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CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
JOÃO PESSOA – PB
ABRIL-2014
LUIZ GOMES DA SILVA FILHO
JOÃO PESSOA – PB
ABRIL-2014
S586e Silva Filho, Luiz Gomes da.
Educação do campo e pedagogia Paulo Freire na atualidade:
um olhar sobre o currículo do curso de Pedagogia da Terra da
UFRN / Luiz Gomes da Silva Filho.-- João Pessoa, 2014.
90f. : il.
Orientadora: Rita de Cassia Cavalcanti Porto
Dissertação (Mestrado) - UFPB/CE
1. Educação. 3. Educação do campo. 4. Pedagogia Paulo
Freire. 5. Pedagogia da Terra. 5. Currículo.
Aprovado em ____/____/2014.
Banca examinadora
______________________________________________________
Professora Drª. Rita de Cassia Cavalcanti Porto – Orientadora (PPGE/UFPB)
______________________________________________________
Professor Dr. Severino Bezerra da Silva (PPGE/UFPB)
______________________________________________________
Professora Drª. Glória das Neves Dutra Escarião – Examinadora externa (PPG-CR/UFPE)
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelo dom da vida, por guiar meus passos e me conduzir pelo
caminho do certo, ao lado dos oprimidos.
À minha mãe Francisca Maria Terto (Dona Tê) e ao meu pai, Luiz Gomes da Silva
(Seu Lucas), pelo incentivo constante e ajuda frequente. Aos meus irmãos e irmãs pelo
simples fato de existirem e colorirem o mundo.
À minha companheira Linda Carter, pela presença constante ao meu lado, e sua
família, por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes.
À minha orientadora, Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto, por ser
antes de tudo humana, tão raro hoje em dia, por acreditar neste trabalho, orientar de forma
profícua, ética, com rigorosidade, mas, sobretudo, com amorosidade. Serei sempre grato!
Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN, com quem tive o prazer
de conviver, dialogar e que de forma direta ou indireta contribuíram com este trabalho.
RESUMEN
QUADRO DE ILUSTRAÇÕES
Figura V: Angicos/RN 64
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................85
7. ANEXOS .........................................................................................................................92
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Partindo desses pressupostos inquietadores e, sabendo que a educação deve ser tratada
com extrema seriedade, nos debruçamos nesse artesanato intelectual (MILLS, 2009) com o
objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educação do Campo, sobretudo naquilo
que se refere à contribuição da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento. Conseguindo
avançar o pouco que seja nesse debate tão salutar e tão caro, estaremos, em boa medida,
contemplados. Nesse primeiro momento trago algumas experiências que me foram tanto
singulares como significativas. Por isso mesmo, escrevo em primeira pessoa do singular.
Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressão de Paulo Freire (2012, p. 25)
para iniciar a tessitura desta autobiografia; ―de uma geração que cresceu em quintais‖, nasci
na cidade de Lagoa Nova, Região do Seridó, no Estado do Rio Grande do Norte, no mês de
outubro do ano de 1986.
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Lagoa Nova é uma cidade com características tipicamente de interior onde as ―esferas
da existência humana1‖ se inter-relacionam de forma mais segregada. Com uma população de
13.983 habitantes de acordo com o último censo, de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatísticas (IBGE, 2010), essa população divide-se quase que simetricamente entre zona
rural e zona urbana. Isso tanto tem influência na identidade da Cidade como representa um
fenômeno social que, por si, já merece uma reflexão, entretanto, não é nessa temática que
reside nosso foco.
1
As esferas da existência humana‖ é um esquema pensado por Antônio Joaquim Severino (1994) em sua obra
―Filosofia”, em que ele apresenta a Prática Social, a Prática Simbolizadora e a Prática Produtiva como uma
engrenagem que gira na freqüência diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social.
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Com o lema ―se plantando tudo dá‖ a região serrana apresenta uma prova mais que
concreta de que o desenvolvimento de uma região e o bem estar da população camponesa
passa diretamente por uma distribuição de terras para os trabalhadores e trabalhadoras, a
rotatividade de culturas, e a preservação do meio ambiente3, princípios que claramente se
aproximam da economia solidária, francamente enfatizada por Singer (2002) assim como
pelos movimentos sociais, uma vez que esse caminho é uma alternativa para o atual modelo
predatório de produção agrícola tradicional.
Quanto às questões políticas, essa cidade goza dos vícios e vicissitudes que a grande
maioria da população brasileira enfrenta. Aqui não tenho interesse em detalhar passa a passo
essa questão, pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessária ao nosso
objetivo. Ainda assim é salutar ressaltar a grande herança oligárquica que é flagrante, quando
remeto aos nossos representantes políticos. Pequenos grupos se revezam à frente da
2
De acordo com Neves (2012) no Dicionário da Educação do Campo, esse é um termo de múltiplas
conotações, aqui ficamos com a definição de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura
patronal. Ou seja, uma forma mais política e solidária de se trabalhar a terra.
3
Nos últimos anos um fenômeno vem contrariando essa afirmativa, a derrubada dos cajueiros tem ocasionado
preocupações quanto ao equilíbrio do ambiente.
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administração pública como se aquela lhes fosse inerente. Como se aquele fosse um direito
advindo do berço. Entretanto, aos poucos, grupos de pessoas, ainda que de forma muito
incipiente, começam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja à díade
partidária dantesca a qual parece não haver saída.
Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar, lutando, para
ultrapassar estruturas perversas de espoliação. Por isso quando longe dela
estive, dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste, a uma
lamentação desesperada. Pensava nela e nela penso como um espaço
histórico, contraditório, que me exige como a qualquer outro ou outra
decisão, tomada de posição, ruptura, opção (FREIRE, 2012, p.34)
Essa breve descrição acerca do meu lugar tem como propósito trazer à pesquisa o
cenário que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa
vivência implica na minha formação enquanto pesquisador. Como bem estudou Vygotsky –
durante sua curta, porém brilhante carreira como pesquisador dos processos de
desenvolvimento humano – o meio é um fator preponderante para a formação do sujeito.
Portanto, é inegável que essa cidade é parte importante daquilo ―que me move‖ algo que me
constituiu e ainda me constitui. Muito do que hoje penso, sou, ou quero ser, tem ligação direta
com esse período, com as experiências e vivências que me foram comuns àquela época. Isso
alude ao pensamento marxista, ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele, o
resultado de múltiplos e complexos processos históricos e sociais.
Paulo Freire, ao trazer à tona a importância do lugar das pessoas, suas vivências e
experiências como parte integrante da formação humana do sujeito, assim como apontar para
o lugar como produtor de conhecimentos e conteúdos, me é fulcro de compactuação e
arcabouço teórico e metodológico. Ao me referir ao termo lugar, gostaria que o entendimento
fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educação do Campo na contemporaneidade, ou
seja, como postula (CALDART Et Al., 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de
sua historicidade, não como lugar de moradia tão somente.
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De uma família composta por oito pessoas, pai, mãe, três filhos e três filhas, certa vez
li em uma dessas revistas que o filho mais novo, chamado caçula, tem mais probabilidade de
se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando, e ainda trazia algumas provas de
grandes nomes, sobretudo da ciência que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas
suas façanhas e descobertas. Entretanto, sigo outra linha de raciocínio, coloco-me numa
posição mais racional e frontalmente de encontro a uma visão platônica, determinista e
meritocrática de sucesso. ―A ‗igualdade de oportunidade‘ é ponto importante da ideologia
capitalista, pois garantiria, aos mais capazes, aos mais esforçados, aos que ‗trabalham duro‘ o
acesso às melhores posições‖. (ROSSI, 1980, p. 71). Ora, no meu caso, ser o mais novo me
eximiu de uma época não muito remota, na qual a condição social da população brasileira era
bastante precária e o Ensino Superior privilégio restrito à classe dominante.
Voltando às minhas experiências, entendo que se durante minha infância não enfrentei
grandes dificuldades, devo isso à batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado‖ ou ―de
meia‖ e a uma ―dona de casa‖ lavadeira, que depois passa a funcionária pública, ou seja, meu
pai e minha mãe. Se fui o primeiro da minha família a adentrar os altos e quase impenetráveis
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muros da universidade pública brasileira, não é porque sou o melhor dos meus irmãos, sou na
verdade parte de uma estatística que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco
principal foi a área social e a educação. Uma vez coadunada essas duas áreas eu fui um dos
muitos jovens, negros, advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma
importante política sócio-educacional do então Governo Luís Inácio Lula da Silva (2002-2006
e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansão das universidades
públicas.
Obviamente que a força de vontade e os esforços pessoais foram reais, mas nunca fui
partidário do discurso meritocrático e do Estado democrático de direito que prega a igualdade
de oportunidade para todos, transferindo às pessoas o ônus pelo seu fracasso social, como se a
ascensão dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito. O pensamento liberal
afirma que a escola é igual para todos e que, portanto, cada um chega onde suas capacidades e
seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998).
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O sítio é o lugar do trabalho por excelência. Mas ele é igualmente o resultado do trabalho, pois é um espaço
construído; melhor dizendo, um conjunto de espaços articulados entre si, que lhe permite organizar-se como um
sistema de insumos e produtos. Esse espaço é o resultado, também, de um processo histórico secular em que o
ambiente foi alterado, com a gradativa eliminação da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe
era associado (WOORTMANN, 1997, p. 27)
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No ano de 1986, grandes abalos sísmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte, o epicentro era João
Câmara, no entanto, todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade, por falta de informações e
explicações muitas pessoas entraram em pânico e deixaram suas casas. (Arquivo Tribuna do Norte)
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Meu pai sempre repete que ―naquela época tinha que votar e vir pra casa, não podia
ficar em turminhas na rua depois da votação‖, isso nos mostra que embora estivéssemos no
processo de redemocratização do País ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo‖ que por
mais de vinte anos garantiu a perpetuação de um regime autoritário e ditatorial em nosso país,
que causou feridas cujas cicatrizes ainda são visíveis.
Em 1987, voltamos para a rua6. Minha mãe Francisca Maria (Dona Tê) dividia seu
tempo entre lavagens de roupa ―de ganho‖, tarefas do lar, além de assumir emprego de
funcionária pública do município, na função de zeladora da igreja católica da cidade. Meu pai,
Luiz Gomes, (Seu Lucas), trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da
caça como poucos. Como não detinha posses de terras ele ―alugava‖ sua força de trabalho em
sucessivas ―diárias‖ em terras alheias. Quando não era alugado, ele trabalhava em terras de
outros, não por dinheiro, mas numa relação que em muito lembra as relações feudais do
período Medieval na Europa, ou seja, a troca de trabalho por trabalho.
Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel‖ como um processo no qual ―esse camponês
estava sujeito à relação assimétrica de poder, o que lhe acarretava um ônus permanente em
sua produção‖ (WOLF, 1976, p. 22). Assim, em um modelo bastante parecido com o
desenhado por Wolf, meu pai trabalhava a terra de um grande proprietário a troco de uma
porcentagem que girava em torno de 30 a 50% (terça e meia, respectivamente) do que era
produzido, isso acarreta uma relação de exploração contínua e demasiadamente nociva para o
trabalhador.
Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a família,
inicio minha trajetória escolar. No meu percurso não frequentei creches ou pré-escolas.
Ingressei na antiga 1ª Série do Ensino Fundamental já com algumas habilidades na leitura e na
escrita, isso devido à dedicação da minha irmã Ana de Fátima (Aninha) que sempre reservara
um tempo para ensinar aos irmãos mais novos. Mesmo sendo reprovado na 2ª Série do Ensino
Fundamental não tive grandes dificuldades nas séries seguintes. Salvo uma ou outra aula de
reforço que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisição da língua
escrita.
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Rua é termo francamente usado por populações do campo para designar cidade.
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É importante refletirmos sobre o quão marcante pode ser a escola na vida de uma
criança. Varela e Alvarez-Uria, (1996) no texto ―a maquinaria escolar‖ afirmam que embora
seja uma instituição recente, a escola detém grande influência sobre a sociedade. Assim foi
comigo, as marcas e as lembranças do processo educacional escolar que ainda hoje são
evidentes.
No mesmo ano 2007, fui morar em Natal, para dar início ao Curso. Morador de
Residência Universitária, me dediquei, logo na chegada, às atividade de militância estudantil
em prol dos estudantes de origem popular que, moradores do interior do Estado, necessitavam
da Residência em Natal. Assim, durante toda a minha estadia na Residência Universitária me
dediquei à organização dos estudantes na busca por mais vagas nas Residências e melhorias
estruturais naquelas existentes.
Devido a essa atuação, concorri à gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE)
da UFRN e logramos êxito. Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade
de fazer algo mais. A experiência indubitavelmente me foi rica, durante um ano estive a frente
do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente.
Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes
momentos, para ele:
O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drª Rita de
Cassia Cavalcanti Porto, procura identificar e analisar a contribuição da Pedagogia Paulo Freire , na
perspectiva da reinvenção, nas políticas e práticas emancipadoras curriculares de formação de professores nos
sistemas públicos de ensino, bem como socializar com gestores, pesquisadores e educadores o legado freireano
para a educação.
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Nesse mesmo sentido Ball (2011, p.38) critica a pesquisa cujo sentido esteja
desvinculado dos fenômenos sociais e históricos de que é resultado; ―Há, é claro, aspectos
temporais adicionais nos processos políticos e nas análises desses processos, mas, na prática,
muitas pesquisas sobre políticas educacionais não tem nenhum sentido de tempo. O aspecto
negligenciado mais óbvio é um extravagante a-historicismo‖ .
Gatti (2007, p.11) afirma que a pesquisa em educação no Brasil vem se configurando
como um campo em consolidação. ―Nos últimos anos pode-se observar um aumento
significativo de pesquisas, publicações, grupos de pesquisa, linhas de pesquisa em programas
de pós-graduação e eventos específicos sobre políticas sociais e educacionais‖.
―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado até então‖ e o
mesmo aconselhava , já no século XVI, Bacon, Descartes, e Pascal. ―O
primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo, o segundo, que só a
evidência poderia convencer alguém, ao passo que o terceiro insistia em que
a experimentação era o único critério seguro no campo científico. (PONCE,
2010, p.126, grifo do autor)
Para nós, a busca pelo conhecimento é ponto nevrálgico para contribuir com o atual
debate da Educação do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire. Nessa perspectiva estudar
esse fenômeno sem fim, nem finalidade, seria ignomínia da nossa parte.
Pensando numa perspectiva teórica que atenda aos interesses almejados e tendo em
vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos, assim como as disputas inerentes
ao tênue e conflitante tecido social, temos como metodologia, o materialismo histórico
dialético e a práxis educativa de Paulo Freire, pois esta perspectiva vincula de forma
satisfatória as questões abordadas nesse estudo à dinâmica da realidade material dos sujeitos
envolvidos, e, reflete a construção histórica dos fenômenos com destaque para as
transformações sociais que esta construção enseja.
garante subsídio, não basta apenas interpretar o mundo, é preciso tratar de transformá-lo
(FREIRE, 1983).
Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialética materialista dentro de uma concepção
metodológica;
Não se trata de pensar toda a história da educação, pois o que teríamos seria
o ponto de vista da dialética, ou melhor, uma leitura dialética do que foi a
educação até hoje. É o que já fez, por exemplo, o grande filósofo e
historiador argentino Anibal Ponce, mostrando como a educação, enquanto
fenômeno social ligado a superestrutura, só pode ser compreendida através
da análise sócio-econômica da sociedade que a matem [...] O mérito de
Anibal Ponce está justamente em colocar em evidência o princípio da
dialética da relação entre a consciência e a estrutura econômica, mostrando
como a luta pelo direito a educação e à cultura acompanhou a luta pelos
demais direitos, enfim, a educação não está separada da luta de classe
(GADOTTI, 1983, p. 39-40).
21
Para dialogar com essa perspectiva metodológica, trabalhamos com autores cujo
assento, é, tanto a resistência como na transformação do status quo social, como a
organização coletiva na busca por direitos historicamente negados. Nesse sentido, Aroyo
(2011; 2009), Caldart (2012; 2010), Freire (1983; 1991; 2011; 2012), Gadotti (1983, 1996,
2000), Ribeiro (2010), Saviani (2008), Apple (2012), Giroux (1986) entre outros. Além disso,
a análise dos marcos legais que norteiam a Educação do Campo também foi de grande
importância para a formulação da nossa base de sustentação.
Por fim, entendemos que na pesquisa social há uma relação definitiva entre o
pesquisador e o seu campo de estudo. ―A visão do mundo de ambos está implicada em todo
23
neoliberalismo. Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu
logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava
o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista de
bem-estar. O pensamento neoliberal, foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho
do economista austríaco Frederich Hayek (BALL, 2011; SADER; GENTILI, 1995).
Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo
econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa
longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com
altas taxas de inflação, mudou tudo. ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstáculo para o
crescimento do capitalismo. A crise da década de 1970 foi a expressão do esgotamento de um
modelo baseado na produção em massa, de um lado, e no chamado Estado de Bem-Estar
social de outro‖ (DEL PINO, 2011, p. 67). A partir daí as ideias neoliberais passaram a
ganhar terreno.
8
13 de outubro de 1925 — 8 de abril de 2013
26
desregulação dos mercados, cortes nos gastos sociais, flexibilização dos direitos trabalhistas,
privatização das empresas públicas e o controle do déficit fiscal. No Brasil, após a
constituição de 1988, várias emendas constitucionais vêm sendo aprovadas com o objetivo de
desregulamentar a relação capital/trabalho (DEL PINO, 2011).
Ball (2011,p. 23) explica que ―durante os últimos quinze anos, temos testemunhado no
Reino Unido, e também na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das
sociedades desenvolvidas, uma profunda transformação nos princípios de organização da
provisão social, especialmente no setor público‖. Del Pino (2011) citando Borón e
Hobsbawm, afirma que essas transformações, também chegaram a países do hemisfério norte
e sul, em especial na América Latina. Afirma ainda que o século XX que iniciou como o
século das massas, se despede ―como século do desemprego em massa‖ (DEL PINO, 2011,
p.65).
Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussão. A reforma
tem início na década de 80, mas como vimos, tem sua gênese bem antes. ―Na verdade, há uma
tendência notável a um ―pós-1988‖ (BALL, 2011, p. 38). Isso significa que muitos
pesquisadores utilizam a reforma de 1988, como ponto zero, excluindo em boa medida o que
a antecedeu.
Essas mudanças não se restringem ao campo produtivo, mas de forma muito concisa
ao campo da individualidade dos sujeitos, das subjetividades. ―De este modo, no sólo nos
encontramos en un momento de imposición de un determinado modelo de producción y
distribución de la riqueza, sino además en un proceso de resocialización, de reorganización
de los sentidos con los cuales convivíamos‖ (ALMANACID; ARROYO, 2011, p. 264). Essa
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posição é ratificada por Ball (2011, p. 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturação
é a formação de novas subjetividades ‗profissionais‘. Não simplesmente o que fazemos
mudou; quem nós somos, as possibilidades de quem deveríamos nos tornar também
mudaram‖.
9
Carlos Nelson Coutinho é um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil.
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amparados no inverso desse termo, ou seja, a hegemonia, termo exaustivamente pensado por
Gramsci.
Dourado (2012) afirma que se a tradição do estado brasileiro é ainda marcada por um
estado patrimonial, em que pese ser este país a sexta economia do mundo, para Fernandes
(1995), é um estado ―desigual e combinado‖. Nós temos desde o maior avanço tecnológico a
condições de miserabilidade, é nesse tensionamento, é nesse caldeirão cultural, social, político
e racial que vão se traduzindo o horizonte das políticas públicas.
Dourado (2011) nos mostra que a história da educação brasileira é marcada por
disputas entre diferentes projetos de educação e sociedade. O atual debate acerca do Plano
Nacional de Educação (PNE) apesar de parecer recente, data da década de 1930, quando os
Pioneiros elaboraram o primeiro esboço de Plano, arquivado logo em seguida pelo Estado
Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar.
Educação (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lançado
pelo Congresso Nacional em 2011. O novo Plano Nacional de Educação (PL 8035) se
configura dentro de um complexo campo de disputas de forças. Nesse sentido a sociedade
civil está mais uma vez realizando conferências de educação municipais, intermunicipais,
distrital e estadual, que culminarão na Conferência Nacional de Educação de 2014, cuja
finalidade é garantir a aprovação de um plano articulado nacionalmente, democrático e
popular (CONAE, 2014).
Feita essa breve retrospectiva histórica, iniciamos nesse momento o debate sobre a
Educação Rural e como a superação desse paradigma é essencial para alcançar a Educação do
Campo, cujos princípios têm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questões que
reclamam mudanças estruturais no seio da sociedade brasileira.
Ainda segundo o estudo, no meio rural há uma grande desigualdade de renda entre os
ricos e pobres, uma vez que os primeiros são os ―donos‖ das terras e os segundos, são sempre
aqueles que trabalham nela. Sabe-se que em sociedade como a nossa, a posse da terra é
condição primária para ascensão social, política e econômica de um povo;
A citação acima nos ajuda a entender, por um lado, a posição social privilegiada que as
classes detentoras de terras ocupam até os dias de hoje. A concentração da terra tem causado
ao longo da história grandes prejuízos às populações do campo, a falta de escolas e o
consequente analfabetismo é uma marca desse fenômeno de privação. Nesse momento é
necessário resgatar a urgência de uma Reforma Agrária popular no Brasil como forma de
atenuar esse grande déficit histórico. Freire (2012, p. 65) mostra que a não realização de uma
reforma agrária séria é mais uma forma de manutenção de privilégios da classe dominante:
O monopólio da terra causou feridas profundas, cujas cicatrizes ainda estão abertas no
seio da sociedade brasileira, e que, portanto, ainda são condicionantes que a sociedade precisa
enfrentar para alcançar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo.
aponta para esse processo como a negação da humanização, negação das vocações dos
homens, vocação negada na injustiça, na exploração, na opressão e na violência dos
opressores.
Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educação das populações do campo
esteve submetida historicamente, cuja finalidade não ai além do ensino de técnicas de plantio
e colheita no manuseio da terra. Essa visão utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos
investimentos, as escolas em condições precárias, e a pouca formação dos profissionais
(ARAÚJO; SILVA, 2011), além disso, acirrou a disparidade da escola rural em relação à
escola urbana quando se pensa na qualidade. O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por
uma condição humana assentada no pauperismo, na exploração e expropriação da mão-de-
obra de forma mais ampla, na negação dos direitos básicos, como é a educação.
Porém Freire (2012, p. 59) os convida a refletir sobre a problemática, e expõe que:
Já deixo claro que nenhuma sociedade se livrará desses horrores por decreto
nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais, os dominantes, num
gesto amoroso, regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra‖. A
superação desses horrores implica decisão política, mobilização popular,
organização, intervenção política, liderança lúcida, democrática, esperançosa,
coerente, tolerante.
dos oprimidos, essa libertação jamais decorrerá da ―falsa generosidade‖ dos dominadores
(FREIRE, 2011).
Esse modelo de educação representou para escolas rurais, grande atraso em relação ao
processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, ainda sendo
comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarização. O esvaziamento dos
conteúdos, a distância entre a vida cotidiana dos alunos e o currículo da escola contribuiu de
forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianças, seja para ajudarem
seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domésticas. Certamente um ―currículo oculto‖
(SILVA, 2011) contribui para esse processo de pauperismo.
Percebe-se, portanto, que a Educação Rural é resultado de uma lógica opressora, não
podendo ser pensada como um acidente metodológico que por acaso foi de um jeito e que
poderia ter sido de outro modo. Pelo contrário, esse modelo tinha um propósito, uma
finalidade, não era neutra, assim como nenhuma outra forma de educação é. Sabidamente não
era a emancipação dos sujeitos do campo ou a preparação para a educação superior, o seu
propósito, mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se
resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Freire (2011, p. 83) afirma que ―Não é de se estranhar, pois, que nessa visão ‗bancária‘
da educação os homens sejam vistos como seres da adaptação, do ajustamento‖. Essa
educação que Freire chama bancária e que serve perfeitamente à Educação Rural esteve
embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiários brasileiros, tanto como formação de
mão-de-obra, como forma de manter privilégios dos ruralistas, ao passo que negara a vocação
33
ontológica do homem, ou seja, a vocação de ser mais. ―A escola rural está profundamente
distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores, uma vez que a educação tem
sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada
aos seus interesses‖ (RIBEIRO, 2010, p. 176)
Se olharmos, por exemplo, o período que compreende a década de 1940, aos anos
1960 veremos que esse interstício é fortemente marcado pelas campanhas de alfabetização das
populações camponesas. Esse fenômeno tem um imperativo, como podemos observar na obra
de Saviani (2008, p. 316);
Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educação elementar, nada
que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto, um exemplo é a Campanha Nacional de
Educação Rural (CNER). Percebemos o quão alarmante era o quadro em que estavam imersas
as populações do campo nesse período. Nessa mesma conjuntura, mas com caráter
eminentemente progressista, surgem diversas organizações populares, em várias partes do
país, debatendo e organizando as populações pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos
para intervirem conscientemente na política e na sociedade brasileira. Wanderley (2010, p.
85) aponta que:
Sobre o caráter educativo dessa mobilização, Saviani (2008, p. 317) nos expõe o
seguinte:
A mobilização que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume
outra significação. Em seu centro, emerge a preocupação com a participação
política das massas a partir da tomada de consciência da realidade brasileira.
E a educação passa a ser vista como instrumento de conscientização. A
expressão ―educação popular‖ assume, então, o sentido de uma educação do
povo, pelo povo e para o povo, pretendendo-se superar o sentido anterior,
criticada como sendo uma educação das elites, dos grupos dirigentes e
dominantes, pra o povo, visando a controlá-lo, manipulá-lo, ajustá-lo à
ordem existente.
cidade, somente. Um lugar sem vida, anônimo, anômico e anêmico. Essa era e ainda é para
muitos, o ideário de campo que predomina em nossa sociedade.
Em seu livro, Gritti (2003) demonstra que a escola pública rural foi um
potente instrumento para a expansão do capitalismo no campo brasileiro,
trazendo, como conseqüência, a desestruturação do modo de vida dos
trabalhadores rurais, principalmente seu trabalho, os saberes e a cultura que
lhes são próprios. (SAVIENI, 2008, p. 317).
A partir da década de 1950, alguns órgãos são criados com o objetivo de desenvolver
as regiões brasileiras que apresentavam maiores índices de pobreza, assim, surge a
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Superintendência da Política da Reforma Agrária
(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), órgãos federais que
tratariam de questões relativas à reforma agrária no Brasil (NETO, 2007). Esperava-se com
isso, a melhoria da vida da população do campo brasileiro, entretanto muitas dessas agências
36
Há um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma
calmaria nos movimentos sociais, como já salientamos anteriormente entendemos que houve
na verdade uma censura, um silenciamento dos atores sociais, dos sujeitos. Os movimentos
sociais estavam em luta, estavam em formação, o MST, por exemplo, tem sua gestação ainda
na década de 1970, assim como a Comissão Pastoral da Terra – CPT, que foi criada para
conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importância na
proteção daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratização do Brasil (SCOLESE, 2008).
Esses movimentos embora não tivessem em sua gênese a educação como foco central, já
traziam uma denúncia importante e uma necessidade de reversão da situação negligente a qual
as populações rurais se encontravam.
10
De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma é entendido como sendo o conjunto das realizações da
ciência reconhecidas universalmente, ou seja, o paradigma refere-se a um conjunto de crenças ou premissas
sobre o que se julga verdadeiro. São processos de construção de conhecimentos capazes de elaborar teorias que
servem como ponto de partida para a resolução de problemas da comunidade e, são o referencial para a
elaboração de novos trabalhos científicos.
37
entretanto ainda há muito que avançar. A Educação do Campo é uma utopia, utopia
necessária, que nas palavras de Paulo Freire, citado por Moacir Gadotti, (1996, p. 732.) ―é a
dialética entre o ato de denúncia do mundo que se desumaniza e o anúncio do mundo que se
humaniza".
A Educação do Campo, forjada no bojo dos movimentos de resistência, tem sido uma
ferramenta para a classe trabalhadora, fazendo o contraponto necessário ao modelo da nova
pedagogia da hegemonia (NEVES, 2005), cujo fulcro tem sido o ideário privatista,
desumanizador e mercantil. É nessa concepção que apontamos para a Educação do Campo
como anunciante de outra possibilidade de educação, esse paradigma vem proporcionando
esperança e ressignificando o sentida da luta pelo direito à educação e à vida.
Como externamos a pouco, de forma breve, a Educação do Campo tem dado passos
importantes rumo à construção de um novo paradigma educacional para as populações do
campo brasileiro. Tem feito um tensionamento necessário ao atual modelo da pedagogia que
tornou-se hegemônica, que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante é a pedagogia
da classe dominante. No entanto, muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda
apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educação não resolverá a
questão. De fato, as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados,
entretanto, é salutar perceber que algo está acontecendo.
Trazer o debate da educação à tona não é uma tarefa fácil e falar em educação de
populações historicamente excluídas, residentes de uma área tida como atrasada, como é
colocado o campo, é uma tarefa ainda mais complexa. Falar de uma educação ―Para além do
capital‖, ainda mais nesse tempo, é sem dúvida uma tarefa das mais louváveis. A educação do
Campo tem conseguido essa façanha, tem posto em xeque a educação rural, e tem, sobretudo,
conquistado pela luta, sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da
classe camponesa. Nesse sentido a mudança não tem se restringido somente à nomenclatura,
mas, principalmente, as conquistas reais.
38
Trazemos uma indagação que nos diz muito sobre a questão da educação das
populações do campo. Arroyo, Caldart e Molina na 4ª edição da obra ―Por uma Educação do
Campo‖ de 2009, questionam:
Essas questões nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando. Ele é repleto
de contradições, é delicado, por isso mesmo é preciso perspicácia para mover-se nesse debate,
em que pese os riscos de naturalização de fenômenos que são históricos e sociais.
Para tomarmos como momento histórico a Ditadura Civil Militar, Fernandes (2010, p.
163), afirma que;
Com o fim do regime militar nos anos 1980, sobretudo devido às pressões advindas da
sociedade civil11, os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do
11
Para Gramsci, diversamente, ―sociedade civil‖ designa o conjunto das organizações responsáveis pela
elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, os sindicatos, os meios de
comunicação, as instituições de caráter científico e artístico etc. (COUTINHO, 2011, p. 25)
39
trabalho, da terra, da educação. É nesse momento que irrompe como um dos principais
protagonistas da luta por uma Educação do Campo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), movimento social que para Fernandes (2012, p. 496):
Uma das principais diferenças entre Educação Rural e Educação do Campo está na
utilização e no propósito dessas duas formas de educar. A primeira como vimos, está
fortemente atrelada a utilização da mão-de-obra no trabalho dos latifúndios em condição
humana precária. A Educação do Campo tem como objetivo a formação para o trabalho e para
a vida, pensa o sujeito em sua amplitude, sua autonomia e sua capacidade de decidir. Pensa
modelos de desenvolvimento para agricultura que não resida no agronegócio e na economia
de exportação tão somente, mas uma economia solidária e a pequena propriedade como forma
de sustentabilidade ambiental e social para as populações tradicionais do campo.
Desse modo, percebe-se uma nítida evidência de que os movimentos sociais do campo
desenvolveram uma produção pedagógica que tem como sustento suas próprias necessidades
e seu espaço de luta e trabalho.
40
Assim, podemos afirmar que o Programa é, na verdade, uma conquista pela via da luta
e da organização da sociedade camponesa em prol de um direito que é a educação e de uma
necessidade, que é a formação de professores para as escolas do campo. Como objetivos
gerais o Pronera se pretende a;
De acordo com o Decreto Nº 7.352, que dispõe sobre a política de educação do campo
e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera – São beneficiários do
programa.
41
No entanto, como afirma Brandão (2009) a Educação Popular tem como essência a
resistência e a oposição ao status quo social. Como a Educação do Campo herda demasiado
caráter desse paradigma educacional, assim como da pedagogia freireana, essas tensões e
conflitos representam disputas inerentes ao tecido social.
A integração ao seu contexto, resultante de estar não apenas nele, mas com
ele, e não a simples adaptação, acomodação ou ajustamento, comportamento
42
Nesse sentido, a Educação do Campo não está acabada, é pensada a partir das
demandas e necessidades mutáveis que a realidade concreta apresenta. Coaduna trabalho e
formação como partes indissociáveis para a construção do sujeito autônomo (SANTOS,
2012). Essa Educação não está paralela aos movimentos sociais, ela é a educação desses
movimentos. Foi gestada nas lutas por terra, nas ocupações, nos assentamentos, no
enfrentamento das desigualdades sociais. Custou vidas e sonhos, portanto é uma produção
pedagógica autêntica do movimento de resistência que está muito além do conceito esvaziado
de educação dos tempos de produção.
A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho
com a terra, cujos direitos, em boa medida, o Estado lhes cerceou historicamente, é
fundamental para o debate da Educação do Campo. Indubitavelmente a metodologia que
melhor compactua trabalho e formação e cujo assento reside na relevância das práticas
culturais inerentes aos sujeitos do campo é a Pedagogia da Alternância.
12
Multicultural é um termo qualificativo. Descreve as características sociais e os problemas de governabilidade
apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum, ao mesmo tempo em que retém algo de sua identidade "original". Em contrapartida, o termo
"multiculturalismo" e substantive. Refere-se as estratégias e politicas adotadas para governar ou administrar
problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais. E usualmente utilizado no
singular, significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estratégias multiculturais.
"Multicultural", entretanto, é, por definição, plural (HALL, 2009, p. 52)
13
Criada em 1992 a Via Campesina é uma organização mundial que articula movimentos sociais que lutam pela
terra. Entre seus objetivos, a solidariedade é o mais presente. A Via condena o modo predatório de produção,
cujo objetivo se resume a exportação, condena a nomocultura o uso excessivo de agrotóxicos que são
características do modelo de produção do agronegócio (FERNANDES, 2012)
44
Essa pedagogia não foi gestada nas universidades, ela não envolve nem pesquisadores
nem docentes (RIBERIRO, 2010). É uma proposta que busca garantir interligação entre dois
espaços; instituições de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores. Esse método
está diretamente ligado à concepção de trabalho e educação, pautado pelos pensadores
marxistas, que entendem que o trabalho tem em si um princípio educativo capaz de garantir
uma formação omnilateral, pensamento esse também advogado por Paulo Freire e educadores
críticos do Brasil.
Fica evidente que há uma aproximação entre os dois momentos, e que ambos são
formativos. Além disso, se coloca de forma explícita o trabalho com as experiências e
multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo, com o outro e com
mundo.
46
14
Nesse momento é salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo, estamos tratando de sujeitos
concretos, de assentamentos, áreas indígenas, quilombolas, pescadores, povos que tiram sua subsistência das
florestas e toda a abrangência que o termo campo engloba na contemporaneidade. Os sujeitos do campo, são,
antes de tudo, cidadão concretos, que contribuem social, econômico e culturalmente para com as melhorias e
avanços que tivemos em nosso país.
47
Em 11 de agosto de 1971, é sancionada a Lei 5.692, que fixara diretrizes e bases para
o ensino de 1º e 2º grau e de outras providências (MEC 2002, p. 27). Alguns entendem
como a segunda LDB e outros vêm como a 4.024/61 com algumas adequações. A Lei
propõe ajustamento às diferenças culturais das diferentes regiões. Também prevê a
adequação do período de férias à época de plantio e colheita de safras. No entendo, em boa
medida reafirma o caráter da LBD anterior, apontando para a necessidade de adaptação do
camponês à terra.
Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nº 5.692/71 teve função ideológica no
sentido de dar sustentação ao período de secessão democrática no qual o Brasil iniciara no
ano de 1964. Nesse período, o Governo autoritário buscava uma maior inserção nos estados
mais pobres do Brasil, com ênfase no Norte e Nordeste. Desse modo em muitos casos essa
lei teve um caráter muito mais de instrumento político do governo do que propriamente
49
educacional. Segundo os autores, a lei 5.692/71 foi promulgada sob a égide da estratégia do
―autoritarismo triunfante‖.
públicas para esses povos, assim como a valorização e reconhecimento dos seus saberes e
práticas passa a ser foco subjacente desse novo período.
Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire, cujo sentido tem sido inventado e
reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiências pelo Brasil.
A educação popular e socialista não é uma idéia abstrata, nem uma utopia
pedagogista. Ela se encontra em desenvolvimento entre nós, por exemplo, no
próprio processo de resistência e de luta pela superação das desigualdades.
Nesse momento histórico, no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa
luta.
Por fim, entendemos que a educação seja pra todos e todas, afinal, é um direito
humano fundamental, mas que ela não cegue, não reduza a capacidade de pensar e agir, mas
sim que tenha a capacidade de injetar ânimo e esperança no camponês, na camponesa, no
desempregado e na desempregada, na criança, no jovem e no idoso. O cerne dessa educação
encontra-se na pedagogia freireana, nas práticas da Educação do Campo, no Movimento Sem
Terra e em vários outros espaços que dialogam com a Educação Popular.
Como vimos, a historiografia mostra que no Brasil, o período que compreende os anos
1950 e 1960 é identificado como populismo, período que esteve voltado à construção de um
projeto de desenvolvimento econômico nacional (RIBEIRO, 2010). A economia brasileira
ainda apresentava-se essencialmente agrária e produtora de matérias-primas. Politicamente, o
suicídio de Getúlio Vargas em 1954, a posse de Juscelino Kubitschek em 1956, a renúncia de
Jânio Quadros em 1961, e o Golpe Militar de 1964, proporcionaram um cenário de mudanças
que caracterizam uma ―sociedade em trânsito‖ (FREIRE, 1983) e rica em organizações
populares.
15
Prefácio ao livro ―À sombra desta mangueira‖ (Pág. 18)
55
É nessa complexidade que a gênese do pensamento de Paulo Freire emerge. Surge das
contradições da sociedade brasileira, sociedade essa governada por uma elite conservadora e
detentora de privilégios, na qual o homem simples, domesticado e alienado é forçado a viver
como objeto, esmagado e oprimido pela sombra da marginalização e da dependência
(FREIRE, 2011).
Nesse momento histórico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia
justamente para a manutenção do estado de miséria e analfabetismo em que grande parte da
população do campo e da cidade se encontrava. A esse ensino Freire chamou de educação
bancária, abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido. Esse modelo de ensino
está muito aquém da realidade dos sujeitos. É um paradigma desinteressado com as questões
referentes ao dia-a-dia dos sujeitos, do seu trabalho, dos seus sonhos, da vida prática.
Educação do Campo
A educação dos movimentos sociais do campo, assim como toda uma vasta produção
que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora, que entende o sujeito como ator e
protagonista da sua história, que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e
esvaziamento no qual a educação mergulhou todas essas características, formam, pois, o que
chamamos pedagogia contra-hegemônica e que está no cerne da pedagogia freireana e na
Educação do Campo.
a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda são) dentro da lógica produtivista como
mão-de-obra barata e passiva de exploração, e, por outro lado, invisibilizados dentro dos seus
direitos político-sociais. Essa circunstância na qual os sujeitos do campo estavam envoltos
indubitavelmente é responsável pela negação da condição de vita activa16. A exclusão da vida
participativa do país tem como herança a perpetuação da opressão e da negação, fatores que
acompanham os sujeitos do campo ao longo da história.
Para Paulo Freire o sujeito é tanto histórico quanto social, resultante de um complexo
de vivências reais. Capaz de, diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade,
integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE, 2012).
Quando nos referimos ao campo, é preciso ter o devido cuidado para não cairmos no
conservadorismo de uma visão homogênea de sujeito e lugares, entendendo, por exemplo, o
campo como lugar passivo, ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO,
2009). Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educação do Campo recusam esse
determinismo com forte veemência, pois sabe-se que as relações são complexas e que a
calmaria típica da zona rural esconde um emaranhado de relações sociais, de trabalho e de
família cuja dinâmica requer perspicácia e sutileza para seu entendimento.
Tendo em vista a importância do legado de Paulo Freire não somente para a Educação
do Campo, mas para toda a educação popular, para os espaços não escolares em que se
desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenção da
pedagogia freireana é que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiência de
Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire.
16
Hannah Arendt na obra ―A condição Humana‖ 10 ed. Rio de Janeiro, 2007. Pode ser entendido como a
condição de participação ativamente na vida política da sociedade.
58
(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora
Paulo Freire, Angicos, 28 de agosto de 1993)
Os fins da década de 1950 e início de 1960 são fortemente marcados por movimentos
de cunho popular e participativo. Um período particularmente rico em organizações sociais e
coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira.
Direitos trabalhistas, educacionais, Reforma Agrária são exemplos de temáticas que vinham
sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada. No
campo, essa movimentação se deu de forma particularmente rica.
Uma das primeiras iniciativas no tocante a criação de uma política para atender aos
jovens e adultos analfabetos diz respeito à criação do Serviço de Educação de Adultos (SEA)
em 1947, e dessa ação a criação da Campanha de Educação de Adultos (BEISIEGEL, 2010).
No entanto, essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferência dos
conteúdos trabalhados com crianças no primário aos jovens e adultos que estudavam a noite.
O próprio Lourenço Filho, que era um expoente dessa campanha, escreveu textos cujo assento
residia na sua preocupação com essa metodologia.
Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento também com os
camponeses. As lutas não se resumiam à cidade. Há pouco, a sindicalização rural havia sido
um fenômeno extensivo a quase todo o nordeste, com ênfase na Paraíba, Rio Grande do Norte
e Pernambuco, especialmente através da Campanha de Educação Popular, juntamente com a
60
Figura V – Angicos/RN
Nos anos 50, quando ainda se pensava na educação de adultos como uma
pura reposição dos conteúdos transmitido às crianças e jovens, Paulo Freire
propunha uma pedagogia específica, associando estudos, experiências
vividas, trabalho, pedagogia e política (GADOTTI, 1996, p. 70)
Desse modo, percebemos um nítido respeito que o educador Paulo Freire tem para
com os educandos. Ele desenvolve uma educação totalmente contrária à educação
escolarizada, cujas metodologias estão intimamente ligadas por um conteúdo a-histórico, que
62
não leva a uma reflexão crítica do mundo. Onde o maior objetivo é o depósito de tudo o que
foi decorado ao longo de um período.
Essa fôrma (de formar) de educar é fortemente recusada por Freire (2011). Na
Pedagogia do Oprimido, denominou de ―educação bancária‖. Os sujeitos envolvidos no
processo são meros receptores. Depósitos de conteúdos que não têm nenhuma relação com a
realidade. Freire caminha em direção oposta à educação bancária, entende que a realidade e a
vida concreta dos sujeitos é geradora de conteúdo e, portanto, a gênese da alfabetização
deveria começar, pois, daquela realidade, partindo para o universalmente conhecido
(FREIRE, 2011).
A leitura que Freire faz do sujeito do campo, nordestino é sem dúvida avançada. Um
momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito, Freire se utiliza
da realidade dos camponeses, do modo de vida, do trabalho, das experiências para, partindo
desse ponto, chegar à alfabetização e à conscientização desses sujeitos. A educação das
populações camponesas esteve longe de ser o ponto nevrálgico dos interesses das classes
dominantes, afinal ―é mais difícil explorar um camponês que sabe ler do que um analfabeto‖
17
.
Paulo Freire não se separa da política. Paulo Freire deve ser considerado
também como um político. Esta é a dimensão mais importante de sua obra. Ele
não pensa a realidade como um sociólogo que procura apenas entendê-la [...]
Por isso ele pensa a educação ao mesmo tempo como ato político, como ato de
conhecimento e como ato criador (GADOTTI, 1996, p. 70).
17
Resposta pela recusa da não alfabetização dos camponeses proposta por Voltaire, a Imperatriz Catarina da
Rússia no Século XVIII.
63
(RN), consistia em afirmar que todo ato educativo é um ato político; assim
sendo, a educação contém a potencialidade da transformação da sociedade
por intermédio de uma consciência crítica da realidade, tarefa que tanto o
educador como o educando devem assumir no ato educativo. (INSTITUTO
PAULO FREIRE E COMISSÃO DE ANISTIA, 2012, p. 43)
O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lançamos sobre a experiência
de Angicos, amplamente conhecida, é evidenciar que o público participante era, de forma
majoritária, trabalhadores rurais, em uma cidade, cujo período histórico dificulta falar-se em
urbanidade, público esse, objeto de nossa reflexão nesta dissertação de mestrado. Nesse
sentido, situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importância ao atual debate
da Educação do Campo. O que estamos debatendo hoje, como o respeito às vivências e
experiências, a importância do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento prévio‖,
Freire, tratou ainda em 1963, com responsabilidade e humanismo. Assim, é salutar
percebermos a experiência de Angicos como uma importante fonte histórica que pode (e
certamente haverá de) contribuir em muito com o atual debate da Educação do Campo.
64
A tomada do curso como recorte se explica pela aproximação e atuação que tivemos
com a turma de Pedagogia da Terra no período de 2010 a 2011, período no qual atuamos
como monitor. Já a busca pela contribuição da pedagogia freireana à Proposta político-
pedagógica e Plano de Trabalho se faz necessário pelo foco central deste trabalho, mas
também pela singular experiência de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire
no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da
Paraíba. Além do mais entendermos que Educação do Campo é uma questão de grande valor,
não pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a
contemporaneidade tem nos mostrado, em outras palavras, a Educação do Campo não pode
ser moda, mas antes, oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e
aos seus pares.
18
Atualmente a Resolução Nº 171/2013-CONSEPE/UFRN, de 5 de novembro de 2013 é que rege o
Regulamento dos Cursos Regulares de Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
66
Porém, como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes, que horas
cede às reivindicações das massas, hora cerceia essas conquistas, não demorou o início dos
ataques dirigidos pela classe dominante à forma como o curso estava sendo gerido. Em 2010,
um desses ataques teve como consequência a reformulação dos projetos do curso. A partir
desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria até então existente.
Sobre esse assunto, detalharemos mais a diante.
19
Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a
chamar-se Núcleo Permanente de Concursos UFRN
67
É sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanço para a
Educação do Campo no Rio Grande do Norte, representando, também, um sinal de abertura
da Universidade Federal às questões sociais do campo. Mesmo tendo havido outro curso de
pedagogia para assentados20 indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas
lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diálogo da universidade
com a sociedade potiguar.
20
Entre 2002 e 2006, formaram-se em nível de graduação, 63 alunos de nove estados nordestinos e um da
região norte (AL, BA, CE, MA, PA, PB, PE, PI, RN e SE).
21
O diploma é gerado com uma observação que faz alusão ao Probásica – Programa de Qualificação
Profissional para Educação Básica – instituído pela Resolução CONSEPE/UFRN nº14/99, de 02/02/99, que
estabelece os convênios entre a Universidade e seus parceiros, apresentamos um exemplar em anexo.
68
Isso mostra que mesmo havendo particularidades, o egresso do curso recebe o título de
licenciado em pedagogia, apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo.
Por esse motivo, O curso tem um caráter contra-hegemônico e diferente daquele que
nos habituamos a ver nas universidades.
Porém, sabemos que os fatos não se dão de forma linear ou sem disputas, ocorre que, o
modo de execução dos anos de 2007 e 2008, cujo assento havia sido o Convênio
CRT/RN/39.000/2006, (INCRA/UFRN/MST) teve seus componentes e formato questionados
por parte dos estratos jurídicos do INCRA (UFRN, 2010). Na verdade esse momento é
histórico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram período de grandes incertezas.
(...)
9.4.3. caso pretenda oferecer cursos a público específico, afeto a sua área de
atuação, a exemplo do que se verificou no âmbito do Projeto Camosc:
A proposta curricular para este curso terá como ponto de partida os saberes e
práticas dos alunos e a realidade dos assentamentos. Por conseguinte, a
singularidade será realçada sem perder de vista os elementos universais que
compõem a cultura do homem e da mulher do campo, na perspectiva de
mobilizar um movimento pedagógico pautado na ação-reflexão-ação (UFRN,
2010, p. 8).
sentido a categoria realidade, sem dúvida, detém uma centralidade na Pedagogia Paulo
Freire, isso justamente porque é na concretude que a vida se passa. Por isso mesmo a
importância da indissociabilidade entre o currículo do curso e a vida prática dos educandos e
educandas.
A integração ao seu contexto, resultante de estar não apenas nele, mas com
ele, e não a simples adaptação, acomodação ou ajustamento, comportamento
próprio da esfera dos contatos, ou sintoma de sua desumanização, implica
em que, tanto a visão de si mesmo, como a do mundo, não podem
absolutizar-se, fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-
o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha. (FREIRE, 1983, p.42).
Desse modo, a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores
dos sujeitos que vivem do/no campo é entendida como tarefa fundamental no projeto político
e pedagógico da Educação do Campo. Esse eixo de estudos busca situar e datar os
componentes do curso na atualidade.
Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternância é a
ausência, em parte , do corpo docente de uma maior afinidade política ideológica com as
questões específicas do curso. A ausência dessa interação acarreta comprometimentos quanto
à viabilização e operacionalização prática da proposta pedagógica escrita (RIBEIRO et al.,
2010). É um ponto da Pedagogia da Alternância que tem sido pensado e repensado, uma vez
que as visitas dos professores às comunidades dos estudantes/trabalhadores tem se
operacionalizado de forma bastante limitada. Esse ponto externa uma preocupação que
compromete os princípios da Educação do Campo, da Alternância, da Pedagogia Paulo Freire
e da Educação Popular como um todo.
CH CH
CH
Perío C C
Código Disciplinas Presenc
do R H Viven Prát
ial
cial ica
EDU00
Introdução ao Trabalho Científico 2 30 25 5 -
2007. 46
1 EDU00 Introdução à Leitura de textos, 12
8 100 20 -
47 imagens e meios eletrônicos 0
EDU00
Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -
37
EDU00 Dimensão Sócio-Antropológica do Ser
4 60 45 15 -
96 Humano
2007. EDU00
História e Política da Educação 4 60 45 15 -
2 41
EDU00
História na Escola 4 60 45 15 -
43
EDU00 Sociologia dos Movimentos Sociais e
4 60 45 15 -
59 Educação
EDU00
História e Política da Educação no Brasil 4 60 45 15 -
42
EDU00
Gestão democrática na Escola 4 60 45 15 -
2008. 40
1 EDU00 Organização da Educação
4 60 45 15 --
51 Brasileira
EDU00
Geografia na Escola 4 60 45 15 -
38
EDU00
Dimensão Psicológica da Aprendizagem 4 60 45 15 -
23
EDU00 Teorias e Métodos de Educação Popular
4 60 45 15 -
62 (Paulo Freire)
2008. EDU00
Dimensão Psicológica do Homem 4 60 45 15
2 25
EDU00 Técnicas de Elaboração de
4 60 45 15
81 Projetos Educacionais
EDU00
Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15
60
EDU00 Teorias e Métodos de Educação (outros
4 60 45 15
61 pedagogos)
EDU00 Planejamento Escolar e Projeto
4 60 45 15
2010. 53 Pedagógico
2 EDU00 Aquisição e desenvolvimento da
4 60 45 15
19 linguagem – Português
EDU00 Aquisição e desenvolvimento da
4 60 45 15
18 linguagem – Matemática
EDU00 Gerenciamento de Atividades
4 60 45 15
39 Educacionais
2011. EDU00
Língua Portuguesa na Escola 4 60 45 15
1 48
EDU00
Matemática na Escola 4 60 45 15
49
EDU00 Elaboração de Material Didático
4 90 45 15
2011. 35 (teoria + prática)
2 EDU00
Ciências Naturais na Escola 4 60 45 15
21
Fonte: UFRN (2010)
75
CH CH
CH
Perío C C
Código Disciplinas Presenc
do R H Viven Prát
ial
cial ica
EDU00
Seminário I – A questão Agrária. 4 60 40 20 -
2007. 56
1 EDU00 Seminário II – Alternativas Educacionais no
4 60 40 20 -
55 Campo
2008. EDU00
Seminário III – O Semi- Árido 4 60 45 15 -
1 82
2010. EDU00 Seminário IV – Cooperativismo 4 60 45 15 -
76
2 57
2011. EDU00
Educação Ambiental 4 60 45 15 -
1 29
EDU00 Educação de Jovens e Adultos e
4 60 45 15 -
27 Processo de Alfabetização
2011. EDU00
Educação Especial 4 60 45 15 -
2 30
EDU00
Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -
20
EDU00 Educ. de Jovens e Adultos e Processo de Pós-
4 60 45 15 -
28 Alfabetização
EDU00
Educação para Saúde e Orientação Sexual 4 60 45 15 --
32
2012. EDU00
Educação Infantil 4 60 45 15 -
1 31
EDU00 Educação, Ética e Pluralidade
4 60 45 15 -
33 Cultural
EDU00 Língua Brasileira de Sinais –
4 60 45 15 -
87 LIBRAS
A última parte dos núcleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores, que são:
CH CH
CH
Perío C C
Código Disciplinas Presenc
do R H Vivenci Prát
ial
al ica
EDU00 Introdução ao Estudo da Realidade
4 60 15 45 45
45 Local (teoria+prática)
2007. EDU00
Atividade de Formação Cultural I - 15 - 15 15
1 64
EDU00
Oficina de Práticas Formativas I - 15 15 - 15
65
EDU00 Sistema Educacional e
3 45 5 40 45
58 Organização Escolar (prática)
2007. EDU00
Atividade de Formação Cultural II - 15 - 15 15
2 66
EDU00
Oficina de Práticas Formativas II - 15 15 - 15
67
EDU00 Observação na escola – sala de
3 45 5 40 45
50 aula (prática)
2008.
EDU00 Atividade de Formação Cultural
1 - 15 - 15 15
68 III
EDU00 Oficina de Práticas Formativas III - 15 15 - 15
77
69
EDU00
Introdução à Pesquisa (prática) 3 45 5 40 45
44
2008. EDU00 Atividade de Formação Cultural
- 15 - 15 15
2 70 IV
EDU00
Oficina de Práticas Formativas IV - 15 15 - 15
71
EDU00
Pesquisa I (prática) 3 45 5 40 45
52
2010. EDU00
Atividade de Formação Cultural V - 15 - 15 15
2 72
EDU00
Oficina de Práticas Formativas V - 15 15 - 15
73
EDU00 10
Estágio Supervisionado I 15 85 85
95 0
2011. EDU00 Atividade de Formação Cultural
- 15 - 15 15
1 74 VI
EDU00
Oficina de Práticas Formativas VI - 15 15 - 15
75
EDU00 20
Estágio Supervisionado II - 200 200
97 0
2011. EDU00 Atividade de Formação Cultural
- 10 - 10 10
2 98 VII
EDU00
Oficina de Práticas Formativas VII - 15 15 - 15
77
EDU00 Trabalho de Conclusão de Curso
- 90 - 90 90
63 (prática)
2012. EDU00 Oficina de Práticas Formativas
- 15 15 - 15
1 79 VIII
EDU00
Congresso de Encerramento - 45 - 45 45
80
Fonte: UFRN (2010)
Essa ultima parte, pode-se considerar como a reta final do Curso. Os estudantes
trabalharam atividades voltadas à culminância como as Oficinas Formativas, os Estágios
supervisionados e o Trabalho de Conclusão de Curso (UFRN, 2010)
Além desses três eixos norteadores destacamos a importância de outras três partes
fundamentais na organização da prática pedagógica, quais sejam: (I) Instrumento de
78
Não podemos perder de vista a dimensão crítica do processo, nem tampouco esquecer
a complexidade da sociedade a qual estamos imersos, ou seja, uma sociedade de economia
capitalista cuja dinâmica capitalista gira em torno da dominação de classe (SILVA, 2011).
pensadores críticos como Marx, Gramsci, Paulo Freire, Apple e outros. ―A questão da
coerência entre a opção proclamada e a prática é uma das exigências que educadores críticos
fazem a si mesmo. É que sabem muito bem que não é o discurso o que ajuíza a prática, mas a
prática que ajuíza o discurso‖ (FREIRE, 2005, p. 25).
não é perfeito, sobretudo do ponto de vista operacional, muita coisa mudou no decorrer dos
anos, mudanças de espaços, mudanças na coordenação, saída de estudantes, mudanças no
cronograma, entre outros. Os efeitos dessas ocorrências apenas outras pesquisas nos dirão22.
Tivemos como objetivo analisar a contribuição do pensamento de Paulo Freire ao currículo do
Curso, justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximação
e afinidade com os princípios da Educação do Campo e da Pedagogia Paulo Freire, ambas as
concepções amalgamadas nos princípios da Educação Popular progressista.
Figur
a IIV: Concluintes 2012 – Turma Florestan Fernandes/Pedagogia da Terra UFRN
22
Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011),
disponível em: http://www.ieppecpb2011.xpg.com.br/conteudo/GTs/GT%20-%2007/10.pdf
81
Comecemos por afirmar que somente o homem, como um ser que trabalha,
que tem um pensamento-linguagem, que atua e é capaz de refletir sobre si
mesmo e sobre a sua própria atividade que dele se separa, somente ele, ao
alcançar tais níveis, se faz um ser da práxis. Somente ele vem sendo um ser
de relações num mundo de relações [...] Desprendendo-se do seu contorno,
veio tornando-se um ser, não da adaptação, mas da transformação do
contorno, um ser de decisão [...] (FREIRE, 1992, p. 39)
É nesse sentido, de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da
discussão da Educação do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra. A contribuição de Freire
costura esse trabalho do início ao fim. Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa
dissertação que é tanto teórica quanto prática, é tanto a segunda quanto a primeira, é diálogo,
é, pois, práxis educativa.
Por fim, esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na
contemporaneidade. Percebemos o quão atual ele continua, e como nos permite compreender
de forma ampla e completa questões sociais que permeiam a sociedade. A práxis educativa de
Paulo Freire, assim como o Materialismo Histórico-dialético continua dando conta de forma
satisfatória das análises e mudanças que as questões de nossa época ensejam.
defendemos que esse paradigma precisa ter em seu âmago os princípios revolucionários da
Pedagogia Paulo Freire.
85
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90
SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu
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ANEXOS:
93
94