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LM: No outro dia, em uma conversa com a Cinthia Marcelle, TA: Em algum dos nossos horizontes o que estamos
ela me falou que “quem apropria é branco”. Lembro também perseguindo é a possibilidade de "errar e tentar" evitando
de um comentário seu sobre o Marepe, de que o uso dos a condenação dos discursos a priori dados às nossas
objetos na prática dele não se tratava exatamente de formas de vida. Sabemos também que toda prática
“apropriação”. Fico feliz em você trazer esses nomes. carrega um conjunto de discursos sejam eles sociais,
Poderíamos fazer uma lista imensa de corpos que nos históricos, materiais… Como defender uma prática "não
habitam e vozes que nos falam. And ghosts are always discursiva" em relação a esses textos de antemão?
travelling. Na arte também me interessa essa possibilidade,
virtual que seja, de conversar com os mortos e tenho LM: Sinto que na arte contemporânea temos essa
pensado em ‘correspondência como método’ como uma necessidade hiper discursiva, que se reflete mesmo nas
forma de definir meu modo de operar nas minhas diferentes formas de circulação das obras, sempre atravessadas por
atuações. Acho que nossa experiência no mundo em que statements. Eu escrevo sobre arte e sou o maior defensor
vivemos é o material do nosso trabalho, então a comida que de interpretações rigorosas sobre os trabalhos e acho que
como, as pessoas que amo, as roupas que uso ou a tinta há uma série de complexidades novas no nosso contexto,
que compro têm que ser pensados em suas interações, desde a globalização, até a internet e um modo de
afinal, os materiais (físicos, culturais ou psíquicos) não circulação muito controlado por interesses privados e
somem, apenas deslocam-se e tudo isso informa nossa financeirizados. O não discursivo também diz coisas. Mas
imaginação enquanto trabalhadores da cultura. Mas, em talvez coisas não programadas, não determinadas, que
termos de processo, para mim há um momento em que não sabemos de antemão e que talvez só vamos entender
olho para as coisas e vejo associações com outras coisas, a posteriori. Nós dois fazemos análise e uma das
daí nascem os trabalhos. Em geral é primeiras coisas que aprendemos nesse processo é que
há uma grande parte de nós que simplesmente não conecte com o que você pergunta. Mas há uma questão
conhecemos. E aí a grande questão: para além das imagens prática de viabilização de projetos, textos, exposições etc.
que supostamente representam minha experiência no Embora o sistema da arte movimente muito dinheiro, não
mundo - o que se agrava no caso de grupos historicamente raro os artistas são onerados. Então além da possibilidade
oprimidos -, minha sensibilidade, como bicha, preto, de compartilhar o não discursivo de uma pintura de
trabalhador da cultura, dono de casa, etc etc etc, não atina florzinhas ou de uma camiseta pendurada, também me
com os discursos prontos sobre quem eu sou. Como interessa esse espaço na minha vida diária, para não
elaborar isso e criar algum lugar comum para podermos sucumbir a uma vida profissional de puras demandas e
conversar? Só vamos saber se continuarmos tentando. talvez tentar manter a arte como um lugar de
Talvez por isso eu não consigo me fixar em uma única singularidade e exceção.
linguagem ou mesmo prática. Ultimamente tenho escrito
poesia. Amo música. Sou um grande interessado pela TA: Talvez o que esse debate, que extrapola os limites da
linguagem, por isso arte. Mas os meus momentos favoritos estética, nos diga, é sobre a urgência de imaginação de
nesse universo são quando a própria linguagem mostra outros parâmetros de análise e relação com o próprio
seus limites, ainda que tente comunicar coisas. Se objeto/ação estética. Poderíamos pensar numa ética da
pensarmos nas relações entre as imagens nos tecidos, por sensação como uma ferramenta possível? Como algo
exemplo, ao mesmo tempo que evocam narrativas, que rompe com a dimensão do "hiper visível" para fazer
discursos, são completamente não narrativas, arbitrárias, irradiar uma outra possibilidade?
então existe uma tensão. Eu sempre pensei que mais do
que criar um estilo, me interessava produzir um conjunto LM: A primeira imagem que me ocorreu foi a dos micélios
diverso de trabalhos (pinturas, objetos, textos, etc) e da dos fungos. Para que o cogumelo brote, há uma rede
relação entre eles, talvez surgir algum sentido. E, do imensa de filamentos sob a terra, fazendo o trabalho de
conjunto de pequenas narrativas, apontar para o silêncio transporte de nutrientes e de comunicação entre as partes.
subjacente a elas. Te contei que, no outro dia, estava Também tenho pensado muito nos polvos, porque me
lavando louça e ouvindo uma palestra do Fred Moten sinto um pouco assim. A ideia mais óbvia é de lidar com
quando ele disse “Music is my mother language”. Talvez se vários braços no mundo, mas há outras camadas.
Polvos se camuflam em forma, cor e movimento,
emulando outros animais, pedras ou algas. Cada tentáculo
pode agir autonomamente, então o corpo não é definido por
um eixo centralizado orientado pela visão frontal. Eles
podem ter veneno, podem mover-se rápida ou lentamente e
há um caso curioso de polvos que saem de uma poça d’
água, andam sobre a areia, para chegar em outra em busca
de alimento. Também poderíamos pensar no trabalho das
formigas e suas arquiteturas subterrâneas sempre mais
fortes do que a parte que vemos na superfície. Sentir de
outros modos implica pensar de outros modos. Sem dúvida
a hiper visibilidade tem consequências trágicas na vida:
ansiedade nas redes sociais, instrumentalização das
relações, fear of missing out e a crença de que as imagens
e os discursos valem por seu valor de face. Tudo isso
oblitera o trabalho silencioso e invisível que estrutura os
dias. Tenho me interessado pelo exercício da presença, que
é uma expressão que ganhei de uma amiga e me marcou
profundamente. Isso implica que estar aqui é escolher
perder todo o resto e entender que há sempre algo que não
capturo, que há sempre algo inconcluso e oculto, mas,
especialmente, que as coisas têm outros lados.
Setembro de 2022
Leandro Muniz (São Paulo, 1993) atua como artista e curador.
Mestrando no departamento de teoria e crítica de arte da ECA-USP e
graduado em artes visuais pela mesma instituição, é assistente
curatorial no MASP. Foi repórter na revista seLecT entre 2019 e 2021 e
fez parte do grupo de estudos Depois do Fim da Arte, coordenado por
Dora Longo Bahia. Já expôs em espaços e projetos como o Museu de
Arte do Rio, Galeria Aura, DAP Londrina, Espaço das Artes USP, Sesc,
Fábrica Bhering, Casa Alagada, Ateliê397, entre outros. Em 2022,
apresenta a individual 'Domingo', na Casa de Cultura do Parque, em São
Paulo. Foi curador das mostras 'Pulso' (Bica plataforma, 2021),
'Torrente' (Galeria Karla Osório, 2020), 'Esquadros' (Partilha, 2020),
'migalhas' (Galeria O Quarto, 2019), 'Lampejo' (Galeria Virgilio, 2019),
'Disfarce' (Oficina Cultural Oswald de Andrade, 2017), entre outras. Seus
textos podem ser encontrados em publicações e portais como Arte que
acontece, Relieve Contemporáneo, Terremoto e Revista Rosa, além de
catálogos e exposições. Ministra regularmente cursos e conferências
em espaços como MASP, Pinacoteca, Plataforma Zait e EBAC.
CASA DE CULTURA DO PARQUE AMARÍLIO JR. MARIVALDO FERREIRA
PRODUÇÃO OPERACIONAL
REGINA PINHO DE ALMEIDA
DIREÇÃO EXECUTIVA MAYRA OI SATO JOÃO AUGUSTO GUEDES
COORDENAÇÃO EDUCATIVA COMUNICAÇÃO
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DIREÇÃO ARTÍSTICA ESTEFANI RODRIGUES FERNANDO PEREIRA
EDUCATIVO COMUNICAÇÃO
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PROGRAMAÇÃO DARIANE LIMA
EDUCATIVO