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Uma aventura que chegou ao fim

Entrei em casa e não te vi naquele teu cadeirão que, por sinal, eras só tu que nele se
sentava. Por momentos, cheguei a pensar que seria apenas um pesadelo, mas não cheguei a
acordar.
Não sabia onde te encontravas, não sabia se me vias, não sabia se me guiavas, não
sabia se me ouvias, mas sabia que a saudade que crescia dentro de mim era diferente. Uma
saudade cada vez mais profunda e dolorosa.
Sentei-me debaixo de uma oliveira e senti os olhos a ficarem humedecidos e, de
repente, dei por mim de cabeça sobre os joelhos a pensar na nossa história. Uma história
bonita, que fazia questão de recordá-la sempre com amor.
Vi-me crescer e a aprender a teu lado, guardando em mim cada memória, cada sorriso,
cada lágrima. Vivias com uma doença que não te possibilitava certas atividades, mas lá estava
eu, mesmo sem saber fazê-las, a tentar ajudar-te. Ajudar-te fazia parte do meu dia a dia e,
mesmo não parecendo, esses pequenos gestos faziam de mim uma menina mais feliz.
Adorava jogar contigo às cartas, mesmo sabendo que me deixavas ganhar apenas
para, mais uma vez, me veres com um sorriso nos lábios. Encantava-me ouvir-te falar das tuas
histórias antigas, de todo o cenário que viveste na guerra, dos amigos que perdeste. E todas
essas histórias foram uma descoberta para mim, ficando a saber mais sobre ti e do teu
passado.
Os anos iam passando, o meu amor por ti ia aumentando e, por consequência, a tua
doença ia piorando. Ao assistir a todos aqueles cenários, crescia em mim um misto de
sentimentos, onde o que se destacava era a impotência. Impotência por não saber como
ajudar-te no que quer que fosse.
Ias regularmente ao hospital e lá até tinhas pessoas a quem chamavas de “amigos do
coração” e, mais uma vez, estava eu na fila da frente a ouvir-te retratar as cenas que com eles
vivias naquele local.
Sofrimento. Era a palavra que vagueava na tua cabeça e na de todos nós.
Inesperadamente ou talvez não, o telemóvel tocou e uma onda de tristeza invadiu-nos o
coração. Depois de um Natal recheado de sorrisos e gargalhadas, deixaste-nos. Foi a pior fase
da minha vida. Todos pareciam perceber a dor que do meu corpo se apoderava, mas não
havia ninguém que compreendesse o sofrimento pelo qual estava a passar.
Nas semanas que se seguiram, antes de sair de casa, escolhia o meu melhor sorriso,
para que não reparassem na angústia e sofrimento do rosto. Diariamente, era bombardeada
por “sinto muito”, “ele está agora num lugar melhor”. Isso deixava-me ainda mais desgastada.
Agora, quando observo à minha volta, parece que tudo está igual: os carros na rua são
os mesmos, a mobília das casas é a mesma, o brilho do sol é igualmente o mesmo, as caras
que para mim sorriem são tal e qual as mesmas, mas, na realidade, nada está igual. Os carros
envelheceram e estão, neste momento, prontos para a sucata, a mobília estragou-se, o brilho
do sol já não aquece como outrora e as caras que me sorriam depressa foram embora.
É difícil para mim dizer-te que tenho ciúmes da chuva que cai sobre a tua pele, bem
mais perto do que alguma vez as minhas mãos estiveram. Tenho ciúmes do vento que ondula
as tuas roupas, bem mais perto que uma sombra. Tenho ciúmes das noites que sempre te
veem, bem mais tempo do que os meus olhos viram. É difícil para mim dizer-te que tenho
ciúmes da maneira como poderás estar feliz sem mim. Apesar de toda esta inveja que sinto,
posso dizer que o orgulho de te ter podido chamar AVÔ é maior do que qualquer outro
sentimento que possa existir.

Inês Mendes, 9.º A


EB 2,3 D. JOÃO DE PORTEL

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