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A imprensa de esquerda

e o movimento operário
(1964-1984)

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Celso Frederico

A imprensa de esquerda
e o movimento operário
(1964-1984)

1ª edição
Editora Expressão Popular
São Paulo - 2010

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Copyright © 2010 by Expressão Popular

Revisão: Geraldo Martins de Azevedo Filho e Ricardo N. Barreiros


Capa: Marcos Cartum
Projeto gráfico e diagramação: Maria Rosa Juliani
Impressão: Cromosete

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


Frederico, Celso
A imprensa de esquerda e o movimento operário
F852i 1964-1984. / Celso Frecediro.--1.ed.-- São Paulo :
Expressão Popular, 2010.
336p.

Indexado em GeoDados - http://www.geodados.uem.br


ISBN 978-85-7743-160-1

1. Movimento operário - História - 1964-1984 - Brasil.


2. Trabalhadores - Atividade política - Brasil. 3. Imprensa de
esquerda. I. Título.

CDD 21.ed. 320.981


Catalogação na Publicação: Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250

Todos os direitos reservados.


Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada
ou reproduzida sem a autorização da editora.

Edição conforme novo acordo ortográfico.

1ª edição: julho de 2010

Editora Expressão Popular Ltda.


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CEP: 01319-010
Tel: (11) 3105 9500
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www.expressaopopular.com.br

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Sumário

Introdução 7

Capítulo i – A reorganização do movimento operário (1966/1968)


Apresentação 15
Documentos 27
Capítulo ii – As greves de 1968
Apresentação 45
Documentos 50
Capítulo iii – Repressão, guerrilha e movimento operário (1969/1971)
Apresentação 77
Documentos 85
Capítulo iv – A crise do “milagre” e as greves: 1973-1974
Apresentação 115
Documentos 120
Capítulo v – Acumulando forças: 1975-1977
Apresentação 147
Documentos 158
Capítulo vi – As greves de 1978-1980
Apresentação 203
Documentos 213
Capítulo vii – As articulações intersindicais
Apresentação 289
Documentos 298

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Introdução

Esta antologia objetiva oferecer ao leitor um conjun-


to de textos produzidos pela esquerda brasileira durante a
ditadura militar. A documentação apresentada compõe-se
basicamente de boletins partidários, jornais, artigos e de-
poimentos pessoais de militantes que se detêm na análise do
movimento operário e, quase sempre, circularam clandesti-
namente.
Presença ativa nas lutas sociais, testemunha participante
dos acontecimentos, a esquerda oferece uma visão de den-
tro do movimento operário que, somada a outras contribui-
ções, especialmente as realizadas nos meios universitários,
permite uma melhor compreensão da espinhosa trajetória
dos trabalhadores que vai dos primeiros momentos após o
golpe militar até a vitória política da Aliança Democrática
em 1984.
Consciente da importância, mas também das limitações
da contribuição da esquerda para a historiografia do mo-
vimento operário, procurei selecionar os textos tomando o
cuidado de pôr de lado o que havia de doutrinarismo. O
critério de seleção procurou deter-se somente em textos que
trazem informações relevantes sobre as relações reais entre
a esquerda e o movimento operário num período histórico
marcado por uma implacável censura à imprensa.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

A presente edição apresenta uma versão resumida de


uma longa pesquisa reunindo cerca de mil páginas e publi-
cada anteriormente em três volumes.1

***

É preciso, desde já, deixar bem delimitadas as insuficiên­


cias deste trabalho:
1. trata-se de uma coletânea de textos que recobrem a
experiência do movimento dos trabalhadores urbanos. Em-
bora apareçam referências esparsas às lutas travadas no cam-
po, esse setor foi propositalmente posto de lado. Faltam-me
competência e informações para enfrentar essa empreitada;
2. a referência central da antologia é o movimento ope-
rário de São Paulo. Embora apareçam referências esparsas a
outros Estados, isso se deve ao caráter mais ou menos abran-
gente dos textos reproduzidos, e não à intenção do organi-
zador. Procurei restringir-me a São Paulo porque, além da
facilidade maior em obter e controlar as informações, São
Paulo é o centro do movimento operário brasileiro. Como
ponta de lança do desenvolvimento capitalista, as contradi-
ções aqui aparecem exasperadas e a luta de classes é uma
realidade que aponta a direção do processo histórico para
o resto do país. Entretanto, a particularidade paulista não é
suficiente para um conhecimento totalizador do movimento
operário brasileiro. Faltam estudos regionais para esclarecer
se o que se passou em São Paulo repetiu-se nos demais luga-
res com as mesmas características ou não.

***

1
Cf. Celso Frederico, A esquerda e o movimento operário. A resistência à dita-
dura. São Paulo: Ed. Novos Rumos, 1987; A esquerda e o movimento operário.
A crise do “milagre brasileiro”. Belo Horizonte: Ed. Oficina de Livros, 1990; A
esquerda e o movimento operário. A reconstrução. Belo Horizonte: Ed. Oficina
de Livros, 1991.

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Celso Frederico

O golpe militar de 1964 marca uma nova etapa histó-


rica nas relações entre o Estado e o movimento operário.
Até 1930, como se sabe, a questão social era considerada
uma simples questão de polícia; no período que se estende
de 1930 a 1964, ela se torna uma questão política; a par-
tir de 1964 os militares no poder enquadram a questão so-
cial como um assunto referente à segurança nacional. Nesse
novo contexto, o movimento operário foi alvo da repressão
sistemática comandada pela polícia política. Logo após o
golpe, uma das primeiras medidas tomadas foi a repressão
ao sindicalismo. Sessenta e três dirigentes sindicais tiveram
os seus direitos políticos cassados; houve intervenção em
quatro confederações, 45 federações e em 383 sindicatos.2
Esses dados, entretanto, são insuficientes para nos dar
uma ideia precisa do alcance da repressão que se abateu so-
bre o conjunto dos trabalhadores. Os militantes da época
lembram que, além das intervenções, houve uma implacável
perseguição policial aos quadros intermediários do movi-
mento sindical e uma série de intimidações que criaram um
clima de terror, mantendo os ativistas paralisados por um
longo período. O militante operário Antônio Flores Olivei-
ra, falando sobre essa época, recorda:
[...] quando se deu o golpe de 1964, só do sindicato dos meta-
lúrgicos de São Paulo foram levadas 2.800 fichas de delegados
sindicais [...]. Eu não era dirigente sindical, eu era da base, e
fui um dos responsáveis pela organização dos trabalhadores na
Indústria de Móveis Fiel. Era uma empresa importante porque
tinha 1.200 operários. Nós tínhamos uma comissão lá com 72
pessoas. Ela foi organizada de 1962 a 1964 e quando se deu o
golpe não preciso dizer o que aconteceu com todos.3

2
Essas informações referem-se somente ao período 1964/1965. Até 1970 fo-
ram atingidos um total de 49 federações e 483 sindicatos (Cf. Argelina Chei-
bub Figueiredo, “Intervenções sindicais” e o “Novo sindicalismo”, in Dados
nº 17, 1978).
3
Cf. Escrita/Ensaio nº 6, São Paulo: 1980, p. 19.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Após o primeiro surto repressivo, a ditadura adotou


algumas medidas visando enfraquecer o sindicalismo bra-
sileiro. Entre elas, destaca-se a modificação na política sa-
larial que transferiu para o governo o poder de fixar o ín-
dice do reajuste anual dos salários. Com isso, os sindicatos
perderam as condições legais para pressionar o patronato e
a Justiça do Trabalho teve o seu poder normativo suprimi-
do. A política salarial da ditadura consolidou-se através dos
decretos de nº 54.018/64 e nº 54.228/64, das leis 4.725/65
e 4.903/65 e dos Decretos-Leis de nº 15/66 e 17/66. Outra
medida drástica foi a proibição das greves (Lei nº 4.330/65),
que passaram a ser encaradas como crime contra a Segu-
rança Nacional. Sem poder barganhar salário, proibido de
fazer greve: nos planos da ditadura, o sindicalismo deveria
ficar restrito a uma função meramente assistencial, vigia-
da de perto pelos fiscais do Ministério do Trabalho. Ou-
tra medida visando enfraquecer o movimento sindical foi a
implantação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(Lei nº 5.170/66). O fim da estabilidade no emprego e o
incentivo à rotatividade da mão de obra contribuíram, entre
outras coisas, para dificultar o trabalho sindical no interior
das empresas.4
Essa estratégia governamental foi acompanhada por
uma ofensiva ideológica cuja finalidade era denegrir o pas-
sado recente do movimento sindical. De um lado, proibi-
ram-se todas as referências às lutas travadas e às conquis-
tas obtidas pelo movimento sindical através de uma rígida
censura à imprensa. Trata-se aqui daquele expediente que
o escritor Érico Veríssimo batizou de operação-borracha: a
tentativa de apagar a memória do que ocorrera no perío-
4
Cf. Vera Lúcia B. Ferrante, FGTS: Ideologia e repressão. São Paulo: Editora
Ática, 1978. Para um estudo exaustivo da legislação trabalhista pós-1964, reco-
mendo o trabalho de Carlos Simões, A Lei do Arrocho – Trabalho previdencial
e sindicatos no regime militar – 1964/84. Editora Vozes, 1985. Para se entender
o papel do Estado, o livro clássico é o de Octavio Ianni, Estado e planejamento
econômico do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1971.

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Celso Frederico

do democrático anterior a 1964. Por outro lado, o espaço


em branco foi preenchido por uma campanha, orquestra-
da pelos meios de comunicação, que procurava identificar
as greves operárias com “baderna”, “anarquia” e o sindi-
calismo como um instrumento que manipulava a classe
operária em benefício do “comuno-pelego-janguismo”, do
“nacionalismo-petebo-comunista” e de outras expressões
inventadas na época.5
A ofensiva ideológica dos detratores do movimento
sindical foi tão intensa que influenciou até mesmo muitos
intelectuais de esquerda, que passaram a interpretar o perío­
do pré-1964 como um grande mal-entendido. A análise da
luta de classes foi substituída pelo discurso moralizante que
condenava a ação das cúpulas do “sindicalismo populista”:
enquanto fazia o jogo da “burguesia nacional”, manipulava
e corrompia a consciência de classe do operariado através
da “ideologia nacional-desenvolvimentista” etc. etc. Affon-
so Delellis, presidente do sindicato dos metalúrgicos de São
Paulo (1963-1964), num debate em 1979, desabafou:
Na “revolução” de 1964 [...] só não eliminaram o Cabral por-
que não tiveram condição. [...] não dava para dizer que o Bra-
sil havia sido descoberto em 1964. Tudo o que aconteceu antes
de 1964, não só o movimento operário, tinha de ser esquecido.
[...]. E alguns intelectuais entraram nessa da reação. Descobri-
ram uma palavra, o populismo, que até hoje eu não consegui
ninguém que me explicasse. Eles jogaram muito tempo sozinhos,
num período em que uns estavam na cadeia, no exílio, e outros
nem na cadeia, nem no exílio. [...]. Essa gente jogou sozinha e
sozinha se convenceu que estava abafando. [...]. Eles começam
a ter dificuldades para se manter nessa linha de raciocínio. Se
1964 foi tudo isso que eles concluíram e querem passar para a
nova geração, a pergunta é: por que deram o golpe? Ora, se tudo

5
Ecos dessa propaganda governamental apareceram numa pesquisa que realizei
em 1970, com um grupo de operários de uma indústria metalúrgica em Santo
André, Cf. Celso Frederico, Consciência Operária no Brasil. São Paulo: Editora
Ática, 1978, esp. pp. 67-72.

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era populismo, então os generais estavam todos bêbados e não


tinham nada para fazer. “Ah! Não temos o que fazer, vamos dar
um golpe?” E deram. A conclusão tem que ser essa. Porque, se
antes estava tudo dentro da linha, se não havia um conteúdo re-
volucionário, se não havia uma mobilização de classe, não tinha
nenhum motivo para mexer no poder da classe dominante.6

A ruptura com o passado obrigou os golpistas a reorga-


nizarem a vida sindical para adaptá-la à nova ordem. Como
signatário de acordos internacionais que preveem a liberdade
sindical, o governo brasileiro, cedendo às pressões externas,
precisou convocar eleições nos sindicatos sob intervenção.
O instrumento então utilizado para conciliar a tutela sobre
os trabalhadores com a exigência de eleições livres foi, além
das ações policiais localizadas sobre as lideranças operárias
(inquérito, perseguição etc.), a exigência do atestado ideo-
lógico. Com isso, as lideranças operárias mais conhecidas
ficaram neutralizadas, permitindo que muitos interventores
se elegessem em chapa única como representantes legais de
sua categoria.
O período compreendido entre o golpe de 1964 e mea­
dos de 1966 está marcado pela compacta ação repressiva do
governo e pela desarticulação e acefalia do movimento ope-
rário. A reação dos trabalhadores restringiu-se a algumas
poucas greves isoladas e às tentativas de reconquista dos
sindicatos recém-saídos da intervenção.
Para os estudiosos do sindicalismo, esse é, sem dúvida,
um momento pobre, momento em que a classe operária
acua­da sofria o cerco da ditadura tanto pela intimidação
policial quanto pela ação desmobilizadora das leis que en-
traram em vigor.

***
6
Escrita/Ensaio, op. cit pp. 20-30. Para uma crítica das teorias sobre o populis-
mo, ver Rubens Barbosa Filho, Populismo: Uma Revisão Teórica. Dissertação
de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, 1980.

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Nas publicações clandestinas da época, a preocupação


dominante era a denúncia do golpe e a conclamação à re-
sistência. É o caso, por exemplo, dos poucos números do
jornal Panfleto, ligado aos seguidores de Leonel Brizola.
Evidentemente, em tais publicações a “questão operária” se
diluía no apelo geral à resistência.

Até o golpe, o PCB detinha a hegemonia no movimen-


to sindical. As demais organizações não tinham conseguido
criar raízes no meio operário. Com a repressão que se seguiu
ao golpe, a aproximação com os trabalhadores tornou-se
extremamente difícil. Tal situação se refletiu na imprensa
partidária. Nos documentos da AP (Ação Popular), feitos
à época, inexistem análises sobre a situação vivida pelos
trabalhadores (ver, por exemplo, Uma política revolucioná-
ria para o Brasil, Comitê Nacional, 1965 e Histórico, CN,
1966). Outros grupos, como a Polop (Política Operária),
não tinham uma imprensa regular e ignoro a existência de
documentos relativos à classe operária.
Das poucas publicações então existentes, as que circu-
laram com regularidade eram os jornais A classe operária e
Voz operária. Neles, encontram-se matérias sobre a classe
operária, mas quase sempre restritas às denúncias da repres-
são e às análises das transformações ocorridas na legislação
trabalhista. Há informações esparsas às ações do movimen-
to operário que, a rigor, só irão aparecer com mais intensi-
dade a partir de 1966. É o que veremos a seguir.

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CAPítulo I
A REORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO
OPERÁRIO (1966/1968)

APRESENTAÇÃO

Os anos de 1966-1967 foram marcados por um intenso


debate sobre o significado histórico do golpe de 1964 e so-
bre os rumos a serem seguidos pela oposição ao regime.
Esse debate foi acompanhado pela presença agressiva
do movimento estudantil que, a partir de setembro de 1966,
passou a organizar passeatas de aberta contestação ao regi-
me. Também o movimento sindical, em menor escala, come-
çou a esboçar uma reação à política trabalhista da ditadura,
através de protestos contra a legislação salarial e o fim da
estabilidade no emprego instaurado pelo FGTS.
No interior das forças de oposições, uma pergunta fei-
ta desde o primeiro momento após o golpe foi repetida in-
cessantemente: “onde foi que erramos?”. E na política as
perguntas nunca são ingênuas: elas apontam sempre para
um desdobramento prático. Do diagnóstico sobre os erros
do pré-1964 brotava automaticamente uma nova pergunta:
“como derrubar a ditadura?”
A discussão sobre o significado do golpe de 1964 e os
rumos da oposição à ditadura militar foi travada, nos meios
intelectuais, em torno do livro de Caio Prado Jr., A revolu-
ção brasileira, publicado em 1966.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Os grupos políticos de esquerda que atuavam no movi-


mento operário se dividiram nas duas posições que apresen-
taremos a seguir.

***

I) Para o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e algumas


correntes sindicais que dele se aproximavam, o erro come-
tido pelo movimento popular no pré-1964 deveu-se a um
desvio de esquerda.
A correlação de forças da época era desfavorável ao
movimento operário, incapaz de por si só impor uma alter-
nativa à crise vivida pelo país, por isso devia-se acumular
forças e caminhar ao lado dos demais setores progressistas
(classes médias, setores da burguesia nacional etc.), numa
frente democrática anti-imperialista. Os comunistas traba-
lharam para formar essa frente, esse bloco heterogêneo, cuja
existência se baseava nos seguintes pontos:
– preservar o processo democrático ameaçado pelos
setores golpistas que, intermitentemente, ensaiaram
a tomada do poder (1954, 1958, 1961, 1964...);
– implementar um desenvolvimento econômico autôno-
mo que neutralizasse a investida do capital estrangeiro;
– realizar a reforma agrária e as demais reformas de
base, visando modernizar o país e, ao mesmo tempo,
destruir o poder político dos latifundiários e “coro-
néis” que dominavam a política local.
A participação nessa frente formada por forças sociais
heterogêneas era uma opção problemática para a esquer-
da. De um lado, participar implicava receber a influência
ideológica do reformismo trabalhista e do paternalismo dos
setores governamentais. De outro lado, propor uma políti-
ca autônoma implicava em isolar-se dentro do movimento
sindical e deixar o campo aberto para a ação das correntes
trabalhistas e católicas.

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Celso Frederico

A radicalização do processo, nos últimos anos que pre-


cederam o golpe, tornara inviável a manutenção da políti-
ca de alianças. Os setores progressistas, segundo a opinião
do PCB, cometeram um erro de esquerda ao se envolverem
numa radicalização irresponsável, acarretando a dissolução
da frente e criando as condições e os pretextos para a direita
dar um golpe de Estado.
O exemplo típico do “esquerdismo” dessa época, segun-
do declarações de Luiz Carlos Prestes em diversas entrevis-
tas, é a palavra de ordem então agitada pelas forças progres-
sistas: “Reforma agrária na lei ou na marra”. Tratava-se de
uma formulação ambígua: falar em “lei” pressupõe uma es-
tratégia parlamentar; na “marra”, ao contrário, aponta para
uma estratégia insurrecional de invasão de terras e apropria-
ção dos meios de produção. Misturar as duas coisas soou
como a provocação que retirou o apoio das camadas médias
(vide a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”),
transformando os golpistas em “democratas” e defensores
da liberdade ameaçada pela subversão comunista.7

***

II) Uma outra corrente de esquerda, que abrigava fac-


ções heterogêneas, interpretou o golpe de 1964 de uma ma-
neira totalmente diferente. Para ela, o erro cometido foi de
direita e não de esquerda.
Em vez de preparar o movimento operário para o con-
fronto com a burguesia, a orientação pacifista do PCB levou
os trabalhadores a uma política conciliadora. Com isso, a
classe operária não formulou uma alternativa própria, pre-
parando as massas para o confronto com os golpistas.

7
Cf. “Informe de Balanço do CC ao VI Congresso, 1967” e “Resolução Política
do VI Congresso, 1967”, in PCB: Vinte Anos de Política. São Paulo: Livraria
Ed. Ciências Humanas, 1980; e Assis Tavares, “Causas da Derrocada de 1º de
Abril de 1964”, in Revista Civilização Brasileira, nº 8, julho de 1966.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

A crítica à política de alianças proposta pelo PCB era


feita tradicionalmente pelos trotskistas há várias décadas.
Essa crítica foi retomada no final dos anos de 1950 e duran-
te toda a década de 1960 por diversos grupos de esquerda
que foram se formando.
Um desses grupos, a Polop (Política Operária), definiu en-
faticamente o caráter da revolução brasileira como socialista.
Nessa perspectiva, a política “etapista” da frente democrática
proposta pelo PCB significava um atraso para o processo his-
tórico. Se a revolução é socialista, argumentavam os teóricos
da Polop, não há mais nenhuma “etapa” a ser cumprida pelo
movimento operário. A linha de ação correta deveria basear-se
na autonomia operária, na política de “classe contra classe”.8
Outros grupos de esquerda como a Ação Popular (AP) e o
Partido Comunista do Brasil (PCdoB), embora divergissem da
Polop a respeito do caráter da revolução brasileira, também
criticavam a ação do PCB como “reformista” e “pacifista”.9
Em 1966, essas críticas à linha política do PCB já ha-
viam conquistado diversos dirigentes desse partido (Carlos
Marighella, Joaquim Câmara Ferreira, Mário Alves, Jacob
Gorender, Apolônio de Carvalho, entre outros), que acaba-
ram por romper com o Comitê Central e se lançaram na
preparação da luta armada.
Nessa perspectiva insurrecional, a luta contra a dita-
dura desencadeou uma radicalização crescente nas fileiras
oposicionistas. As denúncias contra as leis repressivas do
governo (1964-1966) cederam lugar às agressivas passeatas
estudantis (1966-1968). Em fins de 1968, a principal forma
de resistência era a guerrilha urbana.
***
8
Cf. Ernesto Martins, Aonde Vamos? (mimeo., 1966). Um histórico dessa orga-
nização encontra-se em Raul Villa, “Para um Balanço da Política Operária” in
Brasil Socialista, nº 196.
9
Cf. Haroldo Lima e Aldo Arantes, História da Ação Popular da JUC ao PCdoB.
Ed. Alfa-Omega, 1984.

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Esses dois modos tão diferentes de interpretar o pro-


cesso histórico refletiram-se diretamente nos rumos a serem
traçados para o movimento operário.
Desde 1964, os trabalhadores desmobilizados pela re-
pressão vinham assistindo, impotentes, à implantação de
uma política salarial contrária aos seus interesses. A luta
contra o arrocho salarial foi então a principal referência para
o movimento operário. E como o arrocho era o fundamento
da política econômica governamental, essa luta situava-se
obrigatoriamente no contexto político mais amplo de resis-
tência à ditadura. Qual a estratégia correta a ser adotada?

I) O PCB e seus aliados adaptaram aos novos tempos o


programa da frente democrática anti-imperialista.
A estratégia para levar a ditadura ao isolamento e derrotá-
la previa a formação de um amplo leque de alianças com to-
dos os descontentes com a nova ordem. O crescimento dessa
frente iria, aos poucos, retirar toda a sustentação política do
regime militar, tornando-o inviável. Trata-se, na terminologia
usada por Gramsci, de uma guerra de posições a ser travada
contra a ditadura. No plano político, essa estratégia passava
obrigatoriamente pela luta parlamentar. Procurou-se, então,
fortalecer o partido da oposição legal, o Movimento Demo-
crático Brasileiro (MDB) e inserir esse partido no projeto de
uma frente ampla que incluísse todos os setores marginaliza-
dos pelo golpe e todos os líderes políticos que se opunham ao
regime, como Juscelino, Jango e Lacerda. Dentro do Congres-
so Nacional, os partidários desse programa organizaram uma
Frente Parlamentar Antiarrocho que denunciava os efeitos da
política econômica sobre a classe operária.
No plano sindical, procurou-se reanimar as entidades
de classe, tirando-as do estado de “hibernação” em que se
encontravam. Segundo a Resolução Política do PCB (dezem-
bro de 1967), “a atuação do movimento sindical é o meio
principal para a ativação do movimento operário”.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Alguns anos depois, o PCB fez a seguinte avaliação des-


sa política:
A luta pela recuperação dos sindicatos foi a primeira batalha tra-
vada pelos trabalhadores depois do golpe, sob a influência po-
lítica do nosso partido. Os êxitos que alcançamos nessa batalha
se deveram, em grande medida, à posição que adotamos em re-
lação à maior parte dos interventores sindicais, compreendendo
que eles eram operários politicamente ainda atrasados, mas não
instrumentos conscientes da ditadura. Essa posição se revelou
depois perfeitamente acertada, pois uma boa parte dos interven-
tores breve se chocou com o caráter antioperário da política da
ditadura, e muitos vieram a fazer unidade conosco quando das
eleições sindicais posteriormente realizadas. Mais tarde, com a
edição do AI-5, numerosos desses antigos interventores tiveram
seus mandatos cassados, juntamente com grande número dos
novos dirigentes eleitos.10
Agindo prioritariamente dentro da estrutura sindical, os
comunistas tentaram pôr em prática, uma vez mais, a tese
da unidade sindical: a participação do conjunto das enti-
dades – independentemente do posicionamento ideológico
das direções – num programa mínimo capaz de unificar os
trabalhadores. Assim, procurava-se impedir que as inúmeras
diferenças ideológicas existentes inviabilizassem a ação co-
mum em torno das reivindicações imediatas da classe ope-
rária.
Em 1967, com as eleições em diversos sindicatos do
país (sob intervenção), renovam-se as lideranças que tentam
aglutinar o movimento sindical para lutar contra as leis que
possibilitavam a existência do arrocho salarial: Leis de nº
4.725; 4.903; 5.431 (abono de emergência); 4.330 (lei de
greve); Decretos 15 e 17 e o artigo 623, parágrafo único da
CLT. Esse esboço de organização foi descrito da seguinte
forma por um jornal sindical:

10
Cf. O trabalho do PC no movimento operário e sindical (texto
preliminar para coleta de sugestões), (novembro de 1973), p. 60.

20

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Celso Frederico

[...] de 1965 a 1966, a luta se desenvolveu sem nenhuma coor-


denação, de forma esparsa, através dos sindicatos que protesta-
vam isoladamente contra os minguados aumentos. Aos poucos,
o problema salarial passou a se constituir no principal ponto
de aglutinação do movimento trabalhista depois do processo
de depuração­ a que foi submetido, logo após o movimento de
março. Aos poucos, os sindicatos começaram a se organizar, os
protestos começaram a ser mais coletivos e a palavra arrocho
surgiu dando mais forças ao movimento.
Este, no entanto, só veio a assumir caráter organizado e siste-
mático de combate à política de contenção salarial com a rea-
lização do Segundo Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais,
realizado no Rio de Janeiro em fins do ano passado, durante o
qual por força de pressão das bases, as Confederações Nacionais
de Trabalho, que haviam convocado a reunião, foram levadas
a aprovar uma campanha de âmbito nacional contra a política
salarial.
O encontro teve grande importância para o movimento sindical,
em virtude do comparecimento de grande número de trabalha-
dores rurais, constituindo-se mesmo no primeiro movimento de
reaproximação depois de 1964.11
Esse encontro de sindicalistas aprovou a realização de
uma Campanha Nacional de Proteção Contra a Política de
Arrocho Salarial. Em torno dessa campanha foram feitos
diversos encontros regionais, que formaram órgãos centrali-
zadores de luta sindical como, por exemplo, a Frente Inter-
sindical Antiarrocho (FIA), no Rio, e o Movimento Intersin-
dical Antiarrocho (MIA), em São Paulo.
O MIA foi uma tentativa de reviver as organizações
horizontais dentro da estrutura sindical. Como se sabe, a
legislação brasileira imprimia um caráter estritamente verti-
cal à organização sindical (sindicatos na base, federações e
confederações na cúpula). As organizações horizontais entre
os sindicatos como, por exemplo, as centrais sindicais, eram

11
Cf. O metalúrgico, jornal do Sindicato Metalúrgico de Santo An-
dré, nº 4, março de 1968, p. 3.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

proibidas por lei. Não obstante a proibição, o movimento


operário, em diversas fases de sua história, criou organiza-
ções para centralizar e dirigir a atuação de diversos sindi-
catos. Basta lembrar, no período pré-1964, o Pacto de Ação
Conjunta, o Fórum Sindical de Debates, o Pacto de Unidade
e Ação e o Comando Geral dos Trabalhadores. Ou então,
nos anos de 1980, a Unidade Sindical, a Anampos, a CUT e
a Conclat.
Inserindo-se nessa tradição histórica, os dirigentes sindi-
cais procuraram centralizar suas atividades com prudência
e moderação, argumentando que “o governo poderia proi-
bir a existência do MIA como entidade jurídica (que, aliás,
legalmente não existe, pois não é registrado, não tem esta-
tuto e não é regido pela CLT); mas não há lei que impeça
a união espontânea de entidades sindicais”. Mas, naqueles
anos sombrios, a “união espontânea” era vista como crime
contra a Segurança Nacional. Entre os próprios integrantes
do MIA havia um clima de desconfiança contra alguns diri-
gentes sindicais. Além disso, as federações e confederações
recusaram-se a participar, vendo no MIA uma iniciativa
subversiva que lhes escapava das mãos. Sem o apoio desses
órgãos de cúpula, que controlavam a maioria dos sindicatos
(especialmente os pequenos sindicatos e aqueles situados em
cidades do interior), o movimento ficou isolado. Finalmente,
o poder de mobilização dos dirigentes sindicais era mínimo,
considerando as difíceis condições políticas de então.
As atividades públicas do MIA começaram no segundo
semestre de 1967. Pelo menos seis encontros foram realiza-
dos (nos sindicatos metalúrgicos de São Paulo, Santo André,
Osasco, Campinas, Guarulhos e Vila Formosa). E esses en-
contros não foram nada tranquilos: de um lado, a presença
da polícia, intimidando os dirigentes sindicais, cercando os
locais onde se realizavam os atos, fazendo ameaças etc. De
outro lado, a debilidade do MIA agravou-se com um fato
inesperado: a pressão do aguerrido movimento estudantil

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Celso Frederico

que insistia em participar das reuniões sindicais para con-


vocar os trabalhadores para a luta aberta contra a ditadura
militar.
Essa intromissão de setores da UNE e da UEE encontra-
va apoio e estímulo em algumas “oposições sindicais” e no
sindicato metalúrgico de Osasco que, a contragosto, atuava
dentro do MIA. De modo geral, esses setores achavam que o
MIA era uma reunião de burocratas sindicais sem represen-
tatividade, mais preocupados em fazer conchavos de cúpula
do que em preparar a classe operária para a luta contra a
ditadura militar.
Em 1° de maio de 1968, o MIA fez a sua última apa-
rição pública. O governador do Estado, Abreu Sodré, teve
a infeliz ideia de comparecer à comemoração do “Dia do
Trabalhador”, na Praça da Sé, e discursar para os presen-
tes. Os metalúrgicos ligados aos sindicatos de Osasco e às
“oposições sindicais”, juntamente com as organizações de
esquerda e os grupos armados, numa ação minuciosamente
planejada, desligaram o microfone quando Abreu Sodré co-
meçou a falar e ocuparam o palanque, expulsando o gover-
nador e os “pelegos” do MIA. Após discursos inflamados,
os manifestantes incendiaram o palanque e se dirigiram em
passeata até a Praça da República. No meio do caminho, o
Citibank foi depredado e a multidão exaltada dava vivas ao
exemplo heroico do povo vietnamita e gritava o slogan: “só
a luta armada derruba a ditadura”.
Após esse episódio, o movimento sindical, que havia or-
ganizado a manifestação, ficou na alça de mira dos órgãos
repressivos e passou a sofrer pressões abertas e ameaças de
intervenção por parte do Ministério do Trabalho. Desde en-
tão, a sigla MIA deixou de ser utilizada e o movimento se
esvaziou sem ter formulado nenhum programa por escrito.
Os dirigentes sindicais, contudo, continuaram a se reunir
discretamente nos anos seguintes. Mas o projeto de rearti-
cular o movimento sindical foi atropelado pelo Ato Institu-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

cional nº 5, decretado em 13 de dezembro de 1968, e pela


repressão generalizada que desmantelou todos os focos de
oposição ao regime militar.

II) A segunda corrente agrupava diversas facções da es-


querda que compartilhavam a crítica ao “pacifismo” do PCB
e opunham à guerra de posições, proposta por esse partido,
o projeto de uma guerra de movimento, o confronto aber-
to com a ditadura. É extremamente difícil tratar em bloco
desses setores heterogêneos que partiam de pontos de vista
diferentes, que tinham propostas diversas e conflitantes, e
linhas de ação díspares. O ponto comum, entretanto, era a
crença de que a ditadura militar somente seria derrubada
pela violência: seja através de uma “revolução socialista”,
de uma “guerra de libertação nacional”, de uma “guerra
popular”, ou de qualquer outro programa revolucionário
entre os muitos que a esquerda esboçou naquele conturbado
período.
Essas diversas facções, que se autointitulavam “esquer-
da revolucionária”, para se diferenciar do “reformismo” do
PCB, tinham um ponto em comum: a descrença e descon-
fiança com relação à participação nos organismos legais
existentes.
No plano político, isso implicava em forjar uma alterna-
tiva própria que não passava pelos partidos oficiais (Arena
e MDB, o “partido do sim” e o “partido do sim senhor”,
como se dizia). Nas eleições realizadas foram feitas campa-
nhas do voto nulo que utilizaram os seguintes slogans: “elei-
ção é tapeação”, “o povo organizado derruba a ditadura”,
“anule o seu voto contra a ditadura” etc.
A concepção subjacente a essa campanha era a de que
as eleições foram feitas para dar legitimidade à ditadura,
decorrendo daí que a posição correta seria a de denúncia da
farsa eleitoral. Com isso, pretendia-se evitar que as massas
se iludissem com o regime, se deixassem levar pelo “creti-

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nismo parlamentar”, e assim se afastassem do caminho da


revolução.
No que diz respeito ao movimento operário, essa cor-
rente pensou a linha de ação tendo como referência a crítica
ao movimento sindical no período pré-1964.
Os elementos centrais dessa crítica eram os seguintes:
a) por conta da estrutura sindical, o movimento operá-
rio havia se tornado um apêndice do Ministério do Traba-
lho. Por isso, em diversos momentos, em vez de lutar pelos
interesses dos trabalhadores, o sindicalismo era manipulado
politicamente pelos diversos grupos que se revezavam no
aparelho estatal. Quando, em 1964, mudaram os síndicos
do Ministério do Trabalho, a manipulação, sob novo con-
teúdo, continuou a vigorar, mantendo o controle sobre o
“sindicalismo de Estado”;
b) esse sindicalismo era essencialmente cupulista. A so-
brevivência das entidades era garantida não pelo empenho e
participação das massas operárias, e sim pelo imposto sindi-
cal compulsório. Afastados das bases, os dirigentes sindicais
mantinham os olhares voltados para a “grande política” ins-
titucional;
c) o “sindicalismo de Estado”, portanto, coerente com
sua dependência estrutural ao Ministério do Trabalho, atre-
lou a classe operária à política de alianças vigente no pré-
1964, política essa que posteriormente foi batizada de “po-
pulista”. O “populismo” trouxe duas consequências básicas
para o movimento operário: de um lado, criou ilusões ideo-
lógicas no operariado, forjando uma consciência mistifica-
da pelo nacionalismo e não uma verdadeira consciência de
classe; de outro lado, manteve a classe operária desarmada,
não só ideologicamente, como também desorganizada e in-
capaz de resistir ao golpe militar.
Partindo dessas ideias, era inevitável que essa corrente
divergisse da orientação sindical dos comunistas. Contraria-
mente ao PCB, a atuação no meio sindical não será o meio

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

prioritário para a “ativação do movimento operário”. Ten-


tou-se seguir o caminho inverso: organizar primeiramente
o movimento operário dentro das fábricas através do cha-
mado trabalho de base. Esse trabalho objetivava formar nú-
cleos operários, os “comitês de mobilização antiarrocho”,
os quais, por sua vez, serviriam para integrar o movimento
operário na luta mais geral pela derrubada da ditadura.
Qual deveria ser a relação entre os comitês e os sindica-
tos? Não existia uma resposta única para essa pergunta. Os
partidos de esquerda que se opunham ao PCB se reclamavam
herdeiros do leninismo e certamente conheciam as teses que
Lenin expôs no livro Esquerdismo. Doença infantil do co-
munismo. Nesse livro clássico, Lenin defendia a participação
obrigatória dos revolucionários nos sindicatos e criticava com
veemência aqueles que se recusavam a trabalhar neles:
[é] [...] um absurdo ridículo e pueril as argumentações ultrassá-
bias, empoladas e terrivelmente revolucionárias dos esquerdistas
alemães a respeito de ideias como: os comunistas não podem nem
devem atuar nos sindicatos reacionários; é lícito renunciar a se-
melhante atividade; é preciso abandonar os sindicatos e organizar
obrigatoriamente uma ‘união operária’, novinha em folha e com-
pletamente pura, inventada por comunistas muito simpáticos (e
na maioria dos casos, provavelmente, bem jovens) etc. etc.12

é preciso [...] estar disposto a todos os sacrifícios e, inclusive, em-


pregar – em caso de necessidade – todos os estratagemas, ardis
e processos ilegais, silenciar e ocultar a verdade, com o objetivo
de penetrar nos sindicatos, permanecer neles e aí realizar, custe o
que custar, um trabalho comunista.13

Não obstante as frequentes declarações de fidelidade ao


leninismo, a linha política traçada para o movimento operá-
rio estava marcada, de um lado, pela desconfiança em rela-
12
Lenin. Esquerdismo. Doença infantil do comunismo. 2ª edição; S. Paulo: Ed.
Escriba, 1968, p. 49.
13
Idem, Ibidem, p. 56.

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ção à atividade sindical e, de outro, pela urgência em fazer


a revolução.
Por isso, a atitude perante o trabalho nos sindicatos os-
cilou entre a participação somente nos “sindicatos combati-
vos” e a prática paralelista, que virava as costas aos sindica-
tos por considerá-los “instrumentos da ditadura”.

DOCUMENTOS

Os sindicatos são instrumento da Ditadura?


Mauro Brito (Voz operária, nº 30, agosto de 1967, PCB)

Quando fracassamos em uma luta, a unidade da massa se dis-


solve. O triunfo, ao contrário, consolida a unidade da mesma.
A unidade e o triunfo são inseparáveis. O triunfo consolida a
unidade, a unidade conduz ao triunfo. O fracasso conduz tam-
bém à divisão entre os quadros. Após um fracasso, os quadros
culpam-se uns aos outros pelos erros cometidos. (Entrevista de
um dirigente da FSM).

Com o revés sofrido por nós juntamente com as demais


forças patrióticas e democráticas, com o golpe de abril de
1964, tudo foi colocado em dúvida. A falta de maior ma-
turidade ideológica dos militantes de nosso Partido levou
ao pessimismo, à desilusão e ao desencanto. Elementos que
eram direitistas agora são radicais de esquerda ou deu-se o
inverso. A crítica a tudo e a todos tornou-se aguda. Jogou-
se à autocrítica e aos erros que cometemos na aplicação da
linha do V Congresso. Os “esquerdistas”, com um palavrea-
do que faz inveja ao mais exaltado dos tempos do Manifesto
de Agosto, querem empurrar o Partido para uma aventura
golpista, desligado das massas. Os direitistas, iludidos com
o novo ditador Costa e Silva, pensam que é possível a de-
mocratização do país sem mobilizar e organizar as lutas de
massa. Os desvios de “esquerda” e de direita nos levam ao
desligamento das massas, ao espontaneísmo na organização

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

dos trabalhadores nos locais de trabalho e nos sindicatos e


ao desprezo ao trabalho de unidade, partindo do seguinte
ponto de vista: “ou são nossos, ou são contra nós”. Essa
concepção de fundo golpista conduz ao nosso isolamento
e faz com que o trabalho sindical seja realizado por alguns
“especialistas” e não pelo conjunto do Partido. Mas o prin-
cipal desvio, no momento, é o de esquerda, que nos isola do
processo político e do povo. Citarei algumas das expressões
proferidas por alguns companheiros referentes ao movimen-
to sindical.
“As entidades sindicais são instrumento da ditadura”,
“Levar os trabalhadores aos Sindicatos para quê?”, ”Não
existem possibilidades legais de luta”, “As massas estão
radicalizadas e não querem saber dos Sindicatos”. E nessa
linha de raciocínio “acusam os sindicatos”, porque estes fa-
lharam e não fizeram a revolução. Denegrindo, assim, toda
a atividade do movimento sindical e de seus dirigentes.
Se, atualmente, os Sindicatos são instrumento da dita-
dura, antes do golpe o que eram? Instrumento do nosso par-
tido? Instrumento de Jango? Ou os Sindicatos eram, são e
serão um instrumento da luta de classes dos trabalhadores,
no regime da exploração do homem pelo homem? Certo
que, numa ou noutra situação, o trabalho nos Sindicatos
pode ser realizado em condições mais favoráveis, ou mais
difíceis. Mas, em qualquer situação, mesmo que as dificul-
dades, como hoje, aumentem, nosso dever é trabalhar nos
Sindicatos.
Em tempos normais, com dirigentes mais honestos e ex-
perientes, amigos ou “nossos”, é sem dúvida mais fácil atuar
nos Sindicatos. Agora, com a vigência da ditadura e o poli-
cialismo, as dificuldades são maiores. Que fazer? Enfrentar
essas dificuldades ou cair no oportunismo e fugir delas? Se
abandonamos os Sindicatos, para onde devemos levar os
trabalhadores? Nosso dever de revolucionários é levar os
trabalhadores para os Sindicatos, tendo como centro o tra-

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balho nas empresas, orientando-os na luta por suas reivindi-


cações econômicas, políticas e sociais, contra a ditadura.
Realizam-se movimentos grevistas, alguns por reajusta-
mentos salariais, a maioria deles devido ao atraso no pa-
gamento de salários. A greve de maior duração foi a dos
trabalhadores em usinas de açúcar na cidade de Cabo, em
Pernambuco. A de caráter mais violento foi a dos têxteis de
Pau Grande, no Estado do Rio, onde os trabalhadores levan-
taram barricadas para enfrentar a reação policial. Apesar
de todas as restrições impostas pela ditadura, realizaram-
se eleições sindicais, congressos, conferências e encontros
regionais de trabalhadores. A ditadura, em muitas eleições
sindicais e nos conclaves citados, teve que “engolir” plata-
formas de reivindicações aprovadas, nas quais a tônica foi
o combate à ditadura. Essa atividade vem demonstrar a ne-
cessidade de aproveitar, sempre, as mínimas possibilidades
legais existentes e de estarmos onde estão as massas.
A pretexto de combater a inflação, a ditadura, seguindo
o que lhe foi traçado pelo FMI, tratou de reduzir o salá-
rio real dos trabalhadores, interviu nas entidades sindicais,
impediu o direito de sindicalização para alguns setores, su-
primiu o pagamento de gratificações e abonos e das taxas
de insalubridade, diminuiu salários e aumentou o desem-
prego etc. E com o chamado Fundo de Garantia pretende
liquidar o direito de estabilidade aos dez anos de trabalho.
Para a aplicação dessa política, a ditadura instituiu o terror
policial. Mas a inflação prossegue e a carestia aos poucos
vai asfixiando os que vivem de salários. O “arrocho” não
permite o reajustamento salarial, ao menos de acordo com
a elevação dos preços. Para ilustrar o que dizemos, citamos
os seguintes dados:
– Os 22 produtos alimentícios mais necessários, que
custavam 2.370 minutos de trabalho em abril de
1964, passaram, em março de 1967, a custar 3.350
minutos (Correio da manhã, de 19/3/1967).

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

– Os trabalhadores paulistas necessitariam, mensal-


mente, para viver, juntamente com suas famílias (fa-
mília-padrão: um casal e dois filhos) de um mínimo
de 415 mil cruzeiros velhos, quando o salário mínimo
atual é de 105 mil cruzeiros velhos (Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômi-
cos – Dieese).
– De 1958 até abril de 1967, o índice do custo de vida
apresentou a elevação de 3.994% e o salário mínimo
se elevou em 2.738% (mesmo estudo do Dieese).
Sabemos que os limites das lutas dos Sindicatos vão até
a algumas conquistas por melhorias para os trabalhadores.
A atividade dos Sindicatos mesmo tendo aspecto político,
não deve ser partidária, pois isso constituiria um fator de
quebra da unidade, já que todos os trabalhadores, por mo-
tivos que não vem ao caso analisar, não pertencem ao mes-
mo partido político. Foi, é e será um erro, desrespeitando a
própria autonomia das organizações sindicais, pensar que
os Sindicatos são órgãos do nosso Partido. Vem deste erro
o desencanto dos “esquerdistas” com os Sindicatos e os di-
rigentes sindicais. Daí decorre a fraseologia “esquerdista”
e oportunista: “Os Sindicatos são instrumento da ditadu-
ra, vamos abandoná-los”. Exatamente oposta deve ser a
conclusão de um revolucionário: “Se a ditadura utiliza o
Sindicato como instrumento de sua política, vamos levar
as massas a reconquistar o Sindicato e utilizá-lo como ins-
trumento de defesa dos seus interesses e direitos, contra a
ditadura”.
Referindo-se aos “esquerdistas”, Lenin afirmou: “Já
que toda a reivindicação democrática sustentada com
energia e consequência pelo proletariado obriga sempre
e em todas as partes a burguesia a distanciar-se da luta,
então escondei-vos em vossas tocas, camaradas operários,
atuai somente de fora, não penseis em utilizar em benefí-
cio da revolução as armas e os métodos do ‘regime estatal

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burguês’, e conservai vossa ‘liberdade de crítica!’” (Duas


táticas, Ed. Vitória, p. 96).
A ditadura tem como objetivo esvaziar o Sindicato, di-
vidi-los e enfraquecê-los, desmoralizando os dirigentes sin-
dicais, principalmente aqueles que a ela não se submetem.
Procura descaracterizar o Sindicato como instrumento da
luta de classe dos trabalhadores, franqueando o caminho
para a atuação dos agentes do imperialismo. Nesse sentido,
acredito que, inconscientemente, o “esquerdismo” se casa
com tais objetivos da ditadura e do imperialismo, contra o
movimento sindical.
Não será nos isolando que avançaremos em nosso traba-
lho no movimento sindical para torná-lo mais forte. É nosso
dever – e, como revolucionários, não devemos ter nenhum
“acanhamento” disso – lutar para fazer vitoriosas as míni-
mas reivindicações dos trabalhadores da cidade e do campo.
Criar e reforçar o nosso Partido nas empresas fortalecerá o
movimento sindical.
Sem nenhum receio de sermos taxados de “direitistas”
e “revisionistas”, organizemos a luta dos trabalhadores em
defesa das liberdades, por melhores salários, contra a cares-
tia, quebrando o esquema econômico e financeiro da ditadu-
ra e do FMI. Participemos de forma organizada das eleições
sindicais, de reuniões, convenções e congressos, impedindo,
juntamente com outras forças, a colaboração com a dita-
dura. Tomemos todas as iniciativas em favor da estatização
dos seguros sociais contra a opção ao “fundo de garantia”,
não abrindo mão da estabilidade aos dez anos de trabalho.
Atuando nas entidades sindicais, mas tendo como cen-
tro nossa atividade nos locais de trabalho, levantemos a luta
pelas reivindicações econômicas, políticas e sociais dos tra-
balhadores. Organizemos as ações unitárias. Num trabalho
de unidade como outras forças democráticas e patrióticas,
estaremos contribuindo para derrotar a ditadura e conquis-
tar um governo democrático.

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Nosso trabalho nos Sindicatos


(Política Operária, junho de 1968, Polop)

1) Qualquer tática que definirmos no terreno sindical


tem de levar em conta o caráter e o papel dos sindicatos bra-
sileiros, em princípio e na atual conjuntura. Antes de tudo,
temos de deixar claro e acima de qualquer dúvida, que os
nossos sindicatos foram criados e estruturados pelo Estado
burguês-latifundiário para que a classe dominante pudesse
controlar e dominar o proletariado. Foram criados e estru-
turados não como instrumentos de luta de classe e sim para
evitar essa luta; não para defender os mais elementares in-
teresses econômicos da classe operária e sim como parte do
aparelho estatal que serve para dominá-la e oprimi-la.
Criados pelo Estado Novo conforme padrões fascistas
italianos e outros, os sindicatos permanecem até hoje com
essas mesmas características. A ditadura militar não preci-
sou remodelar sua legislação; herdou a que já estava em vi-
gor, praticamente inalterada pela experiência “democrática”
e populista de depois da guerra.
Os sindicatos desempenham esse papel não só em virtu-
de das coações que pesam sobre eles, em forma de estatutos-
padrões, comissão de enquadramento, tutela financeira etc.,
mas, igualmente, em virtude de todo um sistema legislativo
da Justiça do Trabalho, dissídios etc., que visam a neutralizar
todos os conflitos entre capital e trabalho, à base de “acor-
dos” e soluções jurídicas. Foi o conjunto desse sistema que,
durante mais de uma geração, ajudou a atrasar a formação
de uma consciência de classe no proletariado. Mais ainda,
impediu que se criasse a forma mais simples de consciência
de classe, a consciência sindical do proletariado brasileiro.
2) Não podemos, portanto, falar de sindicatos operários
no Brasil em termos convencionais. Não podemos comparar
os nossos sindicatos aos dos operários franceses, chilenos
ou mesmo norte-americanos, nem encarar nossa atividade

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nesse setor do mesmo modo como o fazem os revolucio-


nários na França, no Chile ou nos Estados Unidos, que en-
frentam o problema sindical. Naqueles países, os sindicatos
mais reformistas ainda são sindicatos livres. São reformistas
porque refletem a situação do proletariado e da sua lide-
rança política, mas são órgãos de classe. Não são órgãos do
Estado, nem estão sob seu controle. E esse caráter livre dos
sindicatos naqueles países permitirá que eles se transformem
em órgãos revolucionários, na medida em que todo o pro-
letariado rompa com a atual política e liderança reformis-
tas. Não podemos, portanto, aplicar na nossa atividade os
conceitos comuns que se encontram na literatura marxista
sobre o trabalho em sindicatos operários livres, inexistentes
no país. Temos de escolher uma tática que ajude a destruir a
máquina sindical oficial e estatal.
3) Nossa atitude mais clara seria o simples boicote ao
sindicalismo oficial e o apelo à formação de sindicatos ope-
rários clandestinos. Foi essa a conduta dos bolcheviques em
relação aos famosos sindicatos de Zoubatov, formados pe-
las autoridades de Petersburgo para conservar os operários
russos fiéis no tsar. Foi essa também a posição dos operários
italianos e alemães em relação aos sindicatos fascistas e na-
zistas. E continua sendo essa a atitude dos revolucionários
espanhóis em relação aos sindicatos “verticais”. A atitude
de boicote, nessas circunstâncias, é a mais clara e inequívoca
para denunciar o caráter contrarrevolucionário do sindica-
to, embora nem sempre possa evitar que o operário se sin-
dicalize já que a repressão os obriga frequentemente a isso.
Importante, todavia, é a forma em que o operário entra nes-
ses sindicatos: com ilusões, ou com consciência de classe.
Se não recomendamos essa tática nas nossas condições,
no presente momento é, antes de tudo, por paradoxal que pos-
sa parecer, devido à falta de uma consciência sindical de nossa
classe operária. Nos casos precedentes, que citamos, a reação
tsarista, fascista ou nazista estava reprimindo e perseguindo

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

violentamente sindicatos operários livres, para substituí-los


por oficiais e enquadrados no Estado. Estava pondo as lide-
ranças operárias nas cadeias e impondo funcionários estra-
nhos à classe. Os operários defendiam suas lideranças e seus
sindicatos, com os quais eles se identificavam e consideravam
como inimigos as novas instituições, com seus funcionários.
Esse fenômeno não se daria em nossas condições. De-
vido ao oportunismo das lideranças das esquerdas, nosso
proletariado, há uma geração, não sabe realmente o que são
sindicatos operários, o que são sindicatos livres. Por bem ou
por mal, identifica sindicalismo com a estrutura existente (o
descontentamento das grandes massas se limita ao governo
ou ministro do Trabalho) e por esse critério se interessa ou
se desinteressa dos sindicatos, sendo que o desinteresse pre-
valece na maioria. Por essa razão também, um boicote dos
sindicatos, no presente momento, não levaria à fundação de
sindicatos clandestinos, mas deixaria um vácuo.
Sobre uma coisa, entretanto, temos de ter clareza. Pode-
mos aceitar a alternativa de não boicotar sindicatos oficiais
do Estado burguês, porque, ao contrário dos casos acima
citados, a reação verde-amarela não conseguiu desenvolver
um dinamismo ideológico próprio ao fascismo europeu, o
qual dominava a vida sindical. O Ministério do Trabalho
proíbe a política nos sindicatos. Ele se limita a proibir por-
que não tem nada a oferecer nesse terreno.
4) Já que decidimos não boicotar os sindicatos oficiais,
temos de definir claramente em que consiste nossa atividade
no seio deles. A que visa nossa atividade sindical? Quais os
meios para atingir os fins?
Fica subentendido que os atuais sindicatos não são ins-
trumentos de luta de classes. Que se tratam de instrumen-
tos de classe dominante no seio do proletariado. Que nossa
obrigação é quebrar a presente estrutura sindical.
A primeira tarefa nossa, como revolucionários, é, por-
tanto, levar essa luta e esse objetivo para dentro do sindica-

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Celso Frederico

to. Isso significa não só que nós não podemos ter nenhuma
ilusão sobre o caráter do sindicato e, portanto, não pode-
mos, em nenhuma circunstância, nos conformar com a pre-
sente estrutura sindical, como também que temos de deixar
bem clara essa nossa atitude diante da classe operária, a fim
de não alimentar ilusões em seu seio e não contribuir para
que ela se conforme com a situação, mesmo em caso de vi-
tórias parciais.
Assim, temos que chegar até o limite extremo compatí-
vel com a situação, não só para desmascarar as lideranças
sindicais, como a própria estrutura, e travar a luta sindical
contra o Ministério do Trabalho. Isso exige que toda ativi-
dade sindical seja acompanhada por um trabalho educativo,
que em toda reivindicação econômica sejam levantadas as
implicações e consequências políticas. E significa, antes de
tudo, que não devemos nos limitar na luta às formas organi-
zatórias que o sindicato hoje oferece. As assembleias sindi-
cais, que podem chegar a ter uma importância excepcional
em diversos momentos da luta, não bastam absolutamente
para organizar e mobilizar a classe. Temos de criar as orga-
nizações de base, como Comitês de Empresas, que ultrapas-
sem a estrutura sindical. Mas, onde houver possibilidades,
em certos ramos industriais mais combativos, de criar ba-
ses sindicais nas fábricas e Conselhos de Representantes de
Fábricas junto às diretorias sindicais (igualmente proibido
pelo Estatuto Padrão) nós não devemos menosprezar essas
formas de organização.
E aí chegamos ao segundo ponto essencial, que deve
orientar nossa atividade nesse terreno. Devemos encarar os
sindicatos como instrumento para chegar às fábricas. O tra-
balho sindical não pode ser nunca um fim em si. Só pode ser
encarado como meio para atingir um fim, e esse é a classe
operária reunida nos centros de produção.
Não estamos, entretanto, querendo dizer que encontra-
mos massa nos sindicatos. Ao contrário, o que os caracteriza

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

é o seu alheamento das bases e das fábricas. Devido à tradi-


cional estrutura oficial sindical, mesmo nos áureos tempos
da legalidade, a porcentagem dos trabalhadores sindicali-
zados não ultrapassou 20% do total do proletariado e nem
mesmo essa porcentagem tinha vida sindical. Assembleias
que reuniam de 1 a 2% dos operários já eram tidas como
sucesso. Depois do golpe, o desinteresse e a descrença só
podiam aumentar. O que nos interessa nos sindicatos são
as possibilidades legais que oferecem para chegarmos às fá-
bricas e para servir como polos de concentração da classe
no auge de campanhas ou de crises. Mas, para isso, teremos
de cavar o caminho do sindicato para a empresa. A massa,
encontramos na fábrica e não nas sedes sindicais.
5) O fato de precisarmos usar os sindicatos para esse fim
não nos deve fazer esquecer as limitações que a sua estrutura
nos oferece, nem nossa hostilidade fundamental em relação
ao sindicalismo oficial em si. Não podemos, de maneira ne-
nhuma, partir de uma tática de aceitar responsabilidades em
direções sindicais em qualquer circunstância e em qualquer
lugar. Só o devemos fazer quando houver premissas para
um trabalho mais consequente, isto é, uma atividade que
ultrapasse a atual rotina burocrática, que é um sustentáculo
do presente status quo.
A atividade sindical, assim como a que exercemos no
seio do proletariado, deve visar aos mesmos objetivos: a)
organizar a classe operária pelas bases e b) criar lideranças
operárias em todos os níveis. De nada adianta mandarmos
operários conscientes para diretorias sindicais reacionárias,
onde serão minoritários, incapazes de modificar a qualidade
de atuação do órgão dirigente e, por cima, ainda correspon-
sáveis pela política peleguista. Em tais casos, em vez de se
tornarem líderes da classe, nossos quadros se desgastarão. A
decisão de participar de chapas e diretorias tem de ser fruto
maduro de uma tática que visa aos nossos objetivos gerais
de luta. Não pode ser resultado de atitude pragmática (“é

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Celso Frederico

preciso estar junto à massa”) ou motivada por vantagens


materiais (“no sindicato tem um mimeógrafo e papel”), ati-
tude que seria uma continuação do oportunismo tradicional
das esquerdas em relação aos sindicatos e à luta em geral.
Finalmente, não poderemos realizar nenhuma atividade
consequente na cúpula dos sindicatos se não criarmos ba-
ses, ideológicas e organizatórias, que nos sustentem, entre
as massas operárias. Se um quadro nosso aceitar um lugar
numa diretoria sem organizar a massa em seguida nos lu-
gares de trabalho, sem mobilizar essa massa contra o Mi-
nistério do Trabalho, o governo e o sistema em geral, ele se
deixou enquadrar dentro da presente estrutura sindical e do
regime vigente.
6) Aproveitar a atual estrutura sindical para uma ativi-
dade revolucionária não significa apoiá-la. Isso deve ficar
bem claro para uma organização revolucionária. Diretorias
sindicais sindicalizam e, frequentemente, fazem campanhas
nesse sentido. Como Partido, não podemos apoiar campa-
nhas de sindicalização para não deixar dúvidas e confundir
a massa a respeito de nossa posição diante do sindicalismo
oficial e estatal. Não podemos mesmo nos casos de sindica-
tos com direções boas e combativas; nem mesmo quando
as direções sindicais são nossas. Em tais casos, o problema
deve ser deixado nas mãos das referidas diretorias, que sabe-
rão resolvê-lo. O objetivo vai ser então o de usar o sindicato
para organizar as bases. A nossa atitude, como organização
política, frente ao sindicalismo oficial, não pode ser determi-
nada por fatores meramente conjunturais.
7) Entre as medidas que se impõem, há a formação de
pactos, públicos ou não, de sindicatos, ou oposições sindi-
cais. Os pactos tomam as formas mais diversas mas se justi-
ficam sempre quando colocam em cheque a política salarial
ou econômica do governo. Isso oferece um ponto de partida
para campanhas de massas mais consequentes. Um exemplo
recente foi o MIA que, todavia, revelou toda fraqueza de

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

uma luta sindical limitada quase totalmente a uma atuação


de cúpula, sem nenhum trabalho de base. Mesmo nos luga-
res onde tomamos a vanguarda dessa luta, a prática mostrou
que também não soubemos tirar todas as consequências da
situação. Ainda estamos discutindo a nossa participação
nessa campanha, mas a experiência tem de ser aproveitada
para que o Partido se prepare para situações mais radicais.
Outro passo seria as Oposições Sindicais que prometem
uma atuação sindical mais consequente ainda. Trata-se, ge-
ralmente, de grupos minoritários em diversos sindicatos, que
tomam contatos para uma atuação comum, inicialmente em
escala local. Todavia, não quer dizer que somente minorias
ou chapas derrotadas possam participar dessa coligação,
pois o sentido não é a oposição de determinadas diretorias e
sim a criação de uma oposição organizada contra a presente
estrutura sindical. Posição tão consequente, geralmente, sur-
ge primeiro entre minorias. Mas estas, trabalhando bem, e
isso depende em parte de nós, poderão tomar conta de sindi-
catos e continuarem oposição organizada contra o sistema.
8) A presente tática, aqui proposta, requer de nós a
capacidade de julgar realisticamente toda situação que se
apresente. Exige que se julgue essa situação, sem perder de
vista os objetivos de nossa atitude revolucionária em con-
junto, que tem de prevalecer em todas as fases da luta. Não
há dúvida de que, nas atuais condições, a militância sindical
apresente o perigo de desgastes e desvios dentro do quadro
da ordem existente. Saberemos superar esses perigos se não
tomarmos essa “faixa legal”, que o sindicalismo apresenta,
como um fim em si. Às vezes, é preferível provocar interven-
ções a aceitar uma política sindical dentro dos moldes ofi-
ciais prescritos. Mas tais provas de força têm de ser prepara-
das pela organização das bases, pela educação das massas e
pela formação de legítimas lideranças operárias. Nesse caso,
poderemos passar também para o boicote de determinados
sindicatos, visto que a conduta das massas permitirá a for-

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Celso Frederico

mação de entidades clandestinas e toda luta sindical será


levada no nível do sindicalismo operário e livre.
9) A luta por sindicatos operários livres deve estar pre-
sente em todas as fases da atividade sindical. Não porque
achamos possível conquistar esse direito neste momento,
mas porque faz parte da educação da classe. O desmascara-
mento da presente estrutura sindical é uma condição para
que se forme a classe operária independente. Isso exige que
não nos limitemos à palavra de ordem do “sindicalismo li-
vre” e sim que denunciemos a todo momento os fatores
concretos do “arrocho sindical” – Ministério do Trabalho,
Estatuto Padrão, Comissão de Enquadramento, reconheci-
mento das diretorias pelo Ministério, controle financeiro
etc., para que todo operário reconheça o inimigo e saiba
como age. Isso faz parte da formação da consciência de
classe do proletariado. Nunca devemos esquecer que a
grande maioria do proletariado não sabe como funciona
um sindicato operário, nem a diferença existente entre este
e um sindicato oficial.
10) Finalmente, não devemos esquecer que a luta no sin-
dicato é apenas um dos terrenos de nossa atuação no meio
do proletariado brasileiro. Os sindicatos não abrangem a
classe, e no presente momento não podemos nos limitar aos
sindicatos sem abandonar a imensa maioria do proletaria-
do, que tem de ser levada à luta. Assim, também, não é acon-
selhável que o trabalho no meio operário, as Coordenações
operárias e órgãos locais orientadores fiquem exclusivamen-
te entregues a quadros sindicais. Esses grupos são inclinados
a se fixarem unicamente num dos aspectos da luta operária.
Para ter uma visão mais completa, temos de poder contar
com mais quadros nas fábricas, aos quais tem de ser dada a
necessária formação para influir diretamente nas atitudes e
na conduta geral da nossa luta, ao lado dos demais militan-
tes. É a experiência em todos esses setores que contribuirá
para tornar mais concreta a tática diária.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Tarefas urgentes do movimento operário


(Revolução, nº 5, maio de 1966, AP)

I) Quais as respostas possíveis dos trabalhadores à


opressão da ditadura? [...] os trabalhadores brasileiros estão
diante de três alternativas, de três respostas:
1. Aceitar a ditadura, reivindicando algumas melhorias
superficiais para os trabalhadores, sem colocar em cheque a
ditadura. Esse é o papel dos pelegos, de todos aqueles que
estão efetivamente defendendo o interesse dos patrões e não
do movimento operário.
2. Lutar pela redemocratização – posição daqueles que
consideram ser possível que a ditadura, através da pressão
popular, faça concessões e abra um caminho democrático.
Essa é a posição daqueles que se esquecem que a ditadura
foi implantada para barrar o caminho dos trabalhadores e
que o imperialismo norte-americano não permitirá um re-
trocesso por simples pressão de massa, além de se esque-
cerem que seria um contrassenso que uma ditadura militar
tivesse sensibilidade para qualquer tipo de pressão política.
3. Lutar pela derrubada da ditadura – posição daqueles
que consideram que nada conseguirão sem a derrubada da di-
tadura. É a verdadeira resposta dos trabalhadores brasileiros à
ditadura. Os operários brasileiros terão que desenvolver uma
luta frontal pela derrubada da ditadura como caminho para a
tomada do poder pelos operários e camponeses, única fórmula
possível para a solução radical dos problemas do povo brasilei-
ro. Portanto, o único caminho revolucionário para os trabalha-
dores brasileiros, neste momento, é a luta contra a ditadura.

II) Como os trabalhadores podem abrir esse caminho


revolucionário?
Os trabalhadores podem abrir esse caminho revolucio-
nário quando estiverem convencidos de que só serão liber-
tados por suas próprias mãos. Essa libertação só se dará

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Celso Frederico

através da luta, de uma luta frontal e sem conciliações con-


tra todas as formas de opressão. Neste momento a forma
mais imediata, mais presente da opressão do capitalismo e
do imperialismo é a ditadura militar da traição nacional.
Para que os operários brasileiros tenham condições efetivas
de derrotar a ditadura e de continuar na luta até a tomada
do poder torna-se necessário:
a) organizar politicamente os trabalhadores – de nada
adiantaria todos os operários brasileiros estarem conscien-
tes da opressão em que vivem e dispostos para a luta, se não
estiverem organizados. A organização política das massas é
condição necessária para o êxito da luta revolucionária;
b) elevação do nível de consciência política dos trabalha-
dores através de lutas por problemas concretos e imediatos
– é necessário compreender que a revolução é um processo,
que cumpre etapas. A nossa grande tarefa é levar o maior
número de trabalhadores a viver essa experiência, pois é a
escola mais eficaz de formação de quadros revolucionários;
c) vinculação das lutas concretas e imediatas dos traba-
lhadores com as lutas gerais – assim, a ligação da luta contra
o aumento do custo de vida com a luta contra a ditadura.

III) Porque a luta econômica e reivindicatória dos traba-


lhadores é importante para a tomada do poder?
Os revolucionários devem ser capazes de associar as
lutas imediatas dos trabalhadores à luta final pela tomada
do poder. Os salários oferecem todos os dias motivos de
luta para os trabalhadores. Do salário depende a vida dos
trabalhadores e suas famílias. Mas dos salários dependem,
também, os lucros das grandes empresas. Os grupos econô-
micos, através da ditadura, procuram de todos os modos
diminuir o salário dos trabalhadores para, assim, aumentar
seus lucros. Uma série de medidas foi tomada no sentido de
enfraquecer a classe operária para que ela perdesse as con-
dições de exigir melhores níveis salariais:

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

– intervenção nos sindicatos;


– nomeação de pelegos que representam os interesses
da ditadura e dos patrões, contra os interesses dos
operários;
– lei antigreve que limita as condições de luta dos tra-
balhadores por melhores salários.
A luta econômica serve, se orientada revolucionaria-
mente, ou seja, neste momento objetivando atingir a ditadu-
ra e o imperialismo, para:
– denunciar a ditadura através de suas medidas antio-
perárias;
– mostrar a incapacidade do sistema capitalista de sa-
tisfazer as necessidades humanas essenciais;
– elevação do nível de consciência e organização dos
operários.
A luta reivindicatória, por si só, não leva à emancipação
dos trabalhadores. Muito ao contrário, caso não seja con-
duzida revolucionariamente, pode ser um instrumento de
amortecimento da consciência popular. Isso se dará quan-
do o movimento operário se restringir a esse tipo de luta,
limitando os horizontes da classe operária, não colocando
o problema de luta por uma sociedade que seja a expressão
dos interesses dos trabalhadores. As lutas reivindicatórias
poderão prestar uma grande colaboração na luta dos traba-
lhadores, servindo de base para outras lutas, organizando,
politizando.

IV) Quais as tarefas urgentes do movimento operário


brasileiro?
1) organizar núcleos operários no interior das fábricas.
Para isso, se orientar para as categorias mais importantes
(metalúrgicos, portuários, bancários) e, dentro das catego-
rias, para as indústrias mais importantes;
2) desenvolver lutas parciais e locais em torno de pro-
blemas concretos e imediatos do movimento operário;

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3) fazer a aliança das lutas concretas dos operários com


as lutas dos camponeses e estudantes;
4) organizar o Movimento Contra a Ditadura, levando
o seu programa a fábricas, bairros etc.
Chegou o momento dos operários brasileiros se lança-
rem na luta contra a ditadura. Os operários estão no centro
dos interesses do imperialismo; os operários estão manipu-
lando os instrumentos de produção. Por sua missão histó-
rica e por sua localização estratégica, os operários têm a
desempenhar um importante e essencial papel na revolução
brasileira.

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Capítulo II
AS GREVES DE 1968

APRESENTAÇÃO

O ano de 1968 marcou o auge da contestação estudantil


à ditadura militar, o início das ações armadas e o renasci-
mento das greves operárias nos centros urbanos.
Foram realizadas duas greves em Contagem (a primei-
ra no mês de abril e a segunda em outubro), paralisações
nas indústrias automobilísticas de São Bernardo do Campo
(maio) e a famosa e controvertida greve de Osasco (julho).
As paralisações de São Bernardo são pouco conhecidas
e as informações sobre elas rarefeitas. Foram movimentos
de curta duração, restritos ao interior das indústrias e que
ocorreram à revelia da direção sindical, surpreendida pelos
acontecimentos. As seguintes fábricas foram atingidas pelo
movimento: Mercedez-Benz, Volkswagen, Willys, Chrysler,
Kubota e Fendt.14
Pelo pouco que se sabe, foram movimentos espontâ­neos
cuja direção escapou tanto à direção sindical quanto às opo-
sições:
Viu-se que, em várias fábricas, houve companheiros que não en-
tenderam a importância de organizar os grupos de luta dentro das
14
Uma breve notícia sobre as paralisações encontra-se no artigo “Greves do
ABCD mostram a todos os operários como lutar”, in Libertação nº 4, junho de
1968.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

seções. Assim, embora nessas fábricas os operários estivessem uni-


dos e querendo a greve, eles não estavam organizados, não tinham
discutido o bastante e na hora não souberam o que fazer”15.
Esse movimento foi uma novidade para algumas indús-
trias automobilísticas que até então não tinham sido atingi-
das por nenhuma paralisação. Mesmo no período pré-1964,
de grande efervescência, os trabalhadores dessas indústrias
ficaram à margem dos movimentos grevistas. A explicação
para esse fato deve ser procurada na política gerencial mo-
derna que essas empresas multinacionais trouxeram para um
Brasil marcado tradicionalmente por truculentas relações de
trabalho. Nessas indústrias os operários ganhavam salários
mais altos, anteviam possibilidades de ascensão social, conta-
vam com inúmeras regalias etc. Foi graças ao arrocho salarial
– que atingiu o conjunto das classes trabalhadoras – que esse
setor despertou para a luta. No início dos anos de 1970, ocor-
reriam novas paralisações. Finalmente, a partir de 1978, os
trabalhadores das montadoras de São Bernardo transforma-
ram-se na ponta de lança do movimento operário brasileiro.

As greves de Contagem e Osasco são acontecimentos


conhecidos pelos estudiosos do sindicalismo brasileiro. So-
bre Osasco, principalmente, existe uma razoável bibliogra-
fia elaborada por alguns dos participantes da greve, pela
imprensa clandestina e pela universidade.
Para a esquerda brasileira da época, Osasco tornou-se,
na feliz expressão de João Quartim, um símbolo. E o signi-
ficado desse símbolo provocou uma acirrada luta ideológica
que envolveu todos os agrupamentos de esquerda do país.
Do ponto de vista econômico, a greve foi uma derro-
ta e, além disso, provocou uma desorganização no meio
operário osasquense que se arrastou por quase dez anos.

15
“Como os trabalhadores se organizam na fábrica para lutar contra o arro-
cho”, in Libertação, nº 4, junho de 1968, p. 5.

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Celso Frederico

Entretanto, a greve foi um movimento de contestação e


resistência à ditadura que ia além do plano meramente
econômico-corporativo. E é justamente aí que se situa o nó
da questão: o contexto histórico da greve deu ao aconteci-
mento uma “força simbólica” que uma greve, por si mes-
ma, não costuma ter.
Em Osasco, vários ingredientes entraram em composi-
ção: a luta mais geral de resistência à ditadura militar que
agora parecia ter ganho a adesão dos trabalhadores, o papel
desenvolvido pelos organismos de base (comissões de fábri-
ca), a ocupação das fábricas e o “sequestro” dos gerentes e
engenheiros, a interpenetração do movimento operário com
o movimento estudantil, a presença dos grupos armados nos
bastidores da greve etc.

Um acontecimento como esse, com tantas implicações,


serviu para acirrar o debate ideológico que se travava nas
fileiras da esquerda desde 1966 e que encontrava agora uma
oportunidade excepcional para se atualizar:

I) Os partidários da frente democrática eram minoritá-


rios no movimento operário de Osasco e pouca influência
tiveram no desenrolar dos acontecimentos. Eles, entretanto,
criticaram duramente o papel da diretoria sindical por ter-se
afastado do conjunto do movimento operário que, através
do MIA, planejava deflagrar uma greve geral no mês de ou-
tubro, época do dissídio.
Os dirigentes de Osasco eram céticos quanto às possibi-
lidades de atuação dos membros do MIA. Além disso, havia
uma influência mais forte que mantinha Osasco afastado
do conjunto do movimento sindical. Vejam-se, a propósito,
as declarações de José Ibrahim, ex-presidente do sindicato
metalúrgico de Osasco para a revista Unidade e Luta:
Existia, além do mais, uma questão política: nossa visão na-
quela época. Estávamos ligados ao movimento de massas,

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

mas bastante comprometidos com as posições de ruptura com


o reformismo e de luta armada que a esquerda começava a
levantar. Partíamos da mesma análise de conjuntura que o
restante da esquerda estava fazendo: o governo está em crise,
ele não tem saída, o problema é aguçar o conflito, transfor-
mar a crise política em crise militar. Daí vinha nossa con-
cepção insurrecionalista de greve: levar a massa, através de
uma radicalização crescente, a um confronto com as forças
de repressão. Era a visão militarista aplicada ao movimento
de massas. Correspondia a uma determinada concepção do
processo revolucionário.
Os partidários da frente democrática criticaram o van-
guardismo dessa concepção como o responsável pelo iso-
lamento e pela derrota da greve. Os dirigentes de Osasco,
ao precipitarem os acontecimentos e radicalizarem de forma
insustentável o encaminhamento da greve, deixaram a cate-
goria desorientada e exposta aos golpes do aparelho repres-
sivo. Nessa perspectiva, Osasco simbolizaria a impaciência
revolucionária pequeno-burguesa que subestima a luta sin-
dical e partidariza as entidades classistas em nome de uma
visão política pretensamente revolucionária.

II) A outra corrente da oposição viu em Osasco o sím-


bolo da combatividade operária que, através da greve,
engrossou as fileiras da luta mais geral contra a ditadura
militar.
O afastamento da direção sindical de Osasco dos “pele-
gos do MIA” foi interpretado como correto, ao passo que a
aproximação com o movimento estudantil e com os grupos
armados foi vista com maior ou menor entusiasmo.
Outro ponto destacado é o papel desempenhado pelas
comissões de fábrica, apresentadas com a garantia de um
sindicalismo que se firmou “de baixo para cima” e que per-
maneceu enraizado nos locais de trabalho. Um dos dirigen-
tes sindicais da época, Roque Aparecido da Silva, concluiu
uma análise da greve com a seguinte frase: “Para a história

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Celso Frederico

do movimento sindical brasileiro, a experiência de Osasco


pode vir a ser o marco do nascimento de um sindicalismo
independente e autônomo”.16
A combatividade operária e o trabalho de base são os
pontos consensuais. A divergência entre as fileiras da autoin-
titulada “esquerda revolucionária” surge em torno do papel
que cada setor atribui ao sindicato. José lbrahim afirmou
certa vez que “a nossa atividade sindical estava orientada
também para a luta armada”.17 Evidentemente, os grupos
que divergiam da perspectiva militarista não podiam aceitar
essa mistura entre prática sindical e guerrilha urbana.
Outro ponto polêmico diz respeito às relações entre
sindicato e comissões de fábrica. Para alguns setores, o sin-
dicato deveria coordenar as comissões de fábrica e centra-
lizar a luta da categoria. Para outros, ao contrário, as co-
missões deveriam ter uma existência autônoma em relação
ao sindicato tutelado pelo Estado. A greve teria fracassado
por conta da dependência das comissões de fábrica em re-
lação ao sindicato. Decretada a intervenção no sindicato,
o movimento ficou acéfalo e acabou. Outros setores, fi-
nalmente, vão mais longe ao propor, tendo como referên-
cia a greve de Osasco, uma organização operária centrada
nos bairros (e não somente nas fábricas), como condição
de garantia para um movimento operário independente e
combativo.
Seja qual for a interpretação, Osasco permaneceu como
um símbolo para a esquerda, pelo menos até 1978, quando
a irrupção operária no ABC anunciaria uma nova etapa da
luta de classes no Brasil.

16
Cf. Roque Aparecido da Silva, 1968 – Novo Sindicalismo, ms., p. 7.
17
Cf. José Ibrahim, “Os operários”, in: A esquerda armada no Brasil. Lisboa:
Moraes Editores, 1976, p. 37.

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DOCUMENTOS

Dois relâmpagos na noite do arrocho


A. R. Espinosa (Caderno do presente, nº 2, julho de 1978)

Na época, 1968 parecia o ano da grande revanche. Pelas


milhares de cabeças que o incendiavam, passava a certeza
de que aquele era o ano da lavagem de alma dos movimen-
tos populares derrotados em 1964. E tudo se passava como
numa festa, em que muitos dançavam, mas os músicos e os
principais dançarinos eram os estudantes; onde o vinho ser-
vido tinha o cheiro e o gosto da rebeldia estudantil. E tudo
ocorria também como numa festa com hora certa para ter-
minar; hora essa que não havia sido fixada pelos estudantes
e nem eles sabiam qual era, mas que já estava próxima.
Depois da morte de Edson Luís, em março, o movi-
mento estudantil entrara num período de rápido ascenso.
Passeata dos 100 mil; movimentos de rua nas principais
cidades; luta acirrada entre as várias correntes políticas
pelo controle da UNE e das UEEs (Uniões Estaduais dos
Estudantes); correntes políticas tentando romper o cerco
do movimento estudantil e influenciar o desenvolvimento
dos movimentos de outras camadas sociais; ocupação de
faculdades etc. Esse ascenso refletia-se também no surgi-
mento de inúmeras entidades de profissionais liberais, ar-
tistas e intelectuais, que se inspiravam e viviam à sombra
do movimento estudantil.
O movimento operário de 1968, certamente, tinha sua
dinâmica própria, mas ela se confundiu, foi influenciada
pela dinâmica dominante no microcosmo das oposições. As
palavras de ordem gritadas pelos operários em 1968 não
podiam deixar de misturar-se às vozes que entoavam as can-
ções de Geraldo Vandré. Assim, a greve de Contagem em
abril, o 1º de maio de 1968 na praça da Sé, a greve de Osas-
co em julho vieram a animar e a alimentar a grande espe-

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rança da desforra. A segunda greve de Contagem (outubro)


ocorreria já numa conjuntura de descenso.

Os estudantes: entre a origem pequeno-burguesa


e a vontade de chegar ao proletariado
Entre 1966 e 1968, a história do movimento estudantil,
grosso modo, pode ser dividida em dois períodos: o primei-
ro vai de setembro de 1966 até o final de 1967; o segundo
compreende fundamentalmente o ano de 1968. No primeiro
momento, expressando à sua maneira a insatisfação genera-
lizada da pequena burguesia, o movimento estudantil lan-
çou suas bases e cresceu. No segundo momento, em face do
processo de recuperação da pequena burguesia pelo regime,
o movimento estudantil passou a se definir e organizar de
forma autônoma, em função de uma dinâmica interna que
o fazia privilegiar a necessidade de aliança com uma outra
classe social, o proletariado.
1965, 1966 e a primeira metade de 1967 é o tempo em
que a pequena burguesia se afastou do regime que havia aju-
dado a instaurar em 1964. Em 1964, grande parte dessa ca-
mada social se manifestara contra o comunismo, clamando
pelo golpe de Estado que redimiria a propriedade privada, a
ordem, a moralidade e as “tradições ameaçadas”. Depois do
golpe, com efeito, essa camada assistiu às investidas do novo
regime contra os sindicatos, entidades e outras associações
profissionais; acompanhou as intervenções feitas em todos
os setores da vida social, com as prisões e cassações políticas
e a perda de empregos pelos possíveis opositores etc. Só que,
além disso, o regime também promoveu uma redistribuição
da propriedade, que favoreceu os grandes capitais nacionais
e multinacionais – a “operação saneadora” do ministro Ro-
berto Campos. Em consequência, centenas de pequenas em-
presas foram obrigadas a cerrar suas portas em 1965 e início
de 1966. Para acertar as arestas e inaugurar um novo ciclo
de acumulação capitalista, também foi necessário reduzir os

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

salários ou rendimentos profissionais das camadas médias.


Logo depois do golpe, portanto, setores da pequena burgue-
sia se viam de novo às voltas com risco da pauperização.
Fato que ilustra isso: a breve crise da indústria automobilís-
tica, cujos pátios se encheram de automóveis para os quais
não havia compradores. A propósito, a votação obtida pelo
MDB nas eleições de 1966, quando ele ainda era tido como
coirmão da Arena, foi bem alta (só superada pela votação
de 1974); também foi elevada a quantidade de votos nulos,
através da campanha do MCD, promovida pela UNE.
Em 1966, quando voltou à evidência, o movimento es-
tudantil foi entusiasticamente saudado nas ruas. Durante a
“setembrada” (passeatas realizadas em setembro de 1966
em São Paulo), dos prédios choviam papéis picados sobre
os estudantes. As campanhas em favor dos excedentes (ves-
tibulandos para os quais não havia vagas nas universidades)
eram encaradas pela classe média como movimentos seus. E
o movimento estudantil crescia rapidamente. Chegou a qua-
se todos os Estados, penetrando nas principais faculdades
e se ampliando até a algumas escolas secundárias. A UNE
voltou a se fortalecer, embora clandestina, e ressurgiram as
UEEs e algumas entidades secundaristas, como a Ubes.
Em 1967, completada a “limpeza da área”, ou seja, re-
distribuída a propriedade segundo o modelo de acumulação
que asseguraria a retomada e o “milagre”, as várias frações
e setores da burguesia estavam coesos em torno do regime.
Tornava-se então possível reconquistar o apoio da peque-
na burguesia também porque, em parte, o desenvolvimen-
to seguinte se processaria em cima do “consumismo” dessa
camada da população. Fatos que ilustram isso: a criação de
consórcios para a venda de automóveis; a política do BNH
para a venda de casas; a política creditícia e os financiamen-
tos para a venda de todas as modalidades de bens de consu-
mo. Afastado o temor do empobrecimento generalizado, a
pequena burguesia reapurou os ouvidos para a fraseologia

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anticomunista, moralista e “ordeira” do regime. Nesse qua-


dro, a passeata dos 100 mil, na Guanabara, não representou
mais que o agradecimento final da pequena burguesia, que se
despedia daqueles que haviam encarnado suas insatisfações.
A grande imprensa e as “famílias” aos poucos passaram
a ver o movimento estudantil como sinônimo de subversão
e de ameaça à ordem. Tendo se aprofundado bastante nas
escolas que mobilizara, o movimento deixa de se espraiar,
passando a radicalizar apenas com as bases que já tinha.
Num ritmo acelerado, os estudantes promovem seguidas
manifestações de rua, sucedendo-se os combates com a po-
lícia. Agora já sem as chuvas de papel picado, mas com os
resmungos dos “chefes de família” que não mais queriam
perder a hora do jantar nas ruas congestionadas.
Isolado da classe que lhe dera sustentação, o movimento
estudantil passa a definir-se tendo como referência sua dinâ-
mica interna. Seu móvel passa a ser um outro setor social,
o proletariado, mas as organizações políticas que nele atua­
vam buscam açodadamente o controle das entidades estu-
dantis (em São Paulo chegou a haver duas UEEs). O proces-
so de busca do proletariado, na verdade, vinha desde 1966,
mas só em 1968 assumiu formas quase dramáticas. E não
só os setores atingidos pelo movimento estudantil ou pelas
organizações políticas estudantis seriam marcados por ele.
Frustrado em seu objetivo de conseguir uma vinculação
significativa com a classe operária e corroído por suas lutas
internas, o movimento estudantil estava historicamente con-
denado. Seu fim dependeria, apesar de outros tantos enfren-
tamentos com a polícia, com o enfrentamento no Congresso
de Ibiúna.

A influência estudantil sobre o movimento operário


Nos momentos de extrema desorganização, decor-
rentes de derrotas profundas ou da inexistência de uma
consciência de classe autônoma, a passagem da classe

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

operária a uma atitude combativa depende de aconteci-


mentos exteriores que tenham reflexos imediatos junto
a ela. Utilizando uma metáfora: quando adormecida, é
necessário algum impulso exterior para que ela acorde,
mas é ela quem acorda. O sono não é sinônimo de morte,
mas de uma vida sem atuação sobre o exterior. Implica,
antes de mais nada, numa ação voltada para o interior, de
sobrevivência.
Historicamente, esse “impulso externo” sobre a clas-
se operária tem sido as crises econômicas e/ou políticas
que abalam o sistema de dominação. As próprias crises
criam condições para a movimentação da classe, que reage
à depreciação de suas condições de vida, animando-se ou
reanimando-se. Geralmente, contudo, tem sido necessário
um outro elemento social para a ativação do proletariado:
os protestos das classes médias. Estas, em virtude de sua
organização social, intimidade com as “ideias” e o poder,
tem condições de se mobilizar muito mais rapidamente. E
o fazem, sempre que, para elas, é iminente o risco de prole-
tarização. Nesses momentos, a pequena burguesia procura
incendiar o ânimo do proletariado por ver nele o aliado
ideal para conter seu próprio empobrecimento. Depois, de-
pendendo da duração da crise, do grau de consciência e or-
ganização alcançado, o movimento operário pode adqui-
rir força e clareza para caminhar sobre seus próprios pés
inaugurando um processo de construção de sua autonomia
política e ideológica.
A animação do movimento operário em 1967-1968 foi
diretamente influenciada pelo movimento estudantil e pelas
organizações políticas estudantis. Mas essa influência teve
um peso diferente sobre cada setor ou parte da classe operá-
ria, variando segundo o tipo de tradição e organização local
e, também, de acordo com o grau de clareza e capacidade
das vanguardas locais de receberem influências externas e
de dirigirem suas bases.

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Celso Frederico

A própria natureza da influência do movimento estu-


dantil, entretanto, já estava historicamente marcada e deli-
mitada em função de sua capacidade de sobreviver. O movi-
mento estudantil já perdera suas bases de sustentação social.
O regime se fortalecera em virtude da coesão das frações e
setores da burguesia e já reconquistara o apoio da pequena
burguesia. A questão social – operária, estudantil ou outra
– só teria um tratamento: o da força. Para desarticular o mo-
vimento estudantil, que começava a adotar formas de luta
mais violentas, ou para pôr em prática a política de conten-
ção salarial (peça-chave do “milagre econômico”), o regime
não encontraria qualquer obstáculo para lançar mão dos
recursos policiais que se fizessem necessários.
Assim, embora o movimento estudantil tenha aberto
espaços efetivos para a mobilização operária; apesar de
ter ido “cutucar” os operários lá onde eles estavam e de
haver obtido respostas, acabou também influindo sobre
o isolamento e a radicalização dos setores mais organi-
zados da classe operária (Osasco e Contagem). O movi-
mento operário, dessa forma, não teria tempo para se or-
ganizar independentemente, para passar a marchar sobre
os próprios pés. O desfecho da greve de Osasco (julho) e
da segunda greve de Contagem (outubro) inauguraria o
maior período de descenso do movimento operário dos
últimos 30 anos.
A desorganização das bases, a intensa vigilância policial
e o domínio aberto dos sindicatos pelo peleguismo seria o
tripé determinante da conduta operária nos anos seguintes.
Logo após as derrotas, parte dos líderes operários acompa-
nharam os estudantes mais combativos na aventura milita-
rista por meio de pequenos grupos, pretendendo derrotar
o Estado pela via armada. Do ponto de vista organizativo,
essa tentativa desesperada acabaria permitindo ao regime
aplicar seu golpe de misericórdia no movimento operário (e
também no estudantil).

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

As condições para a reanimação do movimento operário


Em 1967, ou seja, apenas três anos depois do golpe de
Estado, os salários reais já haviam caído cerca de 35%. Num
espaço de tempo bastante curto, portanto, as condições de
vida dos trabalhadores haviam sido rebaixadas a ponto de
provocar uma profunda insatisfação. O arrocho salarial não
decorria de uma crise no modo de acumulação capitalista,
mas, ao contrário, decorria do novo modo de acumulação.
Não refletia, por isso, uma crise grave do sistema. Entretan-
to, a não resistência aberta da classe operária ao arrocho
não pode ser explicada apenas em virtude da disposição do
regime em impedir qualquer contestação à sua política eco-
nômica. Ela se devia principalmente a dois outros fatores:
primeiro, a desarticulação das atividades sindicais em 1964;
segundo, a profunda desorganização e desmobilização das
bases depois do golpe de Estado.
A desarticulação das atividades sindicais em 1964 foi
realizada mediante intervenções em centenas de sindicatos,
acompanhadas pela prisão ou simples perda de emprego por
parte de dirigentes sindicais. A propósito, consta que só em
São Paulo mais de mil delegados sindicais perderam seus em-
pregos depois do golpe. Inúmeros líderes operários que não
foram presos foram forçados a mudar para outras regiões­
por não conseguirem emprego em suas cidades. Os interven-
tores nos sindicatos e seus sucessores eleitos em 1965 – eles
próprios ou candidatos por eles apoiados – formaram uma
nova casta de pelegos caracterizada pela extrema docilidade
em relação ao poder e por sua capacidade de desmobilizar
as bases (transformaram os sindicatos em órgãos meramen-
te assistencialistas).
Com o golpe de 1964, a classe operária ficou acéfala,
pois, de fato, antes ela realizava um dos mitos preferidos da
burguesia: isto é, tinha “cabeças”. A prática pré-1964 era
essencialmente cupulista (acordos interdireções sindicais) e
a “massa” só era mobilizada para reforçar as manobras ou

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acordos das cúpulas. Sua mobilização era operada princi-


palmente através de piquetes (que reuniam os quadros mais
combativos da classe), que não contribuíam para elevar o
nível de consciência e organização das bases. A aplicação da
legislação anterior a 1964, principalmente a CLT (Consoli-
dação das Leis do Trabalho), mais a substituição dos antigos
dirigentes sindicais, bastou para que o regime desmobilizas-
se a classe. As leis baixadas pelo governo militar, como a Lei
nº 4.330 (lei antigreve) e a campanha sistemática de intimi-
dação policial foram suficientes para que as massas, desor-
ganizadas, fossem desmoralizadas e inativadas a ponto de se
incapacitarem a resistir à política de arrocho.
Fenômeno ilustrativo da desmobilização e da incapaci-
dade de organizar para a luta contra o arrocho são as raras
e pequenas greves ocorridas em 1965 e 1966. Sem dúvida,
a classe operária estava afetada pelo arrocho, mas as greves
travadas nesse período sequer colocavam o fim do arrocho
como um de seus móveis: as razões alegadas para sua realiza-
ção foram atrasos de pagamento, cortes de funcionários (os
facões) ou o não cumprimento do dissídio pelos patrões (úni-
ca exceção: a “operação-tartaruga”, realizada pelos operários
da Cobrasma, de Osasco, em fins de 1966; mas Osasco, nessa
época, já se distinguia no conjunto da classe operária).
Não bastava, portanto, uma razão suficiente para uma
reação da classe operária (condições de vida extremamente
deterioradas pelo arrocho), era necessário mais: era preciso
que a classe fosse despertada na sua vontade de luta, que ela
se sentisse minimamente organizada ou, pelo menos, ampa-
rada, para retomar a iniciativa.
O impulso necessário à reanimação do movimento ope-
rário veio de fora. Dependendo das condições internas a
cada setor da classe, ele teve efeitos peculiares. Em São Pau-
lo, por exemplo, onde o movimento estudantil foi às ruas
em 1966, levantando slogans que também diziam respeito à
classe operária (e onde as organizações políticas de compo-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

sição estudantil buscavam adesões de operários), desenvol-


veu-se a oposição sindical, organizando principalmente os
quadros operários mais combativos do período pré-1964,
os “piqueteiros”, que, em grande parte, começavam a repu-
diar a prática não organizativa e não conscientizadora an-
terior. Atuan­do dentro de sindicatos com diretorias pelegas
ou que se pautavam pelas práticas não mobilizativas (tipo
pré-1964), as oposições sindicais forçavam as diretorias dos
sindicatos a atitudes mais decididas contra o arrocho. Em
função de sua atuação, em setembro de 1967 foi formado o
MIA (Movimento Intersindical Antiarrocho) que, nos mol-
des cupulistas anteriores, organizava dirigentes sindicais
como José Ibrahim, de Osasco; Joaquim Andrade, metalúr-
gicos de São Paulo; e Frederico Brandão, bancários de São
Paulo. Mas a divergência que opunha a prática cupulista e
as posições que pleiteavam a participação intensa e organi-
zada das bases, seis meses depois, provocaria o fim do MIA.
Em Minas Gerais, na mesma época, também houve a tenta-
tiva de criar um FIA (Frente lntersindical Antiarrocho), que
não passou da primeira reunião.
O MIA, contudo, cumpriu um papel: incorporou defini-
tivamente a palavra de ordem “luta contra o arrocho” nas
atividades sindicais, mesmo que apenas no jargão vazio dos
pelegos.

Atividades sindicais de Contagem sobreviveram ao golpe de 1964


Em 1964, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos
de Contagem – Belo Horizonte era Ênio Seabra. Apesar da
prática então nacional dos acordos de cúpula e dos pactos
intersindicais, a diretoria desse sindicato buscava uma par-
ticipação maior das bases na vida sindical, de maneira que,
após o golpe de Estado, sobreviveu na região uma espécie de
confiança nas possibilidades de atuação do sindicato.
Além de esse fato ter produzido uma diferenciação tê-
nue entre o Sindicato dos Metalúrgicos de Contagem e os

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demais, os efeitos do golpe de Estado lá foram menos pro-


fundos que em outras regiões. O sindicato sofreu interven-
ção, tendo Seabra sido substituído pelo pelego Onofre Mar-
tins. Mas a maior parte das lideranças sindicais (a exemplo
do próprio Seabra) pôde continuar trabalhando e residindo
na cidade. Logo após o golpe, as antigas direções sindicais,
agora na oposição, voltaram a atuar dentro do sindicato,
tentando retomá-lo. Afastadas dos encargos de direção, pro-
curaram criar raízes nas fábricas.
A história do movimento operário de Contagem obe-
deceu a um fluxo circular entre a tentativa de reconquistar
(ou influenciar) o sindicato e a volta às fábricas, com o re-
forço constante da presença das oposições mais combativas
no sindicato e nas fábricas. Em todas as ocasiões, como no
dissídio de 1966, a oposição levou propostas às assembleias
sindicais e, depois, retornou às fábricas, denunciando o pe-
leguismo de Onofre Martins.
Em 1966, já era evidente a presença de organizações
políticas nas fábricas de Contagem e na oposição sindical.
Um exemplo: na época já circulava regularmente na região
o jornal Piquete, que, em 1968, chegaria a seu número 100.
Além do Piquete, circulavam outros jornais clandestinos,
denotando a presença de várias organizações políticas. A
ausência de uma hegemonia clara de qualquer delas parece
ter contribuído para manterem um relacionamento pouco
competitivo e sem grandes atritos na oposição sindical. As
sucessivas voltas às fábricas, acrescidas cada vez mais de
denúncias contra o sistema e de propaganda sistemática
para a politização da classe, contribuíram para o surgimen-
to de novas lideranças dentro das fábricas, que acabaram
por organizar grupos de trabalho altamente respeitados
pelas bases. Inicialmente, esses grupos tinham pouca ou
nenhuma coordenação entre si, mas a partir deles, depois
de novembro de 1967, iriam se desenvolver as “comissões
de fábrica”.

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Outro fato que contribui para fortalecer a oposição sin-


dical de Contagem foi a crise particularmente grave que afe-
tou a região a partir do final de 1966 (quando a oposição já
dispunha de alguma força), provocando drásticos cortes de
pessoal (como na Mannesmann, 600 operários despedidos)
e atrasos de pagamento (como na Cia. Siderúrgica Nacional
de São João Del Rei e Ibirité).
Boa parte das pequenas greves anteriores a 1968 ocor-
reram em Contagem e Belo Horizonte (tendo afetado inclu-
sive serviços públicos municipais). Sem dúvida, elas foram,
em parte, resultado do trabalho de propaganda e organiza-
ção das bases pelas oposições sindicais.

A Chapa Verde: metade empossada na diretoria, a outra metade


devolvida ao trabalho dentro das fábricas pela DRT
Os acontecimentos relacionados às eleições para a direto-
ria do Sindicato dos Metalúrgicos de BH–Contagem, em 1967,
viriam reforçar ainda mais as lideranças e os grupos de traba-
lho. Durante a campanha, evidenciou-se ainda mais a presença
das organizações políticas, todas de composição basicamente
estudantil. A campanha da chapa de oposição, a Chapa Ver-
de, colocou no primeiro plano a luta contra o arrocho, mas
fez também a propaganda do direito de greve (contra a Lei nº
4.330) e da autonomia dos sindicatos em relação ao Estado.
Com a campanha salarial, intensificou-se a ida-vinda
sindicato-fábricas, agora integrando os vários grupos de
trabalho antes dispersos. Simultaneamente, nos três Colé-
gios de Contagem, ressurge o movimento estudantil; brotam
sociedades de amigos de bairro; cineclubes; e ganham novo
alento as atividades religiosas (assembleias paroquiais). O
período de campanha coincidiu com algumas pequenas gre-
ves em Belo Horizonte e Contagem e a Chapa Verde toma a
defesa dos operários (caso da dispensa de 600 empregados
da Mannesmann, por exemplo), denunciando a omissão e o
comprometimento da diretoria do sindicato.

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Durante a campanha, a DRT (através do delegado Oné-


simo Viana, o mesmo que destituíra Seabra em 1964 e no-
meara Onofre Martins interventor) cogitou – e a notícia se
espalhou – de impugnar o nome de Ênio Seabra, candidato a
presidente do sindicato pela Chapa Verde. A Chapa Azul era
encabeçada pelo ex-interventor Onofre Martins e foi der-
rotada nas eleições de julho de 1968, depois de um mês de
acirrada campanha.
Vitoriosa, mas ainda não empossada, a Chapa Verde,
por meio do jornal O Metalúrgico comemorava a vitória,
conclamando os operários a lutarem contra o arrocho sala-
rial, segundo índices “que possam atender o custo de vida”.
A chapa vitoriosa, contudo, não chegaria a ser empossada
inteira: a DRT impugnou os nomes de Ênio Seabra e de dois
outros diretores. Antônio Santana, originalmente candidato
a bibliotecário pela Chapa Verde, acabou sendo empossado
na presidência do sindicato.
A impugnação dos principais nomes da Chapa Verde,
por um lado, não impediu a chegada da oposição à direto-
ria do sindicato; por outro lado, devolveu ao trabalho de
fábrica, junto às bases, as principais lideranças operárias da
região, ao fazer isso, permitiu não só uma dinamização da
atividade sindical – que passou a ser regida por métodos
democráticos –, mas provocou também uma quase subordi-
nação do sindicato aos grupos de trabalho de fábrica.

O surgimento das comissões de fábrica ou de cinco


A diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, juntamente
com a dos bancários de Belo Horizonte, não conseguiu im-
plantar, em setembro de 1967, uma organização tipo MIA
em Minas Gerais, a FIA dadas as divergências com os di-
rigentes sindicais de outras categorias. Posteriormente, nos
primeiros meses de 1968, essas diretorias sindicais tenta-
riam promover a criação de uma outra entidade do mesmo
tipo, o CIA (Comitê Intersindical Antiarrocho) que teve a

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mesma sorte do primeiro. Só que o CIA, no dia 28 de mar-


ço, ou seja, 19 dias antes da greve de abril, promoveria uma
concentração com mais de 2 mil trabalhadores, o que certa-
mente contribuiu para a propaganda da greve e para que as
direções operárias que vinham se agrupando nas comissões
de fábrica, desde novembro de 1967, acertassem seus “pon-
teiros”.
As comissões de fábrica, também chamadas comissões
de cinco, surgiram após o dissídio de novembro de 1967.
Em assembleia, os metalúrgicos decidiram ir a dissídio com
os patrões, levando a reivindicação de 60% de aumento sa-
larial. Desde 1965, os reajustes salariais passaram a ser fixa-
dos pelo governo, por meio de índices de correção baixados
todo mês. Em 1967, o índice foi de 17%. Uma vez mais os
metalúrgicos de Contagem tinham explorado as possibili-
dades da atuação sindical. E uma vez mais voltavam para
as fábricas frustrados com os resultados. De forma inicial-
mente espontânea, mas logo a seguir propagandeada pelas
organizações de esquerda, começam a surgir as comissões
de empresas. Nos panfletos que apareciam nos banheiros
das fábricas, nos vestiários e, até, dentro dos capacetes dos
operários, todos eram convidados a formar grupos de cinco
que se coordenassem entre si para que, brevemente, partis-
sem para a greve.
Em várias fábricas surgiram comissões e elas, em face
de toda a luta anteriormente travada, tinham certo grau de
representatividade.
Numa das fábricas da região, a Belgo Mineira, as comis-
sões de empresa conseguiram ser mais amplas e ter maior
autoridade, inclusive com uma direção horizontal. Havia
quase o suficiente para declarar a greve: boletins afixados
nos lugares os mais diversos da fábrica começaram a trazer
orientações concretas para os operários, informando, inclu-
sive, partes dos planos para tomada da empresa – o que
mostra como a greve foi preparada. Faltava apenas uma di-

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fusão da expectativa da greve para o conjunto dos operários


da região. Sem dúvida, ainda que não planejado com esse
objetivo, foi esse o papel desempenhado pela concentração
de 28 de março (coincidentemente, o dia da morte do estu-
dante Edson Luís, no Rio), promovida pelo Comitê Intersin-
dical Antiarrocho.

A primeira greve de Contagem: 16 mil participantes


A grande inovação das greves de 1968 foi o fato de elas
serem realizadas sem a ação de piquetes, iniciando-se dentro
da própria fábrica, em horário de expediente. Outra novi-
dade, criada pelos metalúrgicos de Contagem, mas levada a
extremos pelos de Osasco, foi a ocupação da fábrica, com
os operários assumindo os postos dos vigilantes, passando a
dirigir o refeitório etc..
A greve de Contagem eclodiu a 16 de abril, na trefila-
ria da Belgo Mineira (1.200 trabalhadores). Logo depois, os
trabalhadores formaram comissões para tomar os portões
da fábrica, organizar o refeitório, dialogar com os patrões,
enfim, para dirigir a fábrica sob seu poder. Nos próprios pá-
tios eram realizadas as assembleias deliberativas. As turmas
de outros turnos, quando chegavam, entravam e aderiam
ao movimento. A ocupação da Belgo durou dois dias. Em-
bora os operários tivessem se organizado para enfrentar a
repressão, improvisando maçaricos e empilhadeiras como
armas, os rumores de intervenção policial violenta os leva-
ram a abandonar a fábrica e a ocupar o Sindicato. A partir
do terceiro dia, começaram as adesões: SBE, Mannesmann,
Belgo de João Monlevade, Acesita, até um total aproximado
de 16 mil grevistas.
A reivindicação levantada pelos operários da Belgo logo
no primeiro dia, e depois encampada pelos operários de ou-
tras fábricas, foi 25% de aumento salarial. O então ministro
do Trabalho, coronel Jarbas Passarinho, voou para Minas
Gerais para negociar com os grevistas. O presidente do Sin-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

dicato negou que a entidade tivesse promovido ou dirigisse


a paralisação (mesmo porque poderia sofrer intervenção da
DRT em caso contrário), mas se solidarizava com os gre-
vistas e oferecia o auditório do Sindicato para as negocia-
ções. No final de abril, o presidente Costa e Silva acabou
assinando um decreto de emergência, concedendo 10% de
abono salarial, quantia que seria compensada no dissídio de
novembro.
O resultado não agradou a grande número de operários,
nem à maior parte das organizações políticas, mas acabou
representando uma vitória efetiva dos metalúrgicos minei-
ros (que prometiam voltar à greve para integralizar o au-
mento). No 1º de maio, a maioria dos trabalhadores ainda
continuava em greve. As fábricas só voltaram a funcionar
normalmente dia 2 de maio.

Osasco: uma experiência antiga de organização nas fábricas


Em todas as greves anteriores a 1964, como as de 1953,
1957 e 1963, os metalúrgicos de Osasco, principalmente os
da Cobrasma, tiveram participação destacada. Por volta de
1962, surgira em Osasco a Frente Nacional do Trabalho
(organização de operários-cristãos agrupados em torno de
alguns advogados trabalhistas) que se opunha ao sindicato
por este ser dirigido por comunistas e se propunha a reali-
zar um trabalho de denúncia e conscientização dentro das
fábricas. Em 1963, vários operários da Braseixos se afasta-
ram do PC e das atividades sindicais por eles consideradas
cupulistas, passando a se organizar no que chamavam “co-
mitês clandestinos de fábrica”. O objetivo era o de desen-
volver sua prática junto às bases. Logo, eles influenciaram
um pequeno grupo de operários da Cobrasma que também
criaram seu “comitê”. Tais comitês, na época, tinham escas-
sa representatividade; constituíam mais grupos de trabalho,
que editavam boletins, faziam denúncias e procuravam es-
tudar a história da classe operária e a teoria revolucionária

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do proletariado. Em 1963, também a FNT criou na Cobras-


ma uma espécie de “comissão semilegal” composta por dez
operários.
Assim, à época do golpe de 1964, havia em Osasco dois
tipos de prática junto à classe operária: a oficial, que girava
em torno do sindicato, e uma paralela e ainda pouco expres-
siva, centrada nas próprias fábricas (“comissão” da FNT e o
“comitê”). Com o golpe, a primeira foi inteiramente desar-
ticulada – o que levou de roldão também o “comitê” da Bra-
seixos – mas a segunda praticamente não foi afetada. Para
Osasco afluíram operários de outras regiões (onde não con-
seguiam emprego), que acabaram se vinculando ao nascente
“grupo de Osasco” (oriundo fundamentalmente do “comi-
tê” da Cobrasma), carreando para ele suas experiências.
A inatividade do sindicato abriria espaços que seriam
preenchidos pelas práticas antes marginais. Logo depois do
golpe de Estado, com efeito, houve uma paralisação de cin-
co minutos na Cobrasma (promovida pelo comitê e pela co-
missão, que estreitavam seu relacionamento) em protesto à
morte de um operário num acidente de trabalho. Na prática,
ainda que não oficializada, já existia então uma comissão
de empresa. Depois dessa demonstração de força, os patrões
concordaram em formar uma comissão mista de operários
e patrões para resolver os problemas internos. A primeira
eleição para a comissão legal de empresa da Cobrasma foi
realizada em 1965, tendo sido eleitos 38 operários, dois
por seção (um efetivo e um suplente). Os integrantes dessa
comissão, na maioria, eram membros da FNT. Dentro da
comissão legal e junto às bases cresceria a importância do
comitê. Na segunda comissão, eleita em 1966, a maior parte
pertencia ou estava sob influência do grupo de Osasco, ten-
do José Ibrahim sido eleito presidente e Roque Aparecido
da Silva secretário da comissão. Os elementos da comissão
da Cobrasma passavam, aos poucos, a representar um polo
de aglutinação para todos os operários de Osasco, trans-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

mitindo sua experiência a outras fábricas e rearticulando,


agora segundo suas concepções de trabalho de base, antigos
participantes das atividades sindicais.

O obreirismo de Osasco e a influência do movimento estudantil


Diferentemente de Contagem (onde as organizações
políticas de origem estudantil participavam sem maiores
problemas da oposição sindical), em Osasco muito cedo de-
senvolveu-se um sentimento obreirista, de repulsa às organi-
zações políticas e de tentativa de independência em relação
aos movimentos de estudantes de São Paulo.
As determinantes últimas desse obreirismo talvez sejam
o desgosto com a atuação do PC em 1964 e outros fatores
sociológicos (Osasco, na periferia de São Paulo, tinha certo
bairrismo e, na década de 1950, viveu campanha autono-
mista sob a égide de comerciantes e profissionais liberais
locais). Imediatamente, entretanto, foram outras as razões
do obreirismo. Em 1967, particularmente depois do início
da campanha da Chapa Verde, quase todas as organizações
políticas tentaram penetrar em Osasco e lá formar bases.
Os integrantes do grupo de Osasco passaram a criticá-las
então por não terem qualquer ideia sobre a realidade da
classe operária e terem definidas linhas de atuação que em-
perravam suas práticas. Mas, em princípio, não se negaram
a trabalhar com elas. Confiaram-lhes, inclusive, certos tra-
balhos como cursos de educação política, impressão de pan-
fletos e jornais. A competição entre elas, entretanto, fez com
que procurassem ampliar-se em Osasco de qualquer forma,
seja adulterando panfletos (colocação de palavras de ordem
próprias), seja tentando afastar operários (notadamente os
que recebiam cursos) do grupo e do trabalho de Osasco. Por
outro lado, o contato de alguns membros de grupo de Osas-
co com a universidade contribuiu para o obreirismo; lá, eles
passaram a ter uma visão extremamente negativa das orga-
nizações políticas que atuavam no movimento estudantil.

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Celso Frederico

Apesar do obreirismo que permeava o grupo de Osasco,


passando pelos trabalhos desenvolvidos nas fábricas, sindi-
cato, escolas ou bairros, a influência do movimento estu-
dantil universitário sobre Osasco foi extremamente forte,
talvez até maior do que em Contagem (até abril de 1968).
A negação enfática de práticas pejorativamente classificadas
como pequeno-burguesas acabou constituindo a condição
mais favorável para uma influência mais profunda e dura-
doura do movimento estudantil sobre o operário. O condu-
to maior para essa influência foram os estudantes secunda-
ristas de Osasco.
Da mesma forma que em outras cidades e bairros da
Grande São Paulo, na década de 1960, os cursos ginasial,
clássico e científico do período noturno eram frequentados
por grande número de jovens operários e trabalhadores de
escritório das fábricas. Boa parte dos líderes de Osasco ha-
viam sido (como Ibrahim) ou eram estudantes secundaristas
(como Roque A. da Silva, José Campos Barreto e outros). A
reorganização do movimento secundarista em Osasco ini-
ciou-se em 1965, mas completou-se em setembro de 1966,
logo depois das tentativas feitas em Osasco para promover
passeatas de solidariedade aos universitários paulistas.
A maior parte das mobilizações universitárias de São
Paulo e outras cidades repercutiam quase imediatamente en-
tre os secundaristas de Osasco. No início de 1966, só havia
em Osasco uma associação de curso (clássico) do maior co-
légio da região, o Ceneart. Depois da setembrada, surgiram
grêmios nos seis colégios da região e foi organizada uma
entidade municipal de estudantes, o CEO (Círculo Estudan-
til Osasquense). José Barreto seria um dos presidentes dessa
entidade. Roque A. da Silva, além de pertencer à Comissão
da Cobrasma e ao sindicato, integrou também a diretoria do
CEO e da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundá-
rios). As tentativas dos secundaristas de Osasco de reprodu-
zir as manifestações dos estudantes de outras cidades cons-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

tituíram, assim, o conduto mais eficaz da política estudantil


para a operária. Um dado que ilustra isso: em abril de 1968,
quando ocorriam passeatas em várias capitais brasileiras
como protesto à morte de Edson Luís, em Osasco houve
duas passeatas de estudantes, operários (estes minoritários)
e operários estudantes, com 2.500 e 3.000 participantes, na
segunda, principalmente, foram agitadas questões operárias,
tendo sido o desfile aberto com uma bandeira do Vietcong.

Grupo de Osasco: relações informais na base de uma vanguarda


local
A expressão “grupo de Osasco” foi apenas uma forma
posteriormente criada para designar o conjunto de operá-
rios, operários-estudantes e estudantes que viviam em Osas-
co e atuavam nos movimentos locais. As relações que uniam
o grupo eram informais, ou seja, ele não tinha caráter parti-
dário. Um conjunto de concepções vagas, entretanto, dava-
lhe certa unidade: defesa do socialismo, recusa das práticas
conciliatórias de classe e privilegiamento da participação
e ação das bases. Ainda que com visões ligeiramente dife-
rentes, todos os membros do grupo defendiam a criação de
comissões de empresa (legais ou não) e a participação em
todos os instrumentos legais de organização (como o Sin-
dicato). Além disso, também havia no grupo uma evidente
simpatia pela Revolução Cubana e pela luta armada. Exceto
em alguns momentos de maior mobilização – quando eram
criadas coordenações – o grupo não possuía qualquer dire-
ção regular. As reuniões dos seus integrantes eram realizadas
nos mais diversos lugares, mas sempre em função do cum-
primento de tarefas ligadas à mobilização ou organização
para movimentos concretos.
A informalidade do grupo de Osasco decorria de sua
própria origem (mais ou menos espontânea, a partir de gru-
pos de amigos) e denotava um caráter quase provinciano
que estreitava seus horizontes. A ausência de definições mais

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Celso Frederico

gerais confinava o grupo a Osasco. A inexistência de direção


regular, praticamente, o impedia de cumprir certas decisões,
como o enraizamento do trabalho de fábrica também nos
bairros, em estruturas clandestinas. Mas, por outro lado, o
grupo tinha extrema agilidade e notória sensibilidade para
responder aos problemas imediatos mais intensamente sen-
tidos pelos operários ou estudantes da região. Em espaços
curtíssimos de tempo, mobilizava-se para responder (pro-
pagandeando ou organizando lutas) as possíveis reivindica-
ções dos operários ou estudantes de Osasco.
A partir de seus núcleos iniciais (comissão da Cobrasma,
associação de curso clássico), o grupo ampliou-se significa-
tivamente depois da setembrada, quando fundou e passou a
dirigir os seis grêmios estudantis locais e o CEO.
Em 1966, quando a UNE propunha o voto nulo, o grupo
adotou uma posição singular: anular os votos para deputa-
dos e senador, mas participar ativamente da campanha elei-
toral no âmbito municipal. Apoiou um candidato do MDB
à Prefeitura, Guaçu Pitteri, e lançou candidato próprio (pela
legenda da oposição) a vereador; também fez propaganda
de dois outros candidatos a vereador. Todos foram eleitos.
Aproveitando-se de sua presença na Câmara Municipal
e relativa influência na Prefeitura, o grupo também tentou
participar de sociedades Amigos de Bairro e em campanhas
de alfabetização de adultos.
A informalidade do grupo que, por um lado, dava-lhe
agilidade e sensibilidade, por outro, além de impedi-lo de
espraiar-se a outras cidades e criar outras formas de orga-
nização em Osasco, o tornava pouco apto a superar suas li-
mitações. Depois de março de 1968, ou seja, depois das pas-
seatas em protesto à morte de Edson Luís, Osasco entraria
no processo de luta ideológica que se travava na esquerda.
Também lá, um dos pontos centrais do debate era a questão
da tomada do poder pela via armada. Com o debate trava-
do em Osasco, enquanto uma parte do grupo passava a se

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

posicionar em favor da guerrilha rural, os outros membros


do grupo foram se retraindo e desmobilizando. Inúmeros
integrantes do grupo foram, um a um, sendo recrutados por
uma organização militarista (entre março/abril e agosto/se-
tembro de 1968). A integração individual dos últimos mem-
bros do grupo dificultaria que a experiência deste tivesse
peso significativo dentro da organização política (que tinha
composição basicamente estudantil e só crescia em função
da grande impossibilidade histórica do movimento estudan-
til). Duas foram as razões para que os “osasquenses” fos-
sem integrados por uma determinada corrente militarista:
primeira, essa corrente não tinha qualquer definição acerca
do movimento operário e portanto “não atrapalhava”; se-
gunda, ela lhes parecia séria pelo simples fato de já estar
praticando ações armadas, o que a isentaria de um caráter
“pequeno-burguês”!

Um 1º de Maio de luta
Em 1967, a partir principalmente da Comissão da Co-
brasma, mas com operários de outras fábricas (para onde
haviam estendido sua influência), a FNT e o grupo de Osas-
co organizaram uma chapa para as eleições sindicais. A FNT
ficou com a maioria dos cargos, mas o grupo de Osasco teve
maior influência na definição do programa. Este colocava
claramente a luta contra o arrocho, pelo direito de greve, pela
organização de comissões de empresa, pelo reajuste trimestral
de salários; também propunha a adoção do sistema de con-
tratação coletiva de trabalho. Até hoje, este foi o programa
mais avançado de uma chapa eleita para diretoria sindical.
A chapa da situação (Azul) era encabeçada por Re-
nos Amorina (presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de
Osasco de 1965 a 1967 e de 1969 até hoje). Em quase todas
as fábricas, os resultados revelaram um certo equilíbrio en-
tre as duas chapas. A Cobrasma decidiu as eleições em favor
da Chapa Verde.

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Celso Frederico

A partir de setembro, o presidente dos metalúrgicos de


Osasco, José Ibrahim, participaria das articulações do MIA.
Sua atuação dentro dessa entidade cupulista o afastaria ain-
da mais dos dirigentes pelegos e o aproximaria das oposições
sindicais, criando impasses que poriam por terra o MIA. Em
virtude das posições assumidas pela direção metalúrgica de
Osasco, o sindicato esteve prestes a sofrer uma intervenção
da DRT, tendo Ibrahim sido suspenso do cargo por 15 dias.
O principal reflexo do MIA dentro de Osasco foi a ativa-
ção da participação das bases na vida sindical: assembleias
constantes por fábricas, seções etc. Como resultado desse
trabalho de agitação, começaram a ser criadas comissões de
empresa clandestinas em outras fábricas como a Lonaflex e
a Brown Boveri.
Logo após o fracasso do MIA, os dirigentes sindicais
paulistas passaram a organizar uma “festa” para o 1º de
Maio. A direção metalúrgica de Osasco foi convidada para
os preparativos, mas começou a articular-se também com
as oposições sindicais, entidades estudantis e organizações
políticas armadas para transformar a festa num dia de luta.
Enquanto, as direções pelegas convidavam autoridades e ar-
tistas para a comemoração do dia do trabalhador, a direto-
ria dos metalúrgicos de Osasco mobilizava suas bases, pro-
pagandeando duas palavras de ordem: “Minas é exemplo de
luta” e “Greve contra o arrocho”.
Logo após o 1º de maio, José Ibrahim foi muito criti-
cado por algumas organizações políticas estudantis, tendo
sido classificado até como pelego por não ter aparecido na
Praça da Sé, embora o sindicato tenha fretado ônibus e cus-
teado a ida de mais de mil trabalhadores ao ato. O risco de
uma intervenção da DRT foi a razão principal da ausência
de Ibrahim, levantada pela diretoria do sindicato e outros
membros do grupo de Osasco. As correntes estudantis que
hostilizavam Ibrahim não sabiam de dois fatos: uma greve
estava sendo preparada secretamente pelos trabalhadores de

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Osasco; e, em Osasco, julgava-se fundamental continuar no


sindicato para poder preparar e deflagrar essa greve.

O momento político em que ocorreu a greve de julho


A greve de Contagem, de certo modo, pegara o regime
de surpresa, forçara-o a negociar e a fazer concessões. Con-
sistiria num primeiro “furo” no arrocho, mas este, se con-
tinuasse a sofrer novas afrontas, acabaria comprometendo
a própria política econômica oficial. A greve de Contagem
tivera implicações políticas na medida em que desafiara a
política econômica oficial. E só ocorrera por ter partido de
dentro das fábricas.
Em julho, o fator surpresa já não existia. Só um movi-
mento amplo extremamente organizado – para o que depen-
deria de uma análise de conjuntura muito clara – poderia
ser vitorioso. A politização (ou pelo menos sensibilização
a seus interesses políticos) das bases de Osasco fora opera-
da pelo grupo de Osasco, mas apenas de acordo com suas
possibilidades. No final de junho, os estudantes paulistas
haviam ocupado a Faculdade de Filosofia (Maria Antônia)
e havia notícias de movimentos camponeses em Santa Fé do
Sul (São Paulo). Além disso, articulava-se a Frente Ampla
com Carlos Lacerda, Jango e Juscelino, o que lançava sus-
peitas de uma cisão nas classes dominantes. Esses simples
fatos bastavam para cegar os olhos à conjuntura política e
para alentar a esperança de que a entrada do movimento
operário em cena poderia alterar fundamentalmente os ru-
mos históricos do país. Se a possibilidade de repressão qua-
se imediata à greve era um dado quase palpável, por outro
lado, haviam expectativas tão grandes que se acreditava na
possibilidade de, pelo menos, abalar o regime.
Por outro lado, em Osasco, a agitação da palavra de
ordem “greve contra o arrocho” fora tão longe que as ba-
ses estavam prontas para paralisar o trabalho e começavam
quase a exigir a greve. Em fins de maio, uma fábrica de 300

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Celso Frederico

operários, a Barreto Keller, onde o grupo de Osasco sequer


tinha bases, entrou em greve; conseguiu um abono salarial
e a criação de uma comissão legal de empresa. A exigência
da greve por parte das bases e de elementos do grupo de
Osasco e da Frente aludia ainda um outro fato; com o apro-
fundamento da luta de posições políticas, o próprio grupo
deixara de ter as mesmas condições organizativas que an-
tes. A possibilidade de extensão da greve a outros lugares,
como São Paulo, ABC e Minas Gerais, era reduzida, mas
também era evidente a solidariedade e a disposição de luta
das oposições sindicais. Além de todos esses fatos, a pró-
pria organização militarista, que pretendia a radicalização
dos movimentos de massas, pressionava seus militantes a
decidir-se pela greve.
Após o dissídio de novembro de 1967, quando o índice
de correção salarial foi de apenas 17% contra os 52% plei-
teados, a vanguarda de Osasco decidira ir à greve. Mas se
preparava para a greve na época do próximo dissídio, em
novembro de 1968. Todo o processo de radicalização aci-
ma descrito fez com que, em junho mesmo, fosse iniciada a
preparação da greve. Os planos que serviram de base para
a sua eclosão continham um erro fundamental: imaginava-
se que a repressão levaria pelo menos quatro ou cinco dias
para intervir. No primeiro e segundo dia, seriam paralisadas
diversas fábricas, algumas seriam ocupadas pelos operários;
os trabalhadores de outras marchariam em passeata até a
sede do sindicato para não se desmobilizarem. Esses quatro
ou cinco dias, imaginava-se, seriam suficientes para que os
operários mobilizados formassem piquetes a fim de parar
todas as fábricas das imediações de Osasco (Jaguaré, Lapa
etc.); e havia ainda uma última esperança: a de que, em fun-
ção de uma greve de tais dimensões, as oposições sindicais
também pudessem paralisar outras fábricas em São Paulo e
no ABC. As reivindicações gerais: 35% de aumento salarial;
reajustes trimestrais de salários e a contratação coletiva do

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

trabalho. Além dessas, cada fábrica elaboraria um elenco de


reivindicações específicas.

A derrota da greve de Osasco


No dia 16 de julho, atendendo ao sinal convencionado
(o apito da Cobrasma, às 8:40h), a partir da seção de lim-
peza e acabamento da fundição, os operários começaram
a ocupar a fábrica. Organizaram durante o dia as comis-
sões de vigilância, abastecimento, informações e mobiliza-
ção. Nas horas marcadas 12h e 14h, foram parando outras
fábricas. Os operários da Barreto Keller, Osran e Granada
dirigiram-se em passeata para o sindicato. Os da Lonaflex
ocuparam a empresa.
Um enviado do delegado regional do Trabalho, gene-
ral Moacir Gaya, foi a Osasco dialogar com Ibrahim, que,
como ocorrera em Contagem, procurou isentar o sindicato
da responsabilidade pela greve. O coronel Passarinho voou
para São Paulo e montou seu QG no Palácio dos Bandei-
rantes. No começo da noite, a polícia interveio. Primeiro
na Lonaflex, depois na Cobrasma. No dia seguinte, outras
fábricas aderiram: Braseixos, Brown Boveri e, parcialmente,
a Cimaf, a Eternit (total aproximado de grevistas: 10 mil).
Depois a polícia investiu contra o sindicato, pois já havia
sido decretada a intervenção.
No primeiro dia, cerca de 300 a 400 prisões na Co-
brasma (aproximadamente 50 operários ficaram detidos);
no segundo, prisões em igrejas. A cidade toda ocupada por
policiais em duplas, com cachorros amestrados e armas de
guerra.
No terceiro dia, embora já sem um comando de greve,
o movimento continuou. Dispersas, as lideranças tentaram
conter o movimento. Numa assembleia de estudantes em
apoio aos grevistas, Manuel Dias do Nascimento, o Neto
de Osasco, chegou a prometer a continuação do movimento
com “greves de grevilhas”: ou seja, paralisação um dia de

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Celso Frederico

uma seção, outro dia de outra e, num outro ainda, falta dos
moradores de um certo bairro ao trabalho.
Por volta do sexto dia, todas as fábricas de Osasco já
funcionavam normalmente. Inúmeros trabalhadores foram
despedidos, outros tiveram que ficar foragidos em função
da busca policial. Mas, tempos depois, a maior parte das
empresas, para evitar problemas, atendeu a algumas reivin-
dicações específicas e deu cotas variáveis de antecipação sa-
larial.

A consumação da derrota
Tanto em Contagem quanto em Osasco, restaram núcleos­
organizados. Em Contagem, em outubro (quando o movi-
mento estudantil já se desagregava) ocorreria uma segunda
greve, preparada quase que exclusivamente e detonada a par-
tir das organizações que atuavam na região. Só durou um dia.
Foi totalmente dissolvida pela polícia. E o sindicato sofreu
intervenção.
Em Osasco, os núcleos restantes, em setembro e iní-
cio de outubro, começaram a se reaglutinar para, de novo,
montar a oposição sindical. Entretanto, as lideranças mais
expressivas já estavam mais voltadas para a vida interna de
sua organização política e se preparavam para “abandonar
a cidade” em troca de realizarem a guerrilha. A dificulda-
de para reorganizar a oposição sindical foi ampliada ainda
mais quando, em virtude de sua atuação militarista, os ex-
líderes de Osasco foram sendo presos.
O desdobramento natural do movimento estudantil, o
enfrentamento armado, levara consigo, primeiro para fora
do movimento operário, e depois para a derrota armada,
as principais lideranças operárias. Os elos orgânicos entre
os movimentos de Osasco/Contagem e o movimento ope-
rário posterior foram cortados. Mas a experiência daque-
les movimentos permaneceu. Primeiro, eles foram tomados
como exemplos pelo regime para intimidar a classe operá-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

ria. Hoje, eles são repensados porque podem ajudar a classe


operária a encontrar seus próprios caminhos. A experiência
das comissões de fábrica, de atuação nos sindicatos (ainda
que atrelados), a luta contra o arrocho, pelo direito de greve
realizando greves e pelo contrato coletivo de trabalho pare-
cem luzes presentes tanto no relâmpago quando no dia.

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Capítulo III
REPRESSÃO, GUERRILHA E MOVIMENTO
OPERÁRIO (1969/1971)

APRESENTAÇÃO

O período imediatamente posterior à decretação do Ato


Institucional nº 5 foi marcado por uma radicalização pou-
cas vezes conhecida em nossa história. O governo militar,
subvertendo a sua própria legalidade (a Constituição de
1967), reprime as oposições com a tortura e o extermínio
físico. Com o agravamento da situação institucional, a guer-
rilha urbana passou a ser a principal forma de resistência à
ditadura.
Nos primeiros momentos, a repressão estatal dirigiu-se
basicamente contra os agrupamentos armados e contra os
focos de resistência ao regime que tinham no movimento
estudantil a sua expressão mais aguerrida.
O movimento operário, ao contrário do que se possa
pensar, não foi desarticulado. Uma leitura da imprensa clan-
destina é suficiente para comprovar a ocorrência de peque-
nas greves e paralisações durante todo o ano de 1969 e de
1970. Foi somente em 1971 que o cerco se fechou e o movi-
mento operário foi desmantelado.
A situação nacional, marcada pela repressão generaliza-
da, segregou os núcleos de resistência e isolou as ações do
movimento operário. As lutas operárias nos anos de 1969-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

1971, ficaram confinadas ao interior das fábricas e não tive-


ram nenhuma repercussão na sociedade brasileira.
Nessa difícil conjuntura, quando se observam as rela-
ções da esquerda com o movimento operário, três orienta-
ções diferentes podem ser percebidas.

***

I) O PCB e os seus aliados continuaram atuando dentro


da estrutura sindical e ensaiaram tentativas de organização
operária no interior das fábricas frustradas pela ação repres-
siva.
Os artigos da Voz operária refletem nitidamente a aten-
ção que o partido dispensava aos acontecimentos que se re-
feriam à vida sindical (intervenção, cassações, denúncias da
presença do imperialismo na vida sindical brasileira etc.). A
Voz também noticiava a eclosão de pequenos movimentos
grevistas.
Apesar de todos os “rachas”, o PCB mantinha-se pre-
sente no movimento sindical e nas grandes indústrias. Não
tendo participado da guerrilha urbana, o partido tinha
conseguido manter-se à distância das investidas da polícia
política. Com as prisões de militantes, ocorridas em 1972
e 1975, a repressão conseguiu desarticular o trabalho dos
comunistas no movimento operário. Os efeitos da repressão
fizeram-se sentir claramente no ABC paulista, o que levou
ao enfraquecimento da presença comunista na região.

II) Uma segunda corrente aproximava diversas organiza-


ções heterogêneas que divergiam tanto da linha sindical do
PCB quanto dos grupos que propunham a luta armada. São
representativas dessa corrente, entre outras, a AP e a Polop.
O desafio vivido por essas organizações consistia em
fazer uma política de massas radical e contestadora numa
conjuntura que obrigava os militantes a uma rigorosa clan-

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Celso Frederico

destinidade. Além disso, uma espinhosa questão animava os


debates internos desses grupos: como organizar o movimen-
to operário fora dos sindicatos dispondo somente de peque-
nas bases de militantes operários?
A solução encontrada foi a adoção de uma política que
visava concentrar a atuação partidária junto às classes tra-
balhadoras. Essa política assumiu duas formas: aproxima-
ção indireta e integração na produção. Na primeira, trata-
va-se de levar os militantes de origem pequeno-burguesa a
colocarem suas profissões a serviço do movimento operário.
Esses militantes (médicos, advogados, professores etc.) se
deslocaram para os bairros operários e foram empregar-se
em locais que facilitassem o convívio com os trabalhadores.
Na segunda forma, a integração na produção, os militantes
iam trabalhar diretamente no campo ou dentro das fábricas
como operários.
Diversas organizações lançaram mão dessa política em
períodos diferentes. O PCdoB em 1968/1969 (preparação
da guerrilha do Araguaia); alguns setores da Ala Vermelha,
no final de 1969; o Movimento Revolucionário 8 de Outu-
bro (MR-8), em 1972, após ter abandonado a concepção
militarista; a Polop, de 1970 até 1976; os grupos trotskis-
tas (Convergência Socialista e Independência Operária), em
mea­dos da década de 1970 etc.
Mas, de todos os grupos, o que levou mais adiante essa
política foi a AP. Duas influências se combinaram para re-
forçar a “proletarização” dos militantes:
a) a primeira delas é a origem católica da AP. Como
se sabe, a Igreja Católica em alguns países da Europa (es-
pecialmente a França) adotou uma política de aproxima-
ção com a classe operária após a Segunda Guerra Mundial.
Preo­cupada com a ausência de religiosidade entre os pobres
e interessada em opor-se à presença do PC no movimen-
to sindical, alguns setores da Igreja chegaram à conclusão
de que seria melhor trocar a atuação tradicional feita nos

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

bairros (paróquias), pelo trabalho dentro das fábricas. Para


esses setores, o bairro não podia ser considerado como por-
tador de uma “unidade de vida”, pelo fato de comportar
classes sociais distintas. Ficar na paróquia, argumentavam,
significava trabalhar somente em meio à pequena-burguesia
e deixar a classe operária à influência hegemônica do PC.
Pensando assim, os religiosos ingressaram no mundo
da fábrica, tornando-se conhecidos como padres-operários.
Essa integração na produção, entretanto, fez com que radi-
calizassem suas posições políticas. A partir de 1947, o Vati-
cano, preocupado com a “influência comunista”, desativou
esse trabalho. Muitos desses sacerdotes, então, vieram para
as missões nos países subdesenvolvidos.18 A curta experiên-
cia europeia, que teria continuidade no Brasil, influenciou
profundamente os setores progressistas da Igreja Católica.
A AP, nascida no seio da Igreja Católica, tinha em seus
quadros dirigentes muitos ex-seminaristas que, certamen-
te, não escaparam das influências dessas experiências que
lhes eram próximas. Da aproximação indireta, praticada
em 1966-1967, a AP pôs em prática, logo em seguida, uma
ousada política de integração na produção que, segundo os
cálculos um tanto exagerados de Jair Ferreira de Sá, ex-di-
rigente da organização, transformou cerca de mil militantes
de origem pequeno-burguesa em camponeses e operários;
b) a segunda e mais forte influência no processo de “in-
tegração na produção” foi a adesão da AP ao maoismo. Nas
condições específicas da realidade brasileira, a repercussão
da Revolução Cultural chinesa e a difusão de um conjunto
de ideias sob o rótulo de “marxismo-leninismo-pensamento-
Mao-Tse-tung”, criou um forte anti-intelectualismo entre os
militantes da AP. A ideia de “apreender com a prática” (retira-
da do ensaio de Mao “Abaixo o culto dos livros” e dos acon-
tecimentos da Revolução Cultural que pregavam a supressão

18
Cf. Emile Poulat, Naissance des prêtres ouvriers. Ed. Casterman, 1965.

80

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Celso Frederico

da divisão entre trabalho manual e intelectual­) jogou um pa-


pel decisivo naqueles militantes dispostos a romper com a sua
classe social e a assimilar, na fonte, a “ideologia operária”.
A avaliação dos resultados políticos dessa incrível expe-
riência está ainda por ser feita.
Sem entrar no mérito desse discutível método de fazer
política que é a proletarização dos militantes pequeno-bur-
gueses, convém assinalar que essa experiência deixou uma
massa de informações sobre as condições de vida e sobre a
luta travada pelos trabalhadores num momento de comple-
ta censura da imprensa.
A presença desse razoável contingente de pessoas cultas
trabalhando na produção facilitou também o aparecimento
de dezenas de pequenos jornais de fábrica, de bairro e de
setores da indústria, que são talvez os únicos documentos
que espelham a situação das classes trabalhadoras e os mo-
vimentos grevistas ocorridos no interior das empresas.
A leitura dessa documentação é suficiente para indicar
que o movimento operário sobreviveu ao Ato Institucional
nº 5. Ele só foi desmantelado pela repressão no final de 1970
e durante 1971.

III) A terceira corrente da esquerda atuante no período


compunha-se dos diversos grupos que se lançaram na guer-
rilha urbana, como a Aliança Nacional Libertadora (ALN),
a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), a Vanguarda
Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), o Parti-
do Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), o MR-8,
a Ala Vermelha (antes de adotar a política de integração na
produção) etc.
Desses grupos, os que tinham mais bases junto à classe
operária eram a ALN e o PCBR (que, por serem dissidências
do PCB, as haviam herdado) e a VPR, em Osasco.
A ação guerrilheira nas cidades obrigava os militantes
a adotarem uma rígida disciplina e uma rigorosa clandes-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

tinidade que acabou por isolá-los do movimento operário.


Por outro lado, a necessidade crescente de quadros para as
ações armadas fez com que essas organizações desligassem
da produção os seus militantes operários. E desligar um ope-
rário da produção quase sempre é o mesmo que desligá-lo
de sua classe.
Por outro lado, a definição da luta armada como o prin-
cipal (único?) campo de atuação trazia implícita a descrença
generalizada nas demais formas de se fazer política. Foi tal-
vez pensando nisso que o presidente do sindicato de Osasco,
José Ibrahim, ao fazer um balanço do movimento, afirmou
que um dos seus aspectos vitoriosos foi o de ter demonstra-
do o erro de setores da esquerda militarista que sustentavam
a “impossibilidade de utilizar (sic) o movimento operário
como instrumento de ação política contra a ditadura militar
que empolgara o poder”.19
Os diversos grupos que se formaram em torno da pro-
posta de luta armada consideravam-se “marxistas-leninistas”
e, como tal, atribuíam à classe operária o papel de dirigente
do processo revolucionário. Entretanto, eles permaneceram
numa relação de exterioridade com o movimento operário.
Isolados da massa, os guerrilheiros urbanos procuravam de
fora “excitar” os trabalhadores através de ações audaciosas.
Uma dessas ações era conhecida como propaganda ar-
mada e consistia na invasão de uma fábrica pelo coman-
do guerrilheiro que, com metralhadoras na mão, ocupava
o local, intimidavam os gerentes e chefetes, fazia discursos
e soltava panfletos para os operários conclamando-os a se
engajarem na luta contra a ditadura.
Quando se lê, muitos anos depois, a documentação dei-
xada pelos grupos armados, nota-se, sem muita dificuldade,
a ausência de um programa político dirigido para a classe
operária. A própria prática do movimento guerrilheiro já se

19
José Ibrahim, “Os operários”. In A Esquerda Armada, op. cit., p. 79.

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Celso Frederico

baseava no substituísmo: o grupo de heróis agindo no lugar


das massas. Por isso, a classe trabalhadora só comparecia
nos documentos como figura de retórica: ela é “a classe mais
revolucionária da sociedade”, “a classe dirigente da revolu-
ção” etc.
A aproximação entre a esquerda militarista e o movi-
mento operário tornou-se impossível não só pela repressão
que, em pouco tempo, massacrou os guerrilheiros, como
também pela própria linha de ação desses grupos que se for-
maram e se desenvolveram fora do terreno da luta de classes.
Algumas vezes, a aproximação com o movimento operário
era vista como perigosa para a segurança dos comandos ar-
mados. Em outros casos, a própria estratégia política im-
plicava numa ruptura com o movimento operário urbano.
Nesse último caso se encaixava o Partido Comunista Re-
volucionário (PCR). Partindo da “insofismável verdade de
ser o Nordeste a área principal de atuação dos comunistas
revolucionários”,20 esse partido propunha o “deslocamen-
to para o campo dos elementos mais avançados da classe
operária”.21
Os diversos agrupamentos guerrilheiros viveram a mes-
ma luta interna que, em situações diferentes, opunha os se-
tores mais militaristas àqueles que, ainda que verbalmente,
acenavam para a necessidade de se organizar a classe operá-
ria. A VPR, por exemplo, dividiu-se em torno dessa questão.
Jacques Dias, um dos militantes do “setor urbano” dessa
organização, constatou, desolado, que a VPR “não havia
elaborado nenhum documento político onde explicitasse
sua linha política para o movimento operário”. Esse mesmo
autor, contudo, não conseguia ir além de uma visão pater-
nalista a respeito da classe operária. Na outra ponta dessa
20
Cf. Documentos Básicos do Partido Comunista Revolucionário,
Editorial A Luta, fevereiro de 1968, p. 3. Idem, p. 8.
21
Cf. Jacques Dias, El Movimiento de Osasco. Sus luchas, sus acto-
res, 1972, p. 40.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

organização, o militarismo atingia o seu aspecto mais ra-


dical nos textos delirantes assinados por Jamil, que negava
à classe operária qualquer possibilidade de transformar a
sociedade. Segundo esse autor, o desenvolvimento capitalis-
ta no Brasil teve como efeito estrutural a neutralização do
potencial revolucionário da classe operária e a emergência
das massas economicamente marginalizadas. Essas últimas,
junto com a classe media radicalizada, seriam os verdadei-
ros agentes revolucionários.
Outra organização, nascida da luta interna da VPR, e
que tentou elaborar uma política para o movimento operá-
rio, é a VAR-Palmares. No seu ideário político eram cons-
tantes as referências aos trabalhadores: “O proletariado tem
que estar politicamente coeso e militarmente organizado a
fim de dirigir a luta revolucionária em todos os níveis, de
um ponto de vista de classe”.22 Mas, o regime militar signi-
ficou “o fim da era política” e, portanto, “estão fechadas as
portas para um trabalho legal, de longa duração, visando
educar a classe operária e acumular forças para, na ocasião
propícia, efetuar o assalto ao poder”.23 Quanto à desmo-
bilização da classe operária, o documento acredita que só
poderá ser ultrapassada “pela atuação revolucionária da
vanguarda, educando as massas na perspectiva da violência
e do socialismo”.24 Além de “excitar” o movimento operá-
rio, a vanguarda armada parecia querer ocupar o seu lugar:
“Dirigida pela classe operária, ela (a guerra revolucionária)
está subordinada não ao seu atual nível de consciência, mas
à sua perspectiva de classe, expressa pela sua vanguarda”.25

***

22
Cf. Programa, p. 25.
23
Idem, p. 21.
24
Idem, p. 23.
25
Idem, p. 22.

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Celso Frederico

Enquanto a esquerda atuava em várias frentes con-


tra o regime militar e, em todas elas, era esmagada pela
repressão policial, um fato novo ocorria na sociedade
brasileira sem que ninguém percebesse as cruciais modi-
ficações que iria acarretar: a inversão de capitais estran-
geiros na nossa economia que, a partir de 1968, criou o
chamado “milagre brasileiro”. Envolvida na luta armada
e na denúncia das atrocidades cometidas pelos órgãos de
segurança, a esquerda demorou para acreditar que a ex-
pansão da economia a isolaria dos contingentes da classe
média urbana de onde provinha a sua principal base de
sustentação.
Também a classe operária foi afetada pelo crescimento
da economia e pela ofensiva ideológica correspondente, pro-
movida pela propaganda governamental. Foram necessários
que alguns anos se passassem para que, finalmente, se tor-
nassem visíveis as novas condições da luta de classes.

DOCUMENTOS

Destituídos cem líderes sindicais


(Voz operária, nº 49, março de 1969, PCB)

Dezenas de entidades sindicais de trabalhadores, das


mais importantes do país, acabam de sofrer intervenção
do Ministério do Trabalho. Por Portaria do dia 14 de fe-
vereiro, o coronel Jarbas Passarinho demite e afasta de
suas funções sindicais, para as quais foram eleitos por seus
colegas de trabalho, mais de cem dirigentes sindicais, sob
o pretexto de que “não demonstraram condições para ga-
rantir a disciplinação da entidade em consonância com a
ordem social vigente”, isto é, a ditadura. Segundo a Por-
taria do Ministério do Trabalho, essas medidas foram to-
madas dentro do “espírito que ditou o Ato Institucional
número 5”.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Quando da edição daquele Ato de força, esse mesmo


ministro da ditadura fez declarações à imprensa afirmando
que “a situação no meio sindical era tranquila e que os diri-
gentes não seriam atingidos com medidas punitivas”. Veem
os trabalhadores, mais uma vez, o quanto vale a palavra de
um ministro desse governo.
Entre as entidades sindicais atingidas, encontram-se
os Sindicatos de Bancários da Guanabara, de Maringá, de
Campina Grande, o Sindicato dos Empregados em Entida-
des Culturais da Guanabara, o Sindicato dos Trabalhadores
na Indústria de Petroquímica de Caxias, o Sindicato dos Pe-
trolistas de Caxias, o Sindicato dos Trabalhadores nas In-
dústrias de Construção e de Mobiliário de Paranavaí, no
Paraná, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campina
Grande, o Sindicato dos Metalúrgicos de Maringá, o Sindi-
cato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo da Bahia.
Só em Alagoas, foram atingidas 12 entidades sindicais.
Como em 1964, o novo golpe militar volta-se princi-
palmente contra os trabalhadores. Ditadura a serviço do
imperialismo e dos grandes monopólios, o governo Costa
e Silva tenta por todos os meios manietar as organizações
sindicais dos trabalhadores, a fim de impedir o desenvol-
vimento de suas lutas reivindicatórias. Eliminando dos
quadros dirigentes sindicais toda liderança autêntica dos
trabalhadores, a ditadura espera transformar os Sindica-
tos em entidades inexpressivas, voltadas exclusivamente
para a assistência social.
Engana-se, porém, a ditadura.
Como em 1964, os trabalhadores saberão reconquistar
suas organizações sindicais. Reformando e ampliando sua
unidade e organização pela base – nas empresas e locais de
trabalho – os trabalhadores brasileiros intensificarão sua
atividade em seus Sindicatos, formarão nova liderança e
marcharão inevitavelmente para novas ações em defesa de
seus direitos sociais e políticos.

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Celso Frederico

I. O trabalho político na fábrica


P. Torres (Uma experiência junto ao proletariado, 1972, AP)

Como iniciar, a partir de que, com quem


Em todas as fábricas existem sérios problemas que são
percebidos à primeira vista, nos primeiros dias de trabalho;
difícil é saber qual é o mais sério problema qual é o mais
grave, tanto do ponto de vista da própria gravidade, como
do ponto de vista das massas. Por exemplo: pode existir um
sério problema de insalubridade na fábrica, que é gravíssi-
mo, mas para o qual a massa não está voltada; ou pode ser
que, no momento, o problema mais sério para ela seja o
salarial.
Existe, então, mais facilidade para trabalhar em cima
do problema sentido pela massa e inclusive organizá-la para
resolvê-lo, do que em relação a outros. O importante é ir
também abrindo perspectivas em relação aos problemas se-
cundários do ponto de vista das massas.
Alguns exemplos:
Na fábrica A, surgiu um sério problema de insalubrida-
de. Os operários que trabalham nas prensas ficavam com os
braços, mãos, peito e inclusive o rosto queimados com bo-
lhas d’água de até um centímetro. Além disso, houve casos
de desmaios por causa do intenso calor reinante (distância
física de metro e meio de uma porção fundida a 1.072°).
Os chefes diziam que os desmaios eram causados porque os
operários não observavam as normas de segurança da em-
presa e tomavam água gelada. E, em torno a tais problemas
graves e sentidos pela massa, organizamos a primeira luta
na seção. Tivemos uma vitória parcial, como medidas de
proteção para as mãos, óculos, comida especial e água com
vitamina C (Cebion). Alguns companheiros foram transferi-
dos para outras seções.
Na fábrica B, o problema mais sério era o problema
salarial. No dia em que entrei para trabalhar, foi feito o pa-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

gamento mensal. Fiquei admirado vendo o grau de revolta


dos operários em relação aos salários, inclusive ameaçaram
uma paralisação parcial.
Comecei a conversar com os companheiros de trabalho
nos dias que se seguiram. E vi que seria fácil organizar o tra-
balho a partir desse problema e assim foi feito. Já no dia do
adiantamento quinzenal, tínhamos dois companheiros para
levar o trabalho de organização dentro da fábrica.
Na fábrica C, com alto nível de operários sindicalizados
(70%, mais ou menos), o problema mais sentido pela massa
era o salarial. E vinham como secundários os problemas de
insalubridade e a necessidade de um restaurante. Organiza-
mos e dirigimos a luta a partir do problema principal, se-
guindo ao mesmo tempo pela luta pelo restaurante e contra
a insalubridade na fábrica.
Na fábrica D, o que sentia a massa, de modo geral, era o
problema do péssimo salário. E nos organizamos facilmente
em torno da luta por melhores condições salariais. Nessa
fábrica, o problema mais grave era o de insalubridade – um
verdadeiro crime.
Insisto em exemplificar fábrica por fábrica para mos-
trar que qualquer luta que se queira travar dentro de uma
empresa tem-se que partir daquilo para o qual a massa está
mais consciente. Não adianta criar e levar questões mon-
tadas desde fora, que podem ser importantes, mas que não
terão a participação das massas. É claro que não podemos
cair no espontaneísmo de fazer tudo no nível de massa – se-
ria desastroso, seria o seguidismo às massas. Devemos sim
partir delas, do seu nível de consciência e, ao travar as pri-
meiras lutas, começar a dirigir o processo de lutas pelo ca-
minho correto, com uma política correta e para um objetivo
político concreto e conhecido.
Para começar o trabalho numa fábrica e mesmo para a
sua continuidade, joga papel fundamental a amizade com
os companheiros de trabalho, a solidariedade de classe. Sem

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Celso Frederico

essa amizade, sem o companheirismo de classe é totalmente


impossível iniciar qualquer trabalho. E caso inicie um tra-
balho sem esses requisitos não terá continuidade – um mal
começo será um péssimo fim. A amizade significa participar
daquilo que a classe operária participa, incluindo visitas às
casas de companheiros etc.

II. A organização do trabalho na fábrica


Uma experiência vivida.

a) A organização inicial do comitê de fábrica


Antes de entrar na fábrica ou então nos primeiros dias
de trabalho, procurava-se fazer um levantamento da fábrica
tanto do ponto de vista interno, como do ponto de vista ex-
terno. Esse trabalho era feito, e às vezes levado e discutido
na célula da Organização porque esta estava vinculada ao
âmbito geral do trabalho na região.26 O primeiro levanta-
mento que se fazia era o da importância da indústria em
questão. E se viam vários pontos, como:
– a quem pertence a fábrica, a que grupo econômico
está vinculada etc.;
– tradição de luta da fábrica, nível político e cultural,
número de operários, qualificação profissional, nú-
mero de “peões” (aqui se via a predominância da ori-
gem – onde havia grande número de mão de obra
desqualificada predominavam os nordestinos);
– número de operários sindicalizados etc.;
– levantamento da fábrica em relação a outras fábricas.
Por exemplo: qual a fábrica que tem produção simi-
lar; fábricas mais próximas etc., como seria levado o
trabalho em relação a outras fábricas;

26
Esta política não era geral – era regional. Nem todos os companheiros da Or-
ganização estavam dentro desta preocupação. Seguiam a política do esponta-
neísmo imediatista.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

– levantamento das forças policiais mais próximas,


como exército (tiro de guerra), polícia civil, corpo de
bombeiros etc.
[...] Depois de um mês de trabalho fizemos um completo
levantamento da fábrica e vimos a necessidade de organizar
seção por seção. [...].
Foi feito um levantamento de cada seção e os nossos
contatos em cada uma delas, centralizando o trabalho nas
de maior importância produtiva (isso para poder garantir
a paralisação da fábrica numa época em que conseguísse-
mos sair para greve). Cada seção ficou sendo uma frente de
luta. Nas seções onde iniciamos trabalho, fizemos um le-
vantamento de forças, isso para ver quem estava a favor do
trabalho ou contra. E vimos que a maioria estava conosco,
embora mostrassem pouca vontade em participar por medo.
Também vimos quem era “puxa-saco” ou “dedo-duro”.
É de destacar que toda política levada por nós era de
curto e médio prazo. Era a organização de um trabalho po-
lítico visando a greve. Embora se falasse da luta de longo
prazo, prolongada e árdua, ficávamos no imediatismo de
apenas nos preparar para a greve... (A greve é a preparação
para a guerra, dizíamos). Daí a estrutura do trabalho procu-
rando, com exclusividade, fortalecer o trabalho nos setores
vitais da produção. É claro que temos que centralizar, mes-
mo para a luta de longo prazo, as nossas forças nos setores
mais importantes, mas não devemos cair no exclusivismo
destes setores.
Assim foi a partir do quinto mês de trabalho, já tínha-
mos as dez seções mais importantes da fábrica dentro do
nosso trabalho. E começamos a funcionar como um Nú-
cleo de Comitê da Fábrica que tinha a função de dirigir o
trabalho de toda a fábrica e de cada seção. A direção des-
se Núcleo do Comitê estava representada por um membro
de cada seção. A direção do Núcleo em si era exercida por
um companheiro votado pelos membros da direção. E dois

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Celso Frederico

membros do Núcleo do Comitê participavam das reuniões


da Oposição Sindical.
No Núcleo do Comitê se reuniam apenas os represen-
tante das seções. As diversas seções tinham reuniões sepa-
radas os contatos isolados. No sexto mês de trabalho, já
éramos 27 companheiros organizados em toda a fábrica.
Era feito o mapa da fábrica e se discutiam os proble-
mas da fábrica localizando-os no mapa e em cada seção. Era
mais compreensível aos companheiros e facilitava a organi-
zação do trabalho. Sem falar da facilidade que se tinha com
esse método, para ver a correlação de forças e o crescimento
do trabalho [...].
Em cada seção tínhamos uma Frente de Luta da Seção.
Os dirigentes das Frentes de Lutas eram os dirigentes do tra-
balho da fábrica – Núcleo do Comitê de Fábrica. O trabalho
em escala local estava assim estruturado: Frentes de Lutas
– Comitê de Fábrica – Oposição Sindical.
Esse trabalho de organização da luta da fábrica, correto
na sua maneira de ser, não levou em conta alguns aspectos
fundamentais, como por exemplo:
a) baixo nível político e organizativo dos operários des-
sa fábrica;
b) baixo nível cultural da massa dessa fábrica (80% da
mão de obra não especializada e uns 20% de analfabetos) –
é o que significa o desemprego para um operário braçal...
c) falta da visão de uma organização para uma luta de
longo prazo, árdua e contínua [...].

III. O trabalho de agitação e propaganda na fábrica


a) A agitação e a propaganda
Sem agitação e propaganda não existe trabalho revolu-
cionário. E esse setor do trabalho na fábrica foi tido como
prioritário, apesar de que a Organização não desse as con-
dições nem objetivas e tampouco subjetivas para o aprimo-
ramento e intensificação do mesmo.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

E se fazia uma total confusão entre agitação e propa-


ganda. Enfim ficávamos quase só agitando, isto é, chaman-
do as massas para algumas ações concretas ou então denun-
ciando a situação deplorável em que vivíamos, no regime de
trabalho. Não propagávamos as ideias socialistas às massas,
restringíamos a propaganda, e descaracterizamos a propa-
ganda política. Éramos apenas agitadores...

b) A luta econômica e a luta política no âmbito da agitação


Hoje posso analisar criticamente o trabalho realizado
nas fábricas e concluir que o nosso trabalho ficou funda-
mentalmente reduzido ao plano das lutas econômicas, prin-
cipalmente à agitação e a alguma propaganda.
Queríamos elevar a atividade da massa operária diante
de situações concretas, mas ficávamos fechados na agitação
contínua dentro do terreno econômico e não organizáva-
mos denúncias que abrangessem todos os terrenos e toda a
massa da fábrica. E as direções da Organização não foram
capazes de ver com clareza essa problemática. Essa clareza
que tinha Lenin, como podemos ver em o Que fazer?:
A consciência das massas operárias não pode ser uma verdadeira
consciência de classe se os operários não aprendem à base de
fatos e acontecimentos políticos concretos e, ademais, necessa-
riamente de atualidade, a observar cada uma das outras classes
sociais em todas as manifestações da vida intelectual, moral e
política dessas classes; se não aprendem a aplicar na prática a
análise materialista e a ampliação materialista de todos os aspec-
tos da atividade e da vida de todas as classes, camadas e grupos
da população.

E quanto à agitação e propaganda política na fábrica,


também foi desastrosa. A organização acusou de “econo-
micista” o nosso jornal de fábrica (fábrica B), mas nada fez
e nada contribuiu para o aprofundamento dessa questão.
E recordo que fizemos um jornal falando da ditadura, dos
militares etc. Pensávamos que isso era entrar no terreno da

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denúncia política – foi um desastre, não repercutiu e cha-


mou a atenção da repressão. Fizemos denúncias políticas
não partindo do nível da massa da fábrica,
Um companheiro de base sempre dizia, plagiando Lenin:
“é a polícia mesma quem começa muitas vezes a imprimir
à luta econômica um caráter político...” Só que com a dife-
rença: a polícia também ajudou a destruir o trabalho exis-
tente... e um trabalho no plano “econômico” – um trabalho
deficiente. Sempre estávamos “repetindo aquilo que os ope-
rários já sabiam e não dizíamos aquilo que não sabiam, que
jamais poderão saber pela experiência fabril e ‘economicis-
ta’, ou seja: conhecimentos políticos”. (Lenin).
A propaganda política não se faz de maneira mecâni-
ca como, por exemplo, colocando no fim de um panfleto
“abaixo a ditadura”, “fora o imperialismo”, “viva a guerra
popular”, “viva o socialismo” etc. A propaganda política se
faz esclarecendo o operário sobre questões de sua própria
vida, da vida das fábricas. É demonstrando as ligações entre
o poder político e os grupos econômicos; entre a repressão
e a exploração (ex.: repressão a uma fábrica, a uma greve);
entre o conjunto da burguesia e suas ligações e o conjunto
da classe operária e seus interesses; as condições de trabalho,
insalubridade, restaurante, banheiro etc. É a partir dessas
questões que fazemos a propaganda e levamos à consciência
de classe socialista. A utilização de chavões, segundo Lenin,
“não aguçam, embotam a consciência”.

c) Quando agitar
“O chamamento dirigido às massas para a ação surgirá
por si mesmo, sempre que haja enérgica agitação política e
denúncias vivas e ressonantes” (Que fazer?). Está destacado
o “quando agitar” porque demos grande importância a esse
aspecto no nosso trabalho. Nós fizemos todas as denúncias
e chamamentos em cima de fatos concretos. O que faltou
foi “política” nesses chamamentos. Mas, assim mesmo, hou-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

ve crescimento do nosso trabalho. Alguns acontecimentos


que se deram no fim da jornada de trabalho estavam de-
nunciados por meio de panfletos, selos, “papagaios” etc., no
primeiro turno do dia seguinte.27 E isso impactava. E uma
denúncia feita no auge da revolta, tem uma repercussão de-
zenas de vezes superior a uma que se faz depois de estar a
situação passada ou contornada.

d) Tipos e métodos de agitação e propaganda


O trabalho em todas as fábricas começou pelo lança-
mento de panfletos, denunciando o fato sobre o qual havia
uma relativa consciência das massas. Por exemplo: na fá-
brica B, lançamos o primeiro panfleto em torno da proble-
mática salarial. Depois de lançado o primeiro panfleto, se
colhiam os frutos. Quase sempre dividíamos os panfletos
em três tópicos:
– o fato em si;
– suas consequências;
– o que fazer (palavras de ordem);
Eram panfletos pequenos, meia página de papel ofício,
no máximo. Isso porque o nível político e cultural das mas-
sas, principalmente da fábrica B, era bastante baixo. Ha-
27
Temos um bom exemplo na fábrica B. Nessa fábrica um operário agrediu o seu
chefe com uma barra de ferro, motivado pelo mau trato e estupidez que recebia
do mesmo. O “paciente ficou lesionado na cabeça e no braço”. Esse fato se deu
no fim da jornada de trabalho. E no outro dia já circulava, no primeiro turno,
um panfleto (um quarto de folha papel-ofício) congratulando o operário “re-
voltoso” e solidarizando-se com ele. Havia também a proposição de organizar
para dar uma “ferrada” geral na situação existente na fábrica, como na necessi-
dade de união etc. Esse pequeno panfleto saiu inclusive com um desenho sobre
o acontecimento. Resultado: uma grande vibração da massa e discussão sobre
o fato durante toda a semana. O chefe tornou-se depois um verdadeiro cor-
deiro. Utilizamos bem politicamente esse acontecimento, mas poderíamos ter
utilizado melhor, ter explorado mais, como, por exemplo, para dar consciência
à massa sobre a importância da violência, que tem de ser organizada, para que
assim possa alcançar os seus objetivos.
Outro fato que se deu foi o aumento no preço do vale de refeição. Saíram “pa-
pagaios” e boletim denunciando em cima da hora... Houve reação da massa e
a fábrica protelou o aumento.

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via companheiros que levavam de 10 a 15 minutos para ler


um panfleto (nessa fábrica havia uns 20% de analfabetos).
Caso fizéssemos panfletos grandes, com “maior profundi-
dade” etc., não seriam lidos (exemplo disso eram os pan-
fletos feitos pela organização. Eram, fundamentalmente, de
um imediatismo-esquerdista que não sensibilizava as mas-
sas diante das questões que levantavam...). Eram elaborados
por elementos que desconheciam a realidade operária e os
interesses da classe e suas necessidades.
É bom destacar que sempre empregamos nos boletins a
linguagem da massa. E temos que usar sempre a linguagem
que o povo entende e usa, e jamais a linguagem que se usa
nas “reuniões das organizações revolucionárias”.
Em geral, lançávamos uma média de um panfleto por
mês. E utilizávamos todos os tipos de agitação e propaganda
que se podia imaginar. Exemplos:
1. “papagaios” e “mosquitos” (papéis pequenos com
palavras de ordem). Eram espalhados por toda fábrica. Re-
percutiam bastante e eram eficientes para fazer agitação.
Devem ser utilizados diariamente no trabalho;
2. “selinhos” (selos tipo “etiqueta gomada”). Nesses se-
los se escreviam as palavras de ordem. E eram colados nas
portas dos banheiros, nos vestiários, nos bebedouros, nas
máquinas, nos fardos de peças etc. Inclusive, não sabíamos
como, apareciam selinhos até nos relógios de marcar cartão.
Esse tipo de agitação é eficiente pela sua continuidade (não
se arranca facilmente um selo colado), pela eficiência (fácil
de ler – chama a atenção), pela mobilização de grande nú-
mero de companheiros para essa tarefa (andar sempre com
selinhos nos bolsos), pela segurança etc. Foram utilizados
diariamente nas fábricas onde realizamos trabalho;
3. pixação. Utilizamos constantemente vários tipos de
pixações, tanto dentro como fora da fábrica. Dentro da fá-
brica, pixávamos nas portas dos banheiros, em cima da pia
de lavar as mãos, no bebedouro, nas paredes das ruas da

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

fábrica, nos fardos de materiais, nas escadarias etc.; e, fora


da fábrica, principalmente nas ruas que servem de vias de
acesso para ela. Como material de pixação utilizávamos in-
ternamente “pincel atômico” e inclusive lápis grosso; e ex-
ternamente spray e “bastão caseiro”. Esse tipo de agitação
é bastante eficaz pois sempre está chamando a atenção dos
operários para as questões importantes da luta na fábrica
e levando-os a conversar sobre isso. Por exemplo, a pala-
vra “greve” pixada no relógio de “picar cartão” será motivo
para que se converse todo o dia sobre o tema etc.;
4. cartazes (tipo mural). Eram colocados nas paredes do
lavatório e do vestiário. Esse tipo de propaganda chama mui-
ta atenção da massa, mas tem um inconveniente: para ser rea­
lizada corre-se um certo risco, pois os cartazes são grandes,
dificuldade para entrar na fábrica com eles e para serem co-
locados etc. Na fábrica B, fizemos murais em duas oportuni-
dades, uma foi por ocasião da visita de Rockefeller ao Brasil;
5. “ganchos” (arames com panfletos ou jornais pendu-
rados em lugares “estratégicos”). Eram colocados nos pon-
tos de maior aglomeração de operários, tanto externamente
(entrada), como dentro da fábrica.
6. conversas (bate-papo). É o tipo de agitação e propa-
ganda (fundamentalmente propaganda) mais eficiente. É o
central. É o que dirigirá o trabalho em todos os sentidos.
Inclusive, toda agitação feita está voltada para levantar as
discussões da massa em torno da problemática em questão
e as possíveis formas de solução. Aí sim é que a direção do
trabalho da fábrica deve estar atenta em três sentidos:
– dirigir as conversas no sentido de reafirmar a necessi-
dade de solucionar o problema por uma luta correta (meio
mais fácil) e de todos;
– descobrir novos companheiros para o trabalho de fá-
brica;
– desenvolver a capacidade de discussões e mesmo de
direção dos membros do Núcleo do Comitê ou Comitê.

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Celso Frederico

Vejo que nem sempre aprofundamos e insistimos nesses


aspectos. Às vezes, alguns companheiros iam dormir na hora
do almoço – hora em que melhor se poderia conversar etc. E
não travei lutas sérias com os companheiros do Núcleo do
Comitê sobre a necessidade dessas discussões – caímos no
erro de sermos meio “compadres”.

e) O jornal da fábrica
Em geral, as fábricas publicam uma revista para os ope-
rários onde falam da grandeza da mesma, sua importância,
o milagre de sua produção etc., como também dos “bons
operários” que tem... Saem fotografias sobre o futebol da fá-
brica, do campeonato interno, do melhor operário da seção
tal etc. Incluindo fotografias da secretária do “Mr. fulano
ou beltrano”. Quem lê a revista vê uma verdadeira confra-
ternização de classes que vai do mais importante executivo
da empresa até o último operário; são meios que servem à
propaganda da fábrica. Um meio para entorpecer a visão do
operário.
E dentro da luta de classes devemos também usar destes
tipos de propaganda. Nesse sentido, é necessário desenvol-
ver a criação de jornais de fábricas onde exista trabalho.
Inclusive a criação de jornal por região, como foi o caso do
jornal O pião, da UNO-SIN (União Operária Sindical).
Na fábrica B, tínhamos um jornal que teve uma ótima
repercussão na massa; saíram 11 números. Saíam mensal-
mente entre os dias 1 e 5 de cada mês.28 Esse jornal fazia
sempre um balanço da situação da fábrica, as lutas que es-
tavam sendo travadas e a serem encaminhadas. Ele refletia
bem o conteúdo do nosso trabalho. Era feito em nível de

28
Sempre procurávamos tirar o jornal entre os dias 1 e 5 de cada mês para poder
capitalizar a revolta dos operários contra a empresa, que se agudizava nesse
período por ser ele de pagamento. Porém, se pode correr o risco de ser desco-
berto pela empresa pelo fato de que saía regularmente numa determinada data.
É bom estar alertado à isso.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

massa, com ilustrações, chamamentos, denúncias etc. Por


ser bem feito, a partir da própria massa, com linguagem da
massa, chamou a atenção da direção da fábrica e da própria
polícia.
A correta política de confeccionar jornais para as fábri-
cas foi amplamente divulgada (inclusive pela organização) e
tivemos jornais em diversas fábricas, feitos pelos operários.
Nota-se que para levar essa política é essencial a infraestru-
tura do próprio trabalho de fábrica. Os companheiros de
uma grande indústria tinham o seu jornal, mas nem sempre
saía com regularidade porque lhes faltava a infraestrutura.

f) Confecção e distribuição do material de agitação e propaganda


Todo material de agitação e propaganda era discutido
entre os membros das Frentes de Luta. E se insistia na
participação de todos; alguns se desculpavam dizendo que
não sabiam escrever direito etc. Com esses companheiros
fazíamos a discussão e anotávamos como eles pensavam
deste ou daquele fato e este era o conteúdo dos artigos.
Partíamos sempre das bases. Inclusive chegamos a cair em
certo espontaneísmo ou “seguidismo de massa”, nem tudo
o que os operários pensavam estava correto. O operário
tem o seu valor e força como classe; nesse sentido devería­
mos encaminhar as confecções de nossa agitação e propa-
ganda.
A distribuição era feita por todos. Mas, antes da dis-
tribuição, quem “monopolizava” o trabalho era eu. (Nessa
época, não conhecíamos nada sobre o leninismo: “nenhuma
classe logrou na história instaurar seu domínio se não pro-
moveu a seus próprios chefes políticos, a seus representantes
de vanguarda, capazes de organizar o movimento e dirigi-
lo”). Essa maneira de monopolizar o trabalho era bastan-
te errada porque, caso eu falhasse, falharia o trabalho. A
entrega do material às Frentes de Luta era feita por mim.
Tudo funcionou bem por sorte... Nessa ocasião, tínhamos

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Celso Frederico

uma visão errada de segurança, que, na verdade, restringia a


iniciativa e a responsabilidade de certos companheiros. Esse
grave erro foi corrigido na fábrica C.
Porém, a distribuição em si se fazia com a participa-
ção de todos, incluindo a participação espontânea de alguns
companheiros. Nossa distribuição atingia quase todas as
seções da fábrica. E era feita clandestinamente. Colocavam-
se panfletos nas máquinas, nos relógios de ponto, no res-
taurante, nas passagens de seção a seção, nos vestiários e
banheiros etc.
Vejo outro aspecto que também não demos atenção: a
distribuição de mão em mão. Caímos em certo “segurismo
interno”. A distribuição de mão em mão era realizada es-
pontaneamente por alguns companheiros não organizados.
[...]

Principais lutas travadas nas fábricas


1. Fábrica A (1966-1967)
Nessa fábrica, foram levadas três lutas importantes: duas
localizadas em seções e uma geral, de toda a fábrica. Todas
elas de caráter reivindicatório. Uma contra a insalubridade
do trabalho nas prensas, outra por equiparação salarial na
mecânica e a última por reajuste salarial e integração na ca-
tegoria sindical metalúrgica (essa fábrica não estava filiada
a nenhum sindicato) do conjunto da fábrica. Conseguimos
uma vitória completa com as duas primeiras lutas e vitória
parcial com relação à terceira (a geral).
Foram lutas surgidas espontaneamente e de fácil dire-
ção. Organizei e dirigi a que se travou na seção de prensas;
porém, ficamos com a vitória e nada mais; não progredi-
mos, não houve crescimento da consciência da massa – não
houve capitalização. A vitória conseguida não foi propaga-
da para mostrar nossa força.
E a luta geral por reajuste salarial e pela entrada na ca-
tegoria metalúrgica foi realizada com algumas assembleias

99

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sindicais. Conseguimos um reajuste parcial e também a en-


trada na categoria dos metalúrgicos.
A partir das assembleias sindicais, a direção da fábri-
ca começou a despedir alguns companheiros, sem motivos
razoáveis, e chegou a despedir todos aqueles que tomaram
posição de vanguarda nessas assembleias. Fazíamos a luta
econômica clandestina dentro da fábrica e mostrávamos to-
dos os responsáveis pelo trabalho nas assembleias sindicais.
Não souberam organizar os companheiros da fábrica contra
a política do “corte” em relação aos companheiros dirigen-
tes do trabalho.
O trabalho nessa fábrica terminou. E de política? De
capitalização? Quase nada, apenas uma experiência inicia-
da! Toda luta que travamos temos que ter claro os objetivos
políticos a conseguir. A luta que não significa um saldo no
plano da organização e da consciência da massa é incon-
sequente. Isso era impossível porque a organização não só
não tinha uma tática clara para o movimento operário e al-
ternativas claras para uma organização independente, como
não tinha estratégia correta para que pudéssemos vincular
as lutas táticas com a estratégia.

2. Fábrica B (1968-1969)
Na fábrica B, foram travadas várias lutas tanto nas se-
ções, como de toda a fábrica. Na Seção A, se travou luta por:
equiparação salarial, pela taxa de insalubridade, e várias lu-
tas ou protestos contra: brutalidade dos chefes, injustiças
contra companheiros, a situação deplorável dos banheiros e
lavatórios (não éramos porcos) etc.
Conseguimos apenas vitórias parciais, equiparação sa-
larial para alguns e também uma maneira menos agressiva
dos chefes, incluindo o deslocamento do engenheiro da se-
ção.
Essas lutas, levadas todas de maneira clandestina, ser-
viram para aumentar o número dos companheiros organi-

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Celso Frederico

zados. Chegamos a ter, de certo modo, o controle da seção


de 107 operários. O que faltou foi a preparação política
para a condução revolucionária dessa prática. Lembro-me
de que dizíamos entre nós, dentro da fábrica: “o dono da
fábrica e seus cupinchas têm o controle da produção e nós
vamos controlar politicamente a mão de obra para paralisar
a produção”.
Travamos lutas em várias seções da fábrica (era mui-
to mais fácil fazer lutas fora da seção do que dentro dela.
Exemplo: no restaurante. Fora da seção, o operário está
longe da vista ou da vigilância do chefe, dos encarregados,
entre outros. Na seção, está arriscando a perder o emprego
ou ser transferido para trabalho pior etc.). Na Seção B, os
problemas eram de insalubridade, trabalho pesado para as
mulheres, não pagamento de salário de operador para as
operadoras de máquinas. E tivemos vitórias parciais, com
a inclusão de operários (homens) na seção para fazerem os
trabalhos mais pesados (transportar carros com peças etc.)
e também reajustes para algumas operadoras de maquinas.
Conseguimos recrutar duas companheiras para o nosso tra-
balho de fábrica. Ficamos nisso.
Nas demais seções (exemplo da k, l, c, f, d), foram fei-
tas lutas por insalubridade, contra a brutalidade dos chefes
e por reajuste salarial da seção. Pouca coisa se conseguiu.
Algumas vitórias parciais, principalmente quanto à insalu-
bridade e quanto à brutalidade dos chefes.
Algumas lutas gerais, de toda a fábrica:
– reajuste salarial (abaixo o salário de fome);
– melhor comida;
– luta contra a insalubridade;
– luta contra o sistema de opressão da fábrica (chefes
capangas).
E todas as agitações giravam em torno dessas lutas,
principalmente as matérias do Jornal da fábrica. E não con-
seguimos muita coisa. Caímos no erro de não ampliar o tra-

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balho de maneira que se pudesse pressionar efetivamente


a empresa; de certo modo, restringimos o nosso trabalho
no âmbito do Núcleo do Comitê recém-organizado e, pior
ainda, abrimos os melhores elementos do trabalho nas as-
sembleias sindicais da fábrica. Outro aspecto a destacar foi
a inclusão no nosso trabalho já organizado e atuante de um
elemento de uma organização trotskista que havia entrado
na fábrica. Esse companheiro, devido fundamentalmente ao
liberalismo, esquerdismo e desvinculação com a realidade
da fábrica, ajudou a destruir o trabalho. Basta apontar seu
comportamento numa última assembleia sindical da fábrica,
para deixar bem claro alguns aspectos de sua política. Nessa
assembleia, para discutir sobre os problemas da fábrica –
principalmente insalubridade – esse companheiro manteve
uma discussão com o advogado do sindicato sobre o proble-
ma do paternalismo de Getúlio em relação à classe operária.
Partiram para acusações pessoais. Dizia o companheiro que
o advogado era chauvinista, e este dizia que o companheiro
estava lendo muito o Jorge Amado. A massa boquiaberta as-
sistia passivamente o debate. Atitudes como essas serviram
para chamar a atenção da polícia e da direção da fábrica
para o nosso trabalho; “como poderia haver um operário
braçal com alto nível de conhecimento?”.
Não conseguimos um reajuste salarial para a fábrica. A
resposta da seção pessoal era de que o “governo não permi-
tia subir os salários dos operários extraoficialmente”. Por
que então, se dizia, paga-se melhor em outras fábricas? Aqui
poderíamos ter aproveitado as respostas da seção pessoal
para uma propaganda política. No entanto, a organização
não tinha visão de como fazer isso, e tampouco nós. Mais
uma oportunidade perdida.
Quanto à luta por melhor comida, conseguimos vitória.
Mas não demos continuidade, não utilizamos a vitória con-
quistada para conseguir novas vitórias. Nessa luta, utiliza-
mos as palavras de ordem:

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Celso Frederico

– bater no bandejão;
– jogar comida no chão;
– deixar o bandejão na mesa.
A massa aderiu às palavras de ordem colocando-as em
prática. Houve necessidade de policiar o restaurante com
os guardas da fábrica. E, mesmo assim, diante dos guardas,
houve uma reação parcial da massa. Essa luta teve o seu dia
de maior repercussão quando houve o aumento de preço
do vale para a comida. A fábrica havia colocado, no fim
da jornada, aviso em algumas seções sobre o novo preço
dos vales. E, no dia seguinte, nas filas do restaurante foram
distribuídos “papagaios e mosquitos” sobre a necessidade
de protestar com mais veemência diante de tal medida arbi-
trária. Foi algo extraordinário o protesto deste dia. E, nesse
dia, faltou um certo pulso na condução da luta, pois seria
possível subir numa mesa e chamar a massa a uma parali-
sação parcial contra tal medida injusta. Vacilamos. Quando
nosso trabalho não se fundamenta numa política correta é
em si vacilante e inconsequente. Quem falasse nesse dia seria
despedido; e valeria a pena perder um companheiro naquela
fábrica para a capitalização política de toda a fábrica? Não
tínhamos clareza, não sabíamos o que fazer... São nesses mo-
mentos que a massa passa na frente daqueles que a dirige...
Esse protesto evitou o aumento do vale. Tivemos uma
melhoria significativa da comida e só mais tarde é que veio o
aumento do vale. Já não tínhamos condições para mobilizar
a massa (a comida estava razoavelmente boa).
A luta pelo pagamento da taxa de insalubridade foi le-
vada conjuntamente com o sindicato. Partimos “em busca
da lei trabalhista”:
– fizemos algumas assembleias sindicais da fábrica;
– foi dirigido um ofício à direção da fábrica.
O resultado foi nulo. Começamos a luta de maneira in-
correta: não se deve lutar por pagamento de taxa de insalu-
bridade e sim contra a insalubridade (principalmente nessa

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fábrica em questão) e não se deve confiar na lei e nem no


sindicato. O sindicato tem pouca força diante da força de
algumas indústrias que fazem o que querem com os operá-
rios. Pode-se lutar pelo cumprimento de determinadas leis,
e inclusive pode-se utilizar o sindicato. Porém, temos que
ter claro que só podemos confiar na nossa organização pela
base. A organização clandestina dos Comitês de Fábricas é
que nos dá força e na qual temos que nos apoiar princi-
palmente. A utilização do sindicato tem que visar fortalecer
a organização pela base. Não podemos, para realizar uma
assembleia no sindicato, permitir que seja destruído o nosso
trabalho clandestino. A preparação da assembleia sindical
tem que prever e resolver essa questão.
Nas assembleias, não soubemos articular a luta reivindi-
catória legal com a ilegal. Foi por aí que desmoronamos ou
começamos a desmoronar. A decisão que havíamos tomado
foi a de que nas assembleias todos deveriam falar para que
assim a fábrica não localizasse o nosso trabalho e os princi-
pais responsáveis. Mas, quando chegávamos à prática, isso
não acontecia. E quem tomava a palavra era quem não de-
veria tomar – eram os principais dirigentes do trabalho os
que falavam, (aqui entra um outro problema: a necessidade
de se firmar como dirigente de massa diante das massas. Se
o dirigente não fala “fica mal”, espécie de covarde para as
massas). Este é outro aspecto que deve ser discutido com
seriedade: o trabalho legal e o trabalho ilegal – o papel do
dirigente das massas no plano legal e ilegal.
Na luta contra a insalubridade houve alguns casos de
violência, como o de quebrar os banheiros, entupi-los com
pedras etc. Uma maneira de protestar pela insalubridade dos
mesmos.
E a luta contra o sistema de opressão na fábrica teve al-
guns resultados, como deslocamentos de chefes de uma seção
para outra, como também o melhor trato por parte deles;
inclusive alguns passaram a ter medo do nosso trabalho.

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E de destacar que as palavras de ordem mais empregadas


foram “greve na fábrica contra o arrocho”, “melhor salário
só com greve”, “ganha pouco trabalha pouco – operação-
tartaruga” etc. A “operação-tartaruga” também não surtiu
muito efeito, embora se fizesse muita insistência sobre essa
forma de luta. Isso porque a “operação-tartaruga” deve estar
estreitamente ligada às formas de produção. Numa fábrica
onde a produção se dá por escala, que passa de máquina a
máquina, é possível fazer um bom trabalho em conjunto. Já
é quase impossível numa fábrica onde a produção é isolada,
máquina por máquina. Exemplo de fábricas laminadoras,
onde se trabalha com prensas, tornos automáticos, refiladei-
ras, perfiladeiras etc.

3. Fábrica C (1970)
Nessa fábrica, as lutas foram conduzidas de maneira si-
milar às da fábrica B. E demos prioridade às lutas gerais.
Pois existia nessa fábrica um bom nível de consciência sin-
dical. No primeiro mês já estávamos com dez companheiros
organizados, reunindo-nos semanalmente. Começamos a
funcionar como Comitê de Fábrica. E pressionamos a fábri-
ca tanto no nível interno (luta reivindicatória clandestina)
como no nível externo (juntamente com o sindicato).
Também foi mandado um ofício à fábrica sobre o pro-
blema da insalubridade e inclusive foi feita uma peritagem.
Porém, nos escapou o controle dessa peritagem, pois no dia
em que a mesma foi realizada a fábrica reduziu a pressão
dos fornos; como consequência, os peritos não viram nada
de insalubre. Também não participou junto dos peritos um
representante do sindicato ou nosso. Com certeza os peritos
foram comprados pela direção da fábrica, o que quase sem-
pre acontece. A luta contra a insalubridade foi levada nos
dois sentidos: denúncia da insalubridade (como acabar com
ela – valor da vida do trabalhador) e o pagamento da taxa
correspondente.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Foram feitas outras lutas que não tiveram maior reper-


cussão, como a reivindicação de um restaurante e a equipa-
ração salarial.
Nessa mesma fábrica, fizemos várias denúncias, inclusi-
ve no plano externo – sindicato e outras fábricas – porque:
– não contratava e nem contrata preto (racismo);
– não emprega nordestino (racismo).
É de notar que essa fábrica, que é norte-americana, é
mais racista que a matriz nos EUA.
Nota-se, também, que nessa fábrica o trabalho interno
foi aberto nas assembleias sindicais. Inclusive resultou em
prisão para um companheiro pelo II Exército. É o problema
de luta legal e clandestina.

4. Fábrica D (1970).
Nessa fábrica, travamos as lutas por melhores salários,
contra a insalubridade, por trato humano às mulheres e por
equiparação salarial, tentando lançar o sindicato na frente
da luta sob a nossa direção. Foram distribuídos vários pan-
fletos na porta da fábrica... Eram distribuídos pelo sindicato
e assinado por ele. Mas eram confeccionados por nós, ope-
rários da fábrica.
Resultado: assembleia da fábrica e 11 companheiros
despedidos. Única vitória: pagamento da indenização e do
FGTS. Antes a fábrica não pagava para ninguém. A esses 11
companheiros a seção pessoal efetuou o pagamento da inde-
nização através das grades do portão da fábrica; não lhes foi
permitida a entrada nem mesmo na seção pessoal.
O trabalho junto às operárias dessa fábrica, que eram
um bom número (30% mais ou menos), nos mostrou até
que ponto chega a degradação e a dominação exercida
pela máquina sobre as trabalhadoras. A mulher passa a
ser totalmente dominada pela produção, mais explorada e
mais vendida do que os operários. Era difícil manter conta-
tos, conversas etc., sobre a situação de exploração em que

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Celso Frederico

viviam. Muitas pensavam que estávamos buscando outra


coisa, pois estavam acostumadas com tratamentos de che-
fes e encarregados que durante todo o dia lhes propunham
programas para o fim da jornada do trabalho. Inclusive
houve casos de despedir uma e outra porque não aceitaram
tais proposições. É de destacar que as lutas levadas dentro
da fábrica eram relacionadas com as lutas de outras fá-
bricas através da Oposição Sindical.29 Na situação em que
vivíamos e mesmo na situação atual é um absurdo isolar
o trabalho organizativo e as lutas de uma determinada fá-
brica. Devem ampliar no máximo o trabalho. Isso facilita
a desinformação, desorienta a repressão e também facilita
a unificação e o entusiasmo da classe (é animador ver que
também outras fábricas estão fazendo as mesmas lutas que
são realizadas nessa fábrica).
As lutas efetuadas não saíram do marco reivindicató-
rio. Tudo isso pela falta de uma política geral e particular
da organização. E mesmo nós que estávamos diretamente
na direção do trabalho junto à classe na fábrica, estávamos
despreparados politicamente. A classe operária por si só não
é capaz de ter consciência política, uma consciência socia-
lista.
A organização tinha posições de esquerdismo imedia-
tista em relação ao trabalho de fábrica. A preocupação dela
era organizar para a greve. E entrávamos dentro dessa polí-
tica – é o exemplo da palavra de ordem que foi empregada
dentro de todas as fábricas: greve na fábrica, preparar para
a greve. Na fábrica B, com dois meses de trabalho, vieram
insistir comigo na necessidade de entrar em greve. E a greve.
Para quê? O “para que” não estava claro! Era a greve pela
greve. [...].

29
Foi o trabalho realizado por O pião da UNO-SIN (União Operária Sindical).
Devemos dar importância na criação de jornais operários regionais e mesmo
nacional.

107

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Autocrítica – 1967-1973
(Ala Vermelha)

Ainda no mesmo período (especialmente 1968), ten-


tamos nos voltar para um trabalho junto ao proletariado.
Diversamente do que ocorreu no movimento estudantil, o P
(AV) aqui não se afasta significativamente de suas próprias
concepções e não consegue se desenvolver no meio operá-
rio. Na medida em que a classe operária não se encontrava
em movimento (as suas mobilizações eram esporádicas), o
P (AV) não foi atraído de forma espontaneísta, como pelo
movimento estudantil. Buscamos, portanto, uma aproxi-
mação através dos militantes do chamado “setor operário”,
herdado do Partido Comunista do Brasil, com o objetivo de
aplicar as concepções contidas especialmente no documento
OPNTEFLA.30 De acordo com esse documento, o trabalho
de organização da classe operária deveria se dar pela for-
mação de “Grupos Armados Clandestinos de Massas” nas
fábricas – e a tentativa de formá-los se processa principal-
mente pela agitação através de panfletagens. Desse modo,
mesmo quando se realizaram tarefas em que não se empre-
gou armas, a educação e organização das massas foi substi-
tuída por uma atividade de agitação, voluntarista. Essa agi-
tação, levantando questões gerais da revolução, problemas
que pouco tinham a ver com a situação real da classe operá-
ria e palavras de ordem que levavam em conta as verdadei-
ras condições subjetivas do proletariado, podia provocar
muito alarido, mas não rompia os marcos da organização
partidária, não encontrando eco no seio das massas. Por-
tanto, não as organizamos ou educamos. Na prática, essa
agitação, com palavras de ordem “avançadas”, ratificava a
“teoria do exemplo”. A visão imediatista da luta armada
prejudicava qualquer tentativa de ligação com a classe ope-

30
“Organizar um partido de novo tipo em função da luta armada”, 1967.

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Celso Frederico

rária. Como o objetivo era “preparar as condições para a


realização da luta armada” – através da guerrilha urbana e
rural –, não existia uma perspectiva concreta para orientar
o trabalho operário. Tentamos mobilizar os militantes do
chamado “setor operário” para levar a agitação para den-
tro das fábricas e sindicatos; como esse trabalho era sus-
tentado apenas pelas diretrizes gerais, “preparação da luta
armada”, em nada mais resultou. Ao contrário, na medida
em que não havia uma política justa para o trabalho ope-
rário, em que não havia orientações no sentido de educar
ideologicamente as massas através da propaganda (a come-
çar pelos próprios militantes) e de organizá-las, o resultado
que se obteve foi a progressiva desorganização do chamado
“setor operário” oriundo do Partido Comunista do Brasil.
É preciso levarmos ainda em conta que os militantes des-
se setor não só dispunham de baixo nível político e ideo-
lógico, como também tinham a perspectiva imediatista e
aventureira da luta armada, razão mesma de sua adesão ao
P (AV), além de, em sua maioria, trabalharem em fábricas
sem importância ou mesmo em atividades de subemprego
(vendedores, biscateiros).
Essa situação predominava principalmente em São Pau-
lo e Guanabara, e era o que determinava o peso específico
da política do P (AV). Isso devido não só à importância des-
sas regiões, no plano nacional, mas também por estarem aí
concentrados os principais quadros que forneciam as indi-
cações teóricas e orientavam a prática em nível nacional.
Embora em outras regiões se tentasse a polarização do
trabalho revolucionário na classe operária, essa atuação não
resultava em ganhos maiores devido à falta de uma política
correta de trabalho e organização no seio das massas. A ten-
tativa de estabelecer essa política nunca ultrapassou o nível
local e se consumia e esvaziava na procura de conciliar o
trabalho de massas nas fábricas e bairros operários com as
diretrizes da visão imediatista da luta armada em plano na-

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cional. Resultava daí uma atividade que, embora o elemen-


to armado não estivesse presente, era, na sua essência, “de
fora para dentro”, vanguardista e limitada pelos objetivos
de preparação da luta armada contidos no Documento de
Crítica e no OPNTEFLA.
Uma organização de comunistas deve, antes de tudo, ter
sua base de atuação na classe operária. Uma política justa
deveria ter partido de constatações de que a inexistência do
movimento espontâneo da classe operária não era só devido
às condições impostas pela repressão, mas entender o bai-
xo nível de consciência de classe e seus motivos. Com isso,
dar prioridade à luta paciente da educação e organização
da classe operária e lutar ativamente pelo soerguimento do
seu movimento. Uma política justa deveria reeducá-los ideo­
logicamente e utilizar os seus contatos para a localização,
educação e organização dos elementos mais avançados das
massas (na fábrica, nos bairros, entre outros lugares), em
vez de tentar lançá-los diretamente no agitacionismo nas fá-
bricas e sindicatos. Dessa forma se evitaria a desagregação e
conseguir-se-ia ampliar a influência do P (AV).
O voluntarismo e imediatismo das nossas concepções
se manifestaram sobretudo através da tentativa de levar ao
proletariado uma política totalmente desvinculada das con-
dições subjetivas existentes, propondo formas de organiza-
ção e formas de luta criadas artificialmente fora da luta de
classes e não, como seria correto, a partir da experiência
concreta da classe operária.

O Ato Institucional nº 5 e a propaganda armada


Devido às concepções políticas errôneas por que nos
orientávamos, fomos impermeáveis à compreensão das si-
tuações conjunturais da sociedade e de suas mudanças. A
existência artificial da organização e, consequentemente,
sua atuação marginal ao processo social, o convencimento
de que a preparação da luta armada no campo dependia

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exclusivamente das iniciativas do P (AV), determinavam um


profundo desconhecimento (e mesmo a desnecessidade de
conhecer) das mudanças nas relações de poder e das con-
junturas daí decorrentes. Desse modo, quando ocorre uma
significativa mudança na conjuntura política como a decre-
tação do Ato Institucional nº 5, não só fomos incapazes de
definir uma posição sobre seu significado, como também –
o que é de certa forma decorrente das mesmas razões des-
sa nossa incapacidade – enveredamos de forma ainda mais
acentuada no desvio de atuarmos apenas com nossas limita-
das forças, reforçando a tendência de “esquerda”, particu-
larmente o militarismo. A reação diante do AI-5 representou
a reafirmação das concepções vanguardistas do Documento
de Crítica à sua exacerbação.
A repressão que se segue ao AI-5 atinge de imediato os
setores da pequena burguesia, particularmente o movimento
estudantil, e esmaga suas organizações. Isso atemoriza e limi-
ta a área social onde as organizações de esquerda ainda reali-
zavam algum trabalho de massa, isolando-as. Sua reação (da
esquerda) é uma radicalização cada vez maior, inaugurando,
assim, o período de apogeu das ações armadas de grupos iso-
lados. Como já afirmamos, o P (AV) é atingido pelo mesmo
fenômeno. Sem compreendermos o significado e a dimensão
desse instrumento do qual lançava mão a ditadura, não en-
tendendo que o momento determinava recuo e um trabalho
paciente e camuflado de ligação com as massas, para evitar o
nosso isolamento, tentamos continuar a avançar apenas com
nossos próprios recursos internos, preparando-nos para a
luta armada por meio de uma prática militarista. Como me-
dida para romper o isolamento em que nos encontrávamos,
passamos a aceitar a ação armada como instrumento de pro-
paganda (e não mais apenas como forma de obter recursos
financeiros). Praticamente abandonamos o trabalho no meio
estudantil e tentamos deslocar o centro de gravidade de nossa
atuação no sentido de estabelecer laços com o proletariado,

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intensificando a agitação vanguardista através de panfleta-


gens e do que se chamou “propaganda armada”.
Esse aguçamento do vanguardismo do P (AV) encontrou
sua expressão mais acentuada em São Paulo. No período ime-
diatamente posterior ao AI-5, desenvolveu-se nesse regional
uma intensa discussão que tinha por base concepções do Do-
cumento de Crítica e do OPNTEFLA. Uma orientação polí-
tica foi elaborada e posta em prática com relativa autonomia
em relação à Direção Nacional Provisória. A diretiva básica
era a de ligação com a classe operária: pretendia-se, entretan-
to, realizá-la através de um trabalho que aliava o trabalho
de organização na fábrica com “a propaganda armada”. O
trabalho na fábrica era entendido como sendo de “dentro
para fora”, isto é, vindo da classe ao partido, enquanto que a
“propaganda armada” era a de intensa distribuição de mate-
rial impresso (basicamente panfletagens) apoiada por ações
que iriam desde comícios relâmpagos com cobertura militar
até tomadas de estações de rádio. Pretendia-se que essa “pro-
paganda” elevasse o nível de consciência da massa para que
ela se organizasse “espontaneamente”, ampliando os conta-
tos do trabalho de “dentro para fora” e a construção do par-
tido nas fábricas. Entendia-se que, na medida em que o mo-
vimento operário se encontrava estagnado, a “propaganda
armada” teria a virtude de desencadear a luta “espontânea”
do proletariado. Na realidade, “propaganda armada” nada
tinha de propaganda, posto que não era instrumento de edu-
cação, não realizava um papel pedagógico. Não passava de
agitação vanguardista por não se basear nas reais condições
subjetivas das massas, além de se dirigir de forma dispersa e
fragmentária. A própria ideia de criar lutas “espontâneas” a
partir de um estímulo de fora é uma visão distorcida do que
seja luta “espontânea”, ratificava a “teoria do exemplo” (a
massa deve imitar o que a vanguarda já está fazendo), e nada
mais é, enfim, que uma vestimenta nova da velha ideia do
“terror excitativo” que Lenin combateu em Que fazer?

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Está claro que a prática dessas concepções, efetivadas


através da criação de organismos especializados, as “Uni-
dades de Combate”, não contribui para levar consciência
às massas e organizá-las, nem para incentivar sua movi-
mentação e muito menos ainda para ligar o P (AV) à classe
operária ou ampliar sua influência. Ao contrário, esse é o
período em que vamos nos encontrar mais agudamente iso-
lados, perdendo até mesmo a rarefeita área de apoio de que
anteriormente dispúnhamos. Constatado esse isolamento, a
curta experiência das Unidades de Combate, interrompida
com as prisões de agosto de 1969, não será posteriormente
retomada.
A perspectiva de luta armada imediata que subsistiu no
documento dos “16 Pontos” se fundamenta, também, num
entendimento incorreto do movimento operário. As con-
dições subjetivas do proletariado foram supervalorizadas.
Acreditamos que ele tivesse um certo grau de consciência de
classe, ainda que reformista, que lhe permitiria participar da
luta armada em curto prazo, desde que dispusesse de “uma
correta direção de vanguarda”. Mais do que isso, o movi-
mento operário estaria “desiludido” com o reformismo, a
partir da bancarrota de 1964, o que lhe permitirá renegá-lo
e apoiar uma política “revolucionária”. Essa ilusão é refor-
çada por um raciocínio do tipo “quanto pior melhor”: in-
dicávamos que a ação da repressão auxiliaria o desenvolvi-
mento das condições subjetivas favoráveis à revolução:
[...] a ditadura se torna cada vez mais violenta [...]. Esse procedi-
mento, porém, cria as condições para que se acelere o amadure-
cimento da consciência das massas [...] Por isso, com suas ativi-
dades desesperadas na busca de impedir a revolução, a ditadura
não faz mais que preparar e antecipar a sua derrota (ponto 9).
Consideradas existentes as condições objetivas para a
eclosão da luta armada, o documento cai no espontaneísmo
e no voluntarismo ao supervalorizar o grau de consciên­cia
da classe operária e ao entender que o simples fato objeti-

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vo da repressão auxiliaria seu desenvolvimento. Esse volun-


tarismo impedia-nos de reconhecer que a classe operária,
naquela época como hoje, não dispunha nem mesmo de
consciência reformista e que a tarefa dos comunistas não é,
absolutamente, a de substituir “reformismo por luta arma-
da”, mas sim a de educar o proletariado na ideologia socia-
lista a partir de seus aspectos mais elementares.
Mesmo formulando a necessidade da ligação com as
massas, o documento permaneceu numa posição vanguar-
dista. Entre outros aspectos, esta se revela no tratamento
dado às formas de organização para o movimento operá-
rio. De início, em relação aos sindicatos oficiais: após expor
corretamente a necessidade de se desmascarar o caráter bur-
guês das organizações sindicais no Brasil, o documento re-
comenda que só participem delas os elementos conscientes.
Ou seja, o combate aos sindicatos oficiais como “instrumen-
to da ditadura e da burguesia” era visto como uma luta a ser
desenvolvida pelas massas fora e apenas fora dos sindicatos
oficiais. Numa situação em que a classe operária não tem
mesmo consciência sindical, em que ela não compreende o
que significa essa forma de organização, pretendemos travar
um combate de nível mais elevado, qual seja, combater os
sindicatos oficiais com formas de organização mais avan-
çadas. Obviamente, só a “vanguarda”, só os elementos que
dispõem de uma consciência bastante desenvolvida poderão
organizar-se dessa forma, o que significa isolá-los, afastá-los
das “grandes massas” do proletariado. Embora o documen-
to não deixe claras as formas de organização que propõe
para o proletariado, limita-se às clandestinas.

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Capítulo IV
A CRISE DO “MILAGRE” E AS GREVES:
1973-1974

APRESENTAÇÃO

Os primeiros anos da década de 1970 foram momentos


dos mais difíceis de toda a história do movimento operário.
A decretação do Ato Institucional nº 5, em dezembro de
1968, levou ao fechamento de todos os canais de expressão
política. A repressão sistemática dirigiu-se inicialmente aos
grupos de guerrilha urbana, ao movimento estudantil e aos
focos de oposição parlamentar. Por conta de sua fragilida-
de, o movimento operário não estava entre as prioridades
imediatas do aparelho repressivo do Estado. É somente a
partir de 1971 que o cerco se fecha e, finalmente, atinge os
embriões da organização operária.
Mas a ação do regime não se esgotou no âmbito re-
pressivo. Este, a rigor, inscrevia-se num projeto de redire-
cionamento da economia que gerou o chamado “milagre
brasileiro” – aquela fase de euforia marcada pelo incrível
crescimento da dívida externa, pelos altos índices do Produ-
to Interno Bruto e pela redução das taxas inflacionárias.
O propalado “milagre” serviu de referência para o regi-
me militar tentar a sua legitimidade. No plano internacional,
foi montada uma eficiente campanha promocional dirigida
pela firma de publicidade Kenyon & Eckhardt. Internamen-

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te, o governo iniciou uma ofensiva ideológica através dos


meios de comunicação de massa visando criar um clima de
otimismo e confiança.
Esse novo momento histórico, marcado pela repressão
e pelo desenvolvimento econômico, deixou a esquerda des-
norteada. Em suas projeções políticas, a repressão era sem-
pre prevista (não evidentemente com a brutalidade que a
caracterizou), mas o desenvolvimento das forças produtivas
era uma possibilidade a priori descartada.
O descompasso entre os esquemas teóricos da esquer-
da e os desdobramentos da realidade tornou-se evidente a
partir da decretação do AI-5. O que visivelmente era um
ato de força (um golpe dentro do golpe), foi interpretado
como uma manifestação de fraqueza e instabilidade de um
regime em desespero e agonia (“caiu a máscara da ditadu-
ra” é a frase mais recorrente na imprensa clandestina da
época). Nenhuma “novidade” foi vista nesse drástico acon-
tecimento, interpretado apenas como “mais uma” dentre
as diversas medidas repressivas do governo militar. Apesar
das diferenças ideológicas nas várias tendências de esquer-
da, a análise do AI-5 apresentava uma surpreendente uni-
formidade. Até o PCB, que há muito vinha criticando as
tendências catastrofistas de alguns agrupamentos políticos
e alertando para a vitalidade do modo de produção capita-
lista e a possibilidade de a ditadura passar para a ofensiva,
não conseguiu diferenciar-se daquelas visões que criticava.
O PCB interpretou o AI-5 como decorrência do “isolamen-
to” do regime (o que, portanto, facilitaria a luta contra a
ditadura), ao mesmo tempo que, realística e contraditoria-
mente, constatava que o aumento da repressão dificultava
a luta pela democracia.
Se o AI-5 foi interpretado como um sinal de debilidade e
desespero do regime, as transformações econômicas que em
seguida configuraram o “milagre” foram, na mesma linha
de raciocínio, ignoradas.

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Inicialmente, todos os dados ventilados pelo governo


foram classificados como mera propaganda, como mentira
deliberada. É ilustrativo o testemunho de um amigo que,
nessa época, encontrava-se detido no Presídio Tiradentes,
em São Paulo: entre os presos políticos de todas as tendên-
cias era unânime a opinião de que o propalado “milagre”
era uma invencionice mentirosa da propaganda governa-
mental. A única voz discordante ouvida foi a do delegado
que o havia interrogado: “Vocês estão loucos? Fazer guerri-
lha justamente agora, quando a situação econômica do país
está ótima? Os norte-americanos estão jogando um montão
de dinheiro no país etc.”. E, de fato, a expansão capitalista
inscrevia-se na própria paisagem urbana: a cidade de São
Paulo havia se transformado num enorme canteiro de obras,
com a construção do metrô, o alargamento das avenidas, a
criação das vias elevadas, a explosão imobiliária que fez sur-
gir prédios por toda a parte. O desenvolvimento industrial
podia ser visto na euforia que tomou conta do comércio: as
lojas abarrotadas de gente, um consumismo febril que con-
tagiou basicamente os estratos médios, mas que não deixou
indiferentes vários setores da classe operária.
A dificuldade em ver a realidade, em admitir que o capi-
talismo brasileiro não é um modo de produção condenado
à permanente recessão; que, ao contrário, pode dar demons-
trações de vitalidade e desenvolver as forças produtivas, tem
suas raízes teóricas no trabalho de alguns economistas que
se fixaram no estudo do subdesenvolvimento e da depen-
dência. Basta lembrarmos as análises da Cepal (Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe), os livros de
Celso Furtado, ou o lidíssimo texto de A. Gunder Frank que,
sugestivamente, chama-se O desenvolvimento do subdesen-
volvimento.
A partir de 1973, o “milagre” entra em crise. Os sinais
visíveis da crise refletiam-se na aceleração do ritmo inflacio-
nário e a “culpa” pela nova situação foi transferida para o

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aumento dos preços do petróleo. Nesse momento, a esquerda


finalmente se lança a uma reflexão mais elaborada sobre a
situação econômica do país visando entender o que estava
se passando. Mas a intenção básica permanecia restrita à de-
núncia: o galopante endividamento externo, a ampliação da
jornada de trabalho pelo recurso permanente das horas ex-
tras, os incríveis índices de acidentes de trabalho, a entrada
de crianças no mercado de trabalho, o arrocho salarial etc. A
compreensão mais abrangente das transformações ocorridas
no capitalismo brasileiro foi dada pelos economistas do Ce-
brap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), que ini-
ciaram uma linha de pesquisa rompendo com a visão catas-
trofista orientadora de quase todos os grupos de esquerda.
Importa reter aqui as implicações políticas das trans-
formações econômicas do período. Elas se fizeram sentir de
maneira imediata sobre o comportamento da pequena bur-
guesia, que se deixou seduzir pelas facilidades de crédito e
de acesso aos bens de consumo que o regime propiciava. E
era justamente nesse setor da sociedade que a esquerda re-
crutava a maioria dos seus quadros.
Isolados de sua principal base de sustentação, os gru-
pos de esquerda, acossados pela repressão, encontraram no
meio operário uma atmosfera igualmente pouco receptiva.
Apesar do arrocho, dos acidentes de trabalho e dos demais
horrores que acompanharam a expansão da economia,
a classe operária encontrou estratégias de sobrevivência e
formas de ilusão para atravessar os novos tempos. De um
lado, o pleno emprego e o aumento do número de pessoas
trabalhando por unidade familiar permitiram uma melhoria
no orçamento doméstico; de outro, o arrocho salarial teve
efeitos diferenciados sobre o conjunto da classe operária.
Os trabalhadores mais qualificados, menos atingidos pelo
arrocho, anteviam possibilidades de ascensão social e aca-
baram embarcando no clima de otimismo geral difundido
pela ditadura.

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Finalmente, convém lembrar que, além da repressão, o go-


verno militar acenava à classe operária com uma política de-
magógica de “benefícios indiretos” (PIS etc.), cujos resultados
maléficos demoraram a ser compreendidos pela população.
A partir de 1973, a economia brasileira assistiu à crise
do “milagre” que, no ano seguinte, fez-se acompanhar pela
recessão do sistema capitalista internacional.
Naquele momento, como se saberia somente em 1977, o
então ministro Delfim Netto falsificou os índices inflacioná-
rios, roubando em 34,1% o salário dos trabalhadores.
O descontentamento popular, abafado pela repressão,
teve como meio de expressão o voto no MDB nas eleições de
1974 (59% dos votos para o Senado, 49% para a Câmara
dos Deputados, e eleição dos prefeitos nas principais cida-
des do país). O frágil partido oposicionista legal, que então
vinha discutindo a necessidade de autodissolução, encarnou,
daí para frente, os anseios pela mudança do regime político.
Com a exceção do PCB, a maioria dos grupos de esquerda
fez a campanha pelo voto nulo...
O descontentamento crescente com a situação econô-
mica manifestou-se no meio operário através das diversas
greves que eclodiram a partir de 1973. Após o intervalo de
alguns anos, o movimento operário voltava à cena.
As ações grevistas, além dos “fatores objetivos” citados,
explicam-se também pelo trabalho político de reorganização
do movimento operário. A partir de 1972, diversos grupos
e militantes que haviam sobrevivido à repressão, reaproxi-
maram-se do movimento operário tendo como referência a
crítica das armas e a desilusão com a via insurrecional. Data
desse período a grande virada da Igreja Católica, sua “opção
preferencial pelos pobres” e o trabalho de base nos bairros
operários. Foi graças à presença da Igreja (com toda sua
complexa rede de sustentação, sua poderosa infraestrutura
etc.) que se tornou viável a reorganização molecular do mo-
vimento operário.

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Épocas de repressão e marasmo social, muitas vezes,


convidam à reflexão. Há, no período, uma enorme produ-
ção de textos interpretando o “milagre econômico”, seus
efeitos sobre a classe operária e a retomada das greves.

DOCUMENTOS

A situação dos trabalhadores dez anos depois


Mário Gusmão (Estudos, nº 5, 1974, PCB)

Não seriam necessários dez anos para caracterizar o


sentido antioperário da ditadura militar instaurada em abril
de 1964 e que iria levar à implantação de um regime fascista
em nosso país. As primeiras medidas dos golpistas falaram
por si.
Após dez anos, no entanto, é oportuno um balanço da
situação da classe operária e dos assalariados em geral e ver
à custa de que repressão foi imposta essa política. E cons-
tatar também qual foi o preço do tão apregoado “milagre”
econômico e quem o pagou.

Repressão ao movimento operário e sindical


A imposição do arrocho salarial – base de uma política
de acelerada acumulação monopolista, embora apresentada
como simples meio de combate à inflação, retomando as
famosas teorias forjadas pela burguesia do “ciclo infernal
dos salários e dos preços” – não se poderia dar sem a prévia
“limpeza do terreno” que o regime executou em seus pri-
meiros dias e sem a ulterior implementação de “dispositivos
legais” capazes de manter sob rígido controle a atividade
sindical. A isso, os golpistas buscariam agregar, posterior-
mente, elementos da ideologia corporativista, que, embora
haja influenciado a própria organização da estrutura sindical
brasileira nos anos de 1930, não encontrou maior repercus-
são no meio operário. Não cessaram, contudo, os esforços

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para impô-la e não se pode negar que, ao menos sob um as-


pecto, tenham obtido relativo êxito, ao transformar alguns
sindicatos em entidades exclusivamente assistenciais.
Não nos deteremos na escalada repressiva que atingiu as
entidades sindicais nos dias imediatamente subsequentes ao
golpe e que se refletiram na intervenção (não raro manu mi-
litari) nos sindicatos, na prisão, cassação e perseguição sob
várias formas das lideranças sindicais mais consequentes.
Os instrumentos colocados em campo, além do revigo-
ramento de normas que se achavam em desuso desde o as-
censo antifascista de 1943, foram fundamentalmente:
– a Lei nº 4.330 que, a pretexto de “regulamentar” o di-
reito de greve, na prática o suprime, enredando seu
exercício num sem número de limitações, prazos e
normas especiais, que acabam por transformar a ati-
vidade normal de preparação da greve em um delito.
A “Constituição” de 1969, em seu artigo 162, viria
acrescer a essas limitações a proibição de greve nas
atividades fundamentais, assim consideradas “as ativi-
dades nos serviços de água, energia, luz, gás, esgotos,
comunicações, transportes, carga ou descarga, serviço
funerário, hospitais, maternidades, venda de gêneros
alimentícios de primeira necessidade, farmácias e dro-
garias, hotéis e indústrias básicas ou essenciais à defe-
sa nacional” (art. 12). A lei atribuiu poderes ao Execu-
tivo para definir e redefinir as indústrias “básicas ou
essenciais à defesa nacional”, sem definir critérios.
À exigência de um longo prazo de dez dias para a
convocação da assembleia que decidirá da greve,
acrescenta-se a exigência de um quorum de 2/3 em
primeira convocação, prévia notificação aos empre-
gadores, concedendo-lhes um prazo de cinco dias
para atendimento das reivindicações antes da defla-
gração da greve e determina-se que a assembleia deci-
sória seja presidida por representantes do Ministério

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Público do Trabalho. A lei é farta em sanções con-


tra os “excessos” praticados; no âmbito trabalhista,
advertência, suspensão de até 30 dias e rescisão do
contrato de trabalho; isso sem falar das que viriam a
ser acrescidas pela famigerada Lei de Segurança Na-
cional (Dec.-Lei nº 898, de 29/9/1969);
– a Portaria nº 40 do Ministério do Trabalho, que “dis-
ciplina” o processo eleitoral das entidades sindicais,
retirando destas qualquer autonomia e transferindo
para o Ministério do Trabalho o poder de decidir to-
das as questões. A Portaria estabelece prazos, quo­
rum, formas de impugnação a candidatos, enfim, in-
terfere em detalhes no processo eleitoral, chegando
ao ponto de determinar até a cor das chapas inscri-
tas, o tipo de cédula etc.
– o Decreto-Lei nº 229 de 1967, que reviveu famoso
dispositivo do Estado Novo, tornando inelegíveis
para cargos sindicais “os que professarem ideologias
incompatíveis com as instituições ou os interesses da
Nação” (artigo 530 da CLT, revogado pela Lei nº
1.667, de 1952), ou seja, voltando-se ao regime do
“atestado de ideologia” e ampliando-se ainda mais o
seu conteúdo, para atingir outras forças além daque-
las inicialmente visadas pelo Estado Novo.
Com apoio nesses dispositivos repressivos, a ditadura tem
realizado todo um esforço no sentido de transformar os sin-
dicatos em órgãos meramente assistenciais, instrumentos da
“paz social” decantada pelo regime, isto é, da subordinação
incondicional dos trabalhadores à exploração capitalista.

O arrocho salarial
Em 1969, o salário de um trabalhador chefe de família
em São Paulo era quase 37% inferior a 1958. Mesmo com o
emprego de mais de uma pessoa da família, a renda familiar
ainda não atingia o nível de 1958.

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Isso foi o que revelou uma pesquisa feita pelo Dieese e


que dá bem uma ideia do nível de compressão a que foram
submetidos os salários durante esses dez anos, já que entre
1958 e 1964 eles acompanharam de perto o aumento do
custo de vida ou o ultrapassaram ligeiramente.
Esses níveis inauditos de compressão salarial foram con-
seguidos através de uma série de mecanismos, conhecidos
como “leis de arrocho”.
– logo de saída, o Executivo passa a centralizar a fixa-
ção dos reajustes salariais do pessoal que trabalha
nas empresas do setor público ou em empresas finan-
ciadas pelo Estado.
– a Lei nº 4.725, de julho de 1965, retira da Justiça
do Trabalho seu poder normativo na definição dos
índices de reajuste salarial em cada dissídio coletivo,
subordinando-os a uma fórmula a ser aplicada pe-
los Tribunais. Essa fórmula visa ampliar a distância
entre salários e custo de vida, reduzindo o poder de
compra dos primeiros.
– antes mesmo dessa lei, já tinham sido anulados vários
acordos trabalhistas, principalmente os que incluíam
cláusulas de reajuste móvel dos salários, conquista
dos trabalhadores na corrida contra a inflação.
– o Decreto-Lei nº 15, em 1966, reforça o arrocho, de-
terminando que os reajustes salariais só se podem dar
dentro das tabelas publicadas mensalmente pelo Exe-
cutivo. Impõe-se, desse modo, mais uma camisa de for-
ça aos salários, visando a sua unificação por baixo.
A Lei nº 5.451, de junho de 1968, promulgada após os
memoráveis movimentos grevistas de Osasco e Contagem,
veio para dar a impressão de que algo estava sendo mudado
na política salarial do regime, no melhor estilo demagógico
do coronel Passarinho. Na verdade, o alcance maior dessa lei
é tornar indefinido o prazo de vigência da política de arrocho,
inicialmente fixada para vigorar por três anos. A correção do

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“resíduo inflacionário”, que ela introduz, está longe de possi-


bilitar a recomposição do poder de compra dos salários. Seu
cálculo é feito tomando por base os índices de custo de vida
da Fundação Getúlio Vargas, sempre aquém do real.
Essa lei mandava incluir ainda no cálculo dos reajustes uma
“taxa de produtividade” com a finalidade de dar a ideia de que
os salários estão sendo reajustados ao compasso da produtivida-
de. Isso absolutamente não é verdade. Em que pese os elevados
índices de aumento da produtividade registrados na economia
brasileira nos últimos anos, a taxa admitida pelo governo tem
variado entre 2% e 3,5%, bem abaixo, portanto, da taxa de au-
mento real da produtividade. Enquanto, antes de 1964, salário
real e produtividade seguiam uma curva ascendente, após 1964
a produtividade continua a subir, até em ritmos mais acelera-
dos, enquanto os salários reais declinam bruscamente.
Embora traduzisse uma ligeira redução do ritmo de decom­
posição do salário real, que estava descambando assustadora-
mente até então, a Lei nº 5.451 está longe de ser um instrumen-
to de restituição dos salários em termos de poder aquisitivo,
após anos de arrocho.
Em 1973, enquanto os salários são reajustados numa base
de 17%, o custo de vida aumenta 27% na capital paulista e
ainda mais em outros centros. Volta-se, assim, aos piores dias
do arrocho, enquanto o governo alardeava a vitória na luta
contra a inflação que – diziam eles – seria contida em 12%.
Mais uma vez mascarava-se, sob o pretexto de combate à in-
flação, a draconiana política de compressão salarial destinada
a acelerar os ritmos de acumulação monopolista no Brasil.
O salário mínimo foi de tal maneira contido, que pas-
sou a ser, como disse festivamente um porta-voz do regime,
“uma figura de retórica”, pois nenhum trabalhador pode
viver com o mínimo legal vigente em março de 1974 (Cr$
312,00 nos maiores centros). E dados do Ministério do Tra-
balho revelam que cerca de 30% dos trabalhadores brasilei-
ros ainda percebem o salário mínimo.

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Celso Frederico

Essa política de compressão salarial, aplicada com os


citados mecanismos de repressão, levou a um empobreci-
mento dos trabalhadores assalariados da cidade e do campo
e reforçou a concentração de renda, que se espelha nos es-
tarrecedores dados trazidos à luz pelo Censo de 1970.
Segundo cálculos feitos pelo Dieese, para atender às ne-
cessidades normais suas e de sua família (mulher e dois fi-
lhos) um trabalhador paulista deveria receber, em dezembro
de 1972, um salário equivalente a Cr$ 1.050,53. E àquela
época, o salário mínimo vigente na Grande São Paulo era de
Cr$ 268,80.

O fim da estabilidade
O direito à estabilidade no emprego após dez anos de
serviço era uma das grandes conquistas dos trabalhadores
brasileiros. Ainda que os patrões tudo fizessem para burlar a
estabilidade, despedindo os trabalhadores, em muitos casos,
ao chegarem ao limiar de sua aquisição, tratava-se de uma
garantia contra o arbítrio patronal, pois, uma vez adquirida
a estabilidade, o empregado não mais poderia ser despedi-
do, salvo por falta grave apurada em inquérito judicial.
Uma das exigências formuladas pelas empresas impe-
rialistas, que desejavam instalar-se no Brasil, foi de que a
estabilidade fosse suprimida, segundo revelou a publicação
norte-americana Hanson’s Latin American Letter.
Diante dos protestos surgidos por todo o país ao sim-
ples anúncio da possibilidade de extinção da estabilidade, o
regime resolveu adotar uma fórmula engenhosa que, crian-
do um novo sistema de indenizações por tempo de serviço,
vinculado a um fundo constituído dos depósitos de 8% do
valor dos salários, a cargo das empresas, facultava ainda
aos empregados “optar” por esse sistema, podendo em tese
qualquer empregado continuar no regime da estabilidade. A
pressão patronal jogaria aí evidentemente um papel decisivo
para esvaziar a estabilidade.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Para a constituição do Fundo de Garantia (FGTS), o


governo dispensou às empresas alguns encargos sociais que
já lhes cabiam (LBA, BNH, Fundo de Indenizações Traba-
lhistas) e reduziu outros (Sesc, Sesi). Facultou, ao mesmo
tempo, aos patrões, um processo rápido e pouco oneroso de
despedir um empregado.
Enquanto pelo anterior regime da CLT o patrão teria
que desembolsar a indenização correspondente a um mês
por ano de serviço, agora esse encargo é assumido direta-
mente pelo FGTS.
Essa facilidade criada pelo FGTS determinou um ní-
vel antes jamais atingido de rotatividade da mão de obra,
principalmente daquela não qualificada, concorrendo ainda
para o envelhecimento precoce da força de trabalho, prati-
camente expelindo do mercado o trabalhador que chega aos
35 anos.
Para citar apenas um dado, em 1969, 40% dos operá-
rios paulistas tinham menos de um ano de casa.
Os patrões têm se valido ainda do FGTS para isentar-
se da concessão de reajustes salariais a uma ampla faixa de
seus empregados. Acontece que só têm direito aos aumentos
anualmente negociados pelos sindicatos (dentro do figurino
do arrocho, naturalmente) os empregados com mais de um
ano de casa, cabendo aos outros uma porcentagem propor-
cional ao número de meses trabalhados (à base de 1/12). O
que tem ocorrido é que muitas empresas, ao aproximar-se a
data do reajuste, despedem um bom número de empregados e
contratam novos. Foi assim, por exemplo, que a Gessy-Lever,
enquanto o aumento concedido ao conjunto do seu pessoal
devia ser de 30%, em 1968, pagou apenas 27,9%. E em 1972,
enquanto o reajuste era de 24%, pagou apenas 23%.

A demagogia do PIS
Com a instituição do PIS (Plano de Integração Social), o
regime atendeu a dois importantes objetivos de sua estratégia:

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Celso Frederico

1. livrar-se do direito constitucional de participação dos


trabalhadores nos lucros das empresas que, embora não vigen-
te por falta de regulamentação, nem por isso deixava de ser
um direito constitucional, cobrável pelos trabalhadores, assim
que lhes fosse restituída a possibilidade de se fazer ouvir. Ao
mesmo tempo, fingir alguma preocupação pelo problema da
distribuição da renda, insinuando que esse PIS constituiria um
substitutivo ótimo do direito subtraído aos trabalhadores.
2. criação de um poderoso mecanismo de financiamento
do capital de giro das empresas, a juros baixos. Esse foi real-
mente o objetivo maior, conforme declarou o então ministro
da Fazenda.
Os fundos para o PIS provinham dos próprios cofres
públicos. O governo isentava uma parte do imposto de ren-
da e do imposto de circulação de mercadorias, para que
cada empresário efetuasse depósitos na Caixa Econômica,
em nome de seus empregados.
A Caixa Econômica, administradora do Fundo, repassa-
ria esse dinheiro às empresas privadas, em condições excep-
cionais de prazo e juros.
Os trabalhadores teriam direito de receber a importân-
cia depositada em seu nome em caso de morte, casamen-
to ou construção de casa própria. Fora dessas hipóteses, só
pode sacar os juros anuais. Ao aposentar-se, contudo, o tra-
balhador faria jus a um pecúlio, variável de acordo com as
retiradas que tenha feito ao longo dos anos.
Os resultados do PIS foram gigantescos do lado das em-
presas: 2 bilhões e 600 milhões de empréstimos nos dois
primeiros anos, 80% deles a empresas “multinacionais” ins-
taladas no Brasil.
Do lado dos trabalhadores foi uma decepção. Os juros
a serem recebidos variavam entre 17 a 30 cruzeiros. As re-
tiradas globais dos trabalhadores ultrapassaram um pouco
de 1 milhão de cruzeiros, até 1972, não chegando a 10% do
montante do fundo.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Mas a situação salarial é tão calamitosa, que muitos


trabalhadores ainda passaram horas e horas em filas para
retirar esses magros vinténs.
O PIS, longe de constituir uma solução para os problemas
da queda do nível de vida da classe trabalhadora, não lhe permite
absolutamente compensar o que vem perdendo com a execução
da política salarial da ditadura. Na melhor das hipóteses, pro-
porcionará ao trabalhador um pequeno pecúlio, que se soma-
rá à magra aposentadoria do INPS, quando ele já se encontrar
impossibilitado de trabalhar. Na hipótese mais provável, com a
retirada anual dos dividendos, esse pecúlio será irrisório.
As empresas, em suma, é que são os maiores beneficiá­
rios do programa, podendo contar anualmente com um
montante da ordem de 90% de seus recursos, que não deixa
dúvidas quanto ao objetivo real do PIS: redistribuir recursos
públicos para a empresa privada, particularmente para o se-
tor industrial monopolista.

Acidentes do trabalho
Segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho, entre
1969 e 1972, verificaram-se no Brasil mais de 5 milhões de
acidentes do trabalho. Em 1969, o número de acidentados
representava 14,57% do total dos trabalhadores inscritos no
INPS. Mas, em 1972, essa porcentagem subiu para 19,36%.
Isso quer dizer que, em cada cinco operários brasileiros, um
foi acidentado no trabalho.
Somente entre 1970 e 1972, ocorreram 7.600 mortes
e 130 mil operários ficaram definitivamente incapacitados
para o trabalho.
Quais as causas reais dos acidentes do trabalho?
A ditadura tem procurado fazer crer, através de uma mi-
lionária propaganda, que a culpa cabe ao operário e que “a
prevenção de acidentes é ponto de honra da empresa”. A
verdade é que governo e empresas juntos são responsáveis
por essa verdadeira “guerra do trabalho”.

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Celso Frederico

Com efeito, ao impor o arrocho salarial, obrigam o ope-


rário a trabalhar horas extras em grande quantidade, prin-
cipalmente nos últimos anos de crescimento industrial. E
é nos horários de prorrogação da jornada de trabalho que
ocorre o maior número de acidentes.
Mas há outras causas que não pesam menos: a falta de
equipamento de segurança, o desligamento criminoso por
parte da empresa de dispositivos automáticos de proteção
existentes nas máquinas, com o objetivo de acelerar o rit-
mo de trabalho, a supressão dos intervalos de descanso e
a admissão para determinadas tarefas de empregados sem
a necessária qualificação, geralmente menores, em funções
inadequadas à sua idade.
A inoperância da fiscalização do trabalho – que não
chega a atingir 1/4 das empresas cadastradas, com um fiscal,
em média, para 250 empresas – é outro dado revelador.
A lei prevê a criação de Comissões Internas de Preven-
ção de Acidentes (Cipas), nas empresas com mais de 100
operários. Mas elas, quando existem, existem apenas no pa-
pel. Sua existência efetiva, o cumprimento de seu papel é in-
compatível com o clima de esmagamento dos trabalhadores,
de repressão e de restrições à atividade sindical imposto pelo
fascismo.
Continuam assim a crescer, ano a ano, os acidentes de
trabalho.

A superexploração dos trabalhadores


A histórica conquista da jornada de 8 horas de trabalho
foi praticamente abolida no Brasil.
Segundo dados do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Paulo, em 1972, os trabalhadores da capital paulista esta-
vam trabalhando 12 horas por dia. Em fins de 1973, só na
Volkswagen, estavam sendo trabalhadas mais de 300 mil
horas extras por mês, o que tem permitido à empresa au-
mentar sensivelmente sua produtividade. A situação ali e na

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Mercedes Benz chegou a tal ponto que os operários resolve-


ram suspender a prestação de horas extras.
Na construção civil, a jornada de 12 horas já se tornou
uma norma. Os operários trabalham de 7 da manhã às 7 da
noite, com um ligeiro intervalo para comer sua marmita. Em
certas obras públicas, a fim de atender a prazos contratuais exí-
guos, os empreiteiros ampliam a jornada para até 16 horas.
Tem-se instituído, em várias indústrias, o sistema de tur-
nos, que objetiva reduzir ao mínimo o tempo ocioso das
máquinas e possibilitar uma maior exploração da força de
trabalho. Desse sistema se utilizam também algumas empre-
sas para reduzir o tempo livre do operário. É o caso da Aço
Villares de São Caetano do Sul, que reduz sistematicamente
em 8 horas a folga de seus empregados, através do rodízio
de turnos.
Outro aspecto da superexploração é a intensificação do
trabalho, que geralmente vem combinada com o prolonga-
mento da jornada. Essa intensificação assume vários aspectos:
– aumento das cadências, ou seja, do número de mo-
vimentos por unidade de tempo, utilizado sobretudo
nas indústrias com linha de montagem;
– aumento da norma de trabalho exigida de cada ope-
rário;
– eliminação dos “tempos mortos” entre uma operação
e outra, através de uma série de expedientes;
– supressão de pequenos intervalos para o lanche ou
para ir ao banheiro;
– eliminação dos mecanismos de proteção ao trabalho,
a fim de acelerar o ritmo: dispositivos fotoelétricos
de segurança etc.

A exploração desmedida do menor


Nesses dez anos, foram introduzidas várias modificações
na legislação do trabalho visando possibilitar uma maior
exploração do menor.

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Celso Frederico

Na mais importante delas, o inciso X, art. 165 da Emen-


da nº 1 à “Constituição” de 1969, violando frontalmente
as convenções internacionais firmadas pelo Brasil a respeito
do assunto, o limite de idade para o trabalho é rebaixado
para 12 anos. Abre-se, assim, uma ampla frente legal para a
exploração desmedida do menor.
Já antes disso, o Decreto-Lei nº 229, de 28/2/67, veio
modificar o art. 413 da CLT, que proibia a prorrogação
da jornada de trabalho do menor. Por esse decreto-lei a
prorrogação é admitida até 12 horas. Antes, essa jornada
não podia ser acrescida com horas extras, em nenhuma
hipótese. Agora, “desde que o trabalho do menor seja
imprescindível ao funcionamento do estabelecimento”,
pode-se obrigá-lo a trabalhar extraordinariamente. O
mesmo decreto admite ainda a compensação de horas ex-
tras, abrindo ao patrão a possibilidade de o menor traba-
lhador fazer dez horas num dia sem sequer aumentar-lhe
a remuneração.
A Lei nº 5.274, de 24/4/67, veio revogar a exigência de
aprendizado metódico para os menores e possibilitar ao pa-
trão pagar 50% do salário mínimo aos menores entre 14
e 16 anos, e 75% aos menores entre 16 e 18. E, no caso
de haver aprendizado, o salário mínimo pode ser reduzido
à metade, mesmo para esses últimos. Pelo regime anterior,
cabe esclarecer, os empregados entre 14 e 18 anos só podiam
ter seu salário reduzido se estivessem sujeitos a aprendizado
metódico. Caso estivessem trabalhando como um adulto,
receberiam o salário mínimo integral.
Segundo estatísticas do IBGE (PNAD), há 540.257 me-
nores entre 10 e 14 anos trabalhando em atividades não
agrícolas. Destes, 135 mil estão na indústria, 114 mil no
comércio e 241 mil na prestação de serviços. Só na indús-
tria de transformação, em São Paulo, há 23 mil meninas
entre 10 e 14 anos trabalhando à base de metade do salário
mínimo.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Condições de saúde dos trabalhadores


A saúde dos trabalhadores e do povo em geral se acha
intimamente relacionada com condições de alimentação e
higiene impossíveis de coexistirem com a situação de misé-
ria imposta à maioria do povo brasileiro.
Ela depende também, em boa medida, do nível de prote-
ção da saúde coletiva e da assistência médica proporciona-
das pelo Estado.
Ora, se é certo que o governo impôs salários de fome,
também é certo que os gastos com saúde pública nesses dez
anos só têm feito diminuir em proporção ao orçamento da
União: 3,03% em 1967; 2,53% em 1968; 1,60% em 1969;
1,11% em 1970.
Nos países desenvolvidos esse percentual supera os 5%.
Quais as consequências desse descaso?
Antes de tudo, um elevado índice de mortalidade infantil.
De cada mil crianças que nascem no Brasil, morrem em média
112. Nos países desenvolvidos a média é de 20 por mil e até
mesmo em países da América Latina a média é bem inferior
à brasileira: México, 63 por mil; Venezuela, 46 por mil; Uru-
guai, 43 por mil. E, se tomarmos as médias de algumas capitais
nordestinas, o quadro é bem mais negro: João Pessoa, 155 por
mil; Recife, 165 por mil; Natal, 169 por mil; São Luiz, 184 por
mil. Mas, mesmo na Grande São Paulo, capital industrial do
país, aumentou os índices de mortalidade infantil entre 1960
e 1970, de 60 para 88 por mil, embora, no mesmo período, os
índices de natalidade houvessem ali declinado.
Mas, ao lado da mortalidade infantil, outras doenças
endêmicas e infecciosas se desenvolveram e se propagaram
pelo país afora. A esquistossomose se espalha em direção ao
sul, atingindo os Estados da Guanabara, São Paulo e Paraná
e atacando 12 milhões de brasileiros. Só em 1969, foram
notificados 256.370 novos casos.
As estatísticas médicas assinalam ainda a existência de
18 milhões de brasileiros atacados pela doença de Chagas. E

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há 600 mil tuberculosos ativos, enquanto as instituições go-


vernamentais de assistência à tuberculose só têm capacidade
para atender 100 mil.
Cerca de 1.700 municípios brasileiros não dispõem de
médico ou de qualquer forma de assistência hospitalar. A
média brasileira é de um médico para cada dois mil habi-
tantes, enquanto nos Estados Unidos é de um médico para
cada 600 e na URSS um médico para cada 500 habitantes.
Os 3.600 hospitais de toda espécie existentes no país se con-
centram fundamentalmente nos cinco estados mais desen-
volvidos. Enquanto na Guanabara há um leito hospitalar
para cada 110 habitantes, no Maranhão a média é de um
leito para 2.270 pessoas.
Diante desse quadro, e dentro da política que desenvolve
no campo econômico-social, a ditadura resolveu, em fins de
1967, por em funcionamento um “Plano Nacional de Saú-
de”, que se propunha de saída “duplicar nas áreas urbanas e
triplicar nas zonas rurais os serviços médico-assistenciais no
prazo de dois anos” (sic).
O “Plano”, implantado experimentalmente em três mu-
nicípios de MG, RJ e RN, significava a passagem integral
para a área privada do sistema nacional de proteção e re-
cuperação da saúde, adoção do regime de livre escolha do
médico e do hospital pelo cliente e participação compulsória
direta do usuário nos custos do serviço.
Firmas particulares foram encarregadas de preparar o
“suporte técnico” do Plano, recebendo para tanto vultosos
subsídios desviados do Ministério da Saúde e do INPS. O
Plano adotava o critério de arrendar os hospitais públicos
a pessoas de direito privado, por quantia mensal fixada em
função do valor histórico de aquisição. Todo o pessoal des-
ses hospitais ficaria à disposição dos arrendatários e seus
vencimentos seriam pagos pelo governo.
O Plano, que propunha a privatização da medicina, es-
tabelecia uma nítida separação entre a proteção da saúde

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

coletiva e a assistência médica, quando hoje é princípio uni-


versalmente consagrado a integração dessas atividades.
Já no governo Médici foi criada uma Comissão para
examinar o funcionamento do Plano, que concluiu pela sua
inexequibilidade. As escassas verbas da saúde pública, no
entanto, foram dissipadas sem que se obtivesse qualquer
melhoria dos serviços de proteção à saúde coletiva e de as-
sistência médica. Tudo não passava de mais uma cortina de
fumaça da ditadura, visando impor “planos” por “realida-
de” e fugir assim ao seu irremediável desmascaramento.

A política da ditadura na Previdência Social


Fugindo ao pagamento da tradicional e astronômica
dívida do governo para com a Previdência Social, a ditadu-
ra adotou uma política no setor definida por três objetivos
centrais:
– eliminar ou reduzir os direitos conquistados pelos
trabalhadores no âmbito da Previdência, inclusive
mediante a anulação ou neutralização da participa-
ção dos representantes trabalhistas em seus órgãos
dirigentes;
– ampliar a contribuição dos assalariados;
– transferir os serviços médicos da Previdência Social
para empresas particulares.
Para fugir à dívida, foi baixado um decreto que a anula-
va e criava ao mesmo tempo uma cota de previdência a ser
cobrada da população nas contas de luz, telefone, passagens
de trem etc.
Os serviços médicos do INPS foram progressivamente
transferidos para fora do âmbito da Previdência Social e
hoje 90% são realizados por empresas, algumas das quais
têm até suas ações negociadas na Bolsa. Fomentou-se, desse
modo, uma rendosa “indústria” de operações, substituindo-
se partos naturais por cesarianas e cauterizações por extir-
pação de amígdalas. Voaram apêndices por esse país afora.

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Não poderia faltar um “impacto” atingindo a Previdên-


cia Social. Ele veio cumprir alguns dos objetivos que a di-
tadura fixara, sob grande cobertura propagandística, para
não causar muita grita:
– foi dobrado o teto de contribuição, que passou de 10
para 20 salários mínimos;
– foi dobrada a contribuição dos trabalhadores autô-
nomos (mais de 500 mil), que passou de 8% para
16%;
– foi imposta uma contribuição mensal de 5% aos apo-
sentados e de 2% aos trabalhadores que estejam re-
cebendo auxílio-doença;
– foi reduzida em 50% a aposentadoria, caso o aposen-
tado volte a trabalhar. Violou-se assim frontalmente
um direito adquirido pelo trabalhador após 35 anos
de contribuições;
– foi alterado o critério de cálculo do salário de bene-
fício, com o objetivo de reduzir as mensalidades a
serem percebidas pelos assegurados em caso de apo-
sentadoria, pensão ou auxílio-doença.
Essa foi, em essência, a política da ditadura com relação
à Previdência Social.

O “conto” da casa própria


O setor habitacional foi aquele em que a ditadura, ao
longo desses dez anos, mais manobrou para fazer passar
uma certa imagem de demagogia social; mas, ao mesmo
tempo, um daqueles em que se revelou, afinal, com maior
clareza, o caráter real de sua política.
O BNH foi criado em 1966 para “resolver o problema
da habitação no Brasil”. Trombeteou-se aos quatro ventos
o caráter “social” dessa iniciativa, destinada, segundo di-
ziam, a acabar com o “espetáculo deprimente” das favelas,
mocambos, alagados, invasões e coisas semelhantes, que se
amontoam por todos os grandes centros urbanos brasilei-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

ros. Ele utilizaria o dinheiro do FGTS, ou seja, o fundo que


corresponde à indenização dos assalariados.
Mas o caráter privatista que o BNH assumiu, logo de
saída, transferindo para empresas particulares toda a execu-
ção do Plano Nacional de Habitação, já impunha barreiras
ao decantado “objetivo social”.
O sistema financeiro da habitação foi todo estruturado
dentro do princípio da máxima lucratividade. Os preços dos
imóveis financiados pelo BNH são demasiado altos para os
trabalhadores, vítimas do arrocho. As prestações se esten-
dem a perder de vista e são reajustadas periodicamente, de
modo a tornar a dívida um barril sem fundo.
Logo começaram a surgir mutuários “inadimplentes”.
Eles hoje são milhares. Milhares de trabalhadores que não
puderam pagar suas prestações e que por isso foram des-
pejados, perdendo casa e dinheiro. Outros milhares sobre
os quais pesam constantes ameaças só não são despejados
porque realmente o BNH não sabe o que fazer com as casas
ao serem desocupadas, tendo em vista a péssima qualidade
das construções populares.
Esses “inadimplentes” se multiplicaram tanto que vira-
ram “questão de segurança nacional”. Maior que o número
de inadimplentes, contudo, é o de trabalhadores que preferi-
ram desconfiar daquele “presente de grego” e construir seu
“barraco” por conta própria, sem se meter com o BNH.
Enquanto isso, o BNH passa a atender camadas cada
vez mais “altas” da população, financiando predominante-
mente hoje as famílias de renda mensal em torno de 5 mil
cruzeiros (ou seja, 1% da população). Ou, então, se desloca
para outras atividades, como saneamento urbano, financia-
mento da indústria de materiais de construção, transporte
urbano etc. As aplicações do BNH em programas habitacio-
nais constituíam, em 1968, uma porcentagem de 88,7% do
total de seus recursos. Em 1973-1975 serão reduzidas para
58,5%.

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Celso Frederico

E é preciso observar que esses financiamentos habita-


cionais ocupam hoje uma faixa de financiamento de imóveis
que vai a perto de 200 mil cruzeiros e que a área média dos
imóveis financiados em 1973 foi de 100 metros quadrados.
Nada, portanto, que possa indicar um padrão “popular”, ao
menos pelos cânones do atual regime. A esse respeito, aliás,
é interessante ver a porcentagem de recursos que o BNH
destina à casa popular. Esses recursos, que em 1965 consti-
tuíam 82,22% do total, caíram em 1972 para 2,9%.
O “impacto” – que se transformou num instrumen-
to predileto da ditadura no campo da propaganda – não
haveria de faltar nesse setor, no momento em que o BNH
confessava seu fracasso e os próprios empresários da cons-
trução civil, inicialmente tão insatisfeitos com os “negócios”
do BNH, estavam começando a gritar. Veio então o Planhap
[Plano Nacional de Habitação Popular], plano destinado a
atender à demanda de casas populares na faixa de até três
salários mínimos.
Dois motivos fundamentais determinaram o lançamen-
to do Planhap: a necessidade de encontrar aplicação para
os recursos do FGTS à disposição do BNH e o excesso de
produção de cimento previsto para os próximos anos.
Logo após ser lançado o novo “Plano”, as construtoras
já advertiram que os preços previstos para os imóveis – em
torno de 8 mil cruzeiros – eram irreais; e que nem a custo da
utilização de material de segunda categoria iriam conseguir
mantê-lo.
O Planhap não passa de mais um dos “planos” com que
o fascismo pretende engabelar o povo. Não se trata de ne-
nhum plano sério, para resolver efetivamente o problema
habitacional dos trabalhadores, partindo do fracasso do
BNH. É mais um “impacto”, através do qual pretendem fa-
zer passar gato por lebre.
A situação de moradia dos trabalhadores brasileiros, en-
quanto isso, permanece igual ou se agrava, como revelaram

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

os estarrecedores dados do Censo de 1970, que contradizem


a colorida propaganda milionária do BNH.

Manifestações operárias hoje


(Unidade operária, nº 29, fevereiro de 1974, Ala Vermelha)

No dia 13 de dezembro, quatro mil operários das In-


dústrias Villares (São Paulo) cruzaram os braços em frente
de suas máquinas, diminuindo o ritmo da produção. Eles
exigem aumento salarial imediato de 10%, sem compensa-
ção em futuros reajustes, e a não elevação dos preços das
refeições servidas na empresa.
Durante o ano de 1973, além desse movimento da Villa-
res, registraram-se pelo menos sete greves: quatro no setor
metalúrgico (Renus, AMC, Coltro e Clever), duas na cons-
trução civil (Camargo Corrêa e Geobras) e uma no setor de
artefatos de borracha (Hispanital). Quase nenhuma dessas
greves saiu na imprensa porque a censura do governo pro-
cura abafá-las a todo custo.
No começo de outubro, ocorreram mobilizações operá-
rias de luta por melhores salários em diversas fábricas.
Por serem empresas grandes, as ocorridas na Volkswagen­
e Mercedes Benz tornaram-se mais conhecidas, sendo até
noticiadas pela imprensa da burguesia.
Essas mobilizações espontâneas têm crescido muito em
número, ultimamente, e quase não se tem notícias, pois as
que ocorrem em fábricas pequenas e médias não são noti-
ciadas e não chegam ao conhecimento de todos; inclusive
operários que trabalham em seções diferentes não sabem
que existiu uma luta na sua própria fábrica.
Compreender por que elas têm aumentado ultimamente
e conhecer como elas se têm dado é muito importante para
todos os companheiros operários, pois em muito ajudará o
trabalho revolucionário nas fábricas.

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Celso Frederico

Porque tem crescido o número de manifestações operárias


espontâneas
O aumento das mobilizações é uma consequência da po-
lítica econômica do governo, principalmente devido a dois
problemas por ela criados.
Em primeiro lugar, o aumento da inflação nos últimos
anos superou em muito o aumento dos salários dos operá-
rios, congelados pela política do arrocho salarial. Isso fez com
que o valor real dos salários dos trabalhadores se reduzisse
muito, deixando-os numa situação de desespero onde não há
mais manobra – corte de despesas, horas extras etc. – capaz
de lhe dar o dinheiro necessário para a sobrevivência.
Em segundo lugar, está acontecendo, principalmente em
São Paulo, uma maior procura de mão de obra por parte
dos patrões. Isso fez com que certas firmas passassem a ofe-
recer um salário um pouco maior (de Cr$ 1,35 por hora,
pago por quase todas as fábricas aos ajudantes, passou-se a
oferecer Cr$ 1,70 e até Cr$ 2,10 por hora). Para os operá-
rios especializados essa procura foi maior ainda.
Isso anda acontecendo porque os capitalistas – com a
aplicação do arrocho salarial – juntaram muito dinheiro
com os grandes lucros que tiveram. Estes lucros foram rein-
vestidos para produzir mais, com o aumento das fábricas,
compra de novas máquinas etc. Houve ainda uma grande
entrada de capital estrangeiro com a instalação de um gran-
de número de fábricas novas.
O governo também arranjou muito dinheiro, através de
empréstimos e impostos, e fez grandes investimentos em es-
tradas, pontes, usinas, portos, metrôs etc., para atender às
necessidades das indústrias.
Todos esses investimentos empregam muitos trabalhado-
res nas cidades, e principalmente as indústrias precisam de
operários especializados que precisam ser preparados e ter
uma certa experiência para trabalhar e que, portanto, não
podem ser formados de uma hora para outra. E embora o de-

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semprego seja grande para os que vêm do interior e os não es-


pecializados (sem ofício), há falta de certas categorias profis-
sionais mais especializadas nos grandes centros industriais.
Essas notícias de procura de operários e de oferecimento
de melhores salários passaram a ser comentadas nas fábri-
cas (“em 1971-1972 chovia gente nas portas das fábricas,
hoje, eles levam três meses até para encontrar ajudante”).
O operário com um salário menor que o oferecido por
outras indústrias enxergava aí uma forma de receber um au-
mento mudando de emprego. Mas para isso teria de “pedir as
contas”, o que significaria perder todos os direitos (Fundo de
Garantia, Aviso Prévio) adquiridos pelo tempo de casa.
Essa situação passou a favorecer mais uma saída de me-
lhora na própria fábrica. Em vez de pedir demissão e perder
os direitos, melhor é reivindicar que se der certo, tem-se o
aumento; se for despedido, não se perde os direitos, e é pos-
sível encontrar fácil outro emprego com salário melhor.
Os patrões, mesmo nas fábricas médias e pequenas, não
gostam de despedir muitos operários, principalmente quan-
do têm mais de um ano de casa. Isso porque eles usam o
dinheiro do “Fundo de Garantia” dos operários para ter ca-
pital em vez de depositar no banco.
Disso tudo, nós concluímos que a situação criada deu
melhores condições para os operários, que dela se benefi-
ciam-se, começarem a pensar e reivindicar aumentos sem
estarem sujeitos ao desemprego.

Como são as mobilizações e o nível da luta


Quase todas as mobilizações são limitadas às seções e
não atingem toda a fábrica. Isso reflete o grau de consciên­
cia atual dos trabalhadores e a desunião do movimento ope-
rário. Não sabem que sua força é tanto maior quanto mais
operários participarem.
Nessas lutas, principalmente nas fábricas pequenas e
médias, onde não há elementos conscientes, os próprios lí-

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deres que surgem espontaneamente pretendem uma união


para conseguir a reivindicação do momento. Não existe um
objetivo mais à frente, nem tampouco a ideia de se conseguir
a adesão de toda a fábrica.

O problema mais sentido


A maioria das manifestações quer uma melhoria sala-
rial. Esse é o problema mais sentido. Em quase todas, não se
luta por condições de trabalho (insalubridade, proteção no
trabalho etc.), principalmente devido ao desconhecimento
dos seus direitos reconhecidos nas leis trabalhistas, e porque
a questão dos salários, da sobrevivência é de longe muito
mais sentida que as outras.

Onde as condições são melhores


Nas grandes empresas, principalmente na indústria
automobilística, as manifestações ocorreram na ferramen-
taria (Volkswagen, Mercedes). É que aí estão os operários
mais experimentados e conscientes. Por outro lado, a fer-
ramentaria tem um dos graus mais altos de especializa-
ção e a oferta de emprego sempre existe. Suas lutas são
mais organizadas não só pela consciência que têm como
também pela necessidade, pois essas seções, em empresas
grandes, têm mais de mil operários (na Volkswagen são
três mil).
Na ferramentaria, por ser composta de operários de
ofício (não dão produção de peças), a perda do emprego
não precisa significar o desemprego ou um salário menor
em outra firma, pois sempre há maior procura dessa cate-
goria profissional. Isso contribui para tornar-se (nas fábri-
cas grandes) das seções mais combativas, principalmente na
atual situação.
O inverso ocorre com os especializados das fábricas pe-
quenas, que veem em outras empresas maiores uma solução
para melhoras de seu salário.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Nas fábricas pequenas e médias, as mobilizações se dão


nas seções de produção (fundição, forjaria, usinagem). Nes-
tas, a tomada de consciência normalmente se dá pela com-
preensão da exploração do trabalho. É que nessas seções a
compreensão é mais fácil.
Aí não há influência externa nenhuma ou quase nenhu-
ma (em algumas ferramentarias de firmas grandes circula
imprensa clandestina). A maioria dos operários das firmas
pequenas e médias aspira entrar numa fábrica grande, prin-
cipalmente a automobilística.
Um ajudante, por exemplo, recebe nessas fábricas Cr$
2,90 inicial enquanto nas pequenas pagam o salário ou pouco
mais. Um operário que trabalha nas seções de produção das fá-
bricas grandes tem medo de ser despedido. Para ele, a defesa do
emprego é muito importante. Mas, embora ele receba mais, as
exigências de todo o tipo são maiores (produção, disciplina). O
controle que pesa sobre ele é tão grande que qualquer aumento
de produção passa a ser uma exigência mínima que deve ser
inteiramente cumprida para permanecer no emprego.
Quando ele é novo na casa, faz um esforço muito gran-
de para assegurar o emprego. Acontece que suas energias
não permitem dar por muito tempo a produção exigida. (É
comum ocorrer casos de estafa e doenças nervosas). No mo-
mento que sua produção começa a cair ele é despedido, e
com seu substituto acontecerá a mesma coisa. Por isso, nas
seções de produção dessas fábricas, os operários dificilmen-
te passam dos quatro anos de firma.

As formas de luta
Três formas de luta aparecem como as mais usadas.

A recusa de fazer horas extras


Essa forma de luta revelou-se muito eficaz.
A luta direta por aumento de salários é muito difícil
devido às leis repressivas antioperárias que impedem a ele-

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vação dos salários além dos limites permitidos e concedi-


dos no dissídio coletivo. Isso implicaria numa luta contra
o arrocho, que iria exigir formas de luta muito avançadas
(greves etc.) e que os operários tivessem um grau razoável
de consciência e organização; por se tratar de uma luta fora
das leis antioperárias atuais, isso é ilegal.
Ao se recusarem a fazer horas extras e colocar como
exigência para voltar a fazê-las que seja concedida uma an-
tecipação do dissídio, evita-se travar diretamente uma luta
considerada ilegal, pois a recusa de fazer horas extras é uma
atitude dentro das leis.
Por outro lado, a grande necessidade que as empresas
têm das horas extras torna essa forma de luta um instru-
mento de pressão muito eficaz. Na Volkswagen, essa atitude
fez com que a produção da fábrica caísse de 1.760 para mil
carros por dia. E isso porque da mobilização só participou a
seção de ferramentaria. A empresa teve de conceder um au-
mento de 5% como antecipação do dissídio que iria vigorar
só em abril de 1974.
Porém, essa maneira de lutar por aumento indiretamente
exige um certo grau de consciência e organização, pois em
geral a grande maioria dos trabalhadores de baixo salário
tornaram-se muito dependentes da hora extra como comple-
mento do salário. Daí ela ter se realizado em seções onde os
especializados predominam e em grandes empresas onde a
hora extra representa uma parte importante da produção.

As paralisações temporárias (de alguns minutos a algumas horas)


A paralisação temporária funciona como uma maneira
de chamar a atenção dos patrões e engenheiros e ao mesmo
tempo fazer uma ameaça.
É uma primeira demonstração de confiança na força
unida dos operários, embora tímida, como dá para ver bem
no artigo “Uma experiência de luta espontânea”.

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A redução da produção
Muito conhecida como “operação-tartaruga”, sempre
foi largamente utilizada em diversas ocasiões, principalmente
antes do golpe, quando era muito generalizada. É a primeira
ideia que passa pela cabeça do operário ao pensar em reagir.
É também, hoje, a mais utilizada. Isso porque requer muito
pouco grau de organização e consegue unir mais facilmente
os operários mais atrasados. É também eficaz, quando se
consegue certa união, pois uma operação-tartaruga de uma
semana poderá significar para o patrão a perda de produção
de um dia.

Que conclusões devemos tirar dessa situação?


Em primeiro lugar, como as causas estão na política eco-
nômica seguida pelo governo – arrocho salarial e escassez de
mão de obra – as lutas deverão continuar e mesmo se espa-
lhar com a divulgação entre os operários dos acontecimentos
e das possibilidades de vitória, embora parciais e pequenas.
Em segundo lugar, essas lutas refletem o grau de cons-
ciência e organização da classe operária, mostram as limi-
tações que deve sofrer o nosso trabalho para que possa dar
frutos e crescer com bases firmes a partir e respeitando a
compreensão que a maioria dos operários tem de sua situa-
ção e de suas possibilidades de luta.
Durante um bom tempo, as paralisações e mobilizações
serão limitadas ainda a seções e partes de fábricas, não só
pela pouca consciência como pela inexistência de um orga-
nismo de classes (sindicato ou órgão de fábrica) capaz de
estender e coordenar a luta.

Em nosso trabalho, que diretivas devemos seguir quanto a essa


questão?
1º) Divulgar as notícias de mobilizações, recortando-as
de jornais ou revistas, e passando de mão em mão, de boca
em boca etc.

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Destacar, com os trabalhadores não especializados, prin-


cipalmente o aspecto da luta; que é possível lutar se houver
união e que a vitória é possível.
Com os especializados, destacar a forma de luta e as
condições particulares da categoria que tornam mais segura
a mobilização.
2º) Incentivar as lutas, procurando unir as seções.
3º) Procurar os que mais se destacam nessas lutas e
discutir com eles, esclarecê-los da importância da união de
mais seções, de toda a fábrica; e com isso trará mais possi-
bilidades de vitória.

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Capítulo V
ACUMULANDO FORÇAS: 1975-1977

APRESENTAÇÃO

Com as eleições de novembro de 1974, abre-se um


novo período na política brasileira. A espetacular vitória do
MDB, na esteira da erosão do “milagre econômico”, tirou
do regime militar a sua pretensa legitimidade. O caráter ple-
biscitário da eleição serviu para a condenação pública dos
dez anos de ditadura.
O poder, como ensina Gramsci, mantém-se pela coerção
ou pelo consenso. O bloco de forças alojado no governo
perde, com as urnas, qualquer pretensão de representar a
vontade da maioria.
Restava, então, mais uma vez, o recurso à força, à vio-
lência. Mas tanto a conjuntura internacional (marcada pela
política de defesa dos “direitos humanos” do governo Car-
ter), quanto a situação interna (a falência do “milagre” e o
isolamento social da ditadura) tornavam difícil o recurso do
endurecimento preconizado por alguns setores radicais.
O general Geisel, recém-empossado, comprometeu-se
publicamente a promover uma “distensão lenta, gradual e
paulatina”. E, efetivamente, o grupo de militares liderados
por Geisel desempenhou um papel histórico importante no
processo de sustentação da transição controlada, que se ma-

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nifestou desde a luta para isolar os militares da “linha dura”


até o respaldo à candidatura Tancredo Neves no Colégio
Eleitoral, em 1984.
São complexos os fatores que possibilitaram a volta dos
militares aos quartéis. A iniciativa da abertura veio de cima
para baixo, num período em que a esquerda se encontrava
destroçada pela repressão, e o movimento operário timida-
mente recomeçava a engatinhar. Essa constatação descarta
algumas interpretações fantasiosas que, mais tarde, atribuí-
ram à pressão do movimento popular a abertura enquanto
recurso ardiloso de um regime acossado que preferia sacrifi-
car os anéis a perder os dedos.
A crise da ditadura foi acompanhada de um desloca-
mento progressivo para as fileiras da oposição de diversos
segmentos sociais. Basicamente, a tônica da contestação ao
regime revestiu-se de matiz liberal e teve nas palavras de
ordem democráticas o seu eixo aglutinador.
O ano de 1973 assistiu ao nascimento do Movimento
Feminino pela Anistia, dirigido com audácia e coragem cívi-
ca por Therezinha Godoy Zerbine.
A luta pela anistia desdobrou-se na reivindicação da As-
sembleia Nacional Constituinte, tema discutido apaixona-
damente pela esquerda e que teve no jornal Movimento o
seu fórum legal privilegiado.
Diversos setores da sociedade movimentaram-se para
articular reivindicações específicas que acabaram por desa-
guar na luta geral contra o regime militar. Os estudantes,
após um longo período de hibernação, voltaram a fazer atos
públicos contra a ditadura.
Outro movimento que ganhou dimensão foi o do Custo
de Vida. Em 1973, diversas donas de casa escreveram cartas
às autoridades descrevendo os efeitos da carestia em seus
lares. Essas cartas alcançaram grande repercussão ao serem
lidas no Congresso Nacional e publicadas no Diário Oficial.
Em 1975, as mães da periferia fizeram uma pesquisa sobre

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o aumento do custo de vida. A partir de 1976, o Movimento


Custo de Vida, já estruturado, fez abaixo-assinados, assem-
bleias e atos públicos.
Quanto ao frágil movimento operário, reiniciaram-se
as articulações das cúpulas sindicais e emergiram pequenos
movimentos espontâneos de descontentamento. Tais ações
consistiram em “quebra-quebras” de ônibus e trens, forma
espasmódica e “selvagem” de revolta; ou, então, no interior
das fábricas, a ocorrência intermitente das chamadas “pe-
quenas lutas difíceis” (operação-tartaruga, paralisação lo-
calizada etc.).
Aos poucos, o movimento operário foi acumulando for-
ças e ensaiando formas de organização. A virada decisiva,
entretanto, só aconteceria em 1978, quando alguns sindica-
tos, tendo à frente o dos metalúrgicos de São Bernardo do
Campo, saíram do imobilismo e passaram a organizar os
trabalhadores. Mas esse é assunto para o próximo capítulo.

Interessa agora procurar entender a relação que a es-


querda procurou estabelecer entre o lento ascenso do movi-
mento operário e a luta pelas liberdades democráticas. Qual
é o papel da classe operária na transição democrática?

Duas grandes tendências formaram-se:


a) de um lado, o PCB procurava articular o débil mo-
vimento operário para inseri-lo no quadro da frente demo-
crática. Agindo prioritariamente no interior da estrutura
sindical, a linha política dos comunistas foi reforçada pela
aproximação do MR-8 e, depois, do PCdoB às teses da uni-
dade sindical e da política de alianças entre os diversos seto-
res que se batiam pelo retorno do país à democracia.
A partir das eleições de 1974, o PCB viveu um período
de grande euforia. A vitória oposicionista parecia confirmar
o acerto da linha política dos comunistas que, há vários
anos, vinham-se dedicando a montar os diretórios do MDB

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por todo o país, apesar do descrédito e da ironia com que os


demais grupos de esquerda se referiam ao “Partido consen-
tido”, o “Partido do sim-senhor” etc.
Ao mesmo tempo, as promessas governamentais de
abertura democrática logo trouxeram à cena política a tese
da Constituinte, que os comunistas haviam lançado pionei-
ramente, em 1967. Leitores entusiastas de Dimitrov, os co-
munistas brasileiros anteviam a possibilidade de reedição da
frente única antifascista, no interior da qual, eles, como os
“campeões da democracia”, sairiam fortalecidos.
Mas a euforia durou pouco. A humilhante derrota elei-
toral do regime fez com que os órgãos repressivos promo-
vessem uma verdadeira chacina contra a direção do PCB. A
inesperada violência contra um partido que não havia par-
ticipado da luta armada, além de uma manifestação raivosa
que procurava atingir diretamente o MDB, é explicável den-
tro de uma ação premeditada da linha dura para sabotar os
planos redemocratizantes do governo.
A repressão ao PCB foi feita de cima para baixo, do
Comitê Central aos militantes de base, passando pelos níveis
intermediários. A presença de um agente da CIA na direção
partidária permitiu que os órgãos repressivos liquidassem
2/3 dos membros do Comitê Central. O resto da direção
fugiu para o exterior e o partido ficou acéfalo, encurralado,
e sem condições de polarizar os resultados favoráveis de sua
linha política.

As posições defendidas pelo PCB foram aos poucos sen-


do encampadas, um tanto a contragosto, pelo MR-8 e, tem-
pos depois, pelo PCdoB. Esse partido, após a guerrilha do
Araguaia e do massacre dos seus dirigentes em dezembro de
1976, encontrava-se debilitado organicamente, sem meios
de se fazer presente de modo significativo nas lutas operá-
rias. Quando refeito das quedas, o PCdoB aproximou-se das
posições defendidas pelo PCB para o movimento operário.

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Apesar das diferenças (mais adjetivas do que substan-


tivas), as três organizações comunistas confluíram na ação
sindical, prefigurando a posterior atuação conjunta na Con-
clat e no CGT. Os indícios dessa aproximação ainda não
eram perceptíveis, mas um olhar retrospectivo sobre a traje-
tória do MR-8 permite recompor os passos iniciais em dire-
ção à confluência.

Dos grupos que participaram da guerrilha urbana, o


MR-8 foi o que fez a autocrítica mais radical. A redefinição
de sua linha política, entretanto, foi sendo esboçada e retifi-
cada aos poucos.
A ruptura com o militarismo ocorreu em 1972. Priori-
zando a luta pelas liberdades democráticas, o MR-8 viu-se
às voltas com a necessidade de elaborar uma linha sindi-
cal adequada à nova orientação. Inicialmente, sua política
operária não se diferenciava do conjunto de forças que agia
nas oposições sindicais e que via nas comissões de fábrica
o órgão privilegiado dessa atuação. Mas logo ocorreu um
princípio de diferenciação: a resolução sobre o trabalho
nos sindicatos (outubro/novembro de 1975), que, embora
fizesse a apologia das comissões, já assinalava a impor-
tância do trabalho dentro dos sindicatos e a necessidade
de dinamizar a estrutura sindical legal. Essa orientação
foi realçada nos artigos do jornal Unidade proletária de
1976-1978 para, finalmente, ganhar uma definição preci-
sa em 1979, no documento Tarefas anuais dos comunis-
tas no movimento sindical (resoluções do ativo sindical).
Nesse documento, o MR-8 não só se afasta radicalmente
das oposições sindicais como também se autocrítica pelas
hesitações e desvios esquerdistas contidos na resolução de
1975.
O mesmo direcionamento acompanhou a atuação par-
lamentar do MR-8. Da recusa à participação na “farsa elei-
toral”, passou à defesa condicionada do apoio ao MDB:

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A luta política contra a ditadura interessa diretamente à classe


operária. Seus setores mais conscientes sabem que devem apro-
veitar toda e qualquer oportunidade para ampliar e aprofundar
essa luta. Por isso, no episódio eleitoral, vamos fazer da campa-
nha uma trincheira de denúncias políticas. Vamos aproveitar-nos
dela para elevar a consciência dos trabalhadores e, principal-
mente, para ampliar a resistência à ditadura. Vamos aproveitar
todas as brechas legais abertas para levantar nossas reivindica-
ções, para discutir a situação e para atingir novos companheiros,
reforçando nosso raio de ação, combinando isso com o traba-
lho ilegal e com a propaganda do socialismo e do caminho das
armas. Aproveitaremos a campanha eleitoral para difundir ao
máximo a plataforma de luta contra a ditadura que interessa
aos trabalhadores e fazermos a mais ampla agitação política.
Esse deve ser o centro de nossa intervenção e a que nada de-
vemos subordinar. Por isso mesmo, nossa presença política na
campanha de candidatos não comprometidos com as posições
revolucionárias do proletariado só se justifica na medida em que
isso seja um instrumento eficaz no desmascaramento da ditadu-
ra e na denúncia do caráter vacilante da oposição que estes estão
fazendo a ela.
Posteriormente, o MR-8 estreitou as suas relações com
o PMDB, a ponto de, no período pós-1984, recusar-se a pe-
dir sua legalização para continuar atuando dentro daquele
partido.
A evolução política do MR-8 (que se formou a partir
de uma dissidência do PCB em 1966, na Guanabara) levou
um setor significativo da agremiação a retornar ao PCB, em
1983.

b) De um lado, um conjunto heterogêneo de agrupa-


mentos, Ação Popular Marxista-Leninista (APML), Orga-
nização de Combate Marxista-Leninista – Política Operária
(OCML-PO), Movimento de Emancipação do Proletariado
(MEP), os diversos grupos trotskistas etc. desenvolvia um
projeto político que destoava da orientação seguida pelos
comunistas.

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No plano da política nacional, esses grupos rejeitavam


com maior ou menor ênfase a participação na frente demo-
crática ou, então, davam a segmentos dela um apoio condi-
cional e crítico. Observando que a luta pelas liberdades de-
mocráticas estava sendo hegemonizada por uma orientação
liberal-burguesa, eles afirmavam que o movimento operário
deveria preservar a sua autonomia através de uma política
classista independente. Somente assim seria possível evitar
a diluição da perspectiva classista na frente democrática e
a consequente descaracterização ideológica nas ilusões do
“democratismo” burguês.
A luta pela autonomia operária exigia a criação de ca-
nais de participação alternativos. A presença da Igreja, desde
1970, no meio operário, serviu como um elemento aglutina-
dor para esses diversos grupos de esquerda. Sem o concurso
dela, com sua complexa rede de agências e com seus instru-
mentos de ação (Pastoral Operária, Comunidades Eclesiais
de Base, Ação Católica Operária, Frente Nacional do Traba-
lho etc.), dificilmente a esquerda, nas condições terríveis da
época, poderia aproximar-se do movimento operário. Além
disso, a Igreja, por meio de seus contatos internacionais, re-
cebeu de algumas fundações estrangeiras verbas significati-
vas para financiar as campanhas das oposições nas eleições
sindicais, manter os centros de documentação e pesquisa,
além da imprensa das oposições sindicais, cursos para a for-
mação de quadros etc.
A aproximação entre os militantes da esquerda e a Igre-
ja nas oposições sindicais trouxe uma mútua influência, que
convergia para um estilo de ação frontalmente oposto à li-
nha sindical adotada pelos comunistas. Enquanto estes viam
no sindicato o instrumento principal para se fazer uma polí-
tica de massas unitária, as oposições sindicais privilegiaram
o trabalho de base, a formação de círculos operários fora da
estrutura sindical. Ao caráter vertical do sindicalismo, opu-
seram uma organização horizontal e descentralizada, apoia-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

da principalmente nos núcleos ou grupos de fábrica, e nas


comissões. As características dessas organizações molecula-
res foram assim definidas em documentos que circularam
no encontro da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo
em julho de 1977:
Os núcleos e grupos de fábrica são a semente da organização
independente da classe operária. Podem ser dois ou três compa-
nheiros de oposição numa fábrica. Sua organização (seu plane-
jamento, reuniões fora etc.) não pode ser conhecida hoje pelos
companheiros que ainda não têm condições de saber quem são
os inimigos da classe. Os companheiros do núcleo devem ser
conhecidos pelos operários e influir sobre eles. Devem se conso-
lidar em grupos mais amplos, com maior respaldo na fábrica.
A luta inicial desses núcleos é sondar companheiros em seções
importantes, discutir com eles para ver o problema central e
mais geral. Descoberto o problema, tentar fermentar esse pro-
blema de forma que se torne um problema conscientizado pelos
operários, e não um problema inventado artificialmente. [...]. A
partir daí o conjunto de operários deve tirar as formas concretas
e detalhadas das lutas. Importante também é fazer as informa-
ções correrem na fábrica; cada companheiro e cada seção deve
saber que os problemas não atingem só a ele, que há mais gente
sentindo o problema, descontente etc. Devem saber quem é o
puxa-saco, o dedo-duro. Nessa divulgação todos os meios são
válidos, desde fazer correr uma piada na fábrica até escrever nos
banheiros. Devemos ter claro que a própria divulgação e criação
do clima já é uma tarefa importante que compromete e organiza
os companheiros das diversas seções.
Uma distinção entre grupo e comissão: o grupo de fábrica tem
a função de discutir com os operários e tocar a luta na fábrica.
Comissão é para negociar, para falar com os patrões em nome
do conjunto dos operários da fábrica.
Núcleo ou grupo é mais um ajuntamento sem representatividade. É
um ponto de partida para as comissões. É fundamental que os com-
panheiros mais esclarecidos se reúnam e procurem unir os outros
companheiros e conseguir o reconhecimento perante a empresa.
Quanto à relação entre a comissão e o sindicato, somos contra
a estrutura sindical e não só contra a diretoria. A comissão en-

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contra no sindicato um empecilho ao seu desenvolvimento; o


sindicato vai querer ganhar as comissões [...].
As comissões de fábrica devem forçar a luta no sindicato, embo-
ra os pelegos não estejam a fim. Quando os grupos forem fortes
e numerosos, não vamos mais precisar do sindicato, mas isso
ainda vai demorar.

A partir de 1974, a Oposição Sindical Metalúrgica de


São Paulo tentou criar um órgão para coordenar as ações
das diversas comissões de fábrica de uma mesma região ou
de um mesmo setor: a Interfábrica.
O crescimento da oposição sindical de São Paulo, em
sua longa luta para afastar Joaquim dos Santos Andrade
da direção do sindicato, fez com que ela se transformasse
na principal referência para as demais oposições que foram
surgindo ou se consolidando em toda a década de 1970. A
intensa discussão sobre as formas de organização e sobre a
problemática relação que deveria existir entre as comissões
de fábrica e o sindicato reproduziu-se no conjunto do movi-
mento operário brasileiro. Daí a importância da experiência
paulista que, em maior ou menor grau, generalizou-se pelo
resto do país; daí também o seu caráter privilegiado de obje-
to de estudo: um laboratório que revela de forma concentra-
da e exasperada as tendências que nas demais regiões não se
desenvolveram com a mesma intensidade. A força irradiado-
ra dessa experiência e a atração que ela exerceu sobre todos
os grupos de esquerda evidenciam o seu caráter “exemplar”
para entender-se o movimento operário da época.

Mas voltemos à Igreja. O conjunto de ideias que norteou


sua atuação junto às oposições sindicais (influenciando setores
da esquerda, e por eles influenciado) foi visto por alguns obser-
vadores como uma novidade radical dos anos de 1970, porque
rompia com as formas tradicionais até então conhecidas.
Na história dos movimentos sociais, entretanto, é limi-
tado o espaço para a invenção completa, para a criação do

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

absolutamente novo. As ideias que circularam nos anos de


1970 têm os seus antecedentes na luta ideológica travada
no final da década de 1950. Naquele período, a hegemonia
do PCB e dos trabalhistas no movimento operário começou
a ser contestada por diversos grupos de diferentes matizes
ideológicos, que se opunham ao “comuno-peleguismo”:
desde a então conservadora Igreja Católica e sindicalistas de
orientação norte-americana, até lideranças do Movimento
Renovador Sindical. E o combate à influência comunista no
movimento operário passava pela crítica da estrutura sin-
dical (na qual o PCB consolidava a sua presença progres-
sivamente). Daí que, desde aquela época, começa a crítica
ao “sindicalismo de Estado”, ao imposto sindical; à reivin-
dicação do pluralismo sindical, ao elogio das organizações
moleculares etc.
Essas ideias ressurgiram com força nos anos de 1970.
Sua única novidade, entretanto, é que, antes, elas constavam
no ideário das forças políticas conservadoras que se encon-
travam à margem da (e muitas vezes contra) frente popular
e, agora, elas serviam de referencial para segmentos da es-
querda em luta contra a ditadura militar.

A ênfase no trabalho de base proposta pela Igreja impli-


ca uma crítica direta à tradição leninista que afirma a neces-
sidade de uma vanguarda, de um destacamento avançado
para centralizar e dirigir as lutas operárias. A rigor, o “ba-
sismo” expressa a negação do partido político e da própria
teoria revolucionária.
Como se sabe, Lenin (inspirando-se em Kautsky) ob-
servou que a classe operária, através de suas lutas, evolui
naturalmente até uma consciência sindicalista que se limita
a lutar por melhorias quantitativas, por melhores salários.
Ora, essa luta apenas reforça a ordem burguesa, na qual
todos procuram vender sua mercadoria pelo melhor preço.
O operário que se contenta com melhorar as condições de

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Celso Frederico

venda de sua mercadoria (a força de trabalho) age, assim,


de acordo com a lógica do capitalismo, e sua consciência
permanece prisioneira da ideologia burguesa. Para ir além
da consciência sindicalista, Lenin insiste no recurso à teoria
revolucionária: aquela teoria elaborada pelos intelectuais
revolucionários oriundos da pequena burguesia, que se de-
senvolveu fora das relações imediatas entre o operário e a
burguesia. O portador das ideias revolucionárias é o partido
político, o elemento de mediação entre a teoria e a prática.
A negação da tradição leninista por parte dos setores
ligados à Igreja implicou a crítica ao papel do partido e dos
intelectuais. No seu lugar surgiu a crença na existência de
um saber próprio da classe operária, tido como uma força
revolucionária adormecida. O papel do agente pastoral não
é o de transmissor de conhecimentos: cabe a ele somente a
tarefa de ajudar a sabedoria popular a despertar e a desen-
volver-se por si mesma. Fica evidente a influência das ideias
pedagógicas de Paulo Freire.
O que nos interessa aqui, além de assinalar que essas
duas concepções em confronto geram práticas sociais dife-
rentes, é chamar a atenção para um interessante fenômeno
que se desenvolveu a partir da atuação dos agentes pasto-
rais. Refiro-me ao incentivo à autoexpressão, que propor-
cionou o surgimento de uma verdadeira paixão pela palavra
escrita em alguns setores do operariado.
Incitados a se expressarem, alguns operários puseram-
se a escrever relatando suas histórias de vida e o cotidiano
nas fábricas, tornado possível o florescimento dos jornais
de bairro e as tentativas de “autopesquisa” sobre a condi-
ção operária. Surgiram então pequenos folhetos, geralmente
com o título de “Experiências de Fábrica”, relatando as gre-
ves ocorridas, que eram distribuídos no meio operário.
Nas condições opressivas da época, a impossibilidade
de manifestar-se politicamente levou alguns setores a lança-
rem mão de eventos artísticos como recurso para discutir a

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

situação operária e, consequentemente, denunciar o regime


militar. Assim, muitas vezes as manifestações culturais ocu-
param o espaço da política.
Em alguns “1º de Maio”, por exemplo, a assembleia foi
substituída pela apresentação de peças teatrais que conta-
ram com a presença de operários entre os atores. No final, a
plateia discutia os temas levantados.
Igualmente, surgiram formas artísticas de expressão
(poesias, cordel, músicas) feitas por e para trabalhadores
que se inseriam nesse quadro de resistência cultural. Cultura
operária?

DOCUMENTOS

Como lutam agora os trabalhadores brasileiros contra a


ditadura
(Études brésiliennnes, nº 3, junho de 1976, PCB)

Há exatamente um ano, todos quantos acompanhavam


com interesse a situação da classe operária brasileira e de
seu movimento eram surpreendidos agradavelmente: a dita-
dura brasileira, dominante desde 1964, sofria a maior der-
rota eleitoral já imposta a um governo no Brasil. Para ela,
não só concorrera decisivamente o voto dos trabalhadores,
como a política, as diretivas e a plataforma do movimento
operário. Com efeito, o desenvolvimento da campanha elei-
toral, os pontos programáticos que uniram, comoveram e
mobilizaram praticamente toda a nação contra a ditadura
e que se expressaram na esmagadora derrota eleitoral da
mesma, foram aqueles que desenvolvera, desde 1964, o mo-
vimento operário.
Nas eleições parlamentares de 15 de novembro do ano
passado, a oposição elegeu 16 dos 22 senadores escolhidos;
nos Estados industrializados e nas principais cidades, a vitó-
ria se deu a uma razão de dois e até de três votos contra um.

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Celso Frederico

Mas, observando-se a votação dos subúrbios e dos bairros


operários, constatava-se que ali a razão se elevava para qua-
tro, cinco e até seis e sete votos contra um. Isso demonstrou
que a classe operária votara unida contra o governo. Essa
derrota da ditadura e a contribuição decisiva que para a
mesma deu a classe operária mostraram o grau de isolamen-
to da ditadura – mormente se leva-se em conta as condições
fascistas e de restrições brutais às forças democráticas e pro-
gressistas em que se realizaram as eleições e desbarataram
os planos geiselianos de institucionalização, via parlamentar,
do regime. Ao contribuir decisivamente para impedir que a
ditadura conseguisse dois terços do Congresso Nacional, a
classe operária e seus movimentos não só foram os princi-
pais artífices desses resultados como encorajaram o conjun-
to das forças de oposição, determinaram um novo ascenso
na luta democrática e nacional do povo brasileiro e de suas
perspectivas e fizeram recrudescer as contradições interiores
às forças ditatoriais.
Essa demonstração de repúdio do povo brasileiro ao
regime militar de tipo fascista foi saudado em todo o mun-
do como um acontecimento significativo e uma contribui-
ção valiosa para o fortalecimento das forças da paz, anti-
imperialistas e democráticas, particularmente no âmbito
da América Latina. A ditadura brasileira lá não pode mais
apresentar o silêncio imposto ao povo pela força das armas
como um sinal da concordância deste com o regime. O ter-
rorismo contra o povo, instituído como método permanente
e principal do regime, mostrou-se impotente para impedir
a mobilização, unidade e combatividade da oposição anti-
fascista. O “modelo” perdeu muito da atração que chegou
a exercer sobre amplas faixas das camadas médias de países
como Argentina, Uruguai, Bolívia e Paraguai: foi desmas-
carado. A ditadura ingressou em sua vertente descendente,
transformou em consciência popular o caráter antinacional,
monopolista e fascista do regime político brasileiro. As mul-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

tinacionais já não se sentem tão seguras quanto antes, já não


se sentem localizadas em terreno tranquilo. E os próprios
pilares internos de sustentação do regime começam a va-
cilar em suas convicções anteriores de irremovibilidade da
ditadura. Crescem as manifestações de inconformidade no
próprio partido oficial do governo.
Mas para quem vive na fábrica e participa do movimen-
to sindical, o voto da classe operária nas eleições de 1974
não constituiu surpresa, a não ser pela unanimidade com
que se exerceu.
O regime cortou fundo no salário real, anulou numero-
sas conquistas sociais dos trabalhadores brasileiros, frutos
de uma luta que se desenrolou por longos e longos anos, e
fez letra morta dos demais. Organizou um sistema legal e,
de fato, de brutal exploração dos trabalhadores e de todo o
povo, entregando a classe operária a formas de superexplo-
ração pelo capital, que em muitos aspectos faz retroagir as
relações de trabalho a um estágio que a consciência social
brasileira já havia superado há 40 ou 50 anos. Na verdade,
organizou a exploração com métodos assemelhados aos da
submissão formal, próprios do capitalismo em seu período
inicial. Persegue, prende, tortura, condena a longos anos de
prisão e em muitos casos assassina as lideranças sindicais e
qualquer trabalhador por “crimes” considerados em qual-
quer país civilizado há mais de um século como direitos pa-
cíficos e inalienáveis do assalariado. Tal sistema de explora-
ção desencadeou no país a maior crise social de sua história,
como manifestação, a todos evidente, da pauperização ab-
soluta e relativa do proletariado brasileiro e dos assalaria-
dos em geral, ao lado de uma rapidíssima concentração e
centralização dos capitais, sobretudo os imperialistas.
Não é, portanto, por fatores conjunturais que a classe
operária votou contra o regime militar. Não só o golpe mi-
litar de 1964 foi desencadeado contra as lutas socialistas,
nacionais e democráticas da classe operária, contra o amplo

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Celso Frederico

movimento progressista em que ela ocupava o centro, como


se desenvolveu permanentemente dirigindo seu gume prin-
cipal contra ela. Por tudo isso, a classe operária, apoiada em
sua longa experiência e tradição política e diante da nature-
za antioperária do regime, sempre brutalmente manifestada,
nunca o aceitou e sempre procurou formas de defender-se
dele. Seu voto foi a expressão política clara da luta que vem
travando contra o regime no terreno do salário e dos di-
reitos do trabalho, no campo da democracia política e das
liberdades fundamentais. Ela não se deixou envolver pela
manobra “distensionista” do governo Geisel, compreenden-
do-a firmemente como uma manobra destinada a isolá-la e
a seus aliados políticos mais consequentes.

Os trabalhadores furam o cerco da ditadura


Não se pode compreender suficientemente as formas e
o nível de luta da classe operária, assim como a conduta do
movimento sindical nos anos mais recentes, sem levar em
conta o arsenal legal e terrorista com que a ditadura fascista
está armada para subjugar a classe operária. O Ato lnsti-
tucional nº 5, que cataloga como crime contra a segurança
nacional qualquer ato de oposição ou simples desobediência
ao regime estabelecido; a Lei de Greve, que tornou impossí-
vel qualquer movimento legal dos trabalhadores nessa for-
ma; a Lei de Segurança Nacional, que pune a greve “ilegal”,
com penas que vão de um até dez anos de prisão, além de
punir qualquer movimento por reivindicações nacionais e
democráticas, constituem os instrumentos jurídicos de que
a ditadura faz uso para reprimir e conter as lutas da classe
operária. Mas, acima dessas armas legais, estão as de fato:
as torturas, sequestros, assassinatos, as demissões sumárias
dos empregos, o terror continuado e permanente. Em se-
gundo lugar, entre tais armas, está a estrutura de tipo corpo-
rativista imposta por lei à organização sindical, que coloca
os sindicatos operários na situação de órgãos dependentes

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

e auxiliares do Ministério do Trabalho. Em condições de


tremenda inferioridade de forças, a classe operária e o mo-
vimento sindical – transformados no principal inimigo in-
terno do regime – tiveram de descobrir e elaborar as formas
adequadas de luta capazes de evitar a repressão, salvaguar-
dar seus sindicatos, organizar a resistência e oposição ao
regime. E as tem encontrado no decorrer do tempo. Nos
últimos dois anos, a classe operária adotou, resumidamente,
a seguinte tática nas lutas contra a política antioperária da
ditadura. E é assim que vem combatendo a união da oli-
garquia financeira internacional e nacional e da oligarquia
latifundiária com os mecanismos do Estado para explorar o
povo, distribuir e redistribuir a renda nacional em favor dos
monopólios, principalmente estrangeiros, e do latifúndio.

A greve disfarçada
O Estado de S. Paulo, tradicional diário das classes domi-
nantes brasileiras, escreveu em sua edição de 25 de novembro
de 1973, sobre a “operação zelo”: “Greve é uma palavra que
não se usa nas relações entre empregados e patrões, porém,
às vezes, somente a palavra não é utilizada. Fala-se muito do
movimento contra as horas extraordinárias, manutenção de
boas relações, operação-tartaruga e, mais recentemente, sur-
giu uma expressão nova, a chamada ‘operação zelo’: o operá-
rio, zeloso ao extremo, diminui o ritmo de produção para que
a máquina não sofra dano. Zela também pela peça acabada.
Zela tanto que o melhor é saber o que está havendo, e para
isso chama-se o sindicato. Uma antecipação salarial acaba
com tanto ‘zelo’ e tudo volta ao normal”.
Mas há outras formas de greves disfarçadas, pequenas
paralisações não declaradas como tais. Consistem geral-
mente em aproveitar uma interrupção normal do trabalho
– mudança de turno, hora do almoço ou do lanche – para
retomar o trabalho 15, 20, 30 minutos depois da hora esta-
belecida.

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Celso Frederico

Uma terceira forma é a falta ao trabalho por um dia, de


grupos mais ou menos numerosos. Retornam ao trabalho
no dia seguinte e, se interpelados, negam qualquer combi-
nação prévia, alegando que faltaram a fim de procurarem
emprego em outras fábricas com melhores salários.
São todas formas de defesa contra a brutal intensifica-
ção do trabalho existente hoje no Brasil, contra a extensão
absoluta da jornada de trabalho e contra o “arrocho sala-
rial”.

Greve de pequena duração


São paralisações declaradas do trabalho, sem que os
trabalhadores se declarem explicitamente em greve, perma-
necendo em seus postos. Coincidem com a entrega de um
memorial ou a ida de uma comissão à direção da empresa
para tratar de reivindicações, e são justificadas como de es-
pera pela resposta dos empregadores.
Esses tipos de greve demandam uma certa capacidade
de propaganda, organização e direção por parte da massa
de trabalhadores e suas lideranças nas empresas, e eles têm
demonstrado possuí-las em um grau apreciável. Por outro
lado, os trabalhadores tudo fazem para proteger sua lide-
rança local. Assim, quando os empregadores propõem en-
tender-se com os líderes do movimento ou com uma comis-
são eleita pelos trabalhadores, estes se negam a indicá-los,
propondo que os mesmos empregadores os escolham. Dessa
forma, evitam que os patrões identifiquem seus principais
dirigentes e organizadores nos locais de trabalho.

A greve pelo pagamento de salários atrasados tem uma


utilização de uma brecha legal existente na Lei de Greve,
que permite a paralisação do trabalho no caso de atraso
contumaz do empregador e de não cumprimento de decisão
judicial mandando pagar salários atrasados ou aumento sa-
larial.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Essa e outras formas de luta dos trabalhadores vêm se


avultando no país: basta ver que o número de reclamações
encaminhadas pelos departamentos jurídicos dos sindica-
tos à Justiça do Trabalho e julgadas em 1973 alcançaram
324.555 processos contra os empregadores.
Simultaneamente a essas formas de luta criadas nas fá-
bricas, desenvolveu-se a tática dos sindicatos para furar o
teto salarial e a carência de um ano para cada novo reajus-
tamento imposto pelo regime.
Apoiados no movimento real que se processava nas
fábricas, os sindicatos levantaram sistematicamente a con-
cessão de abono salarial após seis meses de vigência de
cada reajustamento. O abono geral de 10% concedido
pelo governo Geisel, em dezembro último, foi a primeira
grande vitória dessa campanha. Mas tal medida governa-
mental apenas homologou e tornou geral o que já havia
sido conquistado pela luta por grande parte dos trabalha-
dores. Refletiu o grande empuxe desencadeado pela vitória
política das forças antiditatoriais nas eleições de novembro
de 1974.
Atualmente, começa a ser dado mais um passo para
o rompimento, pelas lutas de massas, da política salarial
da ditadura. Reivindica-se não mais um abono, mas rea­
justamentos salariais a cada seis meses, em lugar de a
cada ano. Sindicatos, em São Paulo, representando cerca
de meio milhão de trabalhadores, em meados de junho
último, conforme noticiou a imprensa, reivindicaram a
antecipação do reajustamento salarial previsto para fins
do ano.
Finalmente, a despeito da proibição legal e da vigilância
da ditadura, o movimento sindical tem encontrado formas
e meios para estabelecer certos níveis de unidade de ação e
de vinculação permanente em âmbito municipal, estadual e
até mesmo nacional.

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Celso Frederico

A plataforma atual do movimento sindical brasileiro


Numerosos congressos e conferências sindicais, realiza-
dos depois de 1964, estabeleceram para o movimento sindi-
cal brasileiro uma linha nitidamente de oposição à ditadura.
A expressão mais completa dessa linha se contém nas reso-
luções adotadas pelo IV Congresso da CNTI, reunido em
setembro de 1970, em Brasília. A despeito de toda a pressão
governamental para que fosse arquivada e esquecida, essa
linha foi reafirmada por todas as posteriores reuniões de cú-
pula do movimento sindical brasileiro, não só de operários
mas também de assalariados das camadas médias urbanas.
Essa posição pode ser assim sintetizada:
1. Revogação da política salarial atual.
2. Modificação do critério de fixação do percentual do
salário mínimo, defendendo-se a manutenção e au-
mento do salário real.
3. Revogação das normas atuais que restringem o exer-
cício do direito de greve.
4. Plena liberdade e autonomia sindical.
5. Previdência social a serviço do trabalhador e pelo tra-
balhador.
6. Substituição da opção entre a estabilidade e o fundo
de garantia por tempo de serviço pela adoção simul-
tânea de dois institutos.
7. Instituição dos delegados sindicais nos locais de tra-
balho.
8. Efetivação da reforma agrária, com a desapropriação, por
interesse social, de todos os latifúndios, mediante o paga-
mento em longo prazo em títulos da dívida pública,
9. Suspensão por dez anos da remessa de juros, lucros,
royalties e outros títulos de remessas de divisas para
o exterior.
Mas também o movimento sindical no campo vem
avançando. Nos últimos anos, após a grande repressão de-
sencadeada pela ditadura contra o movimento sindical rural

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existente até 1964, os assalariados do campo e os campone-


ses sem terra, pobres e médios, retomam suas organizações
e suas reivindicações. Além dos congressos que já realizaram
nesses últimos anos, multiplicaram o número de seus sindi-
catos e sindicalizaram mais de 3 milhões de trabalhadores
rurais. Seus congressos reafirmaram sua plataforma pela ex-
tensão da legislação trabalhista e da previdência social ao
campo, pela reforma agrária, pela saúde, educação, liberda-
de de organização etc., e principalmente pela reforma agrá-
ria. Multiplicam-se nos campos as lutas e manifestações pe-
los direitos e aspirações dos trabalhadores; desenvolvem-se
os choques, inclusive armados, entre posseiros e latifundiá­
rios e grupos monopolistas que, ao estender-se a fronteira
agrícola, buscam desalojar os que aí, com o seu trabalho, há
muitos anos ocuparam e exploraram as terras
[...].

Trabalho sindical nas fábricas


(Unidade proletária, nº 17, julho de 1977, MR-8)
Na página 9 do número 20 do jornal Nova Luta (órgão
oficial do Movimento de Emancipação do Proletariado),
aparece um artigo intitulado “Greve-tartaruga e aspectos
do trabalho de fábrica – contribuição de um operário”. O
artigo revela, segundo nosso ponto de vista, algumas incom-
preensões a respeito da maneira mais correta de se desen-
volver a luta sindical dentro da fábrica. Nós o publicamos
aqui, seguido de uma crítica, com o intuito de aprofundar o
debate a respeito dessas questões.

Greve-tartaruga e aspectos do trabalho de fábrica


Terminada a campanha salarial, cresceu na fábrica a expectati-
va quanto ao pagamento do reajuste. A empresa dera, um mês
antes, uma antecipação que não foi igual para todos e que nem
todos receberam. Era sinal de que o reajuste integral não ia ser

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pago. O trabalho de agitação se concentrou numa reivindicação


que unificava todos os operários – pagamento integral dos 43%
aprovados pelo governo e o não desconto da antecipação, o que
somava, em média, o índice aprovado em assembleia e que tinha
sido agitado durante a campanha.
Essa reivindicação sensibilizava a massa, mas a voz ainda era
fraca para atingir mais amplamente. Os companheiros na fá-
brica procuravam uma forma de reagir, caso o pagamento não
saísse. Pedir as contas? Quebrar tudo? Reclamar?
A única forma consequente era baixar a produção ou parar de
vez. Na seção, o pessoal se comprometeu com uma tartaruga.
Procuramos contatos com outras seções. “Se vocês pararem, po-
dem contar comigo, mas o pessoal aqui não é de nada”. Era
necessário agitar a alternativa de greve mais amplamente. Fazer
uma panfletagem. Mas como?
Começaram os questionamentos a respeito da validade de um
cara sozinho pretender atingir a massa com uma palavra de or-
dem de “reajuste ou greve”, quando nem conseguiu ainda con-
solidar um grupo de fábrica, com quem dividir as tarefas de pre-
parar, realizar e capitalizar imediatamente a ação.
A ideia era essa. Primeiro precisava consolidar os contatos mais
avançados, mais próximos e organizar as forças. Só depois é que
podia fazer um trabalho amplo de agitação, dando alternativa e
direção ao conjunto da massa.
Seria justo condicionar o trabalho mais amplo ao avanço ante-
rior do trabalho artesanal de discussão e organização dos conta-
tos? Esse trabalho é indispensável, mas é preciso saber combinar
as tarefas do dia a dia com as atividades mais amplas que o
desenvolvimento da luta exige.
A massa estava descontente, só se falava no pagamento. O pes-
soal farejava o jogo da empresa e estava disposto a reagir. Isso é
que decidia. Era o momento de agitar amplamente uma alterna-
tiva de união que definisse o objetivo da luta e apontasse para a
forma de luta mais consequente. Três dias antes do pagamento,
foi pendurado no banheiro um gancho com 500 panfletos, o
suficiente para as seções que usavam aquele banheiro, ainda que
a empresa fosse quatro vezes maior.
Não restaram dúvidas sobre a validade da panfletagem. Só faz
uma ação dessas quem está, de fato, comprometido com a luta,

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ou é um cara de vanguarda ou um operário muito combativo e


disposto. Bastou um para pendurar os panfletos. O pessoal se
encarregou do resto. Juntou gente no banheiro, dali foi passando
para as máquinas, foi lido e discutido no refeitório. O encarrega-
do levou alguns para a administração.
“Não vou quebrar nem fazer baderna, mas a minha produção
vai cair”. Espontaneamente a “tartaruga” se arrastou por três
dias e no dia do pagamento quase ninguém trabalhou. A chefia
não deu as caras, alguns foram para casa e o resto ficou discu-
tindo. As frases do panfleto corriam de boca em boca. Era fácil
localizar os mais combativos que se destacavam da massa. Na
hora teria sido possível capitalizar a agitação e ir articulando o
movimento, se confundindo com os operários que espontanea­
mente trabalhavam o panfleto. Isso, porém, não foi feito por
segurismo. A capitalização depende agora de um trabalho per-
sistente de contatação, discussão e organização dos mais comba-
tivos. No nível da massa, uma semente foi lançada.

Nossa crítica
Antes de mais nada, o artigo começa falando de luta
por uma reivindicação concreta (pagamento integral dos
43% e não desconto da antecipação) e termina sem dizer
se a reivindicação foi conquistada ou não. Sabemos que o
mais importante numa luta por uma reivindicação parcial
(econômica ou política) não é a conquista da reivindicação
em si, mas sim o saldo deixado no grau de consciência e
de organização das massas trabalhadoras. Mas, analisar os
resultados de qualquer luta sem dar-se ao trabalho de dizer
se a reivindicação foi conquistada ou não, como se isso não
tivesse a menor importância, é algo que revela um descom-
promisso com os interesses imediatos dos trabalhadores.
De qualquer forma, estamos certos de que a reivindica-
ção não foi conquistada. A precipitação na deflagração da
operação-tartaruga, os erros na escolha de uma reivindica-
ção que estava muito acima das forças acumuladas pelos
trabalhadores na fábrica não poderiam conduzir o movi-
mento a nenhum tipo de vitória – nem na conquista da rei-

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vindicação, nem, o que é pior ainda, na elevação do grau de


consciência e de organização das massas.
A reivindicação de “pagamento integral dos 43% e não
desconto da antecipação” significava abrir, na prática, uma
luta por um aumento extra de mais de 20% – e isso numa
fábrica isolada onde o grau de organização era quase igual a
zero (como está dito no próprio artigo). Será que os compa-
nheiros que conduziram o movimento não perceberam que,
nem no ano passado nem neste, mesmo nas fábricas onde
o grau de organização era e é muito maior, não houve con-
dições para se conquistar objetivos semelhantes? Será que
não se deram conta de que, na atual correlação de forças,
é impossível abrir rombos no arrocho com uma força tão
reduzida e numa fábrica isolada? Sinceramente, acreditamos
que os companheiros sabiam de antemão que a conquista
dessa reivindicação era irrealizável. Puxar uma greve econô-
mica por um objetivo que já se sabe irrealizável é em si uma
atitude perigosa. E na atual conjuntura de defensiva, onde
a acumulação se dá palmo a palmo, é uma atitude pouco
responsável.
Depois, o autor do artigo diz que havia companheiros
que defendiam que, para agitar a greve, era necessário orga-
nizar primeiro. E rebate, dizendo que isso era errado, pois
o momento era de se partir para um “trabalho amplo”. O
exemplo que dá de “trabalho amplo” é enganchar 500 pan-
fletos no banheiro, lançando a palavra de ordem de opera-
ção-tartaruga. Assim, o “trabalho mais amplo” é puxar a
greve através de panfletos, sem se preocupar com a organi-
zação da própria greve. Assim, o movimento só poderia ter-
minar como terminou: não apenas com um recuo, mas com
um recuo totalmente desorganizado. O companheiro limi-
tou o seu trabalho a panfletar uma palavra de ordem e não
teve nenhuma outra interferência na luta, nem no seu decur-
so, nem na sua decadência. Critica quem queria organizar
antes, para concluir que se deve organizar depois. Sua linha

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de atuação, independente de sua boa vontade, resumiu-se a


puxar a greve através de panfletos, deixar a massa entregue
à sua própria sorte na hora do “vamos ver” e, depois da
derrota – aí sim –, começar a organizar. Ainda diz que, no
nível da massa, uma semente foi lançada. Só que sementes
assim não frutificam. Lutas levadas dessa maneira não só
não ajudam a elevar o nível de consciência e de organização
das massas, como inclusive, levam-nas a recuos e derrotas
desnecessárias que acabam por semear a descrença na sua
própria capacidade de luta.
Os companheiros que diziam que era preciso organizar
antes estavam errados, porque o problema central não esta-
va aí. O problema estava, antes de mais nada, em determinar
corretamente a reivindicação. No caso, esta era o pagamen-
to integral dos 43%, deixando de lado as “ilusões” quanto à
possibilidade de arrancar o “não desconto da antecipação”.
Em segundo lugar, estava em organizar a massa no próprio
decurso da luta. Naquela situação, um abaixo-assinado va-
leria mais do que cinco mil panfletos enganchados no ba-
nheiro. Apesar de menos “heroico”, isso permitiria agitar
a reivindicação e, ao mesmo tempo, realizar o trabalho de
organização entre as massas, formando comissões para dis-
cutir o abaixo-assinado, recolher assinaturas etc. Nesse pro-
cesso se criaria um mínimo de organização que permitiria se
chegar a uma greve, caso ela fosse necessária e possível, em
condições bem melhores para sua sustentação – ou, pelo me-
nos, para recuar de forma organizada, recuar com ganhos e
não com perdas.
Na verdade, o artigo apresentado no jornal Nova Luta
revela problemas profundos, que persistem em certos setores
da esquerda que, mesmo quando falam em “trabalho de mas-
sa” ou em “trabalho amplo”, continuam presos a uma con-
cepção de trabalho estreita, de formação de pequenos círculos
em cima das tarefas de propaganda. O “trabalho de massas”,
para esses setores, acaba assim resumindo-se à agitação de

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determinada palavra de ordem que ponha a massa em movi-


mento. A responsabilidade de organizar efetivamente o mo-
vimento e o entendimento que a vanguarda é uma parte da
massa – e não algo que está fora dela – são coisas que ainda
não penetraram profundamente no seu universo ideológico.
É isso que produz tanta dificuldade para entender a dinâmica
real das massas, para agir dentro dessa dinâmica procurando
transformá-la. Ficam de fora e de cima, atirando palavras de
ordem que têm muito mais a ver com seus desejos do que com
a realidade do movimento. E mesmo quando conseguem in-
fluir no movimento, não conseguem produzir saldos efetivos
em termos de acumulação de forças.
É importante discutir essas questões e superar radical-
mente esses erros no trabalho de massas, se queremos real-
mente formar um movimento operário revolucionário forte
e independente.

Os primeiros passos junto aos operários na fábrica


(Unidade operária, nº 34, setembro-outubro de 1976,
Ala Vermelha)

Este escrito é o resultado de algumas experiências de


atuação junto aos operários. A preocupação maior é trans-
mitir aos companheiros orientações e pistas para que o tra-
balho seja realizado, desde o seu início, de acordo com um
método correto.

Ter clareza dos objetivos


Todo militante consciente ou agrupamento que pretenda
realizar um trabalho sério junto aos operários precisa, desde o
início, compreender claramente quais são os seus objetivos:
1º Luta pela conquista das reivindicações mais sentidas e
2º Elevação do nível de consciência política e de organi-
zação da classe.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Esses dois objetivos não estão separados; ao contrário, de-


pendem um do outro para que o trabalho avance e tenha êxito.
O primeiro – a luta pela conquista das reivindicações
mais sentidas da classe – é o ponto de partida, o que vai
dar origem às primeiras iniciativas de união. O segundo – a
elevação do nível de consciência política e a organização –
fortalece a classe e abre o caminho para a luta maior dos
operários, contra o poder político da burguesia.
A meta do nosso trabalho é desenvolver a luta de clas-
ses, descobrir diante dos operários a contradição irreconci-
liável que existe entre os seus interesses e os interesses dos
capitalistas, – e que somente a revolução poderá acabar com
a desigualdade social e política que decorre da divisão da
sociedade em classes.

Como começar
Devemos partir de uma base fixa, que é a nossa própria
seção. Concentramos aí a atividade, para depois estendê-la a
toda a fábrica. Isso pelo seguinte: ao entrarmos na fábrica, ge-
ralmente não contamos com nenhum colega ativo para ajudar
a iniciar o trabalho. Precisamos começar sozinhos, criar as pri-
meiras amizades, conhecer as relações de serviço da seção.
Além disso, sabemos que existe toda uma série de difi-
culdades de comunicação de uma seção para outra, que são
impostas pelos patrões procurando impedir a união entre os
operários. E só com certo tempo é que vamos conseguindo
descobrir as formas de contornar essas dificuldades.
Sabemos que não podem existir receitas ou esquemas
prontos para o início do trabalho porque a realidade varia
de fábrica para fábrica. Existem, é claro, características e
situações gerais que são comuns a todas elas. Mas a particu-
laridade da fábrica, o modo como se aplica a engrenagem da
exploração, somente é possível conhecer através da convi-
vência no serviço e da pesquisa dos problemas mais sentidos
pelos colegas.

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Podemos distinguir dois tipos de problemas:


1. aqueles que atingem todos os operários da fábrica, ou
mesmo toda a classe, como, por exemplo, o salário;
2. Aqueles que são próprios de uma seção ou se apresen-
tam de forma mais grave numa seção. Por exemplo,
o nível salarial de uma seção mais baixo em relação
às demais.
Geralmente torna-se mais fácil iniciar a luta pelo segun-
do tipo, que muitas vezes é um abuso evidente e o patrão
pode ceder para não “aumentar o problema”.
No início, vou estabelecendo relações de amizades com
os colegas de minha seção, observo como eles reagem frente
aos problemas e converso com eles sobre a sua própria vida,
suas dificuldades.
Uma coisa que ajuda muito o trabalho é criar pequenas
ações de solidariedade e ajuda mútua porque elas são o ger-
me da união. É nessas pequenas ações que “aparecem” os
colegas mais dispostos, os que revelam maior entendimento
dos problemas existentes na fábrica.
Tomemos alguns exemplos:
1) “Um colega de minha seção estava muito doente. Mas
o médico da firma não queria admitir, dizia que ele estava
‘fazendo corpo mole’ e por isso não lhe dava dispensa do
serviço. Depois de uma semana, descobriu-se que era uma
doença muito grave e ele teve que ser internado. Decidi-
mos, então, denunciar o fato na fábrica e, ao mesmo tempo,
prestar-lhe solidariedade. Abrimos uma lista e pedimos que
cada um escrevesse algumas palavras de conforto ao colega
hospitalizado. Enquanto isso, contávamos como era o pro-
cedimento da assistência médica da firma. Enquanto a lista
circulava, todos discutiam o assunto”.
2) “Um operário da seção foi assaltado e roubaram-lhe
o pagamento. Fizemos uma lista para cobrir o prejuízo. E
discutimos com todos as causas do grande número de rou-
bos e assaltos existentes na nossa sociedade”.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

3) “Nas datas de aniversário de colegas, fazemos festi-


nhas ou cervejadas em suas casas. É uma maneira de buscar
maior aproximação e amizade porque na fábrica mesmo o
tempo livre é muito pouco”.

Como desenvolver a luta


A prática nos tem mostrado que uma experiência de luta,
um movimento, educa muito mais e com maior rapidez que
meses e meses de bate-papos. A mobilização permite que um
certo número de operários concentrem as atenções num de-
terminado problema, procurando refletir na forma como ele
se apresenta e vendo a melhor maneira de resolvê-lo. Desse
modo, eles têm um entendimento mais real da necessidade e
da importância da união. Mas não basta a resolução para a
luta, é preciso saber lutar.
1º) Devemos partir das reivindicações mais sentidas, das
lutas mais fáceis, procurando acumular forças e consolidar a
união, para enfrentar as mais difíceis.
É preciso considerar que atualmente existe mais desu-
nião do que união de classe. E mesmo o pouco de união
que existe aqui e ali, nesta ou naquela fábrica, ainda não
é forte. Por isso, é importante que as primeiras lutas sejam
vitoriosas. Uma derrota inicial só vai enfraquecer o movi-
mento e dificultar uma nova união. Ao contrário, uma vitó-
ria engrossa a união e faz aumentar o nível de consciência e
organização.
2º) A escolha da reivindicação, da forma de luta a ser
enfrentada, não pode nunca ser imposta como uma decisão
de fora. E a iniciativa não pode surgir somente da nossa
decisão ou vontade. Ela depende da vontade da maioria dos
operários.
Não basta que existam os problemas e os motivos de
luta, por mais justos que sejam. Se os operários não estão
ainda conscientes deles e se não estão dispostos a lutar, de-
vemos fazer um paciente trabalho de esclarecimento. E só

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abrir a luta quando as condições existirem, senão acabamos


nos isolando e seremos derrotados.
3º) Devemos cuidar para que as lideranças não “apare-
çam” muito perante os chefes e os patrões. Eles sabem muito
bem que em qualquer movimento os líderes, os ativistas, são
importantes para o avanço das lutas. Por isso sempre que-
rem saber “quem é o cabeça”, para despedi-lo da firma.
Saber lutar significa também ter condição de permanecer
na fábrica após uma luta, para avançar no trabalho político
e na organização. Caso contrário, ficamos mudando de uma
fábrica para outra, como passarinho de galho em galho, sem
nunca poder consolidar nada. É verdade que nem sempre
isso é possível, que há certos momentos em que temos que
assumir abertamente a dianteira e devemos fazê-lo.
4º) Nas primeiras lutas, quando o trabalho está come-
çando, a forma melhor e mais segura de divulgar o movi-
mento e de chamar os colegas para a luta é o trabalho pes-
soal, de boca em boca, que pode ser completado com avisos
feitos com material da própria fábrica (por exemplo, escre-
ver com giz ou colar boletins escritos a mão).
A prática que certos militantes de fábrica utilizam sempre,
de distribuir ou jogar impressos ou panfletos a todo momen-
to, é uma coisa errada e que deve ser combatida. Primeiro,
porque, quando a segurança da fábrica pega esses impres-
sos, ela conclui logo que existe alguma organização por trás e
procura infiltrar os polícias no movimento, podendo levá-lo
à derrota. Além disso, essa forma quase exclusiva de panfle-
tagem revela, no fundo, que o militante está agindo isolado e,
na prática, vê os operários como massa de manobra. Um esti-
lo assim de trabalho pode ter sucesso em uma ou duas lutas,
mas não cria o movimento, não organiza a classe.

Como organizar
Já vimos que é na própria luta, por pequena que seja,
que nasce a união e o sentido da organização. No início

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

do trabalho, como as lutas são pequenas e localizadas,


geralmente também a organização é pequena. Muitas ve-
zes, é uma união de momento, de um pequeno grupo mais
disposto a levar adiante uma luta. Às vezes, ela não passa
de acertos que são mantidos antes de ir ao chefe para
reivindicar.
É importante notar que essas primeiras iniciativas de
união são um ponto de partida para o trabalho. Na ver-
dade, a união nesse nível se dá quase ao natural, é muito
frequente no meio operário. Porque o movimento espon-
tâneo das massas existe sempre, é uma resistência natu-
ral à situação de exploração. Mesmo que não houvesse na
fábrica nenhum militante mais esclarecido, mais cedo ou
mais tarde os operários iriam se unir para uma determina-
da luta. A função do militante de fábrica não é somente de
despertar os colegas para luta e união, embora isso já seja
um trabalho difícil e demorado. Nosso papel é fazer com
que a luta seja continuada e organizada. O pequeno grupo
que se criou durante uma luta deve se manter unido e or-
ganizado, deve discutir e planejar os passos seguintes para
fortificar a organização.
A organização operária na fábrica começa, portanto,
por um pequeno grupo, que reúne os elementos mais ati-
vos e mais dispostos e os que demonstram maior espírito
de união, e que podemos chamar de os mais avançados. É
evidente que o entendimento do que sejam os mais avança-
dos está sempre referido ao nível das lutas que os operários
estão vivendo, e à experiência da própria classe num mo-
mento considerado. Precisamos então definir um mínimo de
critérios que devemos adotar na escolha daqueles que serão
convidados para ingressar no grupo, que são:
1) Não estar comprometido com qualquer tipo de ativi-
dade de exploração do povo ou dos próprios companheiros
(uma forma de exploração muito encontrada na fábrica é a
agiotagem);

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Celso Frederico

2) Compreender a necessidade de trabalhar pela união


de todos os operários da fábrica, e não apenas os da sua
profissão ou seção;
3) Ter sido firme e combativo nas lutas;
4) Compreender que o objetivo do grupo é fazer um
trabalho paciente e em longo prazo, de união de todos os
operários (e não somente de fazer uma luta de momento)
e que, por isso, o grupo não pode ser conhecido como tal
pelo conjunto dos operários e muito menos pelos chefes e
patrões. Um pequeno grupo assim, formado na ação, é o
motor de todo o trabalho de organização que se vai esten-
dendo pelas seções da fábrica.

Onde concentrar a atuação


Sabemos que a classe operária não é homogênea, que
existe uma diferenciação em camadas devido à divisão do
trabalho na própria fábrica, criada pelos capitalistas. De um
modo geral, distinguimos os especializados e os não especia-
lizados ou ajudantes.
Os operários não especializados constituem a grande
maioria da classe e é deles que, em última instância, provêm
os lucros dos patrões. Para eles não há privilégios, não lhes
permitem ter acesso aos conhecimentos da produção; usam
muito mais a força dos músculos, trabalham muito e rece-
bem pouco em troca; são os mais explorados.
Os especializados não sofrem tanto as consequências do
arrocho salarial e muito menos o problema da insegurança
no emprego.
Vendo essas diferenças e o comportamento de uns e ou-
tros na ação, concluímos que a orientação que deve prevale-
cer no trabalho de união e organização é:
1º) apoiar-se no grupo dos mais avançados; 2º) concen-
trar a atuação nos ajudantes e 3º) ganhar os especializados
e isolar os chefes e encarregados.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Essa orientação geral de concentrar o trabalho junto aos


ajudantes se justifica não só porque eles são a grande maio-
ria mais explorada, mas também porque, quando tomam
consciência, mostram-se mais firmes e decididos na luta.
Um erro muito comum, que ocorre nas fábricas onde
existe facilidade de organizar mais rapidamente os especia-
lizados, é fazer com que o trabalho se concentre quase ex-
clusivamente neles.
Isso pode ser válido para um determinado momento,
para uma fase do trabalho, mas não deve ser a linha geral.
Porque, quando se trata de um trabalho organizado e con-
tinuado, esses companheiros não são constantes. Parece que
isso se deve à sua própria condição de ganharem um salário
maior, serem mais procurados e também de receberem uma
influência maior das ideias da burguesia.

Pesquisar e estudar
Nosso método parte sempre da experiência vivida. Os
operários têm um cabedal imenso de conhecimentos nas-
cidos da prática, da experiência da vida, da experiência do
trabalho, da experiência da luta.
O que o operário necessita em primeiro lugar, não é
ser instruído, receber conhecimentos de fora, mas ordenar
o mundo de sua experiência. Só depois devemos ampliar e
aprofundar esses conhecimentos, de modo que os conheci-
mentos científicos transmitidos correspondam a uma exi-
gência e necessidade do operário; senão ele não se assimila,
não faz do conhecimento uma arma.
Ao iniciar o trabalho na fábrica, na convivência do dia
a dia, o militante deve pesquisar e analisar junto aos com-
panheiros como está organizada a produção; como está
evoluindo a mecanização; como está organizado o trabalho;
qual é o custo do produto; qual é o destino do produto, para
onde vai, para quem é vendido, quais os intermediários, até
chegar ao consumidor.

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Celso Frederico

Ao estudar a organização do trabalho, entramos em


cheio na experiência de trabalho do operário, valorizando
a sua profissão, a sua capacidade de trabalho. O operário
vê mais claramente que é ele quem executa todas as tarefas,
que é ele quem põe a fábrica em movimento, e não o patrão.
Com isso, estamos elevando o operário de simples executor
de uma operação na cadeia do processo produtivo ao papel
de indivíduo que compreende a organização de conjunto,
conhece os mecanismos de funcionamento da fábrica e de
todo o processo industrial. Não esqueçamos que o mundo
do operário é o mundo da fábrica e é nesse livro que ele tem
que aprender.
Ao analisar os custos do produto e o seu destino, o ob-
jetivo é ver toda a cadeia da exploração. Lado a lado com o
estudo da produção e da organização do trabalho, analisa-
mos também os seus efeitos na classe: quais são os problema
mais sentidos pelos operários? Como agem os chefes e os
patrões? Como reagem os operários à situação existente?
Quais as experiências de lutas havidas na fábrica?
O estudo e a pesquisa são uma atividade permanente, e
não podem ocorrer somente em alguns momentos ou fases
do trabalho. Para que o grupo dos mais avançados possa
realmente dirigir a ação e engrossar a organização, é preciso
fazer um plano que permita o avanço na compreensão dos
problemas da classe e de toda a sociedade.
Geralmente, o grupo deve programar dois tipos de reu-
nião:
1. reunião de balanço da atuação; 2. reunião de estudo.
Nas reuniões de balanço são discutidos os erros e os acertos
da ação desenvolvida; são analisadas as causas dos erros; as
mudanças que ocorrem na fábrica após uma luta; a tática
assumida pelos patrões.
Nas reuniões de estudo, aprofundamos a discussão das
experiências; avaliamos o nível em que se encontra a união
dos companheiros e quantos estão sendo atingidos.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Como em todas as coisas que dissemos, também no re-


ferente ao estudo não pode haver uma receita. O começo
depende sempre dos problemas e dificuldades do grupo.
Quase sempre é preciso transmitir os conhecimentos mais
simples da ciência; sem um mínimo de instrução elementar,
acompanhada de informações (jornais e revistas), torna-se
difícil para o operário entender a ideologia científica, o so-
cialismo.
Partimos do mundo da fábrica, da experiência vivida, e
despertamos os companheiros para a luta de classes, para o
mundo da revolução.

Pesquisa sobre experiências no movimento operário no período


de 1973 a 1976
(AP-ML, novembro de 1976)

Em 1971-1972, nossa organização iniciou um “movi-


mento autocrítico” que visava uma profunda retificação em
nossa linha política. Entretanto, esse movimento não che-
gou a ir além de um importante, porém inicial, tratamento
das questões de tática geral e de táticas específicas para os
movimentos de massa. Mesmo assim ele chegou a produzir
frutos, que agora buscamos recolher e desenvolver.
Esse processo conteria um “movimento de retificação”
em dois níveis: teórico e prático. Era necessário não só cri-
ticar nossas concepções teóricas mas, também, verificar,
através de um balanço minucioso, como elas tinham sido
assimiladas e levadas à prática pelas bases, destacando essa
atividade como fundamental no movimento de retificação.
Nosso movimento autocrítico destacou um grande erro
numa questão-chave e essencial de nossa linha política an-
terior: a colocação da classe operária como força dirigen-
te, mas não como força principal da revolução. Ao corrigir
esse erro, colocando a classe operária como força dirigente e

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principal da luta pela revolução socialista-proletária (e não


nacional, democrática e popular), a sua mobilização revolu-
cionária passa a ser questão-chave da revolução, que levará
à construção do partido e à organização de um movimento
de massas de caráter realmente revolucionário. Para con-
seguir essa mobilização revolucionária da classe operária,
é preciso conhecer seus problemas, tanto objetivos como
subjetivos. E, principalmente, saber articular os objetivos de
longo prazo com a situação concreta atual da classe. Daí que
é necessário partir de experiências concretas de participação
e de lutas, para buscar descobrir o quanto elas avançam no
enfrentamento desse desafio, recolher de forma mais siste-
mática o que produziram e elevar a um novo nível teórico e
prático essas experiências.
Os encontros nacionais (setoriais, tipo MO, ME) ajuda-
vam exatamente este processo de articular as questões polí-
ticas gerais com a sua aplicação prática nos movimentos de
massa específicos. Tanto o Primeiro como o Segundo Encon­
tro Nacional Operário (ENO), que nossa organização já
rea­lizou, refletiram a influência de nossas posições políticas
gerais na orientação do movimento operário, ainda que não
de forma mecânica. Estávamos em preparação do II ENO
quando sofremos dois golpes sucessivos (o racha de 1972 e
as quedas de 1973) que impossibilitaram sua realização.
Agora a primeira Reunião Interregional de Reorganiza-
ção Nacional, ao lado de colocar na ordem do dia a retoma-
da da discussão organizadamente das questões programáti-
co-estratégicas, táticas e táticas específicas, decidiu, também,
pela convocação de um Encontro Nacional Operário (e ou-
tro estudantil) que vem a ser o terceiro que realizaremos.
Para sua preparação pretendemos nos valer não só de
nossas atuais posições políticas (no nível estratégico e táti-
co), como também de nossas sistematizações de experiências
anteriores, como o documento de MO de 1969 e o curso de
orientação sindical, elaborado pelo camarada Jo.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Estamos selecionando uma bibliografia básica que nos


ajude a levantar as questões teóricas e de estudos de expe-
riências históricas, tanto de autores clássicos do marxismo,
como materiais de outras organizações de esquerda, parti-
cularmente da tendência proletária. Selecionamos, também,
documentos sobre a experiência das Comissiones Obreras
da Espanha, bem como estudos de intelectuais progressistas
sobre o nosso movimento operário.
Entretanto, verificamos que isso só não bastaria, embo-
ra pudesse produzir uma razoável discussão. Entendemos
que é essencial levantar, no nível informativo, essas expe-
riências, buscando respostas para um mesmo conjunto de
perguntas, através de uma pesquisa com entrevistas diretas.
Vimos também ser essencial estimular a sistematização es-
crita de algumas dessas experiências de luta e participação.
Citamos, como exemplo, a que já fez o companheiro Torres
(experiência em quatro fábricas, publicada por nós como
suplemento do UP 1), e também o companheiro Ibrahim,
sobre a greve de Osasco.
O levantamento das informações concretas permitirá
um trabalho de avaliação crítica dessas experiências e, certa-
mente, um certo nível de generalização das mesmas. Temos
consciência, entretanto, das limitações que esse trabalho
ainda encerra; assim sendo, temos que dar-lhe uma conti-
nuidade posteriormente.
Para os companheiros que forem chamados a participar
dessa pesquisa, ela seguramente trará algumas importantes
contribuições, como:
– não deixar que as experiências vivas se percam no
esquecimento;
– a própria pesquisa deverá levar a uma reflexão crítica
sem a participação de cada companheiro;
– o companheiro não somente informará (responden-
do ao questionário de perguntas) como certamente
irá opinar sobre algumas questões gerais, estando as-

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Celso Frederico

sim contribuindo na elaboração de nossa orientação


específica para o movimento operário, a se traduzir
num anteprojeto de documento que será debatido no
III ENO.
Certamente que os companheiros que participarem das
experiências que agora queremos conhecer de forma mais
sistemática, terão dificuldades para reproduzir com rigor as
informações pedidas, pois, em parte, elas são de anos atrás.
Terão que “puxar pela memória”, quase que reproduzindo a
“história” da luta ou experiência, para daí tirar as respostas
a serem dadas.
O questionário tem perguntas fechadas, onde a resposta
é direta e refere-se a uma única questão. Tem, também, al-
gumas perguntas abertas, mais gerais, onde o companheiro
poderá responder “mais à vontade”, explicando as coisas a
seu modo. Acompanha-o dois anexos: um, visando levantar
dados sobre algumas lutas específicas, que tiveram grande
importância. Outro, um roteiro para levantamento de pro-
blemas que geram lutas em frentes localizadas, particular-
mente em fábricas.
O período que a pesquisa busca cobrir é, principalmen-
te, o dos anos do governo Médici-Geisel, ou seja, de 1969
para cá, porém centrando de 1973 para 1976, correspon-
dendo assim ao período em que, dentro do descenso, já ini-
cia o movimento de reanimação. Embora sejam importan-
tes os períodos anteriores, destacadamente de 1964 a 1968,
sobre eles já existe algum material escrito, o companheiro,
ao participar ativamente dessa pesquisa, esforçando-se para
responder ao conjunto das perguntas e enviando sugestões,
estará dando uma importante contribuição para que aque-
las experiências e lutas que tantas alegrias, dificuldades e
sofrimentos causaram para terem existido, sejam elevadas
ao nível da teoria da classe operária, expressando-se no pen-
samento revolucionário brasileiro.

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Anexo I

Questionário da Pesquisa:

Sobre o nível de mobilização


1. Está havendo lutas em sua área? Por seção, fábrica, geral?
2. Com que intensidade têm ocorrido essas lutas?
3. Tem havido muita luta espontânea? Alguma luta dirigida?
4. O que os operários pensam ou estão pensando das lutas?
5. Que problemas mais têm revoltado os operários?
6. Quais desses problemas têm levado à mobilização?
7. Tem havido lutas legais? Qual a participação do sindi-
cato?
8. Fale livremente sobre o que você tem sabido das mobili-
zações da classe nesses últimos três anos em sua área.

Sobre o nível de agitação e propaganda


1. Qual tem sido o nível de agitação e propaganda nas lutas
econômicas e políticas?
2. Qual tem sido o nível de penetração dos jornais das opo-
sições sindicias? E existe jornal da oposição sindical? Como
é feito?
3. Têm saído jornais de fábrica? Caso não, que iniciativa
pode-se tomar?
4. Têm sido utilizado (dentro da fábrica) boletins de denún-
cia, pixações, mosquitos etc.?
5. Como tem se dado a utilização do jornal Unidade prole-
tária? E os suplementos?
6. E a revista Brasil socialista, como tem sido usada?
7. Que contribuições os operários podem passar a dar ao
Unidade Proletária?
8. Que críticas você tem a fazer a ele?

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Celso Frederico

Sobre o nível de organização


1. Qual a situação do sindicato da categoria?
– sob intervenção.
– diretoria pelega.
– diretoria com elementos da oposição.
2. Qual a percentagem dos sindicalizados em relação ao to-
tal da categoria?
3. Qual o nível de participação da massa no sindicato?
– nas campanhas salariais.
– nas eleições sindicais.
– nos outros períodos.
4. Como tem se dado a escolha (se tem ocorrido) do delega-
do sindical nas fábricas?
5. Qual o nível de estruturação da oposição sindical? Tem
bases organizadas nas fábricas?
6. Como tem se dado a luta da oposição sindical?
7. E a participação da oposição sindical nas eleições sindi-
cais? Tem havido, como?
8. Têm havido experiências de comissões (comitês) de fábri-
cas? Legais, semilegais ou clandestinas?
9. Se há comissão em sua fábrica, quais têm sido as suas
atividades?
10. A partir de que têm surgido comissões de fábrica? Como
se organizaram? Como participam das lutas? Comissões,
comitês ou grupos?
11. Quais os critérios que têm sido utilizados para a partici-
pação nessas comissões?
12. Você teve (ou conhece) alguma experiência de articula-
ção de comissões de fábrica?
13. Como você acha que deveriam se estruturar as comis-
sões operárias?
– a partir de embriões de comissões de fábrica?
– a partir de coordenação municipal/regional/nacional?
14. Você acha que as comissões operárias deveriam ter,
desde o início, um programa de luta comum? Ou ele deve-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

ria surgir após um certo período de desenvolvimento das


comissões?
15. Você tem trabalhado em associações de bairros? E tem
havido alguma articulação delas e dos problemas dos bair-
ros com as lutas de fábrica e sua organização?
16. E a participação em outras entidades sociais, religiosas,
culturais? Tem alguma articulação com as lutas de fábricas?
17. Segundo você pensa, qual seria a relação, dentro da luta
de classe, entre:
– o partido revolucionário do proletariado;
– as Comissões Operárias;
– a oposição sindical.
Qual seria o papel de cada um?

Sobre o nível de consciência política


1. Como você vê a divisão da massa em três camadas: massa
avançada, intermediária e massa atrasada politicamente? Em
sua opinião o que caracteriza cada uma dessas camadas tanto
em relação às suas ideias como em relação à sua prática?
2. O período populista (do getulismo/janguismo) envolveu
mais de uma geração da classe operária brasileira. Como
você vê hoje a influência das ideias populistas na classe?
– que visão é mais comum sobre o papel do Estado?
– tem alguma ideia sobre a divisão da sociedade em
classes antagônicas?
– como a classe enxergam o Parlamento, os partidos
burgueses atuais (Arena e MDB) e os antigos, como
meio para resolver seus problemas?
– ainda existe esperança em políticos burgueses, mes-
mo que não sejam os mesmos de antes de 1964?
– que consciência tem do problema do atrelamento do
sindicato ao Estado?
– e sobre a “Justiça do Trabalho”, qual a visão que tem?
3. Como você acha que a classe viu o golpe de 1964 e como
vê os governos militares?

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Celso Frederico

4. Como você situa a nova geração operária de depois de


1964 em relação a essas questões?
5. Como eles veem a perspectiva de transformação da so-
ciedade? Não têm, acham que é por reformas ou através de
uma revolução?
6. Qual a influência do reformismo junto à classe operária,
hoje?
7. Qual a influência do populismo revolucionário?
8. Qual a influência das posições socialistas revolucionárias
nas fábricas? O que mais tem impedido a criação de bases
operárias socialistas nas fábricas?
9. Como as diversas camadas da classe veem os problemas
da luta contra o arrocho?
10. Como essas camadas veem as lutas feitas pelos traba-
lhadores agrícolas, pelo movimento estudantil, bancários,
setores de Igreja, intelectuais?

Sobre as consequências da superexploração


1. Aumentou o ritmo de trabalho nesse período (1973-
1976)? Como tem sido o controle sobre a produtividade?
2. Houve aumento de acidentes do trabalho?
3. Houve muitas dispensas depois (ou logo antes) reajustes
salariais?
4. As condições de trabalho pioraram? Em quê?
5. Introduziu-se, ou aumentou o número de mulheres e me-
nores na fábrica? Com que diferenças de salários?
6. E quanto aos restaurantes e condução da fábrica, como
têm sido?
7. Houve atrasos de pagamentos?
8. Houve necessidade de mais pessoas da família trabalharem?
9. Teve-se que lançar mão de “bicos”? De que tipo?
10. Como se reflete o nível salarial em relação ao aumento
do custo de vida?
11. Pioraram as condições de alimentação? Dê exemplos
concretos.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

12. Pioraram as condições de moradia? Dê exemplos.


13. E o atendimento do INPS e dos convênios?
14. E as condições de transporte?
15. E os problemas relativos à educação? E a formação pro-
fissional?
16. E as condições mínimas de lazer e descanso?

Sobre o nível de repressão


1. Como se dá a repressão na fábrica?
– tem havido revista na entrada e saída?
– transferência de lideranças de seção?
– demissão ou ameaça de demissão?
– intimação para depoimentos?
– presença de policiais na fábrica?
– prisões dentro da fábrica, ou na saída?
– existem informantes/dedos-duros identificados?
– outras formas de repressão?
2. Tem havido alguma luta contra esse tipo de repressão na
fábrica?
3. Como se dá a repressão no sindicato?
– exigência de carteira de sócio para entrar nas assem-
bleias;
– atestado ideológico e folha corrida para candidatar-
se no sindicato;
– intervenção no sindicato;
– adiamento ou anulação das eleições;
– perseguição a lideranças sindicais;
– invasão de assembleia sindical;
– prisão de líderes sindicais;
– cassação de direitos políticos dos líderes sindicais;
– denúncia dos pelegos para os patrões dos operários
mais combativos.

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Celso Frederico

4. Outras atividades repressivas:


– prisões fora da fábrica e do sindicato;
– invasão de casas de operários;
– atestado ideológico e bons antecedentes para eleições
em associações de moradores;
– repressão nos bairros e aos trabalhos comunitários
de bairros;
– condenação de operários.

ANEXO 2

Questionário para ser aplicado às lutas


específicas mais destacadas

Dados gerais
– Estado:
– Cidade:
– Ramo e tipo da produção da fábrica onde houve a
experiência:
– Número de operários da fábrica:
– Época da luta (se possível a data):

A – Preparação da luta
1. Como surgiu e quem propôs a luta?
2. Começou por seção? Qual?
3. Que objetivos foram propostos?
4. Que forma de luta foi proposta?
5. Como se propagou a luta?
6. Se era luta salarial, foi em época de dissídio?
7. Foi luta de uma só fábrica, de algumas, ou da categoria?
8. Foi distribuído algum material escrito de agitação? Qual
ou quais?
9. Houve alguma pichação dentro da fábrica?
10. Que forma de organização foi proposta?

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

B – Desenvolvimento da luta
11. Houve que tipo de reuniões na fábrica? Em que partes
da fábrica e em que horário?
12. Houve reuniões fora da fábrica? Em que tipo de locais?
13. Procurou-se o sindicato? Quem e quantos o fizeram?
14. Que expectativa os operários depositaram nos sindicatos?
15. Qual a participação da oposição sindical?
16. Houve assembleias nos sindicatos? Com que participa-
ção de massas?
17. Como foi a atuação dos pelegos?
18. Qual foi o papel do Ministério do Trabalho/Delegacia
Regional?
19. As lideranças foram de que tipo?
– antigas lideranças sindicais;
– novas lideranças sindicais;
– lideranças surgidas espontaneamente na luta.
20. Houve lideranças de fora da fábrica?
21. Qual o nível de participação das diversas camadas da massa?
22. Como foi a participação por seções?
23. As formas de organização propostas foram praticadas
ou surgiram novas formas?
24. Qual a forma de luta adotada durante a luta?
– greve legal;
– greve ilegal;
– operação-tartaruga;
– reivindicação através do sindicato;
– reivindicação através da Justiça do Trabalho;
– abaixo-assinado;
– reclamação coletiva;
– ou outras (que deverão ser explicadas).
25. Quais foram as principais discussões durante a luta?
26. Houve divergências na orientação e propaganda duran-
te a luta? Na fábrica e junto a outros setores do movimento
operário?
28. Foi formada alguma comissão durante a luta?

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Celso Frederico

29. Houve repressão? De que tipo?


30. Qual o comportamento dos setores de massa atingidos
pela repressão?
31. Quanto tempo durou a luta?

C – Desfecho da luta
32. Quais os resultados da luta, considerando as reivindica-
ções feitas?
33. Houve negociação direta com os patrões?
34. Quem representou os operários?
35. Após a luta houve dispensas?
36. Resultou alguma forma de organização que permaneceu
funcionando?
Comissão? Comitê? Grupo?
37. A Oposição Sindical se fortaleceu? Como?
38. Surgiram novas lideranças?
39. Que ligação teve com as lutas seguintes?
40. Aumentou a sindicalização?
41. Que repercussão teve essa luta junto a outras seções, ou
outras fábricas e setores do movimento operário?

***

Breve histórico da oposição sindical31


(Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, março de 1979)

Este breve histórico da Oposição Sindical tem por obje-


tivo apontar, nas suas linhas gerais, a evolução da proposta
desde seu nascimento. Evitar-se-ão referências a nomes e a
fatos. É claro que com isso haverá perda de informações e a
leitura poderá ficar pesada.

31
Grupos de Militantes Sindicais da OSMSP dos Setores Sul, Leste, Oeste e Cida-
de Ademar, março de 1979.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

O surgimento da ideia
Quando da grande derrota da classe operária em 1964,
e a consequente repressão e controle sobre a vida sindical
por parte da ditadura instalada, imediatamente os sindica-
listas mais combativos começaram a pensar nas formas mais
adequadas para a retomada da luta. O debate que se abriu
enfrentou imensas dificuldades, principalmente porque a área
sindical era o alvo principal da ação repressiva do novo go-
verno. Além do mais, a única força política organizada no
meio operário tinha como proposta para os seus militantes na
área sindical a pura e simples preservação de posições onde
quer que isso fosse possível, não importa a que preço. Contra
essa proposta de preservar posições através do imobilismo
levantaram-se algumas vozes, e foi dessa crítica que nasceu a
Oposição Sindical. Para um número não desprezível de qua-
dros sindicais de qualidade, a questão não se colocava em
termos da preservação do espaço político através do imobilis-
mo, mas sim, e isso é fundamental, recolocar a questão da luta
sindical em novos termos. Para esses militantes, tratava-se de
iniciar, desde então, a luta por um novo tipo de sindicalismo,
o que colocava a questão da estrutura sindical no centro dos
debates. Essa ideia, que no começo passou apenas pela cabeça
de alguns militantes, encontrou, a partir de 1968-1969, con-
dições para se traduzir em política sindical mais eficiente.

As diversas forças e propostas no meio sindical até 1970


A ideia da luta contra a estrutura sindical não podia
prescindir de uma concepção tática. Essa concepção tática
tinha, nas suas linhas gerais, já em 1967-1968, os seguintes
pontos centrais:
1. qualquer luta contra a estrutura sindical deve ter como
eixo a classe operária de São Paulo, ampliando-se, como pri-
meira prioridade, para o Rio de Janeiro e Minas Gerais;
2. qualquer iniciativa de luta contra a estrutura sindi-
cal deve centrar-se na categoria metalúrgica, por ser a mais

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Celso Frederico

numerosa, a mais organizada e por ter uma grande tradição


de luta;
3. qualquer iniciativa de luta contra a estrutura sindical
vigente teria que passar também pela luta no interior da es-
trutura sindical oficial, na medida em que não se cogitava
de criar um sindicalismo paralelo, mas sim uma alternativa
para a estrutura sindical existente.
Essas proposições encontram, de início, sérias resistên-
cias no interior das esquerdas. Como sempre, a luta sindical
embaralhava-se com a luta política mais geral e, com isso, a
proposta da Oposição Sindical defrontava-se com as seguin-
tes proposições principais:
1. o isolacionismo – característica principal dos movi-
mentos católicos com implantação operária. Na época era
o caso da JOC (Juventude Operária Católica) e da ACO
(Ação Católica Operária). Esses movimentos organizavam
os operários à margem de suas entidades de classe, se bem
que, em alguns casos localizados, propusessem a participa-
ção na luta sindical. Mas essas exceções (cuja importância
foi grande para o crescimento da Oposição Sindical) eram
marcadamente minoritárias e, na maior parte dos casos, a
posição desses movimentos era a de isolar os operários por
eles agrupados da luta política ou da luta político-sindical;
2. o foquismo – designação genérica de uma postu-
ra política que teve enorme importância entre a esquerda
brasileira de 1967 até 1972. No geral, o foquismo é mais
conhecido pela busca das ações armadas localizadas e pelo
vanguardismo político. Mas até hoje ainda não foi estudada
a importância que essa proposição teve no interior do mo-
vimento operário. Na verdade, o foquismo esteve presente,
e ainda está, no movimento operário. A sua característica
principal é atribuir um valor desmesurado às ações isoladas,
buscando levar confrontações localizadas aos limites má-
ximos, sem se preocupar com o crescimento horizontal da
luta de classes. O exemplo mais famoso da luta foquista no

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

meio operário foi a greve de Osasco, onde, numa conjuntura


política nacional absolutamente desfavorável à classe ope-
rária, chegou-se até à ocupação de fábricas. Evidentemente
o foquismo não poderia, na prática, colocar a questão da
estrutura sindical como ponto importante da luta sindical,
na medida em que desprezava qualquer preocupação com a
visão de conjunto da relação de forças no interior da socie-
dade brasileira e, por isso, combatia a OS;
3. o imobilismo – caracterizava uma tendência impor-
tante do movimento operário, e cuja proposta sintetizava-se
na ideia de ocupar espaço no interior do aparelho sindical
oficial, através da negociação de cargos e posições. O objeti-
vo era conseguir uma quantidade suficiente de posições para,
a partir daí, utilizar o aparelho sindical oficial em função de
interesses populares. Evidentemente, os que defendiam essa
proposta não podiam aceitar a luta contra a estrutura sindi-
cal como o ponto central da ação político-sindical, comba-
tendo a OS principalmente através da alegação de que esta
propunha um sindicalismo paralelo.
Inicialmente, a proposta da formação de uma oposição
sindical que centrasse a sua ação contra a estrutura sindi-
cal resultou na arregimentação de alguns quadros sindicais
que discordaram da proposta imobilista. O trabalho desses
quadros orientou-se no sentido de atingir outros grupos que
se formavam no interior do movimento operário, seja em
decorrência dos sucessivos rachas que caracterizaram as or-
ganizações políticas, seja através da politização que tendia
a atingir importantes setores operários vinculados à Igreja
Católica. Esse processo ganhou consistência e se traduziu no
trabalho realizado por quadros de origem política diversa,
que encontraram a sua unidade efetiva no campo da ação
sindical. É desse tempo que vêm alguns dos atuais quadros
conhecidos da Oposição Sindical.
As diferenças de origens, de posições políticas e até de es-
tilo de atuação pessoal tiveram aspectos positivos e negativos,

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Celso Frederico

levaram a acertos e a erros. Dentre os erros, o mais impor-


tante é o fato de que havia uma tendência generalizada de se
confundir a nascente Oposição Sindical com o surgimento de
uma organização política. Objetivamente, a Oposição Sindical
era, já então, uma frente de tendências políticas, congregan-
do católicos, marxistas, trabalhistas de esquerda. Esse grupo,
pressionado pelas organizações políticas que representavam
outras tendências, acabou por assumir uma posição fechada
como necessidade de se diferenciar no plano político-formal
daqueles que o criticavam. Essa burocratização de tipo parti-
dário que despontava entre os militantes da Oposição Sindi-
cal acabou por criar dificuldades para a construção de uma
frente mais abrangente de luta sindical, mas, ao mesmo tem-
po, consolidou um núcleo que possibilitou a difusão da ideia,
e isso num contexto de violenta repressão.
Dentre os acertos, há alguns que é preciso destacar. Em
primeiro lugar, a elaboração da proposta. Foi esse grupo que
formulou e traduziu em prática, pela primeira vez, a neces-
sidade de centrar a luta contra a estrutura sindical. Em se-
gundo lugar, e apesar das dificuldades, apontou o caminho
real para o avanço da luta sindical a constituição de uma
frente no interior do movimento de massas. Foi com base
nessa experiência que começaram os contatos com outros
Estados, do que resultaram as sementes para as futuras opo-
sições sindicais fora de São Paulo.
Nessa época, já se impunha a resolução de alguns pro-
blemas até hoje pendentes: capacitação de militantes sindi-
cais, constituição de grupos de fábrica. E algumas iniciativas
tiveram lugar, principalmente no que diz respeito à forma-
ção de militantes sindicais, através de cursos de capacitação
político-sindical.

As eleições sindicais de 1972 em São Paulo e a chapa verde


Foi dentro desse quadro geral que a Oposição Sindical
resolveu participar das eleições no Sindicato dos Metalúrgi-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

cos em São Paulo. A Chapa Verde realizou uma campanha


combativa, cujos objetivos principais eram:
1. mostrar para a categoria a necessidade e possibilidade­
de uma oposição sindical;
2. denunciar a estrutura sindical;
3. acumular experiência no plano da luta no interior do
sindicalismo oficial;
4. criar condições para chegar à porta das fábricas para
discutir com os companheiros para, posteriormente, após as
eleições, retomar os contatos.
A participação nas eleições foi da maior importância. O
circuito de contatos se ampliou e, após a campanha da Chapa
Verde, a Oposição Sindical ganhou em dinamismo. Consoli-
dou-se a confiança recíproca entre militantes de origens varia-
das, contatos com outros centros industriais foram intensifi-
cados. A Oposição Sindical do Rio de Janeiro estruturou-se, e
a chapa de oposição chegou a vencer as eleições no Sindicato
dos Metalúrgicos, o que provocou intervenção nesse sindicato.
Nessa época, a Oposição Sindical colocava, já, a necessidade
de estender sua atuação para outras categorias. Foi então que
ocorreram as prisões de janeiro-fevereiro de 1974.

As prisões de janeiro-fevereiro de 1974 e seus efeitos


Em fins de janeiro e começo de fevereiro de 1974 veri-
ficou-se uma onda de prisões em São Paulo e no Rio de Ja-
neiro, atingindo profundamente a Oposição Sindical. Uma
boa parte dos melhores militantes sindicais até então forma-
dos na luta foram presos e torturados. Aqueles que não fo-
ram presos tiveram a sua mobilidade restringida. As prisões
duraram de um mês e meio a cinco meses. Como costuma
acontecer, os militantes que saíram da prisão tiveram limi-
tada a sua capacidade de ação. A repressão havia atingido,
em parte, seu objetivo. Os que saíam da cadeia eram vistos
como perigosos, no sentido de que podiam colocar em ris-
co a segurança dos companheiros. Alguns eram evitados e

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Celso Frederico

eles mesmos evitavam comprometer companheiros. Outros


ficaram profundamente abalados, física e psicologicamente,
e recuaram na sua ação. O resultado disso foi um recuo na
ação da própria Oposição Sindical.
Mas as prisões de começos de 1974, se tiveram efeitos
negativos, produziram, também, resultados positivos. Entre
os resultados positivos vale a pena enumerar os seguintes:
1. um grande número de jovens militantes sindicais teve
condições de levantar a bandeira da Oposição Sindical. Al-
guns deles em contato com aqueles que haviam estado na
prisão, outros através de uma revisão crítica de sua ação
anterior. O fato de que o núcleo inicial tenha sido momenta-
neamente imobilizado na sua ação político-sindical permitiu
a formação, através da prática, de novos militantes sindicais
de boa qualidade;
2. a ideia de uma política de ação sindical unitária assu-
miu uma nova importância. Primeiro, porque o núcleo ori-
ginal da OS, ao perder a sua unidade orgânica de tipo pré-
partidário, foi forçado, através de suas frações, a ampliar
suas alianças no plano da política sindical. Em segundo lu-
gar, com o fracasso da aventura militarista, outros agrupa-
mentos políticos, formalmente organizados ou não, começa-
ram a se aproximar da Oposição Sindical e assumiram uma
participação efetiva.
O período que vai das prisões de 1974 até meados de
1976 marca o ponto mais baixo do descenso e o estabeleci-
mento de um patamar que marca o fim do descenso inicia-
do em 1974. É durante esse período que iniciativas de ação
político-sindical como as interfábricas articulam sua
ação com a ação da OS.
A partir de meados de 1976, a Oposição Sindical vai co-
meçar uma curva ascendente que vai culminar nas eleições
de 1978. Essa etapa é da maior importância, pois é no seu
interior que se definem as alternativas que se abrem hoje
para a Oposição Sindical.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

O fim do descenso e o crescimento até as eleições de 1978


A retomada da luta da Oposição Sindical, após a grave
crise de 1974, somente foi possível devido ao fato de que
um certo número de jovens militantes sindicais já estava ca-
pacitado para preservar a proposta. É evidente que isso não
ocorreu sem dificuldades. A experiência limitada desses jo-
vens militantes, o tipo de influência política que haviam so-
frido (e que era no geral característico dos anos turbulentos e
irracionais do foquismo), a inexistência de um enraizamento
da proposta no interior das fábricas, tudo isso levou a erros.
O grande acerto, no fim das contas, foi a preservação da
proposta. E foi somente quando o conjunto encontrou um
certo equilíbrio interno que o movimento ascendente pôde
ser retomado. A fragilidade da OS, nesse período, tem na
impossibilidade de lançar uma chapa de oposição nas elei-
ções de 1975 no Sindicato dos Metalúrgicos o seu exemplo
mais expressivo.
No plano interno da Oposição Sindical, é preciso desta-
car três momentos fundamentais nesse período: o momento
da autoidentificação, o momento da luta pelo Programa da
Oposição Sindical e, finalmente, o ganho de clareza a respei-
to da importância da organização de base para ação sindi-
cal, e que foi cristalizado na proposta da luta por Comissões
de Fábrica.

O momento da autoidentificação
A ação sindical unitária que se estrutura com a reto-
mada da luta da Oposição Sindical, em meados do ano de
1975, diferia profundamente daquela que havia começado e
conduzido esse trabalho até as prisões de 1974. A alteração
da conjuntura política nacional, cujo alcance não era ain-
da muito claro para ninguém, propiciou o renascimento de
muitos dos pequenos grupos que resultaram dos “rachas”
sucessivos do período foquista. Ao mesmo tempo, os mi-
litantes operários ligados à Igreja Católica, e que haviam

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Celso Frederico

refluído para os movimentos de inspiração confessional


(agora não mais JOC e ACO mas, principalmente, as Pasto-
rais Operárias), retomaram a ação sindical. Com tudo isso,
a Oposição Sindical “inchou”, do que resultou um certo
artificialismo na sua estrutura interna. A organização dos
setores que é desse período, por exemplo, baseou-se muito
mais em critérios de afinidade do que em critérios de repre-
sentatividade e de trabalho de base. A composição da coor-
denação reproduzia esse artificialismo. A Oposição Sindical
crescia, mas esse crescimento não era submetido ao critério
básico da luta de massas. Isso era inevitável, na medida em
que faltavam condições para sair de uma situação ambígua
de semilegalidade no caso da OS, além do que faltavam ain-
da condições para a eclosão de movimentos de massa. De
qualquer forma, foi durante esse período que se produziram
respostas para algumas questões que até hoje não perderam
a atualidade: a definição do papel da Oposição Sindical, por
um lado, e, com base nisso, o estabelecimento do Programa
da Oposição Sindical.
A luta pela autoidentificação da Oposição Sindical gi-
rou em torno da seguinte questão: o que é e o que propõe a
Oposição Sindical? Foi no interior desse debate que nasceu
a proposta, hoje geral e difundida nacionalmente, da auto-
nomia dos movimentos sociais face ao Estado. Essa questão
é de radical importância, na medida em que representa um
avanço em relação à proposição anterior (luta contra a es-
trutura sindical oficial), não porque suprime a proposição
anterior, mas sim por lhe conferir maior amplitude, apon-
tando para um caminho que vale não somente para a luta
sindical, mas para todas as formas de organização popular.
Essa formulação, que não é tão antiga, como se vê, nasceu
no interior dos debates da Oposição Sindical nesse período,
e foi com base nessa proposição, ainda muito geral, mas
extremamente clara, que começou o processo de consolida-
ção da unidade da Oposição. E sem esse debate preliminar,

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

ainda que geral, não teria sido possível chegar ao estabe-


lecimento do Programa da Oposição Sindical, debate que
marcou praticamente boa parte do ano de 1977.

A luta pelo programa da Oposição Sindical


Os debates decorrentes do estabelecimento do ponto
central da proposta da Oposição Sindical, e que serviu para
unificar tendências divisionistas em seu interior, traduziram-
se no debate do programa. A partir do começo de 1977, o
programa passou a ser reconhecido como necessidade ab-
soluta.
Esse debate foi se ampliando progressivamente e rea-
firmou o objetivo central da luta sindical na busca de um
sindicalismo autônomo face ao Estado, introduzindo novos
componentes de grande importância, os caminhos para um
sindicalismo de base, realmente democrático, representativo
e cuja expressão mais geral são as comissões de fábrica. Além
de pontos operacionais, direito de greve, pontos relativos
ao trabalho da mulher, estabilidade etc., o programa punha
como pontos centrais a autonomia sindical, as comissões de
fábrica e a livre negociação entre patrões e operários.
Isso era sinal inequívoco do avanço da luta da OS. Os
problemas não eram abstratos: a questão da organização
nas fábricas passou a ser um problema concreto. E a grande
vitória da OS verificou-se, curiosamente, fora dos seus limi-
tes de ação imediata.
Paralelamente à luta da Oposição Sindical Metalúrgi-
ca de São Paulo, as Oposições Sindicais de outros centros
industriais (além de outras categorias) começaram a se mo-
vimentar. E o ponto de referências para todos, através de
caminhos diversos, foi a OSMSP. Os programas defendidos
e propagandeados eram reflexo dos pontos e do programa
que a OSMSP vinha defendendo e propagandeando.
E outro fenômeno importante começou a despontar na
vida sindical e que interferiu grandemente na OSMSP: os

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Celso Frederico

sindicatos de oposição. Esse fenômeno recente, e que atra-


vés dos dirigentes sindicais combativos com mandato tem se
manifestado contra a estrutura sindical oficial, também tem
reproduzido, com pequenas variações, os pontos básicos do
programa da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo.
O despontar desse sindicalismo de oposição no interior
do sindicalismo oficial apontava para a existência anterior
de fermentação nos meios sindicais. Mostrou que a bandeira
do sindicalismo autônomo face ao Estado já não era uma
bandeira exclusiva da Oposição Sindical. E mostrou, tam-
bém, que a luta que se travaria, a partir daí, já não se limi-
taria aos limites da denúncia da estrutura sindical. A partir
dessa época, o que passou a estar em jogo era, como é ain-
da hoje, a qualidade da futura estrutura sindical brasileira.
Tudo isso ficou muito mais claro durante o ano de 1978.

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Capítulo VI
AS GREVES DE 1978-1980

APRESENTAÇÃO

A irrupção operária iniciada com a greve de 1978 mar-


ca um momento novo na história da classe trabalhadora.
Retomando o caráter massivo das greves ocorridas no pré-
1964, o movimento teve em sua vanguarda o operariado da
indústria automobilística de São Bernardo, sinalizando que
a ponta de lança do movimento passou a situar-se no setor
moderno da economia brasileira. No plano político, o ciclo
grevista trouxe para o primeiro plano a presença operária
nos debates sobre a redemocratização do país.
O caráter massivo e pacífico das greves deixou perplexa
a ditadura militar em sua fase terminal. Sem ter como repri-
mir a ofensiva operária iniciada em 12 de maio na Scania
(e que logo se alastrou por todo o país), o regime em crise
via sua lei antigreve ser revogada pela prática de uma classe
que, finalmente, recobrava a sua capacidade de luta e proje-
tava nacionalmente a liderança de Lula.
Mas não foi só a ditadura a ser surpreendida: a própria
esquerda se deparou com um vigoroso movimento de mas-
sas espontâneo, que, inicialmente, era hostil a todos os par-
tidos políticos existentes e cuja liderança declarava-se “sem
ideologia”.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Até então, os agrupamentos de esquerda que atuavam


em São Bernardo faziam uma oposição aguerrida à direto-
ria do sindicato metalúrgico e olhavam com desconfiança e
preocupação a súbita notoriedade de Lula.
Levado a participar do sindicato metalúrgico em 1969,
através de seu irmão “Frei” Chico, militante do PCB, Lula
permaneceu longos anos alheio à luta contra o regime mili-
tar e à organização dos trabalhadores nas fábricas. Por isso,
na imprensa clandestina da época, encontram-se referências
frequentes aos dirigentes sindicais (especialmente Paulo Vi-
dal e Lula), sempre chamados de “pelegos”, “vendidos aos
patrões”, “traidores da classe”, “burocratas”, “bandidos”
etc. Mesmo o PCB, que pregava a participação nas entida-
des a qualquer preço e rejeitava o paralelismo das oposi-
ções sindicais, mantinha uma posição de temerosa cautela
perante o sindicato metalúrgico. Veja-se, a propósito, a se-
guinte referência do jornal Voz Operária ao dirigente Paulo
Vidal: “O atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de
São Bernardo do Campo, além de se colocar a serviço das
empresas, é um agente do aparelho policial e repressivo do
governo, remetendo para o SNI, Dops etc., relatórios das
assembleias, como o fez na assembleia do dia 20 de janeiro
último [...]”.32
Foi nesse ambiente carregado que Lula e um pequeno
grupo de dirigentes realizaram um penoso e paciente traba-
lho de ocupação do aparelho sindical e de lenta renovação da
diretoria. Alheio à luta contra o regime militar e à ação inter-
mitente das oposições sindicais para organizar a categoria, o
grupo de Lula travou uma prolongada “guerra de posição”
na burocracia sindical, que só se completou em 1978.
É compreensível, pois, a irritação dos militantes ope-
rários que apostavam na “organização independente da

32
Amador Bueno, “Metalúrgicos de São Bernardo”, in Voz operária, julho de
1970, p. 7.

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classe”, quando Lula, após uma célebre entrevista com o


jornalista Mino Carta para a revista IstoÉ, começou a ser
apresentado como o verdadeiro representante do movimen-
to operário brasileiro.
As diferenças entre Lula e os grupos de esquerda podem
ser acompanhadas tanto nas publicações clandestinas quan-
to também nas suas entrevistas à imprensa no ano de 1978.
Defensor do sindicalismo, ele não poupava críticas às oposi-
ções sindicais e à Igreja. Sobre esta, por exemplo, disse:
Eu tenho lido algumas matérias da Pastoral Operária e não gos-
tei, porque estão colocando o operário num nível muito baixo,
ele aparece ali como um “Zé Ninguém” e eles como os bons.
O que a Igreja não pode fazer é criar movimentos paralelos ao
sindical. Ajuda se fizer um bom trabalho de conscientização do
trabalhador para que ele atue dentro do sindicato.33
Mas o renascimento impetuoso do movimento operário
e o prestígio nacional de Lula acarretaram uma surpreen-
dente confluência entre os “sindicatos combativos”, os di-
versos grupos de esquerda e as Comunidades Eclesiais de
Base, para a criação do Partido dos Trabalhadores. A reu-
nião dessas correntes heterogêneas no PT fez desse um parti-
do original em nossa história, capaz de aglutinar o moderno
operariado urbano, o trabalho disperso da Igreja Católica
e uma infinidade de agrupamentos de esquerda que nele se
aninharam.
O polo dinâmico na constituição do PT era formado pe-
los dirigentes sindicais politicamente independentes (“sem
ideologia”, como costumavam dizer), que serviam de refe-
rência para o conjunto da sociedade. A predominância do
bloco sindicalista em grande parte explica o discurso obrei-
rista que marcou os primeiros tempos do PT; os sindicalistas
viam o partido como uma mera extensão das lutas econô-
mico-corporativas. O entrelaçamento entre os sindicatos e o

33
Cf. IstoÉ, nº 58, 1978, p. 9.

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partido transformou o último em correia de transmissão das


lutas econômicas: os sindicatos tinham, assim, uma política
para o partido, mas o partido não tinha uma política sindical
para as entidades de classe. De outro lado, a Igreja e diversos
grupos influenciados pelo basismo viam, contrariamente, o
PT como um partido nascido “de baixo para cima”.
O rápido crescimento do PT fez deste um divisor de
águas no movimento operário.

I – A greve de 1978
Os anos de 1978-1980 foram marcados pelas grandes
greves que tiveram à frente os metalúrgicos de São Bernardo
do Campo.
O ciclo grevista iniciou-se no dia 12 de maio de 1978,
quando os trabalhadores da Saab-Scania pararam as máqui-
nas. A greve espontânea logo se alastrou por São Bernardo e,
em seguida, por todo o país, forçando as indústrias a negocia-
rem em separado com os trabalhadores de cada fábrica.
A greve de 1978 foi a primeira resposta operária coletiva
aos longos anos de arrocho. A resistência nas indústrias, que
vinha se processando durante toda a década de 1970, teve nas
denúncias de manipulação salarial levantadas pela grande im-
prensa um acontecimento capaz de potenciar a revolta operá-
ria. A deflagração da greve, sem uma liderança, sem preparo,
sem piquetes, sem a presença coordenadora do sindicato, é
um fenômeno único em nossa história social. Os operários
limitaram-se a cruzar os braços diante das máquinas e perma-
neceram nessa posição silenciosa de recusa e rebeldia.
O ciclo de greves iniciado em 1978 gerou copiosa litera-
tura. O afrouxamento da censura à imprensa permitiu que
os grandes jornais dessem uma cobertura diária aos aconte-
cimentos. Paralelamente, esse é o momento de consolidação
da imprensa sindical e de emergência dos jornais
Uma novidade do período é a realização de filmes, do-
cumentários, vídeos e álbuns fotográficos sobre o movimen-

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to operário. Com isso, a historiografia operária entrou na


era da mídia eletrônica.
Os diversos grupos de esquerda muito escreveram sobre
o período em questão. Além de informarem os leitores de
seus jornais e documentos, procuraram sempre interpretar
os acontecimentos à luz de suas respectivas visões estraté-
gicas e, a partir delas, travar a luta ideológica contra as de-
mais posições que disputavam a hegemonia do movimento
operário.
A greve de 1978 foi vista pelo PCB como um importante
acontecimento da vida política brasileira, capaz não só de am-
pliar a luta contra a ditadura como também de dar a ela um
conteúdo social mais avançado. Daí a preocupação em tirar
do isolamento o movimento espontâneo dos trabalhadores e
ligá-lo à luta mais ampla travada contra o regime militar.
Contrariamente a ele, outros grupos de esquerda que
atuavam nas diversas oposições sindicais viram na greve
uma manifestação operária que deveria – sob pena de des-
caracterização ideológica – permanecer autônoma em rela-
ção à frente antiditadura, visto ser esta hegemonizada pelos
setores liberais.

II – 1979: greve no ABC


Em 1979, os metalúrgicos voltaram a fazer greve geral
a partir do dia 13 de maio. Diferentemente do ano anterior,
os sindicatos de São Bernardo e Santo André realizaram um
longo trabalho de preparação da categoria para a greve,
através da criação de comissões salariais que orientaram a
formação dos piquetes. A repressão à greve e a intervenção
governamental nos sindicatos deslocavam a realização das
assembleias para a Igreja Matriz e para o Paço Municipal.
Com isso, firmou-se a aproximação da Igreja com o movi-
mento operário, ao mesmo tempo que se inaugurava a tra-
dição das grandes assembleias plebiscitárias que atingiriam
seu ponto alto no ano seguinte.

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Aceitando a trégua proposta pelo governo, os metalúr-


gicos conseguiram a retomada do sindicato e um acordo
salarial mais ou menos vantajoso. Entretanto, não houve
consenso na avaliação da greve: para alguns, ela foi uma
vitória; para outros, foi uma derrota. A aceitação da trégua,
por sua vez, tanto foi vista como sabedoria política quanto
como traição ao movimento.
O PCB considerou que a greve do ABC de 1979 foi um
movimento vitorioso. A trégua proposta pelos dirigentes e
a retomada das entidades sindicais postas sob intervenção
foram interpretadas como um salto de qualidade nas lutas
operárias: agora, o espontaneísmo das massas presente no
ano anterior cedeu lugar à ação consciente dos sindicalistas,
que prepararam, dirigiram e souberam encerrar com habili-
dade o movimento grevista.
A mesma greve, entretanto, foi vista pelos diversos seg-
mentos das oposições sindicais (que então confluíam para
a formação do Partido dos Trabalhadores) como uma der-
rota. O recuo de Lula – que abandonou o movimento e,
depois, voltou às assembleias para propor uma trégua – foi
duramente criticado.

III – 1979: Greve em São Paulo


Ainda em 1979, ocorreu uma greve com características
particulares, em São Paulo, também na categoria metalúrgi-
ca. Pela primeira vez, a oposição sindical conseguiu neutra-
lizar o sindicato e assumir a direção do movimento. Criando
cinco subsedes nos bairros, dirigidas pelo comando de greve,
a oposição agiu como um sindicato paralelo que orientava a
categoria através das assembleias.
A greve pôde manter-se graças à ação de grandes pi-
quetes que praticavam a “operação saca-rolha”: os grevistas
cercavam as fábricas, persuadiam os operários a abando-
narem o trabalho e a engrossarem o piquete para, assim,
irem parando as demais fábricas de uma região. Na repres-

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são policial foi assassinado o operário Santo Dias da Silva,


membro da oposição sindical estreitamente ligado ao tra-
balho pastoral da Igreja. A morte de Santo Dias comoveu a
opinião pública e favoreceu a continuidade da greve.
O posterior declínio e a volta ao trabalho deram lugar
à acalorada avaliação do movimento (vitória ou derrota?),
à troca de acusações entre a diretoria sindical e as oposições
e à discussão sobre o papel das comissões de fábrica e suas
relações com o aparelho sindical.
Por outro lado, os dirigentes sindicais, sentindo-se acua-
dos pela atuação das oposições, viram-se obrigados a sair do
imobilismo em que se encontravam. Data daí a recomposição
de forças na diretoria (que passou a incluir militantes do PCB,
do MR-8 e, tempos depois, do PC do B); a criação de uma
assessoria formada por intelectuais de esquerda e a dinamiza-
ção da imprensa sindical que foi entregue à empresa Oboré.
Com isso, o sindicato de São Paulo passou a aglutinar, no
plano nacional, uma corrente que se opôs à atuação do PT.

A avaliação da greve de 1979 na cidade de São Paulo foi


marcada por acirrada polêmica.
Comunistas de diversas tendências uniram-se na crítica
à orientação imprimida ao movimento pelas oposições sin-
dicais, e concordaram que a greve significou uma derrota
para os trabalhadores.
Os setores da oposição sindical, contrariamente, con-
sideraram o movimento uma vitória da classe operária. As
dificuldades enfrentadas durante a greve foram atribuídas
ao papel nela jogado pelo sindicato.

IV – 1980: O confronto em São Bernardo


A greve de 1980 durou 41 dias e teve uma direção total-
mente diversa das anteriores.
Nesse ano, a liderança de Lula já estava consolidada
nacionalmente e o PT estruturava-se em todo o país. Em

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tal contexto, o sindicato metalúrgico de São Bernardo inicia


a campanha salarial, independentemente da Federação dos
Metalúrgicos, aglutinando ao seu redor diversos sindicatos
do interior do Estado. Evidentemente, esses sindicatos repre-
sentavam categorias numericamente menores e politicamen-
te menos organizadas que os metalúrgicos de São Bernardo.
Por isso, a greve no interior (e também em São Caetano)
terminou no oitavo dia. Em Santo André, ainda resistiu um
tempo maior (uns 30 dias). Assim, os operários de São Ber-
nardo enfrentaram sozinhos um prolongado confronto com
o patronato e o Estado, que, durante todo o tempo, impedia
que os empresários negociassem com os trabalhadores.
A liderança sindical preparou cuidadosamente a greve.
Entre a base operária e a liderança formou-se um comando
de greve com 16 operários, um escalão intermediário com
45, e mais a comissão de salários e mobilização, totalizando
446 trabalhadores. Além disso, a liderança contava com o
respaldo de um fundo de greve, há um ano em funciona-
mento.
Iniciada em primeiro de abril, a greve foi marcada por
imensas assembleias que nos momentos de pico reuniram
cem mil operários no estádio de Vila Euclides. Essas assem-
bleias tinham caráter plebiscitário: transformaram-se no fó-
rum que decidia sobre os rumos do movimento. Com isso,
a direção da greve ficou entregue, desde o início, à esponta-
neidade das massas e a direção limitava-se a pôr em prática
as decisões tomadas pela assembleia. Era tal o grau de mo-
bilização da classe que a greve prescindiu da utilização de
piquetes.
Assustado com o ímpeto do movimento operário, o
governo esperou apenas pela decretação da ilegalidade da
greve para intervir no sindicato, prender a liderança, ocu-
par militarmente São Bernardo e proibir a realização de as-
sembleias em locais públicos. A partir daí os operários se
reuniram na igreja.

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Sitiados em São Bernardo, vendo a repressão ampliar o


número de prisões e os operários retomarem progressiva-
mente ao trabalho, os grevistas ainda tiveram forças para
atingir os 41 dias de paralisação. Mas resistiram sozinhos: o
movimento ficou restrito à categoria metalúrgica na cidade,
transformada em campo de batalha pela presença das for-
ças repressivas. Como apoio, os grevistas contaram com a
participação da Igreja, de alguns parlamentares que se des-
locaram para São Bernardo e a ajuda material de diversos
setores da sociedade brasileira.
A greve prolongada teve momentos tensos e dramáticos
(como a prisão de líderes efetuada na igreja), um episódio
épico com a passeata dos cem mil no 1º de Maio (os mani-
festantes ocuparam a cidade, forçando a retirada da polícia,
e reocuparam o estádio de Vila Euclides), e um final melan-
cólico com a volta espontânea ao trabalho (quando a assem-
bleia resolveu encerrar a greve, ela de fato já não existia).
Uma greve heroica e problemática como essa propiciou
uma polêmica acirrada na esquerda sobre o seu significado
político. Do ponto de vista econômico, a greve foi um inegá-
vel fracasso: nenhuma das reivindicações que a motivaram foi
atendida. No plano organizacional, o movimento sofreu um
duro revés, com a longa intervenção nos sindicatos, a demissão
em massa dos ativistas e a desarticulação dos núcleos operários
nas empresas. Mas, qual foi o significado político da greve?
A grande greve de 1980 foi o acontecimento mais deba-
tido da história do movimento operário pós-1964.
Curiosamente, os principais protagonistas do movimen-
to esquivaram-se de uma avaliação global. A exceção foi
aberta por Osmar Mendonça e Enílson Simões de Moura
(Alemão), que escreveram o folheto O ABC da greve. Do-
cumento de São Bernardo, e Wagner Lino Alves em A greve
do ABC – 1980.
O primeiro texto causou mal-estar entre os sindicalistas
de São Bernardo. Na época, indaguei a um dos dirigentes

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sindicais porque ele não respondeu às críticas feitas por Os-


mar e Alemão. A resposta, típica do espírito que presidiu o
movimento, foi esta: “Em vez de perder tempo escrevendo
sobre uma greve, eu prefiro fazer outra greve”.
Na verdade, o mal-estar causado pelo texto explica-se
por ter sido a primeira contestação aberta ao sindicalismo
praticado pelo PT, feita por dois ativistas de São Bernardo
que haviam dirigido a greve após a prisão dos dirigentes sin-
dicais. No ano seguinte, eles formaram uma chapa de oposi-
ção para concorrer às eleições sindicais.
Os comunistas do PCB criticaram a direção dada ao mo-
vimento pelos dirigentes sindicais. Para eles, a greve perma-
neceu isolada tanto em relação ao conjunto do movimento
sindical quanto às forças políticas progressistas. As razões
do isolamento dos grevistas estariam no culto do esponta-
neísmo promovido pela direção sindical. E é por isso que a
greve, para os comunistas, foi uma derrota.
Embora criticassem a orientação imprimida ao movi-
mento, os comunistas do PCB não tiveram condições de
interferir no rumo dos acontecimentos. O partido em São
Bernardo ainda não se havia refeito das prisões e extermí-
nio de seus dirigentes que destroçaram o seu enraizamento
no meio operário. Por outro lado, no dia em que a greve se
iniciou, Luís Carlos Prestes lançava a sua Carta aos comu-
nistas: uma declaração de guerra ao comitê central. Prestes,
tendo chegado do exílio há dois anos, encontrara em São
Paulo uma direção regional que lhe era hostil. Em meio a
tanta luta interna, o partido ficou paralisado e os metalúr-
gicos comunistas do ABC se limitaram a seguir a orientação
de seus respectivos sindicatos.
Para o Partido dos Trabalhadores, a greve de 1980 foi
saudada como uma vitória política.
Pela primeira vez estamos falando na posição do PT.
Mas aqui cabe uma explicação. A rigor, o PT não se mani-
festou oficialmente sobre a greve. Duas razões devem ser

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lembradas. A primeira delas diz respeito ao fato de o parti-


do estar ainda em fase de implantação e ser uma extensão
das lutas econômico-corporativas. O movimento sindical e
operário controlava e dava o tom à ação partidária, mas o
partido, por sua vez, não havia formalizado um programa
para os militantes operários. A segunda razão diz respeito
à formação interna do PT. Produto de uma frente de es-
querda, era difícil para o partido endossar uma ou outra
das posições internas em disputa. Por isso, embora já se
possa falar do PT como uma presença decisiva nas greves
de 1980, não há um documento que expresse a posição
oficial do partido.

DOCUMENTOS

Greves resultam de longa acumulação de forças


Isaías de Assis (Voz operária, nº 149, agosto de 1979, PCB)

O movimento operário e sindical brasileiro não pode


mais ser reduzido ao que ocorre numa ou noutra fábrica ou
categoria profissional, neste ou naquele sindicato, em deter-
minada cidade ou região. Ao mesmo tempo que implantam
suas estruturas de base nas fábricas, adquirem característi-
cas de fenômeno nacional de vastas proporções. É preciso
pensar o movimento operário e sindical brasileiro através de
suas grandes estruturas e de suas grandes tendências.
Nunca foi correto considerar a atual estrutura sindical,
apesar de seu molde corporativista e do entrave que ela re-
presenta, como simplesmente imprestável. Nem teria senti-
do classificar a atividade dos sindicatos como meramente
assistencial ou manipulatória, desprovida de conteúdo eco-
nômico, social e político.
Raciocinando-se assim, prejudicava-se a luta pela uni-
dade dos trabalhadores de suas entidades e de seus movi-
mentos. O movimento grevista iniciado pelos metalúrgicos

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de São Bernardo do Campo mostra que as taras históricas


da estrutura sindical brasileira não são capazes de impedir
sua utilização pelos trabalhadores. E que a utilização dessa
estrutura pode servir à sua própria transformação.
A concepção que privilegia a necessidade de mudar as
estruturas mais do que o próprio combate é uma concep-
ção em que as formas concretas de manifestação da luta
de classes são substituídas pelo subjetivismo, pela exigên-
cia estéril de ditar como deve ter curso o movimento dos
trabalhadores. São substituídas por um modelo ideal que
jamais se torna realidade. Enquanto isso, a realidade é dei-
xada de lado.
O movimento grevista que se desenvolveu nos últimos
meses deixou isso mais claro, assim como deixou mais cla-
ro que sempre foi errado ver os momentos de intensifica-
ção da luta como exceções isoladas, desligadas de um pro-
cesso mais amplo, mais profundo e mais longo. A forma
como ele se espraiou no espaço e no tempo mostra que o
terreno era fértil, que causas análogas produziam resulta-
dos análogos. Hoje, as greves passaram a fazer parte do
quadro político brasileiro como um elemento permanente
da realidade. Em quase três meses, centenas de empresas
foram palco de paralisações que envolveram meio milhão
de trabalhadores.
Constata-se mais uma vez, que as massas trabalha-
doras e os dirigentes sindicais que atuaram no processo
das greves não perderam sua sensibilidade política. Recor-
reram em larga escala à sua forma específica de luta no
momento politicamente certo. Com o êxito das primeiras
greves, o movimento seguiu um caminho compatível com
a evolução da frente democrática. Ao invés de cair na ar-
madilha das tensões extremas do confronto desigual dos
radicalismos sem perspectiva, buscou o recuo dos patrões
e do governo e as soluções aceitáveis por ambas as partes.
Assim alastrou-se, ampliou-se.

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Balanço
Como podemos, nesta altura dos acontecimentos, tentar
organizar as ideias sobre esse movimento e alinhar elemen-
tos de um balanço? A primeira ideia central a fixar é a de
que essas greves são um momento de cristalização de um
longo processo de acumulação de forças, processo que se
havia acelerado desde antes das eleições parlamentares de
1974 (e que foi, portanto, um dos fatores da amplitude da
vitória então obtida pela oposição). Não houve nada pare-
cido com uma “explosão” a não ser para aqueles que não
estavam vendo o que ocorria.
Movimento espontâneo? Não há movimento social sem
base espontânea. No sentido de que não foram manipuladas,
decididas fora das fábricas e dos sindicatos, articuladas em
segredo por quem quer que seja, cabe o adjetivo espontâneo
para falar dessas greves. Mas só nesse sentido. A verdade é
que os próprios sindicatos previram com grande antecedên-
cia, cerca de um ano, a possibilidade de eclosão do movimento
grevista, basta folhear a imprensa da época para verificá-la.
Para entender por que essas greves começaram em
maio de 1978, como se tornaram possíveis e porque tive-
ram determinadas características é preciso considerar todo
um conjunto de iniciativas e de atividades políticas que as
precedeu. Se a eclosão das greves e seu sucesso fortalecem
o movimento democrático, ela foi influenciada por esse pró-
prio movimento.
As greves, concretamente, foram influenciadas pela
atividade do MDB, dos comunistas e outras forças com as
quais trabalhamos em comum, da Igreja Católica e de cor-
rentes socialistas como a que produziu a crítica acadêmica
recente do movimento sindical.
Além disso, foram influenciadas pela análise da situação
política nacional que se foi tornando consensual no país, e
que permitiu o início concreto da formação de uma ampla
frente pela democracia. E também pela chamada grande im-

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prensa na medida em que vários dos veículos que a integram


começaram a criticar o regime, a legislação trabalhista e sin-
dical, e noticiaram o movimento pela reposição dos 34%
roubados dos trabalhadores.

Papel dos sindicatos


Os sindicatos desempenharam um papel vital nesse pro-
cesso. Em primeiro lugar, por causa de sua atividade cotidia-
na. Em seguida, através da imprensa sindical que tem hoje
dimensões surpreendentes; somente no Estado de São Paulo
calcula-se em algo como 300 mil exemplares mensais a tira-
gem desses jornais. E não há encalhe.
Os jornais sindicais contribuíram notavelmente para
esclarecer, unir e criar uma opinião comum entre os traba-
lhadores. Em terceiro lugar, através da campanha pela repo-
sição salarial (dos 34%), que com suas assembleias e movi-
mentação incutiu na consciência dos trabalhadores a ideia
de que a falta de liberdade e a existência desse regime eram
a razão básica pela qual tinham podido ser logrados.
Os sindicatos tiveram ainda um papel decisivo por cau-
sa da posição justa que assumiram. De um lado, estimula-
ram os trabalhadores a lutar por seus interesses. Ao mesmo
tempo, não assumiram a condução formal do movimento
(não houve nem assembleias nem proclamações sindicais),
não dando à ditadura pretexto para intervir. E, ao mesmo
tempo, despacharam os membros de suas diretorias para as
fábricas, hipotecaram solidariedade ao movimento e ofere-
ceram-se para servir de mediadores.
Os sindicatos, como já dissemos, previam há bastante
tempo a possibilidade de ocorrência de greves. Assim, dis-
cutiram com os trabalhadores que papel poderiam ter numa
circunstância como essa, e as massas compreenderam que
os sindicatos não poderiam estar formalmente à frente das
greves. Procurou-se, também, fazer a crítica de Osasco, cujo
fim era bem conhecido de todos.

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Assim, podemos resumir as razões que tornaram possí-


vel o desencadeamento do movimento grevista. Resta apon-
tar alguns fatores principais que permitiram o desenvolvi-
mento do movimento.
Em primeiro lugar, a própria situação política nacional,
sobre cujos traços principais não é necessário insistir. Em
seguida, o fato de que o governo, tendo avaliado os riscos de
uma repressão, deixou claro para os sindicatos, desde cedo,
que não reprimiria o movimento, apesar das ameaças públi-
cas que não deixou de proferir. E, finalmente, o fato de que
não houve diferença de comportamento entre os sindicatos
ditos “combativos” e os sindicatos ditos “pelegos”. A cúpu-
la sindical das categorias interessadas reagiu unitariamente
diante da situação. [...].
Uma confirmação dessa característica unitária atual do
movimento sindical foi dada mais recentemente, no pro-
cesso de eleições sindicais e no congresso da CNTI. Nessas
eleições, as chapas de oposição foram derrotadas em quase
todos os sindicatos. Mas essas derrotas não configuraram
propriamente o que se poderia chamar de derrota do mo-
vimento operário. O programa das chapas em confronto,
por exemplo, eram praticamente iguais. Não se pode, por-
tanto, dizer que tais derrotas indicam que as massas estão
confusas. Passadas as eleições, os mais importantes desses
sindicatos onde as oposições foram vencidas tiveram posi-
ções idênticas às das forças mais avançadas que trabalha-
vam dentro do Congresso da CNTI com uma preocupação
unitária. Apesar dos erros cometidos por essas últimas.
O que há de novo, a propósito do movimento operário e
sindical, é que diminuiu a distância entre sua disposição po-
lítica e seu nível de organização. A força demonstrada pelos
trabalhadores leva inegavelmente a um reequacionamento
do movimento operário no Brasil. O governo reage como é
de seu feitio, procurando aperfeiçoar a legislação antigreve,
preocupado com a movimentação na área das empresas es-

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tatais e dos bancos. E os ideólogos do regime não perdem


tempo. O grande inimigo dos trabalhadores, que é o Sr. Del-
fin Netto, já disse, sintomaticamente, que “o maior inimigo
da classe operária é a sua vanguarda”. Sem comentários.

O exemplo do ABC paulista


(A classe operária, nº 127, junho de 1978, PCdoB)

O proletariado de São Paulo, o maior centro industrial


do país, acaba de manifestar seu profundo descontentamen-
to e sua inconformidade com a situação vigente. Cerca de
100 mil trabalhadores, rompendo as severas restrições ofi-
ciais, entraram em greve. O movimento atingiu principal-
mente os setores onde imperam as empresas estrangeiras.
Desde 1953-1954, não ocorria em São Paulo um movimen-
to de tamanha envergadura.
Esse acontecimento reflete a decomposição crescente do
regime militar-fascista, abalado pelas lutas contínuas e sob
diferentes formas do povo brasileiro. Os generais já não po-
dem impedir o desencadeamento da luta operária, malgrado
as amea­ças que fazem. E reflete também o amadurecimento da
consciência proletária. Das palavras, os trabalhadores passaram
da ação dos movimentos isolados à greve de grande amplitu-
de. Como um caudaloso rio que transborda, a classe operária
marcou sua presença no panorama nacional e transformou-se,
durante várias semanas, no centro da vida política.
O proletariado alcançou uma vitória, uma importante
vitória. Não apenas obteve de imediato um aumento de suas
remunerações, que varia entre 13% e 20%, assim como an-
tecipações de reajustes e readmissão dos despedidos. Obri-
gou os patrões e o governo a ceder naquilo que, até ago-
ra, consideravam questão fechada, a elevação dos salários
sob estrito controle estatal. Iniciada a greve, Geisel e seus
ministros do Trabalho e da Fazenda entraram em ação e

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Celso Frederico

aconselharam as empresas a não negociar com os grevistas.


Arnaldo Prieto, em declarações públicas, recorria aos velhos
chavões intimidativos “o governo tomaria providências para
assegurar o direito ao trabalho de todos quantos desejassem
cumprir suas obrigações”, o que equivale a dizer, adotaria
medidas de força a fim de pôr fim à greve. De seu lado, os
patrões utilizavam sua polícia interna para desalojar os ope-
rários das empresas em greve, demitiam dezenas de grevistas
e negavam-se a negociar enquanto perdurasse a luta. Mas
nada disso amedrontou os operários. Em cadeia, a “parede”
expandiu-se na região do ABC paulista, envolvendo dezenas
de milhares de pessoas e contando com o apoio popular e
a simpatia de importantes setores políticos e sociais. Desse
modo, os empregadores e o governo não tiveram outro jeito
senão discutir com os trabalhadores e fazer concessões.
Os aumentos obtidos são ainda pequenos se se conside-
rar o crescimento acelerado do custo de vida. Mas estes não
chegam a ser o resultado principal da luta. O direito de fazer
greve, de recorrer a essa arma de combate para exigir a satis-
fação de seus reclamos – tal é o resultado mais importante.
Os trabalhadores deram o seu recado, basta de arrocho sa-
larial, basta de proibições de greve. Desde há algum tempo
eles vêm apresentando uma série de exigências que vão da
demanda de melhores condições de vida e de trabalho, da re-
formulação da estrutura sindical até a plena democratização
do país. Voltarão, sem dúvida, ao combate, em nível sempre
mais elevado, para exigir seus legítimos direitos e cumprir
seu papel de força avançada da sociedade brasileira.
Tentando minimizar a vitória do proletariado paulista e
a derrota do governo, Geisel e seus prepostos propalam que
a cúpula estatal não se opõe à greve puramente econômica,
sem infiltrações e interferências estranhas. Assim, segundo
eles, teria ocorrido em São Paulo. Mas é inegável que a greve
foi essencialmente política, ainda que suas principais reivindi-
cações tenham se revestido de caráter econômico. Foi política

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

porque se dirigiu contra a orientação oficial que proíbe qual-


quer aumento salarial fora dos prazos e dos critérios fixados
pela ditadura; foi política também porque pôs em xeque a
famigerada lei antigreve dos militares. Aliás, o Tribunal Re-
gional do Trabalho de São Paulo, cumprindo determinações
ministeriais, declarou por 15 votos a 1, a ilegalidade da greve.
E foi política ainda mais porque, objetivamente, essa luta se
insere no quadro geral do combate ao regime de exceção em
prol das liberdades democráticas que mobiliza o país inteiro.
A presença da classe operária, expressada numa manifestação
inconformista tão poderosa, constitui fator de primeira gran-
deza no desmantelamento do sistema, amplia as perspectivas
do movimento popular e democrático, isola mais ainda o re-
gime arbitrário imposto pelas forças armadas.
Há também os que difundem, com evidentes propósitos
de desorientar os trabalhadores, que a greve foi um movi-
mento pacífico buscando harmonizar os interesses dos ope-
rários com o dos empregadores. Por mais que a burguesia
e os círculos governantes procurem distorcer o verdadeiro
caráter da ação empreendida no ABC, a verdade é que aí se
defrontaram duas classes bem distintas: o proletariado, de
um lado, e os capitalistas, sobretudo estrangeiros, do outro.
A greve é uma expressão da luta de classes. Desde o primei-
ro instante, os patrões assumiram a defesa intransigente da
sua classe e tentaram de diversas formas derrotar aqueles
que eles exploram. Os trabalhadores cerraram fileiras con-
tra os capitalistas. A intransigência dos patrões, apoiados
pelo governo, tinha que ser quebrada pela união e pela luta
decidida. Na sociedade burguesa, a luta de classes está pre-
sente desde o momento em que o operário é contratado pelo
empregador. Este quer pagar o menos possível e arrancar
o máximo dos assalariados. Ao contrário, os trabalhadores
estão interessados em exigir melhor pagamento da sua força
de trabalho. A luta de classe, porém, só toma caráter orga-
nizado e eficaz nas ações conjuntas dos explorados contra

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Celso Frederico

os exploradores. Tal como se deu em São Paulo. Essa greve


ajudará os proletários a compreender melhor a necessidade
de sua união e de sua organização como classe independen-
te, livre da tutela do governo e da orientação reformista de
pelegos e agentes da burguesia.
O exemplo do ABC mostra o caminho. O caminho da
união e da luta de classe. Quando os operários se unem e
decidem passar à ação, não há força capaz de contê-los. As
ações não podem contudo circunscrever-se aos quadros sin-
dicais e empresariais ou às relações entre sindicatos e gover-
no. A luta de classe é mais ampla, abrange o campo político
e visa fundamentalmente a transformação da sociedade. O
proletariado não pode se isolar. Suas conquistas são insepa-
ráveis da luta geral do povo por um novo regime econômico-
social. Além do mais, o proletariado é a força dirigente, que
tem como principal aliado a grande massa de camponeses
sem terra. Por isso, o dever dos trabalhadores, no momento
atual, é juntar-se a todos os setores antiditatoriais, pugnan-
do pela derrocada da ditadura e a conquista da liberdade
política. Ao mesmo tempo, é de seu profundo interesse le-
vantar a bandeira de uma nova democracia para o Brasil,
uma democracia popular, única forma de superar o atraso
do país, sua dependência sempre maior ao capital estrangei-
ro, as tremendas injustiças sociais que afetam sobretudo os
trabalhadores das cidades e do campo. Uma democracia po-
pular que assegure a liberdade, o progresso, a independência
nacional e abra o caminho para o socialismo.

As greves de 1978
(Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo)

O ano de 1978 se caracterizou por uma importante


modificação do movimento operário em relação aos anos
anteriores: foi a greve, adotada de novo por multidões de

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

operários. O último movimento semelhante a esse, embora


com menor número de grevistas, foi o de 1968 em Osasco
e Contagem. É claro que São Paulo já viveu em sua histó-
ria movimentos grevistas muito maiores do que esse do ano
passado. Em 1963, houve em São Paulo a greve dos 700 mil,
na capital e no interior, e que reuniu ao mesmo tempo tra-
balhadores de cerca de 14 categorias. Em 1957, houve uma
paralisação conjunta em São Paulo de cerca de 400 mil gre-
vistas. Antes, em 1953, cerca de 300 mil grevistas pararam
durante um mês na capital e no interior. Mas, o movimento
de 1978 aparece como uma preparação para movimentos
maiores em 1979, no caminho da recuperação da classe ope-
rária brasileira da derrota sofrida em 1964 e da violenta
repressão que sobre ela se abateu nos anos seguintes.
A classe operária viveu em 1978 as maiores mobiliza-
ções dos anos da ditadura militar. A forma superior de luta,
que é a greve, substituiu nas fábricas as reclamações e as
greves-tartaruga. Em alguns meses, centenas de milhares
de operários participaram das greves. Elas se iniciaram nas
grandes indústrias automobilísticas do ABC e rapidamente
foram assumidas pelos operários de indústrias menores e de
outras regiões.
Neste ano de 1979, as greves continuam. Pois os salá-
rios continuam achatados pelo arrocho e corroídos pela in-
flação; além disso, as vitórias conquistadas refizeram a con-
fiança da classe na sua força; por fim, a chamada “abertura
política” que a ditadura militar foi obrigada a fazer tende a
continuar, como se pode observar nos pronunciamentos do
governo e nos desejos públicos dos próprios patrões, com o
apoio ativo das classes médias do país.

1. As formas de luta antes das greves


Antes de 1978, a classe operária se movimentava de di-
versas formas contra os efeitos do arrocho salarial: com re-
clamações aos encarregados e patrões, com operações-tarta-

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Celso Frederico

ruga, às vezes com rápidas greves não declaradas etc. Entre


as várias formas de os operários pressionarem por aumento
salarial, a greve-tartaruga parece ter sido a forma principal
de luta nas fábricas. Certamente foi muito adotada por ser
uma forma razoável de pressão, pois dava prejuízo ao pa-
trão – atrapalhando os seus prazos –, além de expor menos
o operário à demissão.
Mas tinha também muitas desvantagens: não se decla-
rava quanto era o aumento pretendido; o movimento tinha
que durar muito tempo – o que permitia aos patrões irem
podando os líderes e enfraquecendo a união dos operários;
o movimento se limitava em geral a uma ou algumas seções
(por não ser conflito declarado dificultava mais as adesões).
As greves-tartaruga demonstravam um grau apenas inicial e
temporário de organização dos operários dentro da fábrica,
e aí certamente serviram para provar alguns líderes e dar
certa experiência de organização à massa. Era, porém, uma
luta bastante isolada do resto da classe, até dentro da pró-
pria fábrica.
O sindicato estava à margem desses movimentos de
massa. E a massa também não se interessava pelo sindica-
to. Ela não precisava de nenhum intermediário de fora para
resolver os seus conflitos e reivindicações não declarados.
As campanhas salariais eram então a monótona repetição
de um processo que sempre acabava no aumento decretado
pelo governo para todo o país. Os pelegos estavam bem ga-
rantidos nos seus cargos e se dedicavam a construir novas
sedes, ampliar a assistência médica, fazer colônias de férias e
promover cursos e reuniões sociais. As assembleias das cam-
panhas salariais não passavam de um número reduzidíssimo
de operários, que os pelegos manobravam com facilidade.
Alguns sindicatos, porém, aproveitando as maiores fa-
cilidades de atuação devido às modificações políticas que
vinham desde 1974 e pressionados pelos descontentamentos
das bases, começaram a sair daquela prática de acomoda-

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mento. O maior exemplo disso foi o sindicato metalúrgico


de São Bernardo do Campo, que congrega principalmen-
te a grande indústria automobilística, destacando-se aí a
Volkswagen, com 38 mil operários. Esse sindicato vinha
insistindo em fazer acordos coletivos diretos entre os em-
pregados e os patrões das grandes indústrias automobilísti-
cas, sem respeitar a lei do arrocho. Além disso, ele se lançou
na campanha de reposição de 34,1% nos salários, devido a
fraudes no levantamento do custo de vida em 1973. Tam-
bém ele passou a agitar outras reivindicações econômicas
nas fábricas, adotou o costume de fazer assembleia por fá-
brica etc. Aos poucos, foram surgindo outros sindicatos nes-
sa linha, que começavam a trazer de novo a massa para as
suas assembleias. Na abertura da campanha pela reposição
em 1977, o sindicato de São Bernardo já conseguia reunir 5
mil associados, número que não se via há muito nos sindi-
catos brasileiros.
Também as oposições sindicais, principalmente em São
Paulo, cresceram nessa situação política mais favorável,
onde também crescia a disposição de luta dos operários. A
oposição sindical de São Paulo, pelas bases que ia mobili-
zando, passou a pressionar o sindicato a agir na campanha
de reposição em São Paulo. Assim, a “bola de neve” foi cres-
cendo...

2. As greves de maio-junho
Não foi por acaso que as greves ressurgiram no ABC,
pois foi aí, principalmente, que as mudanças no sindicalis-
mo vieram se somar à situação econômica precária dos ope-
rários e às mudanças políticas no país, que aumentavam a
disposição de luta da massa. Foi só os operários da Scania
em São Bernardo pararem no dia 12 de maio, que, uma após
outra, as grandes e as pequenas fábricas do ABC foram pa-
rando e obtendo aumentos acima dos permitidos pela lei
do arrocho, não sem ter que resistir às ameaças e mentiras

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dos patrões até durante uma semana inteira. As vitórias do


ABC repercutiram imediatamente em São Paulo e Osasco
(dois lugares onde havia oposições sindicais atuantes que
recentemente tinham concorrido com chapa nas eleições) e
posteriormente em Guarulhos. Cerca de 200 mil operários
fizeram greve.
A greve se mostrou para a massa uma forma de luta
mais eficiente e poderosa do que as formas anteriormente
usadas. As características novas que as greves traziam eram,
em geral:
1. agora, a pressão para o aumento era feita num con-
fronto claro com o patrão; era uma forma mais poderosa de
pressão, porque, paralisando a produção, exigia uma res-
posta imediata do patrão para romper o impasse; o quanto
do aumento e outras reivindicações agora eram bem claros;
o movimento agora era mais rápido (não ficava se arrastan-
do como a greve-tartaruga);
2. a greve exigia uma solidariedade maior entre os ope-
rários na fábrica, pois a luta aberta exigia uma definição de
cada um; a greve também obrigava a um grau maior de or-
ganização (que chegou até o ponto alto das comissões elei-
tas em algumas fábricas);
3. a greve também significou um passo inicial para rom-
per o isolamento entre as fábricas e até com outras regiões.
As greves de maio-junho contaram com a mobilização
maciça das bases. Partiram de uma organização, maior ou
menor, dos operários nas fábricas. Em vários casos, até os
próprios sindicatos pelegos estimularam diretamente a gre-
ve; mas, na maioria deles, os sindicatos pelegos secundaram
o movimento, oficializando-o ao servirem de intermediários
e, assim, estimularam indiretamente outras greves. Mas, sem
dúvida, o principal impulso das mobilizações foi dado pelo
sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo e pela oposi-
ção sindical de São Paulo. Em alguns casos, os operários
em greve elegeram as comissões em assembleias na fábri-

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ca e conquistaram a sua estabilidade. As greves revelaram


concretamente que a garantia da combatividade e da luta
coletiva dos operários está na sua organização nos locais de
trabalho.
A organização no local de trabalho possibilita mobilizar
em massa os operários da fábrica: a convivência diária das
comissões nas fábricas permite que elas conheçam de perto
as reivindicações dos operários e a sua disposição de luta;
por outro lado, a comissão escolhida depende diretamente
das bases e, com o tempo e a experiência da massa, tende a
ser constituída dos operários que melhor expressem as suas
reivindicações e a sua combatividade. Nesse sentido, é o
oposto do sindicato atual, essencialmente desmobilizador.
A relação entre a massa e o sindicato nas greves passou
a ser diferente dos anos anteriores. Para o conflito aberto
com os patrões, a massa precisava de negociadores. Como,
na quase totalidade dos casos, não havia garantia de empre-
go para os representantes dos operários, a massa deixava a
função para o sindicato, também porque não havia repre-
sentantes operários preparados para a complexidade com
que os patrões e as leis cercam as negociações. Além disso, o
sindicato resolvia a necessidade de lugar para as assembleias
de fábrica. As greves de maio-junho significaram, portanto,
a volta da massa aos sindicatos (como já tinha começado
a acontecer antes pela ação do “novo sindicalismo” e das
oposições sindicais). Após as greves de maio-junho, os sin-
dicatos tinham aumentado sua influência, apesar de alguns
desgastes nas negociações. Muitos grevistas se associaram e
muitos líderes novos surgidos nas fábricas procuravam no
sindicato orientações para os problemas da fábrica. Onde
havia uma oposição mais atuante e forte, como em São Pau-
lo por exemplo, a oposição se fortaleceu aproveitando as li-
mitações do sindicato e as visíveis manobras amortecedoras
de conflitos dos dirigentes sindicais.

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3. A greve de outubro-novembro
Em outubro-novembro, os sindicatos pelegos estimula-
ram e ajudaram a preparar as greves para não perder o con-
trole do movimento e em seguida sabotá-lo de mil formas.
Para isso, se apoiaram nos setores menos organizados e mais
atrasados da classe.
Quando as assembleias de outubro ainda tinham peque-
no comparecimento e os pelegos abriam a campanha sala-
rial com negociações na Fiesp sentindo a perspectiva inevi-
tável da greve, eles já publicamente ameaçavam de convocar
a classe à greve, tentando obter um acordo que a evitasse.
Nas grandes assembleias que se seguiram, não havia outra
alternativa aos pelegos senão decretar a greve. Caso não
o fizessem, a massa passaria por cima deles. Além de que,
decretando a greve, eles a mantinham em suas mãos para
acabar com ela na primeira oportunidade. Foi o que fizeram
obrigando a massa a aceitar uma contraproposta patronal
que ela não queria aceitar. Conseguiram isso através do uso
de todo o seu arsenal de manobra, que ia desde estender a
assembleia e provocar nela conflitos, até boa parte da massa
se retirar cansada e desiludida, desde mentir sobre os itens
da contraproposta patronal ou deixá-los confusos, desde fa-
lar em iminente intervenção no sindicato, até adiar a vota-
ção para o voto individual no dia seguinte, até simplesmente
manusear desonestamente o sistema de som...
A greve foi decretada nas assembleias dos sindicatos,
mas, afora raros casos de piquetes, os operários tinham que
tomar a iniciativa de parar dentro da fábrica. Isso exigia al-
gum grau de organização e o surgimento de líderes em cada
fábrica. Mas os dirigentes sindicais, em vez de estimularem
a formação e a experiência da organização fabril nesse mo-
mento extremamente favorável, apenas deixavam os operá-
rios esperar as negociações e as assembleias. E para as nego-
ciações utilizavam as comissões anteriormente eleitas como
apêndices corresponsáveis pelas manobras deles, sem pro-

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por a formação de novas comissões. O trabalho educativo e


fortalecedor de organização na fábrica ficou nas mãos das
oposições sindicais bem mais limitadas nas possibilidades de
se movimentar naquele momento do que o sindicato.
A greve de mais de 250 mil metalúrgicos de São Paulo,
Osasco e Guarulhos havia começado, em razão dos aconteci-
mentos do meio do ano, com um voto de confiança da massa
no sindicato. Milhares de operários frequentaram naqueles
dias o sindicato, do qual muitos apenas tinham ouvido fa-
lar. Mas a luta terminou com uma grande desilusão e uma
perda de confiança de amplos setores da massa em relação à
organização sindical. Só que esses setores não encontraram
ainda organizações da classe ou lideranças que conseguissem
eficientemente defender os seus interesses. Por isso, a massa,
embora esteja propensa a outras saídas, será provavelmente
ainda obrigada a voltar ao sindicato, mesmo desconfiada.

4. Algumas conclusões sobre as greves


O movimento grevista não implicou uma alteração
significativa da relação de forças no país entre as classes
trabalhadoras e as classes dominantes. As mobilizações da
classe tiveram um caráter essencialmente econômico: rea-
justes acima do aumento do custo de vida e melhores con-
dições de trabalho. É verdade que nas duas greves a classe
agiu como se as leis do arrocho, e da greve não existissem.
Mas a derrubada das leis não se colocou como objetivo do
movimento. Isso porque nas duas greves o governo e os pa-
trões transigiram na aplicação das leis da greve e do arrocho
evitando um confronto aberto com a classe operária. Prefe-
riram contornar a situação para não agravar os problemas
políticos que vivem. Não deixaram, porém, de anunciar que
pretendem rever as leis para que elas não se transformem em
letra morta. Adiaram dessa forma o confronto com a classe,
esperando que ele ocorra em condições mais favoráveis para
a classe dominante.

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O governo e os patrões só agiram mais duramente onde


e quando sentiram a fraqueza do movimento (os patrões
na hora suspenderam e demitiram os operários nas fábri-
cas onde a classe estava menos preparada e também depois
quando a greve havia passado e a classe se desmobilizado:
o governo ameaçou intervir no sindicato de Osasco quando
o movimento lá resolveu prosseguir sozinho a greve etc.). O
governo e os patrões também estimularam os pelegos, que
confundiram o movimento, embora ao preço de um desgas-
te mais amplo e profundo perante a classe. Por isso, por cau-
sa dessas protelações, das manobras, dos disfarces, o movi-
mento da classe, apesar da amplitude alcançada, por não ter
entrado em choque com as leis e o governo, não reconheceu
ainda a importância das reivindicações políticas (como fim
da lei do arrocho, fim da lei de greve, fim da dominação
ministerial sobre o sindicato, reconhecimento das comissões
de fábrica). O confronto foi adiado, mas não eliminado. A
classe começou a juntar as suas forças. O governo e as clas-
ses dominantes certamente vão alterar algumas leis sem se
desarmar: ao contrário, procurarão se armar da forma mais
adequada para vencer a próxima batalha.
As greves de 1978 trouxeram conquistas para a massa:
obrigaram os patrões a negociar fora das leis, obrigaram em
algumas fábricas os patrões a aceitar organizações estáveis,
deixaram em muitas fábricas embriões de organização, reve-
laram para os próprios operários muitos líderes. Além disso,
as greves representaram uma experiência positiva para a mas-
sa, apesar das traições pelegas: aumentaram a solidariedade
de classe entre os operários, aumentaram a combatividade da
massa, criaram uma experiência de organização nas fábricas.
No que respeita a uma liderança alternativa aos pelegos, as
greves também permitiram alguns passos, ampliando a área
de influência das oposições já existentes ou possibilitando o
seu surgimento e, além disso, amadurecendo na luta e na lide-
rança de massa os operários de oposição.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

As mobilizações mostraram claramente, principalmente


em novembro, que os sindicatos pelegos são a parte antioperá-
ria, burguesa do movimento operário. O sindicato oficial é su-
bordinado ao governo e deste depende em quase tudo. As suas
funções, definidas em lei, têm caráter desmobilizador e assis-
tencialista. Os dirigentes pelegos procuram aplicar consciente
e fielmente a legislação sindical a fim de sabotar a luta da clas-
se. Alguns poucos dirigentes sindicais procuram estimular a
luta, mas são geralmente obrigados a freá-la em seguida, para
não romper a legalidade sindical. Além disso, uma minoria
dos operários da categoria participa do sindicato oficial. Por
isso tudo, o atual sindicato ou contribui para desmobilizar a
classe ou, no máximo, mobiliza-a limitadamente.
Incentivar consequentemente a luta da classe hoje é,
pois, sinônimo de incentivar por todos os meios ao alcance
a luta e a organização na fábrica. Para isso, devemos difun-
dir as experiências de luta e organização nas fábricas, escla-
recer o papel que têm as atividades da oposição nas bases
da fábrica, estimular, nos momentos propícios, a formação
e a coordenação das comissões de fábrica, através de lutas
conjuntas de várias fábricas ou através das pequenas lutas
específicas de cada fábrica etc. A atividade e a organização
da fábrica não devem ser subordinadas ao sindicato, que,
pela sua estrutura, tende a castrar ou, na melhor das hipóte-
ses, a limitar a luta.
As comissões tendem a surgir durante as mobilizações da
classe. Passada a luta, geralmente elas desaparecem ou se aco-
modam. É importante incentivar a formação, particularmente
nesses períodos, de núcleos semiclandestinos ou clandestinos
de operários dispostos, para agirem no sentido de preparar o
terreno para o ressurgimento das comissões no fluxo seguinte
do movimento, procurando mobilizar os operários em torno
de suas reivindicações, divulgando a necessidade da organiza-
ção nos locais de trabalho, elevando em geral o seu nível de
consciência. Faz parte da preparação do movimento também

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alertar para a forma como os patrões se reorganizaram para


enfrentá-lo mais coordenadamente (em outubro a Fiesp bai-
xou instruções de como suspender operários, demiti-los por
justa causa, não negociar em separado etc.).
A greve se mostrou como a forma mais avançada de luta.
Mas não pode ser levada todos os dias e nem por qualquer
motivo. Após atingir o ponto mais alto, vitorioso ou derro-
tado, o movimento precisa de um período para recompor as
forças, extrair lições e preparar-se para enfrentar as classes
dominantes já mais avisadas e preparadas. Nesse período, é
necessário utilizar as demais formas de luta e atividade, de
nível inferior às greves, nos sindicatos, nos bairros e princi-
palmente nas fábricas. Assim se mantém a chama da luta e
se prepara, pelas discussões, pela organização e solidarieda-
de, a luta grevista seguinte.

ABC: Críticas sem pé nem cabeça


(Unidade proletária, nº 33, junho de 1979, MR-8)

A última moda nas áreas dos “sindicalistas biônicos”


e dos “intelectuais bem-pensantes” que lhes fazem coro é
botar defeito na grande luta vitoriosa dos metalúrgicos do
ABC e, particularmente, na direção imprimida a ela pelas
lideranças de São Bernardo e Santo André.
Os sectários “magnânimos” destilam o seu veneno de
forma prudente e ponderada. Afirmam: “a greve não foi to-
talmente negativa”, “houve acerto, é verdade, mas...”.
Os sectários raivosos não apelam para meias palavras.
Vão logo classificando a liderança do movimento de neope-
lega, semipelega, pelega etc.

Tolices
As críticas começam com resmungos contra a “ausência
de organização das massas e o excesso de centralização das

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

lideranças”. Continuam, acusando as lideranças de terem


desmobilizado a categoria porque defenderam a suspensão
da greve no mês de março. Prosseguem, dizendo que o acordo
final foi uma verdadeira traição. A coisa vai por aí afora.
Como dizer que não havia organização? Dezenas de mi-
lhares de trabalhadores se reuniam em assembleias quase
diariamente, organizavam centenas de piquetes diários nos
bairros, nos pontos de ônibus. Isso não é organização?
Na verdade, essas “críticas” não têm a menor noção do
que seja organização. Ou melhor, querem que a organização
de um movimento como esse esteja inteiramente contida em
burocráticos organogramas que permaneçam sob seu estrito
controle. E ainda ousam apresentar-se como os críticos da
burocracia...
Quanto à centralização, é muito próprio do anarquis-
mo, que domina o espírito do intelectual pequeno-burguês,
incomodar-se com ela. Os trabalhadores do ABC, muito ao
contrário, acharam que ela foi muito positiva. Pois, sem um
certo grau de centralização, é impossível unificar um movi-
mento da envergadura do que houve no ABC.

Desvairio
E que leviandade falar em desmobilização da categoria
por causa da suspensão da greve! Por que os “críticos” não
defenderam a manutenção da greve na assembleia que vo-
tou por unanimidade pela sua suspensão? Na hora se enco-
lheram, para depois dar entrevistas em jornais, dizendo que
a suspensão foi desmobilizadora.
Que os críticos tenham se desmobilizado é um proble-
ma deles. Os metalúrgicos do ABC, especialmente os de São
Bernardo, que eram o coração da greve, não se sentiram
desmobilizados. Prosseguiram fazendo greve de horas ex-
tras, minando a resistência da Fiesp, obrigando-a a correr
atrás dos dirigentes sindicais “cassados” pela intervenção
para negociar, obrigando-a a tornar-se menos intransigente

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Celso Frederico

e demonstrando à ditadura que ela tinha que suspender a


intervenção nos sindicatos para evitar que ocorresse o pior
– o que foi feito depois que uma gigantesca assembleia de 60
mil trabalhadores anunciou que iria retomar o sindicato de
São Bernardo na marra.
E que infantilidade dizer que o acordo final foi uma trai-
ção! Se os “críticos” pensavam assim, por que se abstive-
ram de dizer isso na assembleia de São Bernardo que votou
unanimemente pelo acordo? O acordo foi uma vitória. Uma
vitória importante porque os 3% a mais que a Fiesp se viu
forçada a conceder, apesar de estarem aquém das exigências
dos metalúrgicos, têm, além do valor simbólico, um valor
muito concreto para quem amarga as consequências do ar-
rocho salarial – coisa que muitas vezes escapa à compreen-
são de certas críticas pequeno-burguesas.

Direção correta
Os críticos do movimento do ABC deveriam ser menos
pedantes, menos cabeças-duras e mais humildes para estu-
dar sem preconceitos “ultraesquerdistas” a luta do ABC e
aprender com ela.
A direção imprimida à luta pelas lideranças do ABC
foi essencialmente concreta em todas as questões decisivas.
Uma direção para ninguém botar defeito. Uma direção que,
no plano sindical, extraiu tudo que a correlação de forças
permitia que se extraísse, tanto do ponto de vista da mobi-
lização e organização das massas, quanto do ponto de vista
das conquistas salariais para os trabalhadores.

Lula defende o acordo e esquece suas promessas


(O trabalho, 15 de maio de 1979, Liberdade e Luta)

Esgotaram-se os 45 dias de prazo, a proposta dos pa-


trões é mínima, os dias parados vão ser descontados, o

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

sindicato continua sob intervenção. No entanto, não vai


acontecer uma nova greve, como Lula havia prometido. A
assembleia dos 60 mil acabou rapidamente e 15 mil traba-
lhadores ainda esperam não se sabe o que, olhando Lula
e o palanque. Por quatro vezes, eles foram chamados de
“macacas de auditório de Sílvio Santos”. Eles ouviram os
apelos patéticos de João Monlevade ao general Figueiredo.
Eles ouviram o “Alemão” pedir a ocupação do sindicato.
Eles ouviram até o Lula dizer que “quando vocês estiverem
almoçando hoje com a mamãe, verão que tiveram razão em
aceitar o acordo”.

Lula: “nada de greve”


O Trabalho previa na sua última edição que somente os
dirigentes reconhecidos poderiam esvaziar, impedir a greve
do ABC. A semana que antecedeu à assembleia do dia 13 de-
monstrou claramente a disposição de luta dos metalúrgicos:
a partir do dia 10, dia do pagamento, os trabalhadores para-
vam as fábricas que descontavam os dias de greve. Na Villa-
res, frente às demissões em massa, os piquetes retomavam.
Como antes dos 45 dias de prazo – quando enfrentaram a
polícia, quando organizaram os piquetes, quando viram seus
líderes desaparecerem por dois dias, quando lhes foi tirado
o Estádio, quando um fantasmagórico comando de greve
de uma não menos fantasmagórica intersindical, repleta de
pelegos, contribuía para desorganizar o movimento – no-
vamente os metalúrgicos do ABC mostravam que queriam
um aumento digno, liberdade para atuarem. E agora, na as-
sembleia, Lula diz: nada de greve; não fazer greve é uma
vitória. Ouvem-se vaias esparsas, assobios. E Lula classifica
esse descontentamento de “gritinhos histéricos”, pede mais
um “voto de confiança”, fala no dia das mães na libertação
dos escravos. A grande maioria já foi embora, apenas 15
mil o encaram. Eles não avançaram sobre o palanque, não
gritaram nenhuma palavra hostil a Lula. Mas sabiam que

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Celso Frederico

havia algo errado. Sim, alguma coisa está errada quando os


dirigentes amplamente prestigiados numa categoria dispos-
ta a combates se utilizam da confiança para barrarem a gre-
ve. Algo não cheira bem quando os trabalhadores param as
máquinas e obrigam os patrões a pagarem os dias parados,
e o seu dirigente vem lhes dizer que o acordo é “razoável”,
apesar de descontar os dias de greve. Algo está errado, sem
dúvida, quando o sindicato continua sob intervenção do go-
verno e os dirigentes sindicais nada fazem para retomá-lo, a
não ser conchavar com o governo.

A greve é possível, mesmo sem o “sindicato”


Porém, há uma certeza nisso tudo: para se livrarem de
tais “vitórias” – o desconto dos dias de greve, a intervenção,
a desorganização da categoria, o aumento de 8%, quando se
podia conseguir mais – os trabalhadores terão que se orga-
nizar em comissões de fábrica e, na próxima greve, elegerem
um comando de greve com base nessas comissões. Os traba-
lhadores já sabem que não é do Lula que virá a orientação
de combate até a vitória. Lula se contenta com pouco; ele
quer agradar os trabalhadores, os patrões e o governo ao
mesmo tempo.
Lula disse na assembleia do dia 13 que não queria “le-
var a classe trabalhadora ao fundo do poço”, que uma nova
greve “seria uma derrota, pois não temos nem o sindicato,
nem estádio e nem Igreja”. O mesmo Lula que em todas as
entrevistas afirma que os sindicatos são produtos de uma
estrutura fascista, agora diz aos trabalhadores que sem esse
sindicato (fascista) a greve é impossível. Ou seja, ele des-
mente o próprio movimento do ABC que se sustentou por
três dias sem o sindicato, que conseguiu o pagamento dos
dias de greve sem o sindicato. Ele desmente o movimento de
várias categorias – motoristas, professores, os metalúrgicos
de Campinas e Jundiaí – que fizeram greves contra os pa-
trões e contra os sindicatos.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

O verdadeiro sindicato
No primeiro de maio, Lula disse que um verdadeiro sin-
dicato são os trabalhadores organizados nas fábricas. No
dia 13, ele comprovou isso. Não era ele o verdadeiro sindi-
cato, mas sim os trabalhadores da Volks, da Ford, da Villa-
res, que decidiram, organizaram e fizeram a greve, obrigan-
do os patrões a recuarem. É esta a tarefa dos metalúrgicos
do ABC: organizarem um verdadeiro sindicato, de toda a
categoria, baseado nas comissões de fábricas eleitas seção
por seção. Um sindicato livre. Os trabalhadores precisam se
organizar por conta própria e seguirem a direção não de um
homem, de um líder, mas uma direção coletiva, construída
desde as fábricas. O presidente desse sindicato livre pode ser
até o Lula, ou qualquer trabalhador, mas as decisões serão
tomadas pelos próprios trabalhadores, organizados em suas
comissões e em seu comando de greve.

A greve do ABC de 1979


(Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo)

A greve do ABC, em março de 1979, girou em torno da


pessoa do Lula. A liderança do Lula é preciso ser vista como
atendendo a uma necessidade de direção que a classe ope-
rária exigia. Dadas as características e formação desse líder
sindical, a burguesia viu nele uma possibilidade de encami-
nhamento do movimento operário em direção às conquistas
econômicas, através de formas institucionais, dentro da le-
galidade burguesa e do sistema capitalista, sem ameaças de
radicalização socializantes.
Por essa razão, alguns setores da burguesia procuraram,
através de seus jornais, rádios e televisão, criar a imagem de
um líder nacional para a classe operária, divulgando qua-
se que diariamente sua pessoa, e realmente atingindo seus
objetivos, pois, antes que um ano se passasse desde o iní-

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Celso Frederico

cio dessa campanha promocional, Lula já era conhecido na


maioria dos lares operários no Brasil.
Após o movimento de maio a julho de 1978 e com a ra-
dicalização crescente das lutas operárias, principalmente na
greve de novembro em São Paulo, ficou mais transparente
para a burguesia a necessidade de um projeto sindical que
pudesse ser controlado pelo Estado. Daí a intensificação das
entrevistas, reportagens e fotos sobre a pessoa do Lula, na
tentativa de fazê-lo definir-se em uma fase em que o próprio
movimento não tinha ainda condições de radicalizar-se, pela
natureza repressiva do regime vigente, o que, aliado às suas
características personalistas e economicistas, levou o Lula a
definir uma conduta própria e uma política sindical objeti-
vamente dentro das necessidades e projetos do sistema.
A greve do ABC foi, portanto, a consequência dessas
posições e dessa política sindical:
1. Nenhuma organização de base, nem independente,
permitida;
2. Nenhuma orientação para a substituição de lideran-
ças no caso de intervenção no sindicato;
3. Fechamento total para os grupos ou opiniões de es-
querda;
4. Atitudes repressivas dentro do próprio movimento,
visando tirar toda a iniciativa dos trabalhadores;
5. Forjamento de uma liderança carismática indiscutível;
6. Concentração nessa liderança de toda a esperança de
vitória;
7. Esvaziamento das propostas de organização da classe
por mais tímidas que fossem;
8. Envolvimento religioso e “patriótico”, estimulando o
anticomunismo, o nacionalismo e reforçando a no-
ção de autoridade.
A greve do ABC lançou as bases para a afirmação de um
novo tipo de sindicalismo. O sindicalismo economicista, que
pode conviver, apesar da confrontação entre as classes, dentro

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

do sistema capitalista. Assim como na Europa ou nos Estados


Unidos, esse sindicalismo pretende defender os operários na
disputa por melhores salários que paguem o valor de sua for-
ça de trabalho. Por isso, é um sindicalismo “autêntico”. Com-
bativo e fiel aos interesses econômicos dos trabalhadores.
A característica contrarrevolucionária desse sindicalis-
mo está em que elimina a organização da classe pela base.
Tira a autoconfiança dos operários, para colocá-la em suas
lideranças. A classe passa a ser uma espectadora de seu pró-
prio destino. Quanto mais aumenta a confiança dela em
uma direção personalista, mais diminui sua capacidade de
mobilização independente, destruindo nela sua força revo-
lucionária. O aspecto positivo do movimento do ABC é que
não eliminou a possibilidade do surgimento de uma direção
alternativa que acreditasse na organização independente do
proletariado. As assembleias massivas, a propaganda em
torno do movimento, a divulgação nacional, pela imprensa
burguesa, permitiu que, nos lugares onde havia uma direção
alternativa, antipelega e com propostas de organização pela
base, os operários passassem a confiar nessas lideranças e
tomassem a iniciativa de se organizar e lutar, levando pânico
às fileiras da burguesia.
No ABC, porém, essa alternativa torna-se particular-
mente irrealizável, enquanto o prestígio da direção persona-
lista se mantiver.
Na confrontação que se deu no ABC, o Estado apare-
ceu, pela primeira vez, comprometido com os patrões. A in-
tervenção nos sindicatos mostrou para os trabalhadores de
que lado estava o governo, e isso significou um avanço para
a consciência da classe. Durante o resto do ano, a ação da
polícia e as posições do governo reforçaram essa compreen-
são e o saldo político, sob esse aspecto, foi bastante signifi-
cativo para o futuro dos operários brasileiros.
O encerramento da greve, feito de maneira autoritária
e sem consultas prévias aos trabalhadores, revoltou uma

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grande parcela dos que participaram da assembleia, mas,


nenhuma possibilidade de reação era possível, visto que a
autoridade da liderança era indiscutível.

A campanha salarial dos metalúrgicos de São Paulo, Osasco e


Guarulhos
(Comissão Estadual de Reorganização PCB-SP, novembro
de 1979)

A atenção dos comunistas há meses se ocupa da campa-


nha salarial dos metalúrgicos da capital, Osasco e Guaru-
lhos, tendo vindo a público no mês de setembro documento
de análise e orientação, no qual alertávamos os trabalhado-
res e o conjunto das forças democráticas para a importância
de assegurar-se um curso e um desfecho vitoriosos a esse
movimento, ao mesmo tempo que apontávamos os erros ca-
pazes de levarem a classe operária a uma derrota sob todos
os pontos de vista indesejável.
Terminada a campanha da forma que todos conhecem,
com magros resultados econômicos, uma greve minoritária
e sem esperança, desarticulada sob repressão violenta – que
não hesitou em assassinar uma liderança combativa e res-
ponsável – e com o agravamento das divisões na categoria,
sentimo-nos no dever de iniciar o debate das causas da der-
rota e das responsabilidades pela conclusão incontestavel-
mente desastrosa desse momento da luta dos trabalhado-
res. Esse debate, longe de se limitar a uma inútil flagelação,
deve clarear o pensamento das correntes e lideranças mais
consequentes e lúcidas do operariado metalúrgico da região,
para que desenvolvam desde já uma ação militante e firme
na reorganização e reunificação da categoria, na resistên-
cia à ofensiva patronal que pode seguir-se a essa derrota,
materializando-se em demissões e redução dos já minguados
direitos de organização no interior das fábricas.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Os sete pecados capitais da campanha


Sem a preocupação de estabelecer uma hierarquia de er-
ros, consideramos os seguintes como fundamentais para o
fracasso da campanha:

Falta de esclarecimento sobre as implicações da nova política salarial


do governo
É de justiça assinalar que se tratou de equívoco do con-
junto do movimento sindical, que não avaliou corretamente
o significado e a repercussão da conversão em lei da pro-
posta dos reajustes semestrais. Os trabalhadores poderiam
mobilizar-se para a luta contra os numerosos aspectos ne-
gativos do projeto governamental, se os sindicatos os cha-
massem a conquistar reajustes trimestrais (como previa o
substitutivo do MDB) ou a escala móvel de salários, ao lado
da defesa da livre negociação e do combate aos retrocessos
inseridos na proposta do governo. A mera agitação genérica
contra o projeto, acompanhada de lamentações sobre a pos-
sível perda de substância dos sindicatos, só poderia condu-
zir, como conduziu, a mobilizações fracas e à perplexidade
entre os operários, com reflexos negativos na disposição dos
metalúrgicos de se integrarem à luta salarial.

Comportamento faccioso e divisionista da oposição sindical


Numa campanha importante e difícil como a que ana-
lisamos, a unidade da categoria era absolutamente indis-
pensável para que fossem obtidas vitórias. Mas os grupos
aventureiros e sectários reunidos na autoproclamada Opo-
sição Sindical tinham exatamente o objetivo de impedir essa
unidade com a ideia fixa de utilizar a campanha – desde o
início – para impor sua influência aos trabalhadores. Para
isso, sacrificou todos os objetivos (inclusive aquele que de-
veria ser comum a todas as correntes: a conquista de um
bom aumento salarial para os trabalhadores em luta). Tudo
foi sacrificado para alcançar sua meta facciosa de desgastar

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as diretorias dos sindicatos, particularmente os da capital e


de Guarulhos, tendo conseguido neutralizá-las. Pretenden-
do, acima de tudo, qualificar-se como alternativa de direção
dos metalúrgicos, levou-os a um desastre e demonstrou o
quanto é perigosa e nociva sua conduta no movimento.

Fixação de reivindicação irrealista


A aprovação de um conjunto de reivindicações, no qual
se destacava a de 83% de aumento sobre os salários atuais,
foi um severo golpe nas possibilidades de êxito da campa-
nha. Para muitas empresas, isso significa uma reivindicação
de mais de 120% de aumento sobre a data-base, uma vez
que antecipações já vinham sendo conquistadas. É bastante
verificar os resultados das lutas salariais dos metalúrgicos
no último ano para se compreender o absurdo desse pleito.
Os melhores resultados foram obtidos no Rio de Janeiro
(75% sobre a data-base). O ABC, em maio, após um mês de
greve, conseguiu 63%. O irrealismo da reivindicação desa-
nimou os trabalhadores e limitou sua mobilização.

Colocação da greve como objetivo da campanha, em lugar do


atendimento das reivindicações
Desde o início da campanha, os grupos sectários e aven-
tureiros trabalharam no sentido de conduzi-la a um impas-
se, diante do qual só restaria à categoria o recurso à greve
por tempo indeterminado, fossem quais fossem as condições.
Com esse objetivo, impuseram um índice irrealista e trataram
de manietar as comissões de negociações, impedidas de, efe-
tivamente, negociar, examinar e apresentar contrapropostas.
Completou a tática mencionada, a recusa do exame sequer da
hipótese de greves parciais, de advertência, capazes de con-
tribuir para evitar o bloqueio das negociações. Com a única
exceção de Osasco, não foram apresentadas contrapropostas
aos patrões, que se beneficiaram da divisão e desmobilização
das bases operárias e endureceram suas posições.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Violação da democracia operária


Como classe social vitalmente interessada na democra-
cia, o proletariado tem necessidade de praticá-la em primeiro
lugar em suas organizações, assembleias e movimentos. Essa
necessidade não decorre apenas da preocupação de oferecer
exemplos de vida democrática ao conjunto da sociedade,
mas é condição indispensável da unidade dos trabalhadores.
Na presente campanha, a democracia operária foi muitas
vezes violada. Em assembleias, o tempo dos oradores foi, às
vezes, limitado a um minuto, o que impediu a exposição se-
rena das ideias e a reflexão. Charangas e batuques, levados
pela Oposição Sindical, procuravam abafar a palavra dos
companheiros que dela divergiam. Tentativas de cassação da
palavra de oradores, da tomada de microfones pela força, de
agressão física a companheiros, no recinto mesmo de assem-
bleias, foram registradas. Procurou-se impedir a livre circu-
lação de panfletos e manifestos, chegando-se mesmo a agre-
dir e a espancar companheiros, para confiscar-lhes folhetos.
Por mais repugnantes e graves que sejam essas tentativas
de impedimento do debate, elas não esgotam o nosso tema,
pois ainda mais grave foi a decisão de impor ao conjunto
da categoria medidas sérias, como a decretação da greve em
assembleias que reuniam apenas sua parcela mobilizada, in-
felizmente minoritária.
Os procedimentos antidemocráticos e golpistas referi-
dos provocaram o afastamento de muitos operários da cam-
panha, descontentes com o clima de disputas e divisão que
presenciaram em reuniões e assembleias.

Reedição de práticas golpistas: greve de fora para dentro das fábricas


Uma das mais importantes características das mobiliza-
ções da classe operária brasileira, iniciadas com a greve dos
metalúrgicos de São Bernardo, de maio de 1978, foi a supe-
ração de certa tradição cupulista e golpista do movimento
sindical. Aquela greve e outras que se sucederam foram de-

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flagradas e conduzidas de acordo com a vontade da imensa


maioria dos trabalhadores, mesmo sem a realização prévia
de assembleias, nascendo nas fábricas e resultando de ama-
durecida decisão dos operários.
No caso da atual campanha, verificou-se o inverso. As-
sembleias pequenas e pouco representativas, fruto do efeito
acumulado dos erros mencionados, resolveram pela greve
sem auscultar o ânimo dos trabalhadores, sem pesar o grau
de organização, sem medir as consequências de uma derrota,
sem avaliar as possibilidades reais de vitória. Dessa forma, a
única maneira de tentar obter a adesão da maioria foi a for-
mação de piquetes que procuravam animar os trabalhadores
e levá-los a interromper a produção. Raras fábricas pararam
por decisão autônoma de seus operários, e a maioria reto-
mava ao trabalho no dia seguinte, a não ser que um piquete
voltasse a paralisá-la. Essa distorção da função dos piquetes
(que deveriam atuar para convencer uma eventual minoria
de trabalhadores a acatar a decisão de greve da maioria) foi
uma debilidade fundamental, logo percebida pelos patrões
e pela polícia – que desencadeou criminosa ação repressiva,
certa de que sem piquetes não haveria adesão importante ao
movimento. Nossa frontal repulsa à repressão, nossa deci-
dida disposição de lutar pelo direito de greve, pelas amplas
liberdades democráticas, não podem nos impedir de con-
denar severamente a tentativa golpista de fazer greves que
dependem unicamente de piquetes, concebidos como subs-
titutos da vontade coletiva e democrática dos trabalhadores
de defenderem seus direitos.

Distanciamento do conjunto do movimento democrático


Vimos com satisfação iniciativas adotadas pelos compa-
nheiros metalúrgicos, desde o início da campanha, visando ao
estreitamento dos laços do movimento operário com os de-
mais segmentos do movimento democrático, nomeadamente
a oposição parlamentar, a Igreja e a Ordem dos Advo­gados.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Experiências úteis foram então realizadas. No entanto, a par-


tir da estúpida ação repressiva que culminou no assassinato
do companheiro Santo Dias, que suscitou ampla reação do
sentimento democrático do nosso povo, buscou-se canalizar
essa solidariedade para a tentativa desesperada de reanima-
ção da greve, o que não foi possível, conseguindo-se apenas
completar o isolamento daqueles companheiros mais mobili-
zados, que persistiram no afã de paralisar a produção (com
coragem e ardor que se devem ressaltar e compreender, mas,
objetivamente, sem possibilidade de alterar o quadro).

Condições indispensáveis para a recuperação da unidade e


organização dos metalúrgicos da região
Da análise do malogro dessa campanha devemos extrair
as lições capazes de orientar a ação unitária de quantos es-
tejam interessados no avanço da luta da classe operária. A
principal dessas lições é, sem dúvida, a necessidade das cor-
rentes unitárias, combativas e consequentes, entre as quais
nos incluímos, de se oporem com maior audácia e firmeza
à ação dos divisionistas agrupados na Oposição Sindical,
principais responsáveis pela derrota sofrida pelos trabalha-
dores metalúrgicos. Não fosse alguma falta de clareza, vaci-
lação e tentativa de conciliar com o oportunismo e golpismo
da Oposição Sindical, esta teria tido mais dificuldade de se
apossar da condução da campanha, como ocorreu especial-
mente nas etapas finais da mesma. No combate à irrespon-
sabilidade devemos distinguir, cuidadosamente, os mentores
da aventura dos numerosos trabalhadores, combativos e
honestos, que foram atraídos pela iniciativa e determinação
(inconsequentes, mas nem por isso menos reais) dos aven-
tureiros. Àqueles, devemos convencer pelos argumentos e
pela prática, tratando, desde já, de tomar a iniciativa, tanto
de realizar o mais amplo balanço dessa experiência, tiran-
do dela conclusões justas, como a de organizar – de modo
unitário, responsável, sério e consequente – a resistência às

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demissões, a solidariedade aos demitidos, a luta para impe-


dir que as precárias conquistas dos últimos anos (entre elas
a de reunir e discutir em algumas fábricas, a de ter murais,
distribuir impressos e até escolher delegados sindicais) se-
jam suprimidas pela contraofensiva patronal, que pode ser
tentada a explorar a desmobilização e o desalento que se
seguem às derrotas.
Com abnegação, firmeza e audácia, o que há de melhor
no movimento metalúrgico de São Paulo, Osasco e Guarulhos
poderá retomar a iniciativa, e dar início a um processo novo,
unitário, que isole os divisionistas e aventureiros e permita
aos metalúrgicos a preservação de suas conquistas e o acúmu-
lo de forças para os novos e vitoriosos embates que a classe
operária brasileira travará, pela democracia, pela soberania
nacional e por melhores condições de vida e trabalho.

Chega de pelegos!
(Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo)

[...] ao iniciar a campanha salarial de 1979, não havia


por parte do conjunto da categoria uma referência político-
sindical mais concreta, na qual ela pudesse confiar e assim
assumir com maior firmeza a luta salarial. A direção do
sindicato já não era nem considerada. Quanto à oposição,
recebia certo apoio apenas de uma parcela pequena da cate-
goria, dos seus elementos mais conscientes.
É verdade que, desde julho, setores da oposição procura-
vam organizar a categoria nas fábricas e regiões, preparan-
do a campanha salarial, e foram eles que forçaram a direção
do sindicato a criar subsedes. Foram realizadas reuniões por
fábricas e grupos de fábricas, tentando a construção de uma
organização mais sólida pela base, que pudesse sustentar a
possível greve. Não basta, porém, querer organizar a mas-
sa operária, é preciso saber fazê-lo. E nós reconhecemos as

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

grandes deficiências que ainda existem em nosso trabalho,


além das dificuldades criadas pela ação dos pelegos e já nes-
sa altura pela ação também de seus novos aliados.
A diretoria do sindicato, com efeito, desenvolve naquele
momento uma nova tática para tentar recuperar seu controle
e influência sobre a categoria, mais ainda com as eleições sin-
dicais de 1978, quando foi preciso a diretoria fraudar a vota-
ção para poder permanecer à frente de sindicato. Assim, a di-
retoria começa por apoiar, ainda que timidamente, a greve do
ABC em março-abril de 1979 e participa da “Intersindical”
e da comemoração do “1º de Maio Unificado”, procurando
alinhar-se com os sindicalistas autênticos embora participe,
ao mesmo tempo, da comemoração oficial no Pacaembu. As-
sume as decisões do Congresso Nacional dos Metalúrgicos
de participar da luta pela anistia e contra a carestia, porém,
sem se preocupar em mobilizar a categoria. Em relação ao
sindicato, acata a decisão de participação de sócios e não só-
cios nas decisões das assembleias referentes à campanha sala-
rial, concede um perdão parcial da dívida dos associados com
mensalidades atrasadas, convoca o Congresso da Mulher
Metalúrgica e acena com a criação de subsedes.
É uma tática que visa atrair os reformistas e concilia-
dores para o seu lado e diminuir os ataques à sua posição.
E é bom lembrar que esses ataques não partiam apenas da
oposição, mas da própria massa, o que obrigou o primeiro
número de 1979 do jornal O metalúrgico a ser distribuído
pelo correio, pois a simples presença de um diretor do sin-
dicato nas portas das fábricas era violentamente repudiada,
chegando mesmo a ocorrer agressões físicas.

O breve apoio do pelego


Ainda em setembro de 1979, pouco antes da primeira
assembleia da campanha salarial, a diretoria inaugura a
“política das mãos estendidas”, dizendo que os interesses da
categoria estão acima das divergências políticas e convoca a

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oposição para uma série de reuniões onde se deveria buscar


uma tática unificada para a campanha. Já na campanha, a
tática dos pelegos é se diluir: concordam com a criação do
comando de mobilização, que teve a participação de mais
de 200 companheiros, aceitam a descentralização através
dos comandos regionais e da criação das subsedes (regiões
Sul, Leste, Oeste, Norte e depois Sudeste). Ao mesmo tempo,
conseguem o envolvimento da “Intersindical” na questão do
índice de aumento e concordam com a unificação da cam-
panha com Osasco e Guarulhos.
Sem dúvida alguma, tudo isso significou um avanço
muito grande do sindicato em relação à situação anterior,
isto é, antes do movimento grevista. Entretanto, a semelhan-
ça entre a nova tática do peleguismo e a tática de “abertura”
da ditadura não é mera coincidência.
É no bojo desse processo que se caracteriza a aliança
entre o peleguismo e o reformismo. Os reformistas têm o es-
paço do sindicato aberto para eles com exclusividade. Sobre
a atuação de qualquer outra corrente oposicionista, porém,
a diretoria do sindicato continua mantendo um rígido con-
trole, como foi o caso da luta contra o projeto de reformula-
ção da CLT, quando fomos boicotados o tempo todo pelos
pelegos, aliados aos reformistas.
Entretanto, se toda essa manobra dos pelegos obtém re-
sultados no nível das lideranças, não sensibiliza o conjun-
to da categoria para a participação na campanha salarial.
Grande parte dos companheiros metalúrgicos continuava
desconfiada.

A massa decide: greve geral


Assim, chega-se à decretação da greve com uma situa-
ção contraditória do ponto de vista da grande massa. A von-
tade de paralisar existe, porém falta confiança na direção
da greve e é baixo o nível de organização nas fábricas. Essa
falta de confiança refletia-se no número relativamente pe-

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queno de operários que participaram das assembleias gerais


do sindicato, apenas de se notar uma maior participação
nas reuniões setoriais e de fábricas. Isso era deixado claro
pelos próprios operários, como é o caso de operários da Sie-
mens, que se dispunham a fazer greve, mas não queriam ir
ao sindicato, ou no caso da Caio, onde se conseguiu reunir
150 operários numa reunião de fábrica, mas a massa não se
dispunha a ir ao sindicato por não confiar na diretoria do
sindicato – e não por estar contra a luta salarial e a greve!
E a hesitação não era só da grande massa. Também
membros dos comandos e da oposição, inclusive os conside-
rados mais “radicais”, estavam indecisos sobre a atitude a
tomar no início da assembleia que decretou a greve, quando
a presença dos operários era ainda muito pequena. Mas foi
chegando gente e lotando o salão do cine Piratininga, crian-
do-se um clima tal que era impossível a alguém argumentar
contra a greve (não por obra de “radicais”, mas por obra da
massa ali presente). E a greve geral foi decretada.
Já no primeiro dia de greve (segunda-feira), exceto na
região Sul, cuja situação especial será analisada adiante, a
paralisação atinge 60% dos trabalhadores. Na região Oeste,
param a Ibrave, Radio Frigor, Mapri, Siemens, Sofunge, Fre-
simbra, as fábricas do Jaguaré exceto a Tuiu e a Deca além
de inúmeras fábricas pequenas. As principais que não param
são a Mafersa, Jaraguá, Sharp e Same. Na região Leste e no
Ipiranga, param a Móveis Fiel, Filizola, Fame, Caio, RCN,
Tecnoforjas, Vulcão, Texima, Máquinas Piratininga, Amo,
Lorenzetti, Ford, Volkswagen, Pado, Fundição Brasil, além
de um grande número de fábricas menores. As principais
que não pararam são a Matarazzo, Aliperti, Philco, Bosch,
Douglas e Motores Brasil.

A validade dos piquetes


Ao contrário do que querem fazer crer os reformistas e
os pelegos, não houve nessas paralisações piquetes no senti-

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do de impedir à força a entrada dos trabalhadores ao servi-


ço. Houve fábricas que paralisaram sozinhas. Em outras, a
simples ação de dois ou três ativistas distribuindo os folhe-
tos que chamavam à greve era o bastante para que a grande
massa aderisse ao movimento. Nesse sentido, quem expres-
sava o verdadeiro estado de espírito da massa?
É claro que a insegurança da grande maioria dos operá-
rios tornava frágil a manutenção da greve. Mas essa insegu-
rança não se devia a “fatores econômicos”, como querem os
reformistas, mas à ausência quase total de direção e organi-
zação sindical, que dessem maior confiança aos operários.
É sabido que a maioria queria um pretexto para entrar em
greve, ou seja, alguém na porta da fábrica que dissesse “es-
tamos em greve”, para assim justificar sua entrada no movi-
mento grevista. Mas isso representa, por um lado, uma ma-
nifestação de insegurança pelo medo de perder o emprego,
pelo verdadeiro regime de ditadura vivido dentro das fábri-
cas, receio dos dedos-duros e agentes patronais infiltrados,
e uma amostra do baixo nível de unidade e consciência de
classe; mas, de outro lado, representa uma vontade espontâ-
nea de fazer greve, de lutar contra a opressão econômica dos
patrões, de não se submeter sem luta.
Na região Sul, de início, a paralisação foi menor. Para
isso contribuiu a ação concentrada da repressão nessa região,
considerada um reduto da oposição. A polícia invadiu a sub-
sede do sindicato e prendeu quase todo o comando regional
já na madrugada do primeiro dia de greve. Além disso, em
várias fábricas, como na Caterpillar, havia policiais dentro da
fábrica pressionando e intimidando ostensivamente os operá-
rios. Ainda assim, na segunda-feira, a paralisação atingia pelo
menos 30% dos operários da região. Chegava a ser quase
total na área da Chácara Santo Antônio (Timkem, Monark,
Dreco, FSP, Arbame, Rheen, Frigor, Magal, Ducor, Alfa Laval,
Gradiente e outras menores) e era parcial no Socorro (Fil-
tros Mann e Barbará, além de paralisação parcial em muitas

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outras), MWM, Telefunken. E na terça-feira, antes do assas-


sinato do companheiro Santo Dias da Silva, os operários da
Villares paralisaram a fábrica espontaneamente, por dentro,
representando uma adesão de peso na região.

Mataram Santo, mas a greve cresceu!


A greve reservava ainda outras surpresas, com o assassi-
nato do companheiro Santo, em 30 de outubro de 1979. A
repressão, que até então era o principal obstáculo à generali-
zação completa da greve (levando-se em conta às condições de
momento da categoria), realiza um recuo tático devido ao cres-
cente apoio à greve junto a setores democráticos e a indignação
que a morte do companheiro trouxe. A manifestação política
no enterro do companheiro teve a participação de milhares de
operários, além de outras forças populares e democráticas. E
o que se viu, a partir daí, foram as grandes manifestações de
piqueteiros, com passeatas em várias regiões­ atingindo até 10
mil grevistas, que transformaram em caráter político o desen-
volvimento da greve e deram uma pequena mostra da força e
poder da massa operária. E a greve generaliza-se.
A única saída para os patrões nesse momento é pressionar
para que novamente sejam lançadas as forças policiais sobre
os operários, cumprindo a sua verdadeira função nas socie-
dades de classes, que é reprimir a luta das classes oprimidas
contra os opressores. A greve é declarada ilegal pela Justiça
do Trabalho e a polícia volta com violência brutal, espancan-
do os operários e invadindo a Igreja do Socorro. Na região
de Santo Amaro, ocorre verdadeiro cerco militar, com cavala-
ria, carros blindados e mobilização do corpo de bombeiros. É
nessa circunstância que a greve refluiu e acabou pondo a nu
uma vez mais a debilidade da direção política dos operários,
que não soube, no calor da luta, elevar o nível de organização
e de consciência política dos grevistas, preparando-os para o
contra-ataque patronal. Não faltaram coragem e abnegação a
milhares de companheiros. Porém isso só não basta.

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O que ganharam os operários


A ação policial permitiu que milhares de operários pas-
sassem por uma experiência fundamental: o confronto direto
com a polícia, o guarda-costas dos patrões. Ficou evidente
para os metalúrgicos o posicionamento do governo em defesa
dos patrões. Essa experiência é fundamental, pois educa mais
profunda e amplamente do que a propaganda falada ou es-
crita. É a experiência própria, a vivência do fato. O que se viu
nessa fase da greve foi que a própria luta ajudou a clarear o
papel que a repressão joga em nossa sociedade. A consciência
de que governo, patrões e polícia estão do mesmo lado ficou
mais clara para centenas de milhares de elementos do povo,
não só os operários. O assassinato do Santo e a depredação da
Igreja do Socorro tiveram como consequência o crescimento
do sentimento de oposição na população em geral.
É claro que, do ponto de vista puramente econômico,
a greve não resultou em grandes conquistas. Porém, por
que o estado de espírito da massa após a greve é claramen-
te diferente do final da greve de 1978? Alguns fatos que
comprovam isso são: a relativamente grande presença de
metalúrgicos (em clara oposição à diretoria do sindicato)
na assembleia do dia 30 de novembro, logo após o final
da greve; um aumento do número de operários dispostos a
sindicalizar-se para derrubar a atual diretoria; as reuniões­
de alguns setores da oposição com comparecimento já gran-
de de companheiros, mesmo sem haver uma perspectiva
imediata de ação mais geral, como a campanha salarial; em
certas fábricas, alguns operários espontaneamente discutem
a necessidade de se organizar o trabalho da fábrica; a recen-
te paralisação da Caterpillar, por meia hora, em resposta a
um desmando da direção da empresa que, sem consultar os
operários, diminuiu em meia hora o horário de almoço para
a compensação do carnaval.
Para nós, torna-se claro que houve, na greve, aspectos
que fizeram os metalúrgicos paulistas avançarem do ponto

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de vista político. Podemos dizer que foi criado um poten-


cial de desenvolvimento político que pode ou não ser trans-
formado em algo mais sólido e duradouro, dependendo da
ação política das forças mais consequentes.

As várias falhas da campanha


Se na descrição de como ocorreu a greve procuramos
esclarecer algumas críticas baseadas em fatos parciais ou
distorcidos, não queremos justificar de maneira alguma os
erros cometidos nessa campanha.
Dentre eles, a falta de um comando geral de greve que
unificasse e coordenasse os comandos regionais é apenas um
dos aspectos da política espontaneísta obreirista que orien-
tou nossa ação nessa campanha. Caminhamos sempre atrás
dos acontecimentos. Não houve uma preocupação, que pelo
menos fosse constante das lideranças, em se reunir para ava-
liar e sistematizar as informações colhidas nas reuniões, ana-
lisar as falhas de organização e a possibilidade concreta de
greve, elaborar propostas mínimas que fossem enriquecidas,
incorporadas a novas propostas ou até mesmo modificadas
no debate democrático com as bases.
Isso gerou dois graves problemas. Primeiro, o ativismo,
com as convocações de assembleias gerais, assembleia regio-
nal, reunião por grupos de fábrica e reuniões específicas de
fábrica tomando todos os dias da semana, isso sem falar das
pichações e colagens de cartazes, distribuição de folhetos e
do trabalho profissional diário nas fábricas. Em outras pala-
vras, esse era mais um trabalho para o Super-Homem.
O segundo problema, mais grave ainda, foi que essa
condução espontaneísta da campanha colocou a liderança
a reboque da massa. Uma das questões levantadas em pra-
ticamente todas as reuniões era a crítica à direção sindical
e a preocupação com novas manobras dos pelegos, como
ocorreu na campanha de 1978. Essa desconfiança justa e
natural da massa metalúrgica não era analisada por grande

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parte das lideranças como apenas uma das dificuldades des-


sa campanha, mas como a dificuldade principal, o que fez
com que a discussão até a metade da campanha fosse sobre
índice (50% ou 83%) e, daí até a decretação da greve, sobre
como evitar a manobra, a rasteira que os pelegos iriam dar.

Erros graves na preparação


Como consequência dessa “direção” espontaneísta, não
houve a preocupação de preparar melhor a categoria para a
greve (na verdade muitos não sabiam o que fazer). Algumas
orientações seriam básicas, como por exemplo lançar uma
campanha de boicote às horas extras e até mesmo uma cam-
panha para baixar o ritmo de produção, impedindo assim
que as empresas fizessem estoques de produtos, ao mesmo
tempo que iria já “aquecendo” a categoria para a greve. Ao
mesmo tempo, poderíamos orientar os companheiros que
tivessem condições a fazer uma pequena reserva de alimen-
tos essenciais e chamar a categoria a organizar amplamente
o fundo de greve. Sendo propostas justas, em muitos luga-
res a própria massa poderia se organizar espontaneamente e
se preparar concretamente para a possibilidade de greve. A
única atitude tomada foi o lançamento de um boletim onde
se chamava a categoria ao boicote das horas extras.
E no plano da agitação econômica? Praticamente nada
foi feito além dos já tradicionais folhetos denunciando a alta
do custo de vida e a consequente perda salarial. As denún-
cias dos lucros fabulosos das empresas, das manobras do
governo para jogar o peso da crise econômica sobre os tra-
balhadores poderiam (e podem) desenvolver o espírito de
luta e a combatividade da massa operária.
É lógico que tudo isso deveria ser pensado antes, e se ti-
véssemos conseguido dirigir melhor a campanha, o resultado
da greve certamente seria outro. Ao refletirmos sobre essas
questões, fica muito claro o espontaneísmo que esteve presen-
te no nosso trabalho e a necessidade urgente de superá-lo.

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Foi certo manter o índice?


Outra consequência dessa “direção” espontaneísta foi
a decisão de não dar poder de negociação à comissão de
negociação (não confundir poder de negociação com po-
der de decisão; este deve ficar com a assembleia). Em pri-
meiro lugar, se em 1978 tivemos uma comissão de nego-
ciação vacilante, a de 1979 era composta em sua maioria
pelos ativistas da oposição, o que poderia impedir as ma-
nobras que os pelegos possivelmente fariam. Em segundo
lugar, ligada ao espontaneísmo há ainda uma outra linha
de argumentação. Numa entrevista ao jornal Em Tempo,
um membro da oposição disse: “Recusávamos a diminuir
os índices porque não se tratava de reduzi-los apenas, o
que estava em jogo era uma situação de força. A justeza de
nossa posição ficou demonstrada pelo sindicato de Osas-
co que por duas vezes reduziu os índices sem que nada re-
solvesse, acabando por aceitar as migalhas que os patrões
ofereciam”.
Sem dúvida alguma, ele tem razão quando diz que esta-
va em jogo uma situação de forças. O erro está em conside-
rar como dada, estática, a correlação de forças. Na verdade
nossas forças crescem ou se estreitam no processo da luta,
elas são dinâmicas. Sem cair na ideia do “índice aceitável”
pelos patrões, como queriam os reformistas, a negociação
era importante para atrair uma parcela grande da categoria
envolvida pela propaganda dos jornais e TV de que os me-
talúrgicos eram intransigentes; e, com isso, ampliar a nossa
organização ao nível da categoria e a nossa base de apoio
em nível da sociedade, o que só viria a se concretizar mais
amplamente com a morte do Santo.
E esse apoio popular e democrático se concretizou por-
que havia condições para isso, porque a classe operária é o
centro das forças de oposição ao regime militar. A estreiteza
de visão de alguns setores metalúrgicos impediu que esse
apoio fosse mobilizado mais cedo e mais amplamente.

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Essa estreiteza de visão – achar que no momento atual


só contamos com nossas forças contra os patrões e o regime
militar – levou quase ao desespero o pessoal vanguardista,
quando a repressão impedia até a distribuição de boletins
nas portas das fábricas.
Essas falhas, porém, não invalidam o movimento gre-
vista. É na luta que se aprende a lutar. E se é preciso uma
preparação mínima para iniciar uma greve, as outras con-
dições podem ser criadas já durante a greve, desde que haja
uma orientação correta, unidade e empenho na luta. Mas os
pelegos e divisionistas, em vez de ajudar a resolver as falhas,
procuraram se aproveitar delas para negar a luta e aumentar
ainda mais as dificuldades do movimento grevista.

Conclusão: para vencer é preciso querer lutar


A luta da classe operária pode se desenvolver, num nível
ainda elementar e isolado, independentemente da organiza-
ção e da correlação de forças. Não é assim quando ocorrem
os quebra-quebras de trens ou a revolta popular em Flo-
rianópolis e em São Luís do Maranhão?34 Será por acaso
“aventureira” a justa revolta popular? Mas uma luta da en-
vergadura da greve de novembro passado não pode sequer
ser atribuída à ação de meia dúzia de “gatos pingados”.
É claro que quanto mais conscientes e organizados esti-
verem os trabalhadores, maior é a possibilidade de sua luta
avançar a níveis mais elevados, maiores são as possibilidades
de conquistar os objetivos definidos. E é certo também que
devemos buscar condições ótimas, nas quais a organização
e a correlação de forças sejam as mais favoráveis. Mas daí
a achar que são esses elementos por si sós que determinam
quando se deve ou não fazer uma greve é desconhecer por

34
Em São Luís do Maranhão, em setembro, e Florianópolis, em novembro de
1979, estudantes e outros setores populares foram às ruas protestar contra a
carestia e a falta de liberdades. Em Florianópolis, investiram contra o presiden-
te Figueiredo e alguns ministros.

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que os operários fazem greve, é desconhecer as raízes obje-


tivas do surgimento da luta econômica dos operários contra
os patrões, o processo no qual a classe operária se organiza
para a luta econômica, e é, sobretudo, desconhecer o con-
texto político no qual as greves atuais se inscrevem. É, no
fundo, assumir a posição de que o povo é massa de manobra
e que não se dispõe a ir para a luta.
Na realidade, quando os pelegos antigos e “paralelos”
separam a greve de novembro do conjunto de greves de-
sencadeadas no país nos últimos anos, não só procuram
justificar sua política conciliadora, como também semear a
ideia de que a classe operária ainda não está preparada para
desenvolver a luta econômica e política, de que é preciso
antes organizar para depois lutar, e que é necessário acumu-
lar vitórias econômicas para saltar ao nível da luta política.
Eles consideram também que é preciso deixar a luta contra
a ditadura militar entregue à burguesia liberal.

Organizar antes e lutar depois?


Aqui é necessário destacar duas questões muito importan-
tes para a direção da luta operária. Uma questão diz respeito
à ideia de que é necessário o movimento estar já com alto
grau de organização para poder ir à luta. As greves desenca-
deadas nos últimos tempos refutam tal ideia e mostram que
existe uma relação dinâmica entre a luta e o nível de organi-
zação. Não é uma relação forçada, estática, de dependência
total de uma à outra, mas uma relação dinâmica em que, por
um lado, a necessidade objetiva de lutar leva à necessidade de
aprimoramento da organização de massa, em que a luta se-
meia dentre os operários a necessidade de se organizarem me-
lhor para enfrentar um inimigo de classe poderoso, por outro
lado, o fato de uma melhor organização pode levar a maiores
conquistas. Mas a organização dos operários não surge num
piscar de olhos, nem apenas da dedicação e trabalho dos ope-
rários conscientes. Isso porque a luta dos operários é uma

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luta de classe, de massa e a sua organização deve também ser


de massa. A luta e a organização se reforçam uma à outra.
Os reformistas, ao isolar o aspecto econômico na análise dos
resultados da greve, para daí tirar a conclusão se a greve foi
ou não vitoriosa, reforçam a visão economicista da massa de
que a obtenção do índice de aumento reivindicado é tudo e
que sem vitória econômica não há vitória alguma. Isso se ex-
pressa na ideia que circula entre os pelegos e seus aliados de
que se fosse aprovado nas assembleias o índice de 50% com
um mínimo de 3 mil de aumento proposto pela diretoria, po-
deríamos ter obtido uma vitória! Esse raciocínio é tão simples
quanto falso. Se é verdade que um índice muito elevado se
torna irreal e pode levar ao descrédito da luta perante a massa
e a desmobiliza, um índice muito baixo para o que a massa
operária deseja também é desmobilizador. A proposta de ín-
dice de diretoria, tirada sem uma maior consulta à categoria,
foi repudiada e rejeitada nas assembleias. Ao tentar barrar a
proposta de 83% levada pelos comandos, dizia-se que esse
índice era muito elevado. Mas para se chegar a esse índice
houve uma pequena pesquisa em algumas fábricas em São
Paulo e uma pesquisa maior em Guarulhos, além de se levar
em consideração as vitórias econômicas obtidas em Monle-
vade e no Rio de Janeiro, onde os índices reivindicados eram
muito próximos aos 83%.
É lógico que, se nos colocamos do ponto de vista dos
patrões e do governo, este é um índice inadmissível. Mas a ló-
gica dos operários não é a lógica dos patrões e seus aliados.
Por seu lado, também os vanguardistas35 concentram
forças na defesa do índice de aumento e levantam palavras
35
Vanguardista é toda concepção que, propondo objetivos e formas de ação
ainda fora do alcance da maioria da classe operária, no país ou num lugar de-
terminado, acaba isolando a camada avançada da camada intermediária e da
camada relativamente atrasada dos operários. A camada avançada deve puxar
para a frente as camadas intermediárias e atrasada, mas sem isolar-se delas;
precisa ajudá-las a avançar, mas não pode substituí-las, a camada avançada
não pode lutar sozinha.

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de ordem que reforçam a visão economicista (83% até a


vitória, não negociar o índice). Talvez no seu raciocínio po-
lítico, ao defender até a derrota um índice inatingível com o
nível atual de consciência e organização da classe operária,
a luta que é inicialmente econômica passaria espontanea-
mente à luta política e daí à rebelião operária. Na prática,
como as coisas não se dão como as “mentes fabulosas” pla-
nejam, aquelas palavras de ordem e a valorização excessiva
do índice de aumento levam também ao adormecimento da
consciência operária, ao reforço das ideias economicistas no
seio da massa operária.

Luta econômica e luta política


A outra questão é a respeito de como a classe operária
realiza a passagem da luta econômica para a luta política.
É errada a ideia de que é necessário acumular vitórias eco-
nômicas para se saltar ao nível da luta política, como se da
etapa de lutas econômicas a classe operária passasse natu-
ralmente à etapa das lutas políticas.
A experiência do movimento operário nos países mais
desenvolvidos, em particular a experiência do sindicalismo
inglês e da social-democracia alemã,36 mostram que o acú-
mulo de vitórias econômicas não leva necessariamente ao
salto da luta política.
Ao contrário, a experiência acumulada do movimento
operário ensina que a luta política, quer dizer, a luta pelo
poder político da classe operária para eliminar toda a misé-

36
A social-democracia é uma das correntes reformistas que atuam no movimento
operário, principalmente na Europa ocidental. Prega a conciliação entre empre-
gados e patrões e pretende chegar ao socialismo através de um caminho gradati-
vo e puramente eleitoral, combinando a democracia burguesa com o socialismo
operário. Na prática, acaba apenas fazendo reformas no capitalismo vigente,
como o demonstra a experiência do Partido Social-Democrata na Alemanha oci-
dental, do Partido Social-Democrata na Suécia ou do Partido Trabalhista na In-
glaterra. Esses partidos já estiveram no governo várias vezes e o utilizaram para
“melhorar” o capitalismo e não para substituí-lo pelo socialismo.

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ria, toda opressão, toda exploração, se desenvolve à medida


que são disseminadas no seio da classe operária as ideias de
quais são as causas reais da miséria, da opressão e da ex-
ploração e de como essas causas podem ser superadas. Em
outras palavras, a classe operária passa das lutas reivindi-
catórias à luta pela sua verdadeira libertação se, em ligação
com suas lutas econômicas e políticas imediatas, procura
assimilar as ideias do socialismo científico37 para ter uma
visão clara de como conduzir sua luta em curto, em médio
e em longo prazo.
Em resumo, as reivindicações dos metalúrgicos de São
Paulo eram justas e razoáveis, se levarmos em conta o pro-
longado arrocho salarial a que têm sido submetidos, como
os demais trabalhadores. Eles não recorreram à greve por
mania de fazer greves, mas pela intransigência dos patrões.
A greve não foi decidida por uma minoria de “radicais”,
mas foi praticamente imposta pela situação econômica difí-
cil e pelo estado de espírito combativo de largos setores da
massa metalúrgica.
Havia também condições mínimas para desencadear e
sustentar a greve, conforme a própria experiência prática
mostrou. E essas condições mínimas poderiam ter sido rapi-
damente ampliadas, as falhas poderiam ter sido corrigidas,
se a conduta da direção do sindicato e das correntes que se
aliaram a ela tivesse sido outra. Portanto, a direção do sindi-
cato e seus aliados são os principais responsáveis pelas der-
rotas sofridas pela greve. Mas, apesar do comportamento

37
O socialismo científico, fundado por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich En-
gels (1820-1895), sustenta que a libertação dos trabalhadores só pode ocorrer
pela própria luta dos trabalhadores, encabeçados pelos operários. E que, para
libertar-se completamente, os trabalhadores precisam, em primeiro lugar, con-
quistar uma democracia nova, só deles, sem a participação de capitalistas e ou-
tros exploradores; e, em seguida, acabar com todas as formas de propriedade
privada dos meios de produção e de exploração do trabalho, construindo uma
sociedade nova, socialista, baseada na propriedade social, no trabalho coletivo
e na fraternidade e ajuda mútua entre todos os trabalhadores.

259

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omisso e divisionista dos pelegos e aliados, as dificuldades


teriam sido menores se as correntes da oposição não tives-
sem cometido certos erros na preparação e no desenvolvi-
mento do movimento grevista.

Greve heroica não é “aventura”


Apesar dessas falhas, os fatos mostram claramente que a
heroica greve de novembro dos metalúrgicos de São Paulo,
que custou inclusive a vida de nosso companheiro Santo,
não foi de modo algum uma “aventura”. Os seus resultados
são outra prova disso. Quanto aos resultados econômicos,
foram ainda muito limitados. Mas a greve deixou um bom
saldo político, não só para os metalúrgicos de São Paulo,
mas para todo o movimento operário e popular. A imprensa
dos patrões e os documentos dos pelegos e reformistas pro-
curam dizer que a greve metalúrgica de novembro de 1979
foi o fim de todo um ciclo de greves. Na realidade, ela foi o
começo de uma nova etapa dos movimentos grevistas.
A greve dos metalúrgicos de São Paulo, em novembro
de 1979, já se deu num quadro bem diferente das greves
anteriores. O governo do general Figueiredo tinha baixado
a nova lei salarial com o objetivo de tornar mais difíceis
os movimentos grevistas. O governo tinha reelaborado tam-
bém todo seu esquema de repressão às greves, procurando
combinar certas manobras políticas para isolar os operários
grevistas com uma nova dureza policial, voltada principal-
mente contra os operários mais ativos e organizados.
A tática da “abertura”, adotada pelo general Figueire-
do, com a anistia e uma liberdade maior de atuação políti-
ca, já tinha produzido também certos efeitos no movimen-
to operário e sindical, levando ao realinhamento de forças,
com a aproximação entre uma parte dos pelegos e certas
correntes conciliadoras, ambos procurando isolar as oposi-
ções sindicais e interromper os movimentos grevistas. Pois
foi nesse quadro muito mais difícil que os operários meta-

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lúrgicos de São Paulo conseguiram desencadear e sustentar,


por mais de uma semana, um amplo movimento grevista,
combinando-o, além disso, com manifestações políticas sem
precedentes na história da classe operária nos últimos anos.
Com nossa greve, portanto, nós mostramos que é possível
continuar levando adiante a luta dos trabalhadores apesar
de todas as violências e manobras do governo, dos patrões,
dos pelegos e de seus aliados.
No entanto, uma coisa também ficou muito clara. O mo-
vimento operário só conseguirá corrigir suas falhas e conti-
nuará avançando se desmascarar, isolar e derrotar os pelegos
e todos os que conciliam com eles. Essa é a grande lição que
os operários e demais trabalhadores precisam tirar da justa e
combativa greve que nós, metalúrgicos de São Paulo, fizemos,
apesar de todas as dificuldades, em novembro de 1979.

Uma autocrítica: documento de São Bernardo


(Enílson Simões de Moura [Alemão] e Osmar Mendonça)

Apresentação
As greves desencadeadas a partir de 1978 no ABC mar-
cam o ressurgimento do movimento operário como eixo
fundamental e decisivo para a construção de uma verdadei-
ra democracia no Brasil.
Nós, trabalhadores, ferimos de modo consequente as
bases fundamentais do regime, o arrocho salarial, que desde
1984 é o suporte principal da política econômica da dita-
dura e ao mesmo tempo, nesse processo de lutas, rompe-
mos a legislação repressiva, como a lei de greve, uma das
amarras necessárias para a manutenção da superexploração
das massas trabalhadoras. Temos claro, no entanto, que a
liquidação desses suportes só será possível através de um
amplo e poderoso movimento democrático de massas, onde
a classe operária desempenha papel fundamental.

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Temos claro também que não foi por acaso que essa
irrupção do movimento operário se deu no ABC, pois é aqui
que se encontra o coração industrial do país, e uma das ta-
xas mais altas de exploração monopolista. Ao contrário do
que nos acusam, de constituirmos uma elite, o motor do mo-
vimento grevista foram justamente as condições miseráveis
de vida e de trabalho em que nos encontramos.
Nós, trabalhadores, imprimimos um caráter novo nas
lutas oposicionistas no Brasil. Com a perda de nossos sindi-
catos e com a destituição de todas as nossas lideranças, sem
nenhum amparo político legal e com o seu enquadramen-
to político na LSN, acarretou-nos, consequentemente, uma
temporária desorganização de nossas forças.
Nós, trabalhadores do ABC, que fazemos parte do co-
ração e da cabeça da classe operária, queremos dirigir-nos a
ela e às massas trabalhadoras em geral para uma luta fun-
damental: a retomada dos nossos sindicatos. Essa luta, no
entanto, não será possível se nós não refletirmos sobre o
último movimento grevista e todas as suas injunções. Prin-
cipalmente aquelas das quais não temos uma precisa visão
política, também contribuíram para que o inimigo – que tem
clara consciência de nosso papel – se recompusesse e nos
acertasse um profundo golpe: tirando-nos o nosso elo cen-
tral e aglutinador que é o sindicato.
Estamos atravessando os momentos seguintes aos de
uma grande luta, tal como em 1978 e 1979. Entretanto,
como a luta atual tem qualidades diferentes, o quadro atual
não é o mesmo dos momentos seguintes daquelas lutas. A
diferença básica está em que aquelas batalhas foram duas
grandes vitórias para nossa categoria e, hoje, não podemos
afirmar o mesmo.
Assistimos ao fato de ver nosso sindicato ocupado pela
polícia, dirigido por interventores, com seus melhores fun-
cionários, que são nossos companheiros, demitidos e nós
obrigados a nos reunirmos, ou reiniciarmos nossa ofensiva,

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em uma saleta de uma torre de igreja que dividimos com al-


guns vendedores de pipocas. Por outro lado, parte da melhor
liderança está enquadrada na Lei de Segurança Nacional,
com grande ameaça de condenação. Nas fábricas, o mais
dramático, pois sem um acordo mínimo de garantias após a
greve, assistimos a um verdadeiro carnaval de superexplo-
ração, brutalidades e perseguições contra a grande maioria
que assumiu tal luta como sua. Os patrões descontando dias
parados como querem, demitindo quantos querem etc. (em
determinadas fábricas se cortou até mesmo o tempo para
o cafezinho). Intensificou-se a rotatividade e o consequente
achatamento salarial tornou-se humilhante.
Diante de tal realidade torna-se absurdo falar em vitó-
ria, a não ser para quem afirma que “foi vitória, pois cresceu
a consciência da categoria”. Se é verdade (e de fato o é) que
aumentou em muito o ódio dos trabalhadores pelos patrões
e pela ditadura, que aprendemos mais que nunca a identi-
ficar nosso inimigo central nesta conjuntura, não podemos
dizer que fizemos a greve para isso, pois, ao contrário, a
greve tal como foi feita já pressupunha a existência desta
consciência, e não é gratuito que antes da eclosão de tal luta
fizemos um vigoroso e fortíssimo trabalho de preparação e,
como afirmávamos dentro do sindicato, em nossas reuniões.
A categoria está em ponto de bala. Deflagrada a greve, se
confirmou tal previsão. Poucas vezes se viu nesta terra tão
grande quantidade de energia humana. Mas tínhamos obje-
tivos concretos a atingir e fazer greve para aumentar a cons-
ciência não pode ser um objetivo exclusivo de um dirigente
ou ativista sindical e nem de um movimento de massas que
tem interesses concretos para conquistar.
É importante frisar outra vez que nossa preparação foi
excelente. Que buscamos formas de estabelecer negociações
antes (bem antes) de começar a greve. Que tais contatos para
negociações nunca foram levados a sério pelos patrões que
não acreditavam em nossa seriedade de intenções, achan-

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do que a greve, se deflagrada, morreria logo, como afirma-


va o sempre enganado e enganador do sistema, sr. Murilo
Macedo. Não aceitamos portanto o título de radicais que
tentaram nos impor, nem tampouco de aventureiros, pois
preparamos muito bem a categoria e tal preparação só foi
possível, entre outras coisas, porque o momento conjuntu-
ral é extremamente favorável a poderosos avanços no mo-
vimento popular em geral. Ora, se essa era realidade, onde
estão então as causas de nossa derrota momentânea? Por
isso é necessário que, com a mesma grandeza de intenções e
a mesma humildade que sempre tivemos ao analisar nossas
lutas travadas e por travar, busquemos, com a honestidade
de quem entende que tal derrota é momentânea e episódica e
que, acertando, poderemos mudar rapidamente tal situação,
as raízes de nossos erros, que a nosso ver são basicamente
três. Vejamos um a um.

Baluartismo – Unidade
O primeiro advém principalmente de um certo baluar-
tismo que caracterizou nosso passado recente. A grandeza
de nossa categoria, sua bravura e coragem extraordinária,
nos fez tirar conclusões erradas, pois, certamente, para im-
por uma derrota que é sempre como se coloca a luta (vitória
ou derrota de um dos lados), é preciso mais que a coragem
e a bravura dos trabalhadores de São Bernardo. A essência
desse baluartismo consistia em supervalorizar nossas forças,
desprezando as outras forças do sindicalismo. É necessário
entender, por outro lado, que bravos, explorados, em desgra-
çada situação de miséria encontra-se o conjunto dos traba-
lhadores brasileiros e, por isso mesmo, a grande disposição
de luta desse conjunto. Basta lembrar 1979: grandes greves
o ano inteiro, no país inteiro. Neste ano, a coisa começou do
mesmo jeito. Assistimos à luta vitoriosa dos companheiros
do Porto de Santos, assistimos à disposição da vanguarda
dos motoristas (mesmo com pouca preparação política) de

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São Paulo para a mesma luta. Aí está o essencial que temos


que entender: é que são categorias bem mobilizadas, com
direções sindicais dispostas a lutar, assim como também a
nossa direção se dispõe, contando ainda que nossos dissí-
dios são praticamente na mesma época. Ora, se assim é, não
há porque, nem havia porque não acertarmos nossas rei-
vindicações e formas de luta com a desses companheiros,
ajudá-los se necessário em suas preparações, fazendo uma
campanha de unidade com eles. Combinando uma pressão
conjunta, duvidamos muito que o regime suporte dez dias
de greve (metalúrgicos, portuários e motoristas de São Pau-
lo, para ficarmos entre os que se mobilizaram no começo
do ano). Essa unidade inclusive não precisaria ser explícita
desde o primeiro momento. O que afirmamos é que é uma
unidade possível, para não falar de outras também possí-
veis e necessárias, se tivéssemos uma política sindical que
nos conduzisse a ela. Para elaborar tal política temos que
primeiro ter a consciência de sua necessidade, o que só é
possível quando, conhecendo nossa força e nosso poder, en-
tendermos que o inimigo ainda é demasiado forte para ser
vencido numa greve isolada.
Temos a absoluta certeza de que a força de nosso mo-
vimento é e seguirá sendo a referência do sindicalismo
brasileiro e, conhecendo tal papel, haveremos de superar
o baluartismo e buscar a unidade, o que significa buscar
a forma de derrotar o inimigo, somando nossas forças e
combinando nossas ações no terreno que ele nos enfrenta:
o terreno político.
Temos que construir, portanto, essa unidade, mesmo
conhecendo as debilidades, fraquezas, vacilações e forças
de outras categorias e do movimento sindical em conjunto,
pois a um inimigo cuja força é nacional, seguramente sua
derrota será a vitória do sindicalismo brasileiro.
Por outro lado, devido às constantes intervenções, cas-
sações e prisões de sindicalistas, diminuindo, reprimindo

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as liberdades e as lutas sindicais, só podem ser respondidas


através de uma ação unitária do conjunto do movimento
sindical brasileiro. A unidade dos sindicatos que não estão
envolvidos diretamente nessa campanha salarial é funda-
mental para assegurar e ampliar a liberdade e autonomia
sindical sempre violadas no decorrer das lutas dos últimos
anos. A unidade que temos que buscar hoje não pode ser
idealizada e se limitar exclusivamente aos sindicatos conhe-
cidos como “autênticos” e “combativos”, mas sim baseada
no conjunto da realidade brasileira. Política sindical tem
que ser para o conjunto do movimento sindical e não para
alguns sindicatos.
Somente a união dos sindicatos “combativos” não é su-
ficiente para assegurar as liberdades sindicais. Ademais, a
função primeira desses sindicatos “combativos”, para serem
lideranças sindicais nacionais, para se constituírem numa
força sindical nacional, é atrair e unir, com uma política jus-
ta (tal como a luta pela estabilidade, liberdade e autonomia
sindical, salário mínimo nacional unificado), o conjunto dos
sindicatos brasileiros, respeitando o seu nível de organiza-
ção e consciência. A força dessa unidade está em que ela seja
construída através dos sindicatos, das entidades sindicais e
não de “supostos representantes” dos trabalhadores.
Pela rápida ação do Estado ao lado dos patrões, todas
as nossas lutas ganham imediatamente um caráter político e
é também nesse terreno que se desenvolve uma outra bata-
lha! Isso porque, devido à situação econômica e política de
nosso país, toda luta salarial e sindical tende a adquirir ime-
diatamente esse caráter. No caso específico de São Bernardo,
esse caráter político se aprofunda e radicaliza justamente
porque aqui se localiza e se desenvolve a grande força do ca-
pitalismo brasileiro: o grande capital nacional e as multina-
cionais – o imperialismo. Então aí é necessário compreender
que isolados, contra os patrões e o governo unidos, a luta se
torna incomensuravelmente difícil.

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Para combater no terreno político, além da urgente uni-


dade no campo sindical que não desenvolvemos com acerto,
deveríamos ter entendido ainda a necessidade de estabelecer
um arco de alianças com o conjunto da oposição democrá-
tica, pois em São Bernardo houve, na verdade, uma batalha
entre a democracia e a ditadura.
Não se tratava, portanto, de fazer afirmações simplistas
e equivocadas como: “Os parlamentares que aqui vieram e
agiram tinham como objetivo aparecer, colher cacifes etc.”
(mesmo porque a maioria que aqui veio não o precisava
fazê-lo aqui), ou ficar reclamando que “tal ou qual partido
de oposição não nos ajudou”.
Em essência, o conteúdo desse tipo de manifestação con-
siste em querer afastar os trabalhadores da luta política e de
seus aliados nesse terreno. O mais curioso é que aqueles que
mais temiam o tal “oportunismo dos políticos” são também
aqueles que mais utilizavam de seus serviços.
Todas as forças da ditadura estavam voltadas para es-
magar o ABC, pois ela tinha clareza do nosso papel de lide-
rança para o conjunto do movimento de massas. Na medida
em que nós não tínhamos o controle das alternativas con-
cretas para o movimento – fruto de uma avaliação incorreta
das nossas forças –, acabamos, de certo modo, por ceder
terreno diante da tática do inimigo, isto é, a política do des-
gaste que levou o movimento a uma progressiva exaustão e
esvaziamento. Se partimos do princípio de que os principais
interessados na democracia são os trabalhadores, e sabedo-
res do confronto político que se seguiria, deveríamos deixar
nossos preconceitos em casa, sentar ao lado dos partidos de
oposição buscando estabelecer uma ação conjunta e nacio-
nal que significasse um golpe no regime ditatorial, assegu-
rando dessa forma nosso direito de manifestação e reunião.
Sabemos que tivemos o apoio e a solidariedade de todos os
partidos de oposição democrática, mas tal apoio seria sem
dúvida mais efetivo – sem que tivéssemos que abrir mão

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ou ceder em nossas reivindicações econômicas ou em nos-


sa prática de lutas –, se tivéssemos estabelecido um terreno
de ação no nível político. Com isso, seguramente, teríamos
avançado muito mais no rumo da democracia.
Compreendemos perfeitamente que não é uma tarefa
dos sindicatos dirigir a luta política pela democracia. No
entanto, compreendemos que os sindicatos têm o interesse
e o dever de participar nessa luta. A forma sob a qual isso
deve se desenvolver é através de uma relação cada vez mais
intensa dos sindicatos com a política, ou seja, através das ex-
pressões organizadas que existem nesse terreno, os partidos
políticos. Isso em nada atenta contra a liberdade e autono-
mia sindical que nós defendemos. Ao contrário, é através da
relação entre a luta sindical e a luta pelas liberdades demo-
cráticas que construiremos efetivamente as condições para
assegurar e desenvolver a autonomia e liberdade sindical.

Luta no terreno econômico


A segunda raiz de nossos erros é de outra ordem, ain-
da que esteja muito ligada à primeira. É que mantivemos a
luta no terreno econômico, o que para nós foi extremamen-
te desfavorável. Sabemos que podemos ganhar mais força e
apoio de outros setores políticos, democráticos e sindicais
quando combinamos o nosso dever de lutar por reivindica-
ções econômicas e específicas com nosso direito político de
manifestação e organização democrática. O raciocínio que
nos orientou, e orienta ainda muitos de nossos companhei-
ros, é o da possibilidade de derrotar o patrão no terreno
econômico. Ou seja, vamos parar São Bernardo e quem pu-
der menos estoura primeiro: capital ou trabalho. Ora, sabe-
mos perfeitamente que tipo de patrão estamos combatendo.
As mais poderosas multinacionais, que no Brasil têm as mais
diversas formas de arrancar lucros graças à orgia que é aqui
o mercado financeiro, onde os over-nights, open-marketings­
oferecem possibilidades de lucros intensos, caso não se quei-

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ra investir na produção. Capitalistas que, graças ao acele-


rado processo de acumulação, construíram aqui em São
Bernardo poderosas estruturas de produção e, ao seu lado,
uma estrutura de poder que penetra dentro da estrutura do
Estado brasileiro. São capazes de acionar imediatamente tal
aparelho de Estado, dilatando na rede bancária prazos para
pagamento de impostos, taxas, duplicatas etc. O mercado
externo será atendido pelas matrizes e demais filiais em ou-
tros países e o mercado interno... pode esperar. Não pode-
mos esquecer jamais que vivemos na época do imperialismo,
que é tão gigante quanto absolutamente desumano, como
também não podemos esquecer que já o derrotamos em ou-
tras épocas, e até recentemente, e que é possível e necessário
repetir tais derrotas.
Seria obviamente uma ilusão imperdoável supor que po-
deríamos construir, mesmo com dez vezes a solidariedade
que tivemos (que foi grande), um fundo de greve capaz de se
opor a tal acumulação e ao fundo de greve dos patrões. Ain-
da assim afirmávamos: fizemos 15 dias de greve, não deu.
Vamos fazer 40, 60 etc. e, agora que ainda não deu, fala-se
em 80, 100 e nesse raciocínio vamos a 6 meses, 7, até... Bom,
a verdade é que esperávamos derrotar os patrões e o gover-
no (seu aliado imediato) esgotando seus cofres, sem ver que
o que se esgota muito mais rapidamente, nesse aspecto, são
nossos bolsos e a gente é vencido pela fome (como fomos)
e pela miséria, quando não pela própria miséria que invade
nossos lares. Vimos valorosos companheiros voltarem à fá-
brica após o 30º dia de greve (a grande maioria), premidos
pela situação dita acima e pela falta de esperança em obter
uma vitória política. Premidos pela miséria, voltamos a afir-
mar, mas não descrentes na luta. Deixamos de considerar
que a boa perspectiva não está em realizar uma greve de 100
dias, mas sim parar mesmo que seja um dia, mas congregan-
do dezenas, centenas de sindicatos. A força reside não só
na organização local, mas, principalmente, no alargamento

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horizontal das bases sindicais políticas e sociais. Em suma,


na articulação com outras categorias e com as forças polí-
ticas democráticas, para evitar o isolamento ou a exaustão
da greve. O peso fundamental de uma greve para a aliança
patrões/governo não está exatamente no seu prolongamen-
to, no seu crescimento em termos de continuidade, mas sim
na sua expansão entre os trabalhadores e, no caso do Brasil,
entre os trabalhadores das diversas categorias.

A condução da greve
Por último, outra raiz determinante para a derrota, foi
a questão da condução da greve onde, a nosso ver, houve
um grave equívoco. Já dissemos o quanto foi grande nossa
preparação para a greve. Já dissemos o quanto foi grande
a energia humana com a qual iniciamos a luta e podemos
afirmar que no decorrer da luta essa energia duplicou. A
coragem, a certeza inicial de uma vitória, a vontade inque-
brantável, transformou cada companheiro trabalhador num
verdadeiro gigante. Assistimos a um verdadeiro carnaval de
terrorismo e violência por parte da polícia militar, Exército
e demais órgãos de repressão sem que isso chegasse a causar
a menor intimidação aos nossos bravos combatentes que,
presos, a única preocupação que tinham era sair da cadeia e
voltar rapidamente à luta com a coragem redobrada.
Apesar de sabermos de tudo isso, estabelecemos a priori
uma tática de recuo – sob o pretexto de evitar o confronto
– que foi pouco a pouco nos autoesmagando, criando condi-
ções propícias para o inimigo nos combater, já a essa altura
no terreno militar. Sabíamos perfeitamente, e os patrões e
o governo também sabiam, que nossa força residia funda-
mentalmente na nossa capacidade de garantirmos o direi-
to democrático de realizarmos grandes assembleias. Que a
força de cada trabalhador consistia no ato de ele ver a seu
lado 40, 50, 60, 80, 100 mil companheiros naquelas imensas
manifestações de unidade. Era acima de tudo necessário ga-

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rantir tal direito democrático. A nossa força, a força de nos-


sa greve, estava nessa massa humana e não foi nessa massa
que procuramos garantir tal direito e, sim, quase que exclu-
sivamente nas conversações de parlamentares, sindicatos e
demais representantes da sociedade civil, com os asseclas da
ditadura. Eram sem dúvida necessárias e sinceras as inten-
ções desses setores democráticos, mas como já dissemos, no
entanto, a massa de trabalhadores unida era o que naquele
momento faria a ditadura recuar, mas não jogamos por aí,
e como se viu a liberdade de manifestação e organização
democrática não foi garantida. Para a massa nós repetíamos
sempre: tomaram nosso sindicato, vamos para o campo, se
nos tomarem o campo, vamos para a igreja, se não puder aí
também, vamos para os bairros, se ainda assim não puder,
ficamos em casa. Admitir sair do campo era admitir redu-
zir drasticamente nossa força e manifestação, a igreja era o
princípio do fim, e o bairro o próprio fim. Entretanto era o
que propúnhamos para as massas inflamadas de ódio com
sua situação de miséria e opressão. Quem estava livre, viu o
espetáculo que foi o “1º de Maio”, o dia que, enfim, resol-
veu-se confrontar e, confrontando, vencemos.
Ora, quem tem um mínimo de noção da forma que o
regime combate o movimento de massa, sabe perfeitamente
que para os militares é impossível vencer 40 mil homens
reunidos a não ser usando arma pesada, com a disposição
de matar pelo menos mil, coisa que fora de uma conjuntura
insurrecional é impossível. Agora combater grupos peque-
nos, a que fomos reduzidos com nossa orientação, não só
era possível, como foi feito. Cada vez mais divididos, não
iríamos fazer de forma alguma o patrão negociar, pois, afi-
nal, ele via que nós não queríamos confrontar, que nós está-
vamos favorecendo o controle militar de nosso movimento,
então por que negociar? Daí, tínhamos que seguir assistindo
pela televisão o Macedo, o Walter Saca vomitar suas arro-
gâncias, afirmando que não negociariam.

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É necessário frisar que para nós, neste momento, con-


frontar, não significa “comprar o pau” no terreno militar, ou
seja, enfrentar pistolas e bombas com estilingues, garrafas etc.,
mas sim opor o vigor da nossa unidade ao aparato militar e
fazê-lo abandonar a raia, como o fizemos no “1º de Maio”,
como fizemos no Paço Municipal em 1979. Garantindo nossa
conquista, que era nosso direito de nos reunirmos nas gran-
des assembleias da Vila Euclides, certamente estaríamos pre-
servando nossa força e, diante de um quadro que seria outro,
duvidamos que continuaria a dita arrogância governamental
e patronal. É preciso apontar mais uma vez que a conjuntura
nos era, como segue sendo, favorável, pois a cada dia cresce e
fortifica-se o movimento popular, levando a ditadura ao atual
quadro de desespero. Nosso excesso de prudência e pacifismo
em muito contribuiu com a criminosa violência policial, que
aumentava de intensidade cada vez que dávamos mais um
passo no caminho do automassacramento a que nossa tática
conduzia. O poder daquela massa unida era demasiadamente
grande, e nós não verificamos isso no momento certo. Era
vital ter demonstrado naquele momento nossa disposição de
não ceder nesse terreno (uma vez que nossas reivindicações
eram negociáveis), não recuando seguidamente com tática es-
tabelecida a priori como o fizemos.
Dito isso, é necessário ainda combater determinadas
visões que falam da impossibilidade de uma greve vitorio-
sa devido ao “sindicato CLT”. Isso para nós revela absoluta
ignorância acerca da nossa história e da concepção política
geral. Para nós, o maior ou menor poder da ação sindical está
ligado ao momento político que se vive, ou seja, tudo está
diretamente relacionado aos poderes que se opõem, ao poder
popular por um lado, ao poder burguês por outro, sua coe-
são, que é hoje a coesão Estado/patrão. Quanto mais sólida
tal coesão, mais forte se torna o inimigo. Portanto, falações
acerca de tal “sindicato CLT” não é nada mais nada menos
que a revelação da impotência de determinados setores em

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fazer do sindicato uma trincheira de luta dos trabalhadores.


Se tal versão fosse verdadeira, como esses impotentes explica-
riam as grandes vitórias de 1978, de 1979, quando além da
vitória no plano econômico ainda desalojamos a intervenção
e conduzimos de volta a diretoria por nós eleita.
Voltamos a afirmar, entretanto, infligimos, e sabemos
disso, profundos golpes nesse regime antipopular, que mais
uma vez teve que se colocar a nu, apresentando sua face
mais cruel para o povo. Afirmamos ainda que não existe
um derrotismo, uma descrença na luta entre nossos com-
panheiros; ao contrário, existe e cresceu a certeza de que
temos que derrotar o inimigo, existe a certeza de que a luta
mais imediata é pela retomada do sindicato, devolvendo-o
aos trabalhadores. Sabemos que o caminho para tal é fun-
damentalmente manter a mobilização dentro daquele sindi-
cato, manter a política de reuniões por empresa buscando
no curto espaço de tempo realizar grandes manifestações,
greves, passeatas, enfim trilhar todos os passos necessários
para tal, pois é esse e não outro o caminho para retomar o
sindicato e a luta interrompida. Guerreiro não falta, trata-se
de organizar a batalha. Certamente que deveremos levar a
ofensiva a todos os níveis, buscando nossos aliados na opo-
sição democrática, no sindicalismo nacional e internacional,
para que somando nossa força possamos ocupar novamente
nosso sindicato o mais rápido possível.
Finalmente é necessário afirmar que o movimento ocor-
rido foi a soma da experiência que se tinha. Nossa análi-
se não pretende codificar o que já aconteceu. Ao contrário,
procuramos extrair da nossa experiência lições para as lu-
tas futuras. Portanto, hoje, se anunciamos formas e tarefas
diferentes de ação dentro da greve é unicamente porque a
luta passada nos levou a descobrir essas formas, o que seria
difícil e mesmo impossível para o conjunto do movimento
antes mesmo dessa experiência.
São Bernardo, 1980

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A grande greve de abril


(A. Carvalho e R. Batista, Debate, nº 35, 1980)

Desde os dramáticos acontecimentos de 1968, que pre-


cederam ao AI-5, não se dava um confronto tão importante
e decisivo com a ditadura, como essa greve, de abril-maio
de 1980, dos metalúrgicos do ABC. Nos seus 42 dias de
paralisação e, principalmente, na vitória de massas do “1°
de Maio” de São Bernardo, esse setor de vanguarda do pro-
letariado brasileiro mostrou não apenas sua capacidade de
inovação e firmeza nas formas de combate, como também
confirmou o que os revolucionários mais consequentes – e
entre eles os comunistas – vêm afirmando há algum tem-
po: que a espinha dorsal da luta pela democracia no Brasil
está no movimento operário. Ao mesmo tempo, e por isso
mesmo, a greve permitiu reorientações de setores políticos e
uma conceituação mais clara, na prática, do leque de forças
que estão com a perspectiva de uma ação de frente na luta
contra a ditadura.
A greve aconteceu logo depois de um período de refluxo
do movimento sindical e de massas, que marcou o segundo
semestre de 1979 como um tempo de derrotas do movimen-
to grevista. E também aconteceu pouco tempo depois do
desenlace da reformulação partidária, que atomizou e en-
fraqueceu organicamente os adversários do regime. A greve
tornou-se, assim, o primeiro teste decisivo de como os no-
vos partidos iriam comportar-se entre si e diante da massa.
E boa parcela dos membros dos partidos de oposição, seja
por sensibilidade política e/ou tino histórico, seja por opor-
tunismo, perceberam o quanto a sua presença concreta no
trabalho de apoio à greve era importante para o movimento
e para eles próprios, políticos, parlamentares de oposição,
que precisavam estar presentes se quisessem assegurar sua
legitimidade e sobrevivência, enquanto políticos contrários
ao regime. Essa percepção levou a que, pela primeira vez

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desde 1964, a Assembleia Legislativa de São Paulo se trans-


formasse no QG de solidariedade a uma greve.
Por outro lado, o governo ditatorial de Figueiredo, ven-
do posta em xeque sua política de “abertura”, que não passa
de simples conversão liberal e elitista do regime, apresentou
um indiscutível grau de indecisão: agiu com muita cautela,
para que o caso da greve não servisse de pretexto aos mi-
litares de “linha dura”, nem de pretexto para denúncias de
“fraude de intenções” quanto à abertura política, por parte
da opinião pública nacional e principalmente internacional.
Tanto que, para agir de maneira repressiva, o governo bus-
cou o máximo de legalidade a seu alcance, retardando inclu-
sive o início da repressão contra os grevistas.
Quanto ao patronato, apresentou alguma vacilação ape-
nas no começo da greve, quando uma minoria dispôs-se a
negociar diretamente com os trabalhadores. De resto, mos-
trou-se incapaz de praticar os mais elementares princípios da
democracia burguesa, sendo radicalmente intransigente nas
negociações. E isso não deixou de ser um pouco surpreenden-
te, pois se era esperado que os setores não monopolistas se
colocassem docilmente à reboque do Estado e dos monopólios
que ele representa, o mesmo não era esperado de setores mo-
nopolistas nacionais (estilo José Mindlin & Cia.), que vinham
fazendo pomposos discursos liberais e não hesitaram em man-
ter a orientação repressiva e intransigente do governo.
Merece também destaque, nesta análise política do que
significou a greve, o fato de que a extrema direita foi somen-
te derrotada graças à expressiva vitória do “1° de Maio”
em São Bernardo, que conseguiu reunir mais de 100 mil
pessoas­, apesar das barreiras e dificuldades criadas. Frente a
essa massa humana disposta a lutar e demonstrando capa-
cidade de organização, o aparato repressivo houve por bem
recuar e permitir a grande manifestação.
Apesar de o “1° de Maio” não ter influído objetivamen-
te no curso da greve, ele foi o fato de caráter político mais

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

marcante daquela conjuntura, porque impressionou os ór-


gãos de repressão, a ponto de obrigar o gal. Milton Tavares
– um dos mais lídimos defensores do anticomunismo primá-
rio e primeiro representante da ditadura na greve – a fazer
a seguinte confissão ao jornal O Estado de S. Paulo: “Per-
mitimos a passeata do “1° de Maio [...] já que chegamos à
conclusão de que qualquer tentativa de repressão iria causar
um enorme número de vítimas [...]” (16 de maio de 1980).

Confronto, sim. Situação pré-revolucionária, não.


O fato de ter se apresentado um espectro mais definido
do que nunca das forças que comporão a frente antidita-
dura, aliado à combatividade inconteste apresentada pelos
metalúrgicos em greve, fez com que muitos revolucionários
– e entre eles alguns comunistas – confundissem o momen-
to com uma situação pré-revolucionária. Essa confusão
recebeu importante estímulo com a indecisão das forças
repressivas, que pareciam combater inimigos muito pode-
rosos. Iludiram-se esses revolucionários ao confundirem a
indecisão do governo em tomar esta ou aquela atitude pe-
rante uma situação de confronto inédita com pura fraqueza
e incapacidade de ação. Ao contrário, a greve mostrou que
o braço repressivo do Estado mantém-se intacto, com a ple-
nitude de suas forças.
Na verdade, os fatos demonstraram que a tese da situa­
ção pré-revolucionária era voluntarista e aventureira, por
pouco não levando o movimento a um desastre para a luta
popular, a uma derrota de grandes proporções. Pois, se de
fato os trabalhadores de São Bernardo demonstraram um
grau de organização impressionante, o mesmo não se pode
dizer quanto aos trabalhadores dos sindicatos de cidades vi-
zinhas e espalhadas pelo Estado de São Paulo, que entraram
juntos na greve. Ao contrário, não só a greve não conseguiu
alastrar-se por outras categorias profissionais e por outras
regiões do país – o que caracterizaria, em parte, uma situa­

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Celso Frederico

ção pré-revolucionária – como também rapidamente foi


perdendo as adesões recebidas, dada à fragilidade e incipiên­
cia do movimento sindical brasileiro. Sob esse aspecto, e re-
forçando a ideia de que o aparato repressivo estava bem
preparado, é importante constatar que a ditadura conseguiu
matar no nascedouro qualquer tentativa de greve de solida-
riedade ao prender, preventivamente, as lideranças capazes
de propor esse tipo de ação.
A análise leviana, que concluía que a situação era pré-
revolucionária, confundia o maior confronto das forças
populares com a ditadura dos últimos anos com a marcha
definitiva pela tomada do poder. Isso porque desconsiderava
ou subestimava o esforço enorme que o movimento demo-
crático tem ainda de fazer para organizar de forma coesa
e eficaz todo o anseio por democracia já acumulado pelos
assalariados da cidade e do campo. Satisfazia-se com a inci-
piente estrutura conseguida com vistas à solidariedade aos
operários em greve que, apesar de importantíssima por ter
aberto uma perspectiva bastante otimista para a formação
de tal força unitária revolucionária, serviu, em si, tão so-
mente para apontar o caminho da ação política, para efeti-
var evidentemente o trabalho de solidariedade aos grevistas
e, finalmente, para tirar os partidos políticos de oposição da
inércia a que estavam submetidos pela reformulação parti-
dária, pelas disputas internas pelo poder e pelo calendário
eleitoral.
No entanto, o fato de ter se apresentado com maior
clareza a qualidade do compromisso político de cada setor
da oposição merece uma avaliação detalhada, já que o mo-
mento ofereceu condição para saber não somente o grau de
comprometimento com as lutas populares de cada tendência
ideológica, como também o quanto cada uma delas sensi-
biliza a população mobilizada, permitindo saber “quem é
quem” nas disputas ideológicas pela hegemonia da frente
que se forma contra a ditadura.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

A frente antiditadura está se formando


Em primeiro lugar, é preciso constatar a reorientação
da ação dos liberais que comandaram a luta contra a di-
tadura até meados do ano passado. Estes perceberam que
sua liderança não estaria ameaçada, enquanto os limites da
prática oposicionista fossem os tribunais das assembleias le-
gislativas. Mas sabiam também que, ao contrário, bastaria
que essa luta ganhasse as ruas para que sua posição fosse
seriamente ameaçada. Essa clareza sobre o desenrolar dos
acontecimentos é bastante flagrante, quando consideramos
principalmente os liberais que, exatamente por serem mais
avançados e combativos, convivem com posições ideológi-
cas à sua esquerda e com elas disputam o tom do compro-
misso de seu próprio partido, como é o caso do PMDB.
O fato é que, pela primeira vez, os responsáveis pelas exe-
cutivas estadual e nacional do PMDB – que é composta por
muitos dos egressos das executivas do antigo MDB – estiveram
em peso numa greve; isso sem falar dos representantes de outros
partidos que, no caso do PP, falavam em nome do governo até
há muito pouco tempo... Evidentemente, não causava qualquer
surpresa a presença dos parlamentares mais combativos e próxi-
mos aos trabalhadores, hoje em dia divididos fundamentalmen-
te em parlamentares do PT e do PMDB, como Fernando Mo-
rais, Geraldo Siqueira, Almir Pazzianotto, Aurélio Peres, Marco
Aurélio, Suplicy ou mesmo Franco Montoro, que desde 1978
vem tendo atitudes dignas de solidariedade e coragem pessoal
nos momentos de greve. O que realmente causou agradável sur-
presa foi a disposição de parlamentares como Teotônio Vilela,
Ulisses Guimarães, Orestes Quércia, Magalhães Pinto e Cláudio
Lembo, que estiveram sempre presentes nos dias de greve.
Essa reorientação da ação dos liberais, cuja parcela signi-
ficativa (lembremo-nos de que no Brasil eles são poucos) per-
cebeu no movimento operário do ABC uma saída contra as
ofensivas governamentais do ano passado, teve sua expres-
são também na criação – ainda quando os líderes sindicais

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Celso Frederico

estavam presos – do Comitê de Defesa das Liberdades Públi-


cas. Esse comitê se apresentou como uma forma específica de
atuação de personalidades liberais e até alguns empresários,
assumindo, a seu modo, palavras de ordem exigidas pelo
movimento operário, como a liberdade para o Lula e a luta
contra a Lei de Segurança Nacional. Para os comunistas, tra-
ta-se de acionar os liberais para esse tipo de posição, como
antevisão da futura posição tendencialmente hegemônica do
movimento operário na luta pela democracia.
Em segundo lugar, a Igreja demonstrou com disposição
e firmeza que é parceira importante dos revolucionários na
luta contra a ditadura, emprestando a sua infraestrutura e
colocando seus líderes em condições de fazer corajosos dis-
cursos antiditatoriais.Trata-se, no Brasil, de uma Igreja cuja
maioria tem cunho nitidamente progressista e popular, onde
o anticomunismo (sempre presente em todos os matizes da
esquerda não comunista) é irrelevante se comparado com a
posição pela democracia e justiça social – agora referendada
e reforçada pela visita e declarações do Papa João Paulo II –
o que resulta numa posição nitidamente antiditatorial.
Em terceiro lugar, é preciso constatar que a greve resul-
tou, ao menos num primeiro momento, em ganho de pres-
tígio e força por parte do PT, já que seus líderes principais
– Lula na cabeça – não faziam mistério quanto à intenção
de trazer para dentro do Partido dos Trabalhadores os seus
liderados no plano sindical. Lula, a partir daí, com a inter-
venção nos sindicatos dos metalúrgicos de São Bernardo, e
pelo fato de que o PT se apresenta com uma proposta pro-
gramática muito parecida com os programas de ação das
centrais sindicais europeias do começo do século, o que lhe
confere um caráter quase sindical,38 transformou-se em líder

38
Comparar o projeto de programa do PT, lançado em sua primeira reunião
nacional, com o programa de fundação da CGT francesa, na primeira década
do século. Nota-se a dificuldade de ambos em separar aquilo que é do âmbito
sindical, daquilo que não é sindical, mas sim político.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

político-partidário, tentando transferir o seu prestígio sindi-


cal para dentro do partido que atualmente encabeça.
No entanto, é muito cedo para uma avaliação mais pre-
cisa a respeito dos ganhos que cada uma das tendências com-
ponentes do espectro ideológico da frente antiditadura teve
nessa greve. Isto é, só as próximas eleições sindicais e parla-
mentares poderão mostrar, mais claramente, esses ganhos. E
mesmo assim, de forma indireta, já que os comunistas con-
tinuam não podendo atuar livremente. Estes são obrigados
a aceitar um papel de segundo plano no movimento sindical
por não poderem defender abertamente o conjunto de suas
ideias. Essa afirmação, no entanto, não estabelece, aprioris-
ticamente, que os comunistas terão um papel secundário na
frente que se forma. Afirma, apenas, que eles vivem maiores
dificuldades que as outras tendências ideológicas que vêm
se organizando no Brasil hoje, já que sua livre expressão é
exatamente o limite da “abertura do Golbery”.

A relação entre as forças de esquerda


Cabe aqui uma apreciação sobre a divisão da esquerda
acontecida em São Paulo, resultando na formação de dois
comitês de solidariedade à mesma greve, causando confusão,
criando desconfiança, diminuindo, portanto, a eficácia, tan-
to política quanto na solidariedade em si aos grevistas. Essa
análise, vinda após a avaliação feita das forças não comu-
nistas na greve, serve para esclarecer, através do exemplo, o
quanto será difícil para os marxistas organizados de acordo
com a tradição comunista assumir a vanguarda dessa luta.
Em tese, o principal objetivo de qualquer tendência po-
lítica ao atuar num comitê de solidariedade à greve deveria
ser o de – exatamente – prestar a tal solidariedade. No en-
tanto, as atitudes de sectarismo e desconfiança, que caracte-
rizam de forma marcante a ação da esquerda no Brasil, mais
uma vez impuseram a tônica. O vício de se tentar “ganhar”
de golpe e impor sua posição a qualquer entidade, adiciona-

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do aos fracassos e à escassez de lideranças existentes desde


1964, são responsáveis imediatos pela grande atomização
em que se encontram os militantes marxistas e comunistas
do Brasil.
Essa desconfiança foi a principal responsável pela cria-
ção de dois comitês de solidariedade em São Paulo, visto
que os principais adversários na disputa pela liderança do
comitê mostraram-se absolutamente intransigentes, o que
acabou resultando na divisão. Antes mesmo de iniciar-se o
processo de apoio propriamente dito, a Oposição Sindical
de São Paulo e militantes da Unidade Sindical mostravam
claramente a sua intenção de instrumentalizar o apoio aos
grevistas para fortalecer as suas posições. Não se importa-
vam, nem uma nem outra parte, com o fato evidente de que
o comitê seria muito mais forte se conseguisse ser unitário.
Quem ganharia com a unidade? Certamente todas as partes
interessadas em lutar consequentemente pelo fim da dita-
dura, além de conferir maior capacidade de prestar solida-
riedade, para a qual estava sendo montada. A subestimação
da unidade chegou a tal ponto, que mereceu a seguinte ob-
servação de Djalma Bom, dirigente do Sindicato dos Meta-
lúrgicos de São Bernardo e seu representante perante aquele
comitê: “Do jeito que está, parece que quem precisa de soli-
dariedade são vocês e não nós”...
A incapacidade de trabalharem juntos, num caso onde
o trabalho e a orientação não podiam ser muito variados (o
que se podia fazer era conseguir dinheiro, alimento, e com
isso fazer propaganda da greve e da luta sindical em geral),
deve servir de alerta para as dificuldades que se vai encon-
trar no trabalho conjunto, na luta pela derrubada da dita-
dura. Pois, se numa atividade simples e evidente como essa,
a esquerda não consegue trabalhar em conjunto, o que será
então na hora de encaminhar coisas bem mais complexas e
vitais... Esse alerta é muito mais aos comunistas que, enquan-
to não souberem fazer unidade na prática, de nada adiantará

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

“encher a boca” de discurso unitário. A não ser que a unida-


de cantada e desejada seja exclusivamente com os represen-
tantes da burguesia liberal e da burocracia sindical...
Também, de nada adiantará aos comunistas e à tão ne-
cessária divulgação do comunismo no Brasil, que eles se au-
toproclamem a única tendência consequente no movimento
operário. E, nesse sentido, é muito correta a atitude do jor-
nal Voz da unidade, que em sua edição de nº 10 saudava a
formação da Comissão Nacional do PT, sem com isso re-
baixar as divergências em nome de uma unidade a qual-
quer preço e sem pretender impor-se através das palavras
e somente através delas, quando todos sabem que a prova
de consequência, ao contrário, não se dá através delas, mas
através da prática.
A ação dos comunistas organizados na maioria dos
“partidos comunistas” existentes entre nós não respeita a
democracia interna dos órgãos aos quais estão filiados.39 É
só assim que dá para explicar – sem a menor pretensão de
justificar – a formação de um segundo comitê de solidarie-
dade por parte dos companheiros ligados à Unidade Sindi-
cal. Ao sentirem que seriam prejudicados pelos preconceitos
e pelo anticomunismo de uma parte considerável dos for-
madores do comitê, propuseram algo que sabiam, desde an-
tes, que jamais poderia ser aceito por aquele contingente, ou
seja, representatividade maior aos representantes da Unida-
de Sindical em relação a qualquer outra entidade presente,
incluindo os partidos políticos; e que o comitê se transferisse
para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Não só
propuseram isso, como ainda consideraram que essa era a
única proposta aceitável para que eles continuassem no co-
mitê. Resultado: formaram um outro comitê, afastando-se
dos parlamentares, que na sua grande maioria continuaram
39
O artigo “Democracia no sindicato”, de A. Carvalho, Debate nº 34, e o artigo
nesse mesmo número, assinado por A. Silva e N. Matos, discutem mais profun-
damente essa questão.

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filiados ao chamado Comitê da Assembleia, da Igreja e de


parcela considerável da classe média, que potencialmente ti-
nha muito melhores condições de conseguir ajuda material
para os grevistas. Não pretendemos com isso culpar os co-
munistas que atuam junto a Unidade Sindical por esses fatos
lamentáveis, já que evidentemente o sectarismo e a descon-
fiança são fenômenos e desvios com duas faces. Mas, o fato
de sermos comunistas e pretendermos agir de acordo com
as concepções do marxismo, faz com que as nossas obser-
vações voltem-se bem mais no sentido dos comunistas, que
no sentido das outras tendências responsáveis, já que – em
tese – nossa linguagem e objetivos quanto ao socialismo e
comunismo nos aproximam e nos fazem primeiros aliados.
Insistimos por uma última vez, ainda, sobre a mesma ques-
tão, pois vemos que apenas com uma mudança radical de
atitudes poderemos ter uma Central Única dos Trabalhado-
res, que ultrapasse o sindicalismo fascista entre nós ainda
vigente. Com essa desconfiança e intransigência, com esse
desrespeito à posição dos outros, à democracia e ao centra-
lismo, iniciativas altamente elogiáveis como a da formação
da Unidade Sindical, podem – em vez de tornar-se o embrião
da Central Única dos Trabalhadores – vir a ser um arremedo
de entidade unitária, sem a massa combativa e sem os prin-
cipais líderes do movimento sindical brasileiro.

Um balanço da greve
A greve não conseguiu transformar nenhuma das rei-
vindicações dos metalúrgicos em realidade. Esse argumento
por si só bastaria para dizer que a greve não foi um inteiro
sucesso. O que dizer, então, quando consideramos que ela
teve, como consequência direta, a intervenção nos dois sin-
dicatos mais avançados e combativos – o de São Bernardo e
o de Santo André – além de ter ocasionado, até o início do
mês de junho, 13 mil desempregos registrados nos sindica-
tos da categoria.

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Esses três fatos (negada qualquer reivindicação, inter-


venção nos sindicatos e demissões em massa, atingindo cer-
tamente os quadros sindicais atualmente sem qualquer pro-
teção sindical) falam por si. A greve foi incontestavelmente
uma derrota econômica e muito trabalhador saiu dela com
grandes dúvidas a respeito de sua própria capacidade de
vencer, o que traz, ao menos no curto prazo, uma onda de
desestímulo bastante compreensível, no seio do próprio mo-
vimento. Os líderes foram cassados e a desarticulação vai
dar a tônica por algum tempo, apesar de todo esforço que
se faça no sentido de mudar as coisas. Além disso, como
tem acontecido em toda greve derrotada, o patronato apro-
veitou do resultado da parada para fazer uma verdadeira
“limpeza”, mandando embora de suas indústrias os princi-
pais organizadores e agitadores da luta sindical, apesar de
que isso não possa ser feito com muita facilidade, já que
os trabalhadores mais especializados são substituídos com
bastante dificuldade.
No entanto, para se falar em derrota, numa análise que
pretende retirar lições de uma greve como essa, é preciso es-
tabelecer a razão básica que levou ao fracasso, assim como
saber ressaltar o que foi positivo em tudo isso. Se não agir-
mos assim, estaremos correndo o risco de negarmos a im-
portância de toda a iniciativa, sem sabermos como superar
o que houve de errado.
No dia em que o TRT declarou-se incompetente para
julgar da ilegalidade a greve (o que foi a única vitória par-
cial conseguida pelo movimento no plano legal), apresen-
tou-se um dilema à direção do movimento do ABC que a
acompanharia até o fim: como e quando propor o fim da
greve, como enfrentar seus liderados se estes, vivendo o sa-
bor aparente de sua própria força, não pareciam dispostos
a aceitar qualquer recuo. Não se pode afirmar que a dire-
ção do movimento tenha pretendido acabar com a greve, já
que ela estava respaldada ideologicamente no princípio da

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absoluta soberania da vontade das massas. No entanto, em


nosso entender, o papel da liderança está em saber mediar
essa soberania com fatores que estão além da compreensão
e conhecimento da própria massa, como fatores políticos
externos, coesão dos adversários, apoio de outros setores
etc. É papel da direção, portanto, propor uma linha vitorio-
sa e não simplesmente aquilo que a massa quer ouvir.
É preciso reconhecer que a greve teve uma forma de
organização que apresentou vários aspectos altamente po-
sitivos, destacando-se, entre eles, a incrível capacidade de
mobilização. No entanto, essa greve, à base de grandes con-
centrações de massa, demonstrou não ser forma suficiente
de organização democrática, já que os oradores não tinham
condições físicas sequer para expor plenamente as suas
ideias. Mesmo assim, os fatores conjunturais, o isolamento
e a correlação de forças altamente desfavorável aos grevis-
tas eram elementos mais que suficientes para que a direção
avançasse uma alternativa. Se não ousou fazer assim, pu-
blicamente, é porque subestimou esses fatores ou não teve
coragem política de se ver repudiada pela massa. A linha
mais justa, apesar de temporariamente reprovada pela mas-
sa, haveria de ser referendada pelos fatos, o que resultaria,
no futuro, em uma liderança ainda mais representativa.
A ausência de um partido revolucionário na vanguarda
desse movimento, que orientasse a espontaneidade revolu-
cionária da massa de acordo com a correlação de forças na
sociedade, naquele momento, foi a razão básica do fracasso,
colocando na ordem do dia a necessidade de sua construção.
Essa necessidade foi certamente constatada pelas lideranças
do movimento grevista, já que lutam pela formação de seu
partido, através da criação do PT. No entanto, se continua-
rem confundindo a soberania da vontade das massas com o
culto ao espontaneísmo – para usar uma expressão de Lenin
– a formação desse partido não terá a consequência deseja-
da, ou seja, levar vitoriosamente a luta dos trabalhadores.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Isso tem sido largamente demonstrado por este um século


de história da luta operária no mundo inteiro.
Fica então a constatação de que os limites da ação dos
companheiros que lideraram o movimento deveram-se,
não somente à sua inexperiência – que deve ser considera-
da como um dos mais importantes fatores – mas também a
uma visão equivocada da relação “sindicalismo/luta políti-
ca geral”. Pois, do ponto de vista mais global, a chamada
“República de São Bernardo” ficou isolada, contribuindo
para que sua direção política perdesse o rumo. Esta acabou
por apelar para propostas de boicote da produção quando
percebeu que o fim da greve era inevitável, demonstrando
seu desespero.40
É imprescindível, portanto, um balanço coletivo dessa
importante experiência. Para que se aprofundem os ganhos
políticos do movimento sindical, para que amanhã outras
categorias venham a prestar solidariedade política ativa – e
não somente material – é absolutamente necessário que os
próprios metalúrgicos consolidem a unidade de suas orga-
nizações.
Disso depende a ruptura do isolamento. Há que aten-
tar para as diferenças de “ritmo” das diversas lutas e dos
diversos setores do movimento operário e sindical. E, para
tanto, não é preciso estabelecer comparações entre o nível
de consciência atingido pelos metalúrgicos de São Bernardo
e aquele dos têxteis nordestinos, por exemplo. Basta que se
confronte a situação dos primeiros com a de seus compa-
nheiros do interior paulista.
Uma greve não pode ser conduzida de acordo com o
fôlego dos mais avançados, desprezando as vicissitudes dos
que vão ficando pelo caminho...

40
Com isso, estariam jogando a população consumidora, que não é pequena, con-
tra a luta dos operários. No fundo, estariam com isso ajudando o patrão a trans-
ferir a responsabilidade pela qualidade do produto colocado à venda aos operá-
rios que o produziram. Isso tudo, além de dar uma “tremenda justa causa”.

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Celso Frederico

Finalmente, devem os comunistas e todos militantes do


movimento operário perceber intensamente a necessidade
do apoio de outras forças sociais na frente antiditadura,
que está tomando sentido e significado justamente porque o
próprio movimento operário está se tornando sua espinha
dorsal. Mas este não derrotará a ditadura sozinho e essa
lição de maio-abril foi decisiva.

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Capítulo VII
As articulações intersindicais

APRESENTAÇÃO

A eclosão das greves a partir de 1978 reanimou o movi-


mento operário e abriu caminho para as tentativas de articu-
lações intersindicais. Apesar da proibição legal, os dirigentes
retomaram essa tradição que havia sido interrompida desde
1968, época do Movimento Intersindical Antiarrocho.
A centralização do movimento sindical em um órgão di-
rigente foi uma necessidade que entrou na ordem do dia com
a efervescência produzida pela volta das grandes greves. Para
dar uma dimensão ampla aos conflitos do trabalho, unificar
as reivindicações particulares e generalizar a luta de classes,
os dirigentes procuraram criar um órgão centralizador que
servisse de referência ao conjunto da classe operária.
A pretendida unidade, entretanto, logo se mostrou inviá­
vel. A disputa pela hegemonia do movimento fez entrarem
em cena, com uma força até então desconhecida na história
do sindicalismo brasileiro, as correntes sindicais e as orga-
nizações religiosas internacionais. Os diversos partidos de
esquerda, cada um a seu modo, colaboraram com sua es-
treiteza e sectarismo para a divisão do movimento dos tra-
balhadores. O que era uma saudável divergência ideológica
cedeu lugar, em 1983, à divisão orgânica do sindicalismo. A

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

partir desse ano foram criadas duas centrais “únicas” dos


trabalhadores: Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a
Central Geral dos Trabalhadores (CGT). Veremos, a seguir,
um breve histórico desse processo.
Em fins de 1977, os empresários organizaram o IV Con-
gresso das Classes Produtoras (Conclap). Diversos sindica-
listas levantaram então a ideia de que os trabalhadores tam-
bém deveriam fazer o seu congresso.
A realização de um congresso dos trabalhadores (a
Conclat) precisou esperar alguns anos para tornar-se viável.
Mas, ainda em 1977, ocorreram os primeiros encontros vi-
sando centralizar o movimento operário num órgão capaz
de coor­denar as diversas categorias. As iniciativas nesse sen-
tido partiram simultaneamente das duas concepções conten-
ciosas no interior do movimento operário:

I) De um lado, um grupo de dirigentes procurava criar


uma organização estritamente sindical, nos moldes do CGT
pré-1964. Esse grupo formou a Unidade Sindical, organis-
mo que nasceu a partir de um encontro de sindicalistas em
Gragoatá, Niterói, de 2 a 6 de agosto de 1979.
Para driblar a legislação, o encontro de Gragoatá foi
promovido por uma entidade não sindical, o Centro Bra-
sil Democrático (Cebrade), então presidida pelo arquiteto
comunista Oscar Niemeyer. Compareceram ao evento 286
líderes sindicais de 57 categorias profissionais vindos de 13
Estados da União. Ao final, foi aprovado um documento
(“Carta de Gragoatá”), que considerava “o compromisso de
luta pela conquista da democracia inseparável da resolução
dos problemas que afetam a vida sindical”. Seguindo essa
orientação, que procurava articular a luta pela democracia
com o movimento operário e suas reivindicações específicas,
o documento posicionou-se favoravelmente à convocação
de uma Assembleia Nacional Constituinte e à construção de
uma Central Única dos Trabalhadores.

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Celso Frederico

Evidentemente, a orientação dada ao encontro inseria-


se na estratégia política do PCB. Mas convém lembrar que a
Unidade Sindical, em seu início, contava com a participação
de um conjunto heterogêneo de sindicalistas, incluindo o
núcleo dirigente do Partido dos Trabalhadores (Lula, Olívio
Dutra etc.), que, na época, ensaiava os primeiros passos.

II) Paralelamente, as oposições sindicais também bus-


cavam formas de centralização. Estas fizeram-se de duas
maneiras: através de encontros específicos das oposições
sindicais, e através de encontros mistos reunindo oposições
sindicais e diretorias sindicais que lhes eram ideologicamen-
te afins.
Os encontros específicos das oposições sindicais tiveram
como polo aglutinador os metalúrgicos da capital paulista.
Nos dias 10 e 11 de agosto de 1980 ocorreu o Encontro Na-
cional das Oposições Sindicais (Enos), de onde saíram con-
clusões relativas à luta pela liberdade sindical, propostas de
unificação entre categorias e entre os trabalhadores do campo
e da cidade, e ainda normas para o trabalho de base.
Do Enos participaram 40 representações de 10 Estados.
Tais representações, com exceção do sindicato dos bancá-
rios de São Paulo, eram formadas por diversas oposições
sindicais e por entidades de difícil identificação e algo fan-
tasmagóricas como, por exemplo, o “grupo de trabalhado-
res químicos e farmacêuticos” de Joinville, “associação dos
moradores de bairro” de Goiânia, “Comissão Pastoral da
Terra” de Xanxerê etc.
A pouca definição dos critérios de representatividade
refletiu-se naturalmente nas conclusões do encontro: iam
desde a proposta política de “combater o reformismo (os
que conciliam ou colaboram com pelegos e patrões)”, até a
ideia organizativa imprecisa de “criar ligações intercatego-
rias e entidades que, não sendo sindicais, facilitam o traba-
lho” (?!).

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Na sequência do Enos, foi realizado, nos dias 13 e 14 de


setembro de 1980, no Rio de Janeiro, o Encontro Nacional dos
Trabalhadores em Oposição à Estrutura Sindical (Entoes).
Ao contrário do anterior, esse encontro foi marcado por
brigas e denúncias de manipulação na escolha de delegados,
não se conseguindo chegar a nenhuma conclusão consen­
sual. Por conta disso, os jornais de esquerda, tradicional-
mente simpáticos às oposições sindicais, fizeram críticas áci-
das ao evento. É o caso, por exemplo, do jornal Movimento,
que centrou suas baterias na maior delegação presente ao
encontro, a paulista: “[...] era majoritariamente de classe
média, com um grande número de pessoas recém-saídas das
universidades, que transpunham para o meio sindical os
métodos de ação estudantil”41; ou, então, o jornal Conver-
gência socialista, na avaliação política do evento: “[...] ao
não conseguir tirar uma posição unitária [...] deixa os tra-
balhadores desarmados e isolados para as suas lutas e, nesse
sentido, confere um saldo negativo ao encontro.”42
Além desses encontros específicos das oposições sindi-
cais, estas também procuravam aproximar-se dos chamados
“sindicalistas autênticos”, conjunto heterogêneo que inicial-
mente incluía todos os dirigentes ligados aos grupos de es-
querda. A partir de 1980, os sindicalistas petistas afastaram-
se dos demais sindicalistas e avizinharam-se das oposições
sindicais. Os quatro encontros que redundaram na forma-
ção da Articulação Nacional de Movimentos Populares e
Sindical (Anampos) selaram progressivamente essa aproxi-
mação: o primeiro deles realizou-se em fevereiro de 1980
em Monlevade; o segundo, em julho do mesmo ano em Ta-
boão da Serra; o terceiro, em junho de 1981, em Vitória; e
o último, em junho de 1982, em Goiânia. Em cada encontro
foi aprovado um documento.
41
Cf. “Um sindicalismo paralelo”, in Movimento, de 22 a 28/9/1980, p. 11.
42
Cf. “Entoes – 1° encontro nacional – balanço”, in Convergência socialista
nº 21, 1980, p. 60.

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Celso Frederico

O objetivo da Anampos era o de juntar o movimento


sindical (aí incluindo as diretorias ou as oposições sindicais
e as associações) com os movimentos populares (grupos de
bairros, creches, clubes de mães, associações de moradores
etc). Evidentemente, tal orientação incomodava os dirigentes
ligados à Unidade Sindical porque estes não queriam estar
ao lado dos militantes dos movimentos populares que, sem
terem delegação de uma categoria específica, pretendiam dis-
putar, em igualdade de condições, a direção do processo. Por
outro lado, aos sindicalistas também incomodava a crescen-
te participação dos delegados vindos de entidades de classe
média, como, por exemplo, as associações de “sociólogos,
psicólogos e outros ólogos”, diziam eles com desdém.
O afastamento era uma questão de tempo, pois a Anam-
pos continuou a incentivar o “popular” em detrimento do
“sindical”. A expressão final dessa tendência aflorou com
clareza no documento aprovado no último encontro, o de
Goiânia, em junho de 1982: “[...] consideramos que é tam-
bém parte integrante do movimento popular o movimento
sindical”.

A Conclat (Conferência Nacional da Classe Trabalha-


dora), ocorrida em agosto de 1981, foi o último ato unitário
do movimento sindical. Congregando 25% das entidades
existentes no país (as mais representativas, aquelas que ti-
nham uma existência real), o encontro impressionou a todos
por sua amplitude e pelas delegações vindas de todos os can-
tos do país. Estiveram presentes 5.200 delegados represen-
tando 1.200 sindicatos.
No final, as divergências exasperaram-se e a conferência
chegou a um embaraçoso impasse. De um lado, o setor liga-
do à Anampos, posicionando-se contra a política de alianças
para derrotar a ditadura, insistia na estratégia de confronto
que tinha como divisor de águas a defesa de uma hipotética
greve geral, a separar os sindicalistas “combativos” e “revo-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

lucionários” dos “reformistas” e “conciliadores”. No plano


estritamente sindical, essa corrente ficou contra o imposto
sindical e contra a participação, na futura central dos traba-
lhadores, das federações e confederações, por serem órgãos
burocráticos desligados das bases. De outro lado, o setor
ligado à Unidade Sindical temia que a política de “tensão
máxima” proposta pela Anampos prejudicasse a luta de-
mocrática contra o regime militar. Além disso, essa corrente
defendia a extinção progressiva (e não abrupta) do imposto
sindical, bem como a participação das federações e confe-
derações na futura central dos trabalhadores e a exclusão
de qualquer paralelismo por parte das oposições sindicais,
“grupos populares”, “associações de trabalhadores” etc.
As divergências explodiram na polêmica travada no
plenário entre Lula e José Francisco da Silva, presidente da
Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas (Con-
tag). Perante um público exausto, os dois líderes travaram
um longo duelo verbal nem sempre compreensível para o
heterogêneo conjunto de trabalhadores presentes. Estabele-
cido o impasse, que tinha como eixo a composição de uma
chapa para formar a Comissão Nacional Pró-Cut, os diri-
gentes procuraram acomodar suas divergências através de
um conchavo político feito em condições que eles nunca
ousaram confessar. Retirando-se do plenário, os dirigentes
sindicais ligados aos partidos de esquerda reuniram-se no
único local onde era possível negociar em sigilo, sem a pre-
sença de testemunhas: o banheiro da colônia de férias que
sediava o encontro. Nesse insólito local, os dirigentes, em
geral tão ciosos da “democracia” e da “autonomia operá-
ria”, lotearam os cargos da Comissão Nacional Pró-Cut a
partir de critérios partidários.
Evidentemente, essa comissão, concebida em local um
tanto extravagante, nasceu morta. Ela deveria, entre outras
coisas, convocar uma nova Conclat para agosto de 1982.
Mas o encontro, após muitas brigas, acabou sendo adiado

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Celso Frederico

para não coincidir com a campanha eleitoral para a eleição


de governadores.
Em 1983, as divergências que prejudicavam a unidade
do movimento operário tornaram-se orgânicas. Os setores
petistas, agrupados pela Anampos, enviaram às entidades
estrangeiras com as quais tinham afinidade um projeto soli-
citando US$ 433.380,00 para financiar uma nova Conclat a
ser realizada em São Bernardo. Enquanto isso, os sindicalis-
tas ligados à Unidade Sindical convocaram os seus aliados
para uma outra Conclat a ser realizada na Baixada Santista.
Daí saíram, respectivamente, a CUT e a CGT.

O pomo da discórdia que levou ao “racha” foi, antes de


qualquer outra coisa, o artigo oitavo do regimento da Con-
clat que se incorporou aos estatutos da CUT. Esse polêmico
artigo permitia que se elegessem, em assembleias convoca-
das pelas oposições sindicais, delegados para participar da
Conclat até mesmo de entidades que não quisessem filiar-se
ao órgão. Como os setores petistas eram minoritários den-
tro da estrutura sindical, eles certamente perderiam a di-
reção do movimento, caso este fosse estritamente sindical.
Conscientes do perigo, insistiram na manutenção do artigo
oitavo para, através dele, aumentar o número de delegados
favoráveis às suas propostas.
O apego ao referido artigo foi de um casuísmo indis-
farçável. Tempos depois, no Terceiro Congresso Nacional
da CUT (setembro de 1988), os dirigentes petistas (agora
com muita força dentro da tão criticada estrutura sindi-
cal) alteraram os estatutos na parte referente aos critérios
de participação para pôr fim aos representantes biônicos.
A partir daí, diminuiu o número de delegados, que ficaram
restritos ao número de sindicalizados de uma categoria e
não mais ao número de trabalhadores que constituem a base
do sindicato. Outra modificação disciplinou a participação
das oposições sindicais: antes, ela era feita através da elei-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

ção proporcional de delegados, à base da categoria; depois,


passou a ser proporcional ao número de votos obtidos pela
chapa oposicionista na última eleição para a eleição da di-
retoria do sindicato. Finalmente, modificou-se também a
composição dos delegados aos congressos da CUT: antes,
compunha-se de 1/3 da diretoria e 2/3 da base; depois, hou-
ve mais representação dos dirigentes sindicais.

A divisão orgânica do movimento operário, efetivada


em 1983, poderia ter sido evitada? É difícil fazer história
contrafactual e trabalhar com hipóteses que não se realiza-
ram. O que podemos constatar, sem incorrer em exercícios
de imaginação, é que, além da pressa dos grupos de esquer-
da em alcançar a hegemonia no movimento sindical, outros
fatores mais complexos atuaram no sentido de aprofundar
as divergências existentes.
A classe operária dos anos de 1980 guarda pouca seme-
lhança com aquela do período pré-1964, quando existia uma
única central e um único partido de esquerda forte, o PCB,
enraizado na massa dos trabalhadores. A política econômi-
ca dos governos militares – apesar de todos os horrores que
a caracterizaram – trouxe um notável desenvolvimento das
forças produtivas e, consequentemente, da classe operária.
A modernização econômica fez surgir diversos segmentos
de trabalhadores altamente qualificados; a proletarização
dos estratos médios, por sua vez, empurrou para o traba-
lho assalariado as antigas profissões liberais (engenheiros,
médicos etc.); finalmente, o crescimento do setor público da
economia e do setor privado na área de serviços deu origem
a uma forte movimentação sindical e política.
O movimento sindical urbano foi afetado diretamente
por essas alterações ocorridas na composição da classe tra-
balhadora e pela diversidade de orientações daí surgidas.
Além disso, a luta pela hegemonia de um forte movimento
operário que renascia das cinzas nos anos de 1970 colocou

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Celso Frederico

em cena as diversas tendências do sindicalismo internacional


e as instituições religiosas, as quais jogaram rios de dinheiro
para aumentar a sua área de influência junto à classe operá-
ria. Basta citar aqui a participação ostensiva da central sin-
dical norte-americana, a American Federation of Labor and
Congress of Industrial Organizations (AFL-CIO), junto aos
setores mais conservadores da CGT ou, então, a presença da
social-democracia e de instituições religiosas internacionais
na CUT. Curiosamente, o famoso “ouro de Moscou” nunca
mais foi citado: a Federação Sindical Mundial manteve-se
numa posição de cautelosa distância. Nessa nova realidade,
subitamente internacionalizada, as pressões surgidas de to-
dos os lados acabaram por inviabilizar a unidade do movi-
mento sindical.
Convém lembrar, entretanto, que a divisão do movimen-
to ficou restrita apenas às cúpulas. Após vinte anos de dita-
dura militar, a massa operária encontrava-se despolitizada,
desinformada e alheia à complicada movimentação política
de sua vanguarda. O índice de trabalhadores sindicalizados,
apesar da progressiva melhora, continuou baixo; o mesmo
se pode dizer da participação das bases nas ruidosas assem-
bleias sindicais, tão soberanas quanto minoritárias.
A possibilidade de uma futura reunificação do movi-
mento sindical depende, portanto, da conscientização do
conjunto da classe operária, bem como da maturidade po-
lítica das lideranças. Isso, evidentemente, pressupõe um co-
nhecimento dos limites que existem entre os partidos políti-
cos e as entidades sindicais.

Nos anos finais da ditadura militar, a divisão imposta ao


movimento sindical custou um alto preço para o conjunto da
classe operária. Nos momentos mais decisivos, esta apresen-
tou-se dividida e paralisada perante os seus inimigos. Na gran-
de campanha popular pelas eleições diretas para presidente da
República, os trabalhadores tiveram uma participação minori-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

tária e pouco relevante (fato nunca lembrado pelos grupos da


esquerda); quando da votação da emenda Dante de Oliveira,
que restabelecia as eleições diretas, os sindicatos não consegui-
ram realizar uma única greve; na campanha de Tancredo Ne-
ves, bem como durante a sua eleição pelo Colégio Eleitoral, a
pressão e presença operária foram mínimas. Finalmente, quan-
do se iniciaram as primeiras discussões sobre a necessidade de
se convocar uma constituinte na Nova República, uma parcela
significativa do movimento sindical posicionou-se contrária à
ideia, chamando a constituinte de “prostituinte”, e argumen-
tando que ela nada tinha a ver com a luta dos trabalhadores.
Quando os trabalhos da Constituinte enfim se iniciaram, o
movimento operário fez-se presente através de uma sobreposi-
ção de propostas basicamente corporativas, demonstrando sua
fragilidade e despreparo para interferir na construção de uma
ordem democrática socialmente ampliada.
O interessado em estudar as articulações sindicais no
período considerado terá à disposição centenas de docu-
mentos. Estes se encontram reunidos em diversas institui-
ções como, por exemplo, as próprias centrais CUT e CGT
(que periodicamente editam documentos); o Centro de Me-
mória Sindical; o Centro de Informação, Documentação e
Análise Sindical (Cidas); o Centro Pastoral Vergueiro; o Ar-
quivo Edgard Leuenroth, da Unicamp; o Arquivo Nacional
do Rio de Janeiro etc.

DOCUMENTOS

Histórico da Anampos e sua contribuição ao movimento


sindical
(Conselho Nacional Sindical da Conclat)

O que é a Anampos
A Anampos (Articulação Nacional de Movimentos Po-
pulares e Sindical) se constitui numa articulação ou corrente

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Celso Frederico

de sindicalistas e lideranças do movimento popular de diver-


sas regiões do país (da cidade e do campo) comprometidos
com as lutas da classe trabalhadora por melhores condições
de vida e de trabalho.
Nossa articulação já está com um mínimo de estrutu-
ração em pelo menos 16 Estados do Brasil: Rio Grande do
Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espí-
rito Santo, Minas Gerais, Bahia, Brasília (Distrito Federal),
Goiás, Alagoas Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte,
Ceará, Pará. Nos demais Estados e territórios, a Anampos
tem vários contatos e começo de articulação: Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Amazonas, Acre, Amapá, Piauí e Ma-
ranhão.
Nossa articulação tem como um de seus aspectos fun-
damentais procurar unir as forças do movimento sindical e
do movimento popular da cidade e do campo, pois entende-
mos que lutas específicas de cada movimento se somam, se
entrelaçam e têm o mesmo objetivo final: a libertação dos
oprimidos e a construção de uma sociedade mais justa.
No setor do movimento sindical, a Anampos reúne sin-
dicalistas de diretorias sindicais ou de associação profissio-
nais, delegados de base e oposições sindicais que têm uma
prática que se diferencia do peleguismo (prática daqueles
que estão a serviço dos interesses dos patrões e do Ministé-
rio do Trabalho e não dos interesses dos trabalhadores). Os
sindicalistas que se articulam na Anampos têm uma prática
de construir um movimento sindical pela base, autônomo e
que expressa os reais interesses da classe trabalhadora.
No setor de movimentos populares, a Anampos reúne
todos aqueles movimentos, entidades, associações que lu-
tam por melhores condições de vida dos trabalhadores que
moram na periferia da cidade e do campo. Aqui também a
Anampos reúne aqueles que têm uma prática no sentido de
construir organizações populares com ampla participação
de todos, com uma democracia interna, autônomas, dife-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

renciando-se daquelas associações ou entidades construídas


sem uma ampla participação popular, de cima para baixo,
e na maior parte das vezes vinculadas aos interesses do Es-
tado. No setor popular da Anampos participam: grupos de
bairros (creches, clubes de mães, movimentos reivindicató-
rios, associações de moradores etc.); favelas (associações de
favelados, movimento de defesa do favelado etc.); setores da
pastoral popular (Comissão Pastoral da Terra, Comissão da
Pastoral Operária, Pastoral da Juventude, Centros de Defesa
dos Direitos Humanos etc.); grupos de área rural (associa-
ções de lavradores etc.).
Em resumo, os beneficiários deste projeto são trabalha-
dores de base, oposições sindicais, sindicatos combativos,
associações populares da cidade e do campo, que nos uni-
mos para ter mais força para lutar e atingir nossos objeti-
vos. Nossos princípios, formulados a partir de nossa práti-
ca, estão expressos nos quatro documentos resultantes dos
quatro encontros nacionais que já realizamos: “Documento
de Monlevade” (fevereiro/1980), “Documento de São Ber-
nardo” (julho/1980), “Documento de Vitória” (junho/1981),
“Documento de Goiânia” (junho/1982). A diversidade e a re-
presentatividade daqueles que se reúnem na Anampos podem
ser avaliadas por aqueles que assinam os quatro documentos.
Também por aí é possível avaliar o que representa e a quantas
pessoas atingem as resoluções tiradas nesses encontros. É cla-
ro que alguns poucos, por somarem com a linha reformista,
se afastaram da Anampos. Esse divisor de águas entre o bloco
combativo e o bloco reformista-pelego se acentuou especial-
mente a partir dos movimentos de 1980 no ABC paulista.

Os seminários da Anampos
A nossa articulação nasceu da necessidade sentida por
alguns dirigentes sindicais comprometidos com as lutas
da classe trabalhadora da cidade e do campo, de unificar
as nossas forças para podermos enfrentar aqueles que nos

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Celso Frederico

oprimem e definir uma linha que se diferenciasse do pele-


guismo.
A 1ª reunião se dá em João Monlevade a convite do
sindicato dos metalúrgicos daquela cidade. Lá estavam vá-
rios companheiros sindicalistas, oposições sindicais e alguns
companheiros que representavam os movimentos populares
e comunitários. Dessa reunião só participaram convidados,
independentemente de alguma identificação com alguma
corrente política ou com partidos políticos
Nesse primeiro encontro se tiraram alguns princípios
que marcaram os encontros seguintes.
O 2º encontro foi realizado em São Paulo, em junho de
1980. Nesse encontro, fez-se um balanço do encontro an-
terior, elaborou-se um documento que já aprofundava mal
a questão política. Inclusive verificou-se que era necessário
criarmos um organismo nacional para os trabalhadores, a
CUT (Central Única de Trabalhadores) e se marcou um 3º
encontro para junho de 1981, em Vitória.
Neste 3º encontro nacional de Vitória foi dada priorida-
de para o movimento sindical porque estávamos discutindo
a realização da 1ª Conferência da Classe Trabalhadora e a
possível criação da CUT (Central Única de Trabalhadores)
e era preciso ter alguns pontos comuns de consenso para
defender na Conclat-1981.
O 4º encontro nacional da Anampos se realizou em ju-
nho de 1982, em Goiânia, Estado de Goiás. Nesse encon-
tro, foi reafirmada a linha de princípios que até o momento
norteava a Anampos e o tema central foi: como enfrentar os
problemas que afligem a classe trabalhadora do campo e da
cidade e a necessidade de criar um movimento de constru-
ção da CUT Pela Base.

Os princípios básicos da Anampos


Os princípios da Anampos estão expressos nos quatro
documentos (João Monlevade, São Bernardo do Campo, Vi-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

tória e Goiânia). Entendemos que os movimentos populares


e o movimento sindical têm que se articular a partir das
lutas concretas do conjunto dos trabalhadores. Temos que
caminhar com todos aqueles que de uma forma ou de outra
estão comprometidos com as lutas dos trabalhadores e com
o povo em geral.
Destacamos aqui os princípios básicos que norteiam
nossa articulação. Os nomes dos companheiros, dos sindi-
catos, das associações de moradores e trabalhadores, dos
movimentos populares em geral que aprovaram esses prin-
cípios estão no final de cada documento. Para identificar
melhor o texto citado, usaremos as siglas: DM (Documen-
to de Monlevade), DSB (Documento de São Bernardo), DV
(Documento de Vitória), DG (Documento de Goiânia).
Eis aqui um resumo desses princípios básicos:
1. “Somos uma articulação de movimentos populares e
sindicais” (DV), queremos “Incentivar a articulação entre as
lutas do movimento sindical com as lutas do movimento
popular (bairro, terra etc.), na cidade e no campo” (DM);
consideramos “que é também parte integrante do movimen-
to popular o movimento sindical que, pela sua própria na-
tureza, possui um caráter de classe definido pelas categorias
profissionais que o integram” (DSB).
“Sobre a articulação entre os setores sindical urbano,
sindical rural e popular foi reafirmada a necessidade dessa
articulação. Essa articulação precisa avançar em cima das
lutas concretas dos trabalhadores: posse da terra, eleições
sindicais etc. Para que essa articulação se faça na prática,
é necessário criar formas e canais comuns: ações conjuntas
(mantendo as especificidades), fundos de greve, cursos de
formação, abrir departamentos nos sindicatos para fortale-
cer esta ligação etc.” (DC).
2. Somos “um espaço no qual esses movimentos podem
se encontrar, trocar experiências e acertar pontos comuns de
lutas, sem prejuízo de sua autonomia e especificidade” (DV).

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Celso Frederico

3. “Não podemos ser confundidos com uma organiza-


ção ou partido político. A articulação é apartidária e defende
o princípio de autonomia do movimento popular e sindical
frente aos partidos políticos, embora com pleno respeito às
opções partidárias dos que dele participam” (DV).
“O partido político deve respeitar a autonomia dos mo-
vimentos populares, sem pretender torná-los meros reflexos
de sua atuação ou a extensão de suas esferas” (DSB). “O
partido político não deve atrapalhar o movimento popular
nem pretender ser o seu dono. Antes, o partido político deve
fazer ressoar a voz dos movimentos populares, coordenando
seu ritmo de atividades com o ritmo próprio dos movimen-
tos populares” (DSB).
4. “O que se quer, em última instância, é construir uma
sociedade dirigida pelos trabalhadores e voltada para as as-
pirações de justiça das classes populares” (DM). “A estrutu-
ra social agravada pela conjuntura do país impõe às classes
populares a necessidade de articularem suas lutas específi-
cas com a luta política, entendida não apenas como atuação
parlamentar, mas, sobretudo, como um fator de organização
das classes populares capazes de, na busca de sua libertação,
transformarem o sistema político-econômico e social que
nos domina e criarem seu próprio projeto social alternati-
vo” (DSB).
5. Reconhecemos “o caráter soberano do Encontro Na-
cional da Articulação” (DV). “O critério básico de participa-
ção nessa articulação é estar fundamentalmente de acordo
com nossos princípios, defendidos nos documentos de Mon-
levade, São Bernardo, Vitória e de Goiânia.”
6. Queremos “ampliar e aperfeiçoar de modo permanen-
te, os laços intersindicais, para dar unidade a reivindicações
básicas, visando a criação de organismos que promovam a
integração dos trabalhadores da cidade e do campo em nível
regional e nacional” (DM). Como “ramos prioritários”, de-
fendemos “a formação de intersindicais, englobando traba-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

lhadores urbanos e rurais, a partir dos interesses imediatos


da classe trabalhadora, com o estabelecimento de princípios
básicos frente a um programa comum” (DSB).
7. Sobre a construção da Central Única de Trabalhado-
res, a Anampos sempre teve uma posição de que ela deve
ser criada a partir da base e não da atual estrutura sindical
atrelada ao governo. Nesse sentido, o Encontro Nacional
de Goiânia reafirmou essa questão da seguinte maneira:
“Desencadear um amplo processo”. A Anampos luta pela
construção de uma Central dos Trabalhadores livre, autô-
noma e construída pela base. Nesse sentido, entendendo que
a criação de uma CUT ainda não foi suficientemente discu-
tida, que ainda não existe um nível de organização e lutas
que garantam a sua existência neste momento a Anampos
propõe a realização de um amplo processo que garante a
construção da CUT Pela Base (DG).

Uma nova etapa: a CUT


Paulo de Tarso Venceslau (Democracia e socialismo, nº 1,
janeiro/março de 1984)

28 de agosto de 1983, São Bernardo do Campo, Estado


de São Paulo, data e local da criação da Central Única dos
Trabalhadores.
Acirra-se a luta no seio do movimento sindical brasilei-
ro. Quais os rumos a tomar pelas várias correntes políticas e
ideo­lógicas que disputam a direção do movimento sindical?
Após muitos anos de repressão, que retirou do cenário
político nacional a grande maioria da nação brasileira, a im-
prensa divulga, em agosto de 1976, um relatório do Banco
Mundial acusando a falsificação dos índices inflacionários,
manipulados pelo então ministro da Fazenda Antônio Del-
fim Netto. Sem sucesso, Mário Henrique Simonsen aprovei-
ta-se da oportunidade para tentar isentar-se das dificuldades

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Celso Frederico

econômicas herdadas pelo governo Geisel. Assessorada pelo


Dieese (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas
Socioeconômicos), a diretoria do Sindicato dos Trabalhado-
res Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema
inicia uma campanha de mobilização para repor as perdas
salariais provocadas pela manipulação dos índices de infla-
ção que já atingiam 34,1%. Era o início do movimento que
entrou para a história porque não se submeteu aos limites
impostos pela legislação trabalhista e marcou a ascensão do
movimento de massas dos trabalhadores brasileiros.
Em novembro de 1977, as classes patronais realizaram
o 4º Conclap – Congresso Nacional das Classes Produtoras
– revelando desse modo que a legislação sindical que proíbe
a organização horizontal classista só era aplicada para as
classes trabalhadoras. A forma ostensiva da realização do
4° Conclap provocou reações imediatas desde o arquipelego
Ary Campista, presidente da CNTI Confederação Nacional
dos Trabalhadores Industriais, até o sindicalismo combativo
que despontara em São Bernardo do Campo.
Os anos que se seguiram foram marcados pelo movi-
mento grevista, que teve início em algumas grandes indús-
trias do ABC e São Paulo em 1978, até culminar com as
greves de 1980, quando, em São Bernardo do Campo, de-
zenas de milhares de operários colocaram em xeque não só
a estrutura sindical e a legislação trabalhista mas, principal-
mente naquele momento, os limites do processo de abertura
política.
No início de 1979, estrutura-se uma tentativa de união
entre sindicatos de várias categorias em diversos pontos do
Brasil: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte como
principais centros dessa articulação. Reuniram-se todos os
sindicatos que se convencionou chamar de autênticos ou
combativos e os que são qualificados de pelegos com seus
aliados ligados ao PCB, PCdoB e outros partidos menores.
Nesse sentido, as greves de 1980 tiveram um papel funda-

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

mental na definição de linhas e correntes sindicais que re-


fletiam concepções político-ideológicas dos mais variados
matizes.
A greve de 1980, inicialmente deflagrada por vários
sindicatos metalúrgicos, foi canalizada para São Bernardo
do Campo, onde foram realizadas várias assembleias com
mais de 100 mil operários. Tal fato contribuiu decididamen-
te para cristalizar e revelar posições até então encobertas
sob o nome de oposição. A anistia parcial e o avanço do
movimento popular e sindical obrigaram a explicitação de
análises e propostas das mais variadas correntes ideológicas.
O reflexo no movimento sindical foi a polarização de duas
grandes correntes, além, é claro, dos sindicalistas compro-
metidos ostensivamente com a política oficial e representa-
dos pelo arquipelego Ary Campista.
Os sindicalistas combativos que participavam da Uni-
dade Sindical até 1980 retiraram-se e, juntamente com as
oposições sindicais, criaram a Anampos – Articulação Na-
cional de Movimentos Populares e Sindical. Após uma série
de encontros – de Monlevade, São Bernardo e Vitória – essa
articulação passa a dispor de uma série de documentos bá-
sicos que vão nortear a sua ação. Além dos critérios gerais
para fazer parte da articulação, esses documentos definem
como prioridade:
1. mobilização dos trabalhadores do campo e da cidade,
assim como suas entidades, movimentos e associações para
preparar uma greve geral;
2. luta pela estabilidade de emprego;
3. luta pela posse da terra, buscando uma reforma agrá-
ria feita sob o controle dos trabalhadores;
4. luta pelo fim da atual estrutura sindical;
5. luta pela formação, a partir das bases, de uma Central
Única dos Trabalhadores.
Enquanto os sindicalistas mais combativos se agrupam
na Anampos, aqueles mais conservadores, pelegos e os con-

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Celso Frederico

siderados reformistas (organizados no PCB, PCdoB e MR-8,


por exemplo), consolidam-se na Unidade Sindical.
A Unidade Sindical vai se caracterizar pela ação mode-
rada, que não pusesse em xeque a atual estrutura sindical e
que não pudesse ser utilizada como argumento para o recru-
descimento da repressão. Qualquer greve ou movimento que
pudesse ser interpretado como desafiador dos limites impos-
tos pela ditadura militar era considerado aventureirismo e
marginalizado imediatamente. Valorizando excessivamente
a estrutura sindical vigente e tendo como uma de suas prin-
cipais bandeiras a luta pela Constituinte, a Unidade Sindical
polarizou os setores mais atrasados ou aqueles empenhados
na formulação de um pacto social entre trabalhadores, pa-
trões e o regime militar.
É dentro desse contexto que se realiza a Conferência
Nacional das Classes Trabalhadoras, em agosto de 1981,
na cidade de Praia Grande/SP. Reúnem-se mais de 5 mil sin-
dicalistas de cerca de 1.200 entidades sindicais do campo e
da cidade. Nessa conferência vai se dar o primeiro grande
confronto entre as duas correntes sindicais.
As divergências maiores aparecem nos planos de luta, na
luta contra a atual estrutura sindical e na proposta organiza-
tiva unitária das classes trabalhadoras. Quanto aos planos de
luta, os sindicalistas combativos queriam propostas concretas
que avançassem até a greve geral, enquanto a Unidade Sindi-
cal procurava provar a inadequação daquelas propostas dian-
te da imaturidade e desorganização do movimento sindical.
O debate referente às críticas à atual estrutura sindical
polarizou-se em torno da luta pela sua extinção e aqueles
que aceitavam conviver com a mesma, como os membros
da Unidade Sindical, que sempre apontavam algumas van-
tagens da CLT como argumento para não se combater a
estrutura sindical vigente.
As propostas organizativas contribuíam ainda mais para
aumentar o distanciamento entre as duas correntes sindicais.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Enquanto a Unidade Sindical privilegia uma CUT legalis-


ta, baseada na atual estrutura sindical, a Anampos procura
romper com os limites impostos pela atual legislação através
da participação de delegados de bases em todos os níveis, ao
mesmo tempo em que permitia a participação de oposições
sindicais onde predominasse direções comprometidas com
os patrões e com o próprio regime.
A Unidade Sindical perdeu suas propostas em quase to-
das as comissões de trabalho, evidenciando-se, desse modo,
que estava em minoria naquela conferência. Entretanto, na
eleição para a direção provisória da Comissão Nacional
Pró-CUT, a US conseguiu manobrar e ficar com a maioria
graças ao demagógico artifício de propor um representan-
te rural por Estado, ainda que fosse membro de federação.
Os sindicalistas combativos aceitaram todas essas manobras
para evitar qualquer divisão orgânica.
Além disso, a plenária dessa conferência deliberou que
não se fundaria a CUT em 1981, mas marcou novo encon-
tro para 1982, quando a conferência se transformaria em
congresso com poderes deliberativos para a criação ou não
da CUT. Entretanto, o ano eleitoral foi utilizado como prin-
cipal argumento para impedir sua realização. A Comissão
Nacional Pró-CUT, de maioria pró-Unidade Sindical, con-
segue ampliar sua participação, marca o Congresso para
agosto de 1983, estreita os contatos com federações e confe-
derações, procurando ampliar ainda mais o número de dele-
gados natos e fiéis às suas propostas.
A Anampos, minoritária nessa comissão, estimula a
convocação de assembleias para discutir o Conclat e para
promover a escolha de delegados.
A Comissão Nacional Pró-CUT incumbe-se de todo o
encaminhamento, até mesmo da realização de todos os Con-
gressos Estaduais – Celats –, realizados como preparação
para o Conclat de agosto, que caminhava a passos largos
para a sua realização sem maiores obstáculos à sua concreti-

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Celso Frederico

zação. O resultado dos Celats, porém, revelou que a Unida-


de Sindical e suas propostas perderam terreno desde 1981,
sendo derrotadas inclusive em redutos tradicionais, sob a
sua influência, como a Bahia e Rio de Janeiro. Na Bahia,
por exemplo, onde mais da metade dos quase mil delegados
que participavam do Ceclat era formada por trabalhadores
rurais, a derrota foi tão fragorosa que abalou até mesmo
a onipresente Contag. Durante esse processo, procuraram
caracterizar a Anampos como o braço sindical do Partido
dos Trabalhadores e financiada com recursos estrangeiros
suspeitos (algumas centrais sindicais europeias contribuí-
ram com cerca de 400 mil dólares, fato que foi amplamen-
te divulgado pela imprensa e assumido publicamente pela
Anampos).
Mas, a derrota sofrida nos Ceclats foi de tal dimensão
que provoca forte reação do bloco da Unidade Sindical, o
qual inicia uma série de manobras com o objetivo de adiar
o Conclat e alterar o regimento nos pontos que privilegiam
a participação de delegados de base.
A menos de um mês da data estabelecida, há o rompi-
mento definitivo, acelerado pela deflagração da greve geral
de 21 de julho. A essa altura já estão escolhidos os delega-
dos para o congresso nacional que se realizaria na cidade de
São Paulo com a promessa de apoio do governo estadual.
Os sindicalistas combativos não aceitam o adiamento para
novembro e assumiram a responsabilidade de promover o
evento, agora sem o apoio do governo Montoro, mas com a
solidariedade política e material do prefeito Galante de São
Bernardo do Campo.
A Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores
da Agricultura – assume a liderança do boicote ao Conclat
de agosto, com o apoio ostensivo do PCB e MR-8 através,
principalmente, de assessoria que prestam a algumas enti-
dades sindicais. A secretaria do Conclat, que estava sediada
no Rio de Janeiro e se encontrava nas mãos do dirigente

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

sindical Ivan Pinheiro, dos bancários, boicota qualquer in-


formação aos responsáveis pela realização do Conclat. Além
disso, inicia ampla campanha de desmobilização, procuran-
do desse modo esvaziar o congresso.
A situação é ainda agravada com as intervenções ocor-
ridas nos sindicatos dos petroleiros de Paulínia e Mataripe,
e dos metalúrgicos de São Bernardo, dos bancários e me-
troviários de São Paulo, principais articuladores do sindi-
calismo combativo. O 1° Congresso Nacional das Classes
Trabalhadoras realizou-se portanto nas condições mais ad-
versas. Mas o resultado surpreendeu a todos, até mesmo ao
ministro do Trabalho.
Os números são muito reveladores:

Grau de
Nº de % do Nº de
Categoria representação
delegados Conclat entidades
(em milhões)
Sind. Industriais 1.076 27% 3,3 158
Sind. Terciários 1.186 27% 3,3 197
Sind. Rurais 1.658 26% 3,1 310
Func. Públicos 483 8% 1,0 99
Assoc. (Serviços) 588 12% 1,6 134
Total 5.059* 100% 12,6 912*
Fonte: Secretaria da CUT
* As diferenças das somas devem-se ao fato de que federações e entidades
nacionais não estão lançadas na tabela.
Federações – 5 federações e 35 delegados;
Entidades nacionais – 9 entidades e 33 delegados.

Tais números são suficientes para justificar as preocu-


pações do governo, dos pelegos, reformistas ou indecisos. O
congresso realizou-se, contrariando todas as visões pessimis-
tas e superando as mais otimistas. Foram três dias de intenso
debate, que aprovou, além da criação da CUT, um plano de
lutas que deverá ser posto em prática imediatamente. A maior
polêmica registrada diz respeito à estrutura da CUT. Duas
posições polarizaram as opiniões dos delegados. Uma propu-

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nha uma direção presidencialista por considerar que é preciso


definir não só quais são nossos interlocutores, mas principal-
mente criar uma referência concreta, não diluída em dezenas
de representantes. A outra propunha uma direção colegiada,
por ser a forma mais democrática de direção.
A votação mostrou que a primeira proposta dispunha
de pequena margem de vantagem o que inviabilizava qual-
quer possibilidade de proclamá-la vencedora. O resultado
final, após acertos entre as variadas lideranças, foi uma es-
trutura intermediária. Isto é, um colegiado formado por 83
sindicalistas, com um executivo de 15 membros e uma coor-
denação de sete, sendo eleitos ainda um coordenador-geral e
um secretário entre os sete membros da coordenação.
A CUT é uma realidade, já possui uma direção, um plano
de lutas, estatutos e até uma sede provisória. Praticamente,
se não inviabiliza, dificulta politicamente a ação dos aliados
de Joaquinzão, que articulam um congresso para o início de
novembro. Na CUT há expressivos nomes do movimento
sindical que não são do PT e que até há pouco aliavam-se à
Unidade Sindical.
Se a CUT assumir o comando da mobilização contra o
Decreto-lei 2045 ou da luta pela reforma agrária, vai sobrar
muito pouco espaço para aqueles que dividiram o movimen-
to sindical. É inadmissível, a meu ver, que tenham utilizado
como argumento para adiar o congresso de agosto a neces-
sidade de só realizá-lo após a votação do Decreto 2.045. A
greve do dia 21 de julho, o resultado do congresso e a cria-
ção da CUT vêm provocando discussões e aprofundando di-
vergências em partidos até então considerados monolíticos.
No PCB, o coletivo estadual critica e insurge-se contra o
coletivo nacional. O PCdoB lançou um infeliz manifesto du-
rante a realização do congresso, possivelmente acreditando
no fracasso do evento, recebendo reações imediatas por par-
te de bases sindicais sob a sua influência. O MR-8, que vive,
de crise em crise, um processo acelerado de esvaziamento,

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

não tem mais o que propor, a não ser uma fusão completa
com o PCB, onde já encontra há algum tempo a maioria
dissidente desse agrupamento.
A criação da CUT deverá marcar não só a reformulação
da política sindical em todo o país, mas, principalmente, a
possibilidade de isolar rapidamente as diretorias sindicais pe-
legas. O avanço dessa luta colocará em xeque a visão ortodo-
xa que ainda predomina nos partidos comunistas tradicionais,
exigindo reformulações teóricas e práticas em curto prazo.
E, mais do que isso, politizará o movimento sindical porque,
além do Decreto-lei 2.045 e da reforma agrária, a CUT tem
como alvo imediato acabar com a atual legislação trabalhista
e abrir fogo contra a política econômica do governo.
A reação do regime, as reformulações que já se fazem
presentes e a consolidação da CUT são passos importantes
que implicarão, sem dúvida, a definição dos rumos políticos
do país.

O PCB e as articulações intersindicais (1978-1983): breve


relato
Ivan Pinheiro (revista Novos rumos, nº 15, 1989)

O ano de 1978 marca a retomada das mobilizações dos


trabalhadores. A “greve dos braços cruzados”, no ABC, im-
pulsiona diversas categorias à luta. Realiza-se o Congresso
da CNTI, que levanta importantes bandeiras democráticas e
sociais, ali surgindo, pela primeira vez, após 1964, a ideia de
realização de um Congresso Nacional dos Trabalhadores.
Apesar de proibidas, iniciam-se algumas reuniões intersin-
dicais, em torno da solidariedade às greves, das comemorações
do 1° de maio e da implantação do Dieese em nível nacional.
Cresce a luta pelas liberdades democráticas, tendo como
centro a bandeira da anistia ampla, geral e irrestrita. As oposi-
ções, representadas pelo MDB, derrotam o regime nas urnas.

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Celso Frederico

No ano de 1979, esse avanço tem novo impulso. Mais


uma vez, os metalúrgicos do ABC à frente, dezenas de cate-
gorias, em especial nos principais centros urbanos, recorrem
à greve e vão golpeando a política de arrocho salarial.
Vários sindicatos são retomados das mãos dos interven-
tores e proliferam novas associações sindicais, mesmo em
categorias cuja sindicalização é proibida.
O surgimento das “unidades sindicais” em vários Esta-
dos dinamiza a solidariedade e a luta, reforça as comemora-
ções do 1° de Maio e sedimenta o Dieese.
Realiza-se o “Encontro Nacional de Dirigentes Sindi-
cais”, em Gragoatá (RJ), com o patrocínio do Cebrade, reu-
nindo os principais líderes sindicais do país.
Para fugir à proibição de articulações intersindicais,
as “unidades sindicais” reuniam-se tendo como pretexto a
criação de delegacias regionais do Dieese e o encontro de
Gragoatá era formalmente de cidadãos e não de entidades.
O “Encontro Nacional de Gragoatá” já apresenta os
primeiros sinais de divisão do movimento sindical. Algumas
das divergências que viriam contribuir para a divisão orgâ-
nica, quatro anos mais tarde, já se manifestavam naquele
foro de discussões. Lula e os que viriam com ele formar o PT
já defendiam uma greve geral e a criação da CUT. A ideia de
criação do PT, na ocasião, tinha um forte conteúdo corpora-
tivo; propunham um partido dos sindicalistas.
A resolução do encontro obteve o consenso dos partici-
pantes, pois limitou-se a declarações de princípios, apenas
apontando para a necessidade de criação de uma Central
Única e de se impulsionar a luta pela democracia e contra o
arrocho salarial.
O encontro, por outro lado, aponta claramente a con-
vocação da lª Conclat - Conferência Nacional das Classes
Trabalhadoras, e cria uma coordenação informal que vem
a reunir-se várias vezes para encaminhar a viabilização da
1ª Conclat.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

No campo político mais geral, cresce o movimento pelas


liberdades democráticas, que conquista uma grande vitória
com a aprovação da anistia e a volta dos exilados. A bandei-
ra da Constituinte começa a ser agitada com mais força.
A década de 1980 começa com a mais longa, difícil e
reprimida greve dos metalúrgicos do ABC, que durou 41
dias, gerando prisões, violência, processos e intervenções
nos sindicatos.
Em abril, realiza-se em São Paulo um encontro sindical
nacional, o primeiro que assume publicamente um caráter
de reunião de entidades, desafiando a proibição de relacio-
namento horizontal no movimento sindical. Esse encontro
marca a 1ª Conclat para setembro daquele ano, cria uma
comissão organizadora. Em junho, entretanto, por proposta
da “Unidade Sindical” de São Paulo, a 1ª Conclat é trans-
ferida para agosto de 1981, sob alegação de falta de tempo
para discussão nas bases e pouca representatividade.
Em fins de maio, foi formalizada a criação do PT, em
seu 1º encontro nacional.
Em junho de 1980 surge o chamado “Entoes” (Encon-
tro Nacional dos Trabalhadores em Oposição à Estrutu-
ra Sindical), que mais tarde viria a chamar-se Anampos
(Articulação Nacional dos Movimentos Populares e de
Oposição Sindical), e que, desde o início, articula o núcleo
dos sindicalistas que viriam formar a CUT em 1983. O
“Entoes” (e mais tarde a “Anampos”) eram organizações
paralelas às “unidades sindicais”, que se formavam unita-
riamente em vários Estados e até mesmo regiões, como a
Baixada Santista.
A Igreja tinha um peso decisivo nessa articulação pa-
ralela. Um dos seus encontros mais conhecidos (o “Encon-
tro de Taboão da Serra”) traça a política de impulsionar as
“oposições sindicais”, que não eram uma simples chapa de
oposição para concorrer às eleições num determinado sindi-
cato. Eram organizações permanentes, à margem da estru-

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Celso Frederico

tura sindical, com sede e imprensa próprias, constituindo-se


num verdadeiro sindicato paralelo.
1981 é marcado, no campo sindical, pela realização da
1ª Conclat. A reunião que viabilizou sua realização ocorreu
no Sindicato dos Químicos de SP, no dia 21 de março. Foi
um “Encontro Nacional Sindical”, com a participação de
181 entidades sindicais de 14 Estados, sendo a Contag a
única confederação presente. A plenária confirma a 1ª Con-
clat para os dias 21 a 23 de agosto daquele ano, em Praia
Grande SP e elege por consenso uma comissão coordenado-
ra de 29 membros que expressava a representação e a corre-
lação de forças entre as correntes políticas presentes.
As divergências levam à realização de duas comemora-
ções do 1° de Maio no Estado de SP: uma na capital e outra
no ABC, em São Bernardo, que se transforma numa “assem-
bleia” e aprova uma greve geral para outubro daquele ano.
O “Entoes” transforma-se em “Anampos”. A chapa de
Joaquinzão vence importante eleição no Sindicato dos Me-
talúrgicos de SP, que sedia as reuniões da Comissão Orga-
nizadora da 1ª Conclat e coloca toda a sua infraestrutura à
disposição do evento.
Os sindicalistas ligados ao PT constituem minoria na co-
missão organizadora. Contam com cerca de 1/4 dos votos.
A divisão do movimento sindical já está cristalizada em
dois grandes grupos, que recebem, informalmente, as deno-
minações de “Unidade Sindical” e “Oposição Sindical”. No
primeiro grupo, alinham-se os sindicalistas ligados ao PCB,
PMDB, PCdoB, MR-8, o sindicalismo rural, os sindicalis-
mos independentes e os conservadores. No segundo, a Igreja
e todas as correntes políticas abrigadas no PT. A “Unidade
Sindical” – que se afina no campo das ideias, se articula, mas
não tem nenhuma estrutura orgânica – é largamente majo-
ritária dentro da estrutura sindical, na efetiva representação
das entidades. A “Oposição Sindical” – inexpressiva no co-
mando de entidades e organizadas na Anampos – investe

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

no sindicalismo paralelo e na possibilidade de enviar à 1ª


Conclat delegados tirados à margem das entidades.
Alheios a esses dois grupos, encontrava-se mais da me-
tade dos dirigentes sindicais brasileiros. Como a maioria
das confederações e federações recusava-se a participar da
Conclat, dela afastavam expressivo número de sindicatos,
enquadrados na estrutura sindical.
Convém sistematizar as divergências entre os dois gru-
pos atuantes, pois elas – que já se manifestavam com vigor
em 1981 – foram a base da posterior divisão orgânica do
movimento:

Questão sindical:
– a “Unidade” defendia a unicidade sindical, a manu-
tenção ou extinção gradual do imposto sindical e o
critério sindical, ou seja, nas organizações intersindi-
cais deveriam estar representadas as entidades;
– a “Oposição” defendia o pluralismo e o fim imediato
do imposto sindical; praticava o sindicalismo para-
lelo; nas direções das organizações intersindicais de-
fendia o critério de pessoas e não de entidades;
– a “Unidade” condicionava a criação da CUT a um
prévio fortalecimento do movimento sindical, à maior
participação das bases, à consolidação das intersin-
dicais estaduais e, principalmente, à incorporação da
maioria das entidades que não participavam. Defendia
que a Central fosse efetivamente Única, incorporando
todas as entidades, independentemente da posição po-
lítica ou da combatividade de seus dirigentes;
– a “Oposição” desejava apressar a criação da CUT, pois
acreditava que a sua existência é que propiciaria o for-
talecimento do movimento sindical e aumentaria a
participação das bases. Era contra a incorporação das
demais confederações e dos sindicalistas mais atrasa-
dos. Defendia a “CUT combativa e pelas bases”.

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Formas de luta:
– a “Unidade” pregava formas de luta compatíveis com
os diferentes níveis de organização e consciência dos
trabalhadores, procurava conjugar várias formas de
luta (greves, manifestações etc.);
– a “Oposição” subestimava qualquer forma de luta
que não fosse a greve geral. Procurou convocá-la di-
versas vezes. A greve geral era mais um fim do que
um meio de luta. Transformou-se na sua grande ban-
deira.

Tática política:
– a “Unidade” desenvolvia a política de frente democrá-
tica na luta contra a ditadura, tentava articular-se com
a sociedade civil e as forças democráticas. Levantava a
bandeira da Constituinte e da unidade das oposições;
– a “Oposição” apontava para uma política de frente
de esquerda, subestimando a luta institucional e as
alianças com os liberais. Só aceitava a Constituinte
desde que “convocada pelo povo, livre, soberana e
precedida da derrubada do regime militar”.
Essas divergências, que permearam o movimento desde
os Enclats (Encontros Estaduais da Classe Trabalhadora),
passando pela 1ª Conclat, cristalizaram-se até o momento
da divisão orgânica.
No campo das bandeiras e reivindicações, entretanto,
forjava-se uma grande unidade em torno das consignas
principais:
– contra o arrocho salarial;
– estabilidade no emprego;
– reforma agrária;
– defesa das estatais;
– liberdades democráticas.
A maior divergência, nesse campo, era com relação à
dívida externa. Enquanto na “Unidade” algumas correntes

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

defendiam a moratória e outras a suspensão do pagamento,


com renegociação, a “oposição” lutava pelo não pagamen-
to, pura e simplesmente.
Nesse quadro, realizou-se a 1ª Conclat, de 21 a 23 de
agosto de 1981, em Praia Grande (SP). Participaram 5.247
delegados, de todos os Estados, representando 1.126 enti-
dades. Dentre as confederações, apenas duas participaram:
Contag (trabalhadores rurais) e Contcop (jornalistas e co-
municação). Eram 53 federações, 480 sindicatos urbanos e
384 rurais. As demais entidades eram associações pré-sindi-
cais e de servidores públicos.
Essas 1.126 entidades representavam cerca de 25% dos
sindicatos do país. Mas é preciso registrar que praticamente
todas as entidades atuantes estavam presentes. A maioria
das ausentes não tinha vida sindical; muitos eram “sindica-
tos de carimbo”, com existência cartorial.
Apesar do grande número de delegados, o processo de
discussão nas bases havia sido inexpressivo. A Conclat apro-
vou um conjunto de reivindicações políticas, econômicas e
sociais unitárias. Foi palco de três grandes polêmicas, todas
resolvidas na base da negociação, após calorosos debates: a
criação da CUT, a greve geral e a eleição da direção nacional
do movimento.
Quanto à criação da CUT, acordou-se que ela se daria
num congresso especificamente convocado para esse fim, a
ser realizado em agosto do ano seguinte (1982). O congresso
não seria para discutir a criação, mas para criá-la. O acordo
consistiu no seguinte: a “Oposição” abria mão de criar a
CUT na 1ª Conclat (1981) e a “Unidade” se comprometia
a criá-la no Conclat em 1982. Ao invés da CUT, criava-se
na Conclat a Comissão Nacional Pró-CUT, encarregada de
dirigir o movimento, criar as condições para a construção
da CUT e organizar o Conclat de 1982.
Outro acordo foi feito quanto à forma de luta. A “Opo-
sição” propunha greve geral em 1/10/1981, a “Unidade” era

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contra. Acertou-se que em 1/10 haveria um Dia Nacional de


Protesto e que a direção eleita na 1ª Conclat iria encarregar-se
de criar as condições para uma greve geral em outra ocasião.
Já a eleição da direção da Comissão Nacional Pró-CUT
foi mais difícil e dramática. Um entendimento que varou
a madrugada anterior à plenária final, com a presença de
todas as forças políticas atuantes na Conclat, concluiu um
acordo em torno de uma chapa única para apresentação à
plenária. O grande empecilho àquele entendimento havia
sido quem representaria o sindicato dos metalúrgicos de São
Paulo. A “Unidade” propunha o nome do presidente da en-
tidade, Joaquinzão; a “Oposição” não abria mão do líder da
“oposição metalúrgica” (Waldemar Rossi), que acabara de
perder a eleição sindical, ganha pela chapa de Joaquinzão,
num clima de grande radicalização.
Pelo acordo acertado entre os grupos, tirava-se Walde-
mar Rossi da chapa única em troca de mais alguns represen-
tantes da corrente “Oposição”.
Este acordo não foi mantido na plenária pela “Oposi-
ção”. Pressionado pela direção da Anampos e por ela cri-
ticado por ter concordado com a inclusão de Joaquinzão
e a exclusão de Waldemar Rossi, Lula rompe o acordo na
plenária, o que gera o surgimento de duas chapas, cada uma
de uma corrente.
Em vista da dificuldade de apurar os votos e da divisão
da plenária de delegados, decidiu-se que a comissão organi-
zadora deveria promover nova reunião para apresentar uma
chapa única.
Nessa reunião, alguns setores da corrente “Unidade”,
com destaque para os sindicalistas ligados ao PCB, come-
teram um grave erro, que veio trazer sérios problemas para
a unidade do movimento, diminuindo a amplitude da Co-
missão Nacional Pró-CUT. Numa grande conciliação com o
grupo “Oposição”, concordaram em excluir o presidente do
Sindicato de Metalúrgicos de SP da direção da Pró-CUT.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Essa exclusão levou ao estreitamento da Comissão Nacio-


nal Pró-CUT. Tratava-se do presidente reeleito do maior sindi-
cato do país, na época a maior liderança do setor independente
e moderado do movimento sindical, cujo sindicato havia ban-
cado a maior parte da infraestrutura da Conclat. A sua exclusão
não permitiu a ampliação da Pró-CUT, levou várias entidades a
abandoná-la e criou as condições para o surgimento em SP, com
ramificações nos Estados, de articulações intersindicais puxadas
por federações, à margem das “unidades sindicais” ou “intersin-
dicais” estaduais que se integravam à Comissão Pró-CUT.
Apesar dessa grande conciliação, os sindicalistas ligados
à “Oposição” eram minoritários na Pró-CUT. Constituíam
menos de um terço do total de 54 membros da comissão.
Outro erro na formação da comissão é que ela era cons-
tituída de pessoas e não de entidades; e os critérios nem sem-
pre foram de representatividade em seus Estados; mas de
composição das forças políticas presentes no movimento.
Em 1982, o movimento sindical continua às voltas com
os sucessivos pacotes de arrocho salarial editados pelo go-
verno. Realizaram-se várias jornadas de luta.
A divisão do movimento sindical vai se agravando. Em
SP, realizam-se novamente duas comemorações de 1º de
maio. E há duas articulações intersindicais: uma no campo
da Pró-CUT e outra impulsionada pelas federações e os sin-
dicatos metalúrgicos e eletricitários.
Instala-se no interior da Comissão Nacional Pró-CUT
intensa discussão sobre o adiamento do Conclat (o congres-
so que criaria a CUT), marcado para agosto de 1982.
Diante do impasse no interior da Pró-CUT, em sua reu-
nião de 10 de maio de 1982, a comissão resolve consultar
as bases, recomendando a todos os Estados que nos Enclats
(encontros estaduais preparatórios ao Conclat) se discutisse
a proposta de adiamento do congresso.
No dia 5 de junho, a Comissão Nacional Pró-CUT deci-
de, numa reunião polêmica e tensa, manter o Conclat para

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agosto de 82. A consulta dos Estados trouxe uma grande


confusão. Os 16 Estados presentes à reunião levaram as se-
guintes opiniões:
– manutenção do congresso: RS, ES, BA, PE, PA, PB,
GO, CE;
– adiamento do congresso: SE, RN, RJ;
– sem definição: PR, MG, MT, DF.
São Paulo levou duas opiniões diferentes, pois não con-
seguiu realizar uma reunião unitária no Estado. Os demais
Estados não se reuniram para opinar.
Os comunistas defenderam o adiamento do Conclat na
reunião de 5 de julho e foram derrotados. Em 15 de julho,
a Voz da unidade número 113 publica uma matéria sob o
título “É necessário transferir o Conclat”; ao mesmo tempo,
várias entidades divulgam notas exigindo a transferência: a
Contag, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, as fe-
derações paulistas. Essas federações, em sua nota, ameaçam
não ir ao congresso com seus sindicatos se a data for manti-
da e informam que não cedem as instalações das colônias de
férias, localizadas todas em Praia Grande, onde se realizaria
o evento.
Em 17 de julho, a Comissão Nacional Pró-CUT decide
adiar o Conclat por um ano, para agosto de 1983, numa
reunião com uma correlação de forças diferente da anterior,
pois a esta compareceram todos os membros da Pró-CUT
que eram representantes das federações vinculadas à Contag
(18 federações).
Aliás, a posição da Contag, expressa num documento
distribuído na reunião, foi decisiva para o adiamento.
Nessa mesma reunião, a comissão resolveu que seu man-
dato expirava-se em agosto de 1982, data marcada para a
realização do congresso que acabou sendo adiado. Assim
sendo, recomendou que os Estados elegessem uma nova Co-
missão Nacional Pró-CUT em seus Enclats, respeitando o
número de membros a que cada Estado tinha direito.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

Tratava-se de uma tentativa de ampliar a Comissão Pró-


CUT, com a possibilidade de que, através de eleições nos
Estados, alguns sindicalistas pudessem passar a fazer parte
da comissão.
Mas acontece que, justamente em São Paulo, Estado em
que a divisão mais se acentuava e que tinha o maior peso po-
lítico, a eleição dos novos membros da Pró-CUT, ao invés de
unir e ampliar, acabou contribuindo ainda mais para a divi-
são. É que, ao invés de uma única instância para eleger os oito
representantes de SP na Pró-CUT, ocorreram dois eventos. As
federações e os sindicatos de metalúrgicos e de eletricitários
da capital recusaram-se a participar do 3º Enclat-SP, reconhe-
cido pela Pró-CUT, e realizaram uma plenária intersindicaI.
Na reunião de agosto, em Brasília, convocada para que os
novos membros da Comissão Nacional Pró-CUT eleitos nos
Estados se reunissem pela primeira vez, São Paulo apresenta-
va duas delegações diferentes, eleitas em foros distintos. Dois
sindicalistas do PCB faziam parte das duas delegações. A Pró-
CUT decidiu credenciar os oito representantes do 3º Enclat-SP
e, em mais uma tentativa de unificar o movimento naquele
Estado, conclamou a que todas as correntes envolvidas reali-
zassem um congresso estadual único em março de 1983.
O adiamento do Conclat por um ano foi defendido pela
corrente “Unidade” (inclusive pelos sindicalistas ligados ao
PCB) e combatido pela “Oposição”.
Os argumentos a favor do adiamento foram os seguintes:
– a Pró-CUT ainda era estreita; o Conclat precisava in-
corporar a parcela do movimento sindical influencia-
da pelas confederações. Portanto, a CUT, se criada,
não seria única;
– faltava discussão nas bases;
– a tarefa mais importante eram as eleições de 1982;
realizar o Conclat a três meses das eleições, além de
dispersar o esforço das oposições para vencer o regi-
me, partidarizaria ainda mais o movimento;

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Celso Frederico

– a correlação de forças não comportava a criação da


CUT, que era proibida por lei.
Além da divergência sobre o adiamento ou não do Con-
clat por um ano, outra questão dividia a Comissão Pró-CUT:
o famoso artigo 8º do Regimento Interno do Congresso, que
abria a possibilidade de que, nos sindicatos cujas direções
se recusassem a participar do Conclat, as “bases” poderiam
convocar uma assembleia, à margem da entidade, para tirar
delegados ao congresso.
A “Oposição Sindical”, agora articulada na Anampos
e no PT, fazia absoluta questão da manutenção desse dis-
positivo, pois era a sua única possibilidade de aumentar o
número de delegados afinados com suas posições, já que,
naquela ocasião, continuavam em minoria na estrutura sin-
dical oficial. Para se ter uma ideia, mesmo com a renovação
dos membros da Pró-CUT, através de eleição nos Estados,
os sindicalistas ligados ao PT constituíam 1/3 da direção
nacional do movimento.
O adiamento por um ano foi traumático e deixou graves
sequelas. Os sindicalistas ligados ao PT chegaram a promo-
ver uma Plenária Sindical Nacional, à margem da Pró-CUT,
em 28 de agosto, em SP, para discutir a proposta de reali-
zação do congresso na data decidida pela primeira Conclat,
que seria convocado pela minoria da Pró-CUT e das inter-
sindicais estaduais. Essa proposta, na referida plenária, foi
derrotada por pequena margem de votos.
Em dezembro de 1982, a Comissão Nacional Pró-CUT
volta a reunir-se unitariamente, após a grande turbulência
do adiamento do congresso. Aprova um plano de lutas para
o ano de 1983, em torno das seguintes bandeiras:
– contra a recessão e o desemprego;
– por melhores salários e condições de vida;
– pela independência nacional;
– pela Central Única dos Trabalhadores.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

É marcado para 14/1/1983 um Dia Nacional de Luta


contra o Arrocho Salarial.
Nessa reunião fica o Conclat marcado para os dias 26,
27 e 28 de agosto de 1983, em São Paulo, Praia Grande. É
aprovado o Regimento Interno do Conclat. Por consenso, é
incluído o artigo 8º (principal reivindicação do PT para o
regimento), nos seguintes termos:
“A Comissão Nacional Pró-CUT procurará criar as con-
dições para a participação de todas as categorias no Con-
gresso, mesmo daquelas cujas entidades neguem-se a parti-
cipar, examinando-se cada caso que vier a ser apresentado,
acompanhado de parecer, pelas lntersindicais Estaduais.”
Estava aberta a porta para a Anampos manipular delega-
ções de dezenas de categorias, na cidade e no campo, à mar-
gem dos sindicatos. Estava comprometido o critério sindical.
Essa conciliação da maioria, incluindo os sindicalistas
ligados ao PCB, acabou sendo, às vésperas da realização do
Conclat, o maior motivo explícito do racha do movimento,
com o surgimento de duas centrais sindicais.
O ano de 1983 começa com a realização do Dia Nacio-
nal de Luta contra o Arrocho Salarial, com manifestações
em todo o país, em geral inexpressivas.
Em documento enviado a todas as entidades sindicais
do país, em abril de 1983, a Contag manifesta-se contra a
criação da CUT no Conclat que se realizaria em agosto. A
criação da CUT, segundo aquela confederação, estaria con-
dicionada a dois fatores;
– a adesão da maioria das entidades sindicais do país;
– o funcionamento eficaz das intersindicais estaduais.
No dia 9 de julho de 1983, realiza-se, na sede do Sin-
dicato dos Metalúrgicos de São Paulo, uma expressiva Ple-
nária Intersindical Nacional, convocada de forma unitária
pela Comissão Pró-CUT, intersindicais estaduais, algumas
confederações e federações e o Comando Nacional dos Em-
pregados em Estatais. Ao todo, 137 entidades se reuniram.

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O tema da reunião era uma jornada de luta, para o dia


21 de julho, contra os pacotes de arrocho salarial, a reces-
são, a inflação e o desemprego.
A proposta de greve geral era defendida na plenária por
Joaquinzão e os sindicalistas do PT. Joaquinzão, que perdera
meses antes as eleições na CNTI para Ary Campista, puxara
a proposta de greve geral já no Congresso dos Metalúrgicos
de São Paulo. Sua postura de radicalização visava ocupar
espaços no cenário nacional, fortalecendo sua posição tanto
para o Conclat de agosto como para as próximas eleições
em sua entidade.
Já o PT tentava puxar a proposta de greve geral, que
há mais de dois anos acalentava, no rastro das dramáticas
greves que estavam em curso, dos petroleiros de Paulínea e
dos Metalúrgicos de São Bernardo, cujos sindicatos estavam
sob intervenção.
Nesta reunião, os sindicalistas ligados ao PCB lideraram
um movimento contrário a que o dia 21/7 fosse convocado
com o caráter de greve geral, tendo em vista que os níveis de
organização e mobilização dos trabalhadores eram hetero-
gêneos no país. Essa tese acabou vitoriosa, após acalorados
debates, e a jornada de luta foi convocada como um “Dia Na-
cional de Protesto”, conjugando-se várias formas de luta, de
acordo com as possibilidades em cada região ou categoria.
Alguns dias após essa reunião, Joaquinzão aplicou dois
grandes golpes nas resoluções da plenária:
– compareceu sozinho a uma audiência com o minis-
tro do Trabalho (para apresentação das resoluções
da plenária), da qual deveria ter participado uma co-
missão unitária eleita na plenária para esse fim. A
audiência teve grande repercussão nos meios de co-
municação;
– passou a convocar o dia 21/7 como greve geral, em
entrevistas e em centenas de milhares de panfletos es-
palhados na Grande São Paulo.

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A imprensa de esquerda e o movimento operário (1964-1984)

No dia do protesto, na maioria dos Estados, ocorreram


grandes manifestações, sem greves, como no Rio de Janeiro,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Em São Paulo, a orientação do comando foi no sentido
de os trabalhadores permanecerem em suas casas. A parali-
sação alcançou relativo sucesso na Grande São Paulo.
Nos meses de junho e julho de 1983, os estados reali-
zam os seus Enclats preparatórios ao Conclat de agosto e as
grandes polêmicas continuam as mesma da 1ª Conclat, rea-
lizada em 1981: a questão da dívida externa, a constituinte,
a greve geral e a criação da CUT. O Enclat-SP, num clima de
sectarismo, aprova todas as teses do PT: não pagamento da
dívida, greve geral e criação da CUT no Conclat. O Enclat-RJ
conclui-se num consenso acordado pelas cúpulas: diluiu as
questões polêmicas em meras declarações de intenções. As
grandes polêmicas sacodem o movimento sindical em todo
o país.
O expediente de utilização do artigo 8º do Regimento
Interno é usado pela Anampos e o PT em larga escala em
todo o país, apoiados na estrutura da Igreja, para tentar al-
terar a correlação de forças no Conclat. Estouram denúncias
de que a Anampos teria recebido fabulosos recursos do sin-
dicalismo internacional ligado à social-democracia.
A direção do PCB começa a explicitar sua oposição à cria-
ção da CUT no Conclat-1983, trazendo grande perplexidade
à militância. Para se ter uma ideia, a decisão de lutar para que
a CUT não fosse criada foi tomada pela Comissão Executiva
do Comitê Central do PCB em fins de julho, quando, em vá-
rios Enclats, os comunistas já haviam votado pela criação da
CUT em agosto. Só nos Enclats realizados no fim do mês de
julho, os comunistas começam a defender a não criação da
CUT. A argumentação central era ainda a mesma usada em
1981 (na 1ª Conclat) e em 1982 (adiamento do Congresso):
– faltava unidade e a participação das confederações e
outras entidades; a sua criação em 1983 abriria es-

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paço para não ser uma central única; precisávamos


atrair para o projeto os sindicalistas independentes e
os conservadores.
A perplexidade da militância do PCB tinha suas razões:
– o jornal Correio Sindical de Unidade, dirigido pelo
PCB (sua última edição foi publicada em junho de
1983), era um dos grandes instrumentos de divulga-
ção da criação da CUT;
– o Boletim Nacional Pró-CUT (editado sob a respon-
sabilidade do Secretariado da Pró-CUT, com a he-
gemonia de sindicalistas ligados ao PCB) apontava
para a criação da CUT em agosto de 1983;
– os Estatutos da CUT foram apresentados à Comissão
Nacional Pró-CUT por sindicalistas do PCB; sua re-
dação original foi da Seção Sindical do CC do PCB;
– os militantes comunistas usavam, até então, botons
e camisetas da CUT que se criaria em agosto. Até o
logotipo da central foi criação de comunistas;
– a sede da Comissão Nacional Pró-CUT funcionava
no Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro (a épo-
ca dirigido por militantes do PCB), que bancava toda
a infraestrutura do Secretariado da Comissão.
A decisão da Direção Nacional do PCB sobre a questão
se explicita em três “notas” sucessivas publicadas na Voz da
Unidade, na coluna “Opinião Nacional”, reservada para a
expressão da orientação do Comitê Central.
O Enclat de São Paulo, realizado nos dias 29 a 31 de
agosto, teve um fato positivo: Joaquinzão foi eleito para a
Comissão Nacional Pró-CUT, da qual havia sido excluído
na 1ª Conclat, em 1981. São Paulo foi o único Estado que
elegeu à época novos representantes da Pró-CUT, em razão
da confusão do episódio de duas representações em 1982.
Essa “reabilitação” de Joaquinzão na Pró-CUT tinha muito
a ver com a sua postura a favor da greve geral, no mês an-
terior.

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Mas a entrada de Joaquinzão na Pró-CUT não contribuiu


para a sua ampliação. O Enclat-SP realizou-se com uma cor-
relação de forças artificial, em razão da utilização, em grande
escala, do artigo 8º do Regimento, que permitia a participação
de delegados à margem das entidades, e da ausência de muitas
entidades. Assim, passaram nesse encontro todas as propostas
da Anampos e do PT e, com exceção de Joaquinzão, todos os
sindicalistas ligados às federações foram excluídos.
A maioria dos Enclats foi manipulada com base no ar-
tigo 8°.
No dia 7 de agosto (faltando 18 dias para a realização
do Conclat), uma esvaziada reunião da Comissão Pró-CUT
realiza-se em SP, com a presença de apenas 21 membros, dos
54 que compunham a comissão. Em discussão uma propos-
ta da Intersindical do RJ hegemonizada pelo PCB e aliados,
de revogação do artigo 8°. Após acalorados debates, surge
uma proposta conciliadora, patrocinada pelo presidente da
Contag, regulamentando o artigo 8°, de forma a tentar que
sua utilização fosse uma exceção e não uma regra. Agindo
de forma corporativa, a regulamentação patrocinada pela
Contag era mais exigente para a área rural, onde os dele-
gados teriam de passar pelo crivo das federações de traba-
lhadores rurais. Mesmo assim, a Anampos, em maioria na
reunião, devido ao seu esvaziamento, não concordou com a
regulamentação e o artigo 8°, em sua redação original, foi
aprovado por 11 votos a 10.
A reunião se encerra num clima emocional, com a se-
guinte declaração do presidente da Contag: “Consuma-se
hoje o Conclat da Anampos: o novo Entoes. Vocês fiquem
com o seu Conclat. Nós ficamos com a Contag.”
Ao final dessa reunião, um grupo de dirigentes sindicais,
incluindo os militantes do PCB e o presidente da Contag,
resolvem convocar para o dia 11 de agosto (4 dias após)
uma Plenária Intersindical Nacional, para o Sindicato dos
Metalúrgicos de SP, para discutir o impasse.

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Alguns dias antes havia terminado o VI Congresso Na-


cional dos Metalúrgicos, que aprovara a greve geral, a for-
mação de Confederação Nacional dos Metalúrgicos (desli-
gando os sindicatos metalúrgicos da CNTI) e a criação da
CUT no Conclat-1983.
Na véspera da plenária de 11 de agosto, a Contag dis-
tribui nota a todas as entidades sindicais rurais do país re-
comendando que não comparecessem ao Conclat, marcado
para os dias de 26 a 28 de agosto. Além da Contag, decisões
idênticas foram, em seguida, anunciadas por diversas confe-
derações, federações, sindicatos e intersindicais estaduais
A plenária de 11 de agosto reuniu cinco confederações,
14 federações e dezenas de sindicatos. Aprovou-se uma nota
conclamando a Comissão Nacional Pró-CUT a reunir-se o
mais breve possível para refletir sobre sua deliberação de
manter o artigo 8° e, ao mesmo tempo, propondo uma gran-
de Plenária Nacional Intersindical para os dias 20 e 21 de
agosto, na sede da Contag, em Brasília, para discutir unita-
riamente a realização do Conclat (data, Regimento Interno
e temário).
O Secretariado da Pró-CUT aceita a sugestão de voltar
a reunir a Comissão Nacional Pró-CUT, convocando-a para
o dia 14 de agosto, no Sindicato dos Marceneiros de SP.
Comparecem à reunião 37 membros da Pró-CUT, o maior
quorum alcançado em toda a sua existência, até então. Não
compareceu à reunião o grupo de sindicalistas ligados à
Anampos. Dentre os sindicalistas vinculados ao PT (nem
todos ligavam-se à Anampos) compareceram apenas os três
identificados com sua ala mais unitária.
A reunião aprovou, com apenas duas abstenções, uma
resolução que afirmava a “necessidade de unificar o movi-
mento sindical brasileiro em torno de um único Congresso”.
Deliberou adiar o Conclat por um prazo de 60 dias, a fim de
que pudesse ser unitário, e convocou todas as entidades sin-
dicais do país para participarem da Plenária Nacional Inter-

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sindical, nos dias 20 e 21 de agosto, em Brasília, aceitando,


portanto, a sugestão da reunião do dia 11.
No início dessa reunião da Pró-CUT, cuja pauta era a
decisão sobre o Conclat, um grupo de membros da Pró-
CUT, ligados à Anampos, distribuiu um documento e reti-
rou-se. Tratava-se de uma “Circular número 1”, datada do
dia 14/8/83, o próprio dia da reunião onde foi distribuída),
com papel timbrado da Pró-CUT; assinado por uma “Secre-
taria do Conclat”, composta por Jair Meneguelli (metalúr-
gicos de São Bernardo), Gilmar Carneiro (bancários de SP)
e Paulo Azevedo (metroviários de SP). A Circular convocava
o Conclat para os dias 26, 27 e 28 de agosto, em São Ber-
nardo.
A Plenária Nacional convocada pela maioria da Comis-
são Pró-CUT e outras entidades reúne-se nos dias 20 e 21
de agosto, na sede da Contag. Comparecem cinco confede-
rações, 44 federações, 141 sindicatos e 26 associações.
Na manhã do dia 20, antes portanto do início da ple-
nária, reuniu-se a maioria da Comissão Nacional Pró-CUT,
com a presença recorde de 45 de seus membros e a ausências
de todos os seus membros ligados à Anampos e ao PT. Essa
reunião tinha o objetivo de levar a plenário a opinião da Pró-
CUT. Por 43 votos a favor e duas abstenções, aprovou-se:
– ratificar o adiamento do Conclat por um prazo em
torno de 60 dias;
– desautorizar a utilização do nome da Comissão Na-
cional Pró-CUT na convocação do Congresso de São
Bernardo;
– conclamar os membros da Pró-CUT ausentes a retor-
narem à Comissão, suspenderem o Congresso de São
Bernardo, participando de um Conclat único;
– dar à Plenária poderes para decidir a data, o temário
e o regimento do Conclat.
A Plenária marcou o Congresso para os dias 4, 5 e 6
de novembro, em Praia Grande (SP), elegeu uma comissão

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coordenadora, composta pela Executiva da Comissão Pró-


CUT, as confederações presentes e mais 13 entidades e ex-
cluiu o artigo 8° do Regimento Interno.

26, 27 e 28 de agosto de 1983


– O Congresso de São Bernardo se realiza e cria a
CUT.

4, 5 e 6 de novembro de 1983
– O Congresso de Praia Grande cria a Conclat que,
mais tarde passa a chamar-se CGT.

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