Você está na página 1de 5

Nome da disciplina: Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico I

Professor: Dr. Claudio Medeiros

Carga horária: 30h / Modalidade: EaD

Programa: O arquivo colonial é organizado pela mesma lei que forjou as fronteiras da
Colônia no limiar da História universal. Enquanto gênero acadêmico-literário, a
historiografia é um museu que diz o que pode ser dito do passado e os tipos de passado
que podem ser ditos, de modo a preservar um vínculo entre verdade e “arquivo como
prova”. Organizar, selecionar, recortar o arquivo, impedir que certas imagens
indesejáveis do passado retornem como fantasma, daí seu caráter cronofágico. A
História (como o Estado) deve converter o “desaparecido” à condição de “morto”, para
que o luto cesse, e o ontem (nas suas dívidas) não extrapole os domínios da catalogação
acadêmica. Do contrário, não participaríamos do estranho imaginário de que somos a
escuta de um tempo em comum, do direito a um vínculo originário e coletivo.

O plano dessa disciplinar é ver se não há excedentes, rastros, heterotopias, que


organizariam a dramatização de saberes e tradições da pretitude, saberes inalienáveis
uma vez que nunca estiveram amordaçados pelas leis do dizível no grande texto da
História. No Rosário, na Capoeira, nas giras de Umbanda, o corpo da memória
ultrapassa o museu da História porque é memória viva, ritualizada no tambor, na ginga.
A questão não será tanto a relação entre passado e presente, não é “de que forma iremos
contar nossa própria história?”. É como estudar a oralituração da cultura baseada na
indissociabilidade entre narrar-dançando, dançar-narrando, tocar-pensando, pensar-
tocando, e esse cortejos embalados por música como manifestações completas de uma
tradição, a ponto entender como nossa categorização é muito precária para discutir o
que sempre esteve acontecendo em uma gira, uma roda de capoeira, em uma procissão
dramática.

O corpo virado no santo, o passista, o angoleiro que ginga na roda, enquanto ainda não
se constituem como endereços das vibrações do tambor, não se atualizam como sujeitos
de saber nessa manufatura de espaços que é a vida na pós-colônia. Um corpo que é
menos a extensão de um conhecimento histórico representado, e mais a herança que
ensina como a ginga foi princípio de movimento permanente na luta contra a
colonização do tempo: é ele que tomaremos como tema deste curso.

Bibliografia:

ALVES, F. O corpo em movimento na capoeira. São Paulo: USP (Tese), 2011.

CASTRO, E. Viveiros de. “O Anti-Narciso: lugar e função da Antropologia no mundo


contemporâneo”. Revista Brasileira de Psicanálise. Vol. 44, n. 4, 15-26, 2010.

DAVIS, A. Blues Legacies and Black Feminism: Gertrude Ma Rainey, Bessie Smith and
Billie Holiday. New York: Vintage Books, 1998.

DELEUZE, G. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, vol. 4. Trad. Suely Rolnik. São
Paulo: Ed. 34, 2012.

EVARISTO, C. “Da grafia-desenho de minha mãe, um dos lugares de nascimento de


minha escrita” In: Representações Performáticas Brasileiras: teórias, práticas e suas
interfaces. Marcos Antônio Alexandre (org.). Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007. p
16-21.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves.


8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2020.

______. A ordem do discurso. Trad. Laura Sampaio. São Paulo: Loyola, 1996.

______. “A vida dos homens infames” In: FOUCAULT, M. Ditos e Escritos IV. Trad.
Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

______. Prefácio (Folie et Déraison) In: FOUCAULT, M (1961). Ditos e Escritos I.


Problematização do Sujeito: Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise. RJ: Forense
Universitária, 1999.

FREIRE, G. Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1987.

GALDINO, V. “fanon mbembe você eu”. Frantz Fanon em revista – Revista Rosa.
Número 1, fevereiro/2021.
GOLDMAN, M. “Os tambores dos mortos e os tambores dos vivos. Etnografia,
antropologia e política em Ilhéus, Bahia.” Revista de Antropologia. São Paulo, USP,
2003, v.46 n.2.

GLISSANT, Édouard. Poética da Relação. Tradução de Marcela Vieira e Eduardo


Jorge de Oliveira. Prefácio de Ana Kiffer e Edimilson de Almeida Pereira. Rio de
Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

______. “Poética natural, poética forçada”. Trad.: Thadeu C. Santos; Henrique


Provinzano Amaral. Colab.: João Borogan. Criação & Crítica, n. 32, p., jul. 2022.
Disponível em: <http://revistas.usp.br/criacaoecritica>.

HARTMAN, Saidiya. Perder a mãe: Uma jornada pela rota atlântica da escravidão.
Tradução de José Luiz Pereira da Costa. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

______. Scenes of subjection: Terror, slavery, and self-making in nineteenth-century


America. Nova York: Oxford University Press, 1997.

______. Vênus em dois atos. In: Revista ECO-Pós, 23(3), 2020, p. 12–33.
https://doi.org/10.29146/eco-pos.v23i3.27640.

HOLLANDA, S. B. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 2000.

LEITE, L. “Toda música brasileira é afro-brasileira” (entrevista a Luciano Matos –


18/04/2020). In: https://elcabong.com.br/entrevista-letieres-leite-toda-musica-brasileira-
e-afrobrasileira/

LIMA, L. “Essa história você precisa ouvir”: memórias do circuito de música negra do
Rio de Janeiro (1887-1972). Niterói: Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação
em História da UFF, 2022.

LORDE, A. Irmã Outsider. Trad. Stephanie Borges. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.

KOPENAWA, D. A queda do céu. São Paulo: Cia das Letras, 2015.

MARTINS, L. M. Afrografias da memória. São Paulo: Perspectiva, 2021.


______. “Performances da oralitura: corpo, lugar de memória”. Letras, n. 26, 63-81.
(https://doi.org/10.5902/2176148511881)

______. Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro:


Cobogó, 2021.

MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Tradução de Sebastião Nascimento. São


Paulo: n-1 edições, 2018a.

_______. De la Postcolonie: Essai sur l’imagination politique dans l’Afrique


contemporaine. Paris: Éditions Karthala, 2000.

______. The Power of the Archive and its Limits. In: HAMILTON et al (eds.).
Refiguring the Archive. Berlin: Springer Science + Business Media, 2002, p. 19-26.

______. ‘The Reason of Unreason’ — In Conversation: Achille Mbembe and David


Theo Goldberg on ‘Critique of Black Reason’. Theory, Culture & Society. 03 jul.
2018b. Disponível em: https://www.theoryculturesociety.org/blog/interviews-achille-
mbembe-david-theo-goldberg-critique-black-reason. Acesso em: 30 jan. 2022.

MEDEIROS, C; GALDINO, V. (Org.) Experimentos de filosofia pós-colonial. São


Paulo: Politeia, 2020.

MEDEIROS, C. V. F., SANTOS, T. R. C. dos, GALDINO, V. “Feitiço da racionalidade


e pensamento epidérmico”. Abatirá - Revista De Ciências Humanas E
Linguagens, 2(4), 317 - 328.

MEDEIROS, C. História da experiência das epidemias no Brasil. São Paulo: GLAC,


2021.

______. “Vultos na mata” In: Serrote 42 - Uma revista de ensaios, artes visuais, ideias e
literatura.42 ed. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2022, v.42, p. 114-127.

MOSÉ, Viviane. Reino dos bichos e dos animais é o meu nome. Rio de Janeiro:
Azougue
Editorial, 2001

NASCIMENTO, M. Os portões da fábrica. Rio de Janeiro: 7Letras, 2021.


RAGO, M. “Sexualidade e identidade na historiografia brasileira”. In: RAGO, M;
PELEGRINI, M. (Org.) Ascenção e queda do paraíso tropical. São Paulo: Intermeios,
2021.

RAMOS, S. Stella do Patrocínio: entre a letra e a negra garganta de carne


(Dissertação). PPGLC – Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Foz do
Iguaçu, 2022.

RODRIGUES, G. Bailarino-Pesquisador-Intérprete. Rio de Janeiro: Funarte, 1997.

SANTOS, Spirito. Do samba ao funk do Jorjão. Rio de Janeiro: Incubadora Cultural


Espaço Cultural Sesc, 2016.

SILVA, R; FALCÃO, J. Performance negra e dramaturgias do corpo na Capoeira


Angola. Porto Alegre: Editora Fi, 2021.

SIMAS, L. A. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro:


Mórula, 2018.

SODRÉ, M. Pensar Nagô. Petrópolis: Vozes, 2017.

______. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Mauad X, 1998.

SLENES, R. Na senzala, uma flor. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.

ZACHARIAS, Anna Carolina Vicentini. Stella do Patrocínio: da internação


involuntária à poesia brasileira. 2020. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da
Linguagem, Campinas, 2020.

Você também pode gostar