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> centei que para falar a: de esquecimento, de modo que nao podia pretender ser um grande hy de verdade mn ele devia ser um homem fraco Com o espirity ch, omen, Quando eu era mais jovem, costumava me perguntar: “Sera que 0s brancg, Possuem palavras de verdade? Sera que podem se tornar nossos amigos?” [). de entao, viajei muito entre eles para defender a floresta ¢ aprendi a conhecer um pouco o que eles chamam de politica. Isso me fez ficar mais desconfiadg! Essa politica nao passa de falas emaranhadas. Sao sé as palavras retorcidas daqueles que querem nossa morte para se apossar de nossas terras.” Em muita Ocasides, as pessoas que as proferem tentaram me enganar dizendo: “Sejamos amigos! Siga o nosso caminho e nds lhe daremos dinheiro! Vocé teré uma casa, © podera viver na cidade, como nés!”: Eu nunca lhes dei ouvidos. Nao quero me perder entre os brancos. Meu espirito s6 fica mesmo tranquilo quando estou todeado pela beleza da floresta, junto dos meus. Na cidade, fico sempre ansioso ¢ impaciente. Os brancos nos chamam de ignorantes apenas porque somos gente diferente deles. Na verdade, € 0 pensamento deles que se mostra curto ¢ obscuro. Nao consegue se expandir e se elevar, porque eles querem ignorar a morte. Ficam tomados de vertigem, pois nao param de devorar a carne de seus animais domésticos, que sdo os genros de Hayakoari, o ser anta que faz a gente virar outro.’ Ficam sempre bebendo cachaga e cerveja, que Ihes esquentam e esfumagam 0 peito. E por isso que suas palavras ficam tao ruins e emaranhadas, Nao queremos mais ouvi-las. Para nés, a politica é outra coisa. S40 as palavras de Omama e dos xapiri que ele nos deixou. Sao tempo dos sonhos e que preferimos, sonham tao longe quanto nés. Dorm mos. Seu pensamento permanece ob: butis. Por isso nao conseguem enten as palavras que escutamos no Pois sao nossas mesmo, Os brancos nao em muito, mas sé sonham com eles mes- struido e eles dormem como antas ou ja- pensamento com a yakoana e o sonho, E assim guardamos nossa lei dentro de nds, desde o primeiro tempo, continuando a seguir 0 que Omama ensinou a 390 1n0ss08 antepassados. pores) bons cacadores porque ele fez entrar em nosso sangue as imagens dos gavides wakoa e kaokdoma. Nao precisamos ensinar nossos filhos a cagar. Bem jovens, comecam por flechar lagartos e passarinhos e depois, quando crescem, vao cagar animais maiores. Omama nos deu tam- pem as plantas de nossas rocas, que lhe foram dadas pelo sogro, vindo das profundezas das Aguas. Ensinou-nos 0 modo de construir nossas casas ¢ de cortar nossos cabelos. Ensinou-nos a dar nossas festas reahu e a por em esque- cimento as cinzas de nossos mortos. Transmitiu-nos todas as palavras de nos- so saber. Ja os brancos tém escolas para isso. O que eles chamam de educacao, para nés sao as palavras de Omama e dos xapiri, os discursos hereamuu de nossos grandes homens, os didlogos wayamuu e yaimuu de nossas festas. Por isso, enquanto vivermos, a lei de Omama permanecera sempre no fundo de nosso pensamento. ~ em virtude dela que nao maltratamos a floresta, como fazem os bran- cos, Sabemos bem que, sem arvores, nada mais cresceré em sua terra endu- recida e ardente. Comeremos 0 qué, entéo? Quem ira nos alimentar se nao tivermos mais rogas nem caca? Certamente nao os brancos, tao avarentos que s defender nossa floresta para poder- vao nos deixar morrer de fome. Devemo' mos comer mandioca e bananas quando temos a barriga vazia, para poder- mos moquear macacos e antas quando temos fome de carne. Devemos tam- ber e pescar. Caso contrario, vao para podermos bel enta cobertos de peixes mortos. da floresta com raiva, pois nao s de terra e de arvores. Nossos mos. Escutavamos apenas nossas proprias palavras e tar a fazer. Nao falo da flo- ue queremos poder vo! i a imagem da fertilidade de suas arvores ¢ 2 da aga. Escuto a voz dos espiritos abelha que vivem vento que mandam para Jonge as fumacas de tos | peixes. Faco descer a bém proteger seus rios, nos restar apenas cOrregos de agua lamac Antigamente, nao éramos obrigados a falar conheciamos todos esses brancos comedore: pensamentos eram call 08 cantos dos xapiri. E 0 q resta sem saber. Contemplei gordura de seus animais de ¢ em suas flores e a dos seres do ae ‘os dos animais e dos epidemia, Faco dancar os espirit : imagem dos rios e da terra. Defendo a floresta porque a conhego, gragas a0 ——— a sivels a0! Poder da ya@koana. Seu espirito, Urihinari, € de Omama s6 sao visiveis 20s Jo sao coi jue olhos dos xamis. Sao suas palavras que dou a ouvir agora- Nao sao coisas q) vém s6 do meu pensamento. 391 Eu nao vi as co: sas de que e ieee nad le ‘ fal 10 Papel dos livros nem em pel estd dentro de eles mime me pelas palavras dos meus maiore: mim e me foi transmitide Davi Kopenawa Survival International ‘¢ lez, 1989, s intern: nal Public Meeting, 5 dez, 19: em Londres (4 ondres (arquivos Survival International) A forca do p6 de yakoana vem das arvores ; » as fas arvores da floresta. Quando os olhos os xamas morrem sob seu efeito, descem para eles os espiritos da mata que eT ar ‘ chamamos urihinari,' os das aguas, que chamamos mau unari, bem como os dos ancestrais animais yarori. Por isso, apenas quem toma yékoana pode de fato conhecer a floresta. Nossos antigos faziam dangar todos esses espiritos desde o primeiro tempo. Eles nada sabiam do costume dos brancos de desenhar suas palavras.” Estes, por sua vez, ignoram tudo das coisas da floresta, pois nao sao capazes de realmente vé-las.’ $6 sabem dela as linhas de palavras que vem de sua propria mente. Por isso sé tém pensamentos errados a seu respeito. Ja osxamas nao desenham nenhum dizer sobre ela, nem rabiscam tragados da terra.‘ Com sabedoria, nao as tratam tao mal quanto os brancos. Bebem yakoa- imagens, em vez de reduzi-las a alin! de tracos tortuosos. Seu pensamento guarda as palavras do que viram sem ter param de fixar seu olhar sobre os de escrevé-las. Os brancos, ao contrario, nao desenhos de suas falas colados em peles de papel e de fazé-los circular entre eles. Desse modo, estudam apenas seu prdprio pens cem 0 que ja estd dentro deles mesmos- Mas suas peles de pensam, $6 ficam ali, inertes, com seus lavras! Sao elas que da em seus prop tes e lugares. Se ensamento talvé resta enquanto fi na para poder contemplar suas hamentos im, s conhe- mento e, as papel nao falam nem desenhos negros ¢ suas mentiras. Pre- continuar seguindo. os brancos ignoram de vez em uero ouvir € firo de longe as nossas pal: q jos rastros, tentassem escutar ez, fosse menos ta Por manterem a mente crava 9s dizeres distantes de outras ge” Quando as palavras dos xapiri, seu P' struir a flo! obscuro, Nao se em) pi enhariam tanto em destruir Jes de arvores derrubadas! querer defendé-la com leis que desenham sobre pe! canho ngem , pele de papel, ou Jcorre o mesmo papel, para © que os brancos chamam ae Po da pel das drvore \tupa siki, pele de imagens, Pos ét 7 com 0 que chamam de dinheiro. Também nao passa de peles de arvores que eles escondem sob uma palavra de mentira sé Para enganar uns aos outros! Disseram- -me que os brancos fabricam seu papel triturando madeira. Com certeza nao foi Omama quem os ensinou a fazer isso! Seus ancestrais, cansados de desenhar em peles de animais, certo dia, devem ter decidido por conta propria matar as arvo- Tes para fazer papel. Desde entao, tém de triturar grandes quantidades delas para fabrica-lo. Nao se preocupam nem um pouco com 0 fato de as arvores proverem © alimento dos espiritos das abelhas e de todos os animais com asas! Por isso também chamo seu papel de “pele de floresta”, urihi siki. O liquido que os brancos chamam de tinta e que utilizam para tracar seus desenhos de palavras, acho que deve ser outra coisa que, ha muito tempo, seus antigos come¢aram a tirar da floresta. Vermelho ou preto, vem das tinturas de urucum dos espiritos, parecidas com as que usamos em nossa pele, mas que so outras, e muito mais bonitas. Foi Omama que as introduziu dentro das arvores, no primeiro tempo.’ Primeiro ensinou seu uso aos xapiri que tinha acabado de criar, para poderem se pintar e se perfumar para suas dangas de apresentacio. Assim, fazem parte dos bens preciosos dos xapiri. Em seguida, ensinou nossos antepassados a enfeitar seus corpos nas festas reahu, para imitarem a beleza dos ancestrais animais e nao mais exporem a feiura de uma pele cinzenta.’ Desde aquele tempo, esses desenhos de urucum sao os que preferimos. Mais tarde, Omama também distribuiu a beleza dessas tinturas pelas dr- vores da terra dos antigos brancos. Eles, porém, nao demoraram a estraga-las, desviando seu uso. Foi assim que comecaram a cozinha-las em fabricas, para pintar peles de imagens e desenhar suas palavras em peles de papel. Nés somos outra gente. S6 desenhamos em nosso corpo, como nos ensinaram Omama e nossos antepassados.* Foi Yoasi, por inveja do irmao, que desajeitou essas an- tigas palavras antes de colocé-las na mente dos brancos. Entao eles pararam de pintar a propria pele e passaram a s6 usar as tinturas na pele de seu papel. Acho que Yoasi é quem os ancestrais dos brancos nomearam Teosi.’ Sim, é verdade. Os brancos sao mesmo gente de Yoasi! Nés, ao contrario, somos 08 Filhos de Omama e por isso seguimos a retidao de suas palavras. Assim, nas festas reahu e quando fazemos dancar nossos espiritos, enfeitamos nossos corpos com pin- turas de urucum vermelho e preto, cobrimos os cabelos com penugem branca, prendemos caudais de arara em nossas bracadeiras e penas de papagaio no Idbulo das orelhas. 456 ip Os dizeres de nossos ancestrais nunca foram desenhados. Sao muito ar tigos, mas continuam sempre presentes em nosso pensamento, até hoje. Cor tinuamos a revela-los a nossos filhos, que, depois da nossa morte, farao o me: mo com os seus. As criangas nao conhecem os xapiri. No entanto, prestar atencao nos cantos dos xamis que os fazem dancar em nossas casas. E dess modo que, aos poucos, as palavras dos maiores vao fazendo seu caminho no pequenos. Depois, quando ficam adultos, tornam-se por sua vez capazes d di-las a ouvir. E assim que transmitimos nossa histéria,'° sem desenhar nossa palavras. Elas vivem no fundo de nds. Nao deixamos que desaparecam. Dess modo, quando um rapaz quer por sua vez virar espirito, pede aos xamas reno mados de sua casa para lhe darem seus xapiri. Estes entao The transmitem an tigas palavras, que se instalam nele e vao se reno Passar do tempo. Os braocon por outro lado, nao param de querer desenhat a ee Essa também nao € coisa que lhes foi ensinada por Oe deve ter criadc Stas mentes so mesmo muito esquecidas! seus oes tenham pensado ‘ses desenhos para poder seguir seus Pet nossas palavras nac Sutrora: “Vamos desenhar o que dizemos, e eras nao parecem se firma’ iam mais para longe de nds”. F verdade. Suas P' = its delas sem marcar sev Por muito tempo em suas mentes. Se escutarem ardam uns tr “sado, elas logo desaparecem de S vando e aumentando com to. Quando gu: s de as terem esquecido eu pensamen fi Fl depoi r i delas, ac. contrario, no dia seguin i sao-mesmo como eu Podem |, « 1 £ isso AS coi! : tempo t0 do; se- embrar de repente: Oae! deles Fazem isso 0 ume . a Pintei n, » cost! essa pele de papel!”. E 0 o nao, esqueceria cect . esqueceriam em seguida tudo o que dizem! Eles gostam muito das peles de imagens, 7 Imagens, como seus antigos antes deles, porque sio outra gente, Deve ser palavras desenhan algo bom para o pensamento deles. Guardam suas vel do-as e dao a clas 0 nome de histéria. Depois, ficam olhando por muito tem Po para elas e acabam conseguindo fixa-las no pensamento, Entio dizem a si mesmos: “Haixopé! Esse é 0 desenho das palavras de nossos maiores ¢ 0 que eles nos ensinaram! Devemos seguir suas pegadas ¢ imité-los!”. fF assim que 08 jovens brancos aprendem a pensar com as palavras que thes deram seus, pais. Assim acham que, como eles, serio capazes de fabricar maquinas ¢ mo tores, ou que serao professores, enfermeiros ou pilotos de avido. £ assim que eles comegam a estudar. Nos somos habitantes da floresta. Nosso estudo é outro. Aprendemos as coisas bebendo o pé de yakoana com nossos xamas mais antigos. Nos fazem imagem muito longe, para combater os espiritos n virar espirito e levam noss maléficos ou para consertar o peito do céu. E assim que os antigos xamas nos fazem conhecer os xapiri, abrem seus caminhos até nds ¢ os mandam construir de espiritos. Nos ensinam também a palavra de seus cantos e a fazem xamias, nds nos nossas crescer em nosso pensamento.'' Sem o apoio des perderiamos no vazio ou despencariamos na fogueira de méruxi waké."” que aprendemos a pensar direito com os xapiri. E esse 0 nosso modo de estudar ¢, assim, nao precisamos de peles de papel. O poder da yakoana nos basta! f ela amento. F verdade. Com olhos de A! humanos vieram a existir pertencem a Omama. Sao muito numerosas. Os gran- sses grande ssim que faz morrer nossos olhos e abre nosso per palavras que contam como os vivente, nao é possivel ver realmente as coi des homens as revelam a nds em seus discursos, falando dos lugares onde seus avés viveram no passado. Quando se tornam espiritos, os xamas também ara nés em seus cantos. Na verdade, nunca paramos de escuta-las! E que elas se fixam firmemente dentro de nés e nunca se perdem. Os jovens que as ouviram muitas vezes desde pequenos acabam por guarda-las. Quando se tornam adultos, fazem com que se multipliquem neles e as transmi- ula VeZ AOS Mais NOVOS; € ISSO SC repete sempre, sem fim. pais e as dao p; desse modo tem por s' ‘Apesar disso, os brancos acham que nao sabemos nada, apenas porque r sas palavras em linhas."* Outra grande nao temos tragos para desenhar no} Nos so ficariamos ignorantes ‘Ss MesMO se nao tivé livéssemos.mais xamas. mene wan € pord js ontra geMle. F com a yakoana e cor rm 0s & M Os espiritos da fl loresta que apren- {orremos bebendo o po da arvore yakoana hi, para que os xapiri levem ra longe. Assim podemos ver terras ant ubir a 8 Pp 10s erras muito distantes, s ve nossos maiores nao tinh am escolas qu a e eles nao estudav: am. son geno N nossa imagem P: ao peito do ceu ou descer ao mundo subterraneo. Trazemos palavras des desses lugares, para que os habitantes de nossa casa possam ouvi- nosso modo de ficar sabedor, desde sempre. Nao é possivel desenhar merdveis e nao tém fim. conhecid Jas. Esse & -ras dos espiritos para ensina-las, pois sao inu crevé-las todas. Quando os brancos estudam, ‘on- as pa jo daria em nada querer es velhos desenhos de palavras. Depois relatam seu ¢ m eles mesmos as imagens dos seres le fato. Nés, ao contrario, yakoana para ir 0. Entao, os pode eavam seu olhar em v teudo uns aos outros. Nao veem nem ouvel ‘0 tempo, por isso nao podem conhecé-las de de papel, viramos fantasmas com a gem dos seres no tempo do sonhi e é desse modo que nosso pensamento juntarmos com nossos antigos Pa- piritos da floresta, nao poderia- do primeir sem caneta nem peles muito longe, contemplar a ima xapiri nos ensinam suas palavras se expandir em todas as diregoes. Sem nos ra beber yakoana e sem fazermos descer 0s es| mos aprender nada. Com 0 pé que sopram em dao o sopro de vida de seus espiri podemos acompanha-los quando el gares desconhecido ximam com alegria mem nds € vao se t s espiritos sabia y! do céu para protes os xapiri, nao te! alguma. Poderi ao daria em na 5 xamas mais velhos nos le nds." E assim que xapiri e nos fazem ncontrarem, OS asas junto de 1 nossas narinas, NOSSO: itos e este se apodera d les mesmos se tornam s. Ai, felizes por nos €! para construir suas ¢ ornando cada vez mai: erixiamari € japim gé-los da temivel inv: riamos nenhum Co! ‘amos até fingir imité-los, da, Um jovem xama nao imagem ja nao tiver sido sso ocorre de verdade, 0 palavras ver- muito .s luga- conhecer muitos lu; is numero- ayokorari eja dos nheci- outros espiritos se apro Nos. Seus cantos penetral Sos. Mesmo que, as vezes, 0 devam escondé-los nas alturas Xamis inimigos. Sem a palavra d Mento e nao poderiamos dizer coisa se : em nunca os termos visto, Mas isso ™ stantes dos espiritos sé sua il Pode evocar as terras di levada até elas pelos xapiri de seus anti Quando i x 0 escutarem seus cantos, aS pessoas comuns dirao: “Essas $a cor dadeiras! Ele viu a quilo de que fala! As palavras de seus cane vi a Jonge! So mesmo dizeres outros! Come? gostarfamos de conhecer & 459 ajo da terra € do céu. Pude ver 0 espirito macac enro do sol, comer seus frutos de calor sem yeda do céu e jogar picos rochosos ung a out dex. vislumbrei na escuridao os espiritos morcego eae me testar sua soli- roam as beiras do céu e soprando em suas zarabatanas de a ae io enquanto rito do grande escaravelho simotori recortar 0 topo das a ve spt suas rogas. Ouvi os espiritos abelha tagarelando sem parar nas eae mn defender a floresta. E vi também, na terra dos brancos, muito antes de ir 7 a as maquinas que correm sem pes de que me falavam os meus pais e avos.”* Voando desse modo na companhia dos xapiri, meus sonhos nunca tém fim. Percorrem sem trégua a floresta, as montanhas, as dguas e todas as dire¢es do céue da terra. O sopro de vida dos espiritos est4 em mim, € 0 que me per- mite ver todas essas coisas. Eles me chamam durante a noite, e entao eu nao s. No entanto, quando 0- -aranha, que chamamos de uelmar a boca. Vi-o conter a paro de imitar seus cantos enquanto me desloco com ele: estou longe de casa, me contento em contemplar a beleza deles em siléncio, oderia atrair a maldade de feiticeiros ou espiritos inimigos. E onhar. Hoje, porém, muitas vezes sao também os espi- »m no tempo do sonho. pois minha voz p assim que eu costumo s' ari que levam minha image nado fantasma, combato durante 0 sono os bran- am de aticar minha raiva. Meus xapiri, muito a com seus facdes € flechas, para vingar 0S antes da floresta. titos da epidemia xawari Entao, ardendo em febre e tor cos e seus soldados, que nao par valentes, atacam-nos sem trégu: Maus-tratos a que sujeitam OS habit esforgamo-nos pa- 0isas, rtan- hecimento. Foi, po ver. Meus antigos nao me ‘0, sepuindo esse costume er yakoana e permitiram 7 ho. Deram- tempo do som fveram apenas repetir suas palavras. Fis an aa que eu mesmo contemplasse a dans dost A 1 Admire a belez dos espiritos! ei Seus proprios xapiri e me disseram: ot * favé-l0s descer, como nos faze- tando estivermos mortos, voce COBUAU | tender as coi 0s hoje. Sem eles, seu pensamem? nao poder eles me abri "8 escuridao e no esquecimento!” ie en ‘Agora, voue® ° °S xapiri e fizeram crescer MCU pensar a8 joven P Tinha vez, trato de transmitix €5°° palavr os conhecer as ¢ Nés, Yanomami, quando quere™ har con! . qr nm tavé-las no sonho. Esse é-0 modo nosso de gal que também eu aprendi a eram-me beb percam e jamais sejam esquecidas. Se eu nao tivesse conhecido os espiritos, teria permanecido ignorante e falaria sem saber algum. Gragas a eles, a0 con- trario, minhas palavras podem seguir uma a outra € se estender por todas as partes onde se deslocam. Podem falar de todas as terras desconhecidas de onde descem. E esse nosso modo de ficar sabido. Nos, habitantes da floresta, nunca esquecemos os lugares distantes que visitamos em sonho. De manha, quando acordamos, suas imagens permanecem vivas em nossa mente. Ao evoca-las, pensamos, satisfeitos: “Essa é a beleza dos xapiri que os antigos conheceram antes de nés! E assim que, desde o primeiro tempo, eles dao a ouvir seus cantos e dancam para se apresentar!”. Essas imagens permanecem nitidas e sempre voltam em nosso pensamento. As palavras dos espiritos que as acompanham também ficam dentro de nds. Nao se perdem jamais. Esse é nosso historico. E a partir delas que podemos pensar com retidao. E por isso que eu digo que nosso pensamento é parecido com as peles de imagens nas quais os brancos guardam os desenhos das falas de seus maiores. Depois, fazemos com que essas palavras vindas do valor de sonho dos es- piritos sejam ouvidas pelas pessoas de nossas casas. Nos nao as enganamos, como fizeram no passado os de Teosi, que ficavam repetindo: “Sesusi vai descer na floresta! Se ele quiser, hoje ou amanh, vai chegar entre nés!”. Mas 0 tempo passou e nada aconteceu. Nés, xamis, nunca falamos desse modo. Jamais ilu- dimos os nossos s6 olhando desenhos de palavras para poder falar. Nao preci- samos cravar 0 nosso olhar em peles de papel para nos lembrarmos das palavras dos xapiri! Elas esto coladas em nosso pensamento e surgem em nossos labios, sem fim, assim que viramos espiritos. E por isso que somos capazes de revela-las em seguida aos que nos escutam. Sao essas palavras sobre as coisas que vi em sonho que eu tento explicar aos brancos para defender a floresta. Se eu nao ti- vesse nenhuma casa de espiritos e fosse incapaz de ver qualquer coisa, nao teria nada a dizer. Meus olhos dariam do de ver, minha voz seria hesitante e quem me escutasse logo perceberia a ignorancia e o medo entorpecendo minha boca. gjo. Achamos nojento e nos dé tonturas! Nao queremos seus bois, giamos 0 4° ad com eles na mata. F nossa floresta que cria des asanimais € Peres qué comemes. Ela alimenta seus filhotes ¢ os com os frutos de suas arvores. Ficamos felizes que seja assim. Eles nao sabe- de sempre faz crescer nao preci- ide da terra ‘ - Os brancos exterminam osanimais com suas espingardas ou os afugentam com suas maquinas. Em seguida queimam as arvores para plantar capim. Depois, quando a riqueza da floresta jé desapareceu e nem o capim cresce mais, tém de ir para outro lugar para dar de comer a seu gado faminto. No primeiro tempo, nossos ancestrais ainda eram pouco numerosos. Omama deu a eles as plantas das rogas, que acabara de receber de seu sogro do fundo das aguas.*' Entao passaram a cultiva-las, cuidando da floresta. Nao pensaram: “Vamos desmatar tudo para plantar capim e vamos cavar 0 chao para arrancar dele o metal!”. Ao contrario, comecaram a se alimentar do que sam de rogas para viver, como os humanos. O valor de fertilida pasta para fazer crescer € amadurecer seu alimento!” crescia na terra e dos frutos da mata. E 0 que continuamos fazendo até hoje. Afastados de nds, os ancestrais dos brancos se tornaram muito numerosos e viveram com Yoasi, que lhes ensinou a destruir tudo, Jé nossos ancestrais fica- Tam na floresta, junto com Omama, que nunca disse a eles que deviam queimar suas érvores, revirar seu solo ou sujar seus rios! Longe disso, entregou-lhes uma tetra e rios bonitos e limpos. Ensinou-os a cultivar as plantas das rogas para saciar a fome de seus filhos. Furou 0 chao para fazer jorrar as Aguas do mundo subterraneo, para poderem matar a sede. Disse a eles: “Comam a caga, 0s pei- X€5e 0s frutos da floresta! Alimentem-se do que suas ro¢as produzirem: bana- nas, mandioca, batata-doce, macaxeira, card e canal”, Assim é, Omama deu- ida inou- jidadosos “hes boas palavras e os fez pensar com retidao. Ensinov-0s aserem cui Coma floresta, para nao afugentar seu valor de fertilidade. Foi assim que sua beleza pode continuar se mantendo até hoje. po, 0 centro da palavtas que 0s tes de essas palavras exis- jaestavam em nds, Omama tem sido, desde o primeiro tem| "anos chamam de ecologia. verdade! Muito ant : ‘Kem entre eles e de comecarem a repeti-las tantas bling esd sempre, para 0s “bora nao as chamassemos do mesmo jet.” Era Saino "3s, palavras vindas dos espiritos, para defender ® 4) livros, os brancos entenderiam 0 quanto sao antigas entre nds! Na floresta, a ecologia somos nés, os humanos, Mas sao também, tanto quanto nds, os xa- Piri, os animais, as arvores, os rios, os peixes, 0 céu, a chuva, 0 vento € 0 sol! £ tudo o que veio a existéncia na floresta, longe dos brancos; tudo o que ainda nao tem cerca. As palavras da ecologia sao nossas antigas palavras, as que Omama deu a nossos ancestrais. Os xapiri defendem a floresta desde que ela existe.“ Sempre estiveram do lado de nossos antepassados, que por isso nun. ca a devastaram. Ela continua bem viva, nao €? Os brancos, que antigamente ignoravam essas coisas, estéo agora comecando a entender. E por isso que | alguns deles inventaram noyas palavras para proteger a floresta. Agora dizem que sao a gente da ecologia® porque estao preocupados, porque sua terra esta ficando cada véz mais quente. Nossos antepassados nunca tiveram a ideia de desmatar a floresta ou es- cavar a terra de modo desmedido. $6 achavam que era bonita, e que devia permanecer assim para sempre. As palavras da ecologia, para eles, eram achar que Omama tinha criado a floresta para os humanos viverem nela sem maltra- ta-la. E sé. Somos habitantes da floresta. Nascemos no centro da ecologia e la crescemos. Ouvimos sua voz desde sempre, pois é a dos xapiri, que descem de suas serras e morros. E por isso que quando essas novas palavras dos brancos chegaram até nds, nés as entendemos imediatamente. Expliquei-as aos meus parentes e eles pensaram: “Haixopé! Muito bem! Os brancos chamam essas coisas de ecologia! Nos falamos de urihi a, a terra-floresta, e também dos xa- piri, pois sem eles, sem ecologia, a terra esquenta e permite que epidemias e seres maléficos se aproximem de nés!”. Nossos pais e avés nao puderam fazer os brancos ouvirem suas palavras sobre a floresta, porque nao sabiam sua lingua. E eles, quando comecaram a s nossos antigos, ainda nao falavam de ecologia! Estavam mais eles de onga, queixada e veado a eles! Naquela época, 0S huma dessas palavras para proteger a floresta. Elas empo. Finalmente, seus habitantes devem ter e nossos rios, e nossa floresta esta dimi- os resta dando-lhe o nome de ecolo- m devastado tanto os lugares em chegar as casas do: ansiosos para pedir p brancos nao possuiam nen} ‘ram nas cidades ha pouco t “Hou! Sujamos nossa terra proteger 0 pouco que n -aram com medo por tere surgi pensado: nuindo! E preciso gia!” Acho que eles fic vem. No comego, juando t j an tege! at ‘ 9 eu era bem jovem, nunca ouvi os brancos fala oteger a tureza. i . . fala remem Pr Bt ei ee Foi muito mais tarde, quando fiquei bravo ¢ come cela discursar contra os garimpeiros e suas epidemias, que esas novas pala de repente i c cs ram pente a meus ouvidos. Acho que, no Brasil, foi Chico Mendes ou por tod i Pp a parte, pois as ouvi pela primeira ver quando os bran nuitas vezes chegal que as espalhi cos comegaram a fal sua imagem em peles de papel. Entao, pen tiu com sabedoria e revelou essas novas palavras da ecologi ma floresta. Nunca falavam nela e nao lar muito dele, Naquela época, mostraram-me m “Deve ter sido esse branco que Antes, @ refle gente das cidades nao se preocupava ol temiam que ela pudesse ser destruida. Chico Mendes era branco, mas cresceth c are queimar todas as arvo! hha se tornado amigo da fl o havia sido criada. Son! pelos grandes f rendeiros. Com certeza foi vas palavras para defendé-la. Quem sabe a seu sonho? Deitado na rede, anoite, deve 5 dé comida em seus frutos, seus peixes, hho de falar duro. com ‘os outros brancos struam! Vou me opor a gente que quer desmata-la e palavras da ecologia!”. Quando me contaram pela logo pensei: ‘

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