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= CONHECIMENTO . KS eh GRAMATICA. , UL SSNs a 7 =. - OS ENIGMASDA ya oan uae : qt Can PICU a Ty PSL TY CY UU Ty NIL DE CASTRO ALVES Tay reas UALS Tey se Ny. See LUG CS aU a Seta SONU ae) aUAUa APENAS APROXIMAR-SE, REVELANDO AS CONTRADICOES Daa ENS aba ENTREVISTA ONCA VERUNSCHK USA 0 BOM SENSO PARA FUGIR DA ESCRITA PANFLETARIA 0 incrivel livro dos MITOS GREGOS LS ety Oe a te Tic leone EDITORIAL VELHOS E NOVOS TEMPOS, BELOS DIAS iz uma adaptagio da letra de Jovens Tardes de Domingo, de Roberto Carlos, para come- cara falar desta edicao, a partir do titulo do editorial. O ontem eo hoje, primos distan- tes, guardam entre si mais semelhangas que possam ‘parecer e até querer. Seria isso um argumento a favor do destino, como na crénica de Leonardo Garzaro? Exemplo de passado e futuro terem mais em co- mum do que pensam pode ser visto em nossa maté- tia de capa, A Modernidade na Contramido, Roberto ‘Sarmento Lima fala da celeridade dos tempos. da ccontradigao dos modernistas e aponta que. no Brasil, ‘esse periodo na literatura e nas artes tem pelo menos dois caminhos: uma via existential, sociale politica e outra artistica e literdria, que podem caminhar jun- tas, cruzar-se ou apenss aproximar-se,revelando as contradigdes do pensamento brasileiro, onteme hoje. Mas nem tudo € contraditério. Micheliny Verunschk, nossa entrevistada, disse-me que “é pre- ciso usar a medida do bom senso para nao se fazer uma obra panfletaria’. A autora de O Som do Rugido dda Onca, jd em sua sétima reimpressao, nao faz con- cesses, € 0 sucesso das seus livros demonstra que ela esta com a razlo. Sea contradigao traz confusdo, preciso descobrir os caminhos para decifrar enig- mas. Aliés, nossa Gramatica é mestra nisso, principal- mente no tocante & acentuagao, a que a maioria das nossas palavras nao recebe acento grafico, o que nao quer dizer que nao sejam acentuadas. Fabio Roberto Ferreira Barreto mostra 0 caminho das pedras. Saber tratar esse assunto com clareza dé um certo poder, no é mesmo? Assim como as narrati- vvas, que, combinando realidade e ficgio humana, formulam hipéteses sobre o tempo vivid, compar- tiham visdes de mundo miiltiplas e variadas, como demonstra Abrahao Costa de Freitas. E quando a contestacdo de ontem encontra eco na sociedade de hoje, como os versos abolicionistas de Castro Alves? Juarez Donizeti Ambires esclarece como acontece essa ponte. E ele proprio também traca o perfil da itinerante Nélida Pion, que se encantou ha poucoe viveu sempre la cé Ja Simone Strelciunas Goh, que dev luz @ ma- téria sobre o diciondrio de expressées idiométicas e ditos populares de Hudinilson Urbano, acredita ser possivel ir muito além da fala e da escrita na comuni- cagho. E isso nao é contraditorio. Por isso, Mauricio Melione Favo resenha Via Apia, primeiro romance de Geovani Martins sobre cinco rapazes da Rocinha, com seus encontros e desencontros. E como desper- tar o prazer da leitura e da literatura se 0 curriculo engessa seu ensino a biografias e& historiografia dos autores? E 0 que contesta Aline Fernanda Camargo Sampaio, E 0 tal do fazer para o pensar, do pensar para 0 fazer, como considera Marcio Scarpellini Vieira, em texto sobre o ensino das linguagens. Dificil? Segundo ele, nao, dificil mesmo é lidar com o etarismo, afirma em reflexao ao final da revista. Voltando a Roberto Carlos, ou melhor, aos velhos enavos tempos, belos dias, tudo se transforma, se re- cia e, assim sendo, rejuvenesce, gana forga, respira outros ares, o velho se faz novo. E assim que quere- mos apresentar nossa escrita para voces. Deixé-la mais moderna, estar mais préxima, ser mais pre- sente, mais atraente. com novidades e muito debate! Por isso, passaremas a circular mensalmente, Nao € bom? Até 0 préximo més! ‘Mara Magatia Editora LUNGUA PORTUGUESA LITERATURA | 3 SUMARIO PCT UU a AY dsc ia RET 08, Entrevista Micheliny Verunschk, autora do prestiglado € bremiado 0 Som do Rugido da Onca, ce {ue preciso usar a medida do bom senso para nfo se fazer uma obra panfletiat 14. Gramatica ‘Armaloria das palavras em portugues ro recebe acento grafic, 0 que ro quer dizer que no seam acentuadas.Conheca dicas para resolver esse enigma 22. Debate ( poder das narrativas mostra como asceram os mitos fundadores de indmeras civiizactes 26. Literatura Brasileira {castro Alves, a vo Iria do movimiento abolicionista, usa da poesia de combate ©, com lia péstumo, denunciatragédia social Banca do Antfer 32. CAPA Velhas novidades na contramao (0 Modernismo sernore fo! contraditaria. Por isso falar desse perioao e das artes em geral desemboca fem incmeros caminnos io Basi, tomas uma via existencial, sociale politica © autraartistica e titeravia, ave podern ‘aminhar juntas, cruzarse ‘u apenas apraximar-se 40. Lingua Viva (O.Diiondri Brosieiro de Hudintson Urbano traz & cena expresses Idiomatic editas populares ove transmitem ideias de mancira completa, Indo muita além da fala e da escrita 46. Perfil ‘ coracdo itinerante de Netida Pon 50. Cabeceira Cinco rapazes na Via Ania, de Geovanl Martins 52. Sala de Aula ‘Como achar 0 fo da meadae Conquista interesse dos alunos ara a leitura ea iteratura 58. Ponto de Vista ‘O.desafio que o ensino das linguagens ‘representa tanto para os docentes ‘quanto para os alunos EDICAO 96 05. Ponto de Encontro ‘Um argumerto a tavor 30 06, Sintese Frque ar dentro dos ‘und da Uneua Portuguesa. da Eauearto 21. Acontece TTewcio, vo que aorda cetucacao finance € ‘stb gratucamente para mais de 1500 64. Estante ‘Asmovicades que estdo Chegando is raters 65. Reticéncias tari na sala aula 41 uncun porrucuesaeuTERATURA Relate ce Loria cae Ponto de Encontro Um argumento a favor do destino stévamosem 2005 ¢eutraba- __da escada de casa, assim ele pode se thava hts anosem um banco, _yestirenquanto escorrega. Calvin di: “Se Erameu segundo emprego e, ‘ocerealestivernaporta,eupossome documentos de Identiicacdo.Famoso apareniemente, sera titimo,j4 _levantar apenas trina segundos antes do _pelafalta de cuidado, os parentesbrin- ‘que meus colegastogoiriam completar _Gribusescolarchegar.” ra minhavide. _caram que eu devia ter algum parentesco ‘rinta anos de empresa. Bom salario, Efuncionaval Descobritambém uma for- com omeliante. Feu juro que nao! bons beneficios, um ambiente saudvel: ma de dormir um pouco quando ochefe Aas poucos, todos deixaram o prédio. ‘nico problema €que eutinhacerteza ia almocar,escondide emumcantinho, _Trés se aposentaram, trés foram promov- ‘de que no queria wabalhar al, determi- para recuperar as energias. 56 assim con: dos, um fol demitido, Eu me tomnel editor nado a serescritor para desesperc dos seguiacumpriro ritmo, dormindo muito _eescitor. Soube que, depois de uma meus pas. tarde, acordando cedo, estudando, \écada,o prédio onde o bancofuncionae Havia conseguide rapidamente duas Foi também nessa época que tive va oi fechado, a agéncla relocalizada. Me promogdes: a primeira, para assessorar meus primelros contatos como mercado. _perguntei o que fariam naquele imovel lum gerente, que passavaodiaaotele- editorial. Um cliente era editor, outro rade és andares, desajetado, que no fone, era timo vendedor, porém nao {afco, eeu fazia questao devisits-0s _parecia capaz de abrigar nada que nao sablasequer enviar um e-mail. NSo.estou —mensalmente, encantado em descobrir fesse um banco. Suspeltava que ele ‘exagerando: os conhecimentos de infor: 0s caminhos do iro. Perguntava tudo: _permaneceriafechado,calado, com todas matica do meu chefe se imitavam aligar eamoos ttulos eram escolhidos, como as hstérias guardadas 6 dentro, mals tum computador, e me cabia executartudo _eram publicados, como eram impressos. um dos muitos imévels desocupados ‘queeele pensava. Um ano depois, com 22 Aprendia muito buscava uma ports: da cidade com uma placa de “aluga-se” ‘anos, decdiram me promover novamen- _nidade para me dizerescitor,ansioso —_pendurada na porta. te: era minha vez de fazer as negociacoes. por publcar meu primeira lio, porém ‘Nao pensei mais naquilo até ser Buscando parecer mais velho, decid nunca disse nada. Descobrialique a convidado para ainauguracao dale deixar a batha crescer eparar de usa ‘consignagao eraum sofrimento'e que __—_vrariaLiberdade & Consciénca, em ‘ostemos domeu pal. Considere ainda _ninguémquerie se ariscarcom lteratwa _Sdo Bernardo (SP) Claro que aceltel! Incorporarum prendedorde gravata, mas brasileira. Naquela época, bom mesmo Atualmente, acelto todos os convites! logo desist, ‘@ autoajuda, Equal rao foi minha surpresa ao des- ‘Nunca trabalhel tanto quanto nessa ‘Asaga durou quatro anos.efol con- _cobrir que o enereso era justamenteo ‘paca. Chegava ced — naverdade, ‘luida com ligrimas de colegas eclien- do banco onde eu haviatrabalhado. NO ‘atrasado todos 0s dias, do vabatho ia tes — eu gosto de lembrarassim, mas ___téreo, onde ficavam os calas eletvOn- para a faculdade, depois detudo ainda acho que, de verdade,ninguém chorou. cos, agora esta um café bem servi, com lentava escreverium fomance, que termi Conserve bons amigos eGtimas hist: 6timas ops, inclusive um cappuccino nei, maselizmente nuncafoi publicado. _ias, inclusive adavezem quehouve um que recomendo, 0 cara fica no mesmo Evtinha tanto sono que adotel uma série _assalto, sem vimas, mas que conton _local onde antes estava instalada a porta de téenias para dormiralguns minutos com dois fatosinusitados:o primeira é _glrat6ra,testemunha detantas e dirias, ‘amais. Amelhordelas era seguinte: que eunopercebio que estava aconte- _discussbes. Amesa do gerente, onde ‘acordava, enflava as roupas.ecoria para cendo até que tudo estivesse terminado_ level algumas broncas (ou feedbacks, ‘trabalho. Gastavameros dez minutos (digamos que ochefe tinha saldo pare al- como se dizi), foi retirada eno lugar se entre levantar da cama e sar de casa mocar..).A segunda é que, pouca depois _Instalou um escorregadort no exatolo- Entao, chegandoa agéncia, tomava o café da saida dos assatantes, percebew'se __calonde eu trabalhava, bem onde fcava damanha, escovava os dentes, penteava que um deles hava asquecido a carter, minha mesa, est a sessdo Infantojuvenil ‘cabelo. 0 pessoal debochava, lembrava__ coms documentos, com dinheir, com onde esta a venda meu primero livro ‘deum quadrinho do Calin Haroldo no uma conta de uz, oque possibitoxa _publicado, 0 Sorriso do Ledo. ‘qualo personagem principal pedepara _polciaaparecer em sua casa menos de Para quem no acredita em destino, els ‘amie penduraro uniformene corrimio _quinze minutes ap6s a investida cine meu argumento.) LUNA PORTUGUESA UTERATURA 1 5 A QUINTA REVOLUCAO INDUSTRIAL tem eeraan preoauoacto re aparde wan cosas NOVO ENSINO MEDIO AINDA NAO MOSTROU AQUE VEIO ONbvo Ensien Miia (MEME gue connec a ser gan taco em 202 a oe sturos.do praneeo ana ja corgaora masate o momentatwtam roaraen.as em toes os stad scompromsssacos om uma farmacso mca ¢ contend que dite login com tas wansformagties Desceertio, 0 ‘que para musts ecucanoresesta senio umn de safla mstermte pia outs. wincoamene o arece panica osentemento & ae Rusia. cara nome fctioa segunda sau desen) ates sora darede esxadua! de Sao Pauia atra ae 8 professres receneram ura farmacio genée- (exe define a mgiantacto do NEM coma um ans ‘Aro pasado Wauae: coma aimed timate yo de gengrata fo: Bern complcada sobresias porque cE ato no truse nermurn 190 0 formacto especiica pra esse nove curriav. ‘Meana aescoia em que eu tranairava no teve solo vottads pura esses tnerivca. enibo cada prctessor fara que ssa ruc Le 2485 de 2097 ampia a carga noxira ce Engina Micio ce 2400 nora para 2000 reas a5 fw chs 8s anos eve ocurreWoem Couns partes conteatos cungatrn, os aus iio sto muss dviddos por sop mas por teens aa carmecenena ecra os anerarcs ta ates. urn logue de es de agratundamento © qunicaca escat tn inerdace pura aescana cs ters. A carga nariva amrgatera deve ter ate 1800 noras 8 crestarne €cestnaca 22s sunerarcs formatnies, que no ssuern smite (Oretato de Cart apones para un cess escoae sntign. mas que maxtentos de mucancas 2 ‘runuras. come @ 0 caso do Nave Enno Mécl, tomase anda mas iatenea vontane paitca as Seretaras de Lowracda dos deetores e+ cotaes © coorcenaceres pecugi cos ~ trea 08 rede pitrca quanto da partcutar- pra 0s pre 1s sereen implantation com efec se 0 NEM, sea quanguer ura ncaa Sequncno presente aa Camara 2 Eacacto Basics na Conan Racin ce Eaucaca (ONO, ‘Amine PaCS. ocietcrprecsa aoFaCAT ONDVO Cream Mico anto de seus coocenacores “Caro isn ni omneca. a gente ibe imgiantars neenuma proposta peaapiaca A gestio prec eae 80 caro para a sua camundade acaat- ‘mea Ae porave os proteseres vio Oepentee ae uma orentaca ‘vara po an aa a” APAGAO EM ‘mantenedoras do ensino_—_remunerarao insuficiente. Os numeros batemn com superior privado paulista, Fendmenos estes que no a percencBo dos levanta SALA DE AULA — umnovoestudo nroietao —_comportam solucao isolada,_ mentos realizados pela ossivel deficit de 235 mil _exigindo acbes articuladas, Conectando Saberes,ins- Jando é novidade que, cadaver mais, os ovens _-—PFofessores no ano de 2040 Oenvelhecimento dos pro-_tituicdo que reune cerca decline da carrelrade caso nada seja feito para re- fessores em atividade apa- de 900 professores e 10 professor € umalertaque, Veter oquadro atual. Esse rece claramente na pesquisa secretaries municipais. 0 de tempos em tempos, rea’ "UMeroequivale a20% das doSemesp.£ tambémes- trabalho resultante das parece, deixand claro que -atuals 22 milhdes de do- _cancaraaquedadosjovens _pesquisas tem investida CO Brasil esta agonizando ——«centes da educacdo basica _ingressantes na profissdo, em duas linnas: 0 aumento ‘quando o assunto éondme- brasileira. A queda projeta- Entre 2016 2021, todas as do repert6rio docente, ten- rode docentes dispostos a da deve-sea motivos diver-faixasetérias a partir de 40 _tando desenhar um perfil lecionar na educacdo bi- «0S: diminuicao da procura anos (40 a 49;50.a'54;55a do “educador do futuro’ € ica. 0 medo do fendmeno «dos ovens pelos cursos de 59: mais de 60 anos) tive-_propostas de saude e bem- batizado coma apagdodo- _‘licenclatura; alto indice de ram crescimenta expressive _-estar dos corpos dacente cente-afalta de professo- _desistencia da profissaa nos em seu total de professores, e discente. Alem disso, os resestampou manchetes _rimeiros anos de carreira; enquantonas trés faixas ——_—professores mostraram de jornal as vesperas do Jminente aposentadoria de mais préximas do inicio da _interesse em questdes como primeiro turno das eleicoes muitos educadores em ati-_carreira (até 24 anos; 25a _lderanca e engajamento Dresidenciais do anopassa- _vidadee baixa atratividade 29; 30.239), houve decrés-_comunitario, em especial do. Realizado pelo Institute da docéncia, fruto da pouco imo em relacdo.a seu total _apds a pandemia, de acordo Semesp, orto ligado as reconhecimento social e da anterior (ver quad). com a insttuicao. ENQUANTO ENTRE PROFESSORES DE 30 A 39 ANOS HOUVE DECRESCIMO DE 13,9% DE 2016 A 2021, A FAIXA DE 40 A.49 ANOS ENGORDOU 12,3% NO MESMO PERIODO NUMERO DE DOCENTES NUMERO DE PROFESSORES da educacd basic, por aiasetriasextremas ectucacdo sic x fais etrias & e & ; vy ¢@ ig = so a4 faa 8 i, 5! Bz 98 38 e Fo ak « We Bi gk 222 Smite ¢ g Es ka ee a & & ’ i a 2 oa z gf as go gs Be Hl emge a al on ze moms a9 moed Mam mesic ie ee ine me Cams ‘on 29ano | SSanoe Banos Sanoe Samer oomale LUNGUA PORTUGUESA LITERATURA 1 7 i" E PRECISO USAR ry MEDIDA DO. BOM SENSO PARA NAO SE FAZER UMA OBRA PANFLETARIA’ Vencedora do prémio Jabuti 2022 co! 0Som do = to i. Onca, éna vaio que se sente a vi ee its J a “tk. for te a “ rf oan or Mara Magafia “(...) aquem interessa uma compreensao linear de tempo? A quem interessa o tempo em linha reta? Com certeza nao teressa aos familiares dos desaparecidos da ditadura militar, tampouco aos povos originarios, para citar dois exemplos de temas que circulam na minha producao narrativa” la diz que é onga. que sempre foi Onca Verunschk, Mas que nio deixa de ser Micheliny. Também ¢ historiadora ¢ es- critora. Vencedora do Jabuti 2022.com O ‘Somdo Rugido da Onga, da Companhia das Letras, nna categoria romance literério, uma dasmais cobi- ‘cadas entre as 20 categorias dos eixos Literatura, Nao Fic¢30, Producao Editorial e Inovacao, 0 livro tem feito um caminho extraordinaria. A histéria de duas criancas indigenas raptadas no Brasil do século 19 ver recebendo elogios sem conta des- de seu lancamento, por ser um romance “assom- bbroso e com ferocidade animal" e por seu estilo que “fica entre a fabula e o realismo fantastico’. A saga de Micheliny Verunschk ainda representou Brasil no evento Books at Berlinale, que promove © encontro entre agentes literarios e produtores de cinema, em 14 de marco deste ano. Mas prémios nao sao novidade em sua carreira: j@ ganhou o Sto Paulo de Literatura pelo romance Nossa Teresa: vida e morte de uma santa suicida (Patud, 2014), além de ter sido duas vezes finalista do Rio de Literatura. Foi também indicada ao Prémio Portugal Telecom, hoje Oceanos, pelo livro de poesia Geografia intima do deserto (Landy, 2003), mesmo ENTREVISTA / Micheliny Verunschk ano de seu debu nas letras com O Observador e 0 ‘Nada (Bagaco), um poema longo que jé surpreende kafkaniamente no primeiro verso: 0 inseto me ob- serva’,€ com O Som.. também arrebatou o terceiro lugar no Oceanos Literatura, também em 2022. Uma trajet6ria e tanto a dessa pernambucana, filha de um militar e de uma professora de geo- grafia, nascida em Arco Verde, e que cresceu entre reisado, samba de coco, coco rafzes. Mas nio foi dessas ricas manifestacoes culturais que tirou ins- pirago para seus poemas de estreia. A época, em 2004, disse ao Jornal da Poesia: “Poesia no tem gé- nero, local, etnia ou tematica. O poeta tem de fingir que nao é ele sendo ele mesmo. Sou uma farsante’, fazendo eco aos versos de Fernando Pessoa: "0 po- eta é um fingidor/ finge tao completamente/ que chega a fingir que ¢ dor/ a dor que deveras sente’. Onga Verunschk tem no lirismo sua marca indelével, que pode ser percebido ao longo de sua obra. Além do vencedor do Jabuti 2022, vemos isso ‘em O Movimento dos Passaros (Martelo, 2020), no iniciante Geografia Intima do Deserto, e em sua mais recente obra, Desmorona ment os (Martelo, 2022), por exemplo. Talvez isso se deva ao fato de ter o habito, quando crianga, de dormir escutando poesia O resultado foi que. a0s 10 anos, ja havia escrito um punhado de poemas. Escritora proficua,além das obras jé menciona- das, Micheliny @ também a autora da trilogia for mada pelos romances Aqui, no coragdo do inferno, O peso docoraciode um homem e Oamor.esse obs- tdculo, todos publicados pela Editora Patua, além de outros cinco livros de poesia. Seu mais recente livro Desmorona ment os (Martelo, 2022), 0 qual incursiona, pela primeira vez, na categoria contos. Vocé estreia em 2004 com dois livros em grande estilo, 0 Observador e o Nada, um poema longo, e Geografia intima do Deserto, finalista do Prémio Portugal Telecom, atual Oceanos. Um feito e tanto para uma iniciante. Mais: a Unica mulher, a unica estreante, a tinica nordestina e a mais jovem entre os finalistas daquele ano. Como vocé recebeu isso e quais foram os ecos em sua trajetoria como escritora? Essa indicacao responsivel por me referenda ‘no meio literério como uma vox digna de nota, © que é, penso, algo almejado pela maioria dos estreantes em literatura, Por outro lado, & época, essa série de excegdes (nica mulher, anica nor- destina etc) parecia algo elogioso, principalmente no tratamento que a imprensa deu ao fato. Hoje sabemos 0 quanto de invisibilidade e silenciamento coletivo ha nesse tipo de prerrogativa Mas comecou bem antes, jd trabalhando com o tempo nao linear, sua caracteristica. Foi com Nossa Teresa: vida e morte de uma santa suicida, outro livro premiado, este com 0 Sao Paulo de Literatura, de 2014. Esse Jogo do tempo nao é facil, tanto para quem escreve como para quem lé. Porém, vocé 0 torna tranquilo, como se abrisse uma janela na narrativa e nés, leitores, pudéssemos trilhar junto essa trajetoria. De onde ven esse processo de escrita? Se é que vem de algum lugar... ‘Vern de uma compreensao pessoal de tempo que 6 nao linear, ou antes, em zigue-zague. A pergunta que sustenta essa outra adesio ¢ baseada em uma ‘questo politica: a quem interessa uma compreen- sto linear de tempo? A quem interessa o tempo em linha reta? Com certeza nao interessa aos familiares dos desaparecidos da ditadura militar, tampouco 208 povos originérios, para citar dois exemplos de temas que circulam na minha produgao narrativa. Claro que sua porcdo historiadora esta presente em sua obra. Em que medida? Acho que na medida certa, ou seja, no abro mao da dimensao fabulatéria naquilo que escrevo, mas uso a histéria como instrumento de construgao dos mundos que me propenho canstruit Quando deu o insight que vocé era uma escritora? Escrevia quando crianca, adolescente? Lia bastante... Fale um pouco da sua trajetoria. Aprendi a ler aos quatro anos de idade. Aos nove, dez {Asabia que seria escritora e meu pensamento era justamente o de que se les" (os escritores) podiam, eu também podia, Obviamente hi toda uma carga de onipoténcia infantil nisso, mas tive a boa estrela de nascer em uma familia que me enchia de livros ce que vibrava com meus primeitos escritos. Publico meu primeiro poema, num jornal escolar, aos dez anos. Mas s6 publique meu primeiro livre quando me senti pronta para isso, mais de vinte anos depois daquele poema. “(..) 0 que me motivou [a escrever 0 Som do Rugido da onca] foi o espanto de que criancas tenham sido raptadas em nome da ciéncia e nem a literatura, nem o jornalismo e tampouco a historiografia tenha se importado com elas” Quais sdo as dimens6es da sua obra, em sua opinido, além do resgate da historia? Nao saberei responder. Acredito que os leitores e 0s, criticos so mais bem capacitados para isso do que eu. Mas acredito que no resgato nada. As coisas, os fatos existem. Voce fala de temas dificeis, como a morte, mas impregnados de lirismo. Sua poesia tem muito do canto, desse encantamento ‘com o som das palavras. Mas nao se sujeita as facilidades da linguagem. Onde se entrelacam, nas narrativas potticas, poeta e romancista? Uma nao se dissocia da outra, embora tenham ma- tetiais e formas de trabalho diversos. A poeta, a nar- radora, a ensaista se autoalimentam. O social e a politica também sao partes indissociaveis da sua obra. Como se da esse exercicio de falar da realidade sem cair no discurso meramente panfletario? ‘Acredito que é preciso usar a medida do bom senso para nao se fazer uma obra panfletaria. E uma régua pessoal e subjetiva, mas se posso dizer algo a res- peito ¢ que o que vem em primeiro lugar & sempre a ficgdo. O meu trabalho prioriza a historia, a forma, a estética,a fabulacao. Enesse meio todo tem, também, Trilogia infernal, e aqui se encontram vozes narrativas diferentes. 0s livros tem como ambiente cidades pequenas, adolescentes e, no terceiro volume, 0 amor, esse obstdculo, que traz a cena a ditadura militar. Periodo de dores, auséncias, violéncia. Como foi o processo de criacao dessa trilogia? Os temas chegaram primeiro, os personagens e suas histérias... A trilogia foi escrita como um bloco tinico, um livro s6, Mas depois ponderei que seria mais interessante a publicagao em trés volumes, até para dialogar coma leitura predileta de Laura, a protagonista, as aventuras em quadrinhos de Tex, que tinha essa caracteristica de publicagao em fasciculos. A trilogia surge a partir de um sonho que tive déca- das atras, Esse sonho ¢ justamente a abertura do segundo volume, O peso do coragdo de umm homer. Essa, alias, ¢a historia que ¢ desenvolvida primei- ro, As outras surgem a partir dela e num momento posterior, 0 Som do Rugido da Onca, prémio Jabuti 2022, bebeu do livro Meu Destino ¢ Ser Onca, mito tupinamba recontado por ALBERTO MUSSA'. Vi em um video no qual vocé diz que ele foi muito importante, principalmente ‘no sentido de como a onca pode falar. Aponta também A Queda do Céu, do DAV! KOPENAWA’ e BRUCE ALBERT?, como a biblia brasileira. E ainda menciona 0 rastro da onea, do FELIPE SUSSEKIND‘. Como foi mergulhar nesse territorio? E por qué? Descobri ha pouco tempo que esse foi um tera que sempre me interessou, desde a infancia ou adolescéncia. Relendo meus diarios da época, fiz essa descoberta (ou redescoberta). Mas, para além desse fato, o que me motivou foi o espanto de que criangas tenham sido raptadas em nome da ciéncia enem a literatura, nem o jornalismo e tampouco a historiografia tenha se importado com elas. Entao ollivro parte desse incémodo, de uma no aceitacao da invisibilizagao dessas vidas e de sua tragédia. Por que vocé nao concorda com a citacao de que 0 Som do Rugido da Onca ¢ uma cosmovisao indigena? Primeiro porque nao sou uma escritora indigena, Depois porque ali, embora as cosmovisoes indige- ‘nas sejam um fundamento importante, fulcral, ha seu tanto de fabulacao narrativa, ENTREVISTA / Micheliny Verunschk “O lugar da autoria feminina 6, historicamente, uma conquista recente. Até o comeco do século passado mulheres tinham que se esconder sob um pseud6nimo masculino ou delegar esse lugar a pais, maridos, irmaos” Tem uma negacao da linguagem no romance que nos aproxima dando existéncia, Como isso foi trabalhado? Esse é um romance também sobre a linguagem. Sobre como a maquina colonial age pelo desapa- recimento de Iinguas e seus falantes, E também como essas linguas s50, no caso do portugués que se fala no Brasil, rios subterrdneos que se man- tém vivos ao seu modo. A inser¢ao no romance de palavras do vocabulério MIRANHA’, do NHEENGATU e mesmo de palavras inventadas tenta dar conta desse aspect, Ahistéria tem suscitado discussées sobre a questo dos povos originarios. Voce imaginava que isso fosse acontecer? Como tem sentido e trabalhado todo esse debate em torno do livro? Acho que O Som do Rugido da Onga esté inseri- do num debate maior, que nao é iniciado enem mesmo capitaneado por ele, Hé antes as reflextes do Davi Kopenawa, do AILTON KRENAK’, da ELIANE POTIGUARA’, da TRUORUA DORRICO? Ea poesia em sua obra? Qual o lugar dela? Sou escritora. Isso quer dizer que transito entre varios géneros,a poesia entre eles. A poesia é meu estar no mundo e isso diz de sua importancia den- troe fora do que podemos chamar de obra. TRAJETORIA RUMO ‘AO PERTENCIMENTO O lirismo perpassa toda a narrativa de 0 Som do Rugido da Onca, de Micheliny Verunschk. Trata-se da historia de dois jovens indigenas, um menino e ‘uma menina, raptados no Brasil do século 19, pelos exploradores Johann Baptist von Spix ¢ Carl Friedrich Philipp von Martius, que empreenderam uma ex- pedicdo ao Brasil entre 1817 e 1820 e levaram para 2 Europa oito criancas, da quais apenas as duas retratadas por Verunschk sobreviveram & travessia do Oceano Atlantico. Por pouco tempo. Batizadas de Me-e e Juri. as crianeas, arrancadas de sua terra na- tal, ganham protagonismo, e nds as acompanhamos desde a separacao de suas familias até sua morte prematura. O mais surpreendente e gritante ¢ que a autora parte de uma histéria real. O recurso estiliss tica escolhido por Verunschk a aproxima, por vezes, de Guimaraes Rosa ~ 0 neologismo é caro tanto para ela quanto para o mineiro. Com escrita fluida, 0 livro ganha ainda mais dens dade com a personagem Josefa, que mesmo vivendo ‘no Brasil dos dias atuais ainda tem sua identidade lndigena apagada. Apenas ao redescobrir a historia, de Ife-e e Juri ou Johann e Isabella, como foram denominadas ao chegarem @ Europa e de sua soli- dao na terra estrangeira ¢ que Josefa comeca a des- Cobrir suas origens. A autora recria a mundo interior de seus personagens, 0 da menina miranha ine-e © do menino Juri, condenados a mudez pelo rapto € pelo exilio. Nesse sentido, seu romance procura encontra uma resposta criativa ¢ literdria a distopia da historia. 0 relato apresenta-se come bricolassem poetica, Nas palavras da autora, “transcriacdo” de “mitos, relatos, palavras e sabedorias de povas originarios ligados a0 Brasil ea territorios vizinhas"(p. 157. O texto tam- bem apresenta palavras dos vocabulérios miranha, juri e nheengatu e outras inventadas, em delicioso eologismo. Acothe citacbes de diversas origens & procedéncias: excertos do diario de Von Martius, um documentario sobre a construcao de Belo Monte: e cde um poema de Goethe: trechos do poema “Navio Negreiro’, de Castro Alves, e de artigas de periddicos ‘alemaes e franceses do século 19, entre outros. Romance historico, contado a partir da particula- ridade da historia dessas criangas, permeadas de ‘uma densa prosa poetica, suspense e misticismo, revelando habitos populares. Uma trajetéria rumo ao pertencimento e uma obra-prima dos conhecimentos ‘dos paves originarios. Como esté vendoa cena literaria hoje, com as mulheres se inscrevendo em um CO lugar da autoria feminina ¢, historicamente, uma conquista recente. Até 0 comego do sécu- lo passado mulheres tinham que se esconder ‘sob um pseud6nimo masculino ou delegar ‘esse lugar a pais, maridos, irmaos. Uma mu- Ther que assume o seu lugar como autora é uma conquista politica individual e coletiva. Aproveito aqui para saudar as politicas pu- blicas dos tiltimos meses, que vém, por meio de editais e prémios, como o recém-langado Prémio Carolina Maria de Jesus, buscando equilibrar os pratos dessa balanga. Micheliny parece ter ficado para tras, Quando voce se descobriu Onca Verunschk? Nada fica para trés. Sou um sambaqui. E sempre ful onga. Eos proximos projetos? O préximo projeto é um romance que Jogo deve entrar em pré-venda chamado CCaminhando com os Mortos.E livros de contos. de poemas, que estio sendo amadurecidos. Sitoctare ‘Sonaeupaois ous ‘ALBERTO MUSSA ‘aroca 05 seus dos primes Wvos ator 20 Toned Raia tea, uses aban 3 cantar stra els com 2 cuituraato Drala Formado en 23. com imesradh em Lnguisica eaiado a0 estudo das lnguas afcanas alas Daraum aspecto da ston Sp Bras que fai parte ‘de suas orto oan. ‘Roar de 1296, ae 2008, presiamiea, un contato fue na verdad tbe ensinou ‘se ws progr onan -€ or sare dopa. Destito essa poesia pre-stamica teve como resutade dol. livres. Um nao planejace, 2 sau utima romance, 0 niga ae tae no final de 2004 premiado io Rina Ingo, Aimer Wisteria da Murda, OSennor (Lado Exquerte A Wotese ‘umone eA siooteca Floemter ‘2DAV! KOPENAWA Xam’ ier polten 0 ovo Yanmar aresidents ‘oa Rutukaa Associacto Yanomar tvstana tesa sos paves inganas eda Moresea amazon atm ve autor, rte, poautor ‘ural atesrarme € uma fas iderancas ineectais. otic espirituais mals ontemsoraneo ae aetesa fos paves erie, ‘omen ambiente da ‘versace cultura © 08 gees manos, acana s inernaioal Etampem auter soba {eum xomd yonomamt (orc, em coautoria com o anropdlogo frances Bruce Alper Koperawa fl um ela POA Assooacto fos funcadores, em 2004, Pavlsta de Crveos de Are), da HutukaraAssociaclo es Pemas Suspnsas ‘norman {at atlanad, coma “BRUCE ALBERT ‘raducio ce viros poemas_Antogdlog frances nasido oreisiamicos apameia ve veto para a porns ‘anhou algurs promos, ‘om Cat do Las Arica, Machado de Asis, Berea Nacional eOceanes Uma de suas principals obras Camoéeaie Neen ao Roce nero, frat wo ned tvs cm amas plas um para cada stewo da otra caries 0 Tro a Marcas fartlpau em 1078 da fundaedo da ONG Comssto Pro Yano ‘emaueconduaiy com Davi Kopenawa, Caucia Andula taro Zac uma campanta nacional © Intemacional ate abte: em 1892 a hamologacto da Terra incigona Yanan druaimente por mae ‘msrena anos. autor em arwropoinga ela Universite Pais Xnarcerre posauisadorserior do Institut de Recherche pou e Develonpement Comerou a trstanar com oe Yanemam's twp antigo fala ra giao do Alte Rio Nero, Amaia brastora om partes vinnnas da Crome Venere. Taber € {ado como um bnguagem ho Beas om 1275, fmum de comunicacta ‘4FEUPESOSSEKIND entreindigenas endo VIVEIROS DE casTRO Inaigenas entre oligenss Pralessor oo Departamento _dediferentes povos. de clncis Sains an "7 ATON ALVES LACERDA Penta Unverscace KRENAK [ale bo Rade Jair (PUCRIG), onde ceordena ‘a Laberatéra ce ees Saciaambientas Doutar em Aptrapotoga Social e mest ‘area da antrognioga {a cinca aa terete [estos multesoeces Puen em 2014.0 otro ‘izonca reloces entre humanos eanmos 0 Pantanal eras. SMIRANHAS. Crapo inigana que mits ‘mec Sods, nas ees naigenas Barrera a Miso, Mena e Miatu€ Dato io Japura na Area Ingen Cun-Cud.arbas ats cannecita come ton ronak, € um dor inczera, artientasa, sofa beta e escrito trasiere ‘wista. go movment sscicamentale ce detest os ees nakgenas, trgaizou a tanga Gor over da Floresta que ene corrunidades rserntas, e ncigenasna Amazonia Ses livres tes para cain ‘ono munaa eA ve ae, tancacos ela Compania das tars, foram pubes em mae de der teria E comedian fa rdem de Merito Cutrat (a Prescencia da Republica ro estado brasilare do outer hanoriseauso Amazonas Tambem vivem pela Universidade Federal rola fe sinas Gras e pela srmeencasy Universe Feseral de iz Também cenheciaocoma °F lipas geal lnjus esi EMANEPOTIGUARA ‘mzoriea ou Wt moderne, ‘uma tng incipena tupeauaran senda entao sce wioma tem elge na lingua tral seterional ‘ne por sua ver prove Prafessoraesctra sta emoreendedorainaieona basta Fundacora 6a Rede Grumin de Mulneres Inaigenas Fol ume das 52 byastona indeadas para 2 pret internacional Mi utneres par 9 Premio Nobel da Par: Consiserada insigena ao arasit recebeu em dezembro de Dozi a itule de deutora Conseino Universitario (Consund, érgae maximo da Universidade Federal 4o Rio de Janeira (UFR) Participou da elaboracao a Dacaraczo Universal dos Poves inaisenas! ‘ONU por seis anos nas sessbes em Gensbra Poseui sete livias publicados ‘9 TRUDRUA DORRICO Pertence ao pove Mac, asc lle Drea, Truarua gana nee Dorrica¢autera doe fexcelentes contos de €u sou eparticpau de anaioglas fama Gerocto 2010 ser ‘eamundo.€ doxtora em Literatur, tendo detenaigo ese A ovata oeens Eantemeranea no Bras autora rivoua 2 podtea ‘do end E poeta esetra. baka pescusaoo enc em arm tear concurs TamoieuF ML (Ud de Novos Escritores Incignas em 2018 ‘Asinistradora do pert ieamteresinaigonas ro stasram edo cana no YouTube Literatura naigena Contemparanea. Curadara fin Mostra de trata Inalgena no Museu do nao aru. LUNcuA PORTUGLESA €LITERATURA | 13 AMAIORIA DAS PALAVRAS EM PORTUGUES NAO RECEBE ACENTO GRAFICO, 0 QUE NAO QUER DIZER QUE NAO SEJA ACENTUADA. MAS HA DICAS PARA RESOLVER ESSE ENIGMA por Fabio Roberto Ferreira Barreto mbora no dia a dia utilizemos a E palavra acentuacao como sindnimo de acentuacdo gréfica, distinguem-se uma da outra, Efetivamente, a acentuacdo grafica corresponde a um subconjunto, que est& inserido em um conjunto maior correspondente acentuacdo no idioma; isto 6, a maioria das palavras em portugués nao recebe acento grafico. Como destrinchar esse fenémeno complexo para quem ensina e para quem aprende? LUNGUA PORTUGUESA E LITERATUR | 5 GRAMATICA / Acentuacdo e acentuacao grafica j i Para compreender tal fato linguistico, i pecs ok cece sale gal PAROXITONIA: { designam objetos de salas de aula: “LOUsa UM FENOMENO 4] carTElra, caDEIra, TEto, Piso, PORta, jaNE- la, ventilaDOR, corTIna, apagaDOR, LApis, INTERESSANTI E borRAcha, LAMpada, esTOjo, REgua, mo- Uma breve explicacao sobre 0 ‘CHila’. Ha, nas silabas em maidscula, vogais que € paroxitonia. “Estabeleceu- CAVALCANTE sonoramente do que as outras; isto é, com: acentuacao grafica: os paroxito- ‘sects ennileis nk da'eaou ne. Nos terminados em a,e eo (se- Professor. gramatico ae = eas ‘Buidos ou nao-de s), por serem os Seana eeninNS. = z ‘vocabulos mais frequentes em Emembro. ‘Tao somente trés dos dezesseis termos nossa lingua, dispensam acento Indicadar de tonica’, explica 0 listados no parégrafo anterior, entretanto, dda Academia das demandaram o emprego de acentos gréfi- Cléncias de Listoa e professor Adriano da Gama Kury, da Academia Gaiega | c0S:"LApis’ "LAMpada’, “REgua’. O que po- ‘que fo win ds alors peta daLingua Portuguese. | demos depreender de al constatacao? listas emi gramética do Pals Fela Niveneiate ce Primeiro, um ntimero maior de palavras ‘Aparoxitonia é um ferdmeno Coimbra | Com acentuacZo sem acentuacio gréfica, interessante. Ha palavras que, nesse caso, pode demonstrat como, em toda de acordo com as convengbes de GABRIEL ANTUNES @ a lingua portuguesa, prepondera o acento escrita vigentes, sao proparoxi- DEARAUJO “Tem relacio acentuacdo grafica. Segundo, tonas, mas na prondncia corren- Profesor Associado | uma tendéncia do idioma portugués & paro- te de muitos falantes do portu- ollttedoeentele™ | itonia(acentuacio das palavrasrecal sobre ies hese sare exclusivana dreade | tudona pentiltima silaba das palavras - vide [estar aiaa eee io Fiologiae Lingva | box Paroxitonia: um fen6meno interessante). mecha Portuguesa no ‘chacara’ ‘chaerinha. 0 emprego Departamento de Letras 0 diminutivo é uma estratégia Cissesse veraciss | DEMODOMAIS TECNICO de enunciacdo, dando primazia & Pap ses) paca © professor EVANILDO BECHARA’ explica pparoxitona, Ha tambem 0s casos lo Posi mesiado | que acentuaglo "é o modo de proferir urn de supressio de fonemas: “f6sfo- Universidade Estadual | 0M ou grupo de sons com mais relevo do 10" vira YOstro’, rrego: “edreo” de Campinas Doutorow | que outros, com maior intensidade’, Para E consensual entre os especialis- seem Linguistica | 9 estabelecimento de regras de acentuacao tas que a inserco de proparoxi: Fe ee verset | grafica, considera-se 0 acento verbalizado tonas tenha se dado, especial e Banos Temexnerienca | pelos falantes de portugués a partir das il breponderantemente no século fia areadetetrase | timas trés silabas de cada palavra. 16. Segundo estudos sérios, Lingus com enase apecificando, con ari enskia We ‘como 0 do pesquisador Gabriel eminguePortevess | a icsdor GABRIEL AMTOMES BE ARADN, “basica Antunes Araujo, a insercao tardia {de proparoxitonos no idioma, posteriormente as mudancas fonoldgicas que alteraram a pos cao do acento das palavras - na porincioalmente nos | mente, as palavras em portugués podem ser seeuintes temas: | QX{TONAS, PAROXITONAS e PROPAROX!- portugues no Brasit 5 enadttica tenoiveig | TONAS, ou seja, o acento pode cair na dlti- emorfologia | mana pendltima ou na antepeniiltima sila- pasha enti para a soiupomuanes | ba, respectivamente, contando-se da direita ko-portueues, ajuda a explicar linguas stricanas | -PAPA@ esquerda’(grifos e caixa alta nossos), por que termos acentuados na (uinguas cious de Portanto, essa terminologia é © que rege antepeniltima sflaba s4o, recor- base portuguesae | a classificacdo segundo a tonicidade e. por rentemente, pronunciadas com o Loe eee | conseguinte,as regras de emprego do acento acento na paroxitona ‘estrangeira elinguas | Bt&fico, no subconjunto do conjunto maior indigenas brasileiras. (de palavras acentuadas). 161 noua Porrucuess € uteRaTuRA “O professor Evanildo Bechara explica que acentuacao ‘é oO modo de proferir um som ou grupo de sons com mais relevo do que outros, com maior intensidade’. Para o estabelecimento de regras de acentuacao grafica, considera-se 0 acento verbalizado pelos falantes de portugués a partir das Ultimas trés silabas de cada palavra” DICAS PARAUTILIZAR OACENTOGRAFICO grificos, adoto aqui uma abordagem di bem particular (vide box O que ainda vale). Para escrever com proficiéncia, conforme as regras de convengéo ortografica, em aproxi- ‘madamente setenta por cento das palavras do idioma, basta seguir a primeira dica: as demais complementam os outros trinta por cento: 1¥*-Palavras terminadas (bem comomonos- silabas) em a(s),e(5) eof), abertas ou fechadas: a) Se tOnicas, sdo oxitonas, portanto rece- bem sempre acento grafico: ‘esTA esTAS, JA, oLA DE. LE. aTE, ES, oLE, voCE, pontaPE(s) aVO(s), dominNO{s), paleTO(s). SO(s)”. ‘As regras de acentuagio grifica em vigén- cia nos paises que utilizam a lingua portugue- ‘sa como oficial esto estabelecidas pelo Acor- do Ortogréfico de 1990: Da Base 8 & Base 14, in- cluindo 0 abolido trema (*) (para quem quiser consultar, compartilho link de arquivo dispo- nibilizado pela ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS? De modo que nao seja apenas uma opor tunidade de recapitulagao e/ou apreensio primeira do contesido relacionado aos acentos Essa regra vale também para as formas vverbais oxitonas, quando conjugadas com os ppronomes la(s)e lo(s): aviSAvla,receBE-Los. ») Se ditonas, precedidas por uma silaba ténica, so paroxitonas, jamais recebem acento grafico: "BOla, aMOras, DENte, CHE ques, esTOjo, tiJOlos. Vale registrar que, ‘em geral, o acento na peniiltima silaba € © padrac™, como assinala Gabriel Antunes Araijo. 28 ~ Palavras terminadas com ditongos nnasais em e com ditongos abertos €i, éu ou 6i quando oxitonas recebem acento grafico: tamBEM, CEM, reFEM (as formas da tercei- ra pessoa do plural dos verbos ter e vir que. or apresentarem vogais fechadas, receber circunflexo), an£S, chaPEUS, corROL 3° - Palavras cujo acento recaia na ante- pentltima, classificadas como proparoxito- nas, S40 sempre acentuadas graficamente: Sao palavras introduzidas durante o periodo Classico na Lingua Portuguesa diretamente do Latim, tendo pronincia diferenciada.e, por essa razio, acento gréfico. Proparoxitonas aparentes recebem acentuagio gréfica em razio de constituirem ditongos crescentes (vide box Proparoxitonas reais e aparentes) 49 ~ Paroxitonas acentuadas graficamen- te, Em alguns casos, existe a necessidade de acentuar a paroxitona para garantir que 0 leltor nao se equivoque em relagao & prontin- ia a qual.sem acento grafico fcaria fortena tiktima): a(S, 20(8). is), om. ons, um, uns, us, L nos rex. Orfa(s), érgao(s) joquels). lapis, andor, fon(s), album, albuns, Vénus, ttl, hie fen, biceps, martir, Félix. 5*~ Til, Marca a nasalidade das vogais a © 0: afa, co, paozinho, pde(m), Notem que 0 til (2 6 empregado com outros acentos gré- ficos na mesma palavra quando necessario (os dois primeiros, por exemplo, da dica ante- rior): “orf, “orgao" 6 ~ Hiato, Acentuam-se graficamente as vogais i e u que constituem segundo ele- ‘mento de hiato, nao seguidas del m.n. nh = nao recebem acento grafico: Raul, Caim, ruins, rainha, ruir julz recebem; pais, satide, atraila, bad, Piaus, Excegao: quando o hiato for precedido de ditongo~feiura, baiuca.. LINGUA PORTUGUESA ELTERATURA | 17 GRAMATICA / Acentuacdo e acentuacao grafica ‘7 = Diferencial: p6r (verbo para diferen- iar de preposicao}: péde (para diferenciar pretérito perfeito de presente). CRASE A crase € a fusao de dois fonemas vocali- os idénticos em uma s6 vogal. No portugués atual, ha o craseamento de dois as, sinalizado pelo emprego do sinal grave (*). ‘No enunciado “vou 3 padaria’, por exem- plo, hd a necessidade de utilizar a preposigo ;afinal, quem vai, vaiaalgum lugar. Na sequ- éncia, nessa mesma frase, exige-se oemprego de um outro a, que, nesse caso, é um artigo definido feminino, antecedendo/acompa- mhando o substantivo feminino “padaria’ ‘A classe gramatical mais frequente de a empregado, em ocorréncias de crase, é 0 arti- go ferninino; como verificaremos, entretanto, além dessa fuséo, hé possibilidade de outros 4s fundidos com tal preposicéo. conforme ta- bela a seguir. "Vestiu-se a cowboy" (Vestiurse a + a moda cowboy) "A Secretaria atende das 18 as 19h!" (as 18 horas + as até - 19 horas") “Cheguel as 20h30" (Chegou a + determinadas horas) "Ful aquela cidade” (Foia + aquela) *Se usar a preposicao /de/ com numeros, nao haver ‘mais subentendimento de palavra feminina: "De 18h (ate) as 19 horas" \Vale ressaltar 0 uso de erase ‘em locueses adverbais com ‘termos ferininos: as vezes, 4s pressas, a medida que. 181 noua Porrucuess € ureRaTURA A gramatica histérica nos ensina que, no @ MARCOS BAGNO decorrer dos séculos, a crase se fez presente na formacio das palavras. Observe alguns exem- pos extraidos de ndo é errado falar assim: Pee ee Colore coor cor Colubra_Coobra Cobra Gredere Creer Crer Dolu Door Dor Pede Pee Pe Imagina alguém gritando ‘olha a cobra" nna tradicional quadrilha, em festejos juninos! ‘Odobramento de és causaria estranheza e en- dossaria ainda mais a fala seguinte: °é menti- ta’yafinal nem haveria animal rastejante tam- Pouco prontincia/grafia existente. Mais duas: “se creer em Deus a door vai passar’. Padres € pastores talvez. constituam as excecdes de quem iria gostar se tais palavras assim fossern escritas/faladas. © professor MARCOS BAGNO! lembra que o “fendmeno continua vivo na lingua viva de hhoje’. Bagno ilustra com alguns exemplos: “alcodlico’, embora seja, segundo as regras de convencao escrita, grafada com dois ds, é geral- ‘mente pronunciada pelos falantes brasileiros de todas as regides (idades, escolaridade etc) com um 6 apenas; “alcélico’; 0 mesmo ocorre ‘com “cooperar’, que, na boca do pove, fica “cor perar’, Outro exemplo: “Caatings’ assim escri- ta por exemple. é ‘catings’, quando falada. ASPECTOS SEMANTICOS © professor WALDEMAR FERREIRA NETTOS, da Universidade de So Paulo (USP), lembra que “oritmo da frase seja uma sucesso entre sila- bbas acentuadas e silabas ndo acentuadas’, das quais haja preponderdncia daquelas que ndo exigem o emprego de acentos gréficos. ‘A utilizagao do acento grafico altera consi- deravelmente o sentido de uma palavra. Sem acento gréfico, a paroxitona “para” 6, muitas vvezes, uma preposicdo, que conecta palavras (‘trouxe suco para voc) e oragées (levante a ‘mo para falar’) alias, para’ também funciona ‘como verbo (para, meu amigo”. Professor, doutor em filologa linguista e eseritor brasileiro, Importante intelectual € professor da Universidade de Brasilia com inumeras publicacoes sobre a lingua falada no Pais. WALDEMAR FERREIRA NETTO Mestre e doutor em Lingufstica na rea ‘de educacao escolar Indigena euarari jrola Universidade ‘te S40 Pauio (USP) e livredocente sobre aprosédia da lingua portuguesa na mesma universidade ‘Atualmente 6 nratossor titular da USP. Adespeito dea classificacao utizada ro texto obedecer & framatica normativa, ‘ompactuo com os ensinamentos da professora Maria Helena Maura Neves, que ressalta ser necessério obsorvar a Tuncdo” que a palavra exerce na enunciacdo. Assim, apenas para exemplificar. a partir ido termo “sabia em “Eaite ¢ sabia’, 0 termo funciona como activo, ema sabia slencia diante de ibe, todavia, designa um ser, isto faz a papel de um substantivo. : essa maxima é, também, apli- cavel aos acentos graficos. Nao empregar ‘esse recurso em paroxitonas terminadas em 1, © €0 (seguidos ou nao de s), que consti- tuem a maioria das palavras da lingua portu- guesa. Talvez 0 maior exemplo que se pode oferecer para defender que o principio geral ‘das normas de conven¢ao de escrita ¢ simpli ficar a vida de quem usa o idioma. Em 197, fol “abolido™ 0 “acento circunflexo liferencial na letra ee na letrao em palavras homografas de outras que sao abertas a letra 2 € 0, excecao feita da forma pode" (Lei 5765, de 18 de dezembro de 1971). Em outras pala- ‘vras, escrevia-se “le” e sobre’ com circun- flexo, para demonstrar aos falantes da lingua ‘que se deveria pronunciar com o fechado. ‘Como o falante de portugues, desde a aqui- ico da linguagem, nao se equivoca ao falar tais palavras (ninguém pronuncia com vogais abertas esses termos), 0 uso do acento grafi- co nao ajudava. Alias, para o ensino-aprendi- Zagem, na verdade, $6 atrapalhava, A despeito de essa mudanga ter ocorrido 52 anos atrds, quem nunca viu um andncio {de venda de “cOco" (com 0 acento grafico) recentemente? Em 1990, fol aprovado um Acordo Ortografica entre Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Mo- ‘cambique e Sao Tomé e Principe, que vinha sendo articulado desde 1986, No Brasil, s6 em 1? de janeiro de 2016 passou a vigorar (nesse lapso temporal, vale ressaltar, 0 Timor Leste torna-se independente e. assim como Guiné Equatorial, passa a ser signatério do acordo (totalizando nove paises). Por se tratar de uma mudanca mais recente ‘ainda, frequentemente alguns acentos erafi- cos abolidos aparecem nas escritas. O acento agudo em palavras como “ideia’jiboia’ nao é mais necessario: todavia, muitos ainda escre- vem “ieia"e “iboia” Alguns acentos diferen- clais. nao mais obrigatorios, como em ‘parat (verbo) aparecem: “para” ‘Uma vez que nenhum falante de portugues confunde a pronancia dee ear abertos {das paroxitonas, a eliminacdo do acento eraft- co foi bem-vinda. Do mesmo modo, o contex- to da enunciacao basta para o falante reco- nhecer quando para é verbo ou preposicéo. Revistar 0 Acordo Ortografico, com alguma frequéncia, é a melhor recomendacso. “Autilizagado do acento grafico altera consideravelmente o sentido de uma palavra. Sem acento grafico, a paroxitona ‘para’ 6, muitas vezes, uma preposicao, que conecta palavras (‘trouxe suco para vocé) e oracées (‘levante a mao para falar); alias, ‘para’ também funciona como verbo (‘para, meu amigo)” Com acento grafico, porém, as mesmas letras, na mesma sequéncia, formam outra palavra, uma oxitona: "Paré’, um substantivo préprio, que desig- nauma Unidade Federativa do Pais: ainda, pode ser uma representacao gréfica de uma forma oraliza~ da do verbo “parar’ (ele fal6 pra pard’) (vide box Os abolidos: menos é mais), Um trava-lingua (ou uma de suas versées) ex- plora,de forma lidica, os diferentes acentose senti- dos de uma sequéncia de letras (S-A-B-I-A}."O sabi nfo sabia que o sdbio sabia que o sabia nao sabia assobiar’ © professor Evanildo Bechara, em Grarnética escolar da Lingua Portuguesa, explana sobre a im= portdncia do acento para a produgao de sentidos. Bechara aproveita a oportunidade que ha para de- monstrar que a posi¢ao do acento (e do acento gré- fico) promove nao apenas a mudanca de sentidos, mas, efetivamente, aalteragio de classe de palavras. AU SABIA Ur Oxitona Paroxitona Proparoxitona ‘Substantivo Verbo Agjetivo “0 sabia gorieia” ‘Va sabia é sabia” (Wide box Proparoxitonas reais e aparentes ) LUNGUA PORTUGUESA ELTERATURA | GRAMATICA / Acentuacdo e acentuacao grafica “Aparoxitonia é um fendmeno interessante. Ha palavras que, de acordo com as convencées de escrita vigentes, sdo proparoxitonas, mas na pronuncia corrente de muitos falantes do portugués brasileiro sao reduzidas a paroxitonas: ‘abobora’ vira ‘abobrinha; ‘cécegas, ‘cosquinha:; ‘chacara,, ‘chacrinha” Algo semelhante ocorre em outros ca- sos. Vamos exemplificar apenas dois: 1) ‘de~ niincia” versus “denuncia’:a primeira pala- vra 6 um substantivo, um proparoxitono; a outra, por causa de acento distinto (ndo demandando, segundo as regras, o acento sgrfico), é um verbo, um paroxitono: 2) Af" versus“a':0 primeiro termo ¢ um advérbio, ‘um hiato, razdo pela qual o acento gréfico se faz necessério; 0 segundo, uma interjel- 0, um ditongo - outro acento, portanto = dispensando 0 uso de recurso grafico. PROPAROXITONAS REAIS E APARENTES Proparoxitonas reais so as palavras cuja segmentacdo tem o acento ‘na antepentitima silaba: “énibus’ “lampada’ ete. Proparoxitanas ana- rentes sao as que tem uma segmentacao oscilante em ditongo cres- Cente, como em: “gloria”, "série", em casos como esses existe a dupla possibilidade de se articular a palavra (elo-ri.a'e “gloria “sesrie?. 201 incu PORTUGUESA EUTEsATURA OQUE AINDA VALE ® acupo 4& CIRCUNFLEXO Ae TIL “A GRAVE (0 emprego de acentuacdo erafica recai sempre sobre as vogais em portugues. Francisco Silveira Bue- 'no, que foi um dos principais gra- ‘maticos do Brasil, oferece explica- ‘c0es acerca dos acentos graficos, em 1942, que ainda sao validas: ‘Agudo: para abrir o som da vogal Circunflexo: para fechar (o'som da voeal Tik para dar a vogal o som nasal. Grave: coloca-se nas crases. Pore A contece Estudantes de escolas ublicas recebem o livro iburcio gratuitamente Obra aborda educacdo financeira e pode ser obtido também em audiolivro livre Tbdrcio (Girassol Brasil EdicSes), que trata de educacao financeira para criancas, acaba de serrelancado com uma versao adicional ‘em audiolivro e que, por meio de aco social, ‘2st sendo distibuldo para mais de 1.500 criancas de 12 escolas pablicas e organizacSes que oferecem educacao, cultura e esporte no contraturno escolar. Agbra, de Marina Gonzales e ilustrada por Veridiana Scarpell, ¢ uma edic3o atualizada, com audiolivo e audiodescriga0 das ilustra- (Bes, Além da distibuiggo gratuita em escolas e inst (Bes socials, seré vendida nas principaislivarias do Pats. “Elaborel este projeto pensando principalmente em ‘ansformé-lo em uma a¢do social, para democratizar ‘.acesso de crlancas de balxa tenda ao liveo infantil de qualidade. Para muitas criancas, Tibdrcio foi o primeiro livro que ganhou na vida, © que me emocionou demas, considerando que 30% dos brasileiros nunca compraram um livro. Penso ser fundamental estimular a educacao financeira ea reflexso sobre 0 que o dinheiro compra e nao compra, consumo, poupanga e valores comoa amizade e 0 cuidado, Acredito que oferecer eventos gratuitos nas es: olas pdblicas que associam olivro a momentos alegres ¢ ‘memoraveis, onde a crianca se sente prestigiada, faz toda a diferenca na formacdo de uma pessoa. Ea acessibilida- de do tivro infantil para os deficientes visuals e auditivos deveria ser mais praticada nas publicacbes. Percebi que é ouco diante de tanta caréncia, mas acredito que, dessa forma, podemos fomentaro interesse e apreco pelos livros e pela cultura brasileira”, afrma Marina Gonzales. QUEM ETIBURCIO? Tibircio e um animalzinho de estimagio. Afinal, quem no gosta de ter um cachorro, gato ou peixinho? Se bem ue Tibarcio 6 um pouco maior: ele € um burro! A partir de rimas e ilustracbes inspiradas na arte do cordel bra- silelro, Gonzalez ea ilustradora Veridiana Scarpelll falam ‘Sobre a amizade entre o burro e seu dono, Trabalhador e ‘companheio, Tibicio vivia bem tranquilo em um sitio cer- ado de verde. Seu dono culdava muito bem dele e sabia ‘que o burro era um amigo, mas...um dia a situacao aper- tou ea dinica solugao que ele encontrou fol vendé-lo em um lellZo.. 0 objetivo fol alcancado: consegulu um bom dinheiro, mas nda demorou a sentir aquele vazio no peito, uma grande saudade, Como resolver esse impasse? Baseado em relatos reais e ambiente rural, 0 livro pro- cura deixar claro que o dinheiro é bom, mas nao compra tudo, estimulando, assim, a construgdo de valores dura- douros, como amizade e espeito. A obra mostra que des- de cedo é passivel caro habito da responsabilidade so bre o que acontece conasco e com o mundo que nos cerea. De maneira leve e natural, o livro Tibircio detxa claro, ‘a0 longo de sua hist6ria, aimportancia de culdarmos de nossa vida no todo, inclusive com o mundo que nos cerca: tomar contato e culdar do dinheiro, das pessoas e das amizades, de suas prdprias coisas, dos bichos de estima: (Bo. Nesse sentido, a obra trabalha diversas habilidades, tals como: reflexdo sobre nossas a¢Ses antes de tomarmos decisbes precipitadas (das quais podemos nos arrepender futuramente), habilidades de linguagem (na ampliacao do vvocabulétio com palavras pouco conhecidas nessa falxa etéria, como “lelldo”, “testo”, “orcamento”, “pelejar”, “aliado”, entre outras), habilidade légico- -matematica, habllidades relativas as cién- Lok do ias naturais (na caracterizacao do animal), susie habilidades relativas as ciéncias humanas sues (ho que se refere a geografia)e, principal- fer lect cestcrearete ee perebendo as dlerenas nd come cont to, mas como diversidade e oportunidade de crescimento. incu PorTucuesa €LTERATURA | 24 DEBATE / Realidades imaginadas 0 PODER DAS | NARRATIVAS ,, jj Combinando o realidade e ficcdo na ~ imaginacao humana, formulamos hipéteses sobre 0 mundo vivido e compartilhamos visées de mundo multiplas e variadas. Assim nasceram os mitos fundadores de inumeras civilizacées Por Abrahao Costa de Freitas 22 UNGUA PORTUGUESA EUTERATURA ontar e ouvir histérias ¢ uma das principais habilidades do ser hu- mano. E, muito provavelmente, um dos principais elementos respon- siveis por nosso sucesso como espécie. £ por ‘meio delas que criamos e recriamos a realida- de que nos rodeia, dando um novo sentido nossa existéncia, Para estudiosos como o israelense YUVAL ARARP. nosso dominio sobre o mundo se deve, sobretudo, & nossa linguagem Gnica. Gragas a ela podemos produzir, armazenar e comunicar uma quantidade extraordindria de informa: gdesa respeito do que existeem nosso entorno, Devido as habilidades linguisticas proprias de nossa espécie, operamos uma REVOLUCAG COGNITIVA? que nos permitiu, entre outras coi- sas, contar historias e através delas transmitir conhecimentos valores fundamentais para nossa sobrevivéncia, Contando histérias, descobrimos novas formas de ler e interpretar o mundo & nossa volta. assim reinventamos a realidade, dando ‘uma nova percepeao sobre nossa existéncia. Como atividade discursiva, a criagéo de historias ¢ um processo de interacao com a lin- guagem, possibilitando trabalharmos simul- taneamente a oralidade, a escrita. a leitura e 0 didlogo com outros textos ¢ outras realidades. Inventando narrativas, formulamos hi- péteses sobre o MUNDO VIVIDO? e compartilha- ‘mos visbes de mundo miltiplas e variadas. Os MITOS FUNDADORES' de iniimeras civilizagées nasceram dessa capacidade que temos para compartilhar experiéncias de vida utilizando as narrativas. Definida por parametros sociais muito bem estabelecidos, 0 ato de contar historias é uma atividade comunicativa complexa, produrida em lugares sociais distintos e determinada por relagbes interpessoais igualmente diversas. ‘As operagbes linguisticas, pelas quais cons- truimos nossas narrativas sobre a realidade que nos rodeia, viabilizam ndo apenas a cria- ‘Gio de MITOS PARTILHADOS*, mas também acons- trugdo de relacdes de poder e dominacao cada vvez mais hierarquizadas. AFORCADA FCCAG. Acconstrucao da significa- 40 para o mundo que nos rodeia é um processo no ‘ual vamos ajustando os significados das coisas aos conceitos predominantes ‘em nosso grupo cultural, social e linguistico, Essa construcdo compar- tithada de sentido para 0 mundo e as coisas é um fenomeno do pensamento ‘gue nos permite dar senti- do as palavras e as coisas, transformando sons e imagens em abjetos de so afetivo € pessoal Fenomeno ideoldgico por exceléncia, 0 ato de tradu- zir a realidade em palavras Permite criarmos historias nas quais o mundo se transforma, redefinindo os limites de nossa realidade, Todas as esferas da ati- vidade humana. de uma forma ou de outra, sdo afetadas pelo uso que fazemos da linguagem. & por meio dela que criamos as ficcbes que dao sentido A nossa existéncia social e historica. As historias que as pes- soas inventam e contam ‘umas as outras foram responsaveis pela criacao de muitas das instituicoes, ‘que hoje dao suporte a nossa civilizago, pos- sibilitanda a vida em sociedad. Foi inventando historias que criamos ficedes como o dinheiro, 1 estados nacionals a pessoa juridica Fora das historias que ‘as pessoas inventam & contam umas as outras, no existem coisas como leis, justica, deuses ou direitos humanos. Todas elas sao, como adverte 0 historiador Yuval Harari, “mitos partilhados que s6 ‘existem na imaginacao coletiva das pessoas’. ‘As realidades imaginadas Pr esses mitos criam ‘uma intricada rede de narrativas canazes de nos cconvencer de que ficcbes ‘como marcas, dinheiro e pessoas juridicas realmen- te existem, A capacidade de imaginar e contar historias faz com ‘que nossa existencia tran- site entre duas realidades: a realidade objetiva dos Flos, arvores e animais e a realidade imaginada dos ‘deuses, nacdes e botsas de valores. Actiaglo de narrativas facilitou a inven- @o coletiva de coisas que existem apenasem nossa imaginaclo, mas que, de uma forma ou de outra, dao sentido a nossa existéncia, Sem a existéncia da ficcao, nossa realida- de sociocultural, muito provavelmente. seria bem diferente e nossas relacdes pessoais e afetivas perderiam o sentido que tém (ver box A fora da fiecao) LUN PORTUGUESA E LTERATURA | 23 DEBATE / Realidades imaginadas ERA UMA VEZ ‘A capacidade humana de criar REALIDADES IMA- GGINADAS*utilizando narrativas ajuda-nos a interagir com ooutroem ambientes tao distintos quanto um bbotequim ou uma sala de aula, AAs incontaveis formas que as narrativas podem assumir quando se conta uma histéria produzem efeitos inimaginaveis em quem as contae em quem asouve. Mitos,orientagdes ideol6gicas e concepcbes de mundo transmitidos por elas aproximam as pes- soas e ajudam na construgo do senso de perten- cimento a um determinado grupo ou comunidade. Saber combinar as palavras em expresséescom- plexas capazes de dar novo significado a tudo a nos- sa volta ajudou-nos nao apenas a criar ficgbes, mas também a fazer com que a5 pessoas acreditassem nelas. Isso levou a um sistema de colaboracdo social jamais visto em nenhuma outra espécie do planeta. Unidas pela crenga em um mesmo objetivo, as pessoas conseguiram dar sentido a um sem-nimero de mitos e faibulas e colaborar com as outras de ma- nea eficaz, mesmo que elas fossem completamente estranhas Compreender as vozes presentes nas narrativas do passado &assumir com relacdo a elas uma atitude responsiva e ativa que pode proporcionar uma nova azo aquilo que cada uma delas nos dize ensina. A diversidade de experiéncias, saberes e conhecimen- tos que elas trazem consigo nao pode ser despreza- dda. Até porque, como sujeitos histéricos e concretos ‘que somos, ndo podemos nos esquecer daquilo que nos ensina BAKHTIN’ quando afirma gue “a compre- ensdo de uma fala viva é sempre acompanhada de ‘uma atitude responsiva ativa’ A imensa diversidade de realidades imaginadas fabricadas em nossas narrativas permitiu que nés cridssemos aquilo que hoje chamamos de cultura, alterando o cotidiano e o modo de vida de um gran- de mtimero de pessoas (Ver box Ordem imaginada). Parte considerével daquilo que nos faz ser quem somos nos foi ensinado nas hist6rias que ouvimos desde a época em que ainda éramos criangas. Sem elas, nossos costumes, comportamentos ¢ experién- cias de vida seriam bem diferentes. Em um ambiente sem ficgdo. a nossa linguagem também seria fortemente afetada e teriamos uma dificuldade imensa para decifrar o mundo do pen- samento, da crenca edo sentimento, ‘Acapacidade de criar iccao nos ajuda a apreen- der a inguagem em um nivel de elaboracao e sofis- 24 UNGUA PORTUGUESA LITERATURA ticagao que nos permite criar variadas formas de leitura,escrita e apropriacao do texto. ‘dominio da inguagem que permitiuelaborar- ‘mos realidades imaginadas também possibilitou a criagdo das artes, das ciéncias e da filosofia. Inven- ‘tando e reinventando o mundo por meio de nossas narrativas, conseguimos produzir nao apenas cul tura, mas também uma realidade social que nos transformou em algo mais que simples animais. Pn ORDEM IMAGINADA ‘Quando falamos de fic¢do, temos que reconhecer que 0 mundo da crenca e do pensamento é muito mais dificil de se decifrar do que o mundo material, real e concreto, Os fentmenas, seres e eventos da realidade abjetiva nao dependem da consciéncia ou das crengas humanas para existirem. As MITOCONDRIAS®, os RAIOS GAMA" a RADIOATIVIDADE® existem independentemente de acreditarmos ou nao neles. E no adianta espernear nem esbravejar que eles nao deixarao de existir apenas por- ‘ue eu ou vocé nao acreditamos neles. No mundo imaginad, no entanto, a realidade é bem diferente. Tudo aquilo que se inventa, cria ou produz de~ bende da consciéncia de um unico individuo para existi. E assim damos vida aquele amigo imaginario que tinha- ‘mos aos trés anos de idade ou aquele ser etérea que avistamos todas as noites entre as macegas do quintal Mas as crencas, as seres e as mitas que pavoam essa ordem imaginada intima, particular e privada também podem ser compartilhados, passando a habitar 0 mundo Subjetivo de muitas outras pessoas. Cria-se, assim, um mundo intersubjetivo que, embora possa subsistir durante anos ou até séculos, a qualquer momento podera nao mais existir se a maioria das pes- ssoas deixar de acreditar nele ou, em casos extremos, se todas as pessoas que acreditam nele morrerem. Foi o ue aconteceu com as divindades astecas e as deuses lgregos da Antiguidade classica, Pode parecer loucura, mas boa parte das forgas mais importantes da nossa historia ~ como leis, deuses, di- niheiro e nacdes ~ sao criacdes dessa ordem imaginada e intersubjetiva. Como se pode ver, nosso poder de criar e recriar narra tivas vai muito alem dos causos de assombracao e das, HISTORIAS DA CAROCHINHA®. Por isso, € importante comareender as realidades que elas fabricam e qual o papel e a importancia dessas realidades fabricadas em nosso mundo social, INSTRUMENTO DE ENSINOE APRENDIZAGEM ‘As narrativas de ficedo e mistério sempre fizeram parte de nosso IMAGINARIOY desde a 6poca em que ainda éramos CACADORES COLE- ToRES* perambulando nos descampados das savanas africanas. Talvez por isso, os GRIOS* afticanos e os ‘RAPSODOS" gregos as utilizavam como podero- sos instrumentos de ensino e aprendizagem, dando a quem as ouvia a oportunidade de co- rnhecer e vivenciar algo diferente daquilo que ja viviame experienciavam, Nossos gostos, curiosidades e preferéncias so construidos no trajeto que fazemos entre a meméria e a imaginacao. E percorrendo os caminhos da imaginagdo que resgatamos 0 que ha de mais significativo em nossa memo ria, atribuindo um novo sentido as experién- cias vividas. E disso que fala ITALO CALVINO quando diz, que “0 verdadeiro conhecimento esté na ex- perimentagao de saberes, feita de meméria e Jimaginagao ao mesmo tempo". Como atividade dirigida a interlocutores das mais variadas origens e procedéncias. 0 ato de contar histérias ¢ uma das praticas pe- dagogicas mais antigas de nossa jomada Sob essa perspectiva, trazer antigos mitos, contos, lendas e fabulas para o espaco da sala de aula, incorporando-os asnossas priticas de leitura e escrita, pode ajudar na formagao de alunos e alunas criticos e questionadores. Tambem ¢ uma excelente oportunidade ppara resgatar géneros da oralidade, como © "causo’, a piada, a parlenda, o esquete, 0 stand-up, transformando-os em ferramentas pedagégicas divertidas e eficazes. Occontato com narrativas produzidas em diferentes géneros e situagdes comunicati- vvas contribui nao apenas para a formagao do gosto pela leitura, mas também para a cons- trugdo de um sentido para aquilo que se8. Mudar a relagdo que se tem com o texto ajuda a desenvolver as capacidades fisica, afetiva e cognitiva das pessoas e melhora as relages interpessoais dentro e fora da sala aula, possibilitando a insergao ética, social e estética de alunos e alunas envolvidos nas atividades propostas. ‘Mais ainda, faz com que tals alunos ealu- nas desenvolvam um nivel de criatividade, autonomia e senso critico acima da média, contribuindo para que se vejam e se assu- mam como sujeito de direitos. As diferentes situacdes de produglo, re- produgio e recepcdo dos géneros a serem trabalhados podem proporcionar um novo significado & criagio de histérias e transfor- mar a produgao de narrativas em uma im- portante ferramenta de ensino e aprendiza- ‘gem, como ja foi no passado. /P REFERENCIAS: BIBLIOGRAFICAS. HYPERLINKS. “YUVAL NOAH HARARI ‘racine Sud obr-onma, “4 MITOS FUNDADORES. regan Se sero, cue Sooene- Ua Brave avs eos deals are Histor oa Humanist, ‘5 MITOS PARTILHADOS cmsigrovocomaum sos Sea ranatvascone a persagores mals trinantes jst bea da crac, tis atatdace ‘2REVOLUGAO COGNITIVE Nome dadpa0 suvaenenca ous tos naconaltas te vas tors ‘iano uid 3 estcie fe exatncia ‘a Munoo viviog Mundo da ares os Estas mocernos, ‘eocie a canada. sr ‘de modo verstpl em gran ‘GREALIDADES INAGINADAS Realdades fel ave nds “TMIKHAIL MIKHAILOVICH ‘BAKHTIN (1895-1975) Pesquisador pensar oso e tere Fo! uma {as heures mas mgrtantes bara aston e evetcto a nauager humana Sias fas celas excariontes € siRAIOS GAMA Toa de adacso Teolas elo mundo até noe. Lewomagneica de ata SS IMAGINARIO Iroqutnen produce (Conjunto de sibs, feraenae or ements Imagiacio eum un08e 4 RAIOATIVIDADE “SCAcADOR coLETOR Propiedade au alguns noleos atic posuen Faiaco setromagnetica ido nla caca de armas 3 STOMIAS A Seeger — EAROCMNA sivestes Expresso uslzaca para “0 MITOCONORIAS negara vlad alga Organelecelares ‘nea radicona ou uma Julgaros nic Fer enti, ‘wens Trasiclo oral africana 05 ls sta meses porcagoes Se saterese fazeres da “SRAPSODOS cue. amiga Gril ie dade em cade retando ‘SITALOCALVINO (9231988) ertortalanonatelso sr Cha aur de tres em Oana InensteteeOVsconde Porta oovi, obras ae o cnsegraram cro talanes o ea 20 LUNcua PORTUGUESA E UTERATURA | 25 LITERATURA BRASILEIRA / Castro Alves Avoz lirica do movimento abolicionista usa da poesia de combate e, com livro péstumo, denuncia tragédia social Por Juarez Donizeti Ambires lirica de Castro Alves € das mais bonitas que temos em nossa litera- tura. Diga-se, também, acerca dela, que a ler é lidar com um contetido variado que, gracas & escrita do poeta, amplia~ Se, acontece com beleza e linguagem muito apropriada. Em um passo a passo, afirmamos que a lirica do baiano trata do amor, e isso ele © faz como muitos outros. © poeta age, en- tretanto, com um potencial tinico, proprio de gente jover e talentosa, cuja vitalidade mui- ta vez se denuncia em forte sensualidade. Na escrita que acontece, a mesma sensualidade € ‘movimento, alegria contagiante de viver. Em linha ascendente, poucos o precedem no mes- ‘mo potencial. Antes de Castro Alves, neste diapasio nossa leitura encontra poetas portu- ‘gueses, Em verdade, alguns apenas. Antecipa- -0 GARRET: antecipa-o BOCAGE” antecipa-o Ch MOES?, o elo entre os mestres. O fato, todavia, ‘nao torna 0 poeta baiano menos brasileiro ou ‘menos roméntico, O que faz é lhe dar proprie- dade, origens competentes e nobilitadas. LUNGUA PORTUGUESA ELTERATURA | 27 LITERATURA BRASILEIRA / Castro Alves ‘A mesma lirica produzida pelo poeta ainda ancora sua escrita em duas vertentes romanticas, fato que também o faz especial entre nés. O verse- jador se liga & nossa segunda geracao romantica, ‘mas no ¢a sua mais tfpica representacao, Na po- esia dessa vertente, contida em Espumas fluruan- tes (1870), assume alguns temas eentre eles o amor ea sensualidade referida, No contraste, com a ati- tude, expressa oposicgo a outros representantes do grupo que, na leiturade Mario de Andrade, tem 'MEDO DE AMAR', Que o cligam ALVARES DE AZEVEDO* c outros, mirados pelo modernista. O homem corte- jador que é Castro Alves, porém, conduziuo poeta na sua ficgdo amorosa e o tomnow tinico. Entre nds ninguém ama como ele ou como ele seduz. Cabe por firn lembrar o lirico condoreiro @ quem tanto devemos. Neste empenho, sua poesia representa a terceira geracao romantica e,nela, o amor ainda o conduz. O sentimento, agora e porém, expressa-se pelo escravizado e muda de referéncias, de modos. (O que diria esse baiano se, por obras e artes magi- as, caisse nessas bandas, nos dias de hoje, lesse as noticias quase que didrias sobre trabalhadores descobertos em situacéo andloga a escravidio? Calria duro, com certeza. E clamaria por eles com toda asua verve. ESTEIO DO MOVIMENTO ABOLICIONISTA © poeta do condor fala em amor fraterno e 0 particulariza,devotando-o a um grupo injustigado or quem é preciso clamar. VICTOR HUGO* influencia © poeta e ambos indicam atras de si a Revolugao Francesa e 0 seu iderio, Liberdade, igualdade e fratemidade tornam-se sintese interior ou razao de existir. Ser a voz de uma grande causa social sto as palavras de ordem. Em paralelo, a crenca pprofunda nesses significadas para sempre amarra ‘0 bardo as memérias da nossa escravidéo, torna- -0 0 nosso poeta dos escravos e expresso da fra- ternidade dos moos. O livro que contém toda essa perspectiva chamar-se-é Os escravos e sua cedigdo seré péstuma, Publicam-no em 1883, doze anos apés a morte do poeta, nascido em 1847, mas ‘seus poemas (varios deles) tornaram-se conheci- dos antes da edico. A parte mais consistente do conjunto, o poeta a escreve entre 1868 e stua morte precoce. Entretanto, rapidamente 0 Movimento abolicionista dela se apropria e a tora uma de suas vozes, se ndo a principal Entre 1868 e 1888, Castro Alves é recitado nos eventos em prol da libertagao dos escravos. O movimento abolicionista esta bem organizado atuante entre nés, De norte a sul do Pais, hd no- ticias de suas ages que se expressam por meio de campanha consistente, Eventos pré-abolicao organizam-se e acontecem as centenas no periodo dos vinte anos que antecedem 013 de maio. ANGELA ‘ALONSO’ em Flores, votose balas (2015) dé-nos conta vvia pesquisa acurada das agoes dos abolicionistas. Em cena, so postas suas estratégias suas lideran- ‘cas e Castro Alves que, por meio de sua poesia de combate, torna-se steio do movimento. Nasreuni- ‘es.0s oradores —figuras to caras a cultura do sé- ‘culo 19~recitam-no, transformam-no na voz lirica do movimento e mudam consciéncias. Em dias de comicios do movimento, os teatros lotam. Estan- do o poeta presente ou nfo, a juventude engajada vibra com sua poesia, com sua factndia, com sua melodia, com sua solidatiedade aos desvalidos. Em Os escravos, a escravidao ja se expressa como 0 maior dos males e ainda como o maior dos temas de nossa histéria. A nacao independente e com pretenstes 4 moderna nao pode sobre ela se ancorar, apesar do nosso longo tempo de convi- “Ser a voz de uma grande causa social sao as palavras de ordem. Em paralelo, a crenca profunda nesses significados para sempre amarra o bardo as memérias da nossa escravidao, torna-o 0 nosso poeta dos escravos e expresso da fraternidade dos mocos. 0 livro que contém toda essa perspectiva chamar-se-a Os escravos e sua edicdo sera postuma” 28 noua PORTUGUESA EUTERATURA vvencia com a pratica, £ preciso que nos livremos da escravidao e seus vicios. E preciso dar ao escra- vizado a condigéo de ser humano e é disso que o texto de Castro Alves se encarrega. As conquistas arciais que vao se efetivando entre 1868 ¢ 1888 ex- pressam a expansio dessa consciéncia. Temos em 1869 a proibigao legal da dissolucao da familia es- crava. Em fins de 1871, passa a viger a Lei do Ventre Livre, o maior dos ganhos do movimento abolicio- nista. J4 a Lei dos Sexagendrios ganha valimento a partir de 1885, Logo depois, em 1888, é assinada a Lei Aurea, acontecimento que encerraria o traba- tho escravo no Pais. Poria ainda fim ao movimen- to abolicionista entre nés, mas no circulagao da poesia amorosa e condoreira do poeta. ‘Nao daria fim ainda aos problemas sociais que acompanham os recém-libertados, como jé envol ‘vem os negros e mesticos livres antes do 3 de maio. ‘Nenhum desses fatos, entretanto, invalida os teores dda poesia de Castro Alves, Ela, como vor da aboli (20. tira o negro da condicdo de res ou coisa e oalca a uma condiggo maior. No escravizado, habitam todas 0s sentimentos que estao no homem livre e branco. Nada nos distingue uns dos outros, a nao sera cot da pele. que néo poderia ser desculpa para co submetimento de uns. A capacidade de amarede ser é a mesma em todos, ¢ o género apenas um: 0 hhumano que abarca a todos indistintamente e nos toma irmaos. Essa ¢ a visdo de Castro Alves que, apés a abolicio, torna-se aco contraria a crenca determinista, ancorada na biologia, na medicina que passa a ser voz no Naturalismo e meio cientifi- co. O mesmo ideario (também chamado eugenista) Classificava negros e mestigos como inferiores, em rota de coliso com 0 que escrevera 0 condoreiro (ver box Por um pais esbranquicado). REPRESENTACAO DIALOGICA Romantico que 6, Castro Alves sensibiliza 0 seu piblico com os valores da alma romantica. Em poemas de Os escravos, pdem-se em cena o velho, a crianga, a mae, a moga apaixonada, figuras de importancia para a estética devido as suas signifi cagées. Em paralelo, representam o ser sem prote (0.0 futuro tolhido, o sonho de liberdade negada, (© amor sem a sua reciproca, Na extensio, surge a figura da mae que prefere a morte do filho 2 vé-lo escravizado, Ha a crianga que nao é mais inocéncia, ‘mas deseo de vinganca por conta da mae morta, vitima de acoite, Encontra-se ainda a figura do ne- POR UM PAIS ESBRANQUICADO ‘A eugenia foi um projeto de esbranauicamento disfarca- do de ciéncia. Com a abolicdo da escravatura, no final do ‘século 19, mais precisamente em 1888, proibiu-se que as ‘pessoas fossem tratadas como posse. Mas néo foi - como ‘nunea sera ~ uma lei que modificaria o pensamento das ‘pessoas e, assim, perpetuava-se, inclusive entre a elite intelectual do Pais, a ideia de que as pessoas eram infe- riores por serem negras. A época, 0 Brasil tinha 17 milhoes de habitantes e mais da metade dessa populacao era de ex-escravos e seus descendentes. Nem isso foi capaz de bbarrar 0 crescimento da eugenia por aqui. 0 movimento ‘nasceu na Europa e encontrou terreno fértil no Brasil. Seus ‘seguidores, composto de médias, socidlogos, palticos, principaimente, tolhidos por leis que justificassem uma hierarquia racial, Jangaram mao da pseudociéncia racista. Boa parte dos nomes desses eugenistas ¢ familiar ~ eles batizam ruas e avenidas Pals afora, 0 termo “eugenia’ foi criado por Francis Galton, na década de 1860. 0 eu ver do grego, € significa bom’. Genia quer dizer “linhagem’ Galton era gedgrato, membro da elite bri- ‘anica e primo de Charles Darwin - que, aquela altura, era o intelectual mais respeitado do planeta. Sua inten¢ao néo era ‘exatamente criar uma “raca superior’, mas uma "sociedadle perfeita’ De acordo com a Teoria da Evolucao, pequenas di- ferencas inatas em individuos de uma mesma especie leva alguns a se adaptar melhor ao ambiente que os demas. les, ‘ai, tendem a sobreviver por mais tempo e a deixar mais fhihos. Essas diterencas propagam-se por hereditariedade © ‘tornam-se mais comuns na populacao. A eugenia de Galton ogo se tornou “base cientifica” para toda sorte de racistas. A tal “sociedad perfeita’ passou a ser sinonimo de uma socie- ‘dade menos semita, menos cigana, menos negra (0 Brasil pds-abolicao do século 19 era um terreno fértil ppara 0s disparates da eugenia. Tinha uma populaca0 ‘negra gigantesca e paupérrima. A sociedade também se tornava mais miscigenada ~ e distante de qualquer ideal ‘eugenista de brancura. Imbuidos das ideias que cresciam na Europa e nos Estados ‘Unidos, Brasileiros influentes se mobilizaram em um pro- jeto de construeao de uma aca superior’ ou seja, branca, Ea nocdo de uma selecao artificial que promoveria nasci- ‘mentos de maior qualidade foi se instalando em universi- ‘dades, hosptais e até na politica. A derrota definitiva do idedrio eugenista ocorre com a vito- ‘ia dos aliados ao fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, LITERATURA BRASILEIRA / Castro Alves “O trabalho escravo no Brasil permanece e, na extensao, o nosso desrespeito aos direitos humanos e, especificamente, aos direitos do trabalhador. Para arremate de males, quem vive a desumana situacao é ainda majoritariamente nossa populacdo negra e mestica, lembrando que o 13 de maio foi e 6 para muitos uma ficc¢ao” ‘gr0 assassino para o qual se pede o perdao dos atos, porque matou na defesa de sua liberdade, Articulan- dovse com essa perspectiva, estrutura-se um discur> so libertario, Haveria ainda a extingao de préticas vistas todas como abominaveis e que, entre nés. j& se perpetuavam h4 mais de trés séculos. A alma to- méntica do receptor é ativada em suas referén Os contemporaneos recebem uma apresenta- ‘ga0 do esctavizado como ser. como expressao de sentimentos, como um par, coma sincero, mereci- do e necessétio clamor de liberdade. Nos mesmos escritos, os valores cristos se pdem em voga € condenam a pratica. Em definitivo, escravizar no 6 fratemo, Segmentos protestantes e catdlicos sé ‘contrérios & escravidao e contra ela se manifes- tam. O livro efetua ainda outros diglogos. Ha no escrito, para exemplo, poemas que remetem o lei- tor aos Estados Unidos. No plano literario, ele est ‘em sintonia com aquele pais. Com isso, LINCOLN & homenageado, interpretado como espitito cristo «¢ compassivo, simbolo de coragem e solidariedade. Nas entrelinhas, pede-se ainda um Lincoln entre 1nés, um herdi redentor. Seu assassino, na extensao, 6 condenado e pesadas sdo suas correntes. O mun- do torna-se mais triste devido a existéncia de seres ‘que simbolizam o desamor e expressam-se contra a liberdade, contra a igualdade entre os homens. Accabana do pai Tomds (182), de WARRIET STOWE” permite-nos a constatacio de outro lastro, de nos- sa afinada ligagdo com os americanos no episddio. (Jago esté em harmonia com o valor simbélico da ‘obra americana, que é sugerida como gatilho a GUER- [RADE SECESSAO®, Seriam a0 menos essas as palavras de Lincoln quando se dirige & autora, comentando ‘com ela as reagdes morais a partir do seu romance. Em nossa geografia. os poemas de Os escraves pro- ‘vocariam os mesmos efeitos, Na extensio, em nosso 90] LinauaPoRTUGUESAELTERATURA plano social, a Iuta por 1a ocorrida para o encerre- ‘mento da escraviddo nos remete & nossa realidade e tia entre nés uma esperanga. Se a escravidao se ex: tingue ao norte, ha de também se extinguir mais ao sul, Vale ainda lembrar que, em nossa cultura, Castro ‘Alves no € 0 tinico a dialogar com Harriet e seu ro- ‘mance. Fé-lo também BERNARDO GUIMARAES" com A escrava Tsaura (1875), escrito que é assim libreto pela liberdade dosescravos em nosso pas Na correlagio, pode-se afirmar ainda que Ber- nardo Guimaraes com o seu romance dialoga com a Lei do ventre livre. cuja promulgacio se dé em fins de 1871. A escravidao legada pelo ventre materno ‘mantém uma mulher branca na situagdo de escra- va e as associagdes tornam-se inevitaveis. Nesse episédio, entretanto, éa Castro Alves que essencial- ‘mente nos ditigimos. A ele deu-se, entre nés, 0 titu- lode poeta das escravos e no toa. E se sua poesia, como j afirmamos, dé humanidade aos escravos, torna-os no sentimento iguais a qualquer branco. Na oposigao, desumaniza a nacio que mantém o escravo e é a maior de todas as ignominias um pais que, sob sua bandeira, abriga a escravidao. Essa 6a ppremissa de “O navio negreirc’, 0 mais conhecido poema de Os escravos. No texto, simbolicamente 0 navio é 0 Brasil, que é palco da mais desumana das tragédias e dores. Assim, a forte dramaticidade dos fatos se pe em cena e a lirica se cruza com a épica em tensdo teatral. Com tudo isso, evidencia'se para nés o valor literario de Castro Alves. Destaca-se ainda o seu merecido lugar na historia de nossa literatura. Vie sibiliza-se ainda aquele lugar de que ele goza nas memiérias de nossa escravidao. £ preciso, contudo, ‘e sempre, lembrar-nos da atualidade do poeta. sé- culo 19 escravocrata est aqui entre nbs, faz-se sen- tire intensamente, Ainda nao conseguimos evacue aroano passado, na cépia quase literal do verso drum- moniano, O trabalho escravo no Brasil permanecee, na extenséo, o nosso desrespeito aos direitos humanos €, especificamente, aos direitos do trabalhador. Para arre- ‘mate de males, quem vive a desumana situagdo € ain- dda majoritariamente nossa populagao negra emestica, embrando que 0 13 de maio foi e ¢ para muitos uma ficgdo. Em muitos lugares do Brasil agricola, ainda ha senzalas e mauis tratos fisicos, 0 trabalho com registro, com salério digno, com semana inglesa~adecincodias ~sio ainda o sonho dourado de muitos na construgio civil enoutros postos. Desse modo, Castro Alves continua vivo entre nés e sua poesia é atualissima, Em um pais que é dos él- timos a legislar sobre o trabalho doméstico, seu texto HYPERLINKS. ‘yoo paprista oa passat isovioge itera. Tera, 2002 traatho SUVALETTADDEALMEIDA —Noarteoem eterna. (GARRETT (799-1854) Segundo Mara os potas (OF Vkconde 6 Alowiga Garett fl um esrtor€ viearomaics fla er beni core menor tese de dovtaramento peta Associgta ge Ps Cradungao Oe tras. ‘en ciécias Socials (pec) $2 CAROLINA MARIA DE @ subversivo, contra a ordem, solidério com a vida des- ditosa. Em cada salério insuficiente para 0 necessério a cexisténcla material do vivente, ecoa o poeta na forca dos ‘seus versos. No século 19, Castro Alves fala em minorias, termo que é muito do aqui, do agora e de uns poucos que falam seriamente em incluséio necesséria, em humana fraternidade. Se a esctitora CAROLINA MARIA DE JESUS® & a ascendente legitima de muitos escritores engajados que agora temos, quais serao os antecedentes dela? LIMA BAR RETO” é com absoluta certeza um deles. Antes desse cario- caentretanto, quem nos acena é Castro Alves. A periferia dos grandes centros nao Ihe dita, porém, a conduta soli- dria. A bandeira do poeta fala com a REVOLUCAO FRANCE- ‘sae em seus valores se ancora. Com isso, ele projeta-se cem anos antes de si como também mais de cem apés. romance A Esco 00 ‘eno opatrano da Caceira Sa neadema Gras REFERENCIAS. IBLIOGRAFICAS ‘amarargoromaneeo, amarsas esto napapele CMP em 200% sesus (9141977) meio avean ‘raor 23° doreino.minitro aperas te. Ness tocante. ‘© ABRAHAM LINCOLN. sco composora& ‘moor ura tise secretario de tsa lenbrar para oem (oa0e-1265) eet braseva, mas (Stnmntcheoery Sate enero portugues asmuteres de Avares 2 MANUEL MARIARAREOSR — % AtvEGD€ aids poe Potica norte-americaro que conheica por seu Ivo servis como o #8 presidente Cuto deDespee: r e Remmveooee eneueoens SOEG reromsemcae” | ae esa Pearcmuipotes — wrmmasomaaes Santee umemoiens | Teemu cccrmoncce Thien, uate cgemamnmmen, | Sena, Siusiazoccuoes fated." EMRSTOWECY ROG Seen (524-1580) Comnecidotamném coro ascii El ‘BAFONSO HENRIQUES DE Cesta ints: Mewrionbee eens fansderado omar escrtar 2 pbximos famiares ‘ioperoge do lasscsmo, © airadores de sun obra, Ilemaisso ele€ apotace uM ecrior da segunda Feorosenantes 6 neratura STIMU, eta ensaista (hes em pois, ‘mundial Autor oo poema ——CeXoentedaeratura (23S ‘rncipament em revistas ‘epic 0s Lids, revelou (ica brasira, autor de 10 GUERRA DE SECESSAO ‘populares istradas & (andesensioidade para ‘Noe 0 Tavera uGvera Ci Americana. Fergie anarmuas o ereversobre os dramas SVICTOR-MARIE HUGO acontecey nos Estados Ini do ste 20. Tio humane, sam amaroses, (802-1885) Unices entre os stasis 89 come seit alto em seam extendas Pouca se Romancsta, oot leeal pono dentsimentae stage eats pelos demorte anda siomeertn dros humanos frances aieecunen: se reas suse lea Otero eterco ede aura eM stupas. autor de Les fle Mare ce Andrade Chama- Miserables (s Miserves Ome doae pee ¢6eNoveDume ge Por, Granacradeavscedeo — enedversasoutras obras que haviaentre as dts fromhatordepmernn, _oscas defame renome fae chega 3 sitvacto de Moro em 044 um ara antes ANGELA ALONSO ‘da morte do seu autor Em ‘acinstaeesrtora sacuniderse Slowe ‘scree 30 los endo rarleramanes cena, OMancs. tes memoras de or vais Wiaense elects de amis Norte 05 estas 0 Sul.02 poca'haecomparsdo ‘ibe oe sus Vida portante a dramatureo,enait, rest, 18812 1865. Esse confit fo! Mache de asi Fea neato quando os estas ‘Sl se separaram cs Unido etormaram os Estaios emado em mantis manda the evcravatra ec extensan ‘os novos terres ave Profesorado Departamento gta sede ocunadnsno ae no Ocdente a Jomalista eescitor ‘oz aaconctenela ners. as por see alec, fo Contederaces da America versa wezes ‘A Guar de Secesto 0: 44 REVOLUAD FRANCESA tmotvad pea dveainca pyar eA FRAME ‘med devidamere as Grossareetedanoicio Trecisnercanneucte (4 SOBREQAUTOR ‘eT, ae do 200 anos erie aan ae haere re US ple den rossaietra nomesmo de Secllopa da USP e ita evoluci burguesa por oe tuo geal. cossern Desqusadors do Cerap, -—ABERNARDOJOAQUIM. ———_Exelencia ea gue mals ee etneen: hosfemete extersio das Gatorade los em [DASILVA GUIMARAES rmacincavesruurassacs | Sresmcutacnatacuiee tics 060s euros, mas mowmento A gereedo (025-186) ‘enesencamnhou para 8 (en Soran fessenlais na ilogo que ea ng cise da Romancist eoeta Masernfacee aides dos anove reir saver Bawortavacomonesso —Brasl-Inosro Bare taster, coneco pelo rots sacl rs noeenyanon co LUNGUA PORTUGUESA ELTERATURA | CAPA / Modernismo NA CON Falar desse periodo da literatura e das artes em geraldaem inumeros caminhos. No Brasil ha pelo menos uma via existencial, social e politica e outra artistica e literaria, que podem caminhar juntas, cruzar-se ou apenas” aproximar-se, reve as contradic6es pensamento bras ‘ontem e hoje >. 32) nc pomroagese CuEATURA ‘grupo musical paulista Titas tem, em um de seus CDs, uma cangao cujos versos sao verda- deiros sintomasdamodernidade que veio para arrasar com a tradigéo, sejaela qual for, desencadeando estremecimentos: “A melhor banda de todos os tempos da diti- ‘ma semana O melhor disco brasileiro de musica americana (O melhor disco dos tltimos anos de sucessos do pasado O maior sucesso de todos os tempos entre os diez maiores fracassos” por Roberto Sarmento Lima AAs expresses temporais negam-se umas as outras, simultaneamente: como algo pode ser “de todos os tempos" e ‘da iltima semana* rno mesmo periodo? E como aceitar que algo que é ‘0 maior sucesso” esteja “entre os dez maiores fracassos"? Numa percepcéo meta- linguistica — 0 disco falando do disco e, no limite, os Titas falando deles préprios — amo- demidade faz do cédigo o seu instrumento de ataque privilegiado. Se tudo comega no Verbo, acaba, ou continua, melhor dizendo, no campo das relaces sociais, Pode ser que nao enten- damos logo, sese ficar, contudo, apenas no am- bito da destrinca do cédigo. o que venha a ser ‘modernidade.A palavra acompanha a historia da civilizacdo ocidental desde a Idade Antiga, com o sentido de "ODIERNO” ("moderno” deriva dai aliés). Termo que traz sempre a ideia de rompimento, mas um rompimento escanda- loso, escancarado, transgressor, desde a Idade Moderna pelo menos (j4 que, para os antigos, ‘©:modemno se confundia com a novidade re- t6rica, nao necessariamente uma ruptura com a convencao linguistica, desde que fosse capaz de inebriar e convencer o espectador). Os ro- manticos, que comegavam a pipocar no século 3B europeu, também foram chamados de “mo- dernos” (6 36 lembrar que o primeiro embate, no fim do século 17, na Franca, gerou a famo- A QUERELA DOS ANTIGOS E DOS MODERNOS?, opon- do, de um lado, 0s cléssicos, que insistiam em permanecer no cenério cultural, e, de outro, os romanticos, que estavam chegando. A logica Passou a ser a falta de l6gica — aquela logica convencional que dizia que uma coisa s6 po- deria ser uma coisa e ndo outra, nem, muito ‘menos, podia ser duas ao mesmo tempo, como da aentender que é possivel a poesia dos Titas. @ HopIERNO Adietive ave alia algo como contemparaneo tual e modern, 00 Sei, que ¢ comum ‘os tempos recentes lis tus © owereta pos ANTIGOS E MODERNOS Polemica intelectual nascida na ‘edema Francesa 2que aeitouo ‘undo iteraro © arstco do inal So secula 17 20 ‘culo 18 Tratava da superiaridade ‘nao dos autores a Antiguidade Cassica nerante pensamenta macerno LUNA PORTUGUESA E UTERATURA | 38 CAPA / Modernismo “Os romanticos, que comegavam a pipocar no século 18 europeu, também foram chamados de ‘modernos (é s6 lembrar que 0 primeiro embate, no fim do século 17, na Franca, gerou a famosa Querela dos Antigos e dos Modernos, opondo, de um lado, os classicos, que insistiam em permanecer no cenario cultural, e, de outro, os romanticos, que estavam chegando” ‘Transplantada essa questo para os dias de hoje, embora nem de modernidade pura se possa mais falar com seguranga — até pos- -modernidade é um conceito ameagado, dada a velocidade das coisas que poe em xeque qual- quer novo conceito — temas agora oChatGPT, dispositive robético proprio do mundo virtual, exclusivamente virtual, que, no entanto, des- cendo das nuvens para @ realidade material concreta. ven surpreender o mundo dos vives, dos humanos, em suas atividades corriqueiras de estudo, aprendizagem, comunicacdo com as pessoas. Relembro: a emergéncia do novo éum trago inconfundivel do modero (mas de que ‘modero estamos mesmo a falar? Seré essa pa- lavra uma maldicao sem hora para ir embora?) $34] UncuA PORTUGUESA EUTERATURA causa impactos poderosos, sempre. Pelo me- nos, mais proximamente, desde as méquinas da Revolucéo Industrial que vieram, pouco a pouco, fazer o trabalho que seria propriamen- teodos trabalhadores. Acontramao disso tudo sempre é, nesse fluir continuo de novidades, a derrocada de técnicas e valores — quando nao ‘aparecimento de novos valores e novas técni- cas — que, substituindo-se ou aperfeigoando- -se, mal despontam no horizonte. VELHAS NOVIDADES (© Modernismo brasileiro, do inicio do sécu- 020, foi uma praca de oposi¢des, contradicées, desentendimentos de toda espécie. Escritores engalfinhavam-se na praca que quase sangra a olhos vistos, tal a viruléncia dos questiona- ‘mentos (s6 para lembrar, Monteiro Lobato bo- tou para arrombar na critica que fez. expo- sigdo de pintura de Anita Malfatti, em 1917). E {sso no parou mais, desde que jornalismo ¢ li teratura passaram ase cruzar. A disoérdia atra- vvessou. no Brasil. as décadas do século 20, em situagdes de plena brigalhada que alguns fin- sgiam nao ver. Se aceitarmos, com LUCIA MIGUEL Penejna? (numa entrevista que deu a Revista do Brasil, em 1940), que nada que se fez de ruidoso u revoluciondrio no campo das letras, depois da primeira fase do Modernismo dos anos de 1020, teria sido possivel, nao fossem as con- quistas estéticas e mentais verificadas naque- la fase. Temos, entio, a ser verdadeiro isso, que os Titas procedem desse movimento inicial tido ora por construtor, ora como destruidor. Alletra dos Titas — essa “melhor banda de todos os tempos da tiltima semana’, ao menos fem 2001, ano do langamento desse CD para 1é de inventivo — defronta-se com um artigo demolidor do escritor carioca Lima Barreto, ublicado em 22 de julho de 1922, na revista areta, onde ele mostrou sua aversio as ini- Ciativas dos paulistas na renovagao (na supos- ta e atrasada renovacao) que desembocou na ‘Semana de Arte Moderna daquele ano: “De quando em quando, [Sao Paulo) nos manda umas novidades velhas de quarenta ‘anos. Agora, por intermédio do meu simpatico LUCIA MIGUEL PEREIRA (1901-1959) Intuente extica Iterara, biderata ensafstae tradutora brasileira da primeira metade da ‘séeulo 20 fiha do médica sanitarista Miguet da Sitva Pereira, sposa do igualmente es Ctavio Tarquinio de ‘Sousa e tia do poeta Bruno Tolentino SERGIO BUARQUE DE HOLANDA (1902-1982) Historiador socidlogae escritor ‘brasileiro. Autor ‘de Roizes do Brasi, centre outras. Fo! também critica Iteraro, jornalista lum dos fundadores 10 Partido dos Trabalhadores. § Hl : : ‘amigo SERGIO BUARQUE DE HOLANDAY, quer nos im- pingir como descoberta dele, Sd0 Paulo, tal de Futurismo." E coincidéncia? Ou nao 6? Modernos se desentendemm mesmo, Lima Barreto, segundo sua opinido exagerada e provocadora, acusa os paulistas que apareceram em 22 com a ideia de renovar as letras e as artes como um tipo de gente que sabia apenas requentar ideias de quarenta anos no minimo (Mario de Andrade, no “Prefacio Interessantissimo’, declarou, sem pejor “Sou passadista. confesso’, mas, claro, em outra diregao interpretativa). Ja os Titas, quase oitenta anos depois, declararam, cantantes,em quase autodepreciagao— que é um sentimento ‘modemo—com toques também de louvora si ‘mesmos, que “o melhor disco dos iltimas anos de sucessos do passad” ¢ justamente 0 disco ue eles entao estavam entregando ao piiblico, nnaquele inicio do século 21. Seria uma resposta a Lima Barreto que faziam esses jovens paulis- tas? VA saber. Seja l4 como for, a sintonia era a ‘mesma, com a diferenca de que o autor de O Triste Fim de Policarpo Quaresma discutia uma {dela ciscunstancial, algo tipico das crOnicas dos artigos escritos para revistas e jomais da casio, com 0 objetivo de ferir o orgulho dos ppaulistas, enquanto os Titas, num salto mais elevado, alardeavam um principio moderno, sem dirigit suas setas contra ninguém (no ma ximo, como numa blague, a eles mestnos, mas nem isso se pode dizer com seguranga). Moderno é assim: escandaliza, desestrutur 1a, corrompe ideias, estremece o chao eo ar. E derruba, como também alimenta (claro), con- tradigdes perturbadoras como quem distribui confetes em baile de carnaval (Quem, afinal, nao se lembra da famosa frase “O contradité- rio € 0 proprio nervo da vida’, que aparece ci- tada por ANTONIO CANDIDO® nos pressupostos da Formacao da Literatura Brasileira?). Quem se autodeclara modemo tem a ptetensio de ser invencivel, principalmente nas suas contra- digdes. Nao me refiro 8 simples ruptura com a l6gica ou ao apreco pelas incoeréncias e in- compatibilidades de opinides e procedimentos formais no texto, porque sao esses lances que deixam 0 moderno, ao menos na superficie, confortavelmente modemo. 1850 € liberda- de, dizem eles: uma liberdade que pode dar nna guerra. Ou, como diz 0 genial compositor Gilberto Gil, “Que contradigao! Sé a guerra faz nosso amor em paz" Uma frase que me comove, nese pa- drdo, 6 a que se encontra no “Preficio Inte- ressantissimo’, em Pauliceia Desvairada, de Mario de Andrade, seu livro de estreia mo- demnista de 1922, e nao onde seria mais espe- rado, nas Memérias do Cércere, de Graciliano Ramos: “Toda cangao de liberdade vem do cércere’. (A frase, na verdade. é do escritor alemdo JOHANN WILHELM KINAU, participante da Primeira Guerra Mundial, cujo pseudé- rnimo Gorch Fock foi o que Mario citou no “Preficio’). Transposta para os dias moder- nos de hoje. a frase, fazendo ver quanto ela 6 oportuna e continua na ordem do dia, res- soa 0 contraditério tempo que estimula o armamento da populago para supostamen- te haver paz e coesio politica — e, pasmem, ANTONIO CANDIDO DE MELLO E SOUZA (isi8-2017) Socidlogo, critica Iterario e professor Lniversitaria brasieiro, ‘Autor de Formacao aa Literatura Brasileira © Os orceos do Rio Bonito, ‘que inspirou a peea Na Carrera do Divina, de Carlos Alberto Softredi cencenada pelo erupo Pessoal do Victor, em 1979, Estudioso da Hiteratura brasileira € estrangeira, € autor de ‘uma obra critica extensa, peitada nas principais, tuniversidades co Brasil, JOHANN WILHELM KINAU (1880-1916) Mais conhecido por ‘seu pseuddnimo Gorch Fock, foi um ‘autor alemdo. Outros mimes que ele {so foram Jakob Halst ‘Giorgio Focco, “Modernos se desentendem mesmo. Lima Barreto, segundo sua opinido exagerada e provocadora, acusa os paulistas que apareceram em 22 coma ideia de renovar as letras e as artes como um tipo de gente que sabia apenas requentar ideias de quarenta anos no minimo (Mario de Andrade, no ‘Prefacio Interessantissimo, declarou, sem pejo: ‘Sou passadista, confesso’, mas, claro, em outra direcdo interpretativa)” LUN PORTUGUESA. LTERATURA | 35 CAPA / Modernismo ORESSENTIMENTO DE BANDEIRA As elites sempre tiveram, para falar dos negros, algumas palavras e discur 's0s guardados em calxa repressora, tipicos da classe acostumada a mandar. Por isso as expressoes nao eram—nem ‘0 ainda — respeitosas ou aquiescen- tes. Nesse contexto entram também os ‘modernistas, que, no afa de se conec- tar a modernizacao do Pais, veem seu projeto invalidado tanto pelo alto nivel de analfabetismo, com taxa de mals de 70% s6 na Sao Paulo da epoca, quanto pelas mas condictes de habitacao de pretos e pardos (depois da Abolicao e {da chamada higienizacao do centra do Rio de Janeiro, com a retirada de corti (605 da regio e adiacencias, os ex-es- cravos e seus descendentes ocuparam ‘0s morros em habitaces sofriveis), © ainda — ou sobretudo ~ pelo desprezo ‘muitas vezes explicito e dirigido a eles, evidenciando o racismo que a escra- vviddo plantara entre nés, macula que sobrevive até os dias atuais, Foi nesse diapasao que o poeta moder- nista Manuel Bandeira — que gostava de evocar o seu Recife natal Co Recife ‘sem historia nem literatura’, “Recife da minha infancia), 0s sambas da TIA ‘IATA? Qua “Irene preta Irene boa Irene ‘sempre de bom humor’, cumprindo 0 desiderato modernista de falar com na~ turalidade da cultura mestica que tinha direito a nomeacao literaria ~, ele, ele ‘mesmo, 0 poeta modernista das primei- ras horas, nao demonstrava simpatia, por exemplo, pela festa religiosa da Penha ou pela festa de Nossa Senhora a Gloria, Meio constrangido, qual um Olavo Bilac adentrado nos melos ‘modernistas, declamou suas reservas ‘ modernidade que nao conseguia ‘expurgar dos seus paicos os tons de pobreza e negritude. Assim Bandeira, ressentido com isso, desmascara-se ‘numa cronica de 1931, constante do livro Cronicas da Provincia do Brasil, livro publicado em 1937: 361 UncuA PORTUGUESA ELITERATURA “Nunca fui festa da Penha, Parece que ela € cara sobretudo aos portugueses. ‘Na minha inféncia eu olhava com uma certa repugnéncia para os magotes de labregos que desde cedo acudiam de todos os pontos da cidade para o Jonginquo suburbio da baixada, em- prestando as ruas uns tons exdticos de aldeia tusa. [_) De tudo aquilo me ficou uma recordacdo de brédio portugues. Por isso a Penta nunca me interessou, 1 Com a queda da monarquia os festejos perderam inteiramente oelementa ‘ristocratico. .] Em todo 0 caso, 0 dia de Nossa Senhora da Gidria ainda nao decaiu a categoria de festa de bairro.(_} [16 que a concorréncia amulatou-se bastante” ‘Apesar de certo jeito comedido, a presenca de formas verbals como ‘per- deram’ e “decal” ou, no limite, “amula- toU-Se", e de expresses nominais como “magotes de labregos’,‘repugnancia™ ‘ou “brédio portugues’ em oposicao a “elemento aristocratico” no consegue esconder o mal-estar que vem embu- tido nessa modernidade existencial brasileira, echeada de preconceitos ‘contra o popular € 0 estrangeiro (Por isso a Penha nunca me interessou’) Foi quando Bandeira deu bandeira de que ndo acompannou bem a licao da. ‘Antropofagia: “SO me interessa 0 que rndo € meu. Lei do homem. Lei do antro- pofago’ Muito acertadamente Manuel Bandeira nao gostaria de ser lembrado Por essa crOnica que, refletindo uma ‘modernidade existencial chela de con- servadorismos, revela desprezo pelos lusos (lusos pobres, naturalmente). ‘Seus leltores vao se lembrar do seu sin= ‘gelo poera “Portugal, Meu Avozinho’ ‘que esta no Mafud do Malungo Modernidade existencial gostaria até de nao ser percebida como tal teria sido, como desculpa, um impeto, um ‘descuido, um momento nao pensado (or isso tais sintomas aparecem mais nas crénicas, que sao datadas, do que Nos poemas, que devem valer a vida inteira). Quem € que ainda lé a cronica “A Festa de Nossa Senhora da Gléria do. Oiteiro’ ou se lembra dela? Mas quem no se lembra dos versos de “Portugal Meu Avozinho"? E bom registrar, bem a propésito disso, algumas consideracdes que padem servir para uma discusséo em torno ddas contradicbes do Modernism: 1) 0 tema do negro, por exemplo, nao este- ve presente nos programas da Semana de Arte Moderna de 1922; 2) tela “A Negra’, de Tarsila do Amaral, de 1923, {ol pintada em Paris € tem na sua con- figuracao o olhar da mulher branca e rica que retrata, de modo acritico, uma remanescente da escravidao africana, ‘mals para atender a corrente da négro- pihilie, em alta na Europa, do que para responder a uma necessidade social estritamente brasileira € a tela $0 seria exposta no Brasil em 1933, dez anos depois de realizada; 3) indicios desse tema se veem, esparsos, no Manifesto Pou-Brasil, de 1824, e nao aparecem, quanto a isso mesmo, no Manifesto Antropéfago, de 1928. 0 segundo Manifesto “higienizou-se" para usar 0 termo preterido de Olavo Bilac Essa breve recorréncia a fatos e datas ‘SO mostra que Antonio Candido esteve muito animado ao dizer que “as nossas deficiencias, supostas ou reais, sao reinterpretadas como superioridades™ (em Literatura e Sociedade, de 1965. ‘grifos de Candido) ou que “o mulato & ‘negro sao definitivamente incorpora- dos como temas de estudo, inspiracdo, ‘exempio* (ibidem). Lembremos Mario de Andrade, que, em 1942, num balan- 0 critica e severa dos vinte anos da Semana, disse que os modernistas, ele entre todos, “nao devemas servir de ‘exemplo a ninguém’, mas sim “de licSo Intur-se que ai, nesse argumento, possa estar inclulda uma acusacao a defasa- gem dos temas tratados, dos quals a negritude faz parte, ora como omissao, ‘ora como enfraquecimento. Se nao for para respeitar, ¢ 0 aviso subliminar, ‘ue se calem! Para completar, eis que, ‘como bem camentou Rafael Cardoso no livro a que me referi antes, o moder- nista Antonio de Alcantara Machado, cde modo mais explicto e talvez mais ne- gativo ainda, quando diretor e colaborador dda Revista de Antropofagia, em 1928, es- creveu um artigo pequeno, de vinte e uma Jinhas, irradiando ironia no seu preconcei- to racial: trata-se do texto ‘Concurso de Lactantes’, onde o autor criticava 0 fato de ‘quererem erguer, nao se sabia exatamente ‘onde, um monumento em favor da “mae HILARIA preta’ Comeca assim a texto, no sétimo BATISTA DE ‘numero da revista: ALMEIDA i (1854-1924), stdo tratando de erquer nao sei onde ee (mas sempre aquino Brasi um monumen- | cists foi to. mde preta. [.] querem confessadamen- te prestar uma homenagem de gratidoo ‘somos molhadas e secas, mos sobretudo ‘molhadas da linda cor do urubu” ‘A desfacatez € espantosa e fere funda na alma do negro que recebe essa mensagem, Continua Alcéntara Machado em seu cinis ‘mo pétreo de classe: “Ahomenagem provocara uma campeticao {e racas, de origens, até de tipos de lete. Por fim os fabricantes de leite condensado também reclamardo a sua estétua e cam toda a justica. E haverd 0 diabo quando 0 ‘governe holandés exigir uma para as vacas suas suaitas” O Brasil, naquele momento e depois, mastrou a sua pouca dis posicdo para mudar as coisas, constituindo os embates da mo- dernidade (sim, porque € preciso ser moderno e acompanhar as ‘mudancas). A particularidade da modernidade brasileira, mais a existencial do que a estetica, 6 parar na contramao, Se nao houve hiato entre o Modernisme de 1920 e os dias de hoje no tocante a essa matéria, conforme € o que parece ser, podemos perguntar se houve mesmo 0 “desrecalque” das nossas supostas “inferioridades” e “complexos” em face do europe, de que fala ‘com certa énfase Antonio Candido. Foi ele quem compreendeu {sso como uma das propostas modernistas, o desrecalaue, que ‘nos salvaria de sentir vergonha pela nossa organizacao social, Pode ser que Lima Barreto e os Titas continuem com a razao e terminemos por aceitar as ambiguidades que se mostram como vverdadeiras leis imutaveis. Vendo com alguma distancia as formulacées do pensamento de hoje no Brasil e comparando-as ‘com o que foi dito antes, lé atras, os mais fragets da populacao ‘em suas relacdes sociais Contraditorias, nesse jogo com as, classes dominantes, tém assistido a manutencio da face Olavo Bilac, dos pejos Manuel Bandeira e do escarnio Antonio de Alcantara Machado da realidade brasileira, No mais, 0s Titas ff- ‘cam observando o andar da carruagem numa terra de rancores historicos, peculiares a um pals que passou por todos os trau- ‘mas da calonizacao e que ainda nao se recuperou como devia, sambista e mae de santa brasileira considerada por ‘muitos como uma as figuras mais infuentes para o surgimento do samba carloca. Fo iniciads a candomblé fem Salvador por ‘Bamboxe Obitica e ra fh de Oxum, “Moderno é assim: escandaliza, desestrutura, corrompe ideias, estremece o chao e oar. E derruba, como também alimenta (é claro), contradicées perturbadoras como quem distribui confetes em baile de carnaval (Quem, afinal, néo se lembra da famosa frase ‘Ocontraditério 60 proprio nervo da vida, que aparece citada por Antonio Candido Nos pressupostos da Formacao da Literatura Brasileira?)” modernidade! — entre as forcas sociais em desequilfbrio. $6 assim se podem conectar Mario de Andrade, Gilberto Gil, Lima Barreto, de algum modo, os Tits e os dias de hoje. & ‘que uma ideia velha sempre se pode renovar ressignificar enquanto, a medida que possa trazer o passado para uma critica atualizada, seatrela ao presente. numa conjuncao de itens que podem ser ampliados continuamente, a depender das vontades politicas e culturais do dia, Nesse pormenor pode ser uma ideia boa, ‘mas também pode ser um desastre complet, de desdobramentos imprevisiveis, capazes de ‘comprometero futuro, LUncuA PORTUGUESA ELTERATURA | 37 CAPA / Modernismo “A perversidade da modernidade existencial brasileira comeca naquela ascensdo das elites citadinas, porque estas, querendo ser francesas, sao cheias de rancores e preconceitos contra o pobre, 0 indio e o negro que fazem lembrar a precariedade eo doloroso subdesenvolvimento" ODUPLOMODERNO Mas, querendo aqui alertar o leitor para, antes de tudo, verificar melhor os rumos des- te ensaio, declaro que os limites do moderno no sdo exatamente esses do ambito da con- tradiggo que se dé no interior do aleance es- tritamente livresco, no qual desfilam as men- sagens de Lima Barreto e dos Titds, passando por Mario de Andrade. Os limites do moderno — vamos agora ao que, jé anunciado, interessa mais de perto — so aqueles tragos que que- rem, quem sabe, ficar invisiveis, ou até passat ppor naturais e no como vicios ou perversida- des, Acontece, porém, que os modernos nao querem aparentar perversidade no sentido existencial, no @mbito da realidade vivencia- da, embora essa vigiléncia moral falhe por ve- zes. Afinal, visam todos eles, bem ou mal, sa- bendo 6 que dizem ou nao sabendo direito, a uma utopia. Utopia que se pretende, quando, num plano dos desejos intangiveis, se propde, ppor exemplo, que o selvagem se encontre um dia devidamente ‘tecnizado’, mas que seja in- corporado, sem renunciar a sua “selvageria de origem’, as novidades tecnolégicas industriais (no foi isso que Oswald de Andrade disse la no Manifesto Antropéfago, de 19287), Estimam, nna realidade, apenas ser extravagantes, como (0 Titds. © que dizem é para fazer ecos criticos e.com isso, gerar uma moda. Ruim,no entanto,éaquilo que at sim,naoé ‘para ninguém notar ou nao notar bem, eatées- quecer ou ser ludibriado. Isso, sim, é que é per- verso: 6 aparentemente antimoderno porque 1ndo 6 construtor ou ut6pico, mas, no frigir dos ovos, € decididamente moderno, a0 menos no Brasil, onde o atual e o antigo se complemen- tam. Olavo Bilac, que confundia modernidade com higiene (sim, leitor, isso mesmo), almejou um Brasil melhor. mais avancado (embora a sua poesia fosse parnasiana e nao tivesse aber- to mao disso). Nas suas crénicas ressaltava 0 ideal classico da beleza e da pureza (o termo “higiene’, citado por ele mais de uma vez, que- reria dizer isso? e pureza de qué?). Um parna- siano que queria a modernidade de qualquer $38 | UNcUA PORTUGUESA EUTERATURA jeito, sem, no entanto, recuar desse principio gre- .g0 antigo. Assim disse ele numa crénica de 1904: ‘0 Brasil entrou—e jé era tempo — em fase de restauragao do trabalho. A higiene, a beleza, @ arte, 9 conforto’ jé encontraram quem thes abrisse as portas desta terra [.J O Rio de Janeiro, rincipalmente, vai passar ejé est6 pasando por uma transformacdo radical. A velha cidade, feia ee suja, tem os seus dias contados,” ‘Transformagao e atualizacao nao so coisa de ‘parnasianos, que miram o passado antigo classi- o; Bilacdeu uma de moderno quando a sujeirae adecadéncia tomaram conta da cidade e ele pode ‘ver, com os seus olhos que a terra comeria, a ur- sgéncia da reforma. Essa é a modernidade social, existencial, como a estou denominando aqui, que corre paralela tanto a modernidade livresca, as vezes contaminada pela critica a existéncia social (caso de Lima Barreto) quanto a moderni- dade particularmente modernista (os versos de Mario de Andrade e Oswald de Andrade), guiada inicialmente pelas modas europeias de expres- fo artistica. Uma verso dessas de modernidade pode estar, na experiéncia brasileira, divorciada da outra, Como exemplo disso, cito novamente Clavo Bilac. que, como poeta, declama seu amor 20 classico, através da triade beleza-higiene-arte, revelando-se atrasadissimo, no entanto, na série literaria, e, nesse mesmo lugar da escrita, mani- festa contundentemente sua impaciéncia e des- ‘gosto com os rumos da “velha cidade, feia e suje’ ‘Caso tenha ficado bem entendido, temos ue lidar com dois roteiros de modernidade: um, voltado para a literatura como desejo € utopia: outro, dirigido aos anseios de mo- demnizacao do Pais, que precisava perder seu aspecto colonial, por meio das reformas urba- nas, ainda que se precise criminalizar os mo- delos do passado. Quem vé calgada, portanto, no vé coragfo. E este é que é o nosso dilema, sempre: arrumam-se as pracas e reformam- -se 05 prédios, mas o Brasil continua, no sen- timento e na agdo social, o velho parceiro da sua dependéncia em relacao ao capitalismo de prestigio. Nada mais eloquente, nesse sen- tido, do que Olavo Bilac.. e outros envergo~ nnhados do Brasil, sem seus cafés parisienses.. A perversidade da modernidade existen- cial brasileira comeca naquela ascensio das elites citadinas, porque estas, querendo ser francesas, so cheias de rancores e precon- ceitos contra 0 pobre, o indio e o negro que fazem lembrar a precariedade e 0 doloroso subdesenvolvimento. Lamentosas, até hoje as elites reclamam, numa manifestagéo clara de ressentimento ao contrario, da nossa mis- tura ambfgua de etnias e de classes, figura ‘maxima do racismo estrutural, Aborrecem- se e impacientam-se com 0 fato de que as empregadas domésticas esto indo muito & Disney. Pois bem, para dizer que no atacado nada mudou, o principe dos poetas parnasia- nos, em crénica de 1908, retorna ao t6pico da higiene, a que nao faltou comparacao com a vvida que se levava na Europa, insistindo nes- se ideal classico que, em prejuizo nosso, con- trastivamente, parecia ter vitalidade cultural mesmo em face das mudancas da cidade, que precisava modernizar-se. Kis que, entdo, falando com horror de agrupamentos de ori- gem humilde nas ruas e pragas em momentos da realizacéo de festas populares, onde todos se juntavam e misturavam, Bilac aponta para co prejuizo que isso traria as ruas limpas e. no geral. vida civilizada como um todo: “A populacdo do Rio que, nasua quase una- nimidade, felizmente ama o asseio € a com- postura, espera ansiosa pela terminacdo desse hdbito selvagem e abjeto que nos impunham as sovaqueiras suadas [.J Na Europa ninguém, absolutamente ninguém, tem a insoléncia eo despudor de vir para as ruas de Paris, Berlim, de Roma, de Lisboo, etc, em pés no chao de- savergonhadamente em mangas de camisa.” (O modelo de modernidate, como se ve, era europeu, sempre em busca, por li, do aprimo- ramento civilizacional, aqui confundido com a limpeza das ruas, oasseio do corpo e o bem ‘rajar,conforme pensou esse Bilacde olhos ar~ regalados. Como isso afetou a modernidade li- vvresca, como estou chamando a modernidade que é estampada nos livros e nos estilos de li- teratura e de pensamento, € algo que sabemos através da nossa preferéncia pela linguagem de distinggo e de correcao gramatical, contra as quais, aliés, se puseram os primeiros mo- demnistas. influenciados pela forca otimista das transgressdes das vanguardas que se de- senrolavam na Europa. que nao quer dizer que 0s modernistas, no trato social, fossem, de coragao & convicgdo, essas criaturas que aceitassem conformadas @ mesticagem ou se sentissem efetivamente orgulhosas dela Fatalmente, diante do exposto, fica claro que nossa modernizacao era acanhada, submissa, envergonhada, a dltima das dltimas. Era uma modernidade de teatro, uma “modernidade de antomima’, como a classifica RAFAEL CARDOSO em livro recente, Modernidade em Preto € Branco, de 2022, Isso porque, no Brasil, até o antimodemo é tido por muitos como moderno. O Pais nao re- sisteao canto dassereiasdo retrocesso. Por vok ta dos anos de 1900 a 1920, 0 Brasil buscava so- fregamente a modernizacio das suas cidades, do seu pove, mas isso no litoral e nas capitais, conde comecavam a despontar pequenas rea- «desde cosmopolitismo elegante, deixando, po- +rém, a0 sabor do vento, como comentava Lima Barreto em suas crdnicas, o homem do interior (verdadeiro “Judas Asvero’.em seu vocabulério 4cido, mas certeiro), mantido em sua ignoran- cia e entregue a0 abandono pelos governos re- ppublicanos que se sucediam. E dos mais pobres ‘enegros ento— que dizer deles? RAFAEL CARDOSO Historiador da arte. ‘membra do Programa de Pts-Graduacao em Historia da Arte da LUniversiaade do Estas ‘do Rio de Janeiro © Desquisador associado {Universidade Livre de Berm. Tem diversas ‘bras publicadas, como Design para um mundo ‘complex (2012), moresso no Brasil, 1808-1930 (2009).A arte brasileira ‘em 25 quads (1790-1960) (2008). 0 desian brasileira ‘antes da design 2005), Artand the Academy in the Nineteenth Century (2000), 0 romance 0 remanescente (2016) ¢ Modernidage em Branco e Preto (2022) {ot ssp Cone sar (ec eerans Scion eis Leesa re anna ra Fea de Apes re LUNGUA PORTUGUESA E LTERATURA | 38 LINGUA VIVA / Oralidade e Escrituralidade MUITO ALEM DA TALA é DA ESCRITA 0 Diciondrio Brasileiro de Hudinilson Urbano traz a cena expresses idiomaticas e ditos populares que transmitem ideias de maneira completa or Simone Strelciunas Goh 40) Liscua PorTucuEsA Berane esde meu inicio de magistério, apesar de no ter acesso aos estudos sobre oralidade. meu discurso em sala de aula pautow-se em dar voz aos alunos, em um propésito mais do que simplesmente dia~ logar ou interagit, mas para que a lingua falada fosse objeto de observagao dos préprios estudan- tes, Pensar sobre os niveis de linguagem e as mo- dalidades escrita e falada tomna-nos mais atentos em relagao ao nosso préprio discurso, nas mais di- vversas esferas sociais, Nas palavras de BECHARA’, o ‘bom falante,e aguiincluo obom escritor,é um po- liglota em sua propria lingua. Porisso, neste texto, pretendo apresentar algumas consi- derages sobre a modalidade oral da lingua e dialogar com 0 Dicionério brasileiro de expressdes idiométicas e ditos populares, de autoria de HUOr NILSON URBANO! (Oscaminhos académicos fizeram ‘com que eu encontrasse o professor Urbano, especialista nos estudos da lingua falada, e meu contato com ‘mestre ratificou a importancia dos estudos da lingua oral. Dentre seus indimeros artigos e livros destaco aqui o dicionério sobre o qual iremos trata. SOBRE A LINGUA Urbano afirma que as modalida- des da lingua falada e escrita pos- suem forma estrutura diferentes. complementa ainda que as proprie- dades, caracteristicas e condigbes de produgio também sao diferentes. AAs caracteristicas da lingua oral Classificam-se em intrinsecas, inerentes a sua na~ tureza, como ser sonora ¢ necessitar da presenca dos interlocutores; como também extrinsecas, por ocorrer na fala, mas também ocorrer na escrita A lingua 6 composta das variedades DIATOP ‘CAS, DIAFASICAS* e DIASTRATICASE, que so intrinse~ cas a sua arquitetura, de forma que so essas va~ riedades que compoem o chamado DIASSISTEMAt No entanto, esse modelo tridimensional sO se completa com a incluso do parametro especifico oral/escrito, Dentro desse CONTINUUM’, podemos ve~ rificar que existem textos escritos que se situam ‘mais préximos ao polo da conversacao esponta- ‘nea, como ocorre em bilhetes e cartas familiares, ‘enquanto ha textos falados que se aproximam do polo da escrita formal, como verios em conferén- cias, palestras e entrevistas. Em minha tese de doutorado, observei que na lingua escrita configura-se uma situagao de co- municagdo bem diferente da oral: no temos 0 ou vinte face a face, nao conhecemas as reacdes que nnossas palavras provocam, nao dispomos de re- ‘cursos ENTONACIONAIS'. Hé apenas uma producio solitéria, pois autor e leitor no ocupam o mesmo tempo e espago no momento em que desempe- nham suas tarefas de elaborar e decodificar 0 texto escrito, de maneira que nao hé envolvimento direto entre escritor e leitor, ocorrendo apenas um envol- vimento do autor com o texto, com ‘um leitor ficticio ecom o tema. ‘SOBRE 0 CONTINUUM iz ANTONIO MARCUSCHP, em Da fala para a escrita: atividades de re- textualizagéo, afirma: As diferencas entre fala e escrita se dao dentro de tum continuum tipalégico das pré- ticas socials e ndo na relagao dico- témica de dois polos opostos.’ Em ‘uma das extremidades desse conti- znuum estaria a escrita formal e, na outra, a conversacio espontanea, coloquial. PETER KOCH e WULF OESTERRE HER" também pesquisaram sobre esse tema e asseveram que, embora nos iltimos anosos estudostenham se desenvolvida, as discussées pro- porcionadas esto em evidéncia, e isso ocorre gracas a uma distingao sistematica en- tre oralidade e escrituralidade, sob os critérios do meio e concepgao relacionados ao objeto. Primeiramente em relaco a oralidade, com 1 fenémenos universais e idiomaticos, que per- tencem a diferentes niveis de categorizagao em direcdo as investigacSes de linha cognitivista de andlise do discurso, como também aquelas rela- cionadas a teoria da literatura. Os autores fazer uum levantamento dos fenémenos linguisticos. re- lacionando-os a uma concepgao global de escritu- ralidade e oralidade. Para isso, consideram alguns questionamentos: LUNGUA PORTUGUESA E LUTERATURA | 41 LINGUA VIVA / Oralidade e Escrituralidade a, Tais fendmenos caracterizam a lingua fa- Jada em todas as comunidades humanas? . Trata-se de elementos especifices da va~ riedade falada de uma determinada lin- gua em particular? © Que posigo ocupa a lingua falada em re- Jago a outras variedades (dialeto, lingua regional, popular, coloquial}? dA lingua falada pode ser também escrita? Os termos faladojoral e escritofescritural representam a primeira instncia da realiza- (Go material das expressées linguisticas, que podem se manifestar tanto de forma sonora como gréfica. Contudo, por mais que essas di- ferencas sejam justificadas e evidentes. nao dao conta da complexa relacao entre oralida- de eescrituralidade. Entendamos assim que ha expresses re- alizadas de forma sonora, cuja configuracao apenas corresponde 8 nossa “intuigéc’ de “oralidade™ (oraqées de pésames, explicagses durante visitas monitoradas etc), Como tam- bém ha expresses genuinamente sonoras. que se instalam apenas no polo da oralidade e que sdo wtilizadas como tais marcas em gé- neros que abrem essa possibilidade, como as express6es idiomaticas eos ditos populares. O Embora os melos sonoro/gréfico represen- tem uma dicotomia restrita, a relaco entre o falado e o escrito pode ser entendida como um continuum entre as manifestacbes extremas de sua concepsao. ‘A comunicagao verbal é“produzida e trans- ‘mitida sonoramente’ pela boca e recebida pelo ouvido, e produzida e transmitida ‘grafica- mente’ pelas maos, que se utilizam do suporte fisico papel ou similar, porém ha afinidades e relagies de preferéncia que se do respecti- vamente entre 0 falado e o sonoro (conversa privada), assim como escrito e grafico (artigo de uma revista). No entanto, existem combi- rnagbes escritorsonoro (sermao religioso) faladosescrito carta particular). principio vigente em todas as formas de cexpressdo, independentemente de sua concep- ‘30. 6a possibilidade da transferéncia do meio ‘pico de sua realiza¢ao para outro meio, Um artigo de uma revista (escrito-gréfico) pode ser lido em voz alta e uma conversa privada pode ser fixada por meiodaescrita Também umacar- ta privada (falado- grafico) pode ser lida em voz alta, como uma conferéncia (escrito+sonoro) ‘pode ser registrada graficamente, ‘meio de realizacdo pode ser fonico ou gréficoe aco! da Kingua sendo falada one . Poo Ce Citta Teorey PCE Oy Codigo grafico Falada Artigo Escrito Grafico ‘Sonora. Codigo sonoro: Falada ‘Conversa Falado ‘Sonoro Escrito oat art pcan eran dare ‘Sermao religioso Escrito ‘Sonora, Escrito sgrfico (escrito) pode ser lida em vor alta, ¢ te~ ‘lamas ento a concepeao falada, J4 as expres- 0es idiométicas e os ditos populares se reali- zam, a priori, pelo c6digo fénico e sao utiliza- das oralmente, porém, a0 se incorporarem aos agneros de concepcio escrita, especificamente 0s literérios, tornam-se marcas de oralidade, fazendo com que tais géneros desloquem-se do poloescrito esejam entendidos como géne- ros hibridos. 42) Unc PORTUGUESA EUTERATURA ‘A mudanca para outro meio de realizacto podera determinar nova classificagao para 0 genero,levando-se em conta que acombinacio entre concepcio e meio parte da perspectiva cultural e hist6rico-lingufstica do enunciador. Os estudos de Koch e Oesterreicher, base- ados em EUGENI COSERIU®, ainda apontam que, embora a linguagem seja uma atividade hu- ‘mana universal que se realiza individualmen- te,pode ser estabelecida em trés niveis: univer- sal, histérico e individual: a. O nivel universal se relaciona a fala, que compreende ages gerais, operacdes lin- ‘guisticas que consistem em referir-se lin- guisticamente a algum objeto (referencia- (20), em dizer algo sobre esse objeto (predi- cagao).em situar no ternpo e espaco nossos enunciados (orientac3o deitica), em assu- mit e dividir os papéis comunicativos, em ‘nsetir os enunciados em contextos, (con- textualizagdo),em dar sentido aos enuncia~ dos a partir de objetos ou fins pragméticos (inalizacao. b. O nivel histérico compreende dois aspec- tos: as linguas individuais se concretizam por técnicas historicas e sistemas de nor- mas e, em segundo lugar, suas tradigbes discursivas, vistas pelas diferentes comu- nicacbes linguisticas (géneros, adivinhas, cangbes folciéricas, novelas, sonetos), for- ‘mas de intera¢ao conversacional (conver- sagio coloquial, confissio, informacbes, transcrigdes comerciais),estilos = manus- ‘crto, GENUS HUMILE®, AAs tradigfes discursivas devem ser levadas em conta a partir do perfil de concepcao dos discursos e sua interagao com a histéria das linguas histéricas. EMISSOR © Nivel individual ou atual refere-se ao dis- ‘curso como enunciacao particular e Gnica ‘no HiCETNUNCY: Esses fenémenos para a lin- guistica 96 so importantes se apontarem, ppor meio de seu material, para a descober- ta de regras e normas supraindividuais dos tipos esbocados em b. O nivel do discurso ¢ importante como ponto de partida de to- dos os processos de mudanca lingufstica, Os aspectos universais da oralidade e da escrituralidade conceitualmente no podem ser entendidos de forma adequada a partir de uma perspectiva puramente linguistica, pois esto relacionados intimamente com as cir- cunstancias comunicativamente_relevantes, ‘ou seja, extralinguisticas (contexto) Os participantes de um ato interativo es- tabelecem contato entre si, durante o qual, de maneira alternativa, assumem papeis comu- nicativos de emissor e receptor, produzinda ‘uma mensagem, um discurso, que se refere a objetos e circunstancias de uma realidade ex- tralinguistica, A produggo do discurso pressupde um di- ficil trabalho de formulacao que se encontra em uma zona de tensio entre a linearidade dos signos linguisticos, as normas da linguis- tica hist6rica particular ea completa realidade cextralinguistica multidimensional, O gréfico a seguir intenciona reproduzir esse trabalho de formulagao do emissore receptor: RECEPTOR LUNGuA PORTUGUESA E LTERATURA | 43

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