Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Direito,
Teoria dos Jogos e Psicologia1
Com desenhos sociais cada vez mais intricados permite-se que o Direito
ingresse na trilha cooperativa como ferramenta importante de manutenção e
evolução das tribos humanas. Dentro do Direito, e mais especificamente no
processo civil, a cooperação funciona para auxiliar o bom funcionamento do
sistema de justiça como um todo. Esse sistema, por sua vez, tem por função
amparar o Estado na busca de maximização do bem-estar social, sua última
finalidade (welfare).
1
Este trabalho tem por base o capítulo 5 de: WOLKART, Erik Navarro. Análise econômica do
processo: como a economia, o direito e a psicologia podem vencer a tragédia da justiça. São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. Para referências mais detalhadas ao longo deste
capítulo, favor consultar esta referida obra.
A base dessa construção é um remodelado princípio do devido processo
legal, estruturado na releitura do princípio do contraditório, agora visto como
efetivo direito de influência. Não há, todavia, no âmbito do Direito processual
brasileiro, qualquer estudo sobre a cooperação em si. Não se sabe como ela
surge ou como possa ser sustentada entre os diferentes atores processuais.
2
HENRICH, Joseph. The Secret of Our Success: How Culture Are Driving Human Evolution,
Domesticating our Species, and Making us Smarter. Princeton: Princeton University, 2016, p.
130.
3
GREENE, Joshua D. Moral Tribes: Emotion, Reason and the Gap Between Us and Them.
New York: Penguin Books, 2013. p. 20.
4
PINKER, Steven. The Better Angels of Our Nature: Why Violence Has Declined. London:
Penguin Books, 2011p. 532
possível como resultado final. A tragédia da justiça corresponde ao
esgotamento do aparato jurisdicional, tornando-o incapaz de prestar tutela
justa, efetiva, em tempo razoável, dentro de um processo devido 5.
5
Processo devido, é aquele que, independentemente do procedimento, respeita todas as
garantias processuais constitucionais, quais sejam: o acesso à justiça, o juiz natural, o
contraditório e a ampla defesa, a proibição de provas ilícitas, a publicidade dos atos
processuais a fundamentação das decisões judiciais e a duração razoável do processo -
VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016. pp. 145 - 146.
alegações genéricas ou contraditórias e atos protelatórios (aí incluídos recursos
desnecessários), cumprindo com exatidão e rapidez as determinações judiciais.
Por sua vez, todo cenário de tragédia do bem comum por ausência de
comportamento cooperativo pode ser matematicamente explicado através da
Teoria dos Jogos. Mais especificamente, ainda que envolvam uma coletividade,
esses problemas podem ser modelados em um jogo específico, conhecido
como dilema do prisioneiro8. O dilema do prisioneiro foi concebido em 1950 por
Merrill Flood e Melvin Dresher (cientistas da RAND Corporation, espécie de
think thank da época, fundada logo depois da II Guerra Mundial, a pedido da
Força Aérea americana). Trata-se de um teorema simples muito bem
construído para ilustrar problemas cooperativos da vida real, como, por
exemplo, a corrida nuclear da Guerra Fria, que viria na sequência 9. O nome do
teorema é devido a Albert W. Tucker, um consultor da RAND que criou uma
6
Referimos aqui a obra de Garett Hardin (HARDIN, Garett. “The tragedy of the Commons”.
Science. 162 (3859), dez. 1968.) na qual o autor cria a famosa parábola do pastoreio em uma
área comum para estudar os incentivos não cooperativos e as respectivas consequências em
relação ao uso excessivo de bens de uso comum (bens comuns).
7
GREENE, Joshua, op. cit. p. 19.
8
POUNDSTONE, William. Prisioner’s Dilemma. New York: Anchor Books, 1992, p. 126
9
A opção não cooperativa que se estabiliza em equilíbrio de Nash é magistralmente retratada
por Stanley Kubrick no célebre filme Dr. Fantástico (Dr. Strangelove, or: How I Learned to Stop
Worrying and Love the Bomb), apresentado no auge da guerra fria.
história para ilustrar a proposição matemática 10. O curioso do dilema é que ele
pode levar, muitas vezes, a situações em que o resultado mais eficiente
(cooperativo) é instável, enquanto que o equilíbrio estável é não cooperativo e
ineficiente.
10
POUNDSTONE, op. cit. p. 8
11
Conforme o relatório do CNJ a respeito dos 100 maiores litigantes da justiça brasileira
(litigantes habituais), figuram algumas empresas de telefonia. Assim, em 2011, a Brasil
Telecom Celular S/A era parte em 3,28% de todos os processos judiciais pendentes no Brasil.
(BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. 100 maiores litigantes. Brasília: CNJ, 2012.
Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/100_maiores_litigantes.pdf>.
Acesso em: 13 jun. 2017).
12
Esse seria, grosso modo, o valor esperado do processo. Isso porque, 20.000 x 0,7 = 14.000
vez, não oferece proposta séria de acordo, porque acredita que a condenação,
se houver, será em montante inferior aos R$30 mil. Mais do que isso, esse réu
não quer espalhar pelo mercado qualquer notícia de disposição para realização
de acordos vantajosos.
Por sua vez, o autor acredita que o pedido alto, no valor de $30 mil,
gerará uma ameaça ao réu, sendo capaz de forçar um acordo de valor bem
alto, algo em torno de R$20 mil, também na audiência preliminar. Lembremos
que, na ausência de custas e honorários em primeiro grau, o autor não perde
nada pleiteando um valor mais alto do que o seu efetivo prejuízo material e
moral.
13
Ressalvada a punição por litigância de má-fé (lei 9.099/95, art. 55), o que normalmente não
ocorre.
cooperativa é a busca da autocomposição a todo tempo. A não cooperativa é a
litigância constante.
Va=( Pa .Ua)−Ca
Va=(0,5.30 .000)−3.000
Va=12.000
Vr=Pr . Ua+Ca
Vr=18.000 .
14
Porque advogados terão menos trabalho e porque o tempo do processo será menor.
15
A fórmula matemática do valor de reserva, tenhamos em mente, para manter as coisas
simples, que esse valor é definido, para o autor, pelo valor do pedido (Ua), multiplicado por sua
expectativa de vitória (Pa), descontados os custos administrativos não reembolsáveis (Ca). Já
para o réu, o valor é definido pela multiplicação do valor do pedido pela expectativa dele réu em
relação à procedência do pedido (Pr), acrescido nas custas administrativas não reembolsáveis.
Os valores de reserva equivalem aos payoffs de estratégias
simultaneamente não colaborativas do autor e do réu, que resolveram litigar.
16
Com efeito, em Wolff v. McDonnell, o Justice White escreveu que: “The Court has
consistently held that some kind of hearing is required at some time before a person is finally
se, principalmente, com a ideia de processo justo, 17 da qual o principal
componente é, sem dúvida, a ideia de participação, cuja normatividade
encontra-se no princípio do contraditório.
deprived of his property interest” (Wolff v. McDonnell, 418 U.S. 539, 557-58 (1974). A
declaração é um perfeito resumo da evolução histórica do que se entende, em países do
common law, por um processo justo, ou seja, por um processo que respeita o devido processo
legal, identificada com a ideia de fair hearing.
Ocorre que, ao longo dos anos, as decisões das Cortes americanas e inglesas sofreram de
certa volatilidade na precisa definição do que venha a ser um processo justo. Assim, partido da
opinion do Justice White em Wolff v. McDonnell, Henry Friendly busca estabelecer esses
parâmetros, buscando-os em decisões da própria Suprema Corte, a partir de Goldberg v. Kelly
(397 U.S. 254 -1970), quando houve, segundo o autor, uma explosão do devido processo legal,
na qual a Corte focou principalmente o direito de participação dos envolvidos no processo
(hearing) p. 1268. Friendly, após longa pesquisa da evolução legislativa e jurisprudencial do
tema define fair hearing (processo justo) com os seguintes elementos: (i) um tribunal imparcial
(an unbiased tribunal); (ii) ciência da ação proposta e de seus fundamentos (notice of the
proposed action and the grounds asserted for it); (iii) oportunidade de apresentar defesa (an
opportunity to present reasons why the proposed action should not be taken ); (iv) direito de
inquirir testemunhas (the rights to call witnesses); (v) direito de conhecer as provas produzidas
contra si (to know the evidence against one); (vi) direito a uma decisão baseada
exclusivamente nas provas apresentadas (to have decision based only on the evidence
presented); (vii) direito a um advogado (councel); (viii) direito a registro e documentação das
provas produzidas; (ix) direito a uma decisão com fundamentos explicitados (statement of
reasons); (x) publicidade das audiências. FRIENDLY, Henry. “Some kind of hearing”. University
of Pennsylvania Law Review, vol. 123, nº 6 (Jun., 1975), pp. 1267-1317. Principalmente pp.
1279-1294.
17
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil:
artigos 1º ao 69. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. [Coleção Comentários ao Código de
Processo Civil, v.1. Coordenação Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart; Daniel
Mitidiero], p. 163; OLIVEIRA,Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil:
proposta de um formalismo valorativo, 4a. ed. São Paulo: Saraiva, p. 130.
18
CABRAL, Antônio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da
confiança e validade prima facie dos atos processuais. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.
112 et seq.
19
É o caso, por exemplo, da proibição das decisões-surpresa (art. 10), ou da motivação
minuciosa e analítica das decisões que, majoritariamente, pode ser decalcada do art. 489, p.
1º.). O dever cooperativo de auxílio também se encaixa nesse trilho.
participação ativa na condução do processo, impactando, por consequência,
em seus rumos finais.
20
THEODORO JUNIOR, Humberto et al. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2015, p. 71.
21
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio, MITIDIERO, Daniel. Teoria geral do
processo civil, 2ª ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2016, p. 491.
22
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª ed. São Paulo:
MALHEIROS, 2009, p. 36. No mesmo sentido, e limitando os deveres cooperativos da parte à
dilaeticidade necessária à busca da verdade no processo, YARSHELL, Flávio Luiz, Curso de
Direito Processual Civil. São Paulo: Marcial Pons, 2014, v. 1, p. 111.
23
A expressão natural justice, utilizada no Direito inglês, reflete bem essa noção quase
atemporal de vinculação do direito de ser ouvido com a ideia de processo justo. Nesse sentido,
é emblemática a passagem em que Wade e Forsyth se referem à passagem bíblica em que
Deus, antes de punir Adão e Eva, confere à Eva a oportunidade de explicar a razão pela qual
oferecera a Adão o fruto proibido. WADE, H.W.R.; FORSYTH, C.F. Administrative Law. 10ª ed.
Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 403, apud. VITORELLI, Edilson. O devido processo
legal coletivo: dos direitos aos litígios coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 132.
24
FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito processual. Tradução Eliane Nassif. Campinas:
Bookseller, 2006, pp. 118-119
25
DINAMARCO, Cândido Rangel, op. cit. p. 130.
26
Referimo-nos à ideia de contraditório como princípio absoluto do processo. Nesse sentido
THEODORO Jr, Humberto. Curso de direito processual civil. 49ª ed. Rio de Janeiro, Forense,
2008, p. 32.
busca da tutela jurisdicional, justa, efetiva e em prazo razoável, 27 como quer o
art. 6º do CPC/2015.
27
Contraditório como meio, na linha de Carnelutti. (CARNERLUTTI, Francesco. Lezioni di
Diritto processuale civile. Padova: Cedam, vol. II, 1933, p. 168).
28
WOLKART, Erik Navarro. Novo código de processo civil x sistema processual civil de
nulidades. xeque-mate?. Revista de Processo. vol. 250 (dez. 2015), pp. 35 – 60.
transferindo informação entre elas e o juiz. A participação, portanto, diminui a
assimetria informacional e aumenta a precisão do processo. 29
29
SHAVELL, Steven, Foundations of Economic Analysis of Law. Cambridge, MA; London:
Belknap, 2004, p. 451.
30
José Roberto dos Santos Bedaque, e outros autores, referem essa necessidade de equilíbrio
entre a incidência das garantias processuais e a efetividade da decisão. Ninguém, todavia,
coloca parâmetros objetivos para tanto (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e
Processo: influência do Direito material sobre o processo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.
38.)
31
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law & Economis. 6ª ed. Boston: Addison-Wesleu, 2012,
p. 384-385.
32
SHAVELL, Steven, op. cit., p. 451.
33
COOTER, Robert; ULEN, Thomas, op. cit. p. 385
Assim, temos que: min Cs=Ca +¿C (e)¿
37
BORNE, Robert. Rethinking the Day in Court Ideal and Nonparty Preclusion. New York
University Law Review, v. 67, n. 2, p. 193-294, 1992, p. 266.
38
Esse corte, ou limite na participação das partes, foi decidido em Matherws v. Eldridge: 424
U.S. 319, 348 (1976) (“At some point the benefit of an additional safeguard to the individual af-
fected by the administrative action and to society in terms of increased assurance that the
action is just, may be outweighed by the cost.”)
39
Em sentido semelhante, VITORELLI, Edilson. op. cit. p. 184.
40
Desenvolvimento deste argumento está em WOLKART (2019), op. cit.
bem resolvido. Vejamos o caso da prescrição. Sabia-se que, ao identificar a
prescrição da pretensão, o juiz rejeitaria a petição inicial, proferindo sentença
de mérito. Sendo assim, os autores preocupavam-se em defender a existência
de suas pretensões, argumentando na própria petição inicial a não ocorrência
da prescrição. Nos casos em que isso não ocorria, a parte sempre poderia
apelar da sentença. Antes que se diga que isso provocaria aumento da
quantidade de trabalho do tribunal, é importante lembrar que essa apelação já
abria a possibilidade de retratação pelo magistrado (CPC/73, art. 296). O
sistema, portanto, funcionava adequadamente. Agora, com a necessidade de
prévia intimação, alguns meses serão necessários para que se alcance o
mesmo resultado.41
45
LIND, E.A.; TYLER, T.R. The social psychology of procedural justice. New York: Plenum,
1988.
46
TYLER, T.R. “Understanding the force of law: Comments on Schauer”. Tulsa Law Review,
vol. 51 (2016), pp. 507 - 519.
47
“The procedural justice model involves two stages. The first involves the argument that public
behavior is rooted in evaluations of the legitimacy of the police and courts. People’s social
values—in this case, their feelings of obligation and responsibility to obey legitimate authorities
—are viewed as key antecedents of public behavior. In other words, people cooperate with the
police and courts in their everyday lives when they view those authorities as legitimate and
entitled to be obeyed. […] The second involves the antecedents of legitimacy. The procedural
justice argument is that process-based assessments are the key antecedent of legitimacy (Tyler
1990). In this analysis, four indicators—summary judgments of procedural justice, inferences of
motive-based trust, judgments about the fairness of decision making, and judgments about the
fairness of interpersonal treatment—are treated as indices of an overall assessment of
procedural justice in the exercise of authority.” (COX, Adam B; MILES, Thomas J. Legitimacy
and Cooperation: Will Immigrants Cooperate with Local Police who Enforce Federal Immigration
Law? Coase-Sandor Working Paper Series in Law and Economics, n. 734, 2015. Disponível
em: <http://chicagounbound.uchicago.edu/law_and_economics/769>. Acesso em 10 jul. 2020.
pp. 6 - 7.
48
TYLER, Tom R. Why people obey de law. 2ª ed. Princeton: Princeton University Press, 2006.
49
SCHULHOFER, Stephen J.; TYLER, Tom R.; HUQ, Aziz Z. “American Policing as a
Crossroads: Unsustainable Policies and the Procedural Justice Alternative”. Journal of Criminal
Law & Criminology. Vol. 101 (2011), pp. 335 - 374.
50
KELLING, George L.; COLES, Catherine M. Fixing Broken Windows: Restoring Order and
Reducing Crime in Our Communities. Simon and Schuster, 1997., p. 160.
pequenas infrações, quando não combatidas, incentivariam a prática de crimes
mais graves.51 Além disso, a demonstração efetiva de combate ao crime,
mesmo aos pequenos, geraria incentivos cooperativos no indivíduo. Nas
versões mais radicais dessas políticas, caberia à polícia identificar e eliminar
qualquer sinal de desordem urbana (zero tolerance policy).52
51
KELLING, George L.; WILSON, James Q. “Broken Windows: The Police and Neighborhood
Safety”. Atlantic Monthly. Vol. 249 (1982), pp. 29 - 38.
52
SCHULHOFER, Stephen, op. cit. pp. 340-341.
53
Os autores refutam a hipótese de diminuição do índice cooperativo entre imigrantes e polícia
local, a partir de uma mudança de política americana que integrou a polícia comunitária no
combate a imigração ilegal, o que implicou a adoção de um modo de proceder mais rigoroso
em relação aos imigrantes. COX, Adam B; MILES, Thomas J. “Legitimacy and cooperation: will
immigrants cooperate with local police who enforce federal immigration law?”. Coase-Sandor
Working Paper Series in Law and Economics, 2015. Disponível em:
<http://chicagounbound.uchicago.edu/law_and_economics/769/>. Acesso em 10 jul. 2020.
54
SCHAUER, Frederick. The force of law. Cambridge/London: Harvard Press, Kindle edition,
2015.
55
Distintos, portanto, das vias da economia de bem-estar. Idem p. 61
56
Ao final, Schauer conclui que as normas sociais também são punitivas.
57
Idem p.167.
A legitimação pelo procedimento, todavia, é expressamente excluída por
Schauer do mecanismo indutor de respeito à lei 58. Para tanto, ele contradita a
pesquisa de Tyler, afirmando que suas evidências apontam apenas que as
pessoas tendem a respeitar normas com as quais elas concordam,
independentemente de sanção.59 Acrescenta, ainda, que os resultados de Tyler
mostram baixos níveis de respeito às normas sem sanção cujo conteúdo os
indivíduos discordam60.
58
Idem p. 57-61.
59
Idem p.60
60
Idem. Em resposta, em artigo-revisão do livro, Tyler critica a posição de Schauer, afirmando
que o autor ignorou a imensa quantidade de evidências empíricas que apontam a legitimação
da norma como principal força indutora, ao lado da punição. TYLER, Tom.R. “Understanding
the force of law: Comments on Schauer”. Tulsa Law Review, vol. 51 (2016), pp. 508, 518-519.
61
De há muito, Barbosa Moreira já concluíra nesse sentido. (MOREIRA, José Carlos Barbosa.
“O futuro da justiça. Alguns mitos”. In Temas de Direito processual (8ª série). São Paulo:
Saraiva, 2004., p. 87).
62
BABCOCK, Linda; LOEWENSTEIN, George. “Explaining bargaining impasse: the role of self-
serving biases”. Journal of economic perspectives, vol. 11 (1997), nº 1, p.110.
63
JOLLS, Christine; SUNSTEIN, Cass R.; THALER, Richard. “A behavioral approach to law and
economics”. Stanford Law Review. jul. 1998. p. 1479.
mais provável que o processo desenvolva-se embebido por sentimentos de
vingança, raiva, desgosto e outras animosidades. Nesse cenário, o
procedimento dificilmente produzirá algum sentimento de justiça ou de
aceitação, por mais participativo que seja64.
64
Produzirá, ainda, ansiedade, estresse, perda de tempo e de dinheiro em proporção direta a
sua duração (BURGER, Warren E. “Isn’t there a better way?”. American Bar Association, vol.
68 (1982), pp. 274 – 276).
65
JOLLS, Christine; SUNSTEIN, Cass R.; THALER, Richard, op. cit. p. 1495.
66
Idem, p. 1495.
67
HAL, R. Arkes; BLUMER, Catherine. “The psychology of sunk costs”. Organizational Behavior
and human decision processes. Ohio University, vol. 35 (1985). nº 1, p. 125.
um valor maior do que pagaria para adquirir o mesmo bem. 68 Processos
longos, com múltiplos recursos, geram efeito dotação e aniquilam as
possibilidades cooperativas.
68
THALER, Richard H. “Toward a Positive Theory of Consumer Choice”. Journal of Economic
Behavior and Organization, vol. 1 (1980), p. 44.
69
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de
processo civil, v. 1: teoria do processo civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.
269-270.
70
SUNSTEIN, CASS et. al. op. cit. p. 1498. Vale a pena reproduzir a passagem: “Although the
endowment effect suggests generally that the assignment of a legal entitlement may affect the
outcome of bargaining, such an effect is especially likely when the entitlement is in the form of a
court order obtained after legal proceedings between opposing parties (our focus here)”.
71
Com pesquisa empírica realizada com advogados, confirmando essa tendência,
FARNSWORTH, Ward. “Do Parties to Nuisance Lawsuits Bargain After Judgment? A Glimpse
Inside the Cathedral”. The University of Chicago Law Review, vol. 66 (1998), pp 373 - ss.
72
“To begin, if a party must not only spend money for lawyers and experts, but also devote
substantial time to the task and possibly be subject to hassle and stress, adjudication costs will
be greater than previously recognized.” KAPLOW, Louis. “The value of accuracy in adjudication:
an economic analysis”. The journal of legal studies, vol. 23 (1994), p. 51.
alimentando ainda mais o efeito dotação. 73 Ao final, dificilmente a parte
derrotada experimentará qualquer sentimento de justiça.
Por fim, um experimento mental talvez seja útil: o que o cidadão médio
escolheria antes de litigar? Um procedimento célere, efetivo e pouco
participativo ou um procedimento mais participativo em detrimento de alguma
celeridade e efetividade?
6. Conclusão
73
SUNSTEIN, CASS et al. op. cit p. 1500
74
HAY, Bruce; ROSEMBERG, David. The individual Justice of Averaging. Harvard Law School
John M. Olin Center for Law, Economics and Businesse Discussion Paper Series, n. 285, 7 jun.
2000, p. 32, p.41 e sgts.
75
HAY, Bruce L. “Procedural Justice-Ex Ante v. Ex Post”. 44 UCLA L. Rev.1997, pp. 1803 -
1850.
. No mesmo sentido, KAPLOW, Louis. “The value of accuracy in adjudication: an economic
analysis”. The journal of legal studies, vol. 23 (1994), p. 390. No Brasil, VITORELLI, Edilson,
op. cit. p. 186; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: influência do Direito
material sobre o processo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 16. Nas palavras de Barbosa
Moreira: […] Ora, o que normalmente quer cada uma das partes é sair vitoriosa, tenha ou não
razão: pouco lhe importa, em regra, que se mostre justo o resultado, desde que lhe seja
favorável. op. cit. p. 87. Em outro texto, o professor aborda novamente o tema, a propósito do
desejo de celeridade, afirmando, corretamente, que a parte que sabe não ter o direito não
deseja celeridade. Muito pelo contrário, quer o processo se arraste o maior tempo possível.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. “O futuro da justiça. Alguns mitos”. In Temas de Direito
processual (8ª série). São Paulo: Saraiva, 2004, p. 3.
Diante do exposto, concluímos que os deveres cooperativos, tal como
apresentados pela doutrina atual de processo civil, decorrem de um específico
conceito de devido processo legal, decalcado de uma visão idealizada da
importância e da necessidade da participação no processo civil. Esse conceito
não se encaixa na realidade da justiça brasileira (cenário de tragédia) e, por
isso, é incapaz de concretizar o objetivo cooperativo idealizado no art. 6º do
CPC/2015, qual seja, permitir que a tutela de direito dê-se de forma justa,
efetiva e em tempo razoável.
Referências.
BORNE, Robert. Rethinking the Day in Court Ideal and Nonparty Preclusion.
New York University Law Review, v. 67, n. 2, p. 193-294, 1992.
BURGER, Warren E. “Isn’t there a better way?”. American Bar Association, vol.
68 (1982), pp. 274 - 276.
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law & Economics. 6. ed. Boston: Addison-
Wesley, 2012.
GREENE, Joshua D. Moral Tribes: Emotion, Reason and the Gap Between Us
and Them. New York: Penguin Books, 2013.
HARDIN, Garett. “The tragedy of the Commons”. Science. 162 (3859), dez.
1968.
HENRICH, Joseph. The Secret of Our Success: How Culture Are Driving
Human Evolution, Domesticating our Species, and Making us Smarter.
Princeton: Princeton University, 2016.
JOLLS, Christine; SUNSTEIN, Cass R.; THALER, Richard. “A behavioral
approach to law and economics”. Stanford Law Review. jul. 1998
KELLING, George L.; WILSON, James Q. “Broken Windows: The Police and
Neighborhood Safety”. Atlantic Monthly. vol. 249 (1982), pp. 29 - 38.
LIND, E.A.; TYLER, T.R. The social psychology of procedural justice. New
York: Plenum, 1988.
PINKER, Steven. The Better Angels of Our Nature: Why Violence Has
Declined. London: Penguin Books, 2011.
SCHULHOFER, Stephen J.; TYLER, Tom R.; HUQ, Aziz Z. “American Policing
as a Crossroads: Unsustainable Policies and the Procedural Justice
Alternative”. Journal of Criminal Law & Criminology. vol. 101 (2011), pp. 335 -
374.
THEODORO Jr, Humberto. Curso de direito processual civil. 49ª ed. Rio de
Janeiro, Forense, 2008.
VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo: dos direitos aos litígios
coletivos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016.
WADE, H.W.R.; FORSYTH, C.F. Administrative Law. 10ª ed. Oxford: Oxford
University Press, 2009.
YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de direito processual civil. São Paulo: Marcial
Pons, 2014, v. 1.