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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LUIZ GOMES DA SILVA FILHO

EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO


FREIRE NA ATUALIDADE: UM OLHAR SOBRE O
CURRÍCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN

Orientadora: Professora Drª Rita de Cassia Cavalcanti Porto

JOÃO PESSOA – PB
ABRIL-2014
LUIZ GOMES DA SILVA FILHO

EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA


ATUALIDADE: UM OLHAR SOBRE O CURRÍCULO DO CURSO
PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade Federal da
Paraíba como cumprimento de requisito para a
obtenção do título de MESTRE em Educação na
linha de pesquisa em Políticas Educacionais

ORIENTADORA: Professora Doutora


Rita de Cassia Cavalcanti Porto

JOÃO PESSOA – PB
ABRIL-2014
S586e Silva Filho, Luiz Gomes da.
Educação do campo e pedagogia Paulo Freire na atualidade:
um olhar sobre o currículo do curso de Pedagogia da Terra da
UFRN / Luiz Gomes da Silva Filho.-- João Pessoa, 2014.
90f. : il.
Orientadora: Rita de Cassia Cavalcanti Porto
Dissertação (Mestrado) - UFPB/CE
1. Educação. 3. Educação do campo. 4. Pedagogia Paulo
Freire. 5. Pedagogia da Terra. 5. Currículo.

UFPB/BC CDU: 37(043)


4

LUIZ GOMES DA SILVA FILHO

EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE:


UM OLHAR SOBRE O CURRÍCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN

Aprovado em ____/____/2014.

Banca examinadora

______________________________________________________
Professora Drª. Rita de Cassia Cavalcanti Porto – Orientadora (PPGE/UFPB)

______________________________________________________
Professor Dr. Severino Bezerra da Silva (PPGE/UFPB)

______________________________________________________
Professora Drª. Glória das Neves Dutra Escarião – Examinadora externa (PPG-CR/UFPE)
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelo dom da vida, por guiar meus passos e me conduzir pelo
caminho do certo, ao lado dos oprimidos.

À minha mãe Francisca Maria Terto (Dona Tê) e ao meu pai, Luiz Gomes da Silva
(Seu Lucas), pelo incentivo constante e ajuda frequente. Aos meus irmãos e irmãs pelo
simples fato de existirem e colorirem o mundo.

À minha companheira Linda Carter, pela presença constante ao meu lado, e sua
família, por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes.

À minha orientadora, Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto, por ser
antes de tudo humana, tão raro hoje em dia, por acreditar neste trabalho, orientar de forma
profícua, ética, com rigorosidade, mas, sobretudo, com amorosidade. Serei sempre grato!

Ao Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) pelas conversas,


orientações e, sobretudo, pelo humanismo.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba e


aos professores que em muito contribuíram com minha formação, em especial ao Professor
Doutor Severino Bezerra Silva, que detém meu respeito e grande admiração.

À banca examinadora como um todo, pelas contribuições ao trabalho e seriedade.

À Universidade Federal da Paraíba pelo acolhimento em um momento tão adverso e


pela oportunidade de realização do curso de Mestrado.

Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN, com quem tive o prazer
de conviver, dialogar e que de forma direta ou indireta contribuíram com este trabalho.

A todos os meus amigos e amigas que de forma sempre positiva me apoiaram.


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RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo geral compreender as contribuições da Pedagogia


Paulo Freire no atual debate da Educação do Campo, como recorte analítico temos o
Currículo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Analisa assim, as aproximações que se tem hoje entre o Movimento Por Uma
Educação do Campo e a Pedagogia Paulo Freire. Entre as técnicas de pesquisa optamos por
uma aprofundada revisão bibliográfica e análise documental cujo objetivo reside na busca
pelo entendimento amplo de questões complexas e abrangentes de nossa época. Como
resultado alcançado, apresentamos algumas reflexões sobre a formulação da Estrutura
curricular do curso supracitado e a presença de princípios da Pedagogia Paulo Freire nesse
currículo. A temática pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia
Paulo Freire da Universidade Federal da Paraíba (GEPPF/UFPB) que busca dialogar sobre
as contribuições da pedagogia freireana em diversos espaços.

Palavras-chaves: Educação do Campo. Pedagogia Paulo Freire. Pedagogia da Terra.


Currículo.
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RESUMEN

Esta disertación tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la


Pedagogía de Paulo Freire en el actual debate de la Educación del Campo. Como guía
analítico, tenemos el currículo del Curso de Pedagogía de la Tierra de la Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Se analiza así, los acercamientos que se tiene hoy entre el
Movimiento Por Una Educación del Campo y la pedagogía Paulo Freire. De las técnicas de
pesquisa optamos por una profundizada revisión bibliográfica y análisis documental cuyo
objetivo reside en la búsqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y
extensivas de nuestra época. Como resultado alcanzado, presentamos algunas reflexiones
acerca de la formulación de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la
presencia de principios de la Pedagogía Paulo Freire en ese currículo. La temática
pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogía Paulo Freire de
la Universidade Federal da Paraíba (GEPP/UFPB) que busca dialogar sobre las
contribuciones de la Pedagogía freireana en diversos espacios.

PALABRAS CLAVE: Educación del Campo. Pedagogía Paulo Freire. Pedagogía de la


Tierra. currículo.
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QUADRO DE ILUSTRAÇÕES

Figura I: Região do Seridó/RN 8

Figura II: Lagoa Nova/RN 9

Figura III: Entrelaçamento entre Educação do Campo e Pedagogia Paulo Freire 59

Figura IV: Angicos nos dias de hoje (2014) 62

Figura V: Angicos/RN 64

Figura VI: Experiência de Angicos/RN 65

Figura IIV: Turma Florestan Fernandes – Pedagogia/UFRN 85


LISTA DE SIGLAS
ANFOPE - Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação

COMPERVE – Comissão Permanente de Vestibular


CONAE - Conferência Nacional de Educação

CONSEPE – Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensão

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CPT - Comissão Pastoral da Terra

DCE - Diretório Central dos Estudantes

DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais

ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agrária

GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Curriculares


GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA - Instituto Nacional de Colonização na Reforma Agrária

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MEPF - Ministério Extraordinário da Política Fundiária

MSC – Movimentos Sociais do Campo


MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
PNE - Plano Nacional de Educação
PROBÁSICA - Programa de Qualificação Profissional para Educação Básica

PRONERA - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro

PT - Partido dos Trabalhadores

SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

SUPRA - Superintendência da Política da Reforma Agrária

TRAMSE - Trabalho, Reforma Agrária, Movimentos Sociais e Educação do Campo


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UFC – Universidade Federal do Ceará

UFG – Universidade Federal de Goiás

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

UFPB - Universidade Federal da Paraíba

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNB - Universidade de Brasília

UNE - União Nacional dos Estudantes

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância


SUMÁRIO

1. O QUE ME MOVE, MINHAS RAÍZES, MEU PERCURSO, UMA VEREDA... O


ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO ..............................................................................7

1.1 O LUGAR DE ONDE FALO... ....................................................................................................7

1.2 OS SUJEITOS COM QUEM FALO; MINHA FAMÍLIA, MINHAS RAÍZES.........................11

1.3 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO: A FORMAÇÃO DO PESQUISADOR ........16

1.4 VEREDAS DA METODOLOGIA: O MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO COMO


SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRÁXIS FREIREANA ....................................................18

2. DA EDUCAÇÃO RURAL À EDUCAÇÃO DO CAMPO: UM NOVO TEMPO PRA


PLANTAR, PRA SONHAR E PRA COLHER ............................................................................24

2.1 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICAÇÕES NO CENÁRIO EDUCACIONAL .....24

2.2 EDUCAÇÃO RURAL: PONTOS DE UMA EDUCAÇÃO PAUPERIZADA ..........................29

2.3 EDUCAÇÃO DO CAMPO: NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO ...................37

2.4 PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MÚLTIPLOS


CONHECIMENTO ...........................................................................................................................43

2.5 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS: FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA


EDUCAÇÃO DO CAMPO ...............................................................................................................47

3. A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUIÇÃO À EDUCAÇÃO DO CAMPO


...........................................................................................................................................................51

3.1 CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA


EDUCAÇÃO DO CAMPO: CAMINHOS QUE SE CRUZAM ......................................................53

3.2 EXPERIÊNCIA DE ANGICOS: UM EXEMPLO DA MATERIALIZAÇÃO DA


PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO
NORTE............................................................................................................................58
4

4. RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO DO


CAMPO NA UFRN:...........................................................................................................64

4.1 CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRÍCULO DO CURSO


DE PEDAGOGIA DA TERRA DA
UFRN...................................................................................................................................70

5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTE TRABALHO..........................................81

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................85

7. ANEXOS .........................................................................................................................92
7

1. O QUE ME MOVE, MINHAS RAÍZES, MEU PERCURSO, UMA VEREDA... O


ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO

É preciso por outro lado salientar a situação incômoda em


que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que,
contemporâneos de seus colegas do Primeiro Mundo, com
eles discutem a pós-modernidade ao mesmo tempo em que
convivem em seus países com a espoliação desenfreada de um
capitalismo dependente, perverso e atrasado.

(FREIRE, 2012, p. 68)

1.1 O LUGAR DE ONDE FALO...

A vontade e a necessidade de transgredir é sem dúvida um dos maiores motivos que


me leva a formular estes escritos. A busca pela construção de um pensamento autêntico, ainda
que reconhecendo todos os riscos de o fazer, é parte do que nos move. Nesse sentido duas
questões fundamentais nos orientam, quais sejam, primeiro: qual a contribuição da
Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educação do Campo? Segundo: é possível
evidenciar no currículo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte “recorte e retalhos” da Pedagogia de Paulo Freire?

Partindo desses pressupostos inquietadores e, sabendo que a educação deve ser tratada
com extrema seriedade, nos debruçamos nesse artesanato intelectual (MILLS, 2009) com o
objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educação do Campo, sobretudo naquilo
que se refere à contribuição da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento. Conseguindo
avançar o pouco que seja nesse debate tão salutar e tão caro, estaremos, em boa medida,
contemplados. Nesse primeiro momento trago algumas experiências que me foram tanto
singulares como significativas. Por isso mesmo, escrevo em primeira pessoa do singular.

Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressão de Paulo Freire (2012, p. 25)
para iniciar a tessitura desta autobiografia; ―de uma geração que cresceu em quintais‖, nasci
na cidade de Lagoa Nova, Região do Seridó, no Estado do Rio Grande do Norte, no mês de
outubro do ano de 1986.
8

Figura I – Região do Seridó/RN

Lagoa Nova é uma cidade com características tipicamente de interior onde as ―esferas
da existência humana1‖ se inter-relacionam de forma mais segregada. Com uma população de
13.983 habitantes de acordo com o último censo, de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatísticas (IBGE, 2010), essa população divide-se quase que simetricamente entre zona
rural e zona urbana. Isso tanto tem influência na identidade da Cidade como representa um
fenômeno social que, por si, já merece uma reflexão, entretanto, não é nessa temática que
reside nosso foco.

Figura II – Lagoa Nova/RN

1
As esferas da existência humana‖ é um esquema pensado por Antônio Joaquim Severino (1994) em sua obra
―Filosofia”, em que ele apresenta a Prática Social, a Prática Simbolizadora e a Prática Produtiva como uma
engrenagem que gira na freqüência diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social.
9

Com um clima extremamente agradável a cidade tem como base econômica a


Agricultura Familiar2, que por sua vez, aquece um importante mercado interno, sobretudo no
período de novembro a março, período em que se evidencia a colheita do caju e da castanha
ou simplesmente ―safra do caju‖. Além da agricultura e do comércio, o emprego público
garante a complementação e a manutenção da economia dessa cidade. Embora haja outros
modos de complementação à economia, a agricultura desempenha papel ímpar no que diz
respeito ao desenvolvimento da cidade. O clima propício e a terra fértil são propulsores de
uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas.

Com o lema ―se plantando tudo dá‖ a região serrana apresenta uma prova mais que
concreta de que o desenvolvimento de uma região e o bem estar da população camponesa
passa diretamente por uma distribuição de terras para os trabalhadores e trabalhadoras, a
rotatividade de culturas, e a preservação do meio ambiente3, princípios que claramente se
aproximam da economia solidária, francamente enfatizada por Singer (2002) assim como
pelos movimentos sociais, uma vez que esse caminho é uma alternativa para o atual modelo
predatório de produção agrícola tradicional.

A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgânico,


rico em húmus, permite é admirável: feijão, fava, milho, encabeçam os cereais; caju, pinha,
jaca, maracujá, manga, fazem parte do grupo das frutas; além da mandioca, que é matéria
prima na fabricação da farinha e outros derivados. Outra abrangência de gêneros alimentícios
como as hortaliças irrigadas e a pecuária complementam a economia de Lagoa Nova.

Quanto às questões políticas, essa cidade goza dos vícios e vicissitudes que a grande
maioria da população brasileira enfrenta. Aqui não tenho interesse em detalhar passa a passo
essa questão, pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessária ao nosso
objetivo. Ainda assim é salutar ressaltar a grande herança oligárquica que é flagrante, quando
remeto aos nossos representantes políticos. Pequenos grupos se revezam à frente da

2
De acordo com Neves (2012) no Dicionário da Educação do Campo, esse é um termo de múltiplas
conotações, aqui ficamos com a definição de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura
patronal. Ou seja, uma forma mais política e solidária de se trabalhar a terra.

3
Nos últimos anos um fenômeno vem contrariando essa afirmativa, a derrubada dos cajueiros tem ocasionado
preocupações quanto ao equilíbrio do ambiente.
10

administração pública como se aquela lhes fosse inerente. Como se aquele fosse um direito
advindo do berço. Entretanto, aos poucos, grupos de pessoas, ainda que de forma muito
incipiente, começam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja à díade
partidária dantesca a qual parece não haver saída.

São os sabores e dissabores de se gostar de um lugar, esse lugar me compõe, é síntese


de muitas e complexas relações. Quando penso na minha cidade, resgato Paulo Freire (2012)
quando falava do Recife e sua relação de saudade para com esta cidade quando estivera no
exílio. Faço minhas tais palavras;

Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar, lutando, para
ultrapassar estruturas perversas de espoliação. Por isso quando longe dela
estive, dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste, a uma
lamentação desesperada. Pensava nela e nela penso como um espaço
histórico, contraditório, que me exige como a qualquer outro ou outra
decisão, tomada de posição, ruptura, opção (FREIRE, 2012, p.34)

Essa breve descrição acerca do meu lugar tem como propósito trazer à pesquisa o
cenário que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa
vivência implica na minha formação enquanto pesquisador. Como bem estudou Vygotsky –
durante sua curta, porém brilhante carreira como pesquisador dos processos de
desenvolvimento humano – o meio é um fator preponderante para a formação do sujeito.
Portanto, é inegável que essa cidade é parte importante daquilo ―que me move‖ algo que me
constituiu e ainda me constitui. Muito do que hoje penso, sou, ou quero ser, tem ligação direta
com esse período, com as experiências e vivências que me foram comuns àquela época. Isso
alude ao pensamento marxista, ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele, o
resultado de múltiplos e complexos processos históricos e sociais.

Paulo Freire, ao trazer à tona a importância do lugar das pessoas, suas vivências e
experiências como parte integrante da formação humana do sujeito, assim como apontar para
o lugar como produtor de conhecimentos e conteúdos, me é fulcro de compactuação e
arcabouço teórico e metodológico. Ao me referir ao termo lugar, gostaria que o entendimento
fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educação do Campo na contemporaneidade, ou
seja, como postula (CALDART Et Al., 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de
sua historicidade, não como lugar de moradia tão somente.
11

1.2 OS SUJEITOS COM QUEM FALO; MINHA FAMÍLIA, MINHAS RAÍZES

De uma família composta por oito pessoas, pai, mãe, três filhos e três filhas, certa vez
li em uma dessas revistas que o filho mais novo, chamado caçula, tem mais probabilidade de
se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando, e ainda trazia algumas provas de
grandes nomes, sobretudo da ciência que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas
suas façanhas e descobertas. Entretanto, sigo outra linha de raciocínio, coloco-me numa
posição mais racional e frontalmente de encontro a uma visão platônica, determinista e
meritocrática de sucesso. ―A ‗igualdade de oportunidade‘ é ponto importante da ideologia
capitalista, pois garantiria, aos mais capazes, aos mais esforçados, aos que ‗trabalham duro‘ o
acesso às melhores posições‖. (ROSSI, 1980, p. 71). Ora, no meu caso, ser o mais novo me
eximiu de uma época não muito remota, na qual a condição social da população brasileira era
bastante precária e o Ensino Superior privilégio restrito à classe dominante.

Depois do esgotamento da Ditadura Militar, inicia o período chamado Nova República


ou Transição democrática, porém, Saviani (2008) chamou ―transição conservadora”, pois o
período resguardou a velha formação social advinda da classe dominante do período
ditatorial.

A transição que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensão lenta,


gradual e segura‖ formulada em 1974, no Governo Geisel; e prosseguiu com
a ―abertura democrática‖ a partir de 1979 no Governo Figueiredo,
desembocando na Nova República em 1985, que guindou a posição de
presidente da República o ex-presidente do partido de sustentação do regime
militar (SAVIANI, 2008, p. 414).

Assim, o período esperançoso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou


mantendo grande parte de sua formação anterior, uma vez que continuou a relação opressor e
oprimido e a interminável exploração e expropriação dos trabalhadores, ainda que, numa
relação mais decantada e disfarçada, com outras formas de dominação e violência. Esse
cenário, explica em boa medida as grandes dificuldades econômicas perpassadas no cotidiano
da população brasileira no período de redemocratização.

Voltando às minhas experiências, entendo que se durante minha infância não enfrentei
grandes dificuldades, devo isso à batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado‖ ou ―de
meia‖ e a uma ―dona de casa‖ lavadeira, que depois passa a funcionária pública, ou seja, meu
pai e minha mãe. Se fui o primeiro da minha família a adentrar os altos e quase impenetráveis
12

muros da universidade pública brasileira, não é porque sou o melhor dos meus irmãos, sou na
verdade parte de uma estatística que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco
principal foi a área social e a educação. Uma vez coadunada essas duas áreas eu fui um dos
muitos jovens, negros, advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma
importante política sócio-educacional do então Governo Luís Inácio Lula da Silva (2002-2006
e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansão das universidades
públicas.

Obviamente que a força de vontade e os esforços pessoais foram reais, mas nunca fui
partidário do discurso meritocrático e do Estado democrático de direito que prega a igualdade
de oportunidade para todos, transferindo às pessoas o ônus pelo seu fracasso social, como se a
ascensão dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito. O pensamento liberal
afirma que a escola é igual para todos e que, portanto, cada um chega onde suas capacidades e
seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998).

Ainda com o objetivo de entender ―o que me move‖ e ―o que me constitui‖ gostaria de


voltar ao relato da minha infância. Ainda pequeno moramos no Sítio4 Humaitá, próximo à
zona urbana, espaço que foi tomado pelo rápido crescimento que a cidade adquiriu. Na época
em que moramos no Humaitá, que remete aos idos de 1987, devido a fase de vida ainda muito
incipiente, poucas são as lembranças desse período, salvo raras imagens esmaecidas pelos
anos que passaram. Desse período, restou-me muito mais histórias relatadas por meus pais e
irmãos mais velhos do que lembranças propriamente minhas. No entanto, dois fatores fazem
com que essa estadia tenha curta duração, fazendo a família retornar à cidade, a saber: os
terremotos5 que foram frequentes nesse período e o medo de um bandido chamado João
Barauna que oprimia a população local.

4
O sítio é o lugar do trabalho por excelência. Mas ele é igualmente o resultado do trabalho, pois é um espaço
construído; melhor dizendo, um conjunto de espaços articulados entre si, que lhe permite organizar-se como um
sistema de insumos e produtos. Esse espaço é o resultado, também, de um processo histórico secular em que o
ambiente foi alterado, com a gradativa eliminação da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe
era associado (WOORTMANN, 1997, p. 27)

5
No ano de 1986, grandes abalos sísmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte, o epicentro era João
Câmara, no entanto, todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade, por falta de informações e
explicações muitas pessoas entraram em pânico e deixaram suas casas. (Arquivo Tribuna do Norte)
13

Meu pai sempre repete que ―naquela época tinha que votar e vir pra casa, não podia
ficar em turminhas na rua depois da votação‖, isso nos mostra que embora estivéssemos no
processo de redemocratização do País ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo‖ que por
mais de vinte anos garantiu a perpetuação de um regime autoritário e ditatorial em nosso país,
que causou feridas cujas cicatrizes ainda são visíveis.

Em 1987, voltamos para a rua6. Minha mãe Francisca Maria (Dona Tê) dividia seu
tempo entre lavagens de roupa ―de ganho‖, tarefas do lar, além de assumir emprego de
funcionária pública do município, na função de zeladora da igreja católica da cidade. Meu pai,
Luiz Gomes, (Seu Lucas), trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da
caça como poucos. Como não detinha posses de terras ele ―alugava‖ sua força de trabalho em
sucessivas ―diárias‖ em terras alheias. Quando não era alugado, ele trabalhava em terras de
outros, não por dinheiro, mas numa relação que em muito lembra as relações feudais do
período Medieval na Europa, ou seja, a troca de trabalho por trabalho.

Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel‖ como um processo no qual ―esse camponês
estava sujeito à relação assimétrica de poder, o que lhe acarretava um ônus permanente em
sua produção‖ (WOLF, 1976, p. 22). Assim, em um modelo bastante parecido com o
desenhado por Wolf, meu pai trabalhava a terra de um grande proprietário a troco de uma
porcentagem que girava em torno de 30 a 50% (terça e meia, respectivamente) do que era
produzido, isso acarreta uma relação de exploração contínua e demasiadamente nociva para o
trabalhador.

Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a família,
inicio minha trajetória escolar. No meu percurso não frequentei creches ou pré-escolas.
Ingressei na antiga 1ª Série do Ensino Fundamental já com algumas habilidades na leitura e na
escrita, isso devido à dedicação da minha irmã Ana de Fátima (Aninha) que sempre reservara
um tempo para ensinar aos irmãos mais novos. Mesmo sendo reprovado na 2ª Série do Ensino
Fundamental não tive grandes dificuldades nas séries seguintes. Salvo uma ou outra aula de
reforço que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisição da língua
escrita.

6
Rua é termo francamente usado por populações do campo para designar cidade.
14

É importante refletirmos sobre o quão marcante pode ser a escola na vida de uma
criança. Varela e Alvarez-Uria, (1996) no texto ―a maquinaria escolar‖ afirmam que embora
seja uma instituição recente, a escola detém grande influência sobre a sociedade. Assim foi
comigo, as marcas e as lembranças do processo educacional escolar que ainda hoje são
evidentes.

Já no Ensino Médio o desempenho foi mais consciente, comecei a desenvolver um


gosto muito grande pelas ciências humanas e História, Geografia e Português eram as
disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo. Nesse momento, estávamos
morando no Sítio Figueira, o ano é 2003, ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da
roça com o meu pai, – a condição já não era mais de tamanha exploração como outrora, a
terra ainda era arrendada, no entanto, esse tratado agora se passava através de laços de
parentesco – como nas atividades da construção civil com meu irmão mais velho, Ary Gomes.
Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo à cidade, não há nenhuma
profissão segundo os estudos comparados, nas quais maior porcentagem de filhos siga a
profissão dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI, 1986). Minha
caminhada mostra que fugi a regra, entretanto, hoje, resguardo grande admiração e respeito
àqueles e aquelas que labutam e vivem na/da terra.

Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horário do dia às


atividades de leitura e redação. Em 2004, prestes a terminar o Ensino Médio, simplesmente
não sabia o que significava fazer vestibular. Hoje a situação tem mudando, mas isso era
recorrente nas classes mais pobres da população, uma vez que a universidade não é um desejo
almejado pela classe trabalhadora, não por desinteresse, mas pela falta de informação e
visualização dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares. Pelo
contrário, se propaga o discurso que ao término do 3º ano do Ensino Médio o sujeito
―terminou os estudos‖. Além disso, historicamente se praticou uma educação cujo foco está
diretamente relacionado à classe social a qual o sujeito pertence, ou seja, às classes
trabalhadoras uma educação elementar, uma vez que essa basta àqueles que irão desempenhar
funções manuais, ao passo que, às classes ricas desenhou-se uma educação para o Ensino
Superior. Essa lógica é facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso
quando ―prioriza‖ o Ensino Fundamental em detrimento do Médio, técnico e superior.
15

Entre 2005 e o início de 2007 trabalhei incessantemente na construção civil, ainda


assim continuei a reservar pequenos horários para me dedicar às leituras. Ao realizar o
vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN não tive dificuldade em
ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituição, o que atribuo, principalmente, à prática
dessas leituras. O motivo da escolha do curso até hoje me é uma incógnita, porém, uma
hipótese considerável pode ter ligação com a baixa concorrência.

No mesmo ano 2007, fui morar em Natal, para dar início ao Curso. Morador de
Residência Universitária, me dediquei, logo na chegada, às atividade de militância estudantil
em prol dos estudantes de origem popular que, moradores do interior do Estado, necessitavam
da Residência em Natal. Assim, durante toda a minha estadia na Residência Universitária me
dediquei à organização dos estudantes na busca por mais vagas nas Residências e melhorias
estruturais naquelas existentes.

Devido a essa atuação, concorri à gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE)
da UFRN e logramos êxito. Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade
de fazer algo mais. A experiência indubitavelmente me foi rica, durante um ano estive a frente
do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente.

Os cinco anos de graduação passados na Residência me foram de grande importância,


primeiramente do ponto de vista econômico, já que eu não possuía condições financeiras de
me manter fora dela. Outro ponto importante foi a convivência com a complexidade das
diversas áreas dos conhecimentos, isso me garantiu uma formação que em muito me ajudou
na vida, após minha saída daquele recinto.

Com a aproximação do término da graduação, logo veio o desejo de continuar


galgando os degraus do conhecimento, buscando aprofundar-me através do Mestrado. Tal
propósito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da
Paraíba. No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia
Cavalcanti Porto incentivo e orientação pra continuar os estudos na área da Educação do
Campo, porém, enfatizando nessa reflexão o pensamento e a contribuição de Paulo Freire.

Ainda é de grande importância destacar a atuação no estágio docente junto a turma de


Pedagogia da UFPB, participação no Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Curriculares
16

(GEPPC) desta mesma universidade e a vitória de vivenciar a criação do Grupo de Estudos e


Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7.

1.3 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO: A FORMAÇÃO DO PESQUISADOR

Imbuído de relativa consciência político-social, no ano de 2008 me aproximei da


militância do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do
Norte.

Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes
momentos, para ele:

O primeiro período é a gestação do MST (1979-1984). Esse período que


precede a fundação oficial do Movimento, é fundamental para compreender
as bases de seu processo de formação. O segundo período é o de
consolidação (1985-1989) que se caracteriza pela ampliação das ações do
movimento em escala nacional, por meio de seu estabelecimento em todas as
regiões do país e a configuração de sua estrutura organizativa. O terceiro
período é de institucionalização (1990 até o presente). Nesse tempo, o MST
se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma
agrária e é reconhecido internacionalmente. (CARTER, 2010, p. 163)

Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado. Conhecer o Centro de


Capacitação Patativa do Assaré em Ceará - Mirim/RN, e contribuir em algumas atividades
teve significativa importância para minha formação. Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de
Estudo Trabalho, Reforma Agrária, Movimentos Sociais e Educação do Campo (TRAMSE).
Esse grupo, coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo, desenvolveu a
organização do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, em parceria com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA,
DECRETO Nº 7.352 de 2010). O curso se destina a formação de assentados da Reforma

O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drª Rita de
Cassia Cavalcanti Porto, procura identificar e analisar a contribuição da Pedagogia Paulo Freire , na
perspectiva da reinvenção, nas políticas e práticas emancipadoras curriculares de formação de professores nos
sistemas públicos de ensino, bem como socializar com gestores, pesquisadores e educadores o legado freireano
para a educação.
17

Agrária. Minha atuação no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e


estudos teóricos nos intervalos do curso.

O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrência do 5º Encontro Nacional do


Movimento, realizado em 1989, que definiu a continuidade de sua expansão pelo Brasil em
pressionar o governo pela realização da reforma agrária. A primeira ocupação do MST no Rio
Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu, com 20 famílias, na Fazenda Bom Futuro, que fica
localizada no Município de Janduís/RN, (RIBEIRO, 2002). Desde aquela época até hoje,
muita coisa aconteceu e muita coisa mudou. O Movimento se tornou fundamental no
enfrentamento das grandes questões acerca da terra no Rio Grande do Norte.

O interesse pela temática da Educação do Campo tornou-se evidente devido a


aproximação com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra. No MST,
percebi que muitos dos termos da educação e das práticas educativas eram ressignificadas
pelo Movimento e que este tinha forte influência da Pedagogia Freireana, o que,
indubitavelmente, tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre
a temática a Educação do Campo.

Investigar a relação entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu


principal interesse e, por conseguinte, tema da minha monografia: ―Veredas da Pedagogia da
Terra: análise reflexiva de um percurso‖ (SILVA FILHO, 2011). Nesse trabalho procurei
refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educação voltada às populações
do campo e sua relação com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Esses relatos de experiências e autobiografia, como entende Antônio Chizzotti (2006),


representam em boa medida um caminho trilhado, as relações afetivas, os desejos, a história,
são partes que nos atravessam e que nos constitui também. A academia costuma nos dissecar,
tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente, quando a relação é justamente o
contrário. Os sujeitos aparecem como a-históricos, não têm família, não têm amores, não têm
lugares. Esses escritos iniciais têm justamente essa finalidade, situar o pesquisador antes de
tudo como gente, como sujeito, que, como escrevera Freire (2012), está no mundo, mas
também com o mundo e com os outros.
18

1.4 VEREDAS DA METODOLOGIA: O MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO A


PRÁXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO

Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo, a contextualização dos fatos,


tanto no tempo histórico como no espaço, foi ponto de constante atenção. Não queremos
jamais cair no equívoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa, sobretudo preocupamo-
nos em não perder o homem como inventor da história, como produto e produtor dessa
narrativa.

Nesse mesmo sentido Ball (2011, p.38) critica a pesquisa cujo sentido esteja
desvinculado dos fenômenos sociais e históricos de que é resultado; ―Há, é claro, aspectos
temporais adicionais nos processos políticos e nas análises desses processos, mas, na prática,
muitas pesquisas sobre políticas educacionais não tem nenhum sentido de tempo. O aspecto
negligenciado mais óbvio é um extravagante a-historicismo‖ .

Gatti (2007, p.11) afirma que a pesquisa em educação no Brasil vem se configurando
como um campo em consolidação. ―Nos últimos anos pode-se observar um aumento
significativo de pesquisas, publicações, grupos de pesquisa, linhas de pesquisa em programas
de pós-graduação e eventos específicos sobre políticas sociais e educacionais‖.

No século XIV, Agrícola havia aconselhado aos seus contemporâneos que

―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado até então‖ e o
mesmo aconselhava , já no século XVI, Bacon, Descartes, e Pascal. ―O
primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo, o segundo, que só a
evidência poderia convencer alguém, ao passo que o terceiro insistia em que
a experimentação era o único critério seguro no campo científico. (PONCE,
2010, p.126, grifo do autor)

As pesquisas e suas configurações variaram muito até os tempos de hoje, alguns


pesquisadores se filiam às novas tendências, outros permanecem crentes da consistência da
corrente teórica a qual são simpáticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda dá
conta de forma satisfatória do entendimento e da crítica necessária às questões que a realidade
enseja.
19

Desse modo, continuamos nos filiando à corrente histórico-crítico de analisar a


realidade com base no materialismo histórico-dialético e na práxis educativa de Paulo Freire,
uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontológico do ser social, não prescinde o estudo da
gênese histórica da especificidade da sociedade‖ (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 37). ―A
pesquisa não é, de modo algum, na prática, uma reprodução fria das regras que vemos em
alguns manuais. O próprio comportamento do pesquisador em seu trabalho é-lhe peculiar e
característico‖ (GATTI, 2007, p. 11). Isso se deve indubitavelmente a um complexo de
múltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histórico. Enquanto
gente.

Este conhecimento como objeto de dado, alheio a qualquer traço de


subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca científica ao
serviço das necessidades humanas, para resolver problemas práticos. O
investigador estuda os fatos, pela própria ciência, pelo propósito superior da
alma humana de saber. Não está interessando em conhecer as conseqüências
de seus achados. Este propósito de espírito positivo engendrou uma
dimensão que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns
meios, se levanta como bandeira verdadeira: a da neutralidade da ciência
(TRIVIÑOS, 1987, p. 37).

Para nós, a busca pelo conhecimento é ponto nevrálgico para contribuir com o atual
debate da Educação do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire. Nessa perspectiva estudar
esse fenômeno sem fim, nem finalidade, seria ignomínia da nossa parte.

Pensando numa perspectiva teórica que atenda aos interesses almejados e tendo em
vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos, assim como as disputas inerentes
ao tênue e conflitante tecido social, temos como metodologia, o materialismo histórico
dialético e a práxis educativa de Paulo Freire, pois esta perspectiva vincula de forma
satisfatória as questões abordadas nesse estudo à dinâmica da realidade material dos sujeitos
envolvidos, e, reflete a construção histórica dos fenômenos com destaque para as
transformações sociais que esta construção enseja.

A compreensão da práxis educativa em Paulo Freire se encontra diluída em toda a sua


pedagogia, como essa pedagogia é bastante ampla, abordaremos os principais elementos que
se encontram ligados ao materialismo histórico dialético, procurando dialogar as interfaces
dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade. Na práxis educativa
de Freire, assim como no materialismo histórico dialético a mera especulação filosófica não
20

garante subsídio, não basta apenas interpretar o mundo, é preciso tratar de transformá-lo
(FREIRE, 1983).

A história da dialética é demasiadamente longa, por isso não pretendemos aprofundar


essa temática, esclarecemos apenas que, nesse trabalho, adotamos aquela cujo viés é marxista,
em que pese haver uma vasta gama de outras possíveis compreensões da dialética. A
concepção marxista encontra suporte no materialismo e na história para a explicação dos
fenômenos;

Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações


determinadas, necessárias, independente da sua vontade, relações de
produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui
a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva
uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas
formas de consciência social. O modo de produção da vida material
condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral.
Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social
que, inversamente, determina a sua consciência. (MARX, 1973, p. 28-28).

Esforçamo-nos em compreender como a história da Educação do Campo bebe da


Pedagogia Paulo Freire, onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam. Cheptulin
(1982) aponta para dialética como sendo formas gerais de estudar o ser, os aspectos e os laços
gerais da realidade, as leis do reflexo desta última na consciência dos homens, pensamento
fortemente presente na pedagogia freireana, em que o ponto de partida da história e da
realidade são os sujeitos reais (FREIRE, 2011).

Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialética materialista dentro de uma concepção
metodológica;

Não se trata de pensar toda a história da educação, pois o que teríamos seria
o ponto de vista da dialética, ou melhor, uma leitura dialética do que foi a
educação até hoje. É o que já fez, por exemplo, o grande filósofo e
historiador argentino Anibal Ponce, mostrando como a educação, enquanto
fenômeno social ligado a superestrutura, só pode ser compreendida através
da análise sócio-econômica da sociedade que a matem [...] O mérito de
Anibal Ponce está justamente em colocar em evidência o princípio da
dialética da relação entre a consciência e a estrutura econômica, mostrando
como a luta pelo direito a educação e à cultura acompanhou a luta pelos
demais direitos, enfim, a educação não está separada da luta de classe
(GADOTTI, 1983, p. 39-40).
21

O Materialismo histórico-dialético é a ciência filosófica do marxismo que estuda as


leis sociológicas que caracterizam a vida da sociedade, de sua evolução histórica e da prática
social dos homens no desenvolvimento da humanidade. O Materialismo histórico significou
uma mudança fundamental na interpretação dos fenômenos sociais, que até o nascimento do
marxismo se apoiava na concepção idealista de sociedade humana (TRIVIÑOS, 1987).

Quando é adotada a perspectiva materialista histórico-dialética, o


desenvolvimento da humanidade é analisado como um processo histórico
contraditório, heterogêneo, que se realiza por meio das concretas relações
sociais de dominação que tem caracterizado a história da humanidade até
aqui (SAVIANI; DUARTE, 2012, p. 39).

Karel Kosik, autor da ―Dialética do concreto‖ publicado em 1963, um dos mais


eminentes expoentes do marxismo, trabalha a realidade em sua totalidade, não se limita as
análises das partes, mas procura estabelecer o caráter dialético entre as partes e o todo. Ele
analisa a ―realidade como um todo estruturado, dialético, no qual ou do qual um fator
qualquer (classes de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido‖
(KOSIK, 2010, p. 44), o que configura uma compreensão bastante satisfatória para nossa
análise, cujo objetivo é entender como as diferentes partes de uma realidade formam o
fenômeno abordado.

Na pedagogia freireana, cujo assento é a práxis educativa, a compreensão da realidade


é ponto chave para a tomada de conscientização dos sujeitos. Para Freire (1987) a realidade é
construída historicamente, sendo passiva de mudança, nega-se assim, o determinismo de uma
realidade estática, pronta, imutável. Para ele a superação do estado de opressão é uma tarefa
ontológica do homem.

Esta superação não pode dar-se, porém, em termos puramente idealistas. Se


faz indispensável aos oprimidos, para a luta por sua libertação, que a
realidade concreta de opressão, já não seja para eles uma espécie de ―mundo
fechado‖ (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual não pudessem
sair, mas uma situação que apenas os limita e que eles podem transformar, é
fundamental, então, que, ao reconhecerem o limite que a realidade opressora
lhes impõe, tenham, neste reconhecimento, o motor de sua ação libertadora.
(FREIRE, 1987, p. 19)

Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo prático, cujo princípio não se


pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplação. Isso rompe
com a oposição estanque sujeito/objeto e concebe, alternativamente, a atividade humana como
22

uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo. Desse modo o homem é


simultaneamente, fruto das circunstâncias históricas e agente de mudança das mesmas.

Na contribuição deste estudo, optamos por uma investigação no campo da pesquisa


qualitativa, realizando um levantamento bibliográfico e uma análise documental. Segundo Gil
(2002, p.46),

O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da


pesquisa bibliográfica. Apenas cabe considerar que, enquanto na pesquisa
bibliográfica as fontes são constituídas, sobretudo por material impresso
localizados nas bibliotecas, na pesquisa documental, as fontes são muito
mais diversificadas e dispersas.

A par disso, realizamos uma busca em documentos da Universidade, do Curso de


Pedagogia e também da Comissão Permanente de Vestibular (COMPERVE), e nos ocupamos
em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, uma vez que este constitui nosso recorte analítico.

Devido à dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso,


espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte, concordamos com Gil (2002, p.46),
quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental é não exigir contato com os
sujeitos da pesquisa. É sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos é difícil ou até
mesmo impossível. Em outros, a informação proporcionada pelos sujeitos é prejudicada pelas
circunstâncias que envolvem o contato‖.

Para dialogar com essa perspectiva metodológica, trabalhamos com autores cujo
assento, é, tanto a resistência como na transformação do status quo social, como a
organização coletiva na busca por direitos historicamente negados. Nesse sentido, Aroyo
(2011; 2009), Caldart (2012; 2010), Freire (1983; 1991; 2011; 2012), Gadotti (1983, 1996,
2000), Ribeiro (2010), Saviani (2008), Apple (2012), Giroux (1986) entre outros. Além disso,
a análise dos marcos legais que norteiam a Educação do Campo também foi de grande
importância para a formulação da nossa base de sustentação.

Por fim, entendemos que na pesquisa social há uma relação definitiva entre o
pesquisador e o seu campo de estudo. ―A visão do mundo de ambos está implicada em todo
23

processo de conhecimento, desde a concepção do sujeito, aos resultados do trabalho e à sua


aplicação‖ (DESLANDES, et al., 1994, p. 14). Seguindo essa linha, percebemos o quão
próximos estamos de todas essas questões trabalhadas e, na verdade, que nossas escolhas,
nosso objetivo, nossa metodologia não é, nem poderia ser, obra do acaso, é na verdade fruto
da nossa formação social enquanto o sujeito, mas, sobretudo, enquanto gente.
24

2 DA EDUCAÇÃO RURAL À EDUCAÇÃO DO CAMPO: UM NOVO TEMPO


PRA PLANTAR, PRA SONHAR E PRA COLHER

Não quero dizer, porém, que, porque esperançoso,


atribuo a minha esperança o poder de transformar a
realidade e, assim convencido, parto para o embate sem
levar em consideração os dados concretos, materiais,
afirmando que minha esperança basta. Minha esperança
é necessária mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a
luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia. Precisamos
da esperança crítica, como o peixe necessita da água
despoluída.

Paulo Freire, Pedagogia da Esperança, 1992

2.1 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICAÇÕES NO CENÁRIO


EDUCACIONAL

A Reforma do Estado e a reestruturação produtiva das décadas de 1980 e 1990, assim


como a consolidação das políticas neoliberais no campo econômico e social, representam um
divisor quando nos referimos à atuação do Estado frente à garantia de políticas (SADER;
GENTILI. 1995). Essas transformações têm significativa influência no campo educacional, e
é disso que trataremos agora.

Luiz Fernandes Dourado, em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX


Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande – PB em 2012, afirma que
não se pode compreender as políticas educacionais se não fizer isso de maneira
contextualizada, quais sejam as condições objetivas em que elas são produzidas. Obviamente
a economia tem papel de destaque na determinação dessas condições. Silva (2011), tratando a
questão à luz do pensamento de Michael Apple, afirma que as características da organização
da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais,
como a educação e a cultura, por exemplo.

Para tanto, antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicações na educação é


salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentação dessa reforma; o
25

neoliberalismo. Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu
logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava
o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista de
bem-estar. O pensamento neoliberal, foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho
do economista austríaco Frederich Hayek (BALL, 2011; SADER; GENTILI, 1995).

O surgimento do neoliberalismo após a Segunda Guerra e sua posterior


consolidação a partir da década de 1980, trazem consigo um formidável
ataque contra o igualitarismo e a ‗solidariedade coletivista‘ em quaisquer de
suas formas: desde a aparentemente mais benigna, o ‗Ministério do Bem-
estar‘ das sociais-democracias européias, até a mais virulenta (a juízo dos
ideólogos neoliberais) corporificada no ‗modelo soviético‘ vigente na União
Soviética e nos países do Leste Europeu. Ambas as variantes, nas palavras
de Hayek, se movimentavam em prol de um mesmo objetivo: a construção
de uma sociedade de iguais. Eram, por isso mesmo, rotas alternativas que
desembocavam em um mesmo desastre civilizatório: a servidão moderna
(BORON, 2000, p.55).

Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo
econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa
longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com
altas taxas de inflação, mudou tudo. ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstáculo para o
crescimento do capitalismo. A crise da década de 1970 foi a expressão do esgotamento de um
modelo baseado na produção em massa, de um lado, e no chamado Estado de Bem-Estar
social de outro‖ (DEL PINO, 2011, p. 67). A partir daí as ideias neoliberais passaram a
ganhar terreno.

Expoente fundamental na difusão do neoliberalismo, Margaret Thatcher 8 encontra-se


não tanto na negativa da existência de sociedade, mas em sua radical e desoladora
reimaginação da sociedade civil. Ela se apoia em um renascimento do individualismo
competitivo e em um novo tipo de cidadão-consumidor (BALL, 2011).

As reformas econômicas de ―Ajuste estrutural‖, implementadas na América Latina


estão baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington‖ (NASCIMENTO;
QUAIOTTI, et al.,1997). São medidas que visam à abertura de economias nacionais,

8
13 de outubro de 1925 — 8 de abril de 2013
26

desregulação dos mercados, cortes nos gastos sociais, flexibilização dos direitos trabalhistas,
privatização das empresas públicas e o controle do déficit fiscal. No Brasil, após a
constituição de 1988, várias emendas constitucionais vêm sendo aprovadas com o objetivo de
desregulamentar a relação capital/trabalho (DEL PINO, 2011).

Ball (2011,p. 23) explica que ―durante os últimos quinze anos, temos testemunhado no
Reino Unido, e também na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das
sociedades desenvolvidas, uma profunda transformação nos princípios de organização da
provisão social, especialmente no setor público‖. Del Pino (2011) citando Borón e
Hobsbawm, afirma que essas transformações, também chegaram a países do hemisfério norte
e sul, em especial na América Latina. Afirma ainda que o século XX que iniciou como o
século das massas, se despede ―como século do desemprego em massa‖ (DEL PINO, 2011,
p.65).

Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussão. A reforma
tem início na década de 80, mas como vimos, tem sua gênese bem antes. ―Na verdade, há uma
tendência notável a um ―pós-1988‖ (BALL, 2011, p. 38). Isso significa que muitos
pesquisadores utilizam a reforma de 1988, como ponto zero, excluindo em boa medida o que
a antecedeu.

Essa introdução também tem como objetivo mostrar as implicações da reestruturação


produtiva no campo educacional. Quais as consequências da reforma pra nós pesquisadores,
estudantes, professores e trabalhadores na educação em geral? De início, vale salientar que a
reestruturação tem como uma de suas finalidades a adequação dos modelos produtivos ao
novo modelo econômico insurgente, chamado por Ball (2011) ―pós-fordismo‖, que
―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos‖. Isso já nos
remete à implicação de que a educação passa a ser vislumbrada como um campo fértil e rico
em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal.

Essas mudanças não se restringem ao campo produtivo, mas de forma muito concisa
ao campo da individualidade dos sujeitos, das subjetividades. ―De este modo, no sólo nos
encontramos en un momento de imposición de un determinado modelo de producción y
distribución de la riqueza, sino además en un proceso de resocialización, de reorganización
de los sentidos con los cuales convivíamos‖ (ALMANACID; ARROYO, 2011, p. 264). Essa
27

posição é ratificada por Ball (2011, p. 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturação
é a formação de novas subjetividades ‗profissionais‘. Não simplesmente o que fazemos
mudou; quem nós somos, as possibilidades de quem deveríamos nos tornar também
mudaram‖.

Nesse momento, assistimos a educação brasileira experimentar as consequências


danosas dessa nova dinâmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal, como por
exemplo, a ênfase na supervalorização de índices de qualidade e eficiência. Essa construção
teve como assento o pensamento hegemônico de que esse seria não somente o melhor
caminho, mas também o único, para fugir da falência estatal.

Sob a ideologia da globalização, os governos dos países dependentes, entre


eles o Brasil, acenam com a necessidade de integração à economia mundial,
dentro dos padrões propostos por esta integração, como único meio de afastar
a degradação social e o aprofundamento da condição de pobreza destes países.
Todavia essa hipótese é falsa. A integração através do atual padrão de
desenvolvimento é impossível (DEL PINO, 2011, p.66).

A ideologia neoliberal ganha ênfase, sobretudo, com a derrocada dos governos


socialista, principalmente com o fim da União Soviética e do comunismo na Europa Oriental
(SADER; GENTILI, 1995). Na contramão desse processo emerge uma crítica tanta ao novo
modelo de sociedade, como ao paradigma vigente de educação.

Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e


desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de
sociedade no qual o fatalismo ou o discurso pós-moderno de ―[...] obstáculos insuperáveis‖
(FREIRE, 2012, p. 48) não predomine. A pedagogia histórico-crítica e contra-hegemônica,
fruto tanto de uma opção ideológica de sociedade como do período de reabertura política de
meados da década de 1980, desempenha papel central nesse momento histórico.

É importante destacarmos a colocação da expressão ―contra-hegemônica‖, pois ela


costura este texto por vários momentos. Ainda que Gramsci não tenha trabalhado o conceito
de contra-hegemonia, sendo esse uma formulação de Carlos Nelson Coutinho9 estamos

9
Carlos Nelson Coutinho é um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil.
28

amparados no inverso desse termo, ou seja, a hegemonia, termo exaustivamente pensado por
Gramsci.

A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto


político um bloco mais amplo não homogêneo, marcado por contradições de classe. Desse
modo, hegemonia é algo que se conquista por meio da direção política e do consenso e não
mediante a coerção. Pressupõe, além da ação política, a constituição de uma determinada
moral, de uma concepção de mundo, numa ação que envolve questões de ordem cultural, na
intenção de que seja instaurado um ―acordo coletivo‖ (GRAMSCI, 1991). Para Coutinho
(1999), é a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse
geral da sociedade. Nesse sentido, a colocação da expressão contra-hegemonia está
intrinsecamente ligada ao conceito de resistência, de luta.

Dourado (2012) afirma que se a tradição do estado brasileiro é ainda marcada por um
estado patrimonial, em que pese ser este país a sexta economia do mundo, para Fernandes
(1995), é um estado ―desigual e combinado‖. Nós temos desde o maior avanço tecnológico a
condições de miserabilidade, é nesse tensionamento, é nesse caldeirão cultural, social, político
e racial que vão se traduzindo o horizonte das políticas públicas.

Dourado (2011) nos mostra que a história da educação brasileira é marcada por
disputas entre diferentes projetos de educação e sociedade. O atual debate acerca do Plano
Nacional de Educação (PNE) apesar de parecer recente, data da década de 1930, quando os
Pioneiros elaboraram o primeiro esboço de Plano, arquivado logo em seguida pelo Estado
Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar.

Ainda conforme Dourado (2011, p. 23) ―A Constituição Federal de 1988, resultante de


amplo processo constituinte, avança consideravelmente no campo dos direitos sociais‖. A
Constituição determina que o Senado crie planos e programas nacionais. O primeiro PNE (Lei
nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duração
no Governo Fernando Henrique Cardoso, no entanto, o Governo do PSDB não considerou o
plano como referencial para suas ações.

Em 2010, com o prazo de vigência do PNE prestes a expirar a sociedade civil,


organizada pelo Fórum Nacional de Educação (FNE) realiza a I Conferência Nacional de
29

Educação (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lançado
pelo Congresso Nacional em 2011. O novo Plano Nacional de Educação (PL 8035) se
configura dentro de um complexo campo de disputas de forças. Nesse sentido a sociedade
civil está mais uma vez realizando conferências de educação municipais, intermunicipais,
distrital e estadual, que culminarão na Conferência Nacional de Educação de 2014, cuja
finalidade é garantir a aprovação de um plano articulado nacionalmente, democrático e
popular (CONAE, 2014).

Nesse contexto de efervescência é de fundamental importância a atuação dos


movimentos de resistência do campo na luta por educação. Esse movimento contra
hegemônico é importante para fazer frente às políticas neoliberais que avançam na
contemporaneidade. Nesse sentido, a Educação do Campo passa a ser vista enquanto
propositiva de uma educação que escapa tanto à pedagogia da hegemonia, como ao modelo
rural de educação, que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da história
(ARROYO, 2009). Mesmo com todas as contradições e ressalvas que são necessárias,
estamos, pois, vendo emergir um contraponto fundamental, uma pedagogia politizada,
assentada em princípios críticos que tem como foco o sujeito.

Feita essa breve retrospectiva histórica, iniciamos nesse momento o debate sobre a
Educação Rural e como a superação desse paradigma é essencial para alcançar a Educação do
Campo, cujos princípios têm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questões que
reclamam mudanças estruturais no seio da sociedade brasileira.

2.2 EDUCAÇÃO RURAL: PONTOS DE UMA EDUCAÇÃO PAUPERIZADA

Apesar de evidenciarmos avanços importantes no campo educacional, o analfabetismo


ainda é um empecilho para a construção de uma sociedade mais autônoma, tanto do ponto de
vista do desenvolvimento econômico do país, como da emancipação humana dos seus
cidadãos. Ainda há uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construírem
melhores condições sociais de vida. Esse problema se intensifica quando tomamos como foco
de investigação a zona rural brasileira. Segundo dados do último estudo do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2009) os índices referentes ao analfabetismo das
populações do campo, por exemplo, são sempre superiores quando comparados com as
populações residentes na zona urbana.
30

Ainda segundo o estudo, no meio rural há uma grande desigualdade de renda entre os
ricos e pobres, uma vez que os primeiros são os ―donos‖ das terras e os segundos, são sempre
aqueles que trabalham nela. Sabe-se que em sociedade como a nossa, a posse da terra é
condição primária para ascensão social, política e econômica de um povo;

Nas sociedades predominantemente agrícolas a propriedade da terra é a


principal fonte de poder econômico, político e social. Como uma regra
simples, podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra
possuída maior será o poder de seu proprietário (FEDER apud SHALIN
1976, p. 73, tradução nossa)

A citação acima nos ajuda a entender, por um lado, a posição social privilegiada que as
classes detentoras de terras ocupam até os dias de hoje. A concentração da terra tem causado
ao longo da história grandes prejuízos às populações do campo, a falta de escolas e o
consequente analfabetismo é uma marca desse fenômeno de privação. Nesse momento é
necessário resgatar a urgência de uma Reforma Agrária popular no Brasil como forma de
atenuar esse grande déficit histórico. Freire (2012, p. 65) mostra que a não realização de uma
reforma agrária séria é mais uma forma de manutenção de privilégios da classe dominante:

[...] Ao mesmo tempo, contudo arquivam a realização de reforma agrária


sem a qual se estrangula qualquer transformação séria nesse país. Nenhuma
sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agrária,
absolutamente indispensável à criação e a manutenção de um mercado
interno. É por isso que já não falam em Reforma Agrária e não porque seja o
seu processo uma velharia e sua realização um desrespeito à propriedade
privada, como afirmam os donos do mundo e das gentes. ( FREIRE, 2012, p.
65)

O monopólio da terra causou feridas profundas, cujas cicatrizes ainda estão abertas no
seio da sociedade brasileira, e que, portanto, ainda são condicionantes que a sociedade precisa
enfrentar para alcançar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo.

Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localização, observa-se


que, na população rural, a taxa de analfabetismo é de quase 22,8%. Já para a população
urbana/metropolitana esse índice é de 4,4%‖ (IPEA, 2009, p. 10). Esses dados nos auxiliam
na explicitação de uma realidade extremamente desigual, marcada por preconceitos e
esquecimento. Não é um dado estatístico tão somente, mas antes de tudo é um flagrante, uma
prova da exclusão secular que os sujeitos do campo brasileiro vêm passando. Freire (2011)
31

aponta para esse processo como a negação da humanização, negação das vocações dos
homens, vocação negada na injustiça, na exploração, na opressão e na violência dos
opressores.

Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educação Rural reside no


bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra. Ribeiro (2012, p.
293) afirma que ―[...] para definir educação rural é preciso começar pela identificação do
sujeito a que ela se destina‖. Isso significa que as pessoas que estão vinculadas a educação
rural são sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes é fator
determinante. Para Erick Wolf, há uma relação direta de exploração que caracteriza o
camponês, ―é somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado
– isto é, somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigências e sanções de
detentores do poder, exterior ao seu estrato social – que podemos falar propriamente em um
campesinato‖ (WOLF, 1976. p. 26). Percebe-se, assim, uma aproximação histórica entre o
camponês e a exploração do seu trabalho.

Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educação das populações do campo
esteve submetida historicamente, cuja finalidade não ai além do ensino de técnicas de plantio
e colheita no manuseio da terra. Essa visão utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos
investimentos, as escolas em condições precárias, e a pouca formação dos profissionais
(ARAÚJO; SILVA, 2011), além disso, acirrou a disparidade da escola rural em relação à
escola urbana quando se pensa na qualidade. O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por
uma condição humana assentada no pauperismo, na exploração e expropriação da mão-de-
obra de forma mais ampla, na negação dos direitos básicos, como é a educação.
Porém Freire (2012, p. 59) os convida a refletir sobre a problemática, e expõe que:

Já deixo claro que nenhuma sociedade se livrará desses horrores por decreto
nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais, os dominantes, num
gesto amoroso, regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra‖. A
superação desses horrores implica decisão política, mobilização popular,
organização, intervenção política, liderança lúcida, democrática, esperançosa,
coerente, tolerante.

Paulo Freire, um dos mais assíduos defensores da Educação Como Prática da


Liberdade deixa claro que a superação desse modelo de educação, que aqui podemos associar
a ―educação bancária‖, tem como pressuposto intrínseco a organização da classe trabalhadora,
32

dos oprimidos, essa libertação jamais decorrerá da ―falsa generosidade‖ dos dominadores
(FREIRE, 2011).

Esse modelo de educação representou para escolas rurais, grande atraso em relação ao
processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, ainda sendo
comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarização. O esvaziamento dos
conteúdos, a distância entre a vida cotidiana dos alunos e o currículo da escola contribuiu de
forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianças, seja para ajudarem
seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domésticas. Certamente um ―currículo oculto‖
(SILVA, 2011) contribui para esse processo de pauperismo.

A despreocupação com o trabalho dos sujeitos do campo é parte central que


caracteriza a Educação Rural. Há uma disparidade, uma incongruência muito significativa
entre o dia-a-dia e o que a escola mostra. O cotidiano do estudante da escola do campo é rico
em diversidades naturais, animais, relacionais, trabalho e, no entanto, esse cenário desaparece
no momento em que ele adentra a escola.

Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura, escrita e


operações matemáticas simples, mesmo a escola rural multisseriada não tem
cumprido esta função, o que explica as altas taxas de analfabetismo e os
baixos índices de escolarização nas áreas rurais (RIBEIRO, 2012, p. 193
apud CALDART et al., 2012)

Percebe-se, portanto, que a Educação Rural é resultado de uma lógica opressora, não
podendo ser pensada como um acidente metodológico que por acaso foi de um jeito e que
poderia ter sido de outro modo. Pelo contrário, esse modelo tinha um propósito, uma
finalidade, não era neutra, assim como nenhuma outra forma de educação é. Sabidamente não
era a emancipação dos sujeitos do campo ou a preparação para a educação superior, o seu
propósito, mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se
resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Freire (2011, p. 83) afirma que ―Não é de se estranhar, pois, que nessa visão ‗bancária‘
da educação os homens sejam vistos como seres da adaptação, do ajustamento‖. Essa
educação que Freire chama bancária e que serve perfeitamente à Educação Rural esteve
embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiários brasileiros, tanto como formação de
mão-de-obra, como forma de manter privilégios dos ruralistas, ao passo que negara a vocação
33

ontológica do homem, ou seja, a vocação de ser mais. ―A escola rural está profundamente
distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores, uma vez que a educação tem
sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada
aos seus interesses‖ (RIBEIRO, 2010, p. 176)

Nesse sentido podemos observar um ―problema‖ no currículo da educação rural. Esse


problema é resultado de interesses, a saber: ao longo da história não vimos em nenhum
horizonte uma ação governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educação
diferenciada positivamente para os sujeitos do campo. Pelo contrário, as ações estiveram
sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiários e da classe política, do
que às reais necessidades das populações camponesas.

Se olharmos, por exemplo, o período que compreende a década de 1940, aos anos
1960 veremos que esse interstício é fortemente marcado pelas campanhas de alfabetização das
populações camponesas. Esse fenômeno tem um imperativo, como podemos observar na obra
de Saviani (2008, p. 316);

O direito de voto, contudo, estava condicionado à alfabetização, o que levou


os governantes a organizar programas, campanhas e movimentos de
alfabetização de jovens e adultos dirigidos não apenas aos crescentes
contingentes urbanos, mas também a população rural. Daí o surgimento de
campanhas ministeriais que se estenderam da década de 1940 até 1963.

Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educação elementar, nada
que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto, um exemplo é a Campanha Nacional de
Educação Rural (CNER). Percebemos o quão alarmante era o quadro em que estavam imersas
as populações do campo nesse período. Nessa mesma conjuntura, mas com caráter
eminentemente progressista, surgem diversas organizações populares, em várias partes do
país, debatendo e organizando as populações pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos
para intervirem conscientemente na política e na sociedade brasileira. Wanderley (2010, p.
85) aponta que:

No tempo decisivo citado sobre a emergência dos processos educativos


populares, irromperam os movimentos de cultura popular, cujo vínculo com
os mesmos foram impactantes: MCP do Recife, de Natal, do MEB, Método
Paulo Freire, entre outros. Já naquela época, eles compareciam situados
como movimentos rurais e urbanos. Sua influência na política, da mesma
maneira, foi exponencial, na linha de pressionar por mudanças de fundo; por
34

isso mesmo, no Brasil e em outros países latino-americanos foram


duramente reprimidos nas ditaduras implantadas.

Sobre o caráter educativo dessa mobilização, Saviani (2008, p. 317) nos expõe o
seguinte:

A mobilização que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume
outra significação. Em seu centro, emerge a preocupação com a participação
política das massas a partir da tomada de consciência da realidade brasileira.
E a educação passa a ser vista como instrumento de conscientização. A
expressão ―educação popular‖ assume, então, o sentido de uma educação do
povo, pelo povo e para o povo, pretendendo-se superar o sentido anterior,
criticada como sendo uma educação das elites, dos grupos dirigentes e
dominantes, pra o povo, visando a controlá-lo, manipulá-lo, ajustá-lo à
ordem existente.

Nesse panorama histórico é salutar ressaltar a contribuição de Paulo Freire como um


autêntico representante desse momento histórico. Freire esteve preocupado, antes de tudo, em
inserir um caráter político à educação, em educar para a conscientização e a política. Daí sua
forte defesa da não neutralidade da educação, pensamento oposto àquele presente no ideário
da Educação Rural, ele opôs-se veemente ao manuseio da formação atrelada aos interesses
das classes opressora.

Os espaços populares forjaram grandes pensadores, Paulo Freire é um desses, que


comprova a experiência e a realidade da cotidianidade como geradora de conteúdo, de
currículo e como lócus para o desenvolvimento de uma prática popular de educação baseada
na necessidade do sujeito. Esse viés foi estrategicamente negligenciado pela Educação Rural.

Esse caráter de uma educação transformadora e libertária é usado na experiência de


Angicos, Estado do Rio Grande do Norte em 1963, onde Paulo Freire desenvolveu seu
―método‖ que alfabetizou trabalhadores rurais daquele município em um curto intervalo de
tempo. Ele e sua equipe ―[...] Alfabetiza 300 trabalhadores. Este trabalho obtém grande
repercussão nacional e internacional. Estende a experiência com seu Método para Natal (RN)
e João Pessoa (PB)‖. (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSÃO DE ANISTIA, 2012,
p.146). Nessa experiência o contexto do sujeito assume grande relevância, assim como o
trabalho.

A concepção de campo, na Educação Rural, também apresentara um conceito


esvaziado, colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a
35

cidade, somente. Um lugar sem vida, anônimo, anômico e anêmico. Essa era e ainda é para
muitos, o ideário de campo que predomina em nossa sociedade.

Em seu livro, Gritti (2003) demonstra que a escola pública rural foi um
potente instrumento para a expansão do capitalismo no campo brasileiro,
trazendo, como conseqüência, a desestruturação do modo de vida dos
trabalhadores rurais, principalmente seu trabalho, os saberes e a cultura que
lhes são próprios. (SAVIENI, 2008, p. 317).

Como já afirmamos, na Educação Rural há uma distância muito significativa entre os


conteúdos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos, isso é potencializado
ainda mais pelo livro didático e pela formação do professor, que em boa medida não mora no
campo, muitas vezes não tem afinidade com aquela realidade e acaba reforçando estereótipos
e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAÚJO; SILVA, 2011). Como consequência
desse distanciamento há um processo de urbanização das escolas do campo, ou seja, um
transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou, como é comum, a
deslocação dos próprios sujeitos do campo, para as escolas da cidade.

Segundo Ribeiro (2010), apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo


Império, a Educação Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do século XX. Os
primeiros incentivos a esse modelo de educação no Brasil se deram durante o Estado Novo,
na década de 1930. Nesse momento, essa educação se dava em boa parte por campanhas de
alfabetização. Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente
industrialização que chegara ao nosso País e aos interesses eleitoreiros, uma vez que o voto
estava condicionado à alfabetização, como exposto anteriormente. Ainda segunda a autora, a
Educação Rural estava baseada numa concepção evolucionista, que considerava os costumes
e a vida do homem do campo como atrasado e necessário de ser evoluído.

A partir da década de 1950, alguns órgãos são criados com o objetivo de desenvolver
as regiões brasileiras que apresentavam maiores índices de pobreza, assim, surge a
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Superintendência da Política da Reforma Agrária
(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), órgãos federais que
tratariam de questões relativas à reforma agrária no Brasil (NETO, 2007). Esperava-se com
isso, a melhoria da vida da população do campo brasileiro, entretanto muitas dessas agências
36

se tornaram lócus de corrupção e manutenção de privilégios dos grupos dominantes do Norte


e Nordeste.

Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educação das populações camponesas


seguiu a reboque da modernização agrícola, guinando ao sabor do vento da mecanização do
campo. Essa educação continuou a ser objeto de manutenção de privilégios da burguesia
agrária e de negação de direitos e emancipação das populações rurais. Na década de 1980,
Carter (2010, p. 38) afirma que:

Um novo ciclo de mobilização por terra irrompeu com força no início da


década de 1980, de modo especial na Região Sul Brasil. Ele surgiu com o
apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistência de vários
sindicatos de trabalhadores rurais, em um contexto de intensa modernização
agrícola, crescentes demandas na sociedade civil pela restauração da
democracia e o declínio gradual do regime militar. O MST foi instituído
formalmente e em nível nacional em janeiro de 1984. Um ano mais tarde o
Brasil testemunhou a inauguração de um movo governo civil.

Há um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma
calmaria nos movimentos sociais, como já salientamos anteriormente entendemos que houve
na verdade uma censura, um silenciamento dos atores sociais, dos sujeitos. Os movimentos
sociais estavam em luta, estavam em formação, o MST, por exemplo, tem sua gestação ainda
na década de 1970, assim como a Comissão Pastoral da Terra – CPT, que foi criada para
conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importância na
proteção daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratização do Brasil (SCOLESE, 2008).
Esses movimentos embora não tivessem em sua gênese a educação como foco central, já
traziam uma denúncia importante e uma necessidade de reversão da situação negligente a qual
as populações rurais se encontravam.

A Educação Rural ainda é um fenômeno existente em nossa sociedade, não podemos


dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10 da Educação do Campo. Sabe-se
que os desafios ainda são muitos. A educação das comunidades rurais tem alcançado avanços,

10
De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma é entendido como sendo o conjunto das realizações da
ciência reconhecidas universalmente, ou seja, o paradigma refere-se a um conjunto de crenças ou premissas
sobre o que se julga verdadeiro. São processos de construção de conhecimentos capazes de elaborar teorias que
servem como ponto de partida para a resolução de problemas da comunidade e, são o referencial para a
elaboração de novos trabalhos científicos.
37

entretanto ainda há muito que avançar. A Educação do Campo é uma utopia, utopia
necessária, que nas palavras de Paulo Freire, citado por Moacir Gadotti, (1996, p. 732.) ―é a
dialética entre o ato de denúncia do mundo que se desumaniza e o anúncio do mundo que se
humaniza".

A Educação do Campo, forjada no bojo dos movimentos de resistência, tem sido uma
ferramenta para a classe trabalhadora, fazendo o contraponto necessário ao modelo da nova
pedagogia da hegemonia (NEVES, 2005), cujo fulcro tem sido o ideário privatista,
desumanizador e mercantil. É nessa concepção que apontamos para a Educação do Campo
como anunciante de outra possibilidade de educação, esse paradigma vem proporcionando
esperança e ressignificando o sentida da luta pelo direito à educação e à vida.

2.3 EDUCAÇÃO DO CAMPO: NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO

Como externamos a pouco, de forma breve, a Educação do Campo tem dado passos
importantes rumo à construção de um novo paradigma educacional para as populações do
campo brasileiro. Tem feito um tensionamento necessário ao atual modelo da pedagogia que
tornou-se hegemônica, que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante é a pedagogia
da classe dominante. No entanto, muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda
apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educação não resolverá a
questão. De fato, as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados,
entretanto, é salutar perceber que algo está acontecendo.

Trazer o debate da educação à tona não é uma tarefa fácil e falar em educação de
populações historicamente excluídas, residentes de uma área tida como atrasada, como é
colocado o campo, é uma tarefa ainda mais complexa. Falar de uma educação ―Para além do
capital‖, ainda mais nesse tempo, é sem dúvida uma tarefa das mais louváveis. A educação do
Campo tem conseguido essa façanha, tem posto em xeque a educação rural, e tem, sobretudo,
conquistado pela luta, sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da
classe camponesa. Nesse sentido a mudança não tem se restringido somente à nomenclatura,
mas, principalmente, as conquistas reais.
38

Trazemos uma indagação que nos diz muito sobre a questão da educação das
populações do campo. Arroyo, Caldart e Molina na 4ª edição da obra ―Por uma Educação do
Campo‖ de 2009, questionam:

Interroga-nos porque nem sequer os governos democráticos, nem sequer o


movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus
horizontes o direito dos camponeses à educação. O olhar negativo,
preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam
responsáveis? A agricultura camponesa vista como sinal de atraso,
inferioridade, como um modelo de produção de vida e cultura em extinção?
Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo à parte?
(ARROYO; CALDART; MOLINA, 2009, p. 11)

Essas questões nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando. Ele é repleto
de contradições, é delicado, por isso mesmo é preciso perspicácia para mover-se nesse debate,
em que pese os riscos de naturalização de fenômenos que são históricos e sociais.

Para tomarmos como momento histórico a Ditadura Civil Militar, Fernandes (2010, p.
163), afirma que;

O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantação


de projetos de colonização na Amazônia, mas essa política de fomentar a
migração camponesa não diminuiu os conflitos por terra na região Sul,
Sudeste e Nordeste do País. Desde o início o regime militar reprimiu com
violência as ações dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos, como o
acesso à terra e melhores condições de trabalho.

Os conflitos no campo se tornaram uma constante. A contraditória relação entre


trabalho e capital tornou-se insustentável (RIBEIRO, 2010), a reforma agrária era uma
questão premente. Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa
reforma como direito, e, sobretudo, como parâmetro de equidade social entre as populações
do campo e da cidade.

Com o fim do regime militar nos anos 1980, sobretudo devido às pressões advindas da
sociedade civil11, os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do

11
Para Gramsci, diversamente, ―sociedade civil‖ designa o conjunto das organizações responsáveis pela
elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, os sindicatos, os meios de
comunicação, as instituições de caráter científico e artístico etc. (COUTINHO, 2011, p. 25)
39

trabalho, da terra, da educação. É nesse momento que irrompe como um dos principais
protagonistas da luta por uma Educação do Campo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), movimento social que para Fernandes (2012, p. 496):

Reúne em sua base diferentes categorias de camponeses pobres – como


parceiros, meeiros, posseiros, minifundiários e trabalhadores assalariados
chamados de sem terra e também diversos lutadores sociais para desenvolver
as lutas pela terra, pela Reforma Agrária e por mudanças na agricultura
brasileira .

Esse cenário de exclusão, negação de direitos e luta dos camponeses é propício ao


surgimento de práticas educativas autênticas, forjadas na própria luta. Como nos questiona
Freire (2011, p. 42-43); ―Quem melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para
entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os
efeitos da opressão? Quem mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da
libertação?‖ Nesse processo de luta, emerge uma forma alternativa de educação no campo, do
campo e com o campo, o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educação do Campo.

Uma das principais diferenças entre Educação Rural e Educação do Campo está na
utilização e no propósito dessas duas formas de educar. A primeira como vimos, está
fortemente atrelada a utilização da mão-de-obra no trabalho dos latifúndios em condição
humana precária. A Educação do Campo tem como objetivo a formação para o trabalho e para
a vida, pensa o sujeito em sua amplitude, sua autonomia e sua capacidade de decidir. Pensa
modelos de desenvolvimento para agricultura que não resida no agronegócio e na economia
de exportação tão somente, mas uma economia solidária e a pequena propriedade como forma
de sustentabilidade ambiental e social para as populações tradicionais do campo.

A pedagogia do oprimido, dos excluídos, dos tempos de barbárie não está


em encontrar métodos novos para educar os bárbaros, civilizar os oprimidos
ou incluir os excluídos nos valores e saberes dos ―civilizados‖, mas está em
apreender com o conjunto de processos que os excluídos e oprimidos
reinventam para continuar humanos, manter seus valores e seus saberes, sua
cultura e memória coletiva, sua identidade e dignidade (ARROYO, 2011, p.
274).

Desse modo, percebe-se uma nítida evidência de que os movimentos sociais do campo
desenvolveram uma produção pedagógica que tem como sustento suas próprias necessidades
e seu espaço de luta e trabalho.
40

A mobilização do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado


a realização do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária –
ENERA – realizado em Brasília e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB, a
Unesco, o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO, 2010). Como fruto desse encontro
e do acúmulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos à educação, vimos brotar de um
chão ―árido e seco‖ o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) uma das
grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.

O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organização e


mobilização dos Sem Terra em memória dos massacres de Corumbiara, em Rondônia em
1995, e Eldorado dos Carajás no Estado do Pará ocorrido em 1996 (SANTOS, 2012).
Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educação do Campo foi a
institucionalização desse Programa.

O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) é uma


política pública do governo federal, específica para a educação formal de
jovens e adultos assentados da Reforma Agrária e do crédito fundiário e para
a formação de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou
do seu entorno e atendem a população assentada (SANTOS, 2012, p. 629).

Assim, podemos afirmar que o Programa é, na verdade, uma conquista pela via da luta
e da organização da sociedade camponesa em prol de um direito que é a educação e de uma
necessidade, que é a formação de professores para as escolas do campo. Como objetivos
gerais o Pronera se pretende a;

I – oferecer educação formal aos jovens e adultos beneficiários do Programa


Nacional de Reforma Agrária (PNRA), em todos os níveis de ensino e áreas
do conhecimento;

II – melhorar as condições de acesso à educação do público do PNRA; e

III – proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais


por meio da formação e qualificação do público do PNRA e dos
profissionais que desenvolvem atividades educacionais e técnicas nos
assentamentos (BRASIL, 2011, p. 13).

De acordo com o Decreto Nº 7.352, que dispõe sobre a política de educação do campo
e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera – São beneficiários do
programa.
41

I - população jovem e adulta das famílias beneficiárias dos projetos de


assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional
de Crédito Fundiário – PNFC.

II - alunos de cursos de especialização promovidos pelo INCRA;

III - professores e educadores que exerçam atividades educacionais voltadas


às famílias beneficiárias; e

IV - demais famílias cadastradas pelo INCRA.

Devido ao seu caráter eminentemente popular, o Pronera tem enfrentado barreiras


significativas tanto por parte dos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União, por
exemplo, como por setores conservadores da Câmara e no Senado Federal, sendo a bancada
ruralista o maior expoente dessa oposição. Alem disso, dentro das universidades, também tem
enfrentado desafios, no que se refere a permanência dos estudantes.

No entanto, como afirma Brandão (2009) a Educação Popular tem como essência a
resistência e a oposição ao status quo social. Como a Educação do Campo herda demasiado
caráter desse paradigma educacional, assim como da pedagogia freireana, essas tensões e
conflitos representam disputas inerentes ao tecido social.

O resultado do I Enera além da criação do Pronera teve ainda a inserção definitiva da


Educação do Campo no cenário nacional, como afirma Roseli Caldart (2012, p. 257);

O surgimento da expressão ―Educação do Campo‖ pode ser datada. Nasceu


primeiro como Educação Básica do Campo no contexto de preparação da I
Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, realizada em
Luziânia, Goiás, de 27 a 30 de julho de 1998. Passou a se chamar Educação
do Campo a partir das discussões do Seminário Nacional realizado em
Brasília de 26 a 29 de novembro de 2002, decisão posteriormente reafirmada
nos debates da II Conferência Nacional realizada em julho de 2004.

A Educação do Campo está embrionariamente ligada aos movimentos sociais, é a


educação pensada por esses movimentos e não para eles. Desse modo, pensar essa educação
dissociada das práticas e das lutas desses movimentos é cair num grande equívoco. A
Educação do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo,
não como pura e simplesmente uma modalidade de ensino, mas como um fenômeno capaz de
devolver aos sujeitos do campo a sua integração com seu lugar;

A integração ao seu contexto, resultante de estar não apenas nele, mas com
ele, e não a simples adaptação, acomodação ou ajustamento, comportamento
42

próprio da esfera dos contatos, ou sintoma de sua desumanização, implica em


que, tanto a visão de si mesmo, como a do mundo não podem absolutizar-se,
fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu
mundo algo sobre que apenas se acha. A sua integração o enraíza. Faz dele, na
feliz expressão de Marcel ―um ser situado e datado‖ (FREIRE, 1983, p. 42).

Desse modo, a Educação do Campo se propõe a construir coletivamente um


contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro, os interesses do
mercado capitalista tão somente. A esse respeito, Jesus (2006, p. 51) afirma que

Essa educação tem na sua origem a necessidade de reinventar as práticas


sociais, contra um processo perverso de uma forma hegemônica de
globalização econômica, política e cultural que impõe aos diferentes países
periféricos e semi-periféricos, a reorganização das formas de poder, de
produção do conhecimento, e de desenvolvimento econômico e social, que
aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades, em
especial, entre o povo brasileiro que vive no campo ou é, excluído dele.

Nesse sentido, a Educação do Campo não está acabada, é pensada a partir das
demandas e necessidades mutáveis que a realidade concreta apresenta. Coaduna trabalho e
formação como partes indissociáveis para a construção do sujeito autônomo (SANTOS,
2012). Essa Educação não está paralela aos movimentos sociais, ela é a educação desses
movimentos. Foi gestada nas lutas por terra, nas ocupações, nos assentamentos, no
enfrentamento das desigualdades sociais. Custou vidas e sonhos, portanto é uma produção
pedagógica autêntica do movimento de resistência que está muito além do conceito esvaziado
de educação dos tempos de produção.

É importante destacar que o paradigma da Educação do Campo não minimiza a


importância dos conteúdos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela
humanidade. Não minimiza o currículo, a gestão, o planejamento. Muito pelo contrário, a
Educação do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela
lógica capitalista. Busca explicitar o currículo oculto, almeja a gestão democrática e
participativa, busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e
necessidades também sejam parte. Nesse sentido a crítica feita a Paulo Freire, de formular
uma pedagogia sem conteúdos é hoje dirigida ao paradigma educacional em questão. No
entanto, essas críticas têm partido muito mais de setores burocráticos da sociedade, em que
pese não reconheceram a importância e os reais avanços e conquistas dos sujeitos do campo
na contemporaneidade.
43

2.4 PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MÚLTIPLOS


CONHECIMENTO

A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho
com a terra, cujos direitos, em boa medida, o Estado lhes cerceou historicamente, é
fundamental para o debate da Educação do Campo. Indubitavelmente a metodologia que
melhor compactua trabalho e formação e cujo assento reside na relevância das práticas
culturais inerentes aos sujeitos do campo é a Pedagogia da Alternância.

Entendemos que a Pedagogia da Alternância precisa ser situada dentro da perspectiva


do multiculturalismo12 do currículo. É uma proposta não hegemônica utilizada pelos
movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13 e que procura coadunar trabalho e
educação, o que, sem dúvida, configura um dos maiores desafios da educação na
contemporaneidade. A inclusão das práticas dos trabalhadores nos conteúdos e metodologias
da escola é importante não somente como forma de respeito, mas como ferramenta de
equiparação e permanência desses sujeitos na escola.

Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternância tem origem com as Casas


Familiares Rurais (CFR‘s), na França e com as Escolas Familiares Rurais (EFA‘s), na Itália.
―Pode-se dizer que é uma alternativa metodológica de formação profissional agrícola, para
jovens, inicialmente do sexo masculino, filhos de agricultores franceses‖ (idem, 2012, p. 293).
Outra raiz histórica, ainda segundo a autora, está nas experiências de trabalho e educação
efetivadas na Rússia pós-revolucionária de 1917. Expostas essas duas matrizes históricas, os
movimentos camponeses que pautam a educação do campo no Brasil, tendem a se filiarem,
em sua maioria, a essa segunda concepção histórica.

12
Multicultural é um termo qualificativo. Descreve as características sociais e os problemas de governabilidade
apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum, ao mesmo tempo em que retém algo de sua identidade "original". Em contrapartida, o termo
"multiculturalismo" e substantive. Refere-se as estratégias e politicas adotadas para governar ou administrar
problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais. E usualmente utilizado no
singular, significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estratégias multiculturais.
"Multicultural", entretanto, é, por definição, plural (HALL, 2009, p. 52)

13
Criada em 1992 a Via Campesina é uma organização mundial que articula movimentos sociais que lutam pela
terra. Entre seus objetivos, a solidariedade é o mais presente. A Via condena o modo predatório de produção,
cujo objetivo se resume a exportação, condena a nomocultura o uso excessivo de agrotóxicos que são
características do modelo de produção do agronegócio (FERNANDES, 2012)
44

Ela [a pedagogia da alternância] brota do desejo de não cortar raízes. É uma


das pedagogias produzidas em experiências de escolas do campo em que o
MST se inspirou. Busca integrar a escola com a família e a comunidade do
educando. No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o
fortalecimento dos laços familiares e do vínculo dos educandos com o
assentamento ou acampamento, o MST e a terra (CALDART, 2009, p. 104.
Com grifos do autor).

Essa pedagogia não foi gestada nas universidades, ela não envolve nem pesquisadores
nem docentes (RIBERIRO, 2010). É uma proposta que busca garantir interligação entre dois
espaços; instituições de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores. Esse método
está diretamente ligado à concepção de trabalho e educação, pautado pelos pensadores
marxistas, que entendem que o trabalho tem em si um princípio educativo capaz de garantir
uma formação omnilateral, pensamento esse também advogado por Paulo Freire e educadores
críticos do Brasil.

A alternância se divide em dois momentos; o Tempo Escola (TE), em que os


educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso, no espaço da
escola, em regime de internato, e o Tempo Comunidade (TC), momento no qual os educandos
retornam às suas propriedades familiares, ou às comunidades, ou aos assentamentos, ou ainda
aos acampamentos para colocarem em prática os conhecimentos que foram objeto de estudo
no TE. (RIBEIRO, 2010)

Mais que uma característica de sucessões repetidas de seqüência, a


alternância, enquanto princípio pedagógico, visa desenvolver na formação
dos jovens situações em que o mundo escolar se posiciona em interação com
o mundo que o rodeia. Buscando articular universos considerados opostos ou
insuficientemente interpenetrados – o mundo da escola e o mundo da vida, a
teoria e a prática, o abstrato e o concreto – a alternância coloca em relação
diferentes parceiros com identidades, preocupações e lógicas também
diferentes. (SILVA, 2000, p. 16)

Esse modelo de se fazer educação pode ter um papel determinante no combate ao


processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso à educação
de qualidade sem sair do campo, em que pese à política de nucleação a qual temos
testemunhado na atualidade. Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a
formação dos filhos dos agricultores, que são deslocados para uma escola-núcleo
normalmente localizada na cidade (Ribeiro, 2010).
45

A Pedagogia da Alternância compartilha saberes acadêmico e aqueles advindos do


cotidiano do trabalho na agricultura, na pesca, nas florestas, nos quilombos e em uma
infinidade de espaços que o conceito de campo compreende na contemporaneidade. Nesse
sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia. Para Freire
(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade. Para ser capaz de
saber, ainda que seja este saber meramente opinativo, daí que não haja ignorância absoluta,
nem sabedoria absoluta‖ (p.105) Outro fator importante é entender a situação concreta do
sujeito no mundo como determinante para sua ação (FREIRE, 2011).

Desse modo, compreendemos o currículo da Educação do Campo, neste trabalho,


baseado na Pedagogia da Alternância, que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo
comunidade significa uma possibilidade de associação entre trabalho e formação. Essa
metodologia proporciona ainda, uma maior aproximação entre escola e comunidade, de modo
a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e prática. No Tempo Escola , além da
aquisição dos conteúdos, é também o momento, de pensar sobre a lógica, o sentido e o valor
social desses conteúdos. No Tempo Comunidade, busca-se a continuidade através da práxi
dos conhecimentos adquiridos na escola. Para melhor esclarecer esse processo, vejamos a
seguinte citação:

No Tempo Escola, os educandos formam um coletivo, muitas vezes oriundos


de diferentes comunidades, que ao trazer questões, reflexões,
problematizações das suas localidades específicas, ampliam o processo de
reflexão sobre as realidades do campo, confrontando as múltiplas situações
que as compõem. No Tempo Comunidade, cada educando, individualmente
ou em pequenos grupos, deve reafirmar seu envolvimento com sua
comunidade, desenvolvendo nela as atividades de pesquisa, reflexão,
problematização e, em alguns casos, intervenção. Dessa forma, cria-se um
novo coletivo de ação (educando – comunidade), que permite inclusive, a
participação indireta do conjunto da comunidade no processo educativo,
reforçando a relação escola – comunidade (ANTUNES-ROCHA; MARTINS
2011, p. 226).

Fica evidente que há uma aproximação entre os dois momentos, e que ambos são
formativos. Além disso, se coloca de forma explícita o trabalho com as experiências e
multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo, com o outro e com
mundo.
46

As peculiaridades da Educação do Campo não podem ser entendidas como adaptações


ou como modelo da educação hegemônica, antes deve ser entendida com autenticidade. Sua
organização, portanto, não pode se pautar na educação urbana adaptada ao campo, mas sim,
uma educação própria desse campo. Suas conquistas foram arrancadas do seio da educação
posta historicamente, uma educação que jamais destinou espaço em seu currículo às
vivências, à leitura de mundo dos sujeitos, ou ao trabalho agrícola desempenhado pelos povos
do campo14.

Verificamos, portanto, o surgimento desse paradigma metodológico não como uma


criação academicista, mas, como uma necessidade de um modelo, ou uma metodologia que
coadune formação escolar e trabalho prático. A Pedagogia da Alternância se confunde com a
própria Educação do Campo, visto que, ela não foi uma formalidade acadêmica pensada e
pesquisada para as populações campesinas, ainda que tenha grandes contribuições de
pesquisadores das universidades, ela surgiu da necessidade dos próprios trabalhadores e
trabalhadoras do campo.

Entendendo as dimensões políticas e ideológicas das quais o currículo está permeado,


os movimentos sociais do campo foram categóricos em apontar para a alternância como
sustentação da sua prática educativa. Assim como é salutar diferenciarmos Educação do
Campo de Educação Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educação destinada
às populações camponesas, também é importante externar a diferença que há, de forma mais
decomposta, entre o currículo desses dois paradigmas de se pensar o ensino. Ribeiro (2010)
fazendo uma diferenciação entre os dois modelos curricular aponta;

[...] 3º) Currículo, objetivos e metodologia da escola rural estão direcionados


para o sistema de produção de mercadorias, no qual o próprio ser humano é
uma mercadoria que pode ser descartável e flexível em tempos de desemprego
estrutural e tecnológico. Para a escola básica do campo a memória das lutas e
das experiências produtivistas constitui-se na base curricular, em que se
articulam: a produção da vida, dos alimentos, da sociedade e da ciência. Em

14
Nesse momento é salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo, estamos tratando de sujeitos
concretos, de assentamentos, áreas indígenas, quilombolas, pescadores, povos que tiram sua subsistência das
florestas e toda a abrangência que o termo campo engloba na contemporaneidade. Os sujeitos do campo, são,
antes de tudo, cidadão concretos, que contribuem social, econômico e culturalmente para com as melhorias e
avanços que tivemos em nosso país.
47

contraposição ao conhecimento científico que expulsa e subordina os


agricultores, a proposta dos movimentos sociais populares rurais/do campo
pensa a produção do conhecimento a partir das experiências dos agricultores,
articulando tais experiências com o conhecimento científico e tecnológico
socialmente produzido (RIBEIRO, 2010, p. 197)

Nesse sentido o currículo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais é o


que se adéqua à vida e ao trabalho das populações do campo e melhor intercala formação
escolar, cotidiano e cultura camponesa. A proposta pedagógica da alternância tem sido o
caminho percorrido na busca da formulação de um currículo democrático e que atenda de
forma satisfatória as expectativas da Educação do Campo.

Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternância,


precisamos refletir sobre aspectos que têm se apresentado como preocupantes, dialogaremos
melhor sobre as críticas a essa proposta quando estivermos analisando o currículo do curso
Pedagogia da Terra, pois será mais fácil exemplificar essas preocupações. Adiantamos que há
uma grande dificuldade em estabelecer a mão dupla entre escola/universidade e comunidades,
Tempo Escola e Tempo Comunidade também têm ocorrido de forma bastante diferente do
que se pretende, mas isso veremos mais adiante.

2.5 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS: FUNDAMENTOS JURÍDICOS


DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Nesse momento é salutar externarmos alguns avanços que o Movimento de Educação


do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diárias que tem travado contra o
Estado de classe que predomina em nossa sociedade. É importante destacar que as conquistas
até aqui alcançadas são de mérito da resistência que os povos do campo têm empreendido ao
longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos, os quais a historia nos mostra que
foram cerceados ou negados ao longo dos tempos.

O trabalho precário, a espoliação sofrida pelos camponeses e pelas camponesas são


marcas visíveis de uma sociedade excludente e atrasada. Sendo assim, a organização dessas
populações tradicionais é antes de tudo um direito, tendo em vista a legitimidade de lutar
contra a opressão. A sociedade tem uma dívida com esses grupos, portanto,
48

cronologicamente, está na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os


direitos básicos e fundamentais aos sujeitos do campo.

A aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional 4.024/1961


fora norteada pela discussão entre defensores da educação pública e os da escola particular e
não traz avanços significativos às populações trabalhadoras do campo, a Lei é uma ―meia
vitória‖ na voz de Anísio Teixeira, ―mas vitória‖. (SAVIANI, 2008). A Lei 4.024/61, ainda
apresentara em seu âmago uma orientação pela adaptação do ao meio, numa clara alusão a
uma visão civilizatória e evolucionista do sujeito do campo (MEC, 2002).

A Lei nº 4.024 de dezembro de 1961, resultou de um debate que se prolongou


durante 13 anos, gerando expectativas diversas a respeito do avanço que o
novo texto viria a representar para a organização da educação nacional. O
primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade
ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema. O
anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientação do Ministro
Clemente Marianne, representou o primeiro esforço de regulamentação do
previsto na Carta Magna (1946). Este, além de reforçar o dispositivo
constitucional, expressa as mudanças que perpassavam a sociedade em seu
conjunto. Logo em seguida, diversos substitutivos, entre os quais os que foram
apresentados por Carlos Lacerda, redirecionaram o foco da discussão.
Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades
educacionais do conjunto da sociedade, dando ênfase ao ensino público, a
maior parte desses substitutivos, em nome da liberdade, representavam os
interesses das escolas privadas (MEC, 2002, p. 25-26).

Em 11 de agosto de 1971, é sancionada a Lei 5.692, que fixara diretrizes e bases para
o ensino de 1º e 2º grau e de outras providências (MEC 2002, p. 27). Alguns entendem
como a segunda LDB e outros vêm como a 4.024/61 com algumas adequações. A Lei
propõe ajustamento às diferenças culturais das diferentes regiões. Também prevê a
adequação do período de férias à época de plantio e colheita de safras. No entendo, em boa
medida reafirma o caráter da LBD anterior, apontando para a necessidade de adaptação do
camponês à terra.

Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nº 5.692/71 teve função ideológica no
sentido de dar sustentação ao período de secessão democrática no qual o Brasil iniciara no
ano de 1964. Nesse período, o Governo autoritário buscava uma maior inserção nos estados
mais pobres do Brasil, com ênfase no Norte e Nordeste. Desse modo em muitos casos essa
lei teve um caráter muito mais de instrumento político do governo do que propriamente
49

educacional. Segundo os autores, a lei 5.692/71 foi promulgada sob a égide da estratégia do
―autoritarismo triunfante‖.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/96 representou um avanço


significativo para a educação dos povos do campo, sobretudo no que se refere à
especificidade desses sujeitos. Em seu artigo 28, podemos observar que

Na oferta da Educação Básica para a população rural, os sistemas de Ensino


promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da
vida rural e de cada região, especialmente:
I- conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos na zona rural;
II- organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III- adequação à natureza do trabalho na zona rural.

Os avanços que temos observado, sobretudo a partir da primeira década do século


XXI, do ponto de vista institucional ,se devem, em grande medida, à organização das
populações do campo e à resistência histórica que tem caracterizado essa população.

Fruto de um novo cenário político, social e econômico a primeira década do Século


XXI apresenta avanços significativos, sobretudo nas áreas sociais e educacionais, ainda que
fortemente atrelados às políticas neoliberais da década de 1990.

A Resolução CNE/CEB 1, de 3/4/2002, portanto, institui as Diretrizes


operacionais para a educação básica nas escolas do campo. Nessa
resolução percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma
identidade vinculada à realidade na qual está inserida [...]. Ao mesmo tempo,
ressalta a importância da educação para o exercício pleno da cidadania e para
um desenvolvimento do país que consiste na solidariedade e a justiça social,
envolvendo as populações rurais e urbanas (RIBEIRO, 2010, p. 191).

As Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo procura englobar o


entendimento de campo, isto é, o que entes era entendido como lugar de plantar, passa por
uma ampliação que vai de comunidades remanescente de quilombos, comunidades indígenas,
pescadores, assentados da reforma agrária, áreas ribeirinhas, comunidades sem-terra, e seus
sujeitos; agregados, caboclos, meeiros entre outras (RIBEIRO, 2010).

O campo, nesse sentido, mais do que um perímetro não urbano, é um campo de


possibilidades que dinamizam as ligações dos seres humanos e com a própria produção das
condições da existência social (MEC, 2002). Nesse sentido, as reivindicações por políticas
50

públicas para esses povos, assim como a valorização e reconhecimento dos seus saberes e
práticas passa a ser foco subjacente desse novo período.

A aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do


Campo é o resultado das reivindicações dos movimentos sociais que lutam por educação de
qualidade e vida digna para os povos do campo, com destaque para o MST. A aprovação das
Diretrizes, tem a contribuição de várias organizações sociais comprometidas com as
transformações que a contemporaneidade enseja. São Movimentos Sociais, Conselhos
Estaduais e Municipais de Educação, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(UNDIME), universidades e instituições de pesquisa, o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentável, Organizações Não Governamentais e diversos outros
setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no
espaço diverso e multilateral do campo (MEC, 2002).

Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo, vieram


como subsídio e reforçam à LDB 9.394/96, que já estabelecera normas específicas à Educação
do campo, como podemos ler no artigo 5º das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo;

As propostas pedagógicas das escolas do campo, respeitadas as diferenças e o


direito à igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos
artigos 23, 26 e 28 da Lei 9.394, de 1996, contemplarão a diversidade do
campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de
gênero, geração e etnia.( LDB, 1996, p. 23)

O processo de normatização é, sem dúvida, de suma importância para a garantia do


direito. No entanto, sabe-se que esse direito é demasiado abstrato enquanto não é usufruído.
Sabemos ainda que, como escreveu Freire (2012), não será por decreto que a sociedade se
livrará dos horrores, e das grandes desigualdades que a afligem. A Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE, 2010, p. 90) ratifica que ―não será a
implementação de novas leis que assegurará as mudanças necessárias na educação, porém a
legislação reflete o campo de forças que contorna as disputas pela sua criação, implementação
e controle‖. Sabemos ainda que esse é um passo de suma importância para a conquista dos
objetivos ensejados.
51

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUIÇÃO À EDUCAÇÃO DO


CAMPO

“Os socialistas estão aqui para lembrar ao mundo que em


primeiro lugar devem vir as pessoas e não a produção. As pessoas
não podem ser sacrificadas. Nem tipos especiais de pessoas – os
espertos, os fortes, os ambiciosos, os belos, aqueles que podem um
dia vir a fazer grandes coisas – nem qualquer outra.
Especialmente aquelas que são apenas pessoas comuns.”

Eric Hobsbawm (1992)

Os avanços no tocante a Educação do Campo são notórios. O movimento ganhou


corpo e a resistência organizada obteve conquistas e melhorias significativas às populações
tradicionais do campo brasileiro, em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa
parte dos sujeitos do campo ainda estão imersos. Batista (2009, p. 207) afirma que ―no Brasil
a educação enquanto política de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histórico
capitalista e seus poderes hegemônicos para atender aos seus interesses‖.

Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos


sociais têm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores
historicamente colonizados.

No contexto atual do capitalismo mundializado em que, apesar da crise


estrutural, predomina a hegemonia do capital na produção econômica, social,
política, e nas políticas de educação, a educação dos movimentos se afigura
como instituinte orgânica de um projeto de sociedade e que tem como fim a
formação humana, o sujeito histórico que constrói pela luta e resistência a
emancipação social e dos seres humanos como um devir, como uma
possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA, 2009, p. 208).

A educação pautada pelos movimentos sociais do campo têm se afinado em muito


com o projeto contra-hegemônico de sociedade. Tem feito um enfretamento necessário ao
modelo neoliberal de educação que tem propagado abertamente o fim das alternativas,
afirmando deliberadamente que não há opção fora do paradigma globalizado. O papel dos
movimentos têm sido mostrar justamente o contrário. O Movimento Por Uma Educação do
52

Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire, cujo sentido tem sido inventado e
reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiências pelo Brasil.

Desse modo, o paradigma contra-hegemônico não é uma criação do imaginário de


idealistas, mas é, antes, uma possibilidade concreta que nos permeia, como assinala Gadotti
(1999, p. 268):

A educação popular e socialista não é uma idéia abstrata, nem uma utopia
pedagogista. Ela se encontra em desenvolvimento entre nós, por exemplo, no
próprio processo de resistência e de luta pela superação das desigualdades.
Nesse momento histórico, no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa
luta.

A necessidade em uma educação alternativa que assuma a classe oprimida como


resultado de um processo histórico, vai de encontro à educação pretendida pelo Estado. Uma
educação libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteúdo,
que entenda a situação de pobreza e miséria fora do determinismo religioso e que, sobretudo,
aponte saídas e possibilidades de liberdade para o ser, é necessária e urgente. A escola tornou-
se importante instrumento de difusão da pedagogia da hegemonia, ou pedagogia da
conservação, e, concomitantemente, em veículo que limita e emperra a construção e a
veiculação de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES, 2005).

A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negação do acesso à educação por


parte do Estado já não se sustenta com tanto vigor. É preciso nesse momento, em que há um
forte discurso sobre acesso e permanência, sobretudo de estudantes da classe trabalhadora,
pensar a quem interessa esse ensino, e retomar a clássica questão; a serviço de que e de quem
está tal ensino. Tendo em vista o atual estado de vigência da pedagogia da hegemonia, Rossi
(1980) afirma que quanto mais educação, nesse sentido [da hegemonia] tanto mais
conformidade, isto é, mais a sociedade permanecerá conforme o modelo vigente. Ou ainda
mais claramente: quanto mais conformação e conformidade, tanto mais educação.

Assim, partindo do pressuposto que o paradigma da Educação do Campo bebe da


herança da Pedagogia Paulo Freire, essa dialogicidade entre as concepções tem feito um
tensionamento importante e necessário ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o
advento do neoliberalismo. A educação crítica é cada vez mais urgente, sobretudo em tempos
53

de massificação em que se apregoa a universalização do ensino escolarizado como a meta do


século.

Por fim, entendemos que a educação seja pra todos e todas, afinal, é um direito
humano fundamental, mas que ela não cegue, não reduza a capacidade de pensar e agir, mas
sim que tenha a capacidade de injetar ânimo e esperança no camponês, na camponesa, no
desempregado e na desempregada, na criança, no jovem e no idoso. O cerne dessa educação
encontra-se na pedagogia freireana, nas práticas da Educação do Campo, no Movimento Sem
Terra e em vários outros espaços que dialogam com a Educação Popular.

3.1 CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA


EDUCAÇÃO DO CAMPO: CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa, em que pensávamos: qual a


contribuição da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educação do Campo?
Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexão. A contemporaneidade do debate da
Educação do Campo nos aponta para uma perspectiva dialógica entre a Pedagogia Paulo
Freire e os princípios da Educação do Campo. Há uma indissociabilidade entre ambas. Sendo
a primeira portadora da essência que alimenta a segunda, são, por conseguinte, pedagogias
que se complementam (SILVA FILHO; PORTO, 2012).

Em um tempo em que a educação crítica, libertadora e preocupada com questões


políticas, sociais e históricas tornou-se ―alienígena‖ caduca e ―comunista‖, de postura
antiquada ou idealista, cabe um questionamento: faz sentido insistir na divulgação de ideias
contra-hegemônicas da Educação do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da pós-
modernidade? Essa é uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e
que nos serve de parâmetro para o debate.

É importante situar a pedagogia freireana dentro de uma lógica de contraponto a todo


o modelo neoliberal que se tornou hegemônico na educação de fins do século XX e início do
século XXI. O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz
socialista, como Pistrak e Makarenko, tem contribuído grandemente com o atual Movimento
de Educação do Campo.
54

Tanto a pedagogia freireana como a Educação do Campo se coadunam como meios


de resistência a um ―capitalismo lean and mean‖ que, nas palavras de Dowbor15 está impelido
pelas próprias regras de eficiência, e que, portanto, deixa pouco espaço para refletir sobre
valores.

Uma economia que não se torna capaz de programar-se em função das


necessidades do ser humano e que ―convive‖ fria e indiferentemente com a
miséria e a fome de milhões a quem tudo é negado, não merece meu respeito
de educador mas, sobretudo, meu respeito de gente (FREIRE, 2012, p. 36).

É exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor, ética,


solidariedade, felicidade e humanização que estamos discorrendo. O monopólio capitalista
ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos, resumindo-as basicamente ao
poder de compra, o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo. Entretanto, uma
pedagogia que faça o caminho oposto a esse, que impregne sentido e identidade aos homens e
mulheres, que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE, 2012) e que forme o sujeito
em sua plenitude é o assento dessa pedagogia que estamos pautando, é o assento, portanto, da
Pedagogia Paulo Freire e da Educação do campo.

Não cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos.


O poder de não se resignar perante situações concretas de opressão é uma das maiores
contribuições de Freire ao atual debate da Educação do Campo.

Como vimos, a historiografia mostra que no Brasil, o período que compreende os anos
1950 e 1960 é identificado como populismo, período que esteve voltado à construção de um
projeto de desenvolvimento econômico nacional (RIBEIRO, 2010). A economia brasileira
ainda apresentava-se essencialmente agrária e produtora de matérias-primas. Politicamente, o
suicídio de Getúlio Vargas em 1954, a posse de Juscelino Kubitschek em 1956, a renúncia de
Jânio Quadros em 1961, e o Golpe Militar de 1964, proporcionaram um cenário de mudanças
que caracterizam uma ―sociedade em trânsito‖ (FREIRE, 1983) e rica em organizações
populares.

15
Prefácio ao livro ―À sombra desta mangueira‖ (Pág. 18)
55

É nessa complexidade que a gênese do pensamento de Paulo Freire emerge. Surge das
contradições da sociedade brasileira, sociedade essa governada por uma elite conservadora e
detentora de privilégios, na qual o homem simples, domesticado e alienado é forçado a viver
como objeto, esmagado e oprimido pela sombra da marginalização e da dependência
(FREIRE, 2011).

Nesse momento histórico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia
justamente para a manutenção do estado de miséria e analfabetismo em que grande parte da
população do campo e da cidade se encontrava. A esse ensino Freire chamou de educação
bancária, abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido. Esse modelo de ensino
está muito aquém da realidade dos sujeitos. É um paradigma desinteressado com as questões
referentes ao dia-a-dia dos sujeitos, do seu trabalho, dos seus sonhos, da vida prática.

No sentido oposto a concepção bancária de educação, a Pedagogia Paulo Freire se


realiza e materializa respeitando os sujeitos simples, o ―saber de experiência feito‖ desses
sujeitos. Além disso, busca entender a realidade como geradora de conteúdos, de currículo. A
relação é dialética e dialógica, é uma relação entre educador, educando e o mundo (FREIRE,
2011). Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepção atual da Educação
do Campo, que por sua vez está diretamente ligada a realidade que lhe produziu, ou seja, a
necessidade e a luta por direitos historicamente negados, e tem em sua gênese a resistência
dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al., 2012).

Os princípios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educação do Campo


coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos, estando inter-
relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo:

Educação do Campo

Pedagogia Paulo Freire

Figura III – Dialogicidade entre Educação do Campo e Pedagogia Paulo Freire


56

Os sentidos comungam, portanto, para uma mesma concepção de lugar, sujeito,


educação e sociedade. É importante ressaltar, nesse processo de compartilhamento a
anterioridade do pensamento de Paulo Freire, visto que o que hoje discutimos já era debatido
por ele na década de 1950 (GADOTTI, 1997).

Nesse sentido, o atual debate da Educação do Campo herdou muito do pensamento de


Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia. Isso é de uma importância ímpar, pois Freire
sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE, 2012), jamais
transplantada de forma acrítica de uma realidade a outra. A Educação do Campo tem feito um
importante tensionamento e disputado opiniões na base da sociedade acerca do modelo
educacional que temos e a serviço de quem ele está.

O modelo de educação contra-hegemônico não foi pensado por intelectuais


academicistas, até porque essa categoria, pouco se envolve com as questões sociais,
(RIBEIRO, 2010) mas é justamente o movimento contrário: ela emerge das situações de
descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo, sem terra, sem teto, sem
trabalho, sem perspectiva. É daí que surge a contra-hegemonia que jamais poderá ser criada
para indignados, uma vez que já foi criada por estes. É nesse sentido que está posta a
Pedagogia Paulo Freire, não como uma receita a ser seguida, mas como fruto, como
artesanato construído paulatinamente por indignação, exclusão e opressão. Essa concepção é
educativa, não pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem, mas antes, é a única
capaz de libertar o opressor, tornando-o livre no mais autêntico sentido que a palavra carrega.
É desse paradigma que a Educação do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana, a
pedagogia do oprimido, a pedagogia do povo simples, dos demitidos da terra.

A educação dos movimentos sociais do campo, assim como toda uma vasta produção
que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora, que entende o sujeito como ator e
protagonista da sua história, que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e
esvaziamento no qual a educação mergulhou todas essas características, formam, pois, o que
chamamos pedagogia contra-hegemônica e que está no cerne da pedagogia freireana e na
Educação do Campo.

A ressignificação do sujeito do campo, assim como do lugar desse sujeito, ou seja, o


campo, são contribuições significativas do pensamento de Paulo Freire. O sujeito, o homem e
57

a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda são) dentro da lógica produtivista como
mão-de-obra barata e passiva de exploração, e, por outro lado, invisibilizados dentro dos seus
direitos político-sociais. Essa circunstância na qual os sujeitos do campo estavam envoltos
indubitavelmente é responsável pela negação da condição de vita activa16. A exclusão da vida
participativa do país tem como herança a perpetuação da opressão e da negação, fatores que
acompanham os sujeitos do campo ao longo da história.

Para Paulo Freire o sujeito é tanto histórico quanto social, resultante de um complexo
de vivências reais. Capaz de, diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade,
integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE, 2012).

Quando nos referimos ao campo, é preciso ter o devido cuidado para não cairmos no
conservadorismo de uma visão homogênea de sujeito e lugares, entendendo, por exemplo, o
campo como lugar passivo, ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO,
2009). Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educação do Campo recusam esse
determinismo com forte veemência, pois sabe-se que as relações são complexas e que a
calmaria típica da zona rural esconde um emaranhado de relações sociais, de trabalho e de
família cuja dinâmica requer perspicácia e sutileza para seu entendimento.

Tendo em vista a importância do legado de Paulo Freire não somente para a Educação
do Campo, mas para toda a educação popular, para os espaços não escolares em que se
desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenção da
pedagogia freireana é que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiência de
Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire.

16
Hannah Arendt na obra ―A condição Humana‖ 10 ed. Rio de Janeiro, 2007. Pode ser entendido como a
condição de participação ativamente na vida política da sociedade.
58

3.2 EXPERIÊNCIA DE ANGICOS: UM EXEMPLO DA MATERIALIZAÇÃO DA


PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE

Figura IV – Angicos nos dias de hoje (2014). Fonte: o próprio autor

(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora
Paulo Freire, Angicos, 28 de agosto de 1993)

Os fins da década de 1950 e início de 1960 são fortemente marcados por movimentos
de cunho popular e participativo. Um período particularmente rico em organizações sociais e
coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira.
Direitos trabalhistas, educacionais, Reforma Agrária são exemplos de temáticas que vinham
sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada. No
campo, essa movimentação se deu de forma particularmente rica.

O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife, a partir de maio de


1960, a Campanha ―De pé no chão também se aprende a ler‖, em Natal, a
partir de 1960, o Movimento de Educação de Base (MEB) da Conferência
Nacional dos Bispos Brasileiros, os Centros Populares de Cultura (CPCs) da
União Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude
são testemunhas da notável efervescência desse período (BEISIEGEL, 2010,
p. 18).
59

Uma das primeiras iniciativas no tocante a criação de uma política para atender aos
jovens e adultos analfabetos diz respeito à criação do Serviço de Educação de Adultos (SEA)
em 1947, e dessa ação a criação da Campanha de Educação de Adultos (BEISIEGEL, 2010).
No entanto, essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferência dos
conteúdos trabalhados com crianças no primário aos jovens e adultos que estudavam a noite.
O próprio Lourenço Filho, que era um expoente dessa campanha, escreveu textos cujo assento
residia na sua preocupação com essa metodologia.

Não obstante as reiteradas manifestações de Lourenço Filho sobre a


necessidade de atentar às particularidades e as exigências específicas do
adulto pouco escolarizado, na grande maioria das classes, professores do
ensino infantil reproduziam, à noite, com seus alunos jovens e adultos, os
trabalhos que realizavam no período diurno com os seus alunos do ensino
primário fundamental comum. (BEISIEGEL, 2010, p. 24)

Aos poucos percebe-se que o caráter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo


com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem não garantia uma cidadania plena
no gozo de direitos. Desse modo, inicia-se nesse âmbito um paradigma que pensa a questão
do analfabetismo como eminentemente de cunho social, requerendo, portanto, uma visão mais
ampla da questão. Em 1958 Freire escreve ―A educação de adultos e as populações marginais:
o problema dos mocambos‖ que já tratava a temática sob a ótica dos problemas sociais mais
abrangentes (BEISIEGEL, 2010).

O trabalho que projetou Freire nacionalmente, contraditoriamente, foi o mesmo que o


levou à prisão com o advento da Ditadura Militar. Devido à experiência de Angicos, ele foi
considerado ―ignorante e subversivo‖ pelo Regime Militar. Segundo o livro organizado pelo
Instituto Paulo Freire e Comissão de Anistia (2012, p.36), denominado ―Paulo Freire,
anistiado político brasileiro‖, ―Alguns de seus alunos também foram presos e passaram por
outras dificuldades depois da experiência de Angicos (1963), considerada subversiva e, mais
tarde, cancelada‖.

Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento também com os
camponeses. As lutas não se resumiam à cidade. Há pouco, a sindicalização rural havia sido
um fenômeno extensivo a quase todo o nordeste, com ênfase na Paraíba, Rio Grande do Norte
e Pernambuco, especialmente através da Campanha de Educação Popular, juntamente com a
60

Juventude Universitária Católica - JUC -, Juventude Agrária Católica e o Movimento de


Educação de Base – MEB (SILVA, 2011; FREIRE, 1983).

O caráter da experiência realizada em Angicos está assentado nos princípios da


Educação Popular, que para Carlos Rodrigues Brandão (2009, p. 09) tem um papel e um
sentido histórico: como resistência e oposição ao status quo.

Figura V – Angicos/RN

A experiência de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963, contém o cerne


da pedagogia freirena, ou seja, Freire (1983, p. 06) afirma que ―a alfabetização e a
conscientização jamais se separam‖. Nesse momento histórico, o sujeito do campo imerso no
populismo por um lado e no analfabetismo por outro, conforme Ribeiro (2010), enfrenta um
período de grandes privações no campo social, político, econômico e educacional. É nesse
ultimo, principalmente, que a experiência de Angicos é significativa, pois educação era luxo,
restrito às classes dominantes.

Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissão de Anistia


(2012), Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos
dias, ação que significou um fenômeno revolucionário. É importante salientar o princípio
dessa alfabetização: Freire (1983, p. 96) afirma que ―Toda separação entre os que sabem e os
que não sabem, do mesmo modo que a separação entre as elites e o povo, é apenas fruto de
circunstâncias históricas que podem e devem ser transformadas‖. Portanto muito mais do que
o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na
conscientização política dos sujeitos frente a um mundo de privações.

Esse trabalho obtém grande repercussão nacional e internacional. Estende a


experiência com seu Método para Natal (RN) e João Pessoa (PB).
61

O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de


Marcos, que partiu depois para Angicos. O primeiro trabalho dessa equipe
foi fazer o universo vocabular da região. Nunca me esqueço que a primeira
palavra geradora de Angicos foi ―belota‖, uma corruptela de borlota, que é
exatamente esse negócio de pôr em rede, em cortina. Por que isso? Nessa
região se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques
exatamente uma borlota, mas que o povo chama belota. Essa foi a primeira
palavra geradora, de uma riqueza extraordinária, em ambos os aspectos,
sociológicos e linguísticos, porque ela introduzia três famílias silábicas, a do
ba-be-bi-bo-bu, e do la-le-li-lo-lu, e a do ta-te-ti-to-tu. Ela em si abria a
possibilidade de criação de novas palavras. Depois dessa seleção feita, os
meninos foram e passaram a morar lá. Um mês depois tinha trezentas
pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSÃO
DE ANISTIA, 2012, p.86).

As 40 horas de Angicos foi um espaço de extrema riqueza. Os participantes daquela


experiência são testemunhas da efetivação de uma práxis. Um momento em que teoria e
prática dialogaram, justamente como sempre defendeu Freire. É importante destacar que os
300 trabalhadores que se alfabetizaram eram, em sua maioria, trabalhadores rurais. ―Silentes e
autodesvalidos, os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes
dirigiu em Angicos. Os jovens agricultores, ainda sem terra, mas que já conquistaram a
palavra, leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida‖ (idem, p. 117).

Figura VI – Experiência de Angicos/RN

Nos anos 50, quando ainda se pensava na educação de adultos como uma
pura reposição dos conteúdos transmitido às crianças e jovens, Paulo Freire
propunha uma pedagogia específica, associando estudos, experiências
vividas, trabalho, pedagogia e política (GADOTTI, 1996, p. 70)

Desse modo, percebemos um nítido respeito que o educador Paulo Freire tem para
com os educandos. Ele desenvolve uma educação totalmente contrária à educação
escolarizada, cujas metodologias estão intimamente ligadas por um conteúdo a-histórico, que
62

não leva a uma reflexão crítica do mundo. Onde o maior objetivo é o depósito de tudo o que
foi decorado ao longo de um período.

Essa fôrma (de formar) de educar é fortemente recusada por Freire (2011). Na
Pedagogia do Oprimido, denominou de ―educação bancária‖. Os sujeitos envolvidos no
processo são meros receptores. Depósitos de conteúdos que não têm nenhuma relação com a
realidade. Freire caminha em direção oposta à educação bancária, entende que a realidade e a
vida concreta dos sujeitos é geradora de conteúdo e, portanto, a gênese da alfabetização
deveria começar, pois, daquela realidade, partindo para o universalmente conhecido
(FREIRE, 2011).

A leitura que Freire faz do sujeito do campo, nordestino é sem dúvida avançada. Um
momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito, Freire se utiliza
da realidade dos camponeses, do modo de vida, do trabalho, das experiências para, partindo
desse ponto, chegar à alfabetização e à conscientização desses sujeitos. A educação das
populações camponesas esteve longe de ser o ponto nevrálgico dos interesses das classes
dominantes, afinal ―é mais difícil explorar um camponês que sabe ler do que um analfabeto‖
17
.

Paulo Freire não se separa da política. Paulo Freire deve ser considerado
também como um político. Esta é a dimensão mais importante de sua obra. Ele
não pensa a realidade como um sociólogo que procura apenas entendê-la [...]
Por isso ele pensa a educação ao mesmo tempo como ato político, como ato de
conhecimento e como ato criador (GADOTTI, 1996, p. 70).

A intervenção que Freire realiza em Angicos é uma atividade eminentemente política,


tinha como objetivo além da alfabetização a politização dos trabalhadores rurais daquele
município, isso em um período de predomínio das oligarquias rurais, do voto de cabresto e de
extrema espoliação da mão-de-obra dos agricultores. Pois é em meio a esse cenário que
Freire, juntamente com seus colaboradores, desenvolve um paradigma de alfabetização cujo
principio é a libertação do povo da condição de oprimido e ―demitido da vida‖.

Sua concepção de educação e, logicamente, sua proposta educacional, que


havia mostrado resultado altamente positivo na experiência em Angicos

17
Resposta pela recusa da não alfabetização dos camponeses proposta por Voltaire, a Imperatriz Catarina da
Rússia no Século XVIII.
63

(RN), consistia em afirmar que todo ato educativo é um ato político; assim
sendo, a educação contém a potencialidade da transformação da sociedade
por intermédio de uma consciência crítica da realidade, tarefa que tanto o
educador como o educando devem assumir no ato educativo. (INSTITUTO
PAULO FREIRE E COMISSÃO DE ANISTIA, 2012, p. 43)

Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiência de Angicos era tanto


alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas. A experiência que
era patrocinada pelo ―Aliança para o Progresso‖, um programa de origem estadunidense e do
Governo do Rio Grande do Norte, que à época estava sob mandato de Aluizio Alves,
experiência que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente.

O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lançamos sobre a experiência
de Angicos, amplamente conhecida, é evidenciar que o público participante era, de forma
majoritária, trabalhadores rurais, em uma cidade, cujo período histórico dificulta falar-se em
urbanidade, público esse, objeto de nossa reflexão nesta dissertação de mestrado. Nesse
sentido, situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importância ao atual debate
da Educação do Campo. O que estamos debatendo hoje, como o respeito às vivências e
experiências, a importância do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento prévio‖,
Freire, tratou ainda em 1963, com responsabilidade e humanismo. Assim, é salutar
percebermos a experiência de Angicos como uma importante fonte histórica que pode (e
certamente haverá de) contribuir em muito com o atual debate da Educação do Campo.
64

4. RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCAÇÃO DO


CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Feito o debate teórico-metodológico acerca da Educação do Campo e de suas raízes


históricas no Brasil e também sobre a atual posição que esta modalidade de ensino ocupa,
entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiências que ilustram de modo
singular a inserção da Educação do Campo na universidade brasileira. Para tanto, tomamos
como recorte analítico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Procuramos refletir sobre a contribuição da pedagogia freireana ao ―Projeto
do curso‖ entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educação do Campo é
de extrema relevância. Entendemos que a formulação da proposta curricular dessa natureza,
ou seja, pensada para cursos cujos sujeitos têm vínculo direto com o campo, carece de certo
alinhamento ideológico com a pedagogia freireana, uma vez que esta canaliza a resistência
histórica dos povos do campo.

A tomada do curso como recorte se explica pela aproximação e atuação que tivemos
com a turma de Pedagogia da Terra no período de 2010 a 2011, período no qual atuamos
como monitor. Já a busca pela contribuição da pedagogia freireana à Proposta político-
pedagógica e Plano de Trabalho se faz necessário pelo foco central deste trabalho, mas
também pela singular experiência de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire
no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da
Paraíba. Além do mais entendermos que Educação do Campo é uma questão de grande valor,
não pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a
contemporaneidade tem nos mostrado, em outras palavras, a Educação do Campo não pode
ser moda, mas antes, oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e
aos seus pares.

Na atuação como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das


dificuldades, alegrias, avanços e limitações que os educandos e as educandas enfrentaram no
dia a dia. Esse convívio foi de grande importância, pois humanizou as relações que a
universidade, por vezes, esvazia. São pessoas com sonhos, frustrações, dificuldades
financeiras, limitações cognitivas, mas, sobretudo, são pessoas que lutam, que persistem, que
não se envergonham de ocupar, com simplicidade, o espaço de ―glamour‖ que ainda é a
universidade brasileira.
65

Além do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN, os cursos de Jornalismo da Terra da


Universidade Federal do Ceará (UFC), Especialização Lato Sensu em Direitos Sociais do
Campo, promovida pelo Incra/Pronera e a Universidade Federal de Goiás (UFG), Licenciatura
em Pedagogia pelo Programa Estudante - Convênio/Movimento Sociais do Campo –
PEC/MSC (UFPB) entre outros, são exemplos e frutos colhidos após anos afinco na luta
cerrada e disputas dentro da superestrutura política. Por isso mesmo, entendemos que essas
experiências representam a inserção concreta de sujeitos do campo na Universidade pública
brasileira, sendo, por esse motivo, merecedora de análise detalhada e pesquisas futuras.

Para entendermos melhor a atualidade da Educação do Campo como política pública


destinada a um público específico (do campo) é preciso situar a temática na historiografia. A
pesquisadora da Faculdade de Educação da UFMG, Antunes-Rocha (2011, p.125) é enfática
ao afirmar que, sobre cursos de formação de professores para o campo ―não encontrei nada
antes de 1997‖. Não por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera, programa esse,
que entendemos ser portador do cerne da questão da Educação do Campo no Brasil enquanto
política pública.

O curso de Pedagogia da Terra é fruto da luta histórica dos movimentos sociais do


campo no Brasil, ele representa em boa medida, os anseios teóricos e práticos de inclusão
social. Assim como todo e qualquer espaço, o curso não é um todo homogêneo sem conflitos,
mas antes, espaço repleto de contradições e disputas, tanto interna como externamente.

O suporte para essa reflexão reside, sobretudo, na análise de documentos do Curso,


principalmente na ―Proposta político-pedagógica e Plano de Trabalho‖ que é o documento
principal norteador das ações do curso, mas também buscamos subsidiar esta escrita em
resoluções, principalmente na Resolução nº 103/2006, CONSEPE/UFRN de 19/09/200618,
que trata do Regulamento dos Cursos de Graduação da UFRN, além de outras fontes que
tivemos acesso através de colaboradores e também de páginas eletrônicas.

18
Atualmente a Resolução Nº 171/2013-CONSEPE/UFRN, de 5 de novembro de 2013 é que rege o
Regulamento dos Cursos Regulares de Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
66

O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia – Licenciatura


Plena, foi orientado pela Resolução nº103/2006-CONSEPE/UFRN de 19/09/2006 e seguiu
todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares. A Comissão Permanente de
Vestibular (COMPERVE)19 foi responsável pela realização do certame. Para se candidatar ao
vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte pré-requisito:

a) ser portador de certificado ou diploma de conclusão do Ensino Médio (ou


curso equivalente)

b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonização e reforma Agrário


(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra
(MST) do RN. (COMPERVE, 2007).

O pensamento da organização coletiva, conscientização e luta, tão fortemente


imbuídos na pedagogia freireana aqui se materializa. Evidenciar um curso voltado para povos
do campo e ainda mais, para membros de um movimento social tão atuante quanto polêmico,
como é o MST, é sem dúvida um avanço. Essa conquista não é do acaso, ou natural, é fruto de
uma conjuntura rara, criada por múltiplos condicionamentos sociais, mas, sobretudo, pela
organização coletiva dos trabalhadores do campo.

Porém, como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes, que horas
cede às reivindicações das massas, hora cerceia essas conquistas, não demorou o início dos
ataques dirigidos pela classe dominante à forma como o curso estava sendo gerido. Em 2010,
um desses ataques teve como consequência a reformulação dos projetos do curso. A partir
desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria até então existente.
Sobre esse assunto, detalharemos mais a diante.

Retomando o processo seletivo para entrada no Curso, os alunos interessados no


vestibular, passaram 15 dias envolvidos numa preparação para as provas. Nesse momento
trabalharam matérias escolares: Português, Matemática, Geografia, História etc.
(FERNANDES, 2009). A elaboração da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e

19
Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a
chamar-se Núcleo Permanente de Concursos UFRN
67

seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares, como já


salientado anteriormente.

Após o resultado do certame, o curso teve início no primeiro semestre de 2007


(2007.1), com as 60 vagas devidamente preenchidas. Por deliberação dos próprios educandos,
a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes‖ em homenagem ao grande sociólogo,
escritor e político brasileiro.

É sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanço para a
Educação do Campo no Rio Grande do Norte, representando, também, um sinal de abertura
da Universidade Federal às questões sociais do campo. Mesmo tendo havido outro curso de
pedagogia para assentados20 indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas
lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diálogo da universidade
com a sociedade potiguar.

Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiões do Estado do Rio Grande do


Norte, desde áreas vizinhas de Natal, como é o caso de Macaíba e Ceará Mirim, até lugares
mais distantes da Capital como São Rafael e Triunfo Potiguar, na região Médio Oeste. Nesses
municípios, esses sujeitos residem majoritariamente em áreas rurais de assentamento.

O Curso segue as orientações da Resolução CNE/CP n.1, de 15 de maio de 2006, que


institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, e confere habilitação
em ―Licenciatura em Pedagogia21‖, conforme aponta a Proposta político-pedagógica e Plano
de Trabalho.

Habilitar professores por meio de curso superior para o exercício da


docência em Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental,
regular, para Educação de Jovens e Adultos, e para atividades de

20
Entre 2002 e 2006, formaram-se em nível de graduação, 63 alunos de nove estados nordestinos e um da
região norte (AL, BA, CE, MA, PA, PB, PE, PI, RN e SE).

21
O diploma é gerado com uma observação que faz alusão ao Probásica – Programa de Qualificação
Profissional para Educação Básica – instituído pela Resolução CONSEPE/UFRN nº14/99, de 02/02/99, que
estabelece os convênios entre a Universidade e seus parceiros, apresentamos um exemplar em anexo.
68

coordenação e assessoramento pedagógico em escolas, instituições do


sistema educacional e projetos educativos existentes nas áreas de
assentamento. (UFRN, 2010, p. 05).

Isso mostra que mesmo havendo particularidades, o egresso do curso recebe o título de
licenciado em pedagogia, apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo.

Essa formação visa combater o déficit histórico de profissionais da educação


nas áreas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educação do
Campo. Além disso, pretende gerar oportunidade de continuidade dos
estudos aos jovens que detinham o Ensino Médio completo e que moravam
nos assentamentos e áreas de reforma agrária. Desse modo o objetivo é
colaborar com a constituição de uma rede de educadores do campo em nosso
Estado, com qualificações técnicas e compromisso ético que possibilite o
aprofundamento e ampliação de experiências de educação do campo (UFRN,
2010, p. 04).

Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade é algo


significativo. Afirma ainda que:

O ensino superior ainda resguarda status de responsável pela ascensão social


e garantia de melhores condições de vida. Historicamente o assento
ideológico da universidade foi muito mais as concepções da classe
dominante, social e politicamente, do que um lugar de inclusão da classe
explorada. (SILVA FILHO, 2011, p. 40).

Por esse motivo, O curso tem um caráter contra-hegemônico e diferente daquele que
nos habituamos a ver nas universidades.

Porém, sabemos que os fatos não se dão de forma linear ou sem disputas, ocorre que, o
modo de execução dos anos de 2007 e 2008, cujo assento havia sido o Convênio
CRT/RN/39.000/2006, (INCRA/UFRN/MST) teve seus componentes e formato questionados
por parte dos estratos jurídicos do INCRA (UFRN, 2010). Na verdade esse momento é
histórico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram período de grandes incertezas.

Em que pese as mudanças de formato da relação institucional entre a UFRN e


o INCRA, o projeto ora apresentado mantém a estrutura curricular original e
os seus fundamentos teórico-metodológicos estão incorporados aqui,
assegurando a correspondente consonância com a Resolução CNE/CP no 1, de
15 de maio de 2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia. (UFRN, 2010, p. 04).
69

Mesmo não tendo perdido do ponto de vista teórico-metodológico, as perdas políticas


são evidentes, principalmente com a exclusão do MST da operacionalização do Curso. Como
podemos observar, o Acórdão n. 2653/2008 é explícito quanto as proibições:

(...)

9.4.3. caso pretenda oferecer cursos a público específico, afeto a sua área de
atuação, a exemplo do que se verificou no âmbito do Projeto Camosc:

9.4.3.1. com relação ao instrumento a ser firmado com a entidade que se


encarregará da execução do objeto, em vez de convênio valha-se de contrato,
precedido de procedimento licitatório;

9.4.3.2. iniba, por meio de normas, cláusulas contratuais e fiscalização,


qualquer possibilidade de que entes estranhos à Administração Pública,
especialmente movimentos sociais ligados à reforma agrária, participem do
planejamento, execução, acompanhamento, avaliação ou de outra fase do
curso promovido; (TCU, 2008)

Nesse período professores-coordenadores, representantes do INCRA, reitores das


universidades públicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadêmicas, que
após um ano reiniciou. Esse momento externou de forma explícita o conservadorismo e o
desejo de segregação social que ainda permeia a classe política brasileira.

Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe, tende a organizar a escola


em todos os níveis e modalidade de ensino, conforme a concepção de mundo
da classe dominante e dirigente, embora, contraditoriamente, dependendo do
grau de difusão da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil, a
mesma escola esteja permeável à influência de outros projetos político-
pedagógicos. (NEVES, 2005, p. 29).

Desse modo, compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela


manutenção desse Curso como questões ideológicas, como resistência dos povos do campo
por um lado e, ofensiva da classe dominante de outro. Sabemos que essa disputa é histórica e
tem altos e baixos, concessões e restrições. Esse momento, embora tenha acarretado
desconforto e prejuízos para muitos, foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta
de correlações de força.
70

4.1 CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRÍCULO DO


CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Pensar uma proposta curricular para um curso de Educação do Campo, como é o


Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros já exemplificados, que gozam de um caráter
popular, certamente requer posicionamento e uma reflexão sobre os princípios basilares do
currículo. Tomaz Tadeu da Silva (2011) expõe que ―A questão central que serve de pano de
fundo para qualquer teoria do currículo é a de saber qual conhecimento deve ser ensinado‖ (p.
14). O autor afirma que o currículo é sempre resultado de uma seleção. Desse modo, quando
determinamos que conhecimento ensinar, estamos deixando de fora outros conhecimentos. A
questão fundamental passa a ser: por que ―esse‖ conhecimento e não ―aquele‖?

O currículo nunca é simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos,


que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um país.
Sempre parte de uma tradição seletiva, da seleção feita por alguém, da visão
que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legítimo. Ele é produzido
pelos conflitos, tensões e compromissos culturais, políticos e econômicos
que organizam e desorganizam um povo. (APPLE, 2000, p. 53)

Objetivamente essa relação de escolhas nos leva diretamente a entender que o


currículo é antes de tudo ideológico, sendo, portanto, uma disputa pela hegemonia. Quando
escolhemos ―esse‖ conteúdo e não ―aquele‖ estamos, consciente ou inconscientemente,
optando por um determinado projeto educativo.

É essa preocupação que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia,


tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond
Williams. É o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como
um campo contestado, como um campo onde os grupos dominantes se veem
obrigados recorrer a um esforço permanente de convencimento ideológico
para manter sua dominação. É precisamente através desse esforço de
convencimento que a dominação econômica se transforma em hegemonia
cultural. Esse convencimento atinge sua máxima eficácia quando se
transforma em senso comum, quando se naturaliza (SILVA, 2011, p. 46).

Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemática reside na reprodução social, que


ocorre palas vias da cultura, ou propriamente da cultura dominante. Seus valores, seus gostos,
seus costumes, seus hábitos, seus modos de se comportar, de agir são reproduzidos como ideal
e desejado para toda a sociedade. Entendemos, portanto, que é justamente no currículo onde
ocorre a condensação de toda essa problemática.
71

Compreendemos que o currículo é um espaço para o confronto de conhecimentos


popular e erudito. Nesse sentido o papel da universidade é primordialmente, ressignificar os
conhecimentos já elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de
experiência feito‖, que são pilares fundantes para a construção curricular. Currículo com foco
na vida, pela vida e para a vida. Saber que não é transposto automaticamente, pois se constitui
em aprendizagens colaterais e que, ao precederem a escola, alicerçam-na e lhe dão suporte.

Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaço educativo no qual co-


existam de forma permanente a circularidade entre saberes é tarefa responsável da
universidade, assim, o grande desafio é construir uma matriz pedagógica, que não se feche
numa dimensão de especialidades dentro das disciplinas. O currículo precisa dar conta de
especificidades, por outro lado, não pode perder com isso a visão ampla, não pensar apenas o
específico, sob pena de fragmentar o conhecimento, nem somente o geral, pois isso teria
consequências danosas à dimensão particular.

A educação do campo tem um vínculo com a matriz pedagógica do trabalho e da cultura.


Numa concepção freireana há uma inter-relação fundamental entre essas duas categorias,
visto que a primeira pode-se entender como a ação do homem na natureza, ao passo que a
segunda é o resultado dessa ação, ação consciente e ativa do homem em sua
realidade/natureza (FREIRE, 1983). Desse modo, a tarefa primordial da Proposta político-
pedagógica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra, é dialogar com essas
matrizes.

Assim, observamos que a Proposta político-pedagógica e Plano de Trabalho se


aproxima e dialoga bastante com esse pensamento, logo, aproximando-se, também,dos
princípios contidos na Pedagogia Paulo Freire.

A proposta curricular para este curso terá como ponto de partida os saberes e
práticas dos alunos e a realidade dos assentamentos. Por conseguinte, a
singularidade será realçada sem perder de vista os elementos universais que
compõem a cultura do homem e da mulher do campo, na perspectiva de
mobilizar um movimento pedagógico pautado na ação-reflexão-ação (UFRN,
2010, p. 8).

A proposta de formação de Freire é permeada por uma postura crítica, política e


consciente diante de abordagens de formação que se apresentam fragmentadas, não
envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupações dos sujeitos. Nesse
72

sentido a categoria realidade, sem dúvida, detém uma centralidade na Pedagogia Paulo
Freire, isso justamente porque é na concretude que a vida se passa. Por isso mesmo a
importância da indissociabilidade entre o currículo do curso e a vida prática dos educandos e
educandas.

Outro ponto de fundamental importância se refere à necessidade de afinidade crítico-


ideológico dos docentes com a proposta do curso. É importante haver aproximação suficiente
para compreender as particularidades próprias da turma, dos sujeitos e do campo.

De acordo com a Proposta político-pedagógica e Plano de Trabalho a ―estrutura


curricular‖ do curso de Pedagogia da Terra é concebida em três núcleos articulados, quais
sejam: estudos básicos, aprofundamento e diversificação de estudos, e estudos integradores,
cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais, a serem realizadas,
preferencialmente, nos períodos de janeiro/fevereiro e junho/julho de cada ano nas
dependências da UFRN, e de atividades vivenciais (grupos de estudo, pesquisa e exercício
profissional), apoiadas por monitores de apoio pedagógico ao longo dos semestres, tendo
como referência a prática docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agrária
(UFRN, 2010).

O ―Núcleo de Estudos Básicos‖ do curso compreende a seguinte ordem:

a. Histórico e sócio-cultural, compreendendo os fundamentos filosóficos,


históricos, políticos, econômicos, sociológicos, psicológicos e
antropológicos necessários para a reflexão crítica nos diversos setores da
educação na sociedade contemporânea.
b. Da educação básica, compreendendo:
i. Estudo dos conteúdos curriculares da educação básica
escolar;
ii. Os conhecimentos didáticos; as teorias pedagógicas
em articulação às metodologias; tecnologias de informação e
comunicação e suas linguagens específicas aplicadas ao ensino;
iii. Estudo os processos de organização do trabalho
pedagógico, gestão e coordenação educacional;
iv. Estudo das relações entre educação e a realidade
social do campo, os contextos de trabalho, as especificidades da região
do Semi-Árido e os processos de organização social das populações
do campo. (UFRN, 2010, p. 10)
73

No ponto ―IV‖ do Núcleo de estudos básicos, observa-se um eixo bem delimitado no


que concerne a formação do sujeito em consonância com sua realidade. Já dialogamos sobre a
importância dessa associação entre trabalho e cultura, tão significativa à Educação do Campo
e à Pedagogia Paulo Freire.

A integração ao seu contexto, resultante de estar não apenas nele, mas com
ele, e não a simples adaptação, acomodação ou ajustamento, comportamento
próprio da esfera dos contatos, ou sintoma de sua desumanização, implica
em que, tanto a visão de si mesmo, como a do mundo, não podem
absolutizar-se, fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-
o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha. (FREIRE, 1983, p.42).

Desse modo, a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores
dos sujeitos que vivem do/no campo é entendida como tarefa fundamental no projeto político
e pedagógico da Educação do Campo. Esse eixo de estudos busca situar e datar os
componentes do curso na atualidade.

Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternância é a
ausência, em parte , do corpo docente de uma maior afinidade política ideológica com as
questões específicas do curso. A ausência dessa interação acarreta comprometimentos quanto
à viabilização e operacionalização prática da proposta pedagógica escrita (RIBEIRO et al.,
2010). É um ponto da Pedagogia da Alternância que tem sido pensado e repensado, uma vez
que as visitas dos professores às comunidades dos estudantes/trabalhadores tem se
operacionalizado de forma bastante limitada. Esse ponto externa uma preocupação que
compromete os princípios da Educação do Campo, da Alternância, da Pedagogia Paulo Freire
e da Educação Popular como um todo.

A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estratégica. Em


boa medida, os docentes gozavam de boa experiência com a extensão universitária, o que
significa certa capacidade de dialogar com o ementário das disciplinas:

A indicação dos professores será assumida pela Coordenação do Curso,


considerando, preferencialmente, a vinculação formal com o Departamento
de Educação e demais departamentos das licenciaturas da UFRN, e a atuação
docente e investigativa nas áreas relacionadas com o ementário do referido
curso (UFRN, 2010, p. 26-27).

As disciplinas trabalhadas no Núcleo de estudos básicos podem ser vistas conforme a


tabela a baixo:
74

CH CH
CH
Perío C C
Código Disciplinas Presenc
do R H Viven Prát
ial
cial ica
EDU00
Introdução ao Trabalho Científico 2 30 25 5 -
2007. 46
1 EDU00 Introdução à Leitura de textos, 12
8 100 20 -
47 imagens e meios eletrônicos 0
EDU00
Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -
37
EDU00 Dimensão Sócio-Antropológica do Ser
4 60 45 15 -
96 Humano
2007. EDU00
História e Política da Educação 4 60 45 15 -
2 41
EDU00
História na Escola 4 60 45 15 -
43
EDU00 Sociologia dos Movimentos Sociais e
4 60 45 15 -
59 Educação
EDU00
História e Política da Educação no Brasil 4 60 45 15 -
42
EDU00
Gestão democrática na Escola 4 60 45 15 -
2008. 40
1 EDU00 Organização da Educação
4 60 45 15 --
51 Brasileira
EDU00
Geografia na Escola 4 60 45 15 -
38
EDU00
Dimensão Psicológica da Aprendizagem 4 60 45 15 -
23
EDU00 Teorias e Métodos de Educação Popular
4 60 45 15 -
62 (Paulo Freire)
2008. EDU00
Dimensão Psicológica do Homem 4 60 45 15
2 25
EDU00 Técnicas de Elaboração de
4 60 45 15
81 Projetos Educacionais
EDU00
Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15
60
EDU00 Teorias e Métodos de Educação (outros
4 60 45 15
61 pedagogos)
EDU00 Planejamento Escolar e Projeto
4 60 45 15
2010. 53 Pedagógico
2 EDU00 Aquisição e desenvolvimento da
4 60 45 15
19 linguagem – Português
EDU00 Aquisição e desenvolvimento da
4 60 45 15
18 linguagem – Matemática
EDU00 Gerenciamento de Atividades
4 60 45 15
39 Educacionais
2011. EDU00
Língua Portuguesa na Escola 4 60 45 15
1 48
EDU00
Matemática na Escola 4 60 45 15
49
EDU00 Elaboração de Material Didático
4 90 45 15
2011. 35 (teoria + prática)
2 EDU00
Ciências Naturais na Escola 4 60 45 15
21
Fonte: UFRN (2010)
75

No segundo eixo, Núcleo de Aprofundamento e Diversificação de Estudos, se


percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questão de nossa época‖
(FREIRE, 1983) ou questões ―transversais‖. São temáticas que nos remetem a diversidade
cultural, tão em pauta hoje em dia:

1. Educação de jovens e adultos;


2. Educação infantil;
3. Educação e os processos de organização social das populações do
campo.
4. Educação ambiental;
5. Educação e pluralidade cultural;
6. Educação para saúde e educação sexual;
7. Educação especial;
8. Temas específicos: alternativas educacionais para o campo; questão
agrária; cooperativismo e semi-árido. (UFRN, 2010, p. 10)

A par disso, é válido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a


essas questões. Mesmo antes de todos esses temas virem à tona, Freire já formulava a
Pedagogia do Oprimido, que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento é o grupo de
oprimidos, ou seja, adultos não alfabetizados, pessoas com deficiências, povos tradicionais,
direitos das mulheres, Direitos Humanos e outros. A pedagogia do oprimido apresenta ao
mundo, todos os sujeitos que vivem à margem da cultura erudita e hegemônica. Paulo Freire
chama a atenção para a riqueza da produção cultural desses sujeitos. Em boa medida, esses
conhecimentos estão hoje sintetizados no multiculturalismo.

Desse modo, percebemos que há uma evidente contribuição do pensamento freireano


no tocante a organização do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN. A
seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compõem o Núcleo de Aprofundamento e
Diversificação de Estudos.

CH CH
CH
Perío C C
Código Disciplinas Presenc
do R H Viven Prát
ial
cial ica
EDU00
Seminário I – A questão Agrária. 4 60 40 20 -
2007. 56
1 EDU00 Seminário II – Alternativas Educacionais no
4 60 40 20 -
55 Campo
2008. EDU00
Seminário III – O Semi- Árido 4 60 45 15 -
1 82
2010. EDU00 Seminário IV – Cooperativismo 4 60 45 15 -
76

2 57
2011. EDU00
Educação Ambiental 4 60 45 15 -
1 29
EDU00 Educação de Jovens e Adultos e
4 60 45 15 -
27 Processo de Alfabetização
2011. EDU00
Educação Especial 4 60 45 15 -
2 30
EDU00
Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -
20
EDU00 Educ. de Jovens e Adultos e Processo de Pós-
4 60 45 15 -
28 Alfabetização
EDU00
Educação para Saúde e Orientação Sexual 4 60 45 15 --
32
2012. EDU00
Educação Infantil 4 60 45 15 -
1 31
EDU00 Educação, Ética e Pluralidade
4 60 45 15 -
33 Cultural
EDU00 Língua Brasileira de Sinais –
4 60 45 15 -
87 LIBRAS

Fonte: UFRN (2010)

A última parte dos núcleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores, que são:

a. Realização de oficinas e participação em eventos culturais, artísticos e


científicos;
b. Exercício profissional em âmbitos escolares e não-escolares, articulando saber
acadêmico, pesquisa e prática educativa (UFRN, 2010, p.10).

CH CH
CH
Perío C C
Código Disciplinas Presenc
do R H Vivenci Prát
ial
al ica
EDU00 Introdução ao Estudo da Realidade
4 60 15 45 45
45 Local (teoria+prática)
2007. EDU00
Atividade de Formação Cultural I - 15 - 15 15
1 64
EDU00
Oficina de Práticas Formativas I - 15 15 - 15
65
EDU00 Sistema Educacional e
3 45 5 40 45
58 Organização Escolar (prática)
2007. EDU00
Atividade de Formação Cultural II - 15 - 15 15
2 66
EDU00
Oficina de Práticas Formativas II - 15 15 - 15
67
EDU00 Observação na escola – sala de
3 45 5 40 45
50 aula (prática)
2008.
EDU00 Atividade de Formação Cultural
1 - 15 - 15 15
68 III
EDU00 Oficina de Práticas Formativas III - 15 15 - 15
77

69
EDU00
Introdução à Pesquisa (prática) 3 45 5 40 45
44
2008. EDU00 Atividade de Formação Cultural
- 15 - 15 15
2 70 IV
EDU00
Oficina de Práticas Formativas IV - 15 15 - 15
71
EDU00
Pesquisa I (prática) 3 45 5 40 45
52
2010. EDU00
Atividade de Formação Cultural V - 15 - 15 15
2 72
EDU00
Oficina de Práticas Formativas V - 15 15 - 15
73
EDU00 10
Estágio Supervisionado I 15 85 85
95 0
2011. EDU00 Atividade de Formação Cultural
- 15 - 15 15
1 74 VI
EDU00
Oficina de Práticas Formativas VI - 15 15 - 15
75
EDU00 20
Estágio Supervisionado II - 200 200
97 0
2011. EDU00 Atividade de Formação Cultural
- 10 - 10 10
2 98 VII
EDU00
Oficina de Práticas Formativas VII - 15 15 - 15
77
EDU00 Trabalho de Conclusão de Curso
- 90 - 90 90
63 (prática)
2012. EDU00 Oficina de Práticas Formativas
- 15 15 - 15
1 79 VIII
EDU00
Congresso de Encerramento - 45 - 45 45
80
Fonte: UFRN (2010)

Essa ultima parte, pode-se considerar como a reta final do Curso. Os estudantes
trabalharam atividades voltadas à culminância como as Oficinas Formativas, os Estágios
supervisionados e o Trabalho de Conclusão de Curso (UFRN, 2010)

Os três núcleos centrais do currículo dialogam em grande parte, com as necessidades


da formação dos sujeitos do campo, mas também com os princípios da Pedagogia Paulo
Freire, sobretudo o diálogo, tão caro no mundo dos ―pacotes prontos‖.

É preciso que a educação esteja – em seu conteúdo, em seus programas e em


seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a
ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com
os outros homens relação de reciprocidade, fazer a cultura e a história
(FREIRE, 1980, p. 39)

Além desses três eixos norteadores destacamos a importância de outras três partes
fundamentais na organização da prática pedagógica, quais sejam: (I) Instrumento de
78

integração e conhecimento do aluno com a realidade social, econômica e do trabalho de sua


área/curso; (II) Instrumento de iniciação à pesquisa e ao ensino; (III) Instrumento de prática
profissional. (UFRN, 2010).

Instrumento de integração do estudante com a realidade social e econômica (I)


―se organiza principalmente no âmbito das práticas de ensino e possibilita a interlocução com
os referenciais teóricos do currículo. Será iniciada nos primeiros anos do curso e
acompanhada pela coordenação‖ (UFRN, 2010, p. 11).

Esse núcleo de disciplinas é de fundamental importância, uma vez que pretende


aproximar e contextualizar o/a estudante dentro da realidade social, política e econômica do
país. Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado‖, ou seja, o ser humano
precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histórico no qual se encontra, para ser
capaz de agir conscientemente na transformação da realidade.

Menezes e Santiago (2010, p. 398), falando sobre a contribuição do pensamento de


Paulo Freire na construção do currículo crítico, apontam que:

Os estudantes compreendem suas relações com o mundo, não maiscomo real


idade estática, mas como uma realidade em transformação, em processo e, de
ssa forma, são estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p
ráxis, que, sendo reflexão e ação é verdadeiramente transformadora da realid
ade.

Não podemos perder de vista a dimensão crítica do processo, nem tampouco esquecer
a complexidade da sociedade a qual estamos imersos, ou seja, uma sociedade de economia
capitalista cuja dinâmica capitalista gira em torno da dominação de classe (SILVA, 2011).

A modalidade de Práticas Pedagógicas com instrumento de iniciação à pesquisa e ao


ensino (II): pretende articular a teoria com a prática. Considera que a formação profissional
não se desvincula da prática de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade,
gerando, a partir daí, projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciação à pesquisa
educacional. (id ibid, p. 11).

A necessidade da intersecção entre a teoria e a prática é uma premissa singular a todo


processo educativo, defendido exaustivamente tanto como caminho para formação
permanente de educandos, (FREIRE, 1991) como para a transformação do mundo. Para
79

pensadores críticos como Marx, Gramsci, Paulo Freire, Apple e outros. ―A questão da
coerência entre a opção proclamada e a prática é uma das exigências que educadores críticos
fazem a si mesmo. É que sabem muito bem que não é o discurso o que ajuíza a prática, mas a
prática que ajuíza o discurso‖ (FREIRE, 2005, p. 25).

Associamos a esse momento, a práxis educativa de Paulo Freire, que é o resultado da


ação e da reflexão, porem a ação-reflexão sobre o mundo, como afirma Freire (2011) não é
simples teorização e nem simples ativismo, é a capacidade de agir criticamente sobre esse
mundo. A práxis é um processo dialógico onde saberes são trocados, conjuntamente, na busca
da construção de um novo saber. O pensar jamais poderá se afastar da realidade em que se
materializa, não bastando interpretar o mundo, mas, sobretudo, transformá-lo.

Assim, esse quadro de disciplinas, cujo foco é no ensino e na pesquisa, contribui de


forma profícua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua
eventual transformação.

No último eixo de disciplinas, “Instrumento de prática profissional” (III) observa-


se a ocorrência dos estágios. De acordo com a Proposta político-pedagógica e Plano de
Trabalho, essa atividade:

Deve ocorrer junto às escolas e unidades educacionais, nas atividades de


observação, regência ou participação em projetos, como um ―saber fazer‖
que busca orientar-se por teorias pedagógicas para responder às demandas
colocadas pela prática pedagógica. Estarão presentes desde os primeiros
anos do curso, configurando a prática pedagógica necessária ao exercício
profissional. O exercício efetivo das atividades como professor, coordenador
ou gestor de programas educacionais será considerado como parte dessa
modalidade. Compreende 300 horas (Estágio Supervisionado I e II), em
consonância com artigo 7º, alínea II, da Resolução 01/2006 – CNE/CP.
(UFRN, 2010, p. 11)

A busca pela práxis educativa é também a busca pela aproximação do outro,


procurando articular os diferentes saberes. O estágio possibilita um dos momentos mais ricos
em experiências e troca de saberes de todo o curso, pois, busca diminuir a distância entre os
conteúdos trabalhados na Universidade e as vivências do cotidiano escolar. (UFRN, 2010).

Por fim, reafirmamos a importância de um currículo pensado a partir da realidade, das


necessidades sociais e das transformações ensejadas. Como monitor que fomos, podemos
afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
80

não é perfeito, sobretudo do ponto de vista operacional, muita coisa mudou no decorrer dos
anos, mudanças de espaços, mudanças na coordenação, saída de estudantes, mudanças no
cronograma, entre outros. Os efeitos dessas ocorrências apenas outras pesquisas nos dirão22.
Tivemos como objetivo analisar a contribuição do pensamento de Paulo Freire ao currículo do
Curso, justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximação
e afinidade com os princípios da Educação do Campo e da Pedagogia Paulo Freire, ambas as
concepções amalgamadas nos princípios da Educação Popular progressista.

Figur
a IIV: Concluintes 2012 – Turma Florestan Fernandes/Pedagogia da Terra UFRN

22
Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011),
disponível em: http://www.ieppecpb2011.xpg.com.br/conteudo/GTs/GT%20-%2007/10.pdf
81

5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTE TRABALHO

O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate


na contemporaneidade. Embora seja um tema que ainda requer muita reflexão e pesquisa,
podemos dizer que a temática da educação dos povos do campo é hoje uma questão em pauta
nacionalmente.

Reconhecendo a importância da Educação do Campo, propusemo-nos a pensar e


refletir sobre ―qual a contribuição da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educação
do Campo?‖ e numa esfera mais ampla, e de forma mais recortada se: ―é possível evidenciar
no currículo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte ―recorte e retalhos‖ da Pedagogia de Paulo Freire?‖ Imersos nessa problemática
buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o
curso.

Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma, e transformando-se transforma o


mundo, ao passo que por ele é transformado, é uma contribuição louvável, não somente ao
campo da Educação do Campo, mas ao paradigma da formação humana como um todo. Freire
desloca o homem do periférico para o centro das decisões, não num sentido egoísta, supremo,
mas num sentido de comunhão com o mundo e com o outro.

Comecemos por afirmar que somente o homem, como um ser que trabalha,
que tem um pensamento-linguagem, que atua e é capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua própria atividade que dele se separa, somente ele, ao
alcançar tais níveis, se faz um ser da práxis. Somente ele vem sendo um ser
de relações num mundo de relações [...] Desprendendo-se do seu contorno,
veio tornando-se um ser, não da adaptação, mas da transformação do
contorno, um ser de decisão [...] (FREIRE, 1992, p. 39)

Baseado nessa concepção, iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde


falo‖, pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus múltiplos
condicionamentos, precisa ser ―situado e datado‖, desse modo, uma compreensão puramente
academicista seria demasiadamente reducionista. Ainda que pareça pouco científico,
entendemos que as experiências das pessoas estão diretamente ligadas a psicologia social que
tem determinantes em toda a nossa vida. Por isso achamos salutar dizer um pouco do que
somos, mas, sobretudo, dialogar também sobre o porquê de sermos o que somos.
82

Nessa caminhada, dialogamos acerca da necessidade de superação do paradigma da


Educação Rural e construção da Educação do Campo como alternativa viável aos povos do
campo. Trabalhamos o entendimento da Educação Rural como a história nos apresentou, ou
seja, um modelo calcado na exploração do trabalho humano, o que configura uma visão
utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo. Ao mesmo tempo, tratamos de
apresentar a Educação do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das
experiências do trabalho e da vida prática dos agricultores e agricultoras. Todo o diálogo
sobre as diferentes formas de pensar a educação dos povos do campo foi atravessado pelo
pensamento de Paulo Freire, que teceu toda a construção dessa obra.

Pensar a contribuição de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educação do


Campo é uma tarefa instigante, sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do
Patrono da educação brasileira quanto a algumas temáticas abordadas hoje pela Educação do
Campo. Debater a importância da realidade, ou seja, do trabalho e da vida prática, como
motor capaz de gerar conhecimentos e mais, gerar um currículo, é sem dúvida uma bandeira
do Movimento Por Uma Educação do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire.

Nessa mesma caminhada, explicitamos algumas considerações acerca da Pedagogia da


Alternância e seus propósitos junto a Educação do Campo. Dentro de uma concepção
metodológica, situamos a Alternância dentro de uma vertente multicultural, como uma
alternativa curricular que se aproxima das concepções progressistas que reclamam uma
organização ótica mais humana e respeitosa.

Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educação do Campo e buscando onde


ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire. Observamos que em muitos momentos há um
entrelaçamento entre as duas concepções como procuramos exemplificar no desenho criado
por nós. Nessa pesquisa encontramos uma luta histórica dos povos oprimidos pela busca dos
seus direitos e, no mesmo sentido, encontramos, também, classes dominantes que ao longo da
história perpetuaram seus privilégios, mantendo uma cultura elitista que estratificando a
sociedade engessa os avanços necessários.

Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserção do Curso de Pedagogia


da Terra da UFRN no espaço acadêmico como algo de singular importância. Dissertamos
sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realização. Como se deu o dia a dia
83

dentro da universidade, as dificuldades, os esforços, os preconceitos, tudo isso foi canalizado


como forma de entender essa inserção como um ato de ―rebeldia‖ e uma conquista do povo do
campo do Rio Grande do Norte.

É nesse sentido, de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da
discussão da Educação do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra. A contribuição de Freire
costura esse trabalho do início ao fim. Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa
dissertação que é tanto teórica quanto prática, é tanto a segunda quanto a primeira, é diálogo,
é, pois, práxis educativa.

Por fim, buscamos analisar o currículo do Curso de Pedagogia da Terra à luz da


contribuição do pensamento de Paulo Freire. Concluímos que há uma forte influência da

concepção freireana na Proposta político-pedagógica e Plano de Trabalho.

A Pedagogia Paulo Freire e a Educação do Campo, que são atravessadas pela


concepção de educação dialógica e libertadora são colocadas nesse trabalho como a busca
pelo diálogo constante com o outro. Uma educação ―que se predispusesse a constantes
revisões. A análise crítica de seus ―achados‖. A uma certa rebeldia, no sentido mais humano
da expressão‖ (FREIRE, 1983, p. 90).

Por fim, esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na
contemporaneidade. Percebemos o quão atual ele continua, e como nos permite compreender
de forma ampla e completa questões sociais que permeiam a sociedade. A práxis educativa de
Paulo Freire, assim como o Materialismo Histórico-dialético continua dando conta de forma
satisfatória das análises e mudanças que as questões de nossa época ensejam.

Por último, reconhecemos a importância dos cursos de educação do campo como de


importância singular, pois muito mais que a possibilidade de melhoria econômica, significa
também um reparo social e uma conquista do ponto de vista sócio-histórico. Tivemos a
oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra, e como a Pedagogia Paulo
Freire pode contribuir com essa formulação. Sabemos que hoje há, em todo o Brasil, diversos
cursos que gozam desse mesmo caráter, reconhecemos que são fundamentais, porém
reconhecemos que existe uma tendência em tornar essas experiências em ―moda‖. Por
entender que Educação do Campo é um movimento histórico da classe trabalhadora é que
84

defendemos que esse paradigma precisa ter em seu âmago os princípios revolucionários da
Pedagogia Paulo Freire.
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ANEXOS:
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