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D.P Prática Final 2º Semestre
D.P Prática Final 2º Semestre
Nota Prévia:
Estes são os apontamentos das aulas práticas de DIREITO PENAL, disponibilizados pela
Comissão de Curso dos alunos do 2º ano da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito
da Universidade do Porto, para o mandato de 2022/2023.
Foram elaborados pela aluna Pilar Guimarães, tendo por base as aulas e documentos
disponibilizados pelo docente Tiago Rocha.
Salienta-se que estes apontamentos são apenas complementos de estudo, não sendo
dispensada, por isso, a leitura das obras obrigatórias e a presença nas aulas.
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Índice:
REVISÃO DO 1º SEMESTRE _______________________________________________ 6
TIPO JUSTIFICADOR _____________________________________________________ 7
LEGÍTIMA DEFESA ______________________________________________________ 9
CASO N.º 1 _____________________________________________________________ 11
CASO N.º 2 _____________________________________________________________ 30
CASO N.º 5 _____________________________________________________________ 11
CASO N.º 6 _____________________________________________________________ 11
CASO N.º 7 _____________________________________________________________ 17
CASO N.º 8 _____________________________________________________________ 20
CASO N.º 9 _____________________________________________________________ 27
CASO N.º 10 ____________________________________________________________ 30
CASO N.º 13 ____________________________________________________________ 49
CASO N.º 14 ____________________________________________________________ 77
CASO N.º 15 ____________________________________________________________ 52
CASO N.º 16 ____________________________________________________________ 54
CASO N.º 17 ____________________________________________________________ 57
CASO N.º 18 ____________________________________________________________ 59
CASO N.º 19 ____________________________________________________________ 69
CASO N.º 20 ____________________________________________________________ 71
CASO N.º 23 ____________________________________________________________ 73
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REVISÃO DO 1º SEMESTRE
TIPO JUSTIFICADOR
LEGÍTIMA DEFESA
Este é o tipo incriminador mais antigo e mais sedimentado; em virtude do monopólio estadual
da coerção, pelo que só quando as autoridades públicas não conseguirem intervir em tempo
útil é que o particular pode recorrer à legítima defesa.
Ao contrário do estado de necessidade, na legítima defesa não se exige uma ponderação de
interesses, sendo que se admite a lesão de um bem jurídico inferior ao que se visa proteger.
Fundamento da legítima defesa
Para Figueiredo Dias, funda-se na proteção de bens jurídicos, assim como do ordenamento
jurídico – prevenção especial e geral.
Requisitos da legítima defesa
A doutrina divide estes requisitos em dois grupos:
1. Requisitos da Agressão
a) Agressão de interesses juridicamente protegidos - uma conduta humana
agressiva que ameace bens jurídicos protegidos
A exigência de um comportamento humano exclui do âmbito da legítima
defesa os comportamentos dos animais, exceto se estes forem usados como meio
de agressão, e também exclui coisas inanimadas.
A agressão tem de ser voluntária – exclui os atos em que a vontade está
ausente, de que é exemplo o sonambolismo.
b) Agressão Atual – uma ação/agressão iminente (o bem jurídico já se encontra
ameaçado), persistente ou iniciada
A determinação da iminência resulta das regras da experiência comum, pelo
que o que interessa é a situação objetiva e não a que o indivíduo representa.
A legítima defesa pode ter lugar até ao último momento em que a agressão
persiste (exemplo: sequestro), sendo que o critério é sempre o do momento até
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ao qual a defesa ainda é suscetível de pôr fim à agressão.
c) Agressão Ilícita
A ilicitude afere-se à luz da totalidade da ordem jurídica, ou seja, não tem
que ser necessariamente penal. Porém, ela não é ilícita, para efeitos de legítima
defesa, quando a lei preveja procedimentos especiais de tutela, assim como nos
casos das agressões justificadas/consentidas.
A legítima defesa vale para agressões dolosas e negligentes, e vale para todas
as agressões ilícitas, ainda que não culposas, pelo que pode haver legítima defesa
contra inimputáveis.
2. Requisitos da Defesa
a) Elemento subjetivo do tipo justificador – o defendente tem de conhecer e
representar que está a atuar em legítima defesa
b) Necessidade do meio
A justificação que a legítima defesa pressupõe, ao nível da defesa, é a de que
os meios nela empreendidos sejam necessários para repelir a agressão atual – o
meio tem que sem necessário, mas não proporcional.
O meio é necessário quando é idóneo para suster a agressão, isto é, capaz de
a repelir, e, havendo uma pluralidade de meios idóneos, quando for o menos
gravoso para o agressor.
O juízo da necessidade do meio reporta-se ao momento da agressão (ex ante)
e deve ter em conta todos os elementos – idade do agressor, instrumentos de
agressão, surpresa e intensidade da agressão, entre outros.
O meio menos gravoso é sempre o recurso às autoridades públicas, nos
termos do artigo 21º da Constituição da República Portuguesa, e só quando
não for possível é que se avança para outros meios idóneos.
Os meios idóneos devem ser sempre empregues numa escalada – defendente
que tem arma de fogo e o outro não, aquele deve, primeiro, ameaçar, depois
disparar para uma zona não vital e só depois para um órgão vital.
c) Necessidade da Defesa – tem de ser normativamente imposta
Limites ou exclusão da legítima defesa, no âmbito do requisito da necessidade da defesa
Existem quatro situações típicas em que se limita ou exclui a legítima defesa:
1. Situações não culposas
Todos os requisitos da legítima defesa estão preenchidos, mas o agente age sem culpa.
Aqui, quanto menos responsável for o agressor, mais restritos serão os requisitos da
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necessidade da defesa – só se admite legítima defesa quando o agressor não puder afastar-
se ou repelir o ataque sem a agressão
2. Relações de proximidade existencial
3. Vale, no essencial, o referido para a situação anterior.
4. Agressões provocadas
Casos em que é o defendente que provoca a agressão, através de comportamentos
anteriores, sendo que temos de distinguir entre situações de pré-ordenação, em que ele
provoca a situação para atacar de volta, a coberto da legítima defesa (não havendo
necessidade de defesa, nega-se a legítima defesa), e provocação sem pré-ordenação, em
que se admite a legítima defesa, mas podem admitir-se restrições fortes
5. Abissal desproporção entre o bem jurídico protegido e o lesado
CASO N.º 1
d) Imagine agora, ao invés, que o tribunal deu como provado que B actuou somente
motivado pelo desejo de vingança, de “fazer justiça pelas próprias mãos”, sendo uma
pessoa muito revoltada com o estado da segurança pública em Portugal. A decisão deveria
ser diferente?
CASO N.º 2
Resposta: D não estaria a coberto da ação direta, pois era possível recorrer às autoridades
públicas, parecendo que todos os outros requisitos estariam preenchidos
CASO N.º 3
Estado de necessidade
À custa de quem é que se salvaguarda o bem jurídico em perigo? Se for à custa do
agressor, é legítima defesa; se for à custa da esfera jurídica de um terceiro não implicado
na situação, estamos perante estado de necessidade.
O estado de necessidade precisa sempre de uma relação triangular – numa ponta, temos o
bem jurídico em perigo (pode ser do próprio ou de um terceiro); noutra ponta, temos o
agente que atua para salvaguardar o bem jurídico em perigo, à custa de um terceiro não
relacionado, que se encontra no terceiro vértice.
Neste caso, B quer salvaguardar os bens jurídicos quer de A como de C, mas fá-lo à custa
da esfera jurídica do agressor (D ou J), pelo que nunca poderíamos invocar aqui o estado
de necessidade.
Voltando ao caso:
Mesmo assim, a conduta de B não se poderia reconduzir aos quadros do Estado de
necessidade, dado tratar-se de uma ação ilícita. Este invocou, portanto, uma causa de
justificação errada.
Contudo, poderia a ação ser justificada por recurso à Legitima defesa? Vejamos os requisitos:
1. Agressão (conduta de J e D quanto aos demais)
a) É verdade que houve um comportamento humano voluntário dirigido à lesão de bens
jurídicos - a conduta de J e de D ameaça, no limite, a vida de A e de B;
b) A agressão era atual, estava em curso;
c) A agressão é ilícita.
2. Defesa
a) O elemento subjetivo damos por verificado;
b) Necessidade de defesa está preenchida;
c) Necessidade do meio - B agride D e J:
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i. Em relação a D parece, em abstrato, que tenha havido um excesso de Legítima
defesa ;
ii. Em relação a J, este requisito parece estar verificado - foi um meio idóneo e o
menos gravoso de entre os meios disponíveis, que representa um perigo menor
para a integridade física de B.
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Direito Penal – 2.º semestre – Aulas práticas – Ano lectivo de 2022/2023
CASO N.º 4
4. Na alínea a) do art. 34.º CP, é pressuposto da justificação que o perigo não tenha sido
intencionalmente criado pelo agente, salvo quando se trate de proteger o interesse de
terceiro.
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Direito Penal – 2.º semestre – Aulas práticas – Ano lectivo de 2022/2023
A doutrina e a jurisprudência fazem uma interpretação restritiva:
a) A justificação só deve ser afastada quando o agente atua em pré-ordenação e crie
intencionalmente a situação de perigo para a coberto dela ofender a esfera jurídica de
terceiro (ex.: A incendeia a habitação de B para se introduzir nela dado que tem muita
curiosidade em visitá-la);
b) Nas restantes situações, em que o agente se colocou voluntariamente numa
situação de perigo mas não o fez intencionalmente - negligência ou dolo eventual - o
Estado de necessidade deve continuar a afirmar-se como causa de justificação (ex.:
C foi fazer uma corrida para o deserto, apesar dos perigos inerentes, e alguém vai em
seu socorro);
c) A provocação intencional do perigo não deve servir para negar a justificação do
Estado de necessidade quando se trate de proteger o interesse de terceiro (ex.: se A
criou intencionalmente um perigo na casa de B mas depois se arrepende, pode usar
do Estado de necessidade para entrar na casa de B e chamar os bombeiros).
5. Nos termos da alínea b) do art. 34.º CP, está patente o princípio do interesse
preponderante
a) A lei exige que se pondere o valor dos interesses conflituantes de acordo com a
sua projeção no contexto global do acontecimento, havendo que ponderar vários
fatores:
i. A hierarquia dos bens jurídicos em colisão (pode-se usar como ponto de apoio
as molduras penais associadas aos bens jurídicos ameaçados e sacrificados,
respetivamente);
ii. Intensidade da lesão do bem jurídico (saber se o bem jurídico será
completamente aniquilado ou apenas se trata de uma lesão parcial/passageira -
ex.: perante uma ameaça temporária, um Banco é forçado a encerrar o
estabelecimento para proteção das suas reservas de ouro, para isso sequestrando
as pessoas que se encontravam dentro do banco aquando do surgimento da
ameaça);
iii. Grau de perigo afastado ou criado com a ação de salvamento.
Esta ponderação tem de ser feita objetivamente por referência à concreta situação:
concreto bem jurídico em perigo e concreto bem jurídico a lesar.
Apesar da alínea b) se referir a uma sensível superioridade, ela deve ser interpretada
como uma clara/indubitável/manifesta/inequívoca superioridade do interesse a
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Direito Penal – 2.º semestre – Aulas práticas – Ano lectivo de 2022/2023
salvaguardar em face do interesse sacrificado, dado que tratamos da lesão de um bem
jurídico de terceiro.
Perigos especiais
b) Em função de certos estados ou profissões, o ameaçado pode estar obrigado a
incorrer em perigos especiais ou a utilizar apenas certos meios para salvaguardar
interesses próprios (ex.: bombeiros, soldados, polícias);
c) Pode-se entender que só estão numa situação de perigo em condições mais
exigentes.
6. De acordo com a alínea c) do art. 34.º CP, está prevista a razoabilidade da imposição
do sacrifício ao lesado
a) Trata-se de um requisito de natureza limitativa;
b) O estado de necessidade tem também como fundamento a solidariedade social,
impondo a um terceiro o sacrifício da sua esfera jurídica em nome de um interesse
alheio.
c) Há, porém, limites para aquilo que se pode exigir a um terceiro, nomeadamente
quando esteja em causa a autonomia pessoal do lesado, uma vez que o facto
necessitado ofende, para além do seu bem jurídico, o seu direito de autodeterminação
(ex.: bens jurídicos eminentemente pessoais).
d) Este critério cumpre uma função semelhante ao da necessidade da defesa na
Legítima defesa: pode acontecer que numa concreta situação todos os restantes
requisitos do Estado de necessidade estejam preenchidos, mas, ainda assim, não se
possa exigir ao terceiro a lesão da sua esfera jurídica.
e) O exemplo mais comum é ser pedido a A que doe o seu rim a B e este recusar;
mais tarde, numa situação de urgência, A, mesmo sem ter dado o seu consentimento,
é submetido a cirurgia para que lhe seja retirado o rim de modo a salvar B. A doação
de sangue, contrariamente, não constitui um bom exemplo para este requisito.
7. O último requisito é o elemento subjetivo: o agente deve saber que está a atuar a coberto
de um tipo justificador.
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1. Situação de perigo - crise de rins do pai de F. Há efetivamente uma ameaça a interesses
juridicamente protegidos;
2. Atualidade do perigo - o perigo é atual, já se iniciou, está em curso;
3. Adequação ou necessidade do meio lesivo empregue para salvaguardar o bem jurídico
ameaçado pelo perigo - damos este requisito como preenchido, apesar de não sabermos o
que F ia fazer a casa do pai;
4. Art. 34.º/a) CP - o perigo não foi voluntariamente criado pelo agente;
5. Art. 34.º/b) CP - o bem jurídico ameaçado é sensivelmente superior ao bem jurídico
lesado;
6. Art. 34.º/c) CP - há razoabilidade na imposição do sacrifício ao lesado;
7. Elemento subjetivo - consideramos como preenchido.
Este caso é inspirado num acórdão do Tribunal da Relação do Porto. O Tribunal entendeu
que não estavam preenchidos 2 requisitos:
l A situação de perigo era puramente subjetiva e não objetiva;
l A necessidade e adequação do meio não estava verificada.
Não se creditou portanto a justificação ao abrigo do Estado de necessidade.
CASO N.º 5
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Está em causa um conflito de deveres. Nos termos do art. 36.º/1, em conjugação com o art.
31.º/2/c) CP, é uma causa de justificação/exclusão da ilicitude. O agente está obrigado a
cumprir dois ou mais deveres, mas não lhe é possível cumprir todos.
A pedra de toque, ou seja, o que permite distinguir o conflito de deveres face a outras figuras,
passa, por um lado, pelo facto de o agente se ver impossibilitado de cumprir todos os deveres
que em si recaem e, por outro lado, para cumprir um desses deveres, ter de incumprir os
restantes. São deveres excludentes entre si: o cumprimento de um leva ao incumprimento dos
outros.
Um dos deveres em causa tem de ser jurídico-penal, i.e., um dever cuja violação representa
um facto ilícito-típico. Neste caso, é o pagamento do imposto ao Estado (não liquidar o IVA).
O Doutor Almeida Costa entende que os deveres jurídicos que impendem sobre o agente
devem ser de molde a evitar ou minorar um bem jurídico de terceiro e não do próprio.
Na base do conflito de deveres, está uma ideia de inexigibilidade.
Uma questão puramente dogmática é de saber se esta figura é autónoma face ao estado de
necessidade. Para Figueiredo Dias e Eduardo Correia, o conflito de deveres, embora tenha
especificidades, não é completamente autónomo face ao estado de necessidade justificante.
Aliás, de acordo com Figueiredo Dias, é apenas relativamente autónomo. Mas, a verdade é
que, tanto no estado de necessidade como na colisão de deveres, temos um problema de colisão
de interesses.
Em tudo o que não seja específico do conflito de deveres, nomeadamente no que toca à
solução que se deve dar à colisão, ou seja, o dever que deve ser cumprido, deve então
aplicar-se subsidiariamente a teoria do estado de necessidade.
Hoje em dia, aceita-se uma autonomização da figura do conflito de deveres face ao estado de
necessidade justificante, com base nas suas caraterísticas:
l Tanto na legítima defesa como no estado de necessidade, o cerne da questão está na pessoa
que vai atuar sobre o agressor ou sobre um terceiro não implicado na situação. No conflito
de deveres, o foco está na pessoa que é onerada no cumprimento de dois ou mais deveres
cujo cumprimento cabal é impossível.
l Tanto a legítima defesa como o estado de necessidade são facultativos: o agente pode ou
não atuar em defesa de um bem jurídico próprio ou de terceiro. No caso do conflito de
deveres, o agente está obrigado a cumprir os deveres, a salvaguarda do bem jurídico é
obrigatória.
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Direito Penal – 2.º semestre – Aulas práticas – Ano lectivo de 2022/2023
l No estado de necessidade e na legítima defesa o bem jurídico que se quer salvaguardar
pode ser do próprio agente ou de terceiro, enquanto que no conflito de deveres o bem
jurídico é sempre de um terceiro.
l No estado de necessidade um dos requisitos é a atualidade do perigo, que não se aplica no
conflito de deveres.
l No estado de necessidade justificante só é possível a lesão de um interesse jurídico para
salvaguardar um outro interesse jurídico manifestamente/sensivelmente superior, ao
passo que no conflito de deveres exclui-se a ilicitude quando o agente satisfaça um dever
de igual ou superior valor (a exigência é menor).
Alguma doutrina, nomeadamente Figueiredo Dias e Eduardo Correia, entende que só existe
um autêntico conflito de deveres entre deveres de sinal igual - ou ação ou omissão. Ocorrendo
um conflito de deveres entre deveres de sinal oposto, já não será conflito de deveres, mas sim
estado de necessidade.
O Doutor Almeida Costa discorda, e grande parte da doutrina acompanha esta posição, e
defende a possibilidade de ocorrência de conflito de deveres entre deveres de sinal oposto,
desde que os deveres de ação ou omissão impendam obrigatoriamente (é aqui que se faz a
distinção relativamente ao estado de necessidade) sobre o agente.
Sempre que estejamos perante o cumprimento de deveres de igual valor (vida contra vida), e
a colisão se dê entre um dever de ação e um dever de omissão, é sempre mais importante o
dever jurídico-penal de não cometer um crime. Segundo Eduardo Correia, face a bem jurídico
de igual valor, o dever de não praticar um crime prevalece sempre.
Exemplo: Entram duas pessoas numa urgência, que necessitam de cirurgia imediatamente para
sobreviverem, e só há um médico, que terá de escolher qual das pessoas salvar.
Alguma doutrina defende, nomeadamente Figueiredo Dias, que se deve ter em conta, dando-
se prevalência, certos deveres especiais que decorrem de relações pessoais, por exemplo
deveres conjugais ou parentais. Neste caso, recai sobre o médico o dever especial de salvar o
seu próprio filho, sendo esse dever de valor superior.
O Doutor Almeida Costa discorda, com o argumento de que o Direito tem de respeitar a
liberdade de cada um, pelo que os deveres especiais que decorram de relações pessoais não
são relevantes para esta ponderação. Se os bens jurídicos forem de igual valor, o agente é livre
de cumprir qualquer um dos deveres.
Exemplo: Entram duas crianças numa urgência, uma delas filha do único médico de serviço
na urgência, que necessitam de cirurgia imediatamente para sobreviverem, e o médico terá
que escolher qual das crianças salvar.
Nesta hipótese os deveres conflituantes são de pagar o IVA ao Estado ou pagar aos seus
trabalhadores. Verificando se os requisitos do conflito de deveres estão preenchidos:
5. O dever cumprido tem de ser um dever de valor igual ou superior ao dever incumprido
Esta posição não é isenta de críticas, dado que a ponderação é feita meramente em abstrato e
não em concreto, face ao contexto global. Em determinadas situações limite, a subsistência do
trabalhador e da sua família encontra-se num plano superior ao da receita fiscal, mas não é
este o entendimento da jurisprudência.
CASO N.º 6
Requisitos do EN justificante:
1. Situação de perigo objetiva, que ameace bens ou interesses jurídicos protegidos - verifica-
se
Quanto aos demais requisitos do EN justificante, estariam também preenchidos, mas falhava
a necessidade do meio, pelo que a atuação de H não se poderia considerar justificada, logo,
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não se excluía a sua ilicitude.
B) Tenha agora em conta o complexo normativo resultante do disposto nos artigos202.º, al.
c), 203.º, n.º 1 e 207.º, n.º 1, al. a), todos do CP. A sua resposta seria a mesma?
Resulta do artigo supra mencionado que só estamos perante um furto formigueiro se estiverem
preenchidos os seguintes requisitos:
1. A subtração ou apropriação de coisas incida sobre um objeto destinado à satisfação de
uma necessidade do agente (normalmente em produtos comestíveis);
2. Que se trate de uma coisa de diminuto valor (inferior a 102€) e pequena quantidade -
preceito integrado pela jurisprudência (art. 202.º/2/c) CP);
3. Imediatismo da utilização - tem-se entendido que não pode deixar de estar relacionado
com a atualidade da necessidade que se quer satisfazer. Por vezes, traduz-se em minutos ou
segundos depois da subtração mas, em princípio, não se pode estabelecer em abstrato
nenhum limite temporal;
4. Os objetos apropriados se destinem a ser utilizados pelo agente, pelo seu cônjuge,
descendente (pessoas mencionadas na alínea a) do art. 207.º/1 CP).
CASO N.º 7
Suponha que o J2 do Juízo Local Criminal da Maia deu como provados osseguintes factos
e condenou cada uma das arguidas a dois anos de prisão suspensa na sua execução pelo
mesmo período, pelo crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1, do CP:
1. I, viúva, há alguns anos vivia sozinha em sua casa, encontrando-se ao cuidado
de familiares, por quem era auxiliada.
2. Dada a sua avançada idade e face a ser doente, I obteve auxílio e
acompanhamento domiciliário da Santa Casa da Misericórdia local, mantendo a ajuda da
sua nora J e da cônjuge do neto K.
3. Para poderem cuidar de I, ambas possuíam uma chave da casa desta.
4. No dia 14/5/2018, J e K colocaram I na cama, tendo-a enrolado com lençóis e,
com o auxílio de um outro lençol e algumas cordas, amarraram-lhe o corpo à própria
cama. Nas mãos colocaram-lhe uma luvas e, com uma corda, amarraram uma mão à outra.
Nos pés puseram-lhe uma botas e, com uma peça de vestuário e com uma corda,
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amarraram-lhe os pés um ao outro, deste modo imobilizando I.
5. Por volta das 21:30 h, e na sequência de uma chamada telefónica, soldados da
GNR, Bombeiros e uma trabalhadora da Santa Casa dirigiram-se à residência de I,
encontrando-a naquela situação de imobilização.
6. As arguidas agiram livre, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua
conduta não era permitida; ao imobilizarem I mais não quiseram que evitar que esta se
levantasse da cama e se deslocasse no interior da sua casa, já que, pelo seu estado, se o
fizesse, podia ferir-se, o que já antes havia sucedido.
Em sede de recurso, o defensor invocou que «J e K actuaram a coberto do art. 34.º ou do
art. 35.º, ambos do CP, pelo que deveriam ser absolvidas». Se fosse desembargador(a),
daria ou não provimento ao recurso?
Começando pela figura do Estado de necessidade justificante (art. 34.º CP), que exclui a
ilicitude da conduta (levaria à absolvição):
Tratar-se-ia de um Estado de necessidade defensivo, dado que o agente ofende um bem
jurídico da própria pessoa que causa o perigo. Obedece, segundo a doutrina maioritária, aos
pressupostos do Estado de necessidade ofensivo (art. 34.º CP):
1. Existência de uma situação de perigo (ou, segundo Figueiredo Dias, uma situação de
necessidade) - supõe um perigo objetivo, que ameace interesses juridicamente protegidos do
agente ou de terceiro (neste caso, a integridade física de I). Pode ter origem humana, natural
ou animal. Na ótica do Professor, neste caso concreto, só há invocação de um perigo
hipotético, não há um perigo objetivo.
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3. Necessidade do meio - adequação (tem que ser idóneo e, dentro de uma pluralidade de
meios idóneos, ser o menos gravoso) e necessidade do meio lesivo empregue para
salvaguardar o bem jurídico. Ainda que se admitisse que os requisitos anteriores estivessem
preenchidos, este não estaria.
Há obviamente um excesso de meios. I foi imobilizada na totalidade, não podendo satisfazer
necessidades fisiológicas ou alimentar-se (estas considerações resultam do acórdão em que foi
inspirado o caso).
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Como tal, K e J não se podiam prevalecer do Estado de necessidade desculpante,
mantendo-se a condenação por sequestro (art. 158.º CP?).
CASO N.º 8
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consentimento tanto pode atuar como causa de exclusão da ilicitude como causa
de atipicidade da conduta.
a) Há exclusão da tipicidade quando a declaração do consentimento
emitida pelo titular do bem jurídico corra no mesmo sentido da tutela penal do
bem jurídico - nestes casos a ação não contribui para a lesão do bem jurídico,
antes contribui para a sua mais perfeita realização;
b) Há exclusão da ilicitude quando a declaração de consentimento emitida
pelo titular correr em sentido oposto ao sentido da tutela penal do bem jurídico.
Segundo Costa Andrade, há um verdadeiro conflito entre o sistema pessoal
(autorrealização ou autodeterminação) e o sistema social (perda do bem
jurídico que competia ao Direito Penal proteger e salvaguardar), permitindo a
ordem jurídica que, em certas condições, haja exclusão da tipicidade da
conduta, quando se dê prevalência ao sistema pessoal em detrimento do
sistema social;
4. Perspetiva monista do Doutor Almeida Costa e Roxin - todo o
consentimento é causa de exclusão da tipicidade da conduta. Adotando uma
perspetiva personalista dos bens jurídicos, todos os bens jurídicos são meios de
realização da pessoa humana, instrumentais em relação a um bem jurídico superior
a todos os outros, que o Doutor Almeida Costa diz ser a vida humana. Quando se
lesa um bem jurídico, lesa-se a relação de utilidade que existe entre o titular e o
bem jurídico, na medida em que cada bem jurídico é um espaço de realização da
liberdade. Quando o titular consente na lesão do bem jurídico, ele, no uso da
liberdade, prescinde do bem jurídico. Não havendo lesão da liberdade, não existe
bem jurídico para proteger, pelo que a conduta não é atípica.
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ii. Se o erro provocado não se referir ao bem jurídico, o erro não releva.
Roxin introduz aqui uma correção: mesmo que o erro provocado não seja
referido ao bem jurídico, deve considerar-se como relevante sempre que
for reportado a uma finalidade altruística ou ainda quando, por força do
erro, a pessoa que consente é colocada numa situação análoga à do Estado
de necessidade;
b) Erro espontâneo - é o próprio titular do bem jurídico que está em erro. O erro
não releva e o consentimento é eficaz.
Neste caso, L não prestou nenhum consentimento, dado que estava inconsciente
aquando da entrada no hospital. Isto leva-nos para a distinção entre:
l Consentimento real e efetivo - o agente, de forma expressa ou tácita, declara
consentir na lesão do bem jurídico;
l Consentimento presumido (art. 39.º CP) - o agente não está em condições de
consentir expressa ou tacitamente, embora se presuma que, se lhe tivesse sido
colocada a questão, ele teria consentido. Fala-se frequentemente no Estado de
necessidade de decisão: é impossível obter um consentimento expresso ou tácito
do lesado, mas a intervenção é inadiável, pelo que não se pode esperar pelo
consentimento.
Nos termos do art. 39.º/1 CP, os requisitos equiparam-se ao consentimento real,
com as devidas adaptações: o consentimento há de dizer respeito a bens jurídicos
disponíveis e não pode ofender os bons costumes.
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Com essa impossibilidade, seria razoavelmente de supor que L iria consentir na lesão
da sua esfera jurídica. Creditava-se a causa de exclusão da ilicitude, o consentimento
presumido, ao abrigo do art. 39.º CP.
Lei n.º 25/2012, de 16 de Julho (Regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob
a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registo
Nacional do Testamento Vital (RENTEV))
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CASO N.º 9
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Se o Homem age com a convicção de que é livre, então o Direito Penal tem de
partir da hipótese da liberdade humana.
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cumprir a ordem do superior, ainda que ilegal, sem cuidar da legalidade da ordem; a
obediência funcionaria sempre como causa de justificação;
2. Teoria da legalidade - o inferior hierárquico é responsável também pelos seus atos,
pelo que tem o dever de desobedecer quando se trata de uma ordem que conduza à
prática de um ato ilícito, sob pena de ser responsabilizado por esse ato (art. 271.º/2 e
3 CRP e art. 36.º CP);
3. Teoria da respeitosa representação - aplica-se apenas a ilícitos não penais (art.
271.º/2 CRP), determinando que, a partir do momento que o inferior hierárquico se
aperceba da ilegalidade da ordem, deve transmitir ao superior e, confirmando-se a
ordem, ao ser esta cumprida, transfere-se a responsabilidade para o superior
hierárquico.
Neste caso, não estamos perante uma obediência hierárquica, pelo que não se aplica o
art. 37.º CP, visto que só se aplica a funcionários, na ampla aceção do Código Penal,
presente no art. 386.º CP. M não era funcionário, pelo que não se podia fazer valer do
art. 37.º CP.
Numa breve nota, segundo o art. 37.º CP, exclui-se a culpa ao agente que cumpre uma
ordem, sem conhecer que ela conduz à prática de um crime, não sendo isso evidente
no quadro das circunstâncias por ele representadas. O nosso código penal, ao contrário
de outros ordenamentos jurídicos, consagra um regime específico. A obediência
indevida desculpante corresponde a uma situação especial de erro sobre a ilicitude ou
falta de consciência do ilícito não censurável. A única especificidade do regime do art.
37.º CP prende-se, segundo Figueiredo Dias, com a censurabilidade da falta de
consciência do ilícito, que tem um critério mais amplo. Não se exclui a culpa apenas
em situações em que é evidente a prática de um facto ilícito.
CASO N.º 10
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Estão preenchidos dois tipos legais: ofensas à integridade física simples (art.143.º/1 CP)
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Críticas:
1. Esta conceção cai numa contradição, que se prende com a circunstância de se
considerar inimputável o doente mental mas ter como imputável o agente onerado
com uma tendência para o crime. É uma objeção que tem sido superada: só é mau
aquilo que o agente faz de mal quando podia, do ponto de vista da vontade
psicológica, agir de outra maneira. E, portanto, à luz deste entendimento, a
inimputabilidade constitui, mais do que uma causa de exclusão, um obstáculo à
determinação da culpa.
2. Roxin tem criticado esta perspetiva. Por um lado, afirma que a comunicação entre
o juiz e o arguido só muito dificilmente terá lugar em processo penal. Por outro lado,
a possibilidade de comunicação/compreensão da personalidade do agente não está
excluída quando a anomalia não se fundamenta na falta de sentido objetivo do facto
mas sim na falta de inibições.
Na ótica de Figueiredo Dias, estas críticas não devem proceder. A
incompreensibilidade impede em definitivo a qualificação do facto como culposo,
sobretudo atendendo à culpa como ter que responder pela atitude interna censurável
que o facto se exprime e fundamenta. O ato de comunicação pessoal entre o intérprete
e o arguido não se esgota na possibilidade de prestar declarações em audiência, há
que ter em conta todos os pontos do processo e todas as formas possíveis de
comunicação.
Relativamente à segunda crítica, quando o facto praticado pelo agente tem na sua
base um impulso irresistível para o crime, ou esse estado de afeto se liga com
anomalia psíquica, determinante da inimputabilidade, ou não se liga, e a exclusão da
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l Figueiredo Dias entende que, apesar de comprovável a anomalia psíquica, não são
claras as conexões objetivas de sentido que ligam o facto à pessoa do agente e
tornam esse facto compreensível. Importa que o juiz decida se, para a socialização
do agente, é preferível que ele cumpra uma pena ou uma medida de segurança, e é
nesse sentido que se deve interpretar o n.º 3. Trata-se de ter em conta esse fator
(sensibilidade do agente conseguir ser influenciável por uma pena ou por uma
medida de segurança) na decisão de saber se o agente é inimputável ou não.
O art. 20.º/4 CP trata da figura da actio libera in causa. São situações em que o estado
de inimputabilidade é culposamente provocado pelo agente, por forma a praticar o
crime nesse estado e beneficiar de uma causa de exclusão da culpa. A propósito desta
figura, há uma querela doutrinal, reconduzida a 2 teses:
1. Modelo da exceção: há aqui uma exceção ao princípio da coincidência temporal
entre imputabilidade e o facto. Neste casos, excecionalmente, a culpa não se reporta
ao momento da prática do facto mas a um momento anterior: quando o agente
provoca o estado de inimputabilidade.
a) Objeções: choca com o princípio da legalidade, na medida em que, no art. 20.º/1
CP se exige que no momento da prática do facto o agente não seja capaz de
avaliar a ilicitude do facto e de se autodeterminar com essa avaliação. A
aceitação de uma culpa prévia viola o princípio da culpa, o que é
constitucionalmente inadmissível.
2. Modelo do tipo: a execução do ilícito típico vai-se iniciar quando o agente se
coloca no estado de inimputabilidade.
a) Objeções: reconduz-se a uma ficção, que é particularmente visível quando o
agente não passa o estádio da tentativa. Esta ficção de imputabilidade é
materialmente inconstitucional, viola o princípio da culpa.
Outro problema que se coloca é distinguir a figura da actio libera in causa do art. 295.º
CP. No art. 20.º/4 CP o agente provoca o estado de embriaguez ou intoxicação para
praticar o ilícito típico e é tratado como um imputável, enquanto que no art. 295.º CP
não há uma pré-ordenação, havendo uma inimputabilidade transitória, que funda a
exclusão da culpa quanto ao ilícito típico praticado.
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Neste caso:
CASO N.º
11
Artigo 2.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro – Regime Jurídico das Armas
e Munições (Detenção de arma proibida e crime cometido com arma) – RJAM
(Definições legais)
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Saber se erro sobre a ilicitude releva ao nível do dolo ou ao nível da culpa é uma das
questões mais controvertidas do direito penal:
1. Teoria do dolo estrita: o cerne dos delitos dolosos está na consciência do ilícito
com que o agente atuou/na oposição consciente ao Direito Penal (dolus malus).
Assim, se o agente não tem consciência de estar a praticar um ilícito, excluir-se-ia o
dolo e poder-se-ia punir pela negligência, se o erro fosse censurável. Esta tese é
insustentável do ponto de vista político-criminal, porque levaria a absolvições em
massa, por força do princípio in dubio pro reo.
2. Teoria do dolo limitada: parte da teoria anterior, mas afirma que também devem
ser punidos a título de dolo todas aquelas hipóteses em que a falta de consciência do
ilícito se fica a dever a conceções do agente, de todo incompatíveis com os princípios
da ordem jurídica sobre o lícito e o ilícito. Ademais, faz uma distinção entre bens
jurídicos essenciais, como a vida e a integridade física, e não essenciais. Assim, se o
agente violasse um bem jurídico essencial, mostrava uma verdadeira contrariedade
ao Direito Penal e seria punido a título de dolo. A crítica que se faz é a determinação
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Neste caso estávamos perante um erro sobre a ilicitude. Teríamos que fazer a
avaliação se esse erro era ou não censurável, utilizando três critérios:
l Critério da vencibilidade ou evitabilidade do erro: a falta de consciência do ilícito
só não seria censurável se o erro fosse invencível ou evitável. É um critério
impraticável;
l Critério da tensão da consciência ética: o erro só não é censurável se o agente não
pode ativar a sua consciência ética. Também é impraticável e só vale para juízos
morais;
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Neste caso:
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CASO N.º 12
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A não atuou com dolo direto, a finalidade primeira da sua conduta não era matar B.
Também não atuou com dolo necessário nem dolo eventual, na medida em que não há
propriamente uma conformação com o resultado. A não ponderou seriamente a
verificação do risco e mesmo assim decidiu avançar, não havendo uma atitude interna
de conformação com o resultado.
Não estando preenchido o tipo subjetivo, neste caso, não havendo dolo (elemento
volitivo), não se pode punir A pelo crime de homicídio previsto no art. 131.º CP.
Não se trata de um ilícito doloso, mas a verdade é que o dolo não é a única forma típica
de aparecimento do crime.
Poderemos estar, nesta hipótese, perante um crime negligente de ação, mais
concretamente, o homicídio negligente do art. 137.º CP.
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ilícito negligente.
Pelo simples facto de vivermos em sociedade, cada um de nós tem a obrigação de
manter uma certa tensão psicológica de modo a ter, em todos os momentos da sua vida,
um grau de atenção suficiente para antecipar as consequências dos seus atos e deste
modo poder abster-se das condutas que levarão à lesão ou à colocação em perigo de
bens jurídicos.
De modo a evitar a lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos, o legislador só pode
exigir que:
l Os indivíduos se abstenham da prática consciente e voluntária de condutas dolosas;
l Os indivíduos mantenham ao longo da sua vida, em função das caraterísticas
peculiares de cada situação, um determinado grau de atenção para prever as
consequências dos seus atos, a fim de que não venham a provocar lesões em bens
jurídicos, sem o pretenderem (crime negligente).
Nos termos do art. 13.º CP, a punição por negligência é excecional, só sendo possível
quando estão preenchidos cumulativamente dois requisitos:
l Requisito formal, que se traduz na previsão legal expressa que o tipo também é
punível a título de negligência;
l Requisito material, que se traduz na violação de um dever objetivo de cuidado.
Seguindo a conceção do ilícito pessoal de Almeida Costa, que tem também reflexos nos
crimes negligentes: do ponto de vista objetivo, tem de haver uma atitude de leviandade
e de descuido face ao dever-ser jurídico-penal, avaliada à luz do critério do Homem
médio.
O ilícito negligente consiste na realização de um comportamento que se mostre evitável,
de acordo com a atenção e a diligência que se espera dos intervenientes na vida
comunitária e, por conseguinte, contendo a infração de um dever objetivo de cuidado,
definido em função do padrão do Homem médio.
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projetada.
b) Tipo subjetivo
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Alguma doutrina entende que nos crimes negligentes não há lugar a tipo
subjetivo. Roxin defende que existe, distinguindo entre negligência consciente
e inconsciente (art. 15.º/a) e b) CP, respetivamente). No âmbito da negligência
consciente, o agente representa a realização do ilícito típico como possível,
mas confia que o ilícito não se verificará. No âmbito da negligência
inconsciente, o agente não chega sequer a representar a realização do ilícito
típico.
Para relembrar, o tipo subjetivo é integrado ou pela representação imperfeita
ou pela não representação da realização do tipo objetivo.
Neste caso:
Interessa-nos ver se houve violação de um dever objetivo de cuidado e se é possível
imputar o resultado à conduta:
l Relativamente à imputação objetiva do resultado à conduta, seria possível fazê-lo
logo no primeiro patamar – teoria da equivalência das condições.
l No que toca às fontes do dever objetivo de cuidado, poderia ser extraído
diretamente do art. 131.º CP (fonte normativa) ou, mais especificamente, no âmbito
da legislação que regula o uso e porte de arma.
l Do prisma objetivo, tendo em conta o critério do Homem médio, a conduta de A
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Quanto à culpa, não há nenhum elemento do concreto agente que permita excluir a
culpa - é possível fazer-se um juízo de censura que tem como conteúdo material a
atitude de leviandade e descuido face ao dever-ser jurídico-penal.
Assim, punir-se-ia A pelo homicídio negligente (art. 137.º/2 CP).
CASO N.º 13
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O facto de se tratar do bem jurídico vida e a frequência com que os peões passam fora
da passadeira determinam que se trate aqui de negligência grosseira.
CASO N.º 14
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Sempre que seja evidente que os outros cidadãos não vão cumprir o princípio da
confiança, cessa esse princípio e é exigido ao agente que vai atuar a coberto do
princípio, que cesse a sua conduta. Se o agente não cessar, a morte pode ser imputada
a título de negligência (doutrina maioritária, incluindo Figueiredo Dias), havendo uma
limitação ao princípio da confiança, em conjugação com a ideia de que o Direito Penal
deve proteger bens jurídicos dignos de tutela penal.
O professor Lamas Leite discorda, dizendo que não parece razoável que se impute a
morte do infrator a quem cumpriu todos os deveres objetivos de cuidado. O agente que
atuou a coberto do princípio da confiança não incumpriu nenhum dever objetivo de
cuidado, pelo que não deveria existir responsabilidade penal (apesar de poder haver
responsabilidade civil).
Neste caso:
Segundo a teoria da conexão do risco, o resultado só pode ser imputado à conduta
se esta tiver criado ou aumentado um risco proibido para o bem jurídico e se esse
risco se tiver materializado no resultado típico. O perigo em que se concretizou o
resultado tem de ser um daqueles que corresponde o fim de proteção da norma de
cuidado.
D, circulando em estado de embriaguez, segue dentro do risco permitido no que toca
à cedência de prioridade no cruzamento e no respeito pelos limites de velocidade. A
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CASO N.º 15
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de ação.
A doutrina maioritária, nomeadamente Figueiredo Dias, entende que a maioria dos
tipos justificadores estudados a propósito dos crimes dolosos de ação, também opera
para crimes negligentes de ação.
Mais controvertida é a questão de saber com que extensão e com que requisitos essas
causas de justificação se vão aplicar à negligência. Nem todos os autores defendem
que exista uma perfeita simetria de requisitos e de extensão entre os tipos
justificadores dos crimes dolosos e os dos crimes negligentes. Parece ser de aceitar
que, na negligência, algumas causas de justificação tenham um âmbito mais lato do
que para os crimes dolosos.
Outra questão controvertida é a de saber se, nas causas justificativas dos factos
negligentes se exige ou não o elemento subjetivo do tipo justificador, ou seja, que o
agente conheça e represente que se encontra a atuar a coberto de um tipo justificador.
Prescindindo deste elemento, Figueiredo Dias e alguma doutrina alemã aceitam que
se apliquem os tipos justificadores em sede dos crimes negligentes.
A ação de defesa pode também, em teoria, ser punida a título negligente. Geralmente,
a ação de defesa é representada a título de dolo, ou seja, em situações que o agente
conhece e representa que está a atuar a coberto de um tipo justificador.
No cenário da negligência, admite-se o funcionamento da legítima defesa em tudo
quanto disser respeito à ação necessária de defesa perante o agressor, mas apenas nos
casos em que se provar que o facto doloso correspondente também estaria a coberto
da legítima defesa.
No fundo, tem de se fazer um paralelo: há uma defesa negligente e ela poderá ser
justificada com legítima defesa se a correspondente defesa dolosa também estivesse a
coberto da legítima defesa.
Da mesma forma, considera-se justificada pela legítima defesa, quando a conduta
resulta em situações ou consequências não previstas ou não queridas, desde que as
consequências pertençam aos riscos típicos do meio de defesa empregue.
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Valem exatamente as mesmas considerações que vimos para a legítima defesa. Uma
ação de salvamento em violação das normas de cuidado considerar-se-á justificada se
se provar que a ação de salvamento dolosa correspondente também estaria justificada.
Idem para as consequências indesejadas da ação de salvamento.
3. Consentimento presumido
Podem-se colocar mais tipos justificadores, mas apenas estes relevam para exame.
Nem toda a doutrina aceita que os tipos justificadores funcionem no âmbito da
negligência, nomeadamente o Doutor Almeida Costa. O resultado prático dessa
posição é igual àqueles que aceitem o funcionamento dos tipos justificadores - a
conduta estaria justificada, excluía-se o ilícito e não há punição.
Para quem não aceita o funcionamento dos tipos justificadores, entende que aqui faz
sentido aplicar, por analogia, aquela solução que a doutrina maioritária defende para
as situações em que falha o elemento subjetivo (art. 38.º/4 CP) no âmbito do tipo
justificador. Acontece que, na negligência, a tentativa não é punível, pelo que o
resultado prático será, igualmente, a exclusão da pena.
Neste caso:
Seguindo a posição de Figueiredo Dias, iremos prescindir do elemento subjetivo e
teremos que, nesta hipótese, questionar se, caso F tivesse tido a intenção de disparar
contra G, essa conduta dolosa estaria ainda coberta pela legítima defesa.
Ora, caso F tivesse tido a intenção de disparar contra G, estaria efetivamente coberto
pela legítima defesa se tivesse praticado a ação de defesa com dolo.
Seguindo a orientação do Doutor Almeida Costa, iríamos concluir pela não verificação
do elemento subjetivo do tipo justificador, aplicaríamos o regime do art. 38.º/4, mas,
como a tentativa não é punida pela negligência, o agente não seria punido.
CASO N.º 16
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Este caso prático remete-nos para a matéria dos crimes agravados pelo resultado,
prevista no art. 18.º CP. De acordo com este artigo, são crimes agravados pelo
resultado aqueles tipos cuja pena aplicada é agravada em função da produção de um
resultado que deriva da realização do tipo fundamental. Isto corresponde, na maior
parte dos casos, a um exercício interpretativo, para averiguar se há ou não um
resultado que decorra do crime fundamental, distinguindo os crimes qualificados e
os crimes agravados pelo resultado. No art. 177.º/1/a), por exemplo, trata-se apenas
de uma qualificante do crime, dado não haver resultado autónomo, mas apenas uma
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Atualmente, esta figura desapareceu e foi substituída, no art. 18.º CP, pelos crimes
agravados pelo resultado, com requisitos menos exigentes. Há uma mudança de
paradigma: nos crimes preterintencionais, a moldura penal que resultava desse
regime era sempre superior àquela que resultaria do concurso de crimes entre o crime
fundamental e o elemento agravante. Atualmente entende-se que, visto que o
resultado não é praticado com dolo, pelo que o juízo de censura é menor.
Mantêm-se como quatro os requisitos dos crimes agravados pelo resultado:
l Ocorrência de um crime fundamental, que já não precisa de ser doloso (pode ser
negligente, como as ofensas à integridade física por negligência - art. 148.º/3
CP);
l Há que se verificar um elemento agravante, que tanto pode corresponder a um
ilícito típico autónomo como pode corresponder a um simples estado, a um
facto, a uma situação que em si mesma não é criminosa (ex.: tomando o exemplo
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CASO N.º 17
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CASO N.º 18
A não pratica uma ação proibida, mas não socorre o membro do grupo. Estamos no
âmbito dos crimes de omissão - A escolhe não agir.
Quando tratámos as formas de realização típica, vimos que o tipo tanto pode ser
preenchido ou realizado através da prática de uma ação proibida como através da
omissão de um comportamento juridicamente exigido ou devido. Efetivamente, se o
crime é a lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos essenciais, compreende-se
que o Direito Penal não se baste com a incriminação das ações, mas também incrimine
a omissão, ou seja, a inação, apesar de o fazer apenas e só quando a ação, para o agente,
era juridicamente esperada e devida.
Apesar de existir uma óbvia diferença estrutural entre crimes de ação e omissão, há uma
certa simetria, em sentido inverso, entre uns e outros. A punição da ação continua a ser
maioritária. Porém, com o crescimento da sociedade do risco, há uma tendência para
aumentar em número e em significado as omissões jurídico-penalmente relevantes. Não
obstante, não se deve alargar em demasia a malha da punição por omissão, sob pena de
isso representar uma intolerável intromissão de cada um na esfera jurídica dos outros.
De forma muito simples, a omissão corresponde, tipicamente, a uma obrigação de
atuar que impende sobre o agente e que ele não leva a cargo, colocando um bem
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Todas estas dificuldades são ultrapassadas com o conceito pessoal de ação como
ato de comunicação ou, dito de outra forma, como a exteriorização de uma
intencionalidade de sentido. Esse ato de comunicação tanto serve para a ação
como para a omissão, dado que esta também exprime um determinado sentido.
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pelo que, dentro de certos limites, parece ser razoável exigir a determinadas pessoas um
pequeno incómodo para evitar a lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos.
É com recurso ao conceito pessoal de ação que se vai distinguir a ação de omissão.
Porém, existem casos de ambivalência ou de dupla cabeça, que são casos de dupla
relevância entre a ação e a omissão, hipóteses em que é relevante tanto a ação como a
omissão. Por exemplo, se o médico interrompe o funcionamento da máquina a que
estava ligado C, o resultado morte analisa-se sobre o prisma da ação (desligar a
máquina) ou da omissão (não prestar os cuidados exigíveis pela profissão que
desempenha e os quais está obrigado a prestar)?
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É preciso ter sempre presente que o crime de omissão tem como núcleo a violação de
uma imposição legal de agir. O crime de omissão só pode ser cometido por uma
pessoa sobre a qual recaia um dever jurídico de levar a cabo uma ação imposta e
esperada. Em face da situação concreta, nem todas as pessoas podem praticar um crime
omissivo, pois é preciso, de entre o conjunto de pessoas envolvidas com o facto, apurar
aquele conjunto de pessoas que estava obrigado juridicamente a intervir e não o fez.
A omissão só pode ser imputada às pessoas que estejam oneradas com um dever
jurídico de garante.
Estes dois instrumentos estão na base da distinção entre omissões puras ou próprias e
omissões puras ou impróprias.
A omissão pura ou própria abrange aqueles casos em que o Código Penal prevê
expressamente a omissão como forma de realização do crime e descreve os
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pressupostos fáticos de onde deriva o dever jurídico de atuar ou, pelo menos, referindo
esse dever e tornando o agente o garante do seu cumprimento.
A omissão imprópria ou impura abrange todos os outros casos, em que a punição da
omissão resulta da cláusula geral de equiparação à ação, prevista no art. 10.º CP.
Entre nós, o n.º 3 do art. 10.º determina que, no caso da omissão impura, se aplica o
agente a moldura penal correspondente ao crime de ação respetivo, podendo a pena ser
especialmente atenuada (trata-se de uma atenuação facultativa). Tratando-se de um
crime omissivo puro, a moldura penal resulta do próprio artigo.
I. Tipo de ilícito - o Professor Figueiredo Dias diz que existem essencialmente três
requisitos comuns a todos os crimes de omissão:
a) Situação típica - constituída pelos pressupostos fáticos que permitem determinar
o conteúdo do concreto dever de atuar (ex.: na omissão de auxílio estamos
sempre a falar de uma ação de salvamento). Nas omissões impuras, a
determinação é mais difícil. A situação típica reconduz-se à não diminuição de
um perigo que recai sobre o bem jurídico, sendo que os restantes elementos
relevantes da situação típica são determinados por referência ao delito de ação
correspondente.
b) Ausência da ação esperada - corresponde, na omissão pura, à ação que a lei
prescreve, e, na omissão impura, ao comportamento necessário e adequado para
obstar à verificação do resultado típico.
c) Possibilidade fática de ação - só existe omissão se o agente puder, pessoalmente,
levar a cabo a ação devida ou esperada. Se, para o agente, a ação for impossível,
então estaremos perante uma causa de atipicidade. Essa impossibilidade tanto
pode ser física, técnica, de conhecimentos ou de meios de auxílio (ex.: pai
paralítico e mudo que vê o filho a afogar-se).
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intervenção);
ii. O perigo em que se encontra o bem jurídico tem de ser agudo e
iminente e tem que estar em causa a lesão de um bem jurídico pessoal;
iii. O agente tem e poder levar a cabo a ação esperada sem ter de incorrer
numa situação danosa e perigosa para si mesmo, ou seja, a ação de
salvamente tem de representar para o agente um encargo irrelevante.
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Relativamente à culpa, o conteúdo material é o mesmo do que foi visto para as outras
dogmáticas.
Neste caso:
Poderíamos imputar a A o crime de omissão de auxílio (art. 200.º CP) ou o crime de
ofensas à integridade física por omissão (art. 143.º combinado com o art. 10.º CP).
Deve-se sempre verificar se o agente pode ser punido por um crime de omissão impura,
já que a doutrina e a jurisprudência defendem que o art. 200.º deve ceder, ou seja, tem
carácter subsidiário perante um dever de garante inerente a uma omissão impura, razão
pela qual, caso se aplique em simultâneo o art. 200.º e um crime de omissão impura,
prevalece o segundo.
Requisito concreto:
Sobre o agente ter a ser cargo um dever de garante, recorrendo à teoria das funções, A
poderia estar investido numa função de guarda ou de proteção. Dentro desta função,
estávamos no âmbito da assunção de funções de proteção de guarda. Neste caso
tínhamos um contrato entre o grupo e A, mas A não intervém porque o elemento do
grupo não lhe tinha pagado o preço acordado no contrato.
A comandava a expedição de alpinismo e estabeleceu uma relação contratual com os
restantes elementos do grupo, assumindo assim uma função de proteção ou de guarda
perante estes, havendo uma relação de confiança que justifica o dever de garante que
impende sobre o A, que leva a que os membros do grupo, especialmente o membro
carente de proteção, ter confiado na disponibilidade e experiência interventora de A,
dessa forma se sujeitando a riscos acrescidos ou dispensando outra proteção.
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CASO N.º 19
Estávamos no âmbito da omissão. Podíamos ter dois tipos legais em abstrato: crime de
omissão de auxílio (art. 200.º CP) ou o crime de homicídio por omissão (art. 131.º
conjugado com o art. 10.º CP). Sempre que, em abstrato, seja possível a aplicação de
um crime de omissão pura (omissão de auxílio do art.º 200.º CP) e impura, temos de
testar a possibilidade do preenchimento dos requisitos do art. 10.º CP, que permitem a
punição pelo crime de omissão impura.
Olhando para os requisitos do art.º 10.º CP:
l O crime de ação correspondente tem que se tratar de um crime de resultado - sim,
o crime de homicídio é um crime de resultado;
l Possibilidade fática de ação - também se verifica;
l Não se trata de um caso refratário;
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Logo, era possível punir B pelo crime de homicídio por omissão a título doloso.
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Neste caso concreto, estamos perante um erro sobre a posição de garante, mais
concretamente uma das situações típicas do erro sobre as circunstâncias – o erro sobre
a pessoa ou objeto. Segundo a doutrina maioritária, o erro é irrelevante se houver
identidade típica entre o crime consumado e o crime projetado ou entre o objeto
atingido e o objeto projetado, punindo-se o agente a título de dolo. Não havendo
identidade típica, a doutrina maioritária defende que ele deverá ser punido ou só pela
tentativa ou por concurso pela tentativa quanto ao crime projetado e pela negligência
quanto ao crime consumado.
Aplicava-se aqui a primeira hipótese, dado que há uma identidade típica entre o crime
projetado e o crime consumado. Logo, a resposta seria exatamente a mesma da alínea
anterior.
CASO N.º 20
Tendo em consideração que teríamos dois tipos legais de crimes em abstrato (crime
de omissão de auxílio e crime de homicídio por omissão) e sendo necessário testar a
possibilidade do preenchimento dos requisitos do art. 10.º para que houvesse punição
pelo crime de omissão impura:
Todos os outros requisitos do art. 10.º se encontravam preenchidos, pelo que há então
que verificar o requisito da fonte do dever de garante: qual era a fonte do dever de
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F entendeu que não tinha de atuar e que não tinha praticado um crime de omissão,
dado que tinha ligado para os bombeiros. Nos crimes de omissão, pune-se a não
adoção da conduta esperada ou devida. Neste caso, a ação esperada resulta daquilo
que segundo a situação típica é necessário ou idóneo para obstar à verificação do
resultado típico. Logo:
l Quanto ao primeiro argumento, no âmbito da teoria das funções, o que interessa
é a relação material ou de confiança que se estabelece entre o omitente e os bens
jurídicos carecidos de amparo, não relevando o vínculo contratual;
l Relativamente ao segundo argumento, não era devido ou esperado de F que
ligasse para os bombeiros, dado que essa ação poderia ter sido tomada por
qualquer outra pessoa na praia.
Assim, F poderia ser punido pelo crime de homicídio por omissão (art. 131.º
conjugado com o art. 10.º CP).
Relativamente a F, a solução seria a mesma. Aquilo que se podia concluir é que havia
mais do que uma pessoa onerada com um dever de garante: além de F, D, o pai de
E, também estaria onerado com um dever de garante.
Dando por preenchidos todos os outros requisitos do art. 10.º, olhemos para o requisito
da fonte do dever de garante:
Estávamos perante uma fonte relacionada com uma função de guarda e proteção e, no
âmbito das situações típicas, as relações familiares ou de proximidade existencial.
D poderia invocar duas justificações:
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l Quando diz que não interveio porque tinha feito uma refeição lauta e temeu ficar
indisposto, está a colocar em causa o requisito da possibilidade fática da ação, mas
não se poderia aplicar, dado que a congestão não tem consequências gravosas para
D;
l D poderia não se ter apercebido que quem se estava a afogar era o filho, E.
Poderíamos estar perante um erro sobre a posição de garante, excluindo o dolo e
punindo-se o homicídio por negligência, uma óbvia violação de um dever de
cuidado.
CASO N.º 23
Estamos perante atos preparatórios não puníveis em geral, nos termos do art. 21.º
CP. Isto leva-nos para o iter criminis ou caminho do crime, ou seja, as fases que vão
da preparação à execução de um crime, que são essencialmente quatro:
l Nuda cogitatio ou puro pensamento – não têm qualquer relevância jurídico-penal,
não têm materalização, o pensamento é penal e socialmente irrelevante;
l Atos preparatórios – o agente não está ainda a executar o crime, mas já está a
prepará-lo/estudá-lo. Antecedem temporalmente e segundo a natureza das coisas
a execução de ato ilícito. Como regra geral não são puníveis, mas a lei pode prever
o contrário. O legislador pode efetivamente e a título excecional prever que certos
atos preparatórios constituam desde logo crimes autónomos (geralmente crimes
de perigo abstrato - ex.: art. 262.º CP) ou punir os atos preparatórios enquanto tais
(ex.: art. 271.º CP);
l Atos de execução – fundam a punição na tentativa;
l Consumação.
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Neste caso, era da máxima importância distinguir entre atos preparatórios e atos de
execução. Os critérios que permitem determinar se estamos perante um ato de
execução estão previstos no art. 22.º/2 CP, sendo que cada uma das alíneas consagra,
respetivamente, o critério formal-objetivo, o critério material-objetivo e a
formulação de Frank, com o sentido desenvolvido por Welzel.
A teoria material objetiva diz-nos que seriam atos de execução todos aqueles que de
acordo com as regras da experiência comum e conhecimentos especiais e normais do
agente fizessem antever como possível ou provável ou pelo menos não impossível a
consumação do crime. Seria uma execução os atos que fossem já idóneos para produzir
a consumação.
Segundo a fórmula de Frank, deveriam considerar-se atos de execução aqueles atos
que segundo a normalidade social aparecem já como próximos de um perigo iminente
para o bem jurídico protegido.
Welzel diz que, para que haja um ato de execução, não basta que este seja idóneo para
produzir a consumação, mas que é ainda necessário um avançar imediato para a
execução do crime. A execução começa quando o agente dá início a um momento em
que, numa situação de continuidade, sem quebra ou uma necessidade de renovação de
vontade, vai já conduzir a um ato final de execução.
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No n.º 2 do art. 24.º são situações de tentativa acabada que ainda que o agente tenha
iniciado um processo causal destinado a evitar a consumação ou a verificação do
resultado, um ou outro vêm a ser impedidos, não por força da sua atividade, mas por
um facto independente da sua conduta.
Nestes casos exclui-se a punibilidade da tentativa se o agente se tenha esforçado
seriamente para evitar o resultado. Aqui, esforços são mais do que meras intenções de
salvamento ou preocupações, é preciso que o agente tenha efetivamente criado uma
oportunidade de salvação para o bem jurídico. O agente tem de fazer tudo aquilo que
subjetivamente pensa que teria que fazer para evitar a consumação.
Requisito comum:
A desistência tem de ser voluntária. Quanto ao requisito da voluntariedade há duas
posições:
l O Doutor Almeida Costa afirma que a voluntariedade deve ser interpretada no
sentido da espontaneidade, a desistência não se deve a qualquer pressão ou coação
de fator externo, mas não é necessário sequer que o agente abandone o projeto
criminoso (conceção psicológica da voluntariedade, com que se identificam o
Professor Lamas Leite e o Professor Tiago Rocha);
l Figueiredo Dias (conceção normativa) afirma que a voluntariedade não depende só
da pressão psicológica, mas de uma atitude interna do agente de regresso ao
Direito, um arrependimento no sentido de fidelidade ao Direito (“corresponde a
uma obra pessoal do agente que detém o domínio do facto no sentido da desistência
e toma nas suas próprias mãos a decisão de regressar ao Direito”).
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Aplica-se, nestes casos, o art. 25.º CP, que consagra a desistência da tentativa em
caso de comparticipação. A especialidade deste regime prende-se com a
circunstância de cada um dos participantes ter posições diferentes: uns desistem e
outros não.
Assim, J e L não seriam punidos, eles esforçam-se seriamente para impedir a
consumação do crime, pelo que poderiam beneficiar da isenção de pena. M,
contrariamente, seria punido pela tentativa.
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