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Domingo

individual de Leandro Muniz


texto Tarcisio Almeida
direção artística Claudio Cretti
DOMINGO
entre Leandro Muniz e Tarcisio Almeida

vênus em leão e amor impróprio


romance is a ticket to paradise and hell
I’ve been there
and I like it
– I knew you were gonna break my heart –
mesmo assim
volto à viagem
(excerto de cinco poemas de amor - Leandro Muniz)
Em Domingo é impossível não pensarmos nas inquietações brecha é uma forma de agir e pensar desde o mundo
suscitadas pela poética do tremor em Édouard Glissant que inextricável, sem reduzi-lo às nossas próprias pulsões ou
nos lembra que “tudo começa sempre com poemas”. Em interesses enquanto habitantes de muitos mundos. O
todos os povos, o sustento da vitalidade radical se dá inumerável é exatamente a abundância de mundo diante do
primeiro pela imaginação de uma língua escolhida (e não uno que concebe a própria falta de mundo e por isso
imposta) e de uma ação poética (criação) frente ao justifica-se na homogenia como resultado das relações. O
atavismo que nos marca a ferro. Sendo este a própria a Todo-o-Mundo é um mundo em que “se entra em zonas de
fidelidade à imutabilidade da poesia e da língua, base do vizinhanças, mais do que se adquirem caracteres formais” e
aniquilamento de uns sobre outros, do passado sobre o que por isso sua tradução derivaria sempre em um ato de
presente e das intensidades que nos abrem para futuros criação. Tudo isso se encontra, em forças e em tremor, tudo
inesperados. Quando esse poliglotismo vital nos habita, está ali e germina nessa imensa anunciação. Em Domingo,
somos generosamente obrigadas a lidar com o fato de que quando nos inclinamos sobre os panos de pintura por meio
nossa língua não é única e que é justamente essa da sensação, habitamos uma zona opaca e por isso não nos
impossibilidade que nos traz o tônus para lidar com ímpeto perdemos no incomposto regulamentar – desejo de ordem e
atávico de todos dias (e tempos). Essa língua rebelde e mundialização. Pois o opaco é precisamente o que não pode
desenfreada da poesia é o que possibilita o encontro se encaixar em uma teoria de construção de sentido
conosco, com nossos antecessores, sucessores e povos de pré-atribuída. O opaco é a relação. A poética que insiste em
infinito quântico, dentro do todo-mundo. O pensamento do que haja um “consentimento em não ser um único ser”.
tremor em Glissant é ao mesmo tempo a errância e o Assumimos assim, em seu nível mais radical, uma forma de
inexpressável do mundo onde o pensamento por dizer sobre os labirintos e refúgios que nos conduzem à
mundialidade é o que garante ao vivo uma certa fissura do dique.
continuidade frente ao pensamento de sistema e aos Tarcisio Almeida
sistemas de pensamento. O tremor é o háptico que nunca se
fixa e que se abre para o amanhã fazendo do todo-o-mundo
o objeto mais alto de sua poesia. O que escorre por essa
Domingo
2021-2022
Instalação
Dimensões variáveis
Tecido, tinta acrílica, cabos de aço
Azulejo
2022
Instalação
12,43 m x 2,80 m
Tinta acrílica sobre parede
Camiseta rosa (da série Cascas)
2019-2022
80 x 70 x 5 cm
Pintura-objeto
Papel, tinta acrílica e cabide
Tapetinho #6
2022
96 x 60 cm
Desenho
Bastão oleoso, grafite e papel
TA: Para começarmos gostaria de te propor um breve via um bloco de cor, depois a imagem, então a ideia de
roteiro de construção desse novo projeto. Ele recupera fazer só campos de cor de um dos lados do tecido e do
diversos procedimentos que você já vem exercitando na outro as imagens veio daí. Sou bem organizado no
sua prática, mas, ao mesmo tempo, os aprofunda no processo de pesquisa e reflexão sobre quais imagens usar,
sentido de concepção e co-habitação de um espaço. mas a ação de pintar muda tudo e é sempre muito
Como têm se dado essas relações? subjetivo quando acho que está pronto. Mais do que criar
um estilo, gosto de lidar com essa plasticidade infinita da
LM: Faz tempo que penso no domingo como um dia de tinta. A mínima diluição, o uso de um pincel diferente,
experiências interessantes para o meu trabalho. Para raspagens, coberturas, qualquer decisão muda
aqueles que podem descansar, existe um clima de preguiça, completamente o conjunto. Penso cada Varal em relação
muita atividade doméstica e esse sentimento misto entre o ao contexto expositivo, tanto em termos de paleta quanto
tédio e a ansiedade de começar a semana de novo. O ciclo de imagens e estampas, embora eu sempre use tricoline
dos dias me atrai profundamente. Entre a organização e a com 2 metros de altura - as larguras variam de acordo
vertigem. Essa exposição só tem trabalhos novos e muito com a indústria -, porque é uma escala que gera
contextualizados entre si, mas são operações que já associações com o corpo e evoca narrativas. Também
apareceram na minha prática, só que a cada vez ganham sempre tento pendurar em alturas parecidas, entre 2,20 e
diferentes corpos. Comecei os Varais em 2018. Na época, 2,40 metros, no máximo. Nesse caso, eu achei que todas
eu replicava com pintura as estampas de embalagens de as estampas e cores deveriam ser diferentes e a
sacos de pipoca ou de lanches, daí achei que poderia montagem um pouco incongruente, com ângulos que não
estender isso para os tecidos. Eles dinamizam o espaço e se encontram, formando um espaço descontínuo. Acho
me interessa pensar formas de expor. Um varal é essa que pintura tem sempre um dado psíquico, porque você
situação limítrofe entre o modo de usar o objeto na casa e tem a marca de um corpo e eu quis lidar com essa
lidar com/criar uma situação expositiva ambígua, porque dispersão que estou sentindo hoje. Tenho um rigor na
você tem uma frente e um verso, mas ainda se trata de uma construção, mas o que me atrai é o difuso e não
superfície plana, uma lâmina. Também tinha o Google discursivo, embora eu escreva e fale muito como parte da
Imagens, porque ele dava um erro e você primeiro minha prática, já que atuo como artista e curador, crítico e,
frequentemente, professor. A paleta dos tecidos foi corpo e minha subjetividade. Liberdade é uma experiência
informada pelo desenho Tapetinho #6. É muito brasileiro que me move, o que se reflete nas formas instáveis e nas
esse objeto, o tapete feito de restos de malha tramadas. E múltiplas possibilidades que os trabalhos sempre têm, em
amo tramas. Visualmente. Filosoficamente. É curioso geral séries, mas não progressivas e nunca concluídas.
porque tudo isso implica tempo. Não acho que eles são
representações de tapetes, mas emulações do modo de TA: Você parece se colocar diante do cotidiano sem o
fazer: desenho como quem trama os fios, sobrepondo e desejo de representá-lo. Ou melhor, como se escapando
unindo as linhas. E qual é o limite entre essas coisas, na desse desejo fosse possível abrir espaço para se
verdade? Perguntas que só se multiplicam e isso também relacionar com as coisas ao redor pela sensação
me interessa: operações sintéticas, mas altamente provocada por esse encontro. Como dar conta da
polissêmicas. Mais do que falar “sobre” me interessa a presença das coisas pela sensação? Esse modo de
sensação da coisa e como o ritmo, a velocidade, a relação e relação com o cotidiano pode ser pensado em aspectos
a intensidade (que pode ser tênue) são modos de metodológicos?
comunicar. Ainda acho que faço arte por um desejo de criar
memória sobre as coisas que vivo e de como materiais LM: A presença das coisas. A textura dos dias. Objetos são
muito triviais condensam experiências sociais (de classe, só sedimentações de relações e processos, não é? Talvez
raça, gênero), mas, em especial, existenciais. Marcar o cotidiano me interesse porque ele é inexorável. Para além
presenças e toda a dimensão política disso… E acho tudo dos grandes acontecimentos, tem sempre a comida, os
muito ambíguo. Os trabalhos têm dois lados, são imagens e fluxos do corpo, o pó que se acumula. O cotidiano dentro
objetos, seriais e únicos, regulares e irregulares. Fico do espaço doméstico implica uma quantidade absurda de
pensando nas múltiplas experiências que formam meu trabalho e isso tem novas configurações no nosso
corpo que me fazem pensar e trabalhar assim. Desde morar momento histórico, neoliberal, permeado pela internet e
na Zona Norte, perto do mato, portanto com uma outra por empregos remotos. Estou com 29 anos e moro
experiência com a cidade de São Paulo, até as coisas que sozinho desde os 16, então isso informa meu olhar. O
leio, com quem convivo e de como, no fundo, estou dia-a-dia tem ‘dores e delícias’, ‘rigores e delírios’, tudo isso
tentando escapar das sobredeterminações sobre meu me interessa. Fazer escolhas, aceitar perder e não ter
medo disso. O cotidiano também me faz pensar na morte. podemos pensar as espessuras políticas e estéticas de
Mas não me interesso pelo ‘encantamento do mundo’, nem uma perspectiva da experiência artística guiada pela
pelo sentimento de ‘serendipity’, que é essa espécie de sensação? Como a figuração absoluta nos modos de
surpresa em meio a regularidade da vida, muito menos por conceber e receber as práticas de arte nos distanciam de
‘revelações e epifanias’. Mas a vibração das coisas me uma demora com as experiências do mundo e da
interessa. Acho que a vida é muito curta, talvez por isso não possibilidade de vivenciar a diferença sem separação?
me interessa a representação, que além de uma estrutura
política limitada, sempre implica uma ausência do objeto. LM: Acho que se não idealizamos nem romantizamos a
Acho que opero por analogias, emulações, paralaxes… A sensação, o primeiro ponto é que fugimos do binarismo
coisa é a coisa, mas também é outras coisas. E como a ocidental ‘mente x corpo’ e todas as consequências
gente vê as coisas? Quase como esse paradoxo de como trágicas disso na vida, como a divisão de gênero e raça ou
você ouve a voz na sua cabeça e como os outros ouvem a separação entre “teoria e prática”. Se fugimos dessa
você. Há um desencontro, mas a gente tenta. Contato, dicotomia, podemos entender que a forma como sentimos
comunicação. Nesse sentido, me interesso muito pelo toque. é resultado de uma série de interações sociais e se reflete
O cinza na tinta é diferente do cinza no tecido, embora nas coisas que pensamos e como vivemos. E vice-versa.
tenham o mesmo pigmento. Cor me ajuda a pensar porque é Sabendo disso, como me mover ativamente nessa
um fenômeno completamente relacional, material, instável, dinâmica? Diferença sem separação, porque o mundo é
contingente. O cotidiano também passa por aí: é uma um fluxo. Tudo isso traz de novo a questão do tempo. A
experiência muito estética. Que condensa sua vivência de suspensão temporal me interessa. O vento e a luz nos
classe, gênero, raça, seu estado psíquico. E tudo isso se tecidos, uma parede desenhada inteira com um pincel fino.
informa e se transforma mutuamente. Não porque a dilatação temporal seja uma salvação, é
mais uma questão de saúde mesmo. De entender e
TA: Em nosso diálogo nós sempre mantemos uma certa respeitar os ritmos do corpo e do que faz o coração bater
atenção aos relativismos apaziguantes das ideias bem de verdade. Nós lidamos com muitas contingências
como a uma lógica binária de construção do pensamento. estando no Brasil em 2022 e trabalhando com arte. Mas há
Sabendo que essa atenção está em nosso horizonte, como esses momentos que fazem valer a pena, reverberar e
abrir espaços de indeterminação nos quais a gente possa explosiva, porque é necessariamente multivocal e ambígua.
sentir outras coisas e deixar que isso nos informe, nos leve Não por enfatizar uma dicotomia entre os termos, mas
a entender outros sentidos, a construir conhecimento de porque eles se tornam indissociáveis. Me interessa pensar
outros modos, abrir espaço entre as vértebras e oxigenar as criticamente que é uma exposição realizada em um lugar
ideias. chamado Casa de Cultura do Parque, com uma arquitetura
modernista. Ao mesmo tempo, fico curioso com os
TA: Como o rigor e o delírio aparecem na exposição processos de identificação e contato que isso pode
Domingo? produzir. E embora as operações sejam todas altamente
descritíveis e cheias de assuntos e conceitos que poderiam
LM: Além da instalação com os varais que dá nome à ser analisados em sua espessura histórica, me interessa o
mostra e do desenho-pintura Tapetinho #6, também tem a silêncio dessas imagens e poder compartilhar o fato de que
Camiseta rosa da série Cascas. Feita de vários pedacinhos o mundo me gera dúvidas com momentos dispersos,
de papel colados, ela é apresentada em um cabide e tem indiretos e oblíquos de compreensão. Mas, talvez essa
uma pintura com um grid preto. Diretamente na parede, mistura de rigor e delírio esteja na base de como vivo os
também tem um desenho de um grid. Esse tem uma dias e talvez eu faça arte, seja em qual atuação for, por um
medida de 15 x 15 cm, remetendo a azulejos, mas me desejo de tornar isso público.
interessa, antes de tudo, a ideia de um mapeamento
daquele espaço, que fica meio vazio, meio coberto por um TA: Zofir Brasil, um dos artistas centrais em minha
padrão. Grids supostamente dizem respeito ao rigor. E no pesquisa e que é também responsável por ritualizar parte
meu trabalho eles são todos tortos ou maleáveis. Delírio, dos nossos encontros, trabalhou até o seu falecimento em
desejo. Talvez também seja essa minha tentativa de fuga 1991 "prolongando a vida das coisas" desejando
da dicotomia. Pesquiso cor porque amo cor. Pesquiso desobedecer o tempo dado à matéria e à materialidade da
questões raciais na arte porque vivo isso e fico pensando cultura. Ele lidava com objetos a partir de deslocamentos
em como manter minha liberdade em meio a um mundo ou mesmo como insumos. Esse prolongamento aparece
esquadrinhado. Escrevo sobre arte porque faço arte. Mas também com diferentes estratégias nos suportes do Bill
essa associação rigor e delírio, rigor e desejo pode ser
Traylor, Noah Purifoy, Cicero Alves dos Santos e tantos quando algo trivial se conecta com a história, o íntimo com
outros nomes que temos trocado nesses últimos anos. o público, ou o micro com o macro, o que acho que é uma
Como você tem elaborado essa questão dentro da sua das grandes potências da nossa prática: condensar essas
prática? conexões levando a pensar em outros sentidos.

LM: No outro dia, em uma conversa com a Cinthia Marcelle, TA: Em algum dos nossos horizontes o que estamos
ela me falou que “quem apropria é branco”. Lembro também perseguindo é a possibilidade de "errar e tentar" evitando
de um comentário seu sobre o Marepe, de que o uso dos a condenação dos discursos a priori dados às nossas
objetos na prática dele não se tratava exatamente de formas de vida. Sabemos também que toda prática
“apropriação”. Fico feliz em você trazer esses nomes. carrega um conjunto de discursos sejam eles sociais,
Poderíamos fazer uma lista imensa de corpos que nos históricos, materiais… Como defender uma prática "não
habitam e vozes que nos falam. And ghosts are always discursiva" em relação a esses textos de antemão?
travelling. Na arte também me interessa essa possibilidade,
virtual que seja, de conversar com os mortos e tenho LM: Sinto que na arte contemporânea temos essa
pensado em ‘correspondência como método’ como uma necessidade hiper discursiva, que se reflete mesmo nas
forma de definir meu modo de operar nas minhas diferentes formas de circulação das obras, sempre atravessadas por
atuações. Acho que nossa experiência no mundo em que statements. Eu escrevo sobre arte e sou o maior defensor
vivemos é o material do nosso trabalho, então a comida que de interpretações rigorosas sobre os trabalhos e acho que
como, as pessoas que amo, as roupas que uso ou a tinta há uma série de complexidades novas no nosso contexto,
que compro têm que ser pensados em suas interações, desde a globalização, até a internet e um modo de
afinal, os materiais (físicos, culturais ou psíquicos) não circulação muito controlado por interesses privados e
somem, apenas deslocam-se e tudo isso informa nossa financeirizados. O não discursivo também diz coisas. Mas
imaginação enquanto trabalhadores da cultura. Mas, em talvez coisas não programadas, não determinadas, que
termos de processo, para mim há um momento em que não sabemos de antemão e que talvez só vamos entender
olho para as coisas e vejo associações com outras coisas, a posteriori. Nós dois fazemos análise e uma das
daí nascem os trabalhos. Em geral é primeiras coisas que aprendemos nesse processo é que
há uma grande parte de nós que simplesmente não conecte com o que você pergunta. Mas há uma questão
conhecemos. E aí a grande questão: para além das imagens prática de viabilização de projetos, textos, exposições etc.
que supostamente representam minha experiência no Embora o sistema da arte movimente muito dinheiro, não
mundo - o que se agrava no caso de grupos historicamente raro os artistas são onerados. Então além da possibilidade
oprimidos -, minha sensibilidade, como bicha, preto, de compartilhar o não discursivo de uma pintura de
trabalhador da cultura, dono de casa, etc etc etc, não atina florzinhas ou de uma camiseta pendurada, também me
com os discursos prontos sobre quem eu sou. Como interessa esse espaço na minha vida diária, para não
elaborar isso e criar algum lugar comum para podermos sucumbir a uma vida profissional de puras demandas e
conversar? Só vamos saber se continuarmos tentando. talvez tentar manter a arte como um lugar de
Talvez por isso eu não consigo me fixar em uma única singularidade e exceção.
linguagem ou mesmo prática. Ultimamente tenho escrito
poesia. Amo música. Sou um grande interessado pela TA: Talvez o que esse debate, que extrapola os limites da
linguagem, por isso arte. Mas os meus momentos favoritos estética, nos diga, é sobre a urgência de imaginação de
nesse universo são quando a própria linguagem mostra outros parâmetros de análise e relação com o próprio
seus limites, ainda que tente comunicar coisas. Se objeto/ação estética. Poderíamos pensar numa ética da
pensarmos nas relações entre as imagens nos tecidos, por sensação como uma ferramenta possível? Como algo
exemplo, ao mesmo tempo que evocam narrativas, que rompe com a dimensão do "hiper visível" para fazer
discursos, são completamente não narrativas, arbitrárias, irradiar uma outra possibilidade?
então existe uma tensão. Eu sempre pensei que mais do
que criar um estilo, me interessava produzir um conjunto LM: A primeira imagem que me ocorreu foi a dos micélios
diverso de trabalhos (pinturas, objetos, textos, etc) e da dos fungos. Para que o cogumelo brote, há uma rede
relação entre eles, talvez surgir algum sentido. E, do imensa de filamentos sob a terra, fazendo o trabalho de
conjunto de pequenas narrativas, apontar para o silêncio transporte de nutrientes e de comunicação entre as partes.
subjacente a elas. Te contei que, no outro dia, estava Também tenho pensado muito nos polvos, porque me
lavando louça e ouvindo uma palestra do Fred Moten sinto um pouco assim. A ideia mais óbvia é de lidar com
quando ele disse “Music is my mother language”. Talvez se vários braços no mundo, mas há outras camadas.
Polvos se camuflam em forma, cor e movimento,
emulando outros animais, pedras ou algas. Cada tentáculo
pode agir autonomamente, então o corpo não é definido por
um eixo centralizado orientado pela visão frontal. Eles
podem ter veneno, podem mover-se rápida ou lentamente e
há um caso curioso de polvos que saem de uma poça d’
água, andam sobre a areia, para chegar em outra em busca
de alimento. Também poderíamos pensar no trabalho das
formigas e suas arquiteturas subterrâneas sempre mais
fortes do que a parte que vemos na superfície. Sentir de
outros modos implica pensar de outros modos. Sem dúvida
a hiper visibilidade tem consequências trágicas na vida:
ansiedade nas redes sociais, instrumentalização das
relações, fear of missing out e a crença de que as imagens
e os discursos valem por seu valor de face. Tudo isso
oblitera o trabalho silencioso e invisível que estrutura os
dias. Tenho me interessado pelo exercício da presença, que
é uma expressão que ganhei de uma amiga e me marcou
profundamente. Isso implica que estar aqui é escolher
perder todo o resto e entender que há sempre algo que não
capturo, que há sempre algo inconcluso e oculto, mas,
especialmente, que as coisas têm outros lados.

Setembro de 2022
Leandro Muniz (São Paulo, 1993) atua como artista e curador.
Mestrando no departamento de teoria e crítica de arte da ECA-USP e
graduado em artes visuais pela mesma instituição, é assistente
curatorial no MASP. Foi repórter na revista seLecT entre 2019 e 2021 e
fez parte do grupo de estudos Depois do Fim da Arte, coordenado por
Dora Longo Bahia. Já expôs em espaços e projetos como o Museu de
Arte do Rio, Galeria Aura, DAP Londrina, Espaço das Artes USP, Sesc,
Fábrica Bhering, Casa Alagada, Ateliê397, entre outros. Em 2022,
apresenta a individual 'Domingo', na Casa de Cultura do Parque, em São
Paulo. Foi curador das mostras 'Pulso' (Bica plataforma, 2021),
'Torrente' (Galeria Karla Osório, 2020), 'Esquadros' (Partilha, 2020),
'migalhas' (Galeria O Quarto, 2019), 'Lampejo' (Galeria Virgilio, 2019),
'Disfarce' (Oficina Cultural Oswald de Andrade, 2017), entre outras. Seus
textos podem ser encontrados em publicações e portais como Arte que
acontece, Relieve Contemporáneo, Terremoto e Revista Rosa, além de
catálogos e exposições. Ministra regularmente cursos e conferências
em espaços como MASP, Pinacoteca, Plataforma Zait e EBAC.
CASA DE CULTURA DO PARQUE AMARÍLIO JR. MARIVALDO FERREIRA
PRODUÇÃO OPERACIONAL
REGINA PINHO DE ALMEIDA
DIREÇÃO EXECUTIVA MAYRA OI SATO JOÃO AUGUSTO GUEDES
COORDENAÇÃO EDUCATIVA COMUNICAÇÃO
CLAUDIO CRETTI
DIREÇÃO ARTÍSTICA ESTEFANI RODRIGUES FERNANDO PEREIRA
EDUCATIVO COMUNICAÇÃO
NATALIA KONDO
COORDENAÇÃO EXECUTIVA DESIREE HELISSA MERCURIO.STUDIO
EDUCATIVO DESIGN GRÁFICO
LAÍS FERREIRA
ADMINISTRATIVO LUCAS LAGO SILVIA POPPE
EDUCATIVO EVENTOS
GABRIEL CAMPOS
PROGRAMAÇÃO DARIANE LIMA
EDUCATIVO

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