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TRADUÇÃO:
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eLEIENTINA NASTARI
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1985
~ ENELIVROS
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••• .':clJ:fl.. ~'...-:
I.; _

CIP.Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, AJ.

Benenzon, Rolando O. '.


8413m Manual de Musicoterapia I Rolando O. Benenzon; tradução de Clementi-
na Nastari - Aio de Janeiro: Enelivros, 1985.

Bibliografia

1. Musicoterapia l. Nastari, Clementina 11. T(tulo . DEDICADO A MEUS FILHOS

•• 85-0013
CDD - 615.837
CDU - 615.837 DIEGO
SEBASTlAN

• GISELA
FLORENCIA

MICHEL BANG
Capa

A. BRUNO
Arte-final

S6NIA & VAL TER


Composição

CARLOS ALBERTO DOS SANTOS


Jornalista .Profissional/R egistro MTb nl? 12.117
Revisão

Direitos exclusivos para a I(ngua portuguesa


Copyright@ by
ENELlVROS EDITORA E LIVRARIA
Av. Henrique Valadares, 146 - Sobreloja 201
CEP: 20231 - Tel.: 242.3484 I'
Rio de Janeiro .- Brasil
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PREFAcIO

o Manual de Musicoterapia do Dr. Benenzon vem enriquecer


esta nova ciência, inserida entre as disciplinas paramédicas, com
maiores luzes quanto aOextraordinário poder do som, da música e
do movimento, aplicados no processo terapêutico, abrindo nos pa.
cientes novos canais de comunicação. ,I
,I
O autor, eminente psiquiatra, talentoso e laureado composi- ,'I
tor musical, abarca conhecimentos que lhe permitem abordar com ,I

segurança os múltiplos aspectos da Musicoterapia. !


Dentre estes, salientamos os biológicos e psicológicos dos sons
e suasiflfluências, refe;fdoS por ele com grande propriedade e im-
portância, que serriariifestain deSde'o inicio da vida, quando se de-
fine o Principio de ISO, que é a identidade sonora do individuo, 'I
base de toda a fundamentação teórica e de todo o trabalho musi-
co terapêutico.
Especial atenção deve ser dada ao cap (tulo "Formação do
Musicoterapeuta" onde o autor se coloca de maneira milito clara
sobre essa formação, que deve ser distinta e aprimorada, pois a MIl-
sicoterapia, qlle atua a nivel não-verbal, deve preparar um profissio-
nal não só com conhecimentos médicos, psicológicos e musicais,
mas também capacitá-lo a utilizar o pensamento não-verbal na rela-
ção terapêutica, de tal maneira que conheça seu ISO e o de seu pa-
ciente e possa estabelecer com ele um diálogo sonoro.
E salientada a importancia da presença do musicoterapeuta
em uma equipe multidisciplinar a fim de abrir nos pacientes maior
número de canais de comunicação, facilitando a atuação dos tera-
peutas das outras áreas.
A vasta experiência do autor, sua sensibilidade apurada, suas
investigações e dedicado trabalho com pacientes psiquiátricos
muito regressivos, como esquizofrênicos, autistas, onde o isolamen.
to do individuo com o que o cerca é uma constante, propiciaram- "
lhe criar, através da Musicoterapia, uma metodologia e técnicas
ideais de trabalho, chegando a definir o autismo como uma prolon.
(NDICE
gação patológica e deformada do psiquismo fetal.
A metodologia e as técnicas elaboradas e descritas pelo autor,
o tornam um precursor delas no cenário mundial, e constituem um
dos conteúdos principais deste manual.
Tardou esta tradução e é uma honra para nós tê.la feito. Págs.
Ficamos muito felizes em poder começar a citar Benenzon
INTRODUÇÃO 9
em português, pois vários livros de sua autoria já foram traduzidos
em outros idiomas. 11
CAPITULO 1 - DEFINiÇÕES .
Felizmente esta ciência já é uma realidade no mundo, e dia a a. Conceituação das Definições, 11
dia vem confirmando seu espaço entre as disciplinas paramédicas.
E não temos dúvidas em afirmar que ela será uma das grandes CAPITULO 2 - FUNDAMENTOS . 21
terapêuticas do futuro. . a. Biologia do Som, 21
b. Psicologia do Som. 27
Clementina Nastari
CAPITULO 3 - PRINCfplOS , , 43
Pisco/oga - Proffl de Musicoterapia
a. O Princípio de ISO, 43
b. O Objeto Intermediário, 47
c. O Objeto Integrador, 49

CAPITULO 4 - ELEMENTOS TÉCNICOS 53


a. A Sala de Musicoterapia, 53
b. O Instrumental, 55

CAPfTUlO 5 - FORMAÇÃO DO MUSICOTERAPEUTA 61


a. Personalidade e Características do
Musicoterapeuta, 61
b. Curriculum do Curso de Musicoterapia, 65

CAPITULO 6 - O PACIENTE , : . 69

CAPITULO 7 - METODOLOGIA GERAL . 71


a. Ficha Musicoterapêutica, 72 .
b. Testificação do Enquadre Não-Verbal, B1
c. A Sessão de Musicoterilpia, B4
d. Sessão de Grupo em Musicoterapia, B7
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CJ\PfTULO 8 - ASPECTOS TÉCNICOS. ............. 91

CAPITULO 9 - FINALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS .. 99

CAPITULO 10 - O USO INADEQUADO DA MÚSICA,


DA MUSICOTERAPIA E SUAS CONTRA-INDICA-
ÇÕES . 101
a. A Música Funcional, 102 INTRODUÇÃO
b. Críticas à Música Funcional, 105
c. A Epilepsia Musicogênica, 107

• d. A Música Eletrônica, 115

CAPfTULO 11 - O TESTE PROJETIVO SONORO 119

• CAPITULO 12 - APLICAÇÕES CLINICAS DA MUSICO.


TERAPIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
a. A Musicoterapia no Deficiente Mental, 123
123
A Musicoterapia é uma especialidade paramédica jovem, po-
rém com suficientes fundamentos cientfficos de ordem cI ínico-
terapêutica, que permitem estabelecer claramente uma metodolo-
b. A M usicoterapia em Perturbados Motores, 132 gia de trabalho e uma série de técnicas capazesde ser desenvolvidas.
c. A Musicoterapia nos Deficientes Auditivos, 136 Um dos propósitos que me levou a escrever este Manual de
d. A Musicoterapia no Autismo Infantil, 140 Musicoterapia foi justamente estabelecer as pautas e expor minhas
experiências sobre uma metodologia de aplicação clínico.terapêu- j,
CAPITULO 13. - MUSICOTERAPIA NO GRUPO FAMI- tica da Musicoterapia.
LIAR 149 Esta experiência não só a recolhi durante os anos que venho
dirigindo o curso de formação de musicoterapeutas na Universidad
CAPITULO 14 - HISTÕRIA DA MUSICOTERAPIA .... 165 dei Salvador de Buenos Aires e do controle dos egressados,mas,
também, durante a coordenação da formação dos musicoterapew-
CAPITULO 15 - DESENVOLVIMENTO E EVOLUÇÃO tas do Rio de Janeiro, Brasil, e das experiências que se levam a ca-
DA MUSICOTERAPIA 173 bo em vários países latino-americanos e da Europa. .
Minha idéia foi brindar o profissional integrante de uma equi-
BIBLIOGRAFIA 177 pe de saúde, qualquer que seja sua especialidade, com um co-
nhecimento amplo do campo que abarca a Musicoterapia e, ao
fNDICE ANALlTICO ,...... 181 especialista, um aprofundamento de estruturas metodológicas de
. trabalho terapêutico e de investigação.
Com' este manual, ficará claro que a Musicoterapia, em sua
aplicação clínica, deve estar em mãos .exclusivas de um gradua-
do emMusicoterapia.
A Musicoterapia não se improvisa e, 'como auxiliar da Medi-
cina, suas possibilidades terapêuticas são tão profundas que abrem
caminho facilmente à iatrogenia, quando é manejada ao livre-
arb ítrio do profano.
À medida que avancei na elaboração deste livro, fui-me dan-
do conta da dificuldade que contém o nome Musicoterapia para
uma especialidade que utiliza uma série de fenômenos que não têm
.J1.•••• Ii-------..

10 R.O.BENENZON

precisamente a música como único elemento, mas de que também


são partes o som, o ruído, o movimento etc. E que fundamental.
mente se converte numa das terapias não-verbais por antonomásia.
Assim, encontrar-se.ão técnicas que se relacionam com outras tera-
pias, dando, por fim, base à necessidade de uma ampla formação e CAP/'rULO 1
conhecimento desta especialidade.

DEFINiÇÕES

Considero duas possibil-idadesde definir a Musicoterapia: uma


encarando seu aspecto cientrfico e a outra, o terapêutico.
Com respeito ao ponto de vista científico, considero que "a
Musicoterapia ~ LJrni'eSRecializaçã().cilmtífica que-ie'ocupacjo is~'
tuêlõ' einiieStigação do complexo som/ser hUmano, seja o_som,.,
musical ou não, tendente a busCaras elementos diagnósticos e os
'ITiét(xjºú~r~pêí.íticosdórnesmQ". , ... ,'," ..... ' .'.. '--.
." Com respeTiêíao ponto de vista ter~êutico,considero que "a
MusicoteraPialLuma disciplina Pararnéd]ci' 'quiliiiHiã-o.som:ã:- "
I

música e o movimento para produzir efeitos regressivos e abrir


canais de-comunicãÇão,' com õ'objetivo-dé empreender através de- '
les o processo'éle trein-ãmento e recuperação dc)p'aciente para a sô:'
'~C1edade'f~.-~----_ .._----_."-'. ..... . . . -"
,'

a) Co~ceituação das definições

A Musicoterapia é uma especialização científica porque de-


vemos estabelecer um limite entre os aspectos históricos, onde es-
tão incluídas as lendas, e as claras investigações sobre o efeito da
música e do som no ser humano, nos animais e nas plantas.
A história está repleta de magia, onipotência e sugestão, sen-
do de- irÍúlresse para os aspectos teóricos'éxtraircerto tipo de hi.
pótese de trabalho.
. A investigação científica permitirá um uso claro das aplica-
ções d'ó som e da música no campo terapêutico.
Um exemplo do aspecto histórico o temos na B,blia: " ...
quando o mau espírito de Deus se apoderava de Saul, David to,
I _,
•••lIIlflíI'.Hí.i'*&'I' •••• ' 111. •

12 R. o. BENENZON MANUAL DE MUSICOTERAPIA 13

mava a harpa, a tocava, e Saul se acalmava e sentia-se melhor, e o quado que a defina por si só sem penetrar ou interferir em outras
esp írito mau afastava-se dele ... " disciplinas ou técnicas terapêuticas.
Um exemplo do aspecto científico o temos através do fisió- Por exemplo, falar de terapia pelo som poderia associar-se
logo francês Féré de la Salpêtriêre, que estudou a influência da ã ultra-sonoterapia ou falar de terapia .não-verbal poderia associar-
música na capacidade de trabalho do homem, valendo-se do er- se ao psicodrama.
gógrafo de Mossa. Pôde observar o fato de que antes de tudo são Da busca dos elementos diagnósticos.~ Os estímulos sonoro-
os estímulos rítmicos os que conseguem aumentar o rendimen- musicais podem desencadear expressões orgânicas e psicológicas
to corporal. Também observou a influência estimulante que a mú- da dinâmica do ser humano que permitem aumentar o conheci-
sica exercia, independentemente do ritmo, e cuja intensidade mento de seu funcionamento. Muitas vezes, este tipo de estímu-
estava relacionada com o caráter dos tons musicais executados; lo sonoro pode ser mais poderoso que o estímulo visual ou tátil.

••
o efeito estimulante, especialmente naqueles de tom maior, era As disritmias latentes oferecem bons exemplos de diagnóstico
superior ao produzido pelas peças musicais em tom menor. através da música.
A Musicoterapia se ocupa do estudo e investigação do com- Assim como se utiliza um aparelho gerador de luz intermiten-
plexo som/ser humano. Este complexo está formado por: a) os ele- te, ou a hiperventilação, para provocar a aparição dé ondas ae
mentos capazes de produzir os estimulas sonoros, ou seja, a na- ãisritmias latentes no eletroencefalograma, também existem sons
tureza, o corpo humano, os instrumentos musicais, os aparelhos ele- que em certos pacientes são capazes de produzir, seja por certas
trônicos etc; b) os estímulos, ou seja, o silêncio, os sons perce- qualidades do som ou por associação mnêmica, a aparição de
bidos internamente, como o batimento card íaco; os ru ídos arti- disritmias latentes; ou seja, que permitiria o diagnóstico de epi-
culares, os sons intestinais etc., os sons musicais/rítmicos, meló- lepsias temporais que não chegam a produzir exteriorizações
dicos e harmônicos, as palavras, os ru ídos, os ultra-sons, os infra- motoras, convulsivas, mas que podem ser desencadeadas por
sons. o movimento etc.; c) o percurso das vibrações com suas leis estímulos auditivos (Figura 1).
físicas; d) os órgãos receptores desses estimulas, ou seja, o siste- Estes. conceitos são extra idos dos trabalhos sobre epilepsias
ma auditivo, à sistema de percepção interna, o sistema tátil e o sis- musicogênicas que analisaremos em outro capítulo deste manual.
tema visual; e) a impressão e percepção no sistema nervoso e sua Outro exemplo de diagnóstico através da música, possível de
inter-relação com o sistema endócrino, parassimpático e outros; se estruturar em forma de teste, seria a modificação dos desenhos
t) a repercussão psicobiológica e a elaboração da resposta; g) a res- realizados sob o estímulo de ritmos predominantes, como .uma
posta, que pode ser de conduta, motora, sensitiva, orgânica, de marcha ou uma valsa, baseando-nos numa experiência realizada
comunicação através do grito, do pranto, do canto, da dança, da por Werner Wolff.
voz, da música, dos gestos (Figura 1). Esta experiência foi aplicada a quinze crianças em idade
Do som, seja musical ou não_ A Musicoterapia ou terapia pré-escolar e consistiu em deixá-Ias escutar três gravações, uma de
musical tem sido um termo pouco feliz para esta especialidade, já cada vez, assim: 1) uma marcha, 2) uma valsa, 3) uma canção
que seu nome limita os verdadeiros alcances da mesma. Não é só "vaqueira", com a seguinte instrução: "desenhar o som da música".
música o que se utiliza como parte do processo de aplicação te@- Cada criança recebeu as seguintes instruções: ... "Vamos brincar de
pêutica, mas também se utiliza o som em seu aspecto mais amplo um modo divertido; vocês vão ouvir música e desenhar o seu som".
da sua concepção e o movimento. Entendo que o movimento, a Eu realizei a experiência com cinqüenta adultos, aos quais
música e o som são praticamente uma mesma entidade, qu-é se iden- lhes fiz escutar separadamente uma marcha, uma valsa e um
tificam mutuamente até converterem-se em uma mesma coisa. mambo, música de moda naquele momento. Obtive o mesmo
Lamentavelmente, a ampla difusão do termo, tradicional- resultado que com as crianças. Sob o estímulo marcha, qualquer
mente conhecido como Musicoterapia, faz com que me incline a que seja o motivo do desenho, suas linhas e formas eram quadran-
aceitá-lo. Por outro lado, é muito difícil encontrar um termo ade- gulares, em ângulo reto, triangulares etc; ao contrário, sob o
14 R, o. BENENZON MANUAL OE MUSICOTERAPIA 15

estrmulo valsa, as linhas e formas eram circulares. Sob o estímulo


de música de moda, o desenho mostrava, geralmente, uma imagem
que a caracterizava (F iguras 2 a 6).
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o
Em Genebra, Gabrielle Boissier trabalhou na elaboração de
um teste projetivo sonoro que homologou ao teste de Rorschach.
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Partiu da idéia de que cada indivíduo tem uma percepção auditiva
pessoal do som, e que, portanto, essa percepção pode ser modifi-
cada por problemas da personalidade. Este conceito permitiria o
diagnóstico diferencial entre pessoas aparentemente adaptadas ou
que apresentam uma estrutura neurótica ou psicótica. O teste
consiste em passar uma fita de gravação onde se registraram 28
sons figurativos, divididos em três séries. A instrução é: "Vocês
escutarão os sons, nos d irão o que são e ,o que lhes sugerem".
Num capítulo à parte deste manual descrevo o teste projetivo
sonoro que idealizei, faz alguns anos, e que serve como um instru-
o
mento a mais de coadjuvante 'nos tratamentos psicoterapêuticos.
Por último, existe a possibilidade de detectar, mediante a
observação da relação aluno/música ou paciente/música, os confli-
"'_w)-w::E« zwa:>OwO tos da relação aluno/ mãe ou paciente/mãe.
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o,~ Dos métodos terapêuticos. Obviamente este aspecto dá
~ ?: ~ <>~ ~ ~~ definição será desenvolvido nos próximos capítulos.
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Com respeito ao ponto de vista terapêutico, a Musicoterapia é
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~>- in> uma disciplina paramédica.
A Musiç_Clterapia_é' uma auxil iar da Medicina que coadi\jva '\~
com asCferr;ais técnicas terapêuticas para recuperar o paciel'!tEl,Pilra .
a sociedade ou para atuar na prevenção das enfermidades físicas e_ I
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~~iL , '
I: uma terapêutica méd ica que se desenvolve no mesmo nível
1
do fonoaud iólogo, do terapeuta ocupacional, do terapeuta físico
etc. I
Portanto,_ sua estrutura, seu desenvolvimento devem ser I
controlados e supervisionados dentro do âmbito das Faculdades de I
Mêdiciria.
- - Na' história de seu desenvolvimento atual predomina ainda,
I
em cada pa ís, a tendência dos precursores. Se este é um músico,
I
inciinar-se-á por desenvolver a disciplina"dentro do âmbito de uma
faculdade de música; se é um psicólogo, dentro de uma faculdade
de psicologia; porém, creio que, como objetivo da Musicoterapia é
o terapêutico e não o musical, esta deve desenvolver-se dentro de
um sistema curricular pertinente à Faculdade de Medicina.
16 R.O.BENENZON
MANUAL DE MU$ICOTERAPIA 17

Da utilização do som, a música e o movimento. Na definição


anterior tenho dito das amplas possibilidades do aspecto sonoro.
Nesta desejo assinalar a inclusão do movimento. Creio que o
movimento e o som são uma mesma coisa, ou, dizendo melhor, um
complementa o outro. Todo movimento tem dentro de si mesmo
um som e todo som gera e é gerado por um movimento.
No campo terapêutico, entendendo este último como um
processo e que, portanto, transcorre no tempo - e que além disso
intervêm pelo menos duas pessoas, que são o terapeuta e o pacien-
te -, a utilização do som significa inevitavelmente a presença do
movimento, seja realizado, ou vivenciado, ou experimentado
Figura 2 - Desenho sob es- Figura 3 - Desenho sob es- dentro de cada um dos integrantes do processo.
timulo - Marcha tímulo - Valsa
Da produção de efeitos regressivos. Quando falo dos efeitos
regressivos do som e da música, não me refiro a isto como único
objetivo terapêutico, pois percebo que há sons que produzem em
determinados indivíduos efeitos totalmente contrários. No meu
entender, um dos fenômenos mil.is profundos que produz o som e ,.
•• a música é a capacidaQe.de-provocii"r'-êSi:aâ6s' regressivos no ser 'I).
humano:--'- -. - ,

Na aplicação psiquiátrica da Musicoterapia esta propriedade é i' i


fundamental.
li
Baseio-me na explicação de tipo psicoanalftica para o enten-
.. Figura 4- Desenhp sob es- Figura 5- Desenho sob es-
dimento do termo regressão. Sabemos que há dois conceitos que
t/mulo - Marcha tímula - Valsa
andam unidos, que é o de fixação e o de regressão.
Quando existem perturbações do desenvolvimento evolutivo,
produz-se alteração do mesmo (fixação), ou podem originar-se
movimentos de retrocesso (regressão) mediante os quais volta-se a
etapas anteriores que foram vividas com maior ou menor êxito;
etapas anais, orais e ainda fetais.
//Em outras palavras, cada vez que uma pessoa sofre uma frus-
tração surge nela uma tendência a sentir saudade de períodos an-
teriores de sua vida, nos quais suas experiências foram mais praze-
Figura 6 - Desenho sob es- rosas, e tipos anteriores de satisfação que foram mais completos.
timulo - Música de Moda Isto é, que a regressão seria um mecanismo de defesa do Ego ..
Neste sentido há dois tipos de regressão: a) a regressão de
formas adultas a formas infantis de sexualidade, que seria o pré-
requisito das neuroses, e b) o que nos interessa fundamentalmente,
a regressão ao narcisismo primário, ou seja, a etapa do desenvolvi-
mento anterior à diferenciação final do Ego e o Ele. Quando se
produz esta regressão - a mais profunda - significa a reedição do
.18 R. o. BENENZON
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 19

mais antiga de tadas as tipas de defesa: a blaqueia da Ego.. En.


Da abertura de canais de comunicação. Deva esclarecer que
tramas assim nas exemplas das pracessas esquizafrênicas, da psi-
os canais de comunicação não só podem abrir.se mercê da pro-
case infantil, da autismo., da simbiase etc.
dução de efeitas regressivos, mas, também, devido a autras carac-
Chegamas a expor, desta maneira, a fatar terapêutica da re-
terísticas dos estímulas sanara-musicais, implementadas dentro. do
gressão.. O psicótica, ao. ter regressada a uma fase anteriar à exis-
processo terapêutico. Estes canais de comunicação favorecem e
tência de abjetas, não. tem interesse em manter cantata cam as de.
são. parte do êxito da Musicoterapia.
mais, au, de autra mada, a tendência psicótica à retração priva de
Muitas vezes, a Terapia Ocupacianal, a Fonaaudiolagia, a
toda consistência as suas tendências de estabelecer cantatas.
Psicoterapia abordam o paciente utilizando. os mesmos canais de
Sabemos que no começo os psicanalistas, tendo cama ferra-
camunicação abertas pela Musicoterapia. Outras vezes, as canais
menta principal a interpretação da transferência, consideravam ina-
de comunicação não significam navas vias de acesso. à dinâmica
plicável a psicanálise nos psicóticos. Este conceito com a evalu-
psíquica, mas a reestruturação. de algumas já existentes.
ção foi variando..

••
Do treinamento e recuperação do paciente para a sociedade.
Nos psicóticos sempre ficam resíduos de relações objetais e
Muitas vezes, neste processo, a Musicaterapia acupa a primeira
anseios de recuperar os contatos desta índole.
ela, pais é utilizada cama primeira técnica de aproximação..
É assim que se pode criar gradualmente um mínimo de ati-
Exemplo. deste último a encantramas na trabalha com crian .
tude para a transferência.
cas autistas. Outras vezes, a Musicaterapia acupa um lugar de
Por este caminho podemos nas introduzir nas importantes
~aadjuvante no processa, como seria nos casos cujas objetivas
passibilidades da som e da música. Isto. é devida a que a sam, a
são. conseguir mavimentas campensatórios na reabilitação. matara,
mavimenta, a música e os fenômenas acústicos são. os elementas
au na desblaqueio de estruturas absessivas em psicaterapias pro-
comunicantes desta primitiva etapa da desenvalvimenta evolutivo. fundas-etc.
Estes elementas permitem uma camunicaçãa com abjetas indife-
renciadas e, à sua vez, são percebidas coma fenômenas gestálticas.
Portanto, o musicoterapeuta, que em sua farmaçãa aprende e
intrajeta a maneja e a usa de uma linguagem pré-verbal e nãa-ver-
bal incodificada, pode introduzir-se através da mesma nos níveis
regressivos narcisísticas, sem provocar maiares retrações do Ego.,
pois estamos trabalhando. com as elementas conhecidas desta épa.
ca da Ego..
Isto. me tem levada a criar dois termos canceituais: os sans
regressivagenéticas e a camplexa não-verbal.
Os sans regressivogenéticas são. aqueles que entre outras ca-
racterísticas predamina a de produzir nas seres humanos efeitas
regressivos, em maiar medida que outras sans, e, em geral, como
um efeito. universal, independente da patalagia ou das caracterís-
ticas individuais. Um exemplo. desta classe.de sans é a batimento.
card íaco.
Chamarei complexa nãa-verbal atada canjunta de elemen-
tos sanaras, musicais, de movimenta e fenômenas acústicos que
produzem efeitos regressivos.
Em outros cap ítulas aprofundaremas estes canceitos.
;.,,* eEi~ 6

CAP(TUL02

FUNDAMENTOS

Neste cap ftulo desenvolverei algumas experiências biológicas


e uma série de experiências psicológicas que fundamentam o por-
quê da utilização dos sons e da música nos processos terapêuticos.
Quase todas as experiências que se vão descrever têm caráter
de investigação e não de processo terapêutico. Portanto. são expe-
riências que ajudam a ampliar o campo da Musicoterapia. porém,
elas mesmas não pertencem à Musicoterapia.
!I!
11

a) Biologia do som
I'

,

Retomaremos o conceito de complexo som/ser humano e amo ','


pliaremos alguns aspectos da Figura 1. !
No setor A observamos os elementos produtores de estímulos
sonoros. Possivelmente no futuro da Muslcoterapla os aparelhos I
eletrônicos, sobretudo o sintetizador eletrônico, irão adquirindo,
à medida que sua possibilidade de. manipulação seja mais fácil,
enorme importância para o trabalho terapêutico.
No setor B observamos os estímulos sonoros que impressio-
nam nosso sistema sensorial.
O mundo sonoro que nos rodeia é infinito, desde o silêncio
(que varia, no que é uma verdadeira câmara de silêncio, quase in-
suportável para alguns, até o que nós chamamos silêncio, numa sa-
Ia com isolamento acústico) até os infra-sons, também de transcen-
déntal significação no futuro da Musicoterapia, já que eles poderão
impressionar nosso inconsciente burlando os mecanismos de defe-
sa do Ego. Os sons que são percebidos por nosso organismo através
de um sistema de percepção interna que ainda desconhecemos; co-
mo os batimentos cardfacos, os ruídos intestinais, os atritos arti-
~J _
-- ----- -._--------

22 R.O.8ENENZON MANUAL DE MUSICDTERAPIA 23

culares, os movimentos musculares e articulares, a pulsação, os ocitocina. Por suposto isto seguiria a via tálamo/hipófise.
processos enzimáticos. Muitos destes sons integram a lista dos sons Finalmente no setor E figuram as respostas.
regressivogenét icos. Antes de tratar diretamente das experiências realizadas no
No setor C figuram todos os sistemas de percepção desses es- campo humano, considerarei alguns aspectos nos vegetais e ani-
trmulos sonoros, como o sistema auditivo, o sistema de percepção mais.
interna, o sistema tátil - de grande importância nos surdos pela Um granjeiro de IlIinois (Estados Unidos) colocou em dois in-
possibilidade de percepção vibratória - e o sistema visual, por vernadouros distintos o mesmo tipo de semente em idênticas con-
onde o som penetraria como um símbolo que logo se converteria dições de fertilidade, umidade e temperatura, porém num deles
num som. instalou um alto-falante que tocava música durante as 24 horas do
No setor O figuram o sistema nervoso e sua inter-relação com li\\ dia. Ao cabo de um tempo, comprovou que no invernadouro sub-
outros sistemas, como o endócrino. Observamos o cérebro, ou seja, metido ao estrmulo musical o maís (milho graúdo) havia germina-
o sistema cortical, o tálamo ou sistema subcortical e a inter-relação do com maior rapidez, o peso dos grãos era superior e o quociente
tálamo/hipófise, o bulbo e a medula e suas conexões com o siste- de fertilização da terra havia-se elevado. As plantas que se encon-
ma vago-simpático ou sistema autônomo. travam próximas ao alto-falante achavam-se deterioradas pelo efei-
O tálamo é o lugar onde chegam as sensações e emoções que to das vibrações do som musical.
ficarão ali num plano não-cónsciente; ou seja, que mediante um Tanto foi o êxito que atualmente no Canadá utiliza-se música
ritmo musical podemos cond icionar uma resposta inconsciente au- para grandes extensões de produção agrícola, e inclusive observou-
tomática. Uma pessoa pode tamborilar com seus dedos ou assobiar' se que as vibrações do som musical destruíam um microorganis-
seguindo a música a este nível de tálamo; porém só a nível cortical mo (parasito), que por sua vez afetava a planta de maís (milho
é pos~ível apreciar conscientemente uma música. graúdo).
Por isso o ritmo e talvez a melodia são atributos do homem e Em veterinária fala-se, ironicamente, de que as vacas gostam
dos animais, visto que ambos se desenvolvem a nível subcortical; de Mozart e que, em troca, a música de Wágner e o jazz inibem a 11

I
porém a harmonia, que já é um produto intelectual, só se pode rea- produção láctea; sem dúvida, nos centros dos Estados Unidos
lizar a nível cortical e é atributo exclusivo do homem; é ali, na pas- estuda-se seriamente o problema. Uma estatística computada em
sagem do tálamo ao córtex, onde os elementos musicais e sonoros IIlinois (Estados Unidos) mostra que o rendimento das vacas, nas I
podem sofrer inibições e deslocações que ainda desconhecemos. vacarias vizinhas a aeroportos onde operam jatos, diminui até
I A música está muito ligada às funções da linguagem, portanto
os defeitos nas funções musicais aparecem quase invariavelmente
reduzir-se a quase zero em conseqüência dos ru ídos.
Num dos grandes matadouros de Buenos Aires (Argentina)
unidos a incapacidades de outras funções psicomotoras, das quais está-se implantando o uso do estímulo musical adequado, antes de
a oratória e a conversação são as mais notáveis; as áreas anatômi- que o animal seja conduzido à morte, para conseguir a não-diminui-
co-cerebrais apóiam estes postulados. Assim, no lóbulo temporal, ção do peso do animal que chegava a ser elevado nas horas que an-
os centros da linguagem e da música encontram-se muito perto um tecediam o abate.
do outro. Muitas enfermidades cerebrais da área de Wernike e de Em fins de 1880, vários médicos, e especialmente fisiólogos,
Broca, entre outras alternações, produzem disfunções na ativida- ocuparam-se do estudo biológico da música. M. Getry e Héc~or
de musical do paciente. Berlioz fizeram interessantes observações acerca da ação da musl-
Com respeito à inter-relação neuroendócrina, um exemplo ca sobre a pulsação e a circulação. Haller, fisiólogo, relata que .o
claro é o que oferecem as mães que ao ouvir de longe o pranto de rufar do tambor aumenta o fluxo de sangue que sai de uma vela
seu filho, imediatamente têm secreçã" iáctea que não podem con- aberta. J. Dogiel publicou na Rússia trabalhos que podem ~r con-
ter. O pranto da criança pode favorecer também à hemóstase após siderados científicos acerca da influência que exerce a muslca na
o parto, já que produz a contração uterina por reação da hormona circulação sangüínea. Utilizou tons isolados produzidos por
MANUAL DE MUS/CDTERAP/A 25
24 R. o. BENENZON

Depois do estudo das reações de umas 30 pessoas, Fraisse


diapasões, instrumentos de corda e de sopro, sobre animais e o ho.
constatou a aparição simultânea da resposta no eletroencefalogra.
mem, medindo logo a pressão sangüínea e a ação cardíaca. Tanto
ma e o reflexo psicogalvânico da pele, sobretudo quando se escu.
os animais como o homem reagiam aos estímulos'sonoros com
tava um tema musical conhecido pelo paciente. Em troca, não eram
uma aceleração da atividade card íaca e um aumento da pressão
tão apreciáveis as variações no ritmo respiratório nem no card faco
sangüínea, porém estas reações eram muito mais intensas nos
(Figura 7).
animais; em troca, no homem eram muito variáveis.
Este conceito da importância do surgimento do tema musical,
O fisiólogo francês Féré de la Salpêtriere estudou a influên.
reconhecido como da repetição na música, o aprofundaremos no
cia da música na capacidade de trabalho do homem, valendo.se do
aspecto psicológico, pois, possivelmente, integre um dos funda.
ergógrafo de Mosso. Primeiro, pôde observar o fato de que antes
de tudo são os estímulos rítmicos os que conseguem aumentar o mentos do prazer em escutar música.
rendimento corporal. Também observou a influência estimulante
que a música exercia, independentemente do ritmo, e cuja intensi. .""r----.----
dade estava relacionada com o caráter dos tons musicais executa.
dos; o efeito estimulante, especialmente naqueles de tom maior, •• •• • b •.

era superior ao produzido pelas peças musicais em tom menor. E.E.G.

Uma experiência histórica foi realizada pelo fisiólogo italia.

•...-.
no Patrici, que, por uma circunstância especial, pôde determinar
a influência da música na circulação sangüínea do cérebro. • • • ••
Patrici conheceu um rapaz de í 3 anos de idade que tinha sido
ferido gravemente no crânio com um machado e que se curou rapi.
damente. Ao soldarem.se os ossos do crânio, verificou.se que uma
R.P.G. ----
pequena porção do cérebro ficava descoberta e separada do exte.
E.C.G.
rior por uma membrana um pouco transparente, o que lhe permi.
tiu observar as mudanças na circulação. Ensaiou músicas como A
Marselhesa e pôde comprovar que a circulação nessa parte aumen.
PNEUM.O
~,/\J
tava.
Nos anos 1954.55, Fraisse e Raoul Husson demonstraram, na
França, as características multiformes da emoção musical sobre a
sinal 4--------
FIGURA 7.
motricidade, o sistema neurovegetativo e o córtex cerebral.
Estes pesquisadores registraram simultaneamente as diversas
reações provocadas pelo estímulo musical. Utilizaram um eletro. Outras experiências biológicas que compreendem outros as.
encefalograma (aparelho que registra as oscilações do potencial pectos do ser humano foram as efetuadas na Inglaterra pelos dou.
elétrico dó cérebro), um outro para o registro do reflexo psico. tores Oswald Taylor e Treisman que comprovaram cientificamen.
galvânico da pele (variações da resistência elétrica da pele), um dis. te o que muitos podem constatar na vida cotid iana.
positivo para o registro do ritmo card faco e a amplitude respira. Refiro.me ao fato pelo qual o psiquismo é capaz de diferen.
tória. Apesar desta complexa aparelhagem de registro poligráfico, ciar sensacões auditivas durante o sono.
o paciente estava sentado confortavelmente numa cadeira e podia É freqüente constatar que se nos acercamos de uma pessoa
escutar música difundida por um alto.falante de um estereofônico. que está dorm indo e pronunciamos uma série de nomes, ela não se
O programa musical variava entre obras de C. Frank, Schubert e desperta, a não ser no momento em que pronunciamos seu pró.
B. Bartok.
I

26 R. o. BENENZON MANUAL DE MUSICDTERAPIA 27

prio nome. O fator contrário, isto é, a falta de um estímulo audi- f) aumenta a atividade voluntária, como escrever a máquina,
tivo cotidiano também pode provocar o despertar. O exemplo tí- e incrementa a extensão dos reflexos musculares empregados no
pico é o do moleiro que acorda quando o moinho deixa de fun- escrever, desenhar etc.
cionar. g) é capaz de provocar mudanças nos traçados elétricos do or-
A experiência realizada foi a seguinte: induziram ao sono ganismo.
profundo uma série de pessoas voluntárias e lhes tomaram o ele- h) é capaz de provocar mudanças no metabolismo e na bios-
troencefalograma durante o sono; enquanto elas dormiam, escu- síntese de vários processos enzimáticos.
tavam uma gravação onde pronunciavam-se nomes a interva los
de cinco a oito segundos; em determinado momento pronuncia- b) Psicologia do som
va-se o nome próprio, da pessoa-objeto da experiência. Com-

• provou-se que no momento de pronunciar-se o nome próprio,


mesmo quando a pessoa continuava em sono profundo, o eletro-
encefalograma mostrava uma onda particular (complexo K) ex-
clusiva deste estímulo; e mais ainda, o complexo K produzia-se
Este é um dos temas mais importantes e complexos dos
fundamentos da Musicoterapia_
Poucas vezes a .psicanálise tem tomado a música como ob-
jeto de sua investigação.
igualmente, se o nome era pronunciado ao contrário. Este exem- Uma das dificuldades reside na natureza especial da música;
plo nos fala da atividade que se verifica durante o sono, e, por- acima de tudo, como assinala R. Sterba, "porque ela não repre-
tanto, da quantidade de engramas sonoros que inconsciente- senta em si os objetos do mundo exterior, como a maioria das de-
mente vão-se acoplando no sobrevir de nossa vida e que formarão mais artes, e são justamente estes objetos e suas mútuas relações
parte da dinâmica de nossa identidade sonora. o que constitui o tópico central da psicanálise".
Como último e extremo exemplo devo referir-me às expe- Outra causa da resistência seria a natureza afetiva, e esta re-
riências com o DNA e o RNA, o ácido desoxirribànucléico,elemen- sistência, como diz E. Racker, descobre-se ao considerar o signifi-
to fundamental das células do sistema nervoso. Atualmente, me- cado consciente que a música tem para muitos de seus amantes.
diante determinados sons, pode-se inibir em forma reversível a Uns vivem a música como uma religião e às vezes a designam as-
biossíntese das proteínas, purinas e pirimidinas nas células vivas, sim; outros expressam algo similar em termos mais diretamente
provocando mudanças no ácido desoxirribonucléico. eróticos, sendo a relação com a música, nestes casos, como um '
Até que ponto estarão ocorrendo mudanças nos mecanismos amor feliz que recusa, seguindo o princípio do prazer, qualquer
enzimáticos com o incremento indiscriminado dos sons em nossa intervenção intelectual; a música é algo onde se é - por fim! -
atual civilização que ainda desconhecemos, mas que seguramente feliz, e então já não interessa nenhuma análise.
não são um bom prognóstico para o nosso futuro? Outra das causas seria que o próprio Freud repelia a músi-
Resumindo as investigações sobre os efeitos biológicos do ca. Fez desaparecer o piano de sua casa, pois dizia que o impedia
Som e da música no ser humano, podemos dizer que: de ooncentrar-se em seu trabalho; isto tinha um a'ntecedente em
a) segundo o ritmo, incrementa ou diminui a energia muscular. sua infância, pois parece que os estudos de piano de sua irmã
b) acelera a respiração ou altera sua regularidade. o imped iam de estudar.
c) produz efeito marcado, porém variável, na pulsação, na Trataremos de enfocar o estudo da psicologia profunda da
pressão sangüfnea e na função endócrina. música através do desenvolvimento do ser humano, desde seu es-
d) diminui o impacto dos estímulos sensoriais de diferentes tado intra-uterino até sua evolução ulterior.
modos. Parto da hipótese de que desde o preciso momento em que o
. e) tende a reduzir ou retardar a fadiga e, conseqüentemente, óvulo se une ao espermatozóide, e ainda no útero materno, para ir
Incrementa o endurecimento muscular. gestando o novo ser, este já se encontra em contato com as pulsa-
ções do batimento card íaco, e com inúmeras sensações vibratórias,
28 R. o. BENENZON MANUAL DE MUSICOTERAPIA 29

de movimento e som, dadas pelo ranger das paredes uterinas, pelos Forbes e Forbes, citado por Carmichael, expõe que "trinta
ruídos intestinais da mãe, pela respiração, pelos diferentes estados dias antes do nascimento de seu filho, uma mulher grávida banha-
gravitacionais etc., ou seja, em contato com os elementos do com- va-se submersa numa banheira metálica cheia de água quente. Uma
plexo não-verbal. criança de dois anos estava brincando no chão ao lado da banheira.
Entende-se que durante um primeiro tempo só perceberá fe- Acidentalmente a criança golpeou o costado desta com uma jarra
nômenos vibracionais e gravitacionais. de vidro e imediatamente a mãe sentiu uma brusca sacudida do fe-
Pouco a pouco estes fenômenos serão percebidos como vitais to que lhe produziu uma sensação completamente diferente aos
e essenciais para a prossecução da vida. pontapés ou aos movimentos habituais dos membros.
E: evidente que, à medida que o feto se desenvolve, vai adqui- Dias depois, um observador golpeou o costado da banheira,
rindo a sensação da importância dessa batida, que sente em todo por debaixo do nível da água, com um pequeno objeto metálico,
seu corpo e que de alguma maneira percebe como essencial para observando o abdômen da mãe. Numa fração de segundo, depois
sua vida, jâ que sua diminuição acarreta-lhe a sensação de falta de do golpe, foi perfeitamente visível um vivo avultamento na pare-
oxigênio, de nutrição, de temperatura, enfim, de vida. TOda alte- de abdominal anterior. A mãe voltou a sentir, nesse momento, o
ração no abastecimento de sangue pelo cordão umbilical provoca mesmo salto que havia assinalado anteriormente.
estados de stress ou de alarma fetal, ou seja, que o incremento do Peiper, com um aparelho apropriado, pôde registrar a ativi-
instinto de vida ou de morte estaria em estreita relação com os ba- dade geral do feto através da parede abdominal da mãe.
timentos cardíacos que impulsionam o fluxo sangüíneo desde a Era evidente que os sons chegariam amortecidos em seu tra-
mãe ao feto, através do cordão umbilical. jeto rumo ao feto. Por isso escolheu um som muito forte como
Também estas alterações se associariam com outros sons, co- estímulo, utilizando uma buzina de automóvel.
mo os de inspiração e expiração da mãe, que poderiam antecipar O experimentador esperou até a completa quietude do feto,
ou acompanhar os do incremento da batida, ou, inclusive, com fe- instruindo a mãe para que não respondesse ao estímu lo. Em mais
nômenos vocais que chegariam deformados. de um terço de sujeitos estudados observaram-se respostas precisas
Penso que muitos dos estímulos, tanto externos como inter- I: freqüente observar que a mãe pianista, no sexto mês de gra-
nos, da mãe passarão a fazer parte não só da dinâmica dos comple- videz, deve abandonar a prática do instrumento, como tambêm sua
xos não-verbais, mas, também, do engrama mnêmico do ,ser em ida a salas de concerto, pelas contínuas sacudidas do feto. Foi-nos
gestação. relatado o caso de uma mãe, com intensa angústia e ansiedade, que
Nesse engrama mnêmico encontra-se um mosaico genético durante seus últimos meses de gravidez, acalmava-se com a audição
herdado, onde estariam as experiências do acervo folclórico herdado de Madame Butterf/v. Ao nascer seu filho, comprovou-se que a au-
dessa pessoa, correspondente à vida de seus antepassados, sua raça, dição ae Madame Butterf/y era o único estímulo que acalmava seu
seu meio cultural etc. pranto.
Fundamento esta hipótese em toda a experiência que venho Atualmente, comprovamos que a criança mama mais tran-
realizando terapeuticamente com crianças autistas, as mais próxi- qüila e, além disso, acalma seu pranto mais facilmente do lado do
mas da época fetal, e a uma quantidade de experiências e investi- peito onde se sentem os batimentos cardíacos da mãe; mais ainda,
gacões no campo da percepção fetal. Obviamente o feto não per- as últimas investigações demonstram que os movimentos rítmicos
CêDe 0S 5.}[l5 3H3\é5 de seu sistema auditivo, e sim pela percepção de sucção do recém-nascido estão em íntima relação com seus
víIHilcio,,"l; esta percepção do som se deve realizar como uma uni- próprios batimentos card (acos, isto é, que se os batimentos card fa-
dade de percepção sensorial, isto é, como um todo indiferenciado, cos de um bebê se aceleram, seu ritmo de sucção se acelera e vice-
onde o fator mais importante seria o movimento. versa.
Passarei a relatar algumas das experiências conhecidas a res- O ritmo dos tambores das tribos primitivas varia quando se
peito. trata da partida ou do regresso a casa. Quando partem, o ritmo é
30 R. o. BENENzaN MANUAL DE MU$ICOTERAPIA 31

a imitação. da batimento. card jaca, isto. é, a primeiro longa, e a se- ciadas par distintas mulheres, parém, se são. palavras de nassa pró-
gunda curta, quase interrompida, a que daria lugar, em parte, à pria mãe, ao. cabo. de um tempo., pademas chegar a entender mais
sensação. de angústia. Em traca, ao. regressar, a primeiro sam é cur- e mais palavras, até campreender a tatalidade da gravada em fita.
to, e o segunda langa, a que daria uma sensacãa de término. de re- É passível que as experiências de Tamatis também nas estejam
laxamento., de tranqüilidade. . , demanstranda a presença de uma abundante percepção., par parte
Ao. partir: tam-ta; tam-ta; tam-ta. da feto., das infinitas estimulas que lhe chegam.
Ao. regressar: ta-tam; ta-tam; ta-tam. O descanhecida destes estímulas seria um valiasa subsídio. à
Santag e Wallace provacaram respastas de alarma num feto. terapêutica cam pacientes psicóticas.
de 9 meses, em 28 dos 29 intentas, usando. uma campainha elétri- Não. podemas deixar de mencianar aqui as que têm trabalha-
ca que galpeava (durante 5 segundos, cam um minuta de interva- da na tearia de Imprinting.
lo.) cantra um disca de madeira calocada no abdômen materna. Larenz (1935, 1937), citada par Sluckin, sentiu-se impressia-
Natau-se um aumenta au incremento. substancial da freqüência nada pela fato. de que a cria de uma ave não. recanhece instintiva-
card jaca. mente as membros adultas de sua própria espécie. Sua datação. ins-
. Spelt infarmau ter chegada a candicianar fetas. Seu proce- tintiva simplesmente a predispõe a seguir a primeira caisa móvel
dimento. cansistia .em estimulações táteis de 5 segundas na abdô- cam a qual se encantra, geralmente a mãe, às vezes autra membro
men materna sabre a região. fetal, seguidas par um sam intensa. de sua própria espécie, au, acasianalmente, um membro de autras
Este era produzida par um palita de madeira que galpeava uma espécies. Parém, depais de ter realizada alguma experiência cam
caixa de madeira. Depais de repetidas esforços, a feto. aprendia sua mãe, ou cam autra animal, au talvez cam um ser humana, a
a antecipar a sam lago. após a apresentação. da estimula tátil. Tadas animalzinho. estabelece um vínculo. duradaura cam a indivíduo.,
estas experiências me levam a refarmular a hipótese desta maneira: au cam a classe da indivíduo. a quem segue inicialmente. Dizemas
"A base da relação. ritma/ser humana deve-se buscar na cantata que a animalzinho. ficau com ímpríntíng deste individuo., au este
sanara do feto. intra-uterina" e "a música é a evacacãa da mãe é tipo. de individuo.; e, em si mesma, a fenômeno. recebe a denami-
reeditar a relação. cam ela e cam a natureza". . , nação. de ímpríntíng. Uma expressão. semelhante é a ta stamp ín
(estampada).
Em geral, a recém-nascida tem a auvida cheio de tecida me- I
•• senquimatasa embrianária, que se tarna gradualmente arejada na Salk, L., em seu artigo. Mathers hearbeat as ímpríntíngstímulus,
pnmelro au segunda dia de vida; partanta, as estímulos auditivas diz: "O bebê na útero tem ímpríntíng auditiva da batimento. car-
raramente se fazem efetivas da panta de vista da percepção. auditi- díaca da mãe". A camprovaçãa cancreta de Salk fai que as crian-
v~. Sem dú,:ida, sabem as que existem autros sistemas de percep- ças recém-nascidas, ex pastas durante quatro dias a um ru ída seme- I
çaa que estaa funclananda e provavelmente seguem funciananda lhante ao. batimento. cardíaca, charavam menas e ganhavam mais
na mamenta da nascimento.. A esse respeita, as experiências de pesa que as crianças de cantrole que não. realizavam esta experiên-
Tamatis permitem uma camprovaçãa interessante. Tamatis supõe cia. Observau-se que as crianças de maiar idade quando. escutavam
que a feto. recanhece as rujdas específicas da mãe, inclusive sua a sam de 72 batidas simultâneas par minuta adarmeciam me-
vaz, e emprega para a tratamento. das dislexias precisamente a sam Ihar da que quando. auviam autras sans. Mais adiante estabelece
da vaz da mãe, passada através de filtras que dão. a sensação. de se- que "a música e a dança são.a resultada da ímpríntíng, e a hamem
rem transmitidas par meia aquasa. as cria e as vive em seu esfarça par permanecer na proximidade
das estímulas de ímpríntíng; assim, a música e a dança seriam in-
. . Assim, campravau que a criança só recanhece e tarna inteli-
glvels as palavras de sua própria mãe, parém, não. de autra. tentas humanas incanscientes de recapturar as experiências sensa-
Isto. pode ser campravada a cada um de nós, Se escutam as riais similares às que faram recebidas durante a vida pré-natal".
Sluckin em Impríntíngeaprendízagem discute esta experiência
qualquer das fitas gravadas depais da passagem das filtras, não. re-
dizendo. que: "Estas experiências não. estabeleceram a reconheci.
canhecemas, ao. langa das haras, "em uma só palavra das pronun-
32 R. Q BENENZON MANUAL OE MUSICOTERAPlA 33

mento do batimento card íaco nem demonstraram que a preferên- Recordemos que ali encontra-se o plexo solar, um importante
cia ante este som fora conseqüência de uma experiência anterior conglomerado do sistema nervoso autônomo. Isto, portanto, cor-
com o mesmo. É evidente que os efeitos observados podiam res- roboraria a hipótese de que na região umbilical se sentiriam as pri-
ponder a fatores distintos do imprinting e que por si mesmos não meiras sensações rítmicas dadas pelo batimento da artéria umbili-
é possível considerá-los evidência concludente da presença de im- cal durante a estada intra-uterina.
printing nas crianças humanas". Voltando ao grupo dos pacientes, observamos um outro
No capítulo sobre os princípios da Musicoterapia, discutire- que nos trazia constantemente pedaços de pão, isto é, vivenciava a
mos as diferenças entre o ISO e o imprinting. música como um elemento de nutrição. Esta foi a primeira vez, de-
Passarei a relatar algumas experiências que realizei, através pois de numerosos intentos, que se pôde conseguir uma aproxima-
das quais me aproximei à compreensão deste complexo problema. ção com estes pacientes.
Estas experiências consistiram na observação passiva de respos- A segunda experiência a realizei com quatro grupos de crian-
tas das pessoas ao serem submetidas à audição de distintos fenô- ças, deficientes mentais, mongolóides, ao redor de seis anos de
menos musicais. Estas experiências são úteis como passo interme- idade.
diário para posteriores investigações e ulteriores elaborações tera- A diferença entre os grupos residia no quociente intelectual, o
pêuticas, porém não são experiências terapêuticas, nem persegui-

••
grau de expressão e maturidade. A experiência se realizou num am-
.ram um objetivo terapêutico. plo salão; contávamos com um gravador, lápis e papéis e um pan-
Na primeira delas utilizou-se música em sessões de psicoterapia deiro pequeno para cada um dos integrantes dos grupos. Deu-se-
com pacientes esquizofrênicos crônicos, cada um dos quais tinha lhes a seguinte instrução: "Poderão realizar tudo o que vocês quei-
mais de 15 anos de internação. Nenhum deles comunicava-se ver- ram; vão escutar um som que sai deste gravador". Não se lhes ex-
balmente, de maneira que as interpretações do terapeuta eram con- plicou que tipo de sons estavam gravados. Realizaram-se 15 ses-
seqüências de suas atitudes. sões nas quais os sons foram os seguintes: 1~ sessão: batimento car-
Das 32 sessões que realizamos, só me deterei naquelas que se díaco de coração normal durante 40 minutos. 2~ sessão: batimento
referem à simbolização da regressão que se conseguiu mediante a cardíaco e, em paralelo, o dar corda a um relógio e logo o tique-ta-
música, e que, portanto, permitiram uma eficaz comunicação com que de um relógio. 3~ sessão: batimento cardíaco e, em paralelo,
estes pacientes tão regressivos. ducha de lavatório que se enche e logo se esvazia. 4~ e 5~ sessões:
Numa das sessões um deles nos mostrava, com um aceno de batimento cardíaco e, paralelamente, miados e latidos. 6~ sessão: , I
,
mao, que o que sa ía do gravador dirigia-se diretamente a seu um- batimento cardíaco e, ao mesmo tempo, sons de ônibus, subterrâ-
bigo. neo, trânsito com buzinas e sirenas. 7~ sessão: batimento cardíaco,
A esse respeito, recordo o comentário que me fez Willems, em aceleração dos batimentos e logo suspensão e substituição imediata
Genebra, de um paciente seu que só sentia sensibilidade na zona pelo choro de um recém-nascido. 8~ sessão: canções de ninar. 9~ a
umbilical; portanto, cada vez que se dispunha a escutar música de- 14~ sessões: Bach, Vivaldi, Beethoven. 15~ sessão: Sinfonia para
via desabotoar o cinto e deixar descoberto seu umbigo. um Só Homem, de Pierre 5chaeffer, para música concre~a.
Posso associar outra experiência; se tomamos um grupo de ou- A idéia foi criar nas primeiras nove sessões um clima sonoro
, .-:óS = ",c, ,;cupo de deficientes auditivos, e se lhes convida a rea- similar ao que presumivelmente seria o clima intra-uterino durant~
lizar um forte movimento vibratório com a língua contra o palato, a gestação; em seguida, uma espécie de nascimento .• para pas~r, fi-
::...- ~=;::... :-:. --:--::-::... ....--:::: ':'3. -:,-.s-= :2:'':: r-::.n -: Jit r3cic -:t.ler~:,cs :s nalmente, a uma evolução rápida da música propriamente dita até
a volta à música concreta.
JHJl'~l l'lJtr ..':, /l.: pr ..'llriJ 1,'n':1LJJ outros no ombro etc.: em troca, no Nas primeiras sete sessões, embora o estr'mulo sonoro nos pro-
grupo de deficientes auditivos, a terão sentido na zona umbilical, duzisse à observadora e a mim uma sensação indefini~a, esp~lal,
onde realmente se sentem as percepções vibratórias e outras refe- não-usual, todos os integrantes dos grupos, sem exceçao, pareciam
rentes ao som.
rr
34 R. O. BENENZON
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 35

estar num clima de conforto e bem-estar, já que todos começaram


componentes dos grupos uma brusca sacudida da cabeça, olhares
a pintar e a produção pictórica foi inusitada.
de surpresa e alarma. Esta sessão se repetiu duas vezes com idênti-
Os que não podiam ou não queriam desenhar mostravam-se
cos resu Itados.
muito calmos, com notável diminuição de movimentos, sobretudo
Pergunto-me, foi esta uma sensação de reflexo condicionado
nos hiperativos.
frente a crianças que durante quatro sessões estão escutando o ba-
Quando na 15~ sessão se escutou música concreta, e as respos-
timento card(aco, ou foi o reviver de uma situação de alarma fetal?
tas foram similares, percebi que nas primeiras sete sessões havia
Que sensações padecerá um feto ante uma extra-s(stole ou uma pa-
criado um fenômeno parecido à música concreta. Ou seja, que
rada cardíaca da mãe?
havia regressado circularmente ao principio do desenvolvimento
evolutivo. Na sétima sessão, onde se estimulou sonoramente um nasci-
mento, foram evidentes as demonstrações de angústia; a maioria
Pergunto-me hoje em dia, como também naquele tempo, se os
aumentava seu (ndice e mostrava o gravador como que pedindo
compositores contemporâneos não estão criando através dos sons
que se fizesse algo por aquele que chorava; em troca, outros, dos
regressivos - ou descobrindo e reeditando - a vida intra-uterina,
grupos mais avançados, mostravam sua angústia mediante risos e
compondo, portanto, verdadeiras sinfonias intra-uterinas.
miradas irônicas diante de mim. Na oitava sessão chamou-nos a
Conversando com a equipe de Pierre Schaeffer, na Radiodifu- atenção a reação de um dos inte~rantes, criança com ataques epi-
são Televisão Francesa, muitos dos compositores me confessaram lépticos, que se acercou do gravador e ficou dormindo numa verda-
que, à medida que conseguiam romper seus próprios bloqueios cria- deira posição catatônica (de pé, assinalando o gravador).
tivos, interessavam-se cada vez mais na produção de fenômenos
acústicos sim i1ares aos que seriam os fenômenos regressivos.
O resto das sessões só se diferenciou pela maior mobilidade
I'
••
dos integrantes no que diz respeito a respostas motoras. I,
Este último conceito o retomaremos no cap(tulo dedicado â As observações desta experiência demonstram que de alguma
formação profissional do musicoterapeuta, onde considero que um maneira o batimento card(aco induzia o auditório a uma situação I'
,
dos aspectos mais importantes é aprender o pensamento não-ver-


regressiva prazerosa, muito mais que a música em si. Se levarmos
bal; é compreender o manejo de um contexto não-verbal. Surge em em conta que era a primeira vez que o batimento card(aco era es-
mim as palavras de Yanis Xenakis (músico, arquiteto e matemáti- cutado por estas crianças, pelo menos de forma consciente, sua res- , '
,
co), que diz "trata-se de materializar os movimentos do pensamen- posta demonstra ter sido estimulada por um elemento sonoro já
,
,
to com ajuda dos sons, e fazer música significa expressar a inteli- conhecido.
,

gência com meios sonoros". Xenakis propunha o abandono de to- Outra experiência que realizei foi submeter 300 sujeitos ao es-
do determinismo tonal e serial em favor de um indeterminismo ato- tímulo do batimento cardíaco sem manifestar-lhes qual era o estI-
nal e serial, ação da qual surgirá a estocástica como causalidade mulo, e pedir-lhes um desenho das primeiras impressões surgidas. I
mais generalizada. A classificação dos resultados gráficos foi a seguinte: ;~
A estocástica é um termo incorporado por Jacques Bernouil-
Agua, mar, tormenta, vento: 41
le que significa, no terreno das matemáticas, o submetido â proba-
Abstrato r(tmico: 33
bilidade, o aleatório, o jogo de azar. Voltando ao pensamento de
Abstrato indefinido circular: 14 (tive a oportunidade de fazê-lo
Xenakis, ele diz: "trata-se de um conceito filosófico e estético regi-
com quatro sujeitos de características fortemente esquizóides e os
do pelas leis da teoria das probabilidades e pelas funções matemá-
quatro coincidiram no gráfico abstrato indefinido circular). . .
ticas que as formulam; de um conceito coerente num novo dom(-
Dança, tambores, acampamento (ndio, acampamento de Indlos
nio de coerência"
americanos: 14
Voltando â experiência, é interessante destacar o ocorrido na
Trem em marcha: 13
quarta sessão, na qual, por erro de gravação, interrompeu-se por
Marcha de soldados, passos: 1B
breves segundos o batimento card(aco, provocando em todos os
Invasão militar: 6
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 37
36 R. O. BENENZON

Trem entrando num túnel: 5 Ao cabo de quatro horas, tentou-se despertá-los fazendo com
Alma atormentada, ansiedade: 4 que escutassem uma batucada (ritmo brasileiro sumamente estimu-
Viagem pelo espaço, atmosfera sideral: 3 lante do ponto de vista motor).
Mundo selvático: 3 Entretanto, ninguém acordou. Tivemos que sacudi-los para
Galopar de cavalos: 2 consegu ir que despertassem.
Batimento cardíaco: 2 Os comentários que fizeram foram: a) sensações muito praze-
Rua com carros: 2 rosas; b) alguns sentiram um gosto doce na boca; c) recordam ter
Fábrica com máquinas em movimento: 1 sonhado com a batucada.
Ruído de borbulhas de lavagem: 1 Novamente temos um exemplo do batimento cardíaco indu-
Advento do mundo: 1 zindo a estados claramente regressivos.
Paredão onde se fuzilam os prisioneiros: 1 Recordo que na análise de uma personalidade paranóide,
Noite do velório de meu pai: 1 Charles Rycroft assinala o relato da paciente: " ... a música deriva-
ria do prazer primário de escutar as pulsações do cordão umbi-
Nos últimos gráficos assinalados, estas eram as epígrafes dos lical".
desenhos. Seguindo no processo evolutivo do ser humano encontramos
Esta simples experiência demonstra que o batimento cardíaco outras relações de ordem psicológica onde se encontra intimamen-
I
estimulou impressões de nítido predom ínio regressivo como a te involucrado o fenômeno sonoro/musicai.
água, ou os abstratos etc.

••
Nas crianças recém-nascidas, o reflexo de Moro manifesta-se
~ oportuno destacar duas observações desta experiência que
muito rápido em respostas a um som forte. O reflexo consiste no ,
mostram a tendência à recordação de certas situações traumáticas:
seguinte: quando uma criança está deitada de costas, estende seus
em um dos casos, uma doutora, que conhecia perfeitamente o estí-
braços para frente, põe rígida a extremidade, baixa e contorciona
I
mulo sonoro, não pôde, todavia, resistir à recordação de seus dias
seu rosto num trejeito; depois de um segundo ou dois, junta os
vividos num campo de concentração, e a imagem que desenhou foi braços lentamente numa espécie de abraço, emite um grito e logo,
a dos passos dos soldados, ou seja, botas de soldados em fila num .'
gradualmente, relaxa-se. Este reflexo persiste normalmente ao lon- 'I
dia de chuva. ' go de um mês ou seis semanas e é substituído, de forma gradual,
Em outro, uma psicóloga; que também conhecia o estímu lo pela resposta estremecedora manifestada nos adultos em conse-
não pôde evitar a sensação de desenhar um trem, pois era incessan: qüência de um forte ru ído, como o disparo de uma pistola.
te a recordação do ritmo de um trem em marcha. A mãe desta psi-
cóloga lhe contou que no dia anterior ao seu nascimento precisou Diariamente reconhecemos a reação ante sons repentinos, di- ,
viajar de trem de uma localidade distante à capita i. Praticamente o. retamente, sem mediar interferências de um pensamento lógico en- "r
tre estímulo e ação, como se fora um indubitável sinal de perigo. ,
parto ocorreu pouco depois de ela haver chegado. I
Por último, utilizei o batimento cardíaco em forma experi- Um som agudo ou forte pode ser experimentado como uma sensa-
ção desagradável. Em certas circunstâncias de grande vulnerabilida-
,,:,e~tal, submetendo um grupo de sete médicos, voluntários, espe-
Cializados em psicodrama.
de emocional, ante um som suave que interrompe repentinamente
o silêncio, reage-se com uma resposta estremecedora, com uma co-
'.
:1

O batimento cardíaco utilizado foi gravado diretamente do


batimento de um deles e a experiência durou ao redor de quatro notação de perigo, ainda quando momentos depois alguém sinta-se
horas. O resultado foi praticamen+.:; similar em todos eles sem ex- perturbado e sorria pela aparente falta de sentido de sua reação. A
ceção. ' reação anterior ocorre particularmente quando o ruído interrompe
Observou-se intensa sonolência, deslizamento de suas poltro- a atmosfera de autoconcentração ou autopreocupação, como nos
n~s até o. chão, alguns dormiam profundamente em típicas posi- casos de stress, ou em sessões psicanalíticas, ou em neuroses trau-
máticas. As reações da criança ao som diferem significativamente
çoes fetaIS, com os joelhos tocando o peito, encolhidos notavel-
mente.
I crM'!

38 R.O.BENENZON MANUAL DE MUSICOTERAPIA 39

de suas reações a outros estímulos; ao nascer, a criança já possui, e Não só os sons repentinos produzem medo; os sons monóto-
também adquire paulatinamente, mecanismos que lhe permitem nos, repetidos, aumentam a tensão e podem, sob circunstâncias es-
proteger-se frente a certos estímulos, por si mesma. peciais, levar a sentimentos de pânico. Este efeito é usado artistica-
Por exemplo, o afastamento coordenado de uma extremidade a
mente por Eugene O'Neil em O Imperador Jones , onde percussão
ante um estímulo doloroso ocorre já na primeira semana de vida. de um tambor, que se aproxima mais e mais, é o símbolo da culpa
Os estímulos visuais estão distanciados com a ajuda das pálpebras. interna à vista da ameaça externa de castigo; e o som monótono de
Em troca, a criança acha-se muito mais exposta ao estímulo audi- crescente intensidade conduz ao pânico e à morte. I: muito conhe-
tivo. Segundo Kohun e Levarie, esta precoce exposição aeve criar cido que os guerreiros primitivos usavam os ru ídos para atemori-
uma íntima associação (simbólica) entre som e o mundo ameaça- zar o inimigo.
dor externo, como oposto ao silêncio e à segurança. Estes autores Na última guerra, os alemães tentaram causar pânico nas tro-
também sustentam que nos estados psicológicos regressivos, onde a pas Aliadas colocando sirenas nas suas bombas. Todos estes exem-
hipersensibilidade ao ru ído é reavivada, a reação ao perigo é, num plos apóiam a opinião de que o sistema mental arcaico, seja na
nível profundo, o maior e o mais precoce de todos os perigos. Sem criança, em homens primitivos ou, em circunstâncias especiais, no
dúvida, creio que isto se deve, mais do que nada, à mudança de adulto, tende a perceber o som como uma ameaça direta e, por re-
forma de percepção, e que só ocorre com determinados sons, pois flexo, reagir a ela com ansiedade.
como já assinalamos anteriormente, não sucede com estímulos Em troca, quando se alivia a tensão psicológica, o~ quando
como o batimento cardíaco, ruídos intestinais ou outros, ainda esse alívio é antecipado um momento antes, experimenta-se
mais se estes sons são percebidos pelo corpo em forma tátil. Leva- prazer_
rie considera que à medida em que a criança cresce, física, emocio- Porém, o mundo externo deve ser tratado e o ego em desen-

•• nai e intelectualmente, é ameaçada por perigos que são específicos


para os distintos períodos do desenvolvimento psicossexual (des-
mame, controle de esfíncteres, castração). Ruídos específicos pro-
vocam a evocação de medos específicos e a sensibilidade ante eles
volvimento começa a reconhecer não só o perigo desconhecido, do
qual trata de afastar-se, mas também as fontes de satisfação as
quais ele trata de acercar-se.
Os sons caóticos perturbadores são substitu ídos gradualmente
pode dar uma solução quanto ao ponto de fixação regressiva. por aqueles que são significativos. Se o ambiente é satisfatório,
Alguns, por exemplo, são particularmente sensíveis ao ruído muitos sons tomam as precoces associações simbólicas como acon-
de mastigar que outros produzem, alguns reagem aos sons anterio- tecimentos prazerosos.
res pois lhes recordam os flatos intestinais, outros ouvem nas in- Tais associações são maleáveis e variam não somente com o
flexões específicas da voz do macho a voz de um pai zangado e desenvolvimento da etapa da libido (ou fixação regressiva da libi-
reagem com ansiedade ou defesa agressiva. Os sons podem tam- do), mas também com as situações específicas do dia presente do
bém representar perigos reais. Um exemplo que chama a atenção adulto. A voz da mãe associa-se com a gratificação oral da criança;
sobre o significado específico de sons repentinos que criam um o balanço da mãe (emba lo dos braços) com a sonolenta satisfação
sentimento de pânico é corroborado por muitos judeus que, na depois do alimento.
Alemanha, sob o jugo de H itler, viviam em contínuo medo de se- Precoces estados eróticos kinestésicos (balanço de ninar, por
rem arrastados e enviados a um campo de concentração. Eles ex- exemplo) antecipam o prazer pela dança e podem associar-se com
perimentavam menos medo quando se encontravam com uma pa- modelos definitivos do ritmo. O pequeno anal exibicionista pode
trulha de soldados na rua, do que em casa quando ouviam, de súbi- mais tarde, por identificação, desfrutar dos sons dos instrumentos
to, a campainha da porta. O desconhecido significado do som de cuja conotação o recorda seu primitivo prazer durante a excreção;
uma atmosfera de contínuo perigo produz invariavelmente um um prazer que de outra forma não é conscientemente admissível.
efeito paralisante. A identificação com o solista, mas também freqüentemente
com o som solitário ou predominante de uma produção musical.
;.
40 R. D. BENENZDN MANUAL DE MUSICDTERAPIA 41

pode ter implicações de prazer fálico exibicionista. O silêncio, em pício, como, por exemplo, gritos dos demais pacientes que chega-
e~apas posteriores do desenvolvimento, pode ser, por sua vez, expe- vam de fora, expressões inadequadas, brigas etc. Permitia, ade-
rimentado como ameaçador porque, depois que o ego descobre o mais, aceitar longos monólogos incoerentes dissociados, de algum
ambiente humano bom, o silêncio implica estar só. A música co- paciente, graças à integração harmônica que produzia segundo a se-
mo experiência em grupo leva ao alívio deste medo posterior, e um gundo a música, elemento que favoreceu a atitude interna da equi-
d.~sf~tores do prazer da música é, precisamente, que é uma expe- pe até eles, tornando mais eficaz a comunicação psicoterapêutica.
nencla de grupo. Num dado momento de uma sessão, frente a uma interpretação do
. Isto nos leva a outra hipótese importante com respeito à mú- psicoterapeuta que se referia aos desejos homossexuais de um dos
Sicae ao ser adulto. pacientes, este começou com um ataque de riso espasmódico, com
A música representa uma defesa ante situações para nóides e violentos movimentos que o obrigavam a levantar-se da cadeira e
melancólicas. Todos conhecemos, por experiência própria, o fato de inclinar-se até nós, produzindo uma crescente ansiedade que, de
assobiar na escuridão, sobretudo quando a esta acompanha o silên- certa maneira, era uma projeção no paciente das próprias ansieda-
cio e a solidão; assim, tenta-se, meaiante o som, dissipar a ansieda- des persecutórias do terapeuta. A atuação, ou o aeting out, como
de paranóide, criando a ilusão de um grupo de apoio. se chama em matéria psicanalítica, que se viu impelido a realizar o
Um dos exemplos que ilustra esta hipótese é o oferecido por co-terapeuta foi elevar o volume do gravador num intuito de apla-
uma paciente de cinco anos, que, ao finalizar suas sessões de psi- car o paciente, porém, na realidade, foi um fato contratransferen- I',
canálise e comprovar que sua mãe demorava a vir buscá-Ia, ante a cial, já que quem queria se tranqüilizar era o próprio co-terapeuta.
angústia do abandono, punha-se a cantar e acalmava assim sua an- Na .realidade, as hipóteses projetadas unem-se em si mesmas,
"
siedade. pois uma é favorecida pela outra, já que a possibilidade de reeditar
Deste mesmo rol fazem parte as canções que inspiram cora. a relação materno-infantil ajudará no ai ívio das ansiedades paran6i-
gem, os hinos, os cantos guerreiros das tribos primitivas. A mitolo- cas e melancólicas. I: freqüente observar o significado da voz como
.1 gia e os textos religiosos também fazem referência a estas relações. leite que perietra pelo ouvido. Há pessoas que se sentam com os

•• O mito diz que Orfeu com sua lira dominava as feras, e as feras re-
presentam simbolicamente os objetos maus sobre os quais são pro-
jetados nossos impulsos destrutivos e agressivos.
No Antigo Testamento afirma-se que as campainhas do Sumo
olhos fechados e a boca aberta e bebem quando há música, em pra-
zer regressivo, como uma vez mamaram do peito da mãe. Alberto
Fontana diz: "O recém.nascido vem ao mundo com a integração
e soma dos ritmos de seus órgãos em crescimento, o tempo bioló-
Sacerdote estavam destinadas a protegê-lo contra a morte, afugen- gico somado aos ritmos percebidos auditivamente como provenien.
tar os demônios perigosos e salvá-lo da ira de Deus. tes do mundo externo. O primeiro ritmo que ele deve comparar
O sehofar, primitivo instrumento judeu, oferece estas caracte- com seu ritmo interior - tempo interno - aparece com relação à
rísticas. sua necessidade da mãe, do peito. Ante frustrações, ante qualquer
O Talmude diz: "Israel entende que conseguir a Graça (o per- diferença entre sua necessidade e sua satisfação, volta-se a uma fan.
dão) de seu Criador por meio do sehofar ... ", e o sehofar é tocado tasia de detenção do tempo externo, negação da necessidade, autis-
especialmente naqueles dias do ano em que Deus julga os homens mo, hipocondria.
decide sobre suas vidas e suas mortes. A aparição de um ritmo externo, como a música, permite sair
A experiência que realizei no hospital neuropsiquiátrico, rela- do corpo para reestruturar uma relação com uma mãe frustradora.
tada anteriormente, colocando música em sessões de psicoterapia O ritmo seria a renovação de uma situação vital; fazer música/rit-
em grupo de esquizofrênicos crônicos, demonstrou que a música mo é conquistar tempo externo, reconectando-se assim com um
utilizada serviu como um meio para aliviar as ansiedades paranói- mundo frustrador. Poder-se-ia estabelecer uma verdadeira equação
des e melancólicas dos psicoterapeutas e co-terapeutas. entre peito materno - leite- música e tempo, sendo o tempo uma
A música permitia negar todos os ruídos indesejáveis do hos- substância equiparável ao leite. O bebê frustrado pela espera que iI
'j
I:
I
• "
i \

42 R. a BENENZON

significa solidão e morte, volta a conectar-se com o mundo/mãe


externo, utilizando um objeto intermediário: ritmo musical, onde
se lhe devolve o tempo que não 6e lhe deu. Sobre este preciso tó-
pico. voltarei a discorrer quando falarmos das contra-indicações e CAPITULO 3
estabelecermos a música como um fator produtor de autismo.
Fontana acrescenta que "o pranto, o balbucio, o canto e a pa-
lavra seriam também formas cada vez mais evoluídas de expressão
de uma integração do mundo interno e uma conexão e reparação
da mãe".
Uma menina oligofrênica, atendida por uma musicoterapeuta, PRINCIPIOS .. '
quando tocava piano, lentamente deixava de tocar, insensivelmen- .,
te realizava movimentos de deglutição e ficava adormecida, como I

satisfeita de sua nutrição. A Musicoterapia como metodologia e técnica de aplicação c1í-


No estudo organológico também encontramos aspectos que 'nica baseia-se em dois princípios, que são o princípio de ISO e o
apóiam a hipótese. objeto intermediário. Estes dois princípios não são exclusivos da
Na História dos Instrumentos Musicais, Curt Sachs assinala Musicoterapia, mas também podem integrar as bases de outras téc-
que os instrumentos primitivos foram símbolos que representavam. nicas de aplicação clínica, não-verbais, Sem dúvida, em Musicotera-
a mãe; assim, temos como exemplos, o tambor, o tambor de fenda, pia, adquirem características muito especiais que os distinguem.
ou o tambor de tábua.
Nas Novas Hébridas, o tambor maior de fenda chamava-se a) O princípio de ISO
mãe. Os habitantes da Oceania viam um ventre de mulher em seu
tronco escavado, uma vulva na fenda e o coito na ação de golpear . Altshuler, em suas observações clínicas de aplicação da Musi.
. Outros aspectos da psicologia do som os irei desenvolvendo coterapia, constatou que os pacientes deprimidos podem ser estio
em outros tópicos, sobretudo nos próximos em que escreverei so- mulados com maior prontidão com música triste do que com músi.


ca alegre. Os pacientes maníacos, cujo tempo mental é mais rápi'

.'
bre os princípios em que se baseia a Musicoterapia .
do, podem ser estimulados mais rapidamente" com um al/egro do
que com um andante,
A partir destas observações fui elaborando paulatinamente a
concepção do princípio de ISO como elemento fundamental tanto
teórico como prático para a Musicoterapia.
ISO quer dizer igual, e resume a noção da existência de um
som, ou um conjunto de sons, ou fenômenos sonoros internos que
nos caracteriza e nos individualiza.
E um fenômeno de som e movimento interno que resume
nossos arquétipos sonoros, nossas vivências sonoras gestacionais in-
tra-uterinas e nossas vivências sonoras de nascimento e infantis até
nossos dias.
E um som estruturado dentro de um mosaico sonoro, que por
sua vez se estrutura com o tempo e que, fundamentalmente, en-
contra-se em perpétuo movimento.
,-W MANUAL OE MUSICOTERAPIA 45
44 R. O. BENENZON

Em termos muito simples exemplifico o princípio de ISO di- O ISO grupal é fundamental para conseguir uma unidade de
zendo que para produzir um canal de comunicação entre terapeu- integração num grupo terapeutico, num contexto não-verbal. O
ta e paciente deve coincidir o tempo mental do paciente com o ISO grupal é uma dinâmica que flui no grupo como a síntese em si
tempo sonoro/musical executado pelo terapeuta. mesma de cada identidade sonora, de cada paciente.
Sem dúvida, isto levaria a pensar em um ISO demasiado inte- Maria Ester Grebe, em seu artigo Aspectos Culturais da Musi.
lectual e rígido, medido em parâmetros de intensidade, timbre, al- CO terapia; Algumas Relações entre Antropologia, Etnomusicologia
tura etc. e Musicoterapia' , retoma meu conceito de ISO grupal e diz que é
Em troca, o ISO é um elemento dinâmico que possui poten- "a identidade sonora de um grupo humano, produto das afinidades
cializada toda a força de percepção passada e presente. musicais, latentes, desenvolvidas em cada um de seus membros.
I: por isso que no contexto terapêutico o verdadeiro cana I fica Dadas suas características, a noção de ISO grupal mostra direta-
amplamente aberto quando se consegue a coincidência do desco- mente o conceito de identidade étnica. Uma nação ou povo de cul-
brimento do ISO do paciente com a compreensão do ISO do tera- tura complexa reúne em si uma soma heterogênea de grupos cultu-
peuta. rais, subculturas ou minorias étnicas; isto é, parcialidades culturais
Considero que podemos distinguir um ISO gestalt ou gestálti- de um todo. Ainda que estas agrupações compartilhem variações
co, um ISO complementário, um ISO grupal e um ISO universal. regionais, elas se distinguem basicamente por indicadores biológi-
O ISO gestalt é o mosaico dinâmico que descrevo em primei- cos (raça), culturais (linguagem) e geográficos (região), caracteri-
ro lugar e que caracteriza o indivíduo. I: o ISO que nos permite zando-se cada um de seus indivíduos integrantes por uma identida- ,
descobrir o canal de comunicação por excelência do paciente com de étnica ou auto-identificação afetiva com seus integrantes do L

quem pretendemos ter uma relação terapêutica. grupo e, em conseqüência, por uma hostilidade relativamente fre-
Entendo o conceito de gestalt como o assinalou primitiva- qüente ante estranhos ao grupo. Por conseguinte, a identidade cul-
mente Wertheimer, "a psicologia da gestalt assinala a necessidade tural otJ étnica é inseparável da identidade sonora (ISO) e depende
de voltar novamente â percepção ingênua, â experiência imediata, tanto dos processos dinâmicos de aprendizagem da própria cultura
não-viciada por hipóteses prévias que distorcem a realidade do como da estabilidade ou mudança das pautas culturais".
fenômeno observado. Destaca que a percepção não é a de um con- Eu acrescentaria em minhas observações clínicas que ao ISO
junto de elementos, mas a de um todo unificado. A pessoa não grupal devemos agregar para sua compreensão definitiva a idiossin.
percebe um conjunto de sensações elementares, mas uma sensa- crasia ou as somas das idiossincrasias dos indivíduos que compõem
ção de totalidade". esse determinado grupo, que se soma ao exposto por Grebe, po-
Alguns falam do corpo humano como um ressoador, porém rém que depende do indivíduo em sua própria história gestacional
quero deixar estabelecido que isso não está relacionado com o e infantil.
princípio de ISO, apesar de que entrar em ressonância com um pa- A ausência dessa história é o que mostra a diferenciação com
ciente pode facilitar a comunicação, mas também pode entorpecê- o conceito que introduz Grebe do ISO cultural. Grebe diz: "O ISO
la. Em troca o descobrimento do ISO jamais entorpece. cultural, produto da configuração cultural global da qual o indiví-
O ISO complementá rio são as pequenas mudanças que se ope- duo e seu grupo fazem parte, é a identidade sonora própria de uma
ram cada dia ou em cada sessão de Musicoterapia, por efeito das comunidade de homogeneidade cultural relativa, que responde a
circunstâncias ambientais específicas. uma cultura ou subcultura musical manifesta e compartida", e
O ISO grupal está intimamente ligado ao esquema social em acrescente "que assim como os ISOS gestálticos e complementá.
que o indivíduo se integra. O Ise grupal necessita de certo tem- rios operam em níveis individuais, dependendo de fatores psicofi-
po para estabelecer-se e estruturar-se; dependerá mu itas vezes da siológicos e do desenvolvimento musical, os ISOS grupal e cultural
boa escolha do grupo e do conhecimento do musicoterapeuta acer- operam em níveis coletivos, dependendo de fatores sociocul-
ca dos 1505 individuais ou gestálticos de cada paciente. turais" .
-_.-

46 R, O, BENENZON MANUAL DE MUSICDTERAPIA 47

Eu devo portanto acrescentar a essa conclusão que o ISO gru- por exemplo, o pato dos bosques - que aninha em árvores. a cer-
pai segue mantendo uma soma de fatores psicofisiológicos de som e ta distância do chão ou da água -, têm que responder aos estímu-
movimento que dependerá finalmente do ISO gestáltico de cada los auditivos para seguir a mãe. Gottlieb informou detalhadamen-
indivíduo. te sobre a conduta do pato dos bosques da Carolina do Norte.
Por último, meUStrabalhos com crianças psicóticas levaram- As crias nascem em buracos das árvores e pouco depois a mãe sai
me à concepção de um ISO universal. do buraco. Aproximadamente um dia depois do nascimento, os pa-
O ISO universal é uma identidade sonora que caracteriza ou tinhos também abandonam o buraco e saltam ao chão ou à água.
identifica a todos os seres humanos, independente de seus contex- A mãe começa a emitir seus chamados característicos pouco de-
tos sociais, culturais, históricos e psicofisiológicos particulares. pois de abandonar o ninho, e os continua emitindo quando está fo-
Dentro deste ISO universal figurariam as características particula- ra. Os chamados iniciais, de escassa intensidade fazem-se mais fre-
res do batimento cardíaco, dos sons de inspiração e expiração, e da qüentes e sonoros, até que os pequenos saem do buraco. Gottlieb
voz da mãe nos primeiros momentos do nascimento e dias do novo acredita que o êxodo das crias permite que os patinhos fiquem
ser. com imprinting auditivo.
Neste ponto da questão, nos parece que haveria alguns aspec- Outras experiências do imprinting chama-nos atenção sobre
tos do ISO que poderiam assemelhar-se ao imprinting que tratamos o que seria o ISO universal. Por exemplo, Klopfer (1959) infor-
no tópico sobre psicologia do som. Creio que a diferença funda- mou que as crias das espécies de patos que aninham na superfície,
mentai que se poderia estabelecer entre alguns dos aspectos que se cresciam em relativo isolamento auditivo, tendiam a aproximar-
poderiam coincidir entre imprinting e ISO, é que o ISO é um fenô- se aos sinais mais rítmicos e repetitivos, sem discriminar entre eles. I'
meno dinâmico por excelência, em constante ebulição; em troca, Por isso me parecem importantes as observações realizadas
nos berçários, com respeito à resposta dos recém-nascidos ao bati- "
o imprinting nos parece um engrama estático. Admitiria, sim, que
nos mecanismos de formação de um imprinting, estaria imiolucra- mento cardíaco. Estes diminuem o pranto generalizado ao ouvir o I"
da a evolução de um ISO gestáltico. batimento cardíaco.
De todas as maneiras, as investigações do imprinting e inclusi- Também se observa um tipo de comunicação não-verbal entre
ve da aprendizagem precoce abr;~iam possibilidades de conheci- eles, onde pode haver um pranto que lidera. I
",I
mentos mais profundos com respeito ao ISO gestáltico. Por exem-
plu, Collias e Joos propuseram especificar, mediante a análise es- b) O objeto intermediário
:1
pectográfica, os elementos comuns dos sons que atra íam os pinti-

(
nhos. Acharam que os sons aludidos caracterizavam-se por: 1) a re- Um objeto intermediário é um instrumento de comunicação
petição ou segmentação; 2) a brevidade das notas componentes; e capaz de atuar terapeuticamente sobre o paciente mediante a rela-
3) a presença de freqüências relativamente baixas. ção, sem desencadear estados de alarma intensos. ~

•• O cacarejar e o barulho de uma galinha que está chocando Em psicodrama este termo é utilizado por J. G. Rojas Bermú-
têm todos estes atributos, mas também aparecem até certo ponto dez. Utilizando bonecos descobriu que através deles podiam-se es-
em rUl'dosartificiais como o golpear de um lápis. tabelecer vínculos que tiravam o paciente de seu isolamento e que d
S.'H!cn ê SIUI,.~,,,,lfl C"umpíov3r.3fil que o tamborilar e o golpear lhe permitiam, posteriormente, relacionar-se, por exemplo, com os
são estlmulos eficazes para provocar a aproximação dos pintinhos; egos auxiliares. Observou, assim mesmo, que as mensagens emiti.
também observaram que, embora nem todos os pintinhos respon. das pelo boneco recebiam uma resposta que não alcançava direta-
dessem ao dito ru ído, os que O faziam estavam em condições de lo. mente o terapeuta. Isto é,que por circunstâncias especiais os pa-
callzar com notável precisão a fonte do ru ído, situada atrás de uma cientes respondiam quando a fonte emissora não era humana.
pantalha. Investigando sobre esta observação, Rojas Bermúdez desco-
Por outro lado, as crias de espécies que aninham em buracos, briu o mesmo fenômeno em todas aquelas circunstâncias onde o
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 49
R.O.B£N£NZON
48

~m troca, um instru!Tlento musical colocado entre paciente


paciente estava em estado de alarma intenso ou com alterações e muslcoterapeuta tem uma identidade própria e uma situacão vi.
do esquema corporal. tal. O instrumento, se é tocado por quaiquer dos dois, im~diata-
Em todos os casos, o denominador comum era o temor a ser mente dará sua identidade sonora, porém ainda não tocando.o es-
invadido ou penetrado pela fonte emissora quando ela possuía as t~ em vibração ou entrará facilmente nela, frente a qualquer emis-
características humanas. Isto é, que o boneco, como fonte emisso- sao sonora de ambos.
ra, ao não possu í-Ias, passava a ser um objeto inócuo para o pacien- Esta maior distância que há entre o objeto intermediário (ins-
te e, portanto, utilizável terapeuticamente. t~u~e~to musical) e o musicoterapeuta permite sua vinculação
Baseando-se em sua qualidade de objeto/coisa e em sua fun- tao Intima com o ISO do paciente e do musicoterapeuta.
ção de intermediário, o denominou objeto intermediário definin- Portanto, a correta escolha de um objeto intermediário na re-
do-o como um instrumento de comunicação que permite atuar te- lação te~apêuticadependerá da habilidade do musicoterapeuta em
rapeuticamente sobre o paciente sem desencadear estados de alar- desc~bnr.a Identl~ade sonora de seu paciente ou o ISO gestáltico.
ma intensos, sendo suas características as seguintes: ~ objeto mtermedlárlo está ligado especialmente com o ISO gestál-
a) Existéncia real e concreta. tlco, e em menor grau com o ISO universal e complementário.
b) Inocuidade que não desencadeie per si reações de alarma.
c) Maleabilidade que se possa utilizar à vontade entre qual- c) O objeto integrador
quer jogo de rols complementários.
d) Transmissor que permita a comunicação por seu intermé- Em minha experiência clínica em Musicoterapia tenho obser-
dio, substituindo o vínculo e mantendo a distância. vado com freqüência que os pacientes, lideres do grupo, tendem a
e) Adaptabilidade que se amolda às necessidades do sujeito. eleger instrumentos que facilmente convertem-se também em i,;s-
f) Assimilabilidade que permita uma relação tão íntima, de trumentos lideres.
tal maneira que o sujeito possa identificá-Ia consigo mesma. Como veremos no tópico sobre o instrumental, estes instru-
g) Instrumentabilidade que possa ser utilizada como prolon- mentos podem ser de fácil manejo, de grande volume, de grande ;' i
, I
gação do sujeito. tamanho e de uma emissão ritmica potente. , ,
h) Identificabilidade que possa ser reconhecida imediata- , ',
Geralmente, pertencem à classe dos membranofones e são de
mente. percussão.
Considero que os instrumentos musicais e O som, ou os sons Estes instrumentos utilizados nos grupos de Musicoterapia
que emitem, podem ser considerados objetos intermediários, e convertem-se rapidamente em guia dos outros instrumentos; e, por
cumprem quase todas as características enunciadas. outro lado, podem aglutinar ao redor deles mesmos o resto do
Sem dúvida, devo fazer uma diferença entre o boneco como grupo.
ohjeto intermediário e o instrumento musical. Por estas duas últimas razões denominei a este tipo de imtru-
No uoneco, sua emissão sonora partirá diretamente do psico- menta, objeto integrador.
dramatista, e, portanto, terá uma conexão mais íntima com a fon- O objeto integrador, então, é aquele instrumento musical que
te humana. num grupo musicoterapêutico lidera sobre os demais instrumentos
. O instrumento musical tem uma emissão sonora que o carac- e absorve, em si mesmo, a dinâmica de um vinculo entre os pacien-
teriza, que lhe é própria e peculiar e independente do musicotera- tes de um grupo e o musicoterapeuta.
peuta. Este objeto integrador está ligado intimamente ao ISO grupal
O boneco colocado isolado entre terapeuta e paciente é um e em segundo grau ao ISO cultural.
objeto sem vida, só poderá ser objeto das projeções do paciente.-O Para finalizar este tópico vou completar o modelo teórico ex-
boneco readquirirá vida no momento em que o terapeuta o decida.
50 R. o. B£N£NZON
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 51

plicativo que propõe Grebe, em seu artigo acima mencionado so- Para isso, deve-se levar em conta a qualidade complexa do
bre as relações funcionais e estruturais existentes entre Musicote- princípio de ISO, que possui atributos individuais e coletivos, psi-
rapia, indivíduo e cultura (Figura 8l- cofisiológicos, culturais e musicais, visto que a música é parte da
Em linha contínua, o modelo teórico de Grebe, na linha pon- cultura e esta última é produto do laborioso trabalho criativo dO
teada, o acrescentado por mim para completar o esquema. ser humano; e que a receptividade deste último depende de sua
Diz Grebe que "tanto a identidade sonora profunda do pa_ maturação psicofisiológica e outros fatores, tais como o desenvol-
ciente (ISO) como os processos de aprendizagem cultural (endo- vimento musical.
culturação) e a avaliação da própria cultura (etnocentrismo) Em conseqüência, o princípio de ISO situa-se num contexto
ocupam um lugar destacado na determinação das variáveis cultu- cultural amplo, no qual são decisivos a qualidade da endocultura-
rais decisivas da prática da Musicoterapia. ção e etnocentrismo musicais. Estes últimos proporcionam uma
base de sustentação para a' maturação e definição da identidade so-
nora, grupal e individual. Por sua vez o ISO cultural, produto da
MUSICOTERAPIA
configuração cultural da qual o indivíduo e seu grupo fazem par-
te, é um conceito chave que permitirá enunciar e submeter à pro-
va diversas hipóteses de trabalho no campo da Musicoterapia".
O modelo proposto por Grebe intenta estabelecer as relações
, \ da Musicoterapia com o indivíduo (paciente) e sua cultura, por

•• L_-õ
:
.- __ L __ , \
liso Universal
__
I ,
.J
\

\
meio de processos, conexões e inter-relações múltiplas que plas-
mam uma configuração dinâmica complexa e integrada. A dupla
dimensão individual e cultural da Musicoterapia produz uma ca-

• :
Maturação
Psicofisi ológica
___1~__
,
\
\
\
\
\
\
deia vertical, diagonal e horizontal de relações, sendo pontos cha-
ves de expansão a cultura e o indivíduo, e pontos de convergência
o ISO cultural, ISO grupal e ISO gestáltico.
Considero que no processo do desenvolvimento do indiví-
. '\ duo, em sua maturação psicofisiológica, está intimamente imbri-
~ ~~ ~n~~s~ ]'" \ cado o ISO universal que antecede, e possivelmente determine, o
l ,\ desenvolvimento musical.
" \
Por outro lado, devemos unir ao ISO grupal o ISO comple-
" '.\.
\
---
-- _"":!..-""::-=-r mentário, que na prática clínica, comprovo, que depende em gran-
: Objeto I de medida.
I..!ntermediáriol Não podemos deixar de introduzir no esquema o objeto in-
--- -:==-- - - -
termediário e o objeto integrador, pois que eles estão ligados a
todo o processo e são parte essencial do mesmo. O objeto interme- , I

diário recebendo a hierarquização do desenvolvimento do indiví-


duo e, portanto, do ISO universal, gestáltico, complementá rio e em
menor grau do ISO cultural; e o objeto integrador recebendo do
ISO Complementário ISO grupal, cultural, compiementário e em menor grau do gestál-
tico.
Figura 8

CAP(TUL04

ELEMENTOS TÉCNICOS

Para levar a cabo um processo terapêutico úti I e eficaz em


Musicoterapia, é necessário ter claro como devem ser os elementos
técnicos fundamentais, a sala de Musicoterapia e o instrumental.
Descreverei o que seria uma sala ideal e um instrumental, que
possivelmente não seja fácil de integrar em sua totalidade dentro
de uma sala musicoterapêutica. Portanto, entende-se que poderão
adaptar.se de acordo com as possibilidades institucionais e com as
aplicações cI ínicas que se requeiram .

•• a) A sala de Musicoterapia

A sala de Musicoterapia deve estar convenientemente isolada

•• dos sons exteriores, como também a instituição ou o lugar onde


funcione tal sa la deve permanecer isolado dos sons interiores da
sala. Com respeito à primeira situaçãó, ou seja, o isolamento
acústico do exterior, permite trabalhar com certa assepsia no que
se refere ao enquadre não-verbal.
No contexto não-verbal, qualquer emissão sonora é uma per-
turbação, e interceptará a comunicação não-verbal. Uma sala de
Musicoterapia que eu controlava, ao longo de oito meses de tra-
balho, um belo dia, ao realizar um jogo de escutar atentamente o
silêncio, percebemos que junto a uma das paredes, ouvia-se uma
máquina de ritmo monótono, que provinha da casa contígua que
pertencia a uma fábrica de sapatos.
Esse ritmo que conviveu com cada sessão de Musicoterapia,
durante oito meses, teve importância em muitos momentos do en-
quadre não-verbal da sessão.
54 R. O. BEf'JENZON MANUAL DE MUSICOTERAPIA 55

Não obstante, se apesar do isolamento chegarem sons exterio- musical colocado na sala possui de per si um simbolismo muito
res conscientemente percebidos, estes devem ou podem ser apro- particular para com esse paciente e, portanto, é muito delicado a
veitados e incluidos dentro do contexto de uma sessão de Musico- introdução ou a estimulação com outro instrumento. Terá urna
terapia (o trinar de um pássaro, o ruido ou buzina de um automó- mesa não muito grande que servirá para colocar alguns instrumen-
vel, o vento, o trovão, a chuva etc.). tos e umas cadeiras ou bancos que estarão dispostos em c(rcu lo
Com respeito à segunda situação, ou seja, que a instituição dei~ando livre o centro da sa la.
deve estar isolada do que ocorre na sala, permite ou evita situações
diflceis de manejar em um contexto terapêutico. Por exemplo, se
b) O instrumental
num hospital, de dia, os pacientes escutam que na sala se está can-
tando uma determinada canção, alguns deles pedirão ao musico-
Todo elemento capaz de produzir um som audivel ou, mais
terapeuta, na sua própria sessão, para também cantar essa determi-
ainda, que possa produzir um movimento ~paz d.e ser vivenciado
nada canção, ou reprovarão o musicoterapeuta, porque com fulano
como mensagem, como meio de comunicaçao sera parte Integran-
utilizou tal som ou tal ritmo ou permitiu tal ruido e com ele não
te dos elementos técnicos da Musicoterapia.
ocorre o mesmo, e assim sucessivamente.
Sempre parto de uma equação inseparável que é movimentai
A sala deve estar ventilada e iluminada e ser de dimensões re-
música ou movimento/som.
gulares; nem demasiada ampla, nem demasiada reduzida. Conside-
Não só terão importância os instrumentos clássicos ou mate-
ro que um sa lão de cinco por cinco é o correto.
rial Orff ou Montessori etc., mas, também, o próprio corpo, como
Se o salão é muito grande, provoca grande dispersão e por

•• conseguinte, a perda da noção do espaço, já que conta com menos


pontos de referência, dificultando assim o contato com o musico-
terapeuta. Se é uma sala muito pequena, impede os deslocamen-
a voz, as palmas, as coxas, bem como a criação de instrumentos
por parte do paciente; uma simples caixa de fósforos é um eX,ce-
lente meio de comunicação .
Também é importante em Musicoterapia considerar que o ins-
11'
I:,
tos ou o movimento. Recordemos que durante as sessões de Musi-
trumento não deve só ser utilizado como de costume, mas deve-se ~i

• coterapia, muitas vezes se faz indispensável o movimento e a ex-


pressão corporal.
As paredes não devem ter objetos decorativos e devem estar
pintadas com uma cor sedante. Buscamos a menor quantidade de
ensaiar em todas as'suas possibilidades.
Por exemplo o piano, não só se tocará o teclado mas também
percutir-se-á a caixa, tanger-se-ão as cordas etc. ,
I
I
!
O primeiro modo de classificar os instrum~ntos em M~slcote-
estimulas, para concentrar todo o trabalho no aspecto sonoro e .1
de movimento. rapia seria agrupá-los em: a) instrumentos musicaiS pr.oPrlamente "

ditos, b) instrumento corporal, c) instrumentos eletronlcos, d) a


O chão deve ser de madeira, levando-sa em conta a possibili-
criação instrumental.
dade de transmissão das vibrações e a necessidade de trabalhar com
todo o corpo e inclusive desca Iças.
Instrumentos musicais propriamente ditos
Deve ter dois armários, que estarão embutidos na parede, pa-
ra evitar as saliências que dificultam o trabalho de deslocamento.
Nesta classificação abarco os instrumentos fabr!cados pelo
Num dos armários estará todos os instrumentos musicais e
homem para serem utilizados como instrumentos mUSicaiS, ou so-
noutro os aparelhos eletrônicos, como o gravador, o toca-discos,
noros e que têm importância em Musicoterapia. . . .
o amplificador e inclusive um sintetizador eletrônico.
Em linhas gerais, para que um instrumento mUSicai seja de, in-
O motivo de ter dois armários se deve à independência que
teresse para a Musicoterapia tem que ter as seguintes caracterlstl-
dá ao musicoterapeuta de trabalhar com os aparelhos eletrônicos
cas: 1) de simples manejo, 2) de fácil deslocame~to,. ~) de gran_de
sem necessidade de que o paciente visualize todos os instrumentos
potência sonora, 4) que tenda à expansão e nao a Intr~versao:
musicais que possui a sala. Consideremos que cada instrumento
5) que suas possibilidades sonoras sejam de claras e entendlvels es
56 R. o. BENENZON MANUAL DE MUSICOTERAPJA 57

truturas rítmicas/melódica$, 6) que só sua presença seja suficiente se facilmente em guia das o.utro.s, o.u seja, o. que tenho. deno.mina-
estímulo como objeto intermediário. do. abjeto. integrado.r.
Descreverei dois exemplos que são os extremos e antagônicos. As virtudes musico.terapêuticas de um instrumento. se devem
Instrumentos que reúnam as seis características temos: as em gera I à sua fo.rma e so.no.ridade. Creio. que não. devem ter ele-
"tumbadoras", os bongôs, as tambo.rins e as pratas. O instrumento. mento.s deco.rativo.s de nenhuma espécie que pro.vo.quem um deslo.-
que so.zinho. reúne algumas delas, o. piano.. camento. vicio.so. do. estímulo.. Co.m exceção. daqueles instrumentas
As "tumbado.ras" são. instrumentas ideais, sobretudo. no. co.- que estão. muito. arraigadas ao. folclo.re, e que, po.rtanto, pertencem
meço dos tratamentos em Musicoterapia. São. de simples manejo. ao. acervo. cultural de um Po.vo..
Qualquer pesso.a, sem nenhum tipo de co.nhecimento musical, po.- Nestes casas as elemento.s deco.rativo.s não. teriam pro.blemas,
de percutir e obterá so.noridade. Não é necessário percutir de uma principalmente se o. paciente pertence a esse mesmo. Po.vo., já que
determinada forma, seja com as mãos ou com alguma baqueta etc. passará a ser parte da dinâmica de seu ISO, so.bretudo. do. ISO cul-
Ao ter rodinhas na sua base, pode-se deslocar com suma faci- tural. Os membranofo.nes' têm particularidades únicas que as ca-
lidade. racterizam e, po.rtanto., dentro das instrumentas puramente rítmi-
Sua sonoridade é potente e agradável e de profundo primiti- cas, são. mais eficazes que as idiófo.no.s.


vismo. Os membrano.fo.nes têm a vantagem de que se po.de o.bter so.-
Como todo membranofone com caixa de resso.nância tende a no.ridade não. só com a percussão., mas também, se são. acariciadas,
imitar o batimento cardíaco. raça das, rasgadas, raspadas, co.m o. qual abre-se uma gama múltipla
Ademais com a "tumbadora" é necessário. percutir-se de pé, de sono.ridades, de mo.vimento. e de sensações táteis.
isto. permite o movimento corporal completo de quem a percute. Par exemplo., o. pandeiro. e o. pandeirinho. têm a virtude de
Sua forma simples, aberta, sem limites, estimula a co.munica- que po.dem ser percutidas co.m distintas partes do. carpa, palmas,
ção com o o.utro, e seu so.m tende a dirigir-se para fo.ra, pondo em co.xas, jo.elho.s, co.to.velo.s, o. que aumenta a dinâmica de po.ssibili-
vibração outros corpos. dades.
No.utro extremo temos o piano, que é um instrumento pesa- Estes instrumentas de percussão. meno.res n9S qu~ se.
do, que não se pode deslocar, complicado., co.m grande quantidade incluem também as pratinho.s, as chmchines, as campainhas, o.
de estruturas sonoro-musicais, de timbres, de densidade, de volu- triângulo, par seu pequeno. tamanho. e seu Po.uco. peso., favo.recem
me, de harmonia, de melodia, de ritmo etc. É necessário tocá-lo. o. deslo.camento. através do. ar, o. qual estimula o. mo.vimento. mais
sentado., o que imobiliza partes do corpo e portanto inibe certos estruturado, o.u seja, o. baile e a dança, e alguns deles, cama as pra-
movimentos. tinhos, permitem perceber as andas sanaras no. espaço..
Sua forma e por ter seu aparelho de percussão internamente, Quero destacar que quanto. mais primitivo. seja o. instrumento.
provoca a introversão. Geralmente, o estímulo é para aquele que na sua co.nstrução. e no. seu material, mais próximo. estará do. ideal
vai tocar o. piano., e o. isola do. resto.. musicoterapêutico..
Par isso. considero que no. co.m,eço. das tratamento.s de Musi- É de freqüente o.bservação. cama o paciente ou qualquer pes-
co.terapia seja preferível utilizar instrumentas de percussão. simples soa é muito. mais atraído. par um instrumento. cujo. material se
e não. melódica-harmônicos co.mplicado.s, que terão mais utilidade aproxima da própria natureza, cama seriam as membrano.fo.nes de
para a finalização. das tratamento.s.
Instrumento.s como as "tumbado.ras" os tenho. chamado. ins- (I J Os memhranofones são instrumentos cujo som é produzido por membrana estendida
trumentas Iíderes, par serem aqueles que reúnem as característi- sobre uma abertura.
cas primo.rdiais para a Musico.terapia e, ademais, par serem as que Os idi6fonos são instrumentos feitos de materiais naturalmente sonoros, que não
necessitam de tensão adicional como requerem os de corda e os de membrana.
geralmente co.stumam eleger as pacientes que são. líderes do. grupo.. Os instrumentos desta crasse têm recebido sua forma de ação do tangedor, porquan-
Este instrumento., dentro de um grupo de Musico.terapia, co.nverte- to derivam da extensão das ações de golpear, bater palmas ou golpear com os pés.
(Curt Sachs: História Universal dos Instrumentos Musicais. I
11 _

58 R. O. BENENZQN MANUAL DE MUSICOTERAPIA 59

madeira, coco, cabaça, bambu etc., do que aquele feito por um ele. Este tipo de trabalho está intercalando uma nova passagem
mento mais sofisticado na sua elaboração. de transição, que é do melódico ao harmônico.
Depois dos instrumentos de percussão, numa seqüência que O xilofone mantém outra característica dos instrumentos lí-
iria do mais regressivo ao mais.prospectivo, temos os instrumentos deres: é que seu som se expande para fora, se extroverte, pois ape-
melódicos. Entre estes devemos falar dos idiófonos de percussão, sar de ser melódico, um forte impulso motor ainda modela seu
como os xilofones e os metalofones, as marimbas e os sistros. estilo.
Estes instrumentos compõem-se de placas que podem ser de Sem dúvida, se este instrumento é utilizado em forma solitá-
madeira, no caso do xilofone, ou de metal, no caso dos metalo- ria, ou se permita ao paciente um jogo isolado com este tipo de
fones. instrumento, o melódico tende a levá-lo à introversão.
Nos que se utilizam atualmente para a Musicoterapia, estas A flauta doce e o violão são instrumentos melódicos mais
placas ou lâminas repousam sobre as bordas superiores da caixa complicados, que necessitam adequações de aprendizagem e, por-
acústica e são atravessadas em ambos os extremos por cravinhos. tanto, devem ser intercalados depois de um perl'odo de tempo de
Isto permite que estas placas pos~am ser tiradas ou colocadas de começado o tratamento.
acordo com as necessidades. O problema de colocar estes instrumentos no princípio de um
Portanto, pode-se começar colocando uma só placa, ou seja, p~ocesso terapêutico pode dar lugar a frustrações, pois o paciente
que estes instrumentos permitem a transição entre o rítmico e o nao encontra o meio adequado de comunicação não-verba I.
melódico, pois a percussão dessa única placa já permite obter um Finalmente, aparecem o piano, o órgão, o harmônio, instru-
timbre e uma' sonoridade distintos; ao agregar uma segunda placa mentos mais estruturados que levam ao harmônico musical e daí
em terça menor, a percussão de uma ou outra possibilita a criação ao nitidamente intelectual. Nestes instrumentos a comunicação
da melodia sem necessidade de nenhum tipo de instrução prévia. tende a ter um tempo que é parecido ao tempo verbal. .
Isto converte o xilofone ou metalofone num instrumento lí- De qualquer forma não devemos esquecer que nestes últimos
der do ponto de vista melódico, pela dinâmica de mudanças que instrumentos encontram-se integrados os aspectos rítmicos, meló-
pode proporcionar. dicos e harmônicos, que em determinados momentos se podem
Depois pode-se agregar uma terceira e uma quarta placa, até a suprimir.
quinta placa, constituindo-se, assim, a escala pentafônica, que é a Há certas aplicações clínicas da Musicoterapia que convertem
base de quase todas as canções infantis. Fina Imente, desta mesma determinados instrumentos em objeto integrador. Por exemplo,
maneira constitui.se a escala diatônica e cromática. para o trabalho com surdos e hipoacústicos, o piano pode conver-
OI Aqui também volto a insistir: mesmo que o instrumento des- ter-se em objeto integrador, pois permite que vários pacientes colo-
crito seja melódico e sua percussão se faça sobre as placas, o instru- quem suas mãos na caixa do piano, e sentir as vibrações através do
OI
mento em Musicoterapia é um todo e, portanto, poder-se-á per- tato.
cutir sobre sua própria caixa acústica de ressonância. Isto dá um Instrumento corporal. O corpo humano é o instrumento
interjogo, com duas baquetas, onde o mesmo instrumento pode ser mais completo em todas as suas dimensões. Além disso, ele é a ori-
utilizado como rítmico e melódico ao mesmo tempo. gem dos instrumentos musicais, já que estes são simplesmente uma
Os grandes xilofones, alguns cujas caixas de ressonância são prolongação do corpo humano.
feitas de cabaças, chamam-se marimbas e, no trabalho grupal, con- No corpo humano temos implícito o membranofone, o idió-
vertem-se em magn ífico objeto integrador. fono e o aerófono. Entretanto, o corpo humano não cumpre com
Várias baquetas podem ser utiijzadas numa só marimba, um todas as exigências de um objeto intermediário. Sabemos que o
-.:I::=..-I"J: -.: ::-2 de,:: 3gudos, outro na zona dos graves, outro na corpo humano pode despertar situações e ansiedades de alarma
dos médios, realizando distintos jogos rítmico-melódicos, como que podem fazer fugir ou entrar em pânico a certo tipo de pa-
(lr0rT~ inclusive em alguns conjuntos musicais populares. cientes.
60 R. o. BENENZON

Entretanto., na aplicação. em certas neuroses de tipo. absessi-


va, pade ser um meia direta de desblaqueia. A utilizacão. na came-
ça deve ser a distância, evitando. a cantata carpa-a-e~rpa, median-
te a palmeia, a sapateado., palmas sabre as caxas, estimulando. a
eco. rítmica, as perguntas e respastas que têm tadas elas uma res-
::,asta instintiva. CAP(TULO 5
O mesma acarre cam a mavimenta que acampanha atadas
estes aspectas rítmicas.
Lentamente pade-se palmear sabre a palma da paciente, pa-
rém este cantata rítmica se deve fazer cam grande canhecimenta
da dinâm ica da paciente.
De tadas as fenômenas sanaras da carpa humana, a mais FORMAÇÃO DO MUSICOTERAPEUTA
profunda é canstitu ída da vaz e a canta.
A vaz e a canta são. as elementas ma is regressivas e ressanan-
Um das prablemas mais delicadas da Musicaterapia cama dis-
tes, e par isso. devem ser usadas cam muita cuidada, reservanda-os
para emergentes terapêuticas camplicadas e difíceis de maneja'r. ciplina paramédica é a farmaçãa da musicaterapeuta.
A vaz e a canta estão. muita ligadas ao. ISO da musicatera- . . Até não. muita tempo., e ainda haje em alguns países, as prin-
peuta e são. uma ampla tela de prajeçãa das camplexas nãa-verbais clpa,s trabalhos sobre Musicoterapia estavam a cargo de médicos,
pSlcólagas, prafessares de música, educadares especializadas, que
da paciente em sua evaluçãa.
aas seus canhecimentas uniam a prazer e a estética pela música.
A criação instrumental. Calaca nesta classificação. exclusiva-
Estes trabalhas faram muita úteis e alguns têm sido. pianeiras
mente as instrumentas criadas, impravisadas e fabricadas pelas pa-
nesta disciplina; parém, na atualidade, nasce a prafissianal, o musi-
cientes au pela musicaterapeuta.

••
caterapeuta, que tem sua farmaçãa especificamente determinada,
Estes instrumentas têm grande pader de abjeta intermediária
e, partanto, dentro. de si mesma, a integração. teórica e prática.
e facilmente se padem canverter em abjeta integradar dentro. de ,I
um grupo..
Sua impartância deriva da fato. de estar muita ligada ao. ISO
a) Persanalidade e características da Musicaterapeuta ,I
da paciente au da musicaterapeuta, segunda quem a tenha fabri- 1
Cama deve ser a farmaçãa de um prafissianal que deve ter
cada. canhecimentas médicas, I"sicalógicas, pedagógicas e musicais, sem
É impartante assinalar que se a musicaterapeuta canhece e
chegar a ser nem um médico, nem um psicólaga, nem um música?
tem clarificado seu própria ISO é capaz de criar um instrumento. Cansidero que a musicaterapeuta deve ser exclusivamente
de acarda cam a ISO de seu paciente, a que significa que terá cria-
musicaterapeuta e, partanta, ter uma farmaçãa específica.
da um abjeta intermediária ôtima para a camunicacãa. Quando. prapanha que a musicaterapeuta não. deve ser músi-
Dentro de uma instituição., o. cancursa da Te;apia Ocupacia-
ca, refira-me ao. música erudita, que nasceu cam a vacaçãa de ser
nal pade favarecer enarmemente a fabricação. de tais instrumentas
intérprete au um campasitar, isto. é, nasceu para ser música e não.
e caadjuvar-se mutuamente ambas as terapias em seus abjetivas.
terapeuta.
N~a se pade falar de um au autra instrumento., pais aqui de- Um música farmada cama tal tem, intrinsecamente, a pré-
pendera fundamentalmente de cada paciente.
ju ízo musical estética de sua evaluçãa e desenvalvimenta musicnl.
Neste tipo. de tarefa eXige-se um certa nível da paciente e um
Este pré-juíza musical e a que a impedirá de aceitar cam inteira li-
certa tempo. de pracessa terapêutica; parém, uma vez que se can-
berdade as ritmas "nãa-estéticas" de um determinada paciente au
) segue a trabalha, cam a instrumental criada enriquece-se natavel-
a "desafinada" de autra etc.
mente a comunicação .
62 R. o. BENENzo.N MANUAL DE MUSlco.TERAPIA 63

Portanto, não. poderá aceitar nem absorver a expressão nã~- pode derivar ou terminar em deserções profissionais, ou crl'ticas
verbal do paciente, ou, pelo menos, lhe será sumamente compli- infundadas sobre sua própria formação, ou mobilizações psiquicas
cado. dificeis de controlar; 2) a Musicoterapia didática consiste no sub-
Em minha experiência, os 14 anos de dirigir a formação de metimento do egressa do a um tratamento musicoterapêutico pró-
musicoterapeutas demonstraram claramente que o aluno c.om prio, realizado por outro musicoterapeuta de larga experiência e
as caracteristicas anteriormente referidas se frustra como muslco- dedicado sobretudo ao campo psiquiátrico. Isto permite ao egres-
terapeuta e termina por abandonar a especialidade. sado conhecer mais a fundo detalhes da técnica em si mesmo, e sua
Isto é, o musicoterapeuta deve ser antes de tudo um terapeu- cabal compreensão da mesma. Sabemos o dificil que é compreen-
ta, com um grande conhecimento teórico e prático da utilização der um contexto não-verbal num mundo como o nosso onde as co-
do complexo mundo sonoro, musical e do movimento. municações visuais predominam constantemente; 3) este tipo de
Quando proponho que não deve ser um psicólogo, refiro-me tratamento didático estaria também dirigido para descobrir o pró-
ao psicólogo que se formou numa concepção de verbalização dos prio ISO, ou seja, a identidade ou caracteristica sonora, ajudan-
fenómenos inconscientes, com uma superintelectualização dos me- do-o assim a aclarar posteriormente o pensamento não-verba I pró-
canismos psiquicos e uma tendência à interpretação verbal do la- prio, de seu paciente, evitando a confusão entre um e outro, fato
tente. de freqüente observação.
Ao profissional acima referido será muito dificil desligar-se Devo dizer ainda que, uma vez começada a prática profissio-
do pré-ju izo interpretativo e manejar-se numa concepção do pensa- nal, são importantes os controles clinico-psicológicos periódico,
mento não-verbal. do processo terapêutico em Musicoterapia. i
Em Musicoterapia a expressão, percepção e compreensão de Considero que o trabalho do musicoterapeuta só se pode en-
I'
todos os fenômenos dinâmicos psíquicos se realiza num contexto tender como integrante de uma equipe médica, como é o de todo
não-verba I. auxiliar da Medicina, e, portanto, devo dar ênfase ao papel especi- I,
'11

Quando proponho que não deve ser médico, é porque consi- fico que executa o musicoterapeuta. O musicoterapeuta não reali- "

dero que o médico tem que indicar a aplicação deste auxiliar da za a psicoterapia do paciente, porém ajuda a aprofundar muitos
Medicina e avaliar seus resultados no contexto geral do processo dos núcleos"inconscientes e mobiliza ansiedades rigidas.
recuperatório do paciente. Por isso, o trabalho do musicoterapeuta está intimamente re-
lacionado com o do psiquiatra e o do psicólogo.
Um dos problemas estratégico-terapêuticos mais sensiveis que
O musicoterapeuta não realiza a terapia fisica nem a kinesio-
enfrentará o musicoterapeuta são os núcleos regressivos incons-
terapia, porém favorece a aplicação e os resultados da mesma.
cientes dos pacientes que se expressam com muita liberdade num
contexto não-verba I. Por isso deve integrar-se com o terapeuta fisico e o kinesiólo-
Por isto creio que o conhecimento profundo dos próprios go. O musicoterapeuta não realiza a educação musical especializa-
núcleos regressivos do musicoterapeuta é parte fundamental de sua da no infradotado, porém abre os distintos canais de comunicação
para empreender o processo educativo; por isso, ~eve estar integra-
preparação. . '_
do na equipe psicopedagógica. Isto é, que o muslcoterapeuta deve
Para estar em condições de trabalhar em Muslcoterapla e ne-
levar a cabo a dificil tarefa de não ter limites de ação, mas que seus
cessário, depois ou durante sua formação curricular, submeter-se,
limites são a abertura de canais de comunicação para outras te-
por um lado, a um tratamento psicoterapeutico enfocado no co-
rapias.
nhecimento e conscientização dos aspectos inconscientes profun-
dos, e, por outro, a um tratamento musicoterapêutico did~tico. Por isso, insisto que o musicoterapeuta, mais que nenhum ou-
Ambos 'os tratamentos permitem prevenir; 1) conflitos seve- tro especialista, deve trabalhar em equipe. O muslco.terap,;uta que
ros do aluno que regressa e deve enfrentar-se com os núcleos mais trabalha só ou isolado terá cOniplicações: se seu paclent: e doente
regressivos e primitivos de seus pacientes. Este tipo de conflito mental, devido à necessidade de usar elementos da pSicoterapia;
,--------
64 R.O.BENENZON MANUAL DE MUSICOTERAPIA 65

quando se trata de um enfermo perturbado motor, em utilizar téc- O musicoterapeuta deve ter muito cuidado com esse tipo de
nicas de relaxamento e reeducação motriz, e, se é um infradotado, atitude e sentimento, pois. se exaltam ainda mais com os avanços
em utilizar elementos de educação especializada. da técnica musical moderna, como, por exemplo, a música eletrô-
Por outro lado é evidente que uma equipe de saúde ver-se-á nica.
altamente beneficiada com a presença de um musicoterapeuta. Este tipo de atitudes onipotentes pode provocar dificulda-
O psiquiatra obterá, como já disse, novos elementos para des na integração das equipes de saúde. O musicoterapeuta deverá
aprofundar na psicoterapia, verá facilitada em seus pacientes a sen- enfrentar atitudes diferentes da equipe como, por exemplo, uma
sibilidade aos psicofármacos e observará a possibilidade de uma atitude submissa, expectante e com certa admiração, criada pelo
maior integração à comunidade terapêutica dos pacientes. O kine- novo, o distinto, o desconhecido, e talvez até o curioso; a outra,
siólogo, o terapeuta ocupacional, o terapeuta físico, o fonoau~ió- uma atitude de recusa com opiniões e alcunhas, algumas franca-
logo observarão uma maior abertura do paciente para suas terapias. mente pejorativas, como Vai com a música à outra parte ou ar vem
Uma das últimas experiências que tenho tentado estimular a banda ou o disc-jockey ou o LP, ou a possível indiferença.
com êxito é a função que o musicoterapeuta pode ter sobre a mes-


Porém, o que mais devemos levar em conta é que finalmente
ma equipe ql:Je integra. A possibilidade de utilizar técnicas não-ver- todas as técnicas se completam e se coadjuvam em benefício da te-
bais permite atuar sobre processos conflitivos da própria equipe, rapêutica para o paciente. Um exemplo o constitui o psicodrama.
ql'~ podem elaborar-se com maior facilidade e clareza ao longo de No V Congresso Internacional de Psicodrama e Sociodrama
um trabalho musicoterapêutico. Isto não só é válido para equipes de realizado em 1970, apresentei um trabalho propiciando a questão
saúde, que devem trabalhar ne dinamica pslquica, mas, ~ambém, de que um dos egos auxiliares que participam das sassões de pslco-
para equipes médicas que trabalham quase que exclUSivamente drama deveria ser um musicoterapeuta. O musicoterapeuta estaria
com o soma, como seria uma equipe cirúrgica. muito mais preparado para responder às exigências do diretor do'
É indubitável que no campo da Musicoterapia e no rol que o psicodrama ou das circunstâncias dramáticas do momento, impro-
musicoterapeuta deve assumir, se sobrepõem, e até podem confun- visando sons, elementos rítmicos ou melódicos, que abririam facil-
dir-se, técnicas que poderiam pertencer a outras especialidades: mente canais de comunicação ou mobilizariam ansiedades ou aque-
É certo que em certas circunstâncias aparece uma espécie de ceriam mais rapidamente determinadas situações.
"terra de ninguém", que são momentos terap~uti~s er:n qu~ as Também acentuei naquela oportunidade que seria muito mais
técnicas a metodologia e a mesma fundamentaçao filosófica se JUS- eficaz a utilização de instrumentos musicais ou corporais propria-
tapõem 'e se confundem, para terminar, em última instancia, sendo mente ditos, do que o uso de discos ou fitas ou cassetes, pois estes
o homem mesmo, o ser em questão, ajudando a outro ser humano. últimos já são produtos rlgidos e inamovíveis que nem sempre res-
Entre as possíveis técnicas e especialidades encontramos o pondem às exigências que as circunstâncias requerem.
psicodrama, a psicodança, a expressão corporal, a ps!como~icida-
de, e outras técnicas não-verbaiS, de relaxamento, estlmulaçao pre- b) Curriculum do curso de Musicoterapia
coce etc.
Este é um dos aspectos que dificultam a aquisição de um rol O curso de Musicoterapia que dirijo desde o ano de 1966 na
def:nido. Por outro lado, é freqüel'te observar em alguns musico- Argentina depende da Escuela de Disciplinas Paramédicas de la Fa-
terôpeutas, e inclusive em alguns músicos, uma espécie de onipo- culdad de Medicina de la Universidad deI Salvador de Buenos
tên~ia com respeito ao uso do som e da música. Este fator se faz Aires .
. mais evidente quando o musicoterapeuta enfoca seu trabalho para Um curso que forma auxiliares da Medicina e cujo objetivo é
uma Musicoterapia passiva. eminentemente terapêutico deve estar sob a tutela de uma Facul-
I: como se o musicoterapeuta se identificasse com o poder dade de Medicina. Isto não é freqüente e, até o momento, pratica-
Jl"~gico da estrutura abstrata que o som teve para o homem .primi- mente é o único curso da forma acima referida. No resto do mun-
tivo desde tempos imemoriais.
~t _

66 R, o. BENENZo.N MANUAL o.E MUSICo.TERAPIA 67

sação. e criação. de canções infantis. Ditadas rítmicas e melódicas.


Leitura à primeira vista. Afinação.. É preciso. co.mpreender que não.
se necessita de um co.nhecimento. pro.fundo. esco.lástico. musical. O
erudito., o.u o. grande solista, po.ssuido.r de uma técnica apurada pia-

- nística, não. servirá para a Musico.terapia; em tro.ca, ter uma espe-


cial predispo.sição. e sensibilidade sono.ro-musical, uma facilidade
de co.municação., de impro.visação., po.dem ter muito. mais vaiar ca-
ma co.ndições à fo.rmação. do. musico.terapeuta.
A fo.rmação. tem basicamente quatro. áreas.
Uma área médica co.nstituída pelas cátedras de Anato.mia e
Fisio.lo.gia; Neuro.lo.gia e Neuropato.lo.gia; Meoànica co.rpo.ral e in-
trodução. às terapias recuperativas.
Area psico.lógica, co.nstitu ída pelas cátedras de Psicolo.gia ge-
rai, Psico.lo.gia evo.lutiva, Dinâmica de grupo. I e 11,Psicapato.lo.gia e
Figura 9 nações de Psicaterapia; Filo.so.fia I e 11; Psicolo.gia de aprendi-
zagem.
do. enco.ntra-se so.b a tutela primo.rdial de uma Faculdade de Area musical, que co.nstitui as cátedras de Iniciação. musical e
Música. flauta do.ce; Meto.do.lo.gia musical; Grupo. musical; Caraetero.lo.gia
Dentro. da Escala de Disciplinas Paramédicas ditam-se o.utro.s musical I, 11 e 111; Organo.lo.gia I e 11;Acústica I e 11;Eletroacústi-
cursas, cama o. de Fo.noaudio.lo.gia, Terapia Física, Pro.fesso.rado. de ca; Expressão. co.rpo.ral I, II e 111;Fo.lclo.re; Caro; Educação. fo.nal'l
Surdas. e 11;Vio.lão..
A fo.rmação. dura três ano.s e um semestre de práticas co.ntro.-
~~. . Area de aplicação., que co.nstitui as cátedras de Musico.terapia
no. infrado.tado.: Musico.terapia em psiquiatria; Musico.terapia em
As co.ndições de ingresso. são; avaliação. psico.lógica, vo.cacio.- perturbadas matares; Musico.terapia em perturbadas da comunica-
na I e de perso.na lida de. i.
ção.; Musicaterapia em geriatria; Medatalo.gia de investigação.; In-
Neste exame verificamo.s a bo.a esco.lha do. curso., o.rientamo.s
trodução. à Musico.terapia.
nas conhecimento.s e nas po.ssibilidades do. mesmo., e, par o.utro. Durante o. terceiro ano. e o. última semestre são. o.brigatórias
lado., o.bservamo.s o. grau de saúde mental do. aspirante. Co.nsidera-
as práticas cl ínicas.
mas que esta especialidade exige, cama o.utras que se o.cupam do.
se~ humano. e de fato.res mentais tão. regressivas, uma ótima saúde
menta I do. terapeuta.
Um exame geral de matérias afins, para verificar o. nt'vel de
estudo.. Embo.ra o. aluno. aspirante tenha que ter terminado. as estu-
das secundárias, para po.der ingressar na Universidade, de qualquer
maneira dita-se-Ihe um pequeno. curso. sabre conhecimento.s bási-
cas de distintas disciplinas cama Física, Bio.lo.gia, co.mpreensão. de
texto. etc.
Um exame de avaliação. musical. Este exame cansiste na in-
terpretação. de uma partitura musical elegida pelo. aspirante no. ins-
trumento. de seu co.nhecimento. (po.de ser também a vo.z). Improvi-
.---------

CAP(TULO 6

o PACIENTE
Há certas características do paciente que favorecem a aplica-
ção da Musicoterapia. Em primeiro lugar, é conveniente que o pa-
ciente seja virgem de conhecimentos musicais, pois este acha-se em
melhores condições de se introduzir no contexto não-verbal.
Em troca, o paciente com conhecimentos musicais, e sobretu- " ,

do se estes são de nível, entrará em confronto com o musicotera-


peuta e será difícil de romper as defesas musicais que anteporá ao
pretender trabalhar com seus aspectos mais regressivos.
De qualquer maneira, todo paciente é susceptível de ser trata-
do com Musicoterapia. O que descreverei no tema de contra-indi-
cações é o mau uso ou abuso da Musicoterapia, implementado ou
aconselhado, às vezes, por gente profana.
Existem determinados sintomas que configuram síndromes
específicas que são indicadíssimos para a Musicoterapia. Por exem-
plo, o sintoma de isolamento ou o autismo, que configura o predo-
minante no autismo infantil, ou na simbiose, ou na esquizofrenia.
Nestas síndromes, a Musicoterapia é indicadíssima e pode ser a pri-
meira técnica de aproximação. Outras síndromes, como a melanco-
lia ou perturbações de outra índole, mas onde o sintoma de isola-
mento é parte da sintomatologia, sem ser o predominante ..
No tema sobre as aplicações clínicas irei descrevendo caracte-
rísticas específicas de cada um dos pacientes.
1.- _

CAPITULO 7

METODOLOGIA GERAL

Depois de muitos anos de trabalho tenho estruturado um tipo


de metodologia geral, que se vai adaptando de acordo com as dis-
tintas aplicações clínicas.
Esta metodologia consta de duas partes essenciais. A primeira
é de caráter diagnóstico e a segunda terapêutico. Na parte diagnós-
tica, o objetivo é descobrir o princípio de ISO do paciente ou do
grupo com o qual se trabalha, o objeto intermediário, e o objeto
integrador com o qual se facilitará esta terapêutica.
Para realizar esta primeira parte, efetua-se a ficha musicotera-
pêutica e a testificação do enquadre não-verbal.
A ficha musicoterapêutica é o interrogatório do paciente' e/ou
dos familiares, acerca da história sonoro-musical do ~aciente a tra-
tar. Nesta ficha constarão: os fenômenos folclóricos herdados dos
pais e avós para descobrir os arquétipos sonoros, os elementos so-
ciais e vivenciais durante a época gestacional e todas as vivências
sonoras infantis e atuais.
A testificação do equadre não-verbal consiste em defrontar o
paciente com uma série de instrumentos de percussão simples e al-
guns pouco melódicos, observando como consegue comunicar-se
por meio deles. Nesta testificação se podem verificar o instrumen-
to que servirá de objeto intermediário e a hipótese do ISO do pa-
ciente.
A segunda parte é constituída pelas sessões de Musicoterapia,
onde paciente e musicoterapeuta trabalham ativamente.
Trata-se de estabelecer canais de comunicação de nível regres'
sivo, mediante a identidade sonora do paciente, e abrir novos ca-
nais para sua futura integração em grupos ou em outras terapias.
72 R.O.BENENZON MANUAL DE MUSICOTERAP/A 73

a) Ficha musicoterapêutica 1- Pa ís de origem


2- Região de origem
Geralmente, um paciente é enviado à Musicoterapia, depois
3- Preferências e particularidades dos pais
de um estudo clínico-psicológico realizado pelo médico e/ou o psi-
cólogo que o trata. Portanto, o musicoterapeuta receberá um' pa- 4- Vivências sonoras durante a gravidez
ciente previamente selecionado e com uma indicação precisa. Terá 5- Vivências sonoras durante o nascimento e primeiros dias de
a seu alcance a história com uma série de antecedentes do pacien- vida
te, muitos dos quais lhe servirão para completar algumas das per-
6- Movimentos corporais e canções de ninar da mãe
guntas da ficha musicoterapêutica. É curioso que ao longo da his-
tória da Medicina e da Psicologia, as anamneses, cada dia mais 7- Ambiente sonoro durante a infância
profundas, se ocupam muito pouco' do riquíssimo mundo sonoro 8- Reações dos pais aos sons e aos ru ídos
que rodeia o ser humano e das implicações que este tem sobre o
psiquismo. 9- Reações do paciente aos sons e aos ru ídos
10 - Sons típicos da casa (bater de portas, gritos, prantos, ruídos
A tomada da ficha musicoterapêutica é um chamado de aten- de mastigar, tiques com sons, murmúrios etc)
ção que permite focalizar o interrogatório sobre este mundo.
Assim, aparecem na recordação infantil do paciente uma 11 - Sons durante a noite e sons corporais
quantidade de sons que eram recusados, como, por exemplo, o ruí- 12 - História propriamente dita do lugar, educação musical dos
do do mastigar do pai na mesa, ou o tique sonoro que fazia com a pais e do paciente
boca um irmão, ou o roncar da mãe durante a noite, ou sons que 13 - Os primeiros contatos com o instrumento
eram gratificantes, como o escutar as gotas da chuva sobre os te-
lhados de zinco etc. 14 - Estado atual do problema sonoro-musical
,
A tomada da ficha musicoterapêutica é o primeiro contato do 15 - Associações com sons
paciente com o musicoterapeuta. A razão deste primeiro encontro 16 - Preferências e recusas musicais, sonoras e de ruídos
é a de explicar que para poder começar a terapia é necessário co- ti
nhecer a história sonoro-musical do paciente e de seu ambiente em 17 - Desejos e recusas de instrumentos. ti
forma profunda e exaustiva.
Se o paciente é uma criança autista, ou que por alguma razão Estas perguntas exemplificam uma forma de interrogatório, .i
encontra-se impossibilitado de comunicação verba I, tratar-se-á de porém não a única, pois pode tomar-se de outra forma, seja alte- I
interrogar os pais. O exemplo desta última ficha musicoterapêutica rando a ordem ou realizando outro tipo de pergunta. Muitas vezes 1\
encontra-se no tema sobre aplicação na criança autista. o paciente não responde especificamente a uma pergunta, dizendo I,
Igualmente se aconselha completar a ficha com o interrogató- que não recorda ou não sabe, e, sem dúvida, à medida que trans-
rio dos familiares que podem acrescentar dados. corre a conversação, através de outras recordações ou associações, ,I
As perguntas mais importantes a levar em conta são as se- aparecem os sons que estávamos tratando de descobrir. 'I
guintes: Esta ficha se poderá completar no transcurso das sessões.
O objetivo principal é conhecer a história sonoro-musical do ,I
Ficha Musicoterapêutica paciente e sua herança. Dos primeiros dados da ficha obteremos,
por um lado, todo o aporte sonoro-musical do paciente, e por ou-
Nome e sobrenome idade tro, o que poderíamos chamar as séries complementárias sonoras. 'I,
Os primeiros dados da história podem ter uma enorme impor- ,i,
sexo: ficha confeccionada por: ,
I
I
.~----------
74 R. a BENENZON MANUAL DE MUSICDTERAPIA 75

tância. As possibilidades de comunicação de um paciente cujos pregada pelo paciente muito especificamente para explorar a trans-
pais, por exemplo, são espanhóis, serão diferentes daqueles cujos ferência, porém, com freqüência, provinha a chave do conflito cor-
pais são de origem italiana ou argentina. rente na análise. Freud dizia que se pode demonstrar que a melo-
Inclusive estas diferenças de comunicação se darão, também, dia, que de pronto invade a cabeça de um homem, está condicio-
quanto à região de origem, isto é, que o que emigrou da Gal(cia, nada por um processo de pensamentos ao qual pertence e que, por
pc. exemplo, terá um acervo folclórico herdado distinto do que alguma razão, ocupa sua mente sem que ele se aperceba.
o que emigrou da Andaluzia. É fácil demonstrar que o enlace com a melodia deve-se buscar
Estes conhecimentos nos darão elementos básicos para nosso na letra ou na fonte de onde saiu a melodia. Freud faz depois a se-
.primeiro contato nas sessões de Musicoterapia. Permitirá compre- guinte advertência: "Não sustento o mesmo no caso de pessoas ver-
ender as recusas a determinados ritmos ou melodias, como tam- dadeiramente musicais, com as quais tenho tido experiência; nelas,
bém preparar-se para o contato com o paciente. Assim, por exem- o valor musical da melodia pode justificar sua súbita aparição no
plo, se estamos frente a um paciente que emigrou da Gal(cia, o inconsciente".
musicoterapeuta se nutrirá dos conhecimentos dos ritmos e cancio- Hannett faz referências a outros casos que aclaram mais o te-
neiros galegos, para estar em ótimas condições de secundá-lo, im- ma; uma paciente, numa sessão, apresentava-se zangada com ela,
provisar, contestar na base os diferentes fenômenos musicais que não podendo justificar esse sentimento, até recordar que, ao entrar
ele possa suscitar, e, ademais, entender os conteúdos simbólicos no consultório, estava pensando na música do fragmento: please,
das sessões. O musicoterapeuta terá facilmente aberto o caminho, give me something to remember VOU when VOU are far awav from
se demonstra a seu paciente que conhece sua linguagem. me (Por favor, dá-me algo para recordar-te quando tu estás longe
Para aclarar este conceito, faço referência ao trabalho The de mim). Umas horas antes, haviam-lhe comunicado que a analista
Haunting Lvric de Frances Hannett, de Chicago, onde fala acerca ia tirar férias e, no momento, não tinha reagido ao surgir a separa-
do significado pessoal e social da canção popular americana. ção iminente; porém, seus verdadeiros sentimentos revelaram-se
A autora conta que durante longo tempo observou que o as- claramente depois.
sobiar de seus familiares, pela manhã, expressava o estado de âni- A palavra por favor foi agregada pela paciente para intensifi-
mo naquele momento: alegre, triste, resignado ou otimista. car seu pedido de um talismã que poderia combater a solidão que
Habitualmente assobiavam somente uma frase ou duas, po- ela temia passar.
rém, baseando-se na letra do texto que correspondia a essa parte As crianças também empregam a melodia para expressar
da melodia, encontrava a chave que revelava o estado de ânimo. seus profundos sentimentos: um menino fez, em segredo, um tam-
Por ?xemplo, Oh, what a beautiful moming (Oh, que linda ma- borzinho para o aniversário de sua irmã maior, e escreveu nele o
nhã) da revista musical Oklahoma. Muitas vezes quem assobiava nome dela.

•• não podia recordar a letra; era uma canção cujas palavras não eram
conscientes. Frances Hannett compreendeu que a melodia era uma
expressão pré-consciente e era óbvio que se a utilizava para trans-
Enquanto constru ia o brinquedo, cantarolava a Marcha Fúne-
bre de Chopin .
Apesar de esta melodia não ter letra, o paciente conseguiu co-

• mitir emoções e sentimentos que não se podiam expressar direta-


mente. Isto mesmo poderia ser aplicado ao tratamento de pacien-
tes psiquiátricos.
locar as palavras que expressavam seus ciúmes sexuais e sua pro-
funda hostilidade frente à sua irmã e ao noivo.
Outro caso é o seguinte: uma menina cantava canções popula-
Evidentemente falar em forma direta significa acercar-se de- res com freqüência, até o momento em que se apercebeu de que c
masiado de emoções para as quais não se está preparado. terapeuta guiava-se pela letra das canções para entender o que e!a
As palavras de outro proporcionam a distância adequada e, ao não dizia de forma direta; então, costumava cantarolar a melodia
mesmo tempo, uma sugestão de conflito básico. A melodia era em- sem pronunciar as palavras. Afortunadamente, o terapeuta estava
em dia com o cancioneiro popular e conhecia as letras das canções .
•..._--------
76 R. O. BENENZON MANUAL OE MUSICOTERAPIA 77

Em uma ocasião, e depois de uma conversa telefônica que o tera- E o paciente iniciou deste modo uma comunicação que se in-
peuta manteve com uma irmã maior dela, a menina entrou no con- tensifica até chegar a um tal grau que necessita afastar-se, com o
sultório cantarolando: nl never be jealous again (nunca mais vou que surge Pegada Triste, de A. Yupanqui:
ter ciúmes) e enfrentou, por fim, os ciúmes e a hostilidade anterior- Que eu lhes conte minhas penas
mente repel idos. Me pedem de tarde em tarde,
Assinala Hannett que os exemplos citados apóiam as teses de Se nelas estão minhas forças
que a melodia de um texto persistente é uma voz do pré-eonscien- Deixem-me que eu as cale.
te, e que deve ser compreendida do mesmo modo que um frag-
mento sonhado, uma fantasia ou um ato repetido. Tais fragmentos
líricos têm, às vezes, um significado evidente e um latente. Não se vê o Cruzeiro do Sul
O significado evidente ou manifesto reitera a posição defensi- nas noites de tormenta;
va na superfície; o significado latente, que se refere aos impulsos há que mirar dentro de nós
e desejos, e à sua origem genética, revela-se somente através da aná- para encontrar a pegada.
lise da lírica como se fora um sonho. Quando me cansa o caminho
Observou-se que a grande maioria dos fragmentos e frases líri- ponho-me a olhar pra dentro
cas, uma vez analisados, ajudavam o paciente a entender suas rela- A o lume das recordações.
ções com a mãe. Segue a isto um intento da suic(dio. Esta canção se repete,
Isto nos indica a importância fundamental que tem o material tempos depois, ante uma nova situação cr ítica do paciente.
melódico que o paciente nos traz, como também, e fundamental- Outro paciente traz às suas sessões individuais o samba Agi-.
mente, o material criado pelo paciente. É preciso aclarar que, ob- tando lenço que utiliza como símbolo de reencontro, depois de

••
,
viamente, é nas sessões de Musicoterapia, onde o paciente terá que
trazer uma linguagem de comunicação feita de melodias ou
canções .
uma tentativa de fuga:
Fui embora dizendo adeus,


nesse adeus ficou enredado um querer;
A função do musicoterapeuta não 'será a de interpretar esse
agitando lenços fui embora .
material, função do psicoterapeuta, mas a de entabular uma com-
preensão, um diálogo e uma atuação musical da transferência.
As musicoterapeutas R. L. de Weisse, S. Gallo eM. Ricioppo Voltei e te encontrei
realizaram um trabalho sobre as cancões como linguagem, onde toda minha voz lhe deu a copia ao cantar,
observaram que, ante a repetição de determinadas circunstâncias agitando lenços voltei
vividas pelo paciente, tais como visitas familiares ou intentos de fu- sentindo também meu peito agitar.
ga de um estabelecimento de internação psiquiátrica, aparece a
mesma canção ou outra de conteúdo similar nas sessões individuais Este mesmo paciente costuma cantar o samba De minha mãe
de Musicoterapia. Por exemplo, um paciente expressa um de seus nos momentos mais difíceis de abandono ou crises:
conflitos, detectado na história clínica, cantando O Preso n'? 9, do Voltarei, voltarei
qual transcrevo um trecho: Onde está minha mãe esperando-me
de novo em seus braços voltar a ser menino
viver como só se vive uma vez,
porque antes de amanhecer
a vida lhe hão de tirar, Nas sessões de grupo, o material se incorpora e sofre modifi-
porque matou sua mulher cações à medida que se produz a adaptação dos pacientes. Por
e a um amigo desleal ...
78 R. O. BENENZON MANUAL OE MUSICO TERAPIA 79

exemplo, o Samba da Candelária, que passa a ser como um slmbo- e meu samba cantava na tarde:
lo do grupo e é solicitado pelos pacientes em momentos em que mirá-Ia em silêncio
têm sentimentos de solidão e abandono ou que pedem apoio ao deixá-Ia partir
grupo, sobretudo depois de alguma ameaça de fuga ou diante da
aparição de uma slndrome diskinética devido ã medicação. A for-
mação do grupo, como situação nova, traz também canções novas. A presença das outras musicoterapeutas faz com que a elabo-
Um paciente sente-se exigido e canta o Samba do Gaúcho ração não seja tão dificultada e, a seu regresso, o samba Junto ao
Guerreiro, como expressão de sua rebeldia: fogão expressa a alegria de encontrar-se novamente no grupo com-
Em tempos em que a Pátri3 pleto:
necessitáva valentes Eu não sei que terão
o gaúcho Martin se pôs a lutar estas noites junto ao fogão
misturado com sua gente. um latir, um cantar
Ao acalmar-se, durante a mesma sessão, aparece o samba Vem retumba em meu coração.
clareando cantado por outro paciente. Ao cair a oração
Quando a coordenadora do grupo anuncia suas próximas fé- quando o sol já começa a entrar
rias, aparece a seguinte seqüência: o bolero Acorrentado. eu me vou à fogueira
com minha garota a tomar chimarrão.
Talvez seria melhor que não voltasse
Talvez seria melhor que me esquecesses Em outros momentos, a elaboração não é tão simples: as fé-
rias de um dos egos auxiliares determina que um paciente se negue
a assistir ã sessão, e o grupo sofre o processo de:
Minha sorte necessitava de tua sorte
e eu necessito muito mais 1) Identificação com o ausente, cantando espontaneamente
Que queres tu de mim uma canção que aquele costumava escolher com fre-
por que voltaste aqui qüência.
se estando junto a mim 2) Agressão ao terapeuta, quando este regressa: aparece no-
eu sinto que mais só estou. vamente o Samba do Gaúcho Guerreiro.
3) Reparação através do poema O remate, de Y. Rodríguez,
Ambos antecipam sofrimento ante o abandono, e demons- que um dos pacientes dedica ao terapeuta. O poema tra-
tram um dos graves inconvenientes que traz a prática indiscrimina- ta da venda de todos os pertences de um gaúcho velho,
da nas instituições psiquiátricas, onde muitos médicos, psicólogos que fica seminu e só, até que se aproxima o gaúcho jovem
e paramédicos começam uma investigação ou um processo de prá- que comprou tudo e lhe devolve.'
tica e o interrompem por uma infinidade de motivos, ficando o pa-
•A referência ã pergunta 3 da ficha permite-nos conhecer o
ciente "acorrentado" a esse processo e sem solução.
Depois, ao ir-se a musicoterópeuta, aparece o samba A deixei acervo cultural dos pais, como também os sons gratificantes ou
partir: de desprazer que tenham ficado como efeitos traumáticos.
Os dados recolhidos da pergunta 4 da ficha, que chamaríamos
A senti chorar a gravidez sonoro-musical, nos coloca na pista de elementos muito
não a consolei profundos referidos ã regressão do paciente.
a deixei andar
tão longe de mim; (1) Todos essesexemplos foram tomados das experiências realizadas pelas musicote-
rapeutas acima mencionadas, no Hospital Neuropsiquiátrico A. Borda, de Buenos Aires,
Argentina.
80 R. o. BENENZON MANUAL OE MUSICOTERAPIA 81

No. tema sobre.a psico.lo.gia do. so.m fico.u demo.nstrada a im- Isto. tem impo.rtância nas gerações anterio.res â no.ssa, aquelas
po.rtância de to.do.s estes elemento.s que co.nfigurarão. o. ISO do. pa- ande a educação. musical não. tinha as méto.do.s mo.derno.s que per-
r:iente. mitissem um verdadeiro. acerca menta feliz do. aluno.; par co.nse-
A pergunta 5 da ficha refere-se ao. que chamaríamo.s a lacta- guinte, o. estudo. da música resultava muitas vezes fastidio.so. e exi-
ção. sanara-musical, isto. é, ao. tipo. de co.municação. que a mãe em- gente, enco.ntrando.-se co.m freqüência recusas a instrumentas o.u
prego.u para co.m a criança, enquanto. lhe dava o. peito., o.u a emba- ao. estudo. mesmo. do. fenômeno. musical, devido. simplesmente a
lava, o.u a fazia do.rmir. um ensino. rígido. e árido.. Também é útil averiguar as fenômeno.s
É evidente a diferença po.sterio.r do. paciente que fo.i embala- que se pro.duzem co.m determinadas sons o.u partituras musicais
do. ao. so.m de canções de ninar o.u aquele que fo.i abando.nado. ao. ande o. paciente rêvive inco.nscientemente as co.nflito.s do. binômio.
silêncio. o.u ao. ruído. indiscriminado. do. mundo. externo.. mãe/filho..
Par isso. creio. cada vez mais na eficácia de estruturar um nasci- É indubitável que a to.mada da ficha não. deve ser rígida, nem
mento., e primeiras dias de vida, que mantenha o. ambiente intra- seguir uma ardem esquemática, sendo. útil adaptá-Ia ao. paciente in-
uterino. sono.ro. co.nstituído. par um pseudo.-silêncio. aco.mpanhado. clusive mo.dificando. a fo.rma das perguntas para co.nsegu ir dadas
pelo. bater do. co.ração., as murmúrio.s da vo.z da mãe, o. grunhir das que co.stumam ser difíceis de reco.rdar para ele próprio.. Há certas
paredes uterinas, e, gradualmente, ir transfo.rmando. esse mundo. casas em que é necessário. dedicar duas o.u mais sessões para a to.-
sanara. Par isso., co.laca r a criança perto. do. peito. esquerdo. da mãe mada.
sentir a Vo.zpausada e suave da mãe deveriam ser as únicas elemen:
tas sanaras do. primeiro dia de vida. b) Testificaçãa da enquadre nãa-verbal
Muitas são. as exemplo.s que demo.nstram a busca inconscien-
te das sons musicais que aco.mpanharam a lactação.. Um co.lega de- A testificação. do. enquadre não.-verbal não. é propriamente um
clarou que seu pai ao. lhe dar ó mamadeira asso.biava a valsa de teste, mas uma prolo.ngação. da ficha musicaterapêutica, já que po.-
Copélia, e desde que tinha 5 ano.s em diante busco.u co.m afã reen- demo.s o.bter mais e no.vo.sdadas sobre as po.ssibilidades de co.muni-
co.ntrar-se co.m essa melo.dia que não. po.dia identificar. cação. não.-verbal do. paciente; po.demo.s o.bservar suas inibições,
Seu constante e co.mpulsivo. escutar música no. rádio. nas dis- seus blo.queio.s, suas dispersões, seus estereótipo.s, seus impulso.s,
cas, significava a busca dessa melo.dia. ' seus desejas, através de uma au o.utra manifestação. sanara-musical
Outro. exemplo.: o. paciente que durante ano.s busco.u a melo.- o.u através da esco.lha de um o.u o.utro instrumento., cama também
ciia de uma canção. de ninar de sua mãe sem po.der jamais enco.ntrá- o. vínculo. que se estabelece co.m o. musico.terapeuta.
la. Ao. so.frer uma intervenção. neuro.cirúrgica no. lóbulo. tempo.ral Em geral, aco.nselho. que seja o. mesma musicaterapeuta a que
o. cirurgião., ao. estimular certas regiões, proVo.Co.ua reco.rdação. d~ to.me a ficha e a testificação., já que ao. tamar a primeira estabelece-
seus ano.s de infância, e principalmente a cena em que sua mãe lhe rá um rappo.rt que po.ssibilitará uma rica testificação. musical.
cantava a canção. de ninar. O cirurgião. pediu que a cantasse e a gra- O lugar da tamada da testificação. será a sala de Musicotera-
varam; tempo.~ depo.is, recuperado. de sua intervenção., fez-lhe es- pia, que já descrevi.
c~tar a gravaçao. perguntando. se a reco.nhecia. Ao. escutá-Ia, o. pa- O instrumental para a testificação. deve ser: se ho.uver um pia-
ciente lacnmeJo.u e reco.nheceu par fim a canção. de ninar tão. no. na sala, este deve estar cam a teclado. aberta e sua caixa desco.-

I
buscada. berta, pais nas interessa a instrumento. cama um to.do., no. qual
.O~t~o. asp?eto. impo.rtante da ficha é o. interro.gatório. acerca qualquer tipo. de som servirá aas fins da camunicação.. Um vio.lãa
da h,sto.na mUSicai pro.pnamente dita, cama, par exemplo., a histó- apo.iado., um bambo., um timbale, o.u tambo.ril co.m duas baquetas,
na da aprendizagem de um mstrumento. o.u reações ao.s primeiros um bo.ngô o.u "tumbado.ra" e um go.ngo.o.u pratinho..

l
cantatas co.m a música.

82 R.O.8ENENZON MANUAL DE MUSICOTE RAPIA 83

Sobre a mesa serão colocados instrumentos musicais de per- Desde esse momento, deixar-se-á livre o paciente e observa-se
cussão como o toc-toc, claves, chinchines, triângulo, caixinha chi- todas as suas manifestações. as instrumentos que pega, a forma
nesa, guisos, pandeiro, pandeirinhos, castanholas, maracas, reco- como o faz, se emite sonoridade, os ritmos ou melodia que inter-
reco etc, ou seja, dependendo das possibilidades da instituição preta, seus gestos, as associações, as canções, as sensações contra-
ou do musicoterapeuta e, inclusive, do folclore do pa(s em que se transferenciais que desperta etc.
tome a testificação. Um ou dois instrumentos melódicos, que po- Isto pode durar uns vinte minutos, dependendo do material
dem ser uma flauta doce,.um metalofone ou xilofone ou sistro. a que o paciente possa oferecer e do estado de ansiedade que desper-
importante na prática, é que o musicoterapeuta deve conservar sem- ta a testificação.
pre os mesmos instrumentos elegidos desde o princ(pio e conser- A partir desse momento, se dá a segunda instrução. Nela ad-
var também a mesma ordem em que os colocou desde a primeira verte-se o paciente que vai escutar uma série de exemplos sonoros
testificação que praticou: emitidos pelo gravador e que ele poderá seguir atuando como tem
A importância prática disso é que o musicoterapeuta poderá feito até agora e que o musicoterapeuta seguirá sua postura de ob-
ter claramente um padrão de observação para todas as testifica- servação. Liga-se o gravador e passam-se os exemplos musicais. En-
ções, já que, por exemplo, lhe será fácil recordar a ordem em que tre um exemplo e outro haverá um espaço de silêncio de cinco mi-
colocou tal ou qual instrumento; portanto, para descrever uma nutos. Durante esta segunda parte, volta-se a observar as formas de
testificação de um paciente, que começou tomando o instrumen- reação ante os distintos esHmulos, as associações verbais e não-
to da esquerda e acima da mesa, o musicoterapeuta que sempre verbais, os instrumentos que utiliza para imitar ou os movimentos
colocou o toc-toe à esquerda e acima da mesa, recordará com fa- corporais que manifeste etc.
cilidade que o primeiro instrumento que seu paciente tentou tocar Nesta testificação deve-se evitar o diálogo, e se o paciente in-
foi o toc-toc. siste, por exemplo, através de perguntas, deve-se responder repeti r.-
Deve-se dispor de um gravador, onde estarão gravados quatro do a instrução que se deu. Excepcionalmente, pode-se intervir com
exemplos, cuja duração oscilará entre dois a três minutos. a pri- algum esclarecimento ou estimulação, sempre e quando o musico-
meiro exemplo: escolher-se-á um ritmo muito primitivo, tipo biná- terapeuta esteja muito seguro, o que bastará para que o paciente
rio, batimento cardíaco, de pulsação ou de alguma tribo, como os possa se expressa r.
pigmeus etc. a segundo exemplo: escolher-se-á um fragmento me- Insisto na passividade do musicoterapeuta (única vez que terá
lódico, onde o ritmo quase não se encontre, uma melodia quase esta atitude) já que é uma situação de teste e qualquer intervenção
aleatória, ou produzida pelo próprio musicoterapeuta com a flauta ativa desviará a possibilidade de uma clara compreensão das formas
doce. de comunicação não-verbal do paciente, ou das possibilidades que
a terceiro exemplo será um fragmento harmônico, e o quarto o mesmo busca para canalizar estados de ansiedade, e a escolha
exemplo um fragmento de música eletrônica. mais certa do objeto intermediário que lhe servirá para essa cana-
A instrução que se dá ao paciente é a seguinte: ao ingressar na lização.
sala, já se encontram os instrumentos colocados, de maneira que Desta maneira podemos observar as mais variadas formas de
nesse instante há uma estimulaçdo espec(fica; o musicoterapeuta reação que nos guiarão até a hipótese do ISa do paciente e das
lhe explicará: - Vamos estar juntos num espaço de uma hora; o possibilidades de descobrir os objetos intermediários a utilizar.
que desejaria é observar suas possibilidades de comunicação atra- a paciente com estrutura esquizofrênica se acercará da mesa
vés do som, da música ou dos instrumentos, sem necessidade de e ficará paralisado com uma total inibição dos movimentos, com
falar (enquanto se dizem estas palavras com um gesto mostra-se uma clássica atitude catatônica, transformando-se, talvez, ao escu-
os instrumentos); (e continua-se) eu estarei observando, para de- tar algum exemplo sonoro que o impacte; o paciente maníaco mos-
pois estudar o ocorrido e poder começar o tratamento a partir da trará uma atitude dispersiva, pegando um instrumento e depOIS
próxima sessão. Isto é só um modelo. uutro, e depois outro, pegando edeixando insistentemente! e o p~-
ciente obsessivo, que pegará um só instrumento e começara a toca-
84 R.O.BENENZON
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 85

lo e a buscar mil formas distintas de usá-lo; ou aquele que preten- Esta etapa se circunscreve no momento em que o musicotera-
derá entrar em diálogo verbal perguntando como se usa tal instru- peuta descobre ou elabora uma hipótese do ISO complementário
mento ou como se chama este outro etc. do paciente.
Nesta etapa, o musicoterapeuta percebe a identidade sonora
tI A sessão de Musicoterapia circunstancial que o paciente traz e consegue integrá-Ia ao ISO ges-
tá Itico dele.
As sessões de Musicoterapia constituem a parte ativa e tera- Desta percepção elaborará intuitivamente, favorecido pela sua
pêutica do tratamento. Ê aqui 'Onde o musicoterapeuta colocará formação e sua experiência, a melhor estratégia para abrir um canal
em prática toda sua capacidade de elaboração dos pensamentos de comunicação nesse sentido. É aqui onde sensivelmente se põe
não-verbais, suas estratégias para a abertura de canais de comuni- em jogo o próprio ISO do musicoterapeuta, pois é fora de dúvida
cação, sua compreensão dos níveis regressivos de seu paciente, a que a elaboração surgirá do impacto e dissociação das mensagens
execução de múltiplas formas de expressões sonoro-musicais e de não-verbais do paciente para o musicoterapeuta. Em outras pala-
movimento que sirvam de estímulo. de respostas, de ecos, de resso- vras, que o musicoterapeuta receberá e será impactado em seu
nância, de vibrações, sua capacidade de captação do ISO do pacien- próprio ISO, como ocorre com todo ser humano, porém do pró-
te, e a habilidade do uso dos objetos intermediários e objetos inte- prio conhecimento de seu ISO partirá objetivamente uma resposta
gradores. que estará dirigida ao ISO de seu paciente, de tal maneira que essa
Uma sessão de Musicoterapia contém implícita a passagem resposta tenha como objetivo o ISO de seu paciente. É compreen-
por três etapas, nem sempre especificamente regulares. . sível que, igualmente, essa resposta terá impregnadas característi-
Uma primeira etapa que chamo de aquecimento e catarse. cas do musicoterapeuta, já que em toda terapia onde existe um pro-
O termo aquecimento não difere muito do utilizado em técni- cesso de tempo não se pode suprimir a própria figura do terapeuta
cas psicodramáticas, onde é definido como o "conjunto de proce- que é parte integrante e sine qua non da técnica que utiliza.
dimentos que intervêm na preparação de um organismo para que
Na Figura 10 tratei de esquematizar dentro dum contexto di-


~ se encontre em ótimas condições para ação".
Em Musicoterapia existe, conjuntamente nesta primeira fase
de qualquer sessão, uma descarga tensional simultânea ao aqueci-
mento, a qual chamei de.catarse.
nâmico do psiquismo humano a diferença entre o que sucede entre
dois pacientes e o que sucede entre musicoterapeuta e o paciente.
No paciente, as energias que surgem do ISO gestáltico, que es-
tariam no inconsciente do paciente, que se mesclariam com as do
Esta catarse se vê altamente favorecida pela presença do ins- ISO complementário, que estariam no pré-consciente, emergem
trumento que permite a canalização de energias física e psíquica consciente e diretamente para o exterior e são recebidas em forma
contidas. de mensagem pelo outro paciente. Esta energia penetra e corre di-
Poderia dizer que das minhas observações clínicas posso de- retamente a impactar o ISO complementário e o ISO gestáltico (Fi-
duzir que, se não há possibilidade de catarse, é muito difícil que gura 10), onde quase imediatamente surge a resposta direta para o
exista o aquecimento. exterior com uma direção variável, ou ao outro paciente, ou ao gru-
Portanto, nesta primeira etapa da sessão, o musicoterapeuta po, ou simplesmente como descarga livre. .
tem que colocar algum instrumento útil para a descarga, tem que Na situação terapêutica ocorre o seguinte: no paCiente, as
criar alguns ritmos para favorecer o aquecimento e inclusive em energias surgem da mesma maneira já mencionada, porém, ao che-
algumas oportunidades tem que dar instruções verbais. gar no musicoterapeuta, ingressam diretamente, i.m~actam o ISO
Imperceptivelmente, â medir', que acontece o aquecimento, complementário, o ISO gestáltico, se produz a emlssao da resposta
no musicoterap9uta se produz quase que espontaneamente a segun- energética, porém ao chegar ao consciente re~labora-se a mensa-
da fase ou etapa da sessão a que chamei de percepção e úbservação gem em função da discriminação entre o próprio ISO reconh.=cldo
do enquadre não-verbal. e o do paciente. Esta discriminação se pode fazer em funçao de
.'----------
86 R. o. BENENZON MANUAL DE MUSICOTERAPIA 87

JIf Grupo que unicamente no contexto não-verbal o processo repetitivo das


/'
mensagens permite o reconhecimento uma e outra vez da mensa-
.
, (_
/'
-+ __ PaCiente gem.
/ .... Isto é muito diflcil de realizar em um contexto verbal onde o
.... simbolismo abstrato da palavra em geral se dá uma só vez e, por-
/ ' •••. tanto, ao reelaborar a resposta para o paciente, não se pode voltar
":4. Livre
a constatar a diferença de impacto inconsciente próprio. É justa-
mente o repetitivo da mensagem não-verbal o que facilita a abertu-
ra de canais de comunicação em Musicoterapia. Esta resposta reela-
borada do musicoterapeuta tem um objetivo direto, que é impac-
tar ou o ISO complementário ou o ISO gestáltico do paciente, de
onde surgirá, com clareza, um diálogo entre ambos que esclarece
o paciente e reconstrói sua dinâmica interna.
ISO A segunda resposta será distinta, e lentamente irá se enrique-
Gestáltico ISO Gestáltico cendo de acordo com o objetivo seguido na terapia.
É por isso que chamo a terceira etapa da sessão, diálogo sono-
Paciente Paciente
" ro. Aqui já está estabelecido o canal de comunicação, e, portanto,
constitui o c1imax da sessão. Estamos em pleno efeito terapéutico
onde está-se dando a reelaboração de pautas dinâmicas do psiquis-
mo do paciente, de sua inter-relação e, por outro lado, de sensa-
ções ~ratificantes.
r-----.--- ....
-- E o momento em que se consegue vivenciar atitudes incons-
/ \ cientes que trazem uma riqueza de conhecimento do paciente.
No transcurso de um tratamento, esta etapa do diálogo sono.
ro pode-se dar quase no começo da sessão, e pode ocorrer, sobre-
tudo, quando o musicoterapeuta tem um conhecimento muito cla-
reelaboração da mensayem ro do ISO de seu paciente.
Outras vezes, pode ocorrer que não se dê o diálogo sonoro.
Uma sensação de insatisfação por parte do musicoterapeuta é uma
clara mostra de que uma sessão terminou sem o diálogo sonoro,
em contraposição com a sensação gratificante e plena da sessão
que cumpriu as três etapas antes referidas. Uma sessão em que se
alcança o diálogo sonoro é fácil de finalizar; em troca, quando não
se produz, fica muito complicado ao musicoterapeuta dar término
à sessão.
ISO Gestáltico ISO Gestáltico
d) Sessãó de grupo em Musicoterapia
Musicoterapeuta Paciente
Nas sessões de Musicoterapia de grupo requerem-se alguns as-
Figura 10
pectos técnic,os que, à observação c1inica, demonstraram ser posi-
tivos.
._---------
88 R. O. BENENZON MANUAL DE MUSICOTERAPIA 8~

Por exemplo, creio que um grupo de Musicoterapia não deve dos 1505 individuais. Remeto o leitor ao tema sobre o princípio de
ser integrado por mais de seis pacientes, que é um número ideal. ISO, onde fiz referência ao ISO cultural e grupal. O grupo musico-
Isto se deve ao fato de que trabalhar num contexto não-verbal, em terapêutico alternará sucessivamente uma série de processos Hpi-
grupo, requer um esforço muito grande; e à medida que aumenta o cos de qualquer grupo. Por exemplo, a ansiedade persecutória se
número de participantes, aumentam as exigências energéticas, a faz evidente nas sessões de começo de tratamento, evidenciada pe-
busca de objetos intermediários, a duplicação de objetos integra- la utilização, por parte dos pacientes, de atitudes fortemente autis-
dores etc. tas, idealização ou desconfiança com respeito ao terapeuta e à tare-
Creio que, em grupo, é necessário a presença de um co-tera- fa; e, ainda, dificuldades para a participação e integração. O privilé-
peuta. Este co-terapeuta pode ser outro musicoterapeuta ou outro gio da técnica musicoterapêutica é poder observar com maior rapi-
para médico, seja um psicólogo ou um assistente social, ou outro dez estes tipos de processos e manejá-los com uma melhor dinâmi-
integrante da equipe de saúde. ca dentro do contexto não-verbal.
A função deste co-terapeuta será a de um observador ativo, Por outro lado, o prazer da expressão sonora e corporal e os
Isto é, estará integrado no grupo e participará das instruções do canais de comunicações que se abrem são vividos com intensa gra-
musicoterapeuta, porém será como um ego auxiliar, ativando ou tificação por parte do terapeuta e do grupo.
desativando os pacientes que o requeiram em função da integração Algumas vezes a incorporação de um integrante novo mostra
final do grupo, o grupo fortemente competitivo e, portanto, integrado e musical-
A escolha dos pacientes de um grupo de Musicoterapia depen- mente "técnico", Os ciúmes pela comunicação com o musicote-
derá da instituição e dos objetivos terapêuticos que esta persiga. ~ rapeuta, ou pela comunicação que mostram pares de pacientes en-
recomendável que, na escolha de pacientes, não se leve em conta tre si, dão lugar, em geral, a tendências autistas ou à aparição de
aqueles que saibam música, erro freqüente em que caem alguns atividades de sabotagem de algum ou vários membros, como, por
profissionais, pois acreditam que o fato do conhecimento de algum exemplo, tocar mais forte para encobrir o outro, bocejar acintosa-
instrumento musical, por parte do paciente, favorecerá a integra- mente, ficar automaticamente com um ritmo e percussão próprios
ção do mesmo ao grupo. Em geral, neste aspecto, é preferível que sem escutar o outro etc. A inveja é um dos motores da competição
os pacientes não tenham conhecimentos profundos de algum ins- entre os membros, dando lugar a atitudes francamente idea Iizado-
trumento. Basicamente se trata de que o grupo seja fechado para ras do terapeuta ou de retraimento silencioso do mesmo. A lide-
poder manejar-se com clareza no contexto não-verbal; porém isto, rança formal é a do terapeuta; com freqüência coincide com a ou-
em última instância, dependerá do tipo da instituição. O objetivo é torgada p~lo grupo, ainda que expressada no submetimento do
promover a integração dos pacientes no grupo e destes, por sua mesmo. Em momentos de sabotagem, quando o grupo se sente as-
vez, no interjogo deste processo, à comunidade. Para isto o musi- sustado, por exemplo, ante alguma técnica expressiva nova, se pro-
coterapeuta terá que captar o ISO grupal e o objeto integrador. Na duzem reações maníacas, visivelmente encabeça das por algum pa-
minha experiência clínica de controles, tenho podido observar que ciente, que se propagam em cadeia à quase totalidade do grupo.
esta tarefa é mais fácil quando o musicoterapeuta trabalha de en- A onipotência se dá como variável permanente, sobretudo nas
trada com um grupo desconhecido do ponto de vista musicotera- sessões de começo, em algum ou em alguns dos membros que que-
pêutico. Isto é, que seus pacientes individuais não farão parte do rem fazê-lo "mais difícil", "intelectualizado" e "criativo". Ao con-
grupo que ele coordene. trário, outros afirmam não poder fazer nem o mais simples, e se
Muitas vezes o trabalhar num grupo formado por pacientes desvalorizam. Esta é uma variável rapidamente superável pela Musi-
que tenham tido ou têm tratamento musicoterapêutico com o coterapia, já que no terreno do som é prontamente contrastada
mesmo terapeuta o dificulta na possibilidade de abstrair-se dos com a realidade. Sua firme superação conduz a uma forte tendên-
1505 gestálticos individuais dos pacientes que ele conhece, e intuir cia à integração grupal. ~ assim que em não muitas sessões de gru-
com liberdade o ISO grupal, que de nenhuma maneira é a soma po de Musicoterapia, o grupo mostra uma diminuição em sua oni-
a _

90 R. O. BENEN70N

potência/impotência, sobre a base de confrontações com a realida-


de sonora e social das sessões. Um começo de ínsíght' acerca do
persecutório e confusional com uma maior tolerância â sua emer-
gência. Também um começo de ínsíght com respeito aos ciúmes e
à eumpetição e em alguns momentos a experiência de sua supera- CAP(TUL08
ção mediante a vivência gratificante de poder comunicar-se entre
si, e compartilhar essa gratificação; estado este que se obtém quan-
do o musicoterapeuta consegue a etapa do diálogo sonoro.

ASPECTOS TÉCNICOS

o musicoterapeuta irá se formando ao longo dos anos, e será


sua própria experiência e sua própria capacidade que farão dele um
profissional com êxito terapêutico. Não obstante, ao longo de mi-
nhas experiências controlando e supervisionando casos de pacien-
tes tratados com Musicoterapia, tenho podido discriminar aspectos
técnicos, necessários a levar em conta para melhorar e prevenir si-
tuações negativas. Entende-se que todas essas técnicas estão sujei-
tas à adaptação, segundo o caso e a dinâmica do mesmo.
Muitos destes aspectos técnicos são também recomendáveis
,. para outras especialidades, onde o movimento e a comunicação
não-verbal são inerentes à especifica atividade terapêutica. Por
exemplo, a vestimenta a utilizar deve ser cômoda, que permita e
facilite qualquer tipo de movimentos extremos, tais como, rodar
pelo chão, saltar, arrastar-se etc. O calçado deve permitir o fácil
descalçamento, para os momentos em que se deve trabalhar des-
calços a fim de perceber as vibrações.
Há momentos muito senslveis nas sessões de Musicoterapia,
sejam grupais ou individuais, em que se necessita experimentar dis-
tintas técnicas para encontrar a indicada e adequada ao momento
do processo não-verbal em que se está vivendo, como também para
estabelecer o mútuo equilíbrio entre o ISO do paciente e o do mu-
sicoterapeuta.
Muitas destas técnicas as tenho descrito no tema sobre instru-
mentos, seja como forma de utilizá-los ou combiná-los.
É dado observar que a utilização de um só instrumento de
grande tamanho, como os de percussão, timbales, bongôs, "tum-
:., Termo utilizado em psicanálise par<l referir.se ao que ocorre em um paciente. ~'_ "",:1_::".,= =::: -,.:<-,:.:.: :'_ ) .~:;:-I:?::I=- 21=- .•~:T::=.:
quanoo torna consciente o inconsciente.
integração quando se consegue que seja percutia 0, ao mesmo ter;l-
, .----------
92 MANUAL DE MUSICDTERAPIA 93
R, D. BENENZDN

po, por musicoterapeuta e paciente ou pacientes. Ou seja, que um na palma do paciente. Este último tem a virtude de um contato
só instrumento, objeto intermediário, seja o nexo entre ambos ou, direto, porém limitado pela ação rítmica. Nos casos em que o con-
tato direto é temido, o palmeio pode ser uma boa forma de prin-
inclúsive, entre vários pacientes entre si, e, portanto, se converta
cípio. O palmeio, por sua vez, permite a descarga com movimento
em objeto integrador cEara algllns musicoterapeutas é diflcil acei-
e satisfação.
tar I em certas ocasiões, trabalhar com um SÓ jogtrIJlXlentº, que irre-
Muitas vezes um musicoterapeuta impacienta-se ou entra em
mediavelmente levará ao trabalho compartido. e. ademais, tem ou-
estados de ansiedade por não compreender o que está ocorrendo
tra vantagem: é a de eVitar a agressão desmedida entre musicote-
rapeuta e paciente. no contexto não-verbal.
E necessário que se entenda que o musicoterapeuta deve ter
co Darei um exemplo: em uma sessão começou-se um jogo com
uma infinita paciência, pois o comum é que o paciente, no proces-
dois pratinhos, um dos quais o peçou o musicoterapeuta e o outro
o paciente. Ambos começaram um jogo rítmico de movimentos
'sã nao-verbal, repiiãmuitas vezes uma mesma forma de expressão,
até ser entendida. As vezes, o paciente utiliza diversos instrumen-
pelo ar e de choque dos pratinhos, para sentir depois a vibração no
espaço. tos, ritmos, movimentos, até conseguir descobrir o canal de comu-
nicação com o terapeuta. Este fenômeno repetitivo é dinâmico e
No começo a experiência provocava muita satisfação, porém,
paulatinamente, os choques dos pratinhos se fizeram mais freqüen- inconsciente. Deve-se ter claro o conceito de que o processo não-
tes 3 mais intensos, perigando a retenção por parte do musicote- verbal tem um tempo distinto da verbal, é autra tempo., por assim
rapeuta que teve que pôr fim ao processo, de forma brusca, para dizer, parém, não abstante, está inserta ou sobreposto cam o tem-
voltar a reconstruir o conteúdo terapêutico. Isto se pode evitar se po consciente. Este processo não-verbal não. se pade camparar â
se ta ma um só prato de grande tamanho e, cada um, musicotera- atemporalidade do inconsciente nem ao tempo do pré-consciente;
peuta e paciente, cam uma baqueta percutem a mesmo prato. In- é um tempo próprio, muito definido e limitado ao tempo do musi-
caterapeuta.
clusive se pode estimular para intensificar ao máximo a descarga
agressiva que poderia esta contida. As vezes, ocorre a ruptura de um instrumento em plena ses.
são. de Musicoterapia. Esta ruptura, em geral, não se deve a uma
Por outro lado, observa-se que a vibração da pratinho tem um
efeito de recarga, possivelmente provocada pela vibração intensa descarga intempestiva de agressão de um paciente, mas ao mal em-
produzida pela percussão., o que forma um feed back difícil de in- prega ou â má dispasição em que um musicoterapeuta coloca o
terromper, se não é em forma brusca. instrumento. Darei um exemplo: numa sessão o musicoterapeuta
colocou um tambaril, parém, em vez de deixar perta do instru-
O trabalhar sem instrumentos pade produzir, no princípio, mento as baquetas de felpa que lhe correspondem, deixou outras
certa mantante de ansiedade, sobretudo. par não ter um objeta in- de madeira, que carrespondiam ao. instrumento. sistra. Por conse-
termediário disponível para a descarga imediata. Porém, não esque- guinte, quando o paciente começou a percutir com grande_vialê~-
çamas que tado nosso carpo é um múltiplo instrumento sonaro cia o cauro do tambaril rampeu-se. Este tipo de ruptura naa teria
I, capaz de converter-se em um membranafone au em um aerófono
ou em um idiófano com total facilidade. Por exemplo, não há dú-
ac~rrido se as baquetas fassem as corretas, ou seja, as de felpa, as
quais permitem golpes fartes, descarga agressiva, sem perigo de

I vida de que o palmeio realizado com as duas mãos é um magnífica


idiófono, talvez o mais primitivo lie todos, que é utilizado clara-
I mente ainda pelas monos como expressão de afetividade.
O palmeio com as mãos, mesmo sendo parte do nosso corpo,
destruição.
Quando se trabalha em grupo, é importante. a escolha de ms-
trumentos nas primeiras sessões. É aconselhável nã'o colocar um
número maior de instrumentos que as mtegrantes. MUitas mstru-
.

está a distância da totalidade e pode converter-se em objeto in- Q:lentos,au mesmo um mal'Ol"-nóm",_'.Q..'Jg:Pe~soas, dificultam a in-
termediário ideal. tegração e oprigam_ª-YJ:u~ção comr>etitlva Imediata, além da
O palmeio pode ser compartido, a distância, em forma de eco disPersão !1ld~R[Qv,ºc-ª...~.£.stimulação
de várias instrul1)WQâ.
rítmico, imitação, pergunta e resposta, e também pode percutir-se '----
~U-' -- __
----------------.1
94 R. o. BENENZON MANUAL DE MUSICOTERAPIA 95

Tam ouco convém, nos começos das sessões ais colocar provisação, será mais fácil sair de um transe como O re.latado.
iDstrumentQ.S.LUJI.LÓ.Ql!;QS
un o com os de percussão. Os instrumen- Quanrlo um paciente "perde o ritmo", isso constitui um slotoma
,!Q.UIl,gjÓdicQ~Rroduze~lementos Iscor antes dentro da unida- ~amento.
de rítmiça oue..u.gO!p_o_pp_~ome_ÇQ,l'0dêflxar. Entre outras coisas, isto pode ser devido a uma interpretação
Outro aspeto a levar em conta é quando uma instituição com- do pensamento não-verbal ou por algum fenômeno dinâmico que
.pra um instrumento para a sala de Musicoterapia, sobretudo se este provoca sua evasão, produzindo um ritmo que prontamente con-
é de grande tamanho, como seria um "tam-tam" ou uma "tumba- verte-se numa estereotipia.
dora", ou um órgão eletrônico. Recomenda-se que ingresse na ins- Neste caso é aconselhável duas atitudes técnicas:
tituição em horas que os pacientes não o vejam. Isto dará liberdade a) introd~;zir-se no mesmo ritmo do paciente, seguindo-o e
ao musicoterapeuta de apresentar o instrumento ao paciente e na observando para onde se dirige, até descobrir a caracterís-
sessão que julgar oportuna, segundo o caso. Do contrário, se os pa- tica essencial desse ritmo, que nesse paciente poderíamos
cientes virem entrar o instrumento, este fato desviará o trabalh0 e chamar seu "ritmo patológico".
o simbolismo do mesmo. Em troca, se é um instrumento que a ins- b) Afastar-se ritmicamente chegando a encontrar o pólo opos-
tituição adquire para ser utilizado em festividades de acontecimen- to de_seu ritmo e inclusive afastar-se fisicamente com o ins-
tos gerais onde participam todos os pacientes, então sim, é interes- tr.:;"merít~, a..fim de fazê-lo visualizar e perceber a próprill
sante que o instrumento ingresse à vista de todos, e fique no recin- sensação de isolamento e abandono.
to usual de festa.
A~nselha-se que as ordens ou instruções dadas durante as
, Dizia no tema de instrumentos, gue Q Órgão, e piano o hª-!~ sessões de Musicoterapia sejam transmitidas através de um sistema
mônio, nac são instrumentos aconselhá'veis para uma sala de Musi- não-verbal ou seja exercitada a ordem. O paciente pode responder
otera ia sobretudo no come do tratamento, pois que são com- favoravelmente e em seguida dirigir-se para um instrumento, po-
plicados, pouco manejáveis corporalmente esta icos e além disso, rém no <:aso de pacientes que ficam imóveis (característica para a
necessitam um cuidado esp-ecial_dada sua estrutura delicada e qual O musicoterapeuta estará prevenido, pois este fato já se terá
custosa. Este tipO de instrumento harmônico, leva a situações ver .. observado durante a testificação) o musicoterapeuta elegerá um
bajs Ouando o musicoterapeuta deve lançar mão a interpretações instrumento ou induzirá, mediante sua própria atitude ou alguns
verbais, é que perdeu, nesse momento, o canal de comunicação gestos, a possibilidade de um diálogo sonoro. .
com seu paciente e apóia-se no nível verbal, que nem sempre o tira O musicoterapeuta terá infinitas variantes, antes de verbalizar
do apuro. alguma outra instrução. É preferível recorrer ao canto ou a can-
Um caso freqüente: durante um diálogo sonoro em que pa- ções melódicas conhecidas pelo paciente. Darei um exemplo. A um
ciente e musicoterapeuta estão realizando um ritmo combinado e, eficiente r,HJsicoterapeuta, coube atender a um paciente internado
de súbito, o paciente "perde o ritmo" e entra numa estereotipia no hospital neuropsiquiátrico que há anos encontrava-se na cama,
rítmica, rígida e inamovível. Sobressai nesse momento a sensação em nítida posição fetal, com incontinência esfincteriana, ImpOSSI-
de tensão que produz no musicoterapeuta a perda de ritmo do pa- bilidade de alimentação por si mesmo (davam-lhe comida na boca),
ciente. Para o musicoterapeuta, que é um bom músico no sentido não havia nenhuma possibilidade de diálogo, nem de alguma indi-
interpretativo e imitativo, causa-lhe enfado os chamados maus mo- cação terapêutica. A musicoterapeuta não 'pôde tomar nem a ficha
mentos "pouco musicais" do paciente. Por isso, disse no tema das musicoterapêutica (fazia tempo que não era visitado por nenhum
características do musicoterapeuta que se devem banir os concei- familiar), nem testificação musical. Portanto, c'omeçou visitando
tos de musical ou musicalidade, ou afinados,.ou bom ou mau ou- o paciente todos os dias, ficando um tempo e ensaiando com gran-
vido etc., com que se costuma caracterizar um paciente. Devemos de paciência um distinto instrumento. Passaram-se três semanas,
falar de "linguagem" ou de "comunicação". A um musicoterapeu- ou seja, quase vinte sessões, quando numa delas a musicoterapeuta
ta com defeitos imitativos, porém com grande capacidade de im-
til _

96 R. Q BENENZON MANUAL DE MUSICOTER~PIA 97

trouxe uma flauta de êmbolo que ao soprar produzia uma espécie deseja fazer mover; por isso,'Hirsch utiliza o pipeau, a flauta doce
de assobio de chamada. Pela primeira vez, a musicoterapeuta ob. e o tambor. O certo é que quanto maior seja o número de instru-
servou uma mudança no olhar e um movimento de cabeça do pa- mentos que o musicoterapeuta saiba manejar, melhor será sua pre.
ciente em direção ao som. Continuou com esse instrumento produ- paração técnica para as sessões.
zindo pequeníssimas variações no som, foi-se acercando mais do Por último, é útil saber algumas considerações de estratégias
paciente e ao cabo de quatro sessões conseguiu surpreendentemen- diretivas e estratégias não-diretivas.
te que O paciente pegasse essa espécie de flauta na mão. Depois de Há certo tipo de Ilacientes ou grupos de [lacientes, como o.s
um tempo, o próprio paciente soprou e extraiu um leve som e dali, adolescentes, gue necessitam de instruções diretivas. Isto significa
conseguido o primeiro canal de comunicação, o caminho foi mais q1e o musicoterapeuta vá guiando e apoiando o grupo OI! o pa-
fácil. éiente para atividades definidas [lara ob'etivos recisos. Embora se
Após um ano contínuo de tratamento ininterrupto, o pacien- sigam os mesmos undamentos metodológicos,_ ou seja, a busca do_
te se levanta da cama, caminha junto à musicoterapeuta e está in- princípio de ISO e do objeto intermediário, as propostas de traba-
tegrando-se lentamente à comunidade hospitalar. lho partem definitivamente do musicoterapeuta, e são controladas,
É evidente que neste caso contribuíram uma série de fatores: dirigidas, através da introdução de ritmos e movimentos que par-
a personalidade da musicotera euta, a ininterru~ta continuidade tem de um plano prévio. Se o enfocamos do ponto de vista dinâ-
a aproximação i . e o som que se descobre de súbito, que en- mico, d.iria gue o~clir:elivotel'1dea apoiar e fortalecer os elémelllUS'
êãixa exatamente no nível regressIvo o paclen e, produzindo o ,p.9siti\l,QJi~dll_U_llli!.e_S!rutllra
egoica. Em troca, o não-diretivo tende'
primeiro ca.o.tl!lo. Este caso demonstra que o trabalhO terapêuti- Í!. mobilizar e abrirnúcleãs latentes para depois reestruturá-Ios,
éÕ foi eficaz apesar de não haver existido instruções prévias nem
elementos verbais.
Com respeito à apresentação de novos instrumentos, aconse-
lha-se dosificá-Ios ao longo de todo o tratàmento de acordo com as
necessidades e, em geral, indo dos puramente rítmicos aos meló-
dicos. Deve-se esperar certos momentos ChaveS para introduzir um
no\!o instrumento (novo no sentido da sessão), Estes momentos
ppdem ser quando se produz uma [laralisação ou a necessidade de
r~tura de uma longa estereotipia ou a [lossibiljdade de desenvolvi-
ento e evolução para formas mais ricas e inteleetu . das da co-
,r:nunicação e, so retudo, quando se vai aproximando a finalização
do tratamento.
, O musiCõterapeuta tende a usar seU próprio instrumento,
com o qual se sente plenamente identificado e que será, portanto,
o preferido para seu trabalho; com ele se sentirá cômodo. Assim,
Juliette Alvin considera como instrumento ideal o ceio (Alvin é
uma famosa celista) por causa de seu tamanho, o que permite à
criança seguir o jogo de forma fácil, visual e auditivamente; além
disso, é muito indicado pela sua receptividade, •
Em troca, Teresa Hirsch considera que esse instrumento não
permite essa grande liberdade de movimento, que é indispensável
com as crianças deficientes. ou, pelo menos. com aqueles que se
\.---------

CAPITULO 9

FINALIZAÇÃO DE TRATAMENTOS

Creio ser útil considerar alguns aspectos com respeito à finali-


zação dos tratamentos em Musicoterapia.
No tema psicologia da música, mais de uma vez estabeleci que
o fazer música reedita a relação materno-infantil perdida. O trata-
mento em Musicoterapia não escapa a esta eventualidade e muitas
vezes é o que favorece ao processo terapêutico. É por isso que fina-
lizar um tratamento desta natureza torna-se um fato sensível. Ao
longo do processo, é inevitável que em certas circunstâncias se pro-
, duza uma espécie de simbiose que se assemelha ao binômio mãe/
filho. Esta última circunstância faz com que o paciente possa tra-
zer elementos, fatos, comentários e tipos de atitudes que jamais
revelou em outros tipos de terapias, nem mesmo na psicoterapia.
Este riquíssimo material é possível de ser aproveitado não só no
processo musicoterapêutico, mas também no processo psicotera-
pêutico que o paciente possa estar realizando ao mesmo tempo ou
o começará ao finalizar seu tratamento musicoterapêutico.
Não escapará ao leitor profissional que esta situação, se não é
manejada com critérios técnicos bem definidos, pode levara situa-
ções terapêuticas negativas, contraproducentes e, às vezes, seria-
mente comprometidas para a própria vida. Tenho observado inten-
tos de suicídio de pacientes que foram mal-abandonados por musi-
coterapeutas, seja porque tiraram férias intempestivamente ou te-
nham renunciado a uma instituição de forma abrupta.
Por este motivo aconselho alguns aspectos técnicos a se levar
em conta, uns meses antes da possível finalização de um tratamen-
to musicoterapêutico, que passou por uma evolução do regressivo
ao prospectivo.
~. ----------

100 R.O.BENENZON

CAPITULO 10
Três aspectos são fundamentais:
1) Intensificar a verbalização que deve ir aumentando à medi-
da que se aproximam as últimas sessões. Esta verbalização
pode ser feita em forma de comentários acerca do proces-
so terapêutico, das mudarças produzidas no paciente, das
sensaçõ~ vivenciadas e a expressão consciente das vivên-
o USO INADEQUADO DA MÚSICA,
cias atuais. Um exemplo de verbalização simples seria: você DA MUSICOTERAPIA E SUAS
recorda que no começo, quando tentávamos que você me
imitasse ná. percussão, em seguida isolava-se e parecia estar CONTRA-INDICAÇÕES
em outro m.undo~e não respondia nem às perguntas e nem
aos modelos? Veja, agora está atento, conectado, podemos
trocar perguntas e respostas durante longo tempo. Todo elemento científico, ao ser profanado pelo uso indiscri-
minado e sem conhecimento, traz implícito um efeito negativo
2) As instruções devem ser cada vez mais diretivas. Entre elas
que no sobrevir do tempo pode converter-se num verdadeiro peri-
deve-se estimular a incorporação de canções que levam a
go para a Saúde do ser humano. A música não está isenta de correr
mensagens de despedidas, duelos, tristeza etc. Entre nós
um risco similar. .
pode aparecer o tango Adias muchachos. Nossa civilização, que se caracteriza justamente pela massifi-
3) Como disse em outros temas, é muito útil nesta etapa do
cação dos meios de comunicação, começa a estruturar lentamentn
processo a incorporação de instrumentos mais estrutura-
uma das patologias mais graves, que é a incomunicação; e, parado-
dos, complicados e intelectuais como são o piano, o órgão
etc. Isto pode Inclusive ter posteriores derivações para uma xalmenta, a música contribui também para esta patologia.
educação musical propriamente dita. A finalização de um Por tudo que tenho relatado nos distintos temas, nlo cabe
tratamento em Musicoterapia não invalida a possibilidade dúvida da grande potência que possui o som e o fenômeno acústi-
de voltar a retomá-lo, seja como apoio ou como uma nova co, e, portanto, devemos ser muito cautelosos no uso dos mesmos.
. , Tenho falado, em um dos temas sobre psicologia do som, dos
indicação terapêutica. complexos não-verbais, dizendo que estes são os conjuntos de ele.
mentos sonoro-musicais, de movimentos e fenômenos acústicos
que produzem fenômenos regressivos. Estes fenômenos regressi-
vos, inerentes ao processo terapêutico, podem-se converter, pelo
uso inadequado ou exagerado, no elemento objetai propriamente
dito, e, portanto, não cumprir o papel de objeto intermediário.
Isto provocaria o enqu istamento e reforçamento do autismo e da
sintomatologia psicótica. Isto ocorre, sobretudo, quando se utili-
zam os sons em forma passiva.
Nas histórias de algumas crianças de características autistas,
observamos a formação espontânea de autoquistos, pela estimula-
ção passiva de fenômenos musicais.


'Os pais relatam como seu filho ficava encantado ante certas
audições de música clássica, e podia ficar horas tranqüilamente es-
cutando, isolado de todo o contexto Queo rodeava .
~\VlU MII/;"
,. \\".~JjX""''', ..
-------------- ----------,1

102 R.O.BENENZON
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 103

Este último fundamenta a contra-indicação dos tratamentos


que utilizam a audição passiva dos sons, sem.a presença do tera- 1) a música aumenta o metabolismo; 2) segundo seu ritmo,
peuta, como também a não-recomendação da música funcional. aumenta ou diminui a energia muscular; 3) acelera a respiração ou
É interessante uma advertência que faz o Dr. Hajime Mu- diminui sua freqüência; 4) produz variado, porém marcado efeito
roo~. . sobre o volume relativo do sangue, e modifica as características da
Este profissional da Faculdade de Medicina de Tóquio, estu- pulsação, pressão arterial; 5) diminui, através de distintos mecan~s-
dou o batimento cardíaco do coração materno nas reações dos re- mos, o impacto dos estímulos sensoriais; 6) au~enta a execuçao
cém-nascidos, prematuros ou normais. O Dr. Murooka introduziu de atividades voluntárias, como escrever a máquma; 7) tende a re-
um microfone diminuto no útero de três futuras mães, e registrou duzir ou demorar o aparecimento da fadiga e, conseqüentemente,
os batimentos de seus corações tal como chegavam ali. aumenta o endurecimento muscular; 8) incrementa a extensão dos
Depois passou a gravação a 3GiJbebês chorosos (20 eram pre- reflexos musculares empregados no escrever e desenhar; 9) reduz
maturos), e 85 por cento deles adormeceram ou se calaram antes ao normal a sugestibilidade; 10) influi sobre a condutibilidade elé-
de um minuto. trica do corpo, manifestando-se como ~rescimento das flu~u~ç?es
Ao difundir-se a notícia por todo o Japão, cresceu vertigino- de índice psicogalvânico; 11) pode facilitar ou tornar mais agll a
same.lte a demanda de discos e cassetes com esse tipo de grava- atenção' 12) o Haward Fatigue Laboratory experimentou sobre a
ções. Porém o Dr. Murooka adverte que os batimentos reconfor- possibilidade de que certa classe de música, para certo tipo de gen-
tar ••as só se devem empregar durante as duas primeiras semanas de te, pode chegar a sustentar a atenção, prolongando assim o desem-
vida da criança, porque, do contrário, esta passará a maior parte do penho psicomotor mais que os efeitos de algumas drogas; 13) o~-
tempo dormindo e sentirá falta dos estímulos necessários para o tros estudos têm estabelecido a relação entre os estímulos especl-
desenvolvimento normal. ficos do auditório e a tensão nervosa; 14) produz variações no re-
Precisamente este último é o que está ocorrendo com a indis- flexo de Hoffman.
criminada utilização dos elementos musicais e também eletrônicos. A música funcional, com propósitos deste tipo, responcle a
Mais ainda, creio que devemos de urna vez por todas desterrar certos princípios que são: a) racion~da, já que a música :m.fo~ma
o que se tem chamado a farmacopéia musical. Ainda persistem contínua cria sua própria monotoma; b) sua programaçao e vital.
profanos da Musicoterapia que pretendem tipificar fenômenos so- Estas empresas têm determinado que a com~inaçâ'o da fa~iga,
noros ou musicais para determinadas síndromes psiquiátricas ou do aborrecimento e de outras causas da monotonIa, desencadeiam,
determinados estados de ânimo, codificando receitas musicais que durante a jornada' de trabalho, duas acentuadas declinações d! mé-
contradizem os mais profundos princípios do trabalho terapêutico. dia de eficiência do trabalhador: uma, na metade da manha, por
volta das 10 horas e outra, na metade da tarde por volta das 15
a) A música funcional horas. Nestas hora; o estímulo da música que se oferece é diferen-
te. O objetivo é co~pensar a declinação da curva de eficiência; isto
Neste item, relatarei primeiramente as referências que dão as é a música se torna mais estimulante justamente quando o traba-
empresas que se ocupam em investigar e explorar a música funcio- lhador está mais necessitado desse impulso. Os programas para tra-
nai, para depois estabelecer meu ponto de vista à luz das experiên- balho mental ou físico transmitem-se em lapsos de 15 minutos de
cias musicoterapêuticas. música e 15 minutos de silêncio. A programação baseia-se em um
• As empresas que utilizam a música funcional consideram que plano que leva em conta as seguintes variáveis musicais: Tempo_-
• esta É útil para os lugares de trabalho, oficinas. indústrias, consul- ou seja, a velocidade da música; Ritmo - o.u seja, o metro-padrao
tórim médicos, hospitais etc. Esta aplicação baseia-se nas investiga- da música; Instrumentação - ou seja, o efeito do tImbre dos dife-
ções psicofisiológicas da música cujas conclusões são: rentes instrumentos; Dimensão da orquestra - r~fere-se ao volume
da massa orquestral. A média dos estímulos avaliados d~ uma sele-
ção musical se realiza em uma curva ascendente. Isto da aos traba-
,4 J _

104 R.O.BENENZON MANUAL DE MUSICO TERAPIA 105

Ihadores um sentido de movimento para frente, quebrando a mo- nal aumentava a eficiência do trabalhador, elevava seu estado mo-
notonia de seu trabalho e fazendo com que o tempo passe mais rá- rai, diminuía as tensões, o aborrecimento, a monotonia, os aciden.
pidc<. Para manter uma variedade constante, e para conjurar o peri- tes de trabalho etc. Também os ruídos das fábricas podiam ser dissi-
go ('e que a música se converta em outro fator de tédio, a primeira mulados com a cortina musical, evitando o fator irritante do ruído
peç<>musical pode ser transmitida a oitenta 'pulsações por minuto, sobre o sistema nervoso. Diz-se que a música funcional ouve-se, po-
a segunda a sessenta, a terceira a noventa e assim sucessivamente. rém não se escuta.
Com respeito ao ritmo, deve ser variado dentro dos períodos
de quinze minutos de cada programa específico, até alcançar o b) Críticas à música funcional
quantum desejado para o aumento da curva de estímulo. Por exem.
pio, o fox-trot é um ritmo pouco vigorizador, a valsa é mais que o Embora muitos dos aspectos referidos no tema anterior sãCl
fox, depois vem o samba brasileiro etc. Quando se considera o fa- certos e importantes de serem levados em conta, sem dúvida penso
tor instrumentação, a escala está fixada segundo o efeito do tom que devemos ter muita cautela com o uso indiscriminado e abun-
musical das diversas instrumentações. O mais suave, e portanto o dante que se está fazendo, lamentavelmente, com a música funcio-
mais baixo da escala, é dado pelos instrumentos de corda: violino, naI.
viola e violoncelo. Mais impulsivos que estes são os de sopro: cla- Realizaram-se numerosas indagações em fábricas, oficinas,
rinetas, flautas, oboés e saxofones. Os instrumentos mais dominan- nas quais perguntava-se aos operários ou empregados se a música
tes e emocionalmente excitantes são os de cobre como as trom- tornava mais agradável seu trabalho, ou se trabalhavam mais efi-
betas. cientemente, ou se os distraía, ou os fazia sentir incômodos o
O final se constitui pela capacidade da massa sonora. Todos trabalhar com música, obtendo-se em geral respostas positivas com
esses elementos podem ser medidos, e de acordo como se combi- respeito à música funcional; porém, creio que uma das perguntas
nem, serão obtidos seus efeitos. li:" número lento com predomí- mais significativas é aquela que se refere a se com a música o in-
nio dos instrumentos de metal, pode produzir o mesmo efeito que divíduo se sente mais s6, acompanhado ou indiferente. As porcen-
um número rápido em que se destaquem nitidamente as cordas. tagens das respostas foram as seguintes: s6, 11%; acompanhado
Um;; grande orquestra que execute um fax poderia ministrar o mes- 82%; indiferente, 7%.
mo estímulo que um quinteto executando um samba. Esta última indagação coincide com alguns dos conceitos que
A música funcional, sempre levando em conta o referido a temos analisado. Reconhecemos a . ica co re-
er"~:resas, evita os recursos musicais que distraem, tais como as sente ue er inuir a ansi ade da so' - 'Iusão
mudanças de clave, variações, harpejos e trinados. A característi- de um grupo de apoio; é o elemento presente em todos por igual,
ca primordial que se lhe quer dar é que nunca se imponha à per- rom a mesllJa.Uõliüagem; e cont I nuo.
cepção consciente. .---- Não obstante, em outras oficinas a música funcional foi vivi-
Em geral, se oferecem programas apropriados para determina- da como um.elemento invasor, já que chegava a todos por igual e
das ocasiões, isto é, que o programa varie, caso se trate de uma ofi- da qual não havia forma de proteger-se. Por outro lado, em quase
cina ou de uma fábrica, por exemplo. A música funcional emprega todas as instituições os estudospsicol6gicos reconheceram a músi-
cuidadosos métodos para controlar a qualidade da música e as- ca funcional como um anteparo projetivo de conflitos internos da
segurar um exato sincronismo. As perturbadoras variações de vo- pr6pria instituição, como, por exemplo, ao dizer que a música de
lume são eliminadas mediante um sistema que assegura um volu- tal ou qual dia era má ou aborrecida ou outra qualificação, apesar
me uniforme, evitando-se com ele um dos fatores mais distrativos de não haver variações na música transmitida. Possivelmente,
da música que se propaga através de discos fonográficos. Nenhuma o ponto crítico em que desejo colocar o problema, para reconside-
seleção é repetid3 em menos de doze dias. rar a música funcional, é quando penso no princípio de ISO. Este
As investigações referidas comprovaram que a música funcio- princípio nos inclina a considerar que cada indivíduo necessitará
lU . _

106 MANUAL DE MUSICOTERAPIA 107


R. O. BENENZON

aquele momento estava realizando, para dançar e cantar.


de um determinado tipo de música em determinado momento, de A música funcional não teria provocado esta reação.
seu dia e de sua vida. (ISO gestáltico e ISO complementário, res-
pectivamente). Embora os que estudam o problema considerem c) A epilepsia musicogênica
que a música funcional evita a percepção consciente dos sons,
creio que não resta dúvida que em determinado momento, para A epilepsia musicogênica pode constituir-se numa contra-indi-
certo tipo de ind ivíduos, será produzida a abertura de núcleos cação para se usar a Musicoterapia, porém só com uma breve e re-
inconscientes que darão depois curso a descargas de energias em parável interferência no tratamento.
forma de movimento ou de fortes associações mnêmicas e emocio- A epilepsia musicogênica é uma das formas mais raras de
nais.
epilepsia reflexa; a fotogênica é talvez a mais comum. IÕpossí-
Exemplo deste último seria nos perguntar o que aconteceria vel que não se tenha buscado suficientemente este estímulo entre
com a música funcional em uma sala de internação de um hospital os antecedentes de um paciente com ataques convulsivos, ou
onde os momentos traumáticos vividos pelo paciente seriam pos- seus equivalentes, já que, não cabe dúvida, encontraríamos uma
teriormente associados à música funcional. Outro exemplo é a casu ística muito mais forte.
música nas salas cirúrgicas, que a nosso ver deve realizar-se em for- A música é o fator-estímulo desencadeante dos ataques; até
ma individual e não em toda sala cirúrgica. Primeiro que os 1505 o momento, temos estudado cinqüenta casos. Em geral, o começo
do paciente não são iguais aos do cirurgião, e segundo que o obje- dos ataques musicogênicos ocorre entre as idades de 20 a 40 anos,
tivo básico é colocar o paciente em ótimas condições para receber porém estendem-se de 3 a 55 anos com uma méd ia ao redor dos 30
a anestesia; e por outro lado isolá-lo dos múltiplos sons da mani- anos; a proporção entre pacientes de ambos os sexos é a mesma.
pulação cirúrgica. Com respeito ao tipo de música que precipita o ataque, en
Isto é, a música funcional deve estimular, porém este estí- contramos uma ampla gama de susceptibilidades musicais. Um dos
mulo não deve ser tão importante como para provocar a entrada casos, muito bem estudado por Poskanzer, é o de um homem que
no inconsciente. aos 56 anos desfaleceu ao escutar o som dos sinos da igreja que
Quase diria, para formular uma hipótese, que a música indicava a hora. Meses mais tarde o paciente foi trasladado a outras
funcional deve dar uma sensação de regressão intra-uterina, isto oficinas onde todos os dias às 16h30m ouvia-se um soar de sinos
é, criar, ou melhor, envolver o ambiente em um líquido amnióti- em cada sala, através de um alto-falante, o qual indicava o fim da
co sonoro que protegeria e nutriria os que se encontrassem no jornada de trabalho. Entretanto, durante os primeiros nove meses
mesmo. de seu traslado, o paciente não teve nenhum ataque, porque o
Não obstante, creio que todos os esforços se deveriam enca- alto-falante de sua sala estava quebrado. Desde que o repararam,
minhar em investigar e trabalhar para criar o silêncio funcional que teve sete ataques, durante os quais ficava pálido, grunhia, parecia
permitiria a prevenção de muitos transtornos, tanto físicos (hipo- estar distraído e fazia comentários incoerentes. O disco tocado na
acústico), como psíquicos (tensões, angústias, ansiedades). oficina era Mudança de Sinos, St. Margaret's Westminster. Ultima-
Antes de finalizar este tema O':êro esclarecer a diferença entre mente, substituiu-se pela gravação de Bells of the Abby of St. Mar-
música funcional e música de fundo. Esta última seria uma simples tino Ambos produzem o mesmo efeito. O ataque mais sério sobre-
forma de colocar um tipo de música de acordo com o gosto de vem quando está sentado em seu carro, estacionado, ouvindo o
quem a coloca em qualquer momento, sem nenhum rigor metodo- rádio.
lógico. Portanto, podem ocorrer fatos como o sucedido em uma O soar dos sinos que dão a hora pmvoca-Ihe o primeiro ata-
que de Grande Mal, durante o qual o seu úmero é fraturado. O au-
•I fábrica importante de Buenos Aires. Colocava-se música de fundo .
Um dia colocou-se um disco de tangos do famoso cantor Carlos tor realiza o estudo eletroencefalográfico com o mesmo intervalo
Garc'el. A maioria dos operários abandonou o trabalho, que até e provoca um ataque que se origina no lóbulo temporal esquerdo.
u

108 R. a BENENZON MANUAL OE MUSICOTERAPIA 109

o caso F também começa com sinos de igreja, embora, de- representações e habituava-me a sentir morrer por esses incompre-
pois, a susceptibilidade propague-se a qualquer tipo de música_ ensíveis tiques de meu olho, e comoção em minha garganta, até
este último é um fato freqüente. Os dois casos citados por Reese o ponto em que numa função experimentei convul~es na minha
caracterizam-se porque o estímulo musical se deve à música sacra, garganta, tapei meus ouvidos alarmados, cerrei meu olho esquerdo,
fúnebre e a todo tipo de música reminiscente. O primeiro, uma e de súbito senti que perdia a consciência",
mulher de 43 anos, que aos 31 apercebe-se pela primeira vez de Ficaria por comentar o caso D a quem só o fato de discutir
que não pode controlar-se emocionalmente depois de escutar músi- numa sessão de psicoterapia um tipo determinado de música, ou
ca fúnebre. Dois anos mais tarde, sente uma espécie de encanta- tocá-Ia, produzia o acesso. .
mento depois de escutar corais ou peças sentimentais; estes ata- No que se refere aos focos clínicos e aos resultados eletro-
ques emocionais eram percebidos através de uma sensação estranha encefalográficos, seguindo Poskanzer, a análise revela que ao r~dl>r
de zumbidos, tilintar, e, às vezes, pela formação de palavras repe- de 24 dos casos tinham ataques focais clinicamente reconhecidos,
tidas em sua mente. em alguma época, durante o curso de sua enfermidade: 20 das
O segundo caso, uma mulher de 57 anos, cujo ataque ocorria descrições clínicas são ataques característicos do lóbulo temporal;
numa igreja enquanto o padre cantava. dois deles pareciam originar-se no lóbulo parietal, um na área pré-
Outra variedade de estímulo observamos no caso T, um mari- central e um é descrito só como "focal".
nheiro de 20 anos, cujos ataques datam desde o momento em que Traç~s distintos adicionais aos ataques colocavam os focos de
recebe um chute na cabeça durante uma partida de futebol. Seus 6 pacientes sobre o lado direito do cérebro, e seis sobre o lado
primeiros acessos sempre haviam ocorrido em estádios de futebol, esquerdo. Dos 22 pacientes que foram subm~idos a estudo.s
sobretudo quando estava excitado. Enquanto jogava e estava a eletroencefalográficos, 17 mostravam focos, 8 na area temporal d 1-
ponto de fazer um gol, e o árbitro apitava, dava-lhe o ataque. Estes reita, 8. na esquerda (5 temporais, 1 parietal, 2 pré-centraisl e um
ataques terminaram quando deixou de jogar futebol, porém fo- num lado não confirmado do lóbulo temporal.
ram substitu ídos mais tarde por ataques precipitados por qualquer Em 5 casos não se demonstraram focos eletroencefa lográficos.
tipo de música. Levaram-se a cabo estudos em intervalo entre ataques, em 19 casos
Seguindo a mesma linha de estímulos de origem traumática, dos quais 5 eram normais, 7 apresentavam disritmia não-focal (3
encontramos o caso H, cujos ataques começaram na época da do lado direito, 3 do lado esquerdo, 1 não determinado). Combi-
guerra. Os estímulos precipitantes são as sirenas que anunciam nando-se a informação obtida clinicamente e a do eletroencefalo-
os ataques aéreos, ru ídos vibratórios, sirenas de incênd io, apitos grama, pode-se aceitar que em 26 pacientes ocorrE:ra~ ataques
de trens, grupo de aviões e, pau latinamente, deslocam-se para no- focais. Dentre eles, 11 foram originados no foco direito, 10 no
tas longas de trombeta ou saxofone no jazz, e, por último, para o esquerdo. Em 5 casos, ainda que no eletroencefalograma tenham
grito do vendedor de jornais. Em todos os demais casos, os estímu- sido focais o lado de origem não foi especificado.
los variam desde a música clássica, jazz, música romântica, can- Trata~emos de nos deter no problema da gênese patológica.
ções populares, enquanto se toca o piano durante as funções nas Um dos primeiros trabalhos que se ocupa deste item é o de Crith,e.y
salas de concertos, como ocorria no caso de Beechterew, um co- (1937), onde afirma queo estado emocional entre o .fa~ode ouvir
nhecido homem de letras, Nikonov, que deixou um manuscrito música e o começo do ataque epiléptico é o fator mais Importante
de seu próprio caso intitulado Medo da Música, onde num pará- da gênese patológica, Observa Crithley que é freqüente a descrição
grafo descreve o seguinte: "Apesar de que as sensações desagradá- de sensações desagradáveis ou de medo, anteriormente ao ac~sso,
veis (tiques do olho, palpitações, apreensão), começaram a ocorrer Nós mostraremos mais adiante a freqüência inversa. Um paciente
mais e mais freqüentemente, e de modo constante, tinham lugar descrevia sua aura como uma sensação de estar submergido na água,
quando eu estava numa função musical. Valentemente assistia a sensação de insegurança, como se tudo a? redor. tiv~s~ desapare-
cido. Nikonov, no seu informe autoblograflco, diZ: Sinto-me co-
110 MANUAL DE MUSICOTERAPIA 111
R. o. BENENZOtv

mo um menino, tenho medo, como se alguma desgraça repentina ágeis e fortes, dançando até 12 horas ao dia. Se percebem alguma
pudesse ocorrer". Outro paciente relata o fenômeno do déjà vu: dissonância nos instrumentos dos músicos, param, dão longos
"Tenho a sensação de que já passei por tudo isto antes". Voltare- suspiros, queixam-se de angústia no coração e só cessam tais trans-
mos mais tarde a estes exemplos, pois demonstram a intensa re- tornos quando voltam a harmonia e a dança.
gressão a que chegam estes pacientes. Em sua gênese patológica, Enquanto dançam, perdem inclusive o uso dos sentidos ex-
Crithley descreve três tipos de epilepsia acústica motora. Uma pri- ternos e internos, tratam do mesmo modo seus parentes como os
meira, constituiria a resposta à surpresa ou susto; uma segunda, estranhos, e não se recordam do passado, deleitam-se com a água,
frente a estímulos musicais intoleráveis, evocadores, ou que pro- com as coisas brilhantes, com vestidos de cores muito fortes".
duzem desagrado. Para asseverar isto dá exemplos de cães que têm r: interessante assinalar nestes relatos os sintomas histeroepi-
convulsões quando a música produz um cl ímax de desagrado. O lépticos. Outros tantos exemplos podem ser situados em dois pa í-
terceiro tipo, mais raro, é provocado por um estímulo de caráter ses da Africa: no Senegal, os bailarinos que passam rapidamente
monótono. Dá o exemplo de um garoto de 11 anos, cujos ataques a um estado de automatismo ao golpe do "tom-tom", e em Túnis,
se produziam quando escutava um ru ído contínuo e monótono os religiosos extáticos que caem ao chão lançando espuma sob a
•.0mo o de um avião em vôo, uma maquinaria de uma fábrica ou influência de sua própria cerimônia .
uma panela ao ferver; o paciente afirmava: "O som tem que con- Crithley comenta alguns casos comparáveis à literatura médi-
tinuar". ca.
Do ponto de vista psicológico, Crithley examina a epilepsia Ingenieros, por exemplo, descreveu uma mulher histérica de
musicogênica como uma manifestação de histeria. I: um fato co- 26 anos, que era uma promissOra aluna de violino. Apesar de sua
mum, e mais ainda na época do referido autor, que na histeria se assiduidade no estudo, falhou em seu exame e caiu inconsciente a)
possa passar facilmente da sugestão para a inconsciência imediata. inteirar-se de seu fracasso. Daí em diante desenvolveu-se nela hor-
O papel da música como elemento catalisado r dos episódios his- ror ao violino e convulsionava-se cada vez que ouvia tocar esse ins.
téricos se pode ver através dos séculos. Um exemplo clássico nos trumento. Este estado de coisas continuou ainda 10 anos mais
oferecem as epidemias med ievais de manias dançantes ou o taran- tarde. Redlich referiu-se a um segundo caso de ataques convulsivos
tulismD. Pedro Matiolo, no século XV 11,em sua descrição dos que associados ao fato de escutar música de orquestra; este paciente
haviam sido picados pela tarântula (aracnrdeo de grande volume demonstrou ser histérico: um serralheiro, cujas aspirações anterio-
res de seguir uma carreira musical se haviam frustrado.
sobre o qual se baseiam numerosas fábulas e cuja picada é veneno-
sa) diz: "Os picados pela tarântula são atormentados de várias A grande controvérsia em quase todos os casos reside em de-
maneiras; uns cantam, outros riem, alguns choram, estes vozeiam, terminar se o ataque é o resultado de um ou de vários estímulos
aqueles dormem, outros, ao contrário, padecem grandes vigflias, que excitam o córtex receptivo, ou se é necessária a associação da
têm diversos vômitos, saltam e suam, enquanto que nas mesmas natureza do som com a memória para produzir o ataque.
circunstâncias há os que sentem calafrios e frio; alguns são acome- Poskanzer trata de orientar seu plano de investigação com seu
tidos de espanto e outros de extraordinárias incomodidades, tor- paciente, afeto aos sinos, precisamente para poder determinar es-
nando-se semelhantes aos loucos. Tudo isto tão variado, não pro- sa controvérsia. Para isso utilizou estímulos sonoros com as mes-
vem mais que da diferente atividade do veneno e do temperamento mas caracterlsticas, sem ser as mesmas dos sinos. Tratou de provo-
dos picados" car o ataque com uma série de sons puros que predominavam nas
gravações dos sinos. Estes sons eram interrompidos a intervalos
Jorge Baglivio escreveu, referindo-se ao remédio, a música:
regulares, variáveis. Contudo, o paciente m~stra a neces~ldade de
'''Uma vez que os tarantulados Submetem-se ao influxo da música,
similitude entre o impacto desse som e o Impacto do SIOO,para
movem as mãos, os pés, e todos os membros, aumentando este
movimento até ficarem eretos e começam a saltar e brincar sem que se produza o ataque. Poskanzer divide neurologicamente a
perder o compasso e sem se cansar, ao contrário, sentem-se mais
'U __
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112 R, o. BENENzaN MANUAL aE MUSICO.TERAPIA 113.

audição. em três fases au níveis: 1) a recepção. da som na caracol c1eas muita regressivas que tendem a uma imediata descarga somá-
e sua canversãa em impulsos elétricas, 2) a transmissão. desses tica.
impulsas na sistema nervaso central e sua recepçã,? pelas ce~tr~s Seguindo. E. Pichan Riviére e A. e L. Rascavsky, a acesso
nervasos subcarticais e carticais. 3) a percepçaa e assoclaçaa epiléptica canstitui a resultante de uma superestimulaçãa do ego.
da som e sua apreciação. cama ,música. ,. . •. e um fracassa de suas defesas anteriares, isto. é, a debilidade do
Alguns autores têm canslderada a epilepsia muslcagenlca ta- ego., praduzinda-se assim uma abundante derivação. instintiva para
talmente cama uma função. da terceira nível, e da integração.. As- a nível 'mais primitiva de integração. tatal (anteriar à arganização
sim é que pastulam que um ataque se praduz pela percepção. da araI). Os sintamas pradômicos, assim coma as sintamas particula-
música seu recanhecimenta cama tal e a produção. de assaciações res de cada personalidade epiléptica, padem explicar-se par um
e emações que invaca. Isto. é, que a ataque é a resultada de mu- aumenta crescente das tentativas de descarga cuja ritmo. não. can-
danças psicalógicas que acampanham esta respasta afetiva. Trata- segue equilibrar suficientemente a intensidade aumentada das car-
remas de apraximar alguns enfaques psicalógicas que indubita- gas instintivas. O acesso. sobrevem quando. a ego., aprimida ante a
velmente se encantram na dinâmica das pracessos psíquicas das enarme exigência da ele, cede tatalmente, produzinda-se a libera-
pacientes que padecem de epilepsia musicagênica, ção. instintiva em nível mais regressiva, isto. é, chegamas à anulação.
Paskanzer, através de seu paciente, cuja estímulo. eram as da ego., a perda da cansciência.
sinas, estabelece que, devida à natureza circunscrita da estímulo. Rascavskyanalisou 116 casos de epilepsia infantil praduzida
que produziu a ataque, a aparente falta de associação. memarísti. par uma superestimulaçãa, que nestes casos era a campartir a
ca e respasta emacianal à músi<'a de sina, a leva a cansiderar a quarta e a visualização. da cena primária, au saja, a coito. entra as
possibilidade de que em alguns casos a ativação. da ataque acorre pais. A equação. é superestimulaçãa + dificuldades da evaluçãa da
melhar na segunda nível, em lugar da terceira, devida a algum ego. infantil + deficiente integração., fatares constitucianais pré-
efeito. física da estímulo. nas centras subcarticais au em alguma existentes ~ epilepsia. Quando. diminui au desaparece a quantidade
porção. da córtex, da qual as freqüências sonaras são. primaria- estimulante, se praduz uma diminuição. au desaparecimento. das
mente gravadas. Refere-se, paracanfirmar esta hipótese, aas ata- ataques. Isto. é, ao. separar as crianças da darmitória das pais, de-
ques audiógenas das animais em geral, em trabalhas ande se tem sapareciam as ataques epilépticas.
utilizada a agudeza, farmacalagicamente au metabalicamente, au Retamanda nassa problema, mastraremas um caso de epilep-
pela criação. de um faca epiléptica artificial. sia musicogênica apresentada par Alberta Fantana, ande se ab-
Na Argentina, Langer e Trifaró realizaram um trabalha na serva esse tipo. de mecanismo.. Casa 49 - mulher de 42 anas cuja
Instituto. de Fisialagia da Universidade de Buenas Aires, ande pro. primeira ataque de epilepsia musicagênica fai aas 36 anas. Previa-
duziam as canvulsões audiógenas na rata calacanda-a durante 15 mente a este ataque safria de insônia pertinaz e tinha ausências,
segundas na caixa acústica e submetenda-a depais ao. estímulo. senda medicada com Epamin. Safria, além disso, de uma intenSl,
auditiva das timb~~s elétricas. durante 120 segundas. A patência narcamania. Não. abstante, realizau uma série de Impartantes tra-
média da som emitida pelas timbres era de 37,5 uw. cm2. Estes balhas científicos. Enquanto. preparava um deles e num ma menta
r3tas de 21 a 29 dias de idade, frente ao. estímulo. acústica, acusa- de intensa fad iga e cancentraçãa, auve sinas internamente que a
nm dais fenómenas iniciais: a) saltas enérgicos contínuas; b) cor- abrigam a interramper a trabalha. Cameça um tratamento. psico-
rida veloz e descantralada, nas bardas das paredes da caixa de esti- terapêutica e seu primeiro ataque acorre durante uma sessão. de
mulação.. Depais entram em canvu Isões c1ônicas e depais tônicas, psicanálise ande a terapeuta havia calacada na gravadar uma músi-
catatania, impatência matara, estupar e marte. ca hindu. Ao. praduzir-se um ma menta de grande clímax musical,
Da panta de vista da psicalagia prafunda, inclina-me p':'a sobrevem um ataque de Grande Mal, convulsão. e perda da cons-
hipótese de que a estímulo. sonaro praduz uma série de mudanças ciência. Este tipo. de ataque repete-se quando. a paciente recarda
na -dinâmica da inconsciente, uma das quais seria a abertura de nú- esse clímax musical, até que finalmente se deslaca para autra ti-
.,.
R.O.8ENENZON MANUAL DE MUSICOTERAPIA 115
114

pO de música, tornando-lhe insuportável a audição de sons musi- Um caso muito significativo é o de Dearman, mulher de 38
cais. anos, com três filhos vivos e um outro morto na infância. Quando
Os dados mais importantes da história da paciente são os se- consulta o médico, meses depois da morte da mãe, o faz devido a
guintes: gostava de tocar piano, tendo como antecedente traumá- um quadro depressivo.
ticc) no ensino musical uma relação homossexual com a profes- Foi tratada com quimioterapia e eletrochoque. Seu primeiro
sora. Mais tarde deixou de escutar música, considerando inclusi- ataque foi no consultório do psicoterapeuta, enquanto discutiam
ve insuportável a audição de qualquer tipo de música. Seu pai sobre certos tipos de música. Eram-lhe desagradáveis certos hinos
ab,mdonou o lar quando a paciente era uma adolescente. Sua fúnebres que ela não podia identificar. Desde esse momento, che-
mãe, parteira, tinha más relações com a paciente, e de tal forma gou a ter de 2 a 3 ataques por semana quando escutava certas can-
a afetavam que foi sofrendo paulatinamente uma surdez psicoló- ções. A paciente descreve seu ataque da seguinte forma: "Necessito
gica frente à mãe. Uma de suas máximas preocupações intelectuais de uma combinação de música, palavras e pensamentos acerca de
era o estudo da religião, sendo uma personalidade mística. A pa- minha mãe para que se produza o ataque, e cada vez que começa
ciente descreve que, antes dos ataques, geralmente, tem- imagens tenho a imagem jacente de minha mãe no ataúde". Desde a morte
prazerosas. Ao longo de um intenso tratamento psicoterapêutico de sua mãe, a paciente sente-se cu Ipada de gozar qualquer coisa.
conseguiu-se o desaparecimento dos ataques e se pôde analisar o se- Resumindo os fatos essenciais desta paciente, teremos: 1. a
guinte esquema: o estímulo sonoro, sinos no princípio (a paciente gravidez pré-matrimonial da paciente e a forte reação da mãe ante
vivia na província, recorda-se dos sinos de sua igreja) e depois a a not ícia. 2. a morte na infância de um de seus filhos. 3. a morte
música, produziam na paciente a recordação inconsciente de ima- de sua mãe. 4. sua relação insatisfatória com seu marido. Portanto,
gens vinculadas com as relações homossexuais com a professora de nesta paciente de estrutura depressivo-melancólica, a música pro-
piano, com as representações das más relações da mãe e da situa- dutora dos ataques (com o tempo, o estímulo musical chegou a
ção traumática que significou o abandono do pai. Esta soma de estender-se até não poder escutar jingles comerciais) era utilizada
núcleos inconscientes que se abrem frente ao estímulo sonoro pro- como um meio para produzir a descarga maciça que era sentida na
vocando um aumento da carga, ante um ego cuja condição consti- maioria. dos casos como sensação de satisfação. Assim assinala o
tucional pré-existente era já débil, provoca uma intensa regressão, autor que a paciente submetia-se deliberadamente a determinados
dando finalmente a descarga maciça (o ataque), que é vivido em estímulos que lhe provocariam o ataque. O caso de Toivakka ilus-
ocasiões como um orgasmo (sensações prazerosas), e em outras, tra este elemento, já que o paciente também tinha uma estranha
como nascimento ou morte (perda da consciência). sensação de felicidade antes do ataque; em última instância, a mú-
Não é raro encontrar nas crises epilépticas sensações prazero- sica era utilizada como uma defesa neurótica.
sas O curioso caso de Hutchinson (Lancet 1958, 1,24) de duas
gantas de 7 e 11 anos que descobriram por casualidade o fenôme- d) A música eletrônica
no da fotoestimulação. Estas duas meninas punham-se com o ros-
to mirando o sol e provocavam em si uma crise epiléptica com o Coloco a música eletrônica dentro do tema das contra-indi-
simples sistema de passar repetidamente diante dos olhos a mão es- cações, simplesmente para chamar a atenção sobre um dos elemen-
querda aberta em leque. O mais surpreendente é que estas crises tos potencialmente mais importantes dentro do futuro da Musico-
epilépticas produziam nas meninas, e em particular na de 7 anos, terapia; porém, hoje em dia, devemos ser muito cautelosos e com-
uma espécie de gozo, um estado de bem-estar ao qual não podiam preender que estamos na etapa de experimentação.
nem qu~riam renunciar, não obstante as reprovações e os rogos dos Se pensamos que existem sons com propriedades alucinóg~,
pais. "E maglJífico", repetiam as meninas ao falar de suas crises nas muito similares à das drogas, advertimos então para a periculo-
epilépticas, tanto que seus pais chegaram a pensar que estas crises sidade de seu uso inadequado.
representavam para suas filhas assim como a.masturbação. Relatarei algumas experiências que temos realizado no labo-
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116 R. D. BENENZDN
MANUAL DE MUSICDTERAPIA 117

ratório de música eletrônica do Instituto Di Tella, com o objeti- são. Todas estas situações prevaleciam mais além dos fenômenos
vo de investigar os efeitos psicológicos dos sons eletrônicos. For- puramente psicológicos de cada um de nós. Por isso entendo que
mamos um grupo de sete médicos na especialidade de psiquiatria, os sons eletrônicos de aplicação adequada podem romper, por si
com uma aprendizagem psicodramática em alguns deles. sós, mecanismos de defesa muito bem estruturados, em transtor-
A primeira etapa constituiu no envio, desde o laboratório até nos de características obsessivas.
o salão acústico onde nos encontrávamos, de sons eletrônicos pu- Quando o compositor, levado por seu pré-juízo musical, de-
ros, como, por exemplo, som sinusoidal durante 60 minutos. Nou- sejava sugerir elementos de tipo musical propriamente ditos, nos
tra sessão, ru ido branco, e assim sucessivamente. Ao final dos 60 produzia de imediato um corte, uma diferenciação, que era nota-
minutos gravávamos as impressões e associações livres produzidas da por todos.
em cada um de nós durante a passagem do som. A nível individual, se caracterizavam sons que provocavam a
Depois de um tempo, converteu-se no envio de mensagens de- interceptação do pensamento ou de alguma associação, que ocorria
finidas do compositor e do engenheiro do som, e a percepção de em um de nós. porém não no resto do grupo.
nossa parte dessas mensagens. Por exemplo, se o compositor queria Caberia nesse momento nos perguntar voltando ao princípio
provocar-nos sensações de asco, ou de tristeza, ou de angústia, ou de ISO, se nosso som interno, esse som característico que nos
de riso, em todos os casos o conseguiu sem dificuldades. identifica, poderia transformar-se em som caracteropático? Ou se
Descreverei algumas das sensações características, em nós pro- esse som interno, na realidade, se manteria inalterável como uma
duzidas, provocadas pelos sons eletrônicos. Só relatarei aquelas unidade própria? Entre as propostas terapêuticas que surgiram
sensaç,"ies consideradas iguais para todos os componentes do gru- destas experiências se podem resumir quatro, que poderiam ser
po, independente das características individuais. Em geral, estas parte de futuras investigações dos musicoterapeutas.
sessõe!; que se realizavam às 14 horas, provocavam intensas sensa- 1) a utilização, em pacientes hipocondríacos, dos sons produ-
ções rL'9ressivas,das quais era muito difícil livrar-se no resto do dia. tores de sensações somáticas exclusivas.
Existiam sons que produziam componentes exclusivamente 2) a utilização, em certos estados delirantes, de sons que inter-
somáticos e outros com compromisso psicológico importante. ceptam o pensamento.
O material muito organizado com tendência ao conteúdo musical
3) a substituição de certas drogas alucinógenas por sons que
estruturado produzia fenômenos intelectuais; em troca, o material
provoquem intensos estados regressivos e alucinatórios.
constante, contínuo, de um mesmo registro, produzia fenômenos
físicos. 4) a utilização de sons, como técnica de acercamento, em
Entre as zonas somáticas, diferenciadas com clareza, encon- crianças psicóticas, como descrevo em outros temas.
tramos a zona intestinal, a zona cardíaca e a zona cerebral, confor- Concluindo, os sons eletrônicos permitem:
me o som seja muito grave, meio grave ou muito agudo, respectiva-
mente. Por sua vez, o som contínuo trazia sensação de solidão e, a) o som eletrônico facilita a investigação, já que permite sa-
ber, com exatidão, o parâmetro do som que se escuta, e,
em troca, as pulsações estimulavam a união e a impressão de que
portanto, reproduzi-lo em forma exata quantas vezes for
estávamos em grupo. Algumas pulsações, que eram sucedidas por
silencios prolongados, produziam n? maioria o aparecimento do necessário.
reflexo patelar. b) nos permite encontrar parâmetros que coincidam com os
Com facilidade entrávamos no fenômeno de atemporalidade. de outros sons de tipo natural ou de complicada estrutura

• Por exemplo: acreditando que se haviam passado 10 minutos, quan-


do na realidade haviam passado 25 minutos. Entre as vivências
que o compositor conseguiu produzir no grupo, encontram-se as
musical.
c) o fácil manejo do som eletrônico permite modificar à von-
tade um ou outro dos parâmetros, seja intensidade, volu-
de cl~lJstrofDbia. pânico. perseguição, asco e náuseas, e a de diver-
118 R. a BF~"ENZON

me, densidade, timbre etc., o qual nos dá uma maior mar-


gem de busca e investigação.
dI as experiências mencionadas nos levam a crer que o som CAP(TULO 11
eletrônico tem características próprias que provocam fenô-
menos distintos, incluindo também poder provocar o apa-
recimento de manifestações muito regressivas.
Esta última propriedade, que nem sempre se pode controlar,
é sobre a qual devo chamar a atenção para serem cautelosos em seu
uso, e em certo tipo de patologias estabelecer sua contra-indicação o TESTE PROJETIVO SONORO

Faz alguns anos me interessei pelas possibilidades que o som


possuía de abrir núcleos inconscientes profundos e projetá-los para
o exterior. Existiam antecedentes, como o de Gabrielle Boissier,
em Genebra, Que trabalhou na confecção de um teste projetivo so-
noro que homologou. ao teste de Rorschach. Partiu da idéia de que
cada indivíduo tem uma percepção auditiva pessoal do som e que,
portanto, essa percepção pode estar modificada por problemas de
personalidade. Este conceito permitiria o diagnóstico diferencial
entre sujeitos aparentemente adaptados ou que apresentam uma
estrutura neurótica ou psic6tica. O teste consiste em passar uma
fita de gravação onde se registraram 28 sons figurativos, divididos
em três séries. A instrução é: "Você escutará os sons, nos dirá o
que são e o que .Ihe sugerem". Este tipo de teste parecia que leva-
va o paciente a reconhecer o som ou a origem do som.
~ evidente que o som, como estímulo disparador, era capaz
de penetrar mais profundamente do que um estímulo visual, como
as lâminas do Rorschach ou do T.A.t. ou do C.A.T. etc.
A idéia de conceber outro teste projetivo não me parecia in-
teressante, em primeirO lugar porque creio que no arsenal psicoló-
gico há um número suficiente de testes projetivos sonoros, e em
segundo, minha preparação e formação não estavam capacitadas
para realizá-lo. Porém, interessei-me pela idéia de criar um instru-
mento de utilidade como coadjuvante de certas etapas do trata-
mento psicoterapêutico, sobretudo naquelas etapas estéreis once a
resistência do paciente é muito forte, ou seus núcleos obsessivos
muito estruturados, ou as dificuldades transferenciais e contratrans-
ferenciais do terapeuta não permitem o avanço do tratamento.
Por tal motivo, concebi uma espécie de teste projetivo sonoro,

..
121
MANUAL DE MUSICOTERAPIA
120 R. O. BENENZON

A forma da tomada do teste é a seguinte: pede-se ao sujeito


q~e me tem sido de d .. • que apanhe três folhas de papel e um lápis, ou caneta, ou pincel
te forma: o teste est~a;o~ utilidade na prática clínica; da seguin-
sto
chamei de "imagens sonoral° ~or ~res ex.emplos sonoros que mágico.
Estas imagens sonoras (ca? re or e 5 minutos cada uma. pede-se-Ihe que coloque o número 1 na primeira folha que vai
para serem utilizados) têm a ~~.s e~er:nPlosse unem a este manual utilizar, e damos a primeira instrução que consiste em: "Você vai
de reconhecimento pela má p I.CUandade de não ter uma clareza escutar uma série de sons; peço que escreva as palavras, frases ou
cias em paralelo que lhes agr~Uali?ade ~a gravação e as interferên- orações que lhe ocorram". Desse momento em diante deixamos
ções sugestivas da vida cotidl' guel, porem possuem certas conota- que ele escute o primeiro exemplo.
A . ana. Quando termina a audição do primeiro exemplo, desliga-se o
) .SSlm,para o primeiro exe~;Jlo gravei' gravador ou a vitrola e pedimos que, de imediato, vire a folha onde
a o tique-taque de um reló io' b) .
uma voz que se espreguiça; d) a~sobio ~m de um des~ertador; c) estava escrevendo, e que escreva no verso dela uma história ou um
e) som de água que enche o I .0 a mar~ha nupcial e passos; conto sobre o que escutou, dizendo que ele tem só cinco minutos
gue assobiando a marcha nupc~~~t~r;c ~ esvazia o lavatório; fi se- para fazê-lo. Isto ocorre em total silêncio e, depois de transcorri-
gicamente; h) escutam se pás a, g e.c a a porta e diz Não! ener- dos os 5 minutos, pedimos que coloque um título. A seguir, instruí-
que correm e gritam n~m recr~~os piar .~u~ bo::,!ue; i) crianças mos para que tome a segunda folha e a numere com o número 2 e
te; k) um homem atira-se na á e~olar,J) diZ Nao! energicamen- se repete novamente a instrução, ou seja: "Você vai escutar uma
O '
I!
teatro; m) aplausos' n) diz S' Igua, vozes num intervalo de um
Im energicamente.
série de sons; escreva as palavras, frases ou orações que lhe ocor-
ram", e o fazemos escutar o segundo exemplo. Ao finalizar a au-
~und~ exemplo consiste em:
a) pulsaçoes rltmicas e um tamb (" dição do segundo exemplo, pedimos que vire a folha e escreva
batimento cardiaco)' b) sons d ~r Imlt)ando as pulsações de um uma história ou conto sobre o que escutou, dando-lhe 5 minutos
uma canção de nina~' e) e SinOS;c o pranto de um bebê' d) para realizá-lo, isto, como no anterior, em silêncio. Ao terminar
dE ~eethoven; f) um 'frag::n~~~~e~to da 6~ Sinfo~ia (Past?;al) solicitamos que coloque um título na história ou conto.
P,<iclentes esquizofrênicos crônicos ma sessao de pSicoterapia de Por último, pedimos que pegue a terceira folha e coloque o
I. rmm em forma estent6rea .: que de quando em quando número três e se repete exatamente a mesma instrução dos exem-
os pacientes nem os tera;e~~~se ~ao s~ entende o que dizem, nem plos anteriores. Ao terminar a audição do terceiro exemplo, nova-
mento de uma música de' ,erm Inando com um breve frag- mente terá que virar a folha e escrever uma história ou conto e, ao
instrumento predominante.,azz, onde se escuta o saxofone como finalizar os 5 minutos, terá que colocar o título. Desta maneira
termina a tomada do teste. Recolhem-se as folhas e teremos um
Para o terceiro exemplo ') material sumamente rico, ficando inclusive o sujeito ou paciente
se o toque de uma campal'n'hgra.vel.:a em primeiro plano escuta-
. a inSistente e d . surpreendido com a quantidade de elementos de sua própria vida
campainha que insiste' b) 01 epols novamente a
ta-se a golpear insiste~tem~nt~~~)~b°rta infsistentemente; c) vol- e de circunstâncias que surgiram nas histórias sem eles o quererem.
escutam-se quatro passos que 'se a re-~ee echa-se uma porta; e) Este material permite, ulteriormente, a elaboração do mesmo,
homem e de mulher que se acer,,~~~oxlmam; f) uns sussurros de entre o paciente e o psicoterapeuta, fortalecendo a relação psico-
para um Homem Só de P' s' g) um fragmento da Smfonia terapêutica e abrindo novos canais para continuar aprofundando
lerre chaeffer p . . na dinâmica inconsciente do paciente.
onde esse fragmento gravado t .' a~a muslca concreta
se,à imitação sonora das excl em _a partlculandade de assemelhar: Este teste tem vigência dentro da experiência de cada psicote-
durante o coito. amaçoes de um homem e uma mulher rapeuta que o pratique, já que nas constantes tomadas, chegará a
manejar as respostas-padrão ou tipos que lhe permitam inter-
A tomada do teste se d . .
forma coletiva a qualquer n po e realizar. Individualmente ou em pretar com maior objetividade a problemática de seus pacientes.
100 sujeitos não ocorreu ne~~~;;: de pacientes .. Em ~rupos até de Só quero juntar algumas considerações de minha experiência
rou o resultado. contratempo, IstOe, não se alte-
122 R. o. BENENZON

em mais de 10.000 casos de testes ta ma das, geralmente, em forma


grupal. A maiaria destas tamadas faram efetuadas em alunas de
...,eus cursas.
Há certas canteúdas históricas que tenha padida tipificar,
pais aparecem em 80% das casas. Na primeira exemplo., as títu- CAP(TULO 12
. las características referem-se à ratina, ao cotidiana, ao. viver diá-
ria, nas circunstâncias fatigantes da trabalha ou da estuda. Neste
exemplo. existem estímulas disparadares de histórias determina-
das. Há aqueles que se fixam na marcha nupcial, e cameçam a
alinhavar uma história referente ao. casamento., juntando. a não. e
a sim que vêm depais. Há autras que não. escutam e nem percebem APLlCAÇOES CLINICAS DA MUSICOTERAPIA
de nenhuma farma que alguém está assabianda uma marcha. Há
autros que ficam impactadas pela não. e a sim, e a história se de-
sel1va Ive em função. dessas negações e afirmações_ O que fui descrevendo. nas temas sobre metadalagia e técnica
O segunda exemplo. se caracteriza pela prajeçãa das canflitas da Musicaterapia é aplicável fundamentalmente nas aspectas psi-
cam respeita ao. medo., à laucura, à dissociação., à marte, aas pra- quiátricas, mas, também, em autras situações clínicas cam certas
blemas de vida mais prafundas. Há agueles que são. estimuladas a adaptações que carrespandem à própria idiassincrasia das afecções.
partir da canção. de ninar, e a relata e de suas vidas cam desenla- Devemas campreender que a Musicaterapia atua fundamen-
ces que respandem a suas próprias fantasias; autras fixam.se na talmente cama técnica psicalógica, isto. é, que sua aplicação. tera-
pranto. da recém-nascida au na som das sinas etc. pêutica reside na madificaçãa das prablemas emacianais, das atitu-
Na terceiro exemplo., praj~'.d-se a conflito. da casal, prevale- des, da energia da dinâmica psíquica que, em última instância, se-
cendo. as histórias sobre amantes, problemas matrimaniais, rauba, rá a esfarça predaminante para madificar qualquer patalagia que
i, vialações, seqüestras, au cantendas etc., respandenda quase sem- sofra a ser humana, seja esta da soma au da psique. Ademais, sua
pre à prablemática da paciente. cantribuiçãa não. é só, cama técnica excelente de comunicação.,
Alguns casos realizam uma história campleta que se inicia em seu acianar específica em tal au qual enfermidade, mas, tam-
na primeira exemplo. e termina na terceira. bém, cama caadjuvante de autras técnicas terapêuticas ande a
Num primeiro ma menta cansiderei que deveria realizar a ta- Musicaterapia abrirá as canais de camunicaçãa para que estas pas-
mada da teste num lugar especialmente candicianada, devida ao. sam atuar eficazmente.
isolamento. acústica e também em relação. aas estímulas visuais.
Para este última fazia a sujeita alhar uma tela branca, parém cam
o. transcarrer das múltiplas tamadas, fui-me apercebendo. que a a) A Musicaterapia na deficiente mental
estímulo. sonaro é muita mais paderaso e, partanta, pade-se ta-
má-Ia numa sala camum, em silêncio., e que as estímulas visuais Entenda que a musicaterapeuta, frente ao. deficiente mental,
comuns também não. interferiam, em absoluta. tem que assumir duas atitudes internas sumamente claras; par um
Este teste não. é patrimônio. da musicaterapeuta, pade ser lado., despajar-se das conhecimentas da quaciente intelectual,
ta ma da pela psicaterapeuta, e se este não. deseja cantaminar a si- idade cranalógica de seu paciente; e par autra lado., enfrentar.se
tuação. transferencial, pade enviá-Ia a um psicólaga para que a ta- cam um ser humana a quem são..dirigidas, através de uma lingua-
m"" e depaistrabalharcam a material recebida. Atualmente, iniciei gem de camunicaçãa especial, uma série de mensagens que lhe
a investigação. da tamada da teste projetiva sanara nas cegas, as servirão. para seu desenvalvimenta ulteriar.
quais através da sistema Braille; escrevem as respastas ao. sam. Nes- Este conceito. anted ita é devida a que a experiéncia me tem
te casa, sim, temas a passibilidade de um teste prajetiva que pade ensinada Que muitas musicaterapeutas circunscrevem-se a uma
chegar a ser psicadiagnóstico.
124 R,O,BENENZON MANUAL DE MUSICOTERAPIA 125

conscientização falsa da incapacidade do deficiente mental diante A sala de Musicoterapia que descrevi é excelente para o tra.
balho com o deficiente; contudo, em muitas instituições, por se-
da prova de um quociente intelectual baixo, e não se at;evem a
Iltilizar uma série de possibilidades de comunicação que são ine- rem de caráter educativo.diferencial, conta.se com uma aula ou
:'entes ao trabalho da Musicoterapia, por pensar, pré-julgando, uma sala.
,Gue não serão captadas. Entretanto, é justamente o contrário' a Esta aula ou sala deve reunir de qualquer forma característi.
lV1usicoterapia, por mover-se num contexto não-verbal, permit~ a cas indispensáveis. Deve ter proporções lógicas, já que se for muito
grande dispersa e provoca a perda da noção do espaço, pois conta.
introdução de mensagens que p"õeciam dif iceis ou complicadas, e
rá com menos pontos de referência. Em troca, uma sala muito pe-
não obstante, são facilmente captadas.
quena impede o deslocamento. Não deve provocar ressonância
Ante um deficiente mental existe o defrontamento do binô-
mio aluno/paciente, pois o deficiente dentro de uma instituição, nem permitir que se ouça ru idos externos, ainda que muitas ve-
representa ambas as características sobrepostas uma na outra. Por zes estes possam ser aproveitados e inclu idos dentro do contexto
isso adiro aos conceitos de Teresa Hirsch que em seu livro Música de uma sessão de Musicoterapia (o trinar de um pássaro, o ruído
para Crianças Deficientes diz: "Eu prefiro descrever as crianças tal de um automóvel, o vento, o trovão etc).
como se me apresentaram no decorrer do trabalho com elas. Além As paredes da sala deverão ser decoradas com sobriedade e
disso, todos são deficientes do ponto de vista fisicomotor e senso- pintadas com cores sedantes, já que deve contar com poucos es-
tímulos. O piso, preferencialmente, será de madeira, pois podere.
rial, e, do ponto de vista psicológico, esses aspectos estão estreita.
mos ficar descalços. O piano deve ser baixo, um minicauda é o
mente ligados e se condicionam reciprocamente". Em geral, o
ideal, pois permite visualizar, por parte do musicoterapeuta, o to-
deficiente mental é tratado grupalmente, pois é mais positiva a
tal da sala e também os deficientes; e, por outro lado, a ficil
ação terapêutica. Por isso é necessário estabelecer um contato com
abertura da caixa do piano permite que o aluno-paciente aprecie
,ele, que deve ser primeiro de forma individual. Todos os alunos-
as cordas, os martelinhos e todo o mecanismo produtor do so:n.
pacientes devem ter de quatro a dez sessões individuais antes de Assentos tipo banco, isto é, sem encosto, de fácil transporte,
serem integrados a qualquer grupo. Alguns, excepcionalmente,
sem rodas. Um para cada aluno-paciente. É conven iente que no
Iilecessitarão muito mais, pois, além de estabelecer canais de co-
outro extremo do piano exista um tambor-gigante que permita
municação com o musicoterapeuta, este deve treiná-los para poder
tocá-lo, inclusive com os pés sobre o mesmo. Se as estratégias
i~c1ui-los em determinados grupos, ou seja, dar-lhes também, atra-
empregadas com o deficiente são especialmente de reforçamento
,és dos canais de comunicação já existentes, outros novos meios
da estrutura egoica e de aprendizagem, ou seja, que não utiliza-
para sua futura integração grupal. Portanto, os passos sucessivos
remos técnicas regressivas, é conveniente que o toca-discos,
seriam: ou o gravador, esteja à vista, para evitar elementos associativos má-
a) tomada de contato e descobrimento da comunicação e do gicos projetados pela criança acerca da origem do som. É evidente
ISO do aluno-paciente: Isto dependerá da habilidade, per- que, trabalhando com este tipo de alunos-pacientes, existe um
meabilidade e experiên~:d do musicoterapeuta; instrumental auxiliar que deve estar presente, e do qual podemos
b) determinação da possibilidade imediata da inclusão em um citar: bolas, aros, cordas, isto é, objetos que em geral conduzam ao
grupo, ou da necessidade de continuar em forma individual. movimento e que possam ser utilizados durante os jogos musi-
É claro que a inclusão num grupo não invalida a possibili. cais. O musicoterapeuta encontrará, em sua constante busca e cria-
dade de intercalar, em alguns deles, sessões individuais, seja ção, um núme!:-o sem-fim de objetos que servirão para alcançar
de forma esporádica, ou simultânea; seus objetivos(Na aplicação com os deficientes mentais é impor-
tante o uso do corpo como instrumento de movimento e percus-
c) mesmo que se continue com as sessões individuais estas
são. Suas mãos, golpeadas uma contra a outra ou sobre os joelhos;
devem ter como finalidade a inclusão em um grupo' deter-
seus dedos: os movimentos de seu corpo inteiro, a marcha, o ba-
minado.
,I) -----

126 R.O.BENENZON MANUAL DE MUSICOTERAPIA 127

lan~Jio de um pé pelo outro, são formas em que a criança toma Como princípio metodológico, devemos no início entender
consciência de seu corpo e, a partir da í, passa-se, de forma natural, que a criança pode expressar-se, e suas sugestões dentro do contex-
ao som do bater palmas, das mãos golpeando o chão ou sobre a to não-verbal nos facilitarão sua compreensão. A ficha musicote-
mesa;. O piso, a mesa, a parede não são ainda verdadeiros elemen- rapêutica, tomada aos pais, abrirá conhecimentos de seu possí-
tos auxiliares ou instrumentos-objetos, porém ê um começo de vel ISO, e a observação durante as sessões nos indicará os possí-
uma ação sobre o exterior. O musicoterapeuta não deve temer veis objetos intermediários a utilizar. Se o musicoterapeuta, fren-
que o aluno-paciente golpeie a si mesmo, ou que se machuque gol- te a uma criança deficiente, consegue ter claro os dois elementos
peando sobre um objeto qualquer. descritos, é muito provável que acerte desde o primeiro momento
\ Muito pelo contrário, este é um meio de descarga de auto- com ele, ou se aperceba dos motivos musicais que despertarão
agressividade e, além disso, permite organizar o movimento mos- sua atenção. Do exposto deduzimos que não se está testificando
trando a possibilidade de golpear suavemente e não de maneira nem examinando, no máximo se fazem observações, porém
furiosa e automática. O musicoterapeuta deve aproveitar a oportu- não como observadores passivos, mas sumamente ativos, já que se
nidade para convidar ao contato com seu próprio corpo, isto é, . trata de captar constantemente as mensagens que o deficiente
que a cria nça golpeie suas mãos com as do terapeuta ou o faça sua- mental tenta nos enviar_ Portanto, o musicoterapeuta não deve ter
ve sobre a face deste e vice-versa. Esta forma de contato humano, um plano prefixado a seguir numa sessão; em troca o professor
que r: -aticamente se converte em movimentos, carícias e som, cos- de música sim, tem um plano determinado de aprendizagem_ Vou
tuma'er um profundo efeito em certas crianças./ me referir a alguns conceitos que podem ser úteis durante as ses-
\/ Outras crianças, em troca, utili7am mais satisfeitas a voz e sões de Musicoterapia com deficientes.
canta"olam sobre uma vogal imprEdsa ou utilizam a boca como Muitos basearam parte de seu trabalho sobre o método rítmi-.
um instrumento de percussão, ruídos feitos com a IIngua, lábios, co de Dalcroze; todavia, há que estabelecer e levar em conta cer-
vibrações de seus lábios, ou golpeando sua boca com sua mão, ou tas modificações. O método Dalcroze tem sido concebido para
I, esticando seu lábio com o dedo, emitindo um som. Entende-se desenvolver crianças dotadas de suas faculdades intelectuais e for-
assim a quantidade de possibilidades que oferece o corpo como mar sua musicalidade. A rítmica nas crianças pequenas faz cons-
I instrumento e a voz como meio sonoro-melódico.! tante chamada para jogos musicais simbólicos (passear no bosque,
.t. Nos diz Jacques Dalcroze: "I: indispensável, no campo da cortar flores, saltar um regato). Esta função simbólica falta nas
, música ou qualquer outro domínio, ocupar-se dos ritmos do ser
humano, favorecer na criança a liberdade de suas ações muscula-
crianças deficientes mentais que compreendem mal a linguagem_
A rítmica Dalcroze se relaciona, às vezes, com noções puramente
I res e nervosas, ajudá-Ia a triunfar sobre as resistências e inibições intelectuais, como marchar no compasso marcando valores, inte-
e harmonizar suas funções corporais com as do pensamento". lectualização excessiva para os grupos infantis que estão na etapa
I Ao principiante custa compreencjer onde termina o trabalho dos ritmos não-medidos. As canções sobre as quais Dalcroze se ba-
i do musicoterapeuta e onde se inicia o do professor de música.
Devemos fazer compreender às autoridades que velam pelas
seia para suas lições com crianças pequenas são demasiado elabora-
das para as crianças deficientes ou estão impregnadas de sentimen-
I
escolas de educacão diferenciada ou de recuperação a importância tos que não estão de acordo com o nível regressivo não-verbal em

! da Musicoterapi~ nesta classe de crianças, sobretudo em função


do primeiro canal de comunicação. Todo programa diferencial de-
ve prever sessões de Musicoterapia nos começos da aprendizagem,
que se encontram.
Devem-se manter as obras musicais em seu máximo primitivis-
mo, para despertar o impulso rítmico, para o qual volto a recordar
o quI' permitirá uma melhor integração nas aulas de trabalhos e a importância que tem o batimento cardíaco de cada uma destas
~ com i s demais crianças.- crianças, como experiência sonora; também terá importância a
'elo ménos deveria existir uma hora diária de Musicoterapia canalização métrica no som e as suas qualidades (duração, intensi-
em tc,jo programa de treinamento de uma criança deficiente. dade, altura, timbre) aos intervalos, à melodia, ao ordenamento
da escala. Estas obras musicais introduzem a criança, ao mesmo
MANUAL 0'£ MUSICO TE RAPIA 129
128 R. o. BENENZON

faz balanceias de cabeça, mavimentas de dedas, que padem ser re-


tempo., no dam(nia da ata prapriamente dita (galpear suas mãas farçadas pela audição. de música e que são. a exteri.orizaçãa inarga-
sobre bastões, cantar) e na damínia da percepção., na receptivida- nizada da excitação. provacada pela música; são. manifestações mu-
de, que exige uma participação., uma espécie de adesão. aas fenô- sicais (a miúda, rítmicas au melódicas) da rigidez das deficientes
mentais. .
menas sanaros. Partanta, na primeira cantata não. devemas apli-
cor um métada pré-determinada, mas é necessária encantrar a Para se sentirem melhar enquadradas num mundo. demasia-
meia para que a criança se expresse. Pade ser a ritmo., a ruída, da vasta para eles, rodeiam-se de abjetas mágicas au se unem a
a sam au a meladia. Uma metadalagia de base para a trabalha mavimentas autamáticas e repetidas que são. mecanismas de de-
seria a propasta par T. Hirsh. Ela nas diz: "Se a criança se interes- fesa, mais au menas mágicas, que se encantram de maneira natável
nas atividades musicais.
sa, ainda que pauca, eu cameça da seguinte maneira:
Canstatanda-se que estes estereótipas tamam freqüentement.e
1) aspecto. sintética: peça-lhe que cante au simplesmente que farmas musicais, pensa que a música viva pade ajudar a criar U,n
diga seu name sobre as natas (métada Orff); abserva se marca, assegurando. que, em lugar de nutrir as estereótipas, passam
canta certa; se canta desafinada, parém canservanda a cur- diminuir as autamatismas da defesa. .
va melódica; se a ritmo. é exata, que tempo. adata, de que
qualidade é sua vaz (surda, afônica). se ela fala.
I: improdutiva querer atacar de frente a rigidez das deficien-
tes mentais, querer tarná-las mais flexlveis ou livres a toda custa
2) aspecto. rítmica-métrica: eu a deixa galpear a que ela quei- pais essa rigidez faz parte de um cantexto., de cada um "moda d~
ra: que galpeia? cama galpeia?, qual é seu tempo. natural? ser". I: melho.r tratar de utilizar sua necessidade de repetir, de re-
(métada Martenat); a faça repetir um ritmo. galpeanda so- enco.ntrar. O essencial é que esta repetição. tenha um sentida, um
bre a mesa. Observa se a repraduz fielmente, se a tempo. é canteúdo. e que não. seja uma repetição. que caia na vazia. Para es-
respeitada, de que maneira galpeia (suavemente, cantrain- tes seres lentas e pesadas essa pode ser a única maneira de assimi-
da-se), ela anda a tempa? pade sair de seu tempo. natural? lar; a etapa da repetição., par autro lado., é uma etapa no.rmal na
3) aspecto. sanara: pade repetir um som cantanda? sua vaz desenvalvimento. da criança. Os pequenas, em seus jago.s, repetem
mave-se dentro de uma Gxtensãa? quais são. suas reações ás incansavelmente melodias de dais o.u três so.ns. A repetição. é tam-
cansanâncias e dissonâncias? bém um elemento. muita freqüente na música. Po.rém, a única
maneira de expiará-Ia é tiranda-lhe toda caráter autamática e fa-
4) aspecto. ligada á cansciência: é sensível a um ardenamenta? zê-Ia viver!(Oevemas, pais, integrar esta regularidade musical ao. re-
par exemplo.: á escala? distingue a que é farte, a que é lan- canhecimento. natural da regularidade vital, das cicias vitais, a da
ga e a que é curta, a que á aguda e a que é grave, se teve sana, a da alimenta etc. Isto. é um canselha muita útil que do.u
uma educação. musical antes de sua enfermidade.
ao.s musico.terapeutas, nunca se deve cansar de repetir, pais num
5) faculdade iniciativa: que pade fazer que não. seja a imitação. co.ntexta nãa-verbal, a repetição. não. é precisamente a manatania,
direta (galpear um ritmo. par exemplo., cantar um name sa- mas a campreensão. de uma mensagem. O musico.terapeuta deve
bre duas natas, mudar de name e cantá-Ia sabre as mesmas dar ao. máxima sua capacidade de improvisar e, partanta, as exer-
sans par iniciativa própria, cantar só uma canção. elegida cicias nunca devem ter estruturas rfgidas.
par ela)?" Não. é recamendável ter grande quantidade de abjetas, pais a
Cama canceita geral deva dizer que a mais impartante é a criança deve familiarizar-se cam as mesmas e já é uma grand ~
s:'"Tlplicidade e, partanta, a primitiva. Muitas exemplas nas mas- dificuldade que a façam cam um só deles. São. suficientes não. mais
t,.am a rigidez das deficientes mentais. O casa J, entaa uma mela- da que cinco. classes de abjetas num processa de tratamento., pará
dia impravisanda um gesta circular cam a mão. sem relação. cam a que a criança chegue a reco.nhecê-Ias, vivencie-as cama parte inte-
canta. Canta mecanicamente cama uma caixa de música, au fren- grante e tenham as caracterfsticas de abjetas intermediárias. As
te a estímulas musicais balança a tronco. para frente e para trás, canções co.nstituem a atividade musical sintética mais impartante
R.O.BENENZON MANUAL OE MUSICOTERAPIA 131
130

da criança; nelas se encontram todos os elementos musicais: o rit- ela repita o gesto, desta vez voluntariamente, em direção à caixa
m';, a melodia e ainda a harmonia que está, por assim dizer, suben- do tambor. Isto representa uma vitória. Outra norma que adquire
ter-dida nas canções tonais. Segundo T. Hirsch, haveria três catego- Importância é a de não executar ritmos que se afastem da veloci-
ria; de canções: dade do próprio ritmo fisiológico, pois isto constitui, nos defi.
cientes mentais, uma dificuldade insuperável.
1) as canções para os pré-escolares, que podem ser formadas
Este último conceito complementa o enfoque teórico do
por alguns sons (eles não são forçosamente tonais) e por
ISO gestáltico, pois, ind ub itavelmente, entre suas caracter ísti.
onomatopéias, como ca-ca-, toc-toc, etc. (a terceira des-
cas está o fato de que pertence a um organismo que sem dúvida
cendente convém a estes chamados), ou nomes de crian-
tem ~us ritmos orgânicos próprios e, portanto, dentro do ISO
ças;
ges~áltlco se encontra também a idiossincrasia rítmica-biológica
2) canções que podem ser acompanhadas por movimentos do Ind IVíd uo que se está tratando.
(como dar voltas na grande roda com movimentos girató- No deficiente mental o tempo biológico particular é muito
rios dos braços). Em seguida, a criança pode executar as importante, é um ritmo vivente mais ou menos regular, que se re-
rodas infantis simples, que são transmitidas de uma crian- conhece na velocidade do andar (ele também é tributário das pos-
ça ã outra por uma espécie de tradição folclórica; Sibilidades motoras da criança), dos batimentos card íacos da res-
3) as canções que virão mais tarde, as populares, mais elabo- piração. Este tempo traduz as reações entre as pulsações: a respi-
• radas e de diversos pa(ses, ração e o andar, se manifesta em qualquer atividade, sendo dife-
rente em cada um de nós. A criança deficiente, agitada, tensa, ig-
. , í; muito impàrtante para este trabalho que tanto musicote-
nora o andar tranqüilo e não se desloca se não for correndo ou sal-
rapeutas como crianças inventem canções que uns e outros inter-
tando. Seu tempo natural é muito rápido e assim devem ser os
pretarão. exerc(cios rítmicos. Outra é calma, amorfa, seus movimentos es-
t: conveniente adotar textos breves (de uma ou duas frases)
tereotipados são geralmente lentos, balança-se lentamente, golp,da
I, qUi! se adaptem ã situação imediata, como o sino, dim-dim, pois
lento sobre o tambor; esse é seu tempo natural.
I toca incursão na linguagem mais ditrcil é um esforço para as crian-
Sempre é uma experiência válida que o musicoterapeuta escu-
ça, que falam repetindo estereótipos, sem relação com a realidade.
te.os batimentos card (acos de cada criança deficiente com a qual
Falar, ouvir, ou emitir e receber são dois atos dotados de um vai trabalhar, sua respiração e, inclusive, se for poss(vel, que os gra-
mt'smo valor e de uma mesma significação psicossensorial e psico-
ve e que possa utilizá-los ritmicamente e modificá-los.
motriz_ Os elementos que caracterizam o ritmo são a duração e a in-
Frente a uma criança ditrcil é necessário saber captar seus
tensidade. Com freqüência as crianças deficientes mentais têm fa-
movimentos de receptividade, para não trabalhar em vão quando
cilidade para viver a intensidade forte, suave, crescendo, decres-
ela está ausente_ cendo, I!l0is as diferenças de movimento para indicar a intensidade
Porém, por outro lado, devemos distinguir distintos tipos de
se inscrevem no espaço para golpear forte, se faz um grande
ausência. Há ausências ou isolamentos que requerem uma inter- movimento, para golpear suave, um pequeno. A duração não é vi-
venção direta e ativa, pois fazê-Ia voltar ao mundo circundante é sível porque é temporal. Evidentemente o tempo está sempre'li-
um êxito terapêutico, e o interj::ogo desse vaivém entre seu mundo gado ao espaço. Golpear lentamente exige um grande movimen-
e o que a rodeia permite mais rapidamente o uso e a fluidez dos to, golpear rápido um pequeno. A criança, através do ritmo, apren-
canais de comunicação que se vão abrindo. de a viver o tempo que passa. O ritmo m'usical, mais que outros
Não se deve reagir bruscamente nos seus momentos agressi- aspectos do ritmo pictórico, poético etc, está em relaçãodireta
vos; ao contrário, seus momentos de agressividade devem ser apro- com o sentido que passa.
veitados, aproximando de seus punhos um tambor ou qualquer ob-
Jeto que produza um som para despertar sua atenção. Pode ser que
.,---
132 R. O. BEN':NZON MANUAL DE MUSICQT£RAPIA 133

Desta maneira, a criança deficiente mental pode passar das que a primeira nãa é uma respasta a uma estimu laçãa sensorial,
sessões de Musicaterapia às aulas de música, a carga da professar mas a resultada da açãa direta da sistema matar. Da panta de vis-
de música especializada. É canveniente que a prafessar esteja ta embrialógica, este sistema é a primeira a desenvalver-se; depais.
pr:::.ente nas últimas sessões de Musicaterapia. De qualquer manei- seguem a sensarial e as sistemas de canexãa; e para chegar direta-
ra, aa finalizar as sessões de Musicaterapia, a criança está capacita- mente à estimulaçãa matara é necessária a abertura de canais de
da para canectar-se musicalmente cam qualquer pessaa e em qual- camunicaçãa, que através da música se pade realizar, quase em far-
quer grupa. ma direta, seguinda a princípia de ISO.
Eu deva acrescentar, em virtude da caerência da teoria, que
ti) A Musicaterapia em perturbadas matares nesse cameça da acianar matar se encantra implícita a camunie<,-
çãa cam a mãe que, indubitavelmente, se realiza anteriarmente
Tenho que me referir neste tema à criança ou adulto com à separaçãa da externa com a est ímu la sensaria I.
lesão cerebral. Me pareée acertada a definiçãa de Strauss quando O Dr. B. Ouirós estabelece alguns enunciadas frente a um le-
diz 'lue a criança com lesão cerebral é uma criança que antes, sada cerebral que me parecem úteis recardar:
dura,te .ou depais de seu nasci menta, sofreu um dano .orgânica 1) criar uma baa relaçãa terapeuta-paciente;
cerebral, que pode ser infecciasa .ou de .outro tipo. 2) recusar a critéria de "impassibilidade";
Coma resultada do mesmo, podem' existir transtarnas na 3) exigir respastas par parte da paciente (estímula);
sistel'-la neuromotar ou nãa; todavia, é passível que uma criança 4) criar um ambiente tranqüila;
cam estas cond ições apresente transtarnas na percepção, pensa- 5) ter confiança nas patencialidades da paciente;
menta e canduta emacianal, sejam isaladas .ou cambinadasJEste 6) estar canvencida de que a tratamenta que se leva a caba é
última deve ser canceita básico da musicoterapeuta frente à eficaz;
criança com lesão cerebral. Nãa deve ser contemplado de um 7) realizar uma avaliaçãa periódica da tratamenta.
,- ponta de vista unilateral,levanda-;,cl em conta unicamente aqueles Fica claro que nãa diminua a vaiar da estimulaçãa sensarial
prablemas que emanam da lesãa, mas deve-se compreender que a que também se deve manejar, e que dará resultadas muita pasiti-
criança cam dana encefálico está mais além das seqüelas da lesão, é vas; parém, cambinanda ambas, a estimulaçãa endógena e a exóge-
um ser humano nascida cam as caracteres hereditárias de seus pais na, estas darãa maiar eficácia aa tratamenta.
e antecessores e que safre as influências da meia. y Cam respeita aa sentida sensarial, Juliette Alvin nos fala da
Por .outro lada sabemas que as setares indenes da cérebro música como movimento no espaço e no tempo. A música dá à
passuem reservas das quais a arganisma pode extrair elementas de criança a emoção do mavimenta parque se move no tempo e no
substituiçãa, campensação ou restituiçãa das defeitas resultantes espaço. Sãa notas ascendentes e descendentes, assim como a suces-
do dano sofrida. são de sans de diferentes velacidades e ritmas pode dar à criança
É esta reserva que a musicoterapeuta ajudará a desenvalver, sensível a sensação de movimento completo, acima e abaixa, deva-
porém, sobretudo cama abertura que é a .objetivo para .outras te- gar Ou rápida. Esta sensação de movimento que precede provavel-
rapias que permitam esse desenvalvimenta, cama, por exempla, a mente a possibilidade de realizá-lo é o primeiro .objetivo a canSf:-
fisiaterapia. Ista é, a Musicaterapia atuará cama um elementa que gu ir com a Musicoterapia. Se recordarmos, as primeiras sensaçõbs
vai ('e dentra da paciente para fara, cama predaminância, e em fetais também seriam sensações de movimenta, quiçá gravitacio-
men'-'r grau coma um elementa de estímulo sensarial de fora para nais, que precedem o mavimento propriamente dito realizado pe-
denf o. Ou seja, que predominantemente, terá um estímula matar lo feto./O caso citado por Alvin de um adolescente cam paralisia
prop"iamente dita; por issa falamas da Musicaterapia cama uma cerebral que nãa podia andar cam os demais, porém era capaz de
camunicaçãa de tipo regressiva a etapas ande a aparecimento da tocar na banda e marcar o ritmo com seu tambor para aqueles que
ativi:lade matara antecede a cantrole sensorial. Caghill .observa podiam caminhar, nas mastra a possibilidade de substituição psi-
134 MANUAL DE MUSICOTERAPIA 135
R. O. 8ENENZON

cológica do movimento, mediante a música que precederá a reali- falar de Musicoterapia. O objetivo é produzir novas vias no cére-
zação do mesmo. bro lesado .
Por i510 mesmo considero aconselhável não trabalhar com
. ' .. 1510 também observa-se nos gráficos realizados pelas crianças
Inv:.lidas frente a um estímulo musical (concreto) onde se objeti- música gravada, salvo em sessões de grupo organizadas especifica-
va '- emoção do movimento que a música tenha provocado neles. mente para esse tipo de trabalho. O trabalho importante se reali-
za com o próprio instrumento do paciente, para permitir o diálo.
Se nos referimos aos espá51icos .e aos atetósicos que consti-
go espontâneo e de troca de cada momento, de cada problemáti-
tuem os dois grupos principais de crianças com paralisia cerebral,
ca ordenada. de cada dificuldade p'sicofísica, no preciso momento
ob~'~rvamos a variabilidade de respota à música excitante ou tran-
de produzir-se'. A improvisação clara e espontânea pode induzir fa-
q~i1izantej As experiências do Dr. C;chneider exemplificam: ele pe-
cilmente, começando pelo princípio de ISO, pelo ISO do paciente,
diu. aos meninos que realizassem algumas tarefas, por exemplo, co-
para transformar seu e51ado de ânimo apático, passivo, ruim, mais
10m desenhos geométricos, colocar tarugos em um tabuleiro com
ativo, quando as necessidades do tratamento assim o requeiram. É
agulheiros, enquanto se ouvia música de fundo; observou que a
necessário voltar a repetir e com muito mais ênfase com os pertur.
atuação de um menino espástico pode tornar-se mais controlada
bados motores, que o musicoterapeuta deve integrar-se à equ ipe
sob a influência da música e51imulante, enquanto que o atetósico
científica de trabalho, pois deve conhecer amplamente os objetivos
pode ser seriamente transtornado por essa música, a qual provoca
que se propõe conseguir o médico, o fisioterapeuta, o terapeuta
nele movimentos espasmódicos indesejados/É, por isso, um erro
ocupacional, o psicoterapeuta; como também deve dizer a eles
começar a trabalhar em grupo com estes pacientes. Primeiro é ne-
suas importantes observações emanadas das sessões que abrirão no.
cessário trabalhar de forma individual, manejar a ficha musicote-
vas possibilidades de aproximação. Em muitos casos a interação
rapêutica e a testificação do enquadre não-verbal, para conhecer
entre musicoterapeuta e psicoterapeuta é fundamental com e51es
dentro do ISO do paciente e dos objetivos intermediários os ele-
pacientes, dando-se o caso de que a primeira aproximação deve
mentos sonoros prejudiciais, não.benéficos. A partir da í se fará
efetuar o musicoterapeuta, deixando-lhe facilitado depois o terre'
a seleção a grupos determinados que assim terão um eficaz traba-
no sensível à psicoterapia. As situações defensivas criadas frente "O
lho Integrado~.1 instinto de morte tornam dificil o defrontamento com e51es pa.
Por outro lado, o musicoterapeuta deve considerar que cada cientes; todavia o clima regressivo da Musicoterapia permite uma
se~ã? é ~ão só terapêutica, mas também de observação diagnós. introdução fácil e estimu lante.
tll:<:; ISto e, que através das sessões irá conhecendo a forma de co. Podem-se considerar três etapas na aproximação musicotera-
mu :icação mais adequada, como também as possibilidades de res. pêutica com os pacientes motores:
posas psi~ofísicas e, dessa maneira, acrescentar paulatinamente
1) abertura de canais de comunicação para com o musicotera-
as [osslbllldades de desenvolvimento e enriquecimento fisico-emo-
peuta e depois para os demais pacientes do grupo e da equi-
ci~'-,al. Assim, por exemplo, será dificil improvisar, num começo,
pe de saúde. Para isto ba51a seu trabalho no reconhecimen-
mWHca que contenha mudanças fisicas de velocidade intensidade
ou ritmo, com certos pacientes, ainda que, com o' tempo, eles to do ISO do paciente;
mesmo~ . desfrutarão amplamente ;jessas mudanças. Consegu i.lo 2) utilizar elementos de comunicação próprios destes pacien.
é permitir seu desenvolvimento. tes, como pode ser o e51alido, à falta de outro meio expres.
Se entendemos a Musicoterapia como uma técnica de co- sivo; por exemplo, aprovar com o e51alido, reprovar com o
municação, devemos tender a que a criança com paralisia cerebral estalido, rir com o estalido etc;
tome consciência de um movimento através de sua imagem mental 3) integrar outras técnicas de trabalho, como a terapia ocupa.
d:> movl;:nento - produzido pelos sons associados - com uma emo- cional, que permitirá adaptar instrumentos musicais às dis.
çao, e nao que o movimento se converta em automático. tintas necessidades e possibilidades do paciente. De51a ma.
Se pretendemos um movimento automático não podemos neira o paciente reconhece que pode superar a dificuldade
-.
"

(:
I
136 R. a BENENZON
MANUAL DE MUSICOTERAP/A 137

rítmico-respiratória dada pelo aparelho mecânico, prescin- -G As sessões serão individuais. ou em grupo, porém, em geral, a
dido do mesmo e substituindo-o pela respiração glossofa- tendência é adotàr a segunda forma e fundamentalmente integrá,
r íngea, insuflando-se de máior quantidade de ar, com o los em grupos de ouvintes, Citando Maria Fux, direi com ela Que
qual obtinha um fraseado musical. se pode. considerar a criança surda "como um ser normal que,
ainda que isolado, tem suficiente capacidade para integrar-se ao
c) A Musicoterapia nos deficientes auditivos movimento da dança em forma individual ou em grupo. O cami-
nho indicado para alcançar esta possibilidade consiste em intro-
i /Há três tipos de deficientes auditivos. Aquele que tenha tido ','
duzir as crianças surdas nas classes coletivas das crianças ouvin-
uma experiência auditiva, o que é só hipoacústico, ou seja, parcial- tes, pois em primeiro lugar vislumbram nessa forma um mundo até
mente surdo, e o que é completamente surdo de nascimento. esse momento desconhecido que as motiva favoravelmente e as en-
1/ A atividade para o som será completamente distinta nos três
caminha para a expressão. Isso lhes permite elevar seu nível de
casos. Dissemos que a Musicoterapia nos permite, através da utili- iniciativa graças à visualização e irradiação que o movimento cole-
zação do som, a comunicação com ')s pacientes, o contato e a for- tivo representa".
te motivação para sua recuperação. Pareceria que ante os deficien- É importante que o musicoterapeuta conheça o diagnóstico e
tes auditivos ficássemos frente a um sério problema, já que nos o grau de diminuição auditiva de cada paciente, como também a
faltaria um sistema de percepção sonoro fundamental que é o audi- capacidade potencial dos audiofonos para cada paciente em par-
tivo. Contucjo, tenho falado de outros sistemas capazes de perce- ticular.
ber o som, que são o sistema .de percepção interna, o sistema tátil O lugar de trabalho deve ter as condições gerais já estabeleci-
e o sistema visual. Destes três o sensoriotátil é o mais importante e das para os deficientes mentais, considerando importante o piso
pll(hria levar a substituir, conjuntamente com os outros três, o sis- de madeira já que, em geral, se trabalha descalço. Inclusive há al-
tem;- auditivo. Isto nos demonstraria que seriam os sons e suas vi- guns estabelecimentos para surdos que possuem salas especiais
braç)es um dos elementos terapêuticos indispensáveis na recupera- equipadas com bucles magnéticos e um piso de ma,jeira flexível;
ção :lo deficiente auditivo, pois, através do som, do movimento através dos bucles as crianças podem perceber as vibrações de to-
(mú;ica-movimento), o deficiente auditivo poderá abrir-se ao dos os pontos da sala na qual bailam. Serão utilizados todos os ele-
mundo e tomar consciência do que o circunda, o que lhe permitirá mentos modernos para a aplicação do som, porém recordemos que
um estímulo para um maior desenvolvimento. As ondas produzi- a tendência será a possibilidade que gradualmente possam perceber
das por corpos em vibração e transmitidas pelo ar podem chegar a as sensações tal qual são. O princípio básico que deve prevalecer
ser sentidas através da pele, dos músculos, dos ossos, do sistema no musicoterapeuta é que o som será percebido por um sistema
nervoso autônomo (simpático e parassimpático) com o qual o total, global, de percepção, e que, portanto, o esforço de comu-
deficiente auditivo capta elementos tais como o ritmo, a acentua- nicação será dirigido para essa totalidade e não exclusivamente
ção, a altura, a intensidade, a duração; isto, somado à percepção a um sistema determinado.
interna do movimento, de seus músculos e articulações, permite , \'_,-Como o paciente é um grande sistema de percepção, tam~
a apreciação, quiçá, de elementos do som, que aqueles que se en- bém o é de emissão, e, portanto, o instrume'nto mais importan-
contram em plena posse de suas faculdades auditivas não podem te será seu próprio corpo e o do musicoterapeuta, assim como o
discriminar.'
de outros integrantes do grupo, sejam ouvintes ou não. Sentir as
Por último, devemos levar muito em conta os audiofonos que vib'rações do corpo do musicoterapeuta quando este canta, baila,
serão uma valiosa ajuda para incrementar este processo de comuni- ou grita, e compará-Ias com a de seus companheiros ouv~~tes,e
cação.
seus companheiros deficientes auditivos, é uma das expenenclas .
Tudo o que tenho organizado nas técnicas para o deficiente mais ricas de comunicação que existe. Perceber o batimento car-
memal, e outras técnicas, se pode adaptar para os deficientes díaco do musicoterapeuta, de si mesmo e de outros, é uma valio-
I:
auditivos, sobretudo se estas se referem ao nível regressivo e mais sa experiência inclusive para o próprio ouvinte, não audível, mas
,
prim'tivo do uso do objeto intermediário.
138 R.O.8ENENZON MANUAL OE MUSICO TERAPIA 139

perceptível. Perceber no ar as vibrações, perceber no chão as vi- ria alguma combinação de todas essas sensações?
brações e perceber nos grandes instrumentos as vibrações. O tam-
Ante esta incógnita, de qualquer maneira o musicot~rapeuta
bor gigante, golpeando-o, sentindo-o, pisando-o. O piano com sua
deve preparar-se para aprender do deficiente auditivo cor"o é este
grande caixa de ressonância que lhe permitirá enriquecer-se com os
fenômeno, pois na medida em que possa aproximar-se e compren-
ritmos organizados e os contrastes de alturas. Recordemos que os
dê-lo se terão estabelecido os canais de comunicação.
sons graves são os que mais facilmente se percebem, não são assim
os agudos.! -I> Observa-se que à medida que pocje apreciar o som, para o de-
ficiente auditivo lhe inter0ssa mais o ritmo e menos a melodia. Fa-
A auto-harpa é um instrumento que as crianças surdas gostam
não por sua sonoridade, mas porque ao colocá-Ia sobre suas rodi- zendo música com uma banda rítmica ou desfrutando de uma
nhas, podem sentir as vibrações através de todo seu corpo. O pan- participação ativa na produção de ruído conseguirá sua própria
deirinho tem as seguintes vantagens: satisfação. Novamente aconselho a mesma metodologia expressa-
da para os deficientes mentais; deve-se partir do paciente mesmo,
1) permite colocá-lo sobre qualquer parte do corpo, cabeça, do que ele possa nos expressar. Considero que com os deficientes
face, garganta, mãos, coxas e, portanto, sentir suas vibra- auditivos, mais ainda que com outros deficientes, o movimento se-
ções quando se o percute; rá o primeiro passo da aproximação, por isso concordo com o es-
2) permite que a criança deficiente auditiva faça perceber ao quema de trabalho de Maria Fux, quan?o diz: "d.eixo que a.cria~ça
. . outro, ouvinte ou não, e ao musicoterapeuta as vibrações surda observe a aula de dança até sentir que o ritmo coletiVOa in-
que ela sente; vada e a impulsione a incorporar-se ao grupo com naturalidade .
Deixo que desenvolva o nível de movimento de acordo com o grau
3) permite caminhar ou bailar com ele (uma das melhores ca- de compreensão mental e corporal qU~,lhe corresponde e que se
racterísticas dos instrumentos fáceis de carregar). O triân- comporte dentro de suas possibilidadei'.('Este seria um dos pon-
gulo raramente se torna popular entre estes pacientes ape- tos de partida do musicoterapeuta.[O contato com o grupo OUVin-
sar de ser portátil e percutível, devido à produção de sons te circundante faz com que a criança se esforce em alcanÇdr natu-
a nível dos tons altos, onde existem as maiores falhas audi- ralmente uma progressiva linguagem da dança. O simples fator ini-
tivas. Há aqueles que têm trabalhado com bons resultados
'cial não é suficiente para justificar este verdadeiro conhecimento
com o acordeão. Quando se utiliza o piano, há que levar
do ritmo interno. A participação da criança surda nas aulas coleti-
em conta que o uso do pedal dificulta a percepção sonora
vas a impulsiona a buscar dentro de si mesma seu próprio ritmo, e
da criança, porém, por outro lado, não devemos esquecer
a leva a desenvolver no espaço os movimentos correspondentes.
que o piano não é somente um teclado e uma caixa de res-
Ao achar o ritmo não-audível, a criança surda e hipoacústica sente
sonância, mas que também se podem utilizar as cordas e a
com mais força esta nova linguagem de mobilização que é a dança.
caix'a para que sejam percutidas, glissadas etc, pelo deficien-
Busca primeiro em seu próprio corpo de depois no espaço a respos-
te auditivo, pois lhe permite o piano de cauda, ao mesmo
ta à sua imaginação. A buóca de comunicação através da da.nça faz
tempo que seu corpo e mãos estão próximos à caixa do
com que a criança esteja desejando a possibilidade de exercitá-Ia, e
piano, percutir uma ou várias cordas, glissar um plectro
sobre as cordas, percutir com as nocas ou com os dedos na quando pensa na palavra representativa d~ uma imagem,. como
pQ(lte de contato, seu corpo se une ao movimento com. maior for-
caixa harmônica. É primordial que o mU'sicoterapeuta rom-
çq.'YOtrabalho do musicoterapeuta será mais tarde s~bstlt~íd~ p:,la
pa os limites de um instrumento, isto-é, os limites tradicio-
educação musical, onde entrará toda a metodologia da InlClaçaO
nais, e possa obter e criar novas possibilidades com cada
um deles. musical, especializada para o surdo.
Como ouve os sons um deficiente auditivo? nos perguntamos;
será como nós os ouvimos, ou sentirá como uma série de vibrações?
haverá algum misterioso estímulo 'mental evocado pelo som ou se-
. ~.
. ,'
. ~ ;;

140 MANUAL OE MUSICOTERAPIA


R. a BENENZON 141

Ao preencher esta informação, recordem que todo detalhe,


d) A Musicoterapia no autismo infantil'
por mínimo ou ridículo que a vocês pareça, pode ser de enorme
importância.
Na aplicação da Musicoterapia no autismo infantil, surgem
problemas que exigem uma adaptação à metodologia e técnica Que
INSTITUTO DE NIVELAÇAo PSICOPEDAGÚGIC.I:\
tenho anunciado até este momento. Por outro lado, não cabe ne-
DEPTO. DE MUSICOTERAPIA
nhuma dúvida que a Musicoterapia é para a criança autista a pri-
meira técnica de aproximação, pois o enquadre não-verbal é o que
FICHA MUSICOTERAPIEUTlCA
permite a estas crianças estabelecer os canais de comunicação.
"
'l i Data:
";l"l, Considero, através de minha longa experiência pessoal de tra-
balho com as crianças autistas, que o autismo é uma prolongação Nome e sobrenome:
patológica e deformada do psiquismo fetal. Portanto meu objetivo Idade:
é trabalhar com uma espécie de feto que se defende contra os me- Data de nascimento:
dos de um mundo externo desconhecido e, por outro lado, contra
as sensações das deficiências de seu mundo interior. Por isso consi- A - História referente a seu filho.
dero que para trabalhar com estas crianças há que criar situações
ambientais e estímulos que produzam a reminiscência do período a) Momento atual
gestacional.
O motivo de ter Que modificar a metodologia descrita é devi- 1) Que instrumentos musicais lhe agradam?
do à dificuldade em encontrar o ISO da criança autista, e o objeto 2) Que tipos de música prefere?
intermediário. Primeiro, é impossível interrogá-Ia sobre sua fi- 3) Como reage ao escutar essa música?
cha musicoterapêutica; segundo, não responde a nenhuma das ins-
i' 4) Que outros tipos de sons não-musicais lhe chamam a atenção
truções da testificação do enquadre não-verbal; terceiro, o inter- (tanto de agrado como de desagrado)?
rogatório da ficha musicoterapêutica aos pais da criança autista é
5) Vocês lhe cantam alguma canção, qual; poderiam escrever o
uma tarefa às vezes estéril, já que em geral são pais que têm uma texto?
estrutura caracterológica bastante definida e, portanto, é muito
6) Adotam vocês alguma forma especial para comunicarem-se com
difícil descobrir novos elementos na abundante história, porém
seu filho? Por ex.: (músk.a, expressões corporais etc). Podem
rígida, que nos tenham brindado num começo. Exemplo da ficha explicá-Ia?
para os pais:
7) Alguma outra pessoa familiar ou não tem características ~articu-
PAUTAS PARA O USO DA FICHA MUSICOTERAPIEUTlCA lares de comunicação com seu filho?
8) Podem descrever o ambiente sonoro de sua casa (sonsrotinei-
Senhóres pais, ros, audição freqüente musical, ruídos, silêncio)?

Esta ficha tem por objetivo recolher dados sobre os contatos b) Passado
sonoros musicais que tenham rodeado o desenvolvimento de seu
filho. 1) Que podem nos contar com respeito ao ambiente sonoro e mu-
Estes dados serão utilizados durante o tratamento pelo De- sicai que rodeou a gravidez e nascimento de seu filho?
partamento de Musicoterapia. 2) Recordam vocês quais poderiam ter sido os primeiros sons, vo-
zes ou canções que seu filho percebeu nos primeiros dias de
vida?
(I) este tema está amplamente desenvolvido em meu livro MusicoterBpia na Psicose In-
fantil, Buenos Aires, Paídós. 1976. Em alem~o. pela editora Gustav Fishcer Verlag,
l'i
Stuttgart, 1979.
142 R, O, BENENZON
MANUAL DE MUSICOTERAPIA 143
',I
,I 3) Que canções de ninar lhe cantavam? Como o faziam dormir?
"

4) Recordam alguma característica particular dos primeiros anos nicação: nesta segunda etapa o paciente se comunica com o musi-
de vida? . coterapeuta que aproveita os canais de comunicação abertoS no
, 5) Podem descrever que tipos de sons emitia seu filho (parecido a primeiro nível para introduzir-se como ser humano. 'O terceiro
" quê)? nível, chamado de integração: nesta terceira etapa o paciente se
-ji 6) Existiu alguma pessoa em especial (babá, empregada, familia- comunica com o meio que o rodeia e seu grupo familiar. Apro-
, ,:1' res etc)? veitam-se também os canais do nível anterior.
1 ["l
7) Recordam sons ou ruídos que recusava ou pelo contrário des- . Os gráficos seguintes mostram o conceito de autismo, sim-
"1
1:1 frutava? biose e esquizofrenia e as possibilidades de diferenciá-los, de acor-
.' "'I
do com as respostas obtidas através da Musicoterapia.
B - História referente a vocês O Gráfico 1 mostra o ego de uma criança. autista, separado
do meio externo por uma espécie de caparazão de cristal s~ atra-
a) Passado vessada aparentemente pelo som que abrirá o primeiro canal de
. ~' . comunicação .
-' 1) De que país de origem são?
2) Têm alguma afinidade folclórica com respeito a essa origem?
qUál?
3) Que preferências musicais e instrumentais tiveram?
4) Aprenderam música? Como foi?
b) Momento atual
8
Gráfico 1. Estrutura da criança autista
.1) Houve modificações de suas preferências musicais e instrumen-
tais, quais foram e por quê? O Gráfico 2 mostra a criança simbiótica que só se diferencia I.

2) Tem algum desejo particular com respeito a essa música? da anterior quando está na presença da mãe, Então envia um pseu-
3) Que sons ou ru ídos recusam e quais não? dopódio que rodeia a mãe aderindo-se a ela, porém sem comunica-
4) Tem alguma sugestão ou inquietude e pensam que possa ser ção ou com um tipo de comunicação patológica.
de utilidade?
Portanto, a adaptação me levou a criar três níveis sucessivos
de trabalho. O primeiro nível, chamado de regressão: nesta primei-
ra etapa o paciente é submetido a sons empáticos com seu estado
regressivo e se produz a abertura de canais de comunicação e a rup-
"
tura concomitante dos núcleos defensivos. Neste nível se utilizam
;1 técnicas da Musicoterapia passiva ou receptiva.
Entende-se que falamos de Musicoterapia passiva quando o
paciente é submetido ao som sem instruções prévias.
O caso das crianças autistas ou psicóticas é o único caso em
que se pode falar de Musicoterapia passiva. Em todos os demais
casos, ainda que o paciente seja submetido aos sons, existe ativida-
de por parte do paciente que está respondendo de uma ou outra Gráfico 2. Estrutura da criança simbiótica
maneira ao som que percebe. O segundo nível, chamado de comu-
",I
'1
!I
144
R, a BENENZON
,, MANUAL OE MUSICO TERAPIA
145

o Gráfico 3 mostra a criança esquizofrênica. O ego está divi-


dido em vários compartimentos, o que permite estabelecer uma O passo seguinte é introduzir um instrumento como objeto
comunicação entre os interst(cios desses compartimentos, sendo, intermediário que reproduza o som que impactou o ego da criança.
portanto, bizarra, estranha, porém com resposta constante aos es- Imperceptivelmente isto levará ao terceiro passo que é a conexão
tímulos. com o musicoterapeuta que, trabalhando com o objeto intermediá-
, " rio e com o som achado, estará estaberecendo a primeira conexão
definida com a criança (gráfico da página 144).
, , ~~ O quarto passo, que ocorre simultaneamente ao anterior, é o
canal de comunicação que se abriu em forma inversa, ou seja, des'
:" II ~ de o ego da criança, constituído pela resposta ao estímulo.
"d Isto permite usar, como quinto passo, o mesmo canal de co-
Gráfico 3. Estrutura da criança esquizofrênica
municação aberto pela resposta, seja através da imitação da mesma
expressão da criança (exemplo, estalidos, ou sons guturais etc), ou
A seqüência metodológica é li seguinte: através do jogo com a água etc.
O Gráfico 4 mostra o primeiro passo, que é a busca do som Tecnicamente se desenvolve da seguinte forma:
que penetre. através da couraça de cristal e impacte o ego da crian- Usa-se uma sala distinta da habitual do instituto, ou a sala de
ça autista. Isto significará que teremos encontrado parte do ISO Musicoterapia. Trata-se de manter a mesma decoração durante to-
dessa criança. da a experiência, de tal maneira que o único que variará será o estí-
mulo sonoro. Na sala haverá uma pequena mesinha com suacadei-
rinha de acordo com o tamanho da criança. Sobre a mesa haverá
uma bacia redonda de meta I com um pouco de água. A razão da
bacia de metal é para que golpeando com os dedos possa produzir
sons ou vibrações; e redonda, para que possa girar de tal maneira
que se obtenha assim dois elementos que por si pertencem ao mun- , "

do da criança autista.
2 Convém ter uma jarra com água para utilizá-Ia durante a ex-
periência, para derramar água sobre as mãos da criança ou salpicar
etc.
1 - Som
3 2 - Instrumento A utilização da água como objeto intermediário se deve ás
3 - Fonte animada objeto-homem
seguintes razões: 1) dá possibi';dades á criança de uma resposta
não-verbal através do jogo com a água; 2) a água é um elemento
'comum com o qual a criança convive diariamente, que tem carac-
Gráfico 4 terísticas regressivas muito prazerosas e que, ademais, em minha
experiência, não tenho conhecido nenhuma criança autista que re-
cusasse a água. Muito pelo contrário, tenho observado que são
Nesta etapa usam-se três séries de sons: 1) sons pertencentes atraídas em alto grau por este elemento; 3) permite ao musico-
ao contexto mais primitivo, de forte conteúdo regressivo, como, terapeuta utilizar técnicas de movimento e jogo, salpicando, fa-
por exemplo, batimento cardíaco, sons de inspiração e expiração, zendo ritmo e, por outro lado, tomando contato pele com pele,
sons de água; 2) sons estruturados, como, por exemplo, fragmen- mediante, a carícia através da água, já que estas crianças recusam
tos sinfônicos; 3) sons eletrônicos.
qualquer contato, ante o menor vislumbre de intentá-lo.
I

iI" ' 146 R. a BENENZDN MANUAL DE MUSICOTERAPIA 147

Um gravador que reproduzirá os distintos sons que preten- gressivas. Inclusive nos permite fazer o diagnóstico diferencial en-
demos descobrir. As sessões serão individuais, diárias e durante 15 tn: uma c~iança autista e uma criança esqu izofrên ica, já que a
minutos cada dia. A criança é acompanhada à sala pela professora criança autista, como temos dito, não responde a nenhum som ou
que faz as vezes de mãe-substituta, pois passa todo o dia com a mudanças dos mesmos; em troca, a criança esquizofrênica respon-
criança. Ela a senta na cadeirinha. De um lado senta-se a professo- de constantemente às mudanças tão bruscas de estrutura entre os
'ra especializada e do outro lado o musicoterapeuta. Os 15 minutos primeiros cinco minutos e os seguintes. '
de audição estão divididos em: cinco minutos de um determinado A medida que a criança vai adquirindo mais e mais canais de
comuniCação permite a introdução das técnicas habituais descritas
,
~\I
exemplo sonoro, os cinco minutos seguintes de um exemplo total-
mente contrastante ao' primeiro e depois cinco minutos novamen- nos temas anteriores, sempre levando em conta o trabalho em
, te do primeiro exemplo. equipe com as outras técnicas de treinamento.
Por exemplo, cinco minutos de som el~trônico sinusoidal, de-
pois cinco minutos de um fragmento da Sinfonia nf} 40, de Mozart,
e depois, novamente, cinco minutos de som sinusoidal. Durante
estes 15 minutos se observam as manifestações espontâneas da
:. I" criança. Segundo estas, põem~Sesuas mãos em contato com,a água

.:..,-:!
."
e se observa, ou se brinca através dela, os ritmos, as carícias água/
pele, água/pele etc. '
' '. Outro exemplo que não está incluído nas séries anteriormen-
te referidas é: cinco minutos de estalidos gravados diretamente de
uma das crianças, ou seja, sua própria expressão, ranger de dentes;
I
depois, cinco minutos de batimentos cardíacos; e finalmente, cin ..
.~ co minutos do primeiro exemplo. "
:l
:1:;
, Nesta experiência os integrantes do par terapêutico não fa.
Iam. Desta maneira tenho podido descobrir elementos sonoros que
impactam o ego da criança autista; por exemplo, numa menina,
i "0
com clara sintomatologia autista, que não respondia a nenhúm
.I som, nem a mudanças dos mesmos, se observou uma tremenda mo-
:.
~
., dificação quando escutou os sons de inspiração e expiração, que
1- lhe produziam uma conduta de ansiedade, inspirando e expirando
'I ,f~rtemente. Cumprido assim o primeiro passo, a musicoterapeuta
f", pode continuar com o segundo passo, que foi a introdução da flau-
",
ta como intermediário, porém, não utilizando-a como produtora
de melodias, mas para inspirar e expirar dentro dela.
Mais tarde a própria paciente tomou a flauta realizando o
'I,
mesmo até que lentamente apareceram os sons. A partir daí, lenta-
mente, começou o trabalho de recuperação e introdução, por esses
mesmos canais abertos pela Musicoterapia, de outras técnicas de
treinamento .
. Este tipo de metOdologia descrito é utilizado como pri~eira
técrnca de aproximação, e sobretudo para crianças sumamente re-
1 :.

I li

CAPITULO 13

MUSICOTERAPIA NO GRUPO FAMILIAR

Neste tema desenvolverei uma técnica que não obstante nasce


especificamente para o trabalho com fam(iias de crianças autistas
ou psic6ticas, e em suas regras gerais se adapta perfeitamente para
ser utilizada em qualquer grupo familiar enfermo.
Uma das regras fundamentais para recuperar e reabilitar uma
criança autista é o tratamento paralelo e simultâneo com seu grupo
, familiar. '
Isto se pode estender a todo grupo familiar que tenha uma
criança gravemente enferma mental e fisicamente.
Seria inútil nosso trabalho se, à medida que tentamos a aber-
tura de canais de comunicação em uma criança autista, não adap-
tarmos seu grupo familiar a esses novos canais de comunicaçilo.
A observação destes grupos familiares me foi indicando que o
grupo familiar de uma criança autista, em sua vida diária, vai crian-
do um sistema de comunicação estereotipado que ao longo dos
'ri anos se converte no que denomino "quistos de comunicação".
j,'
Os quistos de comunicação são formas repetitivas e rígidas de
!I: mensagens e expressões que os pais têm para com seu filho autista,
11'
, '
e das quais não são conscientes. A maioria das vezes são expressões
verbais. Por isto mesmo considero que uma das grandes virtudes da
linguagem não.verbal é que não gera quistos de comunicação.
Estes quistos têm uma dupla etiologia: a) uma idiossincrasia
patológica familiar que converte o grupo familiar num terreno fér-
til para este tipo de enquistamento; b) a ausência de respostas por
parte da criança às expressões ou mensagens dos pais.
Com respeito ao ponto a, dado que nosso trabalho com os
pais ocorre quando a criança tenha convivido algum tempo com
eles, não se,pode discernir com ciência certa, se antes desta convi.
}
I
"

150 MANUAL DE MUSICDTERAPIA 151


"
R, a BENENZON

vência patológica os pais apresentavam uma caracterologia especial Portanto vão diminuindo, dia a dia, as mensagens, acabando
que poderia contribuir ã patogenia de uma criança autista. Toda- por converter' a criança num isolado dentro de seu próprio grupo
via, ã medida que nos aprofundamos no histórico familiar, sobr~tu- familiar.
do referente ã época da gestação de tal criança, vamos descobrin-
do sensações, percepções, fantasias, pensamentos e outros tipos de 2) A situação contrária a anterior, que inclusive parecia ser
atitudes que chamam a atenção e que apóiam a hipótese de que reativa ã mesma. Ou seja, a hiperestimulação, geralmente
estamos diante de um grupo familiar sensibilizado para este tipo indiscriminada e difusa. (Esquema II)
de patologia. O segundo ponto, o ponto b, explica que uma crian-
ça autista, em seu conviver diário, provoca em seus pais uma forma
particular de resposta.
Isto, geralmente, ocorre pela falta ou ausência total de respos- QUISTO TIPO :'S" (Hiperestimulação indiscriminada)
ta da criança, a ausência de feed-back adequado ou esperado.
O que foi dito gera a repetição constante dos estímulos ou
mensagens dos pais.
Entre as dife(entes formas de enquistamento, que são parti-
culares e características de cada grupo familiar, se podem distin-
guir quatro:
1) a ausência quase total de estímulos ou uma proporção ínfi-
ma deles. (Esquema I)

QUISTO TIPO "A" (Ausência de estrmulosl


PAII S

, :1

, ,

São aqueles pais que se esforçam por ensaiar qualquer tipo de


mensagens e de estímulos, dos mais variados, .se.~ limite de tem-
Este esquema coincide com aqueles pais que acreditam ou po, e ãs vezes sem intervalo de tempo que posslbl~ltea resposta da
têm a fantasia que seu filho é surdo ou que praticamente não com- criança. Isto determina o encapsulamento da criança dentro do
preende o que acontece ao seu redor. grupo familiar.
-r,
-~.' :
'J , I
""1"
152 MANUAL DE MUSICDTERAPIA 153
R. O. BENENZON

3) A situação intermediária, ou seja, uma série de mensagens 4) Por último me resta para descrever o desvio patológico do
e estímulos que se repetem cotidianamente, em geral ante anterior, que são os estímulos estereotipados que se vão
as mesmas circunstâncias, e que com o correr do tempo se transformando em verdadeiras anomalias de mensagens ou
convertem nos est ímulos estereotipados. (ESquema 111) de estímulos. (Esquema IV)

QUISTO TIPO "O"


QUISTO TIPO "C"
(Estímulo estereotipado anômalo)

iEstlmulo estereotipadol
,
. I
i

..
I

.,:1 GeraImente esse tipo de esquema ocorre em um dos pais, que


por suas características caractereopáticas de sua personalidade con-
vertem suas mensagens em verdadeiras raridades de estimulação.
Este esquema coincide com os pais que costumam ter uma Assim encontramos desde aquele pai ou aquela mãe que fala
conduta ~bsessiva e uniforme, coincidente com ordens, afirmações a seu filho como se fora surdo total e, portanto, modula as pala-
ou n~gaçoes, o que está bem, o que está mal, prêmios e/ou castigos vras exageradamente com seus lábios, com um volume muito forte,
verbaiS. e repete cada palavra várias vezes lentarr.ente, até aquele que refor-
Por exemplo: isto não!; isto sim!; isto é feio!' muito bem!' ça sua mensagem com algum movimento da criança. apertando-lhe
muito mal!; não!; caca!; isto é caca! etc. ' , a mão ou sacudindo-a etc ..
J
I
154 R. O. BENENZON MANUAL OE MUSICOTERAPIA 155

Estas formas de enquistamento costumam coincidir também zando os sons que se tenham localizado como impactantes do
com as maneiras de receber as expressões do filho autista ou de in- ego, como o tenho descrito no tema anterior.
terpretá-Ias. Porém, de qualquer maneira, se a criança não é autista
Por exemplo: os pais com enquistamento tipo A ou tipo C, recomendo o trabalho com as técnicas habituais da Musicote:
ou seja, com ausência de estímulos ou de estímulos estereotipados, rapia, previamente ao trabalho com o grupo.
têm muitas vezes dificuldades de compreender as expressões de seu 29) Desde o começo, trabalho como par terapêutico.
: j.' filho autista. O par terapêutico é formado, na primeira parte, pela pro-
Em troca, os pais ou grupos familiares com enquistamento
fessora especializada que realiza o papel de mãe-substituta e
tipo B ou tipo D, ou seja, os de hiperestimulação ou estimulação
eu; e na segunda parte, pela musicoterapeuta e eu. '
anômala, costumam ter uma errada interpretação das expressões
O par terapêutico é um continente dinâmico que permite à
de seu filho autista. criança expressar-se mais livre e espontaneamente.
São aqueles pais que dizem: ele quis dizer que ... 1 ou, quer
Este último lhe dá a possibilidade de reagir em forma dis-
que lhe dêem tal coisa! ... etc., sem ter claramente a certeza da rea-
tinta a atitudes esperadas, sobretudo se as confrontarÔlos com
lidade de suas expressões, ou pensando que um mesmo gesto pode
as atitudes de seus próprios pais. Por exemplo se ante uma
ser sempre a expressão de um mesmo desejo.
ação da criança, ela espera uma negação ou um'a afirmação e
Um dos mais importantes objetivos da Musicoterapia como
eu não a rll?lizo, o es~uema da resposta estereotipada, proje-
técnica de aproximação da criança autista é o de diagnosticar os
tada ~m mim como figura paterna, se modifica e, portanto,
quistos de comunicação do grupo familiar com tal criança, romper
seu aCIOnar também se transforma.
os quistos de comunicação correspondentes e estruturar novas for-
Em geral, na prirr;aira etapa, o par terapêutico permite um
mas de mensagens nos vazios deixados pelo rompimento destes
alívio tensional da criança. Este alívio se dá pela possibilidade
quistos.
de receber do paciente atitudes claramente identificadas com
Em meus longos anos de trabalho aplicando a Musicoterapia
as que teria com seus pais. Assim, por exemplo, se a criança
em grupos familiares com crianças autistas tenho estabelecido algu-
me olha com desconfiança, porque me considera um objeto
mas regras que são de utilidade, e que com a continuação deta-
alarmógeno, busca proteção na musicoterapeuta, ou vice-
lharei:
versa.
19) É necessário antes de começar o trabalho com o grupo fami-
A continuidade do par terapêutico.-dentro do trabalho do
liar ter um período de trabalho em forma individual com a.
gr~po familiar, facilita a compreensão e descobrimento dos
criança autista. qUistos de comunicação e também facilita a distensão do ca-
Subentende-se que sempre que me refira a um enfoque te- sai de pais, que sente um continente dinâmico a protegê-lo
rapêutico com a criança autista, estou propondo o trabalho ante as variáveis ansiógenas do acionar de seu filho.
dentro de uma instituição onde a criança passa todo o dia Por último, o descobrimento e recriação dos diferentes ca-
útil, e é manejada por uma equipe multidisciplinar de recupe- nais de comunicação entre a criança e nós, como par terapêu-
ração. tiCO na tan;fa individu~l, nos permite ter uma história própria
O objetivo de trabalhar individualmente é para conhecer a de acontecimentos e circunstâncias vividas durante um lapso
fundo a criança e tratar de abrir o máximo de canais de co- de tempo, que facilita depois a confrontação desta história
municação para nós e para o resto da equipe de saúde. É pre- com aquela que os pais trazem,.e observamos durante a tare-
cisamente durante esta etapa que trabalho com água, como fa, o grupo familiar dessa mesma criança.
objeto intermediário, e buscando sons que possam impactar o
ego da criança autista; e depois, em uma segunda etapa, intro- 39) Paralelamente ao trabalho individual com a criança, devemos
duzir o instrumento musical como objeto intermediário, utili- preparar o grupo familiar e, portanto, também se trabalha
1
,
;
I
\
156 R. o. BENENZON
MANUAL OE MUSICO TERAPIA 157

,i
com o casal de pa is, sem a presença do filho.
~i Faço-lhes escutar a mensagem anteriormente gravada por
O grupo familiar que tenha levado seu filho a uma institui.
;1 eles e depois de contar-lhes a reação que teve seu filho, ao
ção encontra.se com um montante de ansiedade paranóica
"'I ouvi.la, peço-lhes uma nova gravação explicando que deve ser
similar ao paciente que inicia uma psicoterapia. Esta ansieda-
diferente da anterior que escutaram. Desta vez devem gravar
de aumenta se pretendemos num começo trabalhar com o
mensagens fantasiando que esse filho tem u~a mai?r com-
grupo familiar em presença do filho e, geralmente, mostra
, ( uma imagem distorcida da realidade, através das defesas
preensão e percepção, e portanto, podem dizer COisaSque
queriam expressar e não o têm feito por sentir que não iam
reativas que os pais utilizam frente a nós.
ser escutados, nem compreendidos pelo filho. Explico-lhes
Em troca, se nós trabalhamos individualmente com o casal
que estas expressões não têm que ser sempre verbais; mas que
:1 de pais, durante um lapso de um ano mais ou menos, depen-
também podem ser cantos ou outro tipos de sons.
I dendo dos casos, antes de defrontá-los com a criança, conse- Segue-se a mesma técnica do primeiro exemplo.
guimos ter um grupo familiar preparado, com um montante
Os resultados são: a) ao voltar a escutar suas próprias men-

,j
de ansiedade mínimo, dando.nos, portanto, uma imagem mais
sagens, os pais tomam consciência de algumas das dificuld~-
real e, nós, por outro lado, também estamos preparados para
des e estereotipias, da forma que se comunicam com seu fi-
este encontro com um critério mais realista da criança.
lho' b) a possibilidade de verbalizar e desbloquear o que têm
O primeiro passo para trabalhar com o grupo familiar é
.. , uma entrevista onde lhes relato o trabalho que realizamos
rep~imido, mobilizan<~o notavelmente situações internas com
respeito ao filho. Isto provoca momentos sumamente dramá-
com o filho e os resultados do mesmo. Depois lhes peço uma
ticos para o casal, amplamente frutíferos ao tentar superá-los;
primeira cooperação, que consiste em gravar as mensagens co-
c) nos permite reconhecer a capacidade. potencial do grupo
tidianas que ocorrem normalmente no meio familiar; com a
familiar para enfrentar a mobilização e a reconstrução da rup-
criança. Para realizar isto, tecnicamente lhes ensino a manejar
I um gravador e os deixo a sós numa sala durante uma hora,
tura dos quistos de comunicação. Desta maneira temos prepa-
rado o grupo familiar para enfrentar o trabalho em conjunto
,11 sem a criança. A instrução insiste em que devem fantasiar a
conosco, como par terapêutico, e o filho.
I presença do filho em distintos momentos da vida cotidiana e
:'1
, ~I
em diferentes circunstâncias, e gravar, como lhe têm falado, o 49) Considero que depois de um ano de trabalho na forma falada,
. I-~: que lhe têm dito, como lhe têm gritado ou cantado etc. Os re. ou seja, um trabalho paralelo com a criança individualmente,
II sultados desta primeira gravação são: a) os pais costumam re- e com o casal de pais, se pode tentar a integração do grupo fa-
produzir as mensagens estereotipadas que têm com seu filho; miliar numa experiência, ou seja, o enfrentamento desse gru-
b) nos provêem de um material muito rico, que paulatina- po com a criança e nós, como par terapêutico.
mente permite diagnosticar os quistos de comunicação; c) ao Esta experiência me tem permitido também estabelecer al-
fazer escutar estas gravações aos respectivos filhos, podemos gumas regras para o trabalho do grupo familiar de uma crian-
observar as diferenças de respostas frente à voz e mensagem ça autista, em Musicoterapia.
paterna e materna. 4.1) O contrato de trabalho deve ter um tempo limitado.
Desta maneira observamos pais que falam a seu filho como Combina-se com os pais quatro sessões, que podc:n ser
se este fora surdo; outros, com negações ou afirmações cons- distribu ídas em uma por semana durante um mês, ou duas ve-
i, tantes; outros com total dificuldade de adaptar-se ao tempo zes por semana etc, de acordo com as possibilida~es.do~ pais.
I' específico de seu filho, isto é, o que fui descrevendo na dis- Com esse tipo de contrato breve, evitamos a reslstencla dos
" tinção dos quatro quistos de comunicação. Depois de alguns pais a esse tipo de atividade, que costuma ocorrer com bas.
meses, que costuma oscilar entre 6 a 9, desta primeira grava- tante freqüência.
ção, voltamos a chamar estes pais.
4.2) Enfrentamos o grupo familiar como um laboratório de expe-

'fi.
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R, a BENENZON MANUAL DE MUSICOTERAPIA

mecanismos inconscientes ou latentes que possam mobilizar


rimentação espontâneo com claros objetivos e sentido co-
o grupo ou ativar resistências. Tratamos de reforçar e desper-
mum. Damos-lhes instruções simples e singelas: ••... ponham-
tar' a criatividade e as capacidades construtivas do ego dos
se cômodos ... se querem tirar a gravata ou a jaqueta ... , va-
pais.
mos tratar de buscar formas de comunicação com seu fi-
lho: ..••. Todos esses elementos vão clamando a ansiedade do as objetivos principais são dois: a) compreensão do tempo

I primeiro momento e acomodam o grupo para enfrentar o


filho.
4.3) Durante a sessão de Musicoterapia com o grupo familiar, se-
de seu filho, ruptura dos quistos de comunicação e reconstru-
ção, b) gratificação.
4.5) Para o que foi dito, utilizamos uma linguagem simples, com
guem-se três etapas: grande sentido comum, através de comentários, explicações,
'1, :1 Primeira etapa: de observação: esta etapa ocorre quando a sugestões, formas de introduzir mudanças, e novas estraté-
.
,
criança é trazida pela musicoterapeuta desde a sala de aula e gias para a próxima sessão.
;:I., i ingressa na sala onde estamos esperando, e se produz o pri-
meiro contato diante de nós.
Todo o relato é em relação direta ao que se viveu nesse mo-
.<I
~.'i Nesse instante observamos as estereotipias do contato. Des-
mento da sessão, isto é, no "aqui e agora". au seja, trata-se de mo-
dificar a experiência vivida juntos, sem invadir a estrutura familiar
',' ta maneira se faz uma visualização dos quistos de comunica-
r ção que foram ouvidos nas fitas gravadas. Podem-se observar:
como os pais recebem o filho, quanto lhe exigem, que tempo
que pode ser igual, similar ou até diferente, porque nós não a co-
nhecemos, não fazemos parte dela, porém começamos, sim, a ser
parte de sua história a partir dessa sessão. Para dar um exemplo,
esperam para obter uma resposta do filho, em que tom de voz apresentarei o começo de desenvolvimento de um dos casos tra-
lhe falam, quais as mensagens que utilizam e se realmente são tados.
mensagens. Trata-se de uma menina chamada Si li, de 3 anos de idade, que
Segunda etapa: de demonstração: a musicoterapeuta traba- é irmã gêmea de um menino. Tem outro irmão de 5 anos de idade,
lha com a criança da mesma maneira como o faz habitual- Ambos são normais. a fato de Sili ser irmã gêmea permitiu aos
mente no instituto. ' pais, que desde muito cedo lhes chamava a atenção, observar
Desta maneira os pais observam que capacidades tem de- o diferente desenvolvimento entre Si li e seu irmão. Este último res-
senvolvido seu filho durante o ano e vão compreendendo e vi- pondia claramente aos estímulos do mundo externo, seja com sor-
sualizando novos canais de comunicação abertos para seu fi- risos, ou com sons, ou as cócegas etc; em troca, Sili não respondia
lho, que eles ignoravam ou só intuiam. e parecia um simples vegetal que crescia. Seu pai dizia que nunca
Terceira etapa: de integração: nesta última parte, que se dá podia fazê-Ia rir ou sorrir.
ao redor dos 15 ou 20 minutos de começada a sessão, estimu- a interesse de Sili se concentrava somente em mirar suas
la-se os pais para participarem no trabalho com a musicotera- mãos, ou chupar, brincar ou morder pequenos pedaços de papl ou
peuta, utilizando os mesmos canais de comunicação. Conse- folhas das árvores que encontrava em seu caminho.
guimos, assim, que todo o grupo familiar se integre a uma Quando a vi pela primeira vez, com seus lindos olhos azu is,
mesma tarefa. seu cabelo loiro encaracolado, seu olhar esquadrinhando seu mun-
Este é o ponto culminante e mais gratificante da sessão, do interior, sua falta de linguagem, a dificuldade de tocá-Ia, a falta
onde o continente terapêutico se reforçou ao máximo. Por úl- total de resposta e sua notável destreza motora, me fez pensar
timo, a criança é retornada ã aula, observando-se previamente numa menina autista.
a separação da criança dos pais, enquanto nós ficamos só com Todos os exames de laboratório e neurológicos complementa-
eles. res deram resu Itados normais, não mostrando nenhum tipo de le-
4.4) Não utilizamos com os pais nenhum tipo de interpretação de são cerebral aparente. A cocleografia mostrou resposta negativa a
estímulos sonoros.
MANUAL DE MUSICDTERAPIA 161
160 R. a BENENZON

Apenas SiIi entrou no instituto, começou a cumprir as distin- Isto me permitiu torná-los conscientes do fato de que Sili esta-
tas etapas de nossa investigação em Musicoterapia, conjuntamente va enquistada dentro deles mesmos, como a menina de um ano
com todas as outras técnicas recuperativas e de hábitos cotidianos. atrás. Mas que, não obstante, Sili se havia modificado, e eles mano
;1
Na primeira etapa, ou seja a de nível regressivo, SiIi não res- tinham suas mensagens estereotipadas. A segunda gravação, com o
pondeu a nenhum dos estímulos sonoros. (Geralmente, nas crian- propósito de modificar as mensagens anteriores, foi sumamente
ças autistas, costumamos encontrar algum tipo de resposta, pelo difícil. Só puderam modificar tonalidades de voz e estabelecer
menos a um dos sons regressivos estimulados, seja batimento car- mensagens mais afetuosas.
díaco, sons de inspiração e expiração, sons produzidos por elas Depois de um tempo desta última gravação e de trabalho com
mesmas etc.) Todavia, Sili aceitou o jogo com a água, e as carícias Sili, achamos oportuno realizar as primeiras quatro sessões de gru-
I
sobre suas mãos realizadas através do contato com a água. Durante po familiar em Musicoterapia, para diagnosticar claramente os
I.
a segunda etapa, ou seja, de nível de comunicação, a musicotera- quistos de comunicação e tratar de estruturar novas formas.
peuta, no trabalho cotidiano, começou a descobrir elementos de O grupo familiar se realizou com os pais e com os dois ir-
contato rítmico corporais como: som e movimento acompanhados mãos, o maior e o gêmeo.
das canções de ninar ou das vibrações produzidas pelas cordas do Descrição da primeira sessão de grupo familiar em Musicote-
violoncelo transmitidas através do chão de madeira, provocando rapia:
em SiIi a diminuição de seu.s movimentos hiperkinéticos, e até li Logo que os pais e irmãos ingressaram na sala (todavia não
quietude mais absoluta, geralmente adotando a posição horizontal havíamos trazido Sili) se visualizou as características reproduzidas
I. "
de todo seu corpo sobre o chão, em contato com a vibração. Esta
última posição era pressionada, de forma muito suave, pela musi-
na fita gravada. Os dois meninos se atiraram sobre os instrumentos
musicais, tocando-os, golpeando-os, brigando entre si para pegar
um ou outro, enquanto os pais, por um lado tentavam acalmar os
coterapeuta, não oferecendo resistência por parte de SiIi. Normal-
. i mente, manter Sili em posição horizontal na sala, durante longo meninos com ordens, por outro procuravam conversar e comentar
I tempo, era uma verdadeira conquista, pois, uma típica atitude de conosco. Demos-lhes as primeiras instruções que foram:
• SiIi, era estar em contínuo movimento, indo e vindo de um lado a) sentirem-se espontâneos, livres, atuar como se estivessem
para outro da sala, porém sempre seguindo uma mesma direção, no lar em uma situação cotidiana, que se sintam relaxados,
com grande equihbrio, graça e refinamento em seus movimentos. livres de movimento e que encarem a situação como uma
Outra atitude era buscar lugares afastados ou estreitos como, experiência de laboratório em que todos estamos envolvi-
por exemplo, vãos de uma biblioteca, para encolher-se em verda- dos para tratar da comunicação com Sill. Depois disto a
deiras posições fetais. musicoterapeuta foi buscar Sili na sua aula e a trouxe à
A primeira gravação que os pais realizaram de suas mensagens sala. Quando Sili ingressou, o pai se acercou prontamente,
cotidianas mostrava uma faml1ia com uma acentuada hiperkinesia. a tomou nos braços, a beijou intensamente e lhe disse:
Escutavam-se ordens e contra-ordens, comparações, classificações, "Olá, Sili". Sili passou de longe sem ver aparentemente
em altos tons de voz. seus pais. Os irmãos continuaram brincando, surdos e cegos
Ao escutar esta gravação, Sili mostrou um aumento da hiper- à presença de Sill. Sili acercou-se onde estavam seus irmãos
kinesia habitual, e ao aproximar-se o final da sessão arremessou a e sem olhá-los pisou os instrumentos e começou a andar de
bacia de água ao chão Elo urinou em cima dela. Depois de 8 meses, um lado para outro da sala mantendo um mesmo curso e
voltei a chamar os pais e lhes fiz escutar o exemplo gravado por repetindo um mesmo ritmo de passos.
eles. Manifestaram a mim seu assombro e reconhecimento pela rea- Durante os primeiros dez minutos, desde que Sili ingressou,
lidade que es~utaram, e especialmente o fato de que suas atitudes observou-se:
se mantinham quase sem variação, apesar do ano transcorrido, so-
bretudo levando em conta as mudanças que Sili havia realizado.
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MANUAL DE MUSICOTERAPIA 163

a) o pai, de características autoritárias, dava ordens para que


o irmão maior acalmasse o menor e brincasse com Sili' ao Nós ficamos conversando com os pais. A primeira impressão
irmão gêmeo, para que não ficasse com ciúmes e deix~sse que eles ressaltaram foi que o ocorrido nesse momento era mu ito
de chorar por causa dos empurrões do irmão maior, e tam- similar ao que sucedia diariamente no lar. Depois de um breve co-
bém se acercasse de Sili; por outro lado, mostrava um exa- mentário do que foi observado durante o "aqui e agora" da sessão,
gerado afeto por SiIi, tratando de beijá-Ia, acariciá-Ia, fa- onde lhes fizemos compreender a hiperc inesia e a hiperestimu lação
zer-lhe cócegas etc. de que era objeto Sili, sugerimos algumas mudanças estratégicas
com a finalidade de colocá-Ias em prática na próxima sessão.
b) o irmão maior tratava de agradar seu pai cumprindo as or- Estas sugestões foram;
dens controlando seu irmão menor usando a força, levan-
tando ou sacudindo Sili, ou tratando de beijá-Ia ou com 1) Tratar de diminuir a estimulação indiscriminada.
cócegas, identificando-se com a atitude do pai. 2) Elaborar mensagens simples e definidas para Sili, seguindo
c) o irmão menor chorava todo o tempo, porque era reprimi- uma coerência em todo grupo familiar.
do e não recebia suficiente atenção, tendo ciúmes de Sili. 3) Estimular uma maior participação da mãe, com uma dimi-
d) a mãe, em atitude. passiva, tratava de impor alguma ordem nuição da do pai.
a cada um, sem êxito. O grupo aceitou, gratamente e interessado, as sugestões. Na
e) a hipercinesla de Sili aumentava com o crescimento da hi- sessão seguinte os pais vieram sós, sem os filhos e nos comentaram
percinesia familiar. as mudanças observadas na vida cotidiana em casa, pondo em prá-
Depois, a musicoterapeuta tratou de realizar um simples exer- tica as sugestões estabelecidas.
cício rítmico, de movimentos, acompanhados com canções de Desta maneira, utilizando técnicas não-verbais, podemos diag-
ninar, exercícios que cotidianamente realizava com Sili no institu- nosticar quistos de comunicação e, sem produzir resistências, con-
to. Isto motivou uma diminuição da hiperCinesia familiar, o andar seguir rupturas e possíveis reestruturações que servirão à recupe-
de Sili se fez mais calmo, de repente parava e ficava quieta por um ração da cria nça. .
longo espaço de tempo como se esperasse algo ou sentisse o cha- Com o correr do tempo, temos podido modificar notáveis
mado de seu mundo interior. Todavia, não foi fácil para a musico- pautas de conduta do grupo familiar, conseguindo que Sili abra
terapeuta contactar-se com Sili como o fazia habitualmente, sem a numerosos canais de comunicação afetivos, expressivos, de percep-
presença do grupo familiar. Chegamos, assim, à conclusão de que ção e compreensão,
estávamos ante a presença de um grupo familiar cujo quisto de co- Ou seja, que a Musicoterapia como técnica não-verbal utiliza-
municação é do tipo B (hiperestimulação indiscriminada - veja-se da em par terapêutico permite fertilizar e modificar o "útero",
Esquema 11 ). Sili recebia de todo o grupo familiar uma invasão que significa o grupo familiar, onde está inserto esse psiquismo
abundante de estímulos indiscriminados, provocando nela uma fetal patológico e prolongado que é a criança autista.
completa dispersão e uma defesa estereotipada que se mantinha, A utilização deste mesmo tipo de técnica em grupos familia-
ainda sem estimulação. res de crianças ou adolescentes com transtornos neuróticos, nos
Só se pôde obter um mínimo de atenção quando se convi- deu excelentes resultados, pois da mesma forma se observam e se
dou,a todo o grupo familiar para participar em uma roda com Sili podem modificar os quistos de comunicação que nestes últimos
e nós. Si li tomava parte dessa roda de tempo em tempo, ou se casos são muito mais complicados de observar, dadas as defesas in-
colocava no centro da mesma, ou se deitava no chão, ou saía da telectualizadas com que manejam a linguagem não-verbal.
roda para seu habitual passeio pela sala. Depois de vinte minutos Ao finalizar o brevlssimo contrato de quatro sessões, é de ro-
de extenuante trabalho, a musicoterapeuta retornou Sili à sua aula, tina que o próprio grupo familiar deseje continuar um período
.observando e surpreendendo-se com a calma que Sili adquiriu ao maior de sessões. Se o grupo familiar não o solicita, então nossa
reingressar no seu habitat cotidiano.
!
I
I
164 R. a BENENZON

técnica é não insistir, e estabelecer um novo período de quatro ses-


sões dentro de um determinado tempo que varia segundo os casos.
Muitos grupos familiares têm estabelecido espontaneamente
a diferença que notam entre um grupo'familiar em Musicoterapia CAPfTULO 14
e um grupo familiar em psicoterapia. As conclusões que se podem
obter desses comentários manifestos é que o grupo familiar em
Musicoterapia não é tão resistido como o de psicoterapia; é como
se a Musicoterapia não se enfrentasse diretamente com os núcleos
inconscientes temidos pelo grupo familiar. Isto é, penetra por de-
trás das defesas do grupo familiar. Isto permite elaborar uma estra- HISTÓRIA DA MUSICOTERAPIA
tégia terapêutica de grupo familiar onde a primeira indicação seria
a Musicoterapia, e, depois, abrir as possibilidades para a técnica da
psicoterapia. Muitas famílias que resistiam a ingressar numa psico- o uso da música como agente para combater enfermidades é
terapia grupal, a têm aceitado depois da experiência grupal em quase tão antigo como a música em si; porém os primeiros escritos
Musicoterapia.
onde se faz referência à sua influência sobre o corpo humano são
Surgem também no grupo de Musicoterapia algumas variantes provavelmente os papiros médicos egípcios descobertos em Kahum,
interessantes, como a gratificação da técnica em si mesma. Isto é, por Petrie, em 1899 e que datam por volta do ano 1500 antes de
não só se descobrem situações e conflitos inconscientes e se fazem Cristo. Estes se referem ao encantamento pela música, a que atri-
visíveis medlente técnicas não-verba)s, mas, que estas mesmas téc- buíam uma influência favorável sobre a fertilidade da mulher.
nicas não-verbais são inerentes a um processo de gratificação, seja TQdavia, todos os autores parecem coincidir no primeiro rela-
pelo nível evolutivo a que pertencem; como também pela via de to sobre Musicoterapia ou música curativa, que é a efetuada por
canalização das ansiedades persecutórias que são mais fáceis de se- David com sua harpa frente ao rei Saul.
rem descarregadas através dos objetos intermediários.
Esta citação aparece na 81blia (I, Samuel, 16:23) onde diz:
"Quando o mau espírito de Deus se apoderava de Saul, David to-
mava a harpa, a tocava, e Saul acalmava-se e se sentia melhor. e o
espírito mau afastava-se dele ... " A partir daqui, cada um do. escri-
tores se divide em distintos relatos e fábulas, que como nos diz
Markoff em sua tese " ... são tantas a fábulas que se contam e é tão
difícil de descobrir o fundo de verdade que há nelas, que não nos
provam grande coisa, porém são tão agradáveis de ler que não resis-
timos ao desejo de contá-Ias ... "
Apesar disto creio que ~a podem extrair importantes conceitos
que tenho exposto neste manual e que já eram intuídos pelas ma-
nifestações do homem em seu decurso histórico.
Devo destacar o poder onipotente, mágico, todo-poderoso e
de sugestão que possui a música e que, possivelmente, fique em
cada um de nós como indício de nosso ser primitivo. O homem
acreditou que o som era uma força cósmica presente no começo
do mundo, e que tomou forma verbal. São João começa o primei-
ro capítulo de seu Evangelho com estas palavras: "No começo foi
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o verbo e a palavra estava em Deus e o verbo era Deus". Existem individual universal. t certa a existência, inconsciente, de um som
infinidades de lendas sobre a criação do mundo nas quais o som s!!creto pessoal (similar ao que está presente em alguns psicóticos),
tem um papel muito importante. Os egípcios acreditavam que o que confirma a velha crença de que cada homem nasce com s~~
deus Tote criou o mundo, não com o pensamento ou a ação, mas som interno próprio ao qu'~ responde, Portanto, vemos como ja
somente com sua voz. Com o som de sua boca produziu o nasci- existia a concepção de um princípio de ISO. Considero interessan-
mento de quatro deuses, os quais dotados de poderes similares, po- te relatar alguns exemplos ocorridos em algumas tribos, sobretudo
voaram e organizaram o mundo. porque também são base de antecedentes prim itivo~ da terra. de
Marius Schneider afirma que, na concepção filosófica proce- ninguém que se dá entre o psicodrama, a dançaterapla, a ~USICO-
dente dos persas e hindus sobre a origem do Cosmo, o universo foi terapia etc, que tenho relatado em um dos esquemas deste livro.
criado por uma substância acústica. Supõe-se haver sido originado, Um destes exemplos é o que relata o doutor Neumann sobre
em princípio, pelo som emergido das profundezas do abismo, con- uma informação do missionário inglês James Sibree, que observou
vertendo-se em luz, e que pouco a pouco essa luz se transformou no ano de 1870 uma cura de duas moças enfermas, realizada em
em matéria. Porém esta materialização nunca foi total porque cada Madagascar com a ajuda da música e dança.
matéria ou objeto continua retendo, em maior ou menor ~edid~, Todos os habitantes da cidade formaram um círculo ao redor
parte dessa matéria sonora originâria. Este é um dos conceitos ba- das enfermas, estendidas sobre \]ma.esteira e es!ranhamente ador-
sicos que se deve extrair desta concepção, por ser o ponto de par- nadas. Acompanhando-se com contínuas palmadas, as mulheres
tida que explica uma série de fenômenos observados durante a cantaram primeiramente uma canção monótona, enquanto os ho-
Musicoterapia com enfermos muito regressivos, como tenho expli- mens batiam rústicos tambores de madeira,
cado em temas anteriores. Na continuação, uma mulher de classe distinta, especialmen~e
Para o homem primitivo, o som foi um meio de comunicação escolhida para a cerimônia, começou a dançar no centro de tal Cir-
com ele, e desde o infinito, que tem surgido identidades errôneas e culo, enquanto que outra mulher que estava sentada imediatamen-
" fantasias ameaçantes, Depois, estes fenômenos foram-se deslocan- te atrás das enfermas provocava um ru ído ensurdecedor, facJndo
do, como diz Margaret Mead, que explica que em certas tribos da choca r pedaços de meta I.
Nova Guiné se acredita que as vozes dos espíritos podem ser ouvi- Esta cerimônia devia expulsar os espíritos malígnos das en.
das através das flautas, dos tambores e dos bufados do touro. Nas fermas e atra í-Ios até o corpo da bailarina, que graças à sua alta ca-
civilizações totêmicas existe a crença de que cada um dos espí- tegoria, estava preservada da influência dos demônios. Outro exem-
ritos que habita o mundo possui seu próprio som específico e in- plo é o dos médicos feiticeiros da Ilha Ceram, das Molucas, que en-
dividuai. toavam um 5050 (canto de c"<ljuro pronunciado na língua primiti-
O totem ancestral, por exemplo, parecia possuir uma existên- va) acompanhados pelo ritmo de tambores batidos por mulheres.
cia acústica e respondia a certos sons. A imitação ou simulação dos Stumpf nos relata, com respeito aos índios beJlacula, da Co-
sons ou canções que provinham do totem permitiam ao homem lômbia Britânica, um "canto do doutor", entoado em ação de gra-
identificar.se com ele e, dessa maneira, manter sua vida através ças depois de uma feliz cura conseguida pelo médico da tribo. Este
do contato. De outra forma poderia morrer. canto era acompanhado com uma representação pantomímica da
Os homens primitivos acreditavam freqüentemente que cada enfermidade e da cura. O curado jazia na posição que havia ficado
ser vivo ou morto tinha seu próprio som ou canção secreta à qual durante sua doença, rodeado por seus amigos, Outros integrant~s
devia responder. e queo tornava vulnerável à magia. Por esta razão, da tribo, sentados ao fundo, cantavam e tocavam o tambor. DepOIS
nos ritos mágicos da saúde, os médicos bruxos tratavam de desco- aparecia o médico feiticeiro, pronunciava alguns conjuros e realiza-
brir o som ou canção à qual responderia o homem enfermo ou o
espírito que habitava nele. O som pessoal podia relacionar-se com
, o timbre .da voz do homem. que ainda hoje sabemos é um fator
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va outras ações mágicas ao mesmo tempo que passava sua mão di- enfermidades nervosas, en4uanto que os instrumentos feitos com
reita pelo enfermo, e com a esquerda agitava um guizo;por último, fibra da planta de rlcino provocariam efeitos purgativos.
com um gesto extático, olhava para o céu e se inclinava sobre o . Assim chegamos aos gregos os quais empregaram a música de
paciente para chupar-lhe os sucos malígnos. Os circundantes repre- modo razoável e lógico, e incrementaram notavelmente sua aplica-
sentavam com pantomimas a expectativa com que seguiam a ceri- ção para prevenir e curar as enfermidades flsicas e mentais. Foi
mônia do médico feiticeiro. Para terminar a ação de graças, o enfer- tanta a importância que lhe outorgaram que chegaram a considerar
mo curado bailava com seus amigos, enquanto os demais entoavam que o uso da música devia estar controlado pelo Estado. Platão e
o "canto do doutor". No culto badístico das I-ndias Meridionais, Aristóteles bem podiam ser os precursores dos musicoterapeutas.
também encontramos o costume de atar guizos na espalda dos Aristóteles falava do verdadeiro valor médico da música ante as
I mascarados que executam uma dança das espadas para expulsar os
espíritos malígnos. Alguns investigadores suspeitam que os sinos
emoções incontroláveis e atribuía seu efeito benfazejo para a catar-
se emocional. Platão receitava música e dança para os terrores e as
das igrejas também puderam ter servido num principio para fins angústicas fóbicas: " ... A música não tem sido dada ao homem
exorclsticos, isto é, que com seu som, estiveram destinados a ex- com o objetivo de afagar seus sentidos, mas sim para acalmar os
pulsar do templo os espíritos do inferno. O mesmo caráter exor- transtornos de sua alma e os movimentos que experimenta um cor-
c1stico da música se encontra em muitas cerimônias de enterro; as- po cheio de imperfeições ... "; Zoroastro recomendava a seusalu-
sim, por exemplo, na casta Sudra da ,"ndia, quando morre um de nos que começassem e term inassem as jornadas de estudos com
seus membros, costuma-se tocar com duas trompas dois sons (sol concertos, porque o movimento doce e medido da música fazia
sustenido e si-bemol) mantidos continuamente, desde o momento com que a alma entrasse no silêncio dos sentidos, sendo esta igual-
da morte, até terminar a cerimônia mortuária. O sombrio som des- dade e este equi IIbrio necessários para as investigações aprimoradas.
tes dois tons não tem por objetivo, como se acreditava no princí- Coelius Aurelianus conta que por influência dos sons, os an-
pio, expressar um lamento fúnebre, mas o de afugentar os maus es- ciãos curavam-se das partes doloridas, sobretudo quando se canta-
píritos para que não se apoderem da alma do defunto. va em cima delas de forma que o escalafrio resultante da percussão
Nas fontes medievais, tanto árabes como judias, narra-se com do ar os aliviasse. Zenócrates e Celso, no tempo de Augusto, usa-
freqüência como se chamavam os músicos para aliviar as dores dos vam certos instrumentos, em particular o c1mbalo, para a loucura.
enfermos no hospital; um antigo manuscrito hebreu contém uma Estes enfoques nos ir,teressam à luz de nossos conhecimentos
ilustração na qual aparece um tocador de alaúde sentado na sala de
atuais, pois demonstram os aspectos intuitivos de observação de
espera de um médico, chamado, provavelmente, para expurgar a
nossos antecessores.
mente do possesso ou para realizar sua parte na cura do enfermo. O mais importante destas elocubrações é reconhecer, nos gre-
As virtudes mágicas da música com freqüência eram transmi-
gos, o uso da música sem implicações mágicas nem religiosas, mas
tidas aos instrumentos musicais_ Sempre se atribulram forças espe-
exclusivamente atendo-se à situação cl ínica e à observação.
ciais aos instrumentos de sopro, feitos com ossos humanos, que se
Assim cheqamos ao ano de 1500, onde encontramos um docu-
enterravam junto com os cadáveres, aos quais deviam assegurar a
mento interessante. Trata-se do pintor Hugo Van der Goes, de sú-
vida além-túmulo. Com respeito, é interessante mencionar o livro
bito atacado pela loucura: " ... ele acreditava estar perdido e con-
Magia Natura/is de Gianbattista deUa Porta, naturalista italiano,
denado às penas do inferno, e queria suicidar-se", Um caso de me-
publicado em meados do século XV I, onde o autor preconizava a
lancolia. O conduziram a Bruxelas, onde se chamou o padre supe-
fabricação de instrumentos musicais feitos da mesma madeira de
rior Tomás que, depois de examiná-lo, comprovou que o paciente
plantas medicinais, e afirmava que os sons que se obtinham produ- sofria do mesmo mal que Saul e, recordando como se havia acal-
ziam os mesmos efeitos terapêuticos que as plantas. mado este quando David tocava a harpa, mandou tanger vários ins-
As plantas de madeira de álamo, por exemplo, seriam efica- trumentos diante do enfermo e ofereceu-lhe outros espetáculos re-
zes contra as dores de ciática, as de madeira de heléboro contra as creativos. com os Quais esperava expulsar essas fantasias mentais.
170 R. O. BENENZON MANUAL OE MUSICO TERAPIA 171

Por esta mesma época, o espanhol Ramos de Pareja, cuja musl-


No século XVII, uma grande quantidade de teses doutorais,
ca prática aparece em 1482, associa os quatro tons fundamentais dissertações e tratados, se esforçam por provar que as vibrações
aos quatro temperamentos e seus planetas. O Tonus protus corres- musicais dividem, sutilizam, atenuam as espessas matérias da atra-
ponde à fleuma e à Lua; o Tonus deuterus à bílis e a Marte; o To- bilis. É interessante analisar que hoje em dia com o emprego dos
nus tritus ao sangue e a Júpiter; o Tonus tertarus à melancolia e a ultra-sons se podem dividir as partículas do RNA e DNA, elemen-
Saturno.
tos fundamentais das células.
Em 1489 aparece Marsílio Ficino e seus discípulos, aos quais
No século XV 111, preferiu-se falar dos efeitos da música sobre
se deve a mais audaz construção teórica, que une a uma doutrina
as fibras do organismo. Lorry, a quem se deve a noção de melanco-
coerente, a filosofia, a medicina, a música, a magia e a astrologia.
lia nervosa dedica um extenso capítulo às virtudes da música.
Ficino se esforça por dar uma explicação física aos efeitos da mú-
Atribui-lhe' um efeito tríplice: excitante, calmante e harmonizante.
sica. O ar se sutiliza pela vibração dos sons e se faz análogo ao Spi-
Por um efeito mecânico, facilmente compreensível, as vibrações
ritus, exercitando e aumentando assim o espírito que habita no ho-
musicais regulares restabelecem a homotonia das fibras. Chegou-se,
mem. Segundo o parecer de Ficino, o homem melancólico execu-
inclusive, a precisões técnicas muito avançadas, Um médico de
tará, e às vezes inventará ele mesmo, os ares musicais. Isto vai nos
Nancy, F. Marquet, escreveu um livro intitulado Nouve/le métho-
acercando da Musicoterapia ativa. Continua Ficino: ele cantará e
de facile et curieuse pour connaitre le pauis par les notes de la
tangerá a lira. O enfermo e o músico, Saul e David, são agora o mes-.
musique, onde descreve um engenhoso procedimento utilizado
mo indivíduo. A música não é, pois, uma medicação externa que
i . um jovem administra a um velho melancólico. É uma operação in-
para conhecer a regularidade e irregularidade da pulsação. O prin-

I terna pela qual o melancólico trata de acalmar e equilibrar sua pró-


pria natureza atormentada. De certo m<ldo, é ume operação refle-
xiva e narcisista, que tem sua fonte de gênio melancólico, e que se
cípio é que a pulsação pode ser transcrita exatamente como qual-
quer minueto, utilizando a notação musical. .
Outro livro, chamado Memoire sur la maniere de guérir la me-
lancolie par la musique d~ Pierre Suchoz, precursor de um dos
propõe temperar uma constituição frágil, cuja desgraça se deve em
princípios de ISO, nos diz: ", .. a música que deve empregar-se
}
, grande parte aos êxtases contemplativos provocados pela arte ou
para curar os temperamentos melancólicos secos, tem que começar
a poesia.
com os tons baixos e elevar-se depois, insensivelmente, até os mais
A influência de Ficino será duradoura. Suas idéias sobre a
altos; graças a esta gradação harmônica, as fibras tensas, acostu-
música as encontraremos, depois: em poetas como Ronsard e até
madas aos diferentes graus de vibração, se afrouxam paulatinamen-
em um mago e cabalista como Agripa de Nettesheim. Em 1650 em
te", Em outro parágrafo diz: "Há que recorrer à música simples,
sua Musurgia universalis, o padre Atanásio Kircher dedica todo um
sonora e agradável; esta música que faz cócegas agradavelmente,
longo capítulo à magia musúrgico - iátrica: "se a música não pode
estimula a linfa espirituosa, dissolve os líquidos e os faz mais ade.
curar todas as enfermidades, pelos menos influi favoravelmente nas
quados para os movimentos". Este texto nos mostra de modo mu i-
que provêm da bílis amarela e da atrabilis". Kircher está convenci-
to ingênuo o desejo "científico" de dar uma imagem clara e preci-
do de que existe uma arte de fascinar os homens com os sons e de
sa do mecanismo, segundo o qual o físico da audição influi sobre o
que com estes meios até se pode invocar os demônios. Surton em
moral. Joseph Mason Cox coloca a música entre as distrações que
sua gigantesca Anatomy of Melancholy, teria reunido todos os
afastarão o ânimo do paciente dos tristes objetos que o agitam.
exemplos disponíveis de cura pela música. Inclusive havia acrescen-
Trata-se de fixar a atenção do enfermo, de obrigá-lo a que se inte-
tado alguns próprios, que denotam um sentido poético bastante
resse por algo diferente das penosas idéias que continuamente está
aguçado: ".;. uma trombeta que toca de improviso, os sinos lança-
ruminando. Pode-se pedir que faça nós, ou que teça, ou também
dos ao vôo, a modinha que assobia um carreteiro, uma criança que incitá-lo a escutar música,
cantarola uma canção pela rua ao amanhecer; está a í o que trans- Para terminar com esta primeira etapa empírica, mescla de
forma, vivifica e distrai um paciente agitado que não tenha prega- magia, sugestão e racionalização, referir-me-ei a Esquirol, psiquia-
do o olho na noite ... "
172 R.O.8ENENZON

tra francês, célebre discípulo de Pinel, por volta do ano de 1800, e


ao médico suíço, André Tissot, Esquirol comenta: ", .. tive que
provar a música como meio de curar os alienados; a provei de todas
as classes e maneiras e nas circunstâncias mais apropriadas para o
êxito. As vezes, chegou a irritar até o furor, com freqüência, parecia CAP(rULO 15
distrair, porém não posso dizer que tenha contribuído para curar.
," : Tem resultado propício aos convalescentes.,." Tissot distinguia
I' entre "música incitativa" e "música calmante" e considerava como
uma vantagem da terapêutica musical o que sem causar a menor DESENVOLVIMENTO E EVOLUÇÃO
:1 moléstia ap enfermo o fazia esquecer a doença, ainda quando não
, pudesse suprimir a causa do mal. Tissot estimava que unicamente DA MUSICOTERAPIA
"
na epilepsia estava contra.indicada a música, pois com freqüência
..
" podia provocar diretamente o ataque. Profundo conceito de obser-
vação, que é confirmado mais tarde com os casos descritos com o Devemos começar por distinguir quais são os limites entre
, nome de epilepsias musicogênicas, que tratei no tema de contra- educação musical e Musicoterapia. Para isto recorremos a um dos
indicações. precursores da Musicoterapia, que não a exerceu, porém foi um ex-
traordinário educador. Refiro-me a Jacques Emile Dalcroze, nas-
Creio que, todos estes elementos históricos referidos são um cido em Viena em 1865, fdlecido em Genebra em 1950, chamado
subsídio histórico aos fundamentos que sobrevêm ulteriormente, o criador da rítmica. Dalcroze dizia que "a música deve desempe-
como uma disciplina científica da Musicoterapia. nhar um papel importante na educação em geral, pois ela responde
aos desejos mais diversos do homem; o estudo da música é o estu-
do de si mesmo". O organismo humano é susceptível de ser educa-
do eficazmente, conforme a ordem e impulso da música; porque o
ritmo musical e o corporal são o resultado de movimentos sucessi-
vos, ordenados, modificados e estilizados que formam uma verda-
deira identidade. Seus alunos impregnados deseus princípios foram
os pioneiros da terapia educativa musical.
Um deles, A. Porta, deu em Genebra, em 1917, o primeiro
curso de rítmica para criimças anormai's; L1ongueras, sobre rítmi-
ca para cegos, em Barcelona em 1918; Scheiflauer, para crianças
surdas, em Zurique em 1926. Dalcroz:' abri" as portJS à terapia mu-
sicai porque rompeu com o esquema r'gido da escol "5tica musical,
permitindo o descobrimento e contato direto com os ritmos do
ser humano, único ponto de partida para a comunicação com o
enfermo,
Hoje, Edgard Willems, em Genebra, mantém ainda integrado
dentro dele mesmo essa dualidade de educador e terapeuta, sem
definir-se, introduzindo-se em problemas metafísicos, muitos deles
difíceis de enfocar. Nos Estados Unidos, desde a Primeira Guerra
Mundial, os hospitais de veteranos contratavam músicos profissio-
nais como "ajuda musical"; nrepararam, assim, o caminho para a
174 MANUAL DE MUSICO TERAPIA 175
R. O. BENENZON

Musicoterapia. Os resultados positivos de algumas dessas experiên- Na América Latina se produziu um importante movimento
cias atra iram o interesse dos médicos e se compreendeu cada vez depois das primeiras jornadas latino-americanas de Musicoterapia,
mais, a necessidade de um treinamento especifico para' fazer do realizadas em Buenos Aires, Argentina, em 1968, que tive a honra
músico um terapeuta. Assim, em 1950, um grupo de profissionais de presidir. A partir desse ano.colaboro na fundação da Associação
fundou a National Association for Music Therapy. Esta associação Sul-Brasileira de Musicoterapia de Porto Alegre, Brasil; a Associa-
edita uma revista, realiza todos os anos um Congresso Nacional ção 8rasileira de Musicoterapia no R ib de Janeiro, Brasil; a Asso-
dita um curso de musicoterapeutas que dura quatro anos e outo(- ciação de Musicoterapia do Paraná, Curitiba, Brasil; e Associação
ga ~ di?loma de R.M.T. (Registers Music Therapy) de nível uni- Paulista de Musicoterapia, São Paulo, Brasil. Promotoras destas as-
versitário. sociações têm sido Di Pancaro, Cec(iia Conde, Doris Hoyer de Car-
Os egressa dos prestam serviço em todos os centros importan- valho, Clotilde Espínola Leinig e Clementina Nastari.
tes de enfermidades mentais, hospitais, institutos, escolas diferen- Também colaborei, em 1969 para fundar a Asociación Uru-
c!ais e universidades. Na atualidade, existe grande demanda de mu- guaya de Musicoterapia, presidida pela professora Lyda Flores; no
slcoterapeutas que aumenta dia a dia pelos êxitos dos já existentes. Perú a Asociación Peruana de Musicoterapia, que é presidida pelo
Em 1958 fundou-se na Inglaterra a Society for Music Thera- Dr. David Jauregui Camasca.A Asociación Venezoelana de Músico-
py and Remedial Music cuja principal promotora é a musicotera- terapia, presidida por um egressado da Universidade dei Sálvaaor
peuta Juliette Alvin. da Argentina; o M.T. Pablo Golstein; a Asociación Mexicana de
At~almente seu nome foi mudado para o de British Society Musicoterapia, presidida pela licenciada Lilian Mitrani; a Asocia-
for Muslc Therapy, cuja função principal é reunir informação dis- ción Ecuatoriana de Musicoterapia, a Asociación Colombiana de
ponível, procedente de distintas partes do mundo, e desempenhar- Musicoterapia, presidida pelo licenciado Bernardo Benjumea
se como consultora ou assessora nos múltiplos aspectos que interes- Munõz; a Asociación Antioqueíía de Musicoterapia de Medellin,
sam ao emoreao ter/mêutico da música. Dita um curso para pós- Colombia; a Asociación Puertorriqueíía dE!Musicoterap!apresidida
graduados, que tem o reconhecimento oficial e que lhe permite pelo Dr. Rafael Rivera Colón.
estender um diploma de musicoterapeuta. Também edita um bo- Existem também no resto do mundo a South African Asso-
\ -I letim. ciation of Music Therapy, a Association Suisse de Muslcotherapie.
\ 'i
Na Academia de Música de Viena, a partir de 1958 criaram- Na Argentina fundei junto com outros especialistas, a Asocia-
\ se cursos especializados para jovens musicoterapeutas. Estes cursos ción Argentina de Musicoterapia. Em 1968 realizaram-se as primei-
I têm uma duração de seis semestres, quatro deles dedicados à teo- ras jornadas latino-americanas de Musicoterapia. Nesse mesmo ano
ria e dois à prática, a qual realiza-se em hospitais e clinicas sobre fundo o curso de Musicoterapia no Instituto de Otoneurofoniatria
psiquiatria e neurologia, Um dos principais promotores na Áustria da Faculdade de Medicina da Universidad dei Salvador em Buenos
é o professor Alfred Schmolz. Aires, que hoje chama-se Escuela de Disciplinas Paramédicas, cujo
. Na França. funda-se a Association de Recherches et d'applica- programa e currículum detalhei no tema respectivo da forrnacão
tlons des technlques psychomusicales, cujos promotores têm sido do musicoterapeuta. Em 1969, realiza-se o Primer Simposi~m
J. Jost e E. Lecourt, e atualmente tem centros regionais como o de Argentino de Musicoterapia, que teve como objetivo fundamental
Bordeaux que promove o professor G. Oucourneau. Na Alemanha informar as equipes científicas argentinas sobre o alcance da Musi-
um ~os ~rincipa.is condutores do movimento em Musicoterapia: coterapiacomo auxiliar da Medicina.
que Inclusive realiza congressos nacionais, é o Or, Harm Willms. A partir desse momento vislumbrou-se a necessidade de esta-
Na Espanha criou-se a Associacion Espaííola de Musicoterapia belecer-se os limites precisvs entre a educação musical e a Musico-
que a senhora Serafina Poch dirige. terapia, para evitar que se desvirtuasse o trabalho do rnusicotera-
Na Itália funda-se em Bolonha a Associazione Italiana Studi peuta. Foi assim que surgiu a fundação da Asociación Médica de
di Musicoterapia. Musicoterapia.
'-
\-

176 R. O. BENENZON

Finalmente, no ano 1977, funda-se a Asociación de Musico-


terapeutas Graduados da República Argentina, formada pelos gra-
, ., duados do curso de Musicoterapia, que tem objetivos definidos na
proteção do prQfissional e de seu trabalho. Em 1971, realiza-se o
l' Primer Congreso Interamericano de Musicoterapia, onde se faz BIBLIOGRAFIA

I
I
notório o estudo do som como elemento científicO do trabalho do
musicoterapeuta. A nível internacional, realiza-se em Paris o Pri-
mier Congres Mondial de Musicotherapie no ano de 1974, e em
1976 realiza-ze o Segundo Congresso Mundial de Musicoterapia,
l' I
1 .
em Buenos Aires.
Indubitavelmente, o movimento e o desenvolvimento da Mu-
sicoterapia nestes últimos anos tem crescido nipidamente, fato que
se vislumbra não só pelos acontecimentos de ordem científica que
ABERASTURY, A. Y ÃLVAREZ DE TOLEDO, L. G.:Lamúsica
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'I esquizofrenia 143
:1 estereotipias 149
estímulos estereotipados 152

1
'1'J
estímulos estereotipados
estocástica 34
anômalos 153

etnocentrismo 50
!i expressão corporal 64
~! fenômenos acústicos 34
ficha musicoterapêutica 72, 141, 142
gestalt 44
hiperestimulação 151
hiperestimulação indiscriminada 162
iatrogenia 9
idiófonos 57,59,92
identidade sonora 45
imprinting 31, 46
infra-sons 12
instrumentos líderes 56
instrumentos primitivos 42
ISO 32, 43, 47, 60, 63, 71, 83, 87,135
-. f

f, 182 R. a 8ENENZON

ISO complementário 44, 51, 85,87


ISO cultural 45, 49,51,57
ISO do terapeuta 44, 85
ISO gestalt 44, 46, 51, 85, 87,131
ISO grupal44, 45, 49, 51
ISO universal 44, 46, 47
mãe.substituta 146
marimba 58
membranofones 49, 57, 59, 92
metalofones 58
música concreta 33, 120
música de fundo 106
música eletrônica 115
música funcional 102, 105
núcleos regressivos 62
objeto intermediário 47, 49, 84,145
objeto integrador 49, 51, 58,84
par terapêutico 155
pensamento não-verbal 34
psicodrama 47,65
psicodança 64
quistos de comunicação 149, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 163
reflexo de Moro 37
reflexo psicogalvánico da pele 24, 25
regressão 17
região umbilical 32
sala de Musicoterapia 53
'1
sessão de Musicoterapia 84
silêncio funcional 106
sintetizador eletrônico 54
simbiose 143
sonoterapia 13
sons caracteropáticos 117
sons corporais 73
sons eletrônicos 116,117,144, .146
sons regressivogenéticos 18
tálamo 22
tambor de fenda 42
tempo verbal 59
terapia não-verbal 10
terapia ocupacional 60
teste projetivo Sonoro 15, 119
testificação do enquadre não-verbal 71 ;.81
tumbadoras 56 .
ultra-sons 13, 14
xilofones 58
i
l

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