunidade possível. Será muito melhor do que qualquer um de nós
pode imaginar. Como não haverá pecado nem egoísmo, não haverá compe­
tição, ou rivalidades políticas. Não haverá desacordo, todos terão a mesma
mente e o mesmo amor. Deus nos diz nesta passagem: “Olha, quero que vi­
vam essa vida celeste aqui na terra o tempo todo. Vivam-na em casa, com a
esposa, e ela com o cabeça da casa. Dêem sempre qualquer vantagem à outra
pessoa. Estejam realmente preocupados com a outra pessoa em primeiro lu­
gar. Em vez de ser o número um, dê este lugar ao outro.”
Que prazer há em encontrar a palavra exata na ocasião exata! E esta
ocasião exata, veja bem, é aquela em que, habitualmente, buscamos a vanta­
gem de nosso irmão ou irmã mesmo quando significa nossa própria desvanta­
gem. O que importa? Por fim, a vantagem eterna é a Glória de Deus e sua
missão de ser embaixador da vida celeste aqui na terra. Você pode discordar
desse tipo de vida abnegada. Os filósofos e pensadores gregos discordaram.
Você só vai concordar com esta vida quando conhecer Jesus Cristo interna­
mente . Se você o conhece pessoalmente, se Ele entrou em seu coração e no
seu viver, então creio que concorda comigo em que essas palavras são mesmo
celestiais, e vale a pena viver e lutar para a glória de Deus.
Oração: 0 Deus nosso Pai, pensar em todos nós como membros de
Tua família é realmente uma alegria e um privilégio, pois somos todos mem­
bros de Tm família e todos nós recebemos o direito de viver em Teu palá­
cio. Mas Senhor, os filhos muitas vezes discutem e entram em desacordo.
Tantas vezes deixamos de nos unir contra o inimigo que gostaria de nos
arrebatar e trazer angústia, tristeza e lágrimas. Pai, mostra-nos como viver
pelo Espirito, no encorajamento de Cristo, pelo amor que nos tens, ó Deus,
pelo convite do Espírito Santo, pelo afeto mútuo que nos une um ao ou­
tro, e por sentirmos a compaixão e a misericórdia. Portanto, Senhor, aju­
da-nos a saber realmente como humilhar-nos e como viver nossa cidadania
celeste dentro de um mundo bastante difícil. Obrigado, Senhor, pelo privilé­
gio de podermos ser uma parte de um time, como é a Tua igreja. Obrigado
pela unidade que nos deste. Oh, que possas nos dar muito mais. Dá-nos um
amor mais profundo entre nós. Ajuda-nos a lutar juntos pelo evangelho, para
que possamos estender-nos e ganhar outros ao nosso Salvador e Senhor
Jesus Cristo.
0 CENTRO DA HISTÓRIA
Filipenses 2:5-11
5 - Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em
Cristo Jesus, 6 - pois ele, subsistindo em forma de Deus não jul­
gou como usurpação o ser igual a Deus; 7 - antes a si mesmo se
esvaziou, assumindo a forma de servo, tomando-se em semelhan­
ça de homens; e, reconhecido em figura humana, 8 —a si mes­
mo se humilhou, tomando-se obediente até à morte, e morte
de cruz. 9 - Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e
lhe deu o nome que está acima de todo nome, 10 - para que
ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e de­
baixo da terra, 11 - e toda língua confesse que Jesus Cristo é
Senhor, para glória de Deus Pai.
Os primeiros quatro versículos do segundo capítulo de Filipenses fo­
ram escritos para incentivar a igreja a viver sua fé cristã sob o impacto to­
tal do ministério da Trindade: o encorajamento de Cristo, a participação do
Espírito, e o amor de Deus. Paulo conclui esse trecho, dedicado à unidade
da igreja filipense, apresentando o exemplo comovente de Jesus nosso
Senhor, durante seu ministério, seguido de Sua gloriosa exaltação.
Oração: Pai, desejamos elevar agora, com as hastes angelicais, nossa pa­
lavra de louvor a um Deus tão poderoso que nos deu Seu Filho Unigênito,
para que Ele morresse em agonia humilhante na cruz. E queremos confessar
Seu nome, o nome que está acima de todos os nomes, o nome de Kúrios
- Senhor. Dá-nos a graça de vivermos de modo coerente com essa confissão
submetendo-nos ao Seu Senhorio, para a glória de Deus, nosso Pai, em nossa
cidade, em nossa casa, em nossa vida conjugal, em nossos relacionamentos
com colegas e com os filhos. De todas as maneiras, em todo lugar, que Jesus
Cristo seja Senhor. Rogamos agora Tua benção sobre a Tua Palavra, enquan­
to a estudamos e nela meditamos. Em nome de Jesus. Amém.
Introdução
Já faz alguns séculos que os pensadores vêm procurando a chave para a
explicação de toda a história. Para alguns homens como Camus ou Jean Paul
Sartre, é óbvio que a história não tem sentido nenhum. As peças teatrais de
Samuel Beckett expressam esse ponto de vista —que tudo que ocorre, acon­
tece inteiramente por acaso. E visto que não há sentido na história, não há
nenhuma trama para o enredo. É como a trama de um dicionário. Já ouviu
contar da pessoa que parou de ler o dicionário, porque não dava para pegar
o fio da estória? Era apenas uma porção de palavras, definições, idéias des­
conexas, isoladas. Jean Paul Sartre e os existencialistas modernos que o
acompanham, negam o controle soberano de Deus sobre a história e mantêm
uma visão semelhante dos eventos históricos. Não se descobre neles nenhum
propósito interno relacionador nem um plano mestre, nem sequer algo com­
parável à ordem alfabética que se impõe ao dicionário. Essa visão desespera-
dora da história contrasta-se com o ponto de vista dos gregos da antigüidade,
tais como Heródoto e outros historiadores que viveram antes de Cristo.
Observavam o cenário que passava, os eventos que pareciam significativos, e
imaginavam ver um traçado, uma configuração. Não tinham a capacidade
de explicar por que aquela configuração se faz presente na história, mas
viam que misteriosamente ela correlaciona e integra certos eventos em um
todo. Para os gregos, a história era como uma roda que gira. E aquelas na­
ções afortunadas que estivessem do lado de cima por um tempo, veriam suas
posições invertidas no futuro. A roda da sorte inevitavelmente retornaria à
posição inicial. Seriam assim os choques da história. Por exemplo, o grande im­
pério persa oprimiu a Grécia no século 5 A.C., mas foi subjugado depois por
Alexandre, o Grande, que atravessou o Helesponto para dar à roda da histó­
ria outro impulso de 180°, colocando a Grécia em cima. Esperava-se que
mais tarde a Grécia experimentaria decadência, e o domínio passaria para
outra potência, como Roma. Os historiadores e os filósofos da história têm
tentado explicar o processo histórico mediante a teoria dos giros da roda da
história, em ciclos.
Nem os escritores bíblicos, nem os cristãos acreditam nisso. Não con­
cordam com os filósofos existencialistas modernos angustiados que crêem
que não haja significação na história, nem pensam como os filósofos gregos
que crêem que a história seja circular. Antes, a história tem para eles um
significado, por causa da revelação e da profecia de Deus, um sentido que é
como uma linha que se estende desde o começo (criação do homem) até a
conclusão predita no livro do Apocalipse. A história pode ser comparada a
uma viagem que se faz, ou um conto que se conta. Uma estória tem um co­
meço: “era uma vez”, e tem um final: “viveram felizes para sempre”. Mas a
trama, ou sentido, deve ser encontrado em algum lugar no enredo. Da mes­
ma maneira, o sentido de uma viagem se encontra na sua finalidade e desti­
no. Só viagens de férias sem destino, podem se tornar sem sentido.
O Sentido Central da História
A passagem que acabamos de ler, na opinião de alguns estudiosos, foi
originalmente um hino cristão escrito na língua aramaica (a língua materna
de Jesus). Quando traduzida de volta para o aramaico, parece poesia. É fá­
cil de separá-la em estrofes.
Essa pequena divisão de Filipenses capítulo dois, versículos seis a on­
ze, apresenta-nos o plot, a trama central da história. É o ponto explanató-
rio do drama da história. Podemos observar que a chava da própria trama é a
palavra “cruz”. Assim como a cruz tem bem no seu centro, um ponto onde
se cruzam as traves transversal e vertical — assim também no centro do dra­
ma da história, exatamente no centro, —está a cruz de Jesus Cristo.
Do alto da cruz, no Gólgota, Jesus proclamou: “Estáconsumado,” está
acabado (Jo 19:30). Foi atingido o clímax, e daquele ponto em diante, todos
os eventos iriam contribuir para o desfecho positivo que Deus propôs desde o
princípio para a história que está se aproximando do fim. O ato final está sendo
encerrado. Espera-se a conclusão com uma explosão de luz e brilho que há de
irromper sobre um mundo descrente e desesperador. ■
Ora, o mistério da história humana, da qual todos participamos, expli­
ca-se por dois fatores opostos, dos quais estamos todos cientes. Cada um de
nós participa destes dois fatores opostos. Primeiro, o fator chave do qual todos
estamos tão apercebidos: o egoísmo. Em cem por cento dos divórcios, se fôsse­
mos ouvir a narração da causa por que Joãozinho e Maria não podem mais viver
juntos, descobriríamos que tanto um como o outro não passam de criaturas
egoístas. Se você quiser entender porque o mundo tem sido arruinado por
guerra, assolação, banditismo, pirataria, roubo, ferimento, luta, injustiça, críti­
ca e ciúme, vai descobrir que a causa fundamental se explica por esse único fa­
tor, pois a característica do homem decaído é o egocentrismo. Os historiadores
escrevem sobre as guerras da história, porém geralmente não contam por que
Alexandre, o Grande queria conquistar um império, a ponto de mobilizar seu
exército e treiná-lo até que fosse o melhor do mundo. Não é comum os escrito­
res explicarem porque suas tropas se dispuseram a arriscar a vida, suportando
dificuldades para conquistar a Pérsia; ou porque os romanos fizeram tantas
guerras civis, lutando com denodo e sacrifícios incríveis, até finalmente domi­
narem grande parte do mundo civilizado da época. Toda a bacia do Mediterrâ­
neo tornou-se um mar romano. Por que será, também, que Hitler uniu a Ale­
manha sob ditadura? Havemos de descobrir que a resposta está nestes elemen­
tos universais, o egoísmo e o orgulho.
Mas existe no mundo um fator oposto, que deseja o amor, a paz, a ale­
gria, a generosidade, a bondade, e todo o fruto do Espírito (Gálatas 5:22,23).
As pessoas que não têm nenhum compromisso com o Cristianismo também es­
tão envolvidos no sustento de orfanatos, em contribuição para asilos e mil ou­
tras causas filantrópicas dignas.
Recebi uma carta, há pouco tempo, escrita por Dr. J. AndrewKirk, em
Londres. Ele analisava a teologia e a economia, uma tarefa considerável. Dizia:
“Não gosto da economia capitalista, principalmente do tipo clássico. Por que?
Por ser egoísta. Mas não gosto de Marxista, porque também é egoísta”. Onde es­
tará o sistema econômico que realmente há de controlar o egoísmo e desejar a
prosperidade de todo empreendimento benéfico com o homem vivendo em
paz e com a generosidade humana fluindo como o Rio Amazonas, inundando
as terras? A única maneira para que isto aconteça é o recebimento, pelo ho­
mem, de mente nova ou atitude nova. Há várias traduções que tomam esta pa­
lavra “sentimento” (Gr. phronêma) versículo 5, como “obter uma nova atitu­
de.” A falta dessa nova atitude é que nos faz orgulhosos e egoístas.
É uma disposição mental, um egocentrismo, onde tudo se interpreta,
se entende e se explica em termos de “eu e meu”. F. B. Meyer chamou-o
de “doença” de proporções epidêmicas, por ser tão predominante, não
somente fora, mas também dentro da igreja. Deu a essa doença
o nome de “Me-ismo” . É claro que o problema não é recente. Contaminou
os filipenses também. Duvido que qualquer pesquisa médica tenha encontra­
do, ou encontrará uma cura para este mal. Você, com toda a experiência de
vida como esposo ou esposa, ou como educador de seus filhos, já encontrou
um antídoto para o “me-ismo” ou uma forma de obter essa disposição men­
tal, a mente do próprio Jesus Cristo? A verdade é que todos reconhecemos
que esse é o tipo de mènte que precisamos, porém poucos entre nós, ou mes­
mo ninguém, conseguimos adquirir. “Tenham em vocês (ou entre vocês) a
atitude de Cristo Jesus.” (O grego não faz distinção entre as palavras “em” e
“entre”). Esta disposição de mente controla seu modo de tratar e de pensar
sobre a outra pessoa. Por isso a Escritura ordena que adquiramos o ponto de
vista de Jesus.
Para que aprendamos o sentido desta expressão, Paulo prossegue nos
dizendo o que é essa atitude mental, e ilustra como isso produz efeito nas
ações. Se adquirirmos a atitude de Cristo, ou a Sua maneira de pensar, ca­
minharemos na direção do que a Bíblia chama de “santificação”. Examine­
mos o que Paulo escreveu. Primeiramente, fala de uma verdade básica com
respeito à pessoa de Jesus. É importante, porque a realidade sobre a Sua
pessoa torna claro os Seus direitos. Ninguém pode ser egoísta se não tiver di­
reitos. A lei do direito humano individual, adotada pela Constituição Ameri­
cana e por outras após a revolução Francesa, tem suas raízes históricas no
início da democracia britânica com a “Carta Magna” inglesa; e, antes disso,
nas cidades-estados da democracia grega onde os antigos filósofos ensinavam
que todos os cidadãos possuíam certos direitos inalienáveis. Porém ninguém
jamais teve os tipos de direitos que Jesus tinha. “Pois ele, subsistindo em
forma de Deus”, significa que participou da natureza de Deus, compartilhou
da Deidade plena da Divindade. Ele tinha todos os direitos imagináveis. É
impossível pensar em um só direito divino que Jesus não possuísse. É óbvio
que Ele tinha o direito de ser obedecido. Possuía o direito de ser respeitado,
glorificado e honrado. Tinha direito à riqueza do universo, pois a criou, co­
mo Agente do Pai (Jo. 1:3; Col. 1:16; Heb. 1:2). Não precisamos aumentar a
lista, pois tinha todos os direitos por causa de sua divindade. Consideremos a
frase do versículo 6, “forma de Deus. ” “Forma” é palavra grega, que signi­
fica a realidade contrastada com o desenho ou a figura externa que é visível.
Não se pode descrever uma pessoa apenas por uma fotografia, e dizer que lá
está tal pessoa. Não. A pessoa está no interior, mas revela-se externamente.
Se quer conhecer alguém, não basta olhar a pessoa. Antes, considere como é
sua personalidade, como se expressa, e conclua então como ele é na verdade.
Jesus Cristo é a própria expressão de Deus vivida na expressão humana ou
encarnada. Como se afirma em Hebreus, Jesus é a perfeita manifestação do
ser de Deus(l :3).
O apóstolo João fala de Jesus como aquele qué “fez a exegese” de
Deus (Jo. 1:18). Exegese é uma palavra grega que significa “trazer para
fora’ . Então a realidade, ou o ser de Deus, manifestou-se humana e corpo­
ralmente em Jesus Cristo. Ele, sendo Deus, e nesta forma, incluindo todos
Seus atributos, todo Seu amor, toda Sua graça, todo Seu poder, toda Sua
onipotência, viveu na terra como Jesus. Entretanto, a questão que estamos
examinando é: como era Sua mente? Teria sido uma mente adâmica, se
Jesus de Nazaré fosse apenas humano. Paulo, ou quem quer que tenha es­
crito este antigo hino (se for mesmo um hino) deve ter pensado em Adão, de
quem herdamos nossa natureza humana egoísta. Adão também foi criado à
imagem e semelhança, ou mesmo, na forma de Deus.
As palavras “imagem” e “forma” são semelhantes em sentido. Adão
foi criado com muitas das características de Deus; tinha uma mente inteli­
gente e criativa, tinha o desejo e a capacidade de governar as pessoas e as
coisas. Deus mandou que governasse e dominasse este mundo. Devia possuir
a terra e usá-la, fazendo com que servisse aos seus interesses e necessidades
para a glória de Deus. Adão devia louvar e agradecer a Deus por isso, embora
realmente fosse mordomo ou administrador de Deus. E somente uma coisa,
de todo este universo, foi proibida aos nossos primeiros pais. Deus não disse
que não poderiam tocar a árvore do conhecimento do bem e do mal. Talvez
pudessem até cultivá-la. Mas Adão e Eva foram tentados pelo Diabo. O ten­
tador prometeu que se tornariam “como Deus” (Gen. 3:5). Adão e Eva,
quem sabe, pensaram assim: “Fomos feitos como Deus, não fomos? Fomos
criados à sua imagem e semelhança, mas não somos realmente como Ele.
Existe uma árvore da qual não temos o direito de comer. Deus está limitan­
do nossos direitos humanos, os está sufocando” . E morderam a fruta para
que pudessem ser iguais a Deus, e exercer todos os seus direitos. O homem
tem feito a mesma coisa desde aquele tempo. A primeira meta que o homem
estabeleceu foi igualdade com Deus, supondo que não a tivesse, e que Deus
não lhe dava suficiente atenção em tudo aquilo que necessitava ou poderia
apreciar.
Jesus Cristo, porém, não considerou sua igualdade com Deus como al­
guma coisa da qual não poderia abrir mão. De boa vontade, desistiu de Sua
semelhança com Deus, aparente, externa, e assumiu a forma de um escravo.
Assim, o texto diz: “A si mesmo se esvaziou. ” A mente de Cristo significa
mais do que o modo de pensar de uma pessoa; é o controle da sua vontade.
O Filho de Deus decidiu: “Peixarei de ser como Deus,visivelmente honrado
e servido por miríades de anjos. Assumirei a forma de vida humana, nascido
como bebê, vivendo na terra.” Ele sabia exatamente como seria, pois era
onisciente. Seu “esvaziar” transformou Sua existência da forma de Deus em
simples condição de escravo na terra. Este é o único caso de total auto-ne-
gação e sacrifício completo em toda a história. É o modelo perfeito daquilo
que Deus pede a todo homem quando exige auto-negação para que se torne
discípulo de Jesus Cristo (Mc 8:34).
O pronome “si” é muito importante aqui, porque esvaziar-se significa
que você não terá mais o maldito egocentrismo em si. Entregando-se, você
deixa de se amar de maneira pecaminosa e egoísta, e abre a porta para rece­
ber a mente de Cristo. Vemos que em Lucas 9:23-25 e em outros trechos das
Escrituras somos advertidos contra o amor próprio, para nos salvarmos a
nós mesmos. Foi exatamente isso que Jesus demonstrou pelo seu exemplo.
Por amor a nós, Ele Se esvaziou, não para Se salvar, mas para que nós fôsse­
mos salvos. Por Paulo ter empregado o termo “escravo” (doulos), alguns es­
tudiosos acham que ele pensava no “Servo Sofredor” de Isaías (ver Is.
53:12). A palavra “esvaziou” (derramou) encontra-se lá (não há a mesma pa­
lavra na Septuaginta, a tradução grega do V.T.). O “Servo” mencionado em
Isaías 53:12 deveria derramar a sua alma. E, no Novo Testamento, notamos
que as palavras “alma” e “si” são às vezes equivalentes (conf. Lc. 9:23-25
nas traduções onde se lê “perder a sua alma”). Aqui encontramos uma suges­
tão de como obter a mente de Cristo. É quando permitimos à alma, à sua
própria vida representada pelo nosso egoísmo, ser esvaziada até a morte, até
o fim. Paulo chamou alguns cristãos de Corinto de “homens almados” (tra­
duzido por “naturais”, “carnais” ,1 Cor. 2:14, 3:1,3). Você não deseja
derramar sua alma para dar lugar a nova vida do Espírito de Deus? Jesus
derramou Sua alma completamente até a morte Jesus convidou as multidões
interessadas e curiosas a lhe seguirem e se tornarem Seus discípulos. O que
isto compreendia? Ele explicou que seria negar-se, ou derramar sua alma
(Lc. 14:26: “aborrecer a sua própria vida”), tomar a sua cruz, e estar dispos­
to a morrer por Ele (conf. Mt. 16:24-26). O discipulado significa aprender
de Cristo, segui-lo, fazer o que Ele fazia, escutar, obedecer às Suas palavras
(conf. 1 Pedro 2:21). Em conseqüência, você obterá a atitude de Cristo.
Já vimos que Cristo se “esvaziou” quando veio a esta terra na forma
de escravo. Qual é a forma, ou a realidade interior de um escravo? Obvia­
mente, não significa apenas sua maneira de agir, mas diz respeito especial­
mente ao coração e à alma do escravo. Quem tem coração de escravo não
pode nunca sentir-se insultado ou magoado quando seus direitos são retira­
dos. Sua alma de escravo não guarda direito algum, visto que ele já pertence
inteiramente a outra pessoa. Assim, Jesus tinha a “forma” de servo, a consci­
ência em si de ser um escravo submisso. Recordemos que Jesus foi atormen­
tado pelos soldados romanos no Lithostrotum (que os turistas atualmente
podem ver em Jerusalém) onde os soldados jogavam seus jogos com ossos.
Em nossa Bíblia é chamado de Pavimento (Jo. 19:13), uma descoberta real­
mente interessante dos arqueólogos. Enquanto os soldados espancavam
Jesus, insistiam para que apontasse quem lhe batia (embora estivesse ven­
dado), já que na opinião popular, ele era um mágico. Jesus, com todo seu po­
der divino, poderia ter respondido com força suficiente para deter o desres­
peito. Também não lhe seria problema cegar os perseguidores, como fez
Elizeu (2 Reis 6:18-23). Mas, como estamos vendo, tendo o coração de es­
cravo, Ele não podia fazer isso. Sua atitude mental fê-lo escolher sofrer tais
insultos imerecidos. Aceitou prazeirosamente esse tratamento, e até mesmo
pediu ao Seu Pai, depois de pregado na cruz, que aqueles soldados e todos
conspiradores da Sua morte pudessem ser perdoados.
Essa é a única atitude mental que pode fazer com que uma igreja fun­
cione, como o Novo Testamento indica que deve funcionar. Uma igreja deve
ter essa disposição mental, como Templo do Espírito Santo; porém o mun­
do não pode tê-la. O sistema econômico, as leis, as constituições que garan­
tem os direitos humanos, tudo isso é respeitado quando a corrupção humana
não se alastra. Quando alguém se aproveita de outro, este, se puder, chama
um advogado e o leva à justiça. Assim o mundo pensa. “Faço-o pagar por
isto” é a reação típica de quem saiu lesado. No cenário internacional, se um
país estrangeiro ataca, o país atacado revida. A atitude da mente de Cristo
não parece ser muito vantajosa sob nenhum ponto de vista prático. Contu­
do, o que Jesus Cristo pensou e fez é a exata explicação central da história.
Pois, quando Cristo voltar e o pecado for vencido, esse será o princípio pelo
qual o mundo será governado. Deus quer que a igreja, o local geográfico visí­
vel do reino de Cristo, viva agora, sob Seu Domínio, a experiência da abne­
gação perfeita e completa.
Prossigamos na passagem bíblica. Aprendemos que, Cristo não somen­
te derramou Sua alma, e deliberadamente assumiu a forma de servo, ex­
pressando a realidade interior do Seu espírito de servo com ações positivas,
humanas e abnegadas. Decidiu lavar os pés dos discípulos, e não reagiu vin­
gativamente quando Seus direitos lhe foram tirados. O versículo 7 afirma
que Ele “tornou-se em semelhança de homens. ” A palavra “semelhança”
(Gr. homoíòmatí) é diferente de “forma” . É a palavra usada por Paulo em
Romanos 6 para explicar a realidade do batismo. Quando você foi batizado,
o foi na “semelhança” de Sua morte. Jesus, o Filho Encarnado, tomou a se­
melhança de homem. O que significa isto? Há a semelhança de uma pessoa
numa fotografia. A foto não é a pessoa, mas ao olhá-la, você a recorda. Fe­
lizmente, a Faculdade onde leciono preparou uma lista de nomes com os re­
tratos juntos, de maneira que posso procurar meus alunos ligando nomes aos
rostos. A fotografia não é a pessoa, mas é sua semelhança, suficientemente
grande para identificar o estudante. C.S. Lewis discute essa realidade no seu
livro “Palestras que Impressionam”, no qual diz que a semelhança é real,
porque inclui algumas das características da própria pessoa. Não apenas
como o retrato que lembra meu aluno desconhecido, mas porque a luz e a
substância realmente fazem parte da fotografia e da pessoa real em carne e
osso. Você não pode trocar um pelo outro, porém existe uma realidade em
comum da qual participam a pessoa e a foto. Na humanidade de Jesus, há
uma realidade em comum entre Ele e nós. Embora Ele fosse homem per­
feito, era distinto de nós. Era homem, no sentido singular de Deus -homem.
Essa referência à “semelhança de homem” provavelmente vem de Daniel 7.
A visão de Daniel revelou um pequeno chifre, uma figura no Velho Testa­
mento de Antíoco Epifânio, o terrível perseguidor dos judeus de 170 A.C.
Daniel viu tronos estabelecidos, e o Ancião de Dias tomou Seu lugar, e Sua
veste era branca como a neve, e os cabelos da cabeça eram como a pura lã
(Dan. 7:9). Daniel continua descrevendo uma pessoa que se aproxima, “um
como o Filho do Homem”. Agora podemos identificar essa semelhança de
homem, no céu, antes da Encarnação, como sendo Jesus Cristo, o Filho na
presença do Pai eterno. E pode ser essa a referência daquilo que Paulo diz
em Filipenses. Voltando a Daniel 7, lemos sobre o Filho do Homem, que
descerá à terra e sofrerá sob a terrível besta (manifestação de Satanás). Será
esmagado por ela, porém, depois, há de triunfar sobre ela, e compartilhar
Sua vitória com os santos do Altíssimo (7:18-22). Cristo não somente
derramou sua alma, como o último Adão, e cumpriu as profecias do “Servo
Sofredor.” Também cumpriu a missão do Filho do Homem. De boa vonta­
de, deixou-se vencer pela besta terrível e infernal, na Sua obediência à mor­
te. É este o passo seguinte que Paulo menciona em Filipenses 2:8, a Sua
humilhação e obediência. Vimos a importância crucial da humildade no pa­
rágrafo anterior (Fil. 2:2-4). Aqui podemos observar que se trata do âmago
da mente de Cristo. Sem considerar Seus próprios direitos e dignidade, Ele
pôde dar atenção plena à vontade de Seu Pai, e suas terríveis exigências por
ser o único a levar nosso pecado.
Lembre-se do Getsêmani, onde Ele quis esquivar-se do peso da vonta­
de do Pai. É interessante considerar a frase, “Tornou-se obediente até a
morte.” Em outras palavras, percorreu todo o caminho até a morte. Todos
nós que nos dizemos seguidores de Cristo, somos obedientes até certo ponto.
Todos nossos filhos são obedientes até certo ponto, e ninguém pode dizer que
obedece até a morte. Tal obediência exigiria o cumprimento de uma simples
ordem: “Vá, e seja crucificado.” O filho, então, realmente iria e seria pregado
numa cruz! Mas saiba que foi isso que Jesus fez. Prezava tanto ao Pai que che­
gou até a morte. E que morte! A mais cruel, vergonhosa, a mais torturada e de­
sumana, a morte de cruz. Sua obediência corresponde, por outro lado, à deso­
bediência de Adão. Deus, então lhe deu o direito incontestável de governar e
ser Rei sobre tudo que o homem deveria dominar. E Seu governo foi proje­
tado para nos incluir. Nós somos súditos de Seu reino, onde Seu governo de­
ve ser manifestado visivelmente. Essa manifestação deve ser feita num mun­
do de contradições, onde Satanás é príncipe (Ef. 2:2,3), caracterizado pelo
egoísmo, contudo, ainda com o ideal da generosJade, bondade e altruísmo,
reminiscências da criação original. Os santos, ou cristãos, são os únicos que
tem a possibilidade de viver, na prática, o exercício do Senhorio de Deus
neste mundo.
A Exaltação de Jesus Cristo
A palavra “portanto” ou “pelo que” de Fil. 25 dá a idéia de conse­
qüência, i.e., a exaltação de Jesus Cristo ao receber um nome acima de todo
outro nome. Ele é agora a “Pessoa Acima” de todo o universo. Deus decre­
tou que todos devem curvar-se perante Ele, e honrar Seu nome, que tem
maior dignidade do que qualquer título. Esse nome é Senhor, ou Kúrios. A
versão grega do V.T. que Paulo e a igreja primitiva tinham, usava “Senhor”
(Kúrios) na tradução do nome que não se podia mencionar, Yahweh, o no­
me pessoal de Deus. Veja Isaías 45:23: “Tenho jurado que ao Meu nome
todo joelho se dobrará”, é o sentido. Isso é citado neste texto de Filipenses,
referindo-se a Jesus Cristo, nosso Senhor (v. 10). “Dobrar-se ao nome de
Jesus” é; naturalmente, concordar com os passos descendentes e humilhan­
tes que Ele tomou, para que Ele seja exaltado, Senhor sobre tudo. Compro­
mete a quem se curvar para segui-lo com relação às atitudes na vida terrena.
Ser Cristo o meu Senhor, não significa simplesmente fazer o que Ele manda,
e evitar qualquer pecado. Não é esse tipo de Senhorio. Pelo contrário, real­
mente exige, como seu paralelo aqui na terra, uma atitude, uma disposição
de mente equivalente à de Cristo. Tal atitude deve, então, influenciar em tu­
do a vida do cristão.
O cristão, ajoelhado perante Jesus Cristo, é a manifestação exterior da
nova natureza, plena do Espírito. O cristão, por definição, deve ser pessoa
caracterizada pela mente de Cristo. Paulo escreveu esta parte importantíssi­
ma de sua carta aos filipenses porque passavam por uma época de difíceis re­
lacionamentos. Um pouco de egoísmo aqui, um tanto de orgulho ali e já es­
tavam nublando a figura de Cristo no seio da Igreja. Embora todos confessas­
sem que Jesus Cristo era Senhor, para a glória de Deus, os cristãos, na prá­
tica, estavam negando essa confissão.
Isso sugere a questão da glória de Deus. A exaltação de Jesus Cristo,
recebendo o mais sublime de todos os nomes, o ajoelhar de toda criatura
(que só será cumprido quando Ele voltar), e a confissão de Seu Senhorio, es­
tão todos juntos para trazer maior glória a Deus, o Pai. O propósito da vida
cristã se centraliza na glória de Deus. O evento mais glorificante que já acon­
teceu, foi a morte de Jesus Cristo no Calvário. E justamente por isso se tor­
na o ponto central de toda a história. Deus fez com que se tornasse a chave
que explica a trama central de tudo que está acontecendo na história. Atra­
vés de toda a eternidade será impossível esquecer a cruz. O reino milenar há
de refletir a luz que jorra da cruz (conf. Ap. 5:6,9). A glória de Deus, o
Pai, demonstrada com brilho radiante em Seu Filho, em quem muito se agra­
da, reflete da cruz. Assim também têm glória refletida da cruz aqueles que
se curvam perante Jesus, e que confessam o Seu nome. Eles têm o privilégio
de renunciar a seus próprios direitos, derramando suas almas e subjugando
seu próprio egoísmo com escolhas conscientes. Só assim podem “carregar
cada dia a sua cruz” (Lc. 9:23). Jesus o fez por causa de Sua atitude de amor
sacrificial para com Seu Pai e para com a humanidade.
Esta passagem afirma, também, que os demônios (“debaixo da terra”)
irão dobrar os seus joelhos diante do Senhor. Não só os cristão irão se cur­
var, não só os anjos que servem a Deus no céu. O versículo 10 se refere a
criaturas inteligentes na terra, i.e., os homens. Então, o versículo fala de se­
res abaixo da terra, referindo-se aos poderes demoníacos, no seu ódio ran­
gente e amargurado contra Jesus. Será que também confessarão a Jesus co­
mo Senhor? Certamente, não irão confessar sua bondade e grandeza de bom
grado, como também não o farão as pessoas da terra que não O conhecem
pessoalmente, e não O receberam como Senhor e Salvador de suas vidas. Os
inimigos pecaminosos de Deus não reconhecerão a Jesus como Senhor porque
o desejam, mas assim mesmo o farão. Lembra-se quando Jesus cliegou perto
de um homem possuído por demônios? Reconheceram-no imediatamente
como Senhor (conf. Mc. 5:7). Não puderam calar nem que o quisessem. É
por isso que esse trecho da Bíblia esclarece que há uma decisão a ser feita
antes que venha o juízo. Certamente, quando Cristo voltar, ninguém deixará
de dar a honra devida ao Senhor. Você pode tomar-se co-herdeiro com Jesus
dobrando os joelhos e confessando com o coração que Ele é Senhor (Rm.
8:15-17). Se você quiser alegrar-se com Ele, precisa tornar-se como Ele, ter a
Sua mente. Realmente queremos ser seguidores de Cristo? É impossível ser
um seguidor de longe. O egoísmo e o orgulho nos mantêm longe dele, sem a
atitude de mente que Ele deseja formar em nós. Você está disposto a entre­
gar-se cedendo a todos seus direitos? Para sermos honestos, a maioria de nós
diria, certamente, que não! Eu não fiz isso nem poderia fazer. Você está
absolutamente certo, mas o que é necessário é desejar fazê-lo, agindo depois
sobre esse desejo. Leve a Cristo seu egoísmo. No batismo, o novo cristão es­
tá como que dizendo: Eu quero morrer para mim mesmo, com Cristo. Entre­
go-lhe tudo, para que o Senhor possa colocar em mim Seu novo modo de
pensar.
Se a tradução correta do versículo 5 for “entre vós” (e não “em vós”)
precisamos entender que a igreja é enfocada. Para os observadores angelicais,
e para um mundo incrédulo, tão antagônico a esse conceito de auto-negação,
a mente de Cristo, no meio do povo de Deus, deve mostrar que somos real­
mente cristãos, dirigidos pela mente de Cristo, unidos em um Corpo no qual
todos os membros servem altruisticamente a todo organismo.
Agora, quero curvar-me e orar com você. Senhor querido, possa a obe­
diência de Teu filho, Jesus nosso Salvador, Aquele que na cruz exemplificou
a qualidade da perfeita submissão que nos salvou, ser gravada em nossos co­
rações. Possa o Teu Espírito começar a tomar evidente em nós aquela mes­
ma personalidade revelada na natureza divina de Cristo, retratada em seu co­
ração de escravo, e no Seu espirito de servo. Õ Pai, que esta mente seja vista
continuamente entre nós como teus filhos, pois oramos em nome de Jesus.
Amém.
DESENVOLVENDO A SALVAÇÃO
Filipenses 2:12-18
12 - Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes,
não só na minha presença, porém muito mais agora na minha
ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor;
13 - porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como
o realizar, segundo a sua boa vontade. 14 - Fazei tudo sem
murmurações nem contendas; 15 - para que vos tomeis irre­
preensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de
uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como
luzeiros no mundo; 16 - preservando a palavra da vida, para
que, no dia de Cristo, eu me glorie de que não corri em vão,
nem me esforcei inutilmente. 17 - Entretanto, mesmo que
seja eu oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da
vossa fé, alegro-me e com todos vós me congratulo. 18 -
Assim, vós também, pela mesma razão, alegrai-vos e congratu­
lai-vos comigo.
Como professor de seminário, muitas vezes sou procurado para
responder a perguntas sobre a Bíblia. Um estudante perplexo, recentemente,
quis saber o seguinte: O que Paulo pensava quando disse aos filipenses que
desenvolvessem a sua própria salvação? A questão é que, ou vamos bater
nosso barco da teologia sem leme nas areias de Caribde, ou contra a rocha
de Cila, usando os termos da estória de Homero. Há um pequeno estreito
que leva àquela perigosa passagem lendária. E hoje seria aconselhável medi­
tarmos sobre o paradoxo do nosso esforço humano, em combinação com a
obra onipotente de Deus em nós. Naturalmente, a lógica diz que, se Deus es­
tá operando em nós, como afirma o versículo 13, podemos descansar e gozar
da segurança bendita da salvação que é oferecida e realizada totalmente por
Deus. Acredito que Professor Moule, há cerca de cem anos atrás, foi quem
escreveu: “Não poderíamos, agora, entregar-nos inteiramente à reflexão?”
Ele quis ilustrar o que se sente após um trabalho árduo, quando nos recosta-
mos na velha poltrona, diminuímos a intensidade das luzes e cochilamos.
Porque afinal, estamos no caminho para o céu. Estamos seguros nos braços
eternos. Por que não fazer um relaxamento, um devaneio, se Deus está ope­
rando em nós? Ele fará tudo que precisa ser feito. Meditaríamos, portanto,
com toda a calma, sobre a poesia divina da nossa salvação!
O conhecido autor demão, Dietrich Bonhoeffer, impressionou-se pro­
fundamente com esta atitude não bíblica. No livro O Preço do Discipulado
(The Cost o f Discipleship) ele usa palavras para chamar nossa atenção logo
no início: “A graça barata é o inimigo mortal da igreja.” A lógica atrás deste
repouso de enlevo espiritual, onde são desnecessários tanto o esforço como
o trabalho, significa uma ameaça perigosa para a igreja. Hoje, encontramos
bem poucos que buscam uma graça valiosa e preciosa (a graça barata signifi­
ca graça vendida na feira de objetos usados, entre vizinhos, onde os preços
são bem pequenos para que se venda logo a mercadoria). “Os sacramentos,
o perdão dos pecados, as consolações da religião, são jogadas fora com pre­
ços de saldo. A graça é representada como caixa de tesouro inesgotável da
igreja, da qual Deus distribui de mãos generosas, sem questionar ou fixar
quaisquer limites. A graça é sem preço, a graça é sem custos; a essência da
graça, saibamos, é que a conta foi paga adiantadamente. E como já está pa­
ga, e pode-se receber tudo gratuitamente, visto que o preço era infinito, e as
possibilidades de usá-la e gastá-la são infinitas, o que seria graça, se não fosse
barata? Muito barata! A graça por preço irrisório significa a graça como dou­
trina, como princípio, sistema. Significa o perdão dos pecados proclamado
como verdade genérica e um consentimento intelectual à idéia é aceito como
sendo suficiente para assegurar a remissão dos pecados. Então acredita-se
que a igreja que defende a doutrina correta da graça, por isto mesmo, tenha
parte desta graça. Visto que nós, evangélicos, pregamos o fato de que Deus
já fez tudo, e que nada podemos fazer para merecer a salvação, estamos
propensos a bater naquela rocha de Cila, onde a graça é oferecida sem nos
custar nada.
A passagem de Filipenses 2 não apóia esse ponto de vista da “graça ba­
rata.” Afirma que, por Deus estar operando em você, você deve então efe­
tuar a sua salvação. Deve estar envolvido, empenhando responsavelmente to­
dos os esforços no desenvolvimento, no cultivo, na elaboração da salvação
que já recebeu.
Do outro lado encontra-se a doutrina oposta, declarando que os ho­
mens podem produzir a justiça que agrada a Deus. E o pensamento logo sur­
ge na mente dos evangélicos dedicados: Não temos sido direitos? Não demos
uma grande oferta ao Senhor? E não estamos servindo a Deus de maneira
louvável? Sendo Deus justo, não podemos contar com Ele para recompensar
nosso sacrifício com um pouco de Sua honra e glória e com Sua salvação? É
natural que os homens decaídos ofereçam a Deus um pouco de esforço pró­
prio para obter a salvação. E esse é o lado do Caribde, tão perigoso ao via­
jante que espera alcançar o céu tal qual a apatia da graça barata e fácil. Po­
rém existe uma estreita passagem entre estas alternativas perigosas, que neste
trecho fica esclarecida. Repare bem que não nos cabe efetuarmos a nossa sal­
vação, pois Efésios 2:5-9 torna bem claro que nossas obras não são aceitáveis
a Deus se feitas com o fim de merecer o perdão de Deus. Se dizemos que es­
tamos salvos, devemos desenvolver e viver a nossa salvação.

O Desenvolvimento da Salvação Requer Obediência


Consideremos algumas das maneiras pelas quais esta passagem diz que
devemos desenvolver uma salvação obediente. Tudo começa com a palavra
“Assim, pois.” Este “assim, pois” , ou no original grego, “de maneira que,”
refere-se à obediência de Cristo em Fp- 2:5-8. Jesus Cristo, sendo Ele pró­
prio igual a Deus, não viu nisto um privilégio ao qual devesse se agarrar (como
Adão tentou fazer). Antes, tomou sobre si o feitio de homem. Humilhou-se,
tornou-se obediente até a cruz. Ora, o contexto imediato sugere que uma
obediência igual a Dele é a exigida para a pessoa “desenvolver a sua salva­
ção.” Graça facilitada não entra no quadro. Não é suficiente assinar um car­
tão de evangelização dizendo que você aceita a Cristo, nem repetir uma
oração preparada. Não é isso que significa a salvação no Novo Testamento.
A salvação é mais como um contrato com o qual você concorda, no qual
Deus lhe concede as bênçãos da salvação de graça. Ele concedeu ao crente
todos os benefícios da cruz. Mas enquanto você recebe com uma mão a Sua
salvação, voce tem de colocar sua mão na Dele, e prometer, sem reservas,
fazer o que Ele lhe pedir. Não há nenhum outro tipo de salvação nas Escritu­
ras. Jesus Cristo não é apenas o Salvador do crente, é também o seu Senhor.

Desenvolva a Salvação com Temor


As características desse desenvolvimento da salvação são dignas de no­
ta. Primeiramente, a salvação deve mesmo ser desenvolvida com temor e tre­
mor. Quando o apóstolo Paulo foi para Corinto, de início, não dependeu de
palavras bonitas, ou do impacto de seu porte. Proclamou a sabedoria simples
de Deus, que tem sua expressão suprema na cruz, em Jesus Cristo crucifica­
do, e na salvação gratuita de Deus por meio da morte de Cristo. Paulo estava
desenvolvendo sua salvação na cidada pagã e corrupta de Corinto. Ele os fez
lembrar, em 1 Cor. 2:2-4, que esteve entre eles com as pernas trêmulas, não
de frio, mas pelo simples medo de falhar diante de uma responsabilidade tão
grande. E Paulo dizia: “Ai de mim” se não pregar esta espécie de evangelho
salvador, que deve ser desenvolvido sempre com temor e tremor. 2 Cor. 7:1
diz que a santidade à qual Deus dá o selo de aprovação na vida do cristão, é
a santidade desenvolvida no temor do Senhor. Prov. 28:14 apóia esta verda­
de: “Feliz o homem constante no temor de Deus.” Não há lugar para a apa­
tia do sacramentalista que acha que, uma vez batizado, nada mais precisa
fazer senão aguardar o céu enquanto faz o que bem entende.
Visto que temos essas promessas, uma salvação que nos é prometida,
purifiquemo-nos de qualquer mancha de corpo e espírito, e tornemos à san­
tidade perfeita no temor do Senhor. O indivíduo que tem nome de cristão,
mas que é convencido, auto-confiante, sem atitude de respeito e reverência,
tendo fé na graça barata, e nas obras inúteis feitas com vistas à recompensa,
poderá ser uma das pessoas que se desapontarão quando bater à porta do
céu, implorando que o deixem entrar, o Senhor o afastará tristemente:
“Nunca o conheci. Aparte-se de mim, você que pratica a iniqüidade.”
(Mt. 7:28).
O segundo ponto que se deve notar é que a salvação desenvolvida é
uma obra responsável. Não é uma salvação que seus pais, ou o pastor de sua
igreja, podem fazer por você. Por mais que eu queira fazer isso por você,
não posso. O texto diz: “Desenvolva a sua própria salvação.” Cada pessoa
que confiou em Deus para a salvação, precisa viver Cristo em sua própria
vida. O Senhor precisa estar operando em você, e revelando Sua santidade
em você individualmente. O grego é muito mais incisivo do que o português.
O original diz que é para desenvolvê-la de tal modo que não haja erosão ao
chegarem as tempestades da vida, e soprarem os ventos sobre a “casa” de sua
salvação. Esta salvação é desenvolvida com o aprofundamento das raízes,
com a colocação de alicerces de pedra, tão fortes que nenhum terremoto
possa sacudir ou remover. Esta salvação demonstra sua natureza definitiva,
pois é realizada de uma vez por todas. A mesma palavra encontra-se em
Efésios 6:13: “depois de você ter vencido tudo,” você mantém-se firme no
dia mau. Não é só definitiva e permanente, como também é algo do qual se
presta contas. Considere a necessidade de uma consciência sensível. A verda­
deira salvação dá aos salvos a preocupação primordial: “Será que Deus se
agrada da maneira que estou vivendo a sua salvação? Visto que Ele me deu
seu Filho, e fê-lo ressurgir para compartilhar da Sua glória, tendo-0 à Sua
mão direita, torna-se sumamente importante que Ele possa se agradar do
modo em que eu vivo a glória da salvação efetuada por mim na cruz!” Esta­
ria Ele triste comigo? Por este motivo digo que desta salvação precisamos
prestar contas. O Apóstolo Paulo escreveu aos coríntios esta verdade: “Im­
porta que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo para que ca­
da um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo”
(2 Cor. 5:10).
Mas o Cristianismo comum, do dia-a-dia, dá impressão contrária. Quer
seja no mundo comercial, ou na escalada acadêmica do estudante em busca
de formatura, nada existe que não exija uma responsabilidade de prestação
de contas. É inevitável que alguém verifique se a pessoa fez o que era para
fazer. Nosso mundo não é isento de exames e notas, de folha de balanço no
fim do mês ou do ano. Contudo, no mundo espiritual muitos têm a im­
pressão de que qualquer coisa é aceitável. Pois eu gostaria de advertí-lo que
não é isso que as Escrituras ensinam. Dão-nos certeza de que, num dia próxi­
mo qualquer, todos nós havemos de apresentar diante' de Deus aquilo que
desenvolvemos. Todos nossos atos, palavras e pensamentos estarão clara­
mente dispostos diante do Senhor, e Ele avaliará tudo. A nota dada à nossa
salvação desenvolvida será de aprovação ou reprovação. E isto, para mim, ex­
plica por que Paulo prossegue nos exortando com estas palavras: “porque
Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a Sua
boa vontade.” Podemos estar bem certos que, se Deus não estimulasse as
nossas vontades, nossas ações seriam egoístas. Somente disto é capaz a nossa
natureza decaída e humana, ser egoísta e agir em seu próprio favor. Mas, à
medida que Deus opera em nós, através de Seu Santo Espírito, nossas vonta­
des são dirigidas diferentemente, não em direção à nossa ambição pessoal,
mas na direção de Seu bom propósito (compare Rm. 8:28). Deus mesmo,
habitando o filho regenerado, admitindo viver nele, faz com que ele obedeça,
e deseje agradar o seu Mestre. É muito comum nos fazermos de surdos à
operação de Deus em nós, por meio de Sua Palavra, que é Seu agente, aplica­
da pelo Espírito Santo. Podemos ver nos versículos seguintes, que os cristãos
podem murmurar e discutir. Em vez de serem “inculpáveis e puros” , podem
ser culpáveis e impuros, mesmo sendo “filhos de Deus” (v.14). A obra de
Deus em nós não é tão determinante e fatalista que nossas reações às Suas
operações amorosas não tenham significação.

Um Trabalho Obediente
A Salvação que recebemos, então, precisa ser desenvolvida. Assim se
tomará uma salvação obediente. Voltemos ao versículo 12, onde Paulo diz:
“Vocês sempre obedeceram na minha presença.” Todos nós estamos familia­
rizados com o poder invisível que tem o olhar de um professor vigiando...
ou do chefe que observa como tudo está sendo feito, para verificar se tudo
está em ordem. Quando o professor ou o chefe saem, então você se relaxa,
pode até sair para tomar um cafézinho mais demorado. A obediência, Paulo
diz aos filipenses, não só é crucial quando estou presente, mas muito mais
quando estou ausente. Algumas das paíabolas de Jesus batem na mesma te­
cla. Pouco antes do mestre partir, ele dá aos escravos talentos com os quais
devem trabalhar e investir (Mat. 25:14,15). Antes do mestre viajar, nada
acontece, mas logo que sai, começa o movimento. Assim é na vida cristã. A
prova é feita principalmente na hora em que você está sózinho, nas horas
silenciosas, quando ninguém lhe pressiona, nem o elogia, ou diz o que deve
fazer. E seria fácil concluir que não é preciso prestar contas, visto que o
Senhor não lhe está dando nota, nem abono, como prêmio por qualquer
progresso extraordinário.

A Motivação para o Trabalho


Por último, nosso texto menciona a motivação para desenvolvermos a
nossa salvação. Porque se não houvesse motivação, poderíamos nos desani­
mar- facilmente. Paulo explica que a razão pela qual você deve desenvolver a
salvação é que Deus está operando em você. Ele não só está trabalhando em
você por meio de um processo ex opera operato, expressão latina muito
usada pela Igreja Romana para descrever o poder místico divino, que se diz
liberar pelos sacramentos. Acredita-se que são eficazes sem que a pessoa o
saiba, sem que se perceba o seu poder espiritual. Porém o versículo 13 con­
traria essa posição. Paulo afirma que Deus opera em você “o querer e o rea­
lizar conforme o Seu propósito.”
Será que sentiu a dificuldade em se levantar de manhã na sua casa?
Especialmente quando faz frio, e as cobertas estão bem quentinhas? Alguém
enfrenta o frio? Sem demora, o aroma do café invade o quarto, mas assim
mesmo há pessoas que dormem melhor com o aroma gostoso do café. Causa
desânimo. Mas há o fato de que se tem de responder pelo atraso na escola ou
trabalho. Então, esta frase de sempre, vem quebrar o silêncio: “Filho, é hora
de levantar.” “Filha, acorda, está na hora.” Talvez o filho até reconheça que
não tem nenhuma força de vontade, então, o que se deve fazer? Um bom che­
fe de família tem um “mudador de vontades” entre suas ferramentas mais
úteis. E chega o momento de usá-lo. Talvez basta o pai dizer com firmeza:
“Filho, levante-se já!” E acontece. A vontade letárgica muda, sim. O Senhor
eterno também é um Deus modificador das vontades. Que benção para nós!
Freqüentemente essa mudança da vontade é positiva, na forma de um convi­
te. Vejamos o Salmo 23, onde a vontade da ovelha é pacificamente orien­
tada para outra direção, pelo convite do Pastor, que a chama para deliciar-se,
na Sua presença, com as águas tranqüilas e o pasto verde saboroso. Ouça-o
dizer: Eu lhe darei toda a alegria e satisfação que você tem desejado. Eu lhe
farei um caminho de rosas, pelo qual você pode caminhar comigo, e prote­
gê-lo-ei com meu cajado e minha vara.
Em outras ocasiões, como vemos em Hebreus 12, Ele fala de uma mu­
dança da vontade diferente, através da disciplina e da dor. E Ele irá mesmo
alterar a sua vontade, se está desenvolvendo a salvação em você. Esta é a mo­
tivação divina que leva os filhos de Deus a se moverem sempre e a crescerem
espiritualmente. Existem muitas circunstâncias que afetam as nossas vidas,
que gostaríamos muito de modificar; e existem muitas outras coisas que não
desejaríamos mudar nunca. Todas estas circunstâncias e condições são sinais
de Sua operação em nós, para moldar-nos de acordo com o Seu prazer e
plano. .
A maioria de nós conhece bem a diferença que há no brilhante, ou em
outra pedra preciosa, antes e depois de lapidado ou polido. O processo é lon­
go e doloroso, principalmente porque as pedras preciosas são muito duras.
Se não fossem, nada valeriam. Teria sido por isso que Deus escolheu a você e
a mim, teimosos como somos, querendo fazer nossa própria vontade, a fim
de nos lapidar e nos polir até que reflitamos a Sua beleza divina e a Sua gló­
ria (2 Cor. 3:18)? Quanto mais cheios de vontade própria, mais devemos es­
perar que a obra de Deus em nós demore para se efetivar. Quão terrível é o
erro de rebelar-nos contra Ele antes de sermos suficientemente polidos para
brilhar por Ele, ou tornarmo-nos jóias para Sua coroa!

O Resultado da Obra de Deus em Nós


Os versículos 14 a 18 apresentam alguns resultados da salvação desen­
volvida. O versículo 14 acrescenta que, à medida que Deus transforma a
nossa vontade, e desenvolvemos nossa salvação, devemos evitar de murmurar
e questionar. A palavra “murmurar” descreve uma reação externa. Quere­
mos que os outros ao nosso redor saibam o quanto estamos sofrendo. A
murmuração se expressa de maneiras interessantes. Pode-se falar na operação
que se teve, ou nas doenças que se tem. Por exemplo, o hipocondríaco é ve­
terano em chorar por simpatizantes, reclamando das suas doenças e dores.
Mas a reclamação e os murmúrios são contra Deus. Paulo diz aos filipenses
que é importante evitar isso. As provações pelas quais passamos não devem
ser compartilhadas para causar compaixão. A outra palavra, “contendas”, re­
fere-se à rebelião intelectual interior que temos, questionando circunstân­
cias, posicionando-nos contra as pessoas, mas na realidade colocando-nos
contra Deus. Tentamos provar que Deus está errado e nós certos. Tentamos
nos convencer e também a Deus que mude o que está fazendo com o fim de
moldar a nossa vida. Deus sabe melhor do que nós qual a disciplina e corre­
ção que necessitamos. Duvidar de Suas decisões sábias é realmente uma re­
beldia. São as duas palavras que descrevem a atitude dos israelitas no deser­
to. Eles estavam murmurando e contendendo contra o que Deus fazia. In­
capazes de crer nas Suas promessas ou de aceitar Seu modo de agir com eles,
murmuravam. As mesmas duas palavras descrevem a reação dos fariseus
quando Jesus aceitava os pobres e pecadores na Sua companhia (Lc. 15:2).
Troquemos pela murmuração e contenda muita gratidão e louvor, para ser­
mos “irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma
geração pervertida e corrupta” (v.15). Portanto, descobrimos aqui uma ver­
dade importante: o cristão que desenvolve sua salvação sem murmurações e
contendas, obediente e responsavelmente, motivado por Deus operando ne­
le, há de produzir um testemunho genuíno de Deus neste mundo. Este tes­
temunho é tanto interior como exterior. Observemos estas palavras nova­
mente; “irrepreensíveis” trata de como viver a vida cristã no mundo. Quan­
do os incrédulos não podem, com justiça, acusar uma pessoa de pecados e
faltas, ela é “irrepreensível” . Naturalmente, o homem não está sem pecado,
mas o mundo não enxerga falha nenhuma nele.
Certa vez, quando um grupo nosso ia de carro para uma reunião de
ex-alunos de faculdade, ficamos envolvidos em um acidente. Foi o pior
em que já estive, embora pudesse ter sido mais sério ainda, se houvesse feri­
mentos graves. A reação de uma das pessoas foi querer saber o “porquê”.
Por que aconteceu? Raramente o Senhor nos dá a resposta de um “porquê”.
A reação que ele procura em nós é sermos inculpáveis. Nosso comportamen­
to será de aceitação, cuja explicação lógica dará testemunho à verdade de di­
zermos que Deus habita em nós, pelo Seu Espírito, ativamente desenvolven­
do Sua salvação libertadora. As crises da vida são apenas o campo de batalha
onde Deus nos está moldando à semelhança de Cristo.
Digamos, por ilustração, que um repórter publica no jornal uma notí­
cia a meu respeito que é nitidamente falsa. Ele e a história são completa­
mente repreensíveis. Como me livro dessa culpa? Posso ir até o repórter para
contar-lhe toda a verdade. Mas ele só publicará o caso verídico mediante um
pagamento. Isto é semelhante ao problema que alguns cristãos enfrentam. O
crente pode ser acusado falsamente porque manifesta uma motivação que o
incrédulo não tem, no comércio, no trabalho, ou em qualquer aspecto de
sua vida. Mas quando as acusações são colocadas à prova para ver se são ver­
dadeiras, descobre-se que o cristão é irrepreensível, apesar das mentiras e
falsos rumores que têm a finalidade de difamar ou demiti-lo.
Consideremos em seguida a palavra “inocente” (sincero) ou “sím-
plice”, a mesma que Jesus usou para comparar seus seguidores às aves. Disse
aos seus missionários que deveriam ser “prudentes como as serpentes, po­
rém símplices como pombas.” Não há motivo para se temer uma pomba,
porque este pássaro não é perigoso, o cristão também não é venenoso. Ele
deve ser sábio, prudente, porque recebeu a sabedoria de Deus (I Cor. 1:30)
e aprendeu com Cristo (Ef. 4:20-21). Porém não deve ter malícia ao promo­
ver o evangelho ou a si mesmo. As segundas intenções não valem para
pressionar as pessoas para que aceitem a salvação que Deus lhes oferece. Pa­
ra o cristão “símplice”, o fim não justifica os meios ilegais ou indignos por
ele proclamados (2 Co. 4:5).
Paulo emprega uma terceira e última palavra para descrever a maneira
pela qual o cristão precisa viver. Nós devemos ser “inculpáveis” no meio de
“uma geração pervertida e corrupta”. A palavra “inculpável” é a mesma
usada comumente com respeito aos sacrifícios, quando se explicava que um
animal precisava ser “sem defeito” (Ex. 12:5; Lv. 22:21; Ef. 5:27). É com
isso que Paulo se preocupa a esta altura, falando da luz brilhante dos cristãos
no mundo em trevas. Paulo talvez estivesse lembrando dos luzeiros criados
divinamente, que transformam a treva total da meia-noite na beleza de um
céu salpicado de estrelas, com a lua cheia reluzente. É esta a comparação
que Paulo faz aqui. Mas, O que faz uma luz brilhar? É unicamente quando
ela se queima, quando ela se sacrifica. Portanto, o desenvolvimento de nossa
salvação significa iluminar o escuro, com um brilho que custa caro.
Resplandecendo no mundo, os filipenses irão “preservar” a palavra da
vida (v. 16), A palavra grega original (epechontes) tem tanto o sentido de
“manter alto” como o de “manter firme.” “Manter firme” sugere segurança,
para que não se desfizessem da Palavra. O outro sentido, de “manter alto” , é
o de erguer como se faz com uma placa ou cartaz de propaganda, para atrair
atenção de perto e de longe. O que eles, e nós, precisamos manter firme e al­
to é a mensagem que dá vida aos ouvintes que nela crêem. No Novo Testa­
mento, a “Palavra., é o evangelho, a boa nova do oferecimento gratuito da
salvação, através da fé em Cristo Jesus. Então, se os filipenses não deixam
cair nem escondem a luz, Paulo poderá alegrar-se, poderá até mesmo or­
gulhar-se de que sua carreira apostólica não foi completada em vão. Ele não
terá desperdiçado todo aquele esforço e energia nas viagens e na pregação
missionária (v. 16b). Quando uma igreja, ou mesmo um cristão individual­
mente, morre ou abandona a fé, todo o esforço e sacrifício gasto em seu fa­
vor resulta em nada. E essa conclusão infeliz torna-se um motivo de ver­
gonha, em vez de ser de alegria e orgulho, como o que Paulo aguarda ansio­
samente para o “Dia de Cristo” (v.16). Este será o dia em que nosso mara­
vilhoso Senhor e Rei há de voltar, todo o trabalho feito para Ele terá sua ava­
liação, e tudo que foi digno, terá a recompensa.
Paulo prossegue, no v. 17, considerando a possibilidade de sua vida in-
culpável ser sacrificada com derramamento de sangue sobre o altar da fé dos
filipenses. Seria motivo de alegria. Nos sacrifícios pagãos, depois que o ado­
rador preparava o altar e matava o animal sacrificial, ele o punha sobre o al­
tar, e preparava-se para acender o fogo. Às vezes o adorador derramava por
cima uma libação de vinho para consagrá-lo. Por isso aqui Paulo diz aos fili­
penses que a fé que eles demonstram é o sacrifício. Paulo tinha vivido por
eles, e, em conseqüência, estava consagrando a fé e o serviço deles ao
Senhor. Mas a vida de Paulo, que a qualquer hora poderia ser derramada em
martírio, serviria como libação para a fé e a obra dos filipenses. Se Paulo não
tivesse servido a Deus em lugares como Filipos, Tessalonica, Corinto, e em
todo o império romano oriental, não estaria correndo o risco de seu sangue
ser derramado sobre o altar da fé das igrejas. Portanto, agora, se nossas vidas
não são luzes brilhantes, mas estão ocultas debaixo de qualquer coisa, como
um vasilhame de medida (“alqueire” em Mt. 5:15) haverá pouco ou nenhum
perigo de perseguição. Ninguém teria pensado em prender Paulo, e amea­
çá-lo de morte, se sua luz não tivesse aparecido com tanto brilho no meio da
sociedade pervertida e corrupta de sua época. Deus espera que nossa vida
cristã seja obediente, assim como foi obediente a vida de Cristo, e, portanto,
de maneira igualmente dispendiosa. Seu precioso sangue foi derramado so­
bre o sacrifício da cruz. E nós somos convidados a participar de seus sofri­
mentos, enquanto desenvolvemos essa salvação (Cl. 1:24).. É colocado dian­
te de nós o mesmo problema da vontade que Jesus Cristo enfrentou no
Getsêmane, quando disse: “Pai, passa de mim este cálice!” Mas Deus não o
retirou. Nós temos o problema idêntico com o mundo. Podemos reagir ao
mundo na mesma medida, culpando, criticando, murmurando e contenden­
do. Só que, fazendo isto, seriamos cristãos desobedientes e repreensíveis.
Podemos observar, portanto, que esta passagem sugere que há dois ti­
pos de crentes. Há os cristãos nominais, que aceitaram a graça barata do
evangelho. Afirmam que Cristo morreü por eles, que Ele pagou tudo, não
deixando mais nada para fazerem. Escolhem viver a vida cristã descansada,
apática, sem energias. Desejam ser da classe de cristãos espectadores, senta­
dos nas arquibancadas, e não discípulos dedicados, empenhados, que seguem
a Cristo até o Calvário. Diante da televisão, o telespectador não se envolve
ativamente; não há nenhum custo além da mera observação e apreciação das
cenas que se sucedem. Esta passagem sugere que o único cristão genuíno é
aquele que (como Jesus, por aquilo que sofreu, pois agora ele é o seu Senhor
exaltado) desenvolve sua salvação com temor e tremor. É aquele que permi­
te a Deus mudar a sua vontade, com alegria. Observe como Paulo convida os
filipenses a compartilharem de sua alegria sacrificial: “Assim, vocês também,
pela mesma razão, alegrem-se e congratulem-se comigo.” (v. 18).
Deixe seu coração se abrir para contemplar a cruz de Jesus, e a graça
de alto preço do seu sacrifício, o preço de nossa salvação. Estou certo que
verá também o quanto você tem procurado escapar das implicações difíceis
e custosas da cruz Dele. Então, como Paulo, considere sua vida uma libação
preparada para ser derramada alegremente em benefício da família, dos vi­
zinhos e amigos, à medida que você desenvolve a sua salvação.
Oração: Ao nos aproximarmos de ti, bendito e santo Deus, somos de­
safiados pelo ensino claro de Tm palavra. Por que somos tão morosos em
obedecê-la, em tomar os passos e as decisões necessárias para viver de tal for­
ma que outros vejam a graça de alto preço de Deus, manifesta através de
nós? Precisamos de tua ajuda, ó Deus, porque somente quando o Espirito
Santo habita em nós é que nossas vontades se modificam. Ama, por meu in­
termédio, ó Jesus, o mundo pelo qm l vieste a morrer.
HOMENS DE DEUS
Filipenses 2:19-30
19 - Espero, porém, no Senhor Jesus, mandar-vos Timóteo, o
mais breve possível, a fim de que eu me sinta animado tam­
bém, tendo conhecimento da vossa situação. 20 - Porque a
ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente cuide
dos vossos interesses; 21 - pois todos eles buscam o que é seu
próprio, não o que é de Cristo Jesus. 22 — E conheceis o seu
caráter provado, pois serviu ao evangelho, junto comigo, como
filho ao pai. 23 — Este, com efeito, é quem espero enviar, tão
logo tenha eu visto a minha situação. 24 - E estou persuadido
no Senhor de que também eu mesmo brevemente irei. 25 —Jul­
guei, todavia, necessário mandar até vós a Epafrodito, por um
lado meu irmão, cooperador e companheiro de lutas; e, por ou­
tro, vosso mensageiro e vosso auxiliar nas minhas necessidades;
26 - visto que ele tinha saudade de todos vós e estava angus­
tiado porque ouvistes que adoeceu. 27 - Com efeito, adoeceu
mortalmente; Deus, porém, se compadeceu dele, e não somen­
te dele, mas também de mim, para que eu não tivesse tristeza
sobre tristeza. 28 - Por isso, tanto mais me apresso em man­
dá-lo, para que, vendo-o novamente, vos alegreis, e eu tenha
menos tristeza. 29 - Recebei-o, pois, no Senhor, com toda a
alegria, e honrai sempre a homens como esse; 30 — visto que,
por causa da obra de Cristo, chegou ele às portas da morte,
e se dispôs a dar a própria vida, para suprir a vossa carência de
socorro para comigo.

Introdução
Paulo, Timóteo (I Tm. 6.11) e Epafrodito eram homens de Deus. Mas
como tomar-se homem ou mulher de Deus?
No Antigo Testamento esta frase representava um profeta (cf. 1 Sm.
2:27, 1 Rs. 12:22; 17:18, 20:28 etc. e 1 Tm. 6:11), isto é, alguém que falava
da parte de Deus. Para ser um embaixador do Rei do Universo, o profeta de­
via se assemelhar ao seu Senhor em atitudes e interesses. Onde há homens de
Deus, deve ser notável a aproximação da atmosfera divina, um perfume ce­
lestial (cf. 2 Co. 2:15) que é fácil de detectar e que atrai os que “cheiram”
o “aroma de vida

Paulo
Não estaríamos longe da verdade ao afirmarmos que um dos temas
principais de Filipenses é o “homem de Deus”. No primeiro parágrafo desta
carta, deparamos com a comunhão outorgada por Deus por meio dos irmãos.
A cintilante oração paulina (1:9-11), por causa da profunda saudade que
sentiu (v. 8), pedia que o amor dos seus filhos na fé “aumente mais e mais
em pleno conhecimento e toda a percepção” (v. 9). Paulo sempre fazia sú­
plicas por eles (1:4) o que nos dá motivo para pensar que o segredo da for­
mação do homem de Deus deve ser a oração. Se Paulo lembrava dos filipen­
ses em todas as suas orações, quanto mais de Timóteo. Não seria fácil convi­
ver com o apóstolo sem orar por ele (Ef. 6:19, 20). Não se pode negar que
homens de Deus são os que são os alvos da oração de homens de Deus. Se o
Espírito de Deus é derramado em resposta à oração (Lc. 11:13), seu amor
também transforma o caráter de todos em que Ele habita (Rm. 5:5, Ef.
5:18, Gl. 5:22).
Igualmente importante é a convivência com homens de Deus. O desa­
fio de comer, dormir, conversar e observar a vida de um servo consagrado ao
Senhor, deve influenciar profundamente quem tiver esse privilégio. A pró­
pria igreja deve fornecer aos novos crentes, especialmente aos jovens, um
modelo de santidade nos seus líderes (cf. Hb. 13:7), fornecendo um desafio
constante para que sejam transformados paulatinamente em homens de
Deus(cf. Cl. 1:28).
Paulo expressa no v. 16 deste segundo capítulo, que sabia exatamente
para onde corria. Tinha um destino, para não correr em vão ou inutilmente,
enquanto preservava ou segurava firmemente a palavra da vida. No cap. 3,
declara, “prossigo para o alvo” avançando para as cousas que diante de
mim estão (w. 14, 13). Sabemos que ele cogitava a possibilidade de ser
“oferecido como libação sobre o sacrifício da fé” dos filipenses. Tudo isso
mostra a determinação de Paulo por um lado e o desafio das circunstâncias
nas quais Deus o colocara, por outro lado. Homens de Deus são produzidos
também pelos desafios e se recusam a se desanimar. Creio que quem tem di­
reito a este elogio de ser homem de Deus deve ser alguém que não vive para
sí, mas para os outros (cf. 2 Co. 5:14, 15). Sua vida é derramada para bene­
ficiar aos outros. Como canal ou aquaduto, a vida do homem de Deus con­
duz a graça divina para o coração humano. Muitas vidas assemelham-se mais
a uma torneira fechada do que a um canal entre Deus e a humanidade se­
denta. Sem auto-jactância, Paulo podia afirmar que, não importando de que
maneira sua vida terminasse, não teria corrido em vão.
Em mensagens anteriores tivemos oportunidade de observar que a
prisão de Paulo, mesmo sendo ele inocente, não foi capaz de criar ressenti­
mento no apóstolo. Nem os irmãos que, pelo ódio e ciúme, tentavam susci­
tar tribulação às cadeias do missionário, foram capazes de criar mágoa ou
aborrecimento ao coração daquele Homem de Deus(l :15,18). Como se ex­
plica fenômeno tão raro? As circunstâncias difíceis não criaram barreiras
para a sua corrida, mas apenas pontes para cada vez refletir mais a encar­
nação da vida de Cristo na de Paulo (cf. Gl. 2:20).
Timóteo
Além de Paulo, descobrimos neste trecho a breve descrição de um se­
gundo homem de Deus. Paulo esperava mandar Timóteo brevemente para os
filipenses. Assim, teria uma avaliação de confiança ao receber notícias de
volta na sua prisão. Também Timóteo deveria levar notícias aos filipenses so­
bre o resultado do seu processo, a ser brevemente definido (v. 24).
Timóteo significa em grego “quem honra a Deus” ou “alguém honra­
do por Deus”. Quem passeia por um cemitério observa os nomes dos esque­
cidos, indivíduos do passado longínquo. Nunca os conhecemos, nem ouvi­
mos falar deles; não sabemos de nada significante que fizeram. Suas vidas
não são detalhadas em biografia alguma. A história os deixou de lado. Desa­
pareceram como a água na superfície da areia. Teria sido assim com Timó­
teo, não fosse os desafios determinantes da sua yida. Primeiro foi sua avó
Lóide, uma mulher de fé (2 Tm. 1:5). Certamente ela amou as Escrituras
como a profetiza Ana (Lc. 2:36-38), e a mãe de Samuel, também chamada
A na(l Sm. 1:2-2:11).Se Timóteo conhecia “desde a infancia... as Sagradas
Letras” (2 Tm. 3:15), concluímos que Lóide e sua filha Eunice, mãe de
Timóteo, o ensinaram. Bendito é o privilégio de aprender, desde o colo dos
pais, o convívio com as verdades depositadas nas páginas da Bíblia.
O apóstolo declara que não havia ninguém (disponível) com o senti­
mento (gr. isopsuchon, lit. “alma igual”) que Timóteo tinha. Provavelmente
só este jovem de alma semelhante ao do apóstolo. O conhecimento da Lei de
Deus e o convívio no lar, com mulheres consagradas e depois com o seu pai
na fé, juntos, fizeram de Timóteo um jovem de Deus destacado. Facilmente
imaginamos as conversas, ao transcorrer as centenas de quilômetros nas via­
gens paulinas pela Ásia Menor e Grécia, em que as passagens bíblicas conhe­
cidas há anos se transformaram em verdade viva para Timóteo. Quem, a não
ser os próprios discípulos de Jesus, teria tido tão equilibrado e profundo
curso teológico como este jovem companheiro? Por isso, Paulo o chamou de
“amado filho” (2 Tm. 1:2) e “amado filho fiel” (1 Co. 4:17). Aos filipenses
revela que “serviu ao evangelho, junto comigo, como filho ao pai” (2:22).
Provavelmente o pai de Timóteo não era convertido (ou possivelmente tinha
morrido) criando assim uma inevitável separação entre parentes que devem
ser os mais íntimos. Paulo tomou o lugar do pai, trazendo todo o impacto
benéfico da sua influência piedosa. Na primeira carta a Timóteo, Paulo o cha­
ma de “verdadeiro filho na fé” (1:2), frisando a qualidade da relação entre
“pai” e “filho”. Timóteo, facilmente influenciado, se entregou à tutela do
mestre. Tornou-se disípulo admirador, filho co-participante da vida do vete­
rano, tanto que ganhou a sua confiança total. Muitas são as influências que
os mais velhos, experimentados cristãos têm tido sobre nós. Mas qual deles
se responsabilizou por tomar-nos um “filho genuíno (gnésios no grego) ou
verdadeiro na fé”?
Sendo Timóteo um filho genuíno, podia compartilhar o ministério
pastoral do apóstolo preso. Sinceramente (gnésios “genuinamente”, “verda­
deiramente”) cuidaria dos interesses dos irmãos em Filipos (v. 20 b), tendo
sido enviado para lá por Paulo. Por esta razão, Timóteo era incomparável,
não havendo outro companheiro disponível “de igual sentimento” (v. 20 a).
Timóteo viu a Paulo pela primeira vez, pregando em Listra, depois
opondo-se ao culto pagão, oferecido a Paulo é Barnabé, após a cura do
côxo (At. 14:8-18). Em seguida, foi apedrejado, arrastado para fora da ci­
dade e dado por morto (At. 16:19), mas depois levantando-se, deve ter pro­
duzido em Timóteo uma fascinação pelo judeu missionário. Quando Paulo
passou por Derbe e Listra na segunda viagem missionária, os irmãos de Listra
e Icônio (distância de 31 km), “davam bom testemunho dele” (At. 16:2).
Paulo o convidou para o acompanhar, tomando assim o lugar de Marcos que
abandonara a equipe missionária no meio da primeira viagem (At. 13:13;
15:38).
A segunda razão pela qual Paulo enviara a Timóteo (além do cuidado
pastoral) é precisamente pelo desinteresse que ele tinha pelo que era dele.
Concentrou sua atenção inteiramente ao que era de Cristo (Fp. 2:21). Mar­
cos virou as costas diante do desafio missionário de Panfília e o planalto
da Ásia, justamente porque não buscava o que era de Jesus, mas o que era
seu. Por isso, Paulo descreve a Timóteo como incomparável (v. 20). Não deu
prioridade ao que lhe traria vantagens, mas buscou acima de tudo o que seria
vantajoso ao seu Senhor. Entendemos agora porque os irmãos de Icônio e
Listra deram tão boa recomendação a respeito de Timóteo (At. 16:2). Não
foi ao campo com a garantia de sustento mensal da igreja ou junta missioná­
ria da associação de igrejas da região. Não creio que comeram churrasco to­
dos os diaSi Sem dúvida, a característica mais destacada da vida com Paulo e
Silas foi o sacrifício, o perigo, a perseguição e a fome (cf. 2 Co. 6:4, 5;
11:22-27). Não creio que Timóteo se sentiu maltratado por isso. Uma vez
que “o que era de Cristo Jesus” importava mais do que qualquer outra cousa
não há nem sugestão de queixumes.
Em terceiro lugar, Paulo lembra aos filipenses do caráter de Timóteo.
Ele era homem de Deus porque tinha qualidade “provada” (gr. dokimen,
“testado” e “aprovado”, v. 22). Não é muito difícil de encontrar numa hora
de emoção e desafio, quem se apresente como voluntário para servir a causa
do evangelho em terras difíceis, destituídas de segurança e conforto. Mas
depois de servir fielmente, junto com Paulo, Timóteo ganhou a reputação de
um veterano provado.
A palavra grega dokimen comunicava confiança. Quem duvidava se
uma moeda era realmente feita- de prata, a deixava cair num piso de már­
more. Pelo ruído que emitia, podia-se ter a verteza se era ou não composta
de chumbo ou prata. Era dokimen, aprovada ou rejeitada. Timóteo alcançou
aprovação pela maneira que serviu ao evangelho (douleuô, ser ou atuar como
escravo”). Serviu ao evangelho como um escravo leal serve a um mestre ama­
do. Entendeu perfeitamente que espalhar as boas novas da salvação era a
preocupação prioritária de Jesus Cristo (e de Paulo). Timóteo abafou seus
interesses legítimos (casamento, constituição do lar, seguir sua carreira) para
tomar-se “escravo” voluntário de Jesus.
Com o passar dos anos de serviço, sob a observação e discipulado cui­
dadosos de Paulo, ganhou a nota dez do mestre que reconheceu seu “caráter
aprovado”. Tempos depois, o apóstolo escreveu a Timóteo, “procura apre­
sentar-te a Deus, aprovado...” (2 Tm. 2:15).. Descobrimos que aprovação de
Deus não é posição estática mas uma busca constante. Ainda que Timóteo
fosse aprovado (Fp. 2:22), precisava buscar sempre essa condição.
Serviu ao evangelho como filho junto ao pai. Humildemente rebaixou-
se, para permitir que o apóstolo tomasse a liderança. Não encontramos neste
símile nenhuma indicação de oposição (como entre patrão e empregado),
mas de cooperação leal e subordinação, voluntária e alegre. Aliás não encon­
tramos nas epístolas nenhuma sugestão para sustentar a idéia de que o após­
tolo mandava nas vidas dos companheiros. Se houve uma exceção, foi de
Timóteo que se prontificou a servir ao apóstolo, pará assim servir a Cristo.
Não penso que Timóteo era líder destacado. Não penso que o apóstolo o in­
dicaria para abrir um campo novo onde o evangelho nunca tinha sido anun­
ciado. Mas para servir às necessidades de Paúlo e da igreja de Filipos, era o
único indicado entre os companheiros do apóstolo. Qual seria a opinião que
Paulo teria formado a nosso respeito? Ele enviaria qualquer um de nós? Te­
ria percebido a nossa capacidade de cuidar sinceramente dos interesses dos
filipenses ou dos nossos acima do que é de Cristo? Ganharíamos a reputação
de “aprovados” da parte de Paulo pela maneira que temos servido humilde­
mente à causa?

Epafrodito
Em terceiro lugar quero dar uma visão de Epafrodito. Este homem de
Deus não é mencionado em outra parte da Bíblia. Não podemos opinar se
era jovem ou mais velho, se se converteu nos primeiros dias da igreja em Fili­
pos, evangelizada por Paulo, ou se recentemente se entregara ao Senhor
Jesus Cristo. Mesmo sabendo tão pouco, Paulo focaliza alguns fatos impor­
tantes a respeito deste extraordinário homem.
Primeiro notamos que Paulo o chama de “o irmão”. Baseado no fato
que Paulo distingüe “os irmãos” de “todos os santos” (Fp. 4:21, 22), alguns
estudiosos chegaram à conclusão de que “irmão” servia de título como hoje
usamos “obreiros” . Talvez os “irmãos” receberam ajuda financeira ou ali­
mentos para poder dar tempo ao trabalho de evangelizar (cf. 2 Ts. 3:8-10 ;
Cl. 6:6), ou viajar como Epafrodito fizera.
Sendo o significado de “irmão” incerto, passeamos para o termo
“cooperador” (gr. sunergon, “quem trabalha junto com outrem”, v. 25).
Através da história a igreja demonstrou a forte tendência de formar uma hie­
rarquia. os líderes importantes sobem a escada de honra e autoridade. Creio
que Paulo teria julgado esta inclinação contrária à vontade de Cristo (cf.
Lc. 22:24-27). Epafrodito não foi considerado superior, nem inferior a
Paulo; mas simplesmente um trabalhador ao lado de Paulo. Valioso é reconhe­
cer na igreja que todos trabalham em equipe. Somos sunergoi com Cristo, O
Cabeça, Senhor de todos os que cooperam na sua obra. Como formigas que
sem obrigação nem domínio externo (cf. “nicolaitas”, no grego quer dizer
dominadores do povo”, Ap. 2:6) trabalham espontaneamente em todas as
áreas necessitadas: ensino, contribuição, evangelização, cuidado com os ne­
cessitados, trabalho missionário distante etc. De acordo com o dom recebi­
do, devemos colaborar.
A terceira palavra no original, usada para caracterizar a Epafrodito se
traduz com a frase “companheiro de lutas” (gr. sustratiõtês, “soldado com­
panheiro de batalha”, “companheiro de armas”). Vocábulo bem raro, não
temos muitas condições para adivinhar por que Paulo o designou desta ma­
neira. No v. 30, somos informados de que Epafrodito “chegou... às portas
da morte” e “se dispôs a dar a própria vida” (gr. paraboleusamenos, “arris­
car a vida”, “apostar a vida”). Creio que se oferecer para transportar a oferta
da igreja de Filipos até Paulo, o que era muitíssimo arriscado, possivelmente
explicaria o uso deste termo por Paulo. A história do Bom Samaritano que
Jesus contou ao advogado (Lc. 10:30-37) indica até que ponto chegava o
perigo para quem viajava longas distâncias sozinho (cf. 2 Co. 11:26, “em
perigos de salteadores”).
Além dessa ameaça universal, Epafrodito enfrentou a enfermidade,
“adoeceu mortalmente” (v. 27). No primeiro século, o perigo de germes e
micróbios, de febres provocadas pelas águas poluídas, alimentos perigosos,
antes das descobertas científicas que nos capacitam tomar as medidas de
precaução, eram freqüentes. Viajar significava inevitavelmente enfrentar o
perigo de doenças como tifo, tifóide, cólera, malária i e muitas outras doen­
ças, sem qualquer tratamento eficaz. Paulo reconhece a disposição de Epa­
frodito em “apostar sua vida” da mesma maneira que ele costumava fazer. Por
isso, mereceu o título de “companheiro de batalha”, pois o incentivo foi ser­
vir a Cristo, beneficiando o apóstolo.
Epafrodito foi também o apóstolo ou “mensageiro” (gr. apostolos)
da igreja de Filipos (v. 25). Recebeu a comissão de “enviado oficial” ou
“procurador” dos filipenses junto a Paulo. Um apóstolo para os judeus, “era
igual àquele que o enviou”2 . Portanto Epafrodito tomou-se o substi­
tuto para a igreja junto a Paulo. Nessa posição serviu também de “auxiliar
nas minhas necessidades” (v. 25). “Auxiliar” representa a palavra leitourgon
no original. Significa em serviço ou culto que beneficia o povo (/e/f.). Na
Septuaginta ganhou quase exclusivamente o significado de serviço de sacer­
dote em prol da nação.
É difícil saber se em outras passagens Paulo queria comunicar um sen­
tido mais religioso (exs. Rm. 15:27; 2 Co. 9:12), ou talvez, menos. Se, como
veremos no cap. quatro, a oferta dos filipenses foi um “sacrifício aceitável e
aprazível a Deus” (4:18 b), por que não deduziríamos que aqui Epafrodito
serve como “sacerdote” comissionado pela igreja, oferecendo a Deus os do­
nativos dos irmãos filipenses e suprindo a falta do apóstolo de Cristo (2:30)?
Esta é mais uma passagem que emprega linguagem relacionada ao culto, e ao
serviço sagrado dos membros (cf. Hb. 8:2), especialmente no ato de suprir
uma necessidade no corpo de Cristo. O termo “serviço” (leitourgia) já foi
usado por Paulo para indicar o ministério sacerdotal que o seu martírio efe­
tuaria (v. 17). Portanto, ambos, Paulo e os filipenses, por intermédio de Epa­
frodito, exerciam ministério sacerdotal.
Epafrodito era um homem sensível. Ao saber que a notícia de sua gra­
ve doença tinha chegado à igreja de Filipos, ficou angustiado (v. 26). Paulo,
igualmente ansioso por causa da aflição dos filipenses que só receberam a
notícia da enfermidade, e não que Deus o havia levantado (v. 27), depressa
mandou Epafrodito de volta. Naturalmente, levou esta preciosíssima carta
de Paulo aos filipenses na viagem. Assim, Paulo descansaria (“eu tenho me­
nos tristeza v. 28”), no conhecimento de que a igreja não continuaria na
angústia em relação a Epafrodito. Timóteo também irá (v. 19) logo que
Paulo puder lhes informar a seu próprio respeito. Paulo, Timóteo e Epafro­
dito merecem uma recepção alegre e honrosa (cf. v. 22,29). Paulo também
irá logo que puder (v. 24), tendo confiança que o Senhor o libertará da
prisão e “sentença de morte” (2 Co. 1:9) que pairava sobre sua cabeça3.
Na apresentação dos três homens de Deus, Paulo, Timóteo e Epafrodi­
to, descobrimos os traços daqueles que merecem essa designação. Homens
que se desvincularíi dos seus próprios valores para, incansavelmente, buscar
os de Cristo e da sua igreja. Estavam envolvidos no serviço sacerdotal dos ir­
mãos e desta maneira cultuavam a Deus. Oremos a Deus insistentemente
para nos tomar homens de Deus, levantando-nos no meio da sua igreja, para
a sua glória.
PERDENDO PARA GANHAR
Filipenses 3:1-8
Quanto ao mais, irmãos meus, alegrai-vos no Senhor. A mim
não me desgosta, e è segurança para vós outros, que eu escreva
as mesmas cousas. 2 - Acautelai-vos dos cães\ acautelai-vos
dos maus obreiros! acautelai-vos da falsa circuncisão \ 3 - Por­
que nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos a Deus
no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos
na carne. 4 — Bem que eu poderia confiar também na carne. Se
qualquer outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais:
5 - Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo
de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu, 6 -
quanto ao zelo, perseguidor da igreja, quanto à justiça que há
na lei, irrepreensível. 7 - Mas o que para mim era lucro, isto
considerei perda por causa de Cristo. 8 — Sim, deveras consi­
dero tudo como perda, por causa da sublimidade do conheci­
mento de Cristo Jesus meu Senhor: por amor do qual, perdi
todas as cousas e as considero como refugo para ganhar a
Cristo.

Introdução
Uma das coisas estranhas sobre um homem como Paulo é que no mes­
mo instante em que está insistindo em que os leitores tenham alegria, está
também furioso.
E não vê nenhuma contradição entre essas duas fortes emoções con­
trastantes. É intensa sua hostilidade para com os judaizantes perseguidores,
que o estão seguindo e se infiltrando nas igrejas que ele fundou (3:2). Mas
Paulo diz aos filipenses que devem alegrar-se (3:1). Há dezesseis referências
à palavra “alegria” ou “regozijo” nesta epístola curta, o que indica a signifí-
cância espiritual que a alegria tem para Paulo. ,
Mas, como estar alegre e furioso ao mesmo tempo? Como se pode ex­
perimentar esta “alegria no Senhor” e a hostilidade juntamente? E por falar
nisso, é possível cometer um erro sério quando se confunde “alegria” com
“felicidade”. Feliz e afortunado são termos paralelos. Afortunado vem da
palavra latina “fortuna” que tem a ver com situações externas mas que afe­
tam a você pessoalmente. Poderíamos chamá-la de emoção circunstancial. Se
suas circunstâncias são favoráveis, então sua reação para com elas é positiva
e você fica feliz. Mas alegria é outra coisa bem diferente porque tem a ver
com as profundezas de seu ser. Compare tal estabilidade com o mar. A pou­
cos quilômetros de profundidade no oceano, a milhares de metros abaixo da
superfície, você descobre que nenhum efeito é causado por qualquer cir­
cunstância que ocorra na superfície. Nas profundezas a temperatura perma­
nece constante. Nenhuma tempestade ou bater de ondas perturba o fundo do
mar. Como nas camadas inferiores dos oceanos, é a alegria inspirada por Deus.
Existem coisas surpreendentes na Bíblia, por exemplo, na última fala de Jesus
com seus discípulos, o Senhor ofereceu-lhes “Eu lhes dou meu gozo”, mesmo
quando estava caminhando para o Getsêmano. Hebreus menciona isto quando
registra que nosso Senhor chamou-o “da alegria que lhe estava proposta”
(12:2). Suportou a cruz, e até mesmo quando suportava a dor, isso não lhe
afetava quanto à alegria. Só o Cristianismo pode oferecer-lhe, meu amado
leitor, uma “alegria” tão incondicional. Nenhuma outra religião pode falar em
alegria como pode o Cristianismo. É um dom, uma dádiva do Espírito Santo.
Tem a ver com aquilo que Filipenses 3:3 chama de “adorar a Deus verdadeira­
mente”. Se você realmente adora a Deus “por meio do Espírito” (creio que é
uma tradução mais exata do que “no Espírito”), seu coração pode transbordar
de alegria mesmo num campo de concentração. Nas circunstâncias mais
miseráveis e penosas, ainda que você esteja experimentando uma tristeza
profunda pela perda de um ente querido, você ainda pode se extasiar com a
alegria do Senhor, alegria que lhe vem pela presença do Espírito. A alegria
tem direito de estar na lista dos frutos do Espírito (Gál. 2:20).

A Hostilidade de Paulo
E enquanto Paulo experimenta esta alegria e encoraja os cristãos em
Filipos a “regozijarem-se no Senhor” ele acrescenta: “Acautelai-vos dos
cães”. A palavra “cães”, usada para descrever estes obreiros maus, é uma for­
ma particularmente judaica de falar. Não que Paulo sentisse aversão especial
pelos animais de estimação que temos. É que um cão era considerado animal
impuro, visto que não podia ser sacrificado nem comido. Em conseqüência
disso, “cães” tornava-se uma palavra útil para descrever os gentios, aqueles
que não eram incluídos no pacto de Deus. Os gentios eram “pecadores”
(Gál. 2:15), e excluídos da presença de Deus por causa de sua imundície ce­
rimonial e religiosa.’ Portanto, quando Paulo fala nos adversários farisaicos
da salvação gratuita pela graça de Deus, ele diz: “estas pessoas que se consi­
deram povo verdadeiro de Deus são realmente “Cães”, são alienados, são
gente de fora. Fica mais claro ainda no versículo 2 quando Paulo os chama
de “maus obreiros”. A razão é que proclamam um evangelho diverso, que
realmente destrói a fé dos gentios que creram. Faz deles, não candidatos pa­
ra os céus, mas iludidos, sem alento, a caminho do inferno. É uma situação
que deixa Paulo extremamente infeliz, mas não sem alegria. Fica furioso,
mas não perde o regozijo. Prossegue descrevendo os falsos mestres como
“cortadores”, como diz uma tradução, “mutiladores”. “Eles se mutilam” sig­
nifica que estão praticando a circuncisão. Não que Paulo se opusesse à cir­
cuncisão; ele próprio circuncidou a Timóteo (Atos 16:3). O que condenava
era dar a este ritual judaico um valor que não podia ter mais, especialmente
no caso dos gentios convertidos. Toda vez que uma cerimônia religiosa
adquire um significado à parte, sem ser o de engrandecer o valor de Cristo
Jesus, há um deslize da natureza daquele em que incorreram os heréticos ju-
daizantes, que semeavam mentiras nas igrejas fundadas por Paulo. Na verda­
de, Filipenses 3:2 precisa ser lido em combinação com toda a Carta aos Gála-
tas. Basta lembrar o que o Apóstolo diz em Gálatas 1:9: “Se alguém lhes
prega evangelho que vá além daquele que receberam apresentando outra for­
ma de ser salvo, que seja anátema”. Esse alguém era mestre perigoso, era
mesmo um cão devorador. Era pessoa para ser evitada, excluída da comunhão
dos santos.
Adoração Verdadeira
Então, Paulo continua com uma afirmação inesperada, no versículo
3: “Nós somos a circuncisão verdadeira”. Há várias passagens na Bíblia que
falam da circuncisão ser “verdadeira”. Aqui há o contraste subentendido. Se
há uma circuncisão verdadeira, deve haver uma falsa. A circuncisão era o si­
nal característico do homem judeu, significando que ele estava incluído nas
promessas da aliança de Deus feitas a Abraão e aos seus descendentes. O
pacto fez com que Israel fosse o povo eleito de Deus. Dois versículos adiante
(Fil. 3:5) Paulo faz uma lista de seus bens religiosos, e põe a circuncisão co­
mo o primeiro que perdeu a fim de ganhar a Cristo. Pela circuncisão Paulo
estava incluído, segundo acreditavam os judeus, no povo da aliança de Deus.
O sinal externo desse concerto era a circuncisão. Paulo diz que os represen­
tantes da religião judaica não são a verdadeira circuncisão, mas que são
“cães”. Como descrentes na graça, são de fora e são impuros. Os cristãos se
tomaram os verdadeiros israelitas. Paulo inclui os gentios incorporados em
Cristo pela fé. A Igreja de Jesus Cristo se tem tornado o único herdeiro legí­
timo das promessas salvadoras de Deus dadas a Abraão. A circuncisão à qual
Paulo se refere em Romanos 2:29, chamada “a circuncisão do coração”, é a
única circuncisão verdadeira. Não é um rito carnal, mas um coração muda­
do. E você, leitor, você se inclui com Paulo e os filipenses nesta circuncisão
verdadeira? Já foi circuncidado de tal maneira que o arrependimento e a fé
transformaram seu coração? Sem uma circuncisão desta natureza não há vi­
da! É esta circuncisão que incorpora em Cristo os pecadores perdidos. Por
isso Paulo a chama de “circuncisão de Cristo” (Col. 2:11). Nele, tanto ho­
mens como mulheres foram cincuncidados, não por mãos, mas no despojamen-
to do corpo da carne na circuncisão de Cristo. A crucificação de Jesus Cristo
é a circuncisão que Deus colocou à disposição de todos nós. Confiando nele
como nosso Senhor, somos incluídos no povo verdadeiro de Deus, tornando-
nos verdadeiros filhos de Abraão e filhos de Sara (veja Romanos 4). Em re­
sumo, somos o verdadeiro Israel de Deus.
Por causa de Abraão, o pai dos homens de fé de todo o mundo, as úni­
cas pessoas que terão a salvação serão “israelitas” neste sentido espiritual.
Serão o verdadeiro povo judeu, aqueles cujos corações foram mudados de
acordo com a promessa da Nova Aliança. (Veja Ezequiel 36:23-32). O
Senhor prometeu que faria uma coisa nova pelo seu povo, que faria deles um
povo novo, em contraste com aquela nação profana que se afastava dele e
servia a ídolos. “Para que as nações saibam que eu sou o Senhor, vindicarei a
minha santidade através de vocês” (Ez. 36.23). Como Deus demonstrará sua
santidade perante o mundo? Primeiro, mudando, transformando os corações
dos homens, fazendo assim com que sejam Seu Povo verdadeiro. “Dar-lhes-ei
coração novo, e porei dentro de vocês espírito novo” (Ez. 36.26). O Novo
Testamento proclama o cumprimento desta promessa maravilhosa da nova
aliança. Mas, no Velho Testamento também, não há somente esta passagem
que se refere ao Novo Pacto. Está expresso no Velho Testamento, tanto co­
mo no Novo, onde é proclamado como já realizado. A promessa, então, é
que Deus implantará seu Espírito transformando pessoas de corações endu­
recidos, e daquelas pessoas que, antes dependiam inteiramente de si, fará ser­
vidores de Deus. Porém esta nova vida da aliança só se encontra em Cristo.
Toda vez que celebramos a Ceia do Senhor, somos lembrados da “nova
aliança no seu sangue”. O sangue de Jesus Cristo crucificado, proporcionou-
nos esta vida nova que Seu Espírito nos concede. Recebendo o Espírito de
Cristo somos feitos um povo verdadeiro de Deus. Filipenses 3:3, portanto,
relaciona a verdadeira circuncisão, que aponta para o povo verdadeiro de
Deus, com a adoração verdadeira. Pois a Igreja é a reunião daqueles “que
adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confia­
mos na carne”.
A adoração dos judeus em Jerusalém era conforme a carne, e não “por
intermédio do Espírito”. O culto, o serviço que ofereciam a Deus (é o que
significa a palavra latremontes que Paulo emprega, compare Romanos
12:1) não era aceitável, porque os judeus não dependeram da mediação do
Messias crucificado. Faltava-lhes o Espírito da promessa da Nova Aliança
(Jo. 3:5). Jesus explicou à mulher de Sicar que somente os que adoram em
Espírito e verdade são procurados por Deus. Todo culto carnal, por mais sa­
crificial e sincero, é.rejeitado. Agora, podemos entender porque Paulo diz:
“Gloriamo-nos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne” . Gloriar-nos em
Cristo quer dizer reconhecer que somos afortunados, abençoados. O “ale­
grar-se em Cristo”, recomendado por ele, só pode referir-se à confiança e
contentamento que enche o coração do cristão nascido de novo (comp.
Gál. 6:13-14 onde Paulo limita o “gloriar-se” exclusivamente à Cruz. Obser­
ve seu uso freqüente da palavra kauchemai (“gloriar-se”) em 2 Coríntios
também).

A Conta Espiritual Examinada


A oposição que Paulo enfrentava nos primeiros anos do seu ministério
era em grande parte a dos mestres judeus que se gabavam de ter credenciais
pessoais importantes como autoridades religiosas. O Apóstolo não hesitou
em comparar-se aos maiores dentre eles, enquanto negava, ao mesmo tempo,
que valesse alguma coisa seu prestígio religioso judaico. O que ele diz é o se­
guinte: “Se a questão é ter razões para confiar em si próprio, eu tenho mais
do que todos” (v. 4).
Paulo apresenta seus haveres, embora sejam religiosos e não financei­
ros. Faz como um contador: “Peguem seu livro caixa e vejamos a coluna dos
créditos e a dos débitos. Vejam minha lista. Quero registrar que a despeito
dos mandamentos da lei que os judaizantes lhes estão impondo, a despeito
de seus currículos impressionantes, eu tenho o maior saldo em vantagens re­
ligiosas do que qualquer missionário judeu do mundo inteiro”.
Vejamos a lista de Paulo: é de causar admiração. Em primeiro lugar,
quanto à circuncisão (a exigência primária), “Eu estou seguro, tenho segu­
rança total” (v. 5). Muitos rabinos judeus afirmavam que nenhuma pessoa
que tivesse sido circuncidada podia ser lançada no Inferno. Paulo estava mar­
cado no corpo com o sinal certo, como membro do povo da aliança de Deus.
De maneira que as promessas que Deus deu a Abraão também eram suas!
Não só circunciso, como também descendente de Isaque e Jacó, o que lhe
dava o segundo crédito da lista. Com isso ele diz que pertence racialmente ao
povo escolhido de Deus. Paulo não vinha de fora como os prosélitos gentios.
Não só foi circuncidado no oitavo dia, como também era de sangue puro, ra­
cialmente, descendendo diretamente de Abraão através de Isaque e Israel.
Podia levantar os olhos e ver o oceano de pessoas que não podiam reivindi­
car este privilégio. Os árabes traçam sua linhagem por intermédio de Ismael
mas não através de Isaque, sendo portanto excluídos da aliança de Abraão.
Não é o meu caso, diz Paulo. Em terceiro lugar, Paulo era benjamita. A tribo
de Benjamim tinha uma história bastante gloriosa na nação. O primeiro rei
de Israel, Saul, foi benjamita. E você se lembra da divisão do reino depois do
pesado governo de Salomão? Houve uma revolta assoladora das dez tribos
do norte contra Reoboão, filho de Salomão, porque não quis diminuir os
encargos impostos pela linha dura do governo. Somente uma tribo não se se­
parou de Judá e da linhagem de Davi; foi a tribo de Benjamim. Conseqüente­
mente, Benjamim permaneceu firme no círculo verdadeiro, privilegiado, do
povo de Deus. Em lugar de adorar a ídolos e construir altares aos deuses
Baal e Asera como fizeram as tribos do norte, Judá e Benjamim mantiveram
pelo menos a aparência do culto verdadeiro a Deus. Paulo podia orgulhar-se
de pertencer à tribo que escolheu seguir a Davi e seus filhos, e adorar a Deus
no seu templo em Jerusalém.
Consideremos o quarto crédito da lista de haveres de Paulo. Ele afir­
mava ser “Hebreu dos hebreus” . Um hebreu nascido de pais hebreus possuía
mais um recurso religioso de valor. Na época de Alexandre, o Grande, e mui­
to mais ainda no tempo de Antíoco Epifânio (logo antes da revolta dos Ma-
cabeus, no 2? séc. antes de Cristo), o povo judeu tinha sido forçado a
aprender a língua grega e adotar a cultura grega. Alguns judeus permaneciam
fiéis à herança e cultura judaicas. Era muitas vezes extraordinariamente alto
o custo da perseguição e da repressão econômica. Entre os judeus, aqueles
que mantiveram sua cultura, língua e culto hebraico eram considerados os
mais verdadeiros de todos e quaisquer judeus existentes no mundo. É quase
certo que foi por esta razão que os pais de Paulo o levaram a Jerusalém
quando pequenino, para sorver a atmosfera judaica e crescer no âmago da
cultura israelita em Jerusalém, capital do mundo judaico. Como Paulo foi
criado em Jerusalém, ele falava a língua divinamente endossada, que era o
hebraico, lia a palavra de Deus nas palavras originais que os profetas inspira­
dos falaram e escreveram. Portanto, estas foram suas vantagens independen­
tes da vontade, da escolha: Paulo não escolheu ser circuncidado, não es­
colheu ser benjamita, como nenhum de nôs pode escolher a cor ou raça de
que provém Foram benefícios que ele atribuía à graça selecionadora de
Deus, como todo judeu fazia. Como Paulo devia ter-se gloriado na eleição di­
vina de Abraão e de sua semente! Podia dizer como o fariseu que orava: “Que
bom o Senhor ter-me feito judeu, e não gentio... Estou contente por me ter
feito homem e não mulher”. Lucas 18 conta do fariseu que subiu ao Templo
para orar. “Deus, agradeço-lhe porque não sou como outros homens...” Paulo
tinha haveres no livro-razão religioso,embora não lhes atribuísse nenhum va­
lor depois de sua conversão. A graça gratuita é que faz a grande diferença.
Paulo, entretanto, não parou aí com a lista de seus bens. Ele prossegue,
citando os itens ganhos por escolha e esforço próprio. Escolheu ser fariseu,
isto é, membro do partido mais rigoroso e mais admirado entre os vários par­
tidos religiosos judaicos. Não era uma fraternidade muito numerosa. Algu­
mas autoridades acham que não houve mais de seis mil fariseus vivendo na
mesma época. Eram muito exigentes, como numa loja maçônica ou outra
organização na qual os iniciados assumem responsabilidades e votos perante
Deus. O objetivo da renúncia era agradar a Deus. Consistia em jejuar, dar dez
por cento de tudo que se recebia, valesse alguma coisa ou não, e ser meticu­
loso na observância do sábado. Li a respeito de um fariseu que passou oito
horas por dia durante dois anos estudando a lei do sábado: o que se podia e
não podia fazer para agradar a Deus e cumprir seus mínimos mandamentos.
Paulo diz: “Escolhi fazer parte da fraternidade dos fariseus”. E ainda: “Fui
além. Tornei-me extremamente zeloso para proteger a pureza da verdade de
Deus.” Foi isto que motivou Paulo a perseguir a Igreja de Jesus Cristo. Não
acredito que Paulo tenha odiado as pessoas por natureza, mas ele detestava
as pessoas que não enxergavam a verdade como ele a via. Estava mais que
disposto a ver os heréticos cristãos sofrerem, chorarem, até morrerem se
fosse necessário; foi por esta razão que encontramos Paulo encabeçando o
apedrejamento de Estêvão (Atos 8:1).
Zelo, eis a característica de Paulo, mais zelo do que qualquer um dos
seus adversários tinha. Além de tudo, Paulo afirma, “quanto à justiça, a
minha era composta de todas as minúcias da Lei”. Referia-se ao fato que du­
rante todos os momentos em que ficava acordado, estava obcecado em se-
ALEGRAI-VOS NO SENHOR
guir as regras de Deus. Desde a hora em que foi iniciado nas responsabilida­
des adultas judaicas, aos doze anos, tornando-se “filho da Lei”, tentou
cumprir todas as exigências. Paulo então podia dizer: “Se alguém quiser veri­
ficar meu currículo, há de ver que fui inculpável quanto aos requisitos da
l e i ”
Foi esta a auto-avaliação de Paulo. Somando as sete vantagens, qual e
o total? Para um judeu, sabemos que tudo era considerável. Ele tinha o céu
na mão, e o que havia de melhor nas honras e posições deste mundo ao mes­
mo tempo. Do ponto de vista daqueles falsos mestres, Paulo estava com tu­
do. Mas ele, tendo completado a lista, passou à outra coluna do livro-razão.
Uma mudança de valores, profunda e radical, ocorrera quando Paulo
se encontrou com Jesus Cristo e submeteu-se a Ele como Senhor de sua vida.
Vejamos o versículo7, e faço novamente uma paráfrase: “Somei todos os nu­
merários do meu passado religioso, e loram milhões que eu tinha ganho (sa­
bem como isto pode subir à cabeça, pois os multimilionários podem ficar or­
gulhosos do que ganharam)... Espere um pouco. Acabo de perceber que
aquelas vantagens todas eram como zeros sem o dígito “um” na frente. Por­
tanto todas elas não trazem absolutamente nada” . Paulo tinha chegado a
essa conclusão para descobrir e apropriar o valor de Cristo. Olhemos de novo
o versículo 7, para ver como foi que o Apóstolo reavaliou seu ativo corrente:
“O que para mim era lucro (pois eu tinha tudo) considerei (hegemai está no
tempo perfeito) e continuo a considerar perda; são antigos valores que na
nova estimativa perderam o efeito por causa de Cristo, por amor a Ele. A pa­
lavra grega traduzida como “perda” é usada duas vezes em Atos 27, onde
Paulo estava viajando naquele enorme navio veleiro no Mar Mediterrâneo em
direção a Roma. Paulo levantou-se e disse ao capitão do navio e ao centurião
em comando: “Se este navio prosseguir viagem, haverá dano e muita perda”
(Atos 27:10). Imaginem como devem ter olhado para ele e pensado: “O que
voce sabe de navegação; é óbvio que você é um pregador, não um marinhei­
ro”. Portanto não deram atenção ao prisioneiro Paulo. Poucos dias depois,
quando uma tempestade perigosa os alcançou e já haviam lançado ao mar tu­
do que era removível, Paulo disse: “Vocês sabem que se me tivessem atendi­
do, vocês teriam evitado todo este dano e perda” (aquela mesma palavra).
Perda é ficar sem uma coisa permanentemente, como se um relógio caísse de
sua mão ou um anel de seu dedo ao você se debruçar sobre o parapeito de
um navio no meio do Oceano Atlântico. Você tem certeza que isso é perda
irrecuperável. A perda é definitiva e irreversível. Por isso o Apóstolo dá tan­
ta ênfase: “Aquele dia, na estrada de Damasco, eu perdi tudo isso, e está per­
dido até hoje”. Foi uma perda tão completa que não havia como recuperá-la,
de nenhuma forma, absolutamente. Então o versículo sete diz: “Considerei
tudo perda, por causa de Cristo”. Fica claro, portanto, que ou nós perdemos
todos os valores religiosos para ganhar a Cristo, ou nos apegamos a eles e
perdemos a Cristo. A mensagem inconfundível é que você não pode manter
a justiça que criou por si, do legalismo judaico, e abraçar a Cristo ao mesmo
PERDENDO PARA GANHAR
tempo. No versículo 8, Paulo dá ainda mais ênfase: “Realmente, continuo a
considerar (a mesma palavra do versículo 7, significando “avaliar”, “somar”)
tudo como perda por causa da sublimidade (valor inestimável) de conhecer a
Jesus Cristo . Perdera todos os valores religiosos judaicos, perdera sua
posição privilegiada, sua importância na sociedade, seu nome. Além das per­
das passadas, existem as presentes. Paulo está continuando a perder. Fala so­
bre algo diferente no versículo 8. Está pensando nos confortos que a vida
oferece, na vantagem pessoal de uma boa aposentadoria em paz para delei-
tar-se o resto de seus dias. Paulo não era tão sobrehumano que não fosse
atraído pela idéia de ser dispensado da batalha para a folga da aposentadoria.
Paulo está reconhecendo que para ele não será concedida a dispensa de
serviço! “Eu não tenho nada que valha a pena nesta vida esperando por
mim. Ainda estou perdendo tudo. Cada vez que me levanto para pregar,
meus ouvintes se enlouquecem; alguns querem me apedrejar, me matar. Ou­
tros riem de mim achando que sou demente. Esta perda contínua é pela ex­
celência, pela sublimidade extraordinária de conhecer a Cristo”. E diz ain­
da. Estou ganhando recursos líquidos no lugar daquilo que perdi e estou
até agora perdendo”. Qual o lucro que ele estava ganhando? Só há um bene­
fício subrepujante, de valor incomparável, que Paulo está ganhando, segun­
do esta passagem. É Cristo. Veja o final do versículo 8. “Eu os considero (es­
tes valores religiosos, tais como os que os judaizantes estavam promovendo)
como refugo ou lixo, para que eu possa ganhar a Cristo”. Não nos esqueça­
mos que Paulo já tinha ganho a Cristo, ganhou-o na estrada de Damasco.
Mas ele diz “Eu ainda O estou ganhando”. Fiquei como completo perdedor
(no meio do versículo 8) e conto tudo como refugo a fim de poder ganhar a
Cristo.

Conclusão
Cada um de nós nos envolvemos na mesma questão de Paulo. Temos
uma vontade ingênua de equilibrar as contas das duas colunas, de tal forma
que nenhum lado perca. Será que cada um de nós também não deseja poder
ganhar algo que venha da carne; alguma vantagem, algum reconhecimento,
alguma posse na qual possa estar mais seguro? Paulo nos diz que até o ponto
e na proporção em que nos firmamos nestes recursos, já perdemos a Jesus
Cristo (conf. Gál. 5:2). Por outro lado, se você já perdeu tudo, toda a espe­
rança auto-produzida da aprovação de Deus, toda sua justiça própria, tudo
que você faz em questões espirituais, então Cristo pode ser de valor eterno
para você. A palavra “carne” significa simplesmente o que você pode fazer
sozinho, independente do auxílio de Deus incluindo todo o bem que já
fez e que não foi considerado perda. Se você está dependendo da “carne”,
então você não chegou a conhecer Cristo de maneira nenhuma! Ninguém faz
de Deus o seu devedor.
Conhecer a Cristo realmente significa um cancelamento definitivo, ris­
car completamente aquela primeira coluna de recursos, cheia das provas de
nossas boas obras. Na outra coluna está somente Cristo. “Só ali pode ser vis­
to o valor supremo de ter Jesus como Senhor e Salvador. Conhecer o Filho
de Deus está muito, muito acima de todo o valor ganho com esforço próprio
que antes pensava possuir”.
O valor real em troca de supostos recursos é para você também, se
conhece a Cristo como Paulo o conhecia. Se você o conhece pela fé, se o
conhece como aquele de quem tudo se origina, se o vê como quem lhe deu a
vida, e tem todo direito ao seu amor e lealdade, então você O “ganhou” . Se
você se apega a ele, chegando-se a Cristo naquele relacionamento de concen­
tração total, então o verá como Aquele de quem procedem todas as coisas
para você, e saberá que tudo existe para ele. Em termos bíblicos, isto é ex­
presso em uma pequena frase que se refere a Deus: “Porque dele e por meio
dele e para ele são todas as coisas” (Rom. 11:36). Se é assim que você consi­
dera a Jesus Cristo, você perdeu tudo para ganhar a pérola de grande preço.
As escolhas significativas e a volta da estrada foram ordenadas por Ele, não
por você. A maneira de você pensar e usar seu tempo e recursos materiais,
tudo contribui para mostrar como você se relaciona com Jesus Cristo. Diga­
mos assim: “Se você o escolhe, então tudo mais deve perder o valor, tor­
nar-se mesmo como lixo ou “refugo” , para usar a palavra de Paulo no versí­
culo 8. Precisa ser como todo aquele trigo que foi jogado ao mar, do navio-
prisão em que Paulo viajou, ameaçado e agitado por aquelas ondas gigantes­
cas (At 27:17 em diante), Não nos admira o fato de Paulo estar tão alegre e
disposto! É lógico que recomenda-se aos leitores que se alegrassem no
Senhor, porqüe um ganho incomparável tinha substituído todas as perdas do
passado e do presente.
Examine sua vida hoje. Onde você está em relação a perder tudo a fim
de ganhar a Cristo?
Oração: Ó Deus Senhor, nós o louvamos porque a salvação não pode
ser conseguida pelo nosso próprio esforço. Se pudesse, quem saberia, com
certeza, que já havia tentado o suficiente? Muito obrigado por um Salvador
perfeito, Jesus Cristo, que morreu para pagar todos nossos pecados, e que
vive para mudar nossos valores centralizados em nós mesmos para os centra­
lizados Nele.
A AMBIÇÃO DE PAULO
Filipenses 3:9-16
9 - e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede
de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que pro­
cede de Deus, baseada na fé; 10 — para o conhecer e o poder
da sua ressurreição e a comunhão dos seus sofrimentos, confor­
mando-me com ele na sua morte; 11 - para de algum modo al­
cançar a ressurreição dentre os mortos. 12 - Não que eu o
tenha já recebido, ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo
para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por
Cristo Jesus. 13 - Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo al­
cançado; mas uma cousa faço: esquecendo-me das cousas que
para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão,
14 - prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação
de Deus em Cristo Jesus. 15 - Todos, pois, que somos perfei­
tos, tenhamos este sentimento; e, se porventura pensais doutro
modo, também isto Deus vos esclarecerá. 16 - Todavia, ande­
mos de acordo com o que já alcançamos.
A auto-biografia que Paulo começou a contar no v. 4, continua até o
v. 16. Só uma vírgula separa os vs. 8 e 9. A divisão em duas mensagens foi
feita unicamente por conveniência e não pelo conteúdo do texto. Nos vs.
4-7 o apóstolo fala do seu passado, incluindo a mudança transcendental pela
sua conversão (v. 7). O v. 8 apresenta como ele encara o presente, trocando
tudo pela “sublimidade do conhecimento de Cristo”. Na última passagem
deste verso e no restante da passagem, parece que Paulo contemplava um
futuro que incluia seu relacionamento com Cristo, após a existência presente
ser trocada pela nova vida através da ressurreição (vs. 11, 14). Ele desenvolve
neste trecho sua mais profunda ambição. Concentra todas as suas energias
no prosseguimento para alcançar aquela meta que, por si, explica a extraor­
dinária dedicação do famoso missionário aos gentios. Qualquer indivíduo
que pretende ser um homem de Deus, não poderá deixar de aproveitar a van­
tagem de adotar esta mesma ambição.
A Meta de Ser Achado em Cristo
0 motivo que o apóstolo tem para lançar fora do barco de sua vida re­
ligiosa, todos os valores anteriormente buscados com tanto afã, se encontra
no v. 9: “ser achado nele, não tendo justiça própria... senão a que é median­
te a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus...”. Este versículo apresenta
o cerne da doutrina paulina da salvação em Cristo. Se pela fé renunciamos
toda justiça própria e recebemos aquela oferecida por Deus mediante a fé
n’Ele, garantimos o mais precioso de todos os valores. A união com Cristo
pela fé, que nos enxerta n’Ele (também chamada de “união mística”), pela
operação do Espírito Santo (cf. 1 Cor. 12:13 e Gl 2:20), nos garante a parti-
cipação na própria justiça impecável de Cristo. Essa justiça Deus oferece de
graça à todos que confiam no Seu Filho. A justificação (o ato divino que le­
galmente nos absolve dos nossos pecados e nos declara justos) não depende
de nada bom ou justo que possamos oferecer em troca. Deuz fez tudo para
que não tivéssemos em nós motivos de glória (Ef. 2:8, 9) e para que só exal­
tássemos a Jesus Cristo. Assim, Paulo deixa claro que a justificação pela fé e
a união com Cristo são realidades equivalentes. Ambas explicam o porque
dos pecadores salvos gozarem da justiça que eles não podem produzir. Não é
por retidão ou piedade por eles alcançadas, mas por dádiva completamente
gratuita. O nono versículo, portanto, explica a realidade válida para todos os
que, como Paulo, consideram todas as coisas como refugo (v. 8). A fé que se
destaca, repetida duas vezes no v. 9, tem então um aspecto negativo (perder
tudo que possa fornecer motivo de auto-confiança ou orgulho e igualmente
um positivo. Pela fé nos identificamos com Cristo, confiamos n’Ele e nos en­
tregamos à Ele. Somos unidos com Elee n’Ele permanecemos (cf. Jo 15:3-11).
Portanto, ele é nossa “justiça”, escreveu Paulo aos coríntios (I Co 1:30).
Seria um erro fatal, no entanto, concluir que a fé proporciona um descanso
excluindo o esforço, numa sonolência absoluta. A justiça inputada por Deus
deve ser praticada pela dinâmica que surge da vida de Cristo em nós. Todo o
zelo que Saulo de Tarso empreendia no esforço para cumprir a lei e merecer
a aprovação divina passou a busca do reino de Cristo (cf. Mt 6:33). Desliga­
do da frenética corrida para a justiça própria, Paulo encorajou-se para a ex­
ploração do relacionamento com Cristo. O amor por Ele (cf. v. 8) substituiu
o amor próprio.

O Alvo de Experimentar a Vida Real de Jesus


Este zelo, impulsionado pelo amor, explica o pensamento do v. 10.
Novamente ele repete a meta da sua vida em Cristo. — 1) Desejava ardente­
mente “conhecer” a Cristo. Já revelara que conhecer a Cristo Jesus é exce­
lente, uma “sublimidade” (huperechon no grego — v. 8). Creio que caberia
uma ilustração aqui.
Um vagabundo que cambaleava ao lado de um rio, caiu nas águas pro­
fundas. Não sabia nadar, mesmo se estivesse sóbrio. Passava à beira daquele
rio um senhor que ouviu os gritos de socorro. Sem hesitação, o homem dis­
tinto pulou nas águas arriscando sua própria vida para salvar o bêbado. No­
vamente em terra firme, o desgraçado tentou, mesmo com muita dificulda­
de, externar sua gratidão. “Obrigado, obrigado”, falou sem muita convicção.
O homem que o salvara tirou do bolso do paletó gotejante, um cartão de
visita. “Se algum dia precisar de mim, vá à minha casa e procure-me”, disse o
estranho desprendídamente. Naquela noite, o vagabundo dormiu todo
molhado, como sempre, na sarjeta. Amanheceu com frio e faminto, mas não
dispunha de dinheiro algum. Mal se lembrava da experiência do dia anterior;
porém a fome intensificou sua perspicácia e se lembrou: “o cartão!” Logo
encontrou a casa. O que mais o surpreendeu é que era a maior casa e a mais
opulenta da cidade toda. Apertou a campainha. Suas roupas rasgadas e
imundas o constrangiam, mas o porteiro logo o conduziu à belíssima sala de
estar onde aguardaria a chegada do amigo desconhecido. Quando pouco de­
pois chegou o fidalgo, aquele mesmo senhor que apenas horas antes o so­
correra das águas ameaçadoras, trazia um sorriso que comunicava um “bem-
vindo” genuíno. Assentaram-se e conversaram. “Deve estar com fome!Gos­
taria de tomar o café comigo?” disse o simpático anfitrião. Queria, e como
queria! O café reforçado, como nunca havia saboreado em toda sua vida,
matou sua fome.. Subitamente o nobre dono da casa indagou se gostaria de
tomar um banho. “Quero sim...”. Havia também um terno no guarda-roupas
e lâminas de barbear no banheiro. “A casa é sua; não há pressa”, reforçou o
benévolo senhor.
“Fique aqui comigo. O quarto de hóspedes está à sua disposição!”. O
bêbado tomou seu banho, descansou na cama macia, vestiu-se no temo no­
vo, tentando sempre resolver a indagação: “Por que este fidalgo está me tra­
tando assim?”. Em nenhum momento satisfez a sua curiosidade. Foi since­
ramente convidado a ficar naquele palácio por quanto tempo quisesse, bon­
dade que não poderia deixar de aceitar, uma vez que nada tinha na vida.
Mais estranho ainda era o fato que o amigo tão distinto e bondoso, nada
tinha a fazer de mais urgente do que conversar com o vagabundo, agora em
vias de transformação radical. Os diascse passaram. Chegaram a ser amigos, e
dos mais íntimos. O antigo bêbado, já reformado, buscava servir o nobre
com toda sua capacidade. Contava como o tempo mais precioso da sua vida
o da comunhão com seu amigo. Conversavam sobre tudo que os interessava.
O estranho chegou a ser “conhecido” já no fim do primeiro dia, mas
depois de meses e anos de comunhão, o ex-alcoólatra miserável podia dizer:
“estou conhecendo o amigo que me salvou!”.
Este relacionamento representa o sentimento de Paulo. Do auto esfor­
ço para fazer o que era certo (tal como o viciado que tudo faz para livrar-se
do álcool ou (das drogas), passou a conhecer o seu libertador, e conhecen­
do-o foi tomando-se gradativamente mais seu imitador (I Co 11:1).
2) O apóstolo desejava também conhecer o poder da sua ressurreiç
(v. 10). Tal como a força nuclear tem transformado o mundo e a política in­
ternacional até às raízes, assim o poder de Deus demonstrado na ressurreição
de Jesus Cristo dentre os mortos, modificou a realidade do nosso mundo.
Foi esse o poder exercido quando nós fomos ressuscitados da morte em “de­
litos e pecados, pelo qual Deus fêz-nos assentar com Cristo nos lugares celes­
tiais” (cf. Ef. 1:19-2:1 e 6). O poder da ressurreição transformou a derrota
da cruz em vitória sobre todas as forças malignas (cf. 1:21, 22), e entronizou
Jesus Cristo como Messias e Senhor (kúrios) à destra de Deus (SI 110:1; At.
2:36: Rm. 1:4). Creio que Paulo, que achava alingua grega pobre demais pa­
ra descrever esse poder (nota-se em sua oração, para que os efésios pudessem
conhecer “a suprema grandeza do seu poder (dunamis) para com os que cre­
mos, segundo a eficácia (energeian) da força (kratos) do seu poder (ischuos)”
exercida na ressurreição cap. 1:19), esperava no Senhor, cada dia, receber
manifestações dessa atuação na ressurreição de mortos espirituais pela sua
anunciação das boas novas.
Pela maneira como Paulo une as duas metas no v. 10, a 1? a de conhe­
cer a Cristo e a 2? o poder da ressurreição, podemos deduzir que, ter co­
munhão íntima com Cristo traz o efeito de experimentar esse poder da nova
criação (2 Co. 5:17). Buscar zelosamente a comunhão com Cristo pela
oração, pela meditação na sua Palavra e pela adoração espiritual (v. 3), insu­
fla no cristão o poder que emana do Salvador ressurreto e exaltado.
3) Em terceiro lugar Paulo ansiava pela comunhão nos sofrimentos
Cristo (v. 10). “Comunhão” (koinonia) deve ser entendida no seu sentido
básico de “participação”. Os sofrimentos de Jesus, quando viveu no mundo,
incluiram toda forma de rejeição dos homens. Nosso Senhor suportou o que
o autor aos Hebreus denominou de “tamanha oposição dos pecadores”
(12:3).
Esses sofrimentos de Cristo ocorreram em conseqüência direta da sua
humilhação e obediência (Fp. 2:8). O servo Paulo (1:1) não esperava nem
desejava melhor sorte neste mundo que a do seu Senhor (cf. Jo. 13:16). Por­
tanto, desejava participar dessas aflições por causa de Cristo e para a glória
d’Ele.
O que Cristo sofreu por nós na Terra foi, infinitamente, mais do que o
necessário para cobrir nossos pecados (I Jo. 2:2). As perseguições e dores
dos discípulos nada contribuem para a expiação do pecado humano. A re­
denção, ou preço do nosso resgate, só o Filho perfeito pode oferecer ao Pai
(Rm. 3:24, 25; I Co. 6:20; Ef. 1:17; Cl. 1:14). Mas o preço sacrificial para
divulgar essa notícia redentora é o que “resta das aflições de Cristo” (Cl.
1:24). Paulo está disposto a sentir esses sofrimentos na carne, até mesmo a
própria morte. Esse desejo de se apresentar diante de Cristo, tendo trilhado
a “via de glória” (é como os mártires chegaram a entendê-la!) não era mór­
bida. Isso já percebemos no exame dos vers. 1:29-26. Paulo simplesmente via
no martírio o mais extraordinário testemunho da fé, a mesma fé pela qual
conhecera o Senhor. Não haveria mais concreta demonstração da sua fé em
Cristo, nem do seu amor por Ele, do que receber de Deus a graça de se con­
formar com Cristo no sacrifício da vida (cf. 2:17). Daí o poder da ressurrei­
ção, atuando nesta vida na carne, manifestar-se no levantamento de Paulo
dentre os fisicamente mortos (v. 11). Parece que Paulo tinha alguma dúvida
a respeito da sua ressurreição corporal, porque disse, “para de alguma manei­
ra alcançar a ressurreição...” . A frase “de alguma maneira” representa o gre­
go “ei-põs”, que introduz a possibilidade que é o objeto da esperança ou de­
sejo. Não creio que seja o destino,mas o modo de chegar, pelo martírio, pela
morte natural ou mesmo pela transmutação na vinda de Jesus Cristo (I Ts.
4:15; I Co. 15:51), que Paulo não prevê claramente. O dia da ressurreição
será o mesmo do nosso aperfeiçoamento (v. 21). Naquela grandiosa hora de
vitória, receberemos tudo o que Deus planejou para os seus amados. Ainda
que Paulo acreditava na ressurreição com Cristo após a morte com Ele (Cl
2:12; 20:31), ele não ensinou que o crente recém-batizado obtém a per­
feição (Fp. 3:12). No intervalo entre a regeneração e a transformação escato-
lógica completa, temos a carreira cristã para ocupar todo nosso esforço.

O Incentivo que Motivou a Paulo


O veterano missionário fala, no v. 12, da motivação central da sua am­
bição. “Prossigo (gr. diõkõ: “perseguir”, “concentrar os esforços”) para con­
quistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus”. Desde
o dia em que viu e ouviu a chamada do mestre na estrada em Damasco, sou­
be que era “um instrumento escolhido para levar o nome de Cristo perante
os gentios e os reis, bem como perante os filhos de Israel” (At. 9:15). Foi ca­
tivado numa conquista estarrecedora de Cristo. Conseqüentemente quis tam­
bém, de maneira incansável, conquistar os territórios ainda rebeldes ao seu
Rei. Juntavam-se na visão de Paulo, o aperfeiçoamento pessoal através do
conhecimento de Jesus (vs. 8, 10), e seu ministério evangelizador. Seu
Senhor o conquistara para ambas as tarefas. Cristo também fez o mesmo
com cada um de nós. A finalidade de nossa eleição é proclamada claramente:
sermos apresentados perfeitos em Cristo (Cl. 1:28; cf. Ef. 1:4). Mas, assim
como o guerreiro Paulo, somos soldados do Rei Jesus (II Tm. 2:3,4) na luta
para a conquista das “terras” dominadas pelas trevas satânicas. Em Roma­
nos, Paulo esclarece aos seus leitores qual era sua visão do seu ministério.
Era “ministério do Senhor Jesus no sagrado encargo de anunciar o evangelho
de Deus, de modo que a oferta deles (os gentios) seja aceitável, uma vez san­
tificada pelo Espírito Santo... esforçando-me deste modo para pregar o evan­
gelho não onde Cristo já fora anunciado...” (15:16, 20).
Tudo isto deixa bem claro porque o apóstolo não corria sem meta. De­
clarou ele: “...luto, não como desferindo golpes no ar” (I Co. 9:26). É certo,
porém, que muitos componentes do “exército da salvação”, ainda não fo­
ram conscientizados com respeito à luta. Não perseguem a perfeição nem an-
seiam a conquista do alvo para o qual Deus os chamou. Estão contentes
com a salvação gratuita, mas a ambição de conhecer a Cristo e participar nos
seus sofrimentos e exercer seu poder, não se manifesta!
Qual seria a explicação desta anomalia?
Creio que podemos descobrir um motivo, que subjaz nas entrelinhas
dos versículos 13-15.
Paulo não se colocava entre os que julgavam que já haviam alcançado
o alvo divinamente escolhido para cada um. Parece que em Filipos, como
também em outras igrejas gregas, surgira a teologia perfeccionista. Raízes
deste erro se descobriam no gnosticismo elitista de um lado e no judaismo do
outro (ver a frase relevante do v. 6, “quanto à justiça que há na lei, irre­
preensível”, tratando da vida no farisaísmo de Saulo/Paulo). O gnóstico, ini­
ciado nas especulações acerca do distante Deus bom e imaterial, e também
acerca do mundo mau, por ser material, possuía duas tendências: uma ascé­
tica e a outra libertina (veja os vs. 18, 19). Pelo conhecimento (gnõsis), o
adepto poderia subir a suposta escada da perfeição, desligando-se do “imper­
feito”. Semelhantemente, o fariseu orava no templo agradecendo a Deus por
sua perfeição (Lc. 18:11, 12).
Pela sua conversão radical, Paulo se distanciou totalmente desse tipo
de auto-conceito. A perfeição de Jesus Cristo fez contraste com este tipo,
como a escuridão da meia-noite o faz com o brilho do sol ao meio-dia. A
profunda revelação da depravação íntima, à luz da santidade divina, conven­
ceu o apóstolo que ele era não o mais perfeito dos santos, mas o “principal
dos ipecadores”' (I Tm. 1:15). Por isso esquecera “das coisas que para trás
ficam” (Fp. 3:13). Tudo que conseguira, por sacrifício e abnegação, não
pesava na balança. Eram como trapo imundo uma vez que agora estava re­
vestido com a justiça imaculada que Deus lhe proporcionara (vs. 7-9). Alivia­
do da necessidade de se convencer de que merecia um galardão da parte de
Deus, Paulo então pode se dedicar, sem tréguas, à conquista do alvo. O ter­
mo “avançando” (gr. epekteinomenos, “estendendo-se”, “esticando-se ao
máximo”), mostra a obsessão do homem de Deus na perseguição (gr. diõkõs,
“prossigo’ v. 14, também v. 12) do alvo (já visto nos vs. 9, 10). O alvo
(skopos, “um objeto no qual se fixa os olhos”, “a meta numa corrida”)
corresponde ao prêmio descrito simplesmente como a “chamada de Deus
em Cristo Jesus.” A figura da corrida serve para destacar que Paulo en­
xergava nitidamente o alvo, e esperava logo receber o prêmio. Refere-se
ao encontro com seu amado Senhor o qual já descrevera como “incompa­
ravelmente melhor” (1:23) do que viver neste mundo de sofrimento e
decepção.
Parece-me que descobrimos aqui porque os cristãos mornos não
passam de espectadores, ao invés de corredores na corrida da salvação. Não
descartam todos os bens alcançados por esforço próprio. Sentem-se bem na
“perfeição” atingida. Não almejam o conhecimento de Cristo, seu supremo
valor, nem se sentem impulsionados a “perseguir” o alvo da santidade, pela
comunhão dos sofrimentos de Cristo. Não contemplam a vida como uma
corrida com um prêmio a ser ganho no fim. Pelo contrário, a única luta que
travam é para melhorar esta vida, buscando mais conforto, prazer e reconhe­
cimento dos homens (cf. Jo. 12:42, 43). Crêem que sua ressurreição está ga­
rantida, mais certa que a de Paulo (v. 11). Todas as energias que têm, dissi­
pam adorando o “deus ventre” e tentando resolver as preocupações secula­
res (cf. v. 19; Lc. 8:14, onde os tais são os crentes sufocados pelos espinhos
de “cuidados, riquezas e deleites da vida”). É notável que Paulo, que negou
no v. 12 o fato de ter alcançado a perfeição no sentido moral e corporal da
ressurreição, se inclua entre os perfeitos, no v. 15. Obviamente o sentido é
distinto. Nesta última passagem significa “maduro”, “adulto”, contrastando
com a “criancice” e a imaturidade (cf. I Co. 2:6 e Cl. 1:28 onde o mesmo
termo é usado).
Os adultos espirituais, segundo este verso 15, devem manifestar a mes­
ma atitude (phronêma, cf. 2:2,5; 4:8). A criança na fé então, seria mais auto-
dependente, defensiva, ao invés de arrependida e ansiosa para conhecer a
Cristo cada vez melhor. Em Filipos não houve sentimento de rebeldia contra
Paulo, o qué dispensou a necessidade d’ele apoiar a sua autoridade apostó­
lica, contrariamente ao que aconteceu em Corinto (cf. I Co. 9:1). Qualquer
divergência de pensamento que por acaso pudesse surgir em Filipos, não per­
turbava Paulo. Conquanto a atitude fosse de submissão ao Senhor, poderia
haver diferença sem divisão, e Deus lhes esclareceria (v. 15b). Paulo finaliza
este parágrafo com seu “mais uma coisa” (gr. plên, palavra usada para intro­
duzir uma declaração que destaca o ponto principal que o autor disse no pa­
rágrafo todo). “Continuemos no mesmo caminho em que estamos em vez de
voltarmos e tomarmos um rumo novo” (v. 16).

Conclusão
Ao meditar nesta declaração auto-biográfica, não é fácil escapar à acu­
sação íntima de que somos espectadores. Nossas ambições estão mais volta­
das para vantagens mundanas do que para prêmios celestiais. Mas Deus é ca­
paz de refocalizar nossa visão e renovar nossa ambição pelo alvo.
Oremos. Senhor, tu vieste a este mundo para exemplificar uma consa­
gração total ao Pai. Confessaste: “Aquele que me enviou está comigo, não
me deixou só porque eu faço o que lhe agrada ”. Paulo, sem ser perfeito,
também demonstrou uma vida concentrada na ambição de cumprir o minis­
tério para o qual foi chamado. E nós, Senhor? O que impede que tam­
bém descubramos o motivo para o qual nos convocaste para Ti? Convence-
nos do comodismo, do orgulho, e derrama em nós um amor renovado por
Cristo, em nome de quem rogamos, Amém.
O CORPO
Filipenses 3:17-21
17 - Irmãos, sede imitadores meus e observai os que andam se­
gundo o modelo que tendes em nós. 18 - Pois muitos andam
entre nós, dos quais repetidas vezes eu vos dizia e agora vos di­
go até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo: 1 9 - 0
destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória
deles está na sua infâmia; visto que só se preocupam com as
cousas terrenas. 20 —Pois a nossa pátria está nos céus, de onde
também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, 21 — o
qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual
ao corpo da sua glória, segundo a eficácia do poder que ele tem
de até subordinar a si todas as cousas.
Introdução
Facilmente confundo os fatos, mas se a minha memória não falha, lí
há tempos, que a preocupação prioritária do norte americano é a saúde.
Creio que seria nossa preocupação também aqui. Quando perguntamos,
“Como está?” normalmente indagamos “Como está fisicamente?” . “Como
está o seu corpo?” Está doente ou bom?” “Está com dor de cabeça ou se
sente capaz de voar”?, tendo asas, claro. Para nós, então, o corpo é o que
mais importa. Talvez os cristãos afirmariam, “Não, não é meu corpo, mas a
minha alma, meu espírito que destaca-se com proeminência”.
Não seria difícil mostrar que a Bíblia concede um significado imenso
ao corpo. Não tanto a “meu corpo”, sendo que biblicamente se destaca mais
a verdade que “somos corpo”, do que, “tenho corpo” . Observemos, portan­
to, algumas verdades da Bíblia sobre esta realidade física.

O Significado do Corpo na Bíblia


Paulo dá ao corpo uma posição central na sua teologia. É do cor­
po do pecado condenado a destruição que precisamos ser salvos (Rm 6:6).
“Desventurado homem que sou! quem me livrará do corpo desta morte?”
é o grito desesperado de quem vê o pecado utilizando o corpo como uma
prisão, um verdadeiro meio de tentação e tortura. Desse corpo de pecado
Paulo almeja libertação. É o grito de desespero, como ouvi ao falar com uma
moça que me disse ter muitas vezes tentato se suicidar. Queria destruir o seu
corpo físico. Pude sentir o profundo desprezo que ela tinha para com seu
corpo. Não tinha mais razão para viver no corpo. A única razão pela qual
não decidiu acabar com sua vida é que não sabia como será a vida fora ou
além do corpo.
Mas Paulo afirma que pelo corpo também somos salvos. Jesus Cristo
uniu-se a humanidade por meio da encarnação num corpo. Entre as mais im­
portantes de todas as verdades, afirmamos que Deus se tornou homem (Jo.
1:14). “Sacrifício e oferta não quiseste, antes corpo me formaste”, é a inspi­
rada confissão atribuída pelo autor de Hebreus (10:5) a Jesus Cristo, citando
a versão grega do Salmo 40. Porque recebeu um corpo, Cristo pode sacrifi­
cá-lo numa oferta aceitável pelo pecado. Por causa do corpo de Jesus, nasci­
do da virgem Maria, podemos esperar um corpo transformado quando Cris­
to voltar (Fp. 3:21). Em conseqüência da morte na cruz e a ressurreição de
Jesus, ambos eventos condicionados pelo corpo, nós que cremos nele, temos
a firme esperança de ganhar um novo corpo, semelhante ao dele. Paulo o
descreve como “igual ao corpo de sua glória” (v. 21). Por sermos incorpora­
dos ao Seu corpo pelo Espírito (I Co. 12:13), que é a igreja, temos a certeza
de compartilhar a nova realidade eterna que caracteriza o Jesus assunto: um
corpo que não pode morrer, “eterno, nos céus” (2 Co 5:1).
Em I Coríntios 15, o corpo ressurreto de Cristo é denominado “as pri-
mícias” (v. 23) da colheita toda. A conseqüência inevitável da ressurreição
do Senhor no primeiro domingo de páscoa, será a transformação de todos os
que lhe pertencem “na sua vinda” (I Co. 15:23), porque todos são incorpo­
rados nele.
Na ceia, Jesus nos oferece o seu corpo “que é dado por vós” (I Co.
11:24). Porque será que não nos oferece o seu Espírito assim? Deve ser por­
que através da união com seu corpo, nos é oferecido Seu Espírito. A vida
está no corpo, não nos membros separados, assim como os ramos de uma
videira gozam da vida unicamente pela permanência no tronco (Jo. 15:1-9).
Evidentemente, trata-se de conceitos hebreus, não gregos. Nós pensamos de
maneira grega, Paulo de maneira hebraica. É o corpo que manifesta a vida de
Cristo (I Cor 10:16,17). Por isso, é sumamente importante que os membros
do Corpo se reúnam dando localização e objetividade a personalidade do
Senhor que vive no Corpo, a igreja. Devemos constantemente reconhecer
nossa dependência uns dos outros e a vida comum que sustenta o corpo.
L.S. Thornton entitiilou seu livro, A Vida Comum no Corpo, o que transmi­
te a verdade central. Nossa vida em Cristo não é em primeira instância, uma
vida unida individualmente a Cristo, mas uma vida compartilhada com
nossos irmãos em Cristo (Rm 12:5).
Por esta razão, Paulo diz aos Coríntios, “o corpo não é para impureza,
mas para o Senhor” (I Co. 6:13). Nossos corpos são comprados, destinados
por meio da transformação da ressurreição a transmitir a perfeição do corpo
de Cristo, porque nossos “corpos são membros de Cristo”(1 Co. 6:15).
O crente que comete fornicação ou adultério, toma um membro de
Cristo (o corpo) e o faz membro de meretriz (I Co 6:15, 16). Assim, pelo
corpo nos unimos a Cristo, ou nós nos separamos dele. Se pelo corpo huma­
no reconhecemos as máculas e a beleza da pessoa, a Bíblia indica que se­
melhantemente o Corpo manifesta por um lado a formosura de Jesus e os
defeitos humanos. Com razão o apóstolo aponta para o corpo como “corpo
de humilhação” (Fp. 3:21), repleto de limitações e deficiências. Mas tam­
bém é concretização da personalidade, membro do Corpo de Cristo, garantia
da nossa existência eterna que aguardamos (v. 21).
A Concepção Grega do Corpo
A maneira dos gregos antigos olharem para o corpo foi muito distinta.
O corpo se assemelhava a um escravo. Como servo vivo, é óbvio, mas distin­
to da personalidade. Manda-se o escravo agir, e ele obedece. Surgiu uma fra­
se entre os gregos da antigüidade: sõma sêma, “corpo caixão”. Como noz na
casca, a alma existia dentro do corpo. O verdadeiro eu e você, segundo os
gregos, eram distintos do corpo. Evidentemente, se acatarmos tal ponto de
vista, o que se faz com o corpo não tem importância alguma para o ser ver­
dadeiro. Se meu corpo é escravo, faço o que quero com ele, sem temer cul­
pa. A eutanásia não seria pecado, porque destruiria o que não tem mais utili­
dade. Se o corpo não passa de caixão ou casca, porque não maltratá-lo co­
mendo erradamente, tomando drogas, ou de qualquer forma. O suicídio se­
ria uma opção perfeitamente viável para quem se cansou de viver, no caso de
alguém que não encara seriamente a maneira bíblica de pensar.
O pensamento gnóstico foi uma das maiores ameaças à Igreja primiti­
va. Com um forte dualismo radicado na filosofia grega, a matéria era consi­
derada má, e o espírito bom. Alguns eram de opinião que uma vez iniciado
na realidade espiritual, o que se fazia com o corpo não importava. Houve en­
tão gnósticos libertinos que praticaram a prostituição (Ap. 2:14, 21) inclu­
sive toda e qualquer perversão (comp. Jd. 4, 7-16). A tal ala de hereges,.
Paulo se dirige em Fp. 3:18-19, uma vez que o deus deles era o ventre e “a
glória deles estava na sua infâmia”.
A outra ala gnóstica, representada no quadro pintado por Paulo em
Colossenses 2 e I Timóteo 4:1-4, cria no asceticismo. Por meio da observa­
ção de ritos e evitando os tabus prescritos, seria possível subir a escada de
“espiritualização”, deixando para trás a matéria má.
O cristianismo atraiu estes filósofos religiosos que desconheciam qual­
quer Deus pessoal, e procuravam soluções para a ansiedade do homem que
precisa ser salvo, achando que pode a si mesmo redimir.

O Conceito do Corpo entre os Hebreus


Mas qual era, afinal, o conceito hebreu do corpo? Tanto no Antigo como
no Novo Testamento, o corpo se identifica estreitamente com você. Portanto,
é lógico dar seu último cruzeiro para manter o corpo vivo se não houver a
ressurreição. Se a vida neste corpo humano, é a única vida, porque não mantê-
la fazendo uso de todo o nosso esforço?
Estranhamente, os hebreus careciam de qualquer vocábulo para trans­
mitir o conceito de “corpo”. No hebraico original do Antigo Testamento,
seja onde for, não descobrimos a palavra “corpo”. O que encontramos são
os membros, partes do corpo, que representam o corpo ou funções da perso­
nalidade. Creio que a razão pela qual o hebreu não idealizou a palavra
“corpo” era porque o homem não era visto com um corpo individualizado.
Pelo contrário, o que era significativo no Antigo Testamento, era o conceito
do homem como ser vivente (Gn 2:7). Ele foi conceituado como carne, ani­
mada pelo fôlego de Deus, inteiramente dependente e responsável junto a
Ele. Por isso, o Salmista disse:
Se ocultas o teu rosto, eles se perturbam,
Se lhes cortas a respiração, morrem
e voltam ao seu pó.
Envias o teu Espírito, eles são criados,
e assim renovas a face da terra (Sl. 104:29, 30).
Deus é quem dá o fôlego de vida à carne humana para que a pessoa se
concretize no corpo.
Por esta razão, o corpo apresenta um quadro ou janela aberta da vida
que o indivíduo está vivendo. Marcas suscitadas pela ansiedade se manifes­
tam no corpo. O temor estampa no rosto suas marcas visíveis. Paz e a tran­
qüilidade criam sua fisionomia característica. Segundo seus sentimentos, o
corpo reflete o orgulho e superioridade, ou vergonha e inferioridade. O
sorriso do indivíduo alegre e confiante expressa o que se passa no seu cora­
ção, mas um olhar triste ou medroso igualmente reflete quem formou essa
sua característica de personalidade. Os hábitos de longos anos fazem do cor­
po uma carta aberta para todos lerem (cf. 2 Co. 3:3).

Epicureus e Estóicos
Também pelo fato da vida ser corporal, devemos refletir uns instantes
sobre a morte. Os epicureus gregos (cf. At 17:18) conceberam a morte como
os psicólogos modernos que seguem o pensamento de B.F. Skinner da Uni­
versidade de Harvard. A morte é simplesmente a desintegração das moléculas
que, juntas, mantém a vida corporal. Assim como cortar um nervo, cessa a
transmissão dum sentido porque o impulso elétrico não pode passar, a vida
cessa quando não há mais impulsos elétricos no cérebro. Para o epicureu que
aprendeu com Demócrito ou Lucrécio, ou o homem moderno que limita o
significado da vida a processos mecânicos e biológicos, a influência mecânica
atinge diretamente seu modus vivendi. “Se os mortos não ressuscitam, coma­
mos e bebamos, que amanhã morreremos” (I Co. 15:32), revela a filosofia
decorrente da concepção de morte a qual nos apegamos. Não há outro está­
gio de vida, apenas aniquilação, um nada infinito, como pensava Jean Paul
Sartre, existencialista francês moderno, recentemente falecido.
Para os estóicos (cf. At 17:18), morrer era o clímax da vida. Como
Sócrates, os estóicos almejavam morrer com coragem, bela e tranqüilamente.
Assim, o espírito do morimbundo se une com a mente espalhada em todo o
universo. Era um modo de pensar que aproximava-se do panteísmo. Assim
Platão achava que pela morte o homem era novamente unido ao ideal, o
deus universal do mundo de idéias. A personalidade individual desaparece
como a gota de água no mar. Também se assemelhava a doutrina budista do
nirvana, em que se esperava perder a consciência no eterno inconsciente.

Paulo Apela aos Filipenses para que o Imitem


Que contraste notável encontramos em Filipenses 3. Em primeiro lu­
gar o apóstolo reage ao ponto de vista gnóstico: “Irmãos, sede imitadores
meus” (v. 17). Imitação requer o corpo; sem ações visíveis, ou palavras fala­
das, torna-se impossível imitar o modelo. Todos transmitimos modelos de
ação aos nossos filhos, maneiras de falar, agir ou tratar os outros, por inter­
médio do corpo. Mas Paulo refere-se a sua vida em Cristo que fornecia um
quadro atuante que devia ser imitado pelos filipenses e por nós.
No meio do povo de Deus, havia e ainda há, “muitos... que são inimi­
gos da cruz de Cristo” (v. 18). Paulo julgou necessário advertir os cristãos
reais, repetidas vezes, acerca deste modelo oposto ao que Jesus nos deixou
na Sua paixão. Paulo enfatizou sua mágoa com lágrimas, “chorando”. Pre­
ciosíssimos candidatos para partilhar a glória de Jesus Cristo (cf. Jo 17:22),
foram desviados para atitudes e ações inimigas do significado real da cruz.
Enquanto a morte de Cristo foi a ponte providenciada por Deus para efetuar
o perdão e negação do pecado, este pensamento satânico (cf. Mt 16:23), glo­
riava-se na exaltação do pecado. Nestes versos, Paulo não condena os perse­
guidores, mas membros da comunidade que reivindicam ter uma compreen­
são mais profunda da graça. Se comportavam como os Coríntios que se
jactavam duma liberdade tão ampla que apoiaram integralmente a imoralida­
de do membro da igreja que se atreveu a “possuir a mulher de seu próprio
pai” (I Co 5:1 s). Afinal das contas, o “pecado” não passou de ato corporal!
Mas uma vez percebida a finalidade da cruz de Cristo, não seria possível evi­
tar a conclusão que o pecado inclui atos praticados pelo corpo e pensamen­
tos também. Paulo reconhecia que toda iniqüidade nega a finalidade da mor­
te agonizante de Cristo no calvário. Por isso ele disse, “Longe de mim glo­
riar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está
crucificado para mim, e eu para o mundo ” (Gl. 6:14).
Jesus convidou os seus seguidores a tomar a cruz e segui-lo (Mt 16:24).
A cruz foi um eficaz instrumento romano de morte cruel. Nela o corpo era
preso, torturado e finalmente morto. “Estou crucificado com Cristo”, con­
fessou o apóstolo em Gálatas 2:20. Em conseqüência, levava “sempre no
corpo o morrer de Jesus para que também a sua vida se manifeste em nosso
corpo” (2 Co 4:10). Como o corpo do Filho de Deus foi traspassado e es­
magado na cruz, Paulo deduziu que todos que gozam do privilégio de parti­
cipar no Corpo de Cristo (a Sua Igreja) devem também compartilhar a mes­
ma finalidade da encarnação, isto é, extirpar o pecado do nosso corpo indivi­
dual e lutar para a santificação no Corpo de Cristo (cf. I Co 5:6-8). É pelo
corpo que revelamos a realidade invisível do “homem interior” (cf. 2 Co
4:16). Assim também o sacrifício perfeito de Jesus na cruz revelou a realida­
de da sua vontade submissa ao Pai, que o aceitou como expiação por nós
(Hb 10:10). Mas os hereges judaizantes gnósticos (cf. v.2) eram inimigos da
cruz. Um cristianismo mental ou “espiritual” bastava. Se ser cristão implica­
va em perseguição física, fome, vida de pureza moral, e perda de conforto
corporal ou status na sociedade, porque não modificar a doutrina? Tal foi a
transformação da verdade revelada que levaram seu destino do céu para o
inferno (v. 19, “perdição”). Seu “deus” foi destituído do alto céu para se lo­
calizar nos apetites, tanto para alimentos suculentos como para o sexo. A
glória divina manifestada na encarnação, paixão, ressurreição e exaltação de
Cristo foi transformada na “infâmia” (gr. aischune, “vergonha”, “práticas
denunciadas pela própria sociedade como inconvenientes e contrárias à mo­
ralidade” (cf. Ef 5:11, 12). A degradação de tal modo os dominou que não
elevavam seus olhos acima do mundo e os prazeres imediatos que ele oferece
(v. 19b).
Não deixemos de fixar firmemente a ironia destas linhas do texto sa­
grado. A busca da “boa vida” e a “liberdade” em Cristo, afirmando o dualis­
mo que abafava o corpo e exaltava uma espiritualidade espúria, resultou na
vida dominada pelos instintos mais baixos. Talvez seja a razão pela qual o
Novo Testamento apresenta a “perdição” que é destino deles, como um in­
ferno físico. Não encontramos um quadro de tormentos mentais, mas o
“ranger de dentes”, chamas e sede tão intensa que uma gota de água ofere­
ceria um alívio tremendo (cf. Lc. 16:24). “Adoraram” seus corpos, coloca­
ram a satisfação e prazer do físico em primeiro lugar, em vez de dar priorida­
de ao reino de Deus (Mt. 6:33).
Deus convida os seus filhos a oferecerem seus corpos como sacrifício
vivo, santo e agradável a Deus (Rm 12:1). Ao contrário dos que edificam um
altar para o “deus ventre”, eles sacrificam o corpo ao Criador como veículo
de serviço e glorificação. Desse modo, o corpo se manifesta como verdadeiro
palácio ou templo do Rei divino.

O Valor do Corpo do Cristão


Vejamos como Paulo avaliava o corpo nos versos 20 e 21. Primeiro, re­
conhecemos que somos cidadãos dum outro país. Filipos era colonia ro­
mana. A população, na maioria, era composta de cidadãos de Roma ainda
que vivendo na Macedônia (hoje Grécia), tendo os privilégios e responsabili­
dades dos romanos nativos. Os cristãos também são cidadãos do céu, sua ver­
dadeira pátria e destino. Nossa vida no corpo mostra alguns inconvenientes.
Mesmo quem é portador do passaporte celestial, tem que aguardar paciente­
mente (gr. apekdechomethà) a vinda do nosso Salvador (v. 20) para receber
a libertação da “humilhação” que nossos corpos nos impõem.
Nesta vida pré-transformada (v. 21) os nossos corpos nos humilham
constantemente. Mesmo entregues totalmente a Deus, isso não corresponde
à realidade. Não seria agradável dar 24 horas de serviço incansável a Deus?
Não podemos. Não nos agradaria oferecer todo nosso dinheiro para a obra de
Deus (como a viúva de Mc 12:41-44)? Não podemos, pois é necessário gastar
com alimento, aluguel, vestimenta e, às vezes com o médico. Nosso corpo se
cansa rapidamente; tem fome e sede pouco tempo depois de alimentado.
Não importa quanto nos preocupamos em tratá-lo bem, doenças das mais
variadas sortes o invadem e o derrubam. Passando os anos, o corpo se enfra­
quece, aumentando ainda mais a nossa “humilhação”. O corpo reivindica
conforto, segurança, sustento, beleza e satisfação. Mas preocupar-se apenas
com tais reivindicações apaga a evidência de nossa cidadania celestial. Paulo
escreve: “Esmurro o meu corpo, e o reduzo a escravidão, para que tendo
pregado a outros não venha eu mesmo a ser desqualificado ” (I Co 9:27). Por
isso quando Paulo ensinava e exortava a igreja de Trôade durante toda a noi­
te (At 20:7-12), não duvido que tenha se cansado mais do que Éutico que se
deixou vencer pelo sono (v. 9). Paulo aprendera com Jesus (cf. Lc 6:12,
22:39-46 e paralelos). Há ocasiões em que o corpo deve ser subjugado para
dedicar um serviço agradável a Deus.
Após mil outros golpes no próprio corpo, Paulo chegou a Roma, con­
denado a prisão. Confinado a uma pequena cova abaixo do nível da terra, se
pudermos confiar na tradição incerta, sofreu frio (cf. 2 Tm 4:13), ausência
de seus livros e solidão (2 Tm 4:13, 16). O corpo reclamava, mas Paulo sacri­
ficara seu corpo na esperança da sua transformação “para ser igual ao corpo
da sua glória” (Fp. 3:21). Provavelmente, Paulo foi decapitado. As molécu­
las e os átomos que compuseram seu corpo há muitos séculos se separaram
do corpo que se decompôs. Mas a lei que domina toda a existência orgânica
neste mundo não vencerá a promessa nem o poder de Deus. Ele tem poder,
declara Paulo, para subordinar todas as cousas a si segundo sua eficácia
(v. 21), e demonstrada historicamente na ressurreição de Jesus (cf. Ef
1:19,20).
Na reintegração da nossa personalidade com o corpo transformado
igual ao corpo de Jesus Cristo, não teremos que lutar contra o corpo, nem
sentiremos mais a sua humilhação. Nunca mais sentiremos cansaço ou fome.
Cantaremos louvores sem enfado; serviremos sem desejarmos férias. Tudo, e
particularmente nossos corpos, estarão subordinados na mais perfeita sub­
missão a Deus. Então, poderemos serví-lo sem qualquer impedimento.
Conclusão
Paulo começou este parágrafo exortando os filipenses a imitá-lo, o que
significa que devem valorizar seus corpos como ele o fez. Nós tratamos o cor­
po como se fosse pessoal, i.e., o mais precioso sacrifício que podemos ofere­
cer ao nosso amado Senhor. Especialmente devemos nos lembrar que quem
entregou seu corpo ao Senhor, apenas está reconhecendo a verdade funda­
mental que Ele não só nos criou, mas também nos comprou pelo sacrifício
do seu próprio corpo (I Co 6:19, 20). O corpo não pertence mais a nós.
Até que ponto nosso corpo reflete nossa cidadania celestial? Temos,
como Paulo, subordinado e escravizado nosso “homem exterior” ou o esta­
mos idolatrando? Somos inimigos da cruz de Cristo ou carregamos diaria­
mente nossa cruz e o “morrer de Cristo”? Se aceitamos realmente a Jesus
Cristo como nosso Senhor, implicitamente oferecemos nossa vida no corpo
para que Ele o habite e o utilize. Que Deus nos mostre como imitar a Paulo
que, por sua vez, imitou a Jesus, dando-nos o incentivo do seu Espírito,
essencial a qualquer auto-domínio.
Oração: Senhor amado, a ti chegamos, não apenas com espírito e al­
ma, mas também com corpo. Sabes quão preciosos são para nós estes cor­
pos. Revela-nos, ó Deus, como podemos entregá-los em sacrifício santo e
agradável a ti. Afasta de nós o amor ao corpo que restrinja sua utilização no
teu serviço, porque tu deste teu corpo por nós em teu Filho, Jesus Cristo.
O CONTENTAMENTO
Filipenses 4:1-7
Portanto, meus irmãos, amados e mui saudosos, minha ale­
gria e coroa, sim, amados, permanecei, deste modo, firmes no
Senhor. 2 - Rogo a Evódia, e rogo a Sintique pensem concor-
demente, no Senhor. 3 - A ti, fiel companheiro de jugo, tam­
bém peço que as auxilies, pois juntas se esforçaram comigo no
evangelho, também com Clemente e com os demais cooperado-
res meus, cujos nomes se encontram no livro da vida. 4 - Ale­
grai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, alegrai-vos. 5 — Seja
a vossa moderação conhecida de todos os homens. Perto está o
Senhor. 6 - Não andeis ansiosos de cousa alguma; em tudo,
porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pe­
la oração e pela súplica, com ações de graça. 7 - E a paz de
Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos co­
rações e as vossas mentes em Cristo Jesus.

Introdução
Aprendi a dirigir com um primo que dava voltas num caminhão que
apanhava leite ao longo dos caminhos poeirentos da Carolina do Norte, nos
Estados Unidos. João dirigia um caminhão que levava as latas de vinte ou
trinta litros de leite das chácaras e sítios para a usina onde se condensava e
se enlatava o leite. O rótulo das latas de leite comunicava aos consumidores
que o leite viera de vacas contentes. Eu sei pessoalmente que nem todas as
vacas que forneceram esse leite para a companhia “Carnation” estavam sem­
pre contentes. Tirando leite em certa ocasião, a vaca deu um coice no balde
que me molhou com todo aquele líquido branco. Então, eu fiquei descon­
tente!
O primeiro parágrafo de Filipenses 4 tem muito a dizer sobre conten­
tamento. Leiamos o texto dos primeiros sete versículos.
Alguém, com uma boa dose de sabedoria, acertou, na verdade, ao de­
clarar que contentamento estraga o mundo. Para esse crítico, contentamen­
to significava simplesmente acomodação e complacência. Quem é compla­
cente não se perturba com as favelas que rodeiam as grandes metrópoles.
Não se incomoda com os milhões de mal-nutridos, morando em choupanas
de velhos pedaços de madeira e lata, onde a chuva e o frio penetram sem im­
pedimentos. O complacente não se importa com milhares de operários não
registrados, nem com muitos que tentam sustentar a família com o salário
mínimo ou menos, e não têm emprego seguro. Não se preocupa com milha­
res de crianças que não freqüentam a escola, ou pior ainda, são abandonadas
por pais irresponsáveis. Complacência abafa a corrupção, apoiando a deca­
dência moral do povo. Conforma-se, contudo, para não ter que se preocupar
com o mal que corrói o mundo.
Não é complacência que desejo comunicar com o vocábulo “contenta­
mento”. Quero, pelo contrário, lembrar-lhes duma raiz da palavra: contenta­
mento, vindo de “contém” e “contido”. Trata-se da vidacftew de satisfaçíto,
porque contém todos os elementos que devem “encher” a vida. É o oposto
da vida de sonhos, tempo e mentes vazias, sem alvos alcançados por causa da
indolência e ociosidade. Contentamento é fruto de energia bem usada, de­
cisões acertadas, porque sob a direção de Deus se investiu o necessário para
conseguir os objetivos que Ele colocou no coração. Foi Paulo que aproxi­
mando-se do fim de sua vida escreveu para Timóteo. “De fato, grande fonte
de lucro é a piedade com o contentamento” (I Tm 6:6).

O Contentamento de Paulo
Sabem que um dos termos chaves de Filipenses pode ser a palavra
“alegria”. Quatorze vezes em forma nominal ou verbal o apóstolo menciona
a alegria que invade a vida cristã real. Da sua injusta prisão ele expressa seu
contentamento em primeiro lugar pela sua família em Cristo que ele chama
de “irmãos”. Mesmo estando preso, e ainda mais, enfrentando a possibilida­
de de morte violenta, o velho apóstolo pensa nos seus “filhos amados” duas
vezes neste primeiro versículo. Emprega o mesmo vocábulo grego que Deus
Pai usou ao declarar que Jesus era seu filho amado (Lc 3:22).
Amor pelos irmãos que compuseram a igreja de Filipos encheu o co­
ração daquele que investiu suor e sangue para ganhá-los. Naturalmente,
Paulo sentia contentamento. 0 terceiro termo “saudosos” traduz uma pala­
vra cheia de emoção e profundo desejo, que aparece apenas quatro vezes no
Novo Testamento (duas em Filipenses, veja também 1:8). Em I Pe 2:2 co­
munica o ardente desejo que um nenen tem para o leite, e que o recém-con-
vertido deve ter para a Palavra de Deus. Saudade caracteriza o impulso forte
natural que leva os pais para estarem juntos com seus filhos ou o marido e a
mulher para eliminarem a distância que os separa. Querer estar juntos surge
da imensa apreciação e amor como se vê no caso do jovem que fugiu de casa
reyoltado. Passados anos de separação, repletos de variadas atividades re­
pugnantes aos ideais paternos sem ter-se comunicado com os pais, chegou ao
desespero. Idealizou um plano em função do fato que a estrada de ferro
passava nos fundos da casa de seus pais. Mandou um bilhete aos pais suge­
rindo que pendurassem uma tira de pano branco visível do trem onde passa­
ria. Esse sinal indicaria o seu desejo de que o pródigo voltasse para casa. No
dia marcado, o jovem, desesperado e ansioso, viajava rumo a sua cidade te­
mendo a ausência de qualquer sinal de convite para voltar a seu antigo lar.
Grande foi a sua emoção ao contemplar, não uma tira de pano branco, mas
vinte ou trinta tiras amarradas em ramos, arbustros e galhos! 0 jovem naque­
le instante percebeu a profundidade da saudade imerecida que os pais guar­
davam para com o filho rebelde.
A igreja era a “alegria” de Paulo. Esta quarta maneira de descrever o
contentamento com essa comunidade, dispensa maiores comentários. Forne­
ceram para o sofrido pastor-evangelista a alegria de satisfação. Como um te­
souro preciosíssimo, os filipenses amados provocaram uma fonte de gozo a
jorrar no coração de Paulo. Não só durante esta vida apenas, mas para todo
o sempre. O contentamento com o fruto do seu trabalho na primeira igreja
implantada por Paulo no solo europeu (cf. At 16), o acompanharia.
O quinto termo descritivo, “coroa” , acrescenta a idéia de festa e cele­
bração. O stephanos (“grinalda” , “coroa”) não era feito de ouro e pedras
preciosas, porque não sinalizava autoridade de rei ou imperador. Pelo con­
trário, comunicava heroísmo, por exemplo, um atleta que ganhasse uma
competição (cf. I Co 9:24, 25). Assim era a honra outorgada a um casal na
festa de casamento. Uma coroa composta de folhas e flores, posta na cabeça,
marcava quem recebia o reconhecimento dos hóspedes. Paulo lembra, por­
tanto, aos filipenses que eles tornaram sua prisão em salão de festa e ocasião
de celebração constante. Forneciam-lhe o sentimento de um herói coroado.
E quem é para nós tal motivo de celebração? Quem agora, ou futuramente
na eternidade será para nós o sinal do prêmio ganho? O missionário Davi
Brainerd norrendo aos vinte e nove anos de idade, após rigoroso desgaste na
evangelização dos índios norte-americanos, disse: “Não teria gasto minha vi­
da de outro modo por causa alguma no mundo”. Aí está a expressão de con­
tentamento na hora mais importante da vida.

Firmeza e Bom Relacionamento


Aos que tão importante contribuição ofereceram para seu contenta­
mento, o apóstolo pede firmeza no Senhor. Esta palavra que no original
quer dizer “ficar em pé” , o contrário de “abalado” ou “derrotado”, se des­
taca no último capítulo de Efésios (6:11-14). Toda igreja é alvo dos ataques
inimigos, forças satânicas e tentações carnais. Por causa da sua vulnerabili­
dade, Paulo manda que os filipenses se mantenham firmes para manter a
satisfação do “Pai da igreja”.
Logo que Paulo pensou na firmeza fundamental, veio-lhe a mente uma
das brechas que favorecem o abalo da igreja que é a falta de entendimento,
Evódia e Sintique, valiosas cooperadoras do apóstolo no início e depois com
Clemente e outros, haviam ajudado no avanço do evangelho. Mas, um desen­
tendimento rachou a comunhão, e não houve suficiente espiritualidade para
consertá-la. É de grande vantagem, numa hora dessas, ter um “fiel com­
panheiro de jugo” (possivelmente seu nome era Suzugó), capaz de auxi­
liar as mulheres na reconciliação de suas diferenças. Literalmente elas
devem pensar a mesma cousa (frase já encontrada em 2:2, onde Paulo
exortou a igreja toda a pensar concordemente. Sobressai nestes ver­
sículos a importância de cooperadores. Paulo não valorizou o tra­
balho solitário. Timóteo e Epafrodito irão para Filipos para representar o
apóstolo (2:20, 22, 28). Novamente vemos a importância de Evódia e Sin-
tique, do “fiel companheiro” (pastor?), de Clemente e os demais colabora­
dores (gr. sunergoi, “trabalhadores juntos”). Paulo não orgulhou-se em tra­
balhar isoladamente mas em equipe. Ficou contente em compartilhar seu ga­
lardão. Seus nomes também estão inscritos no rol celestial dos salvos, cha­
mado o livro da vida (v. 3). Não creio que Paulo ficou contente com seu pró­
prio trabalho, mas com o sucesso da sua equipe. Foram homens e mulheres
que levantavam e sustentavam as mãos do líder como Arão e Hur fizeram
com Moisés (Ex 17:12). Quando Jesus enviou seus auxiliares, os 12 discípu­
los e em seguida os 70 missionários, voltaram jubilosos por causa do poder
pelo qual foram capazes de lutar contra o inimigo. Jesus, porém, lhes adver­
tiu, “alegrai-vos não porque os espíritos se vos submetem, e sim, porque os
vossos nomes estão arrolados nos céus” (Lc 10:20). Nosso contentamento,
portanto, não deve se afixar nos sucessos desta vida, mas no relacionamento
infindável com nosso Senhor.

Contentamento nas Circunstâncias


Nada fica mais claro do que a necessidade dos filhos de Deus terem
seu contentamento “no Senhor” e não nas circunstâncias variáveis do dia-a-
dia. Em Cristo, Senhor de todos os acontecimentos que atingem nossas vi­
das, temos a possibilidade de manter a esperança tranqüilamente. Fora da
soberana vontade do Senhor, onde se descobririam bases para satisfação
quando as crises e problemas nos apertassem?
Quando a injustiça nos atinge, os insultos falsos nos degradam, mudam
o contentamento em queixumes e insatisfação. Quando a situação nós de­
cepciona até o ponto de querer agredir alguém, como se alegrar no Senhor?
Permitir surgir em nós aquele espírito de amargura mortífera, nos destrói e
facilmente se espalha pela igreja. Paulo admoesta, “Alegrai-vos sempre no
Senhor” (v. 4). Repete a exortação feita anteriormente em 3:1. Só o Senhor
pode transformar nossa atitude de depressão e amargura em contentamento
e alegria.
Li a impressionante descrição de Alexandre Solhenitzens sobre “Um
Dia na Vida de Ivan”, preso num campo de concentração russo. Esta pobre
vítima da injustiça do sistema ateu comunista, terminou seu dia contente.
Muitos toques de boa sorte o atingiram naquele dia. Não o levaram para o
isolamento. Não haviam despedido a mulher que havia preparado seu arroz.
Recebera uma tigela extra de “casha”, portanto não sentia a fome tão agu­
da como sempre. Seu trabalho desse dia foi erigir um muro. Sentiu prazer
nisso. Também tinha encontrado um pedacinho do seu serrote que escon­
deu, esperançoso dum dia possivelmente usá-lo para preparar meio de fuga.
Não adoecera, o que era comum acontecer a maioria dos presos. Foi um dia
sem nuvem negra, portanto adormeceu contente. Vale a pena contem­
plar a vida de quem sofre e aprendeu o segredo do contentamento e lem­
brar das inúmeras alegrias com que Deus galardoa nossas vidas.
Assim, faremos as nossas almas bendizer ao “Senhor e não esquecer de
nem um só de seus benefícios” (SI 103:2).
Alegria no Senhor
A. W. Tozer observou acuradamente que “quem tem Deus e mais tudo
o que há no mundo, não está melhor colocado na vida do que o homem que
tem só Deus”. Foi semelhante verdade profunda que Paulo desejava ex­
pressar com sua exortação repetida, “regozijai-vos no Senhor, sempre”.
Isaías predisse, 700 anos antes de Cristo, que os remidos tirariam com ale­
gria “águas das fontes da salvação" (12:3). Apesar desta e outras promessas
encorajadoras, muito crentes revelam profunda insatisfação. As circunstân­
cias que Deus destinou para sua disciplina, produziram ressentimentos e
amargura. As fontes da salvação não jorram águas alegres, louvor e gratidão,
mas azedas reclamações. Enquanto uns aprendem (como Paulo aprendera,
v. 11) a viver contentes e a extravazar um doce e suculento suco, outros se
assemelham a vinagre! Porque não aprender que Jesus Cristo é a fonte de
alegria do crente? Poderemos buscar nele, a qualquer momento, o medica­
mento que substituirá nossa depressão com alegria. Davi disse: “Como suspi­
ra a corça pelas correntes das águas, assim por ti, óDeus, suspira a minha al­
m a” (SI 42:1, cf. vv. 5, 11). O mais famoso filósofo dinamarquês do século
passado, Soren Kierkegaard, procurou durante sua vida o segredo de paz e
contentamento. Era religioso, mas no luteranismo do seu dia-a-dia, a hipo­
crisia reinava. Encontrou muito pouco relacionamento pessoal com o
Senhor vivo, ressurreto, nas igrejas. Religião formal, nominal e morta abun­
dava. Kierkegaard escreveu o seu livro poderoso, entitulado Temor e Tre­
mor, no qual imaginava Abraão preparando-se e viajando até o Monte Moriá.
Mesmo nessa crise mais dura da vida, descobrimos Abraão, por causa da sua
fé dominante, quase alegre. Assim foi também com nosso Salvador que nas
horas precedendo sua traição e crucificação, ofereceu a seus discípulos sua
alegria e paz (Jo 14:26, 27; 15:11). Kierkegaard externou um profundo ci­
nismo com respeito à igreja européia. Tinha anseio insaciável por uma fé que
não ficasse prostrada pelo confronto com a dureza da vida. Paulo mais do
que exorta, manda, em nome do Senhor, que os seus leitores (e nós) nos re­
gozijemos sempre no Senhor.

Moderação Evidente
Além da constante alegria que o crente deve mostrar, também necessi­
ta de moderação que o mundo observará (Fp. 4:5). A palavra grega epieikês
comunica uma atitude de consideração e grandeza de coração, capaz de per­
doar e desprezar os próprios direitos justos. Contrasta-se com a brutalidade,
excesso de rigor na aplicação da lei em detrimento do réu. No A.T. este vo­
cábulo expressa a graciosa gentileza do governo de Deus (cf. I Sm 12:22; SI
86:5). No N.T. aponta para a personalidade mansa de Jesus que convidou os
fracos, necessitados e cansados a gozarem do seu alívio (Mt 11:28-30). A
mansidão e benignidade de Jesus Cristo (2 Co 10:1), formam uma base para
a exortação de Paulo aos Coríntios que tão obviamente careciam dessa qua­
lidade. Mas a Igreja de Cristo deve ter renome pela benignidade e gentileza
que a caracterizam. Demonstrar serenidade é uma das qualidades mais apa­
rentes no contentamento. O cristão que reivindica para si o direito de julgar
o próximo (cf. Tg. 4:11, 12), condenando sem brandura ou mansidão, toma
o lugar do amoroso juiz, Jesus, apontado para julgar os homens. Fica paten­
te que, à medida que a igreja perde sua benignidade “diante dos homens”,
perde também sua qualidade de povo convidativo e contente.

O Senhor Voltará em Breve


Enfim, nos lembra Paulo neste mesmo versículo que o Senhor está
perto. Quer dizer que Cristo logo julgará com perfeita eqüidade os iníquos
do mundo. Ele em breve voltará. Não é necessário tentar nos vingar dos que
nos trataram com injustiça. Assim o povo de Deus novamente mostrará seu
contentamento. A segunda vinda de Cristo marcará finalmente a implantação
do governo perfeito e justo. Não é de nossa competência impor à sociedade
uma justiça humana, mas anunciar a solução presente e vindoura porque
“perto está o Senhor”.

A Paz do Senhor
Um dos mandamentos menos observados pelos filhos de Deus é o de
não permitir que a ansiedade sobre cousa alguma penetre no coração
(v. 6). Talvez você seja semelhante a uma panela de pressão que à medida
que as circunstâncias se tornam mais e mais quentes, a pressão aumenta.
Lembro de ter visto uma vez no teto duma cozinha, o efeito da excessiva
pressão de vapor numa panela que acabou explodindo. Descontentamento se
externa com reclamação e queixumes. Mas, reprimido no coração, poderá
levar a uma explosão com conseqüências incalculáveis. E como é difícil per­
doar quem perdeu o controle, particularmente aquele que se dizia “crente”.
Semelhante ao erro permanente ou ao pecado que nunca tem perdão é
aquela ansiedade que não se neutralizou na “paz de Deus” (v. 7), aumentan­
do até explodir em palavras ou atos violentos (Tg. 3:8-12).
Meus amados leitores, já conseguiram experimentar a “paz de Deus que
excede todo o entendimento”? Como o óleo que “excede” porque absorve a
alta temperatura do motor, e ao mesmo tempo lubrifica todos os pontos de
pressão e atrito, assim acontece com a paz divina. Ela emana da segurança
absoluta, de que todas as circunstâncias que surgem na vida, especialmente
as que estão fora de nosso controle, são as melhores para mim. Deus, nosso
Pai onipotente, onisciente e amoroso, escolheu cada detalhe da vida passada
e futura para nosso bem.
A promessa da paz que excede e que guardará nossos corações e men­
tes em Cristo Jesus (v. 7), evidentemente, não foi oferecida a todos os cris­
tãos! Doutra maneira não haveria crentes preocupados com o presente e te­
merosos do futuro. Como se explica a falta de paz em tantos corações? Deus
inspirou seu apóstolo a escrever as palavras infalíveis deste verso. Mas na ex­
periência do dia-a-dia, as mentes e coração dos irmãos são mais pertubados
que as ondas do mar num furacão (cf. Jo 14:17; 2 Co 2:13). Não é de admi­
rar que o mundano incrédulo, na maioria dos casos, procura o psiquiatra
para ajudá-lo a conquistar sua ansiedade, e não a Igreja de Cristo. Se esta paz
que excede o entendimento estivesse à venda, muitos se prontificariam a pa­
gar milhões para adquirí-la. Mas se os seguidores de Cristo não tem a so­
lução, como se espera que os descrentes acreditem nesta promessa?
Não creio que Paulo sugere que a paz celestial dominará o coração de
.todo crente como as águas cobrem o mar. Se a divulgação desta paz fosse
automática, não haveria no texto o mandamento aos crentes, “Não andeis
■ansiosos de cousa alguma” (v. 6). Mas a segunda parte desse verso manda
que “em tudo porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições,
pela oração e pela súplica, com ações de graça. ” O antídoto à ansiedade e
descontentamento não encontra-se em outra ação senão na oração de fé. A pa­
lavra “porèm” (alia no grego) expressa nitidamente o contraste. Pensamen­
tos que trazem ao coração revoltantes e horríveis possibilidades devem ser
vencidos pela comunhão com Deus na oração, juntamente com petições es­
pecíficas, e marcadas com “ações de graça”. Quando oferecemos o verda­
deiro sacrifício de gratidão a Deus (cf. Hb 13:15, 16), admitimos que Ele
tem o direito de nos atender segundo lhe parecer bem. Reconhecemos
abertamente que Deus faz com que todas as vicissitudes da vida cooperem
para o bem daqueles que o amam (Rm 8:28). Lancemos nele toda nossa
ansiedade. Descansaremos no cuidado que Ele tem por nós (I Pe 5:7).
Se observarmos, de fato, as condições tão claramente expostas por
Paulo, a paz de Deus “guardará” nossos corações e mentes. O termo, guar­
dará (no grego phrourevõ) literalmente sugere uma proteção interna. Em 2
Cor 11:32, o rei Aretas tentou evitar a fuga de Paulo, com um destacamento
de soldados dentro da cidade de Damasco. A palavra significa proteção inter­
na potente ou invulnerável aos ataques externos. Com a oração eficaz colo­
camos sentinelas às entradas da mente e do coração para impedir a penetra­
ção de pensamentos oriundos do tentador. Satanás deseja ardentemente ex­
pulsar a paz de Deus do íntimo do cristão, sabendo que desse modo estará
pondo em dúvida a própria fé dos salvos.
Conclusão
O direito do crente é o contentamento. A insatisfação representa o
sintoma de algo errado, precisando ser corrigido. Neste parágrafo tão sugesti­
vo, Paulo apontou para sua satisfação com a comunidade dos filipenses e
seus auxiliadores que labutavam no ministério pastoral. Ficou descontente,
sem dúvida, com o desentendimento que tornou as cooperadoras Evódia e
Síntique inimigas, mas contava com um fiel companheiro junto a Clemente
e outros obreiros para resolver a questão.
Os fatores elementares do contentamento, frisados por Paulo, são:
1) alegria no Senhor, não nas circunstâncias sujeitas a tão bruscas mudanças.
2) um espírito tolerante e misericordioso que se afasta da obrigação de co­
brar todos os direitos, ou vingar-se de todas as injustiças. 3) Paulo apresenta
a ansiedade como pecado, o oposto da oração e gratidão. Por meio da peti­
ção e confiança no Senhor, podemos usufruir da sua paz interna, não impor­
tando as circunstâncias ameaçadoras. Busquemos incansavelmente esta
“grande fonte de lucro que é a piedade com contentamento. ” (I Tm 6:6).
Oração: Senhor, tu és a nossa paz. Sem ti não teríamos nem propósito
e nem segurança. Fortalece nossa fé. Firma em nós a confiança que Cristo
está perto e responde às nossas petições. Guarda nossos corações na tua paz
para que os incrédulos possam perceber a vitória que tu nos dás por causa da
tua graça imerecida. Amém.
O DEUS DA PAZ SERÁ CONVOSCO
Filipenses 4:8-13
8 - Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é
respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que
é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se
algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento.
9 — 0 que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vis­
tes em mim, isso praticai; e o Deus da paz será convosco. 10 -
Alegrei-me sobremaneira no Senhor porque, agora, uma vez
mais, renovastes a meu favor o vosso cuidado; o qual também
já tinheis antes, mas vos faltava oportunidade. 11 - Digo isto,
não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em
toda e qualquer situação. 12 - Tanto sei estar humilhado, co­
mo também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias
já tenho experiência, tanto de fartura, como de fome; assim de
abundância, como de escassez; 13 — tudo posso naquele que
me fortalece.

Introdução
Poucos anos atrás, dormindo numa dependência dum acampamento
em Piauí, acordei bem antes do sol despontar ou mesmo a luz do novo dia
raiar. Ouvi o ruído familiar de asas batendo dentro do quarto sem teto. Só
depois de algumas horas verifiquei que não se tratava de um passarinho co­
mo pensava, mas morcegos. Agilmente entravam e saiam a procura de inse­
tos invisíveis na escuridão. Os morcegos equipados com um tipo de radar so­
noro não encontravam dificuldade alguma em descobrir aberturas por onde
entrar e sair. Lembrei-me da observação verdadeira. Não podemos evitar que
os “morcegos” penetrem em nossas cabeças, mas não somos forçados a lhes
permitir fazer ninhos em nossos cabelos!
Pensamentos são companheiros constantes enquanto vivemos acorda­
dos. O apóstolo aprisionado deve ter contemplado o aparecimento de inú­
meros pensamentos.
No v. 6 acima, Paulo exortou os filipenses a não andarem ansiosos de
cousa alguma. A ansiedade reflete pensamento sobre possíveis acontecimen­
tos desastrosos do futuro que amedrontam o indivíduo que permite tais “mor­
cegos” penetrarem em sua mente... Vimos que a maneira mais efetiva para
combater pensamentos negativos tais como o medo do futuro, é pela oração.

Pensamentos Vigiados
No versículo 8 Paulo reapresenta o lado positivo em relação à mente.
Um filho do Rei dos Reis, deve prestar homenagem ao Deus que lhe concede
paz que não pode ser explicada humanamente (v. 7), concentrando sua ati­
vidade mental em “tudo que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o
que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa
fama
Creio que Deus quer que tornemos um hábito esta triagem do nosso
pensamento. Aprendemos com a assistência do Espírito, que foi outorgado
para santificar nossa mente, a vigiar as aberturas por onde entram “morce­
gos”. Tanto “virtude” como “louvor” oferecem uma meta para focalizar a
ocupação da mente (v. 8b).

Tudo o que é verdadeiro


A primeira ocupação da mente que devemos manter é entitulada a
“verdade”. Só devem passar pelas veredas do cérebro pensamentos que não
sejam hipócritas e falsos. Freqüentemente, nós nos encontramos em ambien­
tes onde fofocas e rumores são espalhados. Criam-se suspeitas e dúvidas acer­
ca de irmãos que raras vezes estão perto pára se defender. Um pastor por
mim admirado teve a feliz prática de perseguir os fatos logo que surgisse
qualquer comentário sobre um membro da igreja. O confronto imediato
com os fatos, não raro, fechou a boca do fofoqueiro. Falsos pensamentos
são gerados onde a verdade não é virtude valiosa.
Acredito que o termo “verdadeiro” não define simplesmente fatos ve­
rídicos, mas focaliza o que denominamos “genuíno”. Jesus reivindicou ser
“a verdade” (Jo 14:6), não no sentido de uma enciclopédia cheia de fatos e
mínimos erros, mas por ser uma pessoa que é a fonte da realidade. Ele se
apresentou como o oposto de toda ilusão, falsidade, maldade disfarçada e
mudança (Heb 13:8). Ele encarna o eterno “Amém” (verdade imútável, 2
Cor 1:20; Ap 3:14). Pecado, na sua raiz, não passa de mentira, uma de-
pravação da natureza santa de Deus. Conseqüentemente, conhecèr a verdade
(quer dizer, entregar-se a Cristo) liberta do pecado (Jo 8:32). Jesus Cristo
nos oferece em si mesmo a eterna fidelidade (sentido básico de “amém”) de
Deus. Pensar no verdadeiro seria manter na mente somente o que é consis­
tente com a natureza, vontade e lei do criador.

Tudo o que é Respeitável


Pensar no que é respeitável comunica a idéia de limitar entrada ao la­
boratório da mente ao que é nobre (semna no original). Conceitos paralelos
como “venerável”, “sério”, “digno de reconhecimento elevado” , igualmente
emanam deste vocábulo. Este termo se destaca nas cartas Pastorais. O pastor
deve criar os seus filhos “com todo o respeito"(I Tm 3:4). Os diáconos de­
vem ser “respeitáveis” (como também as mulheres, I Tm 3:8, 11). Os velhos
das igrejas devem apresentar esta qualidade que comunica seriedade moral,
na intenção interior e comportamento externo. Piedade que se manifesta na
vida ordeira está em vista.
Pensar naquilo que se qualifica pela nobreza e dignidade proíbe os
“morcegos” de penetrarem na cabeça, que na melhor das hipóteses, são frí­
volos e caóticos (cf. Mt 12:26). Quando os pensamentos se exteriorizam
através de palavras e frases, longe de baixarem o nível de pensamentos sobre
os amigos, elevam-nos. Creio que a responsabilidade de manter um alto padrão
de pensamento depende dos amigos que escolhemos e do que lemos e vemos na
T.V. Ouvir conversas, ler livros ou artigos e acompanhar programas prepara­
dos para capturar nossos pensamentos, seguramente escravizarão nossos cé­
rebros àquilo que apreciamos. .
Por isso, necessitamos de um guarda “respeitável” para proibir a en­
trada de tudo que tem a forte tendência de diminuir a nobreza do nosso
pensar.

Tudo o que é Justo


A justiça deve cercar os pensamentos do cristão genuíno como os mu­
ros duma cidade medieval. Paulo escolheu este termo para englobar o mais
amplo conceito do que é certo, visto do ponto de vista divino. Deus sendo
absolutamente justo na sua pessoa, revela na sua lei a justiça que ele exige
das criaturas formadas segundo a sua imagem (cf. Rm 7:12). Desse padrão
divino os homens deduzem o que representa o certo ou errado. A lei pode
ser justa, mas se o nosso pensamento não se apegar com profundo amor aos
mandamentos do Senhor, seremos controlados pela força do mal que nos
conduz contra nossa própria vontade (Rm 7:19-21).
A retidão no pensamento certamente renunciaria às imaginações da
carne em que outrora (antes da conversão) andávamos (Ef 2:3). Moisé escre­
ve em Gênesis 6 porque Deus foi obrigado a julgar a humanidade pelo dilú­
vio. “Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra,
e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração” (v. 5). Jesus
também enfatizou que ritos de purificação religiosos não adiantam enquanto
não se efetua uma transformação radical na fonte dos seus “maus desígnios”
(Mc 7:21).
Pela ação do Espírito, a mente cristã pode ser capturada para servir a
Cristo. Paulo, escrevendo aos Coríntios, admite que ainda que ninguém
tenha direito de instruir o Senhor, “Nós, porém, temos a mente de Cristo ”
(I Co 2:16). Trata-se de homens espirituais (também maduros, 3:1; 2:6),
que, pela renovação da mente, rejeitaram a mente moldada segundo “este sé­
culo” para “experimentar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm
12:2). Sujeitando-se ao poder do Espírito, podemos levar cativo todo pensa­
mento à obediência de Cristo” (2 Co 10:5b).
“Tudo o que é justo”, portanto, não visa simplesmente ocupar a men­
te com as nobres idéias dos líderes humanos que detêm os prêmios Nobel de
literatura, ou paz. Ordena que nos preocupemos com a purificação da massa
cinzenta (Mc 7:21, 22) que gera nossos pensamentos egocêntricos e que a
substituamos pelo pensamento de Cristo.

Tudo o que é Puro


Pureza, frisa, tanto em grego como em português, o significado de
“limpeza”, de ser não-contaminado ou poluído. Mente pura deve ser mente
casta, como a “virgem pura” que Paulo idealizava para a igreja ao comparar
os Coríntios a uma moça aproximando-se das núpcias (2 Co 11:2). Divide-se
o emprego deste vocábulo no Novo Testamento entre pureza sexual e a
observação santa do culto a Deus com o coração leal e singelo. Contemplan­
do a vinda de Cristo, o cristão reconhece que será semelhante a ele e “purifi­
ca a si mesmo’’... assim como ele é puro" (I Jo 3:3). A lavagem dos pés dos
discípulos depois da última Ceia foi praticada por Jesus para simbolizar o
arrependimento repetido com intuito de ser purificado e manter a co­
munhão com o Mestre (Jo 13:5-11; 15:3).
Entre os “morcegos” que mais perturbam a mente do cristão, se des­
taca a impureza sexual. Encabeçam as listas dos pecados nas Epístolas que os
seguidores de Cristo devem mortificar, “prostituição, impureza, paixão lasci-
va, desejo maligno e avareza ”(Cl 3:5; Ef 4 :19; 5:3; I Tes 4:5,6). Nossa cultura
ocidental estimula o pensamento impuro por todos os meios que dispõe:
propaganda, revistas, quadros, programas sensuais na T.V., filmes eróticos,
livros e conversas sugestivas.
Aos Tessalonicenses, Paulo lembra que o pensamento impuro caracte­
riza “os gentios que não conhecem a Deus” (I Ts 4:5). Representa uma ofensa
contra Deus que ele não deixará de punir (v. 6). Jesus também advertiu con­
tra o acúmulo de pensamento impuro no coração. Para Deus a intenção
eqüivale ao ato de adultério (Mt 5:28). A seriedade do pecado mental tam­
bém descobrimos nos versículos que seguem. “Se o teu olho... tefaz trope­
çar, arranca-o... Se a tua mão... te faz tropeçar, corta-a... ” (w. 29, 30). O
perigo que Jesus aponta é o de ser lançado no próprio inferno.
Nunca esquecerei as lágrimas que correram da face dum pastor colega,
ao testemunhar a derrota que tinha sofrido nos pensamentos impuros. Pare­
ce que a confissão tão dolorosa é comparável a arrancar um olho e lançá-lo
para longe. Fortalece a última petição da oração que Jesus ensinou: “Não
nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal" (Mt 6:13).
Pensar em tudo o que é puro seria possível pelo preparo duma peneira
para evitar que nossos olhos e ouvidos contemplem o que é maculado e de­
gradante. “A impudicicia e toda sorte de impurezas, ou cobiça, nem sequer
se nomeie entre vós, como convém a santos ” (Ef 5:3).
Conceitos puros, pensamentos edificantes, estimulados pela palavra
aplicada pelo Espírito Santo, são os únicos que devem ter acesso ao nosso cé­
rebro. Como seres libertos da corrupção que há no mundo (I Co6:11), temos
a incumbência de escolher as fontes de nosso pensamento para melhor com­
bater as tentações que assediam a mente.

Tudo o que é Amável


O vocábulo origina] (prosphilê “o que conduz à amizade”) só se en­
contra no Novo Testamento. Pensar naquilo que promove o amor parece ser,
à primeira vista, não apenas uma recomendação boa, mas fácil de entender.
O ser humano, por natureza, quer ser apreciado e amado.' Amizade represen­
ta o que mais valorizamos na vida. Porque encontramos então uma ordem
divina para pensar de modo amável?
A resposta a tal pergunta, parece estar num fato fácil para verificar­
mos. Não é difícil acumular pensamentos positivos acerca das pessoas de
nosso círculo que nos apóiam, que nos valorizam e nos fazem sentir bem.
Mas dos rivais e concorrentes é bem difícil não pensar criticamente. Suspei­
tas e invejas caracterizam o oposto de pensar em tudo o que é amável.
Pelo grande número de palavras que Paulo usa para descrever as obras
da carne que separam os irmãos, devemos concluir que a mente está mais
disposta a pensar belicamente do que amavelmente. Considere esta lista:
“Inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissenções, facções e invejas”
(Gl 5:20, 21). Todas são qualidades más. Infelizmente, aparecem no relacio­
namento entre irmãos na comunidade da graça* e exteriorizam assim o
que se passa nas mentes. Estes “morcegos” devem ser expulsos o quanto
antes sendo substituídos pelo fruto do Espírito (Gl 5:22, 23). Jesus declarou
no mais famoso sermão de todos os tempos, “Não julgueis para que não se­
jais julgados. Pois com o critério com que julgardes, sereis julgados” (Mt
7:1,2).
Pensamentos longânimos, que suportam os irmãos em amor (Ef 4:2)
são úteis para tecer laços de amizade. Perdão oferecido na mente e em se­
guida por palavras, sinaliza o perdão divino que todos os crentes reivindicam
(Ef 4:32; Mt 6:14). Porque não concentrar um amor deliberado no irmão
menos amável da igreja? Porque não levantar uma onde de comentários posi­
tivos e verídicos a respeito do irmão que mais desprezo suporta? Pensar em
tudo que conduz para amizade granjeia um grande galardão.

Tudo o que é de Boa Fama


O sentido do vocábulo que significa “boa reputação” ou “fama”
(ieuphêma, no grego) não é difícil de captar. Pensamentos devem gravitar na
direção de tudo que merece louvor e comentários de apreciaçao. A propa­
ganda aumentou assustadoramente com o advento dos meios de comunica­
ção em massa. Todo produto que o consumidor deve adquirir para criar lu­
cros para o produtor, tem a boa fama do propagandista. Com certeza, o
apóstolo rejeitaria valorização deliberada só para aumentar as vendas. A or­
dem divina é para que deixemos penetrar em nossa meditação cerebral o que
merece bons comentários e que tem valor real intrínseco. O erro dos gnósti-
cos libertinos que se gloriavam na “infâmia” (Fp 3:19) foi justamente de
não cogitar os valores eternos. “Só se preocupam com as cousas terrenas”
(v. 19b).
Os pensamentos filtrados pela peneira do Espírito, levam a mente a
cogitar o que tem boa fama e que vem “dele e por meio dele e para ele”
(Rm 11:36). A criação vem de Deus, podemos valorizá-la conquanto não es­
queçamos a natureza temporária da presente época ou século contaminado
pelo pecado e aguardemos esperançosos o novo mundo vindouro, (cf. Fp
3:20).
Para completar a lista das qualificações do pensamento do cristão,
Paulo acrescenta mais duas restrições. Primeiro, deve haver louvor surgindo
da atividade cerebral. Como água fervendo cria vapor naturalmente, nossos
pensamentos devem produzir louvor da nossa parte e dos que compartilham
nosso modo de encarar a realidade (SI 34; 2, 3).
Segundo, deve-se limitar o pensamento pela virtude que reside nele.
Virtude (aretê vocábulo predileto na ética helenista) significava para os gre­
gos, toda atividade excelente, valiosa, benéfica para a sociedade (cf 2 Pe 1:5).
O famosos comentarista J.B. Lightfoot achou que Paulo apontava para qual­
quer valor que ainda por acaso residisse no conceito pagão de virtude. O
amor que une uma família seria um valor que não deve ser renunciado sim­
plesmente porque é reconhecido como virtude na ética dos mundanos.
Concluímos que o cristão não deve deixar a mente acumular pensa­
mentos inconvenientes ou “morcegos” descontrolados. O Espírito Santo
veio nos habitar (Jo 14:17) para produzir o fruto de domínio próprio
(Gl 5:23) que começa no coração, filtrando os pensamentos.

O Cristão Deve Ser um Modelo —v. 10


Paulo não termina a sua exortação no mundo privativo da mente. To­
do cristão cria um círculo de influência a seu redor. Devemos aspirar que os
que recebem nossa influência não provoquem vergonha.
O apóstolo ordena a igreja de Filipos praticar, isto é, fazer reviver a vi­
da de Paulo em cada membro. Dependia deles por em prática o que Paulo
ensinou (emathete, “Aprendeste como discípulos”, cf. Mt 28:19). Os cris­
tãos filipenses também receberam de Paulo o que deviam realizar. Deve refe­
rir-se a transmissão da tradição (comp. parelábete aqui com I Co 11:23; 15:3
que tem o mesmo vocábulo). A tradição cristã com origem nas palavras e vi­
da do Senhor Jesus, não deve ser menosprezada mas praticada e transmitida
para a nova geração.
Ouvir a Paulo ensinar e exortar com respeito à vida cristã deve ter sido
muito emocionante. Com lágrimas, intenso amor e preocupação, o apóstolo
encorajava os seus ouvintes (veja At 14:22, 20:9, 31). Roga aos filipenses
que não se esqueçam de fazer o que ouviram da sua boca. Freqüentemente,
ouvimos a mensagem no culto, mas logo que deixamos o santuário conver­
samos sobre tudo, menos como pretendemos concretizar o que Deus acaba
de nos falar pela Palavra. Este hábito insensibiliza o coração.
Não só os ouvidos, mas também os olhos, são conclamados a dar assis­
tência aos irmãos na imitação e obediência prestada a Paulo. “O que viestes
em mim, isso praticai” (v. 10). Aprendemos melhor quando vemos como o
herói modela a vida. D. James Kennedy, autor do livro Revolução na Evan-
gelização, exortava os membros de sua pequena igreja a evangelizar. Deu um
curso intenso sobre como ganhar homens para Cristo. Porém, somente
quando ele mesmo saiu várias vezes com um presbítero para demonstrar co­
mo conversar com incrédulos,é que começou a revolução da evangelização
na sua igreja (hoje com milhares de membros).
Assim, o discipulado, a tradição (preservada nos evangelhos), o ensino
e a demonstração devida, devem se unir ao pensamento filtrado (v. 8), para
criar uma igreja em que Deus espalha sua paz. Shalom (paz em hebraico) co­
munica um conceito de bem-estar, harmonia e vitalidade. A promessa que
Paulo estende aos irmãos é no sentido do Deus da paz estar com eles. Cristo
prometeu estar com seus discípulos (e certamente com seus sucessores) até
o fim do século (Mt 20:28). Nesta promessa descobrimos a autoridade da
Igreja para vencer todo inimigo e conquistar todo problema que o povo de
Deus é obrigado a enfrentar (cf. SI 27:1; 91:1-16).

O Contentamento que o Crente Deve Expressar


Nos versos 10-13, Paulo exterioriza seu profundo contentamento com
a oferta que os filipenses mandaram pelas mãos de Epafrodito (2:25-30).
“Alegrei-me sobremaneira no Senhor”, revela que sua satisfação não se ba­
seava na oferta em si, mas no Deus que mais uma vez renovou sua bondade
pela instrumentabilidade dos filipenses (4:10). “Renovastes” representa o
vocábulo, anathallõ, literalmente uma planta que brota com folhas e flores
de novo. A preocupação dos filipenses por causa da prisão de Paulo, final­
mente causou ação no levantamento e envio do donativo. Acredita-se que
eles teriam mandado o donativo antes, mas não descobriram meios pro­
pícios.
Mas o apóstolo não deseja que a igreja se sinta culpada porque não
conseguiu enviar antes sua oferta. “Digo isto, não por causa da pobreza"
(lit. husterêsis, quer dizer, falta). A fé de Paulo não permitiu que guardasse
uma palavra como “falta” no seu vocabulário. Paulo confessa que aprendera a
(emathon, “ser instruído como discípulo) viver contente em toda situação
(v. 11). Quem ensinou ao apóstolo tão importante lição? Não seria o próprio
Senhor Jesus que recusou fazer de pedras pães, ainda que passando cruciante
fome depois de 40 dias de jejum (M t4:3,4)?Foi ele quem combateu a preocu­
pação desnecessária dos discípulos com o pão (Mc 8:16-21) e reivindicava
uma comida não material desconhecida pelos discípulos (Jo 4:32-34).
Paulo empregou um termo apreciado pelos estóicos para comunicar
seu contentamento: autarkés, lit. “auto-suficiente”, indicando independên­
cia de circunstâncias externas, usado também para quem se auto-sustenta.
Revela uma força interior arraigada na fé num Deus todo-poderoso que faz
com que “todas as cousas cooperem para o bem daqueles que amam a
Deus”(Rm 8:28).
A vitória interna de Paulo sobre a ansiedade não foi obtida pela força
de pensamento positivo, ao modo de N.V. Peale ou R. Schuller, mas por
meio dum aprendizado que segue naturalmente à crucificação com Cristo
(Gl 2:20). Por isso ele escreve: “...sei estar humilhado”(v.12). Saber, vem
pela experiência, observação e interpretação do mundo exterior no fundo do
coração em que a fé cria convicção absoluta. “De tudo (gr. panti, singular)
e em todas as circunstâncias (pasin, plural) tenho experiência (memuêmai,
lit. “tenho sido iniciado numa religião mistério”). Faz uso desta palavra para
dizer quão profunda foi a experiência de ser inserido na plena confiança de
depender de Deus em tudo, inclusive o afastamento da preocupação natural
humana com o pão cotidiano. “Humilhado”, neste contexto, não se refere a
reação psicológica que cria ou revela a vergonha, mas uma diminuição de re­
cursos materiais. Fome ou miséria simplesmente não preocupavam a Paulo.
Estava profundamente contente.
Mais um ponto nos chama a atenção. Aparentemente, o apóstolo achou
mais necessário ser instruído como reagir frente a abundância do que
frente a miséria. Duas vezes escreve no original, perissevein, “ser honrado ”,
“abundância ” (v. 12). Esta palavra trata de transbordar, receber mais do que
é necessário. Para a maioria de nós, não parece ser desafio algum ter mais do
que precisamos. Torna-se claro que Paulo percebeu tanto em fartura como
em escassez uma prova, ou mesmo uma tentação. O aumento de bens mate­
riais, o salário crescendo, ou uma herança recebida, desafia o cristão a procu­
rar saber o que Deus pretende com “bênçãos” assim. Temos certeza que to­
da abundância vem para testar nosso amor a Deus e ao nosso irmão. A “ben­
ção” não vem para nos fartar mas para “acudir ao necessitado” (Ef 4:28).
Deus nos dá para investir em amigos que virão um dia nos dar as boas vindas
“nos tabernáculos eternos” (Lc 16:9, 6:38). Paulo testemunha acerca do que
fez com o que transbordava (At 20:34). Escreveu para os Coríntios que a
abundância deles deve suprir a falta dos crentes judeus em Jerusalém (2
Co 9:14).
Paulo encerra sua majestosa declaração com as palavras freqüentemen­
te citadas, “Tudo posso naquele que me fortalece ” (v. 13). Aqui deparamos
com o segredo do contentamento incessante, da paz e dos pensamentos con­
trolados pelo bem. Consideremos esta afirmação mais de perto. Tudo (pan-
ta, “todas as cousas ou circunstâncias”) posso (ischuõ, tenho força”, posso
aguentar) naquele que me está fortalecendo (endunamounti, “capacita”,
“fortalece”, que vem da raiz, dunamis, “poder”, “milagre”, cf. At. 1:8).
Paulo não sugere que o segredo de suportar a dura vida como preso, a tortu­
ra da forme ou a ansiedade de prever o martírio (cf. 1:20) esteja na sua pró­
pria disciplina ou auto-controle. Pelo contrário a explicação se encontra uni­
camente na constante (tempo presente) dinâmica da comunhão fortalecedo-
ra com Jesus Cristo pela atuação do Espírito Santo. Para fazer outra colo­
cação, o contentamento do missionário perseguido é uma dádiva gratuita,
graças à realidade do poder miraculoso de Deus.

Conclusão
Esta passagem começou apelando para o pensamento controlado por
Deus. Prosseguiu com um convite para praticar os ensinamentos transmiti­
dos por palavras e pela vida de Paulo, assegurando-nos a presença de Deus
que dissemina a paz. Termina nos w. 10-13 revelando a transbordante ale­
gria, sentida por Paulo ao constatar novamente que Deus supria todas as ne­
cessidades, materiais e pessoais. Quantos de nós poderíamos testemunhar
tão bela comunhão com Aquele que nos amou e entregou-se a si mesmo por
nós?
Oração: Õ Senhor, que queres compartilhar conosco a tua mente, tua
paz e teu contentamento, cria em nós ardente desejo e fé confiante para re­
ceber tudo que tanto queres nos dar. Amém.
A NECESSIDADE E O SUPRIMENTO
Filipenses 4:14-23
14 - Todavia, fizestes bem, associando-vos na minha tribu-
lação. 15 - E sabeis também vós, ó filipenses, que no inicio do
evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja se asso­
ciou comigo, no tocante a dar e receber, senão unicamente vós
outros; 16 - porque até para Tessalônica mandastes não so­
mente uma vez, mas duas, o bastante para as minhas necessi­
dades. 17 — Não que eu procure o donativo, mas o que real­
mente me interessa é o fruto que aumente o vosso crédito.
18 - Recebi tudo, e tenho abundância; estou suprido, desde
que Epafrodito me passou às mãos o que me veio de vossa par­
te, como aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a
Deus. 19 - E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há
de suprir em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades.
20 - Ora, a nosso Deus e Pai seja a glôrid pelos séculos dos
séculos. Amém. 21 - Saudai a cada um dos santos em Cristo
Jesus. Os irmãos que se acham comigo vos saúdam. 22 - To­
dos os santos vos saúdam, especialmente os da casa de César.
23 - A graça do Senhor Jesus Cristo seja com o vosso espirito.

Introdução
Nesta semana, enquanto meditava na mensagem destes versículos,
ocorreu-me um novo pensamento, ainda que velho, sem dúvida, para alguns.
Surgiu-me a idéia de que Deus desenhou este mundo para funcionar no prin­
cípio de necessidade e suprimento. Esta ecologia global explica satisfatoria­
mente tudo que doutra forma seria apenas mistério. Por exemplo, imagine
uma semente sem terra onde fosse capaz de germinar, se desenvolver e criar
plantas que produzem outras sementes. Semente sem solo seria um ponto de
interrogação — não imaginaríamos porque veio a existir. Mesmo que acredi­
tássemos muna inteligência e poder suficientes para fazer uma semente, não
estaríamos em condições para descobrir sua razão de ser.
As plantas necessitam de luz para crescer. Não achariam estranho plantas
que não se desenvolvem porque não há luz? Num mundo distinto do nosso,
como a lua, não existe água nem mar. Impossível é cogitar uma criação
como a nossa sem chuvas, rios, mares e atmosfera. A ecologia da criação de
Deus está de tal modo gravada em nossa consciência que necessita de supri­
mento.
Que achariam de corpos sem vida? Lembro-me de uma vez no porão
de uma catedral de Dublim, Irlanda do Sul, apertei a mão dum senhor que
participou de uma cruzada há mais de oitocentos anos passados. Claro que
este veterano não estava vivo, mas seu corpo secou como a múmia dum fa­
raó. Não havia mal cheiro provocado pela decomposição, nem atraía a con-
corrência como um velório dum amigo recentemente morto. Como seria ter
corpos assim, sem vidas em nossas casas, escolas ou igrejas? Assim nossa civi­
lização manifesta sua inteligência.
Para nossas estradas produzimos carros, ou vice-versa. Carros sem ruas
ou estradas sem carros nos pareceriam uma loucura. Os cientistas tentam des­
cobrir a utilidade daquelas linhas de quilometros de comprimento, perto de
Nasca ao longo da costa peruana. Parecem caminhos mas não ligam centros
de população; um suprimento para que?
Como seria ter carros sem gasolina ou lâmpadas sem eletricidade, ban­
cos sem dinheiro ou cheques, um povo com muito dinheiro mas nada para
comprar, ou fábricas sem produtos para produzir. Vivemos em contato cons­
tante com a ecologia de necessidade e suprimento. Conta-se que um senhor
sonhou que ganhou cem milhões na loteria. Ficou tão alegre que pulou da
cama, cantando e assoviando. Entrou no chuveiro, mas abrir\do o registro
não havia água. Apertou o interruptor para acender a luz —não havia eletrici­
dade. Saiu para comprar seu jornal mas não encontrou ninguém na banca. A
padaria estava vazia, nenhum ônibus circulava. Parou na casa dum amigo pa­
ra indagar sobre o que acontecia. “Não ouviste?”, informou o seu vizinho,
“todo mundo ganhou cem milhões e ninguém mais trabalha” . A boa sorte
era a ligação íntima entre a necessidade e o suprimento.
Se a ecologia fundamental da criação e da civilização se caracteriza por
suprimento e necessidade, deve, igualmente, ser natural para a igreja. Deus
criou a igreja para suprir a necessidade que Ele também colocou em nossos
corações. Igreja sem membros seria mistério ou um contrasenso. Mas exis­
tem irmãos na igreja que não pararam para pensar seriamente quais seriam as
necessidades para as quais a igreja foi formada, pelo Espírito de Deus, para
supri-las. Paulo não deixou de reconhecer este princípio e nem a igreja de
Filipos. Os membros dessa igreja estavam conscientes da natureza da partici­
pação na comunhão do Corpo de Cristo. Cada indivíduo tem necessidades
que o corpo pode suprir, mas o próprio corpo é composto desses membros
que suprem as necessidades da comunidade. Destarte, o corpo ilustra melhor
do que qualquer outra metáfora esta ecologia de suprimento e necessidade.
Quando uma parte do nosso corpo físico deixa de funcionar bem, te­
mos certeza de que não está recebendo o que precisa. Por exemplo, su­
ponhamos que tenho câncer ou tuberculose nos pulmões. Pelos pulmões o
sangue toma o oxigênio necessário para distribuí-los às células do corpo to­
do. Mas se os pulmões suprem pouco oxigênio para o corpo, eles mesmos
sentem a falta do oxigênio necessário para funcionar bem. Felizmente, Deus
colocou no corpo humano os meios necessários para suprir as carências de
todas as partes. Apenas no caso de doença, o corpo sofre a falta no sistema
ecológico, mas também, mesmo assim, depende da assistência médica do
próprio curativo que quase sempre restabelece o homem enfraquecido. Dou­
tro modo, morreríamos com a primeira doença que, eventualmente, nos
atingisse.
Notamos que o v. 14 mostra a necessidade de Paulo e o suprimento da
igreja de Filipos, “Fizestes bem, associando-vos na minha tribulação Falta­
ram recursos para viver na prisão, já que os presos dependiam de parentes ou
amigos para alimentos, roupas e tudo mais. Por amor, os filipenses compar­
tilharam com Paulo os bens e fundos que podiam sacrificar, uma vez que ele
nao tinha condições para suprir sua própria falta. Dessa maneira, os filipen­
ses mostraram que a doutrina do Corpo de Cristo era mais do que uma figu­
ra. Era realidade concreta. Tal associação (gr. sugkoinonesantes, “partilhar
junto”, “participar em comum”) apresentava o quadro sobre o qual Jesus
afirmou que iria persuadir o mundo da autenticidade de seus discípulos
(Jo 13.35). O sinal da genuína conversão dos filipenses foi sua prontidão em
suprir a necessidade de Paulo. Na igreja de Jerusalém, diz Lucas, “nenhum
necessitado havia entre eles" (At 4:34). Por outro lado, não devemos esque­
cer que não há outra opção, segundo I Jo 3:17; “Aquele que possuir recur­
sos deste mundo e vir seu irmão padecer necessidade e fechar-lhe o coração,
como pode permanecer nele o amor de DeusT’ Para que a igreja seja o Cor­
po de Cristo, as necessidades devem ser supridas para evitar a hipocrisia. É
falsidade reivindicarmos o direito de nos chamarmos a igreja de Cristo se não
colocamos em prática a ecologia do amor de Deus.
Em escala mais ampla, as igrejas da Macedônia demonstraram a graça
de Deus que lhes foi concedida. Mesmo em grande tribulação (aperto e ne­
cessidade) e profunda pobreza, “superabundou em grande riqueza da sua ge­
nerosidade” (2 Co 8:1, 2). Pediram a Paulo o privilégio “de participarem da
assistência aos santos" (2 Co 8:4). Partilharam seus bens tão escassos não
porque Paulo os .persuadiu ou os pressionou, mas porque a “graça de Deus”,
equivalente ao “amor derramado em nossos corações" (Rm 5:5) lhes cons­
trangeu (2 Co ,5:14).
E não era a primeira vez que os filipenses mandavam suprimento para
o apóstolo. Logo após a sua partida da Macedônia, eles enviaram a Paulo em
Tessalônica, duas ofertas, suficientes para satisfazer suas necessidades (Fp
4:15, 16). Outras congregações não sentiram qualquer obrigação em susten­
tar esse obreiro (v. 15) que tanto receio tinha de revelar suas próprias ne­
cessidades (cf. I Co 9:12, 15). Paulo ficara convencido que seu Deus supriria
cada uma das suas necessidades (v. 19), Não se preocupava com suas necessi­
dades uma vez que Deus o arregimentara para seu exército. Ele, certamente,
como bom general, não deixaria de suprir o essencial para que esse guerreiro
pudesse lutar na guerra santa despreocupadamente (cf. I Co 9:7; 2 Tm 2:4).
Mas, para muito crentes, e até obreiros, há uma distinção notilvi‘1entre
“necessidade” e o “essencial” . Tentei uma vez definir o que scrln lima ne­
cessidade. Não aproveitei a definição do dicionário, mas concluí que uma
necessidade representa uma falta que ao ser suprida, redunilíi num bem
maior. Pode-se imaginar que a lua necessita de habitanes lunams, Mn,s nin­
guém estaria pronto a viajar até a lua para morar antes de ter ceilivu que re­
sultaria no bem dele e do mundo.
Certa vez, o famosos pastor Harry Ironside da igreja de Moody, em
Chicago, foi convidado para pregar em Fresno, na Califórnia. Era jovem ain­
da e a igreja de Fresno não pensou nas suas necessidades. Tinha o pastor ape­
nas o dinheiro suficiente para pagai uma noite no hotel. Pensou “se a igreja
de Fresno não me pagar o suficiente não poderei saldar a minha conta”. De­
cidiu sair para o parque para dormir. Reclamou bastante a Deus pela falta de
recursos e o aparente desinteresse da igreja. Enquanto queixava-se da falta
de tudo, veio-lhe a mente a frase: “Meu Deus... há de suprir... cada uma de
vossas necessidades” (Fp 4:19). Começou a refletir sobre quais seriam suas
necessidades. Descobriu que o essencial era recarregar as suas baterias espi­
rituais. Foi aquela uma noite de confissão e avivamento para seu espírito
amargurado. Uma vez: resolvido o essencial no íntimo, as reuniões correram
muito melhor. O povo teve compaixão dele, convidando-o para suas casas e
cuidando dele tão bem que voltou para casa pesando um quilo amais. No fim
dessa semana tão marcante recebeu uma carta do seu pai que disse “Tenho
me impressionado com Filipenses 4:19. Meu Deus há de suprir cada uma de
suas necessidades. De fato, Ele assim fará. Uma dessas poderia ser a necessi­
dade de passar fome”. Quando experimentamos somente a fartura, esquece­
mos das necessidades que nosso generoso Deus está constantemente suprindo.
Paulo tendo aprendido a viver com fartura, como também com fome
(v. 12), não passou seus dias na prisão esperando ou pedindo donativos
(v. 17). Na generosidade sacrificial dos filipenses, ele percebeu “o fru to”do
evangelho, que aumentava o crédito deles no “banco celestial”. Mais signifi­
cativo era a espontaneidade da igreja impulsionada a compartilhar seus re­
cursos com ele, do que o donativo que Paulo recebera. Ele recebeu tudo,
teve abundância, ficou suprido, desde que Epafrodito lhe passou “às mãos o
que me veio da vossa parte”(w. 18). Além disso, os contribuintes agradaram
a Deus.
Para isso Deus idealizou a igreja. Quem supre a necessidade do seu
irmão faz bem (v. 14), não apenas porque atende ao necessitado, mas tam­
bém porque a generosidade representa crédito eterno na conta de quem dá
com alegria (2 Co 9:7). O doador não deve se preocupar com qualquer re­
conhecimento humano (Mat 6:1-4).
A nossa preocupação está em nunca passarmos necessidade. Desejamos
como o tolo na história de Jesus, acumular o suficiente para ter “em depósi­
to muitos bens para muitos anos” . Assim, queremos descansar, comer e be­
ber e regalar-nos” (Lc 12:19). A este modo de pensar e agir, Deus chama de
loucura. “Esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para
quem será? Assim è o que entesoura para si e não é rico para com Deus”
(Lc 12:20, 21).
Na igreja devemos ser relembrados constantemente que quem entesou­
ra para si mesmo é um tolo e quem reparte com os necessitados é um sábio.
É a intenção divina que a necessidade dos outros seja suprida pela nossa ge­
nerosidade, para que assim sejamos ricos para com Deus. Por esta razão,
Jesus afirmou: “Mais bem-aventurado é dar que receber” (At 20:35).
Quem supre a necessidade dum irmão, compartilha sua vida com ele.
É o verdadeiro significado do vocábulo grego que Paulo usou em 1:7 e nova­
mente neste último parágrafo de Filipenses (4:14 sugkoinõneõ). Assim as cé­
lulas do corpo se gastam, oferecendo suas vidas para a vida do corpo inteiro.
Não podemos especular quanto à quantia que os filipenses mandaram a
Paulo. Ele escreve, “Recebi tudo (isto é, pagamento completo) e tenho em
abundância; estou suprido” (v. 18). Se recebeu o suficiente para pagar o alu­
guel da casa em Roma (At 28:30) e comprar uns mantimentos, era “abundân­
cia”. Sobrava para os companheiros (cf. At 20:34), visto que as necessidades
do apóstolo eram muito reduzidas. É tolice guardar para mim o que meu ir­
mão precisa, sob pretexto de que eu não tenho acumulado o suficiente para
cobrir minhas necessidades. Feliz o crente que sabe que todas as suas ne­
cessidades estão supridas, não porque acumulou terras, propriedades e tem
cem milhões na poupança, mas porque faz parte duma comunidade que, por
amor a Deus, cuida dos seus membros crentes e confia no Senhor que tudo
supre para suas ovelhas (SI 23:1).

O Significado do Donativo
Já vimos no v. 17 que o donativo que a igreja mandou a Paulo foi
comparado a fruto que aumentava o crédito dos filipenses. O fruto duma ár­
vore aumenta quando plantamos sua semente em terreno preparado. Anos
depois de crescer a árvore, finalmente aparece o fruto abundante, multipli­
cando muitas vezes o valor da semente plantada. Terá semelhante aumento
no crédito celeste, o donativo investido no bem-estar de Paulo. .
A ofertá, em segundo lugar, recebe a descrição de “aroma suave” no
v. 18 (gr. osmên euõdias, “fragância dum cheiro bom”, correspondendo a
frase comum no Antigo Testamento para o bom aroma que subia dum sacri­
fício queimado, Gn 8:21, Lv 1:9,13 etc).. Em conseqüência da morte substi­
tutiva de Jesus por nós na cruz, não há sacrifícios de animais que podemos
oferecer a Deus que sejam aceitáveis. Porém, há sacrifícios que Deus não só
aceita, mas que também o agradam. Primeiro devemos oferecer nossos cor­
pos em sacrifício a Deus, corpos vivos, santos e agradáveis a Ele (Rm 12:1).
Segundo, devemos oferecer a Deus “sempre, sacrifício de louvor, que é o
fruto de lábios que confessam seu nome” (Hb 13:15). Corpos entregues
para servir a Ele e lábios empregados na exaltação do seu nome são sacrifí­
cios legítimos dos filhos de Deus.
Terceiro, encontramos aqui em Filipenses 4, o sacrifício de dinheiro
ou posses para suprir a necessidade dum cidadão. Esta oferta é declarada
“aceitável e aprazível a Deus” (v. 18). Compartilhar bens com necessitados
é ao mesmo tempo uma oferta apresentada a Deus. Havendo a motivação de
amor e gratidão (não reconhecimento humano, Mt 6:1-4), da parte do ofer-
tante, seu sacrifício será aceitável e aprazível a Deus. Enquanto Jesus ha­
bitou fisicamente entre os homens era possível ofertar-lhe dinheiro (Lc 8:3)
e “bálsamo de nardo puro” (Jo 12:3). Esses sacrifícios eram aceitáveis ao
Senhor. Mas logo que Ele foi exaltado, concretizou-se a situação que Ele
predissera: “Porque os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem
sempre me tendes” (Jo 12:8). Na ausência física de Cristo, temos o privilé­
gio de trazer nossas ofertas ao altar4, para serem redistribuídas aos necessi­
tados. Ofertas de bens, impulsionadas pela graça de Deus (2 Co 8:1) e com­
paixão pelos irmãos necessitados, tributam graças a Deus (2 Co 9:11) e
acrescentam “glória ao próprio Senlior” (2 Co 8:19). Somente em sentido
muito humano e restrito, poderíamos afirmar que Deus necessita de nossas
ações de graça e glória que a ele sacrificamos. Mas se reconhecemos que tudo
que lhe dá prazer (gr. euareston, “bem aceitável” , “prazeiroso”, Fp4:18),
corresponde a seu desejo, será mais fácil compartilhar os bens que ele mes­
mo nos ofertou! Paulo, portanto, aponta para: 1) o galardão que os filipenses
receberão no futuro (“o fruto que aumentou o vosso crédito, v. 17), 2) o
prazer que o sacrifício suscita a Deus e 3) o benefício recebido pelo carente
suprido com a oferta (w. 14-16).
Quanto a vida do servo de Deus, é descrita também como “bom per­
fume ” (gr. euodia, o termo técnico para um sacrifício aceitável a Deus, 2 Co
2:15) de Cristo. O simples viver, testemunhar e espalhar “o perfume do seu
conhecimento ” é uma oferta contínua no altar de Deus. Assim a igreja de
Filipos, permanecendo em Cristo, resplandece no mundo como um céu es­
curo salpicado por luzeiros e “preserva a palavra da vida” (Fp 2:15, 16).
Assim estaria oferecendo um sacrifício de serviço de fé sobre o qual a possí­
vel morte de Paulo seria uma libação (2:17), sugerindo um ato consagratório
antes de queimar-se a oferta.
Uma vez que Cristo nos “amou e se entregou a si mesmo por nós, co­
mo oferta de sacrifício a Deus em aroma suave” (Ef 5:2), dependemos intei­
ramente dele para. nosso perdão e justiça. Somente a oferta desse sacrifício
único serve para expiar nosso pecado e remover nossa culpa. O que nos resta
para sacrificar? O Novo Testamento deixa muito claro que, motivados pela
gratidão, devemos oferecer nossos corpos, nosso louvor, nossos bens e nossas
vidas. Com isso Deus se agradará (Hb 13:16).

A Reação de Deus é uma Promessa de Suprimento —v. 19


Os sacrifícios que os cristãos tributam a Deus são indicadores da fi­
liação divina que reivindicam. Mas Deus também corresponde às ofertas de
seus filhos com o suprimento de cada uma de nossas necessidades. Paulo não
hesita em chamar o Senhor de “meu Deus”. Ele, sendo Pai de Paulo e dos fi­
lipenses, tem um compromisso com os seus. A frase segundo a sua riqueza
em glória, abre nossa visão para a infinita grandeza de sua despensa ou ban­
co. Dele é o mundo e tudo que nele se contém (SI 24:1; 50:12) “São meus”
disse o Senhor, “todos os animais do bosque, e as alimárias aos milhares so­
bre as montanhas” (SI 50:10). Quando Paulo pensava no sentido da palavra
“glória" no hebraico (significavapeso),não deixava de contemplar a riqueza,
majestade, importância e uma fonte inesgotável de todos os valores. Não
meramente das riquezas mas segundo as riquezas em glória, Deus suprirá as
faltas dos filipenses.
Certa vez, um amigo meu foi pedir fundos para iniciar uma obra im­
portante. Apelou para um irmão riquíssimo na Suiça. Depois de pegar o
talão de cheques e orar, o dono de bancos, prédios e estabelecimentos co­
merciais, preencheu um cheque de dois mil francos e o entregou a meu ami­
go decepcionado. Tinha partilhado sua imensa riqueza mas não “segundo as
suas riquezas” como Deus promete fazer. Devemos também notar que a pa­
lavra “suprir” (gr. plerõsei, “encher” , “fazer transbordar”) é a mesma que
Paulo usou no v. 18, “abundância” . Pela fé, Paulo promete que Deus supri­
rá abundantemente todas as necessidades dos filipenses. Eles terão que rece­
ber pela fé o que Deus lhes outorgar, tendo como mais do que suficiente
para suas necessidades e não seus desejos.
Por que os crentes tem tanto receio de compartilhar sacrificialmente
suas posses com os carentes? Creio que foi C.S. Lewis que apontou para o
obstáculo principal. Não é uma vida de mais luxo que desejamos mas o
fim do temor frente à insegurança do futuro. Se formos generosos como os fi­
lipenses, nosso futuro estará garantido, não em bens materiais, fundo de ga­
rantia ou apólices de seguro de vida, mas em Deus que promete suprir todas
as nossas necessidades.

Epílogo —w . 20-23
A fé que confia em Deus como Pai para um futuro desconhecido, tam­
bém quer que toda glória lhe seja tributada (v. 20). Os santos em Cristo
Jesus devem receber a saudação individual e carinhosa do apóstolo preso.
Nenhum santo (crente) deve ser esquecido. Os companheiros de Paulo tam­
bém mandam saudações com as de Paulo. “Os santos”, provavelmente, se
distingüem dos “irmãos” que fazem parte da equipe de Paulo, porque são
componentes da igreja (em Roma ou talvez em Éfeso). Os santos da “casa
de César” se referem aos cristãos que moravam e trabalhavam no palácio do
governo onde Paulo estava encarcerado. Tinham oportunidades freqüentes
para encontrar, ouvir e orar com ele.

Paulo termina esta carta tão bela com a petição a Deus para que a
graça do Senhor Jesus Cristo seja com o espírito dos filipenses, isto é, com a
Igreja como uma entidade ou organismo vivo. Amém.
1 - Alguns estudiosos sugerem que Marcos se assustou pelo prevalecim ento da malá­
ria na região baixa costeira da Ásia M enor (hoje, Turquia).
2 - Ber 5.5 (no Talmude babilónico) ver o artigo “ A p óstolo” no Dicionário de T eo­
logia do N ovo Testam ento (Ed. Vida Nova, S. Paulo, V ol. I, 1981, páginas
234-239). '
3 - Sugerim os que Filipenses foi escrita em Éfeso, de um a prisão não m encionada
por Lucas em A tos. Ver 2 Co 11:23, “prisões” e 1 Co 15:32, “lutei em Éfeso
com feras”.
4 - Ver Mt 5 :23, 24. O altar em vista seria a Ceia do Senhor, ocasião tradicional para
trazer ofertas de dinheiro, alim entos e bens para, em seguida, serem distribuídos
entre os destituíd os da Igreja. Para ser aceitável, o ofertante precisava estarem
paz com toda a fam ília de Deus.
'G%ULÍ*TO2>
«0 genlioi.'
RUSSELL P. SHEDD

Para muitos cristãos, a Carta aos Filipenses encontra-se entre


as suas Epístolas prediletas.
Paulo revela seu amor, gratidão, ternura e alegria no Senhor
ao pensar naquela comunidade que iniciou-se à beira de um rio
perto de Filipos.
A igreja tomou novo impulso como conseqüência de um forte
terremoto qüe, em vez de soltar os presos, levou o carcereiro e sua
família à conversão. Em meio ao sofrimento, Paulo e Silas canta­
vam. O título deste livro destaca o tema desta carta alegre.
Alegrai-vos no Senhor reúne uma série de mensagens expositi-
vas proferidas na Capela Metropolitana de São Paulo (atual Igreja
Internacional do Calvário). Espera-se que a apresentação destas
mensagens em forma escrita seja tão edificante como foi em sua
forma verbal.
Os Editores

Russell P. Shedd é catedrático de Novo Testamento e


Exegese na Faculdade Teológica Batista de São Paulo,
desde 1965. Pastoreou várias igrejas no Brasil e no
exterior. Formou-se no Wheaton College com graus

m
de bacharel e mestre. Graduou-se com Ph. D. pela
Universidade de Edimburgo, Escócia.

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