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PARECER E REVISÃO POR PARES


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo - SP)

P436m Pereira, Julio Neves; Cruz, João Flávio Furtado (orgs.).


Multimodalidade e Sentidos: análise sociossemiótica e discursiva /
Organizadores: Julio Neves Pereira e João Flávio Furtado Cruz.
1. ed. – Campinas, SP : Pontes Editores, 2023; figs.; quadros; fotografias.
E-book: 7 Mb; PDF.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5637-741-4.

1. Análise do Discurso. 2. Linguística. I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.

https://doi.org/10.29327/5238051

Índices para catálogo sistemático:

1. Análise do discurso. 401.41


2. Linguística. 410
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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...........................................................................................................7
Julio Neves Pereira

CAPÍTULO 1 - O “TOURO DE OURO” DA B3: UMA ANÁLISE MULTIMODAL .......11


Daiane Amancio Mendes
Jaqueline Santos de Souza
Mônica Veloso Borges

CAPÍTULO 2 - ANÁLISE DE CHARGE À LUZ DA SEMIÓTICA SOCIAL E DA


ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA.............................................................................27
Alexandra Soares dos Santos
João Flávio Furtado Cruz

CAPÍTULO 3 - VÍDEO CAMPANHA “SAMSUNG 15 ANOS DE LIDERANÇA


GLOBAL”: UMA ANÁLISE A PARTIR DA GRAMÁTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL
E GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL............................................................................43
Aline Greice Vilela Costa
Laiz Munire Sales Costa

CAPÍTULO 4 - ANÁLISE SOCIOSSEMIÓTICA DA IMAGEM PRESENTE NA


REPORTAGEM DO PRÊMIO ECOA NO SITE UOL...................................................68
Leila Patrícia Bispo dos Santos França
Priscilla Barbosa de Oliveira Melo

CAPÍTULO 5 - ANÁLISE MULTIMODAL DA REPRESENTAÇÃO IMAGÉTICA


DA BRANQUITUDE EM NOTÍCIAS-CRIME..............................................................82
Willyane Mara Costa de Paula
CAPÍTULO 6 - UMA ANÁLISE MULTIMODAL SOBRE OS LIMITES DO
MERCHAN......................................................................................................................108
Marcela Souza Santos
Naiara Santos Felipe Costa
Vanessa Regina Alves dos Santos

CAPÍTULO 7 - LENDO O DESASTRE NA BAHIA: METAFUNÇÃO TEXTUAL


NUMA CHARGE PUBLICADA NO PORTAL A TARDE...........................................121
David Pérez Retana

CAPÍTULO 8 - INVISIBILIDADES DO CORPO PRETO FEMININO UMA


QUESTÃO DE DISCURSO.............................................................................................131
Julio Neves Pereira

SOBRE OS ORGANIZADORES/AUTORES.................................................................156

SOBRE OS AUTORES E AS AUTORAS.......................................................................157


multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

APRESENTAÇÃO

A s pessoas significam as coisas do mundo exterior e interior por


meio dos recursos sociossemióticos que estão à nossa disposição.
Temos diante de nós os sistemas de escolhas semântico-funcionais que
nos permitem – nós atores sociocomunicativos – apresentar nossos
significados vivenciais (experiências do mundo social e/ou do psicoló-
gico). Quando representamos um evento, somos constrangidos (o que se
pode dizer) tanto pelas estruturas sociais de poder quanto pelas condi-
ções estruturais (como poder dizer) dos recursos semióticos disponíveis
na sociedade. Dito de outro modo, levando em conta nossa sociedade,
representamos as coisas do mundo guiados por padrões capitalistas,
racistas e sexistas, reproduzindo-os (discursos), conscientemente ou
não, em nossas ações (uso dos gêneros discursivos) e nos identificando
(estilo) a tais padrões. Mas somos capazes de reflexividade, portanto
capazes de modificar estruturas.
Assim, quando apresentamos (representação) o mundo (real ou
imaginado) ao outro, estamos agindo discursivamente sobre esse outro
nas diversas práticas sociais. Nessa interação, os interlocutores (autor/
destinatário) assumem papéis temáticos (aquele que declara; aquele que
oferta; que pergunta; que dá comandos etc.) e processam avaliação dos
conteúdos experienciais apresentados/descritos. Isso porque nos engaja-
mentos comunicativos, o falante se posiciona em relação aos conteúdos
que profere ou em relação a seus ouvintes. Essas ações são organizadas
por meio de sistemas de interação e de avaliação característicos das se-
mióticas envolvidas no processo. Esses engajamentos sempre se dão a

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

partir da luta hegemônica em que há sempre investimentos ideológicos


no sentido de que grupos de poder lutam para se conservar nele.
É no texto (evento) que esta luta está materializada (e o autor social
engajado) ao olharmos as estratégias de representação e de comunicação.
Pelo texto, temos acesso aos mecanismos de manipulação e de preser-
vação do poder hegemônico.
Quando pensamos nos recursos semióticos que os agentes usam para
representar e comunicar, o uso deles em combinatória (multimodalidade),
sobretudo, no que diz respeito ao uso de imagens na construção de sentido,
tem sido muito recorrente em nossa sociedade. Não se pode pensar em ana-
lisar um texto voltando-se apenas para sua semiótica verbal, tanto no eixo
da representação quanto no da comunicação, essas semióticas se combinam
e materializam ideologias, crenças, dão corpo a discursos preconceituosos,
sociais, sexistas, racistas, e tantos outras formas de dominação, que passam
despercebidas muitas vezes, porque estão naturalizadas.
E é disso que este livro trata em seus capítulos. As análises foram
frutos de discussões nas aulas de Linguagem e Multimodalidade ministra-
das no Programa de Pós-graduação Língua e Cultura (PPGLINC) a partir
das teorias da Gramática do visual, semiótica social e de pressupostos da
Análise do Discurso Crítica. As autoras e autores presentes neste livro,
pensando a linguagem como prática social e a imagem como um recurso
multimodal em si e em função de outras semióticas - sobretudo a palavra
-, buscaram problematizar as estratégias sociossemióticas e discursivas
empregadas pelos produtores do texto para agirem no mundo por meio
de seus texto-discurso.
Nesse sentido, no capítulo 1, as autoras analisam duas imagens,
observando como sua constituição multimodal abre possibilidades para
uma discussão do discurso que está projetado nessas materialidades em
combinação, a partir das categorias sociossemióticas (metafunções) re-
presentacional, interacional e textual (ou composicional). Os textos são
parte de uma matéria jornalística, Brasil de Fato.

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

No capítulo 2, por sua vez, os autores, também à luz da Semiótica


Social e da Análise de Discurso Crítica, buscam compreender e interpretar
o modo como os recursos sociossemióticos foram utilizados na composi-
ção do texto multimodal charge, observando seu percurso na construção
dos significados representacionais e seu potencial de significação. Este
estudo aponta para a compreensão de que as charges são representações
da realidade socialmente construída, cujo discursos contribuem para a luta
contra práticas negacionistas e opressoras, através de uma reflexão crítica.
Em continuidade, o capítulo 3 traz como objeto de análise um vídeo
comercial da marca Samsung. Aqui as autoras buscam ultrapassar a mera
análise retórica do texto, mostrando a importância da sua organização
sociossemiótica e discursiva, visto que na organização textual encontram
discursivizada a luta pelo poder hegemônico, sobretudo por se tratar de um
texto publicitário que, ao vender um objeto (comodificação), ao mesmo
tempo, trabalha para construir perfil de consumidores que alimentam a
sociedade capitalista e consumista.
Já no capítulo 4, é analisado um texto multimodal jornalístico.
Nele, as pesquisadoras verificam como mulheres foram representadas
textual e discursivamente a partir das escolhas realizadas pelo produtor
do texto e de sua textualização dos recursos sociossemióticos. As autoras,
em suas reflexões, lembram a importância de os leitores (não analistas)
terem instrumentos de análise que lhe permitam dialogar com os textos
que circulam em suas vidas, sobretudo, os carregam os sentidos por meio
de textos multimodais, para desenvolverem um olhar crítico acerca dos
discursos em que “várias vozes” estão em embate pela/na linguagem,
portanto, na sociedade.
No capítulo 5, se propõe a discutir a contextualização e recontex-
tualização das representações imagéticas dos agentes de etnia branca,
na composição dos relatos jornalísticos criminais. Este trabalho está
organizado em seções discursivas que abordarão os conceitos da semi-
ótica social, em que realizamos um estudo de corpus sobre a ideologia

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

do significado representacional das imagens escolhidas para ilustrarem


4 notícias-crime sobre delitos cometidos por sujeitos brancos, baseando-
-nos na abordagem multimodal para entendermos a estrutura narrativa
destes textos de alta circulação e veiculação social.
No capítulo 6, segue-se o mesmo fio analítico. Neste capítulo, o ob-
jetivo é a análise da imagem que compõem uma manchete do site Pensar
Piauí, em que se analisa como uma influencer está discursivizada pelo
veículo, observando seus efeitos de sentido. A análise das metafunções
Representacional, Interacional e Composicional, mostram que os recursos
utilizados constroem um percurso contra-hegemônico, ao denunciar a
violência simbólica presente na sociedade como consequência de ações
do “mercado” e da mídia.
No capítulo 7, aqui a análise se dá em torno também de uma charge
publicada no Portal A Tarde. O autor justifica sua escolha dizendo que
o texto “[...] responde à relevância do seu componente visual no evento
comunicativo e à importância que tem como forma de crítica social so-
bre o cotidiano”. Sua análise se centra no nível composicional do texto
para evidenciar a construção do significado de uma imagem dentro de
um evento comunicativo. Para o autor, é nesse texto aparentemente
despretensioso e simples, funciona como uma estratégia de denúncia de
descasos em torno da natureza e do povo.
No capítulo 8, o objetivo deste capítulo é tratar da construção so-
ciossemiótica e discursiva da mulher preta brasileira em uma plataforma
de conteúdo feminino, verificando como os agentes sociais que detém o
poder de acesso e de controle estão representando o corpo feminino preto
em conteúdos que não tratam de questões ligadas a questões étnico-raciais.
As questões que estão presentes nesses capítulos nos faz pensar na
necessidade de instrumentais teóricos e metodológicos na construção de
uma vida cidadã. Boa leitura.

Julio Neves Pereira

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

https://doi.org/10.29327/5238051.1-1

Capítulo 1

O “TOURO DE OURO” DA B3:


UMA ANÁLISE MULTIMODAL

Daiane Amancio Mendes


Jaqueline Santos de Souza
Mônica Veloso Borges

INTRODUÇÃO

A crise sanitária em escala mundial ocasionada pela pandemia do co-


ronavírus vem atuando há aproximadamente dois anos, como uma
lente que ampliou o fosso que separa as pessoas ricas das extremamente
pobres, em todo o mundo. No Brasil, em que as desigualdades sociais,
raciais e de classe não só dividem, mas segregam e matam, as razões
perpassam pelas mais diversas violências.
Essas violências encontram como alvo os gêneros, as sexualidades,
a geografia do lugar onde residem as pessoas, a escolaridade, o estrato
social, e, principalmente, a cor da pele. E, para nos conduzir a com-
preensão sobre as ideologias que perpassam as diversas língua(gens),
encontramos suporte nos estudos da Análise Crítica do Discurso (ACD),
bem como na Gramática do Design Visual (GDV) para fundamentar as
discussões tecidas neste estudo.

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Resende e Ramalho (2006), a partir de Fairclough (2003), apontam


que a ADC se origina da base teórica social do discurso e está pautada
na linguagem como parte indivisível da vida em sociedade. Isto posto,
salientamos que a língua como prática social reflete e refrata a noção
do sujeito, tendo em vista que, por meio das linguagens, as ideologias,
as identidades e as relações de poder são firmadas, estabelecidas e es-
pelhadas.
As autoras também destacam que a ADC é uma área que transita
por diversos campos de estudos da linguagem e que atua de modo inter
e transdisciplinar, tendo em vista que os textos-alvos de análise são
percebidos como: “[...] produções sociais historicamente situadas que
dizem muito a respeito de nossas crenças, práticas, ideologias, atividades,
relações interpessoais e identidades” (RESENDE; RAMALHO, 2006,
p. 10). Diante disso, salientamos que o olhar das analistas de discursos e
dos textos multimodais deve estar atento aos contextos sócio-históricos,
às culturas envolvidas nas práticas discursivas e aos participantes, ao
transcender a leitura do texto.
Poster (1996) apud Vieira e Silvestre (2015, p. 16) adiciona que
“[...] os meios e as formas de comunicação determinam as relações de
poder e de dominação nas sociedades contemporâneas”. Dessa maneira,
a representação dos significados, inerente ao discurso, para ser com-
preendida, supõe essa imersão nas culturas em que estão imbricadas. A
língua enquanto prática social representa a multiplicidade discursiva que
condiciona as mudanças sociais,

desempenhando o papel de agente duplo de mudança,


porque, ao mesmo tempo em que é mudado pelo social,
também age como agente modificador desse mesmo social
e, além disso, o discurso está simultaneamente sujeito às
influências das múltiplas semioses, presentes nos demais
discursos multimodais que nos circundam (VIEIRA; SIL-
VESTRE, 2015, p. 21).

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

As autoras, a partir dos estudos em Fairclough (1992, 2003a, 2003b),


sublinham o discurso como espelho dessas práticas, subjacentes às alte-
rações que possam ocorrer na sociedade de modo ininterrupto.
Dito isto, este artigo tem como objeto analisar duas imagens refe-
rentes a um movimento realizado pela organização não-governamental
“SP Invisível”, que gerou um artigo no site de notícias “Brasil de Fato”.
As análises foram realizadas sob a ótica da Gramática do Design Visual
(KRESS; VAN LEEWEN, 2006) e da Gramática Sistêmico Funcional
(HALLIDAY, 1985). Portanto, iremos abordar duas metafunções, a re-
presentacional e a interativa, a fim de analisar as fotografias do evento.

QUADRO TEÓRICO

Para orientar as análises apresentadas nesse estudo, é importante


trazer à baila o foco da semiótica social, que é a semiose humana, uma
vez que a compreende como um fenômeno inerentemente social em
suas origens, funções, contextos e efeitos. Para a semiótica social, os
significados são construídos por meio de uma série de formas, textos e
práticas semióticas de todos os períodos da história da sociedade huma-
na (HODGE; KRESS, 1988). Dessa maneira, observa-se que o foco da
linguagem na semiótica social está centrado nas suas funções sociais.
Sendo assim, para referendar a presente análise a partir da semiótica
social, é fundamental observar as abordagens científicas interdisciplina-
res que perpassam um texto, para estudos críticos da linguagem como
prática social, inclusive considerando seu caráter multimodal. Desse
modo, ao analisar os textos, a linguagem, para além de outras áreas que
servem como base para discutir os problemas que se apresentam, revela-se
um recurso capaz de ser usado tanto para estabelecer e sustentar relações
de dominação quanto contestar e superar tais problemas, como se pretende
fazer analisando os recortes de textos aqui apresentados (RAMALHO;
RESENDE, 2011).

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

No que tange às funções sociais da linguagem que se apresentarão


nos textos analisados, considera-se o caráter multifuncional da linguagem
(HALLIDAY, 1978), em que todo texto se destaca simultaneamente sob
três tipos: a metafunção ideacional, interpessoal e textual. Sendo assim, é
fundamental considerar a função social da linguagem para compreender
como se estrutura o processo de linguagem, pois nada que se apresenta
no texto é por acaso, há vários modos semióticos que se apresentam para
além da escrita ou da imagem analisada, que, de maneira isolada, sem
um olhar crítico, pode não ser percebido, mas está ali.
Acerca da Gramática do Design Visual presente nos textos, consi-
dera-se que:

as características gramaticais sintáticas das imagens combina-


das com as do verbal são consideradas seleções significativas
dentro do conjunto de possibilidades disponíveis nos sistemas
gramaticais. Além disso, essas relações gramaticais funcionam
ideologicamente, pois as representações contidas em tais
seleções gramaticais são significativas e contribuem para a
reprodução de relações de dominação, que a ACD objetiva
denunciar (SILVEIRA, 2021, p. 2).

Nesse sentido, busca-se responder às questões relacionadas aos


vínculos entre os elementos trazidos nas imagens, bem como a maneira
como interagem, quais as escolhas vocabulares utilizadas no texto, ao
tipo de atividade em curso ou à experiência representada acerca da rea-
lidade posta na matéria. Além dessas questões, busca-se observar como
o texto verbal equivale, complementa ou contradiz o que é captado pelos
sentidos, articulando as imagens, buscando uma relação entre língua e
imagem lida.
Para essa análise, no que tange à GDV, busca-se considerar suas
três metafunções: a representacional (construção visual da natureza
dos eventos e sistema de transitividade), a interativa (relação entre os
participantes envolvendo o que se vê e o que é visto) e a composicional

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

(distribuição do valor da informação) (SILVEIRA; CUNHA, 2021).


No que tange às funções sociais da linguagem que se apresentam nos
textos analisados, observando o caráter multifuncional da linguagem
(HALLIDAY, 1978), o texto apresenta-se simultaneamente sob três
tipos: a metafunção ideacional, interpessoal e textual.

CONTEXTO DE PRODUÇÃO

O texto escolhido pertence ao site de notícias Brasil de Fato e foi


publicado no dia 18 de novembro de 2021. Criado por movimentos po-
pulares e destinado ao público em geral, o site tem como objetivo debater
ideias e analisar fatos sob a premissa de dialogar sobre a necessidade de
mudanças sociais no país. Portanto, o texto a ser analisado tem a autoria
destinada à redação do site e foi intitulado Churrasco reúne pessoas em
situação de rua em frente ao “Touro de Ouro” da bolsa de SP.
O excerto selecionado para análise corresponde a uma ação desen-
volvida em frente ao “Touro de Ouro” da B3 (Bolsa de Valores oficial do
Brasil), em São Paulo, uma releitura do Touro de Wall Street, escultura
de bronze situada em frente à Bolsa de Valores da Cidade de Nova York,
para representar, em posição de ataque, um mercado financeiro pujante.
Tal ação foi um protesto realizado pela organização não-gover-
namental “SP Invisível”, que realiza um trabalho social em defesa da
população em situação de rua. Tal protesto se deu devido a uma escultura
imponente intitulada “Touro de Ouro”, de quase uma tonelada e de 5
metros de altura, colocada na Rua Quinze de Novembro, localizada no
centro de São Paulo. O touro paulista trata-se de uma réplica de uma es-
cultura existente no coração financeiro de Nova York e que possui uma
grande representatividade aos investidores financeiros internacionais.
Diante disso, a sua existência significa uma metáfora relativa à subida das
ações financeiras, posto que assim como o touro chifra seus oponentes
de baixo para cima, as ações sobem da mesma forma.

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Contudo, a escultura teve uma grande repercussão na sociedade,


não só pelos movimentos sociais de São Paulo, como também nas redes
sociais, por ser entendida como uma transposição de subserviência cul-
tural de péssimo gosto em meio a uma realidade brasileira de aumento
de preços, desemprego, fome e, consequentemente, da desigualdade
social. O touro, que é visto pelo mercado financeiro como um símbolo
de otimismo e prosperidade, fez com que o movimento “SP Invisível”
realizasse um protesto em frente à sede da B3. O protesto consistiu em
oferecer um churrasco para representar a alta dos preços que contribuiu
para que diversas famílias buscassem alimentação em caçambas de des-
carte de ossos. Assim, o movimento social teve a intenção de criar um
contraponto oferecendo churrasco ao povo em situação de rua.
A relevância de apresentar uma análise das imagens deste evento do
“SP Invisível” deveu-se a grande repercussão e indignação realizada nas
redes sociais, que apresentou inúmeras críticas à instalação do “Touro
de Ouro”, que mais parece representar um deboche e um descaso dos
empresários em meio à fome e à miséria que tomaram conta do Brasil.

ANÁLISE MULTIMODAL

A análise que será desenvolvida levará em conta os aspectos
concernentes à Análise do Discurso Crítica bem como à Gramática
do Design Visual. Do texto selecionado, destacamos duas imagens
que as constituem para discutirmos algumas questões, de acordo com
as teorias de base.
Nesse momento, trataremos especificamente da análise socios-
semiótica das imagens na perspectiva da Gramática do Design Visual
de Kress e Van Leeween (2000) tratando das três categorias ou me-
tafunções.
A metafunção representacional é responsável pelas estruturas
que constroem a origem dos eventos, os objetivos, os participantes

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

do processo e todo o contexto que envolvem visualmente as imagens


(KRESS; VAN LEEUWEN, 2000 apud NOVELLINO, 2007). Esta
metafunção está relacionada à função ideacional da linguagem da te-
oria de Halliday (1994), que apresenta a finalidade e os propósitos da
comunicação através das experiências do mundo exterior e interior. A
escolha do uso desta metafunção está na possibilidade de uma descrição
minuciosa ao tentarmos responder “quem faz o que para quem em que
circunstâncias” (BUTT et al., apud NOVELLINO, 2007).
Já a metafunção interativa está relacionada à função interpessoal
(HALLIDAY, 1994, 2004 apud NOVELLINO, 2007), que expressa
a troca realizada entre os falantes, ou seja, as interações sociais. A
importância do uso dessa metafunção está em perceber como a relação
entre o produtor e o observador se estabelece através da imagem. A
metafunção composicional, que equivale à função textual de Halliday
(1994, 2004 apud NOVELLINO, 2007), é responsável pelo significado
e pela integração entre os elementos representacionais e interacionais.
Situamos, nesse capítulo, nossa análise nas duas primeiras categorias
sociossemióticas estabelecidas por Kress e Van Leeuwen (2002): Re-
presentacional e Interativa.
As imagens analisadas (figura 1 e figura 2) mostram, discursiva-
mente, como vem ocorrendo as relações sociais no Brasil, relações de
contraste, em que um grupo da população em situação de rua, come um
churrasco oferecido pela organização não-governamental “SP Invisível”
em frente à escultura “Touro de Ouro”. É perceptível pela construção
discursiva verificar como a relação de poder está estabelecida como
fruto direto do capitalismo que cria suas contradições. Nas imagens, o
sofrimento de quem já vem passando por privações há muito tempo está
representado nos gestos, nos olhares, pois sabemos que esta população
foi a que mais sofreu com o descaso do governo durante a pandemia.
Trata-se, neste caso, de uma situação que vem aumentando não só com
o agravamento da pandemia, como também com a violência imposta a
homens, mulheres e crianças negras, grupo ao qual uma série de direitos

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

tem sido negado. Assim, a existência de uma escultura como esta do


“Touro de Ouro”, em pleno solo brasileiro, se torna uma afronta e um
descaso com uma população de pessoas carentes que não têm emprego,
casa, comida e suas necessidades básicas atendidas. E isso pode ser
bem observado nas estratégias utilizadas na representação do evento e
na interação entre texto e leitor. Essa relação de expropriação está bem
discursivizada nas imagens que analisamos a seguir ao olhar como se dá
a representação e a interação.

Análise da primeira imagem

Figura 1 – “Homem negro comendo churrasco”

Fonte: BRASIL DE FATO, 2021.


Do ponto de vista da categoria representacional, nesta imagem,
assim construída, temos três participantes representados imageticamente:
um homem se alimentando enquanto olha algo ou alguém; uma escultura
de um animal pintado da cor ouro e um prédio amarelo de frente arre-
dondada. Esses três participantes estabelecem um processo simbólico.

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Vejamos que o alimento consumido é um “espetinho de churrasco”


que, juntamente com as vestes e fenótipos do homem, caracteriza sim-
bolicamente sua posição social: pobre, preto, sem teto. O participante,
escultura de touro, em cor dourada, parece estar em posição de ataque.
A simbologia tanto do tipo de animal (touro) como de sua cor (ouro)
trazem representações conceituais que o caracterizam metaforicamente
como símbolo de poder em contraste com o primeiro participante. O
mesmo pode-se dizer do prédio que parece ficar em uma esquina, que
denota que o evento se passa em um lugar central e não periférico, e ao
mesmo tempo significa antiguidade, conservadorismo, tradicional pelo
seu próprio designer. Essa configuração imagética tem a carga simbó-
lica das relações sociais, econômicas e raciais existentes no Brasil e que
aparecem bem representadas nesta imagem.
Narrativamente, podemos dizer que o participante representado,
“Homem negro comendo churrasco”, está em um processo reacional
não transacional, uma vez que funciona como autor da meta, a qual se
encontra fora da imagem: não se sabe com certeza para quem o olhar
realmente se dirige. Assim, o participante se encontra em um processo
reacional não transacional. O segundo também está em um processo re-
acional não transacional, visto que a forma como se apresenta ao leitor
sugere que está direcionando seu olhar (em forma de ataque em fúria,
indicado pela posição dos chifres e a própria configuração do corpo)
para algo ou alguém (meta) que não aparece na imagem. O terceiro está
em relação conceitual.
É interessante notar que as metas dos participantes representados
- homem e touro - estão postas em direções diametralmente opostas,
levando em conta que a meta do participante “touro” está oculta mas
inserida no contexto da imagem, e o do participante “homem negro co-
mendo churrasco” está fora da imagem. Não só. A própria representação
social já evidencia o contraste. É isso que obriga a realização de análise
das intencionalidades que se estabelecem na interação texto/leitor.

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Ao analisar, dessa forma, a relação de interação entre autor do texto


e seu leitor, observa-se que as imagens levam os leitores a terem relações
diferentes com elas, porque há dois participantes representados: o “Touro
de ouro” e o Homem negro comendo churrasco”, que são também são
participante interacionais, porque estabelecem algum tipo de relação com
os leitores (também participantes interacionais).
Em relação ao participante interacional “Touro de ouro”, ele se en-
contra em uma relação de oferta com seu espectador(o leitor), visto que
não estabelece nenhum tipo de contato direto por meio do olhar. Na cena,
o leitor é levado a assumir o lugar de observador. De modo diferente, em
relação ao participante “Homem negro comendo churrasco”, o leitor é
posto em uma posição de responsividade, dado que o participante repre-
sentado em interação, olha diretamente para o leitor, como se exigisse
algo dele, isto é, há o olhar de demanda. O leitor, então, entre essas duas
formas de interagir com os participantes representados, é colocado em
uma cena de contrastes, à qual deverá responder criticamente.
A interação dada pelo distanciamento social se dá por meio de uma
relação de proximidade, devido ao uso do primeiro plano (enquadramento
do peito para cima) . O rosto e os ombros do participante “Homem negro
comendo churrasco” estão bem próximos aos olhos do leitor, e é possível
ver as linhas de sua expressão ao comer o churrasco. Como também se
pode observar bem de perto os contornos do corpo esculpido do touro,
detalhes de seus músculos e movimentos.
Do ponto de vista do ângulo, a visão é frontal, estabelecendo uma
interação de igualdade entre o participante representado e o observador.
É um ponto de vista subjetivo quando se observa os participantes repre-
sentados “Homem negro”, “Touro de ouro” e a imagem do edifício estão
em uma perspectiva dada pelo produtor do texto, alterando os objetos a
favor de uma intencionalidade: dar foco na relação de exploração entre
o homem e o touro. Note-se que o edifício e o touro se apresentam em
uma perspectiva como se estivessem pressionando o homem que come.

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Análise da segunda imagem

Figura 2 – Uma pessoa servindo os espetos

Fonte: BRASIL DE FATO, 2021.

Na Figura 2, temos quatro participantes representados: o que


serve o espeto de churrasco (chamaremos de P1A - que é o autor
da ação), que está usando um boné e uma camiseta cinzas, olhando
atentamente para a churrasqueira (contendo espetos crus e assados),
enquanto estende sua mão com um espeto em direção à participante
mulher (chamaremos de P2M - que é a meta da ação); que volta sua
mão em direção ao objeto oferecido. Ela está trajando um vestido flo-
rido. Um outro que está entre estes dois participantes (P3R), vestindo
camisa escura de manga comprida e usando uma máscara preta, em
uma posição como se estivesse alerta olhando para fora da imagem.
Logo atrás desse participante, encontra-se uma parte do “Touro de
ouro” (P4) sem mostrar sua cabeça.

21
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Nota-se que os participantes “Homem que serve o churrasco”


(P1A), “Senhora que pega o churrasco” (P2M) estão em um processo
acional. P1A é o ator que executa a ação de oferecer o churrasco a
uma senhora. A senhora que recebe o churrasco, representa o segundo
participante do processo, ou seja, para quem a ação é dirigida (meta).
Neste sentido, temos um processo representacional narrativo transacio-
nal. Contudo, temos também um processo reacional não transacional
acontecendo, quando P1A está dirigindo seu olhar para os espetos que
estão na churrasqueira, nota-se sua reação à observação do estágio da
carne (crua ou bem/mal assada). Observamos ainda uma reação não
transacional por meio dos olhos de P3R (Homem de preto). O partici-
pante está parado com o olhar não direcionado. Ele é um reator, posto
que a sua ação é de ver e os vetores saem de seus olhos direcionados
a algo ou alguém que não está determinado na fotografia.
Essa cena mostra que as ações de fazer e servir o churrasco acon-
tecem na frente do “Touro de ouro” que está com a parte de sua costela
virada para a churrasqueira. Isso tem implicações interacionais que requer
algo do destinatário do texto.
Os participantes interativos “Homem que serve o churrasco”,
“Senhora que pega o churrasco”, “Homem de preto” e “Touro de
ouro” não estão com seus olhares voltados para o leitor. Ou seja,
não estão em olhar de demanda mas de oferta. Aqui, o leitor é posto
em um lugar de observação, contemplação da cena em que ocorre
interação entre tais participantes. Mas essa observação é crítica no
sentido de que se espera que as relações estabelecidas entre o que os
participantes fazem e o que o touro significa no contexto da notícia
tenham indignação.
O enquadre ajuda nessa construção da “indignação” pois os
participantes estão em primeiro plano, portanto, apresentando uma
distância mais próxima do observador, que quase participa da cena.
Em relação ao ponto de vista e ao ângulo, vê-se que o produtor es-

22
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

tabelece uma relação mais subjetiva dando ao leitor uma perspectiva


pessoal que lhe favorece a reflexão, intensificado pelo ângulo frontal,
levando a uma percepção de maior igualdade entre os participantes
e o observador.

O TOURO DE OURO E O ESPETO DE CARNE - HEGEMONIA E


CONTRA-HEGEMONIA NAS IMAGENS

Conforme as leituras a partir dos estudos em Ribeiro (2017, p.


58), concebemos uma noção de discurso “[...] não como amontoado de
palavras ou concatenação de frases que pretendem um significado em
si, mas como um sistema que estrutura determinado imaginário social,
pois estaremos falando de poder e controle”.
Ao analisarmos discursos, linguagens e práticas, os contextos
subjacentes a esse tripé estão intrínsecos, logo, direcionar um olhar
crítico é apontar mais do que buscar respostas para problemáticas pré-
-existentes, mas reelaborar novos questionamentos que abalem concei-
tos que já estão sedimentados. A partir das imagens que analisamos,
quais mecanismos de controle são utilizados através dos elementos
que as compõem? Por que as língua(gens) respondem aos interesses
daqueles que estão ocupando espaços de poder? Que corpos são sempre
os alvos das nossas análises? De que maneiras podemos desestruturar
os sistemas de opressão?
Bonilla-Silva (2020) discute acerca de como os privilégios são
mantidos dentro de uma estrutura social e quais estratégias de controle
econômico e ideológico asseguram a manutenção do status quo dentro
de uma sociedade. Esses procedimentos visam à reprodução de um
domínio, em que o aspecto hegemônico prevalece para garantir uma
supremacia, validando ou reconhecendo determinadas identidades. É
considerar “[...] o fato de que as desigualdades são criadas pelo modo
como o poder articula essas identidades; são resultantes de uma estru-

23
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

tura de opressão que privilegia certos grupos em detrimento de outros”


(RIBEIRO, 2017, p. 33).
É preciso se dar conta do quanto a ideia que circunda o capitalismo
é nociva, no que tange a noção de globalização que beneficia nações
específicas em virtude do apagamento de povos outros. Essa perspectiva
se baseia num ideal de coletividade que pretende aniquilar os aspectos
diverso e plural. Ailton Krenak (2020) nos alerta que:

neste momento, estamos sendo desafiados por uma espécie de


erosão da vida. Os seres que são atravessados pela modernidade,
a ciência, a atualização constante de novas tecnologias, também
são consumidos por elas. Essa ideia me ocorre a cada passo que
damos em direção ao progresso tecnológico: que estamos devo-
rando alguma coisa por onde passamos (KRENAK, 2020, p. 95).

O “Touro de Ouro” em frente à B3 é uma das muitas violências


simbólicas que se materializaram em São Paulo. Essa é a representa-
ção do que a necropolítica faz com a população posta à margem. Ao
mesmo tempo em que invisibiliza os problemas socioeconômicos, ela
escancara a divisão de classes e raças que marcam o Brasil. Devorar no
sentido mais agressivo da palavra é de fato devastar com tudo e com
todos por onde se passa, de modo que nada mais pode ser semeado
ou reconstruído. A mensagem transmitida por esse signo extrapola
os limites da força animalesca de um touro e a força do crescimento
capital da bolsa de valores nacional, mas divulga para todo país que
tem gente sendo pisoteada pela fome, pelo desemprego e pelo descaso
do governo brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises nos mostram que as imagens fotográficas são uma cons-


trução da realidade, buscando de um lado representar criticamente um
dado lugar em que ocorre uma dada situação que envolve atores sociais

24
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

determinados pelas estruturas sociais e de raça. As imagens iconizaram


por meio das representações simbólicas, das ações e das interações como
a luta hegemônica do capital (“Touro de ouro”) em se manter no poder,
mas em contraste com suas consequências (as pessoas em situação de
rua). Portanto, temos nessas imagens um discurso contra-hegemônico,
que denuncia a violência simbólica a que somos expostos todos os dias
pelas ações do mercado que em sua força expandida pela mídia, quando
trata a questão como sendo a verdade verdadeira.

REFERÊNCIAS

BONILLA-SILVA, E. Racismo sem racistas: o racismo da cegueira de cor e a


persistência da desigualdade na América. Pref. Silvio Almeida; Trad. Margarida
Goldstajn. 1. ed. São Paulo: Perspectiva, 2020.
BRASIL DE FATO. Churrasco reúne pessoas em situação de rua em frente ao
“Touro de Ouro” da Bolsa de SP https://www.brasildefato.com.br/2021/11/18/
churrasco-reune-pessoas-pessoas-em-situacao-de-rua-em-frente-ao-touro-de-ouro-
da-bolsa-de-sp. Acesso em: 30 nov. 2021.
HALLIDAY, M. A. K. An Introduction to Functional Grammar. London: Edward
Arnold, 1985.
HALLIDAY, M. A. K. Language as social semiotic. London: Edward Arnold, 1978.
HODGE, R.; KRESS, G. Social Semiotics. London: Polity Press, 1988.
KRENAK, A. A vida não é útil. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Reading Images: The Grammar of Visual Design.
London; New York: Routledge, 2006.
NOVELLINO, M. O. Fotografias em livros didáticos do inglês como língua
estrangeira: análises de suas funções e significados. 2007. 230 fl. Dissertação (Mestrado
em Letras) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Disponível em: https://docero.com.br/doc/8x5nn00. Acesso: 12 jan. 2020.
RESENDE, V. de M.; RAMALHO, V. Análise do Discurso Crítica. São Paulo:
Contexto, 2006.
RIBEIRO, D. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017.
SILVEIRA, R. C. P. de. Apresentação. In: SILVEIRA, R. C. P. de.; CUNHA, A. H.
da. Gramática do Design Visual e Tiras: multimodalidades e produções de sentido.
Ponta Grossa - PR: Atena, 2021.

25
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

SILVEIRA, R. C. P. de.; CUNHA, A. H. da. Gramática do Design Visual e Tiras:


multimodalidades e produções de sentido. Ponta Grossa - PR: Atena, 2021.
VIEIRA, J.; SILVESTRE. C. Introdução à Multimodalidade: Contribuições da
Gramática Sistêmico-Funcional, Análise de Discurso Crítica, Semiótica Social.
Brasília: J. Antunes Vieira, 2015.

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

https://doi.org/10.29327/5238051.1-2

Capítulo 2

ANÁLISE DE CHARGE À LUZ DA SEMIÓTICA


SOCIAL E DA ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA

Alexandra Soares dos Santos


João Flávio Furtado Cruz

INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata de uma análise de charge, à luz da Semióti-


ca Social e da Análise de Discurso Crítica. Busca-se, por meio da
aplicabilidade de categorias analíticas sustentadas por tal aporte teórico-
-metodológico, compreender e interpretar os recursos semióticos (verbais
e não verbais) utilizados na composição da charge selecionada. Para tanto,
observa-se o percurso da construção dos significados representacionais
no texto e os potenciais de significação dos modos semióticos, dentro
da prática social em que estão inseridos.
Inicialmente, apresentamos uma breve abordagem da Semiótica
Social e da Gramática do Design Visual (GDV), com base em Kress e van
Leeuwen (2006). Tais autores se fundamentam na Linguística Sistêmico-
-Funcional (LSF) proposta por Halliday, para correlacionar as noções
teóricas das metafunções linguísticas. Discorremos também a respeito
da Análise de Discurso Crítica (ADC), apoiados em Fairclough (2001),
abordagem teórico-metodológica que estuda os modos pelos quais os

27
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

atores sociais utilizam-se de recursos semióticos, tanto para a manutenção


quanto para o desvelamento de formas de representar (discursos), agir
(gêneros) e ser (estilos) excludentes e opressoras.
Em seguida, mostraremos o contexto de produção do corpus, esta-
belecendo a noção de gênero adotada neste trabalho (FAIRCLOUGH,
2010; CUNHA; SILVEIRA, 2021), e situando-a no âmbito das novas
tecnologias de informação e comunicação. Ademais, explanamos sobre
o gênero multimodal charge - origem, características e intenção comu-
nicativa. E apresentamos a charge selecionada para análise, de autoria
do jornalista Zé Dassilva, bem como o contexto de produção.
Na sequência, damos início à análise multimodal da charge, na qual
se destaca a metafunção representacional, com os processos narrativo e
conceitual. Este estudo aponta para a compreensão de que as charges são
representações da realidade socialmente construída, cujas publicações
constituem realizações materiais dos discursos subjacentes. Estes, por sua
vez, contribuem para a luta contra práticas negacionistas e opressoras,
através de uma reflexão crítica.

QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO

A análise aqui proposta será fundamentada pelo aporte teórico-me-


todológico da Semiótica Social e da Gramática do Design Visual (GDV),
baseado nos estudos de Kress e van Leeuwen (2006), cuja premissa
propõe a (re)construção dos significados com centralidade na multimo-
dalidade, ou seja, não está restrita à questão grafocêntrica. Junto a isso,
teceremos acerca da Análise de Discurso Crítica - ADC, na perspectiva
de Norman Fairclough (2001), o qual versa a respeito do discurso como
um modo de ação dos sujeitos sobre o mundo e sobre os outros, a partir
da inter-relação entre práticas textuais, práticas discursivas e práticas
sociais, as quais possuem forte relação com o poder e as assimetrias por
ele geradas na sociedade. Vejamos a seguir alguns pontos relevantes das
teorias que sustentam a discussão aqui proposta.

28
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

A SEMIÓTICA SOCIAL

No desenvolvimento da teoria semiótica destacam-se três escolas,


que buscaram relacionar os estudos linguísticos aos modos não verbais da
comunicação. A primeira foi a Escola de Praga, que realizou seus traba-
lhos no campo da arte, a partir da linguística formalista, entre os anos de
1930 e 1940. A segunda foi a Escola de Paris, a qual estendeu as ideias
de Saussure para os estudos em moda e fotografia, cinema, música, entre
outros, nos anos 1960 e 1970. Já a terceira escola, denominada Semiótica
Social, data de 1980, e marca o início dos estudos em Semiótica Social
aplicada a textos multimodais. Esta passou a considerar na análise todos
os modos semióticos que acompanham a linguagem verbal, situando tal
abordagem na concepção de Halliday (1985 apud SANTOS; PIMENTA,
2014), ou seja, volta-se a atenção ao processo de significação como parte
da construção social.
Aqui nos interessa os pressupostos dessa terceira escola, a Se-
miótica Social. Para Hodge e Kress (1988, p. 261 apud SANTOS;
PIMENTA, 2014, p. 298), a semiótica é “o estudo da semiose, dos
processos e efeitos da produção, reprodução e circulação de signi-
ficados em todas as formas, usados por todos os tipos de agentes
da comunicação”. Por meio dessa abordagem é possível explorar e
mapear o significado, atentando às dinâmicas culturais e ideológicas
em que está imerso.
Na Semiótica Social, o ponto central reside na forma como as pes-
soas usam os recursos semióticos na produção, na articulação e na inter-
pretação de eventos comunicativos, nas mais diversas práticas sociais e
discursivas (VAN LEEUWEN, 2005 apud SANTOS; PIMENTA, 2014).
Tal aparato teórico-metodológico propõe novos paradigmas, dentre eles
as funções semióticas da linguagem segundo a Linguística Sistêmico-
-Funcional - ideacional, interpessoal e textual (SANTOS; PIMENTA,
2014). Além disso, torna importante a noção de escolha: o ator social
ao produzir um signo escolhe aquele que considera o mais apropriado

29
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

ao contexto comunicativo. Esse aspecto diferencia a Semiótica Social


da semiótica tradicional, e a aproxima das leituras dos processos ideo-
lógicos e de poder.

A GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL

A Gramática do Design Visual (GDV) surge como um aprofunda-


mento teórico das noções expressas pela vertente da Semiótica Social. Foi
motivada por uma necessidade de se desenvolver um método de análise,
o qual viabilize verificar como todos os recursos semióticos presentes em
um texto constroem, simultaneamente, significados sociais. O termo gra-
mática geralmente é associado à noção de um conjunto de regras a serem
cumpridas, acordadas socialmente. Diferente dessa concepção, a GDV
visa descrever a forma pela qual sujeitos, coisas e lugares combinam-
-se e formam uma totalidade constitutiva de sentido. Nesse contexto, as
normas são socialmente produzidas e passíveis de mudança através da
interação social (CARVALHO, 2010).
Kress e van Leeuwen (2006) buscam entender como determinados
discursos, sobretudo o midiático, são acionados para representar su-
jeitos na/pela linguagem. Ao proporem a análise de imagens por meio
da GDV, utilizaram-se dos aportes da Gramática Sistêmico-Funcional
(GSF) de Halliday. A intenção era mostrar a coerência existente entre
imagens e composição social, dadas de diferentes modos e constitutivas
da realidade semiótica.
Na GSF de Halliday, são identificadas três metafunções principais,
que se realizam simultaneamente nos mais diversos contextos comunica-
tivos. São elas a metafunção ideacional (referente ao tipo de atividade em
curso ou à experiência representada acerca da realidade, do mundo exte-
rior e interior); a interpessoal (pertinente ao tipo de relação estabelecida
entre os participantes, ou seja, às interações sociais); e a textual - alusiva
à estrutura da informação e à estrutura temática (CARVALHO, 2010).

30
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Fundamentados nas relações metafuncionais de uso da linguagem


segundo Halliday (CARVALHO, 2010), os linguistas Kress e van
Leeuwen (2006) utilizam uma organização igualmente metafuncional,
denominando-as representacional (equivalente à ideacional), interativa
(equivalente à interpessoal) e composicional (equivalente à textual).
Apresentaremos os aspectos avaliados na construção de significados
representacionais, por ser esta a metafunção considerada na seção de
análise do texto multimodal deste trabalho.
A função representacional (ou ideacional) tem como propósito
mostrar como o mundo é e pode ser representado. Kress e van Leeuwen
(2006) incluem os termos participantes representados (PR) - referentes
àqueles que são retratados no texto, podendo ser pessoas, lugares ou
coisas; e participantes interativos (PI) - concernente àqueles que se co-
municam por meio dos textos, quais sejam o produtor do texto e o leitor.
Essa metafunção apresenta-se em duas estruturas, são elas a narrativa e
a conceitual.
A estrutura narrativa mostra os participantes representados (PR)
executando ações e eventos que são percebidos visualmente pela presença
de vetores - um traço que indica direcionalidade, como um gesto ou um
olhar (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006). No processo de ação, o Ator
é o participante de onde parte o vetor ou, em alguns contextos, ele é o
próprio vetor. Em conformidade com o tipo de vetor e com o número
de participantes envolvidos no evento, é possível distinguir diferentes
tipos de processos: ação não-transacional; transacional unidirecional e
bidirecional; reacional não-transacional e transacional; mental; verbal;
e de conversão.
O processo transacional designa quando o participante representa-
do (PR) direciona o olhar para a alguém/alguma coisa que está presente
na imagem. O não-transacional indica que o PR direciona o olhar para
alguém/alguma coisa que está fora da imagem. O bidirecional é quando
há uma reciprocidade marcada na/pela direção do olhar, entre PR e PI.

31
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Importante citar que, quando aparecem balões que representam falas


ou pensamentos de personagens, essas representações indicam os pro-
cessos verbais e mentais, os quais conectam um participante animado
(Dizente, nos processos verbais; e Experienciador, nos processos men-
tais) a determinado conteúdo. O participante verbal dentro do balão de
diálogo denomina-se Enunciado (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006).
Outra forma de retratar visualmente é através da estrutura con-
ceitual, a qual mostra os participantes não executando ações, mas sim
dando destaque à sua essência. Dessa maneira, nas representações
conceituais não há presença de vetores. Em lugar disso, a estrutura se
caracteriza por definir, analisar ou classificar pessoas, lugares e coisas
(KRESS; VAN LEEUWEN, 2006), e é composta de diferentes tipos
de processos, os quais determinam a relação entre os participantes.
Trataremos agora das contribuições dos estudos críticos do discurso
para essa discussão.

A ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA

A Análise de Discurso Crítica (ADC) caracteriza-se por sua con-


tribuição para debates que envolvam questões sociais e de grupos mi-
noritários, referentes a poder e assimetrias por ele geradas na sociedade.
Trata-se de um estudo de textos e eventos em diversas práticas sociais,
o qual visa a descrever, interpretar e explicar a linguagem, consideran-
do o contexto sócio-histórico (MAGALHÃES, 2005). Tal abordagem
teórico-metodológica é marcada pela concepção da linguagem como
prática social, e se propõe investigar as transformações na vida social
contemporânea.
A esse respeito, são válidas as considerações de Norman Fairclough
(2001), precursor da ADC segundo a concebemos hoje, que considera o
discurso como um modo de ação dos sujeitos sobre o mundo e sobre os
outros, uma prática ideológica e política. De acordo com o autor, a prática
discursiva se constitui tanto de modo convencional quanto criativo, uma

32
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

vez que contribui para reproduzir a sociedade conforme ela se apresenta,


bem como para transformá-la.
Condizente com as abordagens da Semiótica Social e da Gramática
do Design Visual, a ADC focaliza nas investigações não somente de tex-
tos verbais. Preocupa-se, da mesma forma, com outras semioses (como
linguagem corporal e imagens visuais); com os processos e estruturas
sociais que levam à produção de um texto; e ainda, com os contextos
nos quais sujeitos ou grupos, enquanto atores sócio-históricos, criam
significados em suas interações com os textos (FAIRCLOUGH, 2001).
Ao considerar que o discurso é estruturado pela dominação; é
historicamente produzido e interpretado (ou seja, situado no tempo
e no espaço); e que as estruturas de dominação são legitimadas pe-
las ideologias dos grupos socialmente dominantes, a ADC viabiliza
analisar tanto as pressões nas relações desiguais de poder, quanto às
possibilidades de resistência a elas, que se mostram como convenções
sociais (FAIRCLOUGH, 2001). É conveniente aos grupos dominantes
estabilizar tais convenções, naturalizando as desigualdades sociais. A
resistência a esse processo, por parte do sujeito dominado, representa
um ato de criatividade.
Ramalho e Resende (2011) apontam que cada sujeito na vida coti-
diana, com suas singularidades e no contexto histórico, político e cultural
do qual faz parte, lança mão de discursos (representação de aspectos do
mundo), gêneros (ação e interação) e estilos específicos ([auto]identifica-
ção), em situações sociais igualmente específicas. Essa concepção remete,
por exemplo, a escolhas que fazemos de uma expressão em detrimento
de outras (pandemia do coronavírus X “gripezinha”).
Ressaltamos que “uma análise discursiva crítica não se confunde
com simples leitura e interpretação” (RAMALHO; RESENDE, 2011,
p. 113). Isso porque na análise são consideradas concepções associa-
das a categorias analíticas aplicadas de forma sistemática, que não são
selecionadas aleatoriamente, senão decorrentes do próprio texto e da

33
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

proposta do trabalho em questão. De acordo com as autoras citadas,


a ADC, baseada sobretudo na Linguística Sistêmico-Funcional, indica
um vasto arcabouço de categorias linguístico-discursivas para a análise
de texto. Tais categorias relacionam-se a discurso, gênero e estilo, por
meio de formas e significados textuais específicos. É considerando essa
noção que lançamos o olhar sobre a charge selecionada.

CONTEXTO DE PRODUÇÃO DO CORPUS

Considerando que concebemos o ator social como sujeito ativo,


comunicativo, envolto de símbolos multissemióticos, faz-se necessário
esclarecer a noção de gênero aqui adotada. Já foi dito que o modo de
vida social da contemporaneidade motiva outros modos de produção,
distribuição e consumo dos mais variados textos. Nessa perspectiva,
entendemos que os gêneros atuam também como modos de ação social
culturalmente expressa e interpretada pela sociedade. A forma como
os atores sociais operam em relação às práticas textuais e discursivas
implica nas escolhas relativas ao universo simbólico (CUNHA; SIL-
VEIRA, 2021).
Os gêneros dizem respeito a diferentes modos de agir, de produzir
a atividade social, do ponto de vista semiótico (FAIRCLOUGH, 2010).
Cada ator social compreende o texto de uma forma bastante singular, e o
representa de maneira também diferente, em práticas textuais e discursi-
vas plurais. O gênero multimodal, por exemplo, constitui-se de diversos
recursos semióticos comunicativos, para além da linguagem verbal oral e/
ou escrita (CUNHA; SILVEIRA, 2021). Trata-se da coexistência de duas
ou mais modalidades semióticas de comunicação, as quais se organizam
em texto na produção de sentidos.
A respeito do gênero multimodal a ser analisado neste trabalho, sele-
cionamos a charge, por se tratar de um texto bastante atraente para o leitor,
em razão da rápida leitura e da transmissão de múltiplas informações de
forma condensada. É da esfera de textos jornalísticos opinativos, todavia

34
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

se destaca dos demais por construir sua crítica usando constantemente


o humor (ROMUALDO, 2000). A palavra vem do francês Charger, e
significa carregar, exagerar. O termo data do início do século XIX, e foi
utilizado para indicar uma produção cujo propósito maior era criticar os
políticos. Com criatividade, diversão e tom humorístico, foi concebida
pelos opositores de um determinado governo, com vistas a informar, de-
nunciar e criticar (RABAÇA; BARBOSA, 1978). A utilização de signos
não verbais é algo marcante na produção desse gênero, dado que será
analisado em conformidade com as abordagens teórico-metodológicas
basilares neste trabalho.
A charge aqui analisada é de autoria do cartunista, jornalista, es-
critor e roteirista Zé Dassilva. Ele é chargista, há mais de duas décadas,
na NSC Comunicação, grupo ao qual pertence o site NSC Total - portal
jornalístico e de entretenimento, em funcionamento desde dezembro de
2017. O portal abriga site de jornais, além de rádios, de significativa audi-
ência no estado de Santa Catarina. O jornalista, catarinense de Criciúma,
é considerado um dos maiores talentos de sua geração1.
Na charge, intitulada O que é importante, Zé Dassilva levanta a
discussão a respeito da declaração do atual ministro da saúde, Mar-
celo Queiroga, o qual disse ser “melhor perder a vida do que perder a
liberdade”2, pronunciamento dado como justificativa para as medidas
tomadas pelo governo federal no combate à pandemia da Covid-19. No dia
07 de dezembro de 2021, o governo federal havia anunciado a exigência
de quarentena de cinco dias para viajantes não vacinados, ignorando a
recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
para que a vacinação completa, ou o passaporte da vacina, fosse exigida.
Foi nesta ocasião que o citado ministro proferiu tal fala, deixando claro a
que discurso ele serve, independente da função pública executiva a qual
1 Informações retiradas de <https://www.nsctotal.com.br/noticias/ze-dassilva>. Acesso em: 07
jan. 2022.
2 <https://g1.globo.com/saude/noticia/2021/12/07/melhor-perder-a-vida-do-que-a-liberdade-
-diz-queiroga-veja-analise-de-frases-e-medidas-sobre-viajantes.ghtml>. Acesso em: 09 dez.
2021.

35
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

exerce. Tal decisão causou, mais uma vez, agitação e crítica, tanto nos
meios midiáticos quanto na sociedade brasileira como um todo.
O que está em jogo é um posicionamento negligente e negacionista
por parte do ministro da saúde, representante do governo federal, diante da
tentativa dos órgãos competentes e dos profissionais diretamente ligados
à saúde (nacionais e internacionais) de conter o avanço do coronavírus
no território brasileiro. Esse impasse se estende desde o começo da pan-
demia da covid-19, cujas ações governamentais tiveram início no Brasil
em fevereiro de 2020. Apesar da crescente taxa de morte diariamente
noticiada nas diversas mídias, o que se viu foi a propagação de discursos
refutando as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS),
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da Ciência e dos
profissionais que atuam diretamente no combate ao vírus, promovida pelo
chefe de Estado e por seus ministros. No caso da charge, a informação
verbal (Enunciado) parafraseia a frase dita pelo ministro da saúde Mar-
celo Queiroga, o qual indica sua defesa pela liberdade de locomoção, em
detrimento da própria vida dos cidadãos a quem diz ser representante.
Nessa conjuntura, o chargista desenvolve a crítica em cima da fala
do ministro, o qual, por sua vez, faz menção a um direito assegurado
pela Constituição Federal (BRASIL, 1988). Essa rede de elementos de
significação constitui o texto e os possíveis discursos subjacentes, e
engloba outros que lhes são recorrentes (FAIRCLOUGH, 2001). Com o
propósito de ilustrar a aplicabilidade de categorias analíticas expostas no
decorrer das sessões anteriores, além de discutir possíveis significados,
mostraremos, pois, a charge e sua análise.

ANÁLISE MULTIMODAL DE UMA CHARGE

A escolha pela metafunção representacional (ou ideacional) para


esta investigação se deu pelo que mais se sobressaiu no próprio texto
de análise, a saber, a forma assumida pelas experiências exteriores que
tomam a forma de lembranças, reações, pensamentos e sentimentos,

36
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

manifestando-se na instância da consciência. Nesse contexto, o sujeito


produtor é capaz de relacionar tais experiências, identificando-as ou
caracterizando-as. A função representacional se realiza por processos
(desdobramento das experiências no tempo), participantes (pessoas ou
coisas que atuam no processo ou que são afetadas por ele) e circunstân-
cias. Segue a charge (Figura 1) que selecionamos para análise, veiculada
no site NSC Total, no dia 08 de dezembro de 2021.
Figura 1 – Charge O que é importante

Fonte: NSC Total, 2021.

Retomando as categorias avaliadas na metafunção representa-


cional, indicadas por Kress e van Leeuwen (2006), apontamos que o
participante representado (PR) na charge é identificado pela presença
do balão de diálogo em 1ª pessoa do discurso (no singular, marcado
pela terminação verbal). E são considerados participantes interativos
(PI): o produtor, ao comunicar sua crítica, usando a linguagem de forma
particular, representando em um sentido referencial aspectos do mundo
experienciado, a fim de atingir a intenção comunicativa; e cada leitor
dessa produção, ao interpretar de modo peculiar, levando em conta

37
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

um repertório sociocultural próprio. Enquanto um sistema semiótico,


portanto, é possível ver representados os objetos (há imagens de sepul-
turas em um cemitério) e o participante que envolve a representação
(como dito, o balão de diálogo) (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006).
Quanto às estruturas apresentadas pela metafunção representa-
cional, temos, na imagem em questão, a representação narrativa, a
qual ocorre por meio de vetor, na condição de processo classificado
em verbal. Este é expresso pelo recurso semiótico balão de diálogo
(ou vetor em forma de seta de diálogo), que conecta um participante
animado - o Dizente ou enunciador - ao conteúdo expresso. Na charge,
o Dizente tem sua presença indicada pela sepultura de onde emana
o balão, localizada logo à frente, na parte inferior da imagem, tendo
sobre ela um vaso com flores vermelhas. E o conteúdo expresso é a
crítica à fala do ministro da saúde. Vale notar, conforme Kress e van
Leeuwen (2006), que o participante verbal encapsulado no balão de
diálogo (“Achei que a liberdade fosse mais importante que a vida… E
agora tô preso aqui!”) denomina-se Enunciado.
A título de informação, há no todo da charge um cenário, ambientado
em um cemitério, com poucas cores e detalhes, que nos leva à interpre-
tação da consequência do exercício equivocado do direito à liberdade.
A representação da mensagem subjacente é um nível importante para
a Semiótica Social (SANTOS; PIMENTA, 2014). O PI produtor busca
representar um evento social, o mais apto, plausível e coerente com a
situação. O chargista literalmente “desenha”, para que os PI leitores
entendam o que ele quer comunicar. Nessa perspectiva, os sepulcros
funcionam como portadores, cujo significado intrínseco é a morte. Esse
conhecimento prévio e imediato dá-lhes um caráter de signo. O Enun-
ciado leva à inferência e à interpretação do evento narrado, e a estrutura
visual complementa a crítica estabelecida, ativando conhecimentos
ideológico-discursivos previamente difundidos em nossa sociedade
(FAIRCLOUGH, 2001).

38
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Ao dizer “melhor perder a vida do que perder a liberdade”, o minis-


tro da saúde faz referência ao art. 5, inciso XV da Constituição Federal
(BRASIL, 1988), o qual trata da liberdade de locomoção, nos seguintes
termos: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz,
podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer
ou dele sair com seus bens”. Ao passo que se isenta de lembrar que
no mesmo documento, no caput do citado artigo, está descrita a “in-
violabilidade do direito à vida”. Essa atitude do ministro visou apenas
garantir que o ramo do turismo não fosse novamente afetado, como
ocorreu no primeiro ano da pandemia; bem como mantê-lo alinhado
ao discurso de seu chefe, o qual ainda hoje minimiza a gravidade da
situação. Permitir a entrada de estrangeiros no país, sem a comprova-
ção de vacinação, e diminuir a quantidade de dias de isolamento, nos
momentos nos quais tal medida se fazia necessária, pôs em risco toda
a população brasileira - escolha que contradisse as próprias atribuições
do cargo que exerce.
Trazendo à tona fragmentos de outros textos, a charge fez
ressoar o clima de insegurança pelo qual passava a população bra-
sileira, ante à crise sanitária menosprezada pelo chefe de governo e
seus ministros. No âmbito da produção, acentua a historicidade do
texto, quando toma uma fala recém dita pelo membro do governo
nacional, o qual se refere indiretamente ao discurso legitimado ins-
crito no mais importante documento constitucional, a Carta Magna
do Brasil, de 1988. Através da comparação de importância entre
liberdade e vida, dois direitos igualmente assegurados por lei, ele
visa reestruturar convenções já existentes e alcançar resultados que
lhes sejam convenientes. No processo de distribuição, o pronuncia-
mento do representante da pasta da saúde é transformado em texto
multimodal, constituindo a charge. Já no processo de consumo, não
é unicamente o texto que molda a interpretação, mas sim os outros
textos que os PI leitores trazem, de forma bastante peculiar, ao pro-
cesso de interpretação (FAIRCLOUGH, 2001).

39
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Quando propõe em sua charge a discussão sobre o que é de fato


importante, Zé Dassilva (2021) problematiza o processo de naturalização
das desigualdades sociais, num contexto em que a cúpula do governo em
lugar de cuidar da população colocou-a explicitamente em situação de
risco. Utiliza-se do humor para informar, denunciar e criticar (RABAÇA;
BARBOSA, 1978) esse processo, promovendo uma reflexão acerca da
realidade social. Os sepulcros simbolizam os cidadãos brasileiros que,
ao seguirem o discurso dos representantes do poder executivo federal, e
desprezarem as medidas de prevenção e controle para o enfrentamento da
pandemia da Covid-19, tiveram como consequência a morte. Em suma, a
charge cumpre sua intenção comunicativa, ao possibilitar o desvelamento
de ideologias, diminuindo a potencialidade com que funcionam concep-
ções particulares tomadas como legítimas e absolutas (FAIRCLOUGH,
2001; RAMALHO; RESENDE, 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo aqui implementado nos permitiu apreender que a análise


de texto multimodal, sob a perspectiva da Semiótica Social, da Gramática
do Design Visual e da Análise de Discurso Crítica viabiliza um olhar
mais amplo sobre o corpus. Isso porque subsidia um estudo dos recursos
semióticos verbais e não verbais, entendendo que cada elemento colabora
com a significação, situando o texto nas práticas discursivas e nas práticas
sociais de que faz parte.
A análise foi centrada na metafunção representacional, porque a
consideramos mais adequada à charge selecionada, consequente dos re-
cursos semióticos que o conjunto textual apresenta, e condizente com os
sentidos e a intencionalidade subjacentes. O texto multimodal charge foi
priorizado, devido a sua presença cada vez mais acentuada na sociedade,
acompanhando o avanço e o desenvolvimento das novas tecnologias
de informação e comunicação. E também por sua função de despertar
a criticidade do leitor, informando, mas também denunciando eventos

40
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

sociais que relacionam ideologia e poder, nos quais o discurso envolve


desigualdades sociais. Faz isso, utilizando-se de humor.
Vale ressaltar que é importante que o sujeito interpretante tenha
conhecimento semiótico, a fim de que a mensagem seja compreendida.
Assim sendo, a charge cumpre seu papel de instigar o pensamento crítico
do leitor, levando-o a se posicionar, ainda que de forma imperceptível,
diante do texto, para além de sua descrição e explicação. Indicamos,
pois, que sejam promovidos espaços de estudos e análises de textos
multimodais, de forma mais ampla e devidamente fundamentada, no
contexto educacional. Desenvolvendo outros modos de letramentos,
como o visual, ainda pouco abordado (ou até inexistentes) no ensino
básico e nas graduações.
Por fim, assinalamos a contribuição da ADC em nos oferecer um
olhar sobre o papel da linguagem, operando nas relações de poder. Por-
tanto, as referências teórico-metodológicas que orientaram este trabalho
funcionam, de certa maneira, como o guia para as ações humanas. Já que
em todas elas constam o objetivo de promover conscientização e emanci-
pação dos sujeitos, principalmente dos grupos socialmente minoritários.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado


Federal: Centro Gráfico, 1988.
CARVALHO, F. F. Semiótica Social e Gramática Visual: o sistema de significados
interativos. Anglo Saxônica, ser. III, n. 1, p. 264-281, 2010.
CUNHA, A. H.; SILVEIRA, R. C. P. Gramática do design visual e tiras:
multimodalidade e produção de sentidos. Ponta Grossa, PR: Atena, 2021.
DASSILVA, Zé. Charges. O que é importante. Disponível em: <https://www.
nsctotal.com.br/noticias/charge-do-ze-dassilva-o-que-e-importante>. Acesso em:
09 dez. 2021.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e Mudança Social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2001, 2008 (reimpressão).

41
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

FAIRCLOUGH, N. A dialética do discurso. Tradução Raquel Goulart Barreto. Teias,


v. 11, n. 22, p. 225-234, 2010. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/
index.php/revistateias/article/view/24124>. Acesso em: 03 mar. 2021.
KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Multimodal Discourse: The modes and media
of contemporary communication. London: Arnold, 2001.
KRESS; G.; VAN LEEUWEN, T. Reading images: the Grammar of Visual Design.
2 ed. London: Routledge, 2006.
MAGALHÃES, I. Introdução: A Análise de Discurso Crítica. D.E.L.T.A., v. 21,
n. esp., p. 1-9, 2005.
RABAÇA, C. A.; BARBOSA, G. Dicionário de comunicação. Rio de Janeiro:
Codecri, 1978.
RAMALHO, V; RESENDE, V. M. Análise de discurso (para a) crítica: o texto
como material. Coleção: Linguagem e Sociedade, v. 1. Campinas, SP: Pontes
Editores, 2011.
ROMUALDO, E. C. Charge jornalística: intertextualidade e polifonia: um estudo
de charges da Folha de S. Paulo. Maringá: Eduem, 2000.
SANTOS, Z. B.; PIMENTA, S. M. O. Da Semiótica Social à Multimodalidade: a
orquestração de significados. CASA: Cadernos de Semiótica Aplicada, v.12, n.2,
p. 295-324, 2014.

42
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

https://doi.org/10.29327/5238051.1-3

Capítulo 3

VÍDEO CAMPANHA “SAMSUNG 15 ANOS DE


LIDERANÇA GLOBAL”: UMA ANÁLISE A PARTIR
DA GRAMÁTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL E
GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL

Aline Greice Vilela Costa


Laiz Munire Sales Costa

INTRODUÇÃO

À luz da Semiótica Social e da Análise Crítica do Discurso (ACD)1,


teorias que apresentam em comum o entendimento da linguagem como
constructo social no qual “a linguagem modela a sociedade e é modelada
por esta” (VIEIRA; SILVESTRE, 2015, p. 8), selecionamos um vídeo
comercial da marca Samsung para estudo neste trabalho. A perspectiva
teórica da Semiótica Social mobiliza uma alteração do direcionamento
linguístico para o enfoque do recurso semiótico, permitindo a análise de
diferentes sistemas presentes em textos multimodais. Na ACD, a aná-
lise linguística necessariamente fica associada ao contexto social o que
permite uma identificação das estruturas de poder e dominação através
1 Para as pesquisadoras Vieira e Carminda (2015), a nomenclatura utilizada é Análise de Dis-
curso Crítica. Optamos por utilizar neste estudo a denominação Análise Crítica do Discurso,
considerando que o objetivo do uso é ressaltar uma abordagem de linguagem associada ao
domínio social.

43
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

das expressões discursivas que são realizadas nas organizações sociais


(VIEIRA; SILVESTRE, 2015). Assim, as análises pretendem mostrar
como a organização sociossemiótica e discursiva de um texto é mais que
um simples uso retórico das linguagens. Essa organização representa em
muitas medidas a luta pelo poder hegemônico por meio da preservação
de crenças, valores e ideologias, sobretudo por se tratar de um texto pu-
blicitário que visa além de vender criar consumidores com determinado
perfil em uma sociedade capitalista e consumista.
A Samsung se discursiviza nesta sociedade como uma empresa que
oferece produtos com alta tecnologia no mercado. Segundo consta, a em-
presa completou 15 anos consecutivos de liderança2 global na fabricação
de produtos que têm a inovação como uma característica da marca. Nesse
sentido, o vídeo escolhido para análise neste artigo traz uma amostragem
da linha premium de televisores doravante TVs e reforça a condição de
liderança da empresa no mercado.
A Samsung nasceu na Coreia do Sul em 1938, mas, nessa época, sua
principal função era a exportação de alimentos para a China. Posterior-
mente, com a intensificação da globalização - processo que favoreceu as
trocas comerciais mais frequentes entre os países -, a forma de atuação
da empresa foi ampliada e passou a agregar também a produção de açú-
car e seguros. Na década de 1960, a companhia inaugurou uma loja de
departamentos, um canal de televisão e um jornal3.
A empresa, como a conhecemos atualmente, foi criada em 1969
com o nome Samsung-Sanyo Electronics (renomeada Samsung Electro
Mechanics em março de 1975 e fundida com a Samsung Electronics
em março de 1977) e iniciou a produção de televisores, geladeiras e
máquinas de lavar. O seu progresso fomentou a fabricação de monitores
de computadores, aparelhos celulares, tablets, robôs, entre tantos outros
produtos tecnológicos que ganharam destaque no mercado comercial
2 Informações coletadas no site <https://news.samsung.com/br/samsung-e-eleita-lider-global-
-na-fabricacao-de-tvs-pelo-15o-ano-consecutivo>.
3 Informações retiradas do site <https://canaltech.com.br/empresa/samsung/>.

44
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

em decorrência da comercialização crescente dos aparatos tecnológicos


e digitais. Em 1986, a Samsung chega ao Brasil com duas linhas de
produtos: monitores e disco rígido e passou a investir em unidades de
fabricação local.
Reconhecendo o histórico de desenvolvimento da Samsung e seus
novos direcionamentos, nota-se um portfólio de produtos associados aos
avanços tecnológicos, essa característica se destaca na mídia audiovisual
escolhida para este estudo.
Desse modo, para a análise, considera-se o vídeo um texto
multimodal pelo seu dinamismo com o uso das linguagens e por ser
historicamente situado. Por esse motivo, na análise sociossemiótica e
discursiva não se pode desconsiderar o contexto da produção do vídeo
que traz os valores e ideologia da empresa associados aos perfis de
consumidor.
A análise do vídeo terá como norte os fundamentos teóricos da
Análise do Discurso e da Semiótica Social, em especial a Gramática
Sistêmico-Funcional, de Halliday, e Gramática do Design Visual, de
Kress e Van Leeuwen, considerando a metafunção interacional e o sis-
tema de cores. Como forma metodológica de observação da mídia da
Samsung, elencamos as categorias de análises para as TVs: tela, som,
arte e decoração e meio ambiente com o intuito de organizar um olhar
para o texto multimodal em destaque, considerando as múltiplas semioses
presentes no vídeo.

QUADRO TEÓRICO

A teoria semiótica iniciou-se a partir dos estudos em Linguística


e pode ser dividida em três grandes escolas. A primeira escola foi a de
Praga que desenvolveu seus trabalhos no campo da arte na década de
30 e no início dos anos 40. Entre os anos de 1960 e 1970, a segunda
escola, a de Paris, estendeu as ideias de Saussure para outros campos

45
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

semióticos como moda, fotografia, cinema e música. A partir de um


quadro teórico mais funcional da linguagem, a terceira escola iniciou-se
na década de 1980 e focou seus estudos na Semiótica Social, que centra
nas funções sociais da linguagem e no processo de significação (SAN-
TOS; PIMENTA, p. 298-299). Os significados são construídos a partir
da representação do mundo que resulta dos aspectos sociais, históricos e
culturais e das comunicações que provêm das práticas sociais e de nossas
vivências no mundo.
Sendo a significação o ponto central dos estudos da Semiótica
Social, a produção e a recepção do signo é de fundamental importância
para essa teoria que tem como principais direcionamentos: a noção de
escolha do sistema de linguagem, as configurações de significado a partir
do contexto e as funções semióticas da linguagem segundo a Linguística
Sistêmico-Funcional (SANTOS; PIMENTA, 2014, p. 299). Nesse con-
texto, o linguista Michael Halliday desenvolveu a Gramática Sistêmico-
-Funcional (1985, 1994, 2004) cujas abordagens centram-se no estudo da
linguagem e da sua relação com outros recursos semióticos que podem
combinar o modo verbal ou não-verbal, modos visuais, sonoros ou espa-
ciais. A construção sígnica não se dá a priori, mas, a partir da interação
entre os indivíduos e uma série de fatores, tais como: sociais, históricos,
políticos identitários (raça/etnia, gênero, sexualidade, sociais) etc.
Os indivíduos revelam as suas subjetividades e intencionalidades na
escolha e na produção de significados em situações comunicacionais que
estão relacionadas ao contexto social que modela o discurso e é por ele
modelado; já que a construção do discurso envolve com quem estamos
falando, que mensagem pretendemos emitir, como pretendemos nos
comunicar e o contexto social. Esse processo sociossemiótico é estrutu-
rado e concebido por trocas sociais, em uma espécie de negociação entre
os atores sociais, que podem estar no mesmo espaço-temporal ou não.
Assim, o vídeo campanha da TV Samsung, bem como outros produtos
veiculados nas mídias, faz parte da amostragem discursiva socialmente
construída, sendo capaz de produzir sentidos e reforçar conhecimentos,

46
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

crenças e valores. Nesse sentido, a peça publicitária foi idealizada e criada


a partir de um discurso sedutor o qual se utiliza de recursos tecnológicos
para envolver o consumidor na compra de seu produto e sustentar a marca
como grande produtora de aparelhos tecnológicos. Segundo Ramalho e
Resende, o discurso manifestado através da linguagem, é “parte irredu-
tível das maneiras como agimos e interagimos, representamos e identi-
ficamos a nós mesmos, aos outros e a aspectos do mundo” (2011, p. 15).
O uso de tecnologias tem o poder de facilitar a migração de um
evento discursivo, de um domínio social para outro, reconfigurando-o e
ressignificando-o a partir da mudança ou ainda combinação com outros
modos semióticos. Dentro dessa perspectiva, Kress e Van Leeuwen
(2001), em referência à Linguística Sistêmico-Funcional, apontam três
domínios nos quais o significado é organizado: o design, a produção
e a distribuição que são permeados pelo discurso. Segundo Santos e
Pimenta (2014), o design situa-se dentre o conteúdo e a expressão, ou
seja, é a utilização do recurso semiótico em todos os modos semióticos.
A produção é o uso comunicativo do meio e dos recursos materiais e a
distribuição, primeiramente, tende a ser considerada como não semióti-
co por se referir às tecnologias que podem ser usadas na preservação e
transmissão da comunicação. No entanto, “a distribuição tem o objetivo
de transformar a comunicação, pois pode criar novas representações e
interações, estendendo o significado semiótico e, consequentemente,
mudando-o” (p. 304).
Analisando o vídeo da Samsung (https://photos.app.goo.gl/Knha6a-
Co53yBbLPN6), de acordo com os três domínios supracitados, observa-se
que esse texto multimodal constrói e reforça a ideia a consolidação da
marca como líder mundial na produção de aparelhos televisivos. Para
tanto, são utilizados diversos recursos tecnológicos para representar
e comunicar o discurso da qualidade dos seus produtos com o uso de
recursos multissemióticos como cor, brilho, som, movimento, palavras,
etc. para seduzir o espectador e solidificar a marca no mercado. Mas a
questão não é somente retórica. Vai além. Esse encantamento ou antes

47
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

o efeito de sentido “encantamento” é construído fortalecendo estruturas


hegemônicas de poder, de sexo, de raça e social, ao mesmo tempo em
que evidencia o fortalecimento do discurso prevalente da alta tecnologia,
vinculando isso ao modo de vida das pessoas. O vídeo circula nas mídias
tradicionais e nas redes sociais. Esta última tem se tornando o lugar das
cristalizações de valores hegemônicos de maneira rápida devido a faci-
lidade de fazer circular os conteúdos.
Assim, o discurso se forma e se expressa em diferentes modos
semióticos. A partir de esferas discursivas, os recursos materiais dispo-
níveis são encaminhados por diferentes canais de comunicação nos quais
sustentam ideologias e intencionalidades capazes de manter ou gerar
significados a partir das interações.
Por entender que as pessoas moldam recursos semióticos a fim
de produzir sentidos, Halliday (1978) apresenta três metafunções
sociais: ideacional, interpessoal e textual, as quais interagem entre
si e atribui multifuncionalidade ao texto. A primeira metafunção diz
respeito à dimensão da realidade e das nossas percepções do mundo
externo e do interno. A segunda metafunção envolve um evento
interativo com o escritor, o público e a organização da mensagem.
A terceira metafunção situa a mensagem dentro de um contexto.
Baseando-se nessas metafunções, Kress e van Leeuwen (1996, 2006)
formulam a Gramática do Design Visual com o objetivo de analisar
composições visuais as quais também produzem significados nas
metafunções supracitadas doravante chamadas de representacional,
interacional e composicional.
A metafunção representacional estuda as estruturas que compõem
visualmente a imagem que representa e possibilita a interação entre
os participantes e as circunstâncias sociais. A metafunção interacional
analisa a relação entre os participantes dentro da ilustração e também a
relação fora da imagem daqueles que produziram e daqueles que obser-
vam a imagem. Assim, quem observa uma imagem, por exemplo, pode

48
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

obter significados relacionados às ideologias, crenças e perspectivas de


mundo do indivíduo o qual produz a imagem, nesse sentido, a interação
entre o observador e o produtor acontece. A metafunção composicional
refere-se aos significados obtidos através da integração dos elementos
representacionais e interacionais, formando um todo (texto) significativo.
A posição dos elementos nesse todo reflete o ponto de vista pelo qual a
imagem foi elaborada.
O primeiro passo para a análise do vídeo, é a contextualização
(contexto de produção) das condições de produção do nosso objeto,
com informações sobre seus autores, sua mensagem, público ao qual o
vídeo é destinado e local de divulgação. Dessa forma, teremos a seguir
a contextualização do corpus.

ANÁLISE SOCIOSSEMIÓTICA E DISCURSIVA

O CONTEXTO DE PRODUÇÃO

Como já se disse mais acima, o vídeo publicitário pretende a


divulgação e estímulo de bens e produtos, no caso um tipo específico
de televisor, produzidos por uma empresa multinacional, a Samsung.
Essa empresa se estabelece em uma sociedade que tem se caracterizado
pelo consumo excessivo de bens e produtos, porque, na modernidade,
está imersa em valores capitalistas e da expansão da globalização.
As pessoas vivemos sob a égide do consumo massivo e desenfreado
de bens e serviços que visa, sobretudo, ao lucro. Assim, tais valores
guiam as construções sociossemióticas e discursivas dos textos, de-
terminando o que dizer e como dizer, em sentido, por ser a linguagem
uma prática social, tornar-se lugar de luta hegemônica em que esses
valores e ideologias capitalistas de consumo são naturalizados a fim
de manter o poder do grupo.
Nesse contexto, a mídia audiovisual escolhida para análise, pautada
nas teorias da Semiótica Social e da Análise Crítica do Discurso (ACD),

49
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

faz parte de um campanha lançada4 para o período do evento da pré-Black


Friday5 de 2021, tendo sua divulgação realizada em novembro deste
ano em suportes como TV aberta, paga e digital, redes sociais, além de
cinemas. O vídeo da Samsung intitulado 15 anos de liderança global
(https://photos.app.goo.gl/Knha6aCo53yBbLPN6) que divulga TVs é um
resultado da criação das empresas de mídia Cheil em parceria com a Fbiz
(digital), Spark (influencers) e Blinks Essence (on-line) com o objetivo
de intensificar a divulgação da linha premium de TVs. Assim, segundo
o gerente Rodrigo Menezes, através da campanha, reforça que eles têm
como “[...] missão mostrar que a Samsung tem em seu portfólio o produto
perfeito para criar a melhor experiência possível, seja em qualidade de
imagem, som, recursos interativos, tamanho de tela ou design.6”.
A escolha do vídeo, material de análise deste trabalho, foi motiva-
da, principalmente, pelos possíveis significados presentes na linguagem
multimodal verificada e como ela serve a manutenção de estruturas
sociais cristalizadas. A linguagem da mídia em questão é bem dinâmica
(movimentos, cores, objetos, palavras, alterações de fontes etc.) e os
produtos divulgados ressaltam a tecnologia contemporânea, além da pos-
sibilidade de observar o discurso elaborado para determinados segmentos
sociais que estão inseridos de alguma forma na forma organizacional das
linguagens - assim, uma amostragem das representações das realidades
sociais pode ser verificada.
A forma de textualizar a alta tecnologia no vídeo revela um recorte
social, ou seja, para quem está direcionado o portfólio premium de TVs?
Qual o lugar social desse destinatário? Quem consegue compreender
as características elencadas de cada TV?. A partir do entendimento de
língua como representações da realidade social, mas também com suas

4 A obtenção de mais informações sobre a campanha publicitária pode ser adquirida no endereço
eletrônico: <https://marcaspelomundo.com.br/anunciantes/samsung-cria-campanha-para-
-apresentar-tvs-pre-black-friday/>.
5 Para mais informações acessar o site: <https://www.significados.com.br/black-friday/>.
6 Para verificação completa da mensagem do gerente, consultar o site: <https://marcaspelomundo.
com.br/anunciantes/samsung-cria-campanha-para-apresentar-tvs-pre-black-friday/>.

50
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

próprias relações entre quem vê e o que é visto (NOVELLINO, 2021, p. 1),


a mídia audiovisual da campanha é passível de observação no âmbito das
próprias construções sociais. Apesar de serem perceptíveis as inovações
tecnológicas no cenário mundial, também é evidente que esse fenômeno
não é alcançado por todos os indivíduos com a mesma facilidade. Nesse
sentido, o público alvo da campanha projetado no texto faz parte de um
segmento social que detém (ou parece deter) poder alto poder aquisitivo.
Pela forma como as linguagens se direcionam ao destinatário, sinalizam
que os consumidores potenciais dos objetos ofertados (as TVs premium
da Samsung) conhecem e/ou se interessam pelo cenário intenso dos
avanços tecnológicos mais atrativos do mundo e sabem diferenciar cada
detalhe dos aparelhos, ao mesmo tempo que projetam a ideia de que ter
um aparelho de alta tecnologia os fazem pertencer a um determinado
grupo privilegiado socialmente.

ANÁLISE MULTIMODAL

A partir das metafunções da Gramática Sistêmico-Funcional, de


Halliday, e da Gramática do Design Visual, de Kress e Van Leeuwen, a
análise especificamente do texto considera a combinação dos variados
modos semióticos que foram articulados na construção do evento co-
municativo - a divulgação da linha premium de TVs da Samsung. Em
nossa análise, vamos tentar mostrar como as estratégias sociossemióticas
e discursivas vão consolidando valores, ideologias ao buscar identificar
o consumidor com o produtor ao tratar dos recursos materiais e tecno-
lógicos que constituem o objeto a ser consumido por um determinado
público projetado sociossemiótico e discursivamente.
O vídeo apresenta duração de dois minutos e trinta segundos, para
apresentação de quatro tipos de TVs: Neo QLED 8K, The Frame, QLED,
Crystal UHD lançadas em uma única reprodução eletrônica de imagens
em movimento. é construída a ideia para o consumidor projetado no
discurso de que não se trata apenas de um objeto de alta tecnologia, visto

51
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

que, como está em destaque no vídeo na apresentação das TVs, cada


versão possui nuances de características que se diferem e são expostas
no vídeo, evidenciando seus aparatos tecnológicos que parecem atender
ao desejo específico dos perfis de consumidores.
Nesse sentido, na construção do valor do produto são expostas as
qualidades tecnológicas de modo a projetar o objeto como algo único,
lançando mão do discurso especializado para descrever e explicar as
particularidades tecnológicas que as distinguem de outras TVs. é assim
que passamos a saber que as TVs Neo QLED 8K e QLED possuem tec-
nologia que indica que elas utilizam pontos quânticos em sua tela, que
são moléculas microscópicas que, quando atingidas pela luz, emitem
sua própria luz de cores diferentes. Bem como é explicado que tudo
isso garante altos níveis de brilho e contraste nas imagens exibidas;
no entanto, a TV Neo QLED possui o painel de LED na parte traseira
menor que o LED convencional e também uma resolução em pixel muito
maior. A TV The Frame torna-se um quadro quando o aparelho é des-
ligado e, ao invés de se tornar uma tela preta na sala, a TV exibe obras
de arte. Por fim, a Crystal UHD tem o processador que afirma garantir
excelência na qualidade da imagem conforme a sigla UHD, que significa
ultra alta definição.
A partir de todas essas características textualizadas em um discurso
publicitário de sedução das TVs, faz-se o recorte de público que, so-
cialmente, venha conhecer esses produtos e se identifique com clareza
a funcionalidade de todas as inovações mencionadas e entenda por que
seu preço é superior a outras TVs convencionais.
Ao longo do vídeo, o consumidor é guiado por dois direcionamen-
tos: ‘Quem busca’ e ‘Para quem busca’ que aparecem escritas com letras
brancas no centro de uma tela totalmente preta. A partir de então, na tela,
algumas opções aparecem em um espaço de busca que parece atender
aos desejos de consumo de quem está assistindo ao vídeo. Aqui também
as letras são brancas que aparecem no centro da tela preta, que chama

52
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

a atenção para o que vai ser apresentado. As opções de TVs guiam o


telespectador para as qualidades dos aparelhos que serão apresentadas
logo após o clique no site de pesquisa que aparece na tela.
Opções como, por exemplo, ‘A TV com mais resolução, brilho e
contraste’, ‘A TV com tela ultrafina e sem bordas’, ‘A TV com mais
potência sonora’, ‘A TV que reflete meu estilo’, ‘A TV com galeria de
arte’, ‘A TV que combina com a minha decoração’, ‘A TV que reflete
meu estilo’, ‘A TV sem burn in’, ‘A TV para jogar em alta performance’,
‘A TV com tela de Pontos Quânticos’, ‘A TV com controle remoto sem
pilhas’, ‘A TV com a melhor imagem 4K’, ‘A TV mais fina da categoria’,
‘A melhor Smart TV’. É preciso destacar que todas as frases, exceto a
última, são iniciadas com ‘A TV’, o que evidencia as particularidades dos
aparelhos pelo produtor do vídeo que utiliza o artigo definido feminino
para salientar a unicidade dos aparelhos em relação a outros produtos
da mesma categoria, valorizando o possível diferencial de cada produto.
Algumas frases acima repetem-se ao longo do vídeo, aparecendo como
opção única de pesquisa no espaço de busca ou em um total de três onde
o participante observador do vídeo pode ‘escolher’ entre as alternativas
apresentadas.
As características das TVs são sempre apresentadas com mudanças
que alternam a tela preta com as letras brancas citadas acima e as pro-
priedades dos aparelhos referentes à tela, ao som, à arte e decoração e
ao meio ambiente, entre outras qualidades do produto.

TELA

Em relação à Tela, os recursos semióticos são organizados para


caracterizar um tipo especial de tecnologia avançada, no caso, as espe-
cificidades de pontos quânticos7, que propiciam maior resolução, brilho
7 Ponto quântico, comumente abreviado por QD, do inglês quantum dot, é uma nanoestrutura
pontual, que, devido a seu tamanho diminuto e estrutura, apresenta uma forte quantização dos
níveis de energia, ou seja, os pontos quânticos são cristais minúsculos usados para absorver
determinadas frequências de luz (o que corresponde a cores) e emitir outras frequências,

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

e contraste agregam valor à qualidade do que é exibido na tela da TV. O


produtor do vídeo ressalta esses atributos através de exibição de imagens
policromáticas com cores vibrantes que podem ser observadas em todo
o vídeo e, principalmente, nas pedras coloridas de tamanhos diferentes
(0’:11’’), na vegetação viva onde um camaleão caminha (1’:32’’), nas
conchas do mar de cores diversas com predominância do tom rosado
(1’:34’’) e nas imagens de pratos decorativos pintados de cores diversas
(1’:35’’). Nessas duas últimas imagens, é possível observar que uma
linha vertical branca divide a tela em dois e mostra o contraste de brilho
das duas imagens: a do lado direito possui muito mais intensidade de
cor do que a do lado esquerdo. Verifica-se também a presença de dois
símbolos geométricos nos cantos inferiores da tela: uma pirâmide, no
lado esquerdo, e um cilindro, no lado direito. Esses símbolos crescem
verticalmente à medida que o brilho da imagem se intensifica e setas na
cor verde indicam esse crescimento; no entanto, é no lado direito que o
brilho da imagem é maior. Assim, essa organização (metafunção textual
ou composicional - o texto midiático sendo compreendido a partir da
integração de seus elementos, formando significados).
A partir da metafunção composicional, é possível analisar na estru-
tura do vídeo, que o lado esquerdo apresenta o tema/dado, evidenciado
a ideia da “informação conhecida” e o lado direito expressa o rema/
novo, isto é, a novidade que é destacada através do volume de cor das
imagens à direita do vídeo, de maneira uniforme, simbolizada pela figura
geométrica do cilindro. A metafunção interpessoal ou interacional se
dá pela constatação das diferenças entre as imagens através da adoção
do ângulo frontal pelo produtor do vídeo, pela aproximação e pelo dis-
tanciamento da câmera ao interagir com o observador e pela escolha do
plano de tela cheia.
Esses movimentos das imagens promovem uma sensação de um
“jogo de recursos” no qual vai criando intimidade e, ao mesmo tempo,
conforme a necessidade. Disponível em: <https://www.showmetech.com.br/pontos-quanticos-
-entenda-como-funciona-essa-tecnologia/>. Acesso em: 09 dez. 2021.

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

gerando uma possível expectativa de consumo que é intensificada pelos


detalhes da resolução da tela da TV. Nesse sentido, é possível perceber
a culminância gerada a partir da junção dos elementos presentes em
prol de valorizar o produto e atrair consumidores. Não só. O efeito de
sentido do modo como são apresentadas as qualidades tecnológicas
é o de colocar o provável consumidor diante de uma hiper-realidade
(objetos em uma realidade superdimensionada) em que se projetam
pelo brilho, cores e intensidade, beleza, luxo, um lugar diferenciado:
uma “natureza” límpida e para poucos. É o que se nota em outras or-
ganizações textuais.
A espessura da tela é tida como uma qualidade importante e reforça
a ideia de novidade, requinte e de alta tecnologia que “garante ao con-
sumidor um lugar diferenciado”. Isso é construído por meio de arranjos
tecnológicos que produzem um efeito de magia de um objeto fluido, de
movimentação e transformação rápida e sensível. A tela aparece em um
perspectiva oblíqua com o objetivo de exibir a finura da tela e o detalhe
de não possuir bordas. Assim, observa-se que o vídeo mostra o canto
superior esquerdo da TV transformando a borda espessa em pó e, logo em
seguida, a TV gira de lado, exibindo a sua finura (0’:14’’), a mudança de
lado apresenta uma informação nova que pode ser compreendida como
o aspecto da inovação associada ao produto. O leitor segue o ponto de
vista do produtor do vídeo no que tange a observar as cores vibrantes
que se movem na tela e, principalmente, a cor verde brilhante no canto
que, juntamente com o cinza, mostra o diferencial do seu produto. Esse
mesmo ponto pode ser observado no vídeo (1’:42’’) quando uma TV
aparece de lado e gira rapidamente, exibindo a sua finura e, ao mesmo
tempo, aparece em letras brancas no centro do vídeo ‘Air Slim design’,
sugerindo um estilo harmônico ao produto.
Na continuidade do vídeo, palavras em inglês aparecem para desta-
car essa qualidade de discrição, fluidez com beleza e estilo. O conteúdo
exibido em língua estrangeira visa reforçar a ideia de “único”, de privi-
legiado por ser exclusivo ao atingir um público que domina essa língua,

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

mas, evidentemente, não se deixa de esquecer que também é um recurso


retórico com vista a dar mais valor ao objeto, visto que culturalmente, o
que vem de fora “é melhor”.
A informação em língua inglesa também aparece no vídeo (2’:09’’)
- momento em que a ponta da TV aparece como se fosse uma montanha
cuja base branca luminosa desce, revelando uma TV mais fina por debaixo
daquela camada grossa que vai se desfazendo. A seguir, uma TV flutuante
aparece em um ambiente amplo e o giro da câmera mostra a lateral da TV
com setas brancas apontando para a sua espessura, reforçando uma ideia
de ordem, equilíbrio e valorização do produto. A escolha por mostrar os
ângulos laterais ou das extremidades da TV destacam o ponto de vista
do produtor em relação à espessura do aparelho eletrônico.

SOM

Outra característica que dá mais valor ao objeto é o som. Sua des-


crição multimodal persegue os mesmos efeitos de sentido e os mesmos
propósitos hegemônicos, ao percebermos os efeitos de cor, luminosidade,
brilho, espaço e o design interno.
Essa característica é mostrada quando há o clique em ‘A TV com
mais potência sonora’ no espaço de busca. A cena se inicia com letras
brancas escritas ‘Som em movimento que acompanha as cenas’ no centro
da tela e o plano fechado nas caixas de som da TV (0’:20’’), as quais
são envolvidas por anéis azuis neon que vibram. Na sequência, aparece
uma sala de estar com pouca luminosidade em tons de azul e rosa em
sua predominância. Ao fundo, há uma TV que mostra um motociclista
e sua moto na cor amarela na tela preta e, ao sofá, há um homem inerte
sentado que assiste à TV. À medida que a moto se movimenta na tela,
anéis ‘sonoros’ em tons de neon azul e rosa se movimentam no ambiente,
preenchendo-o completamente. A partir da descrição dessa cena, pode-se
observar que o participante representado do homem no sofá não estabe-
lece uma relação direta com espectador porque o seu olhar se direciona à

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

TV, constituindo-se assim o olhar de oferta, pois o espectador é convidado


a observar todo o ambiente, bem como o participante representado na TV,
que emite sons através de sua motocicleta. Os recursos utilizados através
dos anéis coloridos têm a intenção de destacar a potência da TV no pre-
enchimento do ambiente pelo seu som que parece fascinar o participante
representado ao ponto de deixá-lo estático ao sofá, criando identidade.
Os anéis sonoros representam o barulho produzido pela moto e o
efeito neon dos anéis traz uma luminosidade e ao mesmo tempo uma
certa artificialidade ao som produzido no ambiente. As cores azul e rosa
neon dos anéis também possuem significado. Segundo Kress e Van
Leeuwen (2002, p. 348),

A cor também é usada para transmitir um significado “inter-


pessoal”. Assim como a linguagem nos permite realizar atos
de fala, também a cor nos permite perceber ‘atos de cor’. Pode
ser e é usado para fazer coisas para ou uns para os outros, por
exemplo, para impressionar ou intimidar por meio de power
dressing8, para alertar contra obstruções e outros perigos
pintando-os de laranja ou mesmo para subjugar pessoas - apa-
rentemente, o Naval Correctional Center em Seattle descobriu
que ‘rosa, aplicado corretamente, relaxa indivíduos hostis e
agressivos em 15 minutos’ (Lacy, 1996: 89).9

O azul, cor classificada como fria, traz um efeito calmante e har-


mônico ao ambiente (HELLER, 2013, p. 46) e o rosa traz sensibilidade
e suavidade ao espaço (HELLER, 2013, p. 398). Dessa forma, as cores
possuem papel importante ao produzir significados na produção do ví-
deo para o participante representado do homem que assiste à TV e para
8 Refere-se a um estilo de vestir em que homens e mulheres, essas pessoas, principalmente,
usam roupas formais para se parecerem poderosos(as) e competentes.
9 Nossa tradução de “Colour is also used to convey ‘interpersonal’ meaning. Just as language
allows us to realize speech acts, so colour allows us to realize ‘colour acts’. It can be and is
used to do things to or for each other, e.g. to impress or intimidate through ‘power dressing’,
to warn against obstructions and other hazards by painting them orange, or even to subdue
people – apparently the Naval Correctional Center in Seattle found that ‘pink, properly applied,
relaxes hostile and aggressive individuals within 15 minutes’ (Lacy, 1996: 89).” (p. 348).

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

o leitor do vídeo, que pode se sentir envolvido na cena à medida que


seu olhar foi cativado ao perceber todo o ambiente da sala de estar, nos
efeitos sonoros materializados pelos anéis coloridos e na organização de
recursos de distanciamento da câmera.
A potência sonora é destacada em um outro momento do vídeo
(1’:17’’), quando um carro amarelo e preto com pontos vermelhos
aparece dentro de um túnel iluminado como em um jogo de vídeo
game com um carro azul tentando ultrapassá-lo. O jogo está em tela
cheia e, no centro da tela, está escrito ‘Som em movimento que acom-
panha o jogo’. Em seguida, a imagem é desfocada e o carro parece
ganhar velocidade, ou seja, a metafunção interativa se dá através da
convocação do produtor para que o observador atente para o que lhe
está apresentado, como a aceleração do carro e o som que ele produz.
A câmera se afasta e o olhar do espectador é encaminhado para o apa-
relho eletrônico e, ao mesmo tempo, o som que ele produz a partir de
anéis sonoros que ultrapassam a tela da TV e alcançam a sala. Dessa
vez, esses anéis são nas cores amarelo e azul, que são da mesma cor
dos carros representados no vídeo, que sinalizam o barulho produzido
pelos carros.
O som é novamente destacado no vídeo (1’:19’’) em jogos de vi-
deogame no momento em que a TV Neo QLED aparece em um fundo
preto em um ângulo central da tela, que exibe o jogo com um jogador no
centro com uma arma na mão em um lugar que parece uma espaçonave.
O jogador caminha e mostra algumas direções possíveis a serem seguidas.
Tanto o lugar, quanto o jogador estão na cor cinza que trazem um tom de
solidão no jogo, mas também de algo moderno. Aqui o som é associado
ao barulho de tiros de arma de fogo. O espectador acompanha o olhar
do jogador que parece caçar algo em túneis com pouca luminosidade.
O produtor do vídeo busca, portanto, envolver o leitor na atuação desse
jogo como se ele próprio estivesse naquele local participando da cena,
pois a câmera está muito próxima da tela causando o efeito de diversão
ao espectador que parece estar segurando uma arma. A potência sonora

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

é novamente destacada por se saber que essa ferramenta produz muito


barulho quando acionada, evidenciando a tecnologia atraente do produto.
Assim, as qualidades do som colocam o objeto em destaque, tornando-o
único.

ARTE E DECORAÇÃO

Outra organização sociossemiótica e discursiva que intensifica os


valores não somente retóricos do uso das semióticas é a vinculação do
objeto tecnológico ao conceito de arte, que é abordado em alguns momen-
tos no vídeo e está associado à TV The Frame, a qual mistura inovação
tecnológica com customização artística. Aos trinta e cinco segundos do
vídeo, duas mãos aparecem manipulando telas pretas com bordas de cores
diferentes: marrom, branco, bege, amarelo, verde claro, marrom escuro e
no centro da tela está escrito em letras brancas ‘Molduras que combinam
com o ambiente’. Em seguida, a moldura central é escolhida e o dedo in-
dicador de uma das mãos aponta para o detalhe escrito em letras pequenas
no canto da moldura ‘SAMSUNG’. Logo depois, aparecem duas mãos
com dedos em formato de retângulo que cobrem a moldura da imagem
ao fundo, que lembra uma obra de arte com cores verde, amarelo e azul,
cores que representam a bandeira brasileira. Assim, de alguma forma,
essas tonalidades buscam associar a marca como um produto nacional.
No centro da tela, está escrito ‘Do tamanho que você quiser’ e, a
partir daí, os dedos se afastam e a tela fica maior à medida que ela se
aproxima do espectador e a imagem da obra de arte se torna mais nítida.
Uma seta branca na diagonal sinaliza o aumento da tela e, posteriormente,
dedos sinalizam a espessura do televisor, que se encontra em uma sala
ampla com pouca luminosidade do lado esquerdo ao contrário do lado
direito que expõe o ambiente exterior com árvores verdosas através das
vidraças. Aqui o olhar do participante observador é convidado a ‘selecio-
nar’ o tipo de moldura e a ‘escolher’ o tamanho da TV através das mãos
que aparecem na tela do vídeo. O efeito construído é o de poder sobre o

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

objeto. Além disso, é interessante notar como está criada a ideia de que
o televisor pode colocar nas mãos de seu consumidor a “alta cultura”.
Importante ainda destacar que são sempre mãos com tom de pele
clara que manuseiam as obras de arte, assim como quase a totalidade dos
participantes representados ao longo do vídeo. Em vista disso, tem-se um
investimento ideológico que aponta para a manutenção de estruturas que
favorecem um tipo de representação racial (branco) e social, ao invisibili-
zar outro, na discursivização daquele que pode comprar e usufruir desse.
De acordo com Cunha e Silveira (2021, p. 19),

tudo o que remete a imagem seja para enfatizar algum objeto


seja para apagá-lo em comparação a outros, para aumentá-lo
ou diminuí-lo, para dar mais ou menos brilho, cor ou luz etc.,
não pode ser desconsiderado ou avaliado ingenuamente como
sem valor ou sem pertinência na produção dos sentidos dos
textos multimodais.

Assim, a utilização de obras de arte coloridas com destaque na


tonalidade das cores, brilho, luz, etc. não é algo despretensioso na
constituição das imagens. Esses elementos agregam valor ao produto
que produzem significado ao participante observador, o qual se sente
seduzido na aquisição do equipamento eletrônico. E essa sedução é um
investimento ideológico em que também fortalece o poder hegemônico
de uma determinada comunidade em detrimento de outra, que como se
viu tem status social, cor e gosto cultural específico e diferenciado.
Aos quarenta e dois segundos do vídeo, a TV é associada à galeria
de arte e surge uma diversidade de telas de obras de arte em tamanho
reduzido para escolha por um braço esticado de pessoa branca. No centro
da tela, está escrito em letras brancas ‘Escolha sua arte preferida’ e, após
a seleção, uma pintura com cor predominante amarela e dourada substitui
outra de cor branca com traços coloridos. Em uma perspectiva socios-
semiótica, o uso das cores também pode funcionar como um elemento

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

coesivo na composição do texto multimodal. Desse modo, percebe-se a


ideia de um equilíbrio com a aparição da cor branca na frase, criando um
“momento de acolhimento” para o participante observador e, podendo
simbolizar pureza e elitismo. Na sequência, as cores amarela e dourada
podem atraí-lo para a sensação de poder (CARVALHO, 2013) e mais:
a possibilidade de pertencer a um determinado grupo social..
Posteriormente, está escrito na tela com letras brancas ‘Ou um
momento da sua vida’ e mãos brancas aparecem no vídeo: a direita, se-
gura um celular com fotos de família exibidas na sua tela e, a esquerda,
segura uma foto a qual é lançada e a imagem da foto é revelada da tela
da TV que pode ser trocada ao passar da mão pela tela da TV. Aqui o
participante observador parece ter o domínio para escolher uma obra de
arte ou ainda uma foto a ser exposta na tela da TV através do recurso de
partes do corpo do participante representado no vídeo. Tanto a obra de
arte, quanto a foto da família adicionam valor ao aparelho eletrônico e o
desejo de ser consumido para pertencer ao grupo hegemônico.
A TV combina com a decoração e com estilo de cada pessoa que
pretende adquirir o produto como um tipo mais descontraído da Smart
TV QLED, que exibe uma partida de futebol em sua tela (0’:50’’) em
um ambiente menos refinado com plantas, pouca luminosidade e maior
composição de cores como o verde do gramado e das plantas, o azul da
parede ao fundo da TV e do revestimento ao seu lado e do amarelo/dou-
rado da torneira que parece tocar a ponta da TV e do quadro que está à
esquerda; ou um estilo mais sofisticado como o da TV The Frame a qual
aparece dividida em quatro partes (0’:57’’): a) superior esquerda com
um participante representado surfando; b) superior direito com flores,
folhas e sol; c) inferior esquerdo com galho de árvore e folhas brancas;
d) inferior direito com uma imagem não muito nítida de uma espécie
de moradia. Com relação à cor, observa-se, portanto, a predominância
de cores frias ao lado esquerdo e cores quentes ao lado direito da tela
dentro e fora da TV, contrapondo as cores azul e branco (representadas
na parede do ambiente, no fundo da tela, no azul do mar) ao amarelo,

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

laranja, rosa e vermelho (representadas na parte exterior da TV, nas flores


e nas matizes da moradia).
Os efeitos produzidos por relações policromáticas são parte consti-
tuinte da Gramática Sistêmico Funcional, de Kress e van Leeuwen, que
buscam investigar os significados construídos pelo contraste das cores
nesse vídeo, por exemplo. A metafunção composicional examina os
elementos constituintes da imagem e que efeitos podem ser produzidos.
É sabido que os ocidentais dão maior atenção à informação posicionada
ao lado direito, sendo assim, observa-se a presença de cores quentes
desse lado em contraposição às cores frias que estão ao lado esquerdo
do vídeo. As cores azul e branca trazem suavidade em comparação às
cores laranja, rosa e vermelho que simbolizam calor e energia, atraindo
o olhar, e, possivelmente, o “desejo” do leitor.
O produtor do vídeo convoca o olhar do seu leitor a partir da apro-
ximação da câmera com o objetivo de mostrar os detalhes dos elementos
representados e o contraste das cores a fim de apresentar um produto de
qualidade e adaptável ao estilo e à decoração de diversos ambientes nos
quais o consumidor pretende instalar o seu aparelho eletrônico.

MEIO AMBIENTE

Neste texto, há o discurso sobre o meio ambiente. O cuidado com


o meio ambiente é representado através de imagens e cores ao longo do
vídeo. Aos um minuto e quarenta e seis segundos, números com letras
grandes e brancas estão em segundo plano no centro da tela e, ao seu lado
direito, há o desenho de uma bateria que vai sendo carregada na mesma
proporção que os números crescem até completar a carga de 100% e o
ambiente vai ficando cada vez mais claro nessa mesma medida enquanto
letras brancas escritas em primeiro plano da tela informa ao espectador:
‘SolarCell carregado por energia da luz’. A folha verde que, inicialmente
estava em cima do controle remoto em posição horizontal, começa a girar
da mesma forma que o controle conforme a sua bateria é carregada. A

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

cena termina com o controle remoto na posição vertical e central da tela


em ângulo fechado, o que mostra a perspectiva do produtor do vídeo
ao apresentar um controle remoto que não necessita de pilhas para o
seu funcionamento e a preocupação da empresa em preservar o meio
ambiente ao produzir mercadorias sustentáveis. Nesse sentido, toda essa
construção molda, circunda, reforça um tipo de consumidor: o “atento à
preservação do meio ambiente”.

OUTRAS QUALIDADES

O reforço do discurso tecnológico de alta qualidade em que se


investe o bem a ser consumido é o de afastar ainda mais este produto
dos anteriores. A característica de uma TV sem burn in é apresentada
no vídeo (1’:02’’) como uma qualidade, pois esse efeito é descrito como
um problema de televisores de modelo antigo. Segundo o site Zoom, “ele
(burn in) era muito comum nas telas de tubo e também nas de plasma.
Você nota o defeito quando troca o canal e continua vendo ‘fantasmas’
do canal anterior. Pode acontecer com logos de canais, barras de notícias
ou de videogames, por exemplo”.
Para criar o efeito de verdade, o produtor do vídeo apresenta, em um
ambiente com pouquíssima luminosidade, uma TV cujos cantos esquerdo
superior e direito inferior trazem círculos amarelos com setas para indicar
que o aparelho não possui esse tipo de problema e que o proprietário pode
jogar despreocupadamente conforme as letras brancas escritas no centro
da tela: ‘10 anos de garantia pra jogar tranquilo’. A partir daí, as bordas
da TV adquirem grande luminosidade e raios surgem no seu centro in-
ferior, mudando para a cena de um jogo de videogame em que o jogador
aparece de costas para o participante observador, segurando uma arma.
A qualidade de jogar e seus efeitos discursivos e sociossemióticos é
novamente destacada no vídeo aos um minuto e oito segundos quando o
telespectador parece segurar o volante de um carro em uma competição
de cross. Com a perspectiva de tela cheia, o participante observador tem

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

a impressão de guiar o carro, pois somente é possível visualizar as mãos


do participante representado. No centro da tela, está escrito em letras
brancas ‘Free Sync Premium Pro’, que evidencia a tecnologia usada
nos monitores para jogos com tecnologia HDR, filmes e outros conteú-
dos10. A velocidade do carro de corrida e o clima de competição do jogo
(intensificado pelo tipo de música) incitam o participante observador a
interagir com os elementos representados através do olhar de oferta e
da qualidade de amplitude da tela da TV cuja característica quanto à sua
amplitude é salientada em seguida: ‘Tela Ultra Wide’.
De forma geral, ao vídeo apresentar os quatro tipos de TVs para evi-
denciar/vender as qualidades na emissão de sons, na exibição de imagens,
na decoração de um ambiente e na preservação da natureza, associadas
à tecnologia na produção desses aparelhos eletrônicos, reforçando, nos
últimos segundos do vídeo, que ‘A melhor Smart TV’ apresenta as quatro
TVs e escreve o tema da campanha ‘15 anos de liderança global’ no es-
paço de pesquisa, para além de seu objetivo de ofertar bens de consumo,
participa da luta hegemônica para manter as estruturas sociais ao dar
destaque a espaços privilegiados, ao valorizar a “alta cultura” e sua arte
tradicional, bem como, naturalizar (em um país diverso) o corpo branco
como aquele que pode estar e ter e viver esse modo de vida. Tudo isso
materializado em cores, brilhos, saturação, escolhas lexicais e sintáticas,
movimentos etc.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto da funcionalidade da língua que valida o discurso como


a linguagem em uso, o presente trabalho apresenta uma leitura de um
vídeo de publicidade na perspectiva da Semiótica Social e da Análise
Crítica do Discurso (ACD). Apesar do aporte teórico utilizado neste
trabalho, sabe-se que uma leitura de texto multimodal possibilita muitas
10 Segundo informações divulgadas no site <https://www.amd.com/pt/technologies/free-sync>.
Acesso 15 dez. 2021.

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

direções, assim, o olhar para o objeto em análise também contempla, de


alguma forma, as subjetividades das autoras. Por isso, não esgotamos
os significados nas análises que podem ser elucidados a partir de outros
direcionamentos.
Consideramos os trabalhos que incluem as leituras multimodais
bem relevantes para um contexto social que é sempre dinâmico. A
seleção de cada recurso para compor um texto/discurso multimodal
(cores, sons, palavras, imagens etc.) pode ser observado, contex-
tualizado e discutido de maneira crítica. Nesse sentido, desejamos
contribuir minimamente para um cenário de leituras diversas que vem
se remodelando com as transformações sociais. Muito ainda se pode
avançar no que diz respeito à desconstrução de paradigmas de leitura
em texto multimodais, os quais, por vezes, são legitimados com a
identificação de sentidos centrada apenas em elementos linguísticos
em textos que apresentam imagens, sons e palavras, por exemplo. Nas
instituições de ensino, ainda se verifica uma atenção maior para os
elementos linguísticos em textos que predominam variados formatos.
Essa realidade está pautada em uma tendência de leitura que coloca
os elementos linguísticos em destaque, perspectiva associada à abor-
dagem formalista, isto é, nessa visão teórica, a linguagem é um objeto
autônomo. Contudo, a abordagem sociossemiótica e discursiva da
linguagem na qual as teorias da Semiótica Social e da Análise Crítica
do Discurso (ACD) se constituem possibilita contextualizar sempre a
linguagem e as escolhas realizadas pelos indivíduos para elaboração
de seus textos cada vez mais de natureza múltipla. Assim, na contem-
poraneidade, há uma necessidade de leituras que validem também os
novos formatos de composição dos textos, possibilitando uma leitura
mais crítica e engajada das representações sociais. de modo a observar
o funcionamento das práticas sociais em que estruturas hegemônicas
agem para se manterem no poder econômico, social político e manter
desigualdades e discriminações sobretudo social e de raça.

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

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2, p. 295-324, 2014. Disponível em: <https://periodicos.fclar.unesp.br/casa/article/
view/7243>. Acesso em:
VIEIRA, J.; SILVESTRE, C. Introdução à Multimodalidade: contribuições da
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DF: J. Antunes Vieira, 2015.

67
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

https://doi.org/10.29327/5238051.1-4

Capítulo 4

ANÁLISE SOCIOSSEMIÓTICA DA IMAGEM


PRESENTE NA REPORTAGEM DO PRÊMIO
ECOA NO SITE UOL

Leila Patrícia Bispo dos Santos França


Priscilla Barbosa de Oliveira Melo

INTRODUÇÃO

A tualmente, inúmeras imagens são veiculadas nos mais diver-


sos meios de comunicação. O ambiente virtual tem sido uma
potente ferramenta de persuasão e disseminação de ideias, crenças e
ideologias, formando opiniões e modificando os modos de interagir
e ver o mundo. Neste sentido, um olhar mais apurado e uma análise
mais consciente se faz urgente aos leitores que as contatam. Por este
motivo, a análise de imagens a partir da gramática do design visual
é um campo de estudo que tem crescido e tem adentrado aos estudos
e pesquisas acadêmicas de forma expressiva. Dada a importância
destes estudos, propomos neste artigo uma análise de uma imagem
proveniente do ambiente virtual.
Dessa forma, compreendermos como a linguagem se faz presente
na sociedade atual é de suma importância, uma vez que

68
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Numa época em que a produção de significado está sendo


democratizada pela Web 2.0, sites de redes sociais e conecti-
vidade portátil, discursos poderosos continuam a nos falar e a
falar através de nós. Muitas vezes, somos agentes inconscientes
de sua distribuição. Ao mesmo tempo, esses novos meios de
comunicação têm sido usados para disseminar discursos con-
trários, para mobilizar oposição, questionar e desestabilizar o
poder (JANKS, 2018, p.15-16).

Sendo assim, é pela linguagem que interagimos socialmente e,


segundo a teoria da Análise do Discurso Crítica, doravante ADC,
desenvolvida por Fairclough (2003 a), “a linguagem é parte irredu-
tível da vida social dialeticamente interconectada a outros elemen-
tos sociais”, sendo entendida como discurso e prática social. Nessa
perspectiva, não há uma neutralidade da linguagem, pois ela reflete o
ser social que a reproduz, suas crenças, conceitos, preconceitos, etc.
E, como sendo prática social, que faz parte da vida, está imbricada
em questões ideológicas, hegemônicas, as quais “refletem e refra-
tam” (KLEIMAN, 2015, p. 25) as configurações e estruturas sociais
existentes. Tais posicionamentos pessoais ampliam-se para as esferas
sociais que esses sujeitos atuam e interagem entre si, disseminando e
influenciando, assim, os diversos modos de agir e reagir diante dos
fatos. É neste movimento constante que a ADC e a Semiótica Social
tornam-se essenciais, já que

Enquanto a ADC analisa pelo viés do domínio social e po-


lítico as questões de desigualdades, identificando estruturas
de dominação e promovendo o questionamento da materia-
lização do poder e como esse é exercido, mantido e repro-
duzido discursivamente nas organizações sociais. Por outro
lado, a Semiótica Social muda o enfoque linguístico para o
recurso semiótico para descrever, interpretar explicar como
as pessoas produzem artefatos ou eventos comunicativos e
como os interpretam em contextos de situações e/ou práticas
específicas. (SILVESTRE e VIEIRA, 2015, p.8)

69
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Sendo assim, o presente trabalho pretende analisar a chamada da


reportagem “Mulher à frente” veiculada no site da UOL à luz da Semi-
ótica Social e da ADC1.

À LUZ DA TEORIA

A base teórica da presente análise está fundamentada nas teorias


da Análise do Discurso Crítica (FAIRCLOUGH, 2003a.), na Semiótica
Social e da Multimodalidade preconizados por Hodge e Kress (1988),
Kress e Van Leeuwen (1996, 2006) e Kress (2010), na Gramática do
Design Visual de Kress e Van Leeuwen (1996, 2000) e na Gramática
Sistêmico-Funcional de Halliday (1985, 1994, 2004).
Numa sociedade globalizada, na qual a informação chega às nossas
mãos num “clique” e em tempo real por meio dos diversos meios de
comunicação, a multimodalidade de textos, de fato, se faz cada vez mais
presente e constante na vida dos indivíduos. Sendo assim, entender esse
processo e os discursos e ideologias que estão imbricados neles é uma
tarefa que exige do leitor um olhar mais crítico e apurado e que o mesmo
tenha desenvolvido práticas multiletradas, “que exigem sujeitos ativos,
capazes de desenvolver formas de pensamento complexas e colaborativas
diante de situações autênticas do cotidiano” (KERSCH; COSCARELLI,
2016, p. 21), como por exemplo, ler uma reportagem num site na internet.
É nesse sentido que a ADC desempenha um papel fundamental na
análise semiótica, pois permite que os sujeitos leitores tenham uma visão
mais apurada dos textos, enxergando o que está por trás das entrelinhas
dos discursos produzidos e veiculados amplamente, assim como ressaltam
Ramalho e Resende, quando afirmam que:

Para analistas do discurso, somente o conceito funcionalista


de discurso é aplicável, uma vez que o foco de interesse não
é apenas a interioridade dos sistemas linguísticos, mas, so-

1 Análise do Discurso Crítica.

70
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

bretudo, a investigação de como esses sistemas funcionam na


representação de eventos, na construção de relações sociais,
na estruturação, reafirmação e contestação de hegemonias no
discurso”. Está claro, entretanto, que o conhecimento acerca
da gramática - uma gramática funcionalista - é indispensável
para que se compreenda como estruturas linguísticas são
usadas como modo de ação sobre o mundo e sobre as pessoas
(RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 13).

Buscando um equilíbrio entre a forma e a função, pois uma não


anula a outra, mas se completam e se complementam, para Fairclough
(2001 a.), “a busca desse equilíbrio é uma das grandes contribuições da
ADC, uma vez que se trata de uma abordagem social e linguisticamente
orientada”. Desta forma, enquanto a ADC busca dar à linguagem esse
caráter de prática social, por outro lado, na Semiótica Social “o foco está
na forma como as pessoas usam os recursos semióticos para produzirem
artefatos comunicativos e eventos para interpretá-los - que é uma for-
ma de produção semiótica - no contexto de situações sociais e práticas
específicas” (VAN LEEUWEN, 2005, p. XI), ou seja, como ocorre a
significação nas práticas sociais. Sendo assim, a presente análise se ba-
seia nos estudos de Halliday que por sua vez propõe três metafunções:
ideacional, interpessoal e textual.
A este respeito, Santos e Pimenta (2014, p. 305) ressaltam que essas
metafunções não atuam de forma isolada, mas interagem na construção
do texto, conferindo-lhes um caráter multifuncional. Desse modo, con-
centramos esta análise da imagem central do Prêmio Ecoa UOL nas duas
últimas metafunções citadas, interpessoal e textual, as quais também
fazem parte da gramática da linguagem visual.

A METAFUNÇÃO INTERPESSOAL

Sobre a metafunção interpessoal, Silveira e Cunha (2021, p. 25)


afirmam que é através desta que a relação social se estabelece entre os

71
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

sujeitos sociais na construção dos sentidos, já que a mesma trabalha


com estratégias de aproximação e afastamento para com o leitor (p. 52).
Na visão dessas autoras, os textos não são somente mais atrativos, mas
também agregadores de sentidos e intenções que se remetem ao produtor
e seu contexto sócio-histórico-social (p. 10).
Neste sentido, Santos e Pimenta (2014, p. 307) reforçam ao co-
locar que a metafunção interpessoal está relacionada com o aspecto
da organização da mensagem como um evento interativo que envolve
falante, escritor e público. Esta metafunção se releva, segundo Santos
e Pimenta (2014, p. 310), através de algumas categorias, a saber: o
contato, a distância ou afinidade social e a atitude. Sobre estas, veja-
mos a seguir:

Contato - marca uma maior interação com o leitor. Podem-se


classificar as imagens a partir das expressão/modo semiótico
do olhar, como sendo demanda e oferecimento - atos de
imagens. Um ato é uma unidade de significado, são corpos
posicionados em um determinado local e num determinado
tempo. Distância ou afinidade social - realizada pelo tama-
nho da moldura e tipos de enquadramento, pode codificar
uma relação imaginária de maior ou menor distância social.
Atitude - é a dimensão que revela a perspectiva da imagem,
o ângulo ou o ponto de vista a partir do qual os participantes
representados são retratados, indica uma atitude mais ou
menos subjetiva por parte do produtor da imagem (SANTOS;
PIMENTA, 2014, p. 310).

A referida metafunção torna-se relevante para a análise da imagem


a que se propõe este artigo, uma vez que a mesma demonstra importantes
elementos visuais (como exemplo dos gestos, das expressões faciais, das
cores e da luminosidade), cujo objetivo consciente configura-se em criar
determinados conceitos / efeitos para o leitor.
Nesta perspectiva, Regina Célia Pagliuchi da Silveira em sua
apresentação ao livro de Silveira e Cunha (2021) afirma que é im-

72
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

portante estar atento aos modos semióticos, pois propicia conferir os


diferentes valores e os distintos eventos contidos na sintaxe textual,
pela relação entre o verbal e o visual, para a representação de pessoas
e de coisas do mundo.

A METAFUNÇÃO TEXTUAL

Já a metafunção textual, ocupa-se da linguagem na organização do


texto (oral ou escrito). Assim, de acordo com Santos e Pimenta (2014,
p. 307) a oração, concebida como uma unidade na qual os significados
de diferentes tipos são combinados, é organizada em torno da estrutura
Tema/Rema e Dado/Novo.
Neste caso, Santos e Pimenta (2014, p. 307) nos lembram que “o
tema serve como ponto de partida da mensagem que orienta e situa
a oração dentro do contexto. Assim, sendo o primeiro constituinte
da oração, todo o restante da oração denomina-se rema”. A respeito
do Dado/Novo, as autoras colocam que esta estrutura de dois blocos
interfere na construção do sentido do texto para o leitor. Afirmam
ainda que:

a informação dada - aquela que se encontra na consciência


dos interlocutores e pode ser recuperada pelo contexto - esta-
belece pontos de ancoragem para aporte de informação nova
(SANTOS; PIMENTA, 2010, p. 133).

Nesta perspectiva, Kress e van Leeuwen (2006) chamam atenção


para o fato de que as estruturas visuais se assemelham às estruturas
linguísticas, uma vez que as primeiras permitem interpretações particu-
lares de experiências na medida em que se demonstram como formas
de interação social. Assim sendo, Santos e Pimenta (2014) concluem
que, nesta lógica, as escolhas de composições de imagens são escolhas
de significados.

73
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

CONTEXTO DE PRODUÇÃO DO CORPUS E JUSTIFICATIVA


DA ESCOLHA

Figura 1 - Imagem utilizada para análise

Fonte: www.uol.com.br

A imagem acima, usada para a presente análise foi retirada da pági-


na da internet do site UOL2, o qual possui um Prêmio chamado ECOA,
prêmio que valoriza iniciativas, pessoas e empresas que desenvolvem
ideias e ações para mudar o mundo. A escolha por essa imagem se deu
pelo fato de que, embora a iniciativa da UOL seja destacar as três his-
tórias das mulheres finalistas, o objetivo deste trabalho é analisar com
base na ADC e na Semiótica como essas mulheres foram retratadas, quais
recursos semióticos foram utilizados e como conclusão, verificar quais
os discursos estão ocultos nessas imagens.
Sabe-se que historicamente desenvolvemos uma sociedade machis-
ta, desta forma, atitudes como estas, cujas mulheres são vistas em uma
posição de destaque e prestígio social são sempre bem aceitas, uma vez
que são consideradas como um avanço na direção do respeito e da igual-
dade de gênero. Por outro lado, também na atualidade, onde o número
de feminicídios e violências contra as mulheres estão sempre na ordem
crescente, atitudes misóginas são cada vez frequentes, nas quais não há
2 https://www.uol.com.br/ecoa/reportagens-especiais/premio-ecoa-mulher-a-frente/

74
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

equidade de gênero, toda e qualquer atitude de valorização e empodera-


mento da figura feminina é bem-vinda.
Ao examinar a imagem que abre a reportagem no site UOL, observa-
-se a tentativa e/ou intenção de reconhecimento da figura feminina como
bem-sucedida. No entanto, questiona-se: todas as mulheres retratadas
são apresentadas da mesma forma? Existe algum grau ou traço de in-
feriorização nessas imagens? Assim, com base na ADC, na Gramática
Sistêmico Funcional e na Semiótica Social, propomos uma breve análise
dos atravessamentos e/ou dos apagamentos existentes na referida imagem.
Na imagem, inicialmente, é notório que, na perspectiva geográfica
existe uma diferenciação entre as mulheres do campo e as mulheres da
cidade, uma vez que para aquelas que lidam com o trabalho braçal no
campo, o olhar de oferta diferencia-se muito dos olhares de demanda
das empresárias da cidade, os quais se mostram confiantes e vibrantes.

ANÁLISE DA IMAGEM: COMO SE ESTÁ RETRATANDO AS


MULHERES DE SUCESSO NO PRÊMIO ECOA?

Ao analisar a imagem das mulheres do Prêmio ECOA UOL através


da metafunção interpessoal, verificamos, como já exposto, que podem
ser visualizadas em três dimensões: o olhar, a distância social e a atitude.
Sobre o olhar, notamos que as últimas mulheres, as quais aparecem
do lado direito da imagem que abre a reportagem do prêmio ECOA
(imagem 3), apresentam olhar de demanda, estabelecendo assim uma
integração participante com o leitor desta imagem, enquanto as mulheres
da primeira e da segunda imagens, o leitor passa a ser um observador,
ou seja, há olhares de oferta e, portanto, as imagens 1 e 2 passam a
ser um item de informação e contemplação. Além disso, o sorriso das
participantes da terceira imagem acompanha o olhar de demanda das
mesmas, contrastando com os olhares de oferta presentes na primeira e
na segunda imagens.

75
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Um outro aspecto relevante é o enquadramento social. As mulhe-


res estão em primeiro plano, trazendo maior proximidade com o leitor,
com destaque para a primeira mulher que se encontra em primeiríssimo
plano. Entretanto, os ângulos chamam atenção nesta análise, já que
notadamente a primeira e a segunda imagens se diferenciam da terceira
imagem. Na primeira e na segunda imagem, as mulheres encontram-se
de perfil evidenciando ao leitor o papel de observador. Na terceira ima-
gem, as mulheres estão em posição frontal, estabelecendo um lugar de
horizontalidade com o leitor.
Finalmente, ao visualizar a dimensão da atitude, notamos que
são imagens objetivas que se aproximam da realidade, entretanto,
mesmo próximas do real, demonstram as escolhas do autor, ao dar
destaque e valorização às mulheres da terceira imagem, ou seja, ao
registrar cada uma das situações em que as mulheres se encontram, o
autor o fez de forma subjetiva evidenciando que o uso da linguagem
não é neutro.
Complementam-se aos significados das imagens estudadas a meta-
função textual, já que os valores ideológicos estão evidenciados também
pela composição e colocação das imagens ao leitor. Sendo assim, ana-
lisaremos na perspectiva de três itens, a saber, o valor da informação, a
saliência e o framing. Neste sentido, fica claro que a informação dada
e conhecida ao leitor é a terceira imagem, além de estar no topo da
reportagem, configura-se como informação idealizada por se encontrar
no lado direito de quem lê. Neste caso, as imagens mais à direita são
informações novas (rema), ou seja, algo distante da realidade do leitor,
mas que são desejadas.
Neste sentido, é importante destacar que historicamente a mulher
não ocupava lugares de destaque comumente na sociedade, diante desta
condição histórica já bastante conhecida pela sociedade, apesar de esta-
belecer diferenças entre as mulheres fotografadas, o fato de ter mulheres
em destaque demonstra um dado novo para o leitor.

76
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Na categoria da saliência, vemos que o destaque é conferido à ter-


ceira imagem, já que a luminosidade e a cartela de cores se contrastam
fortemente ao esquema de cores e luminosidade das imagens ao lado.
As cores com tons amarelados e rosados remetendo ao sol e à luz são
deixados para a última parte da imagem, criando uma espécie de corredor
em que se dirige do mais escuro para o mais claro. Para a primeira parte
são reservados tons cinzas e brancos, denotando ao leitor ambientes
sérios e sóbrios.
Neste sentido, ao analisar a categoria do framing, percebemos que
há uma gradação proposital nas imagens. Inicia-se com a mulher em uma
penumbra segurando um objeto - que provavelmente é próprio do seu
trabalho - seguida de um grupo de mulheres - as quais são representadas
concentradas e trabalhando - em um ambiente mais claro e quase que
monocromático em tons de branco. As duas primeiras imagens com um
enquadramento fraco, sem vida, sem luz. Na sequência, aparece a ima-
gem das duas mulheres, as únicas que sorriem e, como exposto acima,
em tons amarelados e rosados, sugerindo uma posição de sucesso, cujo
registro não é de trabalho ativo (manual), denotando, assim, uma ideia
de trabalho de liderança e promissor, de sucesso pessoal e profissional o
qual traz esperança, jovialidade e viço, que se traduz como um lugar de
sucesso e felicidade ao leitor que decodifica a imagem como um todo.
É relevante analisar a principal frase que encabeça a reportagem,
sendo esta “Mulher à frente”. A frase elaborada para essa reportagem
composta pelo substantivo, o qual situa as participantes, seguido de uma
locução adverbial impactante, sugere o sucesso, bem como a inovação. Ou
seja, na frase, as mulheres ocupam uma posição de destaque na sociedade
por fazer algo novo que, consequentemente, impactou positivamente a
um grande público e, por isso, lhes rendeu o sucesso. Sendo assim, a frase
abrange a todas as mulheres da imagem, pois as mesmas trouxeram ações
que transformaram os modos de viver das pessoas, portanto, retratá-las
como bem-sucedidas seria essencial ao leitor.

77
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Contudo, dadas as distinções estabelecidas pelas escolhas do


fotógrafo e da equipe de edição da reportagem, não se pode verificar
um registro que evidencie tais aspectos aqui apontados, visto que tais
escolhas evidenciam como mulheres negras e brancas foram retratadas,
deixando subentendida ao leitor a distinção entre as participantes repre-
sentadas e as ideologias por trás de quem as retratou, ideologias estas que
se repetem nos espaços sociais justamente pela perpetuação das ideias
de preconceito racial embutidas, desde discursos proferidos em textos
escritos ou conversas informais até nas imagens, as mais simples que
possam parecer, como exemplo desta que abre a reportagem do Prêmio
Ecoa no site UOL. Para tanto, ao leitor crítico, basta apenas responder a
seguinte pergunta: na imagem da presente análise, quais são as mulheres
que realmente estão colocadas à frente?
Constatamos, dessa forma, que embora a tentativa da reportagem
seja de retratar mulheres que se destacaram, ao analisar a imagem do
Prêmio Ecoa pela ótica da ADC, da Semiótica Social e da Gramática do
Design Visual, percebemos que há uma notória diferenciação subenten-
dida entre as participantes representadas, uma vez que numa escala social
as mesmas estão hierarquicamente representadas da esquerda (dado) para
a direita (novo), numa escala de progressão que iria das trabalhadoras às
empresárias de sucesso.
Partindo do pressuposto de que o uso da linguagem não se dá de
forma neutra, na imagem, o sucesso é evidenciado nas mulheres brancas
que estão posicionadas à direita na imagem, nas quais a luminosidade,
o brilho e as cores em tons vibrantes rosados e amarelados (denotando
o ouro e o cuidado) evidenciam ao leitor da imagem a superioridade em
relação às demais participantes retratadas primeiramente (mais à esquerda
e ao centro) que são negras, pardas e oriundas da periferia, cujo trabalho
é mais relacionado a tarefas comunitárias ou que foram historicamente
delegadas às mulheres (tarefas relacionadas aos afazeres domésticos) do
que como sendo empresárias (situação que por muito tempo foi ocupada
apenas por homens).

78
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

É possível ressaltar ainda as expressões faciais e a forma como


foram enquadradas nas imagens, elementos explorados acima e que
evidenciam essa hierarquização subentendida. O olhar das mulheres
negras e pardas não está voltado para os leitores do texto. Exprimem ao
leitor olhares sérios de tristeza, desânimo e cansaço - um olhar de oferta,
no qual somente o leitor mais apurado ou que têm acesso aos estudos
da análise do discurso entenderá a mensagem passada, porém os outros
indivíduos que acessam a reportagem em análise podem não perceber
tais aspectos, daí a importância de se trabalhar a análise das imagens
desde a educação básica, uma vez que o leitor subentende e absorve as
mensagens mesmo sem perceber. Já os olhares das mulheres brancas
demandam diretamente uma interação com o leitor, comunicam-se ao
sorrir e olhar diretamente para o mesmo, demonstrando uma atitude de
alegria, júbilo e contemplação.
Mesmo na perspectiva geográfica foi feita uma distinção entre as
mulheres do campo (negras e pardas) e as mulheres da cidade (brancas),
para as quais o trabalho comunitário e com a lida da casa e da terra ficou
para aquelas do campo, da periferia enquanto o trabalho de criação, de em-
preendedorismo, de empresariado coube às mulheres brancas, da cidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, objetivamos fazer uma breve análise da referida


imagem do Prêmio ECOA UOL à luz das teorias estudadas na disci-
plina Linguagem e Multimodalidade do programa de pós-graduação de
Língua e Cultura da UFBA, ampliando os estudos da imagem, buscando
contribuir para ampliar as leituras acadêmicas acerca destes temas em
língua portuguesa, visto que as mesmas são predominantemente mais
abundantes em língua inglesa.
Dadas as análises realizadas, é possível compreender a importância
do conhecimento dos leitores sobre essas teorias para dialogar com os
textos que lhe são apresentados a fim de obter esse olhar mais apurado

79
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

sobre os discursos que estão implícitos em cada texto, uma vez que como
dentro de um texto “existem várias vozes, que se articulam e debatem na
interação” sendo “crucial para a abordagem da linguagem como espaço
de luta hegemônica, uma vez que viabiliza a análise de contradições
sociais e lutas pelo poder que levam o sujeito a selecionar determinadas
estruturas linguísticas ou determinadas vozes, por exemplo, e articulá-
-las de determinadas maneiras num conjunto de outras possibilidades”
(RAMALHO; RESENDE, 2006 p. 18).
Porém, sabemos que nem todos os indivíduos terão acesso a este
campo de estudo, por isso, reforçamos que tais teorias e estudos cheguem
até os professores das diversas áreas do conhecimento para que os mesmos
possam se utilizar destas em sua prática pedagógica, transformando-as em
discussões e reflexões em salas de aula pelo Brasil afora. Desta forma, na
escrita deste artigo, intentamos contribuir para este objetivo: a formação
de professores e graduandos e, consequentemente, através deste texto,
estaremos contribuindo para a formação dos estudantes da educação
básica como cidadãos conscientes, reflexivos e ativos socialmente.

REFERÊNCIAS

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de mudar o mundo na prática. Reportagem do Prêmio ECOA. UOL, 9 Nov. 2021.
Disponível em: Prêmio Ecoa: Mulheres desvendaram maneiras de mudar o mundo
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JANKS, H. A importância do letramento crítico. Letras & Letras, v. 34, n. 1, p.
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KERSCH, D. F.; COSCARELLI, C. V.; CANI, J. Bi. Multiletramentos e
multimodalidade: ações pedagógicas aplicadas à linguagem. Campinas, SP: Pontes
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estudos de letramento: desenhos transdisciplinares, éticos e críticos de pesquisa.
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81
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

https://doi.org/10.29327/5238051.1-5

Capítulo 5

ANÁLISE MULTIMODAL DA REPRESENTAÇÃO


IMAGÉTICA DA BRANQUITUDE EM
NOTÍCIAS-CRIME

Willyane Mara Costa de Paula

INTRODUÇÃO

A pesquisa crítica do discurso trabalha com análises de textos de


diversos gêneros e estruturas, podendo ser lexicais, imagéticos,
multimodais, dentre outros, enxergando-os como “produções sociais
historicamente situadas que dizem muito a respeito de nossas crenças,
práticas, ideologias, atividades, relações interpessoais e identidades” (RE-
SENDE; RAMALHO, 2006, p. 10). Diante disso, estas práticas letradas
também possuem propósitos, se vinculam a instituições sociais, sendo
perpassadas por relações de poder, por ideologias e pelos sentidos cons-
truídos pelo receptor no ato interacional interpretativo e na construção
socionarrativa dos sujeitos presentes no discurso, operações estas que
se realizam de modo consciente e inconsciente na cognição dos leitores,
encontrando sustentação no conflito gerado entre as crenças impregna-
das na constituição ideológica dos textos e nas crenças enxertadas na
formação ideológica do leitor.

82
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Análogo a isto, Van Dijk (2015) menciona que os estudos críticos


do discurso “concentram-se de forma específica nas complexas relações
entre a estrutura social e a estrutura discursiva, bem como as estruturas
discursivas podem variar ou ser influenciadas pela estrutura social” (p.
13) visto que a interação humana ocorre, em todos os níveis, perpassan-
do o emprego de um discurso, onde alguns se tornam mais dominantes,
visíveis e influentes do que outros. Neste ponto, temos o certame deste
artigo que se propõe a discutir a contextualização e recontextualização
das representações imagéticas dos agentes de etnia branca, na composição
dos relatos jornalísticos criminais.
Este trabalho está organizado em seções discursivas que abordarão
os conceitos da semiótica social, em que realizamos um estudo de corpus
sobre a ideologia do significado representacional das imagens escolhidas
para ilustrarem 4 notícias-crime sobre delitos cometidos por sujeitos
brancos, baseando-nos na abordagem multimodal para entendermos estes
textos de alta circulação e veiculação social.

APORTES DA TEORIA SEMIÓTICA SOCIAL NESTA ANÁLISE

A teoria semiótica provém de 3 grandes domínios teóricos linguís-


ticos que são: a escola de Praga (1930), a escola de Paris (1960 e 1970)
e a escola da Austrália (1980). Esta última, pode ser considerada como o
berço da semiótica social que, segundo Santos e Pimenta (2014, p. 298)
se trata de uma abordagem centrada nas funções sociais da linguagem e
no processo de significação como parte da construção e da prática social.
Nestas análises, iremos explorar o mapeamento do significado atribuído
aos sujeitos brancos, como agentes nas notícias-crime, observando o
fundo composicional imbricado na sua representação imagética, ademais
de questionarmos sobre quais seriam as possíveis construções de sentido
que os leitores interativos poderiam vir a tecer ao consumir estes textos.
Para a semiótica social a “significação” é o ponto central, pois,
através dela que ocorre a atribuição de sentidos a um enunciado, ou seja,

83
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

através da acepção de significados que produzimos e compreendemos


os signos. No entanto, depende apenas de o leitor realizar o confronto
interpretativo destes signos no texto, para que se compreenda o contexto
da narrativa? Somente as ideologias destes consumidores de textos mul-
timodais os quais irão agir sobre os processos de atribuição de sentidos?
Para Santos e Pimenta (2014, p. 299) não. Segundo as autoras “quem
produz um signo escolhe o que considera ser a representação mais apro-
priada do que se quer significar”, sendo assim, existem outras forças1 que,
conscientemente, agem sobre os leitores e que dinamizam e orientam a
compreensão do fundo narrativo. As autoras explicam que:

a Semiótica Social trabalha com a discussão de princípios


semióticos amplos, dentre os quais destacamos: 1) a noção
de escolha do sistema de linguagem; 2) as configurações de
significado a partir do contexto; e 3) as funções semióticas
da linguagem segundo a Linguística Sistêmico-Funcional
- ideacional, interpessoal e textual (SANTOS; PIMENTA,
2014, p. 299).

Deste modo, sendo a linguagem um tipo de comportamento social


por onde constroem-se categorias, sistemas e contextos potenciais, asso-
ciados a situações específicas e que são influenciadas pela organização
social e cultural (SANTOS; PIMENTA, 2014, p. 300), que guiaremos
nossas análises, observando as escolhas representacionais utilizadas para
construir-se a identidade dos agentes do discurso. O cerne da questão está
em inferirmos se dissociar o significado central da representação destes
agentes das notícias, pode contribuir para a manutenção de estruturas
desiguais de poder e controle social, pois, o leitor está sendo induzido a
construir uma representação normalizadora e apaziguadora dos atos cri-
minosos cometidos por sujeitos de etnia branca aqui analisados, ou seja,
o discurso utilizado para constituir a identidade dos agentes da notícia
pode influenciar na interpretação dos leitores quanto ao fato noticiado
e quanto às percepções e juízos de valor direcionados aos sujeitos no
1 Forças políticas, culturais, sócio-históricas, de dominações sociais e ideológicas.

84
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

contexto social. Esse caminho que forma parte do contexto interacional


da língua e do discurso fazem parte do que Fairclough (2001) nomeou
como os “três aspectos dos efeitos construtivos do discurso” que, para
ele, significa dizer que o discurso:

Contribui, em primeiro lugar, para a construção do que varia-


velmente é referido como ‘identidades sociais’ e ‘posições de
sujeito’ para os ‘sujeitos’ sociais e os tipos de ‘eu’ (ver Henri-
ques et al., 1984; Weedon, 1987). Devemos, contudo, recordar
a discussão de Foucault sobre essa questão no Capítulo 2 e as
minhas observações quanto a ênfase na posição construtivista.
Segundo, o discurso contribui para construir as relações so-
ciais entre as pessoas. E, terceiro, o discurso contribui para a
construção de sistemas de conhecimento e crença. (p. 91-92)

A nossa hipótese é que o modo como se constitui os textos multimo-


dais nas notícias crime podem contribuir para a estabilização, resgate ou
sustentação de estigmas sob sujeitos brancos, por vezes, vistos como os
“bons e incapazes de cometer o mal” e os sujeitos pretos como os “maus
e obviamente criminosos”. Para analisarmos como estas estruturas semi-
óticas e discursivas aportam tensões ideológicas tão significativas, que
tomaremos como corpus teórico a Gramática do Design Visual (KRESS;
VAN LEEUWEN, 1996, 2006) e a Gramática Sistêmico-Funcional
(HALLIDAY, 1985, 1994, 2004). Neste ponto, iremos ater-nos sobre o
significado representacional dos textos imagéticos presentes nos textos
lexicais dos enunciados, analisando as fotos que foram utilizadas para
ilustrar os agentes das notícias-crime por onde se difundiu a informação.
Exemplificando, na função representacional se constrói visualmente a
“natureza dos eventos, objetos e participantes envolvidos, e as circunstân-
cias em que ocorrem” (UNSWORTH, 2004, p. 72 apud NEPOMUCENO;
PAES, 2019, p. 53). Diante disso, argumentaremos sobre as possíveis
inter-relações que podemos tecer entre os eventos, as ações descritas nos
textos e a representação imagética dos atores sociais. A saber, torna-se
importante atentar-nos a estes detalhes, pois, o modo de representar um

85
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

agente social irá proporcionar a direção para o entendimento do discurso


envolto às representações e, por certo, das interpretações. (NEPOMU-
CENO; PAES, 2019, p. 141).

ESTUDO DE CORPUS: O SIGNIFICADO REPRESENTACIONAL

Esse artigo se baseou em uma pesquisa analítica crítica e aplicada,


na qual articulamos os dados de notícias-crime selecionadas e publicadas
no ano de 2021 em portais eletrônicos nacionais. Trabalhamos com este
corpus através de uma abordagem qualitativa, utilizando o procedimento
de análise multimodal. As análises foram feitas sobre 4 notícias-crime
que identificamos o uso do significado representacional para construir
a identidade dos principais agentes do discurso. Fairclough (2003a, p.
124) conceitua o “significado representacional” como “modos de repre-
sentar aspectos do mundo - os processos, as relações e as estruturas do
mundo material, ‘o mundo mental’ - dos pensamentos, dos sentimentos,
das crenças e assim por diante, e o mundo social”, ou seja, se existe um
“modo” de se constituir um discurso automaticamente existe um pro-
cesso de escolha, que perpassam as múltiplas opções da materialidade
linguística, bem como as diversas operações ideológicas (legitimação,
dissimulação, unificação, fragmentação e reificação), para gerar, através
da língua, a construção da identidade dos agentes da/na notícia. Esses
processos implicam estratégias de construção simbólica, por exemplo,
como a “nominalização, naturalização e passivação” (RESENDE;
RAMALHO, 2006, p. 52) no caso da reificação, que atingem tanto a
estruturação narrativa dos sujeitos, quanto a estruturação das descrições
das ações no discurso.
O que nos chama a atenção é que o significado representacional é
uma atividade ideológica consciente, determinada por uma seleção lexical
executada pelo enunciador; sintetizando nas palavras de Van Dijk (2015)
é diferente nominar um militante de “terrorista” ou de “lutador pela li-
berdade”, ou seja, ao categorizar-se de modo antagônico um mesmo ato,

86
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

sentidos distintos serão produzidos a depender das escolhas designativas


do autor do discurso. Neste artigo, nos debruçamos sobre a análise da
construção sociodiscursiva e representacional do agente da notícia de
etnia “branca”, porque, segundo Van Dijk (2001, p. 191) “el discurso
puede ser en primera instancia una forma de discriminación verbal”, e
sendo os portais eletrônicos e os organismos de informação alguns dos
aparelhos ideológicos do Estado e da cultura dominante (ALTHUSSER,
1980, p. 44), ademais de serem uma das maiores fontes de difusão da
informação, como também de construção representacional de agentes
sociais, que, então, torna-se fundamental refletirmos sobre a concepção
do significado representacional através do filtro racial.
Justifica-se a importância desta análise baseando-nos em Resende
e Ramalho (2003a, p. 25) citando Fairclough (1989, p. 85), onde se
afirma que:

a ideologia é mais efetiva quando sua ação é menos visível,


de forma que “se alguém se torna consciente de que um de-
terminado aspecto do senso comum sustenta desigualdades
de poder em detrimento de si próprio, aquele aspecto deixa de
ser senso comum e pode perder a potencialidade de sustentar
desigualdades de poder, isto é, de funcionar ideologicamente”.
Se reproduzimos acriticamente um aspecto problemático do
senso comum, a ideologia segue contribuindo para sustentar
desigualdades.

Sendo assim, inferindo sobre como a “ideologia contribui para


sustentar desigualdades” e sobre como os atores sociais “percebem e
representam a vida social de acordo com suas posições” (SILVA, 2009,
p. 3), onde “as representações são configuradas em consonância com o
modo como os atores sociais se posicionam e são posicionados” (p. 3),
que justificamos esta proposta, sabendo que, como afirma Rajagopalan
(2008, p. 85) “é inegável o importante papel desempenhado pelos termos
cuidadosamente escolhidos a fim de designar indivíduos, acontecimentos,
lugares etc. na formação de opinião pública a respeito daqueles entes” e,

87
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

nesta análise, iremos questionar se existe uma reconfiguração ou recon-


textualização, no texto imagético, sobre os atos criminosos cometidos
por sujeitos brancos, sabendo que, estes conceitos, agregam cada vez
mais complexidade a essas representações sociais.
As quatro notícias-crime que serão analisadas são: “Influencer é
presa pela PF no Aeroporto Internacional de SP acusada de levar co-
caína em suplemento alimentar”, publicada em 13 de agosto de 2021,
por Kleber Tomaz e Léo Arcoverde, no portal G1 SP e Globo News São
Paulo; “Hulkinho do tráfico’ é preso por vender ‘combo’ de drogas e
sexo no DF”, publicada no dia 22 de setembro de 2021, pela redação
do portal Correio 24 horas; “Blogueira acusada de integrar quadrilha
de estelionatárias é presa no Rio”, difundida pelo Portal IG, escrita
pela equipe “Brasil econômico”, em 10 de julho de 2021 e, por último,
a notícia-crime “Playboy do crime’ é preso por assaltar mulheres e os-
tentar luxo nas redes”, difundida pelo Portal UOL, redatada por Daniele
Dutra, em 30 de agosto de 2021. Nos aprofundaremos nas questões so-
ciorrepresentacionais das escolhas multimodais presentes nestas notícias.
Respectivamente, poderíamos dizer que a primeira notícia se destina
ao público alvo da cidade de São Paulo, pois ela foi veiculada direta-
mente no ambiente virtual do portal G1 dedicado a este estado. Assim,
como esta notícia possui livre acesso, ela pode se destinar a qualquer
leitor que queira se informar sobre eventos do cotidiano, principalmente
aqueles ligados a ações policiais. Com isso, poderíamos inferir que o uso
das designações e das imagens escolhidas para compor o texto se apro-
ximam dos sujeitos que consomem narrativas virtuais e estão presentes
(possuem perfis) nas redes sociais, pensando que os termos “influencer”,
“blogueira”, “digital influencer” estão diretamente conectados ao campo
semântico digital e a uma função social executada nas plataformas de
interação social.
A segunda notícia-crime, apesar de narrar um fato que ocorreu no
Distrito Federal, em que poderíamos inferir que ela estaria dirigida a este

88
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

público, também está direcionada aos consumidores de notícias sobre


crimes ou sobre autuações policiais. Ela também pode estar orientada
aos clientes do labor meretrício de “Hulkinho do tráfico”, já que ele
praticava os delitos, especialmente, contra estes sujeitos ao qual atendia.
A notícia foi veiculada no portal Correio 24 horas, que tem como slogan
“o que a Bahia quer saber”, entretanto, trata-se de um fato alheio ao
contexto regional baiano. Em contrapartida, o público alvo baiano que
poderia se interessar por esta notícia seria aquele que deseja se informar
sobre acontecimentos criminais que ocorreram em outros estados ou que
possua a curiosidade instigada por dois elementos: o fato de esta notícia
ter sido publicada na sessão “em alta” do portal, local onde se confere
maior destaque a algumas notícias, em lugar de outras, e o fato do lei-
tor ser persuadido pelo título chamativo da sentença “preso por vender
‘combo’ de drogas e sexo”, que motiva os leitores a lerem a notícia para
compreenderem como essa relação de “venda de combo de drogas e
sexo” se desenvolvia.
A terceira notícia-crime se assemelha à primeira notícia que aqui
discorremos: um público limitado que consome o conteúdo de blogs e
redes sociais que compreenderá as implicações sociais e representacionais
da função de “blogueira”. Para ser uma “blogueira” necessita-se de um
coletivo que apoie e dê visualizações aos materiais produzidos por estas
pessoas. Geralmente, envolto ao contexto de vida de uma “blogueira”
está a sociedade do consumismo, do exibicionismo, da divulgação, da
venda de produtos, do marketing e, por vezes, da futilidade. Portanto, o
mesmo público alvo que consome este tipo de material, ou que possui
um comportamento próximo ao labor de uma “blogueira”, que poderia se
interessar pelo conteúdo da notícia. Ressaltamos uma implicação sobre
este texto: o fato dele ter sido veiculado na seção “economia” do Portal
IG. Com efeito, o público alvo destes cadernos são os interessados em
questões ligadas a ações na bolsa, criptoativos e impactos econômicos e
políticos, por exemplo. Como se trata de uma notícia sobre um crime de
estelionato, pensamos que este público alvo da seção não seria o adequado

89
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

para dirigir-se ao conteúdo do texto. Decerto, a notícia se destina mais


às pessoas que se interessam por eventos do cotidiano no Rio de Janeiro.
A quarta e última notícia-crime está, acertadamente, publicada
na seção “cotidiano” do portal de notícias UOL. Como o título é bem
específico ao descrever a natureza hedionda dos delitos do agente como
“preso por assaltar mulheres”, este texto poderia estar dirigido a elas, a
fim de atentar-lhes sobre a possibilidade de um perigo iminente. O uso
do termo “playboy” também possui um caráter sociolinguístico de voca-
bulário utilizado por pessoas jovens, sabendo que se trata de uma gíria
que, regularmente, designa os sujeitos que “são homens ricos, jovens,
que ostentam bens materiais, por vezes, dados pelos pais” (descrição
nossa). Diante disso, a notícia pode ter, também, como público alvo a
comunidade linguística jovem.
Justificamos a escolha deste corpus pelo fato desta materialidade ser
um dos objetos de investigação da pesquisa de mestrado que se encon-
tra em fase inicial de desenvolvimento, no Programa de Pós-graduação
em Língua e Cultura da Universidade Federal da Bahia. Como temos o
objetivo de realizar uma análise do discurso crítica e comparada sobre
a construção socionarrativa da identidade de pessoas brancas e pessoas
pretas em notícias-crime, iniciamos estes estudos para suscitar o debate,
buscando colaborações e tecendo possibilidades de análise dentro da
estrutura da pesquisa. De outros modos, queremos observar, no texto
multimodal, como articula-se a representação dos agentes principais
da notícia a partir das escolhas imagéticas utilizadas para caracterizá-
-los, sabendo que se trata de uma representação dos agentes da cultura
economicamente, socialmente e historicamente dominadora no mundo:
a cultura da branquitude. Sobre este termo, nos debates ocorridos sob
a coordenação do Instituto Ibirapitanga sobre “Branquitude: racismo e
antirracismo” Lia Vainer Shucman (2021, p. 45) citando Sueli Carneiro
(2019) aponta que:

90
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

A branquitude é uma posição de vantagem nas sociedades que


foram estruturadas pelo racismo. Essas sociedades estruturadas
pelo racismo são as colonizadas ou as dos colonizadores. Nesse
sentido, é uma posição de poder e uma posição de privilégio,
ocupada por aqueles que são considerados brancos.

Para Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 42), existe uma relação


entre a mudança de significado e a interação midiática. Segundo os
autores, a globalização, as tecnologias da informação e da comunicação
se tornaram cânones no processo de interação humana, e por estarmos
o tempo todo consumindo textos multimodais, agindo como sujeitos
ativos e passivos insertados neste processo homogêneo de integração
social, que construímos acepções e ao mesmo tempo somos construídos
por elas; captamos os sentidos expressos nos textos, como também atri-
buímos novos sentidos ao discurso, fazendo isso através de operações
que absorvem sentidos da prática social, das ideologias, dos discursos
e das informações consumidas pelos leitores, por isso a importância de
levarmos em consideração a estrutura de dominação social agindo sobre
a estrutura social.
Por último, citando Silva (2014, p. 62) “os atores sociais percebem
e representam a vida social, dentro de qualquer prática, com diferentes
discursos condizentes com suas posições, bem como produzem repre-
sentações de outras práticas e representações ‘reflexivas’ de sua própria
prática”. Portanto, devemos analisar se uma notícia crime com uma foto
fora do contexto da ação, por exemplo, contrapondo-se aos contextos le-
xicais, poderá gerar uma experiência de leitura que dissocia a experiência
imagética da experiência lexical, originando uma desconexão contextual
com a figura da realidade do ato criminal.

MULTIMODALIDADE E REPRESENTAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS

Neste trabalho, iremos realizar análises multimodais em que obser-


varemos como as representações realizadas por meio das imagens e das

91
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

cores, por exemplo, aproximaram ou distanciaram os agentes da notícia


do contexto discursivo temático da narrativa, ou seja, discutiremos se
as escolhas imagéticas que ilustram as notícias operam em um campo
sociossemiótico sentidos “antagônicos” (oposição) entre aquele expresso
pelo recurso verbal escrito (léxico) e o expresso pelo recurso imagético.
Não podemos relativizar as escolhas lexicais, nem tampouco as escolhas
imagéticas de uma notícia, pois:

em contextos multimodais, as imagens transformam-se em re-


ferências diretas ou indiretas da realidade física e social, sendo
necessária uma escolha seletiva, tendo em vista que as socie-
dades usam imagens como um modo de legitimar argumentos
e fatos relatados e descritos, entretanto não podemos ignorar
que as imagens usadas pelas diversas mídias contribuem com
a identificação das formações ideológicas construídas nesses
diferentes espaços midiáticos e também podem revelar a
manipulação de ideologias que pode ocorrer na seleção das
imagens mostradas e também naquelas que foram expurgadas
ou ocultadas (VIEIRA; SILVESTRE, 2015, p. 44-45).

Articulando uma análise do significado representacional, cujo


objetivo é “demonstrar as relações conceituais entre pessoas, lugares e
objetos” (CUNHA, 2021, p. 37), nas fotos utilizadas como texto imagético
nas notícias-crime citadas anteriormente, por via de regra, aportaram-se
aos agentes principais das notícias muitos termos gerais e genéricos, que
não estabeleciam a conexão plausível entre o “lugar” retratado no texto
imagético e as “relações, objetos” e ações representados pelo léxico. Em
alguns casos, mesmo sabendo-se e confirmando-se a disponibilidade de
outras representações que estavam condizentes com a figura da realidade
do ato criminoso, o enunciador optou por mostrá-los “executando ações
destoantes do conteúdo da notícia” (o fato), e eles são representados
mais “sendo algo, significando alguma coisa, ou fazendo parte de uma
categoria” (JEWITT; OYAMA, apud VAN LEEUWEN; JEWITT,
2004, p. 141) do que representados pelo que são na notícia: criminosos.

92
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Percebemos, de início, que as representações realizadas imageticamente


parecem não caracterizar um crime, visto que se aproximam mais de um
fato informal, de ostentação, de culto à corpolatria, à influência digital,
entre outros que citaremos adiante. Há uma incongruência entre o fato
que se relata e sua representação sociossemiótica e discursiva.
A primeira imagem que iremos analisar a metafunção representa-
cional foi difundido na notícia “Influencer é presa pela PF no Aeroporto
Internacional de SP acusada de levar cocaína em suplemento alimentar”,
e que reproduzimos abaixo:
Figura 1 – Fragmento de Notícia sobre a Influencer presa pela PF

Fonte: Portal G1 São Paulo, 2021.

De início, defendemos que não faz parte da mesma categoria repre-


sentacional “sujeito criminoso” representado no texto como “blogueiro”,
inclusive quando, ao realizarmos uma breve comparação com outras
notícias sobre “tráfico internacional”, enfoca-se, especialmente, em
construir-se a identidade do “criminoso” com recursos que estejam no
mesmo contexto semântico representacional do ato cometido, um conceito
básico, inclusive, do ato jornalístico. Segundo Vieira e Silvestre (2015,
p. 48) “todos os recursos utilizados devem operar significados visando
a um sentido maior”, diante disso, inferimos que a repetição tanto lexi-

93
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

cal, quanto imagética da condição de “blogueira” arguida à “traficante


internacional”, visa ao sentido maior de constituir a sua representação
como “detratora” ou como “influenciadora digital”, uma vez que, se
oferece aos leitores, uma dimensionalidade limitada e direcionada da
representação deste sujeito que ocupa as manchetes de crimes não por
ser uma “influenciadora” e sim por ser uma “criminosa”.
Nesta montagem, também nos atentamos ao exame das cores presen-
tes neste contexto, pois, a primeira imagem que mostra “Laís Crisóstomo”
foi retirada de uma postagem em carrossel (quando há muitas imagens
sequenciais em uma só postagem) da rede social “Instagram”, isto é,
dentre as numerosas opções viáveis, o enunciador-jornalista optou por
utilizar uma imagem que tivesse uma escala de cores monocromáticas
com as duas outras imagens que constituem a montagem, que possuem
os tons branco e azul cintilante em evidência, lembrando que os tons
mais claros como o “branco” tendem a representar “pureza, candura”
e também se comunicam diretamente com os processos cognitivos de
interpretação dos leitores, possibilidades de representações percebidas
na primeira imagem escolhida para retratar a criminosa. Observe como
o elemento maior, em tom azul (carro conversível) sobressai ao outro
elemento em tom azul (reagente para cocaína) neste texto multimodal,
criando um semiapagamento do elemento mediador da narrativa (notícia
de um crime), transpondo-o para um segundo plano de representação do
sujeito.
Aliás, vemos como a ênfase, novamente, volta-se primeiro para a
construção social do sujeito (plano de frente/esquerdo) e apenas depois
para o objeto elementar da comprovação do crime (plano de fundo/
direito). Assim, questionamos: se este organismo de informação teve
acesso a fotos oficiais dos narcóticos apreendidos pelos agentes de segu-
rança pública, eles não tiveram acesso às fotos oficiais do prontuário de
apreensão dos indivíduos? Ao “mugshot” destes criminosos? De fato, a
semiose verbal entre título e subtítulo, com a semiose visual, estabelecem
uma ênfase entre o plano de fundo e o primeiro plano, pois há um apazi-

94
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

guamento da construção da identidade da criminosa enquanto detratora,


para uma transposição de sua identidade aquém ao ato cometido narrado.
Prosseguindo, o segundo texto multimodal que iremos analisar
ilustra a notícia-crime “‘Hulkinho do tráfico’ é preso por vender ‘com-
bo’ de drogas e sexo no DF”, publicada no dia 22 de setembro de 2021,
pela redação do portal Correio 24 horas. O fato incorre sobre o sujeito
“Jean Ferreira Leal”, preso em flagrante por tráfico de cocaína e ecstasy
no Distrito Federal, um criminoso recorrente, como veremos abaixo2.
Nesta notícia, observa-se que o foco está na corpolatria e menos nos
crimes, o tráfico e o roubo. Não se apresentam registros imagéticos dos
narcóticos ou dos veículos apreendidos, ressaltamos, em flagrante, e
tampouco mostram-se registros imagéticos da apreensão do meliante.
Nota-se, também, que o jornalismo investigativo é posto à margem, uma
vez que não há, por exemplo, a apresentação representacional através de
um boletim de ocorrências, documento público que poderia ser usado
para ilustrar a veracidade dos diversos crimes.
Figura 2 – Fragmento de notícia sobre “Hulkinho do tráfico”

Fonte: Correio 24 horas, 2021.


2 que, inclusive, foi preso e solto por diversas vezes em 2021, bastando pesquisar no buscador
“google” as sentenças “Hulkinho do tráfico”, que tivemos estes três primeiros resultados na
figura 3.

95
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Neste contexto multimodal, observamos a semiose resultante da


combinação dos recursos lexicais e imagéticos. “Hulkinho do tráfico” é
este sujeito musculoso, de sunga, representado na imagem. É possível
associar o nome (apelido) do criminoso (Hulkinho) com um personagem
conhecido pela ira e pela força: “O Incrível Hulk”, Acreditamos que o
foco ao mostrar o agente da notícia sem camisa, seja uma tentativa de
criar-se uma inter-relação entre eles. Mais a fundo, podemos observar
que a os processos simbólicos deste texto multimodal não condizem com
a natureza e tampouco com as circunstâncias dos eventos relatados na
notícia-crime, já que, não é provável que esta imagem seja aquela que
compõem o prontuário deste criminoso recorrente. A visão que temos
deste evento criminoso envolve termos que exercem apagamento frente
ao fato, como o uso do verbo “vender” em lugar de “traficar”, mesmo
sabendo que “vender” não seja a denominação adequada do processo; o
Código Penal Brasileiro ratifica isso, visto que não acata a prerrogativa
de “vender-se drogas”, uma ação que é, especialmente, qualificada e
penalizada como “tráfico” de droga.
Figura 3 – Manchetes envolvendo Huguinho do tráfico

Fonte: google.com/hulkinho-do-trafico – 2021 (Montagem).

Como mencionamos acima, o criminoso “Jean Ferreira Leal” é con-


siderado um detrator recorrente e de alta periculosidade, que já resistiu
à prisão em flagrante, já fugiu e agrediu policiais e populares durante os

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

atos infracionais. No entanto, estes fatos não obtiveram a devida ênfase na


construção representacional feita pelo enunciador, tanto no portal Correio
24horas, como em outros portais, conforme mostram as imagens acima.
Há um contraponto entre a identidade de Jean enquanto criminoso, para
uma orientação de sua identidade como “portador de grandes atributos
físicos”, ou seja, a função representacional do uso destas imagens não
condizem com o contexto semântico das notícias-crime, pois, a relação
que se faz entre palavras e imagem não se articulam contextualmente,
o que nos leva a concluir que, novamente, não há uma conexão entre a
identidade sociovisual deste sujeito-branco, que cometeu um crime, com
a estrutura composicional destes eventos-crime; em outras palavras, como
estas imagens não estão localizadas no mesmo contexto do ato infracional
e, possivelmente, elas tiveram que ser escolhidas pelos enunciadores,
vemos aqui um processo massivo e deliberado de (des)articulação de
sentidos que pode influenciar os leitores a operarem significados anta-
gônicos daqueles que são o foco da notícia-crime.
O penúltimo texto multimodal que iremos analisar faz parte da
notícia-crime intitulada “Blogueira acusada de integrar quadrilha de
estelionatárias é presa no Rio”, difundida pelo Portal IG, em 10 de julho
de 2021. Novamente, apesar do desenrolar dos fatos presentes no discurso
indicarem que a agente da notícia-crime foi devidamente considerada
uma criminosa “estelionatária”, que, inclusive, foi presa, podendo, deste
modo, ter sido representada como “detenta” (mas não o foi), o portal
opta por destacar, dentre todas estas características e informações, uma
representação imagética deslocada do teor da notícia-crime, em que
o enunciador realiza uma operação de dupla representação do agente
principal da notícia.

97
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Figura 4 – Fragmento de notícia sobre Blogueira acusada de integrar quadrilha

Fonte: Portal IG Mail - Economia – 2021.

Notamos que a construção do sentido representacional deste sujei-


to que cometeu uma prática social criminosa de estelionato é bastante
interessante, pois, contrariando os exemplos anteriores, onde supomos
que o enunciador-jornalista poderia não ter acessado um material ins-
titucional que ilustrasse a apreensão dos criminosos e fez uso de uma
seleção de material imagético aquém ao contexto da notícia-crime,
aqui, comprovamos que este enunciador, especificamente, não só teve
acesso ao “mugshot” da estelionatária que foi detida, como, também,
selecionou outra imagem fora do contexto central do instante-crime
para representar a meliante.
Devemos observar que, neste exemplo, a orquestração dos signifi-
cados através da disposição das imagens, novamente, faz uma retomada
ao instante anterior à prática divulgada na notícia-crime, como se o
enunciador resgatasse um passado mais amigável e menos amistoso
sobre os agentes da notícia de etnia branca que foram retratados come-

98
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

tendo crimes. Haja visto que o motivo que tornou “Anna Carolina de
Sousa Santos” o enredo da notícia-crime não seja a sua performance
enquanto blogueira e sim enquanto criminosa, nos preocupa o direcio-
namento narrativo e representativo que se constrói sobre os agentes da
notícia neste texto multimodal, pois, os estímulos e os sentidos visuais
e lexicais exploram uma realidade externa ao acontecimento principal
relatado, desarticulando e gerando ruídos de comunicação entre o
contexto criminal (estelionato) e o contexto pessoal (influenciadora),
ou seja, observa-se uma representação que não se enfoca na natureza
dos eventos relatados nas notícias-crime e sim na retomada da cate-
gorização social do agente segundo o seu passado, um movimento de
despersonalização do vetor.
Tratando-se das camadas de difusão da informação, das etapas
de construção de sentido, em que o que se apresenta primeiro e o
que se repete ao longo do texto refletirá em uma maior fixação da
ideia no leitor, podemos reivindicar que a dimensão argumentativa
deliberada ao longo do texto multimodal opera em direção a uma
formação de sentido representacional de manipulação da informação,
especialmente quando identificamos que a seleção dos argumentos,
das designações e das imagens agem como modalizadores de um
discurso apaziguador do ato criminoso, desviando o foco central do
texto-denúncia. Acreditamos que “o papel da imagem faz mais do
que dar vida ao discurso, pois ao colori-lo, provoca afetividade e
emoção, direcionando a atenção do leitor ao propósito do discurso.”
(VIEIRA; SILVESTRE, 2015, p. 76)
Por fim, iremos analisar o texto multimodal da notícia “‘Playboy
do crime’ é preso por assaltar mulheres e ostentar luxo nas redes”,
difundida pelo Portal UOL, em 30 de agosto de 2021. Novamente,
outra notícia escolhida por retratar o apaziguamento narrativo e a
recontextualização imagética de um sujeito branco criminoso como
agente principal de uma notícia-crime.

99
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Figura 5 – “Playboy do crime’ é preso por assaltar mulheres e ostentar


luxo nas redes”

Fonte: Portal UOL Cotidiano, 2021.

De fato vemos, uma vez mais, uma representação imagética fiel ao


discurso factual construído pelo enunciador da notícia-crime e não aos
dados contextuais corroborados na narrativa, considerando que o ponto
de vista expresso nesta categorização multimodal, novamente, retoma
uma posição social discrepante entre o delito e sua representação socios-
semiótica. Desse modo, como o agente da notícia está constituído dual-
mente enquanto “assaltante” e “playboy” no léxico, porém, enfatizado
na representação imagética como um “playboy”, gozando de privilégios
econômicos e de posses materiais, que inferimos se estas escolhas estão
adequadas ao contexto narrativo representado. Na nossa compreensão,
há controvérsias sobre esta prática e argumentaremos abaixo.
Analisando o significado representacional que são “os modos de
representar aspectos do mundo - as diferentes perspectivas de mundo
associadas a diferentes relações que as pessoas estabelecem com o mundo
e que dependem de suas posições no mundo e das relações que estabe-
lecem com outras pessoas” (FAIRCLOUGH, 2003a), ponderamos que

100
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

há uma subjetividade neste ponto de vista do agente que foi retratado:


retomando algumas construções sociais estereotipadas, reconhecemos
que as imagens nos autorizam a ver o participante representado somente
do ponto de vista em que esta narrativa foi construída pelo enunciador
(NOVELLINO, 2007, p. 77), que nos apresenta um sujeito desfrutando
de um momento de lazer em um jet-ski, um meio de transporte de aces-
so limitado, do mesmo universo contextual dos sujeitos de alto poder
aquisitivo, como são os “playboys”, de modo geral.
Tomando a dimensão do “significado de palavra”, onde “Fairclough
(2001a, p. 105) registra que um foco de análise recai sobre o modo como
“os sentidos das palavras entram em disputa dentro de lutas mais amplas”,
sugerindo que “as estruturações particulares das relações entre os sentidos
de uma palavra são formas de hegemonia” (p. 75), afirmamos, então,
que construir um discurso híbrido que mescla dois universos contextuais
e representacionais, porém, dando ênfase narrativa, através de recursos
multimodais, para apenas um espectro do fato, centralizando, insistente-
mente, uma característica física ou social que é alheia ao contexto factual
da notícia-crime pormenorizada, poderá afetar a construção de sentidos
efetuada pelos leitores. Marcia Olivé Novellino (2007) aponta que:

Quando uma imagem é mostrada subjetivamente, numa deter-


minada perspectiva, como geralmente ocorre em fotografias,
o ponto de vista imposto ao participante representado acaba
por ser imposto também ao participante interativo, que é o
observador da imagem, pois esse verá a imagem da maneira
como ela lhe foi imposta pelo produtor (p. 79).

Em outras palavras, ao fazer-se o uso de determinadas escolhas


designativas e imagéticas “descontextualizadas”, o enunciador poderá
induzir o leitor interativo a reduzir o gravidade da ação e até ao apaga-
mento do ato criminoso, pois, devido a estas operações de constituição
de sentidos representacionais, em lugar de “criminoso” o leitor verá
apenas um “playboy”, porque a oferta de informações limitadas ou as

101
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

escolhas de enquadramentos específicos, dotados de “valores informa-


tivos específicos” constroem o que Novellino (2007, p. 81) chamou de
função composicional, operação pela qual os elementos multimodais se
relacionam entre si e formam conceitos, interpretações, frames e, até
mesmo, colaboram para constituir as estruturas sociais, o que nos leva
a compreender que:

a apreensão da realidade é realizada somente por meio de outras


representações da realidade, as quais podem estar representadas
por um texto, um discurso ou uma imagem, tomando-se dife-
rentes caminhos para capturar a realidade, diferentes atalhos
para construir a representação dessa mesma realidade, mas
essas outras representações não conseguem nunca representá-la
de maneira completa, total, mas somente de um dado ponto
de vista. Em face disso, nunca realizamos uma representação
que já não tenha sido representada, daí porque os estereótipos,
além de frequentes, são também denunciadores da ideologia,
das crenças e também dos preconceitos construídos por meio
das representações, sempre realizadas com base em outras
representações, o que faz com que a realidade seja falseada
ideologicamente, como no caso dos estereótipos (DYER, 1995,
p. 3 apud VIEIRA, SILVESTRE, 2015, p. 34).

A construção sociocognitiva, na psique do leitor, do significado da


representação social da prática de “traficar”, “roubar”, “enganar” (bem
como de outras práticas como beijar, invadir, contratar, etc.) depende de
uma movimentação interpretativa através de uma série de levantamentos
igualmente sociocognitivos, originados das práticas de leitura, escrita,
vivência, experiência, entre outras, responsáveis por constituírem os
frames e alocações determinísticas de toda gama de substantivação que
constituirão significados e significantes. Por serem a linguagem e a inte-
ração humana uníssonas, em que constituímos nossas relações de sentido
através de agrupamentos semânticos-imagéticos sociais, criar-se, repeti-
damente, uma concepção específica acerca de um sujeito, dentro de um
mesmo agrupamento, fomentará uma estabilização de sentido do signo.

102
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

De fato, assim como o uso corrente de uma determinada variação


linguística pode torná-la vigente em uma comunidade linguageira,
frente a outra estrutura considerada padrão, de igual modo, uma
prática discursiva que atribua sentidos díspares na narrativa de atos
equivalentes, que possuem a simples discrepância de terem sido
cometidos por sujeitos diferentes, poderá gerar uma atribuição de
sentido segmentada e, além disso, fragmentada, para reconhecer um
significado especialmente e unicamente portador de um significante.
Em resumo, a construção do significante “professor”, por exemplo,
aquela concepção que resgatamos quando lemos ou escutamos a
palavra “professor”, provém das nossas memórias, dos estímulos
multimodais que obtivemos ao longo da vida e foram denotados a
este signo, e que contribuíram para que concebêssemos nossa própria
construção pessoal de “professor”. Existem alguns elementos que se
tornarão quase unânimes (doxa) quando solicitamos, por exemplo,
para um grupo de pessoas descreverem multimodalmente um profes-
sor e isso não é por acaso, senão, de um produto da retórica vigente,
da repetição de sentidos, da construção de narrativas que também
foram, de certo modo, unânimes, ao conceber-se a identidade de um
sujeito socialmente denotado como “professor”.
O debate ao qual almejamos trazer contribuições trata-se de, jus-
tamente, encararmos como os organismos de informação constroem
narrativas com representações sociais diferentes sobre sujeitos que
cometeram uma mesma prática, identificando quais as ferramentas
e estratégias são utilizadas para despersonalizar o próprio estigma
midiático da prática social negativa, relatada sobre determinados
sujeitos. Por um lado a mídia contribui para criar o estereótipo e, por
outro, ela mesma age narrativamente para não impor este estereótipo
sobre agentes específicos e esta contribuição perpassa, também, o
âmbito racial, pois há uma atribuição de sentidos díspares para ati-
tudes equivalentes retratadas em notícias-crime.

103
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A letrista enquanto analista crítica do discurso exerce uma função


social que, até então, estava obscurecida nas belas letras, que é o ato de
transcender as nuances literárias, gramaticais e educativas do labor peda-
gógico, para nos aprofundarmos em outras dimensões sociais da língua,
objeto de interação, mudança e código de regência humano (MAGA-
LHÃES, 2005, p. 2). Construímos, então, o perfil da analista crítica do
discurso como uma especialista que faz uso das faculdades materiais da
formação linguística, postas a prova nas experiências de mundo enquanto
leitoras críticas e leitores críticos dos mais variados textos, discursos e
materialidades experimentadas no mundo discursivo, que é o mundo da
comunicação, interseção e formação de sentidos da vida, da adjetivação,
substantivação, verbalização e representação de tudo que existe.
Estaríamos encalhadas na superfície da questão se apenas nos deti-
véssemos a estas operações de sentidos, de construção sociodiscursiva e
representacional como meros eventos isolados e casuais. Não se tratam
de simples nomenclaturas e sim de escolhas designativas conscientemen-
te contextualizadas e direcionadas. A predileção pelo uso de recursos
estilístico que vimos aqui, como de terminologias conhecidas como
“apelidos”, são ferramentas usadas, por exemplo, quando o enunciador
não teve acesso ao nome do agente da notícia, ou quando se prima por
referenciar a sua posição social, econômica ou física na composição do
discurso e, como vimos, os enunciadores não desconheciam os nomes dos
agentes da notícia. Neste ponto, conclui-se que há uma aptidão discursiva
à descaracterizar o sujeito da ação criminal.
Por outro lado, nestas análises vimos que as designações, as ima-
gens e o contexto composicional age como um agente modificador do
discurso, onde eles distanciam o agente da prática social denunciada. O
antagonismo entre títulos, textos lexicais e imagens constroem um dis-
curso híbrido, em que os elementos, dificilmente, se aglomeram em uma
unidade de sentido direcionada e sim fragmentada, que pode mediar a

104
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

formação de sentidos narrativos relativizadores sobre construções sociais


que incriminam determinados sujeitos e escusam outros, pois, ao esforçar-
-se para distanciar os criminosos brancos do contexto semântico dos
estereótipos criados, pela própria mídia, sobre o perfil representacional
de um “criminoso”, historicamente constituído através de imagens que
retratam, por exemplo, o ato, a prisão, as provas, os envolvidos, entre
outros, e ao não usar-se este mesmo critério para construir-se o perfil
representacional de um criminoso de etnia diferente, inferimos que o
leitor poderá conceber estruturas de sentido carregadas de estereótipos,
motivados por estes enquadramentos distintos sobre um mesmo evento
localizado.

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107
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

https://doi.org/10.29327/5238051.1-6

Capítulo 6

UMA ANÁLISE MULTIMODAL SOBRE


OS LIMITES DO MERCHAN

Marcela Souza Santos


Naiara Santos Felipe Costa
Vanessa Regina Alves dos Santos

INTRODUÇÃO

N o final de dezembro de 2021, a região sul da Bahia sofreu fortes


chuvas ocasionando destruição e mortes. Segundo a CNN Brasil,
430 mil pessoas foram afetadas em 72 municípios. Enquanto muitos
influencers, famosos e anônimos fizeram uma corrente de solidariedade,
doando e ajudando de alguma forma às vítimas de tamanha devastação,
outros se aproveitaram da situação para ganhar mais likes e parcerias.
Este foi o caso da influenciadora digital Gabriela Pugliesi que, segundo
o site Pensar Piauí1, usou este desastre para promover uma empresa de
passeios de helicóptero.

1 Disponível em: https://pensarpiaui.com/noticia/influencer-usa-enchente-que-devastou-sul-da-


-bahia-para-fazer-merchan-de-helicoptero.htm

108
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Diante do tema atual e urgente, utilizaremos os estudos acerca da


Análise do Discurso Crítica (ADC) e da Gramática do Design Visual
(GDV) para embasar as nossas considerações sobre o objeto da nossa aná-
lise, neste caso, a fotografia da manchete sobre a influencer supracitada.
De acordo com as autoras Resende e Ramalho (2006, 2011), a ADC
pressupõe que a linguagem faz parte da vida, nas práticas sociais e, sendo
assim, ela está nos sujeitos e os constitui. Este princípio vai de encontro
a uma visão estruturalista que defende que a linguagem está dissociada
da vida. As práticas sociais são as condutas que nós temos diante do
mundo, a partir dos materiais que estão disponíveis, dentro de determi-
nados eventos. A linguagem é a estrutura social, que está pressuposta, é
constituinte do sistema linguístico, e também de todo e qualquer sistema
semiótico. As autoras trazem o ponto de vista de Fairclough que defende o
quão a estrutura, a prática social e o evento estão presentes na linguagem.
A prática social alude à questão da interação e do dialogismo, trazendo
o exemplo de refletir e refratar. A língua que vai refletir é a sociedade
que estamos inseridos, então isso vem à tona através da linguagem. En-
quanto a refração é a base para desviar, fazer outro caminho, ou seja, a
possibilidade de poder fazer diferente e transformar. Podemos fortalecer
a hegemonia, reproduzi-la, mantê-la ou transformá-la. A ADC parte da
premissa de que essa transformação deve ser feita de forma consciente.
Ter o espelhamento e ter uma resposta em relação ao que está posto, e
não somente refletir, posto que é através das línguas e das linguagens
que se estabelecem as formas de dominação.
Tudo isso é refletido no nosso dia a dia, pois vivemos em sociedade
e estamos em constante interação. A linguagem enquanto prática social
faz com que nos reconheçamos enquanto sujeitos conscientes desse
meio. Sem esse dialogismo e interação podemos perder essa essência de
linguagem enquanto prática social e que eventos linguísticos se tornam
específicos a partir da conjuntura que os englobam. Como assevera
Halliday (2004) em que explica “a linguagem como um recurso capaz
de construir significados motivados para exercer funções em contextos

109
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

sociais específicos. [...] Assim, as dimensões sociais e culturais são al-


tamente relevantes para determinar escolhas e entender os vários modos
semióticos existentes” (HALLIDAY, 2004, p. 24).
Isto posto, ratificamos o nosso objetivo neste trabalho que é analisar
a imagem de uma manchete do site Pensar Piauí a qual é destacada a
atitude de uma influencer ao se utilizar das recentes enchentes na região
sul da Bahia para divulgar uma empresa de passeios de helicóptero. A
análise levará em consideração os estudos feitos acerca da Gramática
do Design Visual (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006). Em vista disso,
abordaremos três metafunções, a Representacional, a Interacional e a
Composicional, com o objetivo de refletir sobre a imagem do evento
discursivo.

QUADRO TEÓRICO

Para Silveira e Cunha (2021, p. 21) a Sociossemiótica é interdisci-


plinar, pois assente uma inter-relação com “os campos das áreas sociais e
semióticas, objetivando a renovação de análises dos fatos […] permitindo
tratar também a questão do significado como uma construção social
afetada pelos mais variados contextos de situação histórica e cultural.”
Por isso, para embasar a análise proposta neste trabalho, acionaremos
algumas epistemologias referentes à semiótica social e à GDV, a qual se
vale de conceitos hallidianos e é alusiva à Gramática Sistêmico-Funcional
(GSF) e a ADC.
Retomando as autoras Resende e Ramalho (2006, 2011), a estrutura
social está conformada na estrutura linguística, ou seja, nos sistemas se-
mióticos. Alguns exemplos de sistemas linguísticos são os sistemas das
linhas, das cores, dos traços, das dimensões, das imagens, dos sons. A
priori e a fortiori, a prática social são as nossas ações no mundo usando
os materiais disponíveis. A linguagem faz parte das práticas sociais,
elas não estão dissociadas pois o sujeito assume seu papel na sociedade
fazendo uso da linguagem determinada pela estrutura e pelo evento.

110
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

As autoras Josenia Vieira e Carminda Silvestre (2015) dedicam o


primeiro capítulo do seu livro Introdução à Multimodalidade a uma dis-
cussão da linguagem sob a influência das novas tecnologias no mundo
globalizado. As novas tecnologias, por sua vez, dão espaço para mais
e mais textos multimodais que evidenciam diferentes semioses em sua
constituição. Essa dinâmica atua diretamente “na reorganização das
práticas sociais e dos gêneros discursivos.” (VIEIRA; SILVESTRE,
2015, p. 15)
Atualmente, as mídias sociais são consideradas meios de comuni-
cação determinantes na vida de alguns sujeitos ou grupos sociais e estas
podem estabelecer as relações de poder nas sociedades contemporâneas.
Poster (2000, apud VIEIRA; SILVESTRE, 2015, p. 15) defende que

os sistemas de comunicação eletrônica sejam tratados como


linguagens que determinam a vida social de todos os indivíduos
nos eventos sociais, econômicos, políticos e culturais. A sua
tese geral concentra-se na forma como a informação circula e a
ela atribui a responsabilidade pela reconfiguração da linguagem
(VIEIRA; SILVESTRE, 2015, p. 15).

Kress e Van Leeuwen (2006), a partir da Gramática do Design


Visual, se utilizam de uma organização metafuncional para realizar seus
significados através das mesmas funções como propostas por Halli-
day (1985, 1994) com a Gramática Sistêmico-funcional que concebe
a linguagem como um sistema de significados e propõe três funções
que mostram os objetivos e as intenções da comunicação, a saber - a
Ideacional, a Interpessoal e a Textual. Elas, respectivamente, têm a
função de representação das experiências do mundo exterior e interior,
de expressão das interações sociais e de expressão da estrutura e for-
mato do texto. Porém, os teóricos sugerem outros termos considerados
mais pertinentes para análise de elementos visuais. Para eles, a imagem
interage com o mundo mesmo que esta não venha acompanhada de um
texto. A correlação desses termos ocorre da seguinte forma: a Função

111
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Ideacional equivale à metafunção Representacional, a Função Inter-


pessoal equivale à metafunção Interativa e a Função Textual equivale
à metafunção Composicional.

Primeiramente, a metafunção representacional é construída por


estruturas narrativas e conceituais. Esse significado nos diz
que eventos narrativos, ações e processos enunciativos estão
acontecendo na imagem. Além disso, é possível descobrir quais
são os processos de atribuição conceitual dos elementos ali
retratados. Por sua vez, a metafunção interativa diz respeito à
forma como se estabelece a relação do texto com o leitor. Nessa
dimensão interativa, pressupõe-se que o olhar dos participantes
retratados, por exemplo, estabelece uma relação de contato
com o observador. Por último, a metafunção composicional
desempenha um importante papel na organização do texto
visual (BALBINO; ARAÚJO, 2017, p. 6).

Assim, no próximo tópico analisaremos a imagem relacionada ao


contexto das chuvas no sul da Bahia de acordo com a GDV e suas me-
tafunções Representacional, Interacional e Composicional.

CONTEXTO DE PRODUÇÃO DO CORPUS

Guy Debord, em A sociedade do espetáculo (1997), denuncia a


instalação de um sistema de domínio social proveniente da organização
política e econômica da mesma. Ele fala que uma das formas que a reali-
dade vem sendo difundida é através da imagem que vemos. O espetáculo
representa a falsa realidade que está sendo propagada na sociedade através
dos meios de comunicação de massa. Assim as nossas aspirações e vonta-
des se ampliam paulatinamente ao consumirmos essas imagens, e assim,
compreendemos essas representações como sendo de fato a realidade.
Debord (1997) explica que o modelo capitalista tem como objetivo
transformar tudo em mercadorias, ou seja, a nossa identidade passa a ser
definida pelo espetáculo da sociedade e num ciclo vicioso nos conver-

112
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

temos em consumidores vorazes do capitalismo. O autor defende que


somos parte dessas imagens e podemos reconhecer que o espetáculo
seja uma ferramenta da classe hegemônica para impor e manter valores,
bem como dominar a consciência dessa sociedade através da ideologia
do consumo. Entretanto, nos questionamos e nos inquietamos quando
essa espetacularização extrapola os limites da ética e da responsabilidade
social.
A partir dessa inquietação, decidimos analisar a parte textual
imagética de uma reportagem realizada pelo site de notícias Pensar
Piauí, Influencer usa enchente que devastou Sul da Bahia para fazer
merchan de helicóptero, publicado em 12/12/2021, às 10 horas. Neste
texto, a imagem principal traz a influencer Gabriela Pugliesi fazendo
merchandising, ou a chamada publi, de uma empresa de helicópteros, ao
sobrevoar a região sul da Bahia, que sofreu os estragos causados pelas
fortes chuvas na região sul da Bahia, cenário utilizado como pano de
fundo para a publi em questão. A postagem reporta um momento muito
delicado que faz referência às chuvas torrenciais que aconteceram no sul
do Estado da Bahia, no final do ano de 2021. Essas chuvas provocaram
muitos alagamentos, deslizamento de terra, transbordamento de rios por
cima de pontes e lagos se encontrando.
Um volume de água muito grande que causou tremenda vulne-
rabilidade, 21 mortos e mais de 80 mil famílias desabrigadas. Muitas
cidades ficaram sem água potável, sem energia, ilhadas e com rodovias
inundadas. Houve um grande número de voluntários e de prefeituras
trabalhando juntas até o presente momento para minimizar a situação
emergencial, não apenas social como também psicológica, que se
encontra hoje na região. Nesse contexto, não pudemos deixar de nos
indignar e trazer à baila uma análise dessa imagem que traz a atitude,
no mínimo, insensível e, por que não dizer, desumana da citada Digital
Influencer de fazer a sua publi em cima de uma situação tão vulnerável
e tão caótica.

113
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Justificamos a nossa escolha por ser uma temática atual e que nos é
bastante caro, principalmente para uma das autoras deste texto que vem
de Ilhéus e que estava fisicamente em uma das cidades afetadas, viven-
ciando o sofrimento de seus conterrâneos enquanto escreve este estudo.
Muitos sites abordaram o ocorrido, porém consideramos significati-
vo analisar esta imagem do Pensar Piauí porque a manchete oferece um
viés crítico do evento que, em primeira instância, se caracterizava por
um vídeo postado no Instagram da influencer com a respectiva legenda2.
A postagem foi retirada das redes sociais de Pugliesi após ter causado
grande indignação por parte dos seus seguidores. Neste estudo serão
considerados noções de Análise do Discurso Crítica e da Gramática do
Design Visual (GVD).
Figura 1 - Imagem da matéria da Pensar Piauí

Fonte: Pensar Piauí (2021).


2 “Voltamos de Barra Grande Salvador com a Helimar e de lá pegamos o voo para SP. Além da
viagem ficar muito mais curta, prática, mais bonita, a Helimar é a única empresa homologada
na Bahia, e isso faz toda a diferença na segurança, e os pilotos têm mais de 3 mil horas de voo!
Fora o atendimento que é incrível! A @henrimrhelicopteros faz voos panorâmicos por toda
Bahia e tb fretamos para lugares de difícil acesso como Morro de SP, Barra grande, Praia do
Forte etc! E vcs tem 10% de desconto em qualquer voo! Só falar que viu aqui”.

114
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

ANÁLISE MULTIMODAL

Com base nas concepções da Semiótica Social e da Multimoda-


lidade discutidas por Santos e Pimenta (2014), é possível explorar o
“mapeamento dos significados, tendo em conta as dinâmicas culturais
e ideológicas nas quais ele está imerso” (SANTOS; PIMENTA 2014,
p. 298). Para as autoras, a partir de discussões de princípios semióticos
como as configurações da linguagem com base no contexto, a escolha
do sistema de linguagem e também a partir das funções Ideacional,
Interpessoal e Textual, conforme a Linguística Sistêmico-Funcional é
possível considerar os interesses de quem produz o signo, já que estes são
orientados pela “seleção dos atores sociais guiados pelos meios formais
de representação e comunicação” (SANTOS; PIMENTA, 2014, p. 299).
Porém, consideramos que este estudo será feito a partir da ressignificação
que Kress e Van Leeuwen (2006) deram para a GVD, utilizando assim os
termos empregados por eles que abordam as três metafunções, a saber:
representacional, interativa e composicional que serão adotadas para a
análise da a publi aqui selecionada para esse estudo.
Portanto, o texto multimodal selecionado nos possibilita aplicar uma
análise baseada na GDV explicitando as metafunções no que se refere à
representação no estudo dos vetores “como instrumentos marcadores da
estrutura narrativa em seus processos de ação” (SILVEIRA; CUNHA,
2021, p. 20). Adicionaremos ao estudo a metafunção Interacional le-
vando em consideração “[...] a dinamicidade das relações, nas quais as
mudanças não podem e nem devem ser desconsideradas nos processos
de produção de sentidos.” (SILVEIRA; CUNHA, 2021, p. 20) e faremos
alguma proposições a pontos que se referem à metafunção Composi-
cional na qual procuraremos evidenciar “o valor das informações, sub-
divididas em quadro demonstrando os quadrantes em esquerda-direita,
cima-baixo e centro” (SILVEIRA; CUNHA, 2021, p. 20) e, ainda sobre
esta metafunção, poderemos observar a “saliência dada a objetos espe-
cíficos, referindo-se à destaques de temas que podem vir a ser motivos

115
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

de discussão e reflexão expressos pelo produtor da imagem, em ato


de subjetividade na exposição do que pretende enfocar.” (SILVEIRA;
CUNHA, 2021, p. 20)
Iniciaremos a análise tendo em vista a metafunção Representacional.
No primeiro quadro, à direita de quem lê, encontramos a participante
representada pelo recurso verbal: “Pugliesi’ - enunciado expresso pelo
produtor do texto em uma tarja cinza -, e @gabrielapugliesi - identificação
da rede social Instagram presente na parte direita do texto. Além disso,
encontra identificação visual como um emoticon representando suas mãos
(brancas). Essa participante está representada como uma mulher que pode
ser lida socialmente como branca (fenótipo), e pertencente a um grupo
de prestígio social, como visualmente está sinalizado, sua vestimenta,
seus objetos ornamentais, sua postura e maneira de olhar.
No segundo quadro, do lado esquerdo, está o participante repre-
sentado “área da região sul da Bahia”, atingida e devastada pelas fortes
chuvas, e sobre ela um helicóptero em sobrevoo baixo; encontramos
também dois outros participantes que seguram algum tipo de objeto
enquanto miram a aeronave. Na parte verbal escrita, encontramos o
participante HENRIMAR, entre outros descritos (3 pilotos). Além disso,
nessa parte verbal há atributos referentes à empresa, aos pilotos, bem
como a suas ações. Para o intento deste capítulo, no entanto, estaremos
mais voltados para a parte imagética do texto, mas quando necessário,
olharemos o recurso verbal escrito.
Nesse texto, verificamos que se desenvolvem narrativas seja no
primeiro quadro seja no segundo. No primeiro quadro, a ação que se
desenvolve é indicada pela direcionalidade do olhar da participante
representada. Os vetores, no caso, são o unidirecional e não-transa-
cional, já que a participante dirige o olhar para alguém ou algo fora da
imagem, em um processo é Reacional, pois a participante da imagem
reage ao que vê. No quadro ao lado, os participantes representados (duas
pessoas com algo nas mãos olham para o helicóptero que parece estar

116
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

posando. Aqui são duas ações diferentes. Uma é relativa ao helicóptero


que pousa; ele é o ator e a área a ser pousada é a meta; temos aqui um
processo Acional transacional. Já em relação aos participantes que
olham o helicóptero, eles reagem ao pouso do veículo, ou seja, ocorre
uma reação transacional, visto que seus olhares se dirigem a uma meta
presente na própria imagem.
Do ponto de vista dos significados Interativos, pode-se dizer que,
na imagem do primeiro quadro, o Contato entre os participantes intera-
tivos (Pugliesi e leitores) se dá por demanda, ou seja, se dá por meio da
linha do olhar fixo para a lente da câmera que o retrata. A participante
representada olha para o leitor como numa relação imaginária de afini-
dade, sedução, como se o convidasse a conhecê-lo. Porém, este contato
requer uma resposta do destinatário e a relação imaginária produzida
pelo participante da imagem é de superioridade, principalmente porque
o olhar da participante, apesar de estar fixo para a câmera em sua frente,
parece estar vetorizada de cima para baixo, estabelecendo uma relação
hierarquizada.
Em relação à Distância Social, ou seja, ao enquadramento dado
às imagens. Na primeira imagem, a posição é de Médio Distancia-
mento, pois a figura humana é retratada da cintura para cima. Esse
enquadramento estabelece relação menos distante, fazendo com que os
agentes interactantes estejam próximos. No outro quadro, há um maior
distanciamento, efeito conseguido pelo uso do plano geral, que revela
todo o cenário. Aqui, o leitor está diante do evento, é mais observador
do que ocorre.
Em relação à perspectiva, ou seja, ao ponto de vista estabelecido
pelo produtor do texto, nos dois casos, foi utilizado o ângulo normal,
porque a câmera está no nível dos olhos (em relação ao quadro 1) e na
mesma altura que o objeto (no caso do quadro 2), nessa perspectiva, o
leitor é colocado para olhar como a cena está “ocorrendo”, o que lhe
proporciona comparar as cenas que estão diante dele.

117
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Traremos, agora, da metafunção composicional. No texto analisado,


sua textualização é construída a partir de duas imagens combinadas em
dois quadros sequenciais, que registram eventos diferentes, cuja coesão
ocorre pelo conteúdo temático expresso no enunciado verbal relacionando
a mulher (Gabriela Pugliesi), seu helicóptero (e a empresa representada
verbalmente) e a enchente. Além disso, o enunciado destacado em cor cin-
za funciona também como uma linha que “costura” as duas imagens. No
segundo quadro, há ainda os enunciados verbais contendo uma “fala” da
participante representada que também torna coeso os recursos semióticos
utilizados ao fazer as relações entre todos os participantes representados.
O produtor do texto reuniu em um mesmo texto uma imagem retirada
do Instagram da autora - essa imagem provavelmente printada de um
vídeo3 postado por ela em suas redes sociais (compartilhada por outros,
inclusive pelo jornal) e uma outra talvez também de uma rede social.
A respeito do valor de informação, na lateral esquerda da imagem
selecionada pelo produtor do texto, encontra-se o dado já conhecido, fami-
liar ao leitor: a influencer. No alto, mais ao centro (mais para a esquerda),
com certo destaque, a imagem do helicóptero, que interessantemente se
torna uma “seta” que sai da imagem da influencer em direção à imagem
do evento, tornando-se uma promessa do produto (ideal). Na lateral di-
reita, a informação nova: a qualidade que o helicóptero de ser a salvação
segura diante da situação de perigo (isto está posto imageticamente, ao
observar a cena em que o veículo está pousando em um lugar adverso).
E aqui é onde reside a crítica: a imagem da influencer em relação aos
benefícios de alugar o serviço daquela rede de helicópteros sem se dar
conta, propositadamente ou não, de que estava usando uma sequência
de infortúnios como pano de fundo para a publicidade.
A saliência é representada na composição da imagem acentuando
o tamanho da fotografia da influencer em relação às outras fotos. Assim
como o enquadramento dela, que divide as linhas do enquadramento em
3 Vídeo disponível no https://pensarpiaui.com/noticia/influencer-usa-enchente-que-devastou-
-sul-da-bahia-para-fazer-merchan-de-helicoptero.html Acesso em: 7 jan. 2022.

118
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

questão desconectando elementos das imagens. O efeito de sentido para


ser ode que autor que a compôs se utilizou do contraste da saliência e do
enquadramento para dar foco à participante não ao desastre que aconteceu,
representando assim a crítica sobre sua falta de responsabilidade social
e a desigualdade social na representação imagética.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, foi apresentada uma análise sociossemiótica, a partir


de pressupostos teóricos da GDV de Kress e Van Leeuwen (2006), em
que se centrou na análise das categorias sociossemióticas: Represen-
tacionais, Interacionais e Composicionais, com o objetivo de verificar
como se ocorre a representação e comunicação neste texto (Influencer
usa enchente que devastou Sul da Bahia para fazer merchan de helicóp-
tero) que circulou no jornal digital Pensar Piauí, em 12/12/2021, quando
ocorreu na Bahia (Maraú) um enorme enchente de grandes proporções.
Como se pode observar, esse texto analisado é uma resposta em
contraponto, quase uma denúncia por meio de uma organização textual
que permitiu que tanto os significados representacionais quanto os intera-
tivos criassem o sentido negativo das ações da participante representada
em relação ao fato ocorrido. Essa textualização visual (e verbal) expõem
de forma crítica o que defende Guy Debord (1997) em relação à espeta-
cularização da tragédia convertida em objeto de consumo publicitário.
Após o estudo, é possível observar nessa análise uma certa auto-
nomia da parte visual do texto em relação ao verbal escrito, embora, há
relação evidente de expansão de informações no nível lógico-semântico
(seja por acréscimo, redundância). A organização das imagens evidencia
a intenção do produtor do texto, porque, segundo Silveira e Cunha (2021,
p. 43), “igualmente ocorrem nas imagens por intermédio dos recursos
que criam e recriam, modelam e remodelam a realidade trazendo mais
ou menos credibilidade entre o que se vê na imagem e o que se vê ou
percebe da realidade”.

119
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

REFERÊNCIAS

BALBINO, G. E. da R.; ARAÚJO, A. D.. A metafunção composicional em charges de


futebol: um estudo do espaço visual à luz da Gramática do Design Visual. Pesquisas
em Discurso Pedagógico, n. 2, 2017.
CNN BRASIL. Chuvas na bahia devem continuar na semana após atingirem
mais de 430 mil pessoas. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/
chuvas-na-bahia-devem-continuar-na-semana-apos-atingirem-mais-de-430-mil-
pessoas/. Acesso em: 7 jan. 2022.
DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1997.
HALLIDAY, M. A. K. An Introduction to Functional Grammar. London: Edward
Arnold, 1985.
HALLIDAY, M. A. K. Language as social semiotic. London: Edward Arnold, 1978.
HALLIDAY, M. A. K. Introduction to function grammar. London: Edward
Arnould, 2004.
HODGE, R.; KRESS, G.. Social Semiotics. London: Polity Press, 1988.
KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Reading Images: The Grammar of Visual Design.
London; New York: Routledge, 2006.
PENSAR PIAUÍ. Influencer usa enchente que devastou o sul da Bahia para fazer
merchan de helicóptero. Disponível em: https://pensarpiaui.com/noticia/influencer-
usa-enchente-que-devastou-sul-da-bahia-para-fazer-merchan-de-helicoptero.html .
Dez. 2021. Acesso em: 7 jan. 2022.
RESENDE, V. de M.; RAMALHO, V. Análise de discurso (para a) crítica: o texto
como material. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011.
RESENDE, V. de M.; RAMALHO, V.. Análise do Discurso Crítica. São Paulo:
Contexto, 2006.
SANTOS, Z. B.; PIMENTA, S. M. O. Da semiótica Social à Multimodalidade: a
orquestração de significados. CASA: Cadernos de Semiótica Aplicada, v. 12, n.
2, p. 295-324, 2014.
SILVEIRA, R. C. P. de.; CUNHA, A. H. da. Gramática do Design Visual e Tiras:
multimodalidades e produções de sentido. Ponta Grossa - PR: Atena, 2021.
VIEIRA, J.; SILVESTRE, C. Introdução à Multimodalidade: Contribuições da
Gramática Sistêmico-Funcional, Análise de Discurso Crítica, Semiótica Social.
Brasília: J. Antunes Vieira, 2015.

120
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

https://doi.org/10.29327/5238051.1-7

Capítulo 7

LENDO O DESASTRE NA BAHIA: METAFUNÇÃO


TEXTUAL NUMA CHARGE PUBLICADA NO
PORTAL A TARDE

David Pérez Retana

INTRODUÇÃO

N o presente estudo, analisamos uma charge publicada no Portal A


Tarde em dezembro de 2021. A escolha deste gênero particular
responde à relevância do seu componente visual no evento comunicativo
e à importância que tem como forma de crítica social sobre o cotidiano.
De modo geral, a charge é considerada um tipo de gênero jornalístico
que expressa o posicionamento do autor ou do veículo através da ima-
gem. Trata-se de uma imagem crítica que usa a ironia para refletir sobre
diversas situações sociais da atualidade. Segundo Flores (2002), a escrita
e a imagem se integram de tal modo nas charges, que a sua compreensão
requer considerar os dois códigos em relação com o interdiscurso que
compõe o contexto. Flores define charge como
um texto usualmente publicado em jornais, sendo por via de
regra constituído por quadro único. A ilustração mostra os por-
menores caracterizados de personagens, situações, ambientes

121
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

e objetos. Os comentários relativos à situação representada


aparecem por escrito” (FLORES, 2002, p. 14).

De forma particular, para este estudo, estabelecemos como ob-


jetivo analisar a metafunção textual da charge publicada no jornal A
Tarde no dia 28 de dezembro de 2021. Para cumprir com o objetivo,
focaremos na função composicional, proposta por Kress e van Leeu-
wen (2006) na sua gramática do design visual (GDV), a qual se baseia
na metafunção textual da gramática sistêmico funcional proposta por
Halliday. Para tal efeito, inicialmente, discutiremos os elementos
envolvidos nesta metafunção assim como na função composicional;
seguidamente, estabeleceremos o contexto de produção do corpus;
logo, apresentaremos a análise do texto em questão para, finalmente,
concluir com as considerações finais.

QUADRO TEÓRICO

GRAMÁTICA SISTÊMICO FUNCIONAL

Dentro da abordagem sistêmica funcional, a gramática é concebida


como um sistema complexo de opções a partir do qual os falantes fazem
escolhas significativas (HALLIDAY, 2004). Essa série de alternativas
é construída sobre um número limitado de redes inter-relacionadas
cujas possibilidades de combinação simbolizam a potencialidade da
linguagem em produzir sentido. Para a gramática sistêmico funcional,
duas das funções básicas da linguagem (metafunções) são dar sentido
à experiência humana e modelar as relações pessoais e sociais entre os
indivíduos. No entanto, a construção da experiência e a representação
das relações interpessoais exigem uma terceira função da linguagem:
organizar o discurso em sequências contínuas e coesas. Essas três funções
encontram-se integradas na cláusula, a unidade gramatical mais relevante
dentro desta perspectiva.

122
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Quanto ao termo metafunção, a teoria da gramática sistêmico fun-


cional o aceitou para diferenciá-lo do conceito de função dos estudos
funcionalistas anteriores, entendido apenas como o uso da linguagem,
e integrá-lo como uma característica intrínseca da linguagem que se
manifesta simultaneamente ao longo de três linhas de significado inter-
-relacionadas. Portanto, três metafunções são desempenhadas na cláusula:
a metafunção ideacional, na qual se distinguem dois componentes -expe-
rimental e lógico-, e que expressa a percepção da experiência humana; a
metafunção interpessoal, na qual se manifestam os processos sociais de
interação; e a metafunção textual, responsável por organizar o fluxo do
discurso e dar coesão e continuidade (HALLIDAY, 2004).
Evidentemente, a cláusula é uma entidade composta, cujos elemen-
tos cumprem mais de uma função simultaneamente. É construída por três
dimensões encarregadas de três linhas de significados distintivos que
se integram em sua estrutura: a cláusula faz sentido como mensagem,
na medida em que revela informação; configura-se também como uma
troca, pois implica uma transação entre falante e ouvinte; e, da mesma
forma, adquire sentido como representação dos processos da experiência
humana (HALLIDAY, 2004).
Tais princípios são resgatados por Kress e van Leeuwen na GDV
para a análise de textos multimodais, como veremos a continuação.

A FUNÇÃO COMPOSICIONAL

Devido à complexidade dos textos atuais (potencializada, em parte,


pelas tecnologias recentes, o desenvolvimento da Web 2.0 e a digitali-
zação da informação), Kress e van Leeuwen (2006) apresentam o con-
ceito de multimodalidade, definido como uma combinação de recursos
semióticos usados ​​em textos para comunicar uma mensagem particular.
A utilização de tais recursos tem levado a uma reconfiguração da men-
sagem tradicional e ao uso de novas estratégias semióticas na elaboração
de significados, fazendo necessário novas formas de abordagem para sua

123
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

análise e compreensão. Para Kress e van Leeuwen (2006), os distintos


modos presentes nos textos multimodais correspondem a recursos semi-
óticos que se caracterizam por serem articulados e estarem envolvidos
nos diferentes estratos de produção de textos. Da mesma forma, Kress
(2009, p.14) afirma que se trata, na maioria dos casos, de “recursos
socialmente formados e culturalmente aceites, pelo que a sua utilização
não é arbitrária”.
Respeito a função composicional, esta é realizada através da meta-
função textual, proposta por Halliday na sua teoria da gramática sistêmico
funcional, e é responsável pela estrutura e pelo formato do texto. Particu-
larmente, para Kress e van Leeuwen, a função composicional “se refere
aos significados obtidos através da distribuição do valor da informação ou
ênfase relativa entre os elementos da imagem” (NOVELLINO, 2007, p.
53). Segundo Novellino (2007), a função composicional é fundamental,
pois ela é a responsável por integrar os elementos representacionais e
interacionais do texto para formar um todo.
Kress e van Leeuwen afirmam que a colocação dos elementos lhes
confere valores informativos específicos, “pois eles estarão interagindo,
afetando e sendo afetados em seus valores pelos outros elementos da
composição” (em NOVELLINO, 2007, p. 81). Além dos valores da
informação, os autores analisam dentro dessa função a saliência (ênfase
recebido por certos elementos), e o enquadramento (presença ou ausência
de enquadre).

CONTEXTO DE PRODUÇÃO DO CORPUS


O conceito de contexto é definido por Van Dijk (2007) como a
estrutura das propriedades da situação social que são relevantes para a
produção ou recepção do discurso. Sobre as estruturas deste, é possível
distinguir entre local e global. Entre os locais estão a situação, os parti-
cipantes e seus papéis comunicativos e sociais, as intenções, objetivos
ou propósitos. O contexto global torna-se relevante assim que identifi-

124
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

camos o discurso ou outras ações correntes como parte constituinte de


ações ou procedimentos institucionais ou organizacionais, e quando os
participantes interagem como membros de categorias sociais, grupos ou
instituições.
O texto a ser analisado foi extraído do jornal A Tarde, no dia 28
de dezembro de 2021. Trata-se de uma charge desenhada pelo ilus-
trador editorial do jornal, Bruno Aziz, com motivo das fortes chuvas
que atingiram o estado da Bahia, causando desastres importantes na
região sul do estado durante o mês de dezembro de 2021. A charge vai
dirigida aos leitores de A Tarde, o jornal de maior circulação da Bahia
e do Nordeste. A escolha desta charge particular obedece à relevância
dos acontecimentos registrados no estado durante o mês de dezembro,
perfilado como o pior desastre natural da história da Bahia, e que, até
o 28 de dezembro, já deixou 21 mortos, 31.400 pessoas desabrigadas e
outras 31.300 desalojadas em 116 municípios, segundo as informações
divulgadas pelo próprio governo estadual.

ANÁLISE DA FUNÇÃO COMPOSICIONAL

Seguidamente, apresentaremos a análise da charge selecionada,


seguindo os três componentes básicos da função composicional propos-
tos por Kress e van Leeuwen: (1) valor da informação, (2) enquadre e
(3) saliência.
A continuação, mostramos a charge objeto de análise.

125
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Figura 1 – Charge

Fonte: Bruno Aziz. Jornal A Tarde, 28 de dezembro, 2021.

VALOR DA INFORMAÇÃO: NOVO E DADO

Gramaticalmente, a organização e distribuição dos elementos


contidos na oração são essenciais para entender como o significado se
configura nos textos. Na gramática sistêmico funcional, o Tema e Rema
são os dois elementos de uma estrutura particular que juntos organizam
a cláusula na forma de uma mensagem (HALLIDAY, 2004); para isso,
os falantes devem atribuir aos constituintes os papéis textuais que eles
devem preencher e, com isso, determinar sua função temática ou remá-
tica. A partir dessa perspectiva, o Tema será o elemento que aparece na
primeira posição e que também tem uma função na estrutura experiencial,
o que Halliday chama de Tema Tópico. Esta estrutura temática encontra-
-se fortemente relacionada com a estrutura da informação, que divide a
informação em Nova (desconhecida) e Dada (o que é compartilhado), de
modo que, em estruturas não marcadas, o tema se corresponde o dado,
e o rema com o novo (HALLIDAY, 2004).

126
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Segundo Kress e van Leeuwen (NOVELLINO, 2007), numa so-


ciedade ocidental, os elementos posicionados do lado esquerdo contém
informações já fornecidas e compartilhadas, ou seja, tratar-se-ia de dados
conhecidos ou familiares para os observadores; tais elementos corres-
pondem, então, ao dado. Pela sua parte, os elementos colocados ao lado
direito apresentariam a informação nova, ou seja, aquela não conhecida
pelo observador da imagem, ou algum dado que merece a atenção. Neste
sentido, a imagem retratada na charge segue o padrão de leitura ocidental
(esquerda-direita, acima-abaixo), como se explica seguidamente.
A imagem, composta por seis quadros, posicionados em um fundo
monocromático e com uma imagem de chuva superposta à ilustração
toda, inicia colocando no canto superior esquerdo informação conhecida
pelos leitores, a bandeira do estado da Bahia. Esta bandeira vai se trans-
formando nos quadros subsequentes até virar uma imagem diferente e
nova: um barco navegando no “mar” em meio da chuva, que representaria
o cenário atual, o que o artista quer mostrar aos observantes.
É importante apontar que a bandeira, quanto símbolo, funciona como
uma representação gráfica da Bahia. Trata-se de uma entidade semiótica
que, apesar de não guardar similitude com o objeto que representa, é de
fácil reconhecimento, pois seu significado tem sido atribuído de forma
convencional, portanto, é a mesma Bahia que vai se transformando em
um barquinho que fica à deriva no meio do “mar”.

VALOR DA INFORMAÇÃO: IDEAL E REAL

Como foi mencionado na seção anterior, a sociedade ocidental não


apenas lê e escreve da esquerda para a direita, também lê e escreve de cima
para baixo. Para Novellino (2007), “os elementos posicionados na parte
de cima são apresentados como a idealização ou essência generalizada
da informação”, esses, segundo Kress e van Leeuwen (NOVELLINO,
2007, p. 83), correspondem ao ideal, a parte “mais ideologicamente

127
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

saliente da imagem”. Pelo contrário, os elementos colocados da parte


inferior correspondem ao real, que apresenta “informação mais concreta,
mais prática, mais tida como verdadeira” (NOVELLINO, 2007, p. 84).
A partir do anterior, teríamos que os dois quadros superiores, onde
se encontra a bandeira da Bahia e a sua primeira transformação, corres-
pondem ao ideal, ou seja, à Bahia do imaginário coletivo, enquanto os
dois quadros inferiores, desconstroem aquela imagem para colocar a
informação verdadeira atual, aquela vinculada às inundações. Passamos,
desse modo, do abstrato (o que a bandeira representa) ao concreto, a
chuva e os alagamentos.

VALOR DA INFORMAÇÃO: CENTRO E MARGEM

Além dos posicionamentos apontados anteriormente, também é


possível encontrar outros elementos no centro ou nas margens de uma
imagem, funcionando a centralização como um princípio organizador
(KRESS; VAN LEEUWEN apud NOVELLINO, 2007). Ao combinar
dito valor com os outros valores de informação do espaço visual, os
elementos colocados no centro adquirem uma função de mediador que
ajuda a vincular o dado com o novo e o ideal com o real. Desde esta
perspectiva, os elementos que aparecem na parte central da charge ana-
lisada cumprem uma função fundamental para a sua compreensão, pois
evidenciam o processo transformacional que ela retrata, da Bahia que o
observador conhece à Bahia atual.

ENQUADRE

Para Kress e van Leeuwen (NOVELLINO, 2007), o enquadre é


o responsável de indicar se os elementos que compõem uma imagem
constituem identidades separadas ou, se pelo contrário, se relacionam,
portanto, “o enquadre tem por função conectar ou desconectar esses
elementos na imagem” (NOVELLINO, 2007, p. 88). No caso analisado,

128
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

temos os espaços vazios que separam cada uma das seis bandeiras que
aparecem na imagem, favorecendo uma melhor visualização de cada uma
das fases de transição apresentada em cada quadro, porém, a presença
da chuva sobre a composição toda consegue integrar cada uma das fases
para elas serem interpretadas como um processo consequência da chuva.
Nesse sentido, o fundo monocromático compartilhado também consegue
criar uma função integrada no nível composicional.

SALIÊNCIA

A saliência responde à “importância hierárquica que um ou mais


elementos adquirem numa imagem” (KRESS; VAN LEEUWEN apud
NOVELLINO, 2007, p. 90). A sua função é chamar a atenção dos ob-
servadores sobre aqueles elementos, sem importar onde eles se posicio-
nam. A saliência pode se conseguir através das cores, dos tamanhos ou
sobreposição de elementos. No nosso caso particular, poderíamos pensar
que há três elementos “salientes” na imagem: (1) a chuva, que aparece
superposta sobre a imagem toda; (2) a primeira bandeira, que aparece
com todas as suas cores de forma intensa e contrasta com o resto dos
elementos; e (3) a bandeira final, que aparece completamente em preto
e branco, contrastando com o resto da imagem e, em particular, com a
primeira delas, é, além disso, a última fase da transição.

COMENTÁRIOS FINAIS

A partir da anterior análise, é possível evidenciar os diferentes re-


cursos semióticos que funcionam, no nível composicional, na construção
do significado de uma imagem dentro dum evento comunicativo. Tal
complexidade de recursos resulta mais relevante se consideramos que a
imagem escolhida poderia se qualificar como “simples”, especialmente se
se comparam as características formais de uma charge com outros tipos
de ilustrações ou imagens e até com outras charges, porém, ao analisar

129
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

a composição dos seus elementos constituintes, torna-se evidente o pro-


pósito comunicativo do ilustrador: denunciar o desastre natural e social
que sofre o estado da Bahia.
É importante apontar que a análise foi focada em um nível mais
“literal”, mais denotativo, ao vincular a presença da água diretamente
com as inundações recentes. Não obstante, sabemos que, discursivamente,
essa mesma água funciona como uma metáfora de todos os problemas
sociais que afetam à Bahia, temos um povo e um estado alagado pelo
esquecimento político e afetado por distintas problemáticas sociais que
têm potencializado esta catástrofe, pois, como menciona Van Dijk (2007),
o contexto global torna-se relevante assim que identificamos o discurso ou
outras ações correntes como parte constituinte de ações ou procedimentos
institucionais ou organizacionais, e quando os participantes interagem
como membros de categorias sociais, grupos ou instituições.

REFERÊNCIAS

FLORES, O. A leitura da charge. Canoas: Ed. Ulbra, 2002.


HALLIDAY, M. A. K. An Introduction to Functional Grammar. London: Edward
Arnold, 2004.
Kress, G. Multimodality: A social semiotic approach to contemporary
communication. London: Routledge, 2009.
KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Reading Images: The Grammar of Visual Design.
London; New York: Routledge, 2006.
NOVELLINO, M. O. Fotografias em livros didáticos do inglês como língua
estrangeira: análises de suas funções e significados. 2007. 230 fl. Dissertação
(Mestrado em Letras) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2007. Disponível em: https://docero.com.br/doc/8x5nn00. Acesso: 12 jan.
2020.
VAN DIJK, T. A. Coments on Context and Conversation. In: FAIRCLOUGH, N.,
CORTESE, G.; ARDIZZONE, P. (eds.). Discourse and Contemporary Social
Change. Bern: Peter Lang, 2007. p. 281- 316.

130
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

https://doi.org/10.29327/5238051.1-8

Capítulo 8

INVISIBILIDADES DO CORPO PRETO FEMININO


UMA QUESTÃO DE DISCURSO

Julio Neves Pereira

INTRODUÇÃO

V enho há algum tempo desenvolvendo pesquisa voltada para os


Estudos Críticos do Discurso (ECD). Como tenho desenvolvido tra-
balhos também na área de ensino-aprendizagem da leitura e da produção
de texto, sobretudo, com textos multimidiáticos, tenho tido preocupação
de como pensar esse ensino de modo que ler e produzir textos sejam um
fazer cidadão. Nos dias de hoje, em nosso país, nunca foi tão importante
agir na direção de uma formação-cidadã. É preciso que esse engajamento
seja possibilitador de mudanças sociais que impliquem um viver mais
humano, respeitoso, diligente com as diversidades que são constitutivas
do povo brasileiro.
Por isso, tenho me voltado para os pressupostos tanto da ECD quanto
da Semiótica social, visões teórico-metodológicas que me possibilitam
entender a sociedade em movimento, suas resistências; entender como os
discursos vão construindo realidades em que se observam a instituição e
conservação do poder hegemônico, cujo investimentos ideológicos vão

131
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

tornando ações de subalternização, de desigualdades realidades sociais


naturalizadas.
Assim, o objetivo é tratar neste breve espaço do capítulo um pouco
do que venho discutindo atualmente na área do discurso (RAMALHO;
RESENDE, 2006, 2011) e da semiótica social, incluindo as contribuições
da Gramática do Design Visual (GVD) (KRESS; VAN LEEUWEN,
2001). Ultimamente, tenho pensado também na questão da construção
sociossemiótica e discursiva da mulher preta brasileira nas redes sociais,
sobretudo no Instagram. Como todas as discussões que vêm se dando
na sociedade em torno da valorização da mulher e da mulher preta, cuja
valorização começa a aparecer na exposição menos “culpada” de seus
cabelos naturais, de seu corpo, como uma forma de luta para a desnatura-
lização do que se impôs a ela, estruturalmente, sobre o que é ser mulher
em um país construído sob princípios estruturais e estruturante patriarcal,
escravocrata, machista e sexista, cujos investimentos ideológicos vão
consolidar o racismo estrutural.
Além disso, levando em consideração o mundo capitalista de consu-
mo em que vivemos, onde, cada vez mais, a informação passa a ser uma
moeda de trocas simbólicas, temos que as mulheres pretas, sobretudo, as
que têm acesso midiático, estejam, nas redes sociais, afirmando, reafir-
mando, nesse mundo digital, suas identidades em busca de legitimá-las,
opondo-se às hegemonias, sejam de gênero, étnico-racial entre outras.
Na afirmação dessas identidades, o corpo é discurso.
Ao me deter neste trabalho, vi a necessidade de buscar outros es-
paços digitais, fora do Instagram, que centram suas temáticas no mundo
feminino a fim de saber se, nesse mundo, o corpo preto feminino como
está sendo atualizado (representação) e como isso vem ocorrendo. Ou
seja, busquei esses outros espaços para verificar como os agentes so-
ciais que detém o poder de acesso (DIJK, 2018) e de controle buscam/
aceitam a legitimação dessas identidades e como isso ocorre. Por isso,
fui verificar como a possível valorização desses corpos, e, portanto, a

132
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

desnaturalização das visões sobre eles está sendo sociossemioticamente


discursivizada nos eventos (textos) por essas instituições de poder, que
dizem representar as mulheres (brasileiras), ou pelo menos, se coloca-
rem nesse lugar. Assim, escolhi trabalhar com a plataforma de conteúdo
denominada UNIVERSA UOL (Figura 1)
Figura 1 - UNIVERSA (página inicial)

Fonte: UOL.

CORPUS DE ANÁLISE

UNIVERSA é um site dedicado ao mundo feminino, oferecendo às


leitoras conteúdos que buscam responder às demandas contemporâneas
que envolvem a mulher. O conteúdo é variado e versa sobre direitos das
mulheres, violência contra a mulher, autoestima, política, diversidade,
igualdade racial; carreira, finanças, decoração, moda, beleza, relaciona-
mentos, sexo, viagem; entretenimento.

133
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Figura 2 – Plataforma Universa

Fonte: UOL.

Esses assuntos (Figura 2) estão organizados em três seções: Trans-


forma, Inspira e Pausa. Nessa análise, especificamente, o eixo temático
em que me detive foi o “Inspira (Figura 3)”, pois, essa seção não está
diretamente ligada a conteúdos voltados explicitamente para agendas de
transformações como é o “Transforma”, que traz conteúdos vinculados à
diversidade e igualdade racial entre outras questões sociais, sinalizadas
pelo site.
Figura 3 – Eixo Inspira

Fonte: UOL.

134
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Essa escolha se justifica na medida em que quero entender como


a mulher preta é apresentada discursivamente quando do trato de dis-
cussões voltadas a toda e qualquer mulher, ou seja, neste momento,
não pretendo analisar os conteúdos que tratam diretamente de questões
étnico-raciais, sociais ou de diversidade, nas quais se espera a presença
de atores sociais diretamente vinculados à questão; mas analisar quem
são os atores chamados para falar/representar em tal evento sobre os
conteúdos tomados como gerais.
Isso porque, tendo uma plataforma de conteúdos que se projeta
para a leitora como sendo um site que olha para a diversidade, para o
fortalecimento da mulher não tradicional ao trazer temáticas variadas,
seria importante verificar como esse fortalecimento ideológico ocorre
quando se produz um texto em que se pensa no corpo da mulher que fala
sobre conteúdos temáticos da seção “Inspira”, em que os assuntos são
tido, pelos olhares tradicionais, como inapropriados para uma mulher
(constrangimentos impelidos pelas estruturas colonizadoras das ações
da sociedade brasileira). Ou melhor ainda: se pensar como esse corpo
é projetado pelos produtores e divulgadores das matérias jornalísticas
presentes na seção (poder de acesso). Como realmente, na produção e
distribuição de conteúdo desenvolvido por essa plataforma, o corpo preto
feminino, em sentido amplo, é visibilizado em relação aos outros corpos
não pretos que representam a mulher. Nesse sentido, especificamente,
selecionamos para análise a subseção “Sexo”(Figura 4) presente na seção
“Inspira”. Esse conteúdo nos pareceu importante justamente por tratar
de corpo e sexo. Reafirmo, não estou tratando do sexo, do corpo em si,
mas tratando de observar na textualização que corpos são representados
na constituição da matéria jornalística.

135
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Figura 4 - Conteúdo da sessão Inspira

Fonte: UOL.

Para eu conseguir alcançar o meu intento de análise, precisei


me deter, primeiramente, no texto, que preferi denominar provisoria-
mente de reportagem-editorial: UOL apresenta Universa, sua nova
plataforma feminina https://www.uol.com.br/universa/noticias/reda-
cao/2018/03/08/uol-apresenta-universa-sua-nova-plataforma-feminina.
htm?cmpid=copiaecola), por meio do qual a voz do jornalista se funde
à voz do Editor, para apresentar o novo site, dizer de suas qualidades, do
processo de idealização, realização e de se responsabilizar pelos novos
rumos. A reportagem-editorial possibilitou saber ideologicamente como a
Plataforma se apresenta ao mundo (suas promessas), como ela representa
no evento discursivo a mulher brasileira.
A partir dessa análise, me detive sobre os textos presentes na
apresentação dos temas abordados na seção “Sexo”, ou seja, trabalhei
também com o gênero “Chamadas jornalísticas”, (Figura 10) textos
que têm por finalidade apresentar à leitora um breve resumo daquilo
que se encontrará no texto expandido; evidentemente, esse gênero tem
como um dos propósitos comunicativos, instigar e atrair o máximo de
leitoras possível para o consumo do conteúdo produzido e distribuído.

136
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Quisemos tratar deste gênero, justamente por essa função de atração e


motivação para o consumo, porque, a nosso ver, essas chamadas, por
terem seu público-alvo pressuposto, busca estabelecer, nessa forma
textual-discursiva, uma relação de identidade, o que sugere determi-
nadas escolhas e formas de organização da linguagem a favor dessa
aproximação com as leitoras.
Figura 5 - Propósitos do Gênero Chamada Jornalística

Fonte: Elaboração do autor.

Escolhi também esse gênero, porque o trabalho com esse material


sociossemiótico e discursivo, apresenta a multimodalidade como cons-
titutiva na sua estruturação, pois, nele, encontramos a combinatória
entre palavras (modo verbal) e imagem (modo visual) (metafunção
organizacional ou textual da linguagem). Esse uso traz implicações
importantes para nossa análise, porque diante de um texto, cujas
materialidades em combinatória multissemiótica produzem sentidos
(representacional e interacional), e sabendo que as estruturas – sejam
sociais, étnico-raciais, de sexualidade e de gênero -, nessa prática social,
estão ideologicamente agindo no momento da produção, divulgação e
consumo (práticas discursivas), é preciso perceber como essas (sócio)

137
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

semióticas, verbal e visual, passam a funcionar ideologicamente nas


relações sociais (VIEIRA; CARMINDA, 2015); sabendo que cada
semiótica tem suas propriedades e força comunicativa individual, e
que juntas ampliam os sentidos.
Na representação dos atores sociais, os produtores/as por serem
sujeitos sociais, ideológicos, perpassados por crenças, valores no pro-
cesso de significação, não são neutros, ainda mais quando estão em
lugares que lhes conferem o Poder de Acesso (DIJK, 2018). Nessa
prática, como já se disse, as formas discursivas são influenciadas pelas
estruturas que constrangem as atoras sociais nas diversas práticas so-
ciais de que participam; lembrando que para nosso intento, é necessário
compreender que a estrutura social de classe, gênero, sexualidade, raça
e etnia atuam nas instituições ordenadoras das práticas sociais e no
potencial de significação (RESENDE, 2019, p.32), portanto, influen-
ciando as formas discursivas.
O Discurso, assim, pode criar, reforçar, ou até mesmo desafiar as
formas de conhecimento ou crenças; desafiar relações sociais; identidades
ou posições sociais estabelecidas. Esse caminho tomado, segue de perto
o pressuposto defendido por Fairclough e outros, de que Discurso é uma
forma de prática social.
Nesse sentido, podemos encontrar as “rotinas sociais complexas”, a
partir das quais, podemos tornar visíveis “as relações entre linguagem e
outras práticas sociais, muitas vezes naturalizadas e opacas”, conforme
salienta Meurer (2005), não percebidas pelos indivíduos.

138
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Figura 6 – Esquema da Estrutura Social

Fonte: Elaboração do autor.

Portanto, ao analisar esses textos, estamos, nesse sentido, olhando


a dinâmica da sociedade, pensando nos constrangimentos quanto à se-
xualidade, raça, etnia, perfil social, observando, nos lugares e assuntos
despretensiosos, com olhos aguçados, como o discurso está ali cons-
truindo e agindo socialmente: se ele está operando para a manutenção de
hegemonias, e portanto, preservando o poder encarnado que age para a
subalternização dos corpos pretos, com sua consequente invisibilização;
ou, de outro modo, se está provocando fissuras, refração, em sentido
à desconstrução do poder naturalizado em nossa cultura. Isso porque,
na perspectiva dos estudos críticos do discurso, haverá ideologia onde
houver relações de dominação, seja em relação à classe, gênero social,
grupo cultural, étnico-racial, entre tantos outros.

139
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Figura 7 - Dinâmica da Estrutura social

Fonte: Elaboração do autor.

Dessa forma, me voltando para o corpus, as seguintes perguntas se


fizeram necessárias: Há possibilidade de se encontrar na organização
multissemiótica, deste gênero, traços, indícios de manutenção/ conser-
vação de ideologia de “invisibilização” em um site que se propõe plural,
aberto à diversidade e ao diferente? Onde e como essa conservação/
manutenção e reforço da ideologia se mantém?
Outras questões precisam ser respondidas para dar conta das primei-
ras. A quais mulheres esse site se dirige? Como elas são representadas
socialmente? Quem discursivamente está representada como aquela
que pode falar para a leitora pressuposta do site? Qual imagem social
da mulher projetada nas chamadas? Qual o papel ideológico do recurso
de imagens em combinatória com o recurso verbal escrito no gênero?

ANÁLISE E SEUS RESULTADOS

A Universa, de acordo com o portal UOL, no texto UOL apresenta


Universa, sua nova plataforma feminina é uma plataforma, lançada em
março de 2018, direcionado a mulheres brasileiras. Essa plataforma subs-

140
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

tituiu uma outra, o UOL Estilo. De acordo com o reportagem-editorial,


com a UNIVERSA, pretendem ser referência de jornalismo e conteúdo
para o público feminino. Ressaltam que, além de abarcar o tradicional
“território temático dos veículos femininos”: moda, beleza, maternidade
e casamento, passa a ter como pressuposto que “todo assunto é assunto
de mulher”. Assim, propuseram uma divisão, que representasse, o que
chamaram de persona femininas.
Figura 8 – Personas da UNIVERSA

Fonte: Elaboração do autor.

O conteúdo está organizado em três categorias, como adiantei, que,


para o Portal, representam diferentes interesses e momentos do cotidiano
feminino: Transforma, Inspira e Pausa. O primeiro pilar se organiza a
partir do lema: “as mulheres protagonizam um mundo em evolução”,
cujos assuntos giram em torno dos direitos das mulheres, violência contra
a mulher, autoestima, política, diversidade e igualdade racial. O segundo,
é colocado como foco o cotidiano da mulher, abordando assuntos como
carreira, finanças, decoração, moda, beleza, relacionamentos, sexo,
viagem. De acordo com a reportagem-editorial, no Inspira haverá “...
depoimentos tocantes, dicas de quem entende, ideias para buscar uma

141
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

vida mais plena e criativa”. Por fim, em “Pausa” se propõe ao entrete-


nimento, visando saber o que fazer e como aproveitar o tempo livre e
relaxar. Assim, o Portal Uol afirma que a plataforma é consequência
direta da mudança de no debate sobre questões de gênero:

A mudança no debate sobre questões de gênero colocou um enorme desafio


para toda a sociedade. Universa é a nossa resposta para esse desafio. Estou
orgulhoso de ver o nascimento de uma plataforma para dialogar com essa
mulher contemporânea”, diz o diretor de conteúdo do UOL, Rodrigo Flores.

Como podemos observar, no discurso se constrói a ideia de que


a plataforma é lugar democrático, aberto à diversidade, sobretudo a de
gênero e a serviço da mulher, pois está “ao lado dela e por ela”. Por
isso, como sugerem os três pilares (as três identidades) que o produtor
do texto organiza os conteúdos, representados pelos verbos nominaliza-
dos: transforma, inspira e pausa; e sinalizam movimento e continuidade
- luta - (transforma/respira), e relaxamento compensatório/ revigorante
(pausa). Ou seja, a representação da mulher (participante representada),
no nível narrativo, é aquela que age na vida social, modificando-a e ao
mesmo tempo se cuidando.
Fica claro que o discurso, quando olhamos para o modo de repre-
sentar a mulher verbalmente, que a imagem construída da leitora em
potencial é a de engajamento, diversidade, sensibilidade, acolhimento
e atualidade (Figura 9). Esse efeito está construído no texto todo, mas
sua marca discursiva no “forte” se encontra no título da plataforma,
cujo elemento linguístico (morfema) “a”, no léxico “Universa”, deixa
de ser uma vogal temática e passa a assumir a função de desinência
de gênero, caracterizando a oposição Universo (UOL) – mundo de
homens e de mulheres – versus Universa (UOL) (um mundo exclusivo
para as mulheres).

142
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Figura 9 - Mulher projetada no discurso

Fonte: Elaboração do autor.

A mudança temática para sua adaptação aos novos tempos, sugere


que se trata, no discurso, de afastar-se da ideologia machista que sempre
guiou as escolhas temáticas, confrontando com a ideia de que determi-
nados temas, assuntos, não são para mulheres. Vejamos um fragmento:

UOL lança neste 8 de março, Dia da Mulher, seu mais novo projeto edi-
torial. Fruto de um processo de construção cuidadosa que durou mais de
um ano, Universa substitui UOL Estilo com a missão de ser referência
de jornalismo e conteúdo para as mulheres brasileiras. Universa inova
ao ampliar o conteúdo, que tradicionalmente se restringem a temas como
moda, beleza, maternidade e casamento. Por entender que esse modelo não
combina com o momento da sociedade, de profunda mudança, questio-
namento de antigos padrões, Universa parte do pressuposto de que ‘todo
assunto é assunto de mulher’.
Fica, portanto, estabelecida uma oposição: mulher tradicional versus
mulher contemporânea. A primeira representa o atraso, a conservação dos
valores e ideologias que colocam a mulher em um lugar de desprestígio,
ao estar limitada de abordar na vida social apenas algumas temáticas
ditas femininas e que sempre foram validadas pelo antigo UOL Estilo.

143
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

A segunda representa o oposto, visto que se constrói sob novos valores


que estão sendo construídos na sociedade de hoje, sendo a mulher pro-
tagonista dessas mudanças, colocando em xeque a tradição, o atraso.
Dessa forma, UNIVERSA está projetada no discurso como “ins-
trumento de visibilidade e de mudança”, como se observa no excerto a
seguir:

A editora-chefe do site, Bia Sant’Anna, destaca que “a mulher está ocupando


cada vez mais espaços e é preciso que o discurso acompanhe esse avanço.
Em Universa, vamos retratar esse papel de protagonista, mostrar o que ainda
tem de mudar e contar histórias de personagens inspiradoras”.

Importa saber disso para a análise porque o site se coloca na posição


daquele capaz de poder, discursivamente poder fazer ser; poder saber.
Outra questão importante que no discurso da representação da
UNIVERSA é a utilização da palavra MULHER. Vejamos alguns
fragmentos onde aparece.

...dialogar com essa mulher contemporânea...”, “as mulheres protagonizam


um mundo em evolução”; “um ciclo de debates entre mulheres de diferentes
áreas da empresa”; “construção de quatro “personas”, quatro diferentes
mulheres para quem o conteúdo seria produzido.

Em se tratando de Brasil e sabendo que o site UOL alcança várias


regiões brasileiras, portanto, tem um Poder de longo alcance midiático,
podemos entender que esse léxico utilizado discursivamente no texto
busca ao mesmo tempo caracterizar um tipo de mulher, como falei ante-
riormente, e, ao mesmo tempo, criar uma generalização: refere-se a toda
e qualquer mulher, independente de raça, etnia, sexualidade, estrutura
física (gorda/magra). Levando em conta isso, podemos esquematizar, a
partir do que está descrito sobre a mulher da seguinte forma.

144
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Figura 10 – Esquema da projeção da mulher no discurso

Fonte: Elaboração do autor.

Como fica claro no esquema, o termo mulher discursivizado no


texto, faz crer que abarca a pluralidade e a diversidade feminina brasi-
leira (mesmo que em promessa). Diante disso, espera-se que todas as
mulheres sejam representadas nesse site que busca valorizar os avanços
das mulheres nessa sociedade. E é isso que passaremos a ver agora.

OLHANDO PARA O TEXTO

De acordo com os seguintes pressupostos da Semiótica Social,


propagada por Kress e van Leeuwen (1996):

1. toda representação requer que o produtor de signos procure formas para


a expressão do que eles têm em mente, formas que eles percebem como as
mais aptas e plausíveis em dado contexto;

2. e que o interesse dos produtores dos signos, durante o processo, é guiado


em sentido a encontrar um aspecto ou o conjunto de aspectos do objeto a ser
representado como sendo característico, naquele momento, para representar
o que se quer representar, e daí procurar a mais plausível, a mais apta forma
para sua representação.

145
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

3. Isso se aplica também ao interesse das instituições dentro das quais as


mensagens são produzidas, e lá se faz a formação de convenções e cons-
trangimentos.

A partir disso, quando pensamos no processo de construção das


Chamadas jornalísticas, cuja função principal é a de instigar e atrair o
público-alvo, cremos que os produtores de texto têm a preocupação de
caracterizar, materializar em discurso o deslocamento ideológico pro-
metido pela plataforma. O que eu quero dizer com isso, é que, levando
em consideração que, quando se processa a representação daquilo que
se quererá comunicar (interação), escolhas das temáticas, escolhas das
imagens, das cores, dos espaços etc., em um evento discursivo especí-
fico, deverão corresponder ao que o site promete: promover a mulher,
dando-lhe visibilidade e promovendo por meio das matérias jornalísticas
respeito à diversidade.
E aqui que passamos a olhar como, nas chamadas jornalísticas,
estão representados os atores sociais femininos no tratamento dessas
chamadas, para o acesso a conteúdo considerado temas-tabu para uma
mulher. Antes, farei, a apresentação sucinta das partes constitutivas do
gênero em questão, de modo a explicitá-las de acordo com as modalidades
envolvidas em sua produção.
As chamadas jornalísticas (Figura 11), se estruturam multissemio-
ticamente, pois encontramos o modo verbal e o visual (imagem) em
combinatória para produzir mensagem. Há, entre os modos, no nível da
representação (categoria semiótica presentacional ou representacional),
uma relação lógico-semântica (UNSWORTH, 2006) em que se percebe a
expansão dos significados, seja por reforço (redundância) informacional,
seja por complementaridade, entre outras expansões.

146
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Figura 11 – Estrutura das Chamadas

Fonte: Elaboração do autor.

Essas semióticas (Figura 12) estão organizadas, espacialmen-


te falando, na tela do Smartphone (porque na tela do computador,
essa ordem é diferente) da seguinte forma: do lado esquerdo, há
sempre uma imagem, seja uma fotografia representando uma pes-
soa conhecida ou não do público-alvo, seja representando objetos
vinculados à temática da reportagem. Seja um desenho, caricatura,
ilustração dos objetos e/ou pessoas representados. Essas imagens,
internamente, são dispostas em vários planos e ângulos, conforme
o tipo de interação desejada pelo produtor em relação a sua leitora
(participante interativa).

147
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Figura 12 - Chamadas Jornalísticas

Fonte: UOL (print).

Do lado direito, é onde se encontra o modo verbal. Nesse modo, a


informação é estruturada linguisticamente para vários atos de linguagem,
como, pergunta, simulando a dúvida da leitora; instrução/dica/orientação;
depoimentos, em que se apresenta a fala de uma participante que conta sua
história; noticiar um fato (em forma de manchete). Ou seja, não há, pelo
que observei até o momento, um estilo único de organizar os enunciados
linguísticos, pois estão, obviamente, atrelados às intenções comunicativas.
Figura 13 - Atos de falas e estrutura linguística

Fonte: UOL (Print).

148
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Embora eu até use outras categorias para analisar esses textos


multimodais, o que me importa aqui é trazer a questão dos participantes
representados, sobretudo pela presença da imagem, que materializa outras
semioses. As imagens ajudam a entender, na análise, como a mulher na
reportagem-editorial é realmente representada pelas instâncias de poder.
As imagens são icônicas e exibem vários graus de semelhança com o real.
Além disso, elas também desempenham função simbólica no texto, pois
podem “representar/presentificar” pessoas, lugares e períodos específicos
que podem, por sua vez, invocar atitudes, emoções, posicionamento,
distanciamento (simbolismo).
Evidentemente, estão sujeitas à interpretação, sobretudo, quando
estão em combinação com o modo verbal. Tal como acontece com o modo
verbal, portanto, as escolhas e (não escolhas) podem refletir discursos
ideológicos particulares.

ATORES SOCIAIS – PARTICIPANTES REPRESENTADOS

Centrar a análise nos atores sociais, melhor, nos participantes


representados é importante porque, como eu salientei aqui na minha
fala, toda escolha feita pelo produtor do texto marca um ponto de
vista, ou seja, é ideologicamente significativo. E seguramente, a
não escolha tem a mesma implicação. Como disse, anteriormente,
o gênero Chamada Jornalística tem os modos visual e verbal como
constitutivos. Para pensarmos a questão de como se concretiza a pro-
messa da UNIVERSA em representar em suas matérias a diversidade,
é preciso, tenho isso como hipótese, olhar não só para a representação
linguística dos atores representados, sobretudo nesse tipo de gênero,
a hibridização modal, observando o papel do modo visual.
Olhando para as chamadas, verifiquei:

149
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

1. vi que nas escolhas temáticas apresentadas visual e verbalmente, constata-


mos que realmente os assuntos fogem dos tradicionais relacionados a sexo.
Alguns assuntos levantados: feminismo, relacionamento em swing; orgasmo
feminino; poliamor; fetiches sexuais; pegação; não querer ter filho; sugar
baby (tipo de relacionamento fora do padrão); homoafetividade; entre outros.

2. Isso reforça a ideia/visão a de que as mulheres que consomem tais conte-


údos ofertados no e pelo site são contemporâneas, não havendo espaço para
a mulher tradicional, que carrega em si a ideologia machista, moralista, que
reforça o preconceito com questões de corpo.

3. A diversidade, sentido de autonomia, desprendimento também estão


presentes, sobretudo nas questões de sexualidade, gênero, relacionamentos
hetero, bi e homoafetivos, entre outras.

4. Notamos que as imagens, em diálogo com a parte escrita, também marcam


essa diversidade, ao observarmos roupas, gestos, movimentos, cenas, luga-
res, olhares, objetos que, por uma relação-lógico-semântica (UNSWORTH,
2006), com o modo verbal caracterizam os temas anunciados verbalmente.
Figura 14 - Escolhas temáticas

Fonte: UOL.

150
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Mas as imagens dizem mais ainda sobre os participantes repre-


sentados. Notamos que, no geral, são apresentados cenários, vestuário,
objetos etc. que remetem a lugar social privilegiado, em alguma medida.
Esse conjunto: cenário, pessoas, objetos representam valores da classe
média ou de uma determinada classe média. Vemos ainda que os ato-
res sociais femininos representados são, com raras exceções, mulheres
brancas, esbeltas, jovens, jovens adultas. Nota-se também, embora em
menor frequência, presença da mulher madura também de classe média,
branca e esbelta.
Figura 14 - Representações (cenário, pessoas, objetos)

Fonte: UOL.

Nota-se que, na maior parte das vezes, as imagens, por meio de


planos, luzes, cores, constroem o efeito de sentido: mulheres saudáveis
e realizadas, mesmo quando em situações conflituosas e/ou de dor.
É aqui que o texto, evento que materializa estruturas sociais, por
meio das subjetividades de seus autores, me permite verificar/analisar e
refletir sobre as escolhas e as não escolhas de imagens do corpo feminino
preto (gordo ou esbelto) para representar os processos discursivos nas
diversas práticas sociais.

151
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Foi interessante notar, e aí, será necessário maior aprofunda-


mento, que, quando há participantes representados visualmente,
na maioria das vezes, não é para “compartilhar sua história”; são
imagens que estão colocadas objetivamente em relação à leitora, ou
seja, estão em oferta (efeito de distanciamento), a função é, parece,
a de exemplificar (expandir, exemplificando) as informações pas-
sadas linguisticamente. Diferentemente, das participantes que dão
depoimentos, contando suas histórias. Elas são de maioria branca,
e aparecem olhando diretamente para a leitora (olhar de demanda).
Mas aqui ainda precisaria de ampliação do corpus para ver se isso é
significativo ideologicamente. O certo é que quem fala é um corpo
branco, esbelto (magro) e de classe média.
Figura 15 - Interação por demanda e oferta

Fonte: UOL.
Quando nos detemos no discurso multimodal, portanto, vemos a
preservação de valores tradicionais, quando olhamos criticamente para
os recursos visuais organizados no discurso. Em todas as imagens que
analisamos juntamente aos textos, independentemente do tema tratado,
percebemos que os “modelos visuais” na cena de contar histórias ou
de serem o exemplo para determinado assunto, tendem a corresponder

152
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

a esse ideal europeu de mulher, que, repito aqui: magra, branca/ou de


pele clara e de classe social prestigiada. Sejam mulheres da vida real
ou não.
Figura 16 – Estrutura social

Fonte: UOL.

Nesse sentido, a palavra MULHER sociossemioticamente discursi-


vizada na reportagem-editorial, como já conversei aqui, ao se contrastar
com as representações nas chamadas, passa a não significar todas as
mulheres, mas um perfil de mulher, que foi caracterizada como plural,
transformadora etc. A consequência discursiva e social é a construção (ou
mesmo reforço) da ideia de não existência de diversidade no Brasil, com
isso a sustentação de que a mulher preta é minoria dentro das minorias,
dada a não ser visível em muitas das práticas discursivas, existentes nas
diversas práticas sociais. E, assim, não serem bons modelos para “atrair”
o leitor para leitura de assuntos comuns, ou em assuntos tabus, que per-
meiam a vida das mulheres.
Vemos/percebemos/vivenciamos, nessa análise, uma naturalização
de quem pode discutir (representar) pornografia, tipos de relacionamen-

153
multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

tos (heteros, homoafetivos), vícios, inseguranças, posições dos corpos


nos atos sexuais, e as formas de prazer e de como alcançar, questões de
casamento entre tantas outras temáticas. A legitimação que se observa
nas chamadas jornalísticas mostra que as escolhas visuais e linguísticas
visam à efetivação do consumo dos conteúdos ofertados e distribuídos
pela plataforma. Com esse intuito, os produtores, nas escolhas e não
escolhas dos atores a serem (e a não serem) representados, preservam
ideologias do corpo eurocêntrico, ao reforçarem os estereótipos, ou
seja, os constrangimentos oferecidos pelas estruturas étnico-raciais. Ou
seja, os critérios de beleza corporal, facial, e os do que são competentes
corporalmente para servirem de exemplos são regidos no Brasil pelas
estruturas social, racial e étnica, desembocando no colorismo, racismo,
preconceitos de corpo (gordofobia).
O poder de que está investido o produtor de texto da UNIVERSA
parece legitimar (reforçar na verdade) uma identidade social feminina,
não em seu site como um todo, mas nos conteúdos que fogem dos olha-
res dispersos, trabalhando ali onde tudo é tão simples e natural, legal
de se abordar, moderno e até mesmo bobo, mas que consolida/preserva
subalternidades, porque, nesse lugar, há luta de poder por manutenção
de hegemonia, como bem lembra Fairclough (2010) e outros.

COMENTÁRIOS FINAIS

Finalizando, a plataforma UNIVERSA, ao mesmo tempo em que


promete instrumentar a mulher a ser valorizada em todos os aspectos
da vida, e, sobretudo, dar destaque à diversidade, isso ainda não se evi-
dencia, pelo menos na seção estudada, como ficou claro até aqui. Mas
essa contradição parece sinalizar abalos hegemônicos, mesmo que ainda
tímidos. Isso mostra o quanto é urgente e necessário preparar as pessoas
para saberem lidar com a diversidade e com o diferente, aprender a ver
as pessoas fora dos estereótipos. Isso é uma questão de formação. Eis
aí uma luta difícil, mas temos que encarar em todas as nossas práticas

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

sociais, a começar pela academia, que poderá instrumentalizar-nos a


perguntar: por que somente este tipo de corpo feminino nesse espaço?
Para poder agir reflexivamente na sociedade.

REFERÊNCIAS

DIJK, T. A. V.; HOLFFNAGEL, J.; FALCONE, K. Discurso e Poder. São Paulo:


Contexto, 2018.
FAIRCLOUGH, N. A dialética do discurso. Trad. Raquel Goulart Barreto. Teias,
v. 11, n. 22, p. 225-234, 2010. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/
index.php/revistateias/article/view/24124>. Acesso em: 03 mar. 2021.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e Mudança Social. Trad. Izabel Magalhães. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2001, 2008 (reimpressão).
KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Multimodal Discourse: The modes and media
of contemporary communication. London: Arnold, 2001.
KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Reading images: the grammar of visual design.
5. ed. London; New York: Routledge, 1996.
MEURER, J. L.; BONINI, O.; MOTTA- ROTH, D. (org.). Gêneros: teoria, métodos,
debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
RAMALHO, V.; RESENDE, V. M. Análise do discurso crítica. São Paulo:
Contexto, 2006.
RAMALHO, V; RESENDE, V. M. Análise de discurso (para a) crítica: O texto
como material de pesquisa. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011.
UNSWORTH, L. Towards a metalanguage for multiliteracies education: escribing
the meaning making resources of language-image. English Teaching: Practice and
Critique, v. 5, n. 1, p. 55-76, 2006. Disponível em: http://education.waikato.ac.nz/
research/files/etpc/2006v5n1art4.pdf. Acesso em: 10 nov. 2016.
VIEIRA, J.; CARMINDA, S. Introdução à Multimodalidade: Contribuições da
Gramática Sistêmico-Funcional, Análise de Discurso Crítica, Semiótica Social.
Brasília, DF: J. Antunes Vieira, 2015.

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

SOBRE OS ORGANIZADORES/AUTORES

Julio Neves Pereira


Professor Associado da Universidade Federal da Bahia (UFBA), no Instituto de
Letras, vinculado ao Programas de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em
Letras (Profletras-UFBA) e ao Programa Língua e Cultura (PPGLIN-UFBA).
Vice-líder do Grupo de Pesquisa NELT, com pesquisas em Análise Crítica
dos Discursos, Semiótica social, Multiletramentos, Letramentos Críticos e
Formação de professores, multimodalidade.
E-mail: junepe@gmail.com

João Flávio Furtado Cruz: Mestrando em Letras pelo Programa de Pós-


-Graduação em Língua e Cultura (PPGLinC) da Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Especialista em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Estadual
do Ceará (UECE). Graduado em Letras - (Inglês/Port) pela Universidade
Estadual Vale do Acaraú (UVA). Professor efetivo de Língua Portuguesa da
Prefeitura Municipal de Itatira-CE.
E-mail: joaofurtado@ufba.br

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

SOBRE OS AUTORES E AS AUTORAS

Alexandra Soares dos Santos


Mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura da
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora de Língua Portuguesa da
rede pública de ensino (SEC-BA).
E-mail: alexandrasantos@ufba.br

Aline Greice Vilela Costa


Mestra em Língua e Cultura pelo Programa de Pós-Graduação (PPGLinC) da
Universidade Federal da Bahia (UFBA) com pesquisa realizada em Linguís-
tica Aplicada. Graduada em Letras Vernáculas (licenciada e bacharel) pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atua na Educação Básica da rede
privada e pública estadual nas cidades de Lauro de Freitas e Camaçari (Bahia),
respectivamente. No Ensino Superior, é Professora Formadora do Curso de
Letras-Português (UNEAD-UNEB) dos componentes curriculares: Prática
Pedagógica IV, Seminário Temático Interdisciplinar I, Pesquisa Aplicada ao
Ensino em Letras entre outros.
E-mail: profaalinevc@gmail.com

Daiane Amancio Mendes


Licenciada em Letras, doutoranda em Linguística Aplicada (em curso), Mestre
em Educação, Especialista em Docência no Ensino Superior e Especialista em
Revisão de Textos em Língua Portuguesa. Atua como consultora educacional
na formação de professores da educação básica.
E-mail: daiamancio@hotmail.com

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

David Pérez Retana


Mestre em Linguística e Educação. Doutorando no Programa de Língua e
Cultura (PPGLinC), pela Universidade Federal da Bahia/UFBA.
E-mail: dprako@gmail.com

Jaqueline Santos de Souza


Mestre em Língua e Cultura, desenvolvendo pesquisa sobre decolonialidade
e(m) ensino de língua inglesa no campo da Linguística Aplicada, pelo Pro-
grama de Pós- Graduação de Língua e Cultura (PPGLinC) da Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Graduada em Letras com Inglês pela UCSAL e
Especialista em EJA. Atua na rede pública de Salvador e Lauro de Freitas-BA,
lecionando Inglês e Português.
E-mail: jaquelinenglish@hotmail.com

Laiz Munire Sales Costa


Mestra em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
na linha de Tradução Cultural e Intersemiótica. Possui graduação em Comu-
nicação Social habilitação Relações Públicas pela Universidade do Estado
da Bahia (UNEB) e graduação em Letras habilitação Português e Inglês pela
União Metropolitana de Educação e Cultura (UNIME). Possui especializações
em Relações Públicas (UNEB), em Estudos Linguísticos e Literários (UFBA)
e em Educação Especial e Inclusiva (FASG). Atualmente é professora efetiva
do Colégio Militar de Salvador (CMS).
E-mail: laizmunire@yahoo.com.br

Leila Patrícia Bispo dos Santos França


Mestranda em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em
Língua e Cultura (PPGLinC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Especialista em Língua Inglesa pela UNIFACS (2009) e licenciada em Letras
com Inglês pela Universidade Estadual de Feira de Santana (2006); Ex-bolsista
da Capes no Programa de Formação dos Professores da Educação Básica no
Canadá (2019). Atualmente é professora efetiva e articuladora de Língua
Inglesa na rede municipal de ensino de Lauro de Freitas - BA.
E-mail: leilafranca@ufba.br

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

Marcela Souza Santos


Doutoranda no Programa de Língua e Cultura (PPGLinC), pela Universidade
Federal da Bahia/UFBA, Mestra pelo mesmo programa e universidade (2021).
Especialista (lato sensu) em Leitura e Produção Textual, pela Universidade
Estadual de Santa Cruz/UESC (2008). Licenciada em Letras com dupla habi-
litação (Língua Portuguesa / Língua Espanhola), também pela Universidade
Estadual de Santa Cruz (2004). Bolsista CAPES/BRASIL.
E-mail: marcela171080@gmail.com

Mônica Veloso Borges


Doutoranda do programa de Língua e cultura da UFBA e Mestre em Língua
e Cultura pela UFBA (2015). Especialista em língua Inglesa pela Unifacs
(2009) e licenciada em Letras com inglês pela Universidade Católica do
Salvador (1999). Atualmente é professora assistente da UNEB, atuando na
área de formação de professores e nas disciplinas de Estágio Supervisionado.
Email: vborges@uneb.br

Naiara Santos Felipe Costa


Professora de Língua Inglesa em contexto de Educação Bilíngue. Mestranda
em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia; Especialista em
Educação Bi/Plurilíngue pela PUC Minas (2023); Licenciada em Letras com
português e inglês e suas respectivas literaturas pela Universidade Católica do
Salvador (2004). Atualmente é membro do Grupo de Pesquisa LINCE: Núcleo
de Estudos em Língua, Cultura e Ensino.
E-mail: narinhafelipe@gmail.com

Priscilla Barbosa de Oliveira Melo


Doutoranda no PPGEL - UEFS na linha de pesquisa de Práticas Textuais e
Discursivas. Mestra em Ciências da Educação pela Universidade da Madeira
- Portugal. Especialista em Língua Portuguesa e em Metodologia do Ensino
do Francês como Língua Estrangeira e licenciada em Letras com Francês pela
Universidade Estadual de Feira de Santana, em Pedagogia pela Universidade
Santo Amaro e em Letras com Inglês pela Estácio de Sá. Atualmente é pro-
fessora efetiva de Língua Portuguesa da rede municipal de ensino em Lauro

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multimodalidade e sentidos: análise sociossemiótica e discursiva

de Freitas - BA e professora da Universidade Estadual de Feira de Santana -


UEFS, vinculada ao Departamento de Educação, onde atua nos cursos Letras
e Pedagogia.
E-mail: pbomelo@yahoo.com

Willyane Mara Costa de Paula


Bacharela em Humanidades (UFVJM), licenciada em Letras (UFMG), mes-
tranda do Programa de Pós-graduação em Língua e Cultura-UFBA. Bolsista
de pós-graduação FAPESB.
E-mail: wmcpaula@gmail.com

Vanessa Regina Alves dos Santos


Professora de língua inglesa na rede municipal de ensino do município de
Dias D’Ávila. Especialista em Educação Especial com ênfase em Deficiência
Auditiva pela Faculdade de Educação São Luís. Bolsista pelo programa PDPI
(Programa de Desenvolvimento Profissional de Professores de Língua Inglesa
nos EUA), na UNCC (University of North Carolina - Charlotte), através da
CAPES em parceria com a Fulbright Brasil.
E-mail: vannsantos81@gmail.com

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