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Os Dez Mandamentos

(para escrever textos acadêmicos)


Julienne Hanson (1988)

Tradução (livre) do inglês: Frederico de Holanda (2003)

A vida acadêmica tem uma certa “moralidade”. A pesquisa é cooperativa, e dependemos


de outros para progredir. As idéias devem ser livres e livremente concedidas; temos
contudo a responsabilidade de tratar a propriedade intelectual com respeito. Devemos
obedecer a certas regras de comportamento, particularmente ao escrever idéias na forma
de textos acadêmicos. Bons hábitos adquiridos duram a vida toda; estes são os
principais a cultivar.

1. Seja explícito quanto à estrutura de sua argumentação desde o princípio. Todo texto
precisa de uma introdução, uma discussão principal e uma conclusão. Exponha sua
posição no começo - i.é., diga o que você vai fazer, faça-o, e diga o que fez. Seu
leitor estará exatamente na sua posição desde o início do texto e pode interagir com
suas idéias quando elas aparecem porque sabe para onde a discussão caminha. O
oposto é manter o leitor no escuro sobre a força de sua argumentação, a ponto de ele
ter de confiar sempre na relevância do que é dito, e tirar o coelho da cartola ao final,
na forma de algumas idéias ou conceitos que você guardou até a conclusão. É
inadmissível porque, para discutir com você, o leitor tem de ler o trabalho duas vezes.
Isto pode acontecer quando você está escrevendo um rascunho e se dá conta do
que é o trabalho somente quando o termina; nestes casos você tem de por as idéias
principais no começo e rescrever tudo.

2. Comece com o problema ou questão que pretende resolver, não com alguma teoria
grandiloqüente. Erro comum é expor idéias teóricas no princípio à guisa da estrutura
geral do trabalho. O leitor terá a expectativa de que você vai fazer progressos
relativos a estes grandes problemas teóricos. A probabilidade é que você não vai
inovar neste nível; quando passa a discutir suas próprias idéias, fica difícil relacioná-
las à estrutura que definiu. Se começar com um problema modesto, pode ser que
não chegue a grandes avanços, mas poderá surpreender o leitor ao relacionar idéias
teóricas ao seu problema e esclarecê-lo. Este é o melhor caminho para uma boa
teoria.

3. Uma boa idéia (ou hipótese) é essencial para escrever um texto. Apresentar o
trabalho de outros de maneira descritiva não basta. Tentar uma análise sem qualquer
idéia do que você pretende conseguir, apenas com a esperança de chegar a algo,
pode bastar no estágio inicial de um curso, mas não para um trabalho substancial
como uma dissertação. Carece acrescentar algo na forma de uma intuição, a
aprofundar pela reflexão. Não procure resolver muitos problemas num só trabalho – a
tentação “já que estamos falando nisso”. Se tentar discutir mais que um determinado
conjunto de idéias num só trabalho, a probabilidade é que você termine num atoleiro.
Selecione uma boa linha de investigação e tenha a esperança de levantar questões
relevantes no seu trato.

4. Todo texto precisa de um problema (um campo de pesquisa é diferente), um conjunto


de dados, um corpo de literatura e uma hipótese. Você nada conseguirá sem os
quatro. Um campo de estudo é uma área abrangente - e.g., a relação entre habitação
e o estado – que contém muitas possíveis linhas de pesquisa. Nomear o campo lhe
localiza numa comunidade de pesquisa mas não lhe ajuda a ser claro sobre o que vai
fazer ou o que pretende acrescentar. É preciso identificar um problema específico no
qual você pretende progredir - e.g., a medida que a participação de potenciais
usuários no planejamento habitacional influencia a forma final do projeto. Você saberá
quando identificou um problema, ou uma questão, porque neste ponto verá como
chegar a uma resposta ao tratar um conjunto de dados. Nem tente escrever sobre
algo sem boas informações pelas quais testar suas idéias. No caso hipotético é uma
amostra de projetos residenciais com sabidamente diferentes níveis de participação
de usuários no processo de projeto; as possíveis variáveis que poderiam dar conta
das diferenças precisam ser estudadas. Não selecione seus dados como meio de
disfarçar uma argumentação pobre. Se fizer isso, seus inimigos logo o
desmascararão. Você deve ser o primeiro a indicar dificuldades com a escolha de
suas informações, não o último. Afinal, selecionar dados para impulsionar idéias
fracas é blefar; mesmo que se saia bem estará enganando a si próprio. O próximo
passo será revisar o saber tradicional ou o “estado da arte”, antes de apresentar suas
próprias idéias. Contextualize seu trabalho; demonstre conhecer sua relação com
outros trabalhos no campo.

5. Escreva na terceira pessoa – “este texto trata de...” – não na primeira. Isto pode
parecer pedante, mas o objetivo é distanciar você e seu investimento emocional na
sua produção enquanto autor, do texto como produto, ao fazê-lo o máximo
independente. O trabalho que você escreve deve ser uma estrutura de idéias
independente que não precise de sua intervenção em qualquer momento, para dar
uma opinião, expressar uma crença, adicionar um esclarecimento. Pressupomos que
você escreve por ter encontrado algo a ser partilhado. O fato de o trabalho estar
sendo feito por você não importa; devemos julgar a qualidade das idéias sem
referência a você como pessoa. A crítica é dirigida ao esclarecimento das idéias
colocadas no papel, não a você.

6. Apresente as idéias antes de avaliá-las. Para começar, não imagine que o leitor está
familiarizado com tudo que você leu; sobretudo, deve apresentar o trabalho aos
outros da maneira mais desapaixonada possível, para que o leitor possa formar um
julgamento independente quanto à sua relevância e limitações. Então faça sua
avaliação, com a qual o leitor concordará ou não. O objetivo não é controlar o debate
por meio de uma visão definida, mas testar a robustez das idéias, inclusive as suas.
Se você não estiver preparado para fazer isto, não poderá aprender. Não seja
metafórico. Se vale a pena dizer algo, diga-o rigorosamente. Metaforizar é esnobismo
intelectual. (…)

7. Sempre revele a fonte de suas idéias e a influência no seu trabalho de idéias alheias,
o melhor possível. Claro, às vezes é difícil dizer de onde vem uma idéia,
particularmente quando se sintetiza o trabalho de muitas pessoas. Pelo menos não
faça o oposto: roubar disfarçadamente a propriedade intelectual de terceiros. Na pior
versão, apresentar cópia do trabalho de outros como seu é plágio, bilhete expresso
para o fracasso. Lembre-se: toda idéia é provisória. Depois de esboçar o problema,
examinar a literatura e analisar as informações, suas idéias continuam sempre
provisórias. Você precisa discutir suas descobertas e interpretá-las à luz de tudo que
disse até o momento; quando tiver feito isso, poderia chegar a alguma conclusão,
mas apenas poderia. Nunca somos capazes de provar nada e nada será verdade
eterna. Você poderá mostrar uma relação, sugerir descobertas, apontar fraquezas na
sua argumentação (tanto quanto sua força) e indicar as mais aparentemente
promissoras linhas para futura investigação. A modéstia deve estar na ordem do dia;
ao aceitar que demos o melhor de nós, a pesquisa pode ser atividade muito
prazerosa. Tudo que sabemos é que provavelmente alguém surgirá com uma
formulação mais clara (não logo, se fizermos bem nosso dever de casa).

8. Sem conversa fiada. Seu objetivo é convencer com uma boa discussão, não com
argumentos jornalísticos ou por meio de adjetivos. Não faça perguntas retóricas. (...)
Não pressione o leitor a concordar com o que diz. Pare e pense tão logo sinta a
tentação de introduzir idéias normativas – cuidado com as palavras que você próprio
tem dificuldade em decodificar, como “sucesso”, “bom”, “fracasso”, “inapropriado”.
Tampouco use jargão. O tamanho das palavras não mede suas idéias. As melhores
idéias podem ser ditas de maneira muito simples: pensamento pouco rigoroso vem
vestido em frases de efeito. Imagine que você precise explicar suas idéias para sua
mãe; parta daí.

9. Refira-se a exemplos tanto quanto possível. É sempre melhor argumentar por meio
de exemplos do que de forma abstrata. Isto dá ao leitor algo concreto a que se referir,
mas os exemplos devem ser pertinentes. Isto se aplica a figuras e desenhos, tanto
quanto a casos. Sempre interprete os diagramas que usa no texto – mesmo quando
eles lhe parecem evidentes. Inversamente, nunca deixe margem a dupla
interpretação, por não ter explicitado bem as coisas e o leitor ter de fazê-lo por você.
Não pressuponha que o leitor verá as coisas da mesma maneira que você.

10. A discussão não deve apresentar hesitação, repetição ou desvio do assunto. Muitos
encadeamentos de idéias são difíceis de seguir, mesmo quando apresentados
claramente, sem demasiada elaboração. Censure seu próprio trabalho para eliminar
tudo que não seja essencial ao argumento. Freqüentemente são partes
desnecessárias que provocam dúvidas no leitor. Essa razão basta para evitar colocar
no papel questões que não tenha absoluta necessidade de levantar para se fazer
claro.

São regras que procuramos seguir ao escrever textos acadêmicos. Segui-las pode não
levar ao Prêmio Nobel de Literatura, ou mesmo a peça jornalística digna de suposto
correspondente de arquitetura do “Jornal da Comunidade”, mas dar-lhe-á a satisfação de
fazer pequena porém bem-formatada contribuição ao conhecimento. Se se habituar a
testar seu trabalho por estes critérios, negar-me-á o prazer de dizer “não lhe avisei?”...

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